São Paulo
Julho - 2009
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São Paulo
Julho - 2009
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Ao meu marido e filhos, pelo carinho, compreensão e por terem suportado minha
ausência durante a elaboração deste trabalho.
Meus profundos agradecimentos a professora Anete Maria Busin Fernandes por ter
acolhido meu trabalho e me orientado com sensibilidade e maestria.
A meus pais que me transmitiram o amor às coisas simples e belas, tarefa difícil que
tento transmitir aos meus filhos...
A professora Maria Lúcia Melo que com seu olhar profissional e ético para este
trabalho contribuiu com meu crescimento e meu aprendizado. Meus sinceros
agradecimentos.
3
Resumo
Trazer para a prática clinica a contribuição das áreas psi, levando em consideração
que esse sujeito rotulado como hiperativo, tem seus impasses mediados pelo corpo
e sofre por não conseguir colocar em palavras seu mal estar.
É preciso sensibilizar aqueles que são responsáveis por essa criança e/ou
adolescente, também aos educadores e profissionais da saúde, para que não caiam
na falácia de que existe um consenso sobre TDAH e mais, que um simples
questionário ou um olhar para um corpo inquieto, darão conta de um diagnóstico
preciso.
O próprio conceito de transtorno aponta para um déficit orgânico que só poderá ser
solucionado com medicamentos. Conceito oposto a definição Lacaniana de ‘sintoma’
entendido como produção do sujeito.
SUMÁRIO
Introdução........................................................................................................ 5
1.1 Definição............................................................................................ 10
tividade.............................................................................................................. 10
Cap.7-Conclusões............................................................................................ 44
8- Referências Bibliográficas............................................................................ 50
9. Anexos.......................................................................................................... 53
5
Introdução
Torna-se cada vez mais urgente formar profissionais bem informados com relação
aos diversos modos de entender o TDAH e de diferenciar os interesses da indústria
farmacêutica (interesses comerciais) na crescente medicalização indiscriminada das
crianças ditas hipercinéticas.
A submissão dos profissionais da área psi aos diagnósticos médicos há muito vem
sendo questionada. É necessário aprimorarmos nossos conhecimentos e nossa
prática clínica para sustentarmos a capacidade de elaborar dessas crianças, ditas
hipercinéticas, como sujeitos de sua própria história, e não como autômatos,
cordatos, silenciados pelos medicamentos.
“Quero ressaltar a importância de que diante de uma criança com déficit de atenção
e hiperatividade, seja adotada uma atitude de avaliação multiprofissional,
procurando aferir todas as circunstâncias que a cercam principalmente a familiar,
escolar e social.” (p. 57)
“É hoje mais necessária do que nunca a utilidade social da escuta em uma sociedade
onde a resposta tecnocrática ao sofrimento se baseia nos protocolos standardizados
que apagam a particularidade do sintoma e sua dimensão individual, condenando
cada um à cronicidade. Acrescenta-se a esse quadro uma clínica infanto-juvenil
dominada pelo déficit da palavra o qual condena as crianças à hiperatividade e ao
consumo maciço e precoce de drogas e álcool. O mau-viver encontra cada vez mais
lugares de tratamento e menos lugares de escuta e de acolhimento.” (p.05)
Esses questionários podem ser úteis e são de fácil aplicação. Entretanto, podem ter
limitações por sofrerem interferências subjetivas do examinador mais severo em seus
critérios, pouco motivado em aplicá-lo, ou estarem sujeitos a influência da
instabilidade do comportamento da criança.
Não existe ainda um instrumento de avaliação que por si só, permita a realização do
diagnóstico isento de risco de incorreções ou críticas.
1
Publicado na revista Latusa digital, Nº29 Julho/2007
2
Untoiglich, G. (2005). Diagnósticos em La Infância: em busca da subjetividade perdida.
7
Por sua vez a psicanálise e a leitura analítica provam-nos que os efeitos mais
decisivos na história de uma pessoa são produzidos por causas não biológicas. O
corpo não é sua anatomia nem sua psicologia. “O corpo é o entrecruzamento de um
organismo a partir da inteligência e do desejo de intersubjetividade que nos
caracteriza como humanos.” (p.206)
Freud traz em seu texto “O sentido dos sintomas” (1916) 4, uma questão crucial em
relação aos sintomas psicanalíticos, afinal qual o sentido de tudo isso? “Atos-falhos,
sonhos, e sintomas neuróticos, têm um sentido e se referem estritamente à vida
íntima do paciente.” (p.305)
Bergés (2008) legitima os estudos de Freud e aponta para o fato de que o sintoma
fala certamente, mas o que ele diz? Deve-se saber antes de tentar fazê-lo calar.
“Aqui os transtornos da criança nada mais são que a parte visível, explorável, do
espaço conflitual parental, ou familiar. Freqüentemente, este espaço é descoberto na
primeira entrevista, desentendimento conjugal, alcoolismo de um dos pais, existência
de um estado depressivo grave na mãe, recente falecimento. Mas às vezes, é só ao
fim de muitos meses, anos até, que emergirá devido ao desconhecimento dos
próprios pais, a revelação dramática de uma doença hereditária, um segredo de
família sobre a origem deste ou daquele. É por ocasião de um lance inesperado que
se esclarecem as verdadeiras razões que mantêm em um primeiro plano fictício a
doença da criança, verdadeiro testa-de-ferro do problema: o sintoma do drama
familiar nada mais é do que a própria criança doente.” (p.122)
3
Fernández, Alícia (1990). A Inteligência Aprisionada; Porto Alegre: Artes Médicas.
4
Freud, Sigmund (1916-1917). Conferências Introdutórias sobre a psicanálise. ESB XVI, p. 305.
8
Legnani (2006) 6 nos alerta também para o risco de seguirmos uma lógica
medicamentosa em que a prescrição do medicamento é feita a partir da
homogeneização dos pacientes e em detrimento de suas singularidades e leva a
não responsabilização dos adultos educadores:
5
Fernández, Alícia. A Inteligência Aprisionada. Artes Médicas: 2001.
6
Legnani, Viviane N., Andrade, Mariana F. de, Cairus, Raquel Cristina dos R. et al. Impasses na construção da
noção de alteridade nos processos de subjetivação das crianças com o diagnóstico de transtorno de déficit de
atenção e hiperatividade (TDAH).
9
1.1 Definição
Paul Bercherie (1989) traz em seu livro “Os Fundamentos da Clínica” que no ano de
1909 Dupré apresentou sua primeira descrição sobre o que ele chamou de
“constituição emotiva”, e que posteriormente, seria trabalhado e mais bem elaborado
em vários artigos. Dupré descrevia:
7
Rhode, L. A. Mattos, P. & cols. Princípios e práticas em TDAH. Porto Alegre: Artmed, 2003.
11
Cypel (2001) está de acordo com Bercherie a respeito das contribuições de Dupré
para a gênese dessa caracterização nosográfica. Segundo Cypel, no ano 1925, os
trabalhos de Dupré assinalavam o desajeitamento ou a debilidade motora nas
crianças sem lesão cerebral, trabalho este que já apontava para algo da ordem do
emocional participando desse sintoma.
Henry Wallon que naquele mesmo ano irá publicar também sua tese de doutorado
“L’enfant Turbulent” (A criança Inquieta), pesquisa que foi o marco fundamental e
inicial do autor na área da Psicologia, observa e analisa detalhadamente 214
crianças entre dois e três anos e quatorze e quinze anos, com sérios distúrbios
psicológicos como: instabilidade, perversidade e delinqüência.
No entanto, o crédito científico ficou com, George Frederick Still e Alfred Tredgold
(1902), que descreveram, pela primeira vez, crianças excessivamente ativas e
agitadas como sendo hiperativas, com falta de atenção, dificuldades de aprendizado
e problemas de conduta, caracterizando-as como tendo “defeitos mórbidos de
controle moral”.
12
Barkley (2008) 9 cita outros autores que seguindo a teoria de Still sobre lesões
precoces, explicavam as deficiências no comportamento e na aprendizagem. Esses
autores seriam Tredgold (1908) 10 e, tempos depois, Pasamanik, Rogers e Lilienfeld
(1956) 11, todos usaram a teoria das lesões precoces, leves e despercebidas para
explicar as deficiências no comportamento.
Desde então, o que viria a se chamar TDAH, passou por denominações como
“Lesão Cerebral Mínima”, ou seja, aquelas alterações funcionais que as crianças
apresentariam seriam em função de pequenas lesões cerebrais. E também
disfunção cerebral mínima como veremos adiante.
De acordo com Cypel (2003) essa substituição trouxe uma maior abertura para os
estudos que se seguiriam:
8
Still, G. F. (1902). Some abnormal psychical conditions in children.
9
Barkley, R. A. (2008). Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade: Manual para diagnóstico e
tratamento.
10
Tredgold, A. F. (1908). Mental Deficiency (amentia). New York: Wood.
11
Pasamanik, b., Rogers, M., & Lilienfeld, A. M. (1956) Pregnancy experience and development of behavior
disorder in children. American Journal of Psychiatry, 112, 613, 617.
12
Cypel, S. (2003). A criança com déficit de atenção e hiperatividade: Atualização para pais, professores e
profissionais da saúde. São Paulo: Lemos Editorial.
13
Barkley (2008) cita que o conceito de “disfunção cerebral mínima”, teria uma morte
lenta à medida que começou a ser reconhecido como vago abrangente demais, de
pouco ou nenhum valor prescritivo e sem evidência neurológica.
“O termo “disfunção cerebral mínima finalmente foi substituído por rótulos mais
específicos aplicados a transtornos cognitivos, comportamentais e de aprendizagem
que eram um pouco mais homogêneos, como “dislexia”, “transtornos da linguagem”,
“dificuldades de aprendizagem” e “hiperatividade”. “Esses novos rótulos baseavam-se
nos déficits observáveis e descritivos das crianças em vez de algum mecanismo
etiológico subjacente ao cérebro, que não poderia ser observado.”
13
Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. American psychiatric publishing.
14
Camargos, W. Jr.& Hounie, A. G. (2005) Manual clínico do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.
Nova Lima: Editora Info.
14
• Predominantemente desatento
• Predominantemente hiperativo/impulsivo
• Combinado
Barkley (2008) continua suas pesquisas acerca deste tema do ano de 2000 até o
presente momento e traz para nós as últimas descobertas.
“As tendências dos anos noventa certamente continuarão no séc. XXI, com muito
mais pesquisas publicadas sobre, a hereditariedade genética, molecular e
neuroimagem juntamente com algumas tentativas de se relacionar esses campos
entre si. A base hereditária não apenas foi firmemente estabelecida por muitos artigos
16
recentes, como vários estudos atuais podem ter descoberto outros genes candidatos
ao transtorno (alelo DBH Taq I).”
“... de fato nenhuma parte da bibliografia do TDAH cresceu de forma tão espantosa
quanto à neuropsicologia. Essa literatura continua a sustentar a visão de que o TDAH
compreende um problema com a inibição comportamental (executiva). A
neuropsicologia sugere que os problemas de atenção associados ao transtorno
provavelmente representem déficits em domínio neuropsicológico mais amplo do
funcionamento executivo. (p.48)”
Cypel (2003) trata da questão das funções executivas acima descritas por Barkley e
faz todo um trabalho voltado ao estudo das relações das FE com os transtornos de
aprendizado. Para melhor avaliarmos as questões relativas às funções executivas
vamos conceituar e analisar, principalmente no que diz respeito à memória de
trabalho.
Barkley (2008) define as FE’s (Funções Executivas) como sendo: “uma classe
específica de ações auto dirigidas do indivíduo que são usadas para auto-regulação
relacionada com o futuro.”
Segundo Cypel (2003) esses primeiros cuidados com o recém nascido são
essenciais para criar um ambiente acolhedor e deixar o bebê mais tranqüilo. O fato
de deixá-lo por várias horas sem alimentação, sem cuidados (no caso de uma mãe
deprimida) faz com que essa criança fique ansiosa e desenvolva um modo de
resposta desencadeando um mecanismo de desadaptação, podendo gerar altos
níveis de ansiedade no par mãe/bebê que são fatores desorganizadores do vínculo.
17
“Do ponto de vista clínico verifica-se um bebê bastante irritado, com choro freqüente e
voraz, solicitando mamadas a curtos períodos; em geral há dificuldade no sono
acordando diversas vezes e ficando boa parte do tempo no embalo do colo materno.”
“A mãe por sua vez está exaurida sem estratégias nem condições emocionais para
lidar com essas circunstancias, agregando-se, com relativa freqüência, uma ausência
da participação paterna.” (p.14)
Tudo isso contribuirá para que o cérebro do bebê deixe de formar uma homeostase
comportamental interferindo, em sua “self regulation”, que é toda a base de
formação das Funções Executivas.
Segundo Baron apud Camargos & Hounie (2005), o constructo – Função Executiva
(FE)- é heterogêneo e inclui alguns comportamentos gerais e amplos, como
raciocínio abstrato, resolução de problemas e formação de conceitos, assim como
vários outros muito específicos que determinam subdomínios da FE oriundos, ou de
estudos empíricos, ou de julgamento clínico.
• Antecipação;
• Autocontrole e autogerenciamento;
• Comportamento inibitório;
• Controle de atenção;
• Controle do comportamento;
• Flexibilidade mental;
• Fluência;
• Formação de conceitos;
• Generalização de hipóteses;
18
• Iniciativa;
• Memória operacional;
• Planejamento de ação;
• Raciocínio abstrato;
• Resolução de problemas.
E esse “por que” diz respeito à particularidade de cada caso e como essa criança
portadora do TDAH, lida com seu entorno, pais, irmãos, amigos, professores e o
meio ambiente em que vive.
Ansermet (2003) aponta que não podemos ver essa criança apenas como alguém
que manifesta um defeito orgânico ou mental, segundo a lógica da deficiência. (...)
Mesmo que o sujeito, como humano, efetivamente se apóie na realidade de seu
organismo, não deixa de estar preparado para o simbólico, para receber a
demarcação simbólica. (89p.)
21
É no corpo que esse sintoma hiperatividade se faz mais presente, e é através dele
que a criança irá manifestar seu mal estar.
Pain (1992) esclarece que existem condições externas para a aprendizagem, que
definem o campo dos estímulos e internas, que definem o campo do sujeito. A essas
condições internas ela faz referência a três planos intimamente relacionados. O
primeiro plano é o corpo, é com o corpo que se aprende, as condições do mesmo
favorecem ou atrasam os processos cognitivos, em especial os de aprendizagem.
Porque hipercinético uma vez que ele poderia encontrar outra coisa?
Tendo em vista o acima exposto e visando articular teoria e prática, sem acentuar ou
destacar uma em detrimento da outra, mas sim privilegiar uma direção ética voltada
para o sujeito em sua dimensão inconsciente, sua demanda e seu desejo.
Pretendemos propiciar uma abertura interdisciplinar produzindo conexões com
outros campos de saber.
Onde está o sujeito? Há sujeito nesse sintoma TDAH? Lacan nos coloca esse
desafio como psicanalistas devemos resgatar o sujeito preterido no discurso da
ciência.
23
... Descobre que uma paralisia histérica pode cobrir um território anatômico que
contradiz aquilo que poderíamos chamar de cartografia neurológica. Não põe em
dúvida absolutamente a verdade e a exatidão da Neurologia, ao contrário. É sobre
essa verdade anatômica que irá se fundar. Mas, levantará a hipótese de que há algo
imaginário nessas paralisias... É por meio da verdade neurológica que se tenta refutar
as paralisias histéricas (o que não significa curá-las), mas, jamais a Psicanálise
tentará refutar a Neurologia... Em presença de uma paralisia, um neurologista deve
acabar por achar algo que não funciona em algum lugar na materialidade do sistema
nervoso. Freud, pelo contrário, pensa que seria preciso antes olhar para o lado da
"imaginação das histéricas." Falando assim, não contradiz em nada a ciência dos
neurologistas, ao contrário, fundamenta-se justamente nessa ciência para emitir essa
hipótese. (pp. 154-155)
Os pacientes procuram ajuda através de seus sintomas, que podem ser de ordem
física, familiar, sexual, profissional, etc. Para a Psicanálise, o sintoma precisa ser
apreendido na trama de sua elaboração inconsciente. Assim, o procedimento para a
investigação dos processos nos níveis inconscientes tem como modelo a
interpretação de sonhos que busca nestes um sentido e é essa decifração de
sentido que se impõe, mostrando a importância da linguagem e servindo de
paradigma para a apreensão do sintoma.
... a poupar a energia mental que está despendendo em conflitos internos, obtendo do
paciente o melhor que suas capacidades herdadas permitam, e tornando-o assim tão
eficiente e capaz de gozo quanto é possível. Não se visa especificamente à remoção
dos sintomas da doença, contudo ela é conseguida, por assim dizer, como um
subproduto, se a análise for corretamente efetuada. O analista respeita a
individualidade do paciente e não procura remoldá-lo de acordo com suas próprias
idéias pessoais, isto é, as do médico; contenta-se em evitar dar conselhos e, em vez
disso, em despertar o poder de iniciativa do paciente. (p. 304)
16
Freud, S. ([1922] 1923). Dois verbetes de enciclopédia. ESB Vol. XVIII.
24
Quando uma criança é levada ao consultório por seus pais, faz-se necessário
investigar de onde procede a queixa, se dos pais, da criança, da instituição de
ensino, do pediatra. São de fundamental importância as entrevistas preliminares, as
quais já apresentam em alguns casos certa ação terapêutica.
• A mãe e o pai são capazes de sustentar esses limites para além da resistência da
criança ou cedem com facilidade?
• Como a criança responde a essas situações: faz uso, fica confusa, dividida ou
ignora?(p.783)
Como os pais lidam com a hiperatividade de seu filho (a)? Eles o acham
normal? Acham-no insuportável? Tem vergonha de seu filho?
Bergès nos dirá que é justamente do lado dos adultos que se dá a tentativa
equivocada de justificar os atos da criança.
25
Ora, quem de fato deveria falar sobre sua hipercinese, é a própria criança, desde
que, seja oferecido a ela esse espaço ela certamente fará uso da palavra.
Devemos ouvir nas entrevistas preliminares aquilo que Pain (1992) pede para
investigarmos a respeito do motivo da consulta, buscar o significado do sintoma para
a família e também o significado do sintoma na família.
Para tal é imprescindível que esse profissional, no caso o analista busque ouvir seu
paciente, ouvir os pais de seu paciente, buscar analisar por que via esse paciente
chegou até ao consultório. Quem o encaminhou? A escola, o pediatra, um
psicólogo? Ele chegou até nós após a leitura de um artigo em revista, um programa
de televisão que seus pais assistiram? Há uma questão familiar?
Ouvir sua história vital contada por ele mesmo e por seus pais. Saber como se
relaciona com seus familiares, que lugar ocupa nessa família e como lida com isso.
Saber como o paciente se relaciona com seu sintoma e que uso faz dele.
Severino (2007) 17 aborda a trajetória das Ciências Humanas trazendo que em sua
gênese essas ciências procuraram praticar a metodologia experimental/matemática
da ciência, assumindo os pressupostos ontológicos e epistemológicos do
Positivismo.
Citamos o estruturalismo, pois, foi a partir dele que pensadores como Lévi-Strauss,
Foucault e Jaques Lacan lançaram luz à questão do homem e de sua forma de vida
social. Apoiados no pressuposto de que todas as formas de vida social se organizam
sob o modelo de sistemas estruturados, sempre de acordo com regras de ordenação
e de transformação.
Mas se a psicanálise deriva da ciência, não se reduz a ela, operando segundo esse
autor em relação ao passo inaugural da ciência, um corte, um rompimento
discursivo, para cujo entendimento a noção de sujeito é a chave fundamental,
porquanto é em relação à posição dessa noção em cada um desses dois campos
discursivos, o da ciência e o da psicanálise, onde melhor se esclarecem as relações
entre esses campos. E continua:
Foi o pensamento de Lacan que trouxe as condições epistemológicas para este
esclarecimento. Freud aspirava a que a psicanálise viesse a ser reconhecida como
uma ciência. Nesse sentido, ele nutria o Ideal de Ciência, como dirá Jean Claude
Milner, o que significa que ele não podia do ponto em que se situava, como fundador
da psicanálise, tirar todas as conseqüências de seu passo.
Lacan coloca para a ciência a questão: “que ciência poderia incluir a psicanálise?”,
demonstrando com isso que é a psicanálise que coloca para a ciência uma questão,
precisamente a de ter reintroduzido o sujeito na cena discursiva em que a ciência ao
fundar-se, o situou e da qual, no mesmo golpe, o excluiu. (p.20)
17
Severino, A. J. Metodologia do trabalho científico. 23 Ed.Rev. e Atual. –São Paulo: Cortez, 2007.
27
Desde o início de sua obra Freud define o sintoma como a etapa final da doença; é
uma função de compromisso resultante de um conflito que resultou numa defesa mal
sucedida. O que é para ser recalcado se impõe ou retrocede. O problema todo é
então colocado em termos de capacidade do recalque em exercer seu papel. Freud
distingue dois períodos da vida: de 8 a 10 anos e de 13 a 17 anos aproximadamente
que são os momentos em que o recalque se produz. (p.58)
Assim “os sintomas neuróticos e os atos falhos têm em comum o fato de reduzirem-
se a materiais psíquicos incompletamente recalcados e que mesmo sendo
recalcados pelo consciente, não perderam toda possibilidade de se manifestar e de
se expressar”
Em seguida, no texto A interpretação dos sonhos ele dirá, “A fuga diante da dor nos
apresenta o modelo e o primeiro exemplo de recalque psíquico.”
Nesse mesmo texto Freud (1900, 1901), quando nenhum de nossos eminentes
cientistas acima descritos ainda pensavam em estudar as relações do aparelho
psíquico com as descargas motoras, postula a seguinte teoria:
Algumas hipóteses cuja justificação deve ser buscada de outras maneiras dizem-nos
que, a princípio, os esforços do aparelho psíquico tinham o sentido de mantê-lo tão
28
Mais adiante Freud é enfático em sua posição em seu texto O sentido dos sintomas
Onde situar as crianças e seus desejos? Onde podemos localizar seus desejos seus
temores e seus sofrimentos? Porque supor que são patológicos em lugar de pensá-
30
los como sujeitos com diferentes possibilidades, que estão atravessando momentos
difíceis? O que querem os pais quando, depois de peregrinarem por diversos
especialistas, após a leitura exaustiva de bibliografias médicas muitas delas
incompreensíveis, nos apresentam seus filhos-rótulos?
Isso nos remete aos nossos pacientes que já adentram o consultório se dizendo
TDAH. Ou àqueles pais que, segundo Gorodiscy, apresentam seu filho TDA ao
terapeuta sem sequer lhe dizer o nome. Mas já trazendo o filho assim nomeado e
rotulado. Bradando à destra com uma revista, livro ou reportagem em mãos, afirmam
que seu filho é portador de tal doença.
Lacan, apud Cirino (2001), nos ensina que devemos distinguir “severamente” o
sujeito que interessa à psicanálise- o sujeito do inconsciente, o sujeito do
significante- tanto do “indivíduo biológico quanto de qualquer evolução psicológica
classificável como objeto de compreensão.”
Myssior (2003) 18 contribui com nossa reflexão quando diz que o que a psicanálise
poderia contribuir para a clínica da criança é a de uma escuta que vá além da ordem
biológica, para uma clínica que não se limite a intervir no organismo. Uma clínica
que considere a subjetividade da criança nisso que ela apresenta como um sintoma.
Para tanto, nos parece necessário resgatar e diferenciar as dimensões em que o ser
se constitui em sujeito.
amor desse sujeito em constituição. Daí apontarmos todos os atos regulares desse
corpo dirigidos por essa mãe:
“A essa escolha que a criança faz ao tornar sua mãe o primeiro objeto de seu amor
vincula-se tudo aquilo que sob o nome de Complexo de Édipo veio a ter tanta
importância na explicação psicanalítica das neuroses e tem tido uma parte não
menor, talvez, na resistência à psicanálise.” (pg.385)
Mais adiante Freud dirá que a primeira escolha objetal de um ser humano é
regularmente incestuosa, dirigida, no caso do homem, à sua mãe e à sua irmã; e
necessita das mais severas proibições para impedir que essa tendência infantil
persistente se realize. (p.391)
A análise confirma tudo o que a lenda descreve. Mostra que cada um desses
neuróticos também tem sido um Édipo, ou o que vem a dar no mesmo, como reação
ao complexo, tornou-se um Hamlet. A explicação analítica do complexo de Édipo é,
naturalmente, uma ampliação e uma versão mais crua do esboço infantil. O ódio ao
pai, os desejos de morte contra ele, já não são mais insinuados timidamente, a
afeição pela mãe admite que seu objetivo seja possuí-la como mulher. Devemos
realmente atribuir esses impulsos emocionais turbulentos e externos aos tenros anos
da infância, ou será que a análise nos engana com algum fator novo? Não é difícil
achar um desses fatores. Sempre que alguém faz um relato de um acontecimento
passado, ainda que seja um historiador, devemos ter em mente o que é que ele
intencionalmente faz recuar do presente, ou de alguma época intermediária, para o
passado, falsificando com isso seu quadro referente ao fato. (p.392)
... o superego surge como herdeiro dessa vinculação afetiva tão importante para a
infância. Abandonando o complexo de Édipo, uma criança deve, conforme podemos
ver, renunciar às intensas catexias objetais que depositou em seus pais, e é como
compensação por essa perda de objetos que existe uma intensificação tão grande
32
Missior (2003) aponta que aquilo que Freud chama de castração é observável no
que diz respeito aos cuidados maternos. Assim as dificuldades que o outro enfrenta
para separar-se de sua criança podem deixar pouco espaço para o sujeito, o que
não deixa de trazer conseqüências à sua constituição.
A psicanálise nos ensina que da mãe para a criança não passa só aquilo que
satisfaz como o leite materno, passa-se sempre também alguma coisa de
insatisfeito. O desejo da mãe, afinal, é por sua vez o desejo do Outro: a
maternidade, embora tenha aparência de plenitude, nem por isso deixa de ser a
demarcação de um vazio. Vazio que começa pela separação do cordão umbilical
que marca no corpo uma ausência.
Françoise Dolto (2004) 19 fala desse momento como “a primeira castração imposta
ao bebê, separando-o do corpo da mãe... É a linguagem, portanto, que simboliza a
castração do nascimento que denominamos umbilical.”
É antes de tudo a marca de uma perda, marca sobre o corpo, em que a seriação
revela a mediação simbólica.
Arsemet (2003) cita Joyce que em seu primeiro capítulo da Obra Ulisses evoca o
ventre liso da mulher sem mãe. De fato, para se ter um umbigo, é necessário que
alguém tenha vindo antes de nós. Para cairmos no mundo, é necessário que
tenhamos tido uma mãe e sido carregados em uma cavidade interior. O umbigo é
uma cicatriz deixada por aquela separação primeira. É Uma marca que indica a
origem, uma marca deixada no corpo do pequeno homem por sua entrada no tempo.
Essa primeira marca é sucedida por outra que veremos adiante.
19
Dolto, F. (2004) A imagem inconsciente do corpo. São Paulo: Perspectiva.
33
A criança assim separada de sua mãe ainda depende dela para sua sobrevivência.
Jerusalinsk (2003) diz que essa criança ao nascer é pouco mais que um “bife com
olhos”. Quer dizer que ela nasce com equipamento potencial muito grande, mas num
estado de insuficiência tal que seu instinto por mais que opere não é suficiente para
orientá-la no mundo. No entanto o nascimento de um bebê ainda não é o tempo do
nascimento de um sujeito. Pois a criança depende logo de início de um grande Outro
desejante, que a nomeie e que interprete seu choro e seus desassossegos. Ela será
um sujeito à medida que viermos a supor isso nela. E na medida em que viermos a
supor isso nela ela tem todo um potencial para vir a se apropriar disso passo a
passo. Mas para que isso aconteça, deve haver a intervenção de outro semelhante
que suporte e que deseje isso nela. Ela depende do outro não só para sobreviver em
função de sua realidade biológica extremamente frágil; depende também do Outro,
com sua anterioridade lógica e desejo, para torná-la humana desejante.
Ansermet (2003), dirá que ao alimentar seu filho, a mãe concorre para que a
sensação orgânica de fome seja apaziguada. Porém ela, no momento em que provê
o objeto que acalma a necessidade, designa-se retroativamente como o agente de
um dano imaginário. “Ela não poderia ter trazido o objeto mais cedo?” Por mais
antecipadora que seja a resposta materna, a falta sempre pode ser reportada ao
momento exatamente anterior ao apaziguamento experimentado. A resposta ao
apelo paradoxalmente faz aparecer uma falta: “A resposta ao grito, com o seio,
interpreta a necessidade como frustração imaginária, causada precisamente pela
mãe simbólica, a única conhecida”.
Ainda que o infans esteja antes da palavra verbal, ele já se insere na estrutura da
linguagem, já que o mesmo é falado pelo Outro. Na triangulação de seu entorno já
se lhe destinava um lugar no desejo da mãe e do pai. É assim que uma criança vem
ao mundo a partir, por exemplo, de um encontro de amor, de um desejo particular
dirigido a um homem ou de uma vontade de gozo, até como dejeto, portando uma
pesada carga de rejeição. Seja como for motivos diversos e fantasias distintas
estarão na origem de um nascimento para torná-la sujeito algum tipo de
investimento deverá se antecipar à criança, para inscrevê-la na ordem simbólica.
Isso nos mostra a possibilidade do diálogo entre disciplinas que pode e deve ser
usado em prol da compreensão do sintoma hiperatividade. Não podemos deixar de
nos atualizar quanto aos avanços da neuropsicologia, que contribuem para dar-nos
uma visão mais clara dos processos mentais.
Por isso se dirá que, a evolução do bebê não será uma evolução linear, a partir de
um núcleo qualquer, mas seguirá um percurso que irá sempre da impotência para a
antecipação.
Bergés (2005) traz que nessa antecipação de saber a criança faz apelo a alguém
que fale: está aí o que é antecipado. Ou seja, alguém capaz justamente de colocar
os significantes de tal maneira que sucessivamente colocados uns após os outros
possam provocar uma diferença. Produzindo uma descontinuidade. E continua:
...É aí, creio eu que é verdadeiramente interessante o fato de que Lacan coloca
S¹, S² e logo a seqüência dos S² especificando que S² é o corpo. Em que
medida? Esta discriminação vai se fazer inicialmente na fonética, quer dizer pela
via da audição. Existe um intervalo no funcionamento desta função auditiva, ou
na sintonia ritmada das funções: sono, o apetite, o transito digestivo, a
respiração, etc., aí não tem intervalo, está regulado como um ritmo próprio, como
um ritmo dito lógico, não há corte, eu não posso parar de respirar. (p.222)
Uma questão fundamental que se coloca na clínica com o sujeito bem jovem:
quanto mais a criança é pequena, se ainda não fala, tanto mais ela irá utilizar
seu corpo como palavra para exprimir o que não anda bem. Desde seus
primeiros dias de vida os bebês sofrem de distúrbios digestivos os mais variados:
vomitam, regurgitam, tem diarréias, prisão de ventre, cólicas. Rejeitam o seio, a
sopinha, a papa de frutas, fazem anorexia... Ou fazem bulimia, exigindo sem
parar. Choram, tem pouco sono ou muito sono, ou acordam com freqüência.
Têm distúrbios cutâneos, respiratórios, leves ou mais severos. São hipotônicos,
apresentam alteração na curva de peso, gritam são agitados... Isso só para citar
o que aparece na clínica pediatria no primeiro ano de vida!
Freud (1905) já atribui à criança, mesmo a de pouca idade, um papel “ativo”. “Ativo”,
mas, não autônomo. Os distúrbios da primeira infância (intestinais, sucção,
regurgitação, excreção) são por ele associados à sexualidade, ou seja, à excitação
das zonas erógenas correspondentes à boca e ao trato digestivo. É assim que nas
situações que Freud pode constatar que se encaminharam às neuroses, a criança
35
se revela como agente de sua sexualidade, e não apenas como um joguete passivo
das influências do meio familiar. Isso é surpreendente, pois delimita a participação
da criança em seu sintoma.
Freud delimitou esse tempo na origem como mítico: haveria uma marca, um
recalque originário, tomado muito mais como uma falta de saber, que nomeou de
falta originária. Nada existe que nos assegure como tudo começou para o particular
de um sujeito e por isso nossa estória nunca será factual e sim construída: só no a
posteriori poderemos dizer o “como terá sido”.
Pensando nesse sintoma que se dá no corpo, Freud (1895), em seu Projeto, dirá
que nos traços mnêmicos os resíduos de fragmentos vistos e ouvidos muito
precocemente pelo bebê, vão marcando o aparelho psíquico para constituí-lo. Aí
tanto o traço quanto o apagamento do traço deixam “pegadas”, demarcadas como
sulcamentos, que acabam por compor uma tessitura que implica em intervalos e
pontos de amarração esses se fixam por onde o Outro foi deixando suas marcas: de
olhar, de voz, de seio (oral) e no dom da troca as fezes (anal). São pontos que se
amarram através de um investimento de prazer. Estas zonas de prazer impressos
pelo Outro dão origem as pulsões.
A verdade freudiana é que a criança tem um corpo que goza. Um corpo pulsional,
cuja estruturação implica numa certa perda de gozo para que o sujeito possa vir a
desejar. A pulsão nos diz Freud, é a fonte do significante, do acesso à linguagem. É
por aí que se faz o elo do sexual com a linguagem. O significante propicia uma
montagem pulsional, bordejada pelo simbólico da linguagem. Como? Falando a
criança tenta produzir uma resposta para dar conta do que ela supõe que o Outro
36
São os caminhos traçados e enodados no tempo lógico que farão surgir o sujeito.
Supõe-se a escrita de um nó com três elos: um real, um simbólico e um imaginário,
cada um deles desempenhando a função de sustentar os outros dois. Cada
estrutura se entrelaça de maneira peculiar, de tal modo que, traçando rupturas e
continuidades se disponham em torno de um ponto vazio, irredutível. Esse enodar
marca o caráter de uma constituição, até que uma estrutura se destaque. O nó
borromeano estabelece a estrutura daquilo que Freud definiu como realidade
psíquica. As manifestações da criança estruturam-se como uma linguagem e devem
ser lidas como a escrita de um texto de sua relação com o Outro.
Finalmente, nesse trajeto, queremos ressaltar que na difícil operação que o infans
tem que fazer para enodar seu ser vivente como sujeito, se fazendo representar no
desejo do Outro, o sintoma pode ter um valor particular. Pode ser necessário para
que ele se estruture, ou um recurso para que permita à criança pacificar sua relação
com algo que se apresenta a ela como insuportável.
Problemas podem surgir nessa relação. Algumas vezes podem ser corrigidos pelo
pediatra que, no lugar de suposto saber, consegue restaurar a confiança do saber
da mãe sobre o filho.
Mais uma vez, ressalto que é na relação com o outro semelhante, que exerce a
função de mãe, que o bebê vai construir sua subjetividade vai se tornar humano
desejante. Aqui também àquelas chamadas funções executivas, tão estudadas pelas
neurociências, estarão se formando.
Para a psicanálise o corpo não está restrito ao organismo. O corpo carece de uma
construção imaginária que remete à idéia de um corpo erógeno, delimitado pelo
olhar e pela palavra.
Aulagnier (2001) ressalta a importância que devemos dar aos sinais e inscrições
corporais que podem dizer de como o sujeito vive seu tempo e as relações que faz
com ele:
Tem lugar neste conjunto as manifestações somáticas da emoção e aquelas que vêm
anunciar ao sujeito e aos outros um estado de sofrimento no seu próprio corpo: estas
são as únicas sobre as quais eu me apoiarei neste trabalho.
Além do mais, o estado emotivo faz parte daquilo que se oferece a ver ao olhar do
outro: pode-se ignorar o que emociona, percebem-se, todavia os sinais da
participação somática que comporta este vívido. A emoção modifica o estado
somático e são estes sinais corporais que se oferecem ao olhar, que emocionam
aquele que a testemunha e desencadeiam uma mesma modificação no seu próprio
soma, mesmo quando disso ele não é a causa direta. A emoção coloca, assim, dois
corpos em ressonância e lhes impõe respostas similares. O corpo de um responde ao
corpo do outro, mas como a emoção refere-se ao Eu (Jê), pode-se do mesmo modo
supor que este último está emocionado pelo que seu corpo lhe dá a conhecer e a
partilhar do vívido do corpo do outro. (p.19)
Uma importante contribuição que Aulagnier traz diz respeito ao conflito eu x outro se
transformar no conflito eu x corpo, ou seja, aquilo que a mãe não ouve e não vê do
sofrimento da criança, esta transfere para o seu corpo transformando esse
sofrimento em algo dado a ver. Essa colocação é iluminadora para os que lidam com
as crianças hipercinéticas, pois as mesmas portam um sintoma dado a ver em seus
próprios corpos.
... O corpo não é importante só porque entra em jogo na relação sensório motora,
mas também porque é nele que se dá ao mesmo tempo uma ressonância emotiva do
ato que se está realizando. Ao mesmo tempo em que se produz uma coordenação
sensória motora se produz uma ressonância da emoção que esse ato desperta e que
é chamado de vida afetiva ou emocional. Essa vida afetiva ou emocional acompanha
todo tipo de pensamento, de imagem porque é contemporânea à sua efetuação.
Mariné (2000) dirá que a clínica da Psicanálise foi nos ensinando que nem sempre o
corpo fala pela via do simbólico e que às vezes emudece. Quando o corpo se
expressa de modo fortemente imaginário, há o risco de suscitar respostas
somáticas. Isso ocorre quando o psiquismo emite sinais de sofrimento físico e, como
a angústia está invisível, um órgão pode ser lesionado ou o corpo passa por
algumas devastações mais ou menos anônimas.
No tratamento analítico, quando a angústia se manifesta, acontece a confrontação
do sujeito com sua falta, sua divisão, já como uma marca no inconsciente. Na
elaboração das “neuroses de angústia”, Freud ([1895] 1976) estava atento à
ocorrência de uma inundação de energia, que vai diretamente para o corpo e faz
com que suas funções se alterem sem que o sujeito se implique nessa
manifestação. Mariné (2000) com base nessas afirmações de Freud nos diz:
Ato não deve ser confundido com agitação, na passagem ao ato, este se impõe
colocando de lado a linguagem, a palavra. O sujeito passa da linguagem que não
pode usar à ação. O resultado são os TDAH/I sendo o I de impulsividade tão
silenciosa quando mortal.
É por que estou privado da palavra (porque não me escutam) que eu passo ao ato.
(...) A fala que não é dita por ocasião da ação faz com que ela não tenha sentido, e aí
o nó do que está em causa na criança hipercinética, é diante desse nó que o adulto
se crê obrigado a dar um sentido.
20
MARINÉ, B. (2000), p. 323-328 Comentário a partir do texto citado.
42
A escola é o segundo meio social que a criança freqüenta depois da família e tem
sido na escola que alguns sintomas têm tido evidência.
Rhode ET al.(2003) afirmam que o despreparo dos professores para lidar com o
TDAH pode levá-los a assumir posturas de cobrança e rivalidade com os pais e os
alunos.
Ribeiro (2008), em sua pesquisa cita alguns relatos de pais que expõem sua
preocupação com as atitudes dos professores:
“Menino assim tem que ter mais paciência com eles né? Explicar! Já chega gritano
chamano de burro direto, igualzinho essa professora: chamava os menino de burro
direto e num explicava nada! _ Ahh, num vou te explicar não porque ocê é muito
bobo, muito burro e não aprende nada! É muito mole para copiar! Num tinha
paciência apagava o quadro!” (88p.)
Uma das falas de seus sujeitos de pesquisa deixa claro que o despreparo dos
educadores pode ter conseqüências para além da sala de aula, levando-os a dar
aos pais orientações baseadas em suas próprias crenças e não no conhecimento
sobre essa síndrome:
“... Foi estudar no colégio X. Aí ela (a professora) falou assim:_ Não este menino está
sem limite, a gente tem que por limite nele, entendeu, dá uns tapa nele! Até então eu
nunca tinha dado uns tapa! Aí realmente eu dei uns tapa, entendeu?” (88p.)
“Ele até que é menos agitado, escuta, faz silencio quando se pede. Ao contrario do
irmão Gustavo que é um menino rico e mimado cujos pais não sabem dar limites e
agora inventaram essa doença TDAH, para justificar o inferno que o menino faz
dentro da sala de aula.”
43
“Aqui vira e mexe a gente tem palestras com médicos que explicam como
diagnosticar o aluno que não para na cadeira, que vive pedindo para ir ao banheiro,
que não espera a vez pra falar, que derruba os materiais no chão, incomoda os
colegas, esses são fáceis de perceber qualquer um pode dizer se é ou não. Aí temos
que chamar os pais e quase sempre eles têm uma desculpa para dar, ele é filho único
ou é o do meio, é muito sozinho, fica com a empregada o dia inteiro, ou então tem
atividades demais e não sobra tempo para brincar, no fundo a gente sabe que os
responsáveis são eles que não souberam colocar limite. E eu não tenho a menor
paciência com criança mimada e sem educação.”
Ainda sobre o espaço escolar continuo a concordar com Collares e Moysés quando
diz que não podemos incorrer no erro de continuar a tratar o espaço pedagógico,
voltado para a aprendizagem, para a normalidade, para o saudável, como espaço
clínico, voltado para erros e distúrbios.
Vemos com isso como a escola se torna presa fácil de um discurso médico e
biologizante e não devemos perder de vista o alerta dado por Collares e Moysés
(1992):
44
A educação, assim como outras áreas sociais, vem sendo medicalizada em grande
velocidade, destacando-se o fracasso escolar e seu reverso, a aprendizagem, como
objetos essenciais desse processo. A aprendizagem e a não-aprendizagem sempre
são relatadas como algo individual, inerente ao aluno, um elemento meio mágico, ao
qual o professor não tem acesso – portanto, também não tem responsabilidade. Ante
índices de 50, 70% de fracasso entre alunos matriculados na 1ª série da Rede
Pública de Ensino brasileira, o diagnóstico é centrado no aluno, chegando ao máximo
até sua família; a instituição escolar, a política educacional raramente é questionada
no cotidiano da escola. Aparentemente, o processo ensino-aprendizagem iria muito
bem, não fossem os problemas existentes nos que aprendem. (p.26)
Particularmente no tocante ao TDAH gostaríamos mais uma vez que ficasse claro
que se trata de um diagnóstico multidisciplinar e que somente o psicopedagogo ou
qualquer outro profissional sozinho, não será capaz de diagnosticá-lo. É preciso uma
equipe que atue em sintonia e que com base em diversos procedimentos
diagnósticos, possam então discutir o caso, cruzar dados e estabelecer um
diagnóstico. Essa não é uma tarefa fácil e nem tampouco rápida, exige tempo,
conhecimento, transferência, participação/implicação dos pais, da escola e do aluno
(paciente) que não pode ser visto com único responsável por seu sintoma e nem
justificar-se por portar um transtorno.
6.0-Conclusões
O que pretendi analisar nesse trabalho e que constato em minha clínica é que de
fato existem crianças com sérias dificuldades de atenção, o que incide
desfavoravelmente em seu rendimento escolar.
Que existem crianças e adultos impulsivos com tendências a passar ao ato com
mais ou menos nível de risco. Não contestamos.
Stiglitz (2006) partilha de mesma opinião e nos dirá que aparentemente apoiados
nas modernas classificações psiquiátricas e nos avanços da psicofarmacologia, da
genética, e de outros ramos da ciência milhares de artigos que circulam na mídia
seguem e fomentam uma lógica de classes. Em nosso caso específico a lógica de
classe dos TDAH ou dos hiperativos como queiram.
Segundo Lacan 21, o que caracteriza nossa época são o capitalismo e o discurso da
ciência. Em nossos tempos, a ciência tem sido colocada inteiramente a serviço do
discurso do mestre, que foi modificado em discurso capitalista. O mestre
contemporâneo é o mercado, e sua demanda é a produção de objetos que o
trabalho da ciência coloca à disposição do capital.
Em torno da regulação dos vínculos, por exemplo, temos que a hiperatividade revela
alguma das especificidades atuais do vínculo com o outro, que o sujeito infantil
estabelece.
E temos assistido de maneira cada vez mais presente o uso de uma química que
regula o estabelecimento desse vínculo de tal maneira que as dificuldades de
relação com o mundo e com o outro, se convertem em aumentar ou diminuir a dose
do medicamento. A hiperatividade seria então não só uma forma de responder a
presença do Outro, mas também uma das formas de regular o laço social com o
outro?
21
Lacan, Jacques. Discurso Capitalista e Psicofármacos
46
“Se você subir na cadeira vai apanhar, se você encostar no vaso ele vai quebrar e
eu vou quebrar você.” (sic)
A atualidade do TDAH nos força a refletir sobre a maneira como os afetos atingem
esse corpo infantil e como são tratados. Devemos pensar não só na medicação que
aplaca a hiperatividade como também na que abranda a tristeza de adultos e
crianças. Silenciando-os e tornando-os cada vez mais adaptados ao que a medicina
atual julga padrão normal de comportamento.
família que padece com esse sofrimento. Há também uma instituição escolar que
não dá conta deste “novo” sintoma.
22
HTTP://www.psicopatologiafundamental.org/?s=40
50
ANEXO II
A. Ou (1) ou (2)
(1) Seis (ou mais) dos seguintes sintomas de desatenção persistiram pelo período
mínimo de seis meses em grau mal adaptativo e inconsistente com nível de
desenvolvimento:
Desatenção
(2) Seis (ou mais) dos seguintes sintomas de hiperatividade persistiram período
mínimo de seis meses, em grau mal adaptativo e inconsistente com o nível de
desenvolvimento:
Hiperatividade
Impulsividade
Nota para a codificação: Para indivíduos (em especial adolescentes e adultos) que
atualmente apresentam sintomas que não mais satisfazem todos os critérios,
especificar “Em Remissão Parcial”. (American Psychiatric Association, 2000).