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Psicologia Pediátrica Luísa Barros

A PSICOLOGIA PEDIÁTRICA: UMA PERSPECTIVA

DESENVOLVIMENTISTA

Luísa Barros

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Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Nota introdutória

A Psicologia Pediátrica é hoje uma especialidade inovadora, criativa e

necessária. Entre nós, começa ainda a dar os primeiros passos com o entusiasmo e as

dificuldades habituais no trilhar de novos caminhos. Este trabalho pretende ser uma

contribuição para a definição desta nova área de intervenção como parte integrante de

serviços de saúde pediátrica eficazes e de qualidade, e um estímulo à formação e

investigação de colegas e alunos. Pretende, igualmente contribuir para que todos os

outros profissionais da saúde infantil e juvenil compreendam melhor o contributo

específico de uma psicologia aplicada, rigorosa e actualizada, e como o conhecimento

desta especialidade pode representar uma mais valia para a sua profissão.

Como qualquer trabalho deste tipo, representa o produto de uma aprendizagem

de muitos anos. A minha reflexão pessoal foi sempre confrontada e enriquecida no

contacto com muitos que, em diversos contextos, me ajudaram a percorrer este

caminho, e contribuíram para o meu desenvolvimento pessoal e profissional, e a quem

quero aqui deixar o meu agradecimento.

Em primeiro lugar gostaria de agradecer a todos aqueles que me permitiram a

entrada nos serviços de saúde, e que, com generosidade, partilharam comigo

conhecimentos, experiências, dúvidas, revoltas e desesperos. É justo que destaque aqui

todas as pessoas que, ao longo dos anos, no Serviço de Pediatria e na Unidade de

Cuidados Intensivos de Neonatologia do Hospital de S. Francisco Xavier e no

Departamento de Psicologia do Hospital Ortopédico de Sant’Ana, me permitiram

ensaiar muitas destas ideias, e que contribuíram de diferentes formas para reforçar a

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minha crença na possibilidade de uma experiência humanista e holista nos serviços de

saúde.

A todos os pais e crianças que com imensa generosidade tiveram a abertura de

partilhar comigo algumas das suas experiências mais pessoais, do seu sofrimento e

alegrias, e que confiaram que essa partilha os poderia de algum modo ajudar, por tudo o

que me ensinaram e me permitiram descobrir, e por darem sentido a este trabalho.

A todos os alunos estagiários com quem trabalhei, porque que me ajudaram a

questionar-me, puseram em prática e discutiram muitas das minhas propostas e me

deram alento para querer comunicar as minhas significações sobre o desenvolvimento e

a intervenção .

Esta aventura de descoberta e aprendizagem tem sido sempre partilhada pela

minha amiga Drª Margarida Custódio dos Santos, com quem espero continuar a

percorrer estes caminhos por muito tempo. O seu entusiasmo, e a sua ajuda foram

preciosos, a cuidadosa revisão do manuscrito, insubstituível.

Finalmente, um agradecimento sob a forma de dedicação, à minha família, que

partilhou dúvidas e entusiasmos, e sobretudo, que sempre me apoiou e encorajou. Ao

Luis, inspiração, apoio, e desafio sempre renovados, dedico um trabalho que pretende

aplicar e desenvolver muitas das suas ideias e ensinamentos. À Mónica e ao Martim,

que com a sua vida dão um novo significado a todas as minhas significações, ofereço

este pequeno testemunho do meu esforço e empenhamento.

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“Julgo que me tornei escritor porque em criança o meu pai me curava as gripes

com sonetos em lugar de aspirinas: pela parte da boca que o cachimbo não

ocupava saíam ao mesmo tempo fumaças e tercetos cujo efeito medicinal,

somado às papas de linhaça da minha mãe, me mergulhavam a pouco e pouco

numa espécie de coma rimado”

António Lobo Antunes, 1999

INDICE

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Capítulo 1- A PSICOLOGIA PEDIÁTRICA: OBJECTO, FUNDAMENTOS E


MODELOS
1. Psicologia pediátrica: evolução de uma nova especialidade
2. Objectivos da psicologia pediátrica
3. Principais opções teóricas e metodológicas em psicologia pediátrica
3.1.Valorização de uma perspectiva desenvolvimentista
3.2.Orientação para a promoção da saúde global e prevenção das sequelas
das doenças e dos problemas de saúde
3.3.Intervenção centrada prioritariamente nos adultos envolvidos no
processo de saúde
3.4. Recurso a metodologias eficazes, breves e de baixos custos
4. Evolução dos serviços de psicologia pediátrica
5. Relação com outros domínios e especialidades
5.1.Psicologia da saúde
5.2.Psicopatologia infantil
5.3.Estudo do desenvolvimento infantil e das suas perturbações
5.4.Psicologia clínica
6. Psicólogos e pediatras: qual o nosso futuro conjunto?
7. Formação dos psicólogos de pediatria

Capítulo 2- SIGNIFICAÇÕES SOBRE SAÚDE E DOENÇA EM PSICOLOGIA


PEDIÁTRICA
1. Introdução
2. Reconhecimento da importância da psicopatologia do desenvolvimento
3. Valorização dos processos infantis de compreensão e de explicação da
doença e da saúde
4. Implicações metodológicas da leitura desenvolvimentista das significações
infantis sobre saúde e doença
4.1. Utilização de formas de comunicação adequadas ao nível de
significação da criança
4.2. Escolha das metodologias de confronto da dor e da ansiedade mais
adequadas
4.3. Compreender a complexidade da dialéctica das necessidades básicas
de protecção e de controlo
4.4. Elaborar as intervenções a partir das construções infantis
5. Valorização dos processos de construção de significações dos adultos
significativos
5.1. Níveis de significação parental sobre problemas de
desenvolvimento, comportamento e saúde
6. Utilização clínica do conhecimento dos níveis de significação parental
7. Conclusões

Capítulo 3-STRESS E CONFRONTO NO CONTEXTO DA PSICOLOGIA


PEDIÁTRICA
1. Introdução

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2. De que falamos quando falamos de stress?


3. O stress como determinante da doença
4. A doença como determinante do stress
5. Do stress ao confronto
6. Conclusões

Capítulo 4- AS CONSEQUÊNCIAS PSICOLÓGICAS DA HOSPITALIZAÇÃO


INFANTIL: PREVENÇÃO E CONTROLO
1. As consequências da hospitalização infantil no contexto do estudo dos
mecanismos de risco e protecção ao longo do desenvolvimento
2. Consequências da hospitalização: o quê e quando avaliar?
3. Hospitalização enquanto ocasião de aprendizagem e de desenvolvimento
4. Experiências e processos que podem ser moderadores ou agravantes das
consequências da hospitalização
4.1. Características inerentes à criança
4.1.1. Idade
4.1.2. Estilo de confronto
4.2. Experiências anteriores
4.2.1. Experiências prévias de separação
4.2.2. Hospitalizações anteriores
4.3. Características da doença
4.4. Condições de atendimento durante a hospitalização
4.4.1. Programas de informação e preparação
4.4.2. Tipos de programas de preparação
4.4.3. Programas de preparação dirigidos aos pais
4.4.4. Programas de preparação da hospitalização não planeada
4.4.5. Presença dos pais e continuidade nos cuidados diários
4.4.6. Atitudes dos pais
4.4.7. Programas de acompanhamento psicológico para os pais
4.4.8. Condições ambientais do local de internamento
4.4.9. Atitudes do pessoal hospitalar
5. Acompanhamento pós-hospitalização
6. Conclusões

Capítulo 5-A DOR PEDIÁTRICA: CONCEPTUALIZAÇÃO, AVALIAÇÃO E


INTERVENÇÃO
1. Introdução
2. Modelos explicativos
3. Perspectiva desenvolvimentista do estudo da dor
3.1. Reconhecimento e valorização da dor na criança
3.2. A evolução das manifestações comportamentais
3.3. A transformação do conceito de dor
4. Avaliação da dor em crianças
4.1. O relatório verbal
4.2. Avaliação comportamental
4.3. Questionários de dor
4.4. Avaliação da interacção parental
5. Tipos de dor
5.1. A dor aguda e associada a procedimentos médicos
5.2. A dor crónica

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5.3. A dor funcional, psicogénica ou de causa desconhecida


5.4. Os tratamentos dentários
6. Abordagem e controlo da dor pediátrica
6.1. A importância de controlar a dor da criança
6.2. Reconhecimento e modificação de significações sobre dor pediátrica
7. Estratégias de controlo da dor pediátrica
7.1. Atitudes de profissionais e pais: a sistematização do bom senso
7.2. Estratégias dirigidas pelo psicólogo ou por outros técnicos
7.2.1. Estratégias de preparação
7.2.2. Estratégias de distracção
7.2.3. Estratégias para modificar o significado da dor
7.2.4. Estratégias para reforçar/valorizar as atitudes de controlo e de
colaboração
8. O tratamento da dor funcional, psicogénica ou de causa desconhecida

9. Intervenções dirigidas aos pais


10. Conclusões

Capítulo 6- A DOENÇA CRÓNICA: CONCEPTUALIZAÇÃO, AVALIAÇÃO E


INTERVENÇÃO
1. Introdução
2. A doença crónica na psicologia
3. A doença crónica como condição de vida
4. Evolução do conceito de adaptação
5. A adaptação à doença crónica num contexto de risco e protecção
5.1. Características da doença
5.2. Características da criança
5.3. Características da família
5.4. Outros elementos do meio
6. Intervenção psicológica na doença crónica pediátrica
6.1. Observações gerais
6.2. Objectivos e estrutura da intervenção
6.3. Metodologias de intervenção psicológica para a adaptação à
doença
6.3.1. Estabelecer uma relação de abertura e diálogo com a criança e com a
família
6.3.2. Disponibilizar informação
6.3.3. Facilitar a expressão de significações sobre a doença
6.3.4. Estratégias para aumentar o sentido de auto-eficácia e de
controlo
6.3.5. Programas estruturados:o exemplo da prevenção das crises
asmáticas
6.3.6. O aconselhamento parental
7. Problemática da não adesão
7.1. O modelo de adesão como norma
7.2. O modelo de adesão como interiorização
7.3. O modelo de adesão transacional ou de partenariado

Capítulo 7- PERSPECTIVAS FUTURAS

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1. Balanço final
2. Aprofundamento da perspectiva desenvolvimentista
3. Utilização do jogo como linguagem priveligiada
4. Valorização do papel dos pais enquanto elementos da equipa de saúde
5. Valorização das construções e das experiências subjectivas infantis

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Capítulo 1 – A PSICOLOGIA PEDIÁTRICA: OBJECTO, FUNDAMENTOS E

MODELOS

1. PSICOLOGIA PEDIÁTRICA: EVOLUÇÃO DE UMA NOVA ESPECIALIDADE

A Psicologia Pediátrica é a designação mais comummente aceite e utilizada para

referir o subdomínio da psicologia da saúde que se ocupa da saúde infantil e

adolescente. Esta especialidade nasceu do reconhecimento da relevância dos aspectos

psicológicos (comportamentais, cognitivos e emocionais) para os problemas da saúde

infantil.

A designação de Psicologia Pediátrica foi introduzida por Logan Wright em

1967 num artigo da revista American Psychologist que pretendia definir o campo das

actividades dos psicólogos nos serviços de saúde infantil, formalizado como uma nova

área de intervenção. Nessa fase inicial, este domínio define-se sobretudo pelo contexto

ou local onde se exerce («o psicólogo que lida primariamente com crianças num

contexto médico não psiquiátrico» (Wright,1967,p.323) embora Wright aponte desde

logo um conjunto de características que vão marcar claramente a orientação teórica e

metodológica desta especialidade, e que se mantêm de grande actualidade.

Nomeadamente o reconhecimento da importância do desenvolvimento infantil, a

colaboração com pediatras e outros especialistas médicos e a preocupação em

desenvolver intervenções eficazes e breves.

No ano seguinte, a Associação Americana de Psicologia oficializou este

reconhecimento, através do acolhimento no seu seio da recém formada Society for

Pediatric Research, que viria posteriormente a integrar a 12ª divisão desta Associação

(Psicologia Clínica).

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Dois anos antes, Kagan (1965) anunciara um «novo casamento» entre a

psicologia e a pediatria, expressão que parece especialmente adequada para caracterizar

a reunião de dois tipos de especialidades que até aqui se tinham mantido relativamente

separadas.

Wright, no célebre artigo de 1967, mantém a metáfora da constituição de uma

nova família, anunciando a possibilidade de descendência de dois tipos ou “dois sexos”

para o novo casal: os psicólogos de pediatria e os “pediatras psicológicos” ou pediatra

com formação psicológica. Enquanto o segundo “sexo” anunciado deu provavelmente

origem àquilo que hoje se chama os novos pediatras, ou os pediatras comportamentais

e pediatras do desenvolvimento, a que voltarei a referir-me, o primeiro irmão a nascer,

em berço americano, foi o psicólogo de pediatria.

Para Roberts (1986) este recém-nascido é o produto de uma união baseada no

reconhecimento de interesses e necessidade mútuas. Por um lado, os médicos

reconheciam a importância da dimensão psicológica no tratamento e prevenção dos

problemas de saúde infantil. Com efeito, constatou-se que um número muito importante

de queixas apresentadas nas consultas de pediatria geral envolvem problemas puramente

psicológicos (e.g., disciplina, aprendizagem), ou problemas que resultam da interacção

de processos físicos e psicológicos (perturbações do sono, do comportamento alimentar,

dor psicogénica) (Duff, Rowe e Anderson,1973). Por outro lado, os psicólogos

encontravam nos serviços de saúde o local e o veículo privilegiado para levarem às

crianças e às suas famílias intervenções psicológicas mais acessíveis e eficazes.

É necessário reconhecer que a maior parte das actividades do psicólogo de

pediatria não são uma novidade e, na realidade, sobrepõe-se a muitas das funções de

outros psicólogos (clínicos, educacionais, do desenvolvimento), ou mesmo de outras

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especialidades (pedo-psiquiatria, pediatria, serviço social, enfermagem pediátrica)

(Routh, 1988).

Na realidade, ao contrário do que acontecia com a saúde mental adulta, os

vários domínios que se ocuparam do comportamento, desenvolvimento e patologia

infantil nunca viraram completamente as costas aos aspectos mais relacionados com a

doença, ou perturbações fisiológicas (alimentação, sono, eliminação, doença crónica).

Por outro lado, a própria pediatria sempre namorou com variáveis e processos

psicológicos de uma forma muito diferente das outras especialidades médicas que se

ocupam dos adultos (Sneider, 1978; Wright,1979). Já em 1930, Anderson tinha

defendido a necessidade de colaboração estreita entre a pediatria e a psicologia clínica.

Ao longo da história da pediatria esse interesse pelos processos psicológicos nunca

deixou de estar presente (Routh, 1988).

Por outras palavras, podemos dizer que a pediatria teve sempre tendência para

ser menos biomédica do que as suas congéneres adultas, pelo que estaria mais

disponível para colaborar com a psicologia. Enquanto uma certa psicologia clínica

infantil (especialmente de orientação comportamental) sempre foi mais corporalizada,

isto é, mais interessada nos aspectos fisiológicos do comportamento e nas suas

perturbações, do que a psicologia clínica dos adultos.

No entanto é necessário sublinhar que os avanços mais recentes deste domínio

se devem ao progressivo reconhecimento e aceitação dos modelos holistas em saúde,

levando os médicos a reconhecer a insuficiência do modelo biomédico (Engel,1 977), e

os psicólogos a valorizar a importância do corpo, e da saúde física, no desenvolvimento

global do indivíduo (Mahoney,1991). Assim, nos E.U.A. em 1976 a Task Force on

Health Research defendia que os psicólogos da saúde poderiam ajudar a conseguir uma

compreensão e integração dos cuidados de saúde, mas só se a unidade funcional do

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indivíduo fosse reconhecida e houvesse aceitação e respeito pelo envolvimento dos

factores psicológicos na doença física, nos acidentes, na deficiência e na saúde em geral

(A.P.A., 1976).

É importante realçar que a emergência da psicologia pediátrica se faz em

simultâneo com a das novas especialidades em pediatria, nomeadamente a pediatria

comportamental e do desenvolvimento. Com efeito, os avanços científicos no domínio

biomédico permitiram um elevado grau de controlo e mesmo de prevenção da maior

parte das doenças infecciosas e de nutrição graves, pelo menos nos países

desenvolvidos, enquanto fizeram realçar dois novos tipos de «patologias» especialmente

dramáticas. Por um lado a «nova morbilidade», associada a factores psicológicos e

sociais (Green e Hoekelman, 1982; Palminha, Lemos e Cordeiro, 1997). Por outro lado,

a necessidade de lidar com os problemas inerentes aos tratamentos dolorosos e

prolongados e à reintegração na vida normal dos sobreviventes de doenças até aí

terminais, e que tendem a evoluir cada vez mais como prolongadas ou «crónicas».

Assim, como se verá, estas duas evoluções simultâneas na medicina e na

psicologia, abrem as portas a uma colaboração promissora e vantajosa para um

tratamento mais adequado dos problemas de saúde infantil, que, não obstante, contem

em si o potencial para alguns conflitos e confusões entre profissões (Maher,1993).

Se a definição do campo de intervenção de psicologia pediátrica começou por

fazer-se meramente por referência aos serviços de saúde onde se praticava, chegou a um

momento em que foi necessário aprofundar a reflexão sobre a sua especificidade e

relação com outros domínios e especialidades. Reconhecendo a evolução e modificação

operada nesta disciplina ao longo de duas décadas, formou-se no seio do Journal of

Pediatric Psychology um painel para estudar uma conceptualização mais actualizada e

abrangente da área, tendo chegado à seguinte definição:

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«A psicologia pediátrica é um campo interdisciplinar que tem como


objectivo o âmbito completo das questões do desenvolvimento físico e mental,
saúde e doença, que afectam as crianças, adolescentes e famílias. Inclui uma
vasta gama de tópicos que exploram a relação entre o bem-estar físico e psíquico
das crianças e adolescentes, incluindo: a compreensão, a avaliação, e a
intervenção em situações de perturbação do desenvolvimento; a avaliação e o
tratamento dos problemas e dos concomitantes comportamentais e emocionais
da doença; o papel da psicologia na medicina pediátrica e na promoção da saúde
e do desenvolvimento; e a prevenção da doença e dos acidentes nas crianças e
jovens» (Roberts, LaGreca e Harper,1988,p.2).

Embora pessoalmente considere que esta definição não é muito satisfatória,

talvez seja necessário reconhecer que se trata da definição provisória possível num

campo em grande evolução. Pelo menos tem o mérito de permitir estabelecer um

consenso alargado entre profissionais com diversas formações de base, orientações

teóricas e metodológicas, e campos de intervenção. Considero que a principal vantagem

é o reconhecimento de um domínio específico de investigação psicológica que visa a

definição de metodologias de intervenção preventiva e remediativa na saúde global da

criança, e que ultrapassa os muros dos serviços de saúde para se estender a todos os

contextos onde a criança vive e se desenvolve: a família, a creche, a escola, a

comunidade.

Se reconhecemos facilmente que este domínio já não se distingue de outras áreas

de intervenção psicológica unicamente pelo local onde se exerce, continua a manter um

conjunto de objectivos e de opções teóricas e metodológicas bem definidas, que

conseguem obter uma grande base de acordo e consenso, e que são, em minha opinião, a

grande força de união desta especialidade.

2. OBJECTIVOS DA PSICOLOGIA PEDIÁTRICA

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Como já referi, esta área de intervenção tem por um lado objectivos preventivos

e educacionais e, por outro, objectivos interventivos ou remediativos. Os seus

contextos de actuação vão desde o acompanhamento à criança saudável e à família ao

longo do processo de desenvolvimento, nas creches, escolas, centros de saúde e

consultas de pediatria geral, até à intervenção em situações mais problemáticas como a

hospitalização da criança em crise de doença aguda, ou durante a adaptação à doença

crónica e reabilitação. Assim, podemos definir os seguintes objectivos principais:

1. Colaborar com as famílias para a facilitação de atitudes educativas promotoras

de um estilo de vida saudável, e para a implementação de atitudes preventivas e

remediativas mais adequadas aos problemas de saúde (física e mental) da criança.

2. Colaborar com as escolas e outras instituições, para a implementação de

programas de educação para a saúde e de práticas educativas encorajadoras de um estilo

de vida saudável, assim como no despiste e correcção de situações de risco para a saúde

pediátrica.

3. Colaborar com as instituições de saúde primária e secundária no despiste

atempado de problemas de comportamento e desenvolvimento e na definição de

intervenções preventivas e educacionais mais adequadas, ou no encaminhamento para

recursos que permitam as intervenções remediativas necessárias.

4. Facilitar a adaptação da criança e da família às situações de hospitalização,

tratamentos aversivos, e interrupções da vida quotidiana, que ocorrem nas crises de

doença aguda grave, e prevenir as perturbações emocionais e comportamentais

associadas.

5. Facilitar a adaptação da criança, da família, e da escola, às situações de

doença crónica ou prolongada (contribuindo para que a criança tenha um

desenvolvimento adequado, e encontre formas positivas de viver as limitações impostas

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pela sua doença), assim como para uma adesão activa aos tratamentos e prescrições

médicas.

6. Intervir na formação psicológica dos outros profissionais de saúde, e na

procura conjunta de formas mais adequadas de prestar serviços de saúde de qualidade à

criança e à família, através de acções de consultadoria aos diversos técnicos de saúde.

3. PRINCIPAIS OPÇÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS EM PSICOLOGIA

PEDIÁTRICA

Se não podemos propriamente falar num modelo bem definido para esta área de

intervenção que se tem querido muitas vezes como interdisciplinar ou ecléctica,

podemos no entanto apontar as principais opções teóricas e metodológicas que

conferem alguma unidade aos trabalhos de investigação e intervenção em psicologia

pediátrica, e que permitem distingui-la de outras especialidades.

Referir-me-ei, pois, às principais orientações que têm sido seguidas nos

trabalhos deste domínio e têm recebido um acordo bastante consensual (e.g.,

Roberts,1986), para terminar com a identificação do que me parecem ser os aspectos

mais importantes a desenvolver num futuro próximo.

3.1. VALORIZAÇÃO DA PERSPECTIVA DESENVOLVIMENTISTA

Embora se possam encontrar várias interpretações ou leituras para esta

afirmação, podemos afirmar que o reconhecimento da necessidade de enquadrar a

compreensão, identificação, avaliação e intervenção em psicologia pediátrica no

contexto do processo de desenvolvimento infantil normal é, certamente, a asserção mais

geral e mais consensual de todos os trabalhos. Existe um acordo muito amplo sobre a

necessidade de pensar a criança como um sujeito em desenvolvimento e transformação

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acelerado (Roberts, Maddux e Wright,1984), e de atender às descontinuidades

cognitivas e socio-cognitivas que esse desenvolvimento pressupõe (Whitt,1982). Como

veremos a concretização desta asserção não tem avançado tanto como poderíamos

desejar (Barros,1996b), mas ela é certamente a orientação mais determinante dos

trabalhos dos últimos anos.

Esta leitura desenvolvimentista reveste, sobretudo duas formas. Por um lado,

uma perspectiva do desenvolvimento em ciclos de vida habitualmente designada de life-

span. Trata-se de uma perspectiva sobretudo descritiva, que visa estudar as

características ou processos comuns aos indivíduos de um determinado grupo etário ou

período de vida (e.g., a primeira infância, a idade escolar, o começo da vida adulta, a

meia idade). Aplicada à psicologia pediátrica, valoriza a necessidade de compreender as

características de cada período da infância e da adolescência, para definir quais os

principais problemas de saúde, e as doenças mais comuns ou prováveis em cada fase,

assim como o impacto diferenciado destas mesmas doenças em cada período de vida.

Em termos de prevenção, tem como objectivo antecipar as principais dificuldades ou

problemas que podem surgir em cada idade, de forma a poder orientar os pais e os

educadores (aconselhamento antecipatório).

Por outro lado, uma perspectiva socio-cognitiva do desenvolvimento orientou os

estudos que procuraram compreender como as mudanças desenvolvimentistas se

relacionam com a capacidade das crianças interpretarem e compreenderem as suas

experiências de saúde e doença (e.g., Burbach e Peterson,1988; Barrio,1990).

A noção de que a criança compreende e interpreta os fenómenos relacionados

com a saúde e doença de forma diferente da do adulto, e de que essa compreensão é

determinada pelo desenvolvimento cognitivo e socio-cognitivo, tal como definido por

Piaget, orientou um conjunto diversificado de estudos (e.g., Bibace e Walsh,1980;

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Gellert,1978; Perrin e Gerrity,1981). Assim, considera-se que o desenvolvimento da

compreensão dos conceitos de doença, das sua causas e consequências, e da

possibilidade de a controlar ou curar, partilha as características de transformação

hierarquizada em fases de progressiva abstracção, generalização, integração e

flexibilização, que foram anteriormente definidos para a evolução do conhecimento de

outros fenómenos do mundo concreto (Piaget e Inhelder,1968) e do mundo socio-

cognitivo (Kohlberg,1969; Selman,1980). Esta perspectiva tem sido mais recentemente

aplicada ao estudo do processo de desenvolvimento dos próprios adultos envolvidos,

enquanto educadores e técnicos, na saúde infantil (Barros,1996b; Joyce-Moniz e

Barros,1994).

Estes trabalhos vieram reforçar a ideia de que é necessário adoptar uma

perspectiva desenvolvimentista em psicologia pediátrica, e estimular o aperfeiçoamento

de metodologias de comunicação, preparação para o internamento hospitalar, ou

controlo da dor, mais adequadas a cada nível de desenvolvimento. Por exemplo, Whitt

(1982) alerta para os perigos de uma comunicação com a criança que, embora bem

intencionada, ignora as próprias características do pensamento e compreensão infantil.

Assim, a criança pré-operatória pode recear que lhe tirem todo o sangue numa simples

análise («e depois voltam a pôr o sangue cá dentro?»), enquanto a criança no período

das operações concretas pode entrar em pânico com a explicação da sua epilepsia como

um fenómeno de electricidade cerebral («mas se o meu cérebro dá choques, eu posso

morrer!»).

3.2. ORIENTAÇÃO PARA A PROMOÇÃO DA SAÚDE GLOBAL E

PREVENÇÃO DAS SEQUELAS DAS DOENÇAS E DOS PROBLEMAS DE

SAÚDE

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A psicologia pediátrica assume como objectivo principal a promoção da saúde global da

criança. Adoptando maioritariamente um paradigma de saúde holista, não faz qualquer

sentido descriminar a prevenção de problemas físicos ou psicológicos. Na medida em

que crianças e adolescentes se encontram num momento especialmente importante para

a aquisição de estilos de vida estáveis (Stachnick,1980), o psicólogo de pediatria pode

ter um papel determinante na prevenção de problemas de saúde. Assim, estes

profissionais providenciam um conjunto de serviços preventivos, dos quais se destacam:

A. Utilizar formas de aconselhamento antecipatório que permitam aos pais e

educadores conhecer as características mais importantes do período de

desenvolvimento em que a criança se encontra, e estruturar as suas actividades e

meio ambiente de forma a evitar os maiores riscos de saúde.

B. Identificar os problemas de comportamento e de desenvolvimento

precocemente, proporcionando aos pais e educadores estratégias eficazes de correcção e

remediação.

C. Identificar os riscos de sequelas de situações potencialmente traumáticas,

nomeadamente situações associadas a doença, hospitalizações e tratamentos, mas

também mudanças na sua vida quotidiana como o divórcio dos pais, a morte de

familiares, a mudança de escola, de forma a proporcionar aos pais e técnicos estratégias

de comunicação e de estruturação das suas actividades e experiências, que permitam

evitar ou confrontar precocemente as sequelas previsíveis.

D. Implementar programas de intervenção preventiva breves para pais e

educadores, que facilitem a aquisição de competências de identificação e antecipação de

problemas educacionais, e a procura autónoma das soluções mais apropriadas para a

criança e a família (Barros,1992b,1996b). Estes visam diminuir a necessidade repetida

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de consultas em que se identificam problemas pontuais e se recomendam estratégias

específicas para as situações e os conflitos educacionais mais comuns e generalizáveis.

E. Colaborar com as escolas no estudo e aplicação de programas de educação

para a saúde, integrados nos programas escolares dos vários níveis de ensino.

3.3. INTERVENÇÃO CENTRADA PRIORITARIAMENTE NOS ADULTOS

ENVOLVIDOS NO PROCESSO DE SAÚDE

A psicologia pediátrica segue o objectivo central da psicologia da saúde e da

medicina comportamental, que é o de "promover a responsabilidade individual na

aplicação de conhecimentos e técnicas (...) para a manutenção da saúde e prevenção da

doença e da disfunção" (Matarazzo, 1980,p.813).

No entanto, e como alertam Roberts e colegas (1984), este conceito de

responsabilidade individual torna-se problemático e carece de importantes adaptações

quando se pretende aplicar à infância. Com efeito, os problemas de saúde da criança,

assim como as suas sequelas psicológicas, são, em grande parte, resultado de excessos

ou deficiências nas atitudes dos adultos, dos quais a criança é uma vítima razoavelmente

passiva e muito impotente. Os esforços de prevenção em saúde infantil que têm sido

mais conseguidos, resultam de acções para modificar as atitudes dos adultos (e.g.

cumprir o calendário de administração de vacinas, utilizar adequadamente dispositivos

de segurança no automóvel, aderir a dietas alimentares equilibradas e variadas, diminuir

o tempo de internamento hospitalar).

Nas situações de doença crónica em que a criança tem de cumprir tratamentos

penosos ou restringir certas actividades, o adulto desempenha um importante papel de

controlo e apoio, que não deve, aliás, terminar bruscamente no início da adolescência,

mas antes transformar-se lentamente numa orientação que respeite a autonomia do

jovem, mas não o abandone cedo de mais.

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Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Por outro lado, e concentrando-nos agora na situação da criança hospitalizada,

sabemos que a lei actual permite e incentiva a presença dos pais junto da criança,

representando indiscutivelmente um enorme avanço em relação a situações de separação

forçada absolutamente aberrantes, ainda bastante recentes. Mas só por si esta lei não é

suficiente. Médicos e enfermeiros constatam com frequência que os pais não sabem

como ocupar o tempo que passam no hospital, e que, com alguma frequência, a sua

presença bem intencionada tem consequências negativas no bem estar da criança. A

própria literatura sobre o controlo da dor e da ansiedade infantil tem-se debruçado sobre

esta aparente contradição. Verificou-se que a presença dos pais ansiosos durante a

administração de um tratamento doloroso pode ter efeitos catalizadores do medo e da

tensão na criança (Routh,1993). O que só contribui para aumentar a culpabilidade e

sentimento de inadequação dos pais, e, frequentemente, a má vontade de um pessoal

sobrecarregado e com poucas condições de trabalho ou reduzida formação psicológica.

A criança tem o direito a ser acompanhada pelos familiares próximos. Mas os

pais também têm o direito de receber a ajuda necessária para encontrar formas

adaptativas de viver esta situação que pode ser altamente perturbadora para toda a

família. Os programas de informação e formação, de auto-controlo e inoculação de

stress, ou o ensino de metodologias de distracção e controlo da dor a aplicar

conjuntamente aos pais e aos filhos (e.g., Elliot e Olson,1983; Jay,1988) são exemplos

de formas concretas e eficazes de ajudar os pais. Paralelamente, a disponibilidade de um

psicólogo especialmente preparado para ouvir e ajudar a expressar sentimentos de

perturbação, confusão, dúvida e revolta, num contexto não culpabilizante, e para ajudar

a ensaiar estratégias alternativas de resolução de problemas educacionais, permite aos

pais alcançar uma maior disponibilidade e serenidade para serem capazes de dar aos

filhos a atenção positiva de que estes necessitam.

20
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

A situação de dependência da criança e do adolescente é muito mais do que

comportamental. As suas atitudes, crenças, valores e significações dependem, em

grande parte, da forma como os adultos, pais, familiares e educadores estruturam o seu

ambiente e as suas vivências, e em última análise, das próprias crenças e significações

desses adultos (Barros,1996a.). O reconhecimento de uma perspectiva transaccional em

que adultos e crianças se determinam mutuamente (Sameroff,1987), e a valorização do

papel dos adultos na estruturação e organização do meio infantil, implicam que estes

sejam o alvo primordial da intervenção.

Actualmente, a pediatria valoriza a comunicação médico-criança de uma forma

muito diferente daquilo que fazia no passado, mas sempre integrada na comunicação

com o adulto responsável, que, em grande parte, determina a adesão às recomendações e

prescrições do especialista.

Só em situações pontuais, ou nos casos de crianças mais crescidas e

adolescentes, é que o psicólogo pode ter necessidade de intervir isoladamente com a

criança. Os próprios programas de ensino de competências de controlo da dor ou da

ansiedade devem ser aplicados, sempre que possível, em colaboração com outros

técnicos e com os pais.

Como se pode constatar, é precisamente a própria centração no desenvolvimento

infantil que conduz à asserção de que as intervenções em psicologia Pediátrica devem

visar sobretudo a modificação das atitudes, valores, crenças, isto é, significações dos

adultos mais relevantes para o processo de saúde da criança (i.e., pais, educadores,

médicos, enfermeiros e outros técnicos de saúde) (Barros,1996b; Hackworth &

McMahon,1991; Roberts e Maddux,1982). A psicopatologia da desenvolvimento

reconhece que muitas das chamadas «perturbações infantis» não são mais do que

reacções adaptativas a situações desviantes ou patologizantes controladas pelos adultos

21
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

(Joyce-Moniz,1993). Com efeito considera-se que, mais do que uma intervenção clínica

dirigida à criança, necessariamente pontual e «estranha» às suas rotinas e mesmo, em

grande parte, não possível de ser por esta totalmente compreendida, a intervenção

psicológica deve visar a alteração das experiências e vivências infantis, o que só é

possível alterando a relação que os adultos significativos mantêm de forma continuada

com a criança (Sameroff,1987).

3.4. RECURSO A METODOLOGIA EFICAZES, BREVES E DE BAIXOS

CUSTOS

Na medida em que se iniciou e continua a processar-se maioritariamente em

serviços de saúde, as funções dos psicólogos de pediatria têm de pautar-se pela

preocupação de conseguir combinar a curta duração e os baixos custos com um alto

nível de eficácia. Foram precisamente estas características que permitiram a esta

disciplina impor-se noutros países (Tuma,1982).

Para lá da questão da rentabilidade, existem também condições inerentes à

organização dos próprios serviços, como os espaços, periodicidade e horários das

consultas externas ou os períodos de internamento (felizmente) cada vez mais curtos,

que não permitem intervenções com objectivos a longo prazo, ou visando

«restruturações profundas», ou submetidas à lógica habitual dos cinquenta minutos uma

a duas vezes por semana durante várias semanas da psicologia clínica mais clássica.

Nessa medida, é compreensível que tenha sido a abordagem comportamental a

orientar os primeiros programas para controlo dos comportamentos de saúde

correspondendo a estes objectivos (Roberts e Maddux,1982; Walker,1979), e de igual

modo, os que tiveram maior impacto.

A tradição pragmatista e positivista, e as sólidas bases empíricas, associadas a

um ênfase em mudanças concretas e rápidas, privilegiavam, naturalmente, esta escolha.

22
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Posteriormente demonstrou-se uma eficácia semelhante, muitas vezes mais

generalizável e portanto com maior impacto, de metodologias comportamentais-

cognitivas e cognitivas, nomeadamente o treino de competências de confronto e de

auto-controlo (Kendall e Turk,1984; Zastowny, Kirschenbaum e Meng,1988). Este tipo

de metodologias continua a ser largamente dominante.

Mais recentemente o estudo do desenvolvimento de crenças e significações

sobre saúde e doença, assim como uma leitura desenvolvimentista das mesmas, tem

dado lugar a outras formas de intervenção igualmente breves, mas com preocupações

mais abrangentes e preventivas, visando sobretudo a modificação de significações sobre

o próprio processo de saúde, tanto pela criança como pelos seus educadores

(e.g.,Barros,1992b; Santos, 1997).

4. IMPLEMENTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE PSICOLOGIA PEDIATRICA

Esta especialidade encontra-se particularmente desenvolvida e implementada

nos Estados Unidos, onde já há vários anos celebrou a sua maioridade, e está hoje bem

definida e consagrada através da institucionalização de uma sociedade (Society of

Pediatric Psychology), de um grupo da American Psychological Association, e de

foruns de discussão pública como o Journal of Pediatric Psychology, reuniões e

congressos internacionais. De igual modo, têm sido publicados um conjunto de livros

que fazem uma síntese dos conhecimentos e investigação actualizados (e.g

Karoly,Steffen e O'Grady,1982; Roberts, 1986; Routh,1988b).

No entanto, só a partir dos anos 80 e 90, com a crescente preocupação com os

custos e as falhas dos serviços de saúde, e a consciencialização do contribuinte enquanto

consumidor-pagador desses mesmos serviços, é que houve uma generalização da

aceitação do papel do psicólogo de pediatria nos serviços de saúde em geral. Podemos

23
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

dizer que foi a partir da demonstração da eficácia e rentabilidade das suas intervenções

para a prevenção, e para os tratamentos mais breves e com menos sequelas das doenças

infantis, que a profissão teve uma aceitação mais generalizada (Tuma, 1982). Na

Europa, os progressos da psicologia da saúde em geral, e da psicologia pediátrica em

particular, têm sido mais lentos, mas existem já vários países com um conjunto alargado

de psicólogos a trabalhar, investigar e publicar nesta área.

Em Portugal a psicologia da saúde e a psicologia pediátrica estão a dar os seus

primeiros passos, em parte pouco incentivados por um mercado de trabalho fechado, e

uma política de saúde adversa, em parte ameaçados por uma grande confusão de papéis,

funções e formações que coexistem no domínio da saúde, nomeadamente da saúde

infantil. Se é hoje comummente aceite pela maior parte dos profissionais de saúde

infantil que é necessário atender a processos psicológicos, já é menos consensual quais

as funções específicas de cada tipo de profissional. Infelizmente, uma maioria de

responsáveis políticos continua a acreditar que é possível fazer a verdadeira revolução

de mentalidades indispensável à humanização dos cuidados de saúde através de uma

combinação de alguns decretos, poucos subsídios e muito boa vontade, ignorando a

necessidade de um componente técnico altamente especializado, que passa pela

colaboração com psicólogos, sociólogos e outros especialistas do comportamento

humano.

Por outro lado, não é demais realçar que o psicólogo de pediatria não deve auto-

restringir a sua actividade a instituições de saúde, nomeadamente aos hospitais. É

necessário que, cada vez mais, se encontrem novas vias de intervenção preventiva e

educacional junto das creches e escolas, de outras instituições comunitárias, assim

como, obviamente, dos centros de saúde.

24
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

5. RELAÇÃO COM OUTROS DOMÍNIOS E ESPECIALIDADES

Apesar das definições progressivamente mais abrangentes que têm sido

apresentadas, a psicologia pediátrica mantém limites bem definidos que importa

esclarecer. Como já referi, ocupa-se dos processos psicológicos que intervêm directa ou

indirectamente nas acções necessárias a um desenvolvimento saudável, e ao tratamento

ou vivência das situações de doença.

Routh (1988a) reconhece que não existindo ainda uma definição totalmente

satisfatória deste domínio, é necessário proceder à identificação de fronteiras com outras

disciplinas que lhe estão próximas e com quem interage constantemente:

5.1.PSICOLOGIA DA SAUDE:

Como já referi esta é a disciplina com a qual a psicologia pediátrica mantem

relações mais estreitas que podem ser consideradas de pertença, ou de vizinhança.

Pessoalmente considero que a psicologia pediátrica se integra na área mais geral da

psicologia da saúde. No entanto, existem algumas distinções que são importantes.

Na psicologia da saúde, assim como na medicina comportamental, o interesse

pela saúde da criança centrou-se sobretudo na sua relevância para a saúde dos adultos.

As crianças são sobretudo consideradas em termos das ramificações da saúde infantil

para a saúde do adulto, ignorando o facto de que os problemas de saúde das crianças são

muito diferentes dos do adulto (Roberts, Maddux e Wright,1984). Por exemplo, a

principal causa de morte nos adultos são as doenças cardiovasculares, o que conduz a

valorizar os comportamentos de saúde da criança relevantes para o seu futuro risco de

vir a contrair patologia cardiovascular, e a interessar-se sobretudo pelos programas que

visam implementar dietas e padrões de actividade física que contribuam para o

25
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

evitamento destes riscos. No entanto, a principal causa de morte nas crianças são os

acidentes domésticos e de viação, praticamente ignorados pela psicologia da saúde.

Assim, esta centração na saúde dos adultos abriu o espaço, e criou a necessidade, para a

emergência de uma subespecialidade, a psicologia pediátrica, que adoptou como objecto

de estudo e intervenção a saúde da criança e do adolescente.

5.2. PSICOPATOLOGIA INFANTIL

A maior parte dos problemas que ocupam os psicólogos de pediatria envolvem

perturbações ou alterações do comportamento muito frequentes e que não são

suficientemente severas ou prolongadas no tempo para se poderem definir como

patologia. No entanto, estes especialistas devem ter um conhecimento aprofundado da

psicopatologia da criança e do adolescente, na medida em que muitas das suas decisões

e intervenções se baseiam precisamente na preocupação de evitar ou prevenir situações

psicopatológicas futuras. Os estudos actuais de psicopatologia do desenvolvimento

(e.g.Rutter,1982; Rutter e Rutter,1993) oferecem um conjunto de dados bem

fundamentados e validados sobre as eventuais consequências das experiências de

doença, de tratamentos médicos e de hospitalização, e a sua correlação com a

emergência posterior de patologia, os quais, devem, evidentemente, orientar muitas das

acções da psicologia pediátrica.

Finalmente, reconhece-se que a situação de consulta para aconselhamento

antecipatório ou resolução dos problemas mais comuns de comportamento, assim como

a própria situação de hospitalização, oferecem oportunidades únicas de contacto da

criança com um especialista de saúde mental, sendo muitas vezes possível identificar a

existência de patologia mais grave que deve ser encaminhada para os serviços

adequados.

26
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Em resumo, se se pede ao psicólogo de pediatria que saiba guardar no bolso os

«óculos de psicopatologista», de forma a não cair no erro de olhar os múltiplos

caminhos da adaptação e da normalidade com um olhar classificador e patologizante,

também se lhe exige que não guarde esses «óculos» no fundo do armário, e os tenha à

mão para quando for necessário.

5.3. ESTUDO DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL E DAS SUAS

PERTURBAÇÕES

Podemos considerar que o especialista em psicologia da desenvolvimento se

interessa pelos processos de desenvolvimento normal ou normativo, enquanto que o

psicólogo de pediatria se ocupa sobretudo de uma perspectiva mais aplicada da

psicologia do desenvolvimento que estuda os efeitos da saúde e da doença no

desenvolvimento, e os efeitos do desenvolvimento na saúde e na doença, assim como as

perturbações ou desvios deste processo de desenvolvimento.

No entanto, o psicólogo de pediatria precisa de ter um conhecimento sempre

actualizado sobre o desenvolvimento infantil. Por um lado, existe um reconhecimento

quase unânime de que a psicologia pediátrica tem de ter uma leitura desenvolvimentista,

conforme já foi anteriormente explicitado. Por outro lado, precisamente pela sua

colaboração estreita com clínicos gerais e pediatras, e pelas suas funções em serviços de

saúde que atendem um número muito alargado de crianças que nunca chegariam

espontaneamente a serviços especializados de avaliação do desenvolvimento, cabe a

estes profissionais uma acção de despiste dos atrasos e perturbações do

desenvolvimento, e um encaminhamento para os serviços clínicos ou educacionais

especializados sempre que seja caso disso.

5.4. PSICOLOGIA CLINICA

27
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

A psicologia pediátrica definiu-se inicialmente como uma extensão, e depois

como uma área muito próxima, mas distinta, da psicologia clínica (Wright,1967). Em

1975 Kenny explicitava que psicólogo de pediatria lida mais com os processos de

desenvolvimento normal do que com a perturbação emocional, e centra-se em ensinar

aos pais um conjunto de medidas preventivas em termos de saúde mental, e em estudar

os efeitos da doença física e da hospitalização no desenvolvimento da criança. A ideia

de que o psicólogo de pediatria lida com os problemas mais comuns da infância, e não

com as formas mais severas de psicopatologia, continua a ser bastante consensual

(Routh,1988a). É sabido que o tipo de problemas possíveis de detectar e de abordar na

prática dos serviços pediátricos envolve um número significativo de questões de

desenvolvimento, de comportamento e de educação (Duff, Rowe e Anderson, 1973)

que podem ser abordados de forma preventiva, ou mesmo num primeiro nível de

remediação educacional.

Mas é sobretudo de realçar que a psicologia pediátrica corresponde à introdução

de um modelo holista de saúde, em que corpo e mente, saúde física e saúde mental, não

são mais do que as duas faces de uma mesma moeda, ou elementos indissociáveis de

um processo único de adaptação humana. Distingue-se portanto, tanto dos modelos

biomédicos que têm orientado a prática da medicina (Engel,1977), como dos modelos

dualistas de saúde mental e psicologia clínica que, em grande parte, ignoram os

processos corporais. Distancia-se, também, da psicossomática de orientação dinâmica

que mantêm a mesma lógica dualista , preconizando a leitura dos sintomas orgânicos

como unidirecionalmente causados por fenómenos psíquicos

(Lipowski,1977;Tuma,1982).

Por outro lado, a prática da psicologia pediátrica implica um conhecimento

aprofundado dos modelos de pediatria, das características e consequências de uma vasta

28
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

gama de doenças e de tratamentos médicos, de comportamentos e crenças de saúde, e do

conhecimento de estratégias especificamente desenvolvidas para lidar com os

problemas inerentes à doença, à dor, e ao sofrimento físico, que só marginalmente

interessam o psicólogo clínico.

Finalmente, e como já referi anteriormente, a necessidade de utilizar

metodologias breves, e de se adaptar aos horários e calendários das consultas médicas

ou da hospitalização, de trabalhar em colaboração estreita com outros técnicos de saúde,

faz com que muitas das metodologias de avaliação e intervenção mais tradicionais não

sejam adequadas a esta área de intervenção.

6. PSICÓLOGOS E PEDIATRAS: QUAL O NOSSO FUTURO CONJUNTO?

Como já mencionei, o desenvolvimento do novo paradigma de saúde global não

teve um impacto decisivo só no seio das ciências do comportamento. Da mesma forma,

observaram-se grandes avanços nos modelos teóricos e nas reflexões metodológicas da

medicina, sobretudo nas suas vertentes de medicina generalista, medicina de família, e

pediatria.

Reportando-nos à metáfora conjugal introduzida por Kagan, devemos agora ir ao

encontro dos filhos do segundo sexo, da dita união entre a psicologia e a pediatria, isto

é, os novos pediatras.

Como em muitas famílias, estes irmãos têm um enorme potencial para

colaborarem frutuosamente, mas também têm certamente necessidade de se envolver

em algumas discussões fraternas que passam pela delimitação de espaços vitais, e pela

luta por uma igualdade de direitos e de estatutos. Assim perspectivados, é talvez mais

29
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

fácil termos uma leitura algo serena e distanciada do que se tem passado e virá a passar

nos próximos tempos entre estas especialidades da psicologia e da medicina.

Num momento em que toda a conceptualização e prática da medicina atravessa

um período de grande transformação, discussão e questionação (Wright e

Friedman,1991), é especialmente importante que o psicólogo que colabora ou integra

equipas de pediatria ou saúde familiar saiba definir o seu papel, as suas

responsabilidades, e a especificidade das suas competências (Harper,1986). A nova

pediatria (Comitee on Hospital Care,1993), humanizando-se e psicologizando-se, não

pode, de modo algum tornar-se omnipotente.

Toda a evolução da conceptualização da saúde enquanto fenómeno global,

integrativo e multicausado, aponta no sentido de ser necessário constituir equipas de

profissionais multidisciplinares que dominam uma linguagem e um paradigma de

intervenção comum, que em muitos casos podem ter papéis sobreponíveis, mas que não

deixam de ter a sua especificidade, ainda mais necessária nesta época de rápido

desenvolvimento tecnológico e científico.

Considero que quanto mais os médicos estão sensíveis e atentos à importância

dos processos psicológicos na avaliação e no tratamento da criança, mais necessitam da

colaboração de psicólogos especialmente bem preparados, que possam contribuir para o

desenvolvimento de formas diferentes e mais adequadas de prestar cuidados de saúde à

criança e à família.

É pois importante conhecer melhor as novas evoluções no seio da pediatria.

A pediatria do desenvolvimento ("developmental pediatrics") tem-se preocupado

sobretudo com as competências cognitivas e as deficiências físicas e mentais que

limitam a funcionalidade na infância.

30
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

A pediatria comportamental ("behavioral pediatrics") tem enfatizado a

prevenção e o tratamento das perturbações de comportamento e os efeitos do

funcionamento familiar e da adaptação social. Foca particularmente assuntos como os

factores psicológicos que contribuem para a etiologia das várias doenças da infância, as

sequelas psicológicas dos vários problemas médicos, e os factores psicológicos que

afectam a manutenção dos cuidados médicos adequados. Os especialistas de pediatria

comportamental enfatizam a intervenção precoce e o tratamento dos problemas de

comportamento mais comuns como parte integrante da perspectiva preventiva da

pediatria (Davidson,1988).

A pediatria do desenvolvimento comportamental ("developmental-behavioral

pediatrics") associa estas duas linhas de forma a enfatizar as suas missões compatíveis e

as contribuições complementares para a pediatria geral.

Como se pode constatar estes domínios são certamente complementares, mas

também parcialmente sobreponíveis com a psicologia pediátrica. Existem assim, e

simultaneamente, oportunidades acrescidas de colaboração na implementação de

serviços, na formação profissional e na investigação, mas também a ocasião para

atitudes de competição em resposta a pressões economicistas e de estatuto. Segundo

Davidson (1988), a formação de pediatras do comportamento e do desenvolvimento

visa a preparação de médicos generalistas mais eficazes, porque capazes de integrar um

modelo holista de saúde, enquanto a formação dos psicólogos de pediatria deve produzir

uma categoria diferenciada de especialistas de cuidados de saúde. Assim, o papel de

ambos será sempre distinto, mas complementar, permitindo que ambas as profissões

possam progredir e contribuir para o avanço dos cuidados de saúde infantil.

Sejam quais forem as formas de colaboração e integração utilizadas, o psicólogo

tem de ser capaz de compreender o código linguístico utilizado pelos outros

31
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

profissionais, e de ter conhecimentos básicos sobre as patologias e tratamentos

abordados. Por outro lado tem de ser capaz de comunicar os seus conhecimentos de

formas que possam ser efectivamente aceites e percepcionadas como úteis pelos outros

profissionais. Como, frequentemente, os objectivos e necessidades de ambas as partes

entram em conflito, cabe ao psicólogo evidenciar competências de facilitador de

comunicação, mas também de diplomata sensível (Drotar,1982) . O psicólogo precisa,

sobretudo, de se descentrar e ser capaz de compreender as dificuldades encontradas

pelos outros técnicos no exercício das suas funções, e não de propor acções ou atitudes

irrealistas ou contraditórias. Mas, de igual modo, deve manter firmeza e clareza na

definição das suas funções e objectivos que não são, frequentemente, coincidentes com

os dos outros profissionais, e podem mesmo, em alguns casos, entrar em conflito.

7. FORMAÇÃO DOS PSICOLOGOS DE PEDIATRIA

Como em todas as áreas em que existem funções parcialmente comuns, ou

dificuldade de definir claramente fronteiras entre profissões, a única resposta adequada

só pode ser encontrada numa formação séria e aprofundada, que se espera possa vir a

dar os seus frutos a longo prazo. Segundo Stabler (1988), se os outros profissionais de

saúde têm crenças estereotipadas sobre o papel do psicólogo nos cuidados de saúde, isso

deve-se em grande parte à perspectiva limitada que os próprios psicólogos têm do seu

papel. E cabe ao psicólogo de pediatria aprofundar a sua formação de forma a ser capaz

de clarificar junto dos colegas com outras formações qual o seu papel e as suas funções.

Assim, os principais teóricos da psicologia pediátrica têm repetido os incentivos

a um investimento na investigação e na formação. Nos Estados Unidos existem

actualmente vários programas de doutoramento e pós-doutoramento que optam por

considerar a psicologia pediátrica ou como uma subespecialidade da psicologia clínica

32
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

com treino em serviços de saúde, ou como uma subespecialidade da psicologia da saúde

que enfatiza a saúde da criança. Na Europa existem vários programas de formação pós-

graduada em psicologia da saúde onde se integra a psicologia pediátrica, nomeadamente

em Espanha, Holanda e Inglaterra.

Parece-me, pois, oportuno sublinhar as linhas de convergência das várias

formações nesta área de intervenção psicológica, de modo a podermos aprender com

países que já percorreram o mesmo caminho há bastante mais tempo. A maioria dos

especialistas concorda que a formação em psicologia pediátrica deve partir de um

aprofundamento teórico sobre:

1. Uma formação em psicologia da saúde que permita conhecer e compreender

os vários modelos de comportamentos e crenças de saúde, e de um modo geral, permitir

um enquadramento e uma análise do funcionamento dos serviços de saúde; assim como

uma compreensão dos modelos de cuidados de saúde, da sua evolução histórica e do

papel da psicologia no interface com as outras especialidades.

2. Uma formação aprofundada da psicologia e psicopatologia do

desenvolvimento, com ênfase na compreensão das interacções entre a saúde, a doença, e

os desenvolvimentos normal e perturbado.

3. Conhecimento e experiência na utilização de metodologias de avaliação e

intervenção psicológica com ênfase em técnicas comportamentais-cognitivas e

cognitivas

4.Os conhecimentos básicos sobre as várias disciplinas médicas relevantes para

a sua prática, nomeadamente a clínica geral, medicina de família e pediatria, que lhe

permitam compreender e utilizar um código linguístico comum, para dialogar

adequadamente com os outros profissionais de saúde.

33
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

5. Uma prática supervisionada por psicólogo de pediatria e realizada em vários

tipos de serviços de saúde pediátrica e familiar.

Como é evidente, não cabe aqui definir qual o modelo mais adequado para a

formação dos psicólogos de pediatria em Portugal. Esperamos que nos próximos anos se

assista a um aprofundamento da reflexão que tem vindo a ser (incipientemente) feita

sobre a formação pós-graduada em psicologia, nomeadamente nas áreas de intervenção.

E que daí possam surgir normas baseadas na saudável competição e em critérios de

competência, que permitam definir adequadamente o que devem ser os requisitos de

formação em psicologia clínica, psicoterapia, psicologia da saúde e psicologia

pediátrica.

34
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Capítulo 2- SIGNIFICAÇÕES SOBRE SAÚDE E DOENÇA EM PSICOLOGIA

PEDIÁTRICA

1. INTRODUÇÃO

Na Psicologia Pediátrica e contrariamente ao que se passou noutras áreas da

Psicologia da Saúde mais directamente herdeiras da Medicina Comportamental

(Matarazzo,1980), desde cedo se reconheceu a importância de atender aos processos de

mediação cognitiva, isto é, de valorizar os pensamentos, as ideias e a compreensão dos

sujeitos intervenientes (e.g.,Nagy,1951; Gellert,1978). Como se sabe, o mesmo

processo de cognitivização (Joyce-Moniz e Barros,1994) só se deu mais tarde noutras

áreas da Psicologia da Saúde.

Esta tendência para valorizar os processos cognitivos foi acompanhada de uma

preocupação em fazer uma leitura desenvolvimentista destes mesmos processos

(e.g.,Bibace & Walsh,1979,1980; Natapoff,1978; Perrin & Gerrity,1981). Pode-se

especular que o facto destes investigadores e clínicos se ocuparem de crianças e

adolescentes, e como tal serem observadores privilegiados das rápidas mudanças

estruturadas e sequenciadas que caracterizam o desenvolvimento nestas primeiras etapas

de vida, os terá conduzido a reconhecer a importância de atender ao próprio processo de

desenvolvimento como parte integrante da vivência e confronto das situações de doença

(Roberts, Maddux & Wright,1984).

Existe um amplo consenso em considerar que o que melhor caracteriza a

Psicologia Pediátrica, para além de se exercer em serviços de saúde, e de utilizar

metodologias breves e com objectivos preventivos, é, precisamente, a sua orientação

desenvolvimentista (e.g., Roberts, 1986). Reconhece-se, assim, que as crenças infantis

sobre saúde e doença influenciam as atitudes de promoção da saúde e de confronto da

doença (Burbach e Peterson,1988; Maddux,Roberts, Sledden e Wright,1986),

35
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

concretamente o momento do diagnóstico e a sua acuidade, a percepção dos sintomas e

das suas consequências, assim como todo o processo de tratamento e de reabilitação

(Bilbace e Walsh,1980; Gaffney e Dunne,1987).

A acção dos técnicos de saúde para ajudar a controlar a ansiedade e dor

provocada pela hospitalização ou por tratamentos invasivos, e o sofrimento associado à

doença crónica, não pode ser uma mera adaptação das técnicas utilizadas com adultos.

As metodologias que têm provado maior eficácia são precisamente as que consideram a

especificidade da compreensão infantil, e que valorizam as características dessa mesma

compreensão, tanto na explicação e informação sobre os procedimentos (Peterson &

Mori,1988), como na própria elaboração das metodologias de confronto (Jay,1988). Por

exemplo, as metodologias de distracção, imaginação guiada, auto-hipnose ou

hiperempiria (Gibbons, 1979; Olness,1981) tirando clara vantagem da capacidade da

criança para criar um mundo imaginário e de lhe dar um valor de realidade, têm

mostrado grande eficácia no controlo da dor intensa associada ao tratamento de

queimaduras graves ou de outros procedimentos dolorosos.

No entanto, muitos dos trabalhos de psicologia pediátrica que se definem como

desenvolvimentistas, tendem a referir a compreensão dos fenómenos de doença e do

tratamento como um processo meramente cognitivo, centrado essencialmente na

compreensão infantil da causalidade da doença, e determinado maioritariamente pelo

desenvolvimento cognitivo, aliás sempre muito associado (e por vezes confundido) com

a própria idade da criança. Mais recentemente, Goldman e colegas (Goldman, Whitney-

Saltiel,Granger & Rodin,1991) chamam a atenção para o facto de que as concepções da

criança sobre doença, à semelhança das dos adultos, são multidimensionais, e

determinadas tanto pelo desenvolvimento cognitivo, como pela própria interpretação da

36
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

experiência, e pela modelagem e exposição às crenças e expectativas dos que lhe estão

próximos.

Por outro lado, e não obstante alguns contributos importantes (e.g.Roberts,

1986;Roberts, Maddux & Wright,1984), continua a não haver uma reflexão

sistematizada sobre as implicações da perspectiva desenvolvimentista para a prática da

Psicologia Pediátrica que ultrapasse a mera definição das metodologias mais adequadas

para cada grupo etário.

Considero, no entanto que é necessário alargar esta centração na compreensão da

causalidade para uma ênfase nos processos mais alargados e abrangentes de significação

pessoal. Neste contexto, significações são actividades de interpretação ou explicação da

realidade, que «equivalem a construções mentais que se produzem de forma ordenada e

inclusiva durante todo o desenvolvimento» (Joyce-Moniz,1993,p.53); são pois

construções subjectivas, i.e., «um processo cognitiva e emocionalmente activo» (idem,

p.81). Tanto nos interessa a compreensão da causalidade, como a de outras dimensões

consideradas relevantes nas cognições de saúde dos adultos, como a identidade,

evolução e consequências (Leventhal e Nerenz,1982).

Neste sentido considero que é todo o processo de atribuição de significado às

experiências de saúde e doença durante, e em relação com, o processo de

desenvolvimento global, que interessa estudar em Psicologia Pediátrica. A valorização

do componente emocional, e a atenção às diferenças de experiências pessoais,

consoante o próprio estatuto «doente-saudável», mas também consoante as próprias

crenças e atitudes expressas pelo meio familiar e cultural mais próximo, chama a

atenção para as diferenças e idiossincrasias entre crianças do mesmo nível etário e de

desenvolvimento, mas também para as diferenças de nível de significação expressas

pela mesma criança em situações diferentes (desfasamentos). Isto é, mais do que a

37
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

continuidade ao longo da história individual, ou em relação a crianças do mesmo grupo

etário, interessam-nos as discontinuidades entre significações de crianças da mesma

idade, mas também as discontinuidades no próprio processo de desenvolvimento

individual. Podemos, então, compreender melhor porque é que crianças claramente

operatórias noutros domínios da sua vida socio-cognitiva, utilizam conceitos

característicos do período pré-operatório quando confrontadas com uma situação de

doença ou de tratamento assustadores, ameaçadores ou dolorosos; ou como é que um

pré-adolescente com largos anos de vivência de uma doença crónica incapacitante e a

iniciar o estádio das operações formais consegue atingir uma grande complexidade e

abstracção quando raciocina sobre as alternativas de tratamento (e,g., Andersen, 1985).

O reconhecimento do primado das significações na sua complexidade cognitiva

e emocional também nos ajuda a compreender melhor o processo de interacção e

determinação mútua entre pais e filhos. Ao longo da vida, e por meios de vivências de

ameaça e/ou concretização de doenças diversificadas, pais e filhos vão-se influenciando

mutuamente nos seus processos de aquisição e transformação de significações sobre

saúde e doença, sobre a adesão aos tratamentos e sobre as melhores formas de

confrontar a ansiedade e o sofrimento (Barros,1996a).

É portanto como um contributo para essa reflexão mais abrangente sobre uma

leitura desenvolvimentista da Psicologia Pediátrica que se orienta este trabalho, e que se

situa na mesma linha que tem orientado outros trabalhos desenvolvimentistas em

psicologia da saúde (e.g.,Fradique, 1992; Joyce-Moniz e Reis,1991; Reis,1993).

Para esta reflexão metateórica sobre o aprofundamento da orientação

desenvolvimentista em psicologia pediátrica proponho que se destaquem três linhas de

força essenciais:

38
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

a) Reconhecimento da importância dos estudos da Psicopatologia do Desenvolvimento,

nomeadamente dos que aprofundam e actualizam a compreensão do impacto das

vivências da hospitalização e separação do meio familiar e da doença crónica, no

processo global de desenvolvimento da criança e da família.

b) centração nos processos de significação infantil sobre doença e saúde,

nomeadamente nos conceitos de saúde e doença, na compreensão da causalidade e do

modo de funcionamento dos tratamentos, e na sua transformação ao longo do

desenvolvimento.

c) valorização dos processos de significação parental sobre a doença, sobre as relações

entre os problemas de saúde e o desenvolvimento infantil, e sobre resolução de

problemas e adesão às recomendações dos profissionais.

Em seguida analisarei cada uma destas linhas de força explicitando a sua

relevância para a intervenção em Psicologia Pediátrica.

2. RECONHECIMENTO DA IMPORTÂNCIA DA PSICOPATOLOGIA DO

DESENVOLVIMENTO

A ideia introduzida nos anos quarenta e cinquenta, da doença infantil como uma

experiência traumatizante, associada necessariamente a reacções depressivas, ansiedade,

regressão, e problemas de comportamento (Prugh,1971) tem vindo a ser abandonada.

Trabalhos nas áreas da Psicologia da Saúde (e.g.,Karoly, Steffen & O’Grady,1982) e da

Psicopatologia do Desenvolvimento (Parmalee,1989; Rutter,1982) questionam a ideia

de tragédia, ou trauma profundo, associado a este tipo de experiências.

Assim, por exemplo, Rutter (Quinton e Rutter,1976; Rutter e Rutter,1993)

estudou extensivamente as consequências da hospitalização na infância, concluindo que

as consequências negativas desta experiência estavam associadas a outros factores de

39
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

risco, tais como ausência de experiências prévias positivas de separação, a perturbação e

carências básicas na família anteriores ao internamento, a ansiedade parental, a

separação do ambiente familiar, e a interrupção nos cuidados básicos por um adulto

responsável. Rutter dá uma importância muito significativa ao desenvolvimento da

criança, e à preparação prévia para o internamento ou para o procedimento invasivo

e/ou doloroso, dois aspectos que estão largamente relacionados com os processos de

significação que a criança é capaz de desenvolver sobre a sua doença e hospitalização.

Pode, então, concluir-se que não é a experiência da hospitalização em si, mas

processos que podem ou não estar-lhe associados, e que são susceptíveis de ser

controlados tanto pelos adultos envolvidos como pela própria criança, que estão

eventualmente associados a perturbação emocional e a problemas de comportamento

mais duradouros. E que esses processos se relacionam em grande parte com

expectativas, crenças, valores, ou ideias, i.e., significações, que a criança e a família vão

construindo.

Por outro lado, os estudos com crianças portadoras de doença crónica mostram

que este tipo de vivências não estão necessariamente associadas a problemas de

comportamento, perturbação emocional ou distúrbios de desenvolvimento (Varni &

Wallander,1988). De uma forma geral, pode-se considerar que a doença crónica

representa um stress importante para a criança e para a família, mas também representa

uma oportunidade acrescida de aprendizagem e enriquecimento. Assim, as suas

consequências vão depender da forma como a criança e a família, com a ajuda dos

profissionais, vão ser capazes de compreender, interpretar, avaliar e confrontar a

situação de doença e as experiências de sofrimento e limitação física que dela decorrem.

40
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Podemos, portanto, constatar que dos estudos da psicopatologia do

desenvolvimento que mais se interessaram pelo processo de doença decorrem três

consequências:

1.a reacção adaptativa ou desadaptativa da criança vai depender, em parte, da sua

capacidade para compreender e dar significado à doença, e para utilizar processos de

confronto adequados.

2.a criança está comportamental, cognitiva e emocionalmente dependente do seu meio

familiar, pelo que a sua atitude vai também depender, em grande parte, dos processos de

construção de significações e de confronto utilizados pelos pais e outros adultos

próximos, assim como pelos próprios profissionais de saúde envolvidos no tratamento.

3.se o stress imposto à criança pela doença não pode ser modificado, a forma mais

plausível de intervir é encontrar estratégias que facilitem o confronto, tanto da criança

individualmente, como da própria família.

Estes três aspectos evidenciam a importância de estudar e avaliar as

significações das crianças, dos pais, e dos demais adultos envolvidos no processo de

acompanhamento da criança, que correspondem precisamente aos dois pontos seguintes

deste trabalho.

3.VALORIZAÇÃO DOS PROCESSOS INFANTIS DE COMPREENSÃO E DE

EXPLICAÇÃO DA DOENÇA E DA SAÚDE

A doença produz sensações internas inabituais, um repentino conhecimento de

processos corporais até aí desconhecidos, assim como uma inexplicável perda de

controlo de partes ou funções do corpo. A experiência de doença, de tratamentos e de

41
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

hospitalização criam na criança a necessidade da sua compreensão (Palomo,1995). Com

o objectivo de se adaptar a situações e acontecimentos que está a viver, a criança

constrói ideias ou teorias, i.e., significações e, em consequência, reage de diferentes

maneiras.

A noção de que o desenvolvimento cognitivo da criança determina essa

construção dos fenómenos de saúde, doença e morte, necessariamente diferente da dos

adultos, e de que esta obedece naturalmente aos mesmos princípios de desenvolvimento

da compreensão dos fenómenos do mundo físico e social definidos por Piaget, levou ao

aparecimento de múltiplos estudos sobre os conceitos de doença na criança segundo

uma perspectiva piagetiana (e.g., Barrio,1990; Bibace & Walsh,1979,1980;

Brewster,1982; Perrin & Gerrity,1981; Simeonson, Buckley & Monson,1979;

Whitt,1982). Embora existam actualmente mais trabalhos dentro desta linha de

investigação, escolhi os que me parecem mais significativos para apresentar uma síntese

integradora (Quadro 1).

--------------------inserir quadro 1 aproximadamente aqui------------------

Como se pode constatar todos estes autores partilham de algumas premissas, i.e.,

todos reconhecem que os conceitos sobre saúde e doença, se organizam numa

progressão hierárquica que se estrutura do concreto para o abstracto, do particular para o

geral, do mais rígido para o flexível, do perceptivo para o racional. Mais

especificamente, constatamos que:

1. No estádio pré-operatório as significações sobre a realidade dos sintomas

apoiam-se na percepção mais directa e evidente, i.e., o que se vê, ouve, sente, cheira

42
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

(uma ferida sangrenta é certamente mais grave que um problema intestinal que

provoca sensações moderadas)1. Os sintomas tendem a ser descritos de forma

indiferenciada e global, categórica e apoiando-se em atribuições de tudo ou nada (a

saúde é não ter dores nem febre). Todos os fenómenos têm uma causa próxima,

evidente, e provavelmente auto-provocada (Se nos portarmos bem, não ficamos

doentes). A dor ou doença, quando concretamente percepcionada é um processo que

vitimiza, ou invade, o sujeito, havendo poucas possibilidades de alterar o sofrimento daí

decorrente.

2. No estádio das operações concretas a emergência de uma causalidade objectiva e

racional permite atender a fenómenos ou explicações mais complexos e menos

directamente perceptíveis, assim como compreender uma gradação no nível de dor ou

de gravidade da doença. Existe uma maior diferenciação entre o real e o imaginário. A

criança começa a aceitar uma perspectiva mais objectiva sobre as causas da doença, e a

perceber a possibilidade de que os seus actos possam contribuir para diminuir o

sofrimento ou para facilitar o processo de cura ( se não olhar, a injecção não dói tanto;

se conseguir ficar quieta, a fractura do osso cura mais depressa) .

3. Com o acesso às operações formais existe uma progressiva capacidade para

compreender os processos internos do organismo e para atender a uma maior

complexidade no processo de adoecer e no de curar (o estado de cansaço pode diminuir

as defesas e aumentar a probabilidade de ficar doente). O jovem pode

progressivamente entender melhor o papel do organismo e dos processos psicológicos, e

aderir a metodologias mais sofisticadas de controlo da dor, e de aceitação dos limites

impostos pela doença. A libertação do «concreto» permite uma exploração mais

1
Recentemente, a mãe de uma criança de 3 anos submetida a uma operação algo delicada ao cérebro, descrevia-me
como a inquietação da filha no pós-operatório tinha miraculosamente acabado quando a mãe lhe retirara o adesivo
colocado na mão onde estivera inserida a sonda intravenosa!

43
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

extensiva dos processos de confronto e de resolução de problemas, recorrendo ao

pensamento hipotético, e à crescente capacidade de abstracção.

A partir destas grandes linhas poderemos retirar algumas ilações para a

intervenção em psicologia pediátrica.

4. IMPLICAÇÕES METODOLÓGICAS DA LEITURA DESENVOLVIMENTISTA DAS

SIGNIFICAÇÕES INFANTIS SOBRE SAÚDE E DOENÇA

4.1. UTILIZAÇÃO DE FORMAS DE COMUNICAÇÃO ADEQUADAS AO

NÍVEL DE SIGNIFICAÇÃO DA CRIANÇA.

Para a criança mais pequena e imatura a explicação da doença ou dos

tratamentos deve ser simples e breve, com uma base perceptiva clara, centrada nos

fenómenos e sensações mais pregnantes. É necessário dar uma grande atenção à

linguagem, devido à tendência da criança para interpretar literalmente o que lhe é dito e

se centrar nas imagens de atentado concreto e material à sua integridade física

(Whitt,1982). As sensações devem ser referidas de forma a evitar a surpresa, mas de

modo a não antecipar dor ou ansiedade.

Com a criança operatória pode, e deve, haver uma informação mais detalhada e

realista. A criança já é capaz de aderir ao desafio de que «dói um pouco», mas que a sua

enorme bravura e competência a vão ajudar a vencer aquela prova. A explicação

processual do adoecer e do curar, a ideia de que no seu corpo alguns heróis lutam para

vencer o micróbio inimigo, ou de que os pensamentos positivos podem vencer as ideias

de medo, podem interessar a criança e motivá-la para uma participação mais activa e

positiva no seu tratamento.

Finalmente, o adolescente com acesso a um nível pré-formal pode ser ajudado a

compreender tanto os aspectos mais sofisticados ou científicos do seu diagnóstico,

44
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

como, sobretudo, a possibilidade de utilizar uma gama alargada de competências de

autocontrole e resolução de problemas, aprendendo a ser um doente mais autónomo, a

quem é reconhecido progressivamente um papel de colaborador activo e de confiança.

4.2. ESCOLHA DAS METODOLOGIAS DE CONFRONTO DA DOR E DA

ANSIEDADE MAIS ADEQUADAS

Também aqui é possível estabelecer uma hierarquia desenvolvimentista das

metodologias a utilizar, partindo das que são mais centradas no contacto directo com as

figuras de segurança afectiva e das técnicas de distracção comportamental, para

metodologias progressivamente mais elaboradas, mais centradas na auto-distracção e

autocontrole, e posteriormente na restruturação do significado da doença, transformação

do contexto em que ocorrem os sintomas. Ao longo deste livro será explicitada e

concretizada esta orientação.

4.3. COMPREENDER A COMPLEXIDADE DA DIALÉCTICA DAS

NECESSIDADES BÁSICAS DE PROTECÇÃO E DE CONTROLO

Esta compreensão implica o reconhecimento de que a intervenção com as

crianças mais pequenas e imaturas deve ser sobretudo uma intervenção centrada nos

adultos significativos para essa criança, e na organização do espaço e das rotinas dos

serviços de saúde. À medida que a sofisticação das competências cognitivas da criança

lhe permite libertar-se das sensações e percepções imediatas, e , posteriormente, da

situação concreta, é possível enfatizar as intervenções mais dirigidas à criança, e às suas

crescentes capacidades de autocontrole e autonomia conceptual, sem nunca descurar a

necessidade de se sentir protegido, apoiado, acarinhado.

45
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

4.4. ELABORAR AS INTERVENÇÕES A PARTIR DAS CONSTRUÇÕES

INFANTIS

O conhecimento das discontinuidades mais comuns nas significações infantis

sobre saúde não deve, em nenhum caso, impedir ou desvalorizar uma avaliação

cuidadosa das construções que cada criança utiliza sobre a sua situação particular. A

especificidade das situações, os modelos de significações a que é exposta, e um

conjunto de outros elementos que não conhecemos totalmente, determinam uma grande

variedade e idiossincrasia na forma como cada criança vai interpretar e elaborar os

significados das experiências que vive. A leitura desenvolvimentista serve-nos, tão

somente, como um guia que orienta a exploração dessas significações, e a comparação

com outras significações da mesma criança ou de outras crianças.

Muitos dos estudos sobre significações infantis foram realizados com crianças

que não estavam, efectivamente, a viver situações de doença ou de tratamento. Os

estudos com populações clínicas mostram que a experiência activa duma doença se

acompanha de construções de significações sobre essa experiência caracterizadas por

múltiplos desfasamentos, tanto num sentido de adopção de significações características

de níveis anteriores, como no sentido de uma evolução majorante em relação a outras

significações mais gerais sobre o próprio e sobre os outros.

5. VALORIZAÇÃO DOS PROCESSOS DE CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICAÇÕES DOS

ADULTOS SIGNIFICATIVOS

Actualmente a intervenção pediátrica reconhece que os pais ocupam um papel

privilegiado no desenvolvimento das atitudes e crenças sobre saúde e doença

(Gochman,1985). Os pais são importantes protectores e/ou moderadores da saúde da

46
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

criança (Cresson,1993), tanto pelas suas atitudes concretas, como pelas significações

que expressam de diferentes formas e em diferentes contextos (Barros,1996b).

A perspectiva desenvolvimentista leva a valorizar a intervenção com os adultos

que mais directamente organizam e estruturam as experiências da criança, na medida

em que se considera que a maior parte das perturbações infantis são basicamente

processos adaptativos a situações de adversidade, stress e crise, normalmente sob

controlo total ou parcial dos adultos (Joyce-Moniz,1993). Em Psicologia Pediátrica, e

paralelamente às intervenções mais específicas para informar e preparar a criança, ou

para lhe ensinar metodologias de confronto com tratamentos ou situações aversivas, é

reconhecido o papel central dos pais tanto na prevenção como no tratamento da doença.

Este papel é especialmente importante na medida em que os pais que

acompanham a criança durante a hospitalização e os tratamentos dolorosos, e nos

períodos de pré e pós cirurgia, precisam de ser ajudados a conhecer e compreender

quais as reacções infantis mais comuns e esperadas em cada situação, e de que forma

eles podem utilizar a sua relação privilegiada com o filho para o ajudar em todos estes

momentos difíceis (Melnyck,1995).

Nas situações de doença prolongada ou crónica em que são necessários

tratamentos e regimes complexos e penosos, assim como em relação á adopção de

comportamentos e atitudes preventivas, o papel dos pais é central para a adesão às

prescrições e recomendações médicas (La Greca,1988). Se é certo que a criança deve

ser desde sempre considerada como um parceiro activo no diagnóstico e tratamento, não

é menos verdade que antes do fim da adolescência são os pais que têm a

responsabilidade principal pelo tratamento da criança. Face à prescrição de tratamentos

e às recomendações de atitudes educativas, os pais são sempre «resolvedores de

problemas», a quem cabe tomar a decisão de cumprir, ignorar, ou adaptar os conselhos

47
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

dos profissionais. Levy e Howard (1982) enfatizam três áreas em que os pais são

especialmente vocacionados para se responsabilizarem pela adesão aos tratamentos:

1-área experiencial - são os pais que têm mais oportunidades para observar a

experiência dos filhos em vários contextos e descriminar as suas reacções;

2- área integrativa - são os pais que têm mais possibilidades de ajudar a criança a dar

um sentido à sua doença no contexto das suas vivências globais, para que ela aprenda a

ver-se como uma criança como as outras, mas, simultaneamente, a saber aceitar os

limites impostos pela doença ou incapacidade;

3-área de iniciativa - cabe aos pais a iniciativa de reconhecer que existe um problema,

levar a criança ao médico, acompanhá-la aos tratamentos, fazê-la cumprir as dietas ou

programas de exercício, estruturar as sua diversas actividades e tempos livres, etc.

A Medicina Comportamental aceitou, parcialmente, o pressuposto do modelo

médico que vê o doente que não cumpre integralmente o plano de tratamento ou as

recomendações do médico como o «mau da fita», não cooperante, com «tendência para

errar», esquecido, descuidado, hostil ou ignorante (Deaton e Olbrisch,1987;

Stimson,1974). Ao contrário, as perspectivas cognitivas mais actuais consideram a não-

adesão como um processo activo de avaliação dos efeitos do tratamento face aos seus

custos, no contexto mais alargado de compreensão da doença e do tratamento (modelo

de crenças de saúde de Becker,1974). Assim, a ideia de um paciente pouco propício à

colaboração e, paradoxalmente, responsável (porque culpado) absoluto pela não

implementação dos tratamentos, tem vindo a ser questionada. Este movimento de

cognitivização conduz à valorização das significações individuais dos pacientes, e, neste

caso, dos pais, sobre o processo de doença, a relação com as figuras de autoridade

médica, a eficácia dos tratamentos e recomendações profissionais. Reconhece-se a

necessidade de considerar os pais como membros activos da equipa de saúde que

48
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

acompanha e trata a criança, cabendo aos profissionais conjugarem esforços para

facilitar o processo de resolução de problemas parental de forma o mais informada e

autónoma possível (Deaton e Olbrisch,1987; Joyce-Moniz e Barros,1994).

Na saúde infantil, muitas das prescrições e recomendações dos médicos não são

estritamente medicamentosas. Ao contrário, um grande número de orientações

terapêuticas e de consequentes problemas de adesão coloca-se precisamente em relação

a hábitos e comportamentos específicos e, em geral, a estilos de vida. As

recomendações do médico alargam-se às rotinas diárias do sono e da alimentação, mas

também da escolaridade e dos tempos livres, ou ainda à implementação de estratégias de

disciplina. Neste sentido considero que a adesão às prescrições do médico não se coloca

de forma diferente da adesão às prescrições e recomendações de outros profissionais,

tais como os psicólogos. Também nesta área se passou de uma leitura

comportamentalista baseada na ideia dos pais resistentes e maus colaboradores quando

não cumpriam as regras definidas pelo terapeuta (O’Dell,1974), para o reconhecimento

da necessidade de centrar as intervenções psicológicas na análise e confronto das

significações parentais, e de valorizar e incrementar a sua autonomia e capacidade de

resolver problemas educacionais (Barros,1992a).

Numa perspectiva construtivista, podemos afirmar que os pais, nas suas

concepções subjectivas e/ou implícitas elaboram, de forma mais ou menos reflectida e

elaborada, modelos ou teorias sobre a importância relativa dos vários determinantes de

saúde infantil, sobre a possibilidade de controlar e influenciar as atitudes facilitadoras e

inibidoras de saúde, ou sobre a importância e/ou necessidade de aderir ou não às

prescrições do médico. Uma leitura desenvolvimentista destas construções parentais

permite definir uma sequência que se hierarquiza em níveis de progressiva

diferenciação, flexibilidade e integração, tais como definidos por Piaget (Barros,1996b).

49
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Apresento em seguida uma sequência desenvolvimentista das significações

parentais sobre os problemas de desenvolvimento e de saúde dos filhos. Esta sequência

foi construída com base no modelo integrativo de desenvolvimento socio-cognitivo de

Joyce-Moniz (1988a,1993), e no modelo de conceitos parentais sobre o

desenvolvimento de Sameroff e Feil (1985). Estes dois modelos definem uma hierarquia

de significações que se organiza segundo princípios piagetianos, o primeiro organizado

nas dimensões metafísica, descentrante, normativa e de autocontrole, e de resolução de

problemas e o segundo centrado na causalidade dos problemas educacionais e de

desenvolvimento, na compreensão do processo de desenvolvimento infantil e na

possibilidade da sua correcção/compensação.

A sequência agora apresentada está organizada em três áreas principais, que são

as que parecem ter maior relevância para compreender as atitudes dos pais face a

problemas de saúde nos seus filhos. 1. A definição do sintoma ou problema engloba as

dimensões metafísica e descentrante e a noção de causalidade, definindo a forma como

os pais conceptualizam a realidade desse sintoma, como são capazes de perceber e

atender a perspectivas diferentes nessa conceptualização, e como procuram as

explicações causais do mesmo. Engloba as várias dimensões de identidade, causalidade,

consequência e evolução definidas como essenciais para a análise das crenças de saúde.

Num segundo momento aborda-se a conceptualização do desenvolvimento infantil, as

relações entre a doença e esse mesmo desenvolvimento e as possibilidades de o corrigir

ou compensar, e num terceiro as modalidades preferidas de resolução de problemas

educacionais e as formas de relacionamento com a autoridade profissional, ou seja os

modelos de adesão a recomendações e prescrições. Trata-se de modelos de adesão que

definem diferentes atitudes por parte dos profissionais (mais impositivas e directivas ou

50
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

mais colaborativas) e por parte dos doentes (mais passivas ou mais participativas e

autónomas) ( DiMatteo & DiNicola,1982; Janis e Rodin,1979; Stone,1979).

Este modelo tem vindo a ser estudado com diversas populações de pais de

crianças com problemas de saúde e de desenvolvimento (e.g.Barros,1992b;

Santos,1997; Marques,1998)

5.1. NÍVEIS DE SIGNIFICAÇÃO PARENTAL SOBRE PROBLEMAS DE

DESENVOLVIMENTO, COMPORTAMENTO E SAÚDE

Nível 1
Significação do sintoma/doença:
Centração na realidade objectiva, que é apreendida pelos sentidos. O conhecimento
absoluto existe. A pessoa pode não ter acesso directo ao conhecimento, mas a
autoridade tem-no. Os sintomas ou doenças são realidades concretas, que existem
porque são percepcionadas, pela pessoa ou pela «autoridade».
A pessoa pode ter consciência de que existe uma diferença de perspectiva, mas é
incapaz de manter a sua perspectiva ao mesmo tempo que se coloca na perspectiva do
outro. Donde decorre uma centração exclusiva na perspectiva do próprio ou falta de
coordenação (incoerência não percebida) entre duas perspectivas diferentes.
Não existe uma compreensão verdadeira da causalidade: ela é definida em
termos concretos e de contingências imediatas. Não existe coordenação: as mesmas
causas podem originar sintomas diferentes. Os sintomas/problemas podem ser
percepcionados como castigos por erros cometidos, consequência inevitável de
transgressão das normas.
As experiências emocionais não se diferenciam das sensações do corpo e das
acções concretas mais globais. A emoção é descrita em termos de comportamentos
instrumentais (e.g.,riso=satisfação; choro=sofrimento).
Compreensão do processo de desenvolvimento
Não existe qualquer compreensão dum processo de desenvolvimento ou de
mudança continuada, influências e resultados não são diferenciados. A discussão centra-
se no aqui e agora. Não há coordenação entre situações diferentes. Existe uma definição
das pessoas em termos «pré-categoriais»,i.e., recorre-se a um número muito restrito de
categorias rígidas e dicotómicas, muito estereotipadas
Resolução de problemas/adesão às recomendações do especialista:
Explicação causal como condição prévia a qualquer estratégia de resolução; não
resolução por respostas de tipo tautológico, simples explicitação e explicação de
sintomas. A realidade da doença (problema original ou central na
saúde/desenvolvimento) e das suas consequências é vista como irreversível (ou
totalmente anulável por um mecanismo inexplicável, de tipo mágico).
A adesão é possível quando é explicitada em termos de regras concretas,
simples, fáceis de aplicar e que não acarretam muitas consequências negativas (para os
pais/para a criança). A acção correcta é a que não prejudica fisicamente os outros e se

51
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

submete passivamente à autoridade. A adesão tem por objectivo o ganho de protecção, e


o evitamento de punição. As relações com a autoridade baseiam-se na submissão e
dependência, mas os resultados da adesão são avaliados em termos categóricos. Se as
recomendações não dão resultados imediatos e concretos, ou se a pessoa não se sente
suficientemente protegida, o profissional é «mau» e procura-se outro especialista
(modelo de adesão como norma (Janis eRodin,1979) para atitudes simples e concretas).
Nível 2:
Significação do sintoma/doença:
Centração na realidade objectiva que não pode ser imediatamente acessível ao
conhecimento da pessoa ou mesmo da autoridade. Por vezes, o conhecimento absoluto
pode ser posto em causa e as autoridades vistas como fontes incertas. O conhecimento é
entendido nas suas dimensões concretas e quantificáveis; só uma larga acumulação de
evidência pode levar ao conhecimento absoluto.
A pessoa tem consciência de que o outro tem uma perspectiva diferente e de que
esta pode mudar. Também compreende que o outro se pode colocar na sua perspectiva.
Mas não consegue coordenar as duas ao mesmo tempo.
A causalidade é linear e directa, um acontecimento ou factor produz um sintoma.
As explicações são específicas para cada situação e não são coordenadas entre si.
As experiências emocionais são confundidas com estados hedónicos de prazer e
desprazer, e descritas em termos bipolares.
Compreensão do processo de desenvolvimento
Explicação do desenvolvimento em termos de traços, categorias, rótulos
estereotipados e fixos que servem de explicação para o comportamento. No entanto já
existe uma maior variedade de rótulos, menos dicotómicos e globalizantes que no nível
anterior. Noção de crescimento associada a algumas mudanças superficiais que no
entanto não alteram os rótulos estereotipados.
Resolução de problemas/adesão a recomendações de especialistas:
Aceitação e adaptação de regras estereotipadas de resolução de problemas, que
se vão ensaiando sucessivamente. Recurso à aprendizagem por vicariância. A doença
continua a ser vista como uma entidade irreversível, mas reconhece-se que é possível
minimizar ou atenuar as consequências negativas pela adaptação dos pais e da própria
criança às suas limitações.
A adesão é possível por aceitação de regras claras e explícitas que produzem
efeitos concretos, embora já possam ser mais adiados. A acção correcta é a que satisfaz
as necessidades e interesses concretos da pessoa e dos outros. A adesão tem por
objectivo o ganho de oportunidade e a obtenção de compensações. A avaliação das
recomendações dos profissionais continua a ser dicotómica, embora já possa considerar
mais que um atributo. A avaliação das recomendações leva ao abandono da autoridade
desacreditada, desde que haja suficiente evidência da sua ineficácia, e à sua substituição
por outra nos mesmos termos (adesão como norma para regras simples, Janis e
Rodin,1979).
Nível 3:
Significação do sintoma/doença:
Centração na realidade incerta : o conhecimento da verdade objectiva pode não ser
possível porque cada um tem a sua significação da realidade. As significações sobre a
realidade dos sintomas/problemas integram tanto as queixas físicas como psicológicas,
o que levanta dúvidas e incertezas. Há atenção ao estado emocional/experiência interna
da criança, que pode levantar mais incertezas.
A pessoa compreende a perspectiva do outro e compara-a com a sua, e com a do grupo.
É capaz de distinguir a sua perspectiva da do grupo. Percebe que pode haver

52
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

sentimentos confusos ou ambivalentes, cada indivíduo tem experiências e sentimentos


diferentes.
Aceitação e reconhecimento de mais do que um determinante como causa do
sintoma, mas dificuldade em coordená-los continuando a ser preponderante a causa
mais pregnante emocionalmente, ou mais associada ao handicap.
As experiências emocionais são diferenciadas e ligadas a significações
subjectivas. A emoção é descrita em termos de intimidade relacional (vergonha,
embaraço, ciúme, culpa).
Compreensão do processo de desenvolvimento
Explicação em termos de interacção personalidade/períodos de
desenvolvimento. Duas influências são consideradas simultaneamente, mas não
completamente coordenadas entre si (somatório, mas não reconhecimento de
interacção). Os rótulos atribuídos são definidos em termos de categorias pro-sociais,
mais abstractas e variadas que no nível anterior.
Resolução de problemas/adesão a recomendações de especialistas
Intuição ou imaginação espontânea de uma solução específica concreta. Ou
aceitação de modelos que são vistos como inspirando confiança, adesão afectiva.
Avaliação das soluções em termos concretos e a médio prazo, mas já considerando
resultados comportamentais e emocionais. A resolução dos problemas de
desenvolvimento é vista em termos da criança «se encaixar» nos critérios do meio, estes
não são questionados. Se a pessoa estiver suficientemente motivada é capaz de resolver
alguns dos problemas educativos/de desenvolvimento/de saúde dos filhos.
A adesão é vista como uma forma de cumprir o papel de bons pais, e evitar a
vergonha ou desaprovação dos outros. A acção correcta é a que agrada/ajuda os outros,
e a que corresponde às expectativas dos outros. Pode haver dificuldade em discutir as
recomendações do médico ou a sua pouca adaptação à criança/situação por receio de
desagradar, ou por levar a sentimentos de culpa (adesão como interiorização baseada na
persuasão afectivo-profissional, DiMatteo e DiNicola,1982)
Nível 4:
Significação do sintoma/doença:
A noção da realidade é subjectiva, mas pode ser racionalizada. Os sintomas
podem ser definidos por meio de avaliações consideradas válidas, tanto de aspectos
físicos como de psíquicos. As etapas do desenvolvimento são um bom «padrão» para
avaliar os sintomas/problemas com o grau possível de objectividade. Centração na
racionalização da realidade. Capacidade de coordenar diferentes perspectivas entre si.
Coordenação da perspectiva do próprio com a do sistema (e.g., o sistema médico define
doenças, o sistema educativo define problemas de aprendizagem, o sistema psicológico
define problemas de desenvolvimento).
Reconhecimento e coordenação de mais do que uma causa para o mesmo
problema/ sintoma; necessidade de coordenar explicações para comportamentos
/sintomas diferentes.
A emoção é descrita em termos de sentimentos complexos e idiossincráticos.

Compreensão do processo de desenvolvimento


As características da criança evoluem e transformam-se em função do
desenvolvimento e da educação. É possível corrigir os problemas por meio de atitudes
educativas adequadas, e tendo em conta o processo de desenvolvimento
(reconhecimento da importância do tempo de desenvolvimento). Compreensão de que
as causas mais relacionadas com a doença não são necessariamente as mais importantes

53
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

para um dado problema de desenvolvimento. Compreensão de que percursos diferentes


podem levar ao mesmo resultado desenvolvimentista. Pais e filhos estão num sistema de
interacção em que os pais modificam os filhos, mas o contrário não é totalmente
reconhecido, ou valorizado.
Resolução de problemas/adesão a recomendações de especialista:
Avaliação de alternativas específicas de solução por um somatório de vantagens
e inconvenientes; o conhecimento de um maior número de alternativas dá segurança de
poder encontrar a solução mais adequada. A pessoa é capaz de ver as consequências a
médio prazo, e de combinar vários tipos de consequências (para a criança/para os
outros, a curto/médio prazo, concretas e específicas/ gerais e abstractas). A remediação
dos problemas é possível porque pode haver aceleração da sequência de
desenvolvimento e porque atitudes educativas adequadas podem ter efeitos desejáveis.
Tende a considerar as características específicas da criança, mas não o próprio impacto
da criança no meio. A remediação passa pela não aceitação total das dificuldades e
problemas, i.e., os pais têm uma atitude determinante e activa nessa remediação,
podendo para isso questionar algumas das normas sociais prevalecentes.
A adesão corresponde a um sentido do dever, em termos de aceitação de leis mais
gerais, que funcionam como reguladores do sistema, mas há capacidade para
compreender que umas são mais adequadas do que outras. Os pais são capazes de
avaliar quais as recomendações mais lógicas e adequadas, mais racionais. Exigem
explicações, querem comparar várias opiniões de especialistas. O melhor especialista é
o mais competente. A avaliação dos resultados pode ser discutida com o especialista,
sem que haja procura de outro profissional, desde que este ofereça uma explicação
plausível, racional (adesão por interiorização com base em argumentos lógicos e
racionais, DiMatteo e DiNicola,1982;adesão por dialéctica activa ou transação,
Stone,1979).
Nível 5
Significação do sintoma/doença:
Centração na realidade subjectiva: mesmo que haja uma realidade objectiva ela
é impossível de apreender com exactidão ou em toda a sua extensão. O conhecimento
da realidade é subjectivo, mas cada um pode construir significações ou conhecimentos
cada vez mais próximos do que se pode conceber como uma «realidade objectiva».Os
sintomas são definidos em termos de significações pessoais e relativizados de acordo
com essa idiossincrasia.
A pessoa compreende que as perspectivas intra e interpessoais podem ser
coordenadas, não só dentro do mesmo sistema mas, igualmente, por meio da
constituição de classes mais abstractas. Esta metacognição social permite relativizar os
pontos de vista do sistema e conceber a sua modificação.
A noção de causalidade é complexa, multidirecionda e transaccional. O
comportamento da criança é explicado pela sua experiência interior, produto da
interacção entre o próprio e o meio que se determinam mutuamente.
As experiências emocionais são integradas na experiência vivencial de um self
que procura conhecer-se, e é descrita em termos metacognitivos de quantidade e
qualidade.
Compreensão do processo de desenvolvimento
Múltiplas influências são consideradas e coordenadas. Qualquer situação
específica é compreendida no contexto de um universo de hipóteses possíveis.
Compreensão da relação pais-filhos como transaccional, influenciando-se e
modificando-se mutuamente e sendo ambos influenciados pelo contexto.

54
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Reconhecimento do processo de desenvolvimento como resultado de um processo de


determinação mútua entre a criança e o meio.
Resolução de problemas/adesão a recomendações de especialistas:
Exploração criativa de soluções gerais. A solução passa pela definição autónoma
de problemas alternativos ou diferentes (existem várias formas de definir ou
compreender os problemas de saúde ou desenvolvimento que são relativos e função de
um dado contexto cultural, social, etc.). A doença é só um dado da situação entre muitos
outros e não já uma realidade irreversível ou única. Melhor articulação entre os
diferentes meios possíveis de remediação do que no nível anterior (mais integração e
coordenação).
A noção de adesão implica que a utilidade das regras deve ser examinada
criticamente; a sua transgressão é relativizada em termos de motivações pessoais. A
acção correcta é a que promove a autonomia da consciência. As recomendações podem
ser discutidas e revistas, ou mesmo rejeitadas, sem que haja necessariamente quebra de
confiança no profissional que aceita esta discussão. O bom profissional é aquele que
valoriza o papel e a autonomia dos pais e da família. (Adesão como dialéctica activa ou
transação (Stone,1979).

6. UTILIZAÇÃO CLÍNICA DO CONHECIMENTO DOS NÍVEIS DE SIGNIFICAÇÃO

PARENTAL

Pelo diálogo continuado com os pais, o psicólogo tem a possibilidade de avaliar

os níveis de significação prevalecentes ou hipervalentes ( dominante num contexto de

competição entre significações diferentes) (Joyce-Moniz,1993) em relação aos diversos

conteúdos relevantes para a sua intervenção. Esta avaliação faz-se pelo uso do método

clínico ou de exploração crítica e deve ser alargada a significações sobre outras áreas do

relacionamento pais-filhos, para se poder ter uma perspectiva geral sobre as crenças

mais utilizadas por estes pais em situações menos ansiogénicas, ou que estão mais sobre

o seu controlo. O objectivo do psicólogo é ter uma ideia clara do espectro de

significações que os pais são capazes de utilizar, quais aquelas a que recorrem com mais

frequência quando têm de confrontar problemas de comportamento da criança, conflitos

ou desacordos com as «autoridades» de saúde, etc., e quais os principais desfasamentos

neste recurso a significações antagónicas ou simplesmente diferentes. Tendo sempre

presente que a diversidade e os desfasamentos de significações é não só normal, como

muitas vezes mesmo adaptativa.

55
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

O conhecimento e análise dos níveis de significação parental vai orientar a

atitude do psicólogo da saúde, nas suas diferentes valências (Ivey,1986; Joyce-

Moniz,1988,1993).

No seu trabalho de consulta com outros profissionais, ou como participante

numa equipa de saúde pluridisciplinar, o psicólogo vai utilizar a compreensão dos níveis

de significação predominantes, assim como dos principais desfasamentos, como um

poderoso instrumento que lhe vai permitir servir de intermediário, e mesmo de

«tradutor» (Joyce-Moniz e Barros,1994), entre os técnicos de saúde e os pais. Pode,

assim, ajudar os outros profissionais a compreender melhor a interpretação que os pais

fazem de toda a situação, e facilitar a procura da melhor forma de comunicar, propor

atitudes de colaboração, pedir informação. Como é evidente, este papel é

particularmente relevante em situações de revolta, hostilidade, e em geral todas as

situações de não-adesão e não colaboração.

Na sua intervenção mais directa com os pais, o psicólogo vai utilizar a sua

compreensão das significações parentais para orientar a escolha dos objectivos de

intervenção, tendo em conta que:

a) os níveis de significação mais elevados permitem uma conceptualização da saúde e

da doença mais integradora e flexível, e o reconhecimento da multiplicidade e variedade

de formas de confronto possíveis, de modo que a acção educativa dos pais pode ser

mais eficaz (Joyce-Moniz,1993; Newberger & White,1989; Sameroff e Feil, 1985).

Assim, o psicólogo ajudará os pais a reconhecerem as suas significações mais flexíveis

e integradoras, e recorrerá a estratégias que visam facilitar a sua utilização mais

generalizada, nomeadamente nas situações mais problemáticas, ou naquelas em que a

autonomia parental é mais adequada.

56
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

b) na medida em que se reconhece a semelhança estrutural entre níveis de significação

adaptativos ou inadaptativos (Joyce-Moniz,1993), seja qual for o nível de significação

prevalecente ou hipervalente, é possível ajudar os pais a encontrar formas mais positivas

e eficazes de lidar com o sofrimento do próprio e o do filho. Neste caso, o terapeuta

conduzirá o processo de descoberta e ensaio de significações do mesmo nível daquelas

que os pais já usam predominantemente, mas com um conteúdo mais positivo e

adaptativo.

c) o alto nível de emocionalidade, por um lado, e a exposição a atitudes profissionais

predominantemente categoriais, impositivas e apelando a uma adesão rígida, unilateral e

não reflectida, incentivam a utilização de níveis de significação parental menos

diferenciados, mais rígidos e mais fixos (Joyce-Moniz,1993). Nestes casos é adequado

recorrer a estratégias que permitam algum controlo emocional, e, simultaneamente,

oferecer e discutir com os pais modelos de significação menos rígidos, mais autónomos

e como tal, mais adaptativos.

d) o tipo de adesão mais adequado depende, não só dos níveis de significação, mas

também das características da situação médica. Uma doença aguda grave, uma doença

terminal, ou de diagnóstico complexo, uma hospitalização de urgência, podem elicitar

atitudes de adesão mais passivas e dependentes, que serão perfeitamente adequadas.

Enquanto uma doença crónica ou a adaptação a uma deficiência exigirão dos pais o

recurso a modelos de adesão mais baseados na autonomia, e mais valorizantes das suas

competências de resolução de problemas educacionais2.

e) o conhecimento dos níveis de significação mais utilizados orienta a escolha das

metodologias comportamentais-cognitivas, cognitivas e construtivistas a propor (Joyce-

Moniz e Reis,1991). Assim como o tipo de comunicação com os profissionais e o

2
A temática da adesão ao tratamento e prescrições médicas no contexto da doença crónica é mais detalhadamente
desenvolvida no capítulo 6.

57
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

modelo de adesão mais susceptível de ser aceite. Como mencionei na sequência

desenvolvimentista apresentada, os pais que recorrem predominantemente a

significações de níveis mais baixos têm mais probabilidade de aderir a recomendações e

regras claras, específicas, sobretudo se forem ajudados a constatar directamente o seu

efeito positivo. Os pais de níveis mais sofisticados vão certamente necessitar de ter um

papel mais directamente activo de escolha e tomada de decisão na adesão às

recomendações médicas.

7. CONCLUSÕES

Neste capítulo procurei apresentar uma perspectiva integradora da contribuição

dos estudo desenvolvimentistas sobre significações de saúde, doença e adesão para a

investigação e intervenção em Psicologia Pediátrica. Como se pode constatar, a leitura

desenvolvimentista permite organizar toda a intervenção neste domínio, e pretende

maximizar a eficácia das metodologias comportamentais-cognitivas e cognitivas já

estudadas, ao mesmo tempo que valoriza outro tipo de intervenções menos utilizadas,

tais como as que se dirigem directamente à análise e discussão das significações

parentais.

Um dos maiores desafios de toda a Psicologia da Saúde, e especificamente da

Psicologia Pediátrica, é a sistematização duma contribuição verdadeiramente eficaz

para a compreensão da dialéctica adesão versus não-adesão aos tratamentos e

recomendações médicas, tanto em situações curativas como preventivas. Considero que

a análise dos níveis de significação parental e infantil podem oferecer um contributo

relevante para esta questão tão actual.

No entanto é importante que uma leitura desenvolvimentista dos modelos de

adesão não leve à conclusão simplista de que só os pais de níveis de significação mais

58
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

elevados podem ter uma verdadeira autonomia e serem considerados parceiros activos

da equipa de saúde infantil. Ao contrário, é possível utilizar o conhecimento das

construções parentais para os ajudar a alcançarem maior autonomia e autocontrole nas

suas atitudes educativas, precisamente pelo reconhecimento do valor e singularidade do

conhecimento que têm do filho e da situação familiar, e pela valorização do seu papel

como resolvedores de problemas. Alguns pais precisarão sobretudo de serem expostos a

modelos mais positivos e intervenientes, enquanto outros beneficiarão da possibilidade

de aprofundarem o conhecimento das suas diferentes significações, e de poder descobrir

e ensaiar de forma mais autónoma novas formas de confronto.

Neste livro, a perspectiva desenvolvimentista organiza toda a sistematização da

informação relativa à definição das problemáticas, assim como a relativa à definição das

estratégias de intervenção. Como se verá, não se trata tanto de criar novas metodologias

de intervenção, mas sim de compreender e interpretar as estratégias já definidas e

estudadas pelos modelos comportamentais e cognitivos, de uma perspectiva

desenvolvimentista.

59
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Quadro-síntese dos estudos desenvolvimentistas sobre conceitos de doença e saúde


(Barros, 1996b)
Bilbace & 1.Fenomenismo: a doença 3. Contaminação: a 5. Fisiológico: compre-
Walsh,1979 é definida em termos de definição da doença já ensão da doença em
experiência sensorial ex- inclui sintomas múltiplos. termos de estruturas e
terna associada com a O”locus” da doença é a funções internas cujo
doença por contiguidade superfície do corpo, mas mau funcionamento se
espacial ou temporal, mas com referência a processos manifesta exteriormente
sem relação lógica com a internos que se percepcio- em sintomas que podem
mesma. Explicação mági- nam exteriormente.Existe ser múltiplos e diver-
co-fenomenológica. uma relação causal sificados.
concreta entre o agente Estabelecimento de hipó-
2. Contágio: a doença é externo e os efeitos no teses sobre a relação
explicada em termos de corpo (falta de higiene, entre o meio físico e os
pessoas, objectos ou quebra de regras). sistemas/orgãos internos.
acontecimentos exteriores,
e sem definir a relação 4. Interiorização: a doença 6: Psicofisiológico:
entre estes e a doença. Mas é localizada no interior o continua a explicar a
as causas invocadas são corpo. A definição centra- doença em termos de
mais próximas da pessoa e -se nos processos de funcionamento fisioló-
apropriadas à doença. A interiorização (entrada de gico interno. Mas existe a
continuidade anterior micróbios no corpo). A consciência de uma
transforma-se em compreensão do funciona- etiologia alternativa,
proximidade temporal mento dos orgãos internos i.e.,de origem psico-
(algo que antecede), ou é feita por analogia com génica ligada a pensa-
espacial (algo, que está objectos ou acontecimen- mentos e sentimentos.
próximo, mas não toca tos exteriormente percep-
necessáriamente). tíveis.

Perrin & Gerrity, 1: Não sabe 3: Definição concreta, 5: reconhecimento de


rígida, estereotipada, com alguma relatividade nas
1981 2: Resposta circular, enumeração de sintomas, causas da doença, e do
mágica ou global; a doença acções, situações ou regras papel do hospedeiro
é definida só por associadas à doença. activo para além do
associação com aconte- Menção de um ou mais agente causador.
cimentos ou fenómenos agentes causais externos,
sensoriais, sem articulação sem referência ao processo 6: Descrição de um
do vínculo causal. de adoecer. O sujeito é mecanismo coerente de
vítima da doença, sem ter a disfunção fisiológica,
possibilidade de a operando no corpo para
controlar. causar a doença. Existe
compreensão da função
4: Resposta mais geral, dos orgãos internos em
incluíndo não só o agente interacção com os
causador da doença, mas agentes externos.
também o processo de
interiorização. Centração
nos micróbios como agen-
tes primários. O agente
externo produz uma causa
única e prevísivel, sem que
o organismo intervenha.

Simeonson, 1: Conceitos indiferencia- 2: Conceptualização da 3: Definição centrada


Buckley e dos, mágicos, supersticio- doença em termos num princípio generali-
sos, ou reflectindo circu- concretos e específicos. zador ou abstractivo,
Monson, laridade de raciocínio e Enumeração de actos, compreensão do processo
1979 confundindo causa e acontecimentos ou regras, de doença e dos múlti-

60
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

efeito. na ausência de um plos factores causais,


princípio específico. para além de actos,
acontecimentos ou
quebra de regras
específicas.
Barrio, 1: Mero reconhecimento 2: Início de definições 4: Compreensão
1990 ou enumeração de situa- parcialmente lógicas, que totalmente lógica,
ções de doença, sem refle- aludem a alguma parte do caracterizando a doença
xão sobre o fenómeno. Re- processo de doença, mas como um processo
ferência a um caso sem chegar a definir a fisiológico ou
anedótico baseado numa doença de modo abstracto, psicológico por meio de
ou mais doenças já nem relacionar com todos termos abstractos.
experienciadas, os aspectos da mesma. Menciona causas,
enumeração de sintomas. Consegue fazer uma sintomas, mau
classificação baseando-se funcionamento interno e
numa única característica consequências. É uma
da doença, ou define a resposta exaustiva do
doença por características ponto de vista lógico,
gerais, mas que não são descrevendo qualitativa-
exclusivas da doença. mente um processo sobre
o qual se reconhece não
3: A definição avança no ter toda a informação.
sentido de maior
organização. Tem em
conta os diferentes
aspectos da doença, mas
ainda não se refere à
totalidade, ou ao processo.
Brewster, 1. a doença resulta de uma 2: Reconhecimento de uma 3: A doença tem causas
1982 acção humana negativa. causa única para um múltiplas que interagem
conjunto alargado de do- entre si, entre as quais se
enças. As doenças são cau- encontra o próprio papel
sadas por agentes externos do organismo.
(micróbios) e não por uma
acção humana directa.
Whitt,1982 Reconhecimento dos Reconhecimento Possibilidade de pensar
orgãos internos, mais progressivo de um maior abstractamente sobre a
perceptíveis (ossos, número de orgãos internos doença em termos de
esqueleto, coração, e de sistemas (respiratório, estruturas fisiológicas e
intestinos). urinário, reproductivo). sistemas internos cuja
Melhor capacidade de definição se manifesta de
imaginar o funcionamento múltiplas formas.
interno do organismo.

Quadro 1 (a introduzir na página 37)

61
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Capítulo 3 - STRESS E CONFRONTO NO CONTEXTO DA PSICOLOGIA

PEDIÁTRICA.

1.INTRODUÇÃO

Falar de saúde infantil implica, necessariamente, abordar a problemática do

stress e do seu confronto, tanto enquanto determinante da doença como enquanto

consequência da mesma.

Em primeiro lugar, porque as situações de stress, na infância e adolescência, têm

sido associadas a uma maior probabilidade ou susceptibilidade de doença (Barr, Boyce

e Zeltzer,1994). Em segundo, porque as experiências de doença aguda e crónica, de

tratamentos e de hospitalização são reconhecidas como fontes de stress para a criança e

para a família. Considera-se que estas situações são potencialmente perturbadoras do

seu bem estar e desenvolvimento na medida, precisamente, em que são vividas como

fonte de stress (Goodyer,1990; Thompson,1985; Wallander & Varni,1992).

Finalmente, porque o modo como as crianças e jovens confrontam as suas

doenças e tratamentos médicos vão influenciar de forma muito significativa os

resultados positivos ou negativos desses mesmos processos de doença e tratamento

(Compas, Worsham e Ey,1992).

2. DE QUE FALAMOS QUANDO FALAMOS DE STRESS?

O stress é, certamente, um dos conceitos psicológicos mais divulgados e

utilizados pelos leigos e que, simultaneamente maior confusão e desencontros origina

entre especialistas. Trata-se de um conceito geralmente apresentado de forma confusa,

vaga, e abrangendo uma grande variedade de constructos que se operacionalizam no

contexto de modelos explicativos e interventivos bastante diferentes.

62
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Não faz grande sentido falar de stress sem falar do seu confronto, isto é, dos

mecanismos que o indivíduo operacionaliza para responder às exigências do meio. Sem

querermos alargar-nos muito numa discussão teórica que não tem cabimento num

trabalho desta natureza, referiria no entanto as principais questões que devem ser

respondidas para sabermos do que falamos quando falamos de stress. Por um lado,

devemos definir se nos referimos a acontecimentos de vida stressantes enquanto

situações exteriores, caracterizadoras do meio ambiente, objectivas, que provocam uma

reacção de stress no indivíduo, recorrendo assim a uma leitura "centrada num

determinismo contingencial, gerador de reacções específicas e moleculares" associada

aos modelos comportamentais (Joyce-Moniz,1988b,p.267). Ou a uma característica

interna dum indivíduo ou organismo que, por ser ou estar stressado, sofre determinadas

consequências, mais associada a uma psicologia dos traços.

Ou ainda, como é considerado de forma bastante generalizada e consensual entre

os autores cognitivistas, se o stress traduz uma interacção entre um indivíduo que avalia

os desafios colocados pelas experiências e os seus recursos para responder a esses

desafios como desequilibrados ou desajustados (Lazarus,1981). Neste último caso, o

stress é considerado como expressão de um "desequilíbrio dialéctico" (Joyce-

Moniz,1988b) entre as significações sobre os desafios ou dificuldades e as significações

sobre as competências pessoais para os resolver, ultrapassar ou suportar.

Esta última opção, na qual claramente a linha desenvolvimentista e

construtivista aqui defendida se insere, interessa-se sobretudo pela forma como o

indivíduo constrói as significações sobre as suas experiências, e como as interpreta em

termos de desequilíbrios ou desajustamentos entre a sua capacidade para responder aos

desafios, internos ou externos, e o grau de complexidade e aversividade desses mesmos

desafios. Assim o indivíduo constrói tanto as fontes de stress como as suas

63
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

competências para responder a esses stresses, isto é, constrói o seu próprio conceito de

stress enquanto desfasamento entre exigências ou dificuldades, e competências ou

recursos (Joyce-Moniz,1988b).

3. O STRESS COMO DETERMINANTE DA DOENÇA

Na última metade do século XX foi progressivamente reconhecido o papel dos

factores psicossociais como agentes facilitadores da emergência de perturbações físicas

e mentais. Inicialmente, estes conceitos estavam sobretudo associados a uma ideia da

doença explicada em termos de uma causalidade psicológica simples e unidirecionada,

em que os acontecimentos psicológicos eram sobretudo considerados na sua vertente

simbólica, de acordo com as teorias psicossomáticas de cariz dinâmico. Nos últimos

vinte anos foi possível testar e comprovar os mecanismos e percursos fisiológicos que

explicam a associação entre experiências psicológicas e doenças. Os progressos na

investigação psicobiológica permitiram clarificar a plausibilidade da associação entre o

stress e a doença, assim como encontrar hipóteses adequadas para explicar "o modo

como o stress entra no corpo" (Barr, Boyce e Zeltzer,1994), isto é, quais os mecanismos

biológicos que medeiam a relação entre o stress e a doença. Esta leitura mais recente

insere-se, evidentemente, numa definição de causalidade múltipla, complexa e

interaccionista.

Devemos realçar que a associação entre stress e doença, embora estatisticamente

significativa, é sempre modesta em magnitude. O stress não é nunca uma condição

necessária ou suficiente para qualquer doença específica, ou para a doença em geral.

Considera-se que existem provavelmente diferenças individuais muito importantes na

reactividade psicobiológica ao stress, tais como as respostas cardiovasculares ou do

64
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

sistema imunitário, ou o estilo comportamental, que explicam a influência diferenciada

do stress nos vários sujeitos.

Actualmente dispomos de um corpo de investigação alargado que evidencia a

associação entre a acumulação de mudanças significativas de vida e a incidência de

alterações agudas e crónicas na saúde dos adultos (Holmes e Rahe,1967). Antonovsky

(1987) comprovou a importância do significado dos acontecimentos stressantes para os

seus efeitos na saúde. Lazarus (1981) clarificou a importância da avaliação cognitiva e

dos processos de confronto na determinação da patogeneidade do stress; Finalmente

Cassel (1976) estudou os efeitos bidireccionais do suporte social que pode agir tanto

como precipitante da doença, como funcionar como moderador dos efeitos do stress na

saúde.

Os estudos sobre esta problemática com crianças são mais recentes. Haggerty e

colegas (Haggerty,1980; Meyer e Haggerty,1962) foram pioneiros a estender o estudo

da associação entre stress e doença ao campo da pediatria. Estes estudos comprovaram

associações significativas entre o sofrimento psicológico e uma variedade de condições

pediátricas, tais como doenças infecciosas, acidentes, e perturbações psiquiátricas.

Compas, Worsham e Ey (1992) sintetizam o estado dos conhecimentos actuais:

1. É possível demonstrar relações significativas, embora modestas, entre

medidas de adversidade social e a saúde da criança.

2. A associação stress-doença adequa-se a uma diversidade de condições

pediátricas, desde as doenças respiratórias, e os acidentes, até à depressão e outras

perturbações psiquiátricas. Tanto o carácter das doenças agudas como o curso e a

evolução das doenças crónicas foi demonstradamente relacionado com experiências

prévias ou concorrentes de stress psicossocial.

65
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

3. O significado dos stressores individuais é uma dimensão importante, que

parece permitir alterar a patogeneidade inerente a estes. Acontecimentos indesejáveis

estão mais associados com a doença do que acontecimentos igualmente perturbadores,

mas desejáveis.

Podemos, assim, concluir que, se ainda existe muito para investigar e

compreender sobre a associação entre o stress e a doença na criança e no jovem, já

conhecemos o suficiente para compreendermos que existe uma associação significativa,

embora fraca, que se verifica de forma muito desigual nas diferentes pessoas e

situações, e que é em grande medida mediada pelo significado que a criança atribui aos

acontecimentos e experiências, e pelos diversos estilos comportamentais e reactividades

psicobiológicas.

4. A DOENÇA COMO DETERMINANTE DO STRESS

Existe actualmente um grande consenso, quer entre profissionais quer entre

leigos, para considerar a doença e o seu tratamento como uma das situações que

frequentemente tende a ser percepcionada e interpretada pelo indivíduo como penosa,

difícil e exigente, isto é, como uma fonte de stress. No entanto, nada existe de

claramente objectivo, mensurável ou comparável na situação em si, que possa levar-nos

a considerar uma doença ou tratamento universalmente mais difícil ou perturbador, isto

é mais stressante, que qualquer outro, como os modelos comportamentais quiseram

inicialmente sugerir, e como ainda está subjacente a uma certa psicologia da saúde mais

próxima da aproximação comportamental.

Assim , o que nos interessa aqui é compreender como é que as situações de

doença e de tratamento tendem a ser construídas pelos diferentes indivíduos como

especialmente aversivas e/ou exigentes, ou, ao contrário, como desafios possíveis de

66
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

enfrentar com sucesso, ou ainda como circunstâncias de vida não particularmente

complexas nem problemáticas. E, em simultâneo, que tipo de competências para

responder a este tipo de situações são desenvolvidas e utilizadas pelas crianças.

Como já foi explicitado, a abordagem destes fenómenos aqui defendida é

desenvolvimentista. Isto é, embora aceitando a idiossincrasia das significações

individuais, reconhece-se que é possível ordená-las em sistemas de significações que se

organizam hierarquicamente numa progressão que é determinada pelo desenvolvimento

cognitivo e socio-cognitivo do sujeito. Assim, o sujeito (criança ou adulto) não tem só o

stress que quer conceptualizar, mas sobretudo o "stress que consegue conceptualizar"

(Joyce-Moniz,1988b).

Com efeito, se consideramos que o stress e o seu confronto são sobretudo um

processo de interpretação e avaliação subjectiva das exigências da experiência e das

capacidades para lidar com ela, verificamos como o desenvolvimento cognitivo e socio-

cognitivo vai determinar essa mesma identificação e avaliação.

5. DO STRESS AO CONFRONTO

Como referi, falar de stress implica falar do seu confronto. Vários tipos de

modelos conceptuais foram utilizados no estudo dos processos de confronto com o

stress pediátrico. Na realidade uma análise mais cuidadosa revela que todos estes

modelos acabam por diferenciar dois tipos de confronto, conforme foi bem evidenciado

na cuidadosa análise de Compas, Malcarne e Banez (1992). Podemos constatar que

todos estes modelos têm em comum uma distinção básica que se centra na intenção ou

função do confronto:

67
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

1. o primeiro tipo de confronto refere-se aos esforços para modificar ou

controlar algum aspecto da pessoa, do meio, ou da relação entre estes dois elementos e

que é interpretada como stressante ou perturbadora. Trata-se daquilo a que se chamou o

confronto activo "centrado no problema", (Lazarus e Folkman, 1984) "controlo

primário" (Band e Weiz,1988), "confronto tipo I" (Murphy e Moriarty,1976),

"confronto por aproximação" (Atshuler e Ruble,1989), "resolução de problemas"

(Wertlieb, Weigel e Feldstein,1987) "confronto activo"(Peterson,1989),

"monitorização" (Miller,1980) ou "sensitivo" (Knight et al.,1979).

É uma modalidade de confronto que implica uma acção por parte do indivíduo

com vista a modificar a sua experiência subjectiva por meio de uma alteração da

situação. O indivíduo envolve-se numa acção que pode modificar directamente a

situação - fazer dieta para controlar a diabetes; ou que visa modificar a sua relação com

a situação - procurar informar-se para poder antecipar o que lhe vai acontecer e não

sentir tanta ansiedade.

2. O segundo tipo de confronto refere-se a esforços para controlar ou regular as

emoções negativas associadas à experiência ansiogénea. A criança pode esforçar-se por

relaxar-se, modificar o significado da situação, ignorando-a, desvalorizando-a, ou

transformando a sua interpretação.

Este confronto foi denominado de "centrado na emoção" (Lazarus e Folkman,

1984), "controlo secundário" (Band e Weiz,1988), "confronto tipo II" (Murphy e

Moriarty,1976), "manipulação da emoção", "redução de tensão" e "evitamento"

(Altshuler e Ruble,1989), "controlo emocional" (Wertlieb, Weigel e Feldstein,1987),

"confronto por evitamento" (Peterson,1989), " atenuamento "(Miller,1980), ou

"repressivo" (Knight et al.,1979).

68
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Na comparação destes dois tipos de confronto podemos verificar que o primeiro

é mais comportamental, implica uma acção mais concreta, enquanto o segundo implica

uma transformação da experiência emocional por processos mais abstractos e internos.

Existe actualmente um corpo de investigação experimental bastante extensivo

que compara, embora geralmente com base em experiências em situações particulares e

pouco generalizáveis, a utilização destas duas modalidades de confronto por crianças.

De forma geral, todos tendem a demonstrar que o primeiro confronto, mais abertamente

activo e concreto, é o mais eficaz (e.g., Band,1990; Peterson.1989).

À semelhança desses estudos, Knight e colegas (1979) também comprovaram

que as crianças que usavam um estilo mais repressivo tinham níveis mais elevados de

ansiedade do que as que utilizavam a procura de informação ou outras estratégias

características do sensitivo. Mas, mais importante, verificaram que as crianças

influenciavam a quantidade de informação preparatória que recebiam, na medida em

que as sensitivas faziam mais perguntas e ouviam atentamente, enquanto as repressivas

as evitavam activamente.

Assim, é possível considerar que o estilo de confronto determina a ansiedade

experienciada, em parte devido à quantidade de informação, e à forma adequada como

esta informação é interpretada e recordada. É importante reconhecer que, mais do que

um estilo visto como uma característica comportamental rígida e estável, se constata

que a criança é influenciada pelo tipo de preparação que recebe, mas também a

determina, numa interacção dinâmica entre a criança e a situação. E que, enquanto

algumas crianças são capazes de utilizar espontaneamente estratégias de confronto

eficazes, como pedir informação, ou distrair-se (Maanne, Bakeman, Jacobsen e

Redd,1993), outras necessitarão de maior ajuda para aprender essas estratégias.

69
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

A relação entre o tipo de confronto e a sua eficácia não é simples de avaliar, na

medida em que o grau de eficácia pode depender daquilo que é considerado (e avaliado)

como o próprio conceito de eficácia (Compas, Worsham e Ey,1992). Um confronto

concreto e instrumental pode ser mais adequado a curto prazo porque leva a criança a

aproximar-se da situação aversiva, e portanto a envolver-se nos tratamentos ou

comportamentos adequados. Enquanto que um confronto "emocional" pode só ter

efeito a mais longo prazo, na adaptação da criança à situação de doença e na

socialização, e, como tal não ser validado pelos mesmos instrumentos de avaliação.

Assim, constata-se que existem diferentes conceitos de eficácia que devem ser

considerados no estudo dos processos de confronto. Se, evidentemente, não podemos

desvalorizar a adesão concreta e imediata aos tratamentos e procedimentos médicos e

hábitos de vida, também é necessário avaliar as consequências a mais longo prazo e de

forma mais abrangente no desenvolvimento global da criança.

Quando nos posicionamos numa perspectiva desenvolvimentista podemos

questionar-nos sobre ainda uma outra forma de interpretar os resultados dos estudos

experimentais. Na realidade, verifica-se facilmente que as competências cognitivas

envolvidas no segundo tipo de confronto (secundário ou emocional) tendem a ser mais

sofisticadas e só emergem no fim da idade escolar, princípio da adolescência, com a

transição para o período das operações formais, a capacidade de pensar sobre o

pensamento, e utilizar regras mais abstractas e generalizáveis para controlar a acção. O

próprio relaxamento, sendo um confronto bastante instrumental, exige um controlo do

corpo que não é muito fácil de conseguir nas crianças mais pequenas, imaturas e

irrequietas. Por exemplo Katz, Kellerman e Siegel (1982) verificaram que as crianças de

idades diferentes também se diferenciavam pela forma como expressavam a ansiedade,

sendo que as mais novas tendiam a fazê-lo de forma mais explícita e exteriorizada,

70
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

chorando, gritando e esperneando, enquanto as mais velhas o faziam de forma mais

interiorizada (visivel na expressão facial e na rigidez muscular). Assim, também por

este motivo, as estratégias de distracção activa, em que a criança está ocupada, serão

mais adequadas para as mais novas, enquanto o relaxamento será mais eficaz com

crianças no fim da idade escolar, princípio da adolescência. Por exemplo, Band (1990)

verificou que as crianças no nível pré-formal recorrem a estratégias de confronto

primárias, com maior ênfase na modificação das consequências concretas, e que os

jovens que já atingiram o período das operações formais apresentam maior número de

esforços para modificar a experiência subjectiva.

Toda esta problemática do stress e do confronto pode ser olhada de uma

perspectiva mais individual, em que a capacidade de confronto é estudada como um

traço de personalidade estável e inerente ao sujeito, ou de uma perspectiva mais

interaccionista ou processual, em que o confronto depende da avaliação que o indivíduo

faz das situações ou experiências, e como tal, apresenta uma maior variabilidade e

adaptação a diferentes circunstâncias internas ou externas.

No entanto, a maioria dos estudos experimentais centram-se unicamente no

confronto utilizado numa única situação, pelo que são necessariamente muito limitados.

Actualmente reconhece-se que a maior parte dos indivíduos utilizam um repertório

diversificado de estratégias de confronto conforme a avaliação subjectiva que fazem da

situação.

Os estudos experimentais que adoptaram um design longitudinal apontam para

uma validação do modelo processual, na medida em que se constatou que as pessoas

utilizam diferentes tipos de confronto conforme a avaliação que fazem das exigências da

situação (Compas, Worsham e Ey, 1992). Por exemplo, estudantes universitários são

claramente capazes de diferenciar a fase de pré-exame em que um confronto concreto e

71
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

activo de planeamento e estudo é o mais adequado, da fase de espera de resultados em

que um confronto secundário centrado no controlo das emoções é o mais adequado

(Folkman e Lazarus,1985). No contexto da saúde, podemos facilmente reconhecer que

as estratégias de tipo distracção ou negação podem ser adequadas em determinadas

situações em que a criança não tem qualquer controlo da situação, nem pode fazer nada

para a modificar, enquanto que os confrontos activos e concretos serão mais adequados

para outras situações em que a acção da criança pode mudar directamente a sua

experiência subjectiva. Os estudos confirmam que o padrão de confronto, no adulto, é

influenciado por factores situacionais e pessoais, com uma maior influência dos factores

pessoais quando a situação se mantém estável. Compas, Forsythe e Wagner (1988)

demonstraram mesmo que as pessoas que apresentavam maior estabilidade no tipo de

confronto utilizado eram as menos eficazes e que relatavam maior perturbação

emocional. Se voltarmos à leitura do stress como uma dialéctica de significações,

defendida por Joyce-Moniz (1988b), podemos então afirmar que a maior adaptação

dependerá, claramente, desta capacidade de variar e adaptar o processo de confronto à

avaliação da situação.

Os estudos com crianças não nos oferecem esta riqueza de resultados. Na

verdade, muitos trabalhos procuram avaliar a forma geral ou habitual de confronto, o

que levanta questões metodológicas importantes. Com efeito não é evidente nem

consensual a ideia de que as crianças sejam capazes de reconhecer e definir os seus

confrontos, e apontar o mais geral ou habitual. Por outro lado, estas investigações

eliminam, pelo seu próprio design, a sensibilidade à variabilidade situacional e

temporal.

Os poucos trabalhos que controlam este aspecto parecem indicar que a criança

apresenta uma maior estabilidade ou homogeneidade de estilos de confronto, o que não

72
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

nos pode surpreender. Com efeito, o desenvolvimento da criança não lhe permite, ainda,

aceder a um leque tão diversificado de estratégias de confronto como ao adolescente ou

adulto cognitivamente mais sofisticado.Compas, Worsham e Ey (1992) verificaram que

o confronto centrado na emoção aumenta com a idade, assim como o uso de estratégias

mais complexas que podem ter várias funções. Matthew e colegas (Mathews, Rakazsky,

Stoney e Manuck,1987) demonstraram que as crianças apresentavam uma grande

estabilidade no estilo de confronto utilizado. Também Wills (1986) verificou que a

variabilidade e diversidade de tipos de confronto aumenta com a idade, reforçando a

ideia de que o confronto se torna mais diferenciado e adaptado com o desenvolvimento.

A adopção duma orientação processual para o estudo do confronto na infância e

adolescência leva-nos a considerar a necessidade de valorizar não só a situação e a sua

avaliação, como as mudanças temporais e situacionais; isto é, a considerar o confronto

em diferentes tipos de doença, mas também em relação à mesma doença, em diferentes

momentos da sua vivência. Em segundo lugar, somos conduzidos a reconhecer a

importância do desenvolvimento para a escolha do tipo de confronto que cada criança é

capaz de utilizar.

De um ponto de vista desenvolvimentista podemos, então, proceder à seguinte

síntese:

1. As crianças mais pequenas estão presas ao concreto e imediato, pelo que só

conseguem ser eficazes quando utilizam confrontos também concretos e instrumentais

que lhes permitem viver a situação de forma diferente porque existe uma mudança

instrumental dessa mesma situação. Por outro lado, estes confrontos concretos

(distracção activa, colocar-se numa posição especial, soprar um balão, auto-reforço de

comportamentos de colaboração) são também aqueles que mais facilmente podem ser

73
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

adquiridos por modelagem directa ou instrução verbal dos pais e outros adultos (porque

observáveis).

2. À medida que o desenvolvimento cognitivo lhe permite dominar melhor os

processos de pensamento sobre o pensamento, sobre o confronto e sobre a emoção, o

jovem tem acesso a uma maior variedade de tipos de confronto que passam por uma

transformação imaginada do significado da situação, e que podem ir desde uma negação

das consequências ou da gravidade até à transformação do contexto ou do valor das

consequências. Com o desenvolvimento cognitivo e socio-cognitivo, a criança acede ao

auto-conhecimento dos seus estados emocionais, e da possibilidade de os controlar.

3. Progressivamente, o jovem vai sendo capaz de maior sofisticação e adequação

na avaliação das exigências da situação, e portanto, de escolher mais adequadamente

qual o tipo de confronto mais eficaz, sabendo determinar quando é necessário um

confronto instrumental e activo, ou quando não é possível mudar a situação e portanto o

confronto tem de passar pela modificação do significado e da reacção emocional a essa

situação.

4. No entanto, mesmo durante a adolescência, o uso de confrontos activos e

centrados no problema continuam a ser os mais eficazes, talvez porque os primeiros

processos de confronto secundário aprendidos são pouco eficazes (negação, ventilação

de sentimentos, exteriorização da culpa, minimização das consequências). E que os

confrontos mais eficazes apelam para operações cognitivas e dialécticas de

transformação de significados exigentes, que só alguns adolescentes e adultos

conseguem alcançar (Joyce-Moniz,1993). Por outro lado, porque a adolescência é um

período especialmente propício a desequilíbrios dialécticos derivados de uma crescente

capacidade de percepcionar problemas e consequências negativas, perspectivando a

74
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

multiplicidade das diversas hipóteses, e um desempenho ainda pouco eficaz de

estratégias mais sofisticadas.

6. CONCLUSÕES

Como conclusão geral, podemos dizer que o interesse crescente pelo estudo do

stress e seu confronto durante a infância e adolescência nos permite afirmar que as

experiências de dor, de doença e do seu tratamento implicam frequentemente um grau

elevado de stress, e que as crianças utilizam espontaneamente diversos estilos e

procedimentos de confronto. Também é possível constatar que as crianças e

adolescentes podem aprender a utilizar confrontos mais eficazes, conseguindo um nível

razoável de controlo do stress associado a situações médicas (Miller, Sherman, Combs e

Kruus,1992).

De uma forma geral, sabemos que as crianças se adaptam melhor quando se

envolvem em qualquer forma de preparação e controlo sobre as experiências

stressantes (Tarnow e Gutstein,1983), quando procuram informação sobre a situação

ameaçadora (Peterson e Tolor,1986), e, no geral, quando utilizam alguma forma de

confronto comportamental ou cognitivamente activo (Peterson,1989).

No entanto, não existe, actualmente, um conhecimento suficientemente

desenvolvido que nos permita dizer qual a estratégia de confronto mais adequada para

um determinado tipo de criança ou de situação. Ao contrário, os estudos mais

naturalistas mostram que as formas eficazes de confronto com situações de doença

grave e prolongada são extremamente diversificadas (Kupst,1994), e sofrem várias

flutuações no mesmo indivíduo. A intervenção deve, então, concentrar-se em ajudar as

crianças a encontrarem formas adequadas de confronto, e essa intervenção deve partir

do conhecimento da criança e do seu estilo habitual de lidar com as situações mais

75
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

difíceis e ansiogéneas. Existe uma regra de ouro que deve ser respeitada: " manter a

intervenção simples". Só para procedimentos verdadeiramente dolorosos, demorados

e/ou repetidos, ou quando a doença e o sofrimento se prolongam e os confrontos mais

simples e espontâneos não se mostram eficazes, é que será necessário sugerir formas

mais sofisticadas de confronto cognitivo.

A maior parte das estratégias referidas nos próximos capítulos para a preparação

e acompanhamento da hospitalização, para o controlo da dor, e para a intervenção com a

criança com doença crónica, são estratégias que visam, central ou acessoriamente, o

controlo da ansiedade e do stress através do ensino de estratégias de confronto. A

distracção activa, o relaxamento, a restruturação cognitiva são métodos

comprovadamente úteis para ajudar a criança a enfrentar ou ultrapassar as situações

mais aversivas, ou a adaptar-se a uma vida marcada pela doença crónica.

No entanto, não podemos esquecer que, para além, das estratégias específicas e

mais artificiais que o terapeuta pode ajudar a criança ou os pais a aprender e incorporar

no seu padrão de atitudes, existe uma aprendizagem mais espontânea, que se processa

naturalmente, ao longo de todo o desenvolvimento, na família, na escola, no grupo de

amigos e na comunidade, que ensinam, modelam e reforçam atitudes gerais de

confronto.

Assim, não nos surpreende que para algumas crianças a simples situação de

entrar num hospital é vivida como um stress quase incontrolável, enquanto outras

continuam a sua exploração activa, cumprimentando, fazendo perguntas, ou

simplesmente brincando, e procurando apoio emocional e conforto físico no colo dos

pais. O trabalho mais centrado no ensino de competências específicas de confronto não

deve fazer-nos esquecer a necessidade de identificar os confrontos espontâneos da

criança e da família, de os valorizar e de facilitar o seu uso e maximização.

76
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Capítulo 4 – AS CONSEQUÊNCIAS PSICOLÓGICAS DA HOSPITALIZAÇÃO


INFANTIL: PREVENÇÃO E CONTROLO

1. As consequências da hospitalização infantil no contexto do estudo dos mecanismos

de risco e de protecção ao longo do desenvolvimento

As políticas de saúde mais actualizadas organizam-se no sentido de diminuir o

número e a duração de todos os internamentos hospitalares, devido ao reconhecimento

das grandes vantagens económicas e administrativas para a gestão hospitalar, mas

também dos benefícios psicológicos e de saúde geral, para os pacientes.

Na pediatria, tal preocupação assume ainda uma maior importância.

Actualmente dispomos de conhecimentos suficientes para desenhar um quadro bastante

claro sobre as consequências negativas da hospitalização durante a infância e

adolescência, que leva a reconhecer a necessidade de evitar ou reduzir esta experiência,

sempre que tal for possível. No entanto, existem ainda inúmeras situações em que o

internamento hospitalar, ou o recurso a tratamentos em regime ambulatório ou de

hospital de dia, continuam a ser necessários, e, por, vezes, bastante prolongados e

aversivos.

Os primeiros estudos que pretenderam avaliar as consequências da

hospitalização no desenvolvimento e adaptação psicológica da criança, apresentavam

resultados dramáticos, e um panorama geral bastante negro. A maioria dos trabalhos

visava identificar as reacções negativas a essa experiência, enfatizando as atitudes

depressivas, de negativismo e de apatia (Jessner, Blom & Waldfogel,1952), ou de

pânico e birras (Prugh, Staub, Sands, Kirschbaum & Lenihan,1953), manifestadas

durante o período de internamento hospitalar. Ou as consequências a curto prazo

traduzidas em comportamentos de regressão, ansiedade geral, ansiedade de separação,

77
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

problemas de alimentação e de sono, e agressividade (Vernon, Schulman &

Foley,1966). Ou ainda as consequências a médio prazo, em termos de problemas de

comportamento múltiplos que incluíam dificuldades de leitura, de comportamento e

delinquência, ou mesmo o aumento de ocorrência de psicopatologia (Douglas,1975;

Prugh et al., 1953).

Tratava-se de estudos que se fundamentavam na valorização da relação de

vinculação com a figura materna, e que analisavam situações de privação e separação

extrema, na sequência dos importantes trabalhos de Spitz sobre a condição de

hospitalismo (1946), e de Bowlby (Bowlby,1960; Bowlby, Robertson &

Rosenbluth,1952) sobre as consequência da privação de uma relação mãe-filho

continuada. A situação de hospitalização surgia, assim, em conjunto com a

institucionalização, como o campo de estudo ideal para a fundamentação empírica do

paradigma da vinculação.

Hoje é evidente que os resultados extremados destes trabalhos, que vieram a ter

grande impacto nas práticas hospitalares actuais, são atribuíveis a um conjunto de

razões que se prendem tanto com a realidade (hospitalar e institucional) estudada, como

com os modelos de estudo.

Por um lado, os procedimentos de hospitalização e tratamento hospitalar

criavam uma realidade verdadeiramente aberrante do ponto de vista educacional. As

crianças eram radicalmente separadas do ambiente familiar e da família, permitindo-se

unicamente breves períodos de visita dos pais, visitas essas que, por serem

percepcionadas como problemáticas, não eram encorajadas. O tempo de internamento

era geralmente bastante prolongado, as crianças deviam permanecer acamadas e o mais

possível inactivas, e os próprios processos de anestesia e analgesia estavam pouco

desenvolvidos e eram parcamente utilizados. Assim, à separação da família associava-se

78
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

a interrupção das actividades quotidianas, a falta de estimulação cognitiva e social e a

administração de tratamentos prolongados e aversivos.

Por outro lado, e acompanhando a tendência geral dos estudos etiológicos, a

maioria destes trabalhos seguiam uma metodologia retrospectiva, centrada na

identificação de consequências negativas, e tinham como base um racional que

preconizava causas únicas, e associações lineares entre causas remotas e consequências

a longo prazo (Barros,1990).

Actualmente o panorama do internamento hospitalar mudou radicalmente na

maior parte dos países. A criação de serviços especializados de pediatria, as novas

formas de tratamento, a maior preocupação com a anestesia e analgesia pediátrica

decorrente do reconhecimento da especificidade das manifestações de dor infantil, a

preocupação em reduzir ao mínimo os períodos de isolamento e de restrição da

mobilidade, assim como do próprio internamento, e os esforços para criar um ambiente

adequado às actividades habituais da criança, a presença de educadores e professores

nos serviços, e sobretudo, a possibilidade de acompanhamento por um familiar,

contribuíram para uma mudança potencialmente radical da experiência de

hospitalização.

Por outro lado, os próprios métodos de estudo têm vindo a modificar-se,

acompanhando a tendência geral na psicologia e psicopatologia do desenvolvimento.

Os estudos mais recentes são mais complexos e abrangentes, preocupando-se em

identificar consequências positivas e negativas, mas sobretudo em compreender

processos complexos de causalidade e mediação, apelando para a identificação

simultânea de elementos perturbadores, mas também de processos de protecção face a

esses elementos, assim como de competências de confronto eficazes. Por outro lado,

existe um muito maior cuidado e atenção ao facto de que certas situações envolvem uma

79
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

combinação complexa de factores perturbadores, que não eram discriminados nos

estudos iniciais (e.g.,crianças de famílias desorganizadas ou de baixo nível socio-

económico têm mais internamentos e mais prolongados). A esse propósito refiram-se os

trabalhos de Michael Rutter (Rutter,1981; Rutter & Rutter,1993), cujo esforço decisivo

para questionar os tabus e ideias feitas sobre o desenvolvimento infantil contribuiu para

um melhor esclarecimento dos mecanismos de risco e de protecção ao longo do

desenvolvimento, nomeadamente no caso das experiências de hospitalização.

Concluindo, já não é hoje possível afirmar que uma experiência única e pontual

possa ter, de forma linear, tantas e tão dramáticas consequências no desenvolvimento e

na saúde mental. Ao contrário, procura-se compreender toda a complexidade deste tipo

de experiências potencialmente perturbadoras, estudando a multiplicidade de processos

mediadores, agravantes e protectores que podem estar envolvidos, dando uma nova

atenção à possibilidade de haver consequências não só negativas como também

positivas. A evolução da investigação nesta área permite, actualmente, definir actuações

específicas que visam diminuir o sofrimento e a ansiedade da criança e da família que

necessita de ser hospitalizada, e prevenir as sequelas mais dramáticas desta experiência,

enquanto se potencializa os seus eventuais efeitos positivos.

Apesar de toda a evolução descrita, o mundo da hospitalização infantil está

longe de ser um paraíso, ou mesmo de ser o ambiente especialmente protegido e

adequado que poderia e deveria ser. Muitos dos factores que têm sido identificados

como associados a perturbação não foram eliminados, e alguns nunca o poderão vir a

ser. Em Portugal continua a haver uma média de 40.000 internamentos pediátricos por

ano, só em crianças até aos 10 anos (Ministério da Saúde,1997). O acompanhamento da

criança pelos pais é já um dado adquirido, assegurado pela lei, mas que continua a não

ser facilitado pelas próprias condições de internamento (o espaço é muitas vezes

80
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

restrito, só em raras instituições é possível aos pais pernoitarem com a criança em

condições de conforto minimamente adequadas, continua a haver grandes dificuldades

para os pais obterem as dispensas de serviços necessárias a esses acompanhamentos).

Paralelamente, a interrupção das rotinas quotidianas e do ambiente familiar, a

presença de equipamento estranho e ameaçador, a necessidade de administrar

tratamentos ou meios de diagnóstico assustadores e dolorosos, a necessidade de

contactar com muitas pessoas entre o pessoal técnico e auxiliar, e a impossibilidade de

manter o controlo sobre os acontecimentos, são condições que dificilmente podem ser

completamente eliminadas. A criança não fica alheia à percepção da gravidade da

situação, directamente ou através das reacções dos pais e do próprio pessoal hospitalar,

nem à necessidade de se confrontar com processo físicos estranhos, difíceis de

compreender, dolorosos, e potencialmente limitadores da actividade habitual.

Finalmente é forçoso reconhecer que os esforços de humanização e de defesa

dos direitos da criança e da família enquanto utentes dos serviços de saúde são ainda,

entre nós, mais uma boa intenção de alguns técnicos, do que uma prioridade unânime

das políticas de saúde, das administrações e de todos os profissionais envolvidos.

Os estudos actuais (e.g., Eiser,1990; Lambert,1984;), embora apresentando um

panorama bastante mais matizado e animador sobre as consequências da hospitalização,

continuam a evidenciar as sequelas negativas, nomeadamente nas situações pouco

preparadas e mal acompanhadas.

Em seguida, apresentarei uma síntese dos principais dados empíricos que nos

permitem traçar um quadro caracterizador extensivo da experiência de hospitalização

pediátrica, a partir dos quais serão enunciadas as principais medidas preventivas e

interventivas que têm sido implementadas para minorar as sequelas negativas desta

experiência.

81
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

2.Consequências da hospitalização: o quê e quando avaliar?

A primeira questão que se levanta quando se fala das sequelas da hospitalização

é a de saber o que estudar. Como já referi, os primeiros estudos centraram-se na

identificação das perturbações que ocorriam durante o internamento e a curto prazo

(sono, choro, negativismo, apatia), ou então as grandes alterações da adaptação

psicológica global (sequelas psicopatológicas durante a adolescência ).

Actualmente reconhece-se a necessidade de estudar os possíveis efeitos

positivos e negativos, tanto durante a hospitalização como durante o período após a

hospitalização. É consensual a ideia de que uma proporção importante de crianças

sofrem consequências psicológicas moderadas (Melamed e Bush,1985).

A maior preocupação destes estudos, assim como dos programas que visam

evitar os efeitos prejudiciais da hospitalização, relaciona-se com a perturbação

comportamental, e com o aumento da ansiedade da criança e dos pais. Neste sentido

considera-se que a perturbação comportamental a curto prazo, quer se manifeste por

ansiedade, agressividade, ou regressão, é em si própria problemática, e também pode

conduzir a problemas futuros em situações em que a criança venha a lidar novamente

com stressores médicos (Peterson e Mori,1988). Por outro lado, o aumento da

ansiedade, quando ocorre num contexto familiar e escolar com poucos recursos de

confronto para ajudar a criança, poderá explicar, ou mediar, muitas das sequelas em

termos psicopatológicos e de desenvolvimento, a médio e a longo prazo (e.g,

Coddington,1972). Os estudos que procuram relacionar a experiência de hospitalização

com a ocorrência de psicopatologia a longo prazo são poucos (e.g.,Davies, Butler &

Goldstein, 1972), na medida em que são difíceis de implementar e levantam grandes

problemas de interpretação. Verificou-se, por exemplo, que a perturbação é mais

82
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

provável quando a criança pertence a uma família carenciada ou perturbada, ou quando

a relação pais-filho anterior já era problemática ou pobre (Douglas,1975; Quinton e

Rutter,1976).

De uma forma geral, podemos dizer que a ansiedade tem sido estudada por meio

de avaliações das alterações e perturbações comportamentais (birras, choro,

comportamentos de dependência, retrocesso nos hábitos adequados para a idade e já

adquiridos, alterações nos comportamentos alimentares, nos hábitos de sono, e no

controlo dos esfíncteres), assim como por recurso a medidas clínicas de avaliação da

perturbação (ansiedade, medos específicos, fobia de separação ou fobia escolar,

depressão), medidas fisiológicas (nível de cortisol na urina) e ainda pela avaliação das

perturbações escolares e da aprendizagem.

De realçar ainda que a ansiedade é tão importante enquanto consequência do

processo de hospitalização, como enquanto causa de dificuldades durante esse mesmo

processo, podendo levar ao seu prolongamento, ou a obstáculos graves ao tratamento

bem sucedido. Com efeito, a ansiedade pode estar associada à ocultação ou exagero de

queixas que dificultam um diagnóstico preciso, à não-adesão a dietas e regimes de

descanso ou de fisioterapia, à hiperactividade e à não colaboração com tratamentos

invasivos (Belmont,1970), pelo que há uma preocupação em avaliar as consequências

da ansiedade no próprio desenrolar do tratamento e do processo de recuperação

(duração da hospitalização, episódios de vómito, necessidade de medicação analgésica,

e número de complicações pós-cirúrgicas).

Por outro lado, reconhece-se que muitas das consequências problemáticas da

hospitalização podem não ser muito evidentes durante o tempo passado no hospital,

mas só começarem a ser interpretadas como problemáticas no período imediatamente a

seguir, quando a criança regressa a casa e tem de retomar os hábitos e rotinas

83
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

quotidianas. Este tipo de sequela só é observado em casa (através das queixas dos pais),

ou na escola.

Quando a criança regressa a casa, e a família retoma as rotinas quotidianas, é

frequente que apresente algumas alterações de comportamento, mostrando-se mais

exigente em termos de atenção parental, retrocedendo em alguns dos hábitos de

autonomia e higiene já adquiridos, comportando-se como mais mimada e sensível, e

fazendo mais birras. Quando os pais não são capazes de lidar adequadamente com este

tipo de problemas, apoiando a criança, mas simultaneamente incentivando os seus

esforços de autonomia e autocontrole, ou quando os comportamentos de dependência e

chamada de atenção são interpretados pelos pais, quer como «maldade» e seguidos de

punição, quer como sinal de sofrimento incontrolável e reforçados, a perturbação tende

a prolongar-se, podendo evoluir negativamente (Rutter & Rutter,1993).

Assim, não será tanto a experiência de hospitalização em si, como a forma

inadequada como os pais lidam com as reacções infantis «normais», que explicaria

algumas das sequelas dessa situação. Tende-se, pois, a reconhecer que é tão importante

avaliar as manifestações de ansiedade, como as competências de confronto da criança e

da família para lidar com essa ansiedade. Na medida em que a hospitalização já não

implica, necessariamente, a separação das figuras parentais, nem interrupções da vida

familiar tão prolongadas, a questão da perturbação da vinculação vai perdendo

centralidade. Esta evolução é acompanhada de uma tendência para considerar as

experiências de internamento hospitalar como um contexto especialmente adequado

para estudar as reacções e estratégias de confronto da criança e da família a situações de

stress e ansiedade (Melamed,1988).

3. Hospitalização enquanto ocasião de aprendizagem e desenvolvimento

84
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

A hospitalização pode ser ocasião de aprendizagem e desenvolvimento, na

medida

em que a criança possa beneficiar de relações positivas e apoiantes com elementos da

equipa de saúde, e de uma relação mais próxima com os familiares (Boilig e

Weddle,1988; McClowry,1988, Palomo,1995). Dadas as condições adequadas, a

criança pode aprender que é capaz de fazer face à dor, de estar num lugar estranho e

longe de casa, de desembaraçar-se e solicitar ajuda e apoio de diferentes adultos, e que

médicos, enfermeiros e outros técnicos de saúde a podem ajudar a curar-se e a diminuir

o seu sofrimento. Pode aprender «ao vivo» um conjunto de estratégias de confronto do

medo, da ansiedade e da dor (Burstein e Meichenbaum,1979), e simultaneamente,

aumentar a sua percepção de si como um ser competente e eficaz (Bandura,1977).

Basicamente, esta oportunidade de aprendizagem e desenvolvimento resulta quando

surge uma situação que é nova e apresenta um grau moderado de ameaça e stress, em

conjunção com a disponibilidade de figuras apoiantes e securizantes, e de modelos de

actuação adequados.

Finalmente, não podemos esquecer que uma experiência hospitalar positiva é a

melhor preparação para experiências posteriores do mesmo tipo.

Quando falamos dos aspectos positivos da hospitalização temos, evidentemente,

de evocar todas as situações em que a hospitalização representa uma efectiva melhoria

das condições de vida da criança, que é retirada de um ambiente onde sofre maus tratos

e negligência, exposição a graves conflitos, ou graves carências alimentares e

habitacionais. Nestes casos, é evidente que um ambiente hospitalar bem estruturado e

adequado às necessidades infantis representa um ganho real em termos de qualidade de

vida. No entanto, será sempre indispensável a intervenção dum serviço social eficaz e

provido de recursos adequados, e muitas vezes, do próprio sistema judicial, para que

85
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

estas crianças possam ter outras alternativas mais positivas. Gostaria de lembrar aqui

algo que muitos técnicos vivem dolorosamente no seu quotidiano hospitalar. A solução

de prolongar a hospitalização por motivos sociais e judiciais, infelizmente ainda

frequente no nosso país, não pode ser satisfatória. Por muito seguro, estimulante e

acolhedor que um serviço pediátrico possa ser, não oferece as condições minimamente

adequadas para facilitar a correcção de perturbações já existentes e evitar outras mais

graves. Será sempre uma ambiente pouco natural, onde a criança está fechada em

condições de luz, temperatura, som e espaço pouco adequadas, onde corre mais riscos

de contrair doenças infecciosas e outras, e sobretudo, onde não pode beneficiar de

cuidados individualizados e continuados, de relações estáveis, nem de condições de

estimulação social e cognitiva adequadas.

4. Experiências e processos que podem ser moderadores ou agravantes das

consequências de hospitalização

Vimos que a experiência de hospitalização é fonte de stress e ansiedade para a

maioria das crianças, podendo mesmo contribuir para um risco acrescido de

perturbações de comportamento e de psicopatologia a médio e longo prazo. No entanto,

sabemos hoje que é possível reduzir os efeitos negativos dessa experiência, e mesmo

potencializar os seus aspectos mais enriquecedores. Penso que está encerrada a época de

falar teórica e genericamente da hospitalização associada às grandes catástrofes da

infância, e que devemos sobretudo concentrar-nos em identificar e aperfeiçoar medidas

concretas que permitam transformar essas experiências, que apesar de tudo continuam a

ser parte da vida de um grande número de crianças e adolescentes.

4.1. CARACTERÍSTICAS INERENTES À CRIANÇA

86
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

4.1.1. Idade e desenvolvimento

Vários estudos têm demonstrado que a hospitalização é uma experiência mais

perturbadora durante a primeira infância e no período pré-escolar, nomeadamente entre

os 6 meses e os 4 anos ( Prugh et al.,1953; Rutter,1990). Estes estudos tendem a

considerar este período como o mais problemático, e apontam como causas para este

facto o tratar-se de um período em que a separação dos pais, e a própria discontinuidade

dos cuidados educativos, é mais perturbadora. De igual modo, trata-se de uma idade

onde os próprios tratamentos são, provavelmente, percepcionados como mais

assustadores.

Os bebés mais pequenos (antes dos 6 meses) estariam em menor risco por não

terem ainda estabelecido relações de vinculação suficientemente fortes e selectivas que

pudessem ser ameaçadas com uma separação relativamente breve. As crianças mais

velhas estariam mais protegidas pelas suas capacidades cognitivas para manter relações

estáveis apesar da separação, mas também para compreender a necessidade de certos

tratamentos e a possibilidade de algum controlo dos medos e ansiedade (Rutter &

Rutter,1993). Infelizmente, não se sabe quase nada sobre as consequências da

hospitalização durante a adolescência.

Embora faltem estudos actualizados que controlem a variável idade, e a

descriminem claramente de outras que podem estar envolvidas, tais como as

experiências anteriores ou o estilo de confronto, reconhece-se que as crianças mais

novas têm menos competências para lidar com uma experiência perturbadora e

incontrolável como a hospitalização. A criança mais pequena tem menos capacidade

para compreender os procedimentos médicos e a situação de hospitalização, para fazer

perguntas, para recordar o que ouviu durante a preparação (quando esta existiu), ou para

compreender as explicações que lhe são dadas.

87
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Reisland (1983) verificou que a idade tinha um efeito determinante na forma

como as crianças relatavam as suas respostas aos stressores médicos, sendo as das mais

velhas muito mais eficazes. Peterson e Tolor (1986) observaram que a idade estava

fortemente correlacionada com o uso de competências de confronto, e com avaliações

de medo e ansiedade. Assim, por exemplo, sabe-se que a hospitalização pode contribuir

para reduzir os medos do hospital em crianças de idade escolar, mas não nas de idade

pré-escolar (Ferguson,1979). Parece, pois, tratar-se de uma experiência de exposição ao

vivo de que só beneficiam as crianças que têm capacidades socio-cognitivas para a

interpretar adequadamente.

Resumindo, a maior parte dos trabalhos permite concluir que o nível de

desenvolvimento cognitivo e socio-cognitivo é determinante do tipo de vivência

experienciado. Considera-se que são sobretudo as capacidades para compreender a

experiência e ter uma leitura «realista» da mesma, i.e., de não confundir as fantasias

mais dramáticas com a realidade, de compreender o conceito de tempo e ter a noção de

sequência e de causalidade, de ser capaz de prever ocorrências a médio prazo, e de ser

capaz de utilizar certos mecanismos de confronto mais sofisticados, que permitem à

criança mais velha ser menos afectada por esta experiência, ou ser mais facilmente

ajudada a vivê-la adequadamente.

Assim, verifica-se que, quando as condições de hospitalização são adequadas, a

criança em idade escolar não é significativamente afectada (Rutter,1981).

No entanto, convém desde já chamar a atenção para dois aspectos: Por uma lado,

independentemente da idade, muitas crianças irão reagir mal, e experimentar níveis

elevados de ansiedade, que poderão ter sequelas mais ou menos graves e duradouras. O

que estes dados nos permitem concluir não é que a criança mais velha precisa de menos

apoio, mas tão só que o seu desenvolvimento cognitivo cria as condições para que a

88
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

nossa ajuda seja mais eficaz. Por outro lado, não é legítimo confundir a idade com o

nível de desenvolvimento e deduzir apressadamente que crianças de certo grupo etário

têm necessariamente certo tipo de competências, ou são capazes de as utilizar em

situações muito ansiogéneas.

4.1.2. Estilo de confronto

O estilo de confronto, ou seja, o tipo de estratégias que a criança utiliza de forma

mais ou menos voluntária e intencional para lidar com as situações novas e aversivas,

tem sido considerado como uma das variáveis mais importantes para explicar a

variabilidade das reacções individuais, e como um importante mediador das

consequências da hospitalização. Vimos no capítulo anterior a diversidade de estilos

de confronto que as crianças de diferentes idades e em situações diversificadas usam

espontaneamente, e a importância de partirmos sempre de uma avaliação cuidadosa das

competências de confronto evidenciadas pela criança antes de definir qual o tipo de

intervenção mais adequada..

4.2.EXPERIÊNCIAS ANTERIORES

4.2.1.Experiências prévias de separação

Verificou-se que as crianças que tinham tido experiências anteriores agradáveis

de separação dos pais e do ambiente familiar (e.g., dormir em casa de familiares ou

amigos), ou de ser cuidados em creches, por amas ou por outros familiares, durante o

dia, sofriam menos com a separação inerente à hospitalização (Stacey, Dearden, Pill e

Robinson, 1970). Em ambos os casos estas experiências podem funcionar como

acontecimentos neutralizadores que permitem à criança assumir uma disposição mais

positiva sobre a ideia de sair de casa e ser cuidado por outros.

4.2.2. Hospitalizações anteriores

89
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Os estudos de Douglas (1975) e de Quinton e Rutter (1976) mostraram que não

há sequelas a longo prazo quando ocorre uma única hospitalização que dure menos de

uma semana, mas que nas crianças em idade pré-escolar já se observa um aumento do

risco de perturbações psicopatológicas nos casos de dois ou mais internamentos. A

interpretação destes resultados é problemática. Por um lado, o grupo das crianças com

hospitalizações recorrentes diferenciam-se das outras por várias características, entre as

quais se destaca o facto de pertencerem mais frequentemente a ambientes cronicamente

desfavorecidos em termos sociais e económicos (Rutter e Rutter,1993). O que pode

sugerir que não é só a experiência de hospitalização em si, mas um conjunto de

privações em termos de estimulação e apoio socio-emocional e cognitivo, que explica as

diferenças entre os dois grupos.

Por outro lado, se a primeira experiência não causa qualquer tipo de perturbação,

não se pode concluir que as consequências que ocorrem após hospitalizações repetidas

se devam unicamente a um somatório de experiências do mesmo tipo. Mas pode

considerar-se que a primeira hospitalização, embora não tendo consequências objectivas

por si só, pode, de algum modo, predispor ou sensibilizar a criança para reagir

negativamente e ser mais afectada por experiências posteriores (Rutter,1981).

Curiosamente, verificou-se que os programas estandardizados de preparação

com uso de modelagem não tinham qualquer efeito benéfico em crianças com

experiências prévias de hospitalização, ao contrário do que acontecia com as crianças

sem esse tipo de experiência (Melamed e Siegel,1980). Para Johnston e Salazar (1979) o

tipo de programa usado não permite ajudar as crianças com vivências anteriores

negativas a discutir os seus medos e expectativas. Assim, para estas crianças, o filme de

modelagem transforma-se numa experiência de recordação e sensibilização a imagens

que evocam o medo e a ansiedade já vividos (Melamed, Dearbon e Hermecz,1983), e

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Psicologia Pediátrica Luísa Barros

que só vêm reforçar as crenças negativas já existentes. Podemos, assim, concluir pela

necessidade de uma cuidadosa avaliação das experiências prévias de hospitalização e

tratamento, antes de nvolver a criança em qualquer programa grupal ou estandardizado

(Melamed,1992).

4.3.CARACTERÍSTICAS DA DOENÇA

Como é evidente, a ansiedade e sofrimento associados ao internamento

hospitalar dependem, em larga medida, das condições inerentes à própria doença, e aos

procedimentos que seja necessário realizar. Condições como a gravidade da doença, e

sobretudo o facto de ela ser percebida como pondo em risco a vida ou a integridade

física da criança são determinantes das atitudes dos pais e do pessoal técnico, o que vai

influenciar as próprias atitudes da criança. Por outro lado, mesmo bastante jovem, a

criança faz uma leitura do que sente, vê e ouve, do que lhe explicam e do que lhe

escondem, daquilo que observa nos outros doentes, e retira as suas próprias conclusões.

Bluebond-Langner (1978), no seu maravilhoso trabalho sobre crianças com leucemia,

demonstrou como estas crianças, mesmo muito pequenas, eram capazes de ter uma

noção da gravidade e da falta de esperança inerentes à sua doença, apesar dos adultos as

julgarem ignorantes do diagnóstico e do prognóstico.

Outro aspecto que determina as reacções da criança é o grau de dor que ela

necessita de suportar durante essa hospitalização. A dor infantil, sobretudo nas crianças

mais pequenas, foi durante muito tempo sub-avaliada ou mal compreendida pelos

técnicos de saúde. Hoje sabe-se como é importante conjugar esforços e combinar

intervenções médicas e psicológicas para aliviar a dor associada a procedimentos de

diagnóstico e de tratamento, ou à própria doença. As metodologias de distracção,

autocontrole, inoculação de stress, relaxamento, imaginação guiada e hiperempiria têm

demonstrado a sua eficácia em situações de dor aguda ou crónica (desde as simples

91
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

injecções, até às dores excruciantes dos tratamentos de queimaduras graves)

(e.g.,Jay,1988).

Outras condições de sofrimento inerentes à razão do internamento como o

desfiguramento e amputação, ou a necessidade de isolamento e imobilização ou recurso

a uma Unidade de Cuidados Intensivos, ou de ventilação e respiração artificial, assim

como a ocorrência de períodos de coma e inconsciência (Willis,Elliot & Jay,1982),

contribuem para agravar a ansiedade e a probabilidade de sequelas. Independentemente

das condições gerais de hospitalização, é necessário que o psicólogo, em conjunto com

os outros técnicos de saúde e com a educadora, esteja atento a estes problemas e

disponibilize um atendimento individualizado a estas famílias.

Finalmente, sabe-se que a duração da hospitalização é uma condição importante.

Quando a criança fica muito tempo internada, a sua vida começa a organizar-se à roda

das rotinas hospitalares, e as ligações com a escola e a casa vão perdendo centralidade.

Dombro e Haas (1970) concluíram que só as crianças hospitalizadas durante mais de

duas semanas evidenciavam reacções importantes depois da alta. Actualmente, a

maioria dos serviços de pediatria mantêm os internamentos reduzidos ao período

mínimo necessário, optando por realizar muitos dos tratamentos em ambulatório.

Também aqui o psicólogo pode ter uma intervenção importante, colaborando com a

equipa na avaliação das competências familiares para lidarem com os vários tipos de

tratamentos, e, especialmente, ajudando-os a preparar a alta, com a introdução de

didácticas individualizadas sobre as necessidades da criança em fase de tratamento e

recuperação.

4.4. CONDIÇÕES DE ATENDIMENTO DURANTE A HOSPITALIZAÇÃO

Segundo Poster (1983) podemos considerar que, independentemente da criança,

da sua idade e das suas experiências anteriores, existe um conjunto de condições

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Psicologia Pediátrica Luísa Barros

inerentes à própria hospitalização que vão em grande parte determinar a existência de

sequelas mais ou menos importantes.

4.4.1. Programas de informação e preparação

Embora praticamente ignorados entre nós, alguma forma de preparação para a

hospitalização é já uma prática bastante divulgada em vários países. Por exemplo, uma

avaliação realizada em 1980 mostrou que cerca de 70% dos serviços pediátricos

americanos incluiam algum tipo de preparação para os pais e as crianças como parte

integrante dos serviços prestados (Peterson & Ridley-Johnson,1980). Infelizmente, a

maior parte dos programas utilizados são os mais baratos, mas também

comprovadamente menos eficazes, tais como as visitas ao hospital e a descrição verbal

de procedimentos.

Actualmente, apesar da evolução nos cuidados pediátricos e nas práticas de

hospitalização, a implementação de programas de preparação para a hospitalização

continua a ser considerada necessária para evitar manifestações de ansiedade e

problemas de comportamento durante e após o internamento (Zastowny, Kirschenbaum

e Meng,1988), e para prevenir outro tipo de perturbações no desenvolvimento ou no

relacionamento familiar a médio prazo. Todos este programas se baseiam no racional de

que as pessoas que detêm informação sobre situações ou práticas potencialmente

aversivas ou ansiogéneas experimentam um maior sentido de controlo cognitivo, e

mantêm a perturbação emocional em níveis mais baixos (Peterson e Mori,1988). O

fornecimento de informação objectiva e concreta sobre situações stressantes facilita o

confronto com as mesmas, devido à formação de esquemas cognitivos que permitem

aumentar o grau de previsibilidade, diminuir o grau de discrepância entre o esperado e o

vivido e aumentar a capacidade do indivíduo para compreender e interpretar a

93
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

experiência (Leventhal & Johnson,1980). Alguns especialistas consideram mesmo que a

preparação para a hospitalização é um direito da criança como doente (Seagull,1978).

Tem havido um esforço crescente para demonstrar que estes programas podem

ser implementados de forma a trazerem reais benefícios para as crianças, mas também

uma diminuição nos gastos hospitalares. A esse respeito é exemplar o estud de Pinto e

Hollandsworth (1989) que demonstrou que as crianças submetidas a preparação com um

filme de modelagem ficavam menos dias no hospital, e usavam menos recursos

médicos, do que as que não seguiam o programa.

Se é certo que existe um consenso generalizado sobre os efeitos positivos de

programas de preparação para a hospitalização, ainda nos ficam muitas dúvidas sobre

qual o tipo de programa mais adequado e com menos custos, mas também sobre os

possíveis efeitos adversos de alguns programas.

4.4.2.Tipos de programa de preparação

A. Programas preventivos dirigidos à criança saudável

Dirigir os programas de preparação para hospitalização ao conjunto das crianças

saudáveis parece ser a forma mais lógica de prevenir a ansiedade relacionada com as

hospitalizações de urgência. Um tipo de intervenção bastante utilizado é a

implementação de um dia aberto do hospital ou serviço pediátrico, em que as crianças e

as famílias, ou as escolas, são encorajadas a visitar o hospital da zona de residência e a

participar numa série de actividades orientadas (visitas guiadas, filmes, brincar com

jogos de médico, etc.). Este tipo de programas bem intencionados, e que têm encontrado

bom acolhimento nas comunidades, só muito parcialmente receberam alguma

confirmação empírica, pelo que é difícil afirmar os seus verdadeiros efeitos.

Alguns programas mais estruturados e prolongados têm sido aplicados nas

escolas. São intervenções que envolvem ou filmes e histórias, sobre crianças que

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Psicologia Pediátrica Luísa Barros

modelam atitudes positivas face à situação de hospitalização, ou um “pacote” de

actividades lúdicas que visam alguma forma de dessensibilização ou confronto

cognitivo da ansiedade associada a tratamentos e procedimentos médicos. Infelizmente

não é possível confirmar de forma clara a utilidade destes programas (Peterson e

Mori,1988; Peterson & Ridley-Johnson,1983), sobretudo porque não se conhece

nenhum estudo que tenha procurado avaliar a eficácia desta preparação no momento de

uma hospitalização ou tratamento posterior.

Na realidade parece fazer mais sentido, e ser mais rentável, que estes programas

tenham como objectivo preparar as crianças não só para o internamento, mas de forma

geral para um conjunto de procedimentos médicos comuns a que todos terão de ser

submetidos mais cedo ou mais tarde (e.g., tomar um remédio, levar uma injecção, fazer

uma radiografia, colocar soro). A escola, ou o centro de saúde onde a criança faz as

vacinas obrigatórias podem ser os contextos onde estas acções podem ocorrer de forma

mais natural e com menos custos.

B. Programas de preparação para a criança que vai ser hospitalizada

A maior parte das acções consta de livros e folhetos, filmes, visitas guiadas e

demonstrações, com grupos de crianças e pais, ou individualmente, que visam dar

informação, preparar e permitir antecipar os vários procedimentos e situações.

Outra metodologia alternativa utilizada nas acções de preparação é a

modelagem. Nestas, a informação sobre o que vai acontecer adquire uma função menos

central, e apresenta-se um modelo que demonstra como é que a criança pode controlar o

seu medo e ansiedade, ou como é que os pais podem ajudar o filho a fazê-lo. São

programas baseados na teoria da aprendizagem social (Bandura,1969), que modelam

95
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

atitudes de cooperação com os tratamentos e rotinas e de confronto activo, através do

uso da distracção, auto-instrução ou relaxamento. Este tipo de programas tanto se dirige

à preparação da hospitalização em si mesma (e.g., rotinas hospitalares), como aos

procedimentos invasivos a que a criança terá de ser submetida, tanto para diagnóstico

como para tratamento, e à própria cirurgia. Visam, portanto, o controlo da ansiedade,

mas também da dor associada a alguns desses procedimentos.

Este tipo de programas foi de longe o mais estudado. Assim é possível saber

que os diferentes suportes de apresentação (filme, slides, fantoches) não apresentam

resultados muito diferentes, pelo que é possível escolher o mais adequado às

necessidades e recursos do serviço (Peterson & Mori,1988). Outra conclusão,

especialmente importante, é a de que os programas de preparação não devem ser

utilizados como uma panaceia cuja administração é sempre positiva. Embora

globalmente benéficos, constatou-se que em alguns casos pode ter um efeito de

sensibilização, aumentando a ansiedade das crianças que o observam. Isto é sobretudo

verdade nos casos de crianças em idade pré-escolar, ou definidas como emocionalmente

mais imaturas, e ainda nos casos já referidos de crianças que já tinham estado

hospitalizadas anteriormente (Melamed e Bush,1985) .É, pois, de realçar a necessidade

de avaliar cuidadosa e continuadamente esses programas, e o momento da sua

utilização, assim como de ser particularmente cuidadoso com a utilização de recursos

(livros, folhetos ilustrados ou para pintar, bonecas anatómicas), que, sendo em si mesmo

instrumentos muito úteis, podem, quando inadequadamente utilizados, ter efeitos

ansiogéneos absolutamente contrários aos seus objectivos.

Programas de jogo com bonecos em que a criança pode desempenhar o papel do

médico ou enfermeiro que trata o boneco, administrando injecções ou medicamentos ou

colocando o termómetro, permitem dar informação, e criar uma experiência de

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Psicologia Pediátrica Luísa Barros

dessensibilização e de aprendizagem de estratégias de confronto (Adams,1976;

Oremland,1988). Este tipo de intervenção tem, quanto a mim, a grande vantagem de

permitir uma actuação individualizada, em que o psicólogo vai adaptando as suas

acções às atitudes que observa na criança, pelo que me parece ser precisamente o mais

adequado para as crianças mais pequenas, imaturas, ou previamente sensibilizadas por

experiências negativas. Este formato mais individualizado não impede que possa ser

utilizado em pequenos grupos de crianças que vão ser submetidas ao mesmo tipo de

tratamento. Por vezes o uso de crianças que já experimentaram a cirurgia ou tratamento

é particularmente feliz, porque permite uma modelagem ao vivo, e simultaneamente

reforça as atitudes de controlo da criança já intervencionada. Infelizmente a validação

destas metodologias ainda é limitada.

4.4.3. Programas de preparação da hospitalização dirigidos aos pais

Estes programas foram desenvolvidos com base na constatação de que as atitudes dos pais eram

determinantes das dos filhos, e de que, com muita frequência, os pais modelam e encorajam atitudes

pouco adequadas nos seus filhos.

São também programas de informação, instrução, modelagem e treino em que se

ensinam estratégias de confronto (inoculação de stress, relaxamento) para a ansiedade

parental, ou para os pais ensinarem aos seus filhos. Podem ser utilizados isoladamente,

ou em conjunto com programas dirigidos aos filhos. De forma geral os programas que

incluem a informação e o ensino de estratégias de controlo da ansiedade dos pais têm

demonstrado a maior eficácia (Melnyk,1995).

4.4.4. Programas para a hospitalização não planeada

Como todos sabemos, a necessidade de hospitalizações e de cirurgias de

urgência ou não planeadas é bastante frequente. Nestes casos a admissão hospitalar está

associada à surpresa, e, muitas vezes, a um sentido de alarme que aumenta,

evidentemente, a ansiedade da família e da criança. Quando esta se segue a um período

97
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

prolongado num serviço de urgência hospitalar, e sobretudo quando há incerteza no

diagnóstico, pode atingir uma perspectiva verdadeiramente catastrófica. Assim, nestes

casos, embora não sendo possível uma preparação antecipada, é ainda mais necessário

que algum profissional encontre o tempo e a disponibilidade para preparar (embora a

posteriori) os pais e a criança (nos casos em que esta está em condições para tal),

explicitando as regras e condições de serviço, e sobretudo os procedimentos médicos a

que a criança se tem de sujeitar. Programas realizados depois do internamento, em

situações em que este foi não foi planeado, demonstraram que mesmo nesse momento a

intervenção preparatória é eficaz na redução da ansiedade (Melnyck,1995).

4.4.5 Presença dos pais e continuidade nos cuidados diários

A principal consequência dos primeiros trabalhos sobre as sequelas da

hospitalização foi o reconhecimento de que a admissão hospitalar constituí uma

experiência stressante para a criança em grande parte por envolver a separação dos pais

e da família. Posteriormente, os estudos realizados com crianças que puderam beneficiar

da hospitalização acompanhados por um familiar mostraram que os efeitos adversos da

mesma são grandemente atenuados ou eliminados (Mahaffy,1965, Droske,1978). Por

exemplo, Brain e Maclay (1968, citado em Wallinga,1982) demonstraram que as

crianças acompanhadas pelas mães apresentavam melhores índices de adaptação ao

hospital, menos perturbação emocional depois da alta, e menos complicações médicas

no pós-operatório.

Os pais são o principal sistema de apoio e segurança para a criança, pelo que

devem ser encorajados a permanecer com o filho durante ao internamento da criança.

Mas precisam de um sistema que os aconselhe e oriente, e que os possa mesmo ensinar

a estar mais atentos às necessidades da criança doente e a responder adequadamente

(Hardgrove & Rutledge,1975). A separação dos pais e da família é hoje considerada

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Psicologia Pediátrica Luísa Barros

como o elemento mais determinante dos altos níveis de ansiedade da criança que sofreu

uma hospitalização nos primeiros anos de vida. E, como tal, a política de permitir e

incentivar a presença de um familiar com a criança foi, certamente, a medida isolada

que mais contribuiu para mudar o panorama das sequelas psicológicas da hospitalização

pediátrica.

Independentemente da presença de um dos pais, é necessário que as políticas e

as práticas hospitalares continuem a evoluir no sentido de implementar modelos de

serviços, nomeadamente de enfermagem, que permitam um tratamento mais

individualizado e continuado. O facto de se ser cuidado por muitos adultos aumenta o

sentido de isolamento e de desorientação, e dificulta a explicitação de regras de

comportamento desejáveis, o que faz com que a criança tenha dificuldade em

compreender as expectativas e exigências de cada um. Verificou-se a importância de

haver alguma continuidade nos cuidados diários, e que estes sejam prestados de forma

individualizada por um número reduzido de adultos, de modo que as crianças possam

estabelecer relações de confiança e vinculação com estes novos adultos (Robertson &

Robertson,1971). Mesmo quando esta continuidade não é completamente viável, a

existência de pelo menos uma relação positiva e apoiante com um enfermeiro

regularmente presente pode atenuar grandemente a ansiedade da criança (Visintainer e

Wolfer,1975).

4.4.6.Atitudes dos pais

Mais do que a simples presença dos pais durante o internamento, hoje

reconhece-se o papel que estes desempenham na forma como a criança lida com os

problemas e tratamentos médicos (Visitainer e Wolf,1975). A ansiedade materna ou

parental está altamente correlacionada com a dos filhos (Vardaro,1973). Como todos os

99
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

enfermeiros e médicos sabem, pais ansiosos têm filhos mais queixosos e difíceis de

tratar.

Esta constatação ajuda a compreender a persistência de crenças do pessoal de

saúde pouco encorajadoras da presença dos pais. Por exemplo Wallinga (1982), citando

o já referido trabalho de Brain e Maclay, realça que, apesar dos indicadores tão

positivos dos efeitos benéficos da presença da mãe, os enfermeiros mantinham a

convicção de que seria preferível que as mães não estivessem presentes. Na verdade, as

investigações (Melamed e Bush,1985) têm demonstrado que nem sempre a presença dos

pais tem um efeito benéfico ou calmante na criança, em situações em que lhe são

administrados tratamentos ou procedimentos desagradáveis. Pais que apresentam

elevados níveis de ansiedade, ou que são confrontadores pouco adequados de situações

de stress, são os principais determinantes de risco para as crianças que têm reacções

negativas (Peterson & Ridley-Johnson,1980).

A influência dos pais no modo de confronto da criança tem sido explicado

segundo vários modelos: Inicialmente Escalona (1953) introduziu a sua Hipótese do

contágio emocional, considerando que a ansiedade materna seria comunicada ao filho

por meios verbais e não verbais, aumentando a ansiedade da própria criança. Este

modelo não especificava como é que este contágio se processa, baseando-se unicamente

nos estudos que correlacionam a ansiedade materna e infantil durante os procedimentos

stressantes.

Um outro modelo é o que preconiza a hipótese da crise parental (Kaplan,Smith,

Grobstein & Fischman,1973), que enfatiza a importância acrescida das atitudes

parentais durante as situações stressantes para a criança. Considera que um elevado

nível de ansiedade parental impede os pais de terem atitudes educativas adequadas, e

como tal, de oferecerem o apoio necessário aos esforços de confronto da criança.

100
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Robinson (1968) verificou que as mães mais assustadas passavam menos tempo a

visitar os filhos internados, iniciavam menos vezes o diálogo com o médico, e tinham

menos probabilidade de se queixar ou criticar aspectos relacionados com as condições

de internamento. A ansiedade materna, causando imobilização, impede os pais de

prestarem o apoio de que os filhos necessitam (Lynn,1986) .

Bush e colegas (Bush, Melamed, Sheras e Greenbaum, 1986) elaboraram um

sistema de codificação observacional, a partir do qual lhes foi possível avançar no

esclarecimento dos mecanismos de transmissão da perturbação entre a mãe e o filho.

Assim, verificaram que a agitação das mães é comunicada por atitudes não verbais à

criança (tensão na postura, desatenção ou atenção dirigida a comportamentos

negativos), e elicita perturbação na criança ainda antes do procedimento aversivo;

enquanto o uso materno de informação e distracção activa está correlacionado com

menor perturbação e mais comportamentos exploratórios e sociais da criança .

Actualmente reconhece-se que não é possível retirar conclusões gerais, mesmo

que bem intencionadas. Sabemos que alguns pais não conseguem oferecer aos seus

filhos o tipo de apoio e incentivo de que estes necessitam. Isto acontece sobretudo nas

situações em que os pais estão muito ansiosos e desconfortáveis com a situação, ou

sentem revolta e desconfiança face à equipe médica.

No entanto, não se questiona tanto a presença dos pais durante a hospitalização,

visto que a evidência dos seus efeitos positivos globais é indiscutível, mas sim os efeitos

benéficos da presença de todos os pais durante a administração de procedimentos mais

aversivos. Nesse tipo de situação existe alguma evidência de que 1) embora a criança

manifeste abertamente maior ansiedade, os efeitos a médio prazo da presença de um dos

pais podem ser mais benéficos do que prejudiciais; 2) a esmagadora maioria dos pais

pode beneficiar de programas de controlo de ansiedade e de ensino de estratégias de

101
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

confronto, que lhes permitam acompanhar o seu filho, com consequências positivas para

ambos.

Não podemos esquecer que os pais da criança doente e internada têm de

confrontar as suas próprias dúvidas e ansiedades e ao mesmo tempo continuar a

assegurar um papel profissional e o funcionamento quotidiano da família, enquanto

tentam ajudar a criança a controlar os seus medo. Nem todos os pais estão preparados

para desempenhar esta multiplicidade de funções numa situação de crise.

4.4.7. Programas de acompanhamento psicológico para pais

Como já referi, os programas de preparação para a hospitalização que envolvem

os pais são os que têm obtido melhores resultados. A ansiedade dos pais tem em grande

medida as mesmas causas que a da criança: separação, falta de informação, sentimentos

de culpa e inutilidade, falta de controlo e obrigatoriedade de assumir um papel passivo.

Um serviço de pediatria sensível às necessidades da criança tem de ser um serviço

"amigo da família", isto é, que considere as necessidades de informação,

aconselhamento e controlo dos adultos que acompanham a criança. E não meramente

“tolerante das famílias” por imposição legal. As acções eficazmente direccionadas para

ajudar os pais a controlarem a sua emocionalidade excessiva e a acompanharem de

forma mais eficaz o filho hospitalizado, resultam potencialmente em crianças mais

calmas, mais colaborantes, e que, portanto, serão mais fáceis e mais rápidas a tratar, e

sofrerão menos sequelas comportamentais e de desenvolvimento.

No entanto, os programas de acompanhamento psicológico dos pais da criança

hospitalizada têm sofrido dos mesmos problemas que as intervenções dirigidos aos pais

de crianças com outro tipo de problemas de comportamento e desenvolvimento.

Tendem a ser muito centrados na instrução e modelagem de atitudes educacionais

concretas, e mais ou menos estandardizadas, deixando pouco espaço à expressão e

102
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

discussão das crenças e expectativas que os pais desenvolveram sobre os filho, sobre a

situação de internamento e doença, e sobre o seu papel junto do filho doente. Tenho

defendido que os programas de intervenção com pais se devem dirigir não só ao ensino

de competências de confronto, mas também, e de forma privilegiada, à identificação e

análise das crenças e significações parentais , a partir da qual é possível ajudar os pais a

encontrarem formas mais adequadas e eficazes de interagirem com os filhos (Barros,

1992a,b,1996b).

Para clarificar esta necessidade, tomemos três exemplos:


Exemplo 1: A mãe de Joana pensa que a necessidade de internamento e
tratamentos médicos é uma tragédia que se abateu sobre a sua filha, que ela não
pode compreender nem controlar, pelo que a única atitude esperada é que ela
chore, grite, e se deprima, como, provavelmente, a mãe também teria vontade de
fazer se estivesse no lugar da filha, a ser picada e magoada. A única estratégia
que considera adequada é, pois, de dar muito mimo à filha, chorando por vezes
com ela, e transportando-a ao colo ao longo dos corredores do hospital.
Exemplo 2: O pai de Pedro, sente-se embaraçado com a falta de privacidade com
que é confrontado pela primeira vez no hospital. Considera que os diferentes
técnicos estão ali para o avaliar, e que o julgam um pai inadequado porque
permitiu que o filho se chegasse ao pé do fogão e se queimasse com água a
ferver, e porque também não é capaz de manter o seu filho sossegado e bem
comportado durante os tratamentos. Por isso, sente-se desorientado e vai
alternando atitudes de tentar persuadir o filho a comportar-se bem para não o
envergonhar, com outras de ameaça de castigo se ele não se calar, sentindo-se
muito insatisfeito com os resultados
Exemplo 3: A mãe do João reconhece que o filho está a viver uma situação

bastante difícil, mas que envolvê-lo em jogos e brincadeiras é a melhor forma de

o ajudar a enfrentar a situação de imobilização a que está forçado, pelo que usa a

sua experiência, e a imaginação, para propor actividades que o possam distrair,

mesmo estando acamado.

103
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Como se pode ver, estes três pais querem fazer o melhor pelo seu filho, mas as

suas significações sobre a situação estão associadas a atitudes muito diferentes e com

resultados igualmente diversos. O leitor mais atento ao 2º capítulo terá reconhecido

nestes exemplos significações que podem ser classificadas em três níveis de

estruturação diferentes. É fácil compreender que um programa estandardizado de

relaxamento e auto-instrução para controlo da ansiedade parental, ou de instrução e

modelagem de atitudes de distracção e reforço, não serão acolhidos por estes três pais

de formas iguais. O insucesso provável conduzirá os técnicos a desmobilizarem-se, e a

acreditarem que, com certos pais, não é possível fazer nada....

A reflexão sobre a minha experiência com pais de crianças hospitalizadas

confirma a necessidade de criar um espaço de análise e discussão das significações

parentais sobre a educação, a doença e o tratamento, a partir da qual é então possível

encaminhá-los para um processo de descoberta de estratégias mais eficazes, mas que

sejam fundamentadas naquilo que eles acreditam ser as melhores formas de ajudar os

filhos. A imposição epistemologicamente autoritária de estratégias educativas está,

geralmente, destinada ao fracasso.

Numa primeira iniciativa para compreender melhor o que pensam os pais de crianças

hospitalizadas sobre as atitudes mais adequadas para o acompanhamento do filho,

realizei um pequeno estudo com 70 pais de crianças hospitalizadas em dois hospitais

da zona de Lisboa (Barros,1996c). O questionário apresentava três situações

problemáticas vulgares durante o internamento (tomar um remédio, fazer um exame

ou tratamento doloroso, e separar-se da criança à noite). Pedia-se aos pais que

indicassem a sua adesão ou rejeição a um conjunto de 7 atitudes-tipo, incluindo as

identificadas na literatura como mais adequadas (distracção, explicação,

104
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

reforço/incentivo social e reforço material), e as observadas como menos desejáveis

ou adequadas (enganar, ameaçar castigo, coersão física).

--------------------------introduzir quadro 2 aproximadamente aqui------------------

A análise dos resultados (ver quadro 2) permitiu concluir que a maioria dos pais

considera mais desejáveis as estratégias de explicação, e de reforço/incentivo social. E

que a estratégia de distracção é desejável nos casos de tomar um remédio e fazer um

tratamento doloroso, mas não na de separar-se da criança à noite, em que se pode

confundir com a de enganar. E que essa mesma maioria mostra clara rejeição pelas

estratégias de enganar, ameaçar e coersão física.

Estes resultados parecem indicar que a maioria dos pais tem uma ideia bastante

clara de algumas estratégias que podem ser utilizadas eficazmente. No entanto,

verificou-se igualmente que a estratégia de reforço material era pouco aceite. Tendo em

conta que esta estratégias é provavelmente das mais eficazes (juntamente com a

distracção) com crianças em idade pré-escolar, e que continua a ser muito eficaz com

grande parte das crianças mais velhas, verifica-se que o leque de estratégias a que os

pais recorrem é pouco variado. Por outro lado, não se pode ignorar que um número

razoável de pais afirma preferir e utilizar mais frequentemente estratégias aversivas e/ou

contraproducentes como enganar, ameaçar e coersão física.

Finalmente, um dos resultados mais curiosos, é que a idade da criança é,

raramente, e contra todas as expectativas, um elemento importante na escolha da

estratégia.

Podemos portanto concluir que a maioria dos pais tem ideias bastante claras

sobre como ajudar os filhos hospitalizados, mas que muitas vezes essas ideias são pouco

105
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

adaptáveis à idade e necessidades da criança, e como tal, susceptíveis de serem pouco

eficazes. O facto dos pais valorizarem de forma muito clara a necessidade de informar e

explicar, em conjunto com o facto de serem pouco sensíveis às diferentes capacidades

da criança para poder compreender essa explicação, pode ser utilizado como elemento

de motivação para intervenções didácticas especialmente dirigidas para os ajudar a

compreender a forma como as crianças de diferentes idades compreendem e vivem a

hospitalização e os tratamentos, e os ajudar a descobrir estratégias educacionais mais

adaptadas e portanto provavelmente mais eficazes.

Finalmente, penso que é possível especular que o uso relativamente frequente de

estratégias aversivas e de engano ocorre, não porque os pais as considerem adequadas

ou desejáveis, mas pelo facto de terem pouco conhecimento de estratégias alternativas

eficazes, pelo que provavelmente o seu uso estará muitas vezes associado a uma certa

frustração e sentimento de culpabilidade ("Se lhe digo a verdade ele começa a chorar e

espernear; se o engano, às vezes até resulta, mas depois sinto-me mal porque acho que

falhei").

A informação necessariamente limitada que recolhemos neste questionário, e

que continuamos a aprofundar em processos de entrevista semi-estruturada, é no entanto

suficientemente positiva, em minha opinião, para confirmar a necessidade de continuar

a desenvolver metodologias de intervenção parental mais sofisticadas e adequadas ao

reconhecimento do papel dos pais como construtores activos de significações

educacionais, e como participantes activos nas equipas de saúde infantil.

4.4.8.Condições ambientais do local de internamento

Embora não seja possível alongarmo-nos aqui sobre a importância das condições

ambientais, o psicólogo de pediatria não pode esquecer que um serviço de pediatria

adequado começa na organização e estruturação do espaço. Assim, cabe-lhe colaborar

106
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

com os outros profissionais no sentido de criar as condições para que a criança e a

família possam experimentar comodidade, algum grau de controlo sobre as rotinas e

actividades, diversidade de actividades adequadas às diferentes idades e ao grau de

imobilidade requerido, diferenciação clara entre os períodos de descanso e de

actividade, e entre as situações de tratamento e as de jogo. Não se trata, evidentemente,

de defender utopicamente um conjunto de luxos impossíveis de obter, mas sim de usar

alguma criatividade e o conhecimento do desenvolvimento infantil para definir

modificações possíveis, tais como a existência de sinalização clara e acessível, de

espaços diferenciados para o jogo, o descanso e os tratamentos, implementação de

regras que permitam à família manter algum controlo sobre as rotinas e actividades, e

sobre a organização do seu espaço, que sem serem muito dispendiosas, permitem uma

mudança significativa da experiência da criança.

Um serviço de pediatria não pode ser só uma unidade de cuidados curativos

centrada nas necessidades do pessoal técnico, tem que haver um compromisso que

permita simultaneamente a criação de uma unidade centrada nas necessidades da

criança e da família, nomeadamente de controlo, privacidade, exercício e jogo.

4.4.9. Atitudes do pessoal hospitalar

Como vimos, a presença de um familiar durante a hospitalização é uma das

medidas mais importantes para reduzir a ansiedade da criança, mas é necessário que

esse adulto possa beneficiar de um ambiente geral adequado, e de contacto com

profissionais que o apoiem e orientem. As atitudes dos vários profissionais envolvidos

nos cuidados à criança vão ser cruciais para que essa experiência decorra o melhor

possível.

Eu diria que o primeiro critério para essa atitude profissional seria a adopção da

crença de que a presença dos pais é um objectivo verdadeiramente importante para o

107
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

bem estar e tratamento da criança, e, consequentemente, que todos deveriam considerar

como responsabilidade sua não só a criança como a família, ou pelo menos a criança, e

o familiar que a acompanha. O reconhecimento dos pais como elemento activo e

responsável da equipa de saúde pediátrica implica mudanças de atitudes muito

importantes, e é um objectivo difícil de conseguir (Darbyshire, 1993).

No entanto, e enquanto se aguarda a tal revolução de mentalidades tão desejada,

há algumas atitudes do pessoal hospitalar, nomeadamente do médico responsável e da

equipe de enfermagem, que podem fazer uma diferença bastante real nesta experiência

da família, mas também na avaliação que eles próprios fazem do seu trabalho.

Assim, é necessário que sejam criadas as condições para que a criança e a

família mantenham algum controlo sobre as suas experiências quotidianas, facilitando a

autonomia nos cuidados pessoais.

Outra mudança essencial é o assegurar-se que pais e criança recebem instruções

claras e específicas sobre o que podem e devem fazer, em que momentos, locais,

condições, etc., assim como o que podem esperar de cada profissional.

Em relação à interacção mais directa com a criança, o profissional precisa de

aprender a comunicar adequadamente e numa linguagem apropriada ao nível de

desenvolvimento da criança. A preparação para os tratamentos e procedimentos deve ser

feita como parte integrante das rotinas hospitalares.

É importante que, durante a hospitalização, e especialmente para as crianças que

estão isoladas, acamadas, e imobilizadas, o pessoal hospitalar ajude a família a criar

experiências positivas e reforçantes.

Finalmente, este pessoal tem de ter uma boa preparação em estratégias de

comunicação empática e assertiva que lhe permitam compreender e responder

adequadamente a pais que estão em situações de grande tensão, ansiedade, dúvida e

108
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

medo. Os técnicos têm de perder o medo de comunicar de forma aberta e assertiva com

os pais, que reconheça claramente o direito destes a serem informados e a participar

activamente nas tomadas de decisão e nos cuidados a prestar à criança.

5. ACOMPANHAMENTO PÓS-HOSPITALIZAÇÃO

A preparação da alta deve ser um momento essencial na intervenção de todos os

técnicos envolvidos no tratamento da criança, nomeadamente nos casos de

internamentos prolongados. Ao psicólogo cabe, sobretudo, preparar os pais para as

eventuais mudanças atitudinais da criança, e discutir com eles as estratégias

educacionais mais adequadas. O regresso à escola pode ser especialmente difícil,

sobretudo em casos de doenças graves e prolongadas (cirurgia cardíaca, doença do foro

canceroso, traumatismo craniano, diagnóstico de doença crónica, etc.) pelo que pode ser

necessário contactar o professor, para o esclarecer sobre a doença da criança, as suas

eventuais necessidades especiais, e para aconselhar as atitudes mais adequadas (Sexson

e Madan-Swain,1993). Como vimos, muitos dos problemas psicológicos e educacionais

decorrentes da hospitalização ocorrem depois da alta. Parece-me que seria desejável

que, no momento das consultas médicas de seguimento, os pais pudessem contactar o

psicólogo que conheceu a criança durante o internamento, para discutir as suas dúvidas

e preocupações, e analisar as estratégicas de resolução de problemas mais adequadas.

6. CONCLUSÕES

Este capítulo pretendeu sistematizar os principais conhecimentos actuais sobre

as consequências psicológicas da hospitalização infantil, e apresentar algumas sugestões

das estratégias a implementar para que esta experiência possa ser cada vez menos uma

causa de problemas comportamentais, emocionais e de desenvolvimento.

109
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Resumindo, podemos dizer que a aproximação actual a esta problemática se

orienta para uma política que preconiza:

1. Evitar a hospitalização sempre que possível.

2. Reduzir o período de internamento ao mínimo necessário.

3. Organizar o espaço e serviço de pediatria em função das necessidades globais

da criança e da família.

4. Integrar os pais como participantes informados e activos da equipa de saúde.

5. Preparar pais e criança para a hospitalização.

6. Incentivar a presença de um familiar e a sua participação activa nos cuidados

à criança.

7. Acompanhar psicológica e educacionalmente a criança e a família, sempre

que possível antes, durante e após o período de internamento.

Como vimos, o trabalho de um psicólogo de pediatria é essencial pelo seu

conhecimento específico sobre o desenvolvimento infantil, sobre o relacionamento

familiar em situações de stress e de crise, e sobre metodologias breves e eficazes de

controlo da ansiedade e da dor, e de prevenção de perturbações de comportamento.

No entanto, é importante esclarecer que esta intervenção com a criança é, em

grande parte, indirecta, na medida em que o psicólogo for capaz de (e lhe forem dadas

condições para) integrar verdadeiramente a equipa de saúde, colaborar na definição das

normas e regras de atendimento enquanto advogado da criança e da família, desenvolver

acções de formação psicológica junto dos restantes elementos, e de apoio emocional nos

serviços mais "pesados" e difíceis. Só uma parte pequena do seu trabalho consistirá em

intervenções directas com os pais, e menos ainda com as crianças.

110
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Tomar remédio Fazer exame/Tratamento Separação à noite


Explicação 1.93 1.93 1.84
Distracção 1.61 1.25 .08
Ref./Incentivo soc. 1.59 1.20 1.42
Reforço Material .12 .55 .21
Enganar .12 .22 -.56
Ameaçar -1.31 -.48 -1.10
Coersão -1.36 -1.15 -1.36

Quadro 2. Médias de adesão/rejeição a cada uma das estratégias educativas em três situações-tipo

(adesão máxima=de +2; rejeição máxima= –2)

111
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Capítulo 5 - A DOR PEDIÁTRICA: CONCEPTUALIZAÇÃO, AVALIAÇÃO E

INTERVENÇÃO

1. INTRODUÇÃO

A dor aguda ou crónica faz parte das experiências mais passageiras ou

permanentes de praticamente todas as crianças. A dor associada às pequenas feridas

e contusões é uma realidade de todos os dias na vida das famílias e dos jardins de

infância, enquanto as conhecidas dores e ansiedades associadas aos tratamentos

dentários são a causa de muitas atitudes de evitamento ou de adiamento. No outro

extremo, a dor associada a queimaduras profundas e/ou ao seu tratamento, ou a

outros procedimentos invasivos, como a aspiração de medula, pode atingir graus e

importância extremos. Infelizmente, também a dor associada a algumas doenças

crónicas e terminais, e/ou ao seu tratamento, é parte integrante da vida de um grupo

significativo de crianças e famílias.

A dor é um sinal importantíssimo de lesão, como se pode concluir dos raros

casos de crianças nascidas com um defeito neurológico que as torna incapazes de sentir

dor, e que conduz a situações muito graves de lesões não detectadas, auto-mutilação e

mesmo morte (Melzack,1973). No entanto, não existe uma relação directa e automática

entre lesão e dor, pelo que pode haver lesões bastante severas sem dor, e dores

prolongadas e repetidas na ausência de qualquer patologia orgânica identificável

(Beales,1982).

2. MODELOS EXPLICATIVOS DA DOR PEDIÁTRICA

112
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Quando falamos de dor pediátrica, imaginamos facilmente a imagem da criança

encolhida, ou berrando desalmadamente, à vista de uma seringa que se aproxima.

Durante gerações, fomos incitados a comer bem, ou a mantermos outras regras de

higiene e comportamento, sob ameaça de terríficas injecções. E mesmo hoje, em que a

maior parte dos medicamentos se administram por via oral, e os médicos já não gostam

de vestir o fato de papão, o medo da seringa é certamente um dos mais prevalecentes

nas crianças (Jay,1988). Trata-se, evidentemente, e na maior parte dos casos, de uma

dor menor e breve, mas que nos permite ilustrar algumas ideias importantes para a

compreensão desta problemática.

Muitos dos leitores mais velhos decerto se recordam de terem estudado algures

nos tempos de liceu o conceito de transmissão directa e automática de sinais de dor.

Um impulso doloroso que partia dos receptores específicos, e se dirigia ao centro de dor

no cérebro ao longo de percursos igualmente específicos, explicava as sensações

dolorosas dos diferentes indivíduos (Von Frey, 1895).

Se este modelo fosse adequado, todas as crianças teriam o mesmo tipo de

reacção automática, imediatamente depois de sentir a picada da seringa. E, no entanto,

sabemos bem que não é isto o que se passa. As reacções das crianças variam

imensamente. Algumas choram e esperneiam desde que saem de casa porque sabem que

se dirigem ao Centro de Saúde para fazer uma vacina, enquanto outras se mantêm

caladas, quase imóveis, e põem toda a sua energia a endurecer o braço condenado a ser

picado, e outras ainda enfrentam com boa disposição e valentia o grande desafio,

embora desviando habilmente os olhos, ou então, mais temerariamente, olhando a

direito a agulha e fazendo perguntas sem fim.

Embora seja frequente encontrarmos toda esta variabilidade de atitudes, é

possível procurarmos algumas regularidades nestes comportamentos das crianças, e

113
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

naquilo que as rodeia, de modo a compreender melhor o que provavelmente se está a

passar.

Assim, uma das pistas mais óbvias a destacar é a idade da criança. O bebé

chorará brevemente, mas intensamente, quando se sentir picado, para logo se acalmar

nos braços da mãe. A criança de dois ou três anos manifestará de forma mais ou menos

expansiva o seu medo, e só uns minutos depois se dará conta de que o tão terrível já

passou, sem que ela realmente se tenha apercebido de quando começou. A criança em

idade escolar será capaz de controlar melhor o seu comportamento e postura, mas não as

lágrimas que lhe caem pela cara abaixo. E o adolescente mostrará toda a sua calma e

indiferença, embora tenha passado a véspera a procurar argumentos susceptíveis de

convencer os pais de que realmente aquele não era um dia adequado para ser vacinado.

O estudante do comportamento infantil sabe que a idade é um elemento

importante, mas não suficiente, e dirige a sua atenção para os pais que acompanham a

criança (ou que ficaram lá fora na sala de espera!). E poderá verificar que o facto de

alguns pais falarem naturalmente com a criança, dando-lhe instruções para olhar para a

janela, ou sentando-a confortavelmente no seu colo enquanto descrevem o maravilhoso

gelado que vão comer a seguir, enquanto outros não conseguem conter a sua tensão e

ansiedade, segurando com força a criança, repetindo indicações sem sentido para que se

porte bem e não chore, tem, obviamente um efeito bastante claro na atitude das

diferentes crianças.

Finalmente, a observação desta cena não ficaria completa sem atendermos à

atitude (e pensamentos) do enfermeiro ou médico que administra a injecção. Será que

pertence ao grupo dos que acreditam que a dor da injecção é uma sensação inevitável e

que quanto mais depressa se acabar com aquilo, melhor para todos? Ou dos que pensam

que as crianças não deveriam ter de suportar a dor e se deveria administrar

114
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

rotineiramente um anestésico local? Ou ainda dos que acreditam que a sua atitude e

palavras têm um papel essencial na forma como pais e criança vão viver aquele

momento, e que é importante que o vivam o melhor possível?

Se acreditássemos que a observação dos antecedentes e consequentes directos e

imediatos (externos e internos) de um comportamento são suficientes para o explicar,

poderíamos ficar por aqui. No entanto, sabemos que a atitude desta criança no momento

em que é vacinada, é também determinada por outros acontecimentos e processos mais

distantes e menos facilmente observáveis. Assim, sabemos que é necessário conhecer a

experiência passada desta criança com situações dolorosas directas ou observadas nos

outros, mas, sobretudo, o processo de desenvolvimento dos conceito de dor, medo e seu

confronto, processo esse que foi ocorrendo ao longo da sua curta vida, muito

determinado por essa experiência passada, pelas atitudes e exemplo dos pais, mas

também por toda uma cultura familiar e social sobre o que é o sofrimento e como pode

ser controlado ou evitado.

Em termos fisiológicos, sabemos hoje que os sinais nocioceptivos provocados

por lesão de tecidos são modulados em sucessivos níveis sinápticos ao longo do seu

caminho para o cérebro, e que as actividades cerebrais elas próprias exercem um

considerável controlo sobre a selecção e abstracção de inputs cerebrais nos níveis mais

baixos do sistema nervoso (Melzack e Casey,1968). Actualmente, a sofisticada

tecnologia de avaliação permite-nos compreender que existem largas variações na

responsividade individual à dor desde a nascença, mas que estas respostas se

transformam rapidamente devido a diferentes influências do meio (Field,1992; Lewis,

Worobey e Thomas,1989).

115
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Em termos psicológicos, reconhecemos a importância das crenças e atitudes na

modulação das experiências de dor. Segundo Varni (1995), a compreensão do fenómeno

de dor infantil só pode ser verdadeiramente compreendido se atendermos a:

1. Antecedentes da dor, que têm um papel causal no início do episódio

doloroso, ou na exacerbação da intensidade da dor.

2. Concomitantes da dor, que ocorrem só durante o episódio doloroso tais

como a depressão ou ansiedade.

3. As consequências da dor, que persistem após o alívio da dor e incluem a

insuficiência ou disfuncionalidade psicológica, social e física.

4. Mediadores da percepção e do comportamento de dor, a saber:

predisposições biológicas, (tais como elementos genéticos, idade, sexo), características

individuais (tais como o temperamento e o desenvolvimento cognitivo), ambiente

familiar (funcionamento, modelos de dor, estilo educacional), avaliação cognitiva

(significações sobre dor) estratégias de confronto e a percepção do suporte social.

5. Estratégias de confronto: referem-se ao processo no qual a criança se

envolve e que inclui estratégias cognitivas e/ou comportamentais para enfrentar e lidar

com o episódio doloroso. Estas estratégias podem ser mais ou menos eficazes ou

adaptativas, em função das suas consequências no alívio da dor, na adaptação emocional

e no estatuto funcional.

É, pois, a partir da análise de um modelo de dor extensivo e compreensivo como

este, que se pode sistematizar as intervenções psicológicas e educacionais em diferentes

tipos de situações dolorosas.

3. PERSPECTIVA DESENVOLVIMENTISTA DO ESTUDO DA DOR

3.1. RECONHECIMENTO E VALORIZAÇÃO DA DOR NA CRIANÇA

116
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Ao contrário da dor do adulto, que foi mais cedo reconhecida e valorizada na

prática da medicina, a dor pediátrica foi durante muito tempo ignorada ou

menosprezada, e infelizmente ainda hoje tende a ser frequentemente ignorada ou

desvalorizada pelos técnicos de saúde. Até há poucos anos era vulgar ouvir-se (ou

mesmo ler-se em obras de medicina) que a criança sentia menos dor que o adulto, ou

que só tardiamente os estímulos dolorosos podiam ser completamente percebidos pelas

crianças. E as práticas médicas e de enfermagem regiam-se, evidentemente, por estas

crenças. Só muito recentemente se estabeleceu claramente que «o sistema neurológico,

relacionado com a transmissão da dor está, na altura do nascimento, completo, intacto e

perfeitamente funcional» (Anand e Carr,1989, p.806). Como tal, é também bastante

recente a generalização do uso de procedimentos de anestesia e analgesia, por exemplo

nas circuncisões do recém-nascido, ou nos procedimentos mais invasivos praticados nas

unidades de neonatologia. No entanto, existe ainda uma crença bastante generalizada de

que as crianças e adolescentes sofrem menos dor que os adultos com lesões

semelhantes, tendo sido evidenciado que, para o mesmo tipo de dor, são prescritos

menos medicamentos às crianças do que aos adultos, e que, mesmo os medicamentos

prescritos pelos médicos são administrados em doses menores ou menos

frequentemente pelos enfermeiros.

O estudo e compreensão da dor pediátrica contribuiu de forma decisiva para a

compreensão da importância das emoções na percepção e modulação da dor. Na

criança, a dor aguda, geralmente consequência de acidentes, queimaduras ou

procedimentos médicos, está muito fortemente associada ao medo e à ansiedade, e em

menor grau, à depressão.

Do ponto de vista orgânico, a dor intensa pode causar elevação da frequência

cardíaca e da pressão arterial, e a libertação de adrenalina" (Yaster e Deshpande,1988).

117
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

O componente afectivo mais frequentemente associado à dor da criança é, pois, a

ansiedade (Katz, Kellerman e Siegel,1980) de tal modo que as crianças tendem a viver

as experiências de forma global, tendo dificuldade em distinguir entre o estar

"assustado" e o estar "magoado". Medo e ansiedade aumentam os sentimentos de

sofrimento físico e reduzem a tolerância à dor. Também a dor crónica pode ser

potencializada pela ansiedade, assim como pela experiência de episódios anteriores de

dor em que não houve um confronto eficaz. Podemos portanto dizer que a ansiedade

potencializa a dor, e a dor promove a ansiedade, num ciclo progressivamente mais

difícil de quebrar.

. Por esta relação ser tão importante, e por estes dois componentes serem difíceis

de distinguir, alguns autores (e.g., Katz, Kellerman e Siegel,1980) preferem referir-se a

sofrimento ou perturbação comportamental (behavioral distress) para denominar as

manifestações associadas a tratamentos ou lesões, e que envolvem os três componentes

referidos.

A depressão, mais geralmente associada à dor do adulto, surge nas crianças

sobretudo em situações de dor muito intensa e muito prolongada e/ou repetida, em que o

alívio da dor é difícil e pouco sistemático, ou em que a dor impede o envolvimento em

actividades agradáveis e positivas.

A constatação das diferenças entre as experiências de dor no adulto e a dor na

criança também conduziu, a partir de meados dos anos 80, ao interesse crescente pela

leitura desenvolvimentista na análise desta problemática. Médicos e psicólogos

concordam que a dor é um fenómeno que deve ser compreendido no contexto do

desenvolvimento humano; e na medida em que esse desenvolvimento é bastante mais

acelerado e perceptível durante a infância, o estudo da dor na criança permite aprender

muito sobre esta experiência de sofrimento. Reconheceu-se, por exemplo, que a

118
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

maturação das estruturas orgânicas e dos mecanismos inibitórios determina em parte as

alterações na percepção da dor (Zeltzer, Barr, McGrath e Schechter,1992), enquanto que

as alterações nos conceitos de dor e do seu confronto, intimamente associados ao

desenvolvimento cognitivo e socio-cognitivo, vão ter influência na forma como a

criança atende às sensações dolorosas, as percepciona e interpreta, e como as confronta

(Varni,1995).

3.2. A EVOLUÇÃO DAS MANIFESTAÇÕES COMPORTAMENTAIS

Como já referi, só recentemente se reconheceu que a dor está presente desde o

momento do nascimento, mesmo no caso de bebés nascidos prematuramente e ainda

muito imaturos. Trata-se de uma resposta reflexa complexa, dependendo da idade e do

estado comportamental (alerta/activo, calmo, adormecido). Em termos bio-

evolucionários, a sensibilidade neonatal à dor, e um meio altamente sofisticado de

comunicar essa dor, são essenciais e fundamentais para a sobrevivência da espécie. As

reacções comportamentais traduzidas numa "constelação de mudanças faciais, aperto

dos olhos, contracção das sobrancelhas, ruga naso-labial, língua esticada e boca aberta,

juntamente com o choro" (Grunau e Craig,1987, p.407) são uma resposta reflexa

complexa a estímulos dolorosos, claramente identificável pelo cuidador.

Embora existam, evidentemente, diferenças nas manifestações individuais por

razões temperamentais e de aprendizagem, as maiores diferenças relacionam-se com a

idade. Como é evidente, a dificuldade em reconhecer e valorizar a dor infantil esteve,

em parte, relacionada com a dificuldade em avaliar os fenómenos dolorosos na infância,

e com a diversidade das suas manifestações. Para ultrapassar esta dificuldade,

realizaram-se vários estudos para definir quais os comportamentos primariamente

associados com a dor no bebé e na criança, de modo a definir critérios consistentes para

a avaliação comportamental da dor em crianças com idades e experiências diferentes.

119
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

No geral, estes estudos mostraram que no bebé, as reacções à dor aguda são os

movimentos corporais, expressões faciais específicas, e padrões de choro

característicos. O bebé começa por chorar vigorosamente e com toda a energia das suas

cordas vocais, especialmente em casos de dor aguda e breve, mas a continuação da dor

pode levá-lo a ficar prostrado, apático. Por outro lado, o choro pode ter outros

significados para além do desconforto ou sofrimento físico (Illingworth,1967), o que

não pode ser ignorado no momento da avaliação.

Nas crianças mais pequenas as reacções à dor aguda incluem movimentos

corporais mais especificamente localizados na região dolorosa, acompanhados de

verbalizações de dor e desconforto Entre o primeiro e o terceiro ano,

aproximadamente, a criança tende a reagir violentamente, podendo mostrar-se birrenta,

hiperactiva, inquieta. Algumas crianças podem ter atitudes menos facilmente

identificáveis, limitando-se a reduzir a actividade espontânea, evitar as situações de

jogo, ou apresentar alterações de sono e alimentação. Pode ser muito difícil distinguir

entre a criança que faz birras para chamar a atenção, e porque está habituada a que os

adultos cedam a esse tipo de atitude, da criança que entra em pânico e se sente

completamente ultrapassada por uma situação que não compreende e não controla.

À partida, pode dizer-se que uma criança que continua a mover-se, brincar e

alimentar-se não sofre de grande dor, enquanto que numa criança que se recusa a mover

ou a ser tocada, que evita participar nas actividades quotidianas, é muito provável que

exista dor, mesmo que esta não seja capaz de a reportar (Illingworth,1967).

A partir dos quatro, cinco anos a criança começa a ser capaz de descriminar

sensações diferentes e de verbalizar e representar a dor e o medo. Passa então a ser

possível utilizar um conjunto de instrumentos para medir a dor, e para as ajudar a

discriminar grau e duração de diferentes tipos de dor. A reacção à dor é já um

120
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

comportamento complexo e multifacetado que depende em larga medida do conceito de

dor e das significações atribuídas aos episódios de dor, da experiência anterior da

criança, e das suas estratégias de confronto.

3.3. A TRANSFORMAÇÃO DO CONCEITO DE DOR

O termo "dor" é um conceito abstracto, que pode ter pouco significado para as

crianças mais imaturas. Nos primeiros estudos sobre dor, em que se utilizavam as

mesmas medidas de avaliação nas crianças e nos adultos, as crianças mais pequenas

reportavam níveis muito reduzidos. Actualmente reconhece-se que é absolutamente

essencial considerar o nível de desenvolvimento cognitivo da criança quando se

pretende avaliar níveis de dor (Varni e Bernstein,1991). A vivência da dor é fortemente

determinada por processos cognitivos que condicionam a compreensão e formação de

significações sobre a experiência da dor e do seu confronto.. Na medida em que estes

influenciam a prioridade dada aos sinais de dor, podem exercer um impacto substancial

na frequência, duração, e severidade da dor que a criança sente.

Alguns autores consideram que a criança mais pequena e imatura, pelas

próprias características dos processos cognitivos e o significado que atribuem às

situações, sofrem muito mais que as crianças com níveis de desenvolvimento cognitivo

mais avançados. Por exemplo, Jay e Elliot (1983) consideraram que as crianças com

menos de 7 anos que têm de ser submetidas a aspiração da medula têm níveis de

perturbação 5 a 10 vezes superiores às crianças com mais de 7 anos na mesma situação.

Embora não exista acordo total sobre a teoria de que as crianças tendem a atribuir o

sofrimento a punição por algo de errado, existe um conjunto de evidência que mostra

que a criança deturpa a experiência dolorosa, criando expectativas de perigo e

sofrimento muito aumentado, podendo, por exemplo, acreditar que a enfermeira que faz

a análise de sangue lhe vai tirar "todo o sangue que tem no corpo", e que vai acabar por

121
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

morrer. As observações de crianças com leucemia ou outro tipo de doenças cancerosas

evidencia que o significado atribuído ao procedimento doloroso tem enorme influência

no grau de tolerância ao mesmo (Varni e Bernstein,1991).

Por outro lado, esta imaturidade cognitiva pode, em algumas circunstâncias,

contribuir para uma menor valorização da dor. Beales (1982) constatou que as

crianças com artrite reumatóide juvenil entre os 6 e 11 anos, embora não relatando

dor, tinham as mesmas sensações de "queimar", picada" ou "sensibilidade" que as de

12 a 17 anos. No entanto atribuíam-lhe um significado muito diferente, e portanto

não as consideravam dor. Tendiam a ver estas sensações isoladamente, e não as

associar à sua doença crónica, ou, mesmo quando o faziam, a não lhe dar um

significado de gravidade e incapacidade. Nas mais velhas, estas mesmas sensações

recordavam-lhes a doença e o significado negativo que a mesma tinha para elas e

para os seus projectos de futuro, pelo que relatavam que estas sensações despertavam

ansiedade e depressão. Enquanto o significado isolado atribuído pelos mais novos

implicava que estes as vivessem com alguma calma, esperando que passassem, nos

mais velhos desencadeava uma reacção emocional intensa que agravava a percepção

de dor (Beales,1982).

Como vimos, a dor é uma sensação proprioceptiva que a criança interpreta e

compreende como os outros fenómenos de doença. O desenvolvimento cognitivo vai

determinar em grande medida a forma como a criança vai ser capaz de perceber,

interpretar e reagir às situações dolorosas. À semelhança de outros estudos realizados

numa perspectiva piagetiana para compreender o desenvolvimento dos conceitos de

doença, saúde, e tratamento, também Gaffney e Dunne (1987) realizaram um conjunto

de estudos para compreender a evolução do conceito de causalidade dor. E os seus

122
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

resultados são bastantes coerentes com os dos outros trabalhos já referidos no capítulo

2.

Assim, verifica-se que as crianças mais pequenas manifestam uma compreensão

da dor caracteristicamente pré-operatória, e dão explicações finalistas e baseadas numa

concepção de justiça imanente. Têm tendência para associar a dor a transgressões,

nomeadamente do foro alimentar (“comer demasiados chocolates faz dor de barriga”),

ou associada a actividades lúdicas quotidianas (“brincar ao sol faz dores de cabeça”)e,

no geral, invocam causas únicas e perceptivelmente próximas (no espaço e no tempo).

As crianças que evidenciam o acesso ao estádio das operações concretas já são

capazes de compreender a existência de causas mais objectivas e desvalorizam a

importância da transgressão como origem da dor (comer muitos chocolates pode fazer

dores de barriga, mas porque provoca alterações no funcionamento dos intestinos),

enquanto que os jovens que alcançam o estádio formal aceitam a causalidade

psicológica, enquanto relativizam a causalidade directa e única (“quando estou nervoso

sinto dor de barriga, mas outros podem sentir enxaqueca”).

4. AVALIAÇÃO DA DOR EM CRIANÇAS:

A subvalorização e subtratamento da dor infantil, esteve, evidentemente,

relacionada com a dificuldade em avaliar com alguma objectividade a dor na criança. Já

explicitámos como a variabilidade das manifestações individuais depende da criança, da

sua idade e nível de desenvolvimento, das experiências passadas, do ambiente em que

foi educada, e de muitos outros aspectos difíceis de sistematizar. Por estas razões, o

problema da avaliação da dor pediátrica tem sido bastante estudado, e dispomos hoje de

um conjunto de medidas fisiológicas bastante sofisticado, como por exemplo a mudança

do nível de cortisol no plasma, que permitem estudos sensíveis e sofisticados sobre os

123
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

diferentes tipos de reacções à dor. Como é evidente estas medidas fisiológicas são

pouco adequadas para a prática clínica. No entanto, podemos recorrer igualmente a um

número relativamente diversificado de instrumentos de avaliação psicológica, todos eles

com a sua utilidade, embora não tenha sido possível definir um único instrumento

adequado a todas as situações e objectivos.

Assim, descreverei em seguida os principais tipos de instrumentos que têm sido

utilizados para avaliar a dor infantil, enfatizando o seu campo de aplicação e as suas

vantagens. Interessa sobretudo distinguir os que têm maior interesse para a investigação,

daqueles mais adequados para usar em intervenção clínica.

4. 1. O RELATÓRIO VERBAL:

A primeira avaliação da dor deve basear-se na observação do comportamento da

criança e no seu relatório verbal, devidamente aprofundado. No entanto, deve procurar-

se sempre uma contra-prova destas observações e auto-avaliações.

Não é só a criança mais pequena que, por imaturidade cognitiva, dará uma

relato pouco fiel do nível de dor que sente. A criança mais velha ou o adolescente que

relata elevadíssimos níveis de sofrimento, mas que não evita as actividades quotidianas,

ou que tem um agravamento atempado das dores nos momentos de obter ganhos

secundários ou evitar situações ansiogéneo, pode estar a enviesar a sua avaliação. Tanto

como o que nega o sofrimento por medo de parecer "mariquinhas" ou de não lhe ser

permitido participar nas actividades grupais.

Muitas vezes pode não existir uma intenção deliberada de mentir ou enganar,

mas somente uma dificuldade em descriminar a dor, de outro tipo de necessidades de

atenção, protecção, envolvimento com os pares e distracção.

124
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Por vezes os ganhos secundários associados a episódios de dor genuína podem

estar na origem de processos pouco conscientes de condicionamento e de emergência de

dores funcionais ou de somatização.

Um elemento que pode fornecer informação adicional muito importante é uma

entrevista com os pais para saber como é que a criança se comporta e se expressa

habitualmente em situações de dor.

De qualquer modo, parece-me correcto considerar que uma criança ou

adolescente que se queixa de dores é alguém que precisa sempre de ajuda. Outro tipo de

avaliação mais aprofundada pode ajudar-nos a compreender qual o tipo de ajuda mais

adequado para cada caso.

4. 2. AVALIAÇÃO COMPORTAMENTAL:

A observação do comportamento da criança é sempre um dos mais preciosos

indicadores de dor, e deve ser sempre considerada. Não só nos bebés e crianças mais

pequenas que não conseguem descrever com acuidade as suas experiências dolorosas

(McGrath,1987). Mas também nas crianças mais velhas, porque o seu vocabulário para

descrever a dor é muito idiossincrático, variando conforme as experiências e cultura de

cada criança, e diferenciando-se bastante do vocabulário adulto. Assim, os sinais

comportamentais têm sido considerados como índices mais objectivos de dor do que os

seus relatos verbais. Existe um conjunto de instrumentos de registo da observação que

permitem sistematizar e objectivar essa observação.

A. Escalas de observação: são provavelmente as técnicas mais seguras para

avaliar a dor e ansiedade, ou perturbação comportamental, na criança. Envolvem a

presença de uma pessoa que observa a criança numa situação e período de tempo pré-

determinado, e regista simplesmente a presença ou ausência de comportamentos-tipo

indicadores de dor e ansiedade.

125
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

B. Nas Escalas de Valores (rating scales) o observador dispõe igualmente de

uma listagem de comportamentos-tipo, mas não se limita a registar a sua presença e

determina a intensidade de cada uma das reacções numa escala de Likert 1-a-5 ou 1-a-7

pontos. São instrumentos que permitem uma avaliação mais fina, mas em contrapartida

exigem observadores mais treinados.

Foram desenvolvidas várias escalas deste tipo especialmente para avaliar a dor e

ansiedade da criança em situações de procedimentos médicos (e.g., Procedure Behavior

Rating Scale de Katz, Kellerman e Siegel,1980; Observation Scale of Behavioral

Distress de Jay e Elliot,1984). Utilizam um conjunto de categorias comportamentais

operacionalmente definidas e que são registadas em intervalos contínuos de 15

segundos, durante diferentes períodos do procedimento doloroso; cada categoria

comportamental pode ser registada unicamente por presença/ausência, mas também por

grau de severidade. As categorias comportamentais envolvem uma diversidade de

comportamentos habitualmente indicadores de perturbação (choro, grito, procura de

apoio emocional, queixas verbais, rigidez muscular).

Existem igualmente escalas observacionais especialmente elaboradas para a

avaliação da dor no recém-nascido, prematuro ou de termo, em situações de dor

prolongada associada a patologia ou a tratamentos dolorosos repetidos (e.g.,EDIN,

Debillon et al.,1994). São completadas com base na observação de um conjunto de

comportamentos e atitudes do bebé ao longo de várias horas.

Os enfermeiros têm-se mostrado observadores de confiança na utilização destas

escalas de registo de observação. Embora sendo medidas algo grosseiras e subjectivas,

são muito fáceis de utilizar pelo que têm grandes vantagens clínicas.

No entanto existem alguns problemas com estas medidas observacionais.

Mesmo quando se usam de forma cuidadosamente controlada, e com vários períodos de

126
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

observação, fica por responder uma questão básica. Será que o comportamento

relacionado com a dor é um bom índice de dor na criança? É certo que estas escalas se

baseiam nos estudos bastante exaustivos sobre os comportamentos mais característicos

de reacção à dor em crianças de várias idades, antes descritos. Estas respostas

comportamentais, que como vimos são influenciadas pelo desenvolvimento e

aprendizagem, reflectem a totalidade da experiência individual de dor. Assim, talvez

não faça sentido querer discriminar entre dor e comportamento de dor.

Uma das conclusões que se poderá, eventualmente, retirar desta questão, é que é

difícil comparar níveis de dor entre diferentes crianças, porque os seus comportamentos

de dor não são necessariamente equivalentes. No entanto, de um ponto de vista clínico,

é bastante mais útil comparar níveis de dor em diferentes situações na mesma criança,

do que fazer comparações entre crianças diferentes. Para esta função, as escalas de

observação são bastante adequadas.

4.3. QUESTIONÁRIOS DE DOR:

Para suprir algumas das insuficiências dos relatos verbais e das medidas

observacionais, criaram-se questionários de dor que visam obter um conjunto de

informação mais alargado sobre o comportamento da criança, e sobre a sua percepção

das situações dolorosas.

A. Destes, o mais conhecido e mais sistematicamente estudado é sem dúvida o

Questionário de Dor Pediátrica (Pediatric Pain Questionnaire PPQ de Varni, Thompson

e Hanson, 1987). Trata-se de um instrumento para avaliar a dor pediátrica crónica e

recorrente na sua complexidade global. Apresenta-se em três formas: para crianças e

para adolescentes, conforme a idade, e para os pais, para permitir uma validação

cruzada.

127
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

As formas para crianças e para adolescentes incluem um análogo visual, que

consiste numa linha horizontal de 10 centímetros sem nenhuma indicação numérica ou

descritiva, mas que contem estímulos discriminativos apropriados para a idade (e.g.,

caras alegres, neutras e tristes). A criança deve indicar nesta linha o ponto em que situa

a dor actual, e aquele em que situa a pior dor sentida na semana anterior. No análogo

visual para os pais os limites são assinalados com "nenhuma dor" e "dor severa", e estes

devem indicar uma estimativa da dor sentida pelo filho.

Utiliza-se também uma escala de valores com código de cores, em que se pede à

criança que pinte num desenho de um corpo as zonas dolorosas com as cores indicativas

do nível de cor.

Finalmente, associa-se igualmente uma lista de palavras caracterizadoras de dor

para que a criança escolha as que melhor definem a sua dor, o que permite diferenciar as

qualidades sensoriais, afectivas e avaliativas da experiência de dor infantil.

Para além deste instrumento bastante completo e que tem sido muito utilizado

em investigação, mas também em situações clínicas de dor crónica prolongada, existem

questionários parciais que têm sido utilizados maioritariamente.com objectivos de

investigação.

B. Escala qualitativa de Beales (Beales,1982): Com base em entrevistas de

crianças entre os 6 e os 17 anos, este autor elaborou uma escala de avaliação qualitativa

das sensações, com referência a 11 itens (a dor parece como de corte, de pancada, de

queimadura, de beliscão, de esmagamento, de choque eléctrico, de aperto, de entalar).

C. O análogo visual (Scott, Ansell e Huskisson, 1977), já descrito, também pode

ser utilizado isoladamente. A sua utilização depende muito do tipo de dor que a criança

é capaz de imaginar, pelo que é especialmente adequada para comparar momentos

128
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

diferentes de dor na mesma criança, sendo bastante menos adequada para comparar

níveis de dor em crianças diferentes.

Outro tipo de análogos visuais bastante utilizados com crianças e que permitem

uma avaliação da experiência global da criança de forma rápida e bastante fina são as

escalas de tipo termómetro de dor ou escala de faces de Wong-Baker (Wong,1991) e

escalas de copos. Nestas, um desenho simples ilustra uma gradação que se organiza em

5, 6 ou 10 pontos e que vais desde “nenhuma dor”, passa por “dói um pouco” e vai até

“dói imenso”, ou “dói tanto quanto possas imaginar”. Estes pontos são simbolizados por

níveis de mercúrio num termómetro (para os mais velhos), ou por copos desde o vazio

até ao completamente cheio, ou por caras desde o muito feliz e sem sofrimento, até ao

muito infeliz ou muito sofrimento ( a partir dos 3 anos).

D. Escala de cores: uma escala com um espectro de oito cores em que se pede à

criança que associe as cores a diferentes níveis de intensidade da dor (vermelho vivo

representa a dor mais intensa; castanho a moderada, amarelo a ligeira e sem dor o verde.

Esta escala revelou-se adequada para crianças entre os 5 e os 10 anos (Lollar, Smits e

Patterson,1993).

No geral considera-se que uma avaliação com análogo visual mais avaliação

qualitativa e observação do comportamento da criança dão uma indicação bastante

fidedigna e adequada ao tratamento da criança com dor crónica ou de causa não

orgânica.

4.4. AVALIAÇÃO DA INTERAÇÃO PARENTAL

A interacção que se estabelece entre os pais (ou acompanhantes) e a criança

durante os procedimentos dolorosos tem sido considerada como um elemento essencial

para a compreensão da atitude da criança e para a sua modificação. Assim Bush e

129
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

colegas desenvolveram a Escala de Interacção Diádica Pré-stressor (Bush, Melamed,

Sheras e Greenbaum,1988). Esta escala não visa propriamente medir a dor, mas sim a

interacção adulto-criança nos momentos que antecedem o procedimento É

particularmente adequada para investigar o efeito das atitudes parentais na perturbação

da criança durante os procedimentos aversivos e dolorosos, assim como para intervir

ajudando os pais a reconhecerem as suas atitudes e encontrar as atitudes mais adequadas

para minimizar o sofrimento da criança.

Trata-se, igualmente, de uma grelha de observação comportamental, mas que

regista o comportamento do adulto e da criança em sequência, permitindo assim avaliar

a interacção. Os estudos já realizados com este instrumento permitem identificar

comportamentos adaptativos ( atitudes exploratórias) e inadaptativos (choro, agitação

motora) da criança, assim como atitudes adequadas (fornecer informação) e

inadequadas (agitação, restrição física) do adulto.

5. TIPOS DE DOR

Embora as experiências de dor sejam iminentemente idiossincráticas e variáveis,

a definição de diferentes tipos ou experiências de dor tem orientado a sistematização das

metodologias de intervenção. Assim, a classificação mais utilizada discrimina a dor

aguda da dor crónica, e da dor funcional.

5.1. A DOR AGUDA E ASSOCIADA A PROCEDIMENTOS MÉDICOS

A dor aguda, de longe a mais frequente, pode ainda dividir-se na dor causada por

lesões e acidentes, ou associada a situações pós-operatórias, e a que está associada a

procedimentos médicos de diagnóstico ou tratamento.

130
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Neste último caso, trata-se geralmente de procedimentos invasivos, técnicas de

diagnóstico ou de tratamento envolvendo o uso de instrumentos e que exigem a

penetração de tecidos ou a invasão de um orifício corporal (Anderson e Masur,1983).

Podemos abordar todo um conjunto de procedimentos que fazem parte da vida das

crianças como a administração de injecções, supositórios e os tratamentos dentários, até

aos muito dolorosos procedimentos de aspiração de medula, ou tratamento de

queimaduras, passando pelos que causam dor mediana como as endoscopias. Também

se integram neste grupo as fisioterapias que implicam a mobilização de articulações ou

músculos.

Auerbach e Kilmann (1977) consideram que os procedimentos invasivos são

vividos como crises, implicando que as intervenções apropriadas às crises psicológicas

são mais apropriadas, em comparação com as formas mais tradicionais de terapia a

longo termo. Parece evidente que este tipo de situações exige intervenções breves,

adaptáveis a vários contextos, e eficazes a curto prazo.

A maioria dos procedimentos envolvem dor e desconforto, que estão associadas

a ansiedade e perturbação, e muitas vezes conduzem a reacções agudas de ansiedade

condicionada. Este tipo de reacções é importante mesmo na criança saudável, pelo

impacto que tem no seu desenvolvimento, nomeadamente nas atitudes de confronto das

situações de stress mais rotineiras. E alcançam um impacto muito mais angustiante nos

casos de doenças crónicas e terminais, em que a criança não tem só de suportar

numerosos procedimentos muito dolorosos e repetidos como parte do tratamento

médico, como rapidamente aprende que os tratamentos estão associados ao

agravamento da doença.

Na infância, a dor é mais frequentemente consequência de procedimentos do que

propriamente da doença, na medida em que a maior parte das doenças não provoca

131
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

muitas dores. Assim, não é tanto a doença, mas as injecções, análises ou colocação de

sonda intra-venosa que fazem sofrer muitas crianças hospitalizadas. As injecções podem

ser quase insensíveis ou prolongadas e dolorosas, mas no geral existe um grande medo,

que muitas vezes não tem como base uma experiência directa, mas antes uma fobia

adquirida vicariantemente, na medida em que é bastante generalizada, mesmo entre os

pais e os educadores. Muitas crianças parecem ter mais medo da injecções pré-

operatórias que da operação em si mesma (Fernald e Corry,1981). Segundo Jay (1988),

as injecções podem ser um óptimo indicador de como a criança reage a situações

aversivas de tratamento. São, sobretudo, pela sua generalidade, uma das situações mais

adequadas para treinar competências de confronto e aumentar as significações de auto-

eficácia da criança face a tratamentos médicos.

5.2. A DOR CRÓNICA

Embora menos frequente e generalizada, o controlo da dor associada a condições

crónicas, que se prolonga e repete ao longo do tempo, adquire enorme importância para

o bem estar da criança, e para seu desenvolvimento global. As dores crónicas mais

comuns na infância estão associadas a doenças inflamatórias musculo-esqueléticas

(artrite reumatóide juvenil e fibromialgia juvenil) ou às lesões internas características da

hemofília.

A dor crónica raramente é de causa única, e tem localização por vezes pouco

específica ou difícil de delimitar, sendo definida como o estado em que o indivíduo

experimenta uma dor que é persistente ou intermitente e com uma duração superior a

seis meses. Frequentemente a dor crónica é referida pelas suas consequências restritivas,

em termos das actividades que a criança não pode realizar. Se as estratégias de controlo

da dor crónica não são particularmente diferentes das da dor aguda, elas só serão

132
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

verdadeiramente eficazes se integradas no contexto de uma abordagem global da doença

crónica.

5.3. A DOR FUNCIONAL, PSICOGÉNICA OU DE CAUSA DESCONHECIDA

Finalmente, a dor funcional ou psicogénica na infância tem sido descrita na

literatura como bastante frequente, difícil de tratar e com tendência para se manter ao

longo do desenvolvimento (Apley,1975). A ansiedade, quer dos pais, quer da própria

criança, está muito associada às dores dos membros (dores de crescimento), mas

também das dores de cabeça, e dores abdominais repetidas (RAP). Estes três tipos de

dores relativamente frequentes nas crianças, e sem causa orgânica identificável, ocorrem

muitas vezes em combinação na mesma criança, (facto já reconhecido em 1933 por

Wyllie e Schlesinger, que o designou por "síndroma periódico") (em Beales,1982).

Durante muito tempo considerou-se que a dor sem causa orgânica identificável

deveria corresponder a uma causalidade psicológica ou emocional (Zeltzer, Barr,

McGrath e Schechter,1992). Barr e Feuerstein (1983) consideram que, embora

seja provável que o stress persistente ou outros factores emocionais possam estar

associados a esse tipo de dor, eles não são suficientes para explicar este fenómeno.

Segundo estes autores é necessário abandonar a preocupação dualista de classsificar as

dores em orgânicas ou psicológicas, na medida em que nenhumas dessas classes de

factores são suficientes para explicar este tipo de experiências, mas antes aceitar que

existe um conjunto de fenómenos dolorosos cuja etiologia se explica melhor pela

interacção de certos fenómenos orgânicos (distensão abdominal, caimbras, tensão

muscular) com processos psicológicos (atenção selectiva, preocupação, ansiedade) .

Propõe, então, a expressão dor funcional para designar os fenómenos dolorosos que

correspondem a um conjunto de características específicas:

133
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

A) Experiências dolorosas que ocorrem na ausência de patologia orgânica ou

psicológica identificada.

B) São o produto da interacção de sistemas orgânicos e psicológicos

funcionando normalmente

C) As experiências de dor podem envolver consequências negativas em termos

de ansiedade pessoal, preocupação parental, e restrições das actividades,

independentemente dos mecanismos associados à sua produção.

Alguns estudos relacionam a ocorrência da dor funcional com uma preocupação

exagerada com a saúde, e com a ocorrência de perturbações de somatização nos pais ou

na família alargada. Por vezes a dor pode ser semelhante à do familiar, mas

frequentemente ocorre numa localização diferente. A família surge assim "com

tendência para as dores", e não com um sintoma específico e comum (Oster,1972). As

crianças comeste tipo de dores tendem a mostrar-se "preocupadas" (Stone e

Barbero,1970), receando que as dores representem algo de sinistro e incontrolável.

Alguns autores consideram mesmo que uma percentagem relativamente importante de

crianças com dores funcionais pode vir a apresentar perturbações de somatização na

adolescência ou idade adulta (Coryell e Norten,1981;Routh e Ernst,1993).

Frequentemente a dor funcional pode ter inicio num episódio de dor muscular ou

contusão sem gravidade, ou de gazes no estômago e intestinos, mas que é mal

interpretada e sobrevalorizada pelos pais e/ pela criança. Esta, atribuindo-lhe demasiada

importância, tende a centrar-se nas sensações internas, dando-lhe uma prioridade

absoluta. Assim, mesmo quando a dor original desaparece, os estímulos mais inócuos

são detectados e intensificados. Quanto mais a dor se prolonga, mais é natural que pais e

criança se preocupem e atribuam um significado de gravidade. Nesta fase, a

134
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

desvalorização deste sintoma pelo médico pode simplesmente aumentar os sentimentos

de ansiedade e desespero ou falta de esperança .

Por outro lado, algumas crianças com dores não orgânicas podem interpretar a dor

sobretudo como uma situação de vantagem e não como um sinal de patologia

indesejável. As dores podem surgir em momentos muito convenientes para evitar

certas actividades ou esforços. Também nestes casos se pode verificar a mesma

prioridade que é dada às sensações internas. A criança pode aprender a concentrar-se

neste tipo de sensações pelas vantagens que advêm da experiência de dor. As

situações de fobia escolar com queixas dolorosas são um bom exemplo disso mesmo.

A criança começa por sentir dores abdominais derivadas de espasmos musculares ou

incómodos gastrointestinais, causados pela ansiedade e perturbação relacionada com

a escola, e depois, entusiasticamente, concentra-se nessas dores, e procura outras

sensações similares (Apley,1975), porque estas foram associadas ao evitamento da

escola. Existe alguma evidência clínica de que processos de modelagem ou de

aprendizagem de comportamentos de doença possam estar envolvidos na sua

etiologia (Osborne, Hatcher e Richtsmeier, 1989).

Tanto pela sofrimento e disfunção que causa na criança e na família, como pela

eventualidade de estar associada a perturbações de somatização mais tarde, e embora

se saiba que na maioria dos casos este tipo de dores desaparecem espontaneamente

com o crescimento. é particularmente importante que os clínicos gerais, pediatras e

psicólogos saibam reconhecer a dor funcional e oferecer um acompanhamento

adequado.

5.4. OS TRATAMENTOS DENTÁRIOS

135
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Existe uma situação associada à dor e à ansiedade que, quer pela sua frequência

e generalização, quer pelas suas consequências, merece um relevo especial neste

trabalho. Refiro-me aos tratamentos dentários.

Os tratamentos dentários adquirem uma importância central na psicologia

pediátrica porque, por um lado, são uma necessidade periódica que acompanha todo o

desenvolvimento da criança, e de todas as crianças, e, por outro, porque o seu

evitamento conduz, quase obrigatoriamente, à necessidade posterior de tratamentos

mais dolorosos e complexos, enquanto que a adesão a programas periódicos e

preventivos permite, quase sempre, evitar o sofrimento causado pela doença ou pelo

tratamento. Podemos, portanto, afirmar que o ensino de estratégias de controlo de

ansiedade e dor neste contexto é o tipo de intervenção preventiva que tem

consequências positivas bastante concretas e abrangentes, permitindo uma estimulação

de atitudes positivas de controlo , que podem ser depois generalizadas a outros

contextos, e contribuir para uma atitude global positiva em relação aos cuidados de

saúde quer preventivos, quer remediativos.

Actualmente, os progressos técnicos e farmacológicos reduzem o tempo e

desconforto e permitem aliviar a dor e o sofrimento. No entanto, a maioria dos que são

hoje pais e educadores não beneficiaram ainda de programas preventivos generalizados

e acessíveis, e continuam a manter crenças fortes baseadas em experiências do passado,

culturalmente ainda muito enraizadas, do dentista-barbeiro, dos ferros de dentista que

pareciam verdadeiros instrumentos de tortura, e das histórias cem vezes repetidas de

sofrimentos atrozes. Ainda é frequente que a sala de espera do dentista seja um local

onde se relatam tragédias e se disfarçam comportamentos de evitamento, contribuindo,

assim, para transmitir essas crenças aos mais novos. No nosso país, o facto dos

tratamento dentários estarem quase ausentes dos cuidados primários de saúde, dando

136
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

ainda uma razão económica aos pais que já teriam tendência para evitar ou adiar a visita

ao dentista, não contribui em nada para a adopção de uma atitude generalizada mais

positiva em relação a este tipo de tratamentos.

A criança que vai ao dentista já com ansiedade e expectativa de sofrimento tem

tendência a percepcionar qualquer intrusão de instrumentos na cavidade bocal como

muito aversiva, tendo, portanto, dificuldade em se manter sossegada. A não colaboração

da criança conduz, frequentemente, à necessidade de se exagerar nas anestesias e

analgesias (Hentschel, Allander, e Winholt, 1977), e à perda de uma boa oportunidade

para aprender competências de autocontrole, ou para uma verdadeira dessensibilização

ao vivo. A criança ansiosa é mais difícil e demorada de tratar, e não sendo capaz de se

aprender a controlar numa situação moderadamente ansiogénea, reforça a ideia que faz

de si mesma como incapaz de lidar com este tipo de situações, o que aliás corresponde a

modelos socialmente aceites. Esta criança adia ou esconde as queixas, sendo tratada

tardiamente, e tem grande probabilidade de vir mais tarde a ser um adulto que evita e

adia os tratamentos necessários.

Ao contrário, um programa bem elaborado de cuidados preventivos periódicos

permite à criança aprender que é capaz de enfrentar situações de tratamento

desconhecidas, ganhar familiaridade com técnicos, instrumentos, cheiros e sabores

estranhos, aumentar a sua auto-eficácia, e ser elogiada por comportamentos de

cooperação. Este tipo se intervenção poderá, mesmo, ter efeitos benéficos noutro tipo de

tratamentos a que tenha de se submeter posteriormente.

As estratégias específicas mais eficazes para lidar com estas situações são todas

as de distracção mais adiante referidas a propósito de procedimentos invasivos. Mas

elas só serão eficazes se integradas num contexto de educação global em que a criança

137
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

aprende que o médico-dentista é um amigo, e que ir tratar os dentes é uma experiência

interessante e uma ocasião de mostrar as suas competências de autocontrole.

6.ABORDAGEM E CONTROLO DA DOR PEDIÁTRICA

6.1. IMPORTÂNCIA DE CONTROLAR A DOR DA CRIANÇA

Como já referi, a dor pediátrica foi durante muito tempo subtratada, basicamente

pela associação de duas ideias que hoje em dia foram ultrapassadas. Por um lado,

acreditava-se que a imaturidade fisiológica e os mecanismos neurais estavam

insuficientemente desenvolvidos devido à falta de mielinização e à imaturidade das

conexões sinápticas, o que fazia da criança um ser menos sensível à dor. E, por outro,

considerava-se que o risco de depressão respiratória devido à administração de

analgésicos opióides era demasiado elevado, sobretudo nos bebés e nas crianças mais

pequenas (Zeltzer, Barr, McGrath e Schechter,1992) e, de uma forma geral, que os

medicamentos analgésicos eram mais prejudiciais do que benéficos para a criança .

Actualmente, não só se reconhece que a criança sente a dor desde o nascimento,

como se valorizam as consequências graves da dor para o desenvolvimento e a saúde da

criança. Assim, a imaturidade dos mecanismos inibitórios só faz do bebé um ser mais

vulnerável à experiência de dor. Nas unidades de cuidados intensivos existe actualmente

uma preocupação com as reacções do bebé prematuro e doente à dor causada pelos

múltiplos procedimentos invasivos a que estes estão sujeitos, e que pode ter

consequências clínicas graves (Field,1992).

Nos casos de crianças com doença crónica ou sujeitas a hospitalizações e

tratamentos prolongados, se não há um controlo apropriado da dor e da ansiedade, pode

desenvolver-se um estado de alerta crónico elevado. As consequências biológicas deste

persistente estado de hiper-alerta não são totalmente conhecidas, mas já se observaram

138
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

situações de hipoglicémia e complicações cardiovasculares em recém-nascidos (Zeltzer,

Barr, McGrath e Schechter,1992). Também existe evidência de que pode haver uma

diminuição da imuno-competência (Liebeskind,1991), nos casos em que não há um

efectivo suporte farmacológico e psicológico (Field e Sostek,1983). As consequências

da dor prolongada e não tratada na criança mais velha não foram tão estudadas, mas não

é difícil acreditar nos seus efeitos perversos em termos de desenvolvimento global e

equilíbrio emocional.

Constata-se, pois, que os riscos do tratamento medicamentoso têm de ser

avaliados em equação com os do não tratamento. Felizmente, na última década, os

avanços farmacológicos no domínio da anestesia e da analgesia têm sido muito

importantes, acompanhando as mudanças de conhecimentos e atitudes sobre a dor

infantil e as suas consequências, e permitindo um tratamento mais seguro e adaptado a

todas as idades.

6.2. RECONHECIMENTO E MODIFICAÇÃO DE SIGNIFICAÇÕES SOBRE

DOR PEDIÁTRICA

A ideia da dor como um fenómeno intrinsecamente subjectivo é talvez uma das

significações mais dificilmente aceites por profissionais de saúde com uma formação

essencialmente positivista, habituados a valorizar as realidades objectivamente

quantificáveis. Apesar da grande evolução nas ideias e paradigmas que orientam a

investigação e teorização médica actual, continua a haver uma predominância clara das

crenças associadas ao modelo biomédico.

Como é evidente, não se trata aqui de fazer a apologia da anestesia e analgesia

bioquímica a todo o custo, mas tão só de chamar a atenção para o facto de que o

desconhecimento, e um conjunto de significações muito difundidas mas que já

perderam a sua validade científica, continua a afectar o tratamento das crianças que

139
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

sofrem de dor. Caberá aos especialistas médicos responsabilizarem-se pela limitação da

administração de medicamentos por muitas outras razões que continuam a ser válidas. É

precisamente para esses casos, em que, pela sua repetição, cronicidade ou por quaisquer

outras razões, a anestesia ou analgesia são contra-indicadas ou têm de ser utilizadas com

restrições, que o recurso a estratégias psicológicas de controlo da dor mais directamente

se dirige.

Paralelamente, reconhecendo-se a dor como um fenómeno intrinsecamente

subjectivo e influenciado por múltiplos processos psicológicos, cognitivos, afectivos e

comportamentais, terá de aceitar-se que o controlo da dor não pode ser uma tarefa

meramente atribuída aos médicos, ou realizada com recurso a medicamentos e outros

tratamentos bioquímicos.

Com efeito, sabe-se actualmente que existe uma variedade de atitudes

educacionais e de estratégias de intervenção psicológica que podem ter um efeito

poderoso no controlo de todos os tipos de dor. Isoladamente ou em conjugação com

outros métodos orgânicos e bio-químicos, as estratégias psicológicas têm um efeito

poderoso, tanto nos casos em que a dor pode ser considerada funcional, como naqueles

em que a dor deriva de lesão orgânica associada a doença aguda ou crónica, acidente ou

procedimentos diagnósticos e terapêuticos (Beales,1982).

Assim, parece-nos que o primeiro nível de intervenção para a abordagem da dor

pediátrica deve ser aquele que se situa na educação de todos os profissionais de saúde e

pais, de modo a reconhecer-se a importância de valorizar e controlar a dor infantil, tanto

pelas suas consequências a curto prazo enquanto sofrimento em grande parte

controlável ou evitável, como pelas graves consequências a médio e longo prazo na

saúde física e psicológica. E na divulgação da ideia de que vale a pena despender algum

140
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

tempo e energia a ensinar as crianças a enfrentarem as situações de dor e ansiedade com

um conjunto de estratégias, apesar de tudo fáceis, acessíveis e eficazes .

Vejamos, então, algumas das ideias sobre a dor pediátrica e o seu tratamento,

claramente integradas num modelo de saúde organicista e positivista, e a sua discussão à

luz do modelo holista.

6.3. ESTEREOTIPOS SOBRE A DOR PEDIÁTRICA

Um conjunto de estereótipos, mitos e ideias desactualizadas e sem fundamento

sobre a dor pediátrica continuam a ser bastante vulgarizados, tanto entre os profissionais

de saúde como entre os familiares das crianças (Ulrich,1991). É particularmente

importante que estas crenças sejam identificadas e discutidas, para que a criança que

sofre possa ser adequadamente tratada. Só a partir do momento em que se considerar a

centralidade do problema da dor pediátrica enquanto fenómeno biopsicosocial, é

possível implementar práticas eficazes para controlar a dor na criança. Os psicólogos a

quem é dada a oportunidade de trabalhar em serviços de saúde têm um papel

especialmente importante na alteração destas crenças.

1.Crianças pequenas não sentem dor devido à imaturidade do sistema nervoso. É

necessário haver uma “memória de dor” para que a criança sinta a dor. As crianças

toleram melhor a dor que os adultos.

Este tipo de crença já foi suficientemente referido, mas embora seja a asserção

que maior contradição experimental recebeu, continua a estar subjacente a atitudes e

práticas de saúde um pouco por toda a parte. Como vimos, está hoje claramente

comprovado que se fundamentam num claro erro derivado de desconhecimento e

enviesamento de avaliação. Ao contrário, toda a evidência é no sentido de considerar

que a tolerância à dor aumenta com a idade (Zeltzer, Barr, McGrath e Schechter,1992).

141
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

2.Existe um nível de dor apropriado para cada tipo de procedimento ou lesão,

pelo que, se a criança se queixa menos do que o esperado deve ser elogiada e

considerada corajosa, enquanto que a criança que se queixa mais deve ser considerada

"exagerada" e tratada como tal.

Sabemos que a relação entre lesão e dor é extremamente subjectiva, pelo que o

normal é esperar diferentes níveis de dor e diferentes tipos de comportamentos de dor

em diferentes crianças. Existem muitas razões para as crianças, mesmo de idades

próximas, sentirem níveis de dor diferentes, e expressarem-nos também de forma

diferente. As crianças atribuem significados diferentes à dor, e utilizam estratégias de

distracção e autocontrole também diferenciadas, determinadas pela suas experiências,

modelos, e percepção do contexto em que a dor ocorre.

3. Existe um limiar de dor específico para cada criança, de forma que as crianças

muito sensíveis à dor vão manifestar sempre muita dor, enquanto as crianças mais

resistentes vão manifestar sempre pouca dor, mesmo em situações diferentes.

Na verdade, sendo a manifestação da dor fortemente influenciada pelo

significado que lhe é atribuído, a criança pode não se queixar de dor na presença de

patologia interna grave, mas manifestar muito sofrimento por uma picada de injecção.

Ou pode lidar muito eficazmente com a dor de um procedimento, à volta do qual se

desenrolou toda uma expectativa e atenção, mas tolerar mal a dor de barriga que os pais

ignoram ou não valorizam. Assim, será mais provável esperar variabilidade do que

constância nas reacções individuais.

4. As crianças que sofrem de doença crónica que provoca dor continuada ou

intermitente, ou que exige procedimentos invasivos repetidos, vão experienciando

142
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

níveis progressivamente mais baixos de dor ao longo do tempo. A criança vai-se

“habituando” à dor e aos tratamentos.

Não só não existe nenhuma evidência neste sentido, como, ao contrário, se sabe

que a dor repetida e sobre a qual a criança não é capaz de sentir controlo pode estar

associada a níveis aumentados de ansiedade e depressão, que só podem contribuir para o

acentuar da experiência dolorosa. O próprio significado da dor vai mudando, e se a

criança se vai apercebendo de que a dor é uma condição com a qual vai ter que viver

sempre, ou que está associada ao agravamento e falta de esperança, mais natural será

que o sofrimento associado à dor se agrave. A evolução positiva no confronto com as

situações dolorosas não implica qualquer habituação mais ou menos automática, mas

sim um processo activo de aprendizagem de controlo, que só ocorre se forem criadas as

condições necessárias.

5. Quando não há acordo entre os relatos de dor feitos pela criança e pelos

pais, os adultos é que têm razão.

Com efeito existem muitas razões para que o relato dos pais não seja correcto,

desde o simples erro de percepção, o enviesamento devido às suas crenças sobre a

doença, sobre a dor, e sobre a criança, até à deliberada intenção de enganar o médico.

Os pais podem, por exemplo, considerar que o médico só dará a devida atenção e

tratamento ao seu filho, se este apresentar níveis elevados de dor e sofrimento. Noutros

casos os pais podem sentir as queixas "exageradas" do filho como um sinal de insucesso

nas suas atitudes educativas, e como tal reportar níveis inferiores de dor. Os pais podem

ainda confundir sentimentos de mal-estar geral, e depressão, ou problemas de rebeldia e

outras dificuldades comportamentais, com sinais de dor. E existe, ainda, a situação rara

143
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

e patológica de "malingering by proxy", que não pode ser completamente excluída ou

ignorada nas situações mais complicadas 3.

6. O tratamento farmacológico da dor pediátrica é excessivamente perigoso; a

criança corre o risco de ficar dependente da medicação; quanto menos medicação,

melhor

Actualmente existe uma vasta gama de medicação, desde os cremes

anestesiantes até aos mais modernos derivados de opióides que pode ser usada com

segurança e de forma adequada aos diferentes tipos de situação. À semelhança do que se

verificou com os adultos, não existe evidência de dependência de narcóticos em

crianças adequadamente medicadas e vigiadas com esse tipo de medicação para

situações de dor intensa e prolongada.

7. A utilização de estratégias psicológicas de controlo da dor é cara e

trabalhosa, pelo que deve ser considerada um luxo, ou só ser utilizada em situações

extremamente graves.

Esta é uma crença bastante generalizada e tacitamente aceite até por muitos

técnicos de saúde mental. No entanto, não só se comprovou que a utilização de

estratégias de controlo da dor e ansiedade em serviços de saúde pediátrica pode ser feita

sem grandes custos, como pode até ter benefícios materiais importantes, que se

traduzem em recuperações mais rápidas e menos problemas secundários. Por outro lado,

é fácil compreender que a sua utilização em serviços rotineiros e acessíveis a todas as

crianças, como as vacinas do plano geral de saúde, ou os tratamentos dentários, é a

forma mais eficaz e economicamente rentável de preparar as crianças que podem vir a

3
Malingering é uma categoria de psicodiagnóstico que se refere à condição em que o sujeito provoca
intencionalmente sintomas fisicos ou psicológicos falsos ou grandemente exagerados, motivado por incentivos
externos. Os casos de malingering by proxy têm sido descritos em situações em que os pais provocam sintomas de
doença no filho, com o fim de obter incentivos externos, tais como, atenção do médico, hospitalização da criança,
dispensa do emprego, compensações monetárias, etc.

144
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

ser os futuros doentes de amanhã, em situações que, pela sua urgência, não permitem

uma preparação prévia atempada. A criança que enfrenta de forma positiva o tratamento

da boca e aprendeu a usar estratégias de distracção durante as injecções, será certamente

um doente mais fácil de tratar quando sofrer um acidente, uma cirugia não-electiva, ou o

diagnóstico de uma doença crónica.

7. ESTRATÉGIAS DE CONTROLO DA DOR PEDIÁTRICA

Existe um conjunto de atitudes que podem (e a meu ver, deveriam) ser

desempenhadas por todos os profissionais que cuidam da criança, pelos pais e

educadores, e que contribuem de forma decisiva para diminuir o sofrimento da criança.

Estas passam pelo tomar de consciência de como as suas atitudes habituais podem

melhorar ou agravar a dor, o medo e a ansiedade da criança. E por aquilo a que Joyce-

Moniz (1990) chama a sistematização de gestos naturais ou de bom senso,

frequentemente utilizados de forma pouco adequada ou sistematizada, e que podem ser

maximizados.

Paralelamente, existe um conjunto de técnicas mais sofisticadas que podem ser

aplicadas directamente pelo psicólogo, ou em alguns casos ensinadas por este a

médicos, enfermeiros, pais e educadores, para lidar com as situações de maior dor e

sofrimento, devidos a tratamentos, lesões e doenças crónicas ou terminais.

7.1. ATITUDES DE PROFISSIONAIS E PAIS: A SISTEMATIZAÇÃO DO BOM

SENSO

Na realidade, a intervenção psicológica pode ser conceptualizada como um

conjunto de regras ou orientações que visam, por um lado, evitar os erros habitualmente

praticados por pais, educadores, técnicos e as próprias crianças, na medida em que

145
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

conduzem a mecanismos de confronto inadaptados e ineficazes, e por outro lado,

sistematizar e maximizar as estratégias eficazes usadas por crianças e os seus

cuidadores.

a) Necessidade de criar um ambiente geral adequado ao nível de

desenvolvimento da criança

A criação de um espaço acolhedor, bem estruturado, e que convide ao

envolvimento em actividades de jogo, permite à criança e à família não concentrarem

todas as suas energias e atenção na situação dolorosa, e, ao contrário, envolverem-se em

actividades que podem proporcionar prazer e distracção.

Embora esta asserção possa parecer uma banalidade, ela está muito longe de ser

aplicada sistematicamente. Todos sabemos que alguns serviços de saúde pediátrica

continuam a estruturar-se de tal forma que só por si parecem ser suficientes para causar

sofrimento na criança mais saudável. Também em casa, é ainda frequente ver que a

criança ou adolescente com dor é aconselhado, ou obrigado, a ficar o mais imobilizado e

isolado possível, em vez de ser criado um ambiente mais propício à distracção e

actividade. Ideias de que o descanso cura tudo, ou de que a actividade só pode

prejudicar o tratamento e a cura, são crenças muito difundidas ainda hoje, e que

dificultam a adaptação da criança que sofre de dor aguda, repetida ou crónica.

b) Intervenção com os pais/educadores

A ansiedade parental pode ser facilmente comunicada à criança através das suas

atitudes concretas, causando uma maior centração nas sensações dolorosas. Assim, um

dos primeiros alvos na intervenção para controlo da dor infantil são os pais e

educadores. São estes que, frequentemente, impõem a imobilização e afastamento das

actividades habituais, ou apresentam um discurso preocupado e centrado na doença ou

146
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

lesão, que em nada ajuda a criança a distrair-se. Ou mesmo que contrariam o desejo

natural e espontâneo da criança para se mover e ocupar. Ou que, ao contrário, ignoram e

desvalorizam as sensações da criança, forçando-a a actuar “como se” não sentisse nada,

despoletando reacções de ansiedade intensa e descontrolada.

É, pois, necessário que estes tenham alguma compreensão do fenómeno de dor,

e da sua causalidade e determinação complexa e múltipla, e que possam discutir e

corrigir as ideias mais inadequadas sobre a dor e o seu controlo.

Em seguida é necessário que tomem consciência das suas atitudes, e do modo

como estas podem influenciar o filho. E, finalmente que conheçam atitudes alternativas

adequadas, para poderem escolher as mais apropriadas para si e para os seus filhos. Os

pais necessitam e merecem ser ajudados a compreender a importância do seu papel

como suporte emocional, mas também como estruturadores do meio, e criador de

experiências de distracção e controlo activo de dor.

Para além dos pais, é importante que os outros adultos envolvidos (técnicos de

saúde, professores, educadores) compreendam a necessidade de um balanceamento

entre o reconhecimento da experiência de dor como um fenómeno intrinsecamente

subjectivo, que deve ser valorizado como tal, e a importância de atitudes de distracção e

relativização dessa mesma experiência. Embora muitos técnicos já estejam

sensibilizados para a necessidade de atitudes especialmente direccionadas para o bem-

estar global da criança que tratam, a falta de formação específica leva, com alguma

frequência, a erros importantes. Um dos mais frequentes é a utilização do humor, o que

até poderia ser bastante adequado, mas com um discurso irónico, pouco adequado à

capacidade de compreensão e abstracção da criança, e que portanto esta tende a

interpretar erradamente de forma literal. A formação dos técnicos não se pode ficar

pelos grandes princípios teóricos e a esperança de que o “jeito natural” e a

147
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

espontaneidade tudo resolvam. Ao contrário, esta formação deve concretizar-se no

ensaio de atitudes concretas aplicadas a vários contextos e situações.

c) Utilização de estratégias de distracção

Acima, referi a necessidade de proporcionar um ambiente acolhedor e facilitador

de actividades de jogo e distracção. Na realidade, para a maior parte das situações

dolorosas moderadas, e para a maior parte das crianças e adolescentes, o grupo de

estratégias psicológicas de controlo mais eficaz é o que visa a distracção. Esta pode

revestir várias formas, conforme o seu alvo. Basicamente, trata-se da aplicação de bom-

senso, que envolve atitudes a tomar e outras a evitar. Na maior parte dos casos não é

necessário mais do que a intensificação e sistematização do gesto natural da mãe que,

vendo a criança triste, preocupada ou com dores, lhe pega ao colo e carinhosamente

chama a atenção para um boneco ou livro de imagens.

Todas as estratégias de distracção se baseiam no racional da competição de

estímulos, na extraordinária capacidade da criança para aderir e se deixar conduzir por

estímulos lúdicos, e da forma centrada no aqui e agora que a criança tem de viver as

suas experiências. A sua eficácia deriva de uma competição entre os estímulos

agradáveis ou distractivos e os inputs nociceptivos (Beales,1982). O que se pretende é,

basicamente, propor ou sugerir à criança e jovem uma situação suficientemente atraente

e envolvente para conseguir concentrar a sua atenção, de modo a que os estímulos

nóxicos fiquem em segundo plano e sejam esquecidos ou a sua percepção seja menos

intensa e central.

Na realidade os pais sabem que a distracção é uma estratégia adequada

(Barros,1996). Só que, frequentemente, utilizam-na de forma pouco sistematizada e

adequada à idade da criança e à situação, e como tal, estão condenados ao fracasso,

148
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

acabando por desistir ou desanimar. Esta utilização de estratégias de distracção simples

pode ser regulada por alguns princípios básicos, a saber:

1. Proporcionar segurança e conforto à criança - distrair não pode querer dizer

desvalorizar, ignorar ou menosprezar os sentimentos e percepções da criança. Na maior

parte dos casos, que não são em si mesmo muito dolorosos, é o medo baseado na

interpretação errada da situação ou do discurso dos adultos que aumenta a ansiedade e

perturbação da criança. Assim, esta necessita de que alguém em quem confia lhe

explique a situação de forma acessível e positiva, mas sem mentir, e, sobretudo, que lhe

assegure que vai estar acompanhada e vai ser ajudada a enfrentar a situação.

2. Permitir que a criança se movimente, e escolha livremente a actividade

desejada - como já foi referido, neste primeiro nível trata-se simplesmente de permitir

que a criança se envolva nas actividades que deseja de entre as disponíveis num

ambiente adequadamente estimulador, não impedindo que se movimente ou que procure

uma fonte de distracção espontânea.

3. Estar preparado para que a criança queira variar com frequência de

actividade - a criança pequena tem naturalmente tendência para ter um período de

atenção e concentração curto. O mal estar, a preocupação, levam, ainda com mais

incidência, a que a criança se sinta agitada e inquieta, pelo que é necessário ter um

conjunto de actividades alternativas para lhe propor.

4. Estar preparado para proporcionar actividades diferentes, novas, que atraem

pela surpresa - Algumas crianças podem preferir as actividades mais habituais, tais

como a história preferida que já ouviu centenas de vezes, mas muitas crianças precisam

de alguma novidade ou surpresa, para se motivarem a ultrapassar uma certa inércia, ou

mesmo comportamentos de oposição, frequentes quando a criança se sente mal e

inquieta.

149
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

5. Proporcionar actividades adequadas ao nível de desenvolvimento e aos

gostos da criança - Esta recomendação é especialmente dirigida às instituições de

saúde. Com muita frequência verifica-se que as salas e materiais de jogo são unicamente

dirigidas a crianças em idade pré-escolar, e mais adequadas a um jardim infantil do que

a uma sala de um hospital frequentada por um leque muito mais alargado de idades. É,

pois, necessário haver uma grande variedade de materiais, com especial atenção para as

crianças em idade escolar e adolescentes, e actividades menos escolarizadas, mais

diversificadas e no geral, mais divertidas. Algumas experiências ousadamente originais,

como as visitas de grupos de palhaços4 ou de animais às unidades de hospitalização de

longa duração têm apresentado resultados francamente encorajadores.

5. Estar preparado para adaptar as actividades às necessidades de imobilização

ou repouso da criança - Na grande maioria das situações, por mais incapacitante que

seja a doença ou lesões, e por mais que obrigue a imobilização, a criança poderá

envolver-se em actividades lúdicas, desde que haja alguma imaginação e engenhosidade

para adaptar o material (tabuleiros especiais para adaptar às camas, televisões colocadas

ao alto, mobílias ao tamanho, jogos suspensos, etc.). Se a criança tem de ficar acamada,

a cama pode ser deslocada para o pé das outras crianças, ou as outras crianças para

próximo da cama, para que se possam organizar actividades de grupo, histórias, jogos,

dramatizações, etc..

7. Não retirar a atenção logo que a criança se envolve na actividade -

frequentemente o adulto considera que as actividades lúdicas têm por objectivo entreter

e acalmar a criança, e aproveitam quando a criança começa a interessar-se por uma

actividade para se afastar. Esta necessidade de gerir o tempo próprio é bastante legítima,

mas deve-se ter algum cuidado porque a criança que se sente vulnerável, e a necessitar

4
De destacar a experiência organizada em Portugal pelos Rotários, em que grupos de palhaços especilamente
preparados visitam periodicamente serviços hospitalares de pediatria

150
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

de um apoio que lhe confira conforto e segurança, cedo compreende que mais vale não

se empenhar em nenhum jogo para não perder a atenção do adulto.

8. Envolver a criança na actividade antes de iniciar o procedimento doloroso,

ou antes da dor atingir um nível muito elevado - quando a criança tem que se submeter

a um procedimento invasivo, a utilização de actividades distractivas deve começar antes

do procedimento se iniciar, para que a sua atenção fique concentrada no estímulo

alternativo. Quando se trata de dores e mal-estar mais continuados, como, por exemplo,

num recobro pós-cirurgia, é necessário iniciar essas actividades antes da criança estar

muito indisposta e agitada, para ser possível encontrar alguma disponibilidade para esse

envolvimento.

7.2. ESTRATÉGIAS DIRIGIDAS PELO PSICÓLOGO OU OUTROS

TÉCNICOS:

As intervenções acima referidas devem ser o mais generalizadas possível, de

modo a ser utilizadas por pais, educadores e técnicos de saúde de forma preventiva para

evitar o sofrimento da criança doente ou em tratamento , ou para a educação global de

lidar com estímulos moderadamente dolorosos e ansiogéneos e para ajudar as crianças a

confrontar dores ocasionais ou moderadas.

Nos casos de procedimentos mais complexos e dolorosos ou assustadores, de

crianças que já passaram por experiências negativas e que se apresentam

particularmente sensibilizadas à dor, ou que estão integradas em famílias

particularmente incapazes de lidar adequadamente com o medo e dor da criança, e ainda

nas situações prolongadas, a intervenção do psicólogo é especialmente apropriada. Aí

ele deverá começar por fazer uma cuidadosa análise da situação para compreender quais

151
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

os medos e ansiedades mais importantes, e construir uma intervenção a partir das

capacidades que a criança demonstra para atribuir significado à situação e a confrontar

adequadamente. Para tal pode recorrer a uma ou mais estratégias, tentando adequá-la à

situação, à criança e ao seu meio próximo.

Existem vários tipos de estratégias a utilizar para o confronto da dor, geralmente

apresentadas segundo o modelo teórico que as orienta. No entanto, aqui, as técnicas

serão agrupadas consoante a sua função essencial, fazendo-se depois referência ao

racional em que se baseiam, e ao tipo de adaptação que deve ser feito para as várias

situações, respectivamente:

1. preparar

2. Sugerir e orientar a utilização de estratégias de distracção activa durante o

próprio procedimento, ou durante os episódios dolorosos.

3. Modificar o significado da dor

4. Valorizar /reforçar atitudes de cooperação e de confronto activo da dor e da

ansiedade.

7.2.1. ESTRATÉGIAS DE PREPARAÇÃO

Na maior parte das situações, e desde que a criança seja capaz de manter uma

interacção verbal, deve haver uma primeira fase de preparação e informação em que se

pretende oferecer, ou ajudar a construir, uma explicação acessível à criança, que lhe

permita ter uma orientação positiva e ganhar algum sentido de segurança. Nos casos de

crianças que já estão assustadas, ou mesmo angustiadas, e no geral em todos os casos

em que a criança já tem alguma experiência passada de procedimentos ou situações

dolorosas, esta explicação deve ser feita a partir de uma avaliação cuidadosa das

152
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

expectativas e construções da criança, para poder centrar-se nas suas ideias mais

perturbadoras e oferecer conceitos e expectativas mais positivos.

A preparação/informação é basicamente uma estratégia que visa permitir à

criança e aos pais manter alguma sensação de controlo sobre a situação ou estímulo

doloroso. Sabe-se que a criança pode viver as situações dolorosas e assustadoras como

uma vítima passiva que constantemente espera o pior possível, ou como um participante

activo que sabe o que lhe vai acontecer e tem um papel a desempenhar durante o

episódio de dor. Os estudos sobre as ideias das crianças doentes (Anderson,1985,

Edwards e Davis,1997) mostram que desde muito pequenas estas elaboram modelos

sofisticados sobre as causas e evolução dos seus sofrimentos, e que muitas vezes a sua

ansiedade deriva simplesmente de ideias deturpadas devido à forma idiossincrática

como interpretam e constróem as suas experiências pessoais.

1. O principal grupo de estratégias são as que se destinam a informar e preparar

a criança para procedimentos dolorosos ou assustadores. Trata-se de um conjunto de

procedimentos que visam informar a criança sobre os detalhes dos procedimentos que

vai ter que suportar, e as sensações que provavelmente vai experienciar.

Esta modalidade de informação já foi anteriormente referida a propósito da

hospitalização. Na realidade, e como foi referido, os programas de preparação para a

hospitalização visam de igual modo a informação e preparação para os procedimentos

invasivos que vão decorrer durante o tempo passado no hospital. Este tipo de acção é

considerado de grande utilidade sempre que é possível conhecer com antecedência que a

criança vai ter de realizar procedimentos invasivos, sejam eles realizados no hospital,

clínica, serviço de saúde ou consultório. O racional de base é o mesmo: a ansiedade

pode ser reduzida quando é possível antecipar o tipo de experiências que se vai viver.

No entanto, no caso de procedimentos especialmente prolongados, repetidos ou

153
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

aversivos, a preparação deve ser complementada com um componente muito forte de

modelagem e treino de estratégias de confronto (distracção, auto-instrução, ou

restruturação). Estas poderão ser variadas, dependendo das características do

procedimento e da própria criança.

Para que este tipo de preparação seja verdadeiramente eficaz, o técnico que a

realiza deve ter um cuidado especial com toda a sua atitude de comunicação. O seu

discurso deve ser antecipadamente ensaiado, para adquirir um bom controlo sobre a

linguagem a utilizar. É sabido que, sobretudo nas crianças mais novas, a linguagem

pode ter um poder de sugestão extremamente activo, pelo que a experiência anunciada

como “uma sensação de calor” ou “umas cócegas engraçadas”, ou mesmo “um

beliscão” ou “uma pressão” será completamente diferente da que é referida como "uma

picada" ou "um corte". A ideia de abrir, picar, cortar, tirar sangue, podem ser

entendidas literalmente no seu sentido mais5 aterrador e provocar um verdadeiro pânico.

Como todos sabemos, o pretender ocultar a verdade também é completamente

inútil e só serve para fazer com que a criança perca rapidamente o controlo sobre o seu

comportamento e a confiança no adulto e nos técnicos de saúde em geral. Assim, o

segredo está em encontrar formas adequadas à idade da criança que a preparem para

uma experiência um pouco (ou razoavelmente) desagradável, mas sobretudo que lhe

permitam transformar e reinterpretar as sensações que vai encontrar.

Parece-me que, mais do que definir receitas aplicáveis a todas as situações,

interessa aqui convidar os técnicos a fazerem algum trabalho de investigação, falando

com as crianças que mostram melhor controlo e ouvindo a sua linguagem habitual.

Volto a chamar a atenção para os perigos do uso pouco reflectido de um humor muito

5
ver capítulo sobre compreensão dos conceitos de saude e doença

154
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

adultocêntrico, frequente nos técnicos que querem ser simpáticos mas têm poucos

conhecimentos sobre os processos cognitivos da criança.

Este tipo de programas deve incluir um componente especialmente dirigido aos

pais. Por um lado, os pais devem tomar conhecimento das explicações que são dadas ao

filho, e da importância da terminologia escolhida, para darem continuidade a essa

preparação. Muitas crianças terão dúvidas e farão perguntas em casa, e nas mais

diversas ocasiões, pelo que a preparação iniciada pelo técnico só será eficaz se os pais

lhe puderem dar continuidade. Por outro lado, estes programas devem contemplar

indicações sobre o tipo de colaboração que os pais podem ter durante o procedimento.

Neste caso não me parece muito apropriado que sejam dadas instruções estandardizadas

e iguais para todos os pais. Penso que este componente deve revestir sobretudo a forma

de uma tomada de decisão partilhada entre técnicos e pais, cabendo aos pais escolher,

depois de bem informados, qual o grau de participação que se sentem capazes de ter.

Muitas das metodologias aqui referidas podem e devem ser adaptadas para dar um

papel central aos pais, cabendo ao psicólogo sobretudo uma função de modelar e

acompanhar o processo.

No caso de dores prolongadas ou intermitentes não associadas a procedimentos

específicos, é importante oferecer alguma explicação à criança sobre o que causa (e,

sobretudo, o que não causa) as dores, e sobretudo alguma razão para dever adoptar

certas atitudes ou posições durante o episódio. Esta explicação pode ter uma orientação

mais metafórica ou mágico-fenomenológica na criança mais pequena, e deve procurar

uma explicação mais lógica, mesmo que simplificada, nas crianças mais maduras e/ou

mais curiosas.

2. A modelagem é uma técnica frequentemente utilizada para preparar as

crianças para enfrentarem situações dolorosas, e integra a maior parte dos “pacotes” de

155
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

preparação e treino de estratégias de confronto. A criança é conduzida a observar outra

criança (ao vivo ou filmada) a enfrentar o procedimento aversivo sem experienciar

consequências negativas. Baseia-se no racional da aprendizagem vicariante de Bandura

(Bandura,1969,1977), segundo o qual grande parte da aprendizagem humana ocorre por

um processo de observação de um modelo que executa a tarefa e é por ela

recompensado ou punido. A modelagem comportamental explica a aprendizagem de

comportamentos observáveis (neste caso atitudes de distracção, controlo da respiração,

certas posições facilitadoras do tratamento, etc.). A modelagem cognitiva permite a

aprendizagem de regras ou confrontos interiorizados ( o que me digo, as imagens que

utilizo para induzir calma ou para me distrair).

A modelagem por meio de filmes tem sido a mais utilizada, e pode geralmente

ser combinada com a informação preparatória. Geralmente a modelagem é um veículo

para o ensino de outras metodologias de treino de estratégias de confronto, quer seja o

relaxamento, a imaginação guiada, ou a auto-verbalização e o auto-reforço. A criança-

modelo também pode ser substituída por um fantoche ou boneco que representa um dos

heróis favoritos da criança, e na boca do qual o adulto coloca as verbalizações ou

atitudes a modelar. Este tipo de aplicação, especialmente versátil e económico, é

especialmente adequado para crianças em idade escolar ou pré-escolar, geralmente

muito disponíveis para aderir a modelos que são heróis de banda-desenhada.

Pode distinguir-se uma modelagem de mestria em que o modelo não apresenta

ansiedade e lida facilmente com o stressor, ou uma modelagem de confronto, em que o

modelo começa por evidenciar algum grau de medo e ansiedade, mas graças à

aplicação das estratégias adequadas é capaz de lidar eficazmente com o stressor. Esta é

uma estratégia mais completa porque se modela simultaneamente a redução da

ansiedade e o confronto necessário para a alcançar.

156
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

3. O relaxamento: Podemos considerar que o relaxamento é uma estratégia que

prepara a criança para a situação dolorosa, ajudando-a a controlar a sua ansiedade antes

do início do procedimento. Mas também pode ser utilizada para o controlo de episódios

de dor crónica repetida, sobretudo em todo o tipo de dores musculares, e nas

enxaquecas. Nestes casos o relaxamento deve ser iniciado quando o episódio doloroso

ainda não atingiu uma intensidade muito elevada. Muitas vezes o relaxamento é

utilizado como um facilitador de estratégias de distracção auto-controlada ou induzida

pelo adulto.

O uso do relaxamento é muito frequente com adultos, mas tem sido pouco usado

em psicologia pediátrica, devido à dificuldade de ensinar este tipo de comportamento a

crianças. No entanto os estudos mais recentes e rigorosos (e.g.,Richter,1984) mostram

que é um procedimento eficaz para aliviar o sofrimento e a dor na criança

(Walker,1992).

Como é evidente, no bebé e na criança mais pequena o nosso objectivo não é o

de provocar um estado de relaxamento profundo e voluntário, mas tão só o de atingir

um "reflexo de acalmia" (Stroebel,1982).

No bebé, tal é possível quando se recorre ao contacto próximo e aconchegado

com o corpo dum adulto, mantendo o ritmo característico do embalar em arco, regular,

amplo e lento, ao mesmo tempo que se fala ou canta num tom algo monótono e suave

ao ouvido. Este tipo de atitude, com pequenas variações conforme os hábitos e gostos

de bebés diferentes, permite que a criança ganhe alguma calma e reorganize a sua

experiência sensorial, recuperando um estado próximo do calmo ou adormecido. Uma

posição que lhe permita ouvir o coração do adulto, e sentir o cheiro conhecido da mãe

ou pai contribuirão muito fortemente para ajudar o bebé a relaxar-se. No entanto, uma

mãe muito ansiosa ou nervosa, mesmo cumprindo à risca esta ou outra técnica, não

157
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

conseguirá mais do que transmitir tensão ao bebé, pelo que terá toda a vantagem em

acalmar-se a si mesma, e em deixar outro adulto mais controlado ocupar o seu lugar.

Quando não é possível pegar e embalar o bebé que está hospitalizado e ligado a

aparelhos de monitorização e manutenção das funções vitais, existem mesmo assim

algumas atitudes muito simples que se demonstraram acalmar e reduzir a tensão do

bebé, como permitir-lhe que use uma chucha, ou colocar as mãos do adulto sobre a

cabeça e abdómen do bebé durante alguns minutos. Estes simples gestos revelaram-se

suficientes para diminuir a necessidade de oxigénio e reduzir os índices

comportamentais de stress (Field,1992).

Finalmente, a massagem com gestos firmes e lentos, sobretudo a nível dos

membros , abdómen e costas, conhecida há muito pelos orientais como simultaneamente

redutora de tensões e facilitadora do crescimento e do desenvolvimento, permite ao

bebé doente ganhar peso, diminuir os comportamentos de tensão, e mesmo reduzir os

dias de hospitalização (Field,1992).

Na criança em idade pré-escolar, já é possível obter a sua colaboração para a

respiração relaxada e controlada, o que implica usar a respiração diafragmática. Pede-

se que faça uma respiração lenta e profunda. Para tal, o adulto começa por modelar esta

respiração ritmada e lenta, colocando as mãos da criança no diafragma do adulto, e em

seguida, pede-lhe que imite, colocando as suas mãos no corpo da criança, e alternando

uma pressão ligeira com o alívio da pressão para a ajudar a marcar o ritmo, enquanto se

repete a instrução “relaxar”. Alguns instrumentos como balões ou apitos podem ajudar a

criança a compreender o mecanismo respiratório envolvido (Cautela e Grody,1978).

Este tipo de controlo respiratório é bastante difícil nas crianças pequenas e muito

activas.

158
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Outro tipo de técnica para a produção do relaxamento criativo, (Humphrey e

Humphrey,1981) pode ser usada de forma muito simplificada. Pede-se à criança que

bata palmas com muita força, e depois sinta os braços cansados e a ficarem "muito leves

como algodão". Ou que faça o jogo da “mão morta, vai bater àquela porta”. Ou que

usem os braços como se fosse uma corda, primeiro “muito esticada entre dois postes”, e

depois “mole como se fossem usá-la para saltar” Este tipo de instruções é especialmente

adequado quando se pretende que a criança relaxe o braço para uma injecção ou

colocação de sonda intravenosa, isto é, para um procedimento localizado, breve e não

muito aversivo.

Com algumas crianças mais maduras, aproximadamente a partir dos 7/8 anos,

será possível utilizar uma versão simplificada e reduzida do relaxamento de Bernstein e

Borkovec (1973), alternando as indicações para contrair e descontrair vários grupos

musculares. No entanto devem-se cumprir algumas regras (Cautela e Groden,1987) :

A). Ensinar primeiro a contrair e descontrair grandes áreas musculares (braços,

pernas)

B). Continuar a dar instrução directa e não confiar muito precocemente que a

criança se auto-instrua ou utilize adequadamente uma cassete de instruções.

C). Manter as instruções simples, breves, e com recurso a vocabulário

“colorido” e adequado à idade (o corpo fica como uma boneca de trapos, ou fica leve

como algodão doce, depois de ter estado duro e pesado como ferro, ou como uma

prancha de surf). Tocar o corpo da criança, e fazê-la tocar o corpo do adulto, para

constatar as diferenças entre contraído e descontraído.

D). Não insistir para que a criança feche os olhos, o que não é de todo necessário

e pode ser mal aceite por muitas crianças.

E). Utilizar incentivos ou reforços materiais

159
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

4. Como é sabido, a dessensibilização sistemática, ao vivo ou imaginada, é uma

estratégia comportamental derivada do paradigma do condicionamento clássico e das

mais utilizadas com adultos e crianças em situações de ansiedade específica e de fobias.

Baseia-se no racional da inibição recíproca e do contracondicionamento, e implica uma

exposição gradual a uma hierarquia de estímulos progressivamente mais próximos da

situação temida, acompanhada da estimulação de uma resposta antagónica, geralmente o

relaxamento. É uma das técnicas terapêuticas que tem sido mais sistematicamente

estudada e cuja eficácia no controlo de ansiedade e estados fóbicos tem sido

repetidamente comprovada com adultos e com crianças (e.g., Barros, Hartman e

Shigetomi,1981). Foi também estudada a sua aplicação a problemas específicos da

psicologia pediátrica (Jay,1988).

Contudo, a dessensibilização é um procedimento algo moroso e complexo, pelo

que não é adequada à maioria das situações que requerem uma intervenção mais breve .

Visa essencialmente, um controlo da ansiedade e de fobias, pelo que é adequada na

reparação de situações em que uma ansiedade muito elevada impede comportamentos

de colaboração. É muito útil para tratar as crianças saudáveis com medo e ansiedade

intensos e muito perturbadores em relação a exames rotineiros que podem ser previstos

com antecedência (vacinas, tratamentos dentários), ou para crianças com doenças

crónicas quando existe tempo suficiente entre os diferentes procedimentos aversivos

para conduzir uma dessensibilização. Tem sido bastante utilizada e com bons

resultados, nos casos de fobia a tratamentos dentários.

7.2.2. ESTRATÉGIAS DE DISTRACÇÃO

Como já referi, todas as actividades que permitam à criança distrair-se, não

olhar os instrumentos, e simultaneamente ter algum sentido de controlo, alguma tarefa a

160
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

realizar, são bastante fáceis de aplicar e geralmente suficientes, para crianças pouco

sensibilizadas por experiências negativas anteriores, e para procedimentos breves e não

demasiado invasivos ou aversivos.

1. Para além de todas as estratégias naturais de que já falei, o psicólogo pode

sensibilizar os técnicos que aplicam estas técnicas (enfermeiros, médicos dentistas,

auxiliares técnicos de diagnósticos) a sistematizar um conjunto de rotinas de distracção

( Fowler-Kerry e Lander,1987), como por exemplo:

a)Olhar um monitor e dizer quando a luz se acende,

b)soprar um balão,

c)contar zero a dez, ou de dez a zero

d)Ler uma quadra ou "trava línguas"

e)Ouvir música

f) Ver desenhos animados ou fazer um jogo de computador

Em determinados procedimentos, e com crianças que revelam um de confronto

por aproximação, fazendo perguntas e olhando, pode-se pedir a colaboração da criança

(segurar num instrumento, ajudar a fazer o penso). Por exemplo, em estudos com

crianças diabéticas verificou-se que um número significativo de crianças considerava

que a injecção dói menos quando são eles a administra-la em vez do pai ou enfermeiro.

Para além desta rotinas de distracção, simples e acessíveis, que implicam um

pequeno esforço de aprendizagem por parte dos técnicos, e grandes vantagens para as

crianças e para os serviços, o psicólogo dispõe de outras metodologias mais sofisticadas

que devem ser utilizadas em situações mais complexas. Isto é, quando a criança já está

muito sensibilizada por experiências anteriores, quando a criança demonstra muita

ansiedade, ou quando tem de ser submetida a tratamentos prolongados, repetidos ou

muito aversivos. Algumas implicam que toda a estratégia seja controlada pelo adulto

161
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

que deve usar os seus dotes de dramatização para suscitar entusiasmo, estimular a

curiosidade, introduzir a surpresa, de modo a manter a atenção da criança presa em

estímulos diferentes. Outras consistem no ensino de estratégias de auto-distração para

que a criança (mais madura e responsável) utilize autonomamente quando sentir

necessidade.

2. Outro tipo de estratégias usadas para proporcionar à criança uma melhor

sensação de controlo é a auto-instrução. Baseia-se no racional introduzido por

Meichenbaum (1977), que define que o comportamento é em grande medida controlado

por aquilo que a criança se diz a si mesmo sobre a situação. Assim, considera-se que é

possível ajudar a criança a substituir verbalizações automáticas e negativas de medo,

ansiedade, antecipação de sofrimento e desejo de fuga, por instruções em que a criança

se diz a si mesma que vai ser capaz de confrontar a situação, que vai poder aguentar, e

que se diz a si mesmo para se distrair, pensar que o procedimento vai durar pouco, ou

no que vai acontecer a seguir.

3. Embora sendo uma estratégia eficaz para reduzir a ansiedade e a dor, a

indução hipnótica ou hiperempiria não está muito bem definida na literatura, e o termo

é utilizado como uma classificação genérica para técnicas como a imaginação guiada ou

envolvimento imagético (Olness,1981) ou outros tipos de distracção por imagens que

visam algum nível de dissociação. As estratégias de imaginação guiada e de indução

hipnótica têm sido utilizadas com bastante sucesso em situações de dor particularmente

intensa, como, por exemplo, durante o tratamento de queimaduras profundas.

As técnicas de hipnose formais ou clássicas são raramente utilizadas com pré-

adolescentes, mas a fantasia e a dissociação, que são os elementos críticos e comuns a

162
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

todas as estratégias (Zeltzer e LeBaron,1982), são particularmente adequadas e bem

aceites com crianças, na medida em que estas têm menos inibição ou dificuldade de se

envolver activamente na imaginação e na fantasia (Ollness e Gardner,1978). De uma

forma particularmente abrangente, podemos considerar que uma história contada de

forma muito viva, e que apela a um conjunto de sensações diferentes, agradáveis e

imcompatíveis com a dor (imagens, sons, cheiros, tacto) é já uma forma de

hiperempiria, porque mantém a atenção da criança e a conduz através de uma aventura

de imaginação. A hiperempiria é um estado de consciência alterado, envolvendo

geralmente o relaxamento, durante o qual a pessoa desenvolve um estado de

concentração intensificado numa ideia ou imagem particular (Olness e Gardner,1978).

As estratégias de indução são facilmente aceites pelas crianças a partir dos 4/5

anos, e por vezes a partir dos 2/3 anos, desde que se mantenha uma linguagem bastante

simples e que se proceda a algumas adaptações Assim, deve omitir-se qualquer

referência a dormir, ou sono, e meramente sugerir à criança que se posicione de forma

confortável (Gibons,1979). Deve permitir-se à criança que se mexa, e não insistir para

que feche os olhos. Para as crianças que mostram mais dificuldade em iniciar este

processo, pode-se proporcionar uma imagem (gravura, desenho) que ajudará a criança a

iniciar a sua concentração numa situação de viagem, aventura, descoberta.

Para a crianças em idade escolar ou adolescentes, este procedimento pode ser

transformado, ensinando a criança a induzir ela mesma a dissociação. Para tal, o adulto

começa por sugerir, ou construir com o jovem, um cenário que lhe pareça especialmente

interessante e atraente. Alguns jovens escolherão situações calmas como os movimentos

das ondas do mar na praia, ou o voo de uma borboleta à roda de um arbusto, outras mais

misteriosas, como uma floresta encantada, e outros ainda preferirão a agitação de uma

feira popular ou de uma viagem intergaláctica. Os cenários de filmes de ficção científica

163
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

ou de banda desenhada mais populares entre as crianças, embora algo inintelígiveis para

as nossas mentes adultas, podem constituir uma óptima base a partir da qual a criança se

evade da realidade dolorosa, para um mundo envolvente e cativante. A orientação

mágico-fenomenológica da maior parte desses cenários poderá ser capitalizada como

um elemento importante de adesão a esta estratégia (vestir fatos que anestesiam,

transformar-se num outro ser insensível à dor). De qualquer forma, o adulto deve

respeitar o mundo imaginário da criança, mas dirigir a sua atenção de modo a ensinar-

lhe a criar um conjunto de situações e episódios ricos em sensações agradáveis e

diversificada, ou em que as sensações desagradáveis são transformadas no seu

significado (transportar uma espada especialmente pesada e valiosa por um labirinto de

perigos até ao oásis final).

A partir do momento em que este cenário está construído, o jovem é instruído

para se posicionar numa posição calma e confortável, a fechar os olhos se preferir,

iniciar uma respiração lenta e controlada e a começar a envolver-se na situação. Nas

primeiras vezes, o psicólogo deve orientar, ou coorientar este processo, sugerindo

algumas situações ou pistas nas quais o jovem deve depois continuar a explorar. Depois,

este processo irá sendo progressivamente controlado pela criança, limitando-se o

técnico a ir verificando a sua eficácia e discutindo os progresso, ou encorajar o seu uso

quando verificar que a criança está a sofrer.

Em todos os casos, é necessário que a criança sinta que tem o controlo da

situação, e que este é um processo que ela pode iniciar e terminar quando quiser.

4. A inoculação de stress é uma estratégia também introduzida por

Meichenbaum (1977) e usada no controlo da dor sobretudo com adultos, mas que pode

ser utilizada com as crianças mais crescidas e cooperantes. Basicamente combina o

procedimento de auto-instrução com o de relaxamento, e com a exposição a uma

164
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

hierarquia de estímulos ansiogéneos. O jovem vai sendo gradualmente exposto, em

imaginação, a situações próximas do procedimento temido, enquanto se auto-instrui

para relaxar, não ter medo, controlar a respiração, e vencer o desafio. É, pois, uma

estratégia bastante exigente e demorada, mas que poderá ser adequada em situações de

procedimentos bastante aversivos, que elicitam muita ansiedade e que têm de ser

repetidos várias vezes. Exigem uma criança bastante colaboradora e pelo menos com

acesso às operações concretas. Tem sido utilizado com sucesso para o confronto da

ansiedade associada a tratamentos dentários.

7.2.3.ESTRATÉGIAS PARA MODIFICAR O SIGNIFICADO DA DOR

As metodologias de restruturação cognitiva: A aplicação desta aproximação na

psicologia pediátrica, nomeadamente na intervenção para controlo da dor e ansiedade, é

bastante recente. Foca as cognições, expectativas, avaliações e em geral todas as

construções que acompanham a vivência da dor crónica ou intermitente. O racional é o

mesmo das terapias cognitivas, defendendo-se o primado das cognições e das

significações Assim, a intervenção visa prioritariamente a modificação das cognições

que mantêm as reacções de medo, ansiedade, e depressão.

Nos casos de dor crónica, as crescentes competências cognitivas da criança

operatória e pré-formal para compreender o conceito de doença e as suas consequências

nem sempre é posto ao serviço de um menor sofrimento. Ao contrário, a criança que no

período pré-operatório vivia as suas dores como episódios singulares, que acabavam por

passar e não ter demasiado impacto nas suas vivências, começa a formar uma ideia de

conjunto do conceito de doença e de si como doente crónico, que pode contribuir para

agravar o modo como experiencia os episódios de dor (Beales,1982). Nestes casos, o

ensino de estratégias específicas para controlo da dor deve ser acompanhado de um

165
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

trabalho sobre as crenças e significações da criança e dos pais, de modo a contribuir

para assumir uma atitude global menos dramatizante, mais valorizadora dos aspectos

positivos, das potencialidades, e da doença enquanto desafio, que permitam à criança

viver a dor num contexto de significação menos dramática.

Como vimos, a importância dos processos cognitivos para a dor é grande,

nomeadamente o processo de atribuição de significado, que pode determinar a atenção

que é dada aos estímulos nocioceptivos. Assim, as metodologias de restruturação

cognitiva, ajudando a criança a compreender o significado da dor, associá-la por

exemplo a um processo de sarar e curar, ou pelo menos a desdramatizá-la, pode ajudar a

diminuir a frequência, duração e severidade da dor experienciada. Aprender a reavaliar

as consequências da doença, utilizando por exemplo o teste empírico para confirmar que

os outros não têm uma imagem negativa de si mesma, ou que não lhe é impossível ser

popular e aceite por um grupo de pares, ou ainda que continua a ser possível realizar a

maior parte das actividades lúdicas, e recorrendo á imaginação para construir

significações alternativas sobre a doença e sobre si mesmo. O terapeuta com formação

cognitivista e construtivista pode utilizar as várias estratégias que conhece, de modo a

conduzir um processo de mudança de significado sobre o jovem e sobre a sua doença e

sofrimento. Modificar a avaliação que a criança faz da sua condição física é um modo

poderoso de aliviar a dor inapropriada e desnecessária, quer seja funcional ou derivada

de uma lesão manifesta, doença aguda ou crónica (Beales,1982).

7.2.4. ESTRATÉGIAS PARA REFORÇAR/ VALORIZAR AS ATITUDES DE

CONTROLO E DE COLABORAÇÃO

1. As estratégias operantes. Finalmente, é possível recorrer a um conjunto de

atitudes e estratégias que ajudem a sistematizar uma atenção positiva que é dirigida

166
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

mais aos esforços de confonto positivo do que à dor e ao sofrimento, ou às atitudes de

auto-comiseração. Baseia-se no racional operante de que o comportamento é controlado

pelas suas consequências. Quando positivas, o comportamento tende a manter-se e

repetir-se; quando negativas o comportamento tende a enfraquecer e desaparecer.

As metodologias baseadas neste racional continuam a ser muito utilizadas com

as crianças mais pequenas e imaturas, ou por aquelas mais dependentes de pais

hiperprotectores e muito ansiosos, mesmo por aqueles que há muito deixaram de aceitar

a simplicidade redutora deste racional. Com efeito, uma leitura desenvolvimentista

permite-nos compreender que a criança mais nova atribui significados às situações em

função das suas experiências mais concretas. Assim, uma situação em que é premiada,

elogiada ou foco de atenção é valorizada como positiva, enquanto que uma situação em

que é ignorada ou não recompensada não será valorizada como desejável de se repetir.

Este tipo de técnicas deve sobretudo basear-se nos tais gestos naturais usados

pelos pais e educadores, de elogiar, oferecer um pequeno presente ou prometer uma

regalia ou actividade especial quando o filho se porta bem, sistematizando-os e

corrigindo-os quando necessário.

Implica um elevado grau de bom senso e cuidado, na medida em que o uso

inadequado de estratégias de reforço por comportamentos de bravura e de não

manifestação de dor em situações muito aversivas, especialmente quando combinado

com alguma forma de punição, pode conduzir a atitudes de “culpar a vítima". Estas

metodologias são mais adequadas para as situações em que, honestamente (e em função

do conhecimento da criança), se pode considerar que a criança está a ter uma atitude

pouco controlada, sobretudo, a comportar-se em função de uma história de atenção

dirigida aos comportamentos de choro e pieguice, e, como tal, beneficiaria muito com

uma atitude mais calma e controlada. Ou, nas situações em que é notório que o

167
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

comportamento de não-colaboração lhe tem trazido benefícios secundários muito

concretos e evidentes. Ou, ainda, simplesmente, quando se reconhece que a criança

precisa de uma pequena ajuda para se sentir motivada em esforçar-se. Mas sempre e

situações em que o nível de dificuldade ou aversão é muito reduzido. Devem,

geralmente, ser combinadas com o ensino de estratégias de confronto positivas.

2. O contrato comportamental parece ser a forma mais adequada e eficaz de

utilizar este tipo de estratégias sempre que existe uma história importante de atenção

inadequadamente dirigida a atitudes de não cooperação e descontrolo emocional.

Para aplicar este procedimento é necessário começar por definir um

comportamento de colaboração activa e de controlo moderado( e.g “durante a mudança

do penso vou manter a perna quieta, e quando tiver muita vontade de chorar vou dizer

só ai ai ai baixinho”). Em seguida definir as regalias a que ganha direito (um passeio,

um gelado, ver um filme, etc.). Finalmente, instruir claramente a criança sobre as

contingências, e se necessário fazer um ensaio (“o que é que fazes se começares a sentir

vontade de chorar? E como é que tem de estar a perna? O que acontece se mexeres a

perna?”).

Esta técnica pode e deve combinar-se com outras de modo a dar à criança todas

as oportunidades de conseguir cumprir o contrato (e.g., auto-instrução: “o que podes

dizer quando sentires vontade de mexer a perna?”; auto-distracção: para onde vais

olhar, para não olhares para a seringa?). A aplicação desta técnica deve ser da

responsabilidade inicial do psicólogo, embora os seus resultados rápidos e visíveis

possam servir de base para um trabalho com os pais, em que estes, mais do que

aprender a utilizá-la sistematicamente, discutem a necessidade de redireccionar as suas

atitudes de atenção e apoio ao filho doente.

168
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

8. O TRATAMENTO DA DOR FUNCIONAL, PSICOGÉNICA OU DE CAUSA

DESCONHECIDA

Conforme já referi, a dor psicogénica tem sido considerada difícil de tratar. A

sua intervenção exige uma compreensão clara da subjectividade e idiossincrasia das

reacções de dor, e das circunstâncias que podem estar associadas a esse tipo de

manifestação. Podemos considerar que a dor psicogénica é bastante frequente na

infância, mas que apenas em alguns casos ela é suficientemente grave ou valorizada,

pela criança ou pelos familiares, para ser trazida à atenção do profissional. Também se

constata que os nossos médicos continuam essencialmente a confiar numa atitudes de

desvalorização deste tipo de dores, esperando que passe por si só, e ignorando com

frequência a necessidade de uma referência para intervenção especializada dos casos

que, pela intensidade ou frequência da queixa, ou pelas consequências familiares e

escolares associadas, podem eventualmente evoluir no sentido de um agravamento

patológico.

Os estudos mais cuidadosos estimam que um terço das dores funcionais da

infância tendem a persistir e a agravar-se ou associar-se a outros sintomas

psicopatológicos (Apley e Hale,1973). Recomenda-se, portanto, que se proceda a uma

avaliação cuidadosa da queixa e do seu contexto de ocorrência, e que haja sempre uma

intervenção didáctica com os pais, para uma correcta abordagem e monitorização da

situação.

Nem todas as queixas sem causa orgãnica aparente podem ser consideradas

como de somatização. Para se fazer um diagnóstico de dor psicogénica ou funcional

deve confirmar-se a existência de um padrão de ocorrência (frequência e associação

com acontecimentos de significado semelhante), e de um terreno psicológico propício.

Isto é, uma criança e uma família com um nível de ansiedade importante, um padrão

169
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

familiar de valorização de dores e doenças, um acontecimento em que a dor permitiu

privilégios inesperados ou o evitamento de situações desagradáveis ou ansiogéneas,

uma história recente de dores que explique a aprendizagem das vantagens da queixa, ou

de uma atenção selectiva e hipervalorização das sensações proprioceptivas incómodas.

A dor funcional deve ser sempre valorizada enquanto queixa tão significativa de

sofrimento como uma dor com causa orgânica bem identificada. Não é porque

acreditamos que uma história de atenção selectiva, ou de associação a evitamentos e

privilégios, pode estar na base da queixa, que devemos considerar a criança como

fingidora ou intensionalmente manipuladora. Na grande maioria das situações a dor é

intensamente sentida, sem que a criança tenha consciência ou consiga controlar o

processo de manipulação envolvido. Também os pais não podem ser a priori

considerados como desinteressados, incompetentes ou hiper-ansiosos. A dor funcional

ou de somatização ocorre num contexto de interacções difíceis de compreender e

modificar tanto pelos pais como pelo filho, e geralmente, ambas as partes utilizam os

seus esforços e competência para tentar resolver a situação sem sucesso.

A intervenção deve apoiar-se num processo de avaliação cuidadoso e sistemático

que permita desenhar um quadro cuidadoso da frequência, intensidade, duração,

situação e contexto interpessoal. As estratégias de intervenção que se têm provado mais

eficazes são a alteração das contingências de reforço, combinando habilmente a

extinção com o reforço de actividades alternativas, o contracto comportamental, e o

relaxamento (Edwards e Finney,1994)

Com as crianças mais pequenas, a intervenção deve dirigir-se sobretudo aos pais

e começar por ajudar a estabelecer um racional claro que explique os episódios sem

culpabilizações. Os pais devem ser aliados no processo de avaliação e de descoberta de

padrões de ocorrência, assim como na definição das estratégias para modificar as

170
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

situações. Não o farão adequadamente se sentirem que têm de se defender de qualquer

acusação implícita. Nestes casos, a intervenção deve visar sobretudo alterar os padrões

de interacção. Deve-se discutir abertamente com os pais a melhor forma de combinar

algum apoio emocional, com alguma banalização ou relativização de sintomas, e doses

intensivas de distracção e atenção dirigida a comportamentos alternativos. O

relaxamento pode ser substituído por uma massagem, ou alguns exercícios de activação

- descontracção muscular.

No caso das crianças mais velhas e cognitivamente mais sofisticadas, ou dos

adolescentes, o trabalho deve seguir os mesmos passos, mas envolvendo igualmente o

próprio jovem. É essencial ajudar a criança a compreender um racional de atenção-

distracção, e a não se culpabilizar, mas ao contrário, a ver a oportunidade de ultrapassar

os episódios de dor como um desafio à sua maturidade e auto-controlo. Pode ser

necessário ajudá-la a identificar as consequências positivas que lhe advêm da

manifestação de dor, ou, sobretudo, as situções ansiogéneas que evita; e a procurar

estratégias alternativas para confrontar essas mesmas situações. O jovem pode ter

aprendido a utilizar a dor para evitar conflitos familiares, ou situações interpessoais em

que se sente insegura, ou a avaliação escolar, ou ainda a pressão para o sucesso. Com

uma relação terapêutica aberta e aceitante, em que a acusação ou ridicularização não

têm lugar, o adolescente é geralmente capaz de compreender que a centração nas

queixas e dores é um confronto pouco adequado e ineficaz a longo prazo, e de envolver-

se numa procura e ensaio de estratégias mais positivas e mais autónomas.

9. INTERVENÇÕES DIRIGIDAS AOS PAIS

171
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Ao longo de todo este capítulo penso que terá ficado clara a importância do

papel dos pais para a vivência das experiências de dor e do seu confronto na criança.

Durante a intervenção, quer numa perspectiva preventiva e educacional, quer já com o

objectivo de ajudar a criança a lidar com situações mais francamente dolorosas, os pais

devem ser sempre considerados como um elemento essencial de todo o trabalho. Tenho

referido a importância das atitudes educacionais dos pais para o desenvolvimento das

significações infantis sobre doença, dor e seu confronto. Só com um envolvimento

activo dos pais se poderá obter um sucesso simultaneamente rápido e prolongado no

tempo. No entanto, o nível de envolvimento dos pais variará conforme a sua motivação,

a gravidade da situação, e mesmo a idade e desenvolvimento da criança. De uma forma

geral, pode-se sintetizar as principais linhas de orientação dessas intervenções dirigidas

aos pais:

1) fornecer modelos de explicação adequados ao desenvolvimento da criança e

explicar a necessidade de preparar a criança para as situações aversivas, de forma

adaptada às suas características pessoais.

2) ensinar metodologias simples de controlo da dor, nomeadamente distracção,

manifestação de empatia e encorajamento de controlo, e sugerir um papel parental

activo no acompanhamento dos procedimentos mais sofisticados.

3) ajudar a compreender a importância das suas atitudes no reforço de atitudes

mais cooperantes e facilitadoras do tratamento, ou a identificar, de forma não

culpabilizante, as suas atitudes menos adequadas. Ajudar os pais mais ansiosos a

encontrar um papel de acompanhamento mais distanciado, reconhecendo a dificuldade

em mudar o comportamento do próprio sem dramatismos.

4) proporcionar um espaço para discutir e procurar estratégias para lidar com a

sua ansiedade e sofrimento pessoais.

172
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

5) facilitar a resolução de problemas educacionais e de saúde que se vão

multiplicando durante um tratamento prolongado exigente, e depois no período de

reabilitação.

10. CONCLUSÕES

Ao longo deste capítulo tentei demonstrar a necessidade e a possibilidade de

utilizar uma panóplia alargada de metodologias psicológicas como contributo

importante para o controlo das situações dolorosas e de ansiedade em pediatria. Referi

que estas metodologias representam um leque vasto que se estende da sistematização

de algumas regras de bom senso até à aplicação de estratégias comportamentais e

cognitivas mais sofisticadas cuja eficácia tem sido repetidamente comprovada, mas que

têm sido claramente subutilizadas. E que envolvem, em larga medida, uma actuação

com os pais e com os técnicos. Estou certa de que a progressiva mudança para um

paradigma mais holista de saúde levará a um crescente interesse por estas metodologias

de controlo da dor.

173
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Capítulo 6 - A DOENÇA CRÓNICA: CONCEPTUALIZAÇÃO, AVALIAÇÃO E

INTERVENÇÃO

1.INTRODUÇÃO:

De forma geral, consideram-se como doenças crónicas todas as doenças

prolongadas e irreversíveis. Não existe uma definição médica única e universalmente

aceite deste conceito, porque existem grandes diferenças nas etiologias, evoluções e

consequências (Maes, Leventhal e Ridder,1996). Algumas acompanham toda a vida do

sujeito sem a encurtarem necessariamente, enquanto outras têm um prognóstico

reservado a curto ou a médio prazo; algumas têm uma sintomatologia bastante

constante, enquanto outras podem permitir períodos mais ou menos longos de ausência

total de sintomas; algumas implicam pequenas alterações na vida quotidiana, enquanto

outras impõem grandes limitações na funcionalidade do sujeito e exigem a adesão a

tratamentos extremamente perturbadores e incapacitantes.

As estatísticas norte-americanas indicam que cerca de 10 a 15% de crianças e

jovens com menos de 16 anos sofrem uma doença crónica ou de evolução prolongada, e

que estas doenças ocupam aproximadamente 50% da prática pediátrica (Edwards e

Davis,1997; Magrab e Calcagno,1978). Embora não dispondo de estatísticas actuais

sobre a realidade no nosso país, sabemos que um terço das consultas de especialidades e

das hospitalizações pediátricas correspondem a situações de doença crónica (Ministério

da Saúde,1997) e que Comissão Nacional de Saúde Materno-Infantil considera o

atendimento da criança com doença crónica como uma prioridade (Palminha, Lemos e

Cordeiro,1997). As doenças crónicas mais prevalecentes na infância e adolescência são

a cárie, os eczemas, a asma, a diabetes, a doença cardíaca congénita e a epilepsia (por

ordem decrescente). Outras, felizmente mais raras, podem ser bem mais dolorosas,

174
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

debilitantes e assustadoras, com uma evolução imprevisível que nalguns casos é

degenerativa (e.g.,artrite reumatóide, fibrose quística, infecção VIH, leucemia e outros

cancros). Nalguns casos a doença é ainda mais rara, e como tal, provavelmente mais

assustadora. (e.g.,perturbações metabólicas e neuromusculares).

Podemos considerar que, embora as doença crónicas variem na severidade e na

extensão das consequências, todas elas têm como menor denominador comum o facto

de não terem cura; a partir do momento do diagnóstico, existem mudanças irreversíveis

na saúde e na vida dessa criança. O tratamento continuado, e frequentemente bastante

exigente, pode permitir aliviar os sintomas, diminuir o sofrimento e prolongar a vida,

mas (geralmente) não permite a esperança numa cura final. Na medida em que a doença

não é curável, o ênfase do tratamento, que se prolonga por longos períodos ou por toda

a vida, é posto no controlo da doença, ou dos sintomas, e não na cura. A necessidade

deste tipo de cuidados, implica que há uma grande transferência da responsabilidade

pela administração do tratamento e mesmo pela sua monitorização e adaptação, para a

família, e para a própria criança à medida que esta vai crescendo. Neste contexto, a não-

adesão aos tratamentos medicamentosos, regimes de dieta e exercício e outras

prescrições dos profissionais assume uma importância central, na medida em que está

associada a grandes doses de sofrimento evitável e mesmo a evoluções negativas de

algumas doenças. Assim, não é de estranhar que a doença crónica tenha sido uma das

principais áreas de interesse da psicologia pediátrica, na medida em que oferece

simultaneamente um campo especialmente profícuo para a investigação das relações

entre a doença e o desenvolvimento, e um desafio à criação de metodologias de

intervenção criativas, flexíveis e eficazes para diminuir o sofrimento e aumentar a

qualidade de vida destas crianças e das suas famílias.

175
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

2. A DOENÇA CRÓNICA NA PSICOLOGIA

Do ponto de vista da psicologia não existe uma definição do conceito de doença

crónica com fronteiras bem delimitadas, na medida em que a todo o momento ocorrem

progressos na medicina, tanto nas áreas de diagnóstico como de tratamentos, que

implicam uma melhor qualidade de vida e tratamentos menos aversivos, ou noutros

casos, o prolongamento da esperança de vida. Algumas doenças anteriormente muito

incapacitantes, permitem hoje uma qualidade de vida bastante razoável e a integração na

vida escolar e social com pequenas adaptações. Enquanto que outras, que eram

consideradas como terminais, são hoje cada vez mais entendidas como doença crónica

(e.g., certos cancros, SIDA), na medida em que a sua evolução, mesmo quando fatal,

pode ser de tal forma prolongada que a criança vive uma parte significativa da sua vida

com a doença sem que possa ser considerada em fase terminal. De igual modo, existe

actualmente uma grande esperança que os novos conhecimentos genéticos venham a

permitir uma cura para certas doenças que deixarão, assim, de ser crónicas. Finalmente,

importa salientar que alguns autores (e.g.,Davis,1993) têm considerado que, de uma

perspectiva psicológica, a doença crónica e a deficiência física são experiências

existenciais que têm muito mais aspectos em comum do que diferentes, na medida em

que ambas envolvem alterações irreversíveis das condições de vida, ou a diminuição das

potencialidades de adaptação e funcionalidade relativamente à criança saudável. Assim,

e dum ponto de vista da experiência subjectiva do sujeito e dos seus familiares, que é a

dimensão relevante para a Psicologia Pediátrica, o conceito de doença crónica é flexível

e em evolução, traduzindo de uma forma geral todas as condições de doença incurável

ou de evolução muito prolongada.

Desde relativamente cedo que a doença crónica foi uma condição olhada com

interesse pelos psicólogos que estudavam a patologia infantil. Verifica-se que a

176
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

literatura sobre doença crónica seguiu uma evolução não muito diferente dos estudos

sobre outras situações associadas a crises de vida (hospitalização, deficiência física).

Observamos um primeiro período em que o interesse por esta problemática se centra

sobretudo em trabalhos do foro psicopatológico, que apresentam uma leitura

catastrofizante0 e globalisadora das consequências psicológicas da doença crónica na

infância. A criança portadora de doença crónica é vista como uma criança traumatizada,

inferiorizada, como consequência directa dessa mesma doença (Pless, Roghman e

Haggerty,1972). Neste período surgem os estudos que pretendem comparar as

características psicológicas de crianças que sofrem de diferentes tipos de doença crónica

(e.g., diabetes, asma, etc.). Estes estudos imanam de dois tipos de premissas. Por um

lado, quanto mais grave ou incapacitante a doença, mais graves as consequências

psicológicas, isto é, a doença é em si mesma origem de características psicológicas

relativamente estáveis (e.g., traços de personalidade). É uma leitura que pressupõe uma

causalidade directa e linear (Sameroff e Chandler,1975). Por outro lado, uma premissa

mais associada à leitura psicossomática, assente, por vezes de forma pouco assumida,

num pressuposto de causalidade psicológica unidirecionada e univariada para certas

doença crónica (Johnson,1984). Por exemplo, Dunbar (1954) considerou que os

pacientes diabéticos se distinguiam de outros grupos de doentes por terem tendência

para os conflitos, dificuldades de adaptação sexual, ansiedade, depressão e suspeição

paranóide. Apesar de todas as fragilidades metodológicas deste tipo de estudos

caracterizadores, os mais sistemáticos e bem controlados (e.g., Drotar,1981;

Johnson,1980) permitiram concluir que doenças específicas não estão associadas a

padrões particulares de personalidade (Johnson,1985).

Numa fase mais recente, assistimos à conjugação de duas evoluções que

permitem uma mudança na abordagem psicológica desta problemática: por um lado o

177
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

avanço dos paradigmas do estudo de situações de crise e de stress, e da psicopatologia

do desenvolvimento que se interessa pela doença crónica como uma das condições

especiais em que se desenvolve um grande número de crianças (Fuggle e

Graham,1991); por outro lado, o próprio avanço da medicina que permitiu que as

crianças com doença crónica tenham uma vida mais longa, e mais semelhante à da

criança saudável. Assim, começou a sistematizar-se o estudo das consequências

positivas e negativas da doença crónica ao longo do desenvolvimento. E verificou-se

que, apesar das consequências por vezes dramáticas de muitas doenças crónicas, a maior

parte das crianças e das famílias se adapta bastante bem (Varni, Kaatz, Colegrove e

Dolgin,1983). O ênfase deixou de estar nas características individuais estáveis, e

generalizáveis a grandes grupos, para se centrar nos processos de adaptação e de

confronto da criança e da família, e na variabilidade desses mesmos processos, quer em

sujeitos diferentes, quer na mesma pessoa em períodos de vida diferentes. Houve um

afastamento do estudo de variáveis psicológicas internas pouco relacionadas com a

doença e a saúde, e uma substituição pelo estudo de processos que medeiam de forma

explícita a saúde, como por exemplo a adesão ou o confronto, e muito particularmente,

as atitudes e as cognições sobre a doença e o tratamento (Johnson,1984). Este tipo de

trabalhos enquadram a doença crónica como um acontecimento de vida que influencia o

desenvolvimento e a adaptação da criança e da família no contexto duma causalidade

múltipla e complexa (Johnson,1984) e duma orientação transaccional (Creer, Stein,

Rappaport e Lewis,1992; Fiese e Sameroff,1992). Isto é, a doença crónica é

compreendida como uma das múltiplas condições de vida que influenciam o processo

de desenvolvimento, processo este em que o sujeito tem um papel activo,

simultaneamente determinando e sendo determinado pelo meio em que vive.

178
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

O caso da asma é um exemplo particularmente relevante (Fiese e

Sameroff,1992). Tem sido apresentada como uma doença psicossomática e um terreno

privilegiado para compreender a causalidade psicológica, e especificamente a origem

neurótica das manifestações orgânicas (Pearlman,1984). Actualmente reconhece-se que

não é possível encontrar uma relação clara e generalizável entre variáveis psicológicas

(e.g., ansiedade, sobreprotecção materna) e a ocorrência ou a gravidade da doença

(Creer,1982). E passou a considerar-se que existe uma predisposição somática na

criança que interage com um conjunto de variáveis psicológicas e do meio físico e

social, especificamente os processos de confronto, que regulam a expressão clínica e a

morbilidade da asma. Trata-se, pois, de uma aceitação da interacção complexa e

multidirecionada entre o biológico e o psicológico, numa perspectiva claramente holista.

Finalmente, numa fase mais recente, mas que adquire cada vez mais

importância, a partir destes estudos caracterizadores do processo de adaptação foi

possível conceber, implementar e estudar um conjunto de programas de intervenção que

visam facilitar a adaptação da criança e da família, no contexto das instituições de

saúde, mas também da escola e da comunidade. No geral, estes trabalhos são

programas-piloto, estudados com pequenos grupos e aplicados de forma pouco

continuada e sistematizada, mas já é possível dispormos de um conjunto de alternativas

de intervenção bastante diversificado, embora ainda com necessidade de maior

sistematização e confirmação empírica.

3. A DOENÇA CRÓNICA COMO CONDIÇÃO DE VIDA

Actualmente a doença crónica tende, maioritariamente, a ser estudada e

compreendida como um acontecimento de vida stressante ou perturbador, que vai

interagir com toda uma pluralidade de outras ocorrências e condições de

179
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

desenvolvimento. Apesar da importância das diferenças entre as várias doenças,

podemos referirmo-nos a um conceito geral de doença crónica, na medida em que

partilha as seguintes características, de grande impacto na vivência subjectiva da criança

e dos seus familiares (Goodyer,1990):

 ser indesejável
 ser incontrolável ou só parcialmente controlável
 ter consequências pouco claras ou pouco previsíveis
 envolver separações temporárias (da família e dos amigos, da escola, da
casa)
 envolver perdas permanentes e/ou temporárias (da saúde, de funcionalidade)
 envolver diminuições de opções (sociais, ocupacionais, escolares,
profissionais, familiares)
 poder envolver perigo ou risco de vida, ou propiciar a uma catastrofização
das consequências antecipadas (doenças degenerativas, terminais, asma,
diabetes)

A doença crónica altera a vivência directa da criança de duas formas diferentes:

obriga a experiências aversivas que a criança tem de enfrentar (comunicação do

diagnóstico, exames, tratamentos, hospitalizações, dor, alterações no aspecto exterior,

separações, etc.), e impede ou limita as experiências de vida normativas, desejáveis e

facilitadoras do desenvolvimento que a doença não permite ou restringe (actividades

lúdicas e desportivas, dormir em casa dos amigos, acampar) (Goodyer,1990). De forma

mais indirecta, estas doenças estão frequentemente associadas a alterações emocionais,

cognitivas e atitudinais dos pais, que, em si mesmo criam condições de

desenvolvimento mais difíceis para criança.

Mas enquanto condição de vida stressante e indesejável a doença crónica, não

tem só, ou necessariamente, consequências negativas para a vida da criança. Já referi no

capítulo sobre hospitalização, como é que a experiência de períodos de doença ou de

180
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

separação familiar pode ser uma ocasião positiva e única de aprendizagem e de

desenvolvimento.

Alguns autores consideram mesmo que a doença crónica pode servir uma função

de protecção da auto-estima e auto-imagem de algumas crianças, na medida em que é

utilizada como uma justificação socialmente aceitável para os seus insucessos. O

reconhecimento do handicap resulta no desconto do papel da capacidade, do esforço, ou

de outros factores relevantes e na aceitação de uma causalidade externa para os

eventuais insucessos (Snyder e Smith,1982). Em algumas situações, o diagnóstico de

doença crónica pode significar para um jovem o ganhar da atenção e relevo na vida

familiar que não tinha tido até aí, ou o pretexto para o aliviarem da exigência excessiva

de sucesso académico ou desportivo, trazendo-lhe um conjunto de mudanças positivas

que serão mais valorizadas do que os inconvenientes da doença em si mesma.

No geral, verificou-se que a adaptação a uma doença crónica como a diabetes

juvenil estava associada à adaptação global da criança, anterior à doença. Como não

surpreende ninguém, uma criança competente, segura de si, bem integrada na escola e

no grupo de amigos e suportada por uma família onde existe alguma flexibilidade, bons

padrões de comunicação e boas competências de resolução de problemas é, igualmente

capaz de se adaptar positivamente a uma doença como, por exemplo, a diabetes. A

doença crónica é assim mais uma condição problemática, que vai ser integrada na vida

da criança conforme os recursos pessoais e familiares existentes (Fuggle e

Graham,1991).

4. EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE ADAPTAÇÃO

Os primeiros estudos sobre doença crónica, adoptando a perspectiva

caracterizadora já referida, defenderam a ideia de que haveria uma sequência de

181
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

estádios emocionais e atitudinais mais ou menos constante e universal, que se

caracterizaria por choque, negação, depressão, adaptação e reorganização6

(Drotar,Baskiewiczz, Irvin, Kennell e Klaus,1975) . Esta sequência seria vivida pelos

pais da criança a partir do conhecimento do diagnóstico, e pela própria criança e jovem

quando a doença ocorria numa idade mais avançada.

Posteriormente, quando se reconheceu a periodicidade dos momentos de maior

adaptação e de maior desânimo ou revolta, procurou-se associar estas novas crises a

períodos bem definidos do ciclo de vida da criança ou dos pais (a entrada para a escola,

a adolescência, a reforma dos pais) em que os pais constatam que o filho não pode

cumprir as tarefas adequadas a cada fase (Wikler,1981).

Actualmente, embora se continue a considerar que estes padrões de reacções

emocionais e atitudinais estão frequentemente presentes e se vão seguindo uns aos

outros, (embora também possam co-ocorrer), existe uma tendência para considerar que

a adaptação à doença crónica é um processo contínuo e dinâmico, com fases de maior

equilíbrio e aceitação e outras de maior ansiedade, revolta ou depressão, que segue

padrões individuais dificilmente generalizáveis. O tempo de adaptação continua a ser

uma variável importante para o processo de adaptação, mas não necessariamente um

elemento facilitador. Isto é, reconhece-se que a fase final de aceitação ou

reorganização, idilicamente perspectivada pelos psicólogos como um oceano de

equilíbrio, calma e bom-

-senso a que pais e doentes chegariam um dia, se necessário com um pequeno empurrão

do especialista, não é mais do que uma miragem do profissional, na verdade muito

pouco adequada.

6
De realçar que esta sequência aproxima-se muito dos estádios definidos por Kubler- Ross (1969) em relação à
preparação para a morte do próprio ou de um familiar.

182
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

A doença crónica afecta toda a vivência da criança e da família ao longo do

desenvolvimento, pelo que periodicamente são colocados novos desafios, confrontadas

novas frustrações, experimentados momentos de maior depressão ou desânimo, na

maioria dos casos intercalados com épocas de maior adaptação e menor perturbação.

Por exemplo, embora seja previsível que para a maior parte das crianças e famílias o

momento do diagnóstico seja acompanhado por choque e revolta e que a depressão

surja em seguida, quando a família reconhece tudo o que terá de abdicar, este é

unicamente um padrão simplificador e nem sempre observável. Sobretudo, nada há de

particularmente desejável ou adequado nesta sequência, em detrimento de outras menos

previsíveis. Assim, o papel do clínico ou terapeuta já não é tanto o de empurrar o sujeito

ao longo duma sequência antecipada de crises até à tão desejada e finalista fase de

aceitação, mas sim o de facilitar o reconhecimento e utilização de competências de

confronto que serão activadas quando as necessidades específicas se fazem sentir. O que

permite uma maior abertura e flexibilidade na compreensão e interpretação das reacções

individuais de cada criança ou família, e um afastamento da psicopatologização das

famílias que não começam por viver o choque, ou não evoluem da revolta para a

depressão.

Por outro lado, a doença crónica não é a totalidade da criança, mas antes só uma

das suas características, que vão interagir com todas as outras vivências da criança em

casa, na escola, no grupo de pares, na família alargada e na comunidade. Embora óbvio,

nunca é de mais relembrar que a criança com doença crónica vive, como todas as outras

crianças, um processo de adaptação e desenvolvimento multideterminado, e que só

nalguns períodos e situações a doença crónica adquirirá centralidade. Por exemplo,

Bouras e Delain (1987) verificaram que as principais preocupações dos adolescentes

com diabetes não tinham qualquer relação com a sua doença. Borges (no prelo)

183
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

encontrou resultados bastante semelhantes com adolescentes com doença cardíaca

congénita. Só para efeitos de sistematização e de estudo podemos referir essa abstracção

que é a criança com doença crónica, ou a criança asmática, diabética ou seropositiva O

clínico, o educador, o enfermeiro ou o terapeuta nunca deve esquecer que tem perante si

crianças que, para além de partilharem um diagnóstico, divergem entre si numa

multiplicidade de experiências, expectativas, valores, competências.

Os estudos na área da deficiência e da doença crónica têm vindo a chamar a

atenção para o facto de que muitos dos trabalho realizados sofrem de um enviesamento

a que podemos chamar de terapeuto-centrismo. Isto é, tendem a definir o principais

problemas e as formas de adaptação mais adequadas de uma perspectiva teórica,

centrada na leitura dos especialistas, e elaborada com base no desenvolvimento

normativo. O contributo dos próprios sujeitos doentes ou pais de doentes tem sido

crítico, no sentido de questionar esta autoridade epistemológica, fazendo ver que muitas

vezes os especialista falham no reconhecimento daquilo que é particularmente

importante para os doentes. Assim, cada vez mais se reconhece a necessidade de

considerar o conhecimento da criança e da família, das formas espontâneas ou leigas

de confrontar ou ignorar as dificuldades, das significações sobre o que é e não é

problema, valorizando a autonomia da família como identificador e resolvedor dos

problemas que confronta directamente. Neste sentido, os testemunhos das famílias que

relatam experiências pessoais, e o estudo dos processos de confronto utilizados por

crianças bem adaptadas podem ser particularmente relevantes para uma visão mais

sensível, descentrada e pluralista da vivência da doença crónica.

5. A ADAPTAÇÃO À DOENÇA CRÓNICA NUM CONTEXTO DE RISCO E

PROTECÇÃO

184
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

À semelhança do que fizemos para o estudo da hospitalização, parece fazer

sentido abordar a problemática da doença crónica compreendendo-a num contexto de

dialéctica entre processos de protecção/compensação e de risco (Wallander e

Varni,1992). A doença crónica é, pois, conceptualizada como uma condição de vida e

de desenvolvimento tendencialmente stressante, como outras condições de vida

adversas. Podemos assim partir para a sistematização dos aspectos gerais que fazem da

vivência da doença crónica uma situação particular e de risco agravado para o

desenvolvimento e para a adaptação; dos elementos de protecção que contribuem para

que o stress vivido não seja tão importante (características da criança, da doença e do

meio próximo) e sobretudo, dos processos utilizados pela própria criança ou pelo seu

meio para atenuar ou compensar esses riscos.

Os modelos dominantes em toda a psicologia da saúde mais actual reconhecem a

primazia do significado como determinante do nível de perturbação sentida, e do tipo de

atitudes de saúde e de doença adoptadas. Sabemos que não são as condições objectivas

da situação, da doença ou do tratamento que determinam asa consequências

psicológicas e comportamentais, mas sim a interpretação e as crenças e regras

associadas a esse diagnóstico.

Assim, parece adequado recorrer aos modelo dominantes de crenças de saúde

(Becker, 1974; Leventhal e Nerenz,1982) para sistematizar as características da doença

que podem ser mais provavelmente interpretadas como perturbadoras, ou ao contrário,

como atenuantes de sofrimento.

Na medida em que a criança, sobretudo na pré-adolescência, constrói

significados e interpretações com base nos dados mais perceptivos e concretos da

realidade que confronta, e influenciada pelas interpretações e significados atribuídos

pelos adultos mais próximos, é possível analisar um conjunto de características das

185
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

doença crónica que poderão estar associados a significações da doença e do tratamento

mais ou menos inadaptativas. O conhecimento e a sistematização dessas características

orientará a avaliação clínica para permitir uma intervenção individualizada e centrada

na maximização dos processos de confronto adaptativo, quer por parte da criança quer

do seu meio.

Não se caracteriza, portanto, a criança, mas sim a situação que esta vivência.

5.1. CARACTERÍSTICAS DA DOENÇA

Confirmando as asserções principais dos modelos cognitivos em saúde, verifica-

se que uma leitura objectiva do estatuto médico ou físico da criança não está directa e

claramente associado à adaptação (Wallander e Varni,1992). Ao contrário, qualquer que

seja a característica da doença que se considere, constata-se que é a significação,

enquanto interpretação subjectiva duma realidade particular, que mais determina a

vivência da criança. No entanto constata-se que um conjunto de características da

doença são propícias a ser interpretadas como mais ou menos problemáticas por um

grande número de crianças e/ou familiares. Atendendo às próprias características do

desenvolvimento cognitivo da criança, poderemos definir alguns aspectos da doença e

do seu tratamento que nos permitem compreender algumas das regularidades que se

encontram nessa construção de significados.

A. SEVERIDADE E FUNCIONALIDADE:

A gravidade da doença é um conceito difícil de medir e avaliar pelo que não tem

sido directamente relacionado com o grau de perturbação ou com a qualidade de

adaptação. As doenças que envolvem deficiência sensorial ou motora, ou dores

debilitantes são as que colocam maiores problemas de adaptação, as que mais reduzem a

186
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

funcionalidade, assim como todas as que envolvem um perigo de vida. No entanto

verificou-se que são as medidas subjectivas de stress associado à doença que estão mais

associadas a maior perturbação (Cadman, Boyle, Szatmari e Offord,1987). Interessa-

nos sobretudo compreender até que ponto a criança se percebe a si mesma como

diferente ou limitada, e que atribui a uma doença essas limitações. Não é, pois, de

surpreender, que a avaliação subjectiva da severidade e funcionalidade feita pela mãe se

tenha revelado altamente correlacionada com a adaptação tanto da criança como da

família (De Maso et al.,1991). É pois o significado atribuído pela criança e pela família

à doença que mais se relaciona com a sua adaptação.

B. VISIBILIDADE:

De acordo com a mesma valorização do significado subjectivo, constatou-se que o

facto de uma doença ou condição crónica ser claramente visível para o observador, tanto

pode ser vivido como mais penoso, como ao contrário, mais aceitável. Pless (1984)

verificou que as doenças que envolvem maior visibilidade (por exemplo usar cadeira de

rodas, usar aparelho de oxigénio portátil) podem ser mais fáceis ou mais difíceis de

aceitar, dependendo da construção social de doença ou deficiência que é prevalecente

no meio. Nos casos em que a criança vive num ambiente que define e identifica

claramente a doença (porque ela é frequente, porque existe informação suficiente

disponível), e tem uma imagem positiva e de não exclusão, esta visibilidade pode

contribuir para uma melhor adaptação à doença. Ao contrário, nos casos em que a

visibilidade está associada a rejeição e estereótipos de discriminação por parte do meio

próximo, tende a ser vivida como um agravante da perturbação (veja-se o exemplo da

seropositividade). Verifica-se, pois, que neste caso a construção subjectiva da criança

está particularmente associada com a significação que a doença tem para o seu meio

social mais próximo.

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Psicologia Pediátrica Luísa Barros

C. EVOLUÇÃO:

Não é difícil antecipar que as doenças que têm um curso mais imprevisível ou com

ameaça latente de perigo de vida (asma grave, diabetes mal controlado, leucemia,

fibrose quística), ou as que requerem hospitalização mais frequentes são as que tenderão

a ser mais difíceis, quer porque existe interrupção das rotinas e das experiências de

socialização e de aprendizagem, adaptação e integração, quer porque há tendência para

a hipervigilância e sobreprotecção que a doença torna imprescindível, ou que os pais

consideram necessária. As doenças que podem implicar mudanças bruscas no estatuto

de saúde e bem estar também causam muita insegurança e dificuldade em gerir o

balanço entre a dependência e autonomia, em fazer planos e em criar expectativas a

médio prazo. As crianças mais pequenas tendem a centrar-se no presente, mas podem

percepcionar a ansiedade e falta de esperança dos adultos, ou, mesmo sem a

compreender, sofrer as consequências da limitação da sua autonomia. Ao contrário, o

adolescente pode sentir-se particularmente perturbado pela dificuldade em elaborar

planos e definir expectativas a médio prazo.

D. INÍCIO:

De uma forma geral reconhece-se que a doença crónica que tem o seu início tardio,

especialmente na adolescência, é aquela que tem o potencial para ser mais problemática,

enquanto que a doença que acompanha a vida da criança desde os primeiros tempos

tende a ser integrada pela criança como uma característica intrínseca, de forma mais

natural. Mais uma vez, é o funcionamento cognitivo da criança pequena que explica a

sua aceitação fácil de uma condição da qual ela não identifica a raridade ou

anormalidade. No entanto o início precoce não impede que com os anos, e sobretudo

com a chegada da adolescência, não se observe uma problematização e agudização do

problema.

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Psicologia Pediátrica Luísa Barros

E. ETIOLOGIA:

Embora não existam estudos muito claros sobre o impacto do tipo de etiologia,

verifica-se que as doenças em que, de alguma forma, os pais se atribuem a si mesmos a

causa ou origem da doença, seja por factores genéticos ou por algo que fizeram ou

deixaram de fazer, são mais problemáticas para os próprios pais e, como tal, podem vir

a ser mais difíceis também para a criança. A necessidade de encontrar uma explicação

ou justificação para a ocorrência da doença conduz muitas vezes a sentimentos de

culpabilidade ou revolta por parte dos pais, e do próprio jovem, que influenciam a

construção de significações sobre a doença e a adaptação em geral.

F. RARIDADE:

Também não é de surpreender que as doenças mais raras coloquem dificuldades

acrescidas devido à falta de recursos, de modelos, de técnicos especializados e de

informação disponível. No nosso país, com uma população restrita, este problema é

agudamente sentido pelos pais de crianças portadoras de um vasto leque de doenças

que, noutros países são atendidas em serviços e associações especializadas7, mas que

entre nós são quase casos únicos. Este isolamento restringe também imensamente o grau

de opção e de autonomia na escolha dos técnicos e dos serviços de saúde e de educação.

Ao contrário, uma doença que, mesmo sendo bastante limitativa, é relativamente

comum (e.g.diabetes, asma), permitindo que a escola e a comunidade tenham desde

logo um melhor conhecimento, que os médicos possam apresentar uma experiência

vasta, e que os doentes ou famílias possam beneficiar de grupos de auto-ajuda, pode ser

vivida com maior aceitação. Os jovens sentem-se particularmente confortáveis com a

constatação de que não são "casos únicos" (Borges,no prelo).

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Psicologia Pediátrica Luísa Barros

G. TRATAMENTO:

As doenças que tendem a ser mais difíceis de viver são aquelas que exigem maior

número de tratamentos invasivos ou perturbadores das actividades diárias, ou

socialmente adequadas, as que exigem hospitalizações frequentes, ou as que exigem

tratamentos especializados em casa, na medida em que não permitem à criança um grau

de autonomia adequado à sua idade, e em que são perturbadoras da relação pais-filhos.

Sobretudo quando a doença exige que os pais intervenham nos cuidados diários de uma

forma que pode ser invasiva da intimidade pessoal (alimentação, higiene pessoal,

algaliação), tornando-se difícil respeitar a privacidade e facilitando um sobre-

envolvimento materno. Ou, de modo geral, criando uma relação pais-filhos

(frequentemente mãe-filho) excessivamente centrada em rotinas instrumentais e de

tratamento. Pelos mesmos motivos, todos os avanços científicos e tecnológicos que

permitem um tratamento menos invasivo e doloroso, ou menos perturbador das rotinas

de tratamento, facilitam grandemente a adaptação à situação de doença.

Como se pode constatar, as características da doença determinam parcialmente o

significado que lhe é atribuído pela criança, pela família e pelos pares. Uma doença

mais restritiva e limitativa, que envolve maior perigo ou insegurança, será

provavelmente, valorizada como mais grave e impeditiva de um desenvolvimento

adequado, e estará associada a maior perturbação emocional. No entanto, esta

construção de significado sobre a doença, as suas causas e consequências, e a sua

evolução, é extremamente subjectiva e idiossincrática. Veremos, em seguida algumas

das características da criança e da família que poderão determinar uma valorização ou

relativização desse significado.

190
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

5.2. CARACTERÍSTICAS DA CRIANÇA

Se se verifica que os processos de construção de significações sobre a doença e o

tratamento são grandemente idiossincráticos, e não especialmente determinados pelas

características objectivas da doença, podemos procurar sistematizar algumas das

características da criança, e do seu meio, que nos permitam compreender a melhor ou

pior adaptação a essa doença. Trata-se, como já referi, de identificar alguns dos

elementos que podem funcionar como atenuantes ou, ao contrário, agravantes, da

perturbação e sofrimento da criança doente. No entanto é de realçar que tem sido difícil

sistematizar grandes regularidades nos factores de protecção ou compensação

(Wallander e Varni,1992). Tudo se passa como se houvesse uma grande variedade de

factores individuais, familiares e de meio, e de processos de confronto individuais e

familiares, que pudessem contribuir de forma equivalente para que diferentes crianças e

diferentes famílias consigam adaptações bem sucedidas. Mais uma vez se constata que

as criança apresentam, de forma geral, importantes capacidades de adaptação, a que

Sameroff (Sameroff e Chandler,1975) chamou de "tendências auto-correctoras" do

desenvolvimento humano, e que os processos de protecção e compensação podem

revestir formas muito diferentes e seguir múltiplos percursos.

Esta ideia, que carece de ser mais investigada, aconselha-nos no entanto, e desde

já, a ter uma atitude cuidadosa no que respeita à intervenção. Isto é, os escassos dados

existentes alertam-nos para atender e valorizar a imensa variedade e pluralidade de

processos de adaptação, e a não procurar qualquer forma de intervenção normativa e

generalizadora. Mais uma vez me parece que a atitude correcta é, pois, a de partir duma

avaliação cuidadosa dos pontos fortes, dos recursos, e dos confrontos eficazes que já

existem, procurando maximalizá-los.

191
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

A. IDADE E DESENVOLVIMENTO:

Como é evidente, uma das regularidades que podemos definir como

influenciando, de forma decisiva, a capacidade de adaptação da criança à doença

crónica é a sua idade e nível de desenvolvimento cognitivo e socio-cognitivo. Como se

viu nos outros capítulos deste livro, o desenvolvimento determina, por um lado, quais

são as tarefas existenciais mais importantes, e a forma como o afastamento,

impedimento ou modificação de algumas dessas tarefas irá adquirir maior ou menor

centralidade para a vida da criança. Por outro lado, o desenvolvimento cognitivo e

socio-cognitivo irá determinar a forma como a criança é capaz de interpretar,

compreender e construir significações sobre a doença e o tratamento no contexto da sua

vida.

Referi antes que a idade de início da doença terá influência na forma como esta

é aceite. No entanto, atendendo a que a adaptação é um processo contínuo e dinâmico, a

criança irá passando por sucessivas fases de mudança em que a sua capacidade de

identificar problemas e de os confrontar se vai modificando. Como é evidente, uma boa

adaptação inicial não significa que não surjam problemas e dificuldades mais tarde,

quando o próprio desenvolvimento e crescimento da criança vem colocar novos

desafios. Nem as estratégias que foram eficazes nos primeiros tempos vão

necessáriamente continuar a ser as mais adequadas à medida que o tempo passa.

Finalmente, alguma dificuldade de adaptação advém do simples facto do passar do

tempo, e da criança começar a sentir o peso de “já ser doente há muito tempo”.

É nessa perspectiva que podemos procurar algumas regularidades na forma

como o desenvolvimento determina a adaptação, independentemente da idade do início

(Compas,1987; Hanson,et al.,1989).

192
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Na criança em idade pré-escolar, a sua capacidade de adaptação à doença

crónica está muito dependente do seu sentido de aceitação social, valor pessoal e nível

de energia (Harter,1987). O apoio parental e de outros adultos próximos, a capacidade

destes adultos para encontrarem alternativas para que as tarefas essenciais ao

desenvolvimento se processem com algumas adaptações, e para estruturarem

experiências de sucesso e de prazer, permitem à criança que mantém um nível de

actividade e de bem estar físico razoável, manter-se animada, satisfeita e alegre.

Recordemos que o pensamento pré-operatório destas crianças as faz reconhecer o apoio

emocional por meio de actividades muito concretas que partilham com os outros (rituais

diários de ler histórias ou participar em actividades divertidas, brincar, passear, etc.). Os

momentos de agravamento de sintomas ou de hospitalização podem ser vividos como

intervalos em que as regras e atitudes educativas habituais são substituídas por maior

contacto físico, carinho e benevolência, o que permite à criança reconhecer a

disponibilidade incondicional dos pais, e que rapidamente são esquecidos quando tudo

volta às condições anteriores, sobretudo quando não se prolongam excessivamente.

Nesta idade, e sobretudo quando começa a participar num grupo de pares ou tem

irmãos próximos em idade, a criança pode sentir-se triste por não comer os mesmos

doces que os outros, ou não poder fazer as mesmas actividades, mas isso não implica

directamente nenhuma avaliação de si própria como inferior ou diferente dos outros

(Harter,1983). A distracção, a compensação com outros privilégios, e sobretudo uma

rotina bem organizada de modo a que essas perdas não tenham grande relevância, a

firmeza segura dos pais que sabem empatizar, mas não dramatizam essas diferenças,

serão perfeitamente suficientes para que a criança viva estas perdas sem grande

sofrimento.

193
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Neste período é particularmente frequente a ocorrência de atitudes de

negativismo, em que a criança se opõe, sistematicamente e por princípio, ao que lhe é

sugerido ou ordenado. Trata-se duma atitude que todos os educadores conhecem bem,

em que a criança ensaia e põe à prova a sua capacidade de controlar o meio, e

especificamente os adultos, usando a linguagem, ou o comportamento. É importante que

a criança com doença crónica tenha ocasiões de afirmar a sua iniciativa e autonomia,

mas que simultaneamente as situações de tratamento ou de restrições alimentares ou de

actividades não sirvam de pretexto para esses exercícios de vontade própria. Para isso o

adulto, especialmente os pais, têm de usar de bastante diplomacia e antevisão, evitando

cuidadosamente as situações de conflito, mantendo-se calmos e controlados, e

permitindo à criança ter um papel activo, e mesmo alguma iniciativa, nas rotinas do

tratamento. É particularmente necessário que os pais evidenciem uma atitude de grande

firmeza e discriminem claramente o que pode ser negociado, dos tratamentos ou regras

de vida que não podem estar abertos a qualquer espécie de discussão. No geral, as

metodologias de planeamento de actividades, controlo de estímulos e reforço,

associadas a grandes doses de imaginação e bom senso, são bastante adequadas para

gerir este tipo de situação.

A partir da idade escolar, e sobretudo do início das operações concretas, o

sentido de justiça e igualdade adquire uma importância muito grande e baseia-se numa

leitura muito concreta e positivista da realidade. A emergência da capacidade de tomar a

perspectiva dos outros e imaginar como os outros vêem o próprio coloca à criança a

questão da avaliação de si mesma como diferente, e eventualmente, limitada ou

inferiorizada. Podemos dizer que é neste período que as significações sobre a doença e o

papel de doente se começam a consolidar. A criança pode, por exemplo, ter vergonha ou

medo de se sentir mal (ter uma crise de hipoglicémia, ou de asma) em face dos outros,

194
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

sobretudo porque associa estas crises a perda de controlo e vulnerabilidade

(Harter,1983;1987). Ou pode sentir agudamente a injustiça de não ter as mesmas

oportunidades de actividade física, ou de alimentação. Ou ainda começar a sentir o peso

da sobreprotecção materna como um impecilho à integração e plena participação no

grupo de pares. Esta sobreprotecção pode também começar a ser interiorizada de modo

que a criança acredita que é diferente e mais limitada do que os outros.

No entanto, é também durante esta fase que a criança aprende a tirar partido da

sua condição, podendo procurar a atenção dos outros por ser um caso especial, ou

aprender a usar os privilégios especiais que decorrem do facto de ter uma doença

crónica. De uma forma geral, se a doença não impede totalmente a participação nas

actividades escolares e de jogo, e se a família e a escola são capazes de integrar a

vigilância e cuidados necessários, sem grandes ansiedades nem dramatizações

excessivas, a criança é capaz de se adaptar com sucesso. Embora possa viver momentos

particularmente penosos quando, em função duma compreensão crescente sobre o

mundo e os outros, que já não pode ser totalmente controlada pelos adultos, começa a

constatar aquilo de que está impedida, em termos de actividades concretas. Não

devemos, no entanto, esquecer que o enfrentar do olhar catalogador e por vezes cruel

dos outros, e a constatação de que nem todos gozam dos mesmos privilégios, não é uma

experiência vivida só pela criança com doença crónica. Muitas crianças confrontam com

grande eficácia este tipo de vivências de alguma forma de diferença, seja devido à

nacionalidade, raça, religião, classe social ou particularidade física.

Nesta idade a criança continua muito dependente da forma como a família é

capaz de se adaptar à doença, equilibrando os cuidados e apoio social que a criança

necessita com os interesses e necessidades dos outros membros, de forma que a esta não

195
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

se torne no centro de todo as atenções, e, especialmente, que a doença não seja o tema

agregador da família.

Por outro lado, a escola e o grupo de colegas começam a ser especialmente

importantes e insubstituíveis, sobretudo pela sua vertente instrumental de permitir uma

integração social concretizada num conjunto de actividades de trabalho escolar e de

lazer adequadas à idade, e por oferecer à criança uma leitura muito concreta de como os

outros o vêem, e o valorizam. Por vezes as crianças com doença crónica tornam-se

especialmente competentes numa determinada área, sabendo tudo sobre computadores,

ou sendo jogadores de xadrez ou coleccionadores de fósseis exímios. A possibilidade de

desenvolver uma capacidade que lhe permite compensar as perdas de funcionalidade em

algumas áreas da sua vida, com a consequente auto-avaliação de competência e com a

possibilidade de desempenhar uma actividade que dá prazer e sentido de valor pode ser

particularmente adequada.

Os estudos sobre a doença crónica são unânimes em considerar que a

adolescência tende a ser o período mais difícil para este tipo de vivência. O adolescente

encontra-se numa fase de maior vulnerabilidade, em que o ser "diferente" dos pares é

experimentado como mais problemático, e em que precisa de conquistar uma

progressiva autonomização dos pais e dos adultos. O apoio social dos pais continua a

ser muito importante, mas o apoio dos pares, tanto o dos colegas em geral como o dos

amigos mais próximos (Harter,1990), adquire uma relevância muito maior para o

sentido de auto-estima. Assim, o início de uma doença que leve à necessidade de

modificar muitos dos seus hábitos, gostos, estilos de vida, ou mesmo a ter de desistir de

alguma autonomia comportamental que já tinha sido adquirida, ou que estava em vias

de ser alcançada, pode ser especialmente problemático. Verificou-se, por exemplo, que

os adolescentes diabéticos estão, globalmente, menos adaptados que as crianças mais

196
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

novas com a mesma doença (Band, 1990). No entanto, é de salientar que Kovacs e

colegas (1985) comprovaram que seis meses depois do diagnóstico, os jovens com

diabetes tinham encontrado alguma forma de adaptação e equilíbrio comportamental.

O facto de a adolescência ser uma fase de redescoberta do corpo, das suas

potencialidades e limites, da sua capacidade de se definir como elemento de atracção e

relação com os outros, pode trazer toda a problemática da doença e do tratamento para o

centro da atenção, levando o jovem a definir-se como particularmente diferente e

“anormal” face ao grupo de pares, ou ao ideal de beleza juvenil.

Mesmo nos casos de doença crónica iniciadas nos primeiros tempos de vida, é

provável que a adolescência seja um período especialmente conturbado. Talvez não

mais do que nos outros jovens, mas em que todas as temáticas da doença, das suas

implicações em termos de restrições de actividades ou planos, e na obrigatoriedade de

cumprir um regime de tratamento muito rígido tenderão a ser especialmente agudizadas

nesta época da vida. A literatura sobre adesão realça a frequência de atitudes de rebeldia

que se concentram na não-adesão aos tratamentos, e nos comportamentos de risco que

são vistos como uma necessidade de renegociar as fronteiras da autoridade e de assumir

maior autonomia. É particularmente crítico que os pais e adultos utilizem atitudes de

diplomacia e flexibilidade, de modo a permitir que o jovem exerça as suas necessidades

de tomar decisões e explorar limites, mantendo a adesão aos tratamentos em níveis

suficientes para um controlo razoável da doença. Neste período, uma renegociação das

responsabilidades sobre o tratamento que se faça de forma demasiado precoce ou

rápida, poderá ser bastante catastrófica.

Por outro lado, o acesso a um raciocínio abstracto e à capacidade de pensar

sobre hipóteses, permite equacionar problemas que não se tinham colocado até aí. O

adolescente começa naturalmente a confrontar-se com dúvidas e angústias sobre o seu

197
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

futuro sentimental, sexual, familiar e profissional, e a elaborar hipóteses sobre o que

esse futuro poderia ser se ele não fosse doente. Nestes casos o diálogo com pares que

partilham o mesmo tipo de problemas de saúde pode ser particularmente adequado.

B. COMPETÊNCIAS SOCIAIS:

Para além da idade e do desenvolvimento, duas características pessoais têm sido

identificadas como especialmente facilitadoras da adaptação da criança a situações de

stress, quer de ordem fisiológica quer social. São elas a capacidade de estabelecer

relações sociais e de se integrar num grupo de pares, e a capacidade de resolver

problemas interpessoais. Estas duas capacidades interessam-nos particularmente, na

medida em que não são traços fixos, mas antes implicam um conjunto de competências

sociais que têm sido repetidamente demonstradas como possíveis de estimular e

desenvolver em crianças de várias idades.

A capacidade de estabelecer relações sociais: Uma das características

individuais da criança que mais pode determinar a sua adaptação à doença crónica é a

capacidade de estabelecer novos laços sociais, de se envolver com novos

conhecimentos, e, no geral, a sua confiança e asserção social global. Com efeito, muitas

das reacções de estranheza ou afastamento dos pares face a colegas doentes não são

mais que alguma dificuldade em lidar com o novo e o desconhecido. Um criança

sociável e confiante ultrapassa facilmente esta situação, enquanto uma outra mais tímida

e insegura pode sobrevalorizar estas primeiras atitudes e reforçar a sua desconfiança ou

tendência para o isolamento. É conhecida a crueldade que as crianças em grupos podem

evidenciar face a um colega que percebem como diferente. No entanto, uma criança

segura e assertiva, e um meio bem estruturado que não permite uma expressão livre

dessa crueldade e fornece ocasiões repetidas de interacção organizada, consegue

198
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

ultrapassar com sucesso estas primeiras atitudes de estranheza. É igualmente conhecida

a imensa capacidade de aceitação do outro, a generosidade e engenhosidade que os

grupos de crianças conseguem desenvolver para facilitar a integração satisfatória de um

colega doente ou deficiente. Esta é uma das situações em que os professores e

educadores têm um papel decisivo.

Nos últimos anos têm vindo a realizar-se actividades grupais com crianças que

partilham a mesma doença (e.g., campos de férias para asmáticos ou diabéticos). Estas

actividades têm objectivos terapêuticos e educacionais muito importantes, de que

falaremos adiante, mas não devem em nenhum caso substituir a integração num grupo

de pares não seleccionado. A criança precisa de aprender a reconhecer os seus limites e

diferenças, e a conviver com o olhar e a curiosidade dos outros. Quanto mais cedo o

puder fazer, mais fácil será essa aprendizagem.

Curiosamente, e apesar de toda a importância que a família necessariamente tem

neste processo, verifica-se que, pelo menos a partir da idade escolar, o apoio social

fornecido pelos colegas e amigos é cada vez mais importante para a construção da auto-

estima e para a adaptação à doença crónica (Wallander e Varni,1992).

A capacidade de resolver problemas: De uma forma geral podemos dizer que a

criança será tanto mais capaz de lidar adequadamente com a doença crónica e de se

adaptar sem grandes perturbações, quanto maiores forem as suas capacidades de

confrontar situações stressantes ou difíceis. Referi, no capítulo sobre o stress e

confronto, a existência de vários processos de confronto, potencialmente adequados. A

possibilidade de observar e contactar com formas flexíveis e eficazes de confrontar o

stress, e de as ensaiar com algum sucesso, determinará, em grande medida, a adaptação

da criança e do jovem.

199
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

As competências de resolução de problemas sociais (Spivack, Platt e Sure,1976),

nomeadamente a capacidade de compreender a existência de soluções diversificadas

alternativas ou complementares, e a capacidade de antecipar consequências para

diferentes tipos de alternativas, tem sido definida como particularmente crítica para a

saúde mental e física da criança e do adolescente. No caso de uma criança com doença

crónica, estas competências serão necessárias para responder aos novos desafios e

problemas que vão surgindo ao longo da adaptação à sua condição. A possibilidade de

encontrar formas alternativas de atingir os seus objectivos, e de procurar actividades que

lhe dêem prazer e a façam sentir segura e competente, e a capacidade para definir planos

de acção adequados às várias circunstâncias, para responder aos impulsos ou pressões

dos pares para se envolver em comportamentos de risco ou para ignorar as rotinas do

tratamento, estão associadas ao desenvolvimento deste tipo de competências

(Compas,1995).

5.3.. CARACTERÍSTICAS DA FAMÍLIA:

Como é evidente, o ambiente social em que a criança vive e se desenvolve, e a

família restrita muito em particular, vão determinar em grande parte o significado

atribuído à doença crónica, os recursos internos e externos que estão disponíveis, e, de

forma geral, toda a adaptação da criança e do adolescente. A doença crónica é

claramente um assunto de família, em que todos os seus elementos vão ser afectados e

vão ter que desenvolver processos de confronto e de adaptação. Em síntese, é possível

afirmar que a família tanto pode funcionar como um facilitador importante da

adaptação, como, ao contrário um dificultador ou obstáculo a esse mesmo processo de

adaptação. Numa perspectiva transaccional tanto podemos dizer que a família

determina a adaptação da criança à doença crónica, como, por sua vez, é influenciada

200
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

pela doença crónica e pelo modo como a criança se adapta à doença, num ciclo de

interacções que se sucedem e se interdeterminam (Fiese e Sameroff,1992). Numa

perspectiva sistémica reconhece-se que o diagnóstico de doença crónica dum filho

representa um stress importante para toda a família, que conduz à modificação dos seus

padrões de funcionamento, o que por sua vez altera a percepção da criança e as atitudes

educacionais, a própria evolução da doença, e de forma geral, todo o desenvolvimento

da criança (Patterson,1995). A adaptação é, pois, não só um processo contínuo, como

um processo de dialéctica activa entre a criança e a família.

A maioria dos autores reconhece que os pais ocupam um papel privilegiado no

desenvolvimento das atitudes e crenças sobre saúde e doença (Gochman,1985). Embora

uma percentagem importante dos estudos refira a família como um determinante da

doença dos seus membros (pela hereditariedade, pelas influências desestabilizadoras na

saúde física e mental, pelas condições socio-económicas, ou pelo nível de stress em que

vivem) (Melamed e Bush,1985; Johnson,1985), não podemos ignorar o papel parental

de protector e/ou moderador da saúde da criança (Cresson,1993). Na doença crónica ou

prolongada este papel de prestador de cuidados e facilitador da adaptação adquire um

relevo essencial, na medida em que a doença e os tratamentos têm de ser geridos no

quotidiano familiar doméstico. De uma forma geral, os psicólogos de pediatria tendem a

reconhecer as famílias como competentes e capazes de funcionarem adequadamente,

mas podendo necessitar de auda psicológica devido à extrema dificuldade e exigência

de lidar com uma doença crónica (Fiese e Sameroff,1989).

Se a ideia de que os pais têm uma influência importante no desenvolvimento das

crenças e atitudes de saúde dos filhos parece consensual, a maneira como essa

influência se processa está por explorar (Gochman,1985). Como noutras áreas de

estudo em que se relacionaram as crenças parentais com o desenvolvimento infantil

201
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

(e.g.,Goodnow,1988; Miller,1988), os primeiros estudos experimentais procuraram

averiguar a influência directa de determinadas crenças ou ideias parentais nas

atitudes dos filhos. Não é surpreendente verificar que estes estudos têm apresentado

resultados bastante pobres (Gochman,1985; Kuczinsky e Grusec,1997).

Partilho a opinião de outros autores construtivistas, como Sigel (1986), e

Mcgillicuddy-DeLisi (1985), de que não é muito relevante ou significativo estudar a

transmissão directa de uma atitude, ou investigar o impacto de um tipo de crenças

parentais (como a valorização do exercício físico ou a rejeição do consumo do tabaco),

nas atitudes infantis. Como noutras áreas do desenvolvimento infantil, reconhece-se que

os pais influenciam e determinam parcialmente o desenvolvimento e comportamento

dos filhos de forma mais indirecta e global. Por exemplo, Pratt (1973) verificou que

existia uma relação importante entre o tipo de práticas educativas e disciplinares e as

atitudes de saúde. Pais que valorizavam sobretudo a autonomia e justificavam

racionalmente as regras educacionais que impunham, tinham filhos com atitudes de

saúde globalmente mais positivas. Os comportamentos de saúde surgem assim, não

como fruto de uma transmissão directa de crenças específicas, mas como a expressão da

competência social. As crenças sobre saúde e doença integram, assim, um padrão mais

geral de significações sobre si próprio e sobre o mundo, sobre a possibilidade de se

conhecer a si mesmo e aos outros, e sobre a possibilidade de controlar e confrontar as

situações mais complexas e penosas. As atitudes educativas e as significações parentais

que as estruturam são pois, parte integrante dum processo mais global e

multideterminado de desenvolvimento de significações sobre saúde e doença.

De forma geral, a família, e especificamente os pais, têm sido considerados

como determinantes importantes na:

202
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Definição do papel de doente: pelas suas atitudes em relação à criança doente, mas

também em relação à sua própria doença, ou à de outros membros da família, os

pais vão contribuindo para modelar uma noção do que é ser e/ou estar doente, quais

os privilégios e benefícios secundários que este estado implica.

Definição da possibilidade de controlo dos sintomas: as atitudes e verbalizações

parentais face à dor e mal-estar do filho ou do próprio vão influenciar o

desenvolvimento do conceito de vulnerabilidade física, e de auto-eficácia no

controlo dos vários sintomas físicos. A criança irá descobrindo a dor e o sofrimento

físico como algo de insuportável e incontrolável, ou que é possível ser aliviado e

minorado, algo de que não se fala nem discute, ou ainda que pode ser maximizado

porque traz privilégios concretos.

Definição das atitudes de adesão às prescrições médicas: o modo como se estabelece

a relação com as autoridades médicas e como as significações e prescrições médicas

são aceites, ignoradas, contestadas ou utilizadas como base de compromisso, vai

contribuir para a aquisição de um modelo de adesão médica.

Se é certo que, para muitas crianças com doenças crónicas não muito

incapacitantes, ou com doenças que tiveram o seu inicio à nascença ou nos primeiros

anos, não existe um reconhecimento claro da diferença entre elas mesmas e as crianças

saudáveis, e não há, portanto, uma definição de si mesmas como doentes pelo menos até

à adolescência, a verdade é que os pais destas crianças sofreram o impacto do

diagnóstico de forma geralmente muito mais brusca e dramática. Na vasta maioria dos

casos os pais planeiam e antecipam filhos saudáveis. O conhecimento da doença do

filho obriga-os a substituir todas as suas expectativas por outras que contemplem a ideia

de um filho diferente do esperado e com mais limitações e problemas. Assim,

203
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

encontramos muitas vezes pais para quem a condição crónica adquire uma centralidade

absoluta e têm dificuldade em conceptualizar o filho como uma criança que, por ser

doente, não deixa de ser normal e de ter as necessidades normais das outras crianças

(e.g.,Santos). Diferentes estudos (Ievers, Drotar, Dahms, Doershuk e Stern,1994)

evidenciaram que os pais tendem a utilizar práticas educativas menos exigentes com os

filhos doentes, enquanto Walker et al.(1995) constataram que as crianças com doença

crónica são perfeitamente capazes de reconhecer que os pais lhes atribuem privilégios

especiais. Santos (1997) verificou que as mães de crianças com doença cardíaca

congénita tendiam a atribuir uma grande centralidade ao problema cardíaco,

valorizando-o como causa de uma grande variedade de problemas educacionais e

comportamentais, mesmo vários anos após a cirurgia remediativa ter sido realizada com

sucesso. Como é evidente, este tipo de atitude diferenciadas por parte dos pais (e muitas

vezes também dos professores), conduz a uma interpretação do comportamento e

desenvolvimento da criança como hiperdeterminado pela doença. Uma doente com

paralisia cerebral relata assim a sua experiência e a influencia que teve no seu

desenvolvimento “Eu naturalmente acabei por considerar-me como o centro do universo

porque tudo se passava em função de mim, e da minha doença” (Pelletier,1988,p.54).

Os pais valorizam esse determinante, que no caso da doença crónica geralmente não

pode ser eliminado nem transformado, em detrimento de outros determinantes mais

acessíveis e controláveis (i.e., as suas próprias atitudes educativas, as actividades de

tempos livres, os apoios educativos especiais). Em consequência os problemas da

criança são vividos como mais estáveis e dramáticos, e a criança pode adquirir uma

noção de si como menos competente ou com acesso a menores oportunidades. É uma

situação clássica em que não é a doença, mas a interpretação que os pais fazem das suas

consequências e efeitos, que acaba por limitar as oportunidades de desenvolvimento da

204
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

criança. Noutros casos, a criança pode aprender que uma atitude de sofrimento e

queixas não controladas lhe traz benefícios concretos, e passa a centrar a sua atenção na

identificação e valorização das queixas, em vez de se concentrar no modo de confrontar

eficazmente os sintomas.

Ao contrário, os pais que conseguem integrar a doença como uma das múltiplas

condições com que a criança tem de viver, sem ignorar mas sem dramatizar,

contribuem de forma importante para atitudes mais próximas do estoicismo

(Parmalee,1989), e uma melhor aceitação da doença.

A maior parte dos trabalhos referem o papel dos pais enquanto facilitador ou

agravante da adaptação da criança. No entanto, não nos podemos esquecer da

enormidade da tarefa que enfrentam. Os pais têm que cumprir três tipos de adaptação:

aceitar a ideia de um filho doente, modificar as suas expectativas, projectos e rotinas de

modo a adaptarem-se às exigências da doença em cada período de vida; ajudar a criança

a aceitar a sua doença, as limitações que esta impõe, as exigências do tratamento; e

finalmente, manter algum equilíbrio nas outras áreas da sua vida enquanto pessoas

(cônjuges, amigos, profissionais). De notar que apesar das diferenças de atitudes

individuais, globalmente, as mães de crianças com doença crónica têm sido avaliadas

como bastante resilientes, e as suas práticas educativas não serem especialmente

afectadas pela doença da criança (Ievers et al.,1994).

De uma forma geral, sabemos que as estratégias de confronto utilizadas pelos

pais são centrais, não só porque determinam a sua forma de reagir e de resolver os

problemas, como porque são bons modelos de confronto para os filhos. Assim, é

evidente que os pais que são capazes de procurar e trabalhar informação, de manter uma

atitude optimista, evitando catastrofizações, de estabelecer metas razoáveis e reconhecer

os pequenos progressos, e de encontrar um sentido positivo para as suas experiências,

205
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

são aqueles que vão dar um maior incentivo e apoio aos seus filhos. Um estudo

particularmente interessante ( Kucia et al.,1979), mostrou que os pais de crianças bem

adaptadas à doença (fibrose quística), se distingam dos que tinham filhos menos

adaptados, essencialmente por oferecerem soluções mais criativas para os problemas.

Apesar dos pais terem de despender muita energia e recursos no

acompanhamento do filho doente, verificou-se que são aqueles que conseguem manter

alguma actividade e fonte de gratificação exterior, profissional e social, e uma relação

conjugal os que serão mais capazes de um processo de adaptação adequado a longo

prazo.

5.4. OUTROS ELEMENTOS DO MEIO:

Nunca é demais lembrar que a vida da criança está integrada numa família e

numa comunidade que vão influenciar de forma muito significativa as possibilidades de

adaptação à doença crónica Assim, a rede de apoio social, em termos instrumentais,

cognitivos e emocionais tem sido considerada um elemento decisivo na capacidade da

família conseguir adaptar-se aos acréscimos de exigências e prestar o acompanhamento

necessário à criança (Johnson,1985). Por outro lado a criança insere-se numa escola e

numa comunidade de pares que vão desempenhando, ao longo do desenvolvimento, um

papel decisivo na sua integração, socialização e adaptação à doença crónica. O

psicólogo de pediatria que trabalha com crianças com doença crónica não deve esquecer

a escola e as actividades de tempos livres como ambientes indispensáveis ao

desenvolvimento e bem estar da criança, e não deve hesitar em procurar os adultos

responsáveis nesses ambientes para procurar alternativas adequadas à intervenção com

os doentes crónicos.

6. INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA NA DOENÇA CRÓNICA PEDIÁTRICA

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Psicologia Pediátrica Luísa Barros

6.1. OBSERVAÇÕES GERAIS:

Como vimos, se bem que a relação entre a doença crónica e a perturbação

psicológica não seja directa nem obrigatória, sabemos que é uma condição de vida que

tende a estar associada a um maior risco de problemas no comportamento,

desenvolvimento e bem estar em geral. Segundo Pless e Stein (1994) na medida em que

não é possível eliminar a condição associada ao stress e à perturbação (neste caso, a

doença crónica), o que devemos fazer é conjugar esforços para facilitar o confronto

diversificado e adequado.

Como já foi referido a propósito da hospitalização, mas com uma importância

que aqui se torna ainda mais relevante, verificamos que a abordagem da criança com

doença crónica não se pode restringir ao controlo médico da doença. É necessário um

trabalho multidisciplinar, em que a criança e a família são considerados como parte

integrante duma equipa de saúde. Existe actualmente bastante unanimidade no sentido

de se reconhecer que os modelos de intervenção centrados na identificação de áreas de

disfunção (modelo de déficit), ou de problemas (modelo centrado nos problemas), são

pouco adequados à intervenção com as crianças e as famílias com doenças crónicas, ou

perturbações pervasivas de desenvolvimento (Patterson,1995). As intervenções devem

partir da identificação de recursos, áreas de funcionalidade, competência, resiliência e

sucesso, para facilitar a utilização de soluções o mais possíveis autónomas,

generalizáveis e adequadas a cada criança e cada família.

Como sempre em psicologia pediátrica, a intervenção não pode confundir-se nos

seus objectivos e estrutura com a psicologia clínica ou psicoterapia. A intervenção

psicológica deve estar disponível e ser oferecida aos pais como parte dos recursos que

existentes, ou em resposta a uma referência do clínico que acompanha a criança, mas

nunca ser apresentada como obrigatória. Não podemos nunca esquecer que a maior

207
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

parte das crianças e famílias se adapta bem à doença crónica. É necessário dar tempo e

espaço à família para encontrar a sua própria forma de confrontar a doença crónica.

Uma intervenção intempestiva e desajustada pode ser extremamente prejudicial,

sobretudo se não for suficientemente sensível para respeitar o ritmo de adaptação da

criança e da família. Por exemplo, algumas famílias começam logo por colocar questões

sobre os problemas que vão surgir a médio prazo, e querem ser ajudadas nessa

antecipação, mas a maior parte precisa de um período relativamente longo para chegar a

compreender todas as implicações da doença crónica, e só o conseguem fazer

progressivamente, à medida que as exigências da doença ou do crescimento da criança

vai colocando novos problemas.

6.2. OBJECTIVOS E ESTRUTURA DA INTERVENÇÃO

Na medida em que a doença crónica representa uma experiência que, dentro da

idiossincrasia e diversidade de processos individuais, apresenta as características

comuns que referimos antes, podemos considerar que existem igualmente objectivos e

metodologias de intervenção que se adequam ao tratamento dos problemas comuns às

diferentes doenças crónicas. Por outro lado, algumas doenças apresentam exigências e

problemas bastante específicos, aos quais os psicólogos têm procurado responder com

programas de intervenção igualmente específicos. Apresento em seguida as

intervenções mais estudadas, organizadas segundo os seus objectivos.

De uma forma geral podemos dizer que a intervenção psicológica na doença

crónica pediátrica tem essencialmente dois objectivos. Por um lado, facilitar a aceitação

e adaptação à doença e limitações associadas, modificando as rotinas de vida na medida

do necessário, facilitando o controlo da perturbação emocional e a resolução dos

múltiplos problemas existenciais e educacionais, de modo a garantir um

208
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

desenvolvimento global o mais adequado possível. E, por outro lado, facilitar uma

adesão responsável ao tratamento e recomendações dos médicos e outros técnicos de

saúde.

Se estes dois objectivos são aqui abordados separadamente, por uma questão de

clareza e organização, eles estão, naturalmente, interligados. Uma melhor aceitação e

resolução de problemas conduz a uma melhor adesão, e uma adesão bem conseguida,

em que o doente e a família assumem as suas responsabilidades e conseguem um bom

grau de autonomia no cumprimento do tratamento e de mudanças de estilo de vida

estão, evidentemente associados a uma melhor adaptação.

6.3. METODOLOGIAS DE INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA PARA A

ADAPTAÇÃO À DOENÇA

6.3.1. ESTABELECER UMA RELAÇÃO DE ABERTURA E DIÁLOGO

COM A CRIANÇA E COM A FAMÍLIA

O primeiro passo de qualquer intervenção psicológica em situações de doença

crónica é criar as condições para uma relação de comunicação aberta e honesta com a

criança doente e com a sua família, e definir o papel do psicólogo como o

profissional que está ali para ouvir e valorizar a sua perspectiva, e proporcionar

apoio na resolução dos problemas que forem encontrando. Os outros profissionais

que cuidam da criança centram-se, necessariamente, em aspectos mais objectivos da

identificação de sintomas, do diagnóstico e do tratamento. O psicólogo deve criar um

espaço onde o diálogo se centra sobre as percepções, interpretações, sentimentos, e

em geral sobre a experiência subjectiva, e sobre a procura de soluções para os

problemas que surgem como acessórios ou colaterais aos outros profissionais, mas

que são essenciais para a criança ou família.

209
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Para tal, o psicólogo dispõe de estratégias de facilitação da comunicação, como

a escuta empática, a pergunta aberta, a paráfrase ou a clarificação que incentivam uma

expressão que se pretende com grande liberdade e autenticidade.

Esta primeira fase de estabelecimento da relação deve permitir uma avaliação

cuidadosa, que se ocupa essencialmente da identificação das competências de adaptação

e das áreas de preocupação ou perturbação. E, a partir da análise destas, far-se-à a

definição conjunta de objectivos de intervenção. É necessário que a criança compreenda

que o psicólogo vai trabalhar com ela para diminuir o medo, ou para ter menos dores,

ou para ser mais capaz de falar da sua doença com os colegas, ou para informar a

professora que não quer ser tratada de forma especial. O acordo sobre os objectivos de

trabalho define uma relação de compromisso e envolve todos os parceiros num esforço

de mudança.

6.3.2. DISPONIBILIZAR INFORMAÇÃO

Actualmente considera-se que o conhecimento factual e objectivo sobre a

doença, a evolução provável, os tratamentos disponíveis e as consequências dum

tratamento incompleto ou insatisfatório, é essencial para permitir uma adaptação eficaz

e duradoura. Visa-se, essencialmente, evitar todas as consequências da não-adesão aos

tratamentos, mas também permitir que o doente e/ou a família possam ter um papel

mais autónomo e activo na avaliação e no tratamento da doença.

Para alcançar este objectivo têm-se realizado vários programas cujo objectivo de

transmitir informação e conhecimentos é o único, ou está associado a outros objectivos.

Programas educacionais: são os mais frequentes, embora raramente tenham

sido alvo de uma avaliação sistemática. Baseiam-se no racional de que o doente que

conhece e compreende a doença, o seu impacto, e o seu tratamento é um doente mais

210
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

adaptado e que adere melhor às prescrições dos técnicos. Os poucos estudos

sistemáticos que se realizaram demonstraram que só a partir dos 11/12 anos é que este

tipo de informação é bem assimilada pela criança, Com as crianças mais novas estes

estudos mostraram-se bastante ineficazes (Etzwiler e Robb,1972).

Acampamentos de férias: estes programas associam ao objectivo de transmitir

informação, o de ensinar e treinar ao vivo as atitudes de controlo da doença, a um grupo

de crianças com a mesma doença. Têm-se realizado sobretudo com crianças asmáticas e

diabéticas. Mais uma vez, só se mostraram eficazes para as crianças mais velhas

(Harvaky et al.1983).

Uma das críticas a estes programas educacionais é que são estandardizados e se

dirigem globalmente a todas as crianças, como se todos sentissem da mesma forma os

sintomas da doença. No entanto, sabemos hoje que existe uma grande variabilidade de

experiências individuais dos mesmos sintomas (Pennebacker et all.1981), pelo que os

programas devem ser estruturados de modo a permitir a identificação destas diferenças.

Isto é, embora podendo continuar a ser grupais, recomenda-se que incluam exercícios

especiais, em que cada sujeito possa aprender a reconhecer e identificar precocemente

os sintomas da doença, ou a necessidade de administrar o tratamento.

Outra crítica que pode ser feita a este tipo de programas é o de contribuir para

um certo espírito de apartheid da criança doente, reforçando a ideia de que as

necessidades especiais só podem ser satisfeitas em grupos especiais. Penso que esta

possibilidade deve ser abertamente discutida e equacionada com as famílias destas

crianças, de modo a conseguir um equilíbrio saudável entre actividades em grupos de

pares onde a criança aprende com modelos semelhantes e reconhece que existem muitas

outras crianças com problemas próximos do seu, e todas as outras actividades em que a

criança deve aprender a conviver com a diferença.

211
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

A leitura construtivista da psicologia pediátrica considera que estes programas mais

grupais ou estandardizados, que visam transmitir uma informação factual, não são

suficientes. Nesta perspectiva, em vez de uma transmissão unilateral de informação,

considera-se necessário implementar um processo mais alargado de troca ou partilha,

que visa facilitar a adaptação da criança e da família à doença, corrigindo erros de

percepção e interpretação, clarificando dúvidas e receios (Edwards e Davis,1997). E ,

simultaneamente, ajudar a criança (e os pais) a ser mais clara nos seus pedidos de

esclarecimento e de ajuda.

Com efeito, o conhecimento dos processos subjectivos de construção de

significados, e a experiência directa de conversas com crianças doentes, permite-nos

avaliar a diversidade de construções infantis, e como elas podem ser perturbadoras para

a adaptação à doença e ao tratamento. O conhecimento dos processos cognitivos nas

diferentes etapas do desenvolvimento orienta a exploração dessas construções. A

criança tende frequentemente a concentrar-se em aspectos parciais, e muitas vezes

absolutamente marginais da sua experiência, e se não passarmos por uma fase de

avaliação cuidadosa das significações da criança sobre a doença, o impacto desta na sua

vida, o tratamento, podemos ficar completamente aquém daquilo que a preocupa e

perturba. A perturbação emocional que acompanha a comunicação do diagnóstico ou de

alterações de tratamento conduz a grandes enviesamentos no modo como a informação

é compreendida e assimilada, tanto pela criança como pelos pais. Assim, o papel do

psicólogo é sobretudo o de complementar a informação transmitida pelos outros

profissionais de saúde, com a manutenção de uma relação aberta de revisão e discussão

de todas as dúvidas e percepções enviesadas, tanto com os adultos responsáveis como

com a própria criança.

212
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

De uma forma geral, a informação deve obedecer a critérios rigorosos (Edwards

e Davis,1997):

1. Estabelecer um acordo claro sobre quem dá que tipo de informação à criança

e aos pais.

2. A informação médica deve ser sempre primeiro dada pelo médico

responsável,

assim como a informação sobre outros tratamentos complementares deve ser

transmitida pelo técnico responsável pelos mesmos (e.g., fisioterapia). O

psicólogo pode estar presente, ou trabalhar essa informação posteriormente com

a criança, mas não lhe compete a ele transmitir informação nova sobre

diagnóstico, tratamento, prognóstico. etc..

3. Garantir coerência e consistência na informação que os vários adultos

transmitem à criança, através de uma comunicação adequada na equipa.

4. Não dar demasiada informação, ou demasiado complexa, de uma só vez. É

sempre preferível ir acrescentando informação nova à medida que a criança faz

perguntas, ou já dominou a informação anterior.

5. A informação tanto para os pais como para as crianças deve ser, sempre que

possível, apoiada em material escrito, filmes, vídeos, livros, etc.

6. A informação deve ser sempre honesta, não escondendo aspectos menos

agradáveis, mas mantendo sempre uma perspectiva positiva e encorajadora de

esperança.

7. Não esquecer que a informação tem de ser um processo continuado; o mais

importante é definir uma relação de abertura, em que a informação já dada vai

sendo repetida, acrescentada ou corrigida, e que pais e criança sabem que

podem colocar todas as suas dúvidas. Deve sempre partir-se do que a criança já

213
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

sabe ou conhece, acrescentar algo de relevante, e deixar a porta aberta para que

a criança

faça mais perguntas, no mesmo momento ou posteriormente.

8. A informação dada à criança deve centrar-se sobretudo naquilo que é

relevante para a criança. Muitas vezes o que a preocupa não é o central ou

essencial para o médico ou para os pais.

9. A informação deve ser transmitida aos pais antes, ou simultaneamente com a

criança, para eles poderem assegurar a continuação duma mesma explicação

6.3.3. FACILITAR A EXPRESSÃO DE SIGNIFICAÇÕES SOBRE

A DOENÇA

Para além do processo de transmitir informação correcta e adequada a cada criança e

família sobre a doença e o tratamento, o psicólogo deve envolver-se num processo

estruturado de facilitação da expressão das significações infantis e da sua discussão, sempre

que a criança apresenta perturbação emocional ou comportamental, e dificuldades de

adaptação, ou está em risco aumentado devido à gravidade da doença ou do tratamento. Para

tal as estratégias essenciais são a criação duma relação aberta e aceitante. É necessário

esclarecer que não existem verdades únicas, ou respostas certas ou erradas, mas antes formas

diferentes de compreender e interpretar as situações que podem ajudar mais ou menos. É

igualmente necessário saber encontrar um justo equilíbrio, sem ser intrusivo, nem demasiado

reservado; algumas crianças não vão abordar directamente as suas dificuldades, enquanto

não lhes for mostrado que é adequado abordar todos os temas que a preocupam, queixar-se

dos pais ou dos outros técnicos, falar da vida escolar ou dos amigos, etc.. O psicólogo deve

ser sobretudo especialmente cuidadoso para não utilizar formas de avaliação demasiado

fechadas, ou para não transmitir as suas próprias significações. É particularmente fácil

transmitir à criança uma ideia daquilo que pensamos que ela pensa, ou daquilo que

gostaríamos que ela pensasse.

214
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Podemos recorrer a algumas técnicas que facilitam a avaliação e discussão de crenças e

significações:

1. estabelecer uma relação empática, e adaptar a linguagem ao nível de

compreensão da criança.

2. colocar perguntas abertas, pedindo descrições de situações, verbalmente ou por

escrito (e.g., pequenos diários).

3. utilizar o desenho ou o jogo simbólico para definir situações, papéis,

pensamentos e sentimentos dos personagens intervenientes.

4. utilizar material pouco estruturado como o completamento de frases, ou

gravuras sobre temas de hospitais, doenças, etc. para elicitar o diálogo e a

expressão emocional da criança.

6.3.4. ESTRATÉGIAS PARA AUMENTAR O SENTIDO DE AUTO-

EFICÁCIA E DE CONTROLO

A adaptação à doença crónica exige que a criança desenvolva uma série de

competências de controlo da doença e dos sintomas. A criança diabética, por exemplo,

tem de aprender a monitorizar os índices de glicémia, e a administrar a insulina,

enquanto que o jovem com asma tem de conhecer os estímulos ou actividades que

podem desencadear as crises, assim como uma sequência de comportamentos que

permitem controlar os sintomas. Verificou-se que o simples conhecimento sobre os

sintomas ou rotinas de tratamento não eram directamente traduzidos em melhor adesão

(Mazzuca,1982), pelo que é necessário aplicar programas de treino de competências de

autocontrole e de auto-tratamento (Geffken e Johnson,1994).

Os treinos de auto-instrução têm sido utilizados para as crianças que devem

participar num destes tratamentos complexos ou particularmente aversivos. A criança

215
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

aprende a instruir-se a si própria, através do uso de verbalizações previamente

escolhidas e ensaiadas, que a ajudam a seguir os passos necessários pela ordem certa, a

manter-se calmo, e a reforçar-se pelas atitudes de adesão.

Como vimos as competências sociais, nomeadamente as de asserção social e de

resolução de problemas adquirem uma função crítica na adaptação da criança com

doença crónica. Os programas de treino de competências sociais utilizam estratégias de

modelagem por pares e de ensaio de atitudes para ensinar a criança a lidar com um

conjunto de situações socialmente difíceis a que esta se vê confrontada frequentemente:

recusar a oferta de certos alimentos, interromper actividades grupais para o auto-

tratamento, encontrar formas alternativas de participar em actividades grupais, incluir as

suas limitações físicas nos planos de futuro, etc.

Algumas doenças crónicas, como a asma, podem ser acompanhadas de episódios

em que a sintomatologia se agrava de forma brusca ou inesperada. Nestes casos, porque

podem resultar num agravamento da doença ou num perigo de vida, tendem a estar

associados a um nível de ansiedade muito elevado. Assim, é particularmente

importante ensinar à criança uma estratégia de controlo da ansiedade que lhe permita

não agravar a sintomatologia, e colaborar activamente no tratamento, sem aumentar o

seu sofrimento. Têm sido utilizadas metodologias de relaxamento e de

dessensibilização.

O relaxamento, ( já apresentado em detalhe no capítulo 5), pode ser ensinado a

crianças de várias idades, que poderão depois aplicá-la mais ou menos autonomamente.

Deve começar por ensinar-se a criança a discriminar o estado de tensão e de

relaxamento, e a desenvolver a resposta de relaxamento no início dos episódios. Deve-

se igualmente trabalhar com a criança para que ela possa compreender as vantagens de

manter o controlo emocional e atitudinal, recorrendo por exemplo ao ensaio de atitudes.

216
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

A auto-desensibilização permite ensinar a criança a controlar o pânico associado

a episódios de agravamento dos sintomas, e assim, controlar melhor os próprio episódio.

Associa-se a resposta de relaxamento a uma hierarquia de situações estímulo que estão

associadas ao inicio desses episódios. Tem sido utilizado sobretudo com crianças

asmáticas que experienciaram crises graves, conducentes a hospitalização urgente e

manobras invasivas.

Nalgumas doenças crónicas da infância e da adolescência a dor é um sintoma

importante, (e.g.artrite reumatóide, hemofilia). É necessário ajudar os pais, e a criança

mais velha, a identificar e discriminar a dor, que por vezes é um sintoma importante e

um sinal da necessidade de tratamento específico (e.g. na hemofilia a dor aguda é um

sinal funcional da necessidade de infusão intravenosa). Todas as metodologias já

referidas no capitulo 5 podem ser adequadas, especialmente as que visam o controlo da

dor crónica.

O ensino de competências de auto-observação e registo, de autocontrole da dor,

de programação de actividades de exercício ou fisioterapia, têm sido realizados através

de programas específicos de que apresento em seguida dois dos exemplos mais

conhecidos.

6.3.5. PROGRAMAS ESTRUTURADOS: O EXEMPLO DA

PREVENÇÃO DAS CRISES ASMÁTICAS

A asma, na medida em que é uma doença crónica que pode ser razoavelmente

controlada pelo sujeito, tem proporcionado o aparecimento de programas que, mais do

que a informação, visam desenvolver na criança ou no jovem um conjunto de

competências que lhe permitam ter um melhor controlo e um tratamento mais adequado

217
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

da sua doença. Estes programas visam essencialmente ensiná-las a auto-avaliar e auto-

controlar os sintomas da doença, aprendendo a conhecer-se melhor, a a prevenir ou

controlar os episódios. De uma forma geral todos estes programas forma influenciados

pela filosofia e experiência do CARIH, um centro norte-americano para o estudo e

controlo da asma, onde funcionou um programa residencial para tratamento a criança

asmática que teve grande impacto nos estados Unidos, tendo funcionado desde 1949 até

1981 (Creer, Harm e Marion,1988).

Actualmente estes programas acompanham um tratamento ambulatório, embora

por vezes se apliquem no regime de acampamentos de férias, que permitem um treino

mais intensivo, e ao vivo.

Basicamente correspondem à seguinte sequência (Creer, Harm e Marion,1988):

1. Auto-observação de respostas relacionadas com o episódio de asma (alterações da

respiração).Por vezes avaliação da capacidade respiratória de manhã e à tarde.

2. auto-registo de episódios de alteração respiratória, e de quaisquer medidas tomadas

para evitar o agravamento da crise (medicamentos, ou outras), numa folha de diário.

Este diário pode envolver o preenchimento duma chek-list sobre os acontecimentos que

podiam estar associados, ou ter precipitado, a crise, assim como dos passos realizados

para controlar os sintomas.

3. auto-instrução e tomada de decisão para facilitar a adesão à medicação, e para

programar os aspectos do meio que permitem evitar os alérgenos e interromper ou

controlar os episódios. Este autocontrole envolve dois momentos:

Primeiro, evitar o contacto com estímulos alérgenos, ou evitar actividades que

induzem ou agravam os episódios;

Em segundo lugar, iniciar uma sequência de estratégias que visam interromper

ou evitar o agravamento dos sintomas (e.g., relaxar, beber água ou líquidos, tomar

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Psicologia Pediátrica Luísa Barros

primeira medicação como prescrito, tomar medicação adicional, contactar o médico, ir

para o hospital).

6.3.6. O ACONSELHAMENTO PARENTAL

Como fui referindo até aqui, muitas das estratégias psicológicas disponíveis para

aliviar o sofrimento a criança com doença crónica devem ser aplicadas com a

colaboração dos pais, sobretudo sempre que a criança é mais pequena e imatura. Trata-

se, portanto duma intervenção com os pais que visa o ensino e treino directo de um

conjunto de estratégias para ajudar o filho. A instrução deve ser detalhada,

acompanhada de modelagem e de ensaio ao vivo sempre que possível, e de informação

bibliográfica. Neste caso os pais vão aprender a fazer o papel de co-terapeutas,

prolongando o papel do psicólogo como moderador do sofrimento do filho no

quotidiano.

Mas o aconselhamento parental dos pais de crianças com doença crónica deve

ter um outro componente, igualmente essencial, que visa lidar directamente com as

significações e as emoções deste pais, e com o problemas educacionais, mas também

conjugais, profissionais, económicos e sociais que estes enfrentam.

Estes objectivos tão ambiciosos não são contraditórios com a recomendação de

que este aconselhamento deve revestir uma forma breve, orientada para objectivos

concretos, e para a resolução de problemas actuais, e/ou para o apoio emocional e

expressão de sentimentos.

Alguns autores têm procurado caracterizar o sofrimento e as necessidades

psicológicas destes pais. Observa-se uma tendência para a alteração das atitudes

educacionais, sendo frequente que os pais tratem estes filhos com maior

sobreenvolvimento, indulgência, protecção excessiva, ou controlo excessivo,

impedindo mesmo os filhos doentes de participarem nas actividades adequadas ao

219
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

desenvolvimento (Walker, Garber,Van Slyke, 1995). Infelizmente nalguns casos

também se observam situações de negligência, desinteresse, rejeição e mesmo maus

tratos. Estes pais também tendem a sofrer de maior perturbação emocional,

especialmente a ansiedade, a depressão e a irritabilidade (Jessop, Riesman e

Stein,1988).

Assim, a intervenção do psicólogo deve partir de uma avaliação das áreas de

força e de necessidade da família, nomeadamente dos cuidadores principais, e oferecer

ajuda psicológica para lidar com a perturbação emocional, com os problemas mais

prementes no momento actual, e no incentivo a atitudes educacionais mais estimulantes

e facilitadoras da autonomia. Os componentes da facilitação de expressão de

sentimentos, e de estimulação das competências de resolução de problemas têm-se

mostrado especialmente relevantes. Verificou-se, por exemplo, que os pais mais

criativos na resolução dos problemas de adaptação à doença eram aqueles que tinham

filhos mais adaptados (Kucia et al.,1979). Os programas que visam ajudar os pais a

explorar as suas crenças e significações sobre o filho, a relação entre a doença e o

desenvolvimento global da criança, e o seu próprio papel como facilitador do

desenvolvimento e adaptação do filho permitem obter resultados importantes no

controlo da perturbação emocional e na adopção de modelos de resolução de problemas

mais generalizáveis e autónomos (Barros, 1992b; 1996a; Marques,1998; Santos,1997).

Os grupos de apoio, constituídos por pais que partilham a mesma experiência, e

que podem trocar informação e expressar sentimentos complexos num contexto de

aceitação e empatia, assim como modelar estratégias de resolução de problemas

educacionais, têm-se mostrado relativamente eficazes e bem aceites. Galatzer e colegas

(1982) recomendam que estes grupos devem formar-se precocemente, a seguir ao

conhecimento do diagnóstico e antes do aparecimento de problemas mais graves, na

220
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

medida em que são sobretudo eficazes como uma forma de aconselhamento

antecipatório, permitindo evitar o agravamento das consequências psicológicas da

doença.

7. A PROBLEMÁTICA DA NÃO-ADESÃO

Como já foi referido, a não-adesão é um dos problemas mais importantes na

abordagem da doença crónica. Uma doença crónica mal controlada pode conduzir a

agravamento do estado geral, sequelas irreversíveis ou mesmo à morte. Considera-se

que o não cumprimento das prescrições médicas pode atingir cerca de 50% de todos os

tratamentos pediátricos. Pelo seu impacto na saúde dos utentes e na eficácia e controlo

de custos dos serviços, a não-adesão tem sido um importante campo de investigação e

aplicação da psicologia da saúde.

Têm sido apresentados vários modelos de análise desta problemática, todos eles

com base na relação que se estabelece entre o clínico e o paciente (e/ou familiares).

Podemos dizer que a adesão implica sempre um confronto de poderes epistemológicos,

que passa pela definição de quem detém o conhecimento relevante e de como ele é

imposto, partilhado ou sugerido. Neste aspecto, aproxima-se muito do que se passa nos

domínios do aconselhamento psicológico e da psicoterapia, em que a valorização do

poder epistemológico é um dos critérios determinantes da análise dos vários modelos

terapêuticos (Joyce-Moniz,1989).

Em psicologia pediátrica a problemática da não-adesão tem recebido muita

atenção, havendo já um corpo de investigação bastante alargado (Donovan e

Blake,1992; Dunbar,1983; LaGreca e Hanna,1983; Lemanek,1990). No geral as

situações de doenças crónicas com origem congénita ou durante a infância e

221
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

adolescência envolvem, precisamente, um conjunto de prescrições complexas, por vezes

aversivas, e que têm de ser cumpridas por longos períodos ou mesmo durante toda a

vida, e sobre as quais a família adopta uma grande parte de responsabilidade. São,

portanto, condições para as quais a discussão e partilha de representações sobre a

doença e o tratamento entre a equipe clínica e os pais da criança são particularmente

recomendadas.

No entanto, a especificidade da saúde infantil faz com que esta problemática seja

ainda mais complexa e contemple algumas condições muito particulares, que não estão

presentes no tratamento de adultos. Por um lado, em pediatria o médico tem quase

sempre dois ou três interlocutores que podem aderir ou não, e que são, evidentemente os

pais (ou outros adultos responsáveis pelo tratamento) e a própria criança. Assim o

clínico interage com o adulto segundo um destes três modelos, para o convencer de uma

forma mais ou menos autoritária a aplicar ao filho um tratamento ou estilo de vida. Mas,

por outro lado, também tem de dirigir-se à criança quando esta já tem idade para

compreender, e garantir alguma colaboração da parte desta. O que exige que tenha

formação sobre o desenvolvimento das competências cognitivas e socio-cognitivas da

criança, de forma a ser capaz de escolher formas adequadas de comunicar com as

diversas crianças. Por outro lado, o clínico precisa de recomendar estratégias que

ajudem os pais, mesmo quando têm toda a intenção de aderir, a levar a criança a

cumprir as prescrições, a colaborar na toma de medicamentos que sabem mal, ou a

aceitar tratamentos invasivos, e alterar comportamentos e estilos de vida. Embora a

maior responsabilidade pela adesão caiba aos pais, a aceitação e participação da criança

é essencial. No caso da adolescência, período de desenvolvimento em que a não-adesão

é particularmente frequente e problemática, esta relação médico-jovem é ainda mais

relevante.

222
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Por outro lado, a maior parte dos problemas associados ao tratamento das

doenças crónicas da infância e adolescência implicam a necessidade de recomendações

e prescrições que são mais educacionais, atitudinais e relacionais do que

medicamentosas (Drotar, 1991). Como é evidente, a adesão a regras de disciplina ou

relacionamento familiar, a programação de tempos livres ou facilitação de actividades

de socialização, é bastante mais complexa do que o cumprimento de uma

medicamentação ou tratamento hospitalar. As orientações educacionais do clínico

envolvem e confrontam directamente as representações parentais sobre o que são as

crianças e o que é o desenvolvimento e a aprendizagem, qual o papel dos pais, qual a

importância relativa da saúde, da escolarização e da socialização, etc. (Barros,1996b).

Assim, é cada vez mais unânime a necessidade de considerar os pais como elementos

essenciais da equipe de saúde pediátrica, porque só com a sua participação activa é

possível alcançar resultados satisfatórios num tratamento holista da criança (Deaton e

Olbrisch,1987, Levy e Howard,1982).

Como todos constatamos facilmente, os nossos médicos recebem uma

preparação bastante deficitária nesta área da comunicação e facilitação da adesão. A

complexidade de alguns casos de não-adesão exige um trabalho demorado e intensivo,

que ultrapassa claramente a disponibilidade da consulta médica. Assim, o papel do

psicólogo como facilitador da adesão adquire, no domínio pediátrico, uma importância

ainda mais relevante. Seja qual for o modelo de adesão em que se baseie, o psicólogo é

sempre um facilitador da comunicação médico-criança-família, e um colaborador da

família na procura de formas mais eficazes de realizar os seus objectivos e resolver os

problemas educacionais a eles associados.

Vejamos, então, os principais modelos de adesão médica, e a sua aplicação às

situações de doença crónica pediátrica.

223
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

7.1. O MODELO DE ADESÃO COMO NORMA

O modelo de adesão mais divulgado, claramente enviesado por uma

aproximação biomédica, preconiza "a adesão como norma"(Stone,1979). Qualquer

clínico tem o direito (e o dever) de esperar que as suas indicações sejam fielmente

seguidas, e quando tal não acontece recorre-se à estratégia de "culpar o paciente". O

doente que não cumpre escrupulosamente as prescrições é catalogado como não-

cooperante, com tendência para o erro, esquecido, descuidado, hostil, ou ignorante

(Deaton e Olbrish,1987; Stimson,1974). A não-adesão é vista como uma desobediência,

que pode ser explicada por motivos comportamentais (ausência de reforço imediato),

cognitivos (ignorância da importância da medicamentação ou dieta, ou sobre a

gravidade da doença) ou emocionais, conscientes (hostilidade) ou inconscientes

(comportamento auto-destrutivo), mas que é sempre inadaptativa (Haynes, Taylor e

Sackett,1979). Por outro lado, embora se reconheça a necessidade de o doente ter um

conhecimento adequado sobre a doença e os tratamentos, não há qualquer valorização

sobre as representações subjectivas do sujeito. Curiosamente, este modelo tanto foi

aceite pela medicina comportamental como pela aproximação dinâmica, que considera a

não-adesão como um comportamento auto-destrutivo não intencional (Farberow,1980).

Este modelo continua a ser prevalecente na maior parte das interacções médico-

paciente.

Neste modelo, o psicólogo colabora com o clínico e recorre a metodologias

comportamentais de planeamento de actividades, controlo de contingências e

aprendizagem por aproximações sucessivas ou modelagem, para eliminar os problemas

de esquecimento e não cumprimento das prescrições medicamentosas, ou para reforçar

os esforços de adesão por parte do paciente.

224
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Interessa-nos sobretudo aqui garantir que a criança, ajudada pelos pais, cumpre

as regras e prescrições do médicos e dos outros técnicos. Muitas vezes não existe

qualquer razão importante para a não-adesão, mas uma simples dificuldade de cumprir

regras e normas, sobretudo pela parte da criança, quando essas regras implicam

situações desagradáveis ou mesmo aversivas. Nestes casos, a utilização de estratégias de

reforço, programas de economia de fichas, aprendizagem por aproximações sucessivas e

contrato comportamental são particularmente adequados. Com crianças em idade

escolar podem introduzir-se algumas estratégias simples de auto-reforço e de auto-

instrução. Basicamente, ajudam-nos a inverter a perspectiva da criança sobre a relação

custo-benefício da adesão, tornando concreto e evidente o benefício de aderir a um

tratamento que também tem custos igualmente imediatos e concretos. Estas estratégias

comportamentais ou comportamentais-cognitivas podem ser ensinados a pais

colaborantes, mas que têm dificuldade em fazer os filhos cooperarem, ou podem ser

aplicadas directamente pelo psicólogo ou outro técnico quando se sabe que a

colaboração dos pais também não é sistemática.

Existem outras estratégias que visam facilitar a memorização e adequação dos

tratamentos, exercícios, dietas no quotidiano da família. Aí o psicólogo ajuda os pais a

definirem os momentos mais indicados e ensina "truques" que permitam memorizar ou

não esquecer as prescrições, ou a cumpri-las da forma menos intrusiva para a rotina

familiar. Também podem envolver a prevenção do erro (estratégias para saber o que

fazer quando se esqueceu de tomar o medicamento, ou como aplicar adequadamente as

regras de tratamento numa situação de excepção tal como as férias ou uma festa de

aniversário).

Ainda integradas neste modelo, e na medida em que uma das nossas maiores

preocupações é que a criança com doença crónica não seja impedida de participar nas

225
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

tarefas e actividades adequadas ao seu desenvolvimento global, as estratégias que visam

definir, em conjunto com a família, formas de facilitar a participação da criança em

actividades adequadas à sua idade tomam grande importância. Na maior parte dos casos

trata-se de ajudar os pais, mas também as escolas ou os monitores de actividades de

tempos livres, a encontrar soluções alternativas instrumentais que permitam que a

criança vá à escola, faça desporto, participe em actividades grupais livres ou orientadas.

Este tipo de modelo é particularmente adequado para utilizar com as crianças

mais novas, que ainda não podem compreender outro tipo de estratégias mais

sofisticadas, e para famílias que têm dificuldade em lidar com os problemas concretos e

adaptações do quotidiano, mas não têm nenhuma razão de fundo mais conceptual para

não aderir.

7.2. O MODELO DE ADESÃO COMO INTERIORIZAÇÃO

Posteriormente, com a influência dos modelos cognitivos em psicologia da

saúde, e especificamente o modelo de crenças de saúde (e..g.,Haynes, Taylor e

Sackett,1979), e com a necessidade cada vez maior de levar os doentes, não só a

tomarem certos medicamentos ou realizarem certas dietas, mas igualmente a alterarem

estilos de vida, começou a valorizar-se a importância do sujeito partilhar as crenças ou

representações médicas. Assim, a não-adesão continua a ser perspectivada como um

problema, e o papel do médico continua a ser o de impor a sua autoridade profissional

na definição dos tratamentos medicamentosos, regimes e estilos de vida. Mas defende-

se um modelo de "adesão como interiorização" (DiMatteo e DiNicola,1982), em que o

médico se converte num "persuasor" que convence a pessoa que "o melhor para ela é

aderir racionalmente às representações propostas" (Joyce-Moniz e Barros,1994,p.235).

Assim, a não adesão passa a ser sobretudo um problema do médico ou dos serviços de

226
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

saúde, que devem fazer com que "o paciente acredite que contribui para a escolha do

tratamento"(Turk, Salovey e Litt 1986, p.53).

Aqui, também o papel do psicólogo é transformado. Ele deve colaborar com o

médico e enfermeiro para, através de uma comunicação adequada, ajudar o paciente a

compreender o diagnóstico e a necessidade de intervenção, e a antecipar a eficácia do

tratamento sem ignorar os possíveis efeitos secundários. Recorre a metodologias

cognitivo-comportamentais ou cognitivas para ajudar o doente a modificar os seus

estereótipos ou crenças irracionais sobre o tratamento, e para reforçar as crenças

favoráveis à adesão. E utiliza metodologias de autocontrole para facilitar a adopção de

formas mais disciplinadas e menos aversivas de usar a medicamentação ou para

modificar os comportamentos de risco (Rosenstock,1975).

Este tipo de trabalho pode ser feito com pais que são pouco cumpridores ou de

forma pouco sistemática, devido essencialmente a um conjunto de crenças ou

interpretações que surgem como bastante irracionais ou deturpadas. Ou com crianças

em idade escolar e adolescentes, que usam justificações irracionais ou claramente

inviesadas para não aderir. Basicamente, todas as estratégias cognitivas de identificação

e modificação de crenças, a disputa racional e a prova empírica serão adequadas a este

tipo de modelo. Muitas vezes o papel do psicólogo também é o de funcionar como um

intermediário, ajudando o médico a encontrar os argumentos adequados a convencer a

criança ou a família, ou ajudando a família a propor alterações nas prescrições que

possam ser aceites por ambas as partes sem prejudicar o tratamento, mas dando à

criança uma noção de que a sua posição é respeitada.

7.3. MODELO DE ADESÃO TRANSACCIONAL OU DE PARTENARIADO

227
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Finalmente, a constatação de algum insucesso nestes modelos, associada a uma

evolução no modo de considerar os doentes e de valorizar a sua autonomia, direitos e

interesses, levou ao desenvolvimento de um modelo de adesão transaccional

(Stone,1979), de partenariado (Edwards e Davis,1997) ou mesmo de não adesão-

inteligente (Deaton e Ollbrish,1987). Tem sido particularmente aceite e divulgado no

domínio da educação parental. Este modelo assenta no pleno reconhecimento da

problemática da adesão como um confronto entre as representações do paciente e do

médico. O paciente passa a ser considerado como um membro de pleno direito de uma

equipa de saúde que toma decisões e elabora planos e para o qual cada um contribui

com a sua competência específica (Kassiner,1983). O paciente tem um papel activo na

avaliação do tratamento. Aceita-se que o paciente pode ter razões extremamente válidas

para não aderir, e que uma aceitação total ou incondicional pode ser bastante

problemática. Só nesta perspectiva a não-adesão deixa de ser considerada como não

adaptativa, aceitando-se que pode mesmo, em certas circunstâncias, ser a escolha mais

inteligente (Weintraub,1976).

Técnicos de saúde e paciente trabalham em conjunto para definir um plano e

cuidados adequados à pessoa na sua totalidade. A partir do momento em que o doente

está bem informado e conhece as várias alternativas e consequências de cada uma,

assim como o grau de certeza ou probabilidade associado a cada, este tem o direito de

fazer as suas opções. O papel do profissional é o de servir de conselheiro, facilitador de

mudanças, e fonte de informação fidedigna e clara. O doente é tratado como um

indivíduo autónomo e responsável pelo seu processo de doença e de tratamento. Este

modelo integra-se plenamente, numa perspectiva de saúde holista, que valoriza os

processos subjectivos de avaliação global do bem-estar e da saúde, e é particularmente

adequado ao tratamento de doenças crónicas e de evolução prolongada.

228
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

O psicólogo interage com o paciente para facilitar o recurso a metodologias de

resolução de problemas e tomada de decisão fundamentadas, e a procura de formas

autónomas e flexíveis de integrar e adaptar as soluções mais eficazes nas suas condições

específicas de vida, objectivos, valores, representações, etc..

Não é certamente estranho para o leitor a ideia de que a minha posição é de uma

clara valorização do modelo de partenariado ou de adesão transaccional para as

situações de doença crónica pediátrica. Esta posição não é senão a aplicação duma

posição mais global de valorização da autonomia conceptual e atitudinal do cliente, seja

ele criança ou adulto.

A aplicação deste modelo à psicologia pediátrica implica alguma adaptação no

trabalho com os pais e com as crianças. Com os pais, implica uma exploração conjunta

das necessidades da criança e da família, e uma discussão das maneiras de resolver os

problemas educacionais, no contexto dos conhecimentos específicos de cada um dos

elementos, e integrando cuidadosamente as competências de cada um. Basicamente

parte duma definição clara de papeis, duma utilização competente das estratégias de

facilitação da comunicação, da discussão de crenças e significações que são sempre

apresentadas como alternativas possíveis e não como verdades absolutas ou superiores,

e de propostas de compromissos, de ensaio de construções e regras alternativas.

Com a criança, este modelo implica, sobretudo, a definição de uma relação de

grande respeito pela forma da criança interpretar e compreender as suas experiências,

valorizar a sua perspectiva, e definir em conjunto objectivos que possam ser acordados

por ambos. É necessário compreender que as crianças, como parceiros activos, trazem

para a relação uma experiência única, e uma interpretação subjectiva dessa experiência,

que não pode ser ignorada. No entanto, como é evidente, o adulto mantém a

responsabilidade de salvaguardar a saúde e o bem estar da criança.

229
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Capítulo 7 - PERSPECTIVAS FUTURAS

1. UM BALANÇO FINAL

A Psicologia Pediátrica é hoje uma área de investigação e de intervenção

psicológica com fundamentação metateórica, objectivos e estratégias de intervenção

bem definidos e delimitados, que demonstrou a sua utilidade e valor. Este domínio de

intervenção, bastante recente entre nós, mas que já atingiu a maioridade nos países

anglo-saxónicos, oferece um conjunto de estratégias interventivas diversificadas, e que

evidenciaram repetidamente a sua eficácia em vários contextos e situações

problemáticas. Este é um caminho que vale a pena percorrer com seriedade e rigor, mas

também com ousadia e imaginação.

No entanto, esta área de intervenção está longe de ser unanimente reconhecida

e valorizada. De uma forma geral a psicologia da saúde continua a ser considerada pelos

serviços de saúde como um luxo, um adereço que fica bem em qualquer serviço, mas

que não integra ainda os componentes essenciais a uma boa prestação de cuidados de

saúde.

Como é evidente esta situação é produto de um conjunto de factores muito

diversificados, dos quais certamente os modelos de saúde vigentes e as políticas de

saúde defendidas são dos mais importantes. Pessoalmente considero que uma

implementação dos serviços de psicologia da saúde como parte integrante de uma

prestação de cuidados de qualidade só ocorrerá com um mudança muito mais ampla

e global da fundamentação teórica e metodológica do que é a saúde e do que devem

ser os serviços de saúde.

Existe hoje um amplo reconhecimento das insuficiências e do insucesso do modelo

biomédico, e uma aceitação cada vez mais generalizada da necessidade de se evoluir

230
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

para um modelo holista de saúde (Engel,1977). O paradigma holista e humanista

considera o ser humano na sua complexidade e totalidade, simultaneamente

biológica, psicológica, social e espiritual, interna e externa, individual e social. Só

esta complexidade é coerente com os conhecimentos mais actuais das diversas

ciências que se ocupam do ser humano.

Mas a adopção de um modelo de saúde holista implica uma verdadeira revolução de

mentalidades e de atitudes de todas as pessoas envolvidas nos processos de saúde e

doença, quer sejam políticos, profissionais ou utentes. Esta mudança de paradigmas

implica uma evolução no sentido de reconhecer a dimensão subjectiva e experiencial

dos fenómenos de saúde e doença, e de valorizar a autonomia conceitual e atitudinal

da parte dos diferentes sujeitos intervenientes (Joyce-Moniz e Barros, 1994; Joyce-

Moniz e Reis,1991; Reis,1998). E conduz, necessariamente, a um mudança

fundamental no estatuto e funções tanto dos técnicos de saúde, como dos cidadãos

utentes dos serviços de saúde. A composição das equipas de saúde será menos

hierarquizada, menos centrada nos médicos e enfermeiros, e mais aberta à

participação de outros profissionais como psicólogos, sociólogos, técnicos de

diferentes áreas da saúde, educadores. A formação de todos estes profissionais terá

de integrar componentes muito importantes de comunicação centrada na dimensão

subjectiva das experiências de saúde e doença.

Considero que a psicologia pediátrica, pelo facto de se ocupar da saúde de seres

humanos que estão numa fase de desenvolvimento acelerado e fortemente

determinado pelo meio educacional em que se processa, e por ser uma disciplina

vocacionada maioritariamente para a prevenção, só poderá ser totalmente eficaz num

sistema de saúde que obedeça a critérios holistas. Um sistema que conceptualize a

saúde como um processo de desenvolvimento que ocorre num contexto familiar,

231
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

comunitário e social, que se processa ao longo de toda a vida do sujeito e que

depende em grande parte da formação e transformação das significações dos adultos

responsáveis e das da própria criança.

Será talvez o facto de se ter avançado pouco neste sentido nas últimos anos que

explica, pelo menos em parte, alguma estabilização dos trabalhos de psicologia

pediátrica. Com efeito, depois de um período em que este domínio floresceu

rapidamente, os anos noventa não trouxeram grandes avanços metateóricos, nem

inovações metodológicas significativas. Os caminhos que se desenham para uma

evolução deste domínio são hoje bastante consensuais, e surgem-nos como um claro

apelo a uma acção mais criativa e dinâmica. Abordarei em seguida as orientações que

vejo como mais profícuas para o futuro desta área de investigação e intervenção.

2. APROFUNDAMENTO DA PERSPECTIVA DESENVOLVIMENTISTA,

Se podemos dizer que a orientação desenvolvimentista é hoje o princípio teórico

que agrega e orienta a quase totalidade dos trabalho da psicologia pediátrica, temos que

reconhecer que existem importantes limitações na sua aplicação. Urge aprofundar as

implicações de uma leitura desenvolvimentista, enquanto quadro conceptual para uma

reflexão sobre os objectivos e metodologias de intervenção.

Na maioria das propostas de intervenção, o desenvolvimento é ainda, e sobretudo,

entendido como um limitador das potencialidades da criança para compreender ou

participar em metodologias elaboradas originalmente para adultos. Uma psicologia do

desenvolvimento aplicada à intervenção com crianças e jovens deve permitir-nos

compreender todas as diferenças essenciais no pensamento e experiência dessas fases da

vida, de modo que as suas características sejam olhadas como uma qualidade única.

Clinicamente, ainda não conseguimos explorar totalmente as competências em que a

232
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

criança está claramente em vantagem, como a capacidade de vivenciar uma realidade

imaginada, ou de aderir a sugestões de transformação dessa realidade, ou as

características do seu pensamento que a levam a centrar-se sobretudo numa experiência

concreta e mais imediata, e, como tal, a perturbar-se menos, e sobretudo com problemas

diferentes do que os que preocupam os adultos. Se existe uma limitação, ela é tão

somente da nossa parte, pais e técnicos, que temos esquecido ou ignorado as

potencialidades de, com alguma imaginação, transformar o mundo em que a criança

vive e se desenvolve, transformando as suas experiências de vida quotidiana.

3. UTILIZAÇÃO DO JOGO COMO LINGUAGEM PRIVELIGIADA

A intervenção psicológica com crianças foi acompanhada, desde o início, da

valorização do jogo como linguagem privilegiada para comunicar com a criança

(Axline,1947, Klein,1932). Os autores comportamentais e cognitivos não têm esquecido

a necessidade de incorporar o jogo nas metodologias de intervenção com crianças (e.g.,

Meichenbaum, 1977; Spivack, Platt e Shure,1976). No entanto ainda está por provar

claramente a sua eficácia nos contextos de saúde (Thompson,1988). Talvez porque o

jogo continue a ser utilizado como algo que se acrescenta a metodologias inicialmente

desenhadas para a intervenção com adultos, e poucos trabalhos tenham explorado

verdadeiramente toda a riqueza dos vários tipos de jogo, as suas funções e diversidade,

tanto para comunicar com a criança e ter acesso às suas significações, como, sobretudo,

para propor ou sugerir transformações dessas significações (Edwards e Davis,1997).

233
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

4. VALORIZAÇÃO DO PAPEL DOS PAIS ENQUANTO ELEMENTOS DA

EQUIPA DE SAUDE

Actualmente esta asserção é teoricamente aceite, mas existe um longo caminho a

percorrer, do ponto de vistas das metodologias de intervenção, e da formação dos

diferentes profissionais de saúde, assim como do enquadramento legal e operacional dos

serviços, para que esta participação activa dos pais se torne uma realidade generalizada

e indiscutível.

Pais e profissionais continuam excessivamente dependentes de modelos rígidos e

tradicionais de divisão de papéis e responsabilidades, o conhecimento científico e

objectivo é excessivamente valorizado em detrimento das significações subjectivas e da

multiplicidade da experiências individuais e familiares.

A psicologia tem uma herança pesada neste domínio, pois contribuiu

excessivamente para uma leitura dos pais como culpados, ou pelo menos causadores, da

patologia infantil, ou dos pais como incompetentes e dependentes de autoridades

externas. Cabe-nos, portanto, uma responsabilidade importante em demonstrar a

possibilidade de desenvolver metodologias de intervenção e de educação parental que

respeitem a sua autonomia conceptual e atitudinal, e os acompanhem no processo de

descoberta ou criação de significações múltiplas sobre o seu papel na saúde e na

educação, e sobre as alternativas educacionais mais eficazes.

5. VALORIZAÇÃO DAS CONSTRUÇÕES E EXPERIENCIAS SUBJECTIVAS

INFANTIS

Finalmente, é necessário aprofundar e generalizar a aplicação de práticas de saúde

que reconheçam e valorizem a subjectividade e riqueza das experiências da criança

enquanto sujeito activo do seu próprio desenvolvimento. As significações da criança

234
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

sobre o mundo, sobre si própria e sobre a saúde e a doença são facilmente acessíveis aos

adultos que sabem ouvir e entender a linguagem infantil. Esta linguagem é feita de

palavras e de silêncios, de gestos e expressões faciais, e sobretudo de acções.

A aceitação da verdade ou realidade subjectiva, construída pela criança conduz,

evidentemente, a um olhar mais atento e cuidadoso sobre as experiências mais

perturbadoras associadas à doença e aos tratamentos, como a ansiedade, o medo,

ou a dor. Uma valorização da criança enquanto parceiro activo implica uma

comunicação aberta, que não desvaloriza nem ignora o que faz medo, assusta ou

perturba, e em que o adulto utiliza todos os seus recursos para diminuir o sofrimento

da criança.

A psicologia pediátrica, enquanto área de investigação e de intervenção, deve

contribuir de forma significativa para fazer ouvir a voz de todas as crianças, para que

estas possam ser parceiros activos no seu processo de desenvolvimento de saúde.

235
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

INDICE DE ASSUNTOS

236
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Acidentes Dor associada a tratamentos dentários


Aconselhamento antecipatório Dor psicogénica
Aconselhamento parental Distracção
Acontecimentos de vida Dieta
Adesão Desensibilização
Adolescência Diagnóstico
Alimentação
Ansiedade E
Apoio social
Aproximações sucessivas Educação para a saúde
Artrite reumatóide Educadores
Asma Enfermeiro
Auto-controlo Equipa de saúde
Auto-instrução Escola
Autonomia Estilos de confronto
Avaliação Estilos de vida
Estratégias
B Estruturação de actividades
Brincar Expectativas
Brinquedos Extinção

C F
Controlo da ansiedade
Controlo da dor Família
Controlo emocional Fibromialgia
Comunicação Fibrose quística
Campos de intervenção Formação
Crenças
Competências
Comportamento H
Conceito de dor Hemofilia
Confronto Hiperempiria
Cancro Hipervalentes
Cirurgia Hipnose
Centro de Saúde Holista
Controlo de esfincteres Hospital
Compreensão Hospitalização
Ciclos de vida
I
D Idade escolar
Desfazamentos Idade pré-escolar
Deficiência Imagem corporal
Deficientes Imagem mental
Depressão Imaginação
Disciplina Imaginação guiada
Desenvolvimento Infância
Dor aguda Informação
Dor crónica Inoculação de stress
Dor funcional Intervenção preventiva
J

237
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Jogo Q
Qualidade
L Queimaduras
Leigos Questionário
Leucemia
R
Life-span Reactividade
Reforço
M Relaxamento
Massagem Representações
Medicina comportamental Resolução de problemas
Médicos Risco de desenvolvimento
Meio educacional
Método clínico S
Modelagem Separação
Modelos Significações
Significado
N Sintomas
Socio-cognitivo
Níveis de significação Somatização
Níveis hipervalentes Sono
Stress
O Stressor
Operatório Susceptibilidade de doença
Organização do espaço
Orientação T
Técnicas imagéticas
P Técnicas operantes
Pais Técnicos de saúde
Pediatria Tempos livres
Perspectiva desenvolvimentista Teorias
Política de saúde Tratamentos aversivos
Preparação
Prescrições médicas V
Prevenção Valorizar
Primeira infância VIH
Problemas de comportamento Vinculação
Problemas de desenvolvimento Vulnerabilidade
Procedimentos médicos
Processos cognitivos
Professores
Profissionais de saúde
Promoção da saúde
Psicogénica
Psicologia clínica
Psicologia da saúde
Psicologia do desenvolvimento
Psicologia pediátrica
Psicopatologia
Psicosomática

238
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

A H P
Adams, M. Haas, B. Palauskas, S.
Allander, L. Hackworth, S. Palminha, J.
Amir,S. Haggerty, R Palomo, M.
Anand,R. Hale, B. Panapoulos, G.
Andersen,P. Hanna, N. Parmalee, A.
Anderson, F. Hanson, C. Patterson, D
Anderson, J. Hanson, V. Patterson, J.
Anderson, K. Hardgrove, C. Pawlack-Floyd, C.
Ansell,B. Harm, D. Pearlman, D.
Antonovsky,A. Harper, D. Pelletier, L.
Apley , J. Harris, M. Pennebacker, J.
Atkins, A. Harter, S. Perrin, E.
Atshuler,J. Hartman, D. Peterson, L
Auerbach,S. Harvaky, J. Piaget, J.
Axline,V. Hatcher, J. Pill, R.
Haynes, R. Pinto, R.
B Hentschel, V. Platt, J.
Bakeman, R. Hoekelman, Pless, I.
Band, E. Hollandsworth, J. Pohl, S.
Bandura, A. Holmes, T Pollock, M.
Barbero, G. Howard, J. Poster, E.
Barr, R. Humphrey, J. Pratt, L.
Barrio,C. Huskisson, E Prineas, R.
Barros, B. Prugh, D.
Barros, L. I
Baskiewicz, B. Ievers, C. Q
Beales, G. Illingworth, R Quinton, D.
Becker, M. Ilowite, N.
Belmont, H. Inhelder, B. R
Bernstein, B. Irvin, N. Rahe, R.
Bernstein, D. Ivey, A. Rakazsky, C.
Betram, S. Rappaport, L.
Bibace,R. J Redd, W.
Blake, D. Jacobsen, P. Reis, J.
Blake, S. Janis, I. Reisland, N.
Blom, G. Jay, S. Relya, G.
Blount,R. Jessner, L. Richtsmeier, A.
Bluebond-Langner, M. Jessop, L. Ridder,
Boat, T. Johnson, M. Ridley-Johnson, R.
Boilig, R. Johnson, J.; Riesman, T.
Borges, A. Johnson, S. Robb, J
Borkovec,T. Joyce-Moniz, L. Roberts, M.
Bouras, M. Robertson, J
Bowlby, J. K Robinson, D
Boyce,W. Kagan, J. Rodin, J.
Boyle, M. Kaplaan, J. Roghman, K.
Brewster, A. Kaplan, D. Rosenbloom, A.
Buckley, L. Karoly, P. Rosenbluth, D.

239
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Burbach, D. Karp, M. Rosenstock, I


Burghen, G. Kassiner, J. Routh, D
Burstein, S. Katz, E. Rowe, D.
Bush, J. Katz, J. Ruble, D.
Kellerman, J. Rutledge, A.
C Kendal, P. Rutter, M
Cadman,D. Kennell, J.
Calcagno, P. Kenny, T. S
Campis, L. Kilman, P. Sackett, D
Carle, D. Kirchoff, K. Salazar, M.
Carr, D. Kirschbaum, R. Salk, L
Casey, K. Kirschenbaum, D. Salovey, P
Cassel, J. Klaausss, M. Sameroff, A.
Cautela, J. Klein, M. Sands, H.
Chandler, M. Knight, R. Santos, M
Cigrang, J. Kohlberg, L. Schechter, N.
Clark, W. Kovacs, M. Schuman, J.
Coddington, R. Kubler-Ross, E. Scott, P.
Cohen, F. Kucia, C. Seagull, E
Cohen, L. Kuczinski, L. Selman, R
Colegrove, R. Kupst, M. Sheras, P.
Comitee on Hospital Care Shigetomi, C.
Compas, B. L Shorkey, C.
Cordeiro, M. LaGreca, A. Shure, M.
Corry, J. Lambert, S Siegel, L.
Cox, D. Lander, J Siegel, S.
Craig, K. Laron, Z Sigel, I.
Creer,T. Lazarus, R. Silverstein, J.
Crouus-Novak, M. LeBaron, S Simeonson, R.
Lemanel, K Sledden, E.
D Lemos, L. Smith, A
Dahms, W. Lenihan, E. Smith, T.
Darbyshire, P. Lerner, D. Smits, S.
Davis,H Leventhal, H. Sneider, S.
Dearden, R. Levy, R. Snyder, C.
Delain, F. Levy, S. Spillar, R.
DeMaso, D. Lewis, C. Spitz, R
Deshpande, J. Lewis, M. Spivack, J.
DiMatteo, R. Libber, S. Stabler, B.
DiNicola; D. Liebeskind, J. Stacey, M.
Doershuk, C. Lipowsky, Z. Stachnick, T.
Dolgin, M. Lipshitz, M. Staub, E.
Dombro, R. Litt, M. Stayton, D.
Donovan, J. Livingston, W. Steffen, J.
Douglas, W. Lodish, D. Stein, R.
Droske, S. Lollar, D. Stern, C.
Drotar, D. Lynn, M. Stern, R..
Duff, R.; Stimson, G.
Dunbar, H. M Stone, G.
Dunbar, J. Maanne, S. Stone, R.

240
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Dunne, E. Madan-Swain, A. Stoney, C


Maddux, J. Stroebel, C.
E Maes, S. Szatmari, P.
Eagle, C. Magrab, P
Edwards, M. Mahaffy, P T
Eiser, C. Maher, B. Tarnow, J.
Elliot, Mahoney, M. Taylor, D.
Elliot, C. Malcarne, Taylor, J.
Endress, M. Manuck, S. Thomas, D.
Engel, G Marion, R. Thompson, K.
Escalona, S. Marques,C. Thompson, R.
Etzweiler, D. Masur; F. Tolor, S.
Evans, N. Matarazzo, J. Tuma, J.
Evans,W. Mathews, K. Turk, D.
Ey, S. Matthews, L.
Mazzuca, S. U
F McCallum, M. Ulrich, M.
Farberow, N. McClowry, S.
Feil, L. McGillicuddy-DeLisi, V
Feinberg, T. McGrath, P. Van Slyke, D.
Feldstein, M McMahon, R. Vardaro, J.
Ferguson, B. Meichenbaum, D. Varni, J.
Fernald, C. Melamed, B. Varni,W.
Feuerstein, M. Melnik, B. Vernon, D.
Field, T Melzack ,R. Visintainer, M.
Fiese, B. Meng, A Von Frey, M.
Finkelstein, J. Meyer, R,
Finkelstein, R. Miller, S. W
Finney, J. Ministério da Saúde Wagner, B.
Fishman, S. Monson, L Wakeman, R.
Foley, J. Mori, L. Walco, G.
Folkman, S. Moriarty, A. Waldfogel, S.
Forsythe, C. Murphy, L. Walker, C.
Fowler-Kerry, S. Murray, D. Walker, L.
Fradique, F. Wallander, J.
Freed, M. N Wallinga, J
Friedman, A. Nagy, M. Walsh, M.
Fuggle, P. Natapoff, J. Weddle, K.
Fukushima, D. Nerenz, D. Weigel, C.
Fukushima, D. Newberger, C Weiner, H.
Weintraub, M.
G O Weisz, J.
Gaffney, A. O`Grady, D. Wertlieb, D.
Galatzer, A. O’Dell, S . White, K.
Garber, J. Offord, D. Whitney-Saltiel, D.
Geffken, G. Ollness, K. Whitt, J.
Gellert, E. Olson, R. Wikler, L.
Gerrity, P. Oremland, E. Willis, D.
Gibbons, D. Osborne, R. Wills, T
Gil, R. Oster, J. Wilson, A.

241
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

Gillum, R. Winholt, A.
Gochman, D. Wolfer, J.
Goldman, S. Wong, D.
Goldstein, M. Worobey, J.
Gonder-Frederick, L. Worsham, N.
Goodnow, J . Wright, L
Goodyer, I. Wunsch, M.
Graham, P. Wypij, D.
Granger, J.
Green, M. Y
Greenbaum, P. Yaster, M.
Grobstein, R.
Groden, J. Z
Grunau, R. Zastowny, T.
Grusec, J. Zeltzer, L
Gutstein, S

242
Psicologia Pediátrica Luísa Barros

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