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PSICOLOGIA

SOCIAL
Daiane Duarte Lopes
Psicologia social e saúde
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Contextualizar psicologia social e saúde coletiva.


„„ Compreender o papel da psicologia social nas políticas de ação em
saúde, prevenção de doenças e promoção da saúde.
„„ Analisar a importância da criação do modelo de psicologia social da
saúde crítica.

Introdução
A psicologia sempre reconheceu a importância das relações sociais na
saúde. No entanto, a ela faltam os conhecimentos sobre os processos de
interação social, de funcionamento dos grupos ou de influência social para
poder intervir de forma eficaz neste domínio. É esta lacuna que a psicologia
social da saúde procura preencher. Ela parte do modelo biopsicossocial,
reconhecendo o papel ativo do indivíduo no processo de resposta à do-
ença, mas vai além dele, uma vez que aborda o indivíduo como ser social,
que, em interação com outros, dá sentido ao seu estado de saúde, toma
decisões acerca da doença e vive os problemas do seu corpo.
A psicologia social pode ser flexível em sua diversidade de possibili-
dades, e a sua atuação se constitui em torno da promoção e ampliação
das potencialidades de ser e existir em cada sujeito como ser social.
Neste capítulo, você vai estudar sobre o campo da psicologia social que
atua sobre a saúde e vai compreender como podem ser desenvolvidas
práticas em políticas de ação e prevenção visando à promoção da saúde.

Psicologia social e saúde coletiva


Ao compreendermos a amplitude subjetiva de cada sujeito em sua constituição
social, podemos perceber o contexto no qual está inserido, como produtor
de construções representativas do universo interior de cada um. Ou seja, a
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criação e a conservação de sintomas falam sobre a saúde coletiva disponi-


bilizando perspectivamente o sentido de comunidade. As atividades da vida
cotidiana, executadas de maneira consciente, direcionam tanto a formação do
sujeito na sociedade quanto a própria sociedade em seu trajeto constitutivo
(VYGOTSKY, 1998).
Assim, podemos entender que a saúde carrega consigo as marcas dos
modos de viver, da história, das crenças e das ideologias de cada comunidade,
produzindo e replicando memória por meio da cotidianidade e na cotidianidade
(LUKÁCS, 1978). E assim entendemos a saúde como originária de um ensaio
dialético no qual os sujeitos configuram e reconfiguram suas condições de
viver e a si mesmos em um ciclo constante e permanente.
Em um ir e vir constante na autocriação individual e coletiva, a saúde
coletiva é um “vir a ser”. O conceito de “vir a ser” ou Devir, como usado por
diversos autores, dentre os quais estão Platão, Heráclito e Nietzsche, tem sua
origem do latim devenire, que significa chegar e expressa uma construção
constante, um “se tornar” permanente e inerente ao viver de cada sujeito. Saúde
coletiva pode ser compreendida como um infinito devir, no qual somente a
mudança e a transformação são permanentes.

Devir é, a partir das formas que se tem, do sujeito que se é dos órgãos
que se possui ou das funções que se preenche, extrair partículas, entre
as quais instauramos relações de movimento e repouso, de velocidade
e lentidão, as mais próximas daquilo que estamos em vias de tornar-
mos, e através das quais nos tornamos. É nesse sentido que o devir é o
processo do desejo. Esse princípio de proximidade ou de aproximação
é inteiramente particular, e não reintroduz analogia alguma. Ele indica o
mais rigorosamente possível uma zona de vizinhança ou de co-presença
de uma partícula quando entra nessa zona. Ele é da ordem da aliança
(DELEUZE; GUATTARI, 1997, p.18-19).

Devir é movimento de compor nos corpos o inusitado a partir do encontro


com o outro, definindo em cada sujeito uma lista de afetos e devires em uma
multiplicidade de acontecimentos que nunca cessam. Assim, todo devir se
dá no encontro e no acaso (DELEUZE; GUATTARI, 1997). A psicologia
social entende a saúde em sua multiplicidade subjetiva, na qual reflete a vida
cotidiana, influente e influenciada pelo coletivo. E considera, por meio da
análise dos modos de viver, o que pode ser refletido na doença e na morte de
cada sujeito, o que é possível identificar por meio da saúde e do adoecimento
dos sujeitos sua qualidade de vida, como exemplificado na Figura 1.
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Figura 1. O homem é definido por sua qualidade de vida.


Fonte: Rawpixel.com/Shutterstock.com.

A saúde coletiva significa os modos de viver conforme a cultura e o tempo


histórico e leva em conta as particularidades de cada comunidade. É planejada
e estruturada dentro do sistema de saúde de cada região. Assim, no Brasil,
como política pública de saúde e política de inclusão social, temos o sistema
único de saúde (SUS), construído pela constituição vigente desde 1988, como
um direito de todos os cidadãos que deve ser garantido pelo poder público, o
estado. O SUS surgiu de um movimento social que visava a redemocratização
do país nos anos 1980, com base política e pública, garantindo a cidadania e
a universalidade de acesso aos serviços de saúde e priorizando a prevenção e
promoção de saúde (BRASIL, 1990).
A psicologia social convoca a saúde coletiva a se conectar de maneira
mais fluídica com a cultura local, na busca pelo protagonismo de cada sujeito,
encerrando a distinção entre corpo biológico/corpo emocional/corpo social,
pois entende a existência de uma colagem entre os diversos aspectos do ser.
A compreensão do mundo parte da compreensão e do conhecimento acerca
de si mesmo do lugar que o sujeito ocupa.
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Dessa maneira, podemos pensar o termo “saúde coletiva”, em sua integralidade


de significâncias e significados, pois, ao refletirmos sobre saúde de forma mais
aprofundada, podemos costurar ao termo a ideia de global, integral, público, grupal
e comunitário. Saúde coletiva sob a ótica da psicologia social é resistência, empo-
deramento sobre si e sobre o espaço que ocupa, em uma luta por pertencimento
sobre si em toda a integralidade implicada ao ser e sobre o lugar que habita, com
os recursos disponíveis e sua construção social, objetivando a promoção da saúde.

O filme em forma de documentário Políticas de saúde no Brasil, com roteiro e direção


de Renato Tapajós, traça uma narrativa ficcional, mas com material de arquivo, sobre a
trajetória da construção do SUS, com a sua história de lutas e construção de identidades
sociais.

Psicologia social, políticas de ação em saúde e


promoção da saúde
Questões socioeconômicas, cultura, hábitos, rituais, crenças entre outras carac-
terísticas específicas de cada comunidade constituem a experiência cotidiana
em saúde coletiva, ao mesmo tempo em que é objeto de ocupação e estudo
da psicologia social. As políticas de ação e promoção em saúde estão atentas
às dimensões e experiências emergentes das comunidades, pois necessitam
das suas significações e contornos para determinar e direcionar suas práticas.
Considerando a pluralidade cultural de cada região, o cenário de atenção
em saúde se desenvolve no Brasil. Assim, nesse contexto, as condutas da
psicologia social seguem no sentido de acolher as demandas e convergências
provenientes de cada coletivo, a fim de garantir o efetivo acesso a universa-
lidade, integralidade e ampla assistência aos sujeitos.
Buscando contemplar integralmente as práticas em políticas de ação e promoção
em saúde, a psicologia social se mantém aberta, disponibilizando seu saber e fazer
a agregação de diferentes ângulos de atuação. Ou seja, se aliando à interdisciplina-
ridade, por meio do intercambio de conhecimentos, buscando soluções conjuntas
com as demais áreas da ciência que se disponibilizem a atuar com o social, dentre
elas: assistência social, enfermagem, medicina, educação, entre outras.
A psicologia social entende a necessidade de uma articulação intersetorial
para a compreensão dos contextos e sujeitos em sua subjetividade. Conceitos
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psicossocioculturais, que aliam características individuais, sociais e contex-


tuais, estão presentes costurados aos processos de adoecimento e necessitam
de uma ampla atenção, para conter agravos e delinear estratégias de contenção
e prevenção em saúde.
Dessa maneira, ao cuidado e atenção integral, se aderem o mapeamento das
questões que exigem uma amplitude de olhar sobre a comunidade e a organização
dos setores, objetivando o alcance das prioridades de ação tanto no âmbito indi-
vidual quanto no coletivo e ainda na estruturação de instâncias educacionais que
promovam a prevenção em saúde. Assim identificamos na prevenção o sentido
de se antecipar, visualizar antes, identificar previamente, por isso a importância
de ações conjuntas por meio de espaços de escuta e atenção, para que por meio da
prevenção possa ser possível se estruturar um caminho para a promoção em saúde.
Conforme Arendt (1999), ser ouvido e integralmente visto pelo outro
possibilita tanto uma expansão no alcance do olhar sobre si próprio como
uma variedade de ângulos de compreensão. Quando a cada sujeito é possível
ser visto por uma multiplicidade de olhares, é possível ser, sem alteração da
identidade, permitindo se manifestar de forma integral e real.
Por isso, ao pensarmos sobre atenção, prevenção e promoção de saúde,
precisamos atentar para a vinculação entre os serviços e os sujeitos. Pois é
na corresponsabilidade que se pode atuar efetivamente e integralmente sobre
as prioridades. E é por meio da interdisciplinaridade que se torna possível
entender cada sujeito, assim como sua comunidade, acolhendo a complexidade
de suas demandas de maneira global e em absoluto.

No livro Saber cuidar, do escritor Leonardo Boff (1999), você pode se inspirar sobre o sentido
mais profundo de escutar, olhar e compreender o outro em sua essência e integralidade.
O livro convoca uma postura ética em valores e atitudes a todo e qualquer ser existente
no planeta, além de promover uma postura mais humilde e humana perante o próximo.

Psicologia social da saúde crítica


À denominação “psicologia social da saúde” se atribui uma conjunção entre
educação e condutas profissionais e científicas, com o objetivo de atuar sobre a
identificação de disfunções, promoção e prevenção em saúde, além de propor
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uma análise, buscando o melhoramento do sistema de atuação, bem como a


condução da formação de políticas em saúde (MATARAZZO, 1982).
A psicologia social da saúde crítica é um movimento que relaciona a intera-
ção entre os aspectos emocionais, comportamentais e contextuais conectados
às doenças e à saúde dos sujeitos, disponibilizando a atuação do psicólogo
social, assim como os demais membros da equipe de saúde, como agentes
facilitadores da transformação social. Para tanto, a psicologia social da saúde
crítica enfatiza o papel ético e político do fazer em psicologia social da saúde.
Associando conceitos de diferentes abordagens da psicologia, a psicologia
social da saúde crítica visa a traçar um esquema de intervenção que tenha
melhor alcance nos âmbitos individuais, grupais e na coletividade. Tal mo-
vimentação procura atingir além da reabilitação e tratamento de doenças,
investindo sobre a qualidade de vida dos sujeitos.
A psicologia social da saúde crítica se movimenta no sentido de escapar
do dualismo saúde/doença previamente colocado pela psicologia social da
saúde que tendia a focar suas práticas sobre as mudanças de comportamento.
Buscando promover a educação do sujeito a cerca de si e do meio em que habita.
Como estudado por Freire (1983) o mundo ao qual cada sujeito está inserido,
está intimamente relacionado com a consciência. Ou seja, a consciência que cada
sujeito tem sobre si e seu mundo vai refletir sobre suas escolhas e atitudes. Para isso,
é necessário que haja uma plena concepção de que cada consciência possui níveis
diferentes e tempos diferentes em cada sujeito. Dessa maneira, não é possível atingir
mudanças profundas e permanentes se não partirem da consciência de cada sujeito.
Exige-se da psicologia social da saúde crítica um posicionamento aberto e
humilde frente aos sujeitos, promovendo espaço para discussões, possibilitando
a criação de novas perspectivas e condutas éticas, disponibilizando-se como
agente social, mas também de ser humano para ser humano, igual e plural,
questionador, problematizador e empático.
A psicologia social da saúde crítica se movimenta por meio da conscien-
tização, em uma proposta dialógica, pela qual a atuação é, ela própria, uma
avaliação, traçando e refazendo estratégias de acordo com as mudanças das
demandas. Sempre buscando ser e estar o mais acessível e compreensível
possível, tanto para os que estiverem disponíveis, quanto para os excluídos,
como argumenta Guareschi (1998). Assim, os sujeitos que buscam atenção em
saúde são tão investigadores quanto o agente social de saúde atuante. Nesse
sentido, a visão de mundo do sujeito, sua consciência crítica, vai auxiliar
no engajamento sobre sua promoção e qualidade de vida, assim como em
melhorias e transformações na sua comunidade e sociedade.
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Para exemplificar a prática da psicologia social da saúde crítica, podemos usar como
analogia o ato de pensar. Pensar é sempre uma soma, uma união entre conhecimentos
prévios sobre fatos e realidades, articulados em meio a projeções e análises do presente
com relação ao futuro. Assim, a atuação em psicologia da saúde crítica articula uma costura
entre os mais variados conhecimentos, associados entre as interdisciplinas em busca de uma
transdisciplinaridade, em que os organismos de saberes e conhecimentos se conectam
em suas semelhanças e diferenças, mas considerando o todo como produtor de potências.

ARENDT H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitaria, 1999.


BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano & compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes, 1999.
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proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços corres-
pondentes e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 1990. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm>. Acesso em: 09 ago. 2017.
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