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RESUMO

O presente trabalho visa expor o que é funcional e o que não é na proteção penal da mulher,
tanto em âmbito nacional quanto internacional, abordando temáticas sobre tipos de violência
sofridos pela população feminina, suas causas e consequências, bem como a descrever a
situação em como se encontram os presídios femininos e como as detentas estão sendo
mantidas. A pesquisa foi realizada, tanto empiricamente de modo qualitativo, vide entrevistas
com algumas afetadas, quanto teoricamente, para exibir a maneira com que mulheres, apesar
de suas grandes lutas e vitórias socioeconômicas, ainda sofrem, na contemporaneidade, com a
influência sexista e forma ainda patriarcal da sociedade, sendo vítimas de violências físicas,
verbais ou simbólicas apenas por pertencerem a outro sexo e/ou outra orientação sexual. A
partir dos resultados apresentados por categoria foi possível diagnosticar a atual sociedade
como ainda machista e silenciadora das vítimas, culpando-as por as serem; além disso,
também foi possível figurar o que deve ser implementado na proteção destas dentro e fora do
cárcere.

Palavras-chave: Proteção Penal da Mulher. Violência Sexual. Violência Doméstica.


Lesbofobia. Violência Digital. Encarceramento.

ABSTRACT

The present work aims at exposing what is functional and what is not in the criminal
protection of women, both nationally and internationally, addressing themes related to the
types of violence suffered by the female population, their causes and consequences, as well as
to describe the situation in how women's prisons are located and how detainees are being
held. The research was carried out, both empirically in a qualitative way, see interviews with
some affected, and theoretically, to show the way in which women, despite their great
struggles and socioeconomic victories, still suffer, in the contemporaneousness, with the
sexist influence and still forms patriarchal society, being victims of physical, verbal or
symbolic violence solely because they belong to another sex and / or other sexual orientation.
From the results presented by category it was possible to diagnose the current society as still
macho and silencing the victims, blaming them for being them; in addition, it was also
possible to figure out what should be implemented in the protection of these inside and
outside the prison.

Keywords: Women's Criminal Protection. Sexual Violence. Domestic violence. Lesbophobia.


Digital Violence. Incarceration.

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - PESQUISA SOBRE LESBOFOBIA 25

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 - EVOLUÇÃO DAS TAXAS DE HOMICÍDIO DE MULHERES (POR 100


MIL) NO BRASIL (1980/2013) 8
GRÁFICO 2 - PERFIL DAS VÍTIMAS DE HOMICÍDIO DOLOSO EM 2014 9
GRÁFICO 3 - PREVALÊNCIA, POR LUGAR, DA VIOLÊNCIA FÍSICA E SEXUAL
DO CASAL DURANTE A VIDA DA MULHER 12
GRÁFICO 4 - EXISTÊNCIA DE CELA/DORMITÓRIO ADEQUADO PARA
GESTANTES EM UNIDADES FEMININAS E MISTAS. BRASIL. JUNHO DE 2014 28
GRÁFICO 5 - EXISTÊNCIA DE CRECHE EM UNIDADES FEMININAS E MISTAS.
BRASIL. JUNHO DE 2014. 29

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - HOMICÍDIOS DE MULHERES BRANCAS POR UF/REGIÃO E COR


NO BRASIL (2003/2013) 10
TABELA 2 - HOMICÍDIOS DE MULHERES NEGRAS POR UF/REGIÃO E COR NO
BRASIL (2003/2013) 10
TABELA 3 - TAXAS DE HOMICÍDIOS DE MULHERES (POR 100 MIL) 11











SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 6
1.1 OBJETIVOS 6
1.2 JUSTIFICATIVA 6
2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: SOBRE MULHERES E MULHERES,
FOGUEIRAS ATUAIS E LEI MARIA DA PENHA 7
2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO 7
2.2 ANTES DA ABORDAGEM DA LEI, MAIS ALGUNS FATOS HISTÓRICOS
SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER 8
2.3 LEI MARIA DA PENHA 13
3 O SILÊNCIO DOS CORPOS ESQUECIDOS: A VIOLÊNCIA SEXUAL COMO
REALIDADE LATENTE 15
3.1 A PROTEÇÃO PENAL DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA SEXUAL 15
3.2 PARAÍSO DAS LEIS E DO PROLONGAMENTO DA FUNESTA INEFICÁCIA
DESSAS PARA AS MULHERES 17
4 VIOLÊNCIA DIGITAL 19
4.1 PRONOGRAFIA DE VINGANÇA 19
4.2 AS BASES DE UM CRIME PERFEITO 19
4.3 DIREITO BRASILEIRO E A PORNOGRAFIA DE VINGANÇA 20
5 LESBOFOBIA 22
5.1 BREVE HISTÓRIA DO LESBIANISMO E SUA INFLUÊNCIA NA SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA 22
5.2 LESBOFOBIA: HOMOFOBIA ACOMPANHADA DE SEXISMO 23
6 D E T E N T O S Q U E S A N G R A M E PA R T E J A M : A V I O L Ê N C I A
INSTITUCIONAL CONTRA A POPULAÇÃO CARCERÁRIA FEMININA 26
6.1 AS GARANTIAS DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL Nº 11.942 E A SAÚDE DA
MULHER ENCARCERADA 28
6.2 PARA ALÉM DA MATERNIDADE 30




















6.3 OS EXTREMOS DA INVISIBILIDADE DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA


FEMININA 31
7 CONCLUSÃO 33
REFERÊNCIAS
























1 INTRODUÇÃO

1.1 OBJETIVOS

• Objetivo Geral

O objetivo geral da pesquisa é expor o cenário nacional de descaso e violência


vivenciado pelas mulheres. Apesar do foco na mulher brasileira, a pesquisa conta também,
para fins comparativos, com informações da situação das mulheres fora do Brasil.

• Objetivos Específicos

- Violência doméstica;
- Violência sexual;
- Violência digital;
- Lesbofobia;
- Saúde da mulher.

1.2 JUSTIFICATIVA

Além do interesse do grupo pesquisador pela temática, o estudo se justifica pelas


seguintes razões:
• No campo social – A pesquisa, apesar de seu foco científico, possui um teor
conscientizador que trará ao leitor uma visão crítico-reflexiva capaz de fazê-lo
enxergar a condição feminina de sofrimento que se encontra velada pelo véu de uma
sociedade retrógrada.
• No campo acadêmico – Apesar da existência de inúmeros trabalhos de excelência
tratando da questão feminina, a mulher, de um modo geral, ainda é esquecida e
negligenciada pela academia. Sendo assim, esta pesquisa apresenta grande relevância
para os estudos acadêmicos, tanto pela sua qualidade quanto por sua raridade.


Desse modo, o trabalho pretende analisar, entender e explanar os fatores sociais e os


tipos de violência mais comuns no cotidiano feminino concernentes aos preconceitos,
patriarcalismo e machismo que depredam a integridade da mulher brasileira.

2 SOBRE MULHERES E MULHERES, FOGUEIRAS ATUAIS E LEI MARIA DA


PENHA

Triste, louca ou má
Será qualificada
Ela quem recusar
Seguir receita tal
A receita cultural
Do marido, da família
Cuida, cuida da rotina[...]
(Triste, louca ou má - Francisco, El Hombre)

2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO

O Brasil sempre presenciou violência de gênero durante sua história passando pelas
indígenas estupradas, brancas desmoralizadas e negras fisicamente agredidas desde a época
colonial até hoje, em que ainda convivem indígenas fisicamente agredidas, brancas estupradas
e negras desmoralizadas.
Indígenas desmoralizadas, brancas fisicamente agredidas e negras estupradas viram as
taxas de homicídio contra seu gênero aumentarem, enquanto o Brasil se fixava como o 5° país
com as maiores taxas de homicídio de mulheres do mundo (Mapa da violência 2015:
homicídio de mulheres no Brasil) e elas lutavam - e lutam - pela equidade de gênero, pelo
respeito, pela segurança e pelo fim da prática de lançar mulheres na fogueira pelo simples fato
de serem mulheres.
Essas mulheres tiveram seus corpos mistificados e sua sexualidade tida como doença
mental. Loucas, foram internadas em hospícios por serem consideradas histéricas - uma
doença relacionada a suposta hipersensibilidade causada pelo seu útero - ou por não se
realizarem em papéis de mães, donas de casa, filhas e esposas. Essas mesmas mulheres que
eram condenadas pelo simples fato de andar na rua, questionadas e humilhadas durante uma
ocorrência policial. Essas mesmas mulheres que quando se tornavam a fonte de renda da
família e questionavam o marido desempregado, eram agredidas por ferir a honra masculina.










Essas mesmas mulheres que levaram um tiro na coluna enquanto dormiam e tornaram-se
paraplégicas. Essas mesmas mulheres que tentaram ser eletrocutadas pelo mesmo autor do
tiro. Essas mesmas mulheres que hoje emprestam seu nome a Lei Maria da Penha.

GRÁFICO 1 - EVOLUÇÃO DAS TAXAS DE HOMICÍDIO DE MULHERES (POR 100 MIL) NO BRASIL
(1980/2013)

FONTE: MAPA DA VIOLÊNCIA 2015: HOMICÍDIO DE MULHERES NO BRASIL (2015)

2.2 ANTES DA ABORDAGEM DA LEI, MAIS ALGUNS FATOS HISTÓRICOS SOBRE A


VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

A construção social da mulher frágil, sensível, filha, mãe e esposa encontra-se


enraizada de maneira tão profunda na sociedade brasileira que muitas vezes é utilizada como
justificativa plausível para o homicídio de uma mulher
Os principais agressores de jovens e adultas ainda são o cônjuge ou parceiros, sendo
que a violência ocorre majoritariamente nas próprias residências e sua recorrente forma é a
agressão física1.
Ainda, durante os atendimentos o que é percebido são profissionais incapacitados que
levam suas ideologias para sua atuação profissional e legam para as mulheres que denunciam
violência doméstica uma discriminação sexista que converte para as próprias vítimas a culpa

1 Mapa da violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil.





pela situação ocorrida. E, nesse sentido, um vestido, uma palavra, um lugar ou um gesto
tornam-se a energia de ativação necessária para uma tragédia.
Porém, é observado que o patriarcado não se reduz a uma interpretação sexista da
violência. Ele também fundamenta-se na raça, etnia, classe social e na categoria de mulheres
como campesinas, prostitutas, sem teto e em todas aquelas características que fujam do
estereótipo da mulher branca, de classe média, esposa, mãe e dedicada dona de casa. Dessa
forma, chegamos ao âmago do entendimento do porquê existem diferentes formas e
intensidades de violência contra as mulheres e ao porquê das conquistas de direitos das
mulheres chegarem primeiro às mulheres brancas, de classes médias e altas, e heterossexuais.
(SEVERI, 2018).
Sobre a questão racial, as mulheres negras são as principais vítimas de violência no
Brasil:

GRÁFICO 2 - PERFIL DAS VÍTIMAS DE HOMICÍDIO DOLOSO EM 2014

FONTE: DGTIT/PCERJ (2015)

Em uma comparação entre as taxas de homicídios entre mulheres brancas e negras em


cada região do país verifica-se que mesmo a partir da vigência da Lei Maria da Penha, o
número de homicídios de mulheres negras sobe 35% enquanto o de mulheres brancas cai
2.1%2.

2 Idem item 1.



TABELA 1 - HOMICÍDIOS DE MULHERES BRANCAS POR UF/REGIÃO E COR NO BRASIL (2003/2013)

FONTE:MAPA DA VIOLÊNCIA 2015: HOMICÍDIO DE MULHERES NO BRASIL (2015)

TABELA 2 - HOMICÍDIOS DE MULHERES NEGRAS POR UF/REGIÃO E COR NO BRASIL (2003/2013)

FONTE: MAPA DA VIOLÊNCIA 2015: HOMICÍDIO DE MULHERES NO BRASIL (2015)

TABELA 3 - TAXAS DE HOMICÍDIOS DE MULHERES (POR 100 MIL)

FONTE: SIM/MS (2015)

Segundo o Instituto Patrícia Galvão, em seu dossiê Violência Contra as Mulheres:

O Ministério da Justiça aponta ainda que esse segmento populacional é


maioria entre as vítimas de tráfico de pessoas. E, de acordo com o
Ministério do Trabalho, são também a maioria entre as vítimas de assédio
moral e sexual no trabalho. Dados do Sistema de Informações sobre
Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS) de 2012 indicam que as
mulheres negras são 62,8% das vítimas de morte materna, considerada
por especialistas como uma ocorrência evitável com acesso a informações
e atenção adequada do pré-natal ao parto. 65,9% das mulheres
submetidas a algum tipo de violência obstétrica no Brasil também são
pretas ou pardas, segundo o estudo Desigualdades sociais e satisfação das
mulheres com o atendimento ao parto no Brasil: estudo nacional de base
hospitalar, publicado em 2014, nos Cadernos de Saúde Pública da
Fundação Oswaldo Cruz.

Ainda sobre a questão étnica, verifica-se , segundo o Panorama da violência contra as


mulheres no Brasil: indicadores nacionais e estaduais:

Roraima e Ceará merecem atenção por uma peculiaridade: em 2014, a


taxa de homicídios de mulheres de todas as raças foi superior tanto à
taxa de homicídios de mulheres brancas quanto de homicídios de
mulheres pretas e pardas. Isso porque, nesse ano, registrou-se um
número de homicídios de mulheres indígenas superior à soma de
registros de homicídios de mulheres brancas, pretas e pardas. Já no
Ceará, em 2014, a taxa de homicídio de mulheres de todas as raças foi
superior às taxas referentes às mulheres brancas e às pretas e pardas,
porque em cerca de 40% dos registros de homicídio de mulheres
ocorridos no estado não há informação referente à raça da vítima.
(p.5-6)

O que ocorre quando políticas da sociedade ocidental são implantadas sem cuidados
sobre as comunidades autóctones é uma supressão da desigualdade de gênero característica da
própria cultura nativa, considerada de baixa periculosidade para as mulheres, pela
desigualdade de gênero típica da sociedade ocidental, de alta periculosidade para as mulheres
indígenas (SEVERI, 2018).
Também, como pode ser observado no gráfico seguinte, mulheres de zona rural são
mais propensas a serem submetidas à violência sexual.

GRÁFICO 3 - PREVALÊNCIA, POR LUGAR, DA VIOLÊNCIA FÍSICA E SEXUAL DO CASAL DURANTE


A VIDA DA MULHER

FONTE: ESTUDIO MULTIPAÍS DE LA OMS SOBRE SALUD DE LA MUJER Y VIOLENCIA DOMÉSTICA


CONTRA LA MUJER (OMS, 2002)










E, por último, vale ressaltar como a prostituição altera os dados sobre violência de
gênero:

TABELA 4 - DISTRIBUIÇÃO DAS PROFISSIONAIS DO SEXO, DE ACORDO COMA FREQÜÊNCIA COM


QUE É VIOLENTADA (2003)

FONTE: REVISTA MINEIRA DE ENFERMAGEM (2003)

A atividade de prostituição é também marcada pela discriminação decorrente do


gênero. As mulheres que exercem tal atividade são discriminadas pois, além de mulheres e
pobres, viram mercadoria. Isso ocorre por que o tipo de relação que elas mantém com seus
clientes é puramente comercial, fato que as intitula como mercadoria e lhes retira os rótulos
de mulher, mãe e filha (MOREIRA; MONTEIRO, 2012).

2.3 LEI MARIA DA PENHA

A Lei Federal n° 11.340 de 07 de agosto de 2006, ou Lei Maria da Penha é resultado


da síntese de forças do feminismo brasileiro e latino americano, bem como o resultado do
compromisso do país em tratados internacionais. Ela extrapola os limites jurídicos
envolvendo também em sua atividade o Poder Executivo e o Legislativo, converge para o
mesmo ponto – garantir a segurança da mulher - os órgãos gestores das políticas de Saúde,
Educação, Trabalho e Habitação e a Assistência Social além da família e da sociedade. Essa
lei visa garantir a proteção da mulher contra violência doméstica e familiar, entendia aqui
como qualquer ação que viole seus direitos desencadeada pelo seu gênero.
O Art.3° da Lei Maria da Penha (LEI N° 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006)
discorre nesses termos “Art. 3o Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício
efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à
moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à






dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.” (BRASIL, 2006). É


interessante observar que a Lei Maria da Penha garante a mulher direitos que já seriam
assegurados a ela pela Constituição Federal de 1988. Assim, com essa informação e
observando-se os dados mostrados nos capítulos anteriores chega-se - mais uma vez- a
conclusão de que apesar da garantia de igualdade entre homens e mulheres presente
teoricamente na referida constituição a prática mostra a existência de um abismo de
desigualdade entre homens e mulheres- e entre mulheres e mulheres. Dessa forma, em 2006,
depois de milhares de desrespeitos a Constituição Federal e várias mortes femininas ligadas
ao gênero, uma lei precisou ser criada para tentar garantir o direito a igualdade supostamente
assegurado desde 1988.
Já o Art.2° da Lei Maria da Penha (LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006)
disciplina in verbis “Art. 2o . Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia,
orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e
facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu
aperfeiçoamento moral, intelectual e social.” (BRASIL, 2006). O presente artigo, assim como
o objetivo principal da lei em discussão, deixa claro que todas as mulheres que sofreram
violência pelo fato de serem mulheres estão sujeitas a proteção. Vale ressaltar que ao referir-se
a orientação sexual, o artigo frisa a não exclusão da lei de mulheres lésbicas e trans.
Ainda, o Art. 5° da Lei Maria da Penha (LEI N° 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006)
aborda nessas palavras “Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e
familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte,
lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.” Nos incisos I, II,
e III do presente artigo são definidos como violência doméstica violações que ocorram no
âmbito da unidade familiar, no da família (com laços naturais ou não) e em qualquer relação
íntima de afeto (independente da coabitação).
Em uma última análise, o Art. 7° da Lei Maria da Penha (LEI N° 11.340, DE 7 DE
AGOSTO DE 2006) classifica como formas de violência doméstica ou familiar contra a
mulher as violências físicas, psicológicas, sexuais, patrimonial ou moral. E, enfim, o inciso IV
e VII do Art. 8° preveem atendimento policial especializado para as mulheres vítimas de



violência e capacitação dos profissionais de todas as áreas envolvidas no desenvolvimento


dessa lei.

3 O SILÊNCIO DOS CORPOS ESQUECIDOS: A VIOLÊNCIA SEXUAL COMO


REALIDADE LATENTE

É uma realidade tão espessa, tão viva e tão dramática que nos cobre a todos
que, não a querer ver, seria mais do que a miopia ética, seria blasfêmia
moral. (COSTA. 2006, p. 132).

Quando se analisa a condição da mulher, principalmente quando atrelada a contextos


de subjugação e violência sexual, busca-se compreender o que impede na contemporaneidade
a superação desse grave fenômeno criminológico. Dessa forma, analisa-se, a priori, o que o
princípio da igualdade, elemento de busca constante entre diversos movimentos sociais, entre
eles o feminismo, apresenta como definição ainda tão escassa de concretude.
Inicialmente, parte-se da ideia de que ser igual não é ser o mesmo. Raquel Diniz, nessa
linha de raciocínio, desenvolve uma ideia lógica-conceitual de fácil exemplificação:

Se A é igual a B, A e B possuem aspectos semelhantes, mas também aspectos


diferentes. Não obstante, existe igualdade entre A e B. O que não existe é
identidade. A pode ser igual a B se e somente se A e B forem distintos. Se A
e B possuíssem todos os aspectos semelhantes, deixariam de ser iguais,
passando a ser idênticos. Assim, melhor seria chamá-los de A e A ou B e B
(GUERRA. 2011, p. 13)

De modo análogo, entende-se a relação entre homens e mulheres como tal: marcada
por diferenças, as quais não deveriam resultar em desigualdades. Entretanto, a realidade se
mostra distinta na prática, o que torna imprescindível a existência de proteções penais contra a
violência sexual sofrida por pessoas do sexo feminino, sendo um exemplo dessas a lei 12.015
de 2009, a qual dispõe sobre o estupro como qualquer ato sexual realizado sem o
consentimento, independente do contexto em que está inserido.

3.1 A PROTEÇÃO PENAL DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA SEXUAL






O aparato legal que protege a mulher contra crimes sexuais não é uma exclusividade
dos novos tempos. As Ordenações Filipinas, em 1603, já abordavam a temática, porém com
uma visão atrelada à moral sexual: protegiam a mulher digna, virgem ou casada. Na verdade,
toda a proteção não se destinava a pessoa da mulher em si e sim a sua virgindade ou a seu
estado civil. Essa mentalidade se perpetuou ao longo da história brasileira tendo como
elemento confirmador o Código do Império, o qual diferenciava a pena de acordo com a
vítima que sofria o dano, pois, por exemplo, em caso de estupro contra uma mulher honesta a
pena para o criminoso seria de 3 a 12 anos de prisão, enquanto que se fosse uma prostituta a
pena seria de 1 mês a 2 anos de prisão.
O histórico que permitiu a estruturação do sistema jurídico brasileiro, todavia, não
apresentou uma limitação cronológica e livre de influências posteriores. As leis de grande
relevância para a redução e tratamento das práticas atreladas à violência sexual só foram
amplamente discutidas e aprovadas já no século XXI. No Brasil, estupro é constranger
alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir
que com ele se pratique outro ato libidinoso – conforme definido no capítulo sobre os crimes
contra a liberdade sexual do Código Penal, após as alterações promovidas em 2009 com a Lei
nº 12.015, um marco na defesa das mulheres contra esse tipo de ato.
A título de exemplo, a lei nº 12. 845 de 2013, a qual dispõe sobre o atendimento
obrigatório e integral em caso de violência sexual, apresentou-se como um grande avanço
contra o preconceito e a negligência perante à mulher abusada. Dessa maneira, encoraja-se a
mulher a denunciar, pois quando é respeitosamente recebida, fica mais tranquila em retornar e
se sente menos exposta e efetivamente cuidada pelo sistema3. A lei nº 10.778 de 2003 é outro
exemplar de proteção penal: estabelece a notificação compulsória quando a mulher for
atendida em serviços públicos e privados de saúde, o que permite que as autoridades tomem
medidas cabíveis.
Outrossim, a Lei Maria da Penha é outro recurso de grande importância. Em
complemento ao Código Penal brasileiro, auxilia a evidenciar as várias formas de violência
sexual, que vão muito além do estupro, e aborda a violência sexual cometida em contexto de
violência doméstica e familiar. Dentre as condutas descritas em seu artigo 7, alínea III estão:

3Cláudia de Oliveira Facuri, médica psiquiatra e pesquisadora do Departamento de Psicologia Médica e


Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.




qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, manter ou participar de uma relação
sexual indesejada, mediante intimidação, ameaça ou uso da força; que induza a comercializar
ou utilizar da sua sexualidade; que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a
force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem,
suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e
reprodutivos.
Por fim, outra temática atrelada a violência sexual que apresenta tratamento legal diz
respeito ao tráfico de mulheres. O Código Penal tido como maior protetor contra essa prática
teve seu artigo 231 revogado em 2016, já que não enxergava o tráfico como um fenômeno,
um processo delituoso complexo e multifacetado4. Ainda assim, muito se discute sobre a
proibição ou não das práticas sexuais consentidas nesse contexto, visto que os juristas
descordam sobre a prevalência ou não dos bons costumes em prol da liberdade sexual. Nessa
perspectiva, a lei número 11.106 de 2005 extinguiu a figura histórica e sem aplicabilidade
jurídica da mulher honesta e ainda pôs fim a não punibilidade baseada no casamento do autor
do delito ou de terceiro com a vítima.

3.2 PARAÍSO DAS LEIS E DO PROLONGAMENTO DA FUNESTA INEFICÁCIA


DESSAS PARA AS MULHERES

Embora as defesas legais existam, nota-se que o quadro de vulnerabilidade das


mulheres ainda é uma máxima. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontam
que 1 estupro foi cometido no Brasil a cada 11 minutos em 2015 e, em geral, calcula-se que
seja apenas 10% do total dos casos que realmente acontecem. Ademais, ainda que exista um
Juizado Especial de Violência contra a Mulher, o qual conta com ferramentas como a Lei
Maria da Penha, o Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso, apenas 15,7% dos
acusados por estupro foram presos5.
A situação exposta sustenta-se a partir de três pilares: silêncio das mulheres,
impunidade e a transformação de vítima em culpada. Os três pilares são, contudo, apenas um

4DE CAMARGO RODRIGUES, Thaís. O Tráfico Internacional de Pessoas para Fim de Exploração Sexual e a
Questão do Consentimento. Universidade de São Paulo, 2012.
5 Dados do estado de São Paulo, referentes aos meses de janeiro a julho de 2017



reflexo de um contexto maior de institucionalização do medo e da opressão histórica e


patriarcal, em que a religião, detentora do monopólio da determinação do pecado e de seu
perdão criou uma “psicologia das massas” como Reich chamava essa poderosa forma de
controlar a população6. Sendo assim, o público feminino teve retirado de si um direito básico
que é a educação sexual, questão ainda muito negligenciada devido à aversão temporal
atrelada ao assunto.
Nota-se, então, que a negligência ao se abordar um assunto que deveria ser um
conhecimento básico auxilia na criação de estereótipos e de aceitação de situações não
condizentes ao respeito dos direitos humanos. Débora Diniz7 afirma que o estupro é um ato
violento de demarcação do patriarcado nas entranhas das mulheres, sendo real e simbólico,
agindo em todas as mulheres submetidas ao regime de submissão. É, portanto, uma forma de
reafirmação do poder masculino assentido por uma sociedade privada de um
autoconhecimento indispensável.
Em vista disso, a conivência estatal é o fator determinante para o continuísmo de
práticas tão antigas e danosas. O Estado brasileiro conviveu durante um grande período com a
omissão institucional relacionada ao estupro e, apesar de se enquadrar em importantes
tratados internacionais sobre o assunto, como o Estatuto de Roma, e já ter sido acionado pela
Comissão Interamericana de Mulheres diversas vezes, não adota as medidas mais básicas que
se relacionam a discussão ferrenha nas escolas sobre a educação sexual como um bem básico
do ser humano, a qual necessita ser compreendida e exercitada conscientemente.
No Brasil, somente na década de 70 do século passado as vítimas passaram a receber
certa atenção. A vitimodogmática inclui o comportamento da vítima na análise do crime8 e
esse é outro fator que merece atenção no que concerne à resolução da violência sexual de
gênero no país. O consentimento, em contexto doutrinário, ainda é um termo bastante vago, o
que contribui para a impunidade e para a incompreensão de uma sociedade por vezes
inquisidora que transporta o consentimento a fatores não determinantes, como a roupa ou o
local frequentado pela vítima, na tentativa de culpabilizar quem mais sofre. Um estudo mais

6 BARROSO, Carmem; BRUSCHINI Cristina. Third World Woman and the politics of feminism. Building
politics from personal lives. Indiana University; 1991, p. 155
7Antropóloga, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética, Direitos
Humanos e Gênero em artigo publicado em 2013 no jornal O Estado de S. Paulo.
8 O Consentimento da Vítima na Teoria Geral do Delito. p. 162.



claro nessa área seria um ponto esclarecedor e benéfico quando associado à divulgação das
informações à sociedade geral.
É certo, a existência do feminismo institucionalizava a sexualidade do intelectual no
mundo9, já que as relações de força se estabeleciam e moldavam as vontades. A voz das
mulheres foi por anos ignorada e da submissão surgiu o ideal do silêncio que fala.
Atualmente, as mulheres buscam reconhecimento e políticas públicas de eficácia. A proteção
penal é uma garantia que é válida, mas que deve ser corroborada com um enfoque nas causas
e não apenas nos efeitos de uma agressividade avassaladora.

4 VIOLÊNCIA DIGITAL

4.1 PORNOGRAFIA DE VINGANÇA

A violência contra as mulheres alcança diversos âmbitos e consequentemente tem se


adaptado as evoluções da sociedade. Com o avanço da tecnologia, a internet tem se tornado
uma ferramenta cada vez mais poderosa. Nesse plano, uma prática tem se tornado cada vez
mais comum: a pornografia de vingança. Mais conhecida por seu termo em inglês “Revenge
Porn”, a pornografia de vingança consiste no compartilhamento de fotos e/ou vídeos
(contendo cenas de sexo ou nudez) na internet sem autorização dos envolvidos e geralmente
com o intuito de causar humilhação a vítima, uma vez que esta tem sua privacidade invadida
de forma brutal. A grande maioria das vítimas são mulheres e os agressores quase sempre são
homens, fato este que classifica a pornografia de vingança como um crime cujo fator
determinante é o gênero.

4.2 AS BASES DE UM CRIME PERFEITO

Há uma grande diferença em como a sociedade lida com a sexualidade de um homem


e de uma mulher. As bases para essa diferença foram fincadas ainda na infância quando
meninas eram constantemente lembradas do quanto tinham que se manter castas para serem

9 BENJAMIN, Walter. Gesammelt Schriften II, 1, p.13. Apud Cfe. WEIGEL, op. Cit., p.155



respeitadas. As normas impostas as mulheres relegam sua sexualidade a um canto escuro, ao


mesmo tempo em que a sexualidade dos homens é constantemente explorada e incentivada.
Enquanto se espera que homens tenham várias experiências sexuais, espera- se que mulheres
permaneçam intocadas para seus futuros maridos. Desse modo, quando o vídeo de uma
mulher tendo relações sexuais se espalha na internet a sociedade se sente no direito de julgá-la
de todas as formas possíveis. O mesmo não acontece com homens que além de não receberem
o mesmo julgamento, tem no vídeo o reconhecimento de sua masculinidade. Dessa forma,
mulheres fazendo sexo é condenável, homens fazendo sexo é motivo de orgulho. O
julgamento moral em cima de mulheres que não seguem essa norma estabelecida é o que
constitui um terreno fértil para práticas como a pornografia de vingança. Se a sociedade não
punisse tão cruelmente
qualquer resquício de sexualidade que uma mulher pode ter, não haveria vingança com essa
arma.
Em depoimento de Rose Leonel, jornalista, vítima de pornografia de vingança pelo ex
noivo e fundadora da ONG Marias da Internet, ONG dedicada a orientação jurídica e apoio
psicológico a vítima de Disseminação Indevida de Material Intimo, afirma:

Quando você sofre um crime de internet, sofre três dores: a da traição da


pessoa que você amava, a vergonha da exposição e a dor da punição
social. As vítimas deste tipo de crime são responsabilizadas pela maioria
das pessoas, enquanto o agressor ainda é poupado pela sociedade
machista.

Assim, além de lidarem com as consequências desse crime, que muitas vezes consiste
na perda do emprego, exclusão social, depressão e possivelmente suicídio, as vítimas ainda
lidam com a culpa que recaí sobre seus ombros uma vez que a humilhação é considerada uma
punição justa para a mulher que subverte o papel que lhe foi imposto.

4.3 DIREITO BRASILEIRO E A PORNOGRAFIA DE VINGANÇA

Ainda há diversas lacunas no direito brasileiro sobre o tema. Embora não exista
nenhuma legislação específica para a pornografia de vingança, esse é um crime que
usualmente se enquadra como crime contra a honra, possivelmente classificado como




difamação (art.139 do Código Penal) ou injúria (art. 40 do Código Penal). Além disso, é
possível aplicar a Lei 11.340/06, também conhecida como Lei Maria da Penha, caso haja
vínculo afetivo entre a vítima e o agressor, uma vez que o inciso II do artigo 7 discorre sobre
violência psicológica:

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe


cause dano emocional e diminuição da auto estima ou que lhe
prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou
controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante
ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento,
vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem,
ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer
outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e a
autodeterminação.

E o inciso V discorre sobre violência moral:

V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure


calúnia, difamação ou injúria.

Ainda o artigo 154-A da Lei 12.737/12 criminaliza a invasão de dispositivo


informático alheio com o objetivo de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem
autorização do titular do dispositivo.
Além disso, caso a vítima seja menor de idade, encontra amparo judicial no Estatuto
da Criança e do adolescente, Lei 11.829/2008:

Art.240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por


qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo
criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Um grande avanço foi o Marco Civil da Internet, Lei 12.965/14, que estabelece
princípios, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil de tal modo que trouxe
facilidade para localizar os responsáveis pelo compartilhamento das fotos e um modo de
responsabilizar sites ou provedores que mantém esse tipo de conteúdo no ar após ser
notificado pela pessoa exposta.
No entanto, por mais que exista formas de punir o agressor, ainda há um longo
caminho a ser percorrido. A pornografia de vingança é um crime no plano virtual que tem seus




alicerces no plano real, plano este recheados de ideais machistas que condenam mulheres
diariamente. Esse é um tipo de conduta que o direito penal não é capaz de solucionar sozinho
pois enquanto houver quem condene a sexualidade da mulher, crimes como esse continuarão
tendo o aval da sociedade.

5 LESBOFOBIA

5.1 BREVE HISTÓRIA DO LESBIANISMO E SUA INFLUÊNCIA NA SOCIEDADE


CONTEMPORÂNEA

A palavra lesbianismo apresenta duas principais definições na contemporaneidade; a


primeira a qual será tratada é a relação de homossexualidade entre mulheres, enquanto a
segunda, a qual mencionaremos por representar importância no movimento feminista e contra
a violência cometida contra a mulher, é um gênero dentro do movimento, caracterizado pela
radicalização extrema na recusa de um mundo patriarcal, portando o separatismo na vida
social de espaços onde os valores masculinos seriam extirpados e a violência não teria lugar
de existência (SWAIN, 1999).
Apesar de representar grande importância na luta contra a violência e sexismo, além
de fornecer uma expressão internacional demarcando o feminismo como uma forma de
estratégia de luta mais tradicional (JEFFREYS, 1979), esta parte do movimento feminista foi
muito criticada pela principal representante do grupo, Simone de Beauvoir, a qual tenta
implementar certo senso comum:

(...) muitas vezes é a natureza das experiências heterossexuais que


decidirá a mulher “viril” a assumir ou repudiar seu sexo. [E igualmente]
(...) existe entre elas, como na mulher frígida a repulsa, o rancor, a
timidez, o orgulho (...) ; ao seu rancor feminino acrescenta-se um
complexo de inferioridade viril (...)
A mulher que não quer ser vassala do homem não necessita fugir-lhe:
ela tenta, em vez disto, de fazer dele o instrumento de seu prazer. (...) a
idéia mesmo de competição se abolirá e ela viverá em plenitude sua
condição de mulher; (...) ela não pretende tampouco se mutilar de sua
feminilidade (...). (BEAUVOIR. 1980).


O lesbianismo como forma de orientação sexual foi identificado desde o período


clássico grego, entretanto, é apenas em 1890 que o termo “lésbica” é utilizado em um
dicionário médico.
A partir deste certo marco até a década 30, inicia-se a construção de grupos lésbicos
para o desenvolvimento e idealização de uma versão do lesbianismo, promovendo uma nova
realidade mais intensa do cenário homossexual feminino, principalmente em países europeus,
como a França e Alemanha, onde mulheres participavam de discussões sobre o tópico,
criavam seu próprio meio midiático (a revista Die Freundin) e se encontravam em cafés
locais.

O primeiro tipo de contribuição do movimento lésbico aos demais


movimentos sociais é permitir-lhes interrogar-se sobre seus limites e
seus tabus, tanto em suas práticas cotidianas como em seus objetivos
políticos – sobretudo no campo da sexualidade, da família, da divisão
sexual do trabalho ou da definição de papéis femininos e masculinos
(FALQUET, 2009, p. 85).

Nos anos consecutivos, marcados pelas guerras, em principal a Segunda Guerra


Mundial, as mulheres ganharam mais força no cenário social e lésbicas eram recrutadas para
serviço militar. Entretanto, após esse período, movimentos conservadores começam a ganhar
mais espaço e a homossexualidade feminina começa a ser criminalizada e, em 1925, listada
como uma doença patológica e emocional segundo o Manual Estatístico de Diagnósticos da
Associação Americana de Psiquiatria.
Seguindo esse fato, apesar das lutas da chamada “Second Wave Feminism”, definida
pela união de homossexuais e feministas nas lutas pelos direitos da minoria, a
homossexualidade feminina foi tornando-se invisível, porém, ainda sofrendo preconceitos e
violência, cujo número aumenta na sociedade contemporânea.

Frente a esse pano de fundo, a mulher que se elege ser lesbiana vive
perigosamente. (CLARKE. 1988, p. 3).

5.2 LESBOFOBIA: HOMOFOBIA ACOMPANHADA DE SEXISMO






A invisibilidade da homossexualidade feminina não é a solução. Apesar de sempre


menos preocupante do que a masculina e sempre tratada como se não punida ao longo da
história, a proteção desta orientação sexual vem desde a era medieval até a era moderna
sendo ignorada (BAILEY, 1955).
A lesbofobia, portanto, apesar de menos presente na contemporaneidade, tem seu
trajeto crescente em certas épocas e culturas e pode ser definida, segundo Cynthia Petersen
(1994) como “o medo que as mulheres têm de amar outras mulheres, assim como o medo que
os homens têm das mulheres não amá-los”.
A primeira punição conhecida para a relação romântica entre mulheres é encontrada
no Talmude Babilônico, entretanto, o início pontual da lesbofobia é retratado biblicamente por
Paulo, no primeiro capítulo a Epístola aos Romanos, versículo 26, uma vez que este condena
mulheres que “mudam o uso natural para algo contra sua natureza”. Contudo, a primeira lei
secular que expressamente retrata a relação sodomita entre mulheres é encontrada no Código
Francês de 1270, “Li Livres di jostice et de plet”:

22. A woman who does this shall lose her member each time, and on the
third must be burned. (BAILEY. 1955, p. 74)

Apesar da execução, como punição para estas relações, ter sido vedada a partir da
Revolução Francesa, o aumento do preconceito contra a homossexualidade aumenta e como
são mulheres, não há apenas a hostilidade contra esta orientação sexual, mas também com o
fato de pertencerem a um sexo considerado inferior pela sociedade patriarcalista e sexista.
A Lesbofobia se manifesta desde formas mais simples e verbais, como comentários
que implicam a androgenia de algumas lésbicas, como descrito por uma entrevistada que faz
parte da comunidade LGBT: “Me disseram pra começar a usar saias e vestidos e deixar meu
cabelo crescer, pois eu ficaria mais feminina e aceitável” (V.D); até formas mais violentas,
que são tratadas de maneira desconsiderada e com um silêncio ensurdecedor pelo medo, como
assassinato (vide caso sul-africano, em que uma personalidade importante na luta contra HIV
e Aids, Sigasa, foi morta junto a sua namorada), estupro corretivo e feminicídio sustentado
pelo próprio Estado, como casos ocorridos na Nigéria.





Somado a isso, há também a chamada violência simbólica, conceito apresentado pelo


sociólogo Pierre Bourdieu (2007) e, em relação a esta, podemos ressaltar que a dominação
simbólica se instaura através de um processo sustentado pela existência e pelo reforço de
pensamentos e predisposições alinhados às estruturas impostas, visto que, a maioria das
culturas apresenta matriz heterossexual (BUTLER, 2010), refletindo em submissão ao
instituído por parte dos dominados, que não conseguem romper com o mesmo, conspirando
para a sua própria dominação. Este é o caso do discurso lésbico, por exemplo, que, apesar de
se sentirem diferente desde cedo, não conseguem romper com o modelo reprodutivo
heterossexual, procurando ajustarem-se as estruturas sociais desta matriz.

La hostilidade general, psicológica y social, respecto a aquellos y


aquellas de quienes se supone que desean a indivíduos de su próprio
sexo o tienen practicas sexuales con ellos. Forma específica del
sexismo, la homofobia rechaza también a todos los que no se
conforman con el papel predeterminado por su sexo biológico.
Construcción ideológica consistente en la promoción de una forma
de sexualidad (hétero) en detrimento de otra (homo), la homofobia
organiza una jerarquizacion de las sexualidades y extrae de ella
consecuencias políticas. (BORRILLO, 2001, p. 36)

A seguir, a figura x mostra uma pesquisa sobre lesbofobia realizada por uma
organização sem fins lucrativos francesa.

FIGURA 1 - PESQUISA SOBRE LESBOFOBIA

FONTE: SOS HOMOPHOBIE (2006)



Diversos casos de criminalizarão das relações lésbicas, como já dito, foram


declarados, entretanto, um exemplo brasileiro de lesbofobia que teve certa repercussão
nacional, foi o processo criminal registrado durante a década de 1990 no Tribunal de Justiça
de Sergipe. Ao analisar este processo, é possível identificar que o caso ilustra violências
lesbofóbicas de familiares que, por não aceitarem as práticas afetivo-sexuais homoeróticas de
suas filhas e, por isso, utilizam o sistema de justiça penal para denunciar essa relação, mesmo
que consentida. E segundo pesquisas do Dr. Drauzio Varella, o resultado destas punições, que
são marcadas pelo encarceramento, se torna o único local para a livre expressão sexual destas
mulheres.
Ademais, isto nos demonstra como, não somente indivíduos, como também certas
áreas da justiça se mantem homofóbicas formalizando a necessidade do ensino legal mais
acessível a todos os grupos de orientação sexual diferente.

6 DETENTOS QUE SANGRAM E PARTEJAM: A VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL


CONTRA A POPULAÇÃO CARCERÁRIA FEMININA.

Para o Estado e a sociedade, parece que existem somente 726.712 mil


homens e nenhuma mulher nas prisões do país. Só que, uma vez por mês,
aproximadamente 42.355 mil desses presos menstruam. (Fala adaptada de
Heidi Ann Cerneka, coordenadora da Pastoral Carcerária nacional para
as questões femininas, em artigo de setembro de 2009).

Ao analisar a história da mulher brasileira, verifica-se que o natural fato de ter nascido
pertencente ao sexo feminino sempre foi o suficiente para torná-la vítima de discriminações e
violências advindas de seus compatriotas. A identidade feminina sempre esteve subordinada a
estereótipos, normas de condutas e valores impostos pela sociedade; na qual a mulher ocupa
uma posição de fragilidade, delicadeza, e inferioridade frente aos homens. Aquela que se
desvencilha do modelo comportamental preestabelecido e adota atitudes e papéis contrários a
ele; se vê submetida à rotulações e discriminações, por supostamente renegar as qualidades de
seu gênero. Assim sendo, a mulher que ingressa no mundo da criminalidade e rompe com esse
controle social informal, é vista como um modelo subversivo dos ideais de feminilidade e, por
conseguinte, o alvo certeiro dessas violências.







A mulher criminosa que foi condenada à pena privativa de liberdade e se encontra
encarcerada, é submetida, como ensinado por Zaninelli (2015), a uma dupla condenação.
Primeiro pela norma que representa a própria tipicidade penal e a configura como criminosa;
e segundo pela sociedade que a criminaliza por ser uma mulher que violou a sua função
dentro de uma comunidade patriarcal. Ser prisioneira no Brasil é ser rotulada como sendo uma
‘má mãe’, ‘má esposa’ e ‘má mulher’; é romper, segundo uma visão freudiana, com o papel
biológico que a elas foi destinado. Nesse sentido, Lima (2007) acredita que:

Parece que não é dado ao universo feminino o direito à violência,


somente podem atingir seus fins maléficos com a malícia. Não lhes é
permitida a prática de condutas que demonstrem a capacidade de inverter
o papel social de inferioridade que lhes é imposto, o uso de violência por
parte das mulheres choca, pois demonstra, em verdade, a equivalência
dos seres na espécie humana.

Entretanto, verifica-se que a violência contra a mulher prisioneira não reside apenas
fora das prisões. É nos intramuros do cárcere, no cumprimento de sua pena, que se manifesta
a pior faceta da realidade enfrentada por essas mulheres: a invisibilidade da população
carcerária feminina perante o sistema prisional.
Devido à baixa incidência de mulheres nas prisões, as mesmas foram projetadas e
construídas por homens e para homens, obedecendo à lógica de atender as necessidades do
detento masculino. Mesmo com a existência da lei nº 9.460 de 1997, que garante às mulheres
um “ (...) estabelecimento próprio e adequado a sua condição pessoal” verifica-se que essa
garantia não é exercitada. Os locais destinados às mulheres “geralmente são prédios
improvisados, antigos conventos, escolas e hospitais. Quando são criadas unidades penais
femininas, a construção ocorre nos moldes masculinos” (MOCELLIN, 2015) . Nesse universo
carcerário, observa-se que as necessidades peculiares do sexo feminino são negligenciadas,
expondo as mulheres presidiárias a situações de agressão física, psicológica e/ou sexual que
não afeta os detentos masculinos. Com o aumento da população carcerária feminina, essas
carências tornaram-se mais visíveis que outrora; o que demandou do Estado brasileiro uma
reposta às mesmas.









6.1 AS GARANTIAS DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL Nº 11.942 E A SAÚDE DA
MULHER ENCARCERADA

Dentre as medidas adotadas pelo estado em prol de garantir as presidiárias um


tratamento adequado, se encontra a Lei de Execução Penal nº 11.942 de Maio de 2009. Por
meio de tal dispositivo o estado se compromete em salvaguardar as mulheres carcerárias um
atendimento médico direcionado as suas necessidades e as de seu filho(a), caso o tenha.
Entretanto, verifica-se que a realidade nas prisões brasileiras é algo desconforme com o
idealizado por essa lei.
No segundo parágrafo do mencionado dispositivo, o Estado brasileiro prevê que “(...)a
penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para
abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de
assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa.” Contudo, a infraestrutura de
equipamentos e espaços, ofertados a essas mulheres no ambiente prisional diverge do que é
ambicionado pela mencionada lei.
Quando ocorre a gravidez de uma mulher que se encontra encarcerada, “Na maioria
dos estados brasileiros a mulher grávida é transferida no terceiro trimestre de gestação, de sua
prisão de origem para unidades prisionais que abriguem mães com seus filhos, geralmente
localizadas nas capitais e regiões metropolitanas.” (LEAL et al., 2016). Essas unidades,
entretanto, não dispõe de cela/dormitório adequado para essas gestantes.
Segundo levantamento da Infopen, nota-se que menos da metade das unidades
prisionais femininas (34%) disponibilizam cela ou dormitório adequado para essas gestantes.
Nos estabelecimentos mistos, somente 6% abarcam um espaço específico para a custódia
dessas mulheres, ambos incluindo celas específicas para gestantes e os centros de referência
materno-infantil.

GRÁFICO 4 - EXISTÊNCIA DE CELA/DORMITÓRIO ADEQUADO PARA GESTANTES EM UNIDADES


FEMININAS E MISTAS. BRASIL. JUNHO DE 2014















FONTE: INFOPEN, JUN/2014. DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL/MINISTÉRIO DA
JUSTIÇA

No que tange aos direitos da criança que habita esse espaço, a mencionada lei garante
que a mesma tenha acesso a uma creche adequada enquanto permanecer junto à sua mãe.
Constata-se porém, que essas creches possuem pouca incidência nos presídios brasileiros. Em
2014, somente 5% unidades prisionais femininas dispunham dessa instalação, enquanto que
nos presídios mistos essa porcentagem figurava-se em 0%, como pode ser observado no
gráfico abaixo.

GRÁFICO 5 - EXISTÊNCIA DE CRECHE EM UNIDADES FEMININAS E MISTAS. BRASIL. JUNHO DE


2014.

FONTE: INFOPEN, JUN/2014. DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL/MINISTÉRIO DA


JUSTIÇA

Ao serem destinadas a ambientes impróprios para sua condição gravídica, essas


gestantes tem suas necessidade negligenciadas, sendo expostas a ambiente com más
acomodações, com altos níveis de estresse, vivenciando constantes traumas emocionais que
somados a preocupação com o seu futuro filho(a), colaboram para a deterioração da sua saúde
e de seu filho.
No que tange ao atendimento médico concedido à essas gestantes, é manifesto no art. 1°
da dita lei, em seu parágrafo 3º, que “será assegurado acompanhamento médico à mulher,
principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido”. Não obstante, nota-
se que a falta desse atendimento médico ou a precariedade na prestação desse serviço, revela-
se como um dos problemas mais graves do sistema de saúde prisional.
O acesso às consultas pré-natais, ao atendimento no momento do parto e ao tratamento
no pós-parto tem uma incidência menor do que aquela verificada fora dos muros.
Quando ocorre esse acesso, observa-se que o serviço ofertado não é realizado de forma
adequada. Um estudo realizado por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) com







mulheres presidiárias de todas as capitais do país, revelou que 55% das mulheres
entrevistadas tiveram menos consultas pré-natais do que o recomendado, esse acesso foi
inadequado para 36% das mães e 15% afirmaram ter sido vítimas de violência por
profissionais da saúde.
Essa inadequação também pode ser verificada em uma outra pesquisa realizada na
penitenciária Feminina de Madre Pelletier 1Nela, observou-se que apesar da existência das
consultas pré-natais às reclusas, havia uma estrema precariedade na prestação desse serviço.
Segundo Viafore: “A consulta médica de pré-natal, a qual deveria ser semanal, acontece
apenas uma vez durante toda a gestação; e, por insistência da apenada. Após esta consulta, a
gestante presa só volta ao hospital no momento do parto.”
Ademais, após ocorrido o parto essas mulheres voltam para a unidade prisional com o
recém-nascido. Comumente, após o sexto mês, a criança é entregue aos familiares ou em falta
desses, vão para um abrigo e a mãe retorna à prisão que estava anteriormente. Sobre o
resultado dessa separação para saúde da mãe, Santa Rita acredita que:

O processo de separação da criança no ambiente prisional ainda não é


tratado de forma aprofundada em relação aos aspectos psíquicos da mãe e
da criança. Quando chega o momento de separação, foi identificado, em
todos os depoimentos, que havia a presença de sentimentos de culpa e
tristeza por terem que abdicar das funções maternais. Importante registrar
que essa separação, na maioria das vezes, não acontece com a devida
preparação emocional para as mães e para as crianças. (SANTA
RITA.2006, p. 131).

6.2 PARA ALÉM DA MATERNIDADE

Ao observar as disposições da lei nº 11.942 de 2009, verifica-se que a mesma nada


dispõe sobre as necessidades da mulher além daquelas que abarcam a gravidez e o puerpério.
Não há menções acerca das demais necessidades, sendo elas são negligenciadas pelo Estado.
Sobre isso Marlene Helena diz que “essa lei restringe esse atendimento à maternidade e seus
desdobramentos, de modo que a assistência à saúde da prisioneira não aparece como um
direito à saúde integral da mulher, essa assistência à saúde ofertada nos presídios femininos
tem como tarefa principal controlar a sexualidade das mulheres presas.”












Como a maioria das mulheres prisioneiras provém de um cenário marginalizado e de
uma sociedade discriminadora, quando são presas, comumente são abandonadas por seus
familiares e amigos. Como o Estado não fornece todos os elementos necessários para os seus
cuidados pessoais, essas mulheres são submetidas a precárias condições de vida. Dentre esses
elementos se encontra aqueles que são imprescindíveis para a higienização das prisioneiras,
como absorventes e quantia adequada de papel higiênico. Segundo Queiroz:

“O poder público parece ignorar que está lidando com mulheres e oferece um
‘pacote padrão’ bastante similar ao masculino, nos quais são ignoradas a
menstruação, (...), os cuidados específicos de saúde, entre outras especificidades
femininas”

Essas negligências faz com essas mercadorias sejam raras dentro dessas prisões, e
portanto, sejam usadas como moedas de troca entre as presidiárias. Em casos extremos de
ausência de itens de higiene pessoal, foi relatado o uso elementos impróprios na tentativa de
substituí-los. A exemplo do ocorrido em Colina- São Paulo, onde presas utilizaram ‘miolo de
pão’ como item para conter o fluxo menstrual.

6.3 OS EXTREMOS DA INVISIBILIDADE DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA FEMININA

A invisibilidade estatal frente às especificidades das mulheres prisioneiras pode atingir


extrema intensidade e resultar em perversas consequências. A exemplo do ápice dessa
silenciosa violência e da cegueira do Estado frente às diferenças entre seus prisioneiros, é o
fato demonstrado na delegacia de polícia em Abaetetuba no Pará; no mesmo estado onde
treze anos antes havia ocorrido uma convenção que visava punir e erradicar a violência contra
a mulher, incluindo aquela perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes. Nesse referido
local, uma garota de quinze (15) anos foi presa por furto e condenada a permanecer numa cela
junto com trinta (30) homens, dos quais foi vítima de distintas violências e repetitivos
estupros2.
Soma-se a isso o a inércia da sociedade que presencia essas violência:“Se a delegada
põe uma menina na cela com os homens, e a juíza mantém ela lá, quem sou eu pra denunciar.
Aliás, denunciar para quem?”. Esse fato demonstra o extremo da invisibilidade da mulher no
cenário prisional, que nesse caso fez com que uma garota permanecesse por mais de vinte










(20) dias dentro de uma cela masculina.


Diante de tais constatações, observa-se que a criação da lei 11.942 de 2013 demonstrou
um avanço no direito brasileiro e mais uma conquista para as mulheres, pois propiciou a elas
uma amplificação dos seus direitos enquanto detentas do sistema prisional. Entretanto, devido
a não plena eficácia dessa lei e por ela não abarcar todas as deficiências vivenciadas pelas
mulheres nos presídios brasileiros, constata-se que é necessário uma maior visibilidade para
essas mulheres e uma ampliação desses direitos para que possam integrar todas as demais
necessidades dessas prisioneiras; com o finco de evitar que a violência institucional presente
nos presídios brasileiros faz com seus ‘detentos’ sagram e partejam sobre os escritos dessa lei.







7 CONCLUSÃO

Os levantamentos realizados nesta pesquisa mostram a baixa eficácia do direito em


proteger a mulher brasileira da violência.
Se existem tantos mecanismos legais, do direito brasileiro e do direito internacional,
como os abordados na pesquisa (o ordenamento jurídico brasileiro como um todo, assim
como em específico a Lei Maria da Penha, o Marco Civil da Internet, que representou grande
avanço na identificação dos responsáveis por propagar a violência digital; no âmbito do
direito internacional a Comissão Interamericana de Mulheres) por que as mulheres continuam
sofrendo ?
Isso se deve em grande parte à forma como a violência feminina é abordada em grande
parte desses mecanismos legais. A abordagem desses mecanismos têm sido contestados em
larga escala por quem estuda, defende e atua na causa :

"Nós, mulheres, recebemos apoio e tratamento e isso é muito importante. Mas


os doentes são os homens e a gente precisa tratá-los, senão eles vão continuar
violentos" (Goretti Bússollo, vítima de violência praticada pelo ex-marido
fundadora do Instituto Todas Marias, em entrevista à Helena Bertho, da Revista
AzMina).

"Estamos inseridas na cultura punitivista: a nossa maior preocupação é sempre a


punição do agressor, sendo que a violência doméstica é uma questão muito mais
complexa, estrutural, que não se resolverá caso a caso. Precisamos de uma
ampla conscientização da sociedade para transformarmos a cultura machista e
atacar o problema pela raiz" (Juliana Mercuri, advogada que atua com a defesa
de vítimas de violência, em entrevista à revista AzMina).

"A judicialização burocratiza a dor e, muitas vezes, não contempla a vítima, até
porque seguimos um sistema penal punitivista, onde o foco acaba sendo o
agressor. E, muitas vezes, essa mesma mulher vai ter que visitar o agressor na
cadeia e assumir os custos sobre ele – não nos esquecemos que estamos falando
de relação familiar, a dependência econômica e afetiva muitas vezes não se
resolve com a sentença" (Marina Fideles, advogada, em depoimento à Revista
AzMina).

Fica claro que as políticas públicas e projetos de lei que busquem a proteção feminina
não devem pensar apenas na punição dos agressores, mas sim em amparar a mulher
violentada e principalmente em previnir que essas violências ocorram.





Seguem alguns dados de extrema relevância que mostram como apenas os


mecanismos atuais não são suficientes para proteger mulher e como esse tipo de agressão é
um problema enraizado na sociedade machista:

● 20 % das mulheres não denunciam a agressão cometida por seus maridos (“Estudio
multipaís sobre salud de la mujer y violencia doméstica contra la mujer” (OMS,
2002)).
● Segundo o Mapa da Violência de 2015, em 49% dos casos de atendimento de
violência contra a mulher, acontece repetição da violência.
● Em 2013, o Instituto Avon e o Data Popular realizaram a pesquisa Percepções dos
Homens Sobre a Violência Doméstica Contra a Mulher, que conversou tanto com
homens autores de violência quanto com homens e mulheres da população em geral.
Os dados levantados comprovam que a violência doméstica tem uma forte base
cultural. Enquanto 41% dos brasileiros conhecem um homem que já foi violento com
sua parceira, apenas 16% dos homens admitem terem sido violentos. Isso porque eles
nem percebem que suas atitudes são, de fato, violentas. A maioria acha que os
seguintes atos não configuram violências dignas de denúncia: xingar, empurrar,
humilhar em público, impedir de sair de casa, ameaçar com palavras ou obrigar a fazer
sexo sem vontade.
● 42,7% da população pensam que mulher que é agredida e continua com o parceiro
merece apanhar, aproximadamente 20% da população discorda parcialmente ou
concorda parcialmente que homem que bate em esposa merece ir para a cadeia e
33.3% das pessoas concordam que casos dentro de casa devem ser discutidos somente
entre membros da família.(Tolerância social à violência contra as mulheres
(Ipea,2014).

Muito se deve ao fato de que grande parte dessas mulheres são dependentes
financeiramente de seus maridos. Isso as torna ainda mais vulneráveis uma vez que a
denúncia da agressão e a consequente punição de seus respectivos maridos acarretaria a
desestruturação de toda estrutura familiar dessas mulheres. Sendo assim, essas mulheres
toleram em silêncio a violência que sofrem.


Para modificar essa visão, é preciso uma transformação cultural que permita tratar a
raiz do problema. O que significa educar os meninos desde pequenos, mas sem ignorar os
homens já formados dentro desta cultura. Para o último caso, a maior parte dos especialistas é
a favor de espaços de reabilitação dos agressores
A pesquisa realizada pelo IBOPE/AVON (2009) mostra que 48% dos entrevistados
disseram que o “exemplo dos pais aos filhos, com um relacionamento respeitoso e
igualitário”, era a atitude mais importante para que a relação entre homem e mulher se desse
com respeito e sem violência. Essa porcentagem é maior entre os mais jovens, cerca de 52%,
e entre os moradores da periferia, cerca de 56%. A segunda opção mais apoiada foi : “leis
mais duras para punir o companheiro violento”, com 19% de aprovação pelos entrevistados.
Fica claro, assim, que não só os especialistas, mas também a população concordam
que a solução não está apenas nos mecanismos punitivos (esses, apesar de essenciais,
representam ínfima importância no efetivo combate à violência contra a mulher) e que as
opções não penais são as melhores e mais eficazes.
Por fim, esse trabalho conclui que as causas da violência feminina se devem aos
preconceitos, em especial o machismo e o patriarcalismo enraizados na sociedade e que a
melhor forma de sanar esse problema é um combate não focado no punitivismo (tendo em
vista que o nosso sistema carcerário é falido, uma vez que não trabalha para reeducar e
reinserir o indivíduo na sociedade) , mas sim em métodos já em prática dentro do Poder
Judiciário (como a justiça restaurativa e outros métodos aplicados em justiças comunitárias,
que podem ter maior eficácia na resolução de conflitos em que exista uma relação afetiva e
emocional entre os envolvidos na conscientização e reabilitação do homem) assim como na
criação de outros mecanismos que conscientizem o homem e reabilite aquele que se tornou
um agressor.

REFERÊNCIAS

“AGRESSORES DE CRIMES NA INTERNET AINDA SÃO POUPADOS PELA


SOCIEDADE MACHISTA”, DIZ VÍTIMA DURANTE FÓRUM. Marie Claire. Disponível
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