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O presente trabalho visa expor o que é funcional e o que não é na proteção penal da mulher,
tanto em âmbito nacional quanto internacional, abordando temáticas sobre tipos de violência
sofridos pela população feminina, suas causas e consequências, bem como a descrever a
situação em como se encontram os presídios femininos e como as detentas estão sendo
mantidas. A pesquisa foi realizada, tanto empiricamente de modo qualitativo, vide entrevistas
com algumas afetadas, quanto teoricamente, para exibir a maneira com que mulheres, apesar
de suas grandes lutas e vitórias socioeconômicas, ainda sofrem, na contemporaneidade, com a
influência sexista e forma ainda patriarcal da sociedade, sendo vítimas de violências físicas,
verbais ou simbólicas apenas por pertencerem a outro sexo e/ou outra orientação sexual. A
partir dos resultados apresentados por categoria foi possível diagnosticar a atual sociedade
como ainda machista e silenciadora das vítimas, culpando-as por as serem; além disso,
também foi possível figurar o que deve ser implementado na proteção destas dentro e fora do
cárcere.
ABSTRACT
The present work aims at exposing what is functional and what is not in the criminal
protection of women, both nationally and internationally, addressing themes related to the
types of violence suffered by the female population, their causes and consequences, as well as
to describe the situation in how women's prisons are located and how detainees are being
held. The research was carried out, both empirically in a qualitative way, see interviews with
some affected, and theoretically, to show the way in which women, despite their great
struggles and socioeconomic victories, still suffer, in the contemporaneousness, with the
sexist influence and still forms patriarchal society, being victims of physical, verbal or
symbolic violence solely because they belong to another sex and / or other sexual orientation.
From the results presented by category it was possible to diagnose the current society as still
macho and silencing the victims, blaming them for being them; in addition, it was also
possible to figure out what should be implemented in the protection of these inside and
outside the prison.
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE TABELAS
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 6
1.1 OBJETIVOS 6
1.2 JUSTIFICATIVA 6
2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: SOBRE MULHERES E MULHERES,
FOGUEIRAS ATUAIS E LEI MARIA DA PENHA 7
2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO 7
2.2 ANTES DA ABORDAGEM DA LEI, MAIS ALGUNS FATOS HISTÓRICOS
SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER 8
2.3 LEI MARIA DA PENHA 13
3 O SILÊNCIO DOS CORPOS ESQUECIDOS: A VIOLÊNCIA SEXUAL COMO
REALIDADE LATENTE 15
3.1 A PROTEÇÃO PENAL DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA SEXUAL 15
3.2 PARAÍSO DAS LEIS E DO PROLONGAMENTO DA FUNESTA INEFICÁCIA
DESSAS PARA AS MULHERES 17
4 VIOLÊNCIA DIGITAL 19
4.1 PRONOGRAFIA DE VINGANÇA 19
4.2 AS BASES DE UM CRIME PERFEITO 19
4.3 DIREITO BRASILEIRO E A PORNOGRAFIA DE VINGANÇA 20
5 LESBOFOBIA 22
5.1 BREVE HISTÓRIA DO LESBIANISMO E SUA INFLUÊNCIA NA SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA 22
5.2 LESBOFOBIA: HOMOFOBIA ACOMPANHADA DE SEXISMO 23
6 D E T E N T O S Q U E S A N G R A M E PA R T E J A M : A V I O L Ê N C I A
INSTITUCIONAL CONTRA A POPULAÇÃO CARCERÁRIA FEMININA 26
6.1 AS GARANTIAS DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL Nº 11.942 E A SAÚDE DA
MULHER ENCARCERADA 28
6.2 PARA ALÉM DA MATERNIDADE 30
1 INTRODUÇÃO
1.1 OBJETIVOS
• Objetivo Geral
• Objetivos Específicos
- Violência doméstica;
- Violência sexual;
- Violência digital;
- Lesbofobia;
- Saúde da mulher.
1.2 JUSTIFICATIVA
Triste, louca ou má
Será qualificada
Ela quem recusar
Seguir receita tal
A receita cultural
Do marido, da família
Cuida, cuida da rotina[...]
(Triste, louca ou má - Francisco, El Hombre)
2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO
O Brasil sempre presenciou violência de gênero durante sua história passando pelas
indígenas estupradas, brancas desmoralizadas e negras fisicamente agredidas desde a época
colonial até hoje, em que ainda convivem indígenas fisicamente agredidas, brancas estupradas
e negras desmoralizadas.
Indígenas desmoralizadas, brancas fisicamente agredidas e negras estupradas viram as
taxas de homicídio contra seu gênero aumentarem, enquanto o Brasil se fixava como o 5° país
com as maiores taxas de homicídio de mulheres do mundo (Mapa da violência 2015:
homicídio de mulheres no Brasil) e elas lutavam - e lutam - pela equidade de gênero, pelo
respeito, pela segurança e pelo fim da prática de lançar mulheres na fogueira pelo simples fato
de serem mulheres.
Essas mulheres tiveram seus corpos mistificados e sua sexualidade tida como doença
mental. Loucas, foram internadas em hospícios por serem consideradas histéricas - uma
doença relacionada a suposta hipersensibilidade causada pelo seu útero - ou por não se
realizarem em papéis de mães, donas de casa, filhas e esposas. Essas mesmas mulheres que
eram condenadas pelo simples fato de andar na rua, questionadas e humilhadas durante uma
ocorrência policial. Essas mesmas mulheres que quando se tornavam a fonte de renda da
família e questionavam o marido desempregado, eram agredidas por ferir a honra masculina.
Essas mesmas mulheres que levaram um tiro na coluna enquanto dormiam e tornaram-se
paraplégicas. Essas mesmas mulheres que tentaram ser eletrocutadas pelo mesmo autor do
tiro. Essas mesmas mulheres que hoje emprestam seu nome a Lei Maria da Penha.
GRÁFICO 1 - EVOLUÇÃO DAS TAXAS DE HOMICÍDIO DE MULHERES (POR 100 MIL) NO BRASIL
(1980/2013)
pela situação ocorrida. E, nesse sentido, um vestido, uma palavra, um lugar ou um gesto
tornam-se a energia de ativação necessária para uma tragédia.
Porém, é observado que o patriarcado não se reduz a uma interpretação sexista da
violência. Ele também fundamenta-se na raça, etnia, classe social e na categoria de mulheres
como campesinas, prostitutas, sem teto e em todas aquelas características que fujam do
estereótipo da mulher branca, de classe média, esposa, mãe e dedicada dona de casa. Dessa
forma, chegamos ao âmago do entendimento do porquê existem diferentes formas e
intensidades de violência contra as mulheres e ao porquê das conquistas de direitos das
mulheres chegarem primeiro às mulheres brancas, de classes médias e altas, e heterossexuais.
(SEVERI, 2018).
Sobre a questão racial, as mulheres negras são as principais vítimas de violência no
Brasil:
2 Idem item 1.
O que ocorre quando políticas da sociedade ocidental são implantadas sem cuidados
sobre as comunidades autóctones é uma supressão da desigualdade de gênero característica da
própria cultura nativa, considerada de baixa periculosidade para as mulheres, pela
desigualdade de gênero típica da sociedade ocidental, de alta periculosidade para as mulheres
indígenas (SEVERI, 2018).
Também, como pode ser observado no gráfico seguinte, mulheres de zona rural são
mais propensas a serem submetidas à violência sexual.
E, por último, vale ressaltar como a prostituição altera os dados sobre violência de
gênero:
É uma realidade tão espessa, tão viva e tão dramática que nos cobre a todos
que, não a querer ver, seria mais do que a miopia ética, seria blasfêmia
moral. (COSTA. 2006, p. 132).
De modo análogo, entende-se a relação entre homens e mulheres como tal: marcada
por diferenças, as quais não deveriam resultar em desigualdades. Entretanto, a realidade se
mostra distinta na prática, o que torna imprescindível a existência de proteções penais contra a
violência sexual sofrida por pessoas do sexo feminino, sendo um exemplo dessas a lei 12.015
de 2009, a qual dispõe sobre o estupro como qualquer ato sexual realizado sem o
consentimento, independente do contexto em que está inserido.
O aparato legal que protege a mulher contra crimes sexuais não é uma exclusividade
dos novos tempos. As Ordenações Filipinas, em 1603, já abordavam a temática, porém com
uma visão atrelada à moral sexual: protegiam a mulher digna, virgem ou casada. Na verdade,
toda a proteção não se destinava a pessoa da mulher em si e sim a sua virgindade ou a seu
estado civil. Essa mentalidade se perpetuou ao longo da história brasileira tendo como
elemento confirmador o Código do Império, o qual diferenciava a pena de acordo com a
vítima que sofria o dano, pois, por exemplo, em caso de estupro contra uma mulher honesta a
pena para o criminoso seria de 3 a 12 anos de prisão, enquanto que se fosse uma prostituta a
pena seria de 1 mês a 2 anos de prisão.
O histórico que permitiu a estruturação do sistema jurídico brasileiro, todavia, não
apresentou uma limitação cronológica e livre de influências posteriores. As leis de grande
relevância para a redução e tratamento das práticas atreladas à violência sexual só foram
amplamente discutidas e aprovadas já no século XXI. No Brasil, estupro é constranger
alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir
que com ele se pratique outro ato libidinoso – conforme definido no capítulo sobre os crimes
contra a liberdade sexual do Código Penal, após as alterações promovidas em 2009 com a Lei
nº 12.015, um marco na defesa das mulheres contra esse tipo de ato.
A título de exemplo, a lei nº 12. 845 de 2013, a qual dispõe sobre o atendimento
obrigatório e integral em caso de violência sexual, apresentou-se como um grande avanço
contra o preconceito e a negligência perante à mulher abusada. Dessa maneira, encoraja-se a
mulher a denunciar, pois quando é respeitosamente recebida, fica mais tranquila em retornar e
se sente menos exposta e efetivamente cuidada pelo sistema3. A lei nº 10.778 de 2003 é outro
exemplar de proteção penal: estabelece a notificação compulsória quando a mulher for
atendida em serviços públicos e privados de saúde, o que permite que as autoridades tomem
medidas cabíveis.
Outrossim, a Lei Maria da Penha é outro recurso de grande importância. Em
complemento ao Código Penal brasileiro, auxilia a evidenciar as várias formas de violência
sexual, que vão muito além do estupro, e aborda a violência sexual cometida em contexto de
violência doméstica e familiar. Dentre as condutas descritas em seu artigo 7, alínea III estão:
qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, manter ou participar de uma relação
sexual indesejada, mediante intimidação, ameaça ou uso da força; que induza a comercializar
ou utilizar da sua sexualidade; que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a
force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem,
suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e
reprodutivos.
Por fim, outra temática atrelada a violência sexual que apresenta tratamento legal diz
respeito ao tráfico de mulheres. O Código Penal tido como maior protetor contra essa prática
teve seu artigo 231 revogado em 2016, já que não enxergava o tráfico como um fenômeno,
um processo delituoso complexo e multifacetado4. Ainda assim, muito se discute sobre a
proibição ou não das práticas sexuais consentidas nesse contexto, visto que os juristas
descordam sobre a prevalência ou não dos bons costumes em prol da liberdade sexual. Nessa
perspectiva, a lei número 11.106 de 2005 extinguiu a figura histórica e sem aplicabilidade
jurídica da mulher honesta e ainda pôs fim a não punibilidade baseada no casamento do autor
do delito ou de terceiro com a vítima.
4DE CAMARGO RODRIGUES, Thaís. O Tráfico Internacional de Pessoas para Fim de Exploração Sexual e a
Questão do Consentimento. Universidade de São Paulo, 2012.
5 Dados do estado de São Paulo, referentes aos meses de janeiro a julho de 2017
6 BARROSO, Carmem; BRUSCHINI Cristina. Third World Woman and the politics of feminism. Building
politics from personal lives. Indiana University; 1991, p. 155
7Antropóloga, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética, Direitos
Humanos e Gênero em artigo publicado em 2013 no jornal O Estado de S. Paulo.
8 O Consentimento da Vítima na Teoria Geral do Delito. p. 162.
claro nessa área seria um ponto esclarecedor e benéfico quando associado à divulgação das
informações à sociedade geral.
É certo, a existência do feminismo institucionalizava a sexualidade do intelectual no
mundo9, já que as relações de força se estabeleciam e moldavam as vontades. A voz das
mulheres foi por anos ignorada e da submissão surgiu o ideal do silêncio que fala.
Atualmente, as mulheres buscam reconhecimento e políticas públicas de eficácia. A proteção
penal é uma garantia que é válida, mas que deve ser corroborada com um enfoque nas causas
e não apenas nos efeitos de uma agressividade avassaladora.
4 VIOLÊNCIA DIGITAL
9 BENJAMIN, Walter. Gesammelt Schriften II, 1, p.13. Apud Cfe. WEIGEL, op. Cit., p.155
Assim, além de lidarem com as consequências desse crime, que muitas vezes consiste
na perda do emprego, exclusão social, depressão e possivelmente suicídio, as vítimas ainda
lidam com a culpa que recaí sobre seus ombros uma vez que a humilhação é considerada uma
punição justa para a mulher que subverte o papel que lhe foi imposto.
Ainda há diversas lacunas no direito brasileiro sobre o tema. Embora não exista
nenhuma legislação específica para a pornografia de vingança, esse é um crime que
usualmente se enquadra como crime contra a honra, possivelmente classificado como
difamação (art.139 do Código Penal) ou injúria (art. 40 do Código Penal). Além disso, é
possível aplicar a Lei 11.340/06, também conhecida como Lei Maria da Penha, caso haja
vínculo afetivo entre a vítima e o agressor, uma vez que o inciso II do artigo 7 discorre sobre
violência psicológica:
Um grande avanço foi o Marco Civil da Internet, Lei 12.965/14, que estabelece
princípios, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil de tal modo que trouxe
facilidade para localizar os responsáveis pelo compartilhamento das fotos e um modo de
responsabilizar sites ou provedores que mantém esse tipo de conteúdo no ar após ser
notificado pela pessoa exposta.
No entanto, por mais que exista formas de punir o agressor, ainda há um longo
caminho a ser percorrido. A pornografia de vingança é um crime no plano virtual que tem seus
alicerces no plano real, plano este recheados de ideais machistas que condenam mulheres
diariamente. Esse é um tipo de conduta que o direito penal não é capaz de solucionar sozinho
pois enquanto houver quem condene a sexualidade da mulher, crimes como esse continuarão
tendo o aval da sociedade.
5 LESBOFOBIA
Frente a esse pano de fundo, a mulher que se elege ser lesbiana vive
perigosamente. (CLARKE. 1988, p. 3).
22. A woman who does this shall lose her member each time, and on the
third must be burned. (BAILEY. 1955, p. 74)
Apesar da execução, como punição para estas relações, ter sido vedada a partir da
Revolução Francesa, o aumento do preconceito contra a homossexualidade aumenta e como
são mulheres, não há apenas a hostilidade contra esta orientação sexual, mas também com o
fato de pertencerem a um sexo considerado inferior pela sociedade patriarcalista e sexista.
A Lesbofobia se manifesta desde formas mais simples e verbais, como comentários
que implicam a androgenia de algumas lésbicas, como descrito por uma entrevistada que faz
parte da comunidade LGBT: “Me disseram pra começar a usar saias e vestidos e deixar meu
cabelo crescer, pois eu ficaria mais feminina e aceitável” (V.D); até formas mais violentas,
que são tratadas de maneira desconsiderada e com um silêncio ensurdecedor pelo medo, como
assassinato (vide caso sul-africano, em que uma personalidade importante na luta contra HIV
e Aids, Sigasa, foi morta junto a sua namorada), estupro corretivo e feminicídio sustentado
pelo próprio Estado, como casos ocorridos na Nigéria.
A seguir, a figura x mostra uma pesquisa sobre lesbofobia realizada por uma
organização sem fins lucrativos francesa.
Ao analisar a história da mulher brasileira, verifica-se que o natural fato de ter nascido
pertencente ao sexo feminino sempre foi o suficiente para torná-la vítima de discriminações e
violências advindas de seus compatriotas. A identidade feminina sempre esteve subordinada a
estereótipos, normas de condutas e valores impostos pela sociedade; na qual a mulher ocupa
uma posição de fragilidade, delicadeza, e inferioridade frente aos homens. Aquela que se
desvencilha do modelo comportamental preestabelecido e adota atitudes e papéis contrários a
ele; se vê submetida à rotulações e discriminações, por supostamente renegar as qualidades de
seu gênero. Assim sendo, a mulher que ingressa no mundo da criminalidade e rompe com esse
controle social informal, é vista como um modelo subversivo dos ideais de feminilidade e, por
conseguinte, o alvo certeiro dessas violências.
A mulher criminosa que foi condenada à pena privativa de liberdade e se encontra
encarcerada, é submetida, como ensinado por Zaninelli (2015), a uma dupla condenação.
Primeiro pela norma que representa a própria tipicidade penal e a configura como criminosa;
e segundo pela sociedade que a criminaliza por ser uma mulher que violou a sua função
dentro de uma comunidade patriarcal. Ser prisioneira no Brasil é ser rotulada como sendo uma
‘má mãe’, ‘má esposa’ e ‘má mulher’; é romper, segundo uma visão freudiana, com o papel
biológico que a elas foi destinado. Nesse sentido, Lima (2007) acredita que:
Entretanto, verifica-se que a violência contra a mulher prisioneira não reside apenas
fora das prisões. É nos intramuros do cárcere, no cumprimento de sua pena, que se manifesta
a pior faceta da realidade enfrentada por essas mulheres: a invisibilidade da população
carcerária feminina perante o sistema prisional.
Devido à baixa incidência de mulheres nas prisões, as mesmas foram projetadas e
construídas por homens e para homens, obedecendo à lógica de atender as necessidades do
detento masculino. Mesmo com a existência da lei nº 9.460 de 1997, que garante às mulheres
um “ (...) estabelecimento próprio e adequado a sua condição pessoal” verifica-se que essa
garantia não é exercitada. Os locais destinados às mulheres “geralmente são prédios
improvisados, antigos conventos, escolas e hospitais. Quando são criadas unidades penais
femininas, a construção ocorre nos moldes masculinos” (MOCELLIN, 2015) . Nesse universo
carcerário, observa-se que as necessidades peculiares do sexo feminino são negligenciadas,
expondo as mulheres presidiárias a situações de agressão física, psicológica e/ou sexual que
não afeta os detentos masculinos. Com o aumento da população carcerária feminina, essas
carências tornaram-se mais visíveis que outrora; o que demandou do Estado brasileiro uma
reposta às mesmas.
6.1 AS GARANTIAS DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL Nº 11.942 E A SAÚDE DA
MULHER ENCARCERADA
FONTE: INFOPEN, JUN/2014. DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL/MINISTÉRIO DA
JUSTIÇA
No que tange aos direitos da criança que habita esse espaço, a mencionada lei garante
que a mesma tenha acesso a uma creche adequada enquanto permanecer junto à sua mãe.
Constata-se porém, que essas creches possuem pouca incidência nos presídios brasileiros. Em
2014, somente 5% unidades prisionais femininas dispunham dessa instalação, enquanto que
nos presídios mistos essa porcentagem figurava-se em 0%, como pode ser observado no
gráfico abaixo.
mulheres presidiárias de todas as capitais do país, revelou que 55% das mulheres
entrevistadas tiveram menos consultas pré-natais do que o recomendado, esse acesso foi
inadequado para 36% das mães e 15% afirmaram ter sido vítimas de violência por
profissionais da saúde.
Essa inadequação também pode ser verificada em uma outra pesquisa realizada na
penitenciária Feminina de Madre Pelletier 1Nela, observou-se que apesar da existência das
consultas pré-natais às reclusas, havia uma estrema precariedade na prestação desse serviço.
Segundo Viafore: “A consulta médica de pré-natal, a qual deveria ser semanal, acontece
apenas uma vez durante toda a gestação; e, por insistência da apenada. Após esta consulta, a
gestante presa só volta ao hospital no momento do parto.”
Ademais, após ocorrido o parto essas mulheres voltam para a unidade prisional com o
recém-nascido. Comumente, após o sexto mês, a criança é entregue aos familiares ou em falta
desses, vão para um abrigo e a mãe retorna à prisão que estava anteriormente. Sobre o
resultado dessa separação para saúde da mãe, Santa Rita acredita que:
Como a maioria das mulheres prisioneiras provém de um cenário marginalizado e de
uma sociedade discriminadora, quando são presas, comumente são abandonadas por seus
familiares e amigos. Como o Estado não fornece todos os elementos necessários para os seus
cuidados pessoais, essas mulheres são submetidas a precárias condições de vida. Dentre esses
elementos se encontra aqueles que são imprescindíveis para a higienização das prisioneiras,
como absorventes e quantia adequada de papel higiênico. Segundo Queiroz:
“O poder público parece ignorar que está lidando com mulheres e oferece um
‘pacote padrão’ bastante similar ao masculino, nos quais são ignoradas a
menstruação, (...), os cuidados específicos de saúde, entre outras especificidades
femininas”
Essas negligências faz com essas mercadorias sejam raras dentro dessas prisões, e
portanto, sejam usadas como moedas de troca entre as presidiárias. Em casos extremos de
ausência de itens de higiene pessoal, foi relatado o uso elementos impróprios na tentativa de
substituí-los. A exemplo do ocorrido em Colina- São Paulo, onde presas utilizaram ‘miolo de
pão’ como item para conter o fluxo menstrual.
7 CONCLUSÃO
"A judicialização burocratiza a dor e, muitas vezes, não contempla a vítima, até
porque seguimos um sistema penal punitivista, onde o foco acaba sendo o
agressor. E, muitas vezes, essa mesma mulher vai ter que visitar o agressor na
cadeia e assumir os custos sobre ele – não nos esquecemos que estamos falando
de relação familiar, a dependência econômica e afetiva muitas vezes não se
resolve com a sentença" (Marina Fideles, advogada, em depoimento à Revista
AzMina).
Fica claro que as políticas públicas e projetos de lei que busquem a proteção feminina
não devem pensar apenas na punição dos agressores, mas sim em amparar a mulher
violentada e principalmente em previnir que essas violências ocorram.
● 20 % das mulheres não denunciam a agressão cometida por seus maridos (“Estudio
multipaís sobre salud de la mujer y violencia doméstica contra la mujer” (OMS,
2002)).
● Segundo o Mapa da Violência de 2015, em 49% dos casos de atendimento de
violência contra a mulher, acontece repetição da violência.
● Em 2013, o Instituto Avon e o Data Popular realizaram a pesquisa Percepções dos
Homens Sobre a Violência Doméstica Contra a Mulher, que conversou tanto com
homens autores de violência quanto com homens e mulheres da população em geral.
Os dados levantados comprovam que a violência doméstica tem uma forte base
cultural. Enquanto 41% dos brasileiros conhecem um homem que já foi violento com
sua parceira, apenas 16% dos homens admitem terem sido violentos. Isso porque eles
nem percebem que suas atitudes são, de fato, violentas. A maioria acha que os
seguintes atos não configuram violências dignas de denúncia: xingar, empurrar,
humilhar em público, impedir de sair de casa, ameaçar com palavras ou obrigar a fazer
sexo sem vontade.
● 42,7% da população pensam que mulher que é agredida e continua com o parceiro
merece apanhar, aproximadamente 20% da população discorda parcialmente ou
concorda parcialmente que homem que bate em esposa merece ir para a cadeia e
33.3% das pessoas concordam que casos dentro de casa devem ser discutidos somente
entre membros da família.(Tolerância social à violência contra as mulheres
(Ipea,2014).
Muito se deve ao fato de que grande parte dessas mulheres são dependentes
financeiramente de seus maridos. Isso as torna ainda mais vulneráveis uma vez que a
denúncia da agressão e a consequente punição de seus respectivos maridos acarretaria a
desestruturação de toda estrutura familiar dessas mulheres. Sendo assim, essas mulheres
toleram em silêncio a violência que sofrem.
Para modificar essa visão, é preciso uma transformação cultural que permita tratar a
raiz do problema. O que significa educar os meninos desde pequenos, mas sem ignorar os
homens já formados dentro desta cultura. Para o último caso, a maior parte dos especialistas é
a favor de espaços de reabilitação dos agressores
A pesquisa realizada pelo IBOPE/AVON (2009) mostra que 48% dos entrevistados
disseram que o “exemplo dos pais aos filhos, com um relacionamento respeitoso e
igualitário”, era a atitude mais importante para que a relação entre homem e mulher se desse
com respeito e sem violência. Essa porcentagem é maior entre os mais jovens, cerca de 52%,
e entre os moradores da periferia, cerca de 56%. A segunda opção mais apoiada foi : “leis
mais duras para punir o companheiro violento”, com 19% de aprovação pelos entrevistados.
Fica claro, assim, que não só os especialistas, mas também a população concordam
que a solução não está apenas nos mecanismos punitivos (esses, apesar de essenciais,
representam ínfima importância no efetivo combate à violência contra a mulher) e que as
opções não penais são as melhores e mais eficazes.
Por fim, esse trabalho conclui que as causas da violência feminina se devem aos
preconceitos, em especial o machismo e o patriarcalismo enraizados na sociedade e que a
melhor forma de sanar esse problema é um combate não focado no punitivismo (tendo em
vista que o nosso sistema carcerário é falido, uma vez que não trabalha para reeducar e
reinserir o indivíduo na sociedade) , mas sim em métodos já em prática dentro do Poder
Judiciário (como a justiça restaurativa e outros métodos aplicados em justiças comunitárias,
que podem ter maior eficácia na resolução de conflitos em que exista uma relação afetiva e
emocional entre os envolvidos na conscientização e reabilitação do homem) assim como na
criação de outros mecanismos que conscientizem o homem e reabilite aquele que se tornou
um agressor.
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