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Legal and judicial texts: the language as a tool of citizenship View project
All content following this page was uploaded by Ana Paula Pinto Lourenço on 06 December 2015.
I.1. Introdução
de la presse
participativa.
* Docente universitária; Advogada. O presente texto não segue o Acordo Ortográfico d e 1990.
ap.pintolourenco@gmail.com
218 ANA PAULA PINTO LOURENÇO
3
senti $ # ! % & + ( 3
1
Por vezes sob a capa paternalista de protecção da opinião pública, como na Constituição de
ensamento sob
8 9 : : ; < = > ; ? @ A B C @ D E F < @ F G H G I J K I J L H @ F M I N I J O @ P E Q ; F L @ L ; L ; ; R A F ; C C S H L H A
2
s-
> < U P E < @ L ; O H Q C ; C C S H L @ W E M F E D E U @ _ S H L @ F ; @ P E L @ L ; T U @ F @ U M ; F E ` @ L H F @ L @ O C H U E ; L @ L ; L @ H Q C ;
b c d e f f d b d
indesejável e acrítica expansão da esfera pública,4 para espaços que deviam manter-
se alheios dos olhares indiscretos do público: a privacidade e, nalguns casos, mesmo
+ # $ + 3 i ! + ) + % + $ + ' $ + + & ' $ ' + 6 1 ( % ! / 6 1
5
$ !
Uma das áreas que tem vindo a suscitar um interesse crescente por parte do público é
a da actividade dos tribunais e, mais particularmente, o Direito Penal, talvez porque,
como afirma Luhmann, exista uma apetência da opinião pública pela apresentação
de conflitos, isto é, pelos assuntos em que seja possível identificar quem ocupa a
4
Hannah ARENDT, a propósito da absorção da esfera privada pela expansão da esfera pública
e da eco-
F ; D ; F ; = > ; O L ; C L ; H @ L W ; G M H L @ C H U E ; L @ L ; ? L ; C L ; @ @ L < E C C S H L @ C @ U M E W E L @ L ; C U @ C ; E F @ C
nomia doméstica na esfera pública, a nova esfera tem-se caracterizado, principalmente, por uma
irresistível tendência para crescer, para devorar as esferas mais antigas do político e do privado,
A Condição Humana,
Q ; < U H < H @ ; C D ; F @ L @ E G M E < E L @ L ; T I g ; P B V E H L k l V > @ ? Z E C Q H @ ? Y m m 8 ? A I n m I
5
O conceito, bem como as definições, são de Wellmer, apud FERRY, Jean -Marc, Filosofia da
Comunicação, Fenda, Lisboa, 2001, p. 3.
6
Do mesmo modo, PEREIRA, José Pacheco, Liberdade de Informação Segredo de Justiça, o
nome da Lei, Editorial Inquérito, Mem Martins, 2000, p. 144 ss. Valerá a pena, a este propósito,
recordar o Big Brother de Orwell.
220 ANA PAULA PINTO LOURENÇO
posição «a favor» e «contra». Por essa razão, tem sido esta uma das áreas mais ape-
tecíveis pelos meios de comunicação social, embora esta não seja uma relação isenta
de perigos.
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7
Deveres profissionais e deontológicos estabelecidos no ponto 1. do Código Deontológico e art.
14.º do Estatuto dos Jornalistas.
8
MINC, Alain, Em Nome da Lei, p. 164.
9
BETTIOL, Giuseppe, Instituições de Processo Penal, Coimbra Editora, Coimbra, 1974, p. 193.
JUSTIÇA E COMUNICAÇÃO SOCIAL 221
.10 Para este autor, a opinião pública constituirá uma «rede de comunicação que
& (
, até à versão
+ % + # " & % + ! + % ! ' + ! % ' # ' & ( + w ' 6 x
Por outro lado, os meios de comunicação propiciam aos poderes, através das notí-
' + ) ' # + ' # ' $ + ! + ' 6 1 2 + % & # ' + 3 y $ " $ # + z ! + ! # { )
meios de comunicação não nos informam sobre o que acontece, mas sim sobre o que
outros consideram ter o valor de acontecimento. Não observam acontecimentos,
observam observações» [...]. A construção da realidade pelos meios de comunicação
poupa aos políticos o contacto com a realidade. Em vez de observar o mundo, os
11
políticos observam como são observados pelos meios de comunica 6 1 ( 3
O cuidado na escolha e modo de transmissão das notícias fica vincado pela circuns-
tância de a linguagem hiperbolizada da realidade criminal poder contribuir para o
aumento da sensação de insegurança mesmo quando o aumento de publicidade 7
10
LUHMAN, Niklas, A Improbabilidade da Comunicação, 3.ª edição, Vega, Lda, Lisboa, 2000,
p. 69 e ss.
11
INNERARITY, Daniel, O Novo Espaço Público, Teorema, Lisboa, 2011.
222 ANA PAULA PINTO LOURENÇO
crime, pelo menos nas promessas de combate ao crime, mantendo o tema na ribalta
das discussões.12
# ! + 6 1 % + ) ' $ " ! + + # + / s
Na senda do que se vem defendendo, pode afirmar-se que uma comunicação livre e
responsável constitui um elemento fundamental para o desenvolvimento pessoal e
interpessoal mas, igualmente, que tal apenas será possível quando seja possível
legitimar democraticamente a sua actuação, repudiando a censura, mas impondo
modos de a responsabilizar.
ção social tem manifestado pelo Direito, e sobretudo pelo crime, corresponde o 7
12
No mesmo sentido, FUENTES OSORIO, Juan L., Los Medios de Comunicación y el Derecho
Penal, Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología, REPC 07-16 (2005), p. 16:3,
http://criminet.ugr.es/recpc/, e FERNANDES, José Manuel, Liberdade e Informação, Fundação
Francisco Manuel dos Santos, Lisboa, 2011, e GERSÃO, Eliana, Comunicação Social e Repre-
sentações do Crime, Cadernos do Centro de Estudos Judiciários, n.º 20, 2002, p. VIII.
JUSTIÇA E COMUNICAÇÃO SOCIAL 223
Os media não são, no entanto, meros arautos dos factos; através de investigação
autónoma trazem a lume factos que não chegariam ao conhecimento público ou dos
tribunais e, pela sua presença e perseverança, evitam que determinados casos caiam
no esquecimento, servindo de voz colectiva, assumindo-se como verdadeiro poder e
constituindo um precioso instrumento na relação entre o judiciário e a comunidade e
no escrutínio da actividade judiciária.
13
GIDDENS, Anthony, Modernidade e Identidade Pessoal, Celta, Oeiras, 1997, pp. 21 e 22. Este
autor alerta, no entanto, para o perigo de esta intromissão poder conduzir a que a realidade
pareça ter menos existência concreta que a sua representação nos meios de comunicação.
14
Doravante, sempre identificada pela sigla CRP.
15
Esta importância é realçada por Anthony GIDDENS ao referir a construção, pelos meios de
comunicação, de audiências directas permitindo o acesso do indivíduo a cenários com os quais
poderá nunca contactar directamente, embora alerte para o perigo de esta intromissão ocasionar
que a realidade pareça ter menos existência concreta que a sua representação nos meios de
comunicação. Modernidade e Identidade Pessoal, pp. 76 e 24, respectivamente.
224 ANA PAULA PINTO LOURENÇO
informar o cidadão sobre o que se passa no tribunal, o cidadão tem o direito de ser
informado pela comunicação social e o tribunal não pode impedir a comunicação
social de informar o cidadão, nem este de se .17 / ! $ + ! % ! $ # % ! % ! (
A relação entre a justiça e a comunicação social não tem sido fácil, o que se deve
em grande parte às específicas características e finalidades de cada um destes meios.
Entre a linguagem hermética utilizada no foro e o contraponto de uma linguagem
mais acessível empregue pelos meios de comunicação, a população tenderá a sentir-
se mais próxima desta segunda, porque mais compreensível.
16
GERSÃO, Eliana, nas conclusões do estudo elaborado pelo Centro de Estudos Judiciários
publicado sob o nome de Comunicação Social e Representações do Crime. Não obstante, a
autora entende que do estudo não se concluiu que os cidadãos, mesmo os de formação cultural
mais débil possam ser considerados meros receptores passivos das mensagens da comunicação
O
social p. VII.
T ?
17
MONTE, Mário Ferreira, O segredo de Justiça na Revisão do Código de Processo Penal:
O
A notícia caracteriza-se por uma volatilidade que a sentença não pode aceitar.
Ciente de que na sua decisão estão envolvidos os bens mais preciosos do cidadão, a
justiça não pode prescindir do exercício do contraditório, de modo a aproximar-se
da verdade material. Em contraponto, aos media satisfaz a verdade formal, podendo
sustentar a notícia meros ruídos, conversas relatadas por interpostas pessoas, boatos
bem veiculados por fontes cuja idoneidade não se encontra muitas vezes assegurada
e cujos interesses nem sempre são muito claros. A possibilidade de o jornalista estar
a ser utilizado por fontes interessadas na manipulação da notícia constitui, de resto,
a única situação em que o Código Deontológico admite a revelação de fontes que
tenham solicitado o anonimato [ponto 6].
popular, e infantil, de querer tudo, já, imediatamente. Não só não tem paciência, como é
empurrada pelos mecanismos da concorrência desregrada a realizar permanentes corridas
U H G M F @ H M ; < A H ? U H F F E L @ C H G L ; C ; A F ; < ; E @ < @ E C @ = > ; P ; = > ; O L A F E < ; E F H T > < @ L ; M ; F < E G @ L @
-
> < @ E G D H F < @ _ S H H Q M E L @ L ; > < @ D H G M ; @ G B G E < @ < @ C D E W ; P O U ; G C > F @ T H > O @ > M H U ; G C > F @ T ;
raríssimos são
H C H F G @ P E C M @ C = > ; C ; < @ G M a < D E E C @ H A F E G U [ A E H L ; D E G E L H G H O @ C E G V M H G H C M T
durante a investigação do caso Watergate: é necessário que uma informação seja confirmada
por pelo menos três fontes independentes e sem relação entre elas para que possa ser publicada.
G D ; P E ` < ; G M ; ? < > E M H C H F G @ P E C M @ C A F ; D ; F ; < O L E C A @ F @ F A F E < ; E F H ; A ; F V > G M @ F L ; A H E C T ? C ; < H P @ F C
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ponderadamente se devem ou não divulgar uma informação e pesar se o interesse público dessa
notícia é suficiente para justificar os danos que ela pode provocar. Isto não é censura: é
F ; C A H G C @ Q E P E L @ L ; T I
20
MINC, Alain, Em Nome da Lei.
226 ANA PAULA PINTO LOURENÇO
21
MARCOS, Maria Lucília, Sujeito e Comunicação, Perspectiva Tensional da Alteridade, Cam-
po das Letras, Porto, 2001, p. 22.
22
A imprensa a que se refere o preceito constitucional, como se extrai da leitura integral do pre-
ceito, é um conceito amplo de imprensa, nele se incluindo a imprensa escrita, a rádio e a televi-
são. Pelo contrário, a Lei da Imprensa [Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro] adopta o sentido restrito,
referindo-se exclusivamente à imprensa escrita, sendo o regime da rádio e da televisão estabe-
lecidos, respectivamente, na Lei da Rádio [Lei 54/2010, de 24 de Dezembro] e na Lei da Tele-
visão [Lei n.º 8/2011, de 11 de Abril].
23
Lei da Televisão [art. 26.º, n.º1], Lei da Rádio [art. 29.º, n.º1]
24
Art. 38.º da CRP e art. 2.º da Lei da Imprensa.
JUSTIÇA E COMUNICAÇÃO SOCIAL 227
seu exercício, incluindo a censura. Estas proibições são enfatizadas pelo Estatuto dos
Jornalistas [art. 7º], pela Lei da Imprensa [art. 1.º], Lei da Rádio [art. 29.º] e pela Lei
da Televisão [art. 26.º], que contemplam a liberdade de criação dos jornalistas e
autonomia de programação e de informação dos operadores, consagrando-se
w % ! + $ # + % ! " 6 1 + , $ # ! + 6 1 4 q " & ' + 0 + & 0 ! ! 1
o seu 0 ! % ! ! + $ + ( 3 , / ! + ' 6 x + # ! # ) 0 ! % ! 0 $ % 6 + $
exercício, quer porque lhes coloquem obstáculos, ficam submetidos aos princípios
gerais de direito criminal ou de ilícito de mera ordenação social [art. 37.º, n.º 3 da
CRP]. Os tribunais poderão impor limites a estes direitos, nos termos do art. 18.º, n.º
2 da CRP, de modo a salvaguardar outros interesses constitucionalmente protegidos.
25
ORTEGA GUTIERREZ, David, Derecho a la Información Versus Derecho al Honor, Centro
de Estudios Políticos y Constitucionales, Madrid, 1999. Para uma perspectiva comparada, ver
pp. 23 a 45 para países europeus e pp. 149 a 162 para países da América Latina.
26
Para aprofundamento desta temática e da sua relação com o direito à honra, veja-se ORTEGA
GUTIERREZ, David, Derecho a la Informacion Versus al Honor; COSTA, José Francisco de
Faria, Direito Penal da Comunicação; SOUSA, Nuno e, Liberdade de imprensa, Almedina,
Coimbra, 1984; SARAZA JIMENA, Rafael, Libertad de Expression e Informacion Frente al
Honor, Intimidad y Propria Imagen, Aranzadi, Pamplona, 1995; e, sobretudo, ANDRADE,
Manuel da Costa, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Coimbra Editora, Coim-
bra, 1996. Sobre os limites dos direitos fundamentais, em geral, ANDRADE, Carlos Vieira de,
Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976, Almedina, Coimbra, 2012; CANOTILHO,
Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, 2013, e
MIRANDA, Jorge, Manual de Direito Constitucional, vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra,
2012.
228 ANA PAULA PINTO LOURENÇO
,27
para além de outros limites, v.g. no acesso às fontes, como, infra, se desenvolverá.
Para que possa cumprir a sua função social e informar de um modo objectivo e rigo-
roso, a lei consagra o direito de acesso às fontes. Este direito compreende, quer o
direito de acesso a locais públicos (entrada e permanência nos tribunais e a assistên-
cia à prática de actos processuais), quer o direito de acesso a documentos (documen-
tos administrativos, nos termos da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos29
e acesso aos autos judiciais, nos termos dos artigos 86.º a 89.º do Código de Proces-
so Penal30 e que passarão a desenvolver-se).
O acesso às fontes na tripla vertente de acesso aos locais, assistência aos actos pro-
cessuais e de acesso aos autos encontra eco na lei processual, relacionando-se com
um dos princípios enformadores do processo, o princípio da publicidade. Este
27
Art. 3.º da Lei da Imprensa.
28
A decisão do TEDH mais paradigmática a este propósito é a que, em 1978, opôs o jornal Sun-
day Times ao Reino Unido, no caso que ficou conhecido como o caso da Talidomida.
http://www.iidh.ed.cr/comunidades/libertadexpresion/docs/le_europeo/tedhsundaytimes2.htm
29
Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto (Lei de Acesso aos Documentos da Administração).
30
O presente trabalho cingir-se-á ao modo de acesso dos media a processos penais e às reservas
legais e deontológicas que com ele se relacionem. Não carecerá, por isso, de recorrer à Lei de
Acesso aos Documentos da Administração, porquanto este mesmo diploma determina [art. 6.º,
n.º2] a sujeição da matéria a segredo de justiça a legislação própria. Esta legislação é o Código
de Processo Penal. No entanto, é de todo o interesse o prescrito nos art. 1.º e art. 16.º do mesmo
diploma, que regula o acesso aos documentos administrativos independentemente da invocação
de qualquer motivo, e a possibilidade de reutilização dos documentos cuja autorização de aces-
so e reutilização tenha sido prestada, para fins diferentes do fim de serviço público para o qual
foram produzidos, o que pode constituir um precioso auxiliar da investigação jornalística.
JUSTIÇA E COMUNICAÇÃO SOCIAL 229
inapto, dêem-me um juiz meu inimigo, que eu aguento-o, desde que ele possa actuar
$ % q " & '
e da funda-
( 3 4 ! # ! & + ) ' j ' $ # + + ' # + 6 1 ! " + &
31
ESTEVES, Mar
E @ C C > G _ S H ? O h > F E C A F > L a G U E @ L H F E Q > G @ P H G C M E M > U E H G @ P g ; P @ M E W @ @ H ; V F ; L H
f f e b d
LEAL-HENRIQUES, Código de Processo Penal anotado, tomo I, Rei dos Livros, Lisboa,
1999, p. 452.
32
Art. 10.º da DUDH, PIDCP [art. 14.º], CEDH [art. 6.º].
33
Por todos, ver ARMENTA DEU, Teresa, Principio Acusatorio: Realidad y Utilización (lo que
es e lo que no), Separata da Revista de Derecho Procesal, n.º 2, Madrid, 1996.
230 ANA PAULA PINTO LOURENÇO
regras do segredo [n.º 3 e 4 do art. 86.º e art. 89.º]. De todos estes, apenas o direito
de assistência e de acesso aos autos releva em sede de acesso às fontes e servirão, no
fundo, como direitos instrumentais face ao direito de narração ou de crónica.
34
Mais do que a imparcialidade das suas decisões, conforme Parecer da Procuradoria -Geral da
República n.º 121/80. A este propósito e para desenvolvimento ver, ainda, DIAS, Figueiredo,
Direito Processual Penal, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, SILVA, Germano Marques da,
Curso de Processo Penal III, Verbo, Lisboa, 2000. Agostinho EIRAS acrescenta a necessidade
de repor a igualdade de forças como um quarto fundamento. Segundo este autor, o arguido ao
O
após a revisão de 2007, que aboliu a obrigatoriedade do segredo no inquérito, Segredo de Justi-
ça e Controlo de Dados Pessoais Informatizados, Coimbra Editora, Coimbra, 1992, p. 25.
JUSTIÇA E COMUNICAÇÃO SOCIAL 231
Um dos pontos cruciais que determinam a tensão entre meios de comunicação social
e meio judiciário reside precisamente na circunstância de a função desempenhada
pelos meios de comunicação social exigir o acesso a fontes de informação35 e de
esse acesso lhes poder ser negado, quer quando o inquérito se encontre em segredo
de justiça, quer fora dessa fase, para preservação de outros direitos e, nalguns casos,
se encontrar condicionado.36 Diana Andringa, reputada jornalista, a propósito da
incompreensão mútua entre justiça e meios de comunicação social no que respeita
aos segredos afirmou, na sua intervenção no Seminário Justiça e Comunicação
Social que decorreu $ ) 0 ) v ! + & # + ) + ' j + $ ! $ + & $ # 0 )
segredo de justiça existe, é, como todos os segredos, para que o violemos. Os magis-
# ! + # s $ ) +
vir. Para os jornalistas, este direito articula-se com o direito de acesso às fontes e
com o direito de acesso e de permanência nos locais públicos, de que abaixo se cui-
dará.
35
Sobre a delimitação normativo-material do conceito de fonte de informação, CANOTILHO,
Gomes, Constituição da República Portuguesa Anotada, anotação ao art. 38.º, p. 23.
36
Nos termos do Código de Processo Penal e do Estatuto dos Jornalistas [art. 8.º, n.º 3]; Jorge
Miranda identifica o segredo de justiça como dever incindível da liberdade de informação, pre-
fácio do livro Direito da Comunicação Social II, de Brito CORREIA, Almedina, Coimbra,
2000, p. 11.
37
In Actas do Seminário Justiça e Comunicação Social, Ministério da Justiça, Lisboa, 1999.
38
Sempre que se omita a fonte, as normas referidas a propósito da publicidade, segredo, suas
implicações e reservas, respeitam aos artigos 86.º a 90.º do Código de Processo Penal.
39
Art. 38.º, n.º2 da CRP; art. 6.º, alínea b) do Estatuto dos Jornalistas; art. 22.º da Lei da Impren-
sa.
232 ANA PAULA PINTO LOURENÇO
A proibição de acesso pode ser imposta ope legis ou ope judicis [art. 87.º].
Desde logo, na fase de inquérito, pode ser determinado o segredo de justiça pelo
Ministério Público, com a validação do juiz de instrução criminal, quando aquele
entenda que da publicidade possa advir prejuízo para a investigação. Do mesmo
modo, pode ser imposto o segredo por determinação judicial, a requerimento do
arguido, do assistente ou do ofendido, com fundamento no prejuízo para os seus
direitos.
+ + %
40
Rec (2003)13, do Conselho da Europa, que recomenda que a identidade das testemunhas não
seja divulgada senão com o seu consentimento, ou quando o testemunho tenha sido prestado em
público, excepto quando coloque em risco a sua segurança, casos em que nunca deve ser tor -
nada pública. Quando assim for, a testemunha pode ser submetida ao programa de protecção
(Lei n.º 93/99, de 14 de Julho, alterada pelas Leis n.º 29/2008, de 4 de Julho e n.º 42/2010, de 3
de Setembro, regulada pelo Decreto-Lei n.º 190/2003, de 3 de Setembro).
41
Rec (85)11, do Conselho da Europa, recomenda a protecção das vítimas contra a publicidade
que possa afectar a sua privacidade ou dignidade.
JUSTIÇA E COMUNICAÇÃO SOCIAL 233
+
A lei processual penal estabelece regras de conduta dos sujeitos e participantes pro-
cessuais [art. 325.º e 326.º]. Do mesmo modo, determina os deveres de conduta das
%
admissí-
+ ! # + + $ + % ! * # * + ) ' % & + ! ' + ' # * + & + & $ #
[art.324.º]. Fora dos casos de graves situações locais idóneas a perturbar o desen-
volvimento do processo e que possam conduzir à deslocação do tribunal para outra
comarca [art. 37.º CPP], um dos modos de o tribunal poder dirimir a perturbação
processual que possa advir, é o de restringir ou excluir o público, mandando evacuar
a sala de audiências.
O Estatuto dos Jornalistas consagra o direito de acesso aos locais abertos ao público
e de neles permanecer desde que para fins de cobertura informativa [art.s 9.º e 10º],
sem outras limitações além das decorrentes da lei, bem como o direito de, em condi-
ções de igualdade, aceder aos locais que não sendo acessíveis ao público sejam aber-
tos à comunicação social. Nos princípios 12 e 13 da Rec (2003)13, Relativa à Infor-
mação Prestada pela Comunicação Social sobre os Processos Criminais,42 o Comité
de Ministros do Conselho da Europa, recomenda que os jornalistas sejam admitidos
nas audiências públicas, sem discriminação nem necessidade de prévia acreditação,
não devendo ser excluída a sua presença senão nos casos em que os demais cidadãos
o sejam. Complementarmente, recomenda que, excepto quando seja impraticável, os
Estados providenciem na sala de julgamentos número suficiente de lugares reserva-
dos aos jornalistas, sem que tal conduza à exclusão do público por falta de lugares.
42
Disponível em https://wcd.coe.int/ViewDoc.jsp?id=51365.
43
Restringindo a lei a assistência e divulgação de actos, há que definir o que entende essa mesma
lei por acto processual. O conceito de acto processual adoptado pelo Código de Processo Penal
é um conceito lato, como se depreende do art. 85.º, considerando-se, como tal, não apenas os
dirigidos ou presididos por autoridades judiciárias, como os dirigidos ou presididos pelas auto-
ridades de polícia criminal ou por funcionários da justiça. Quanto às diversas classificações dos
actos processuais, por todos, SILVA, Germano Marques da, Curso de Processo Penal II, Ver-
bo, Lisboa, 2011, p.14, e FERREIRA, Manuel Cavaleiro de, Curso de Processo Penal I, Danú-
bio, Lisboa, 1981, pp. 24 e seguintes.
44
Excepto no caso de pessoas que, pelo seu comportamento, devam ser afastadas da sala.
45
Art. 87.º, n.º4 e 321.º, nº2 do CPP.
JUSTIÇA E COMUNICAÇÃO SOCIAL 235
bilitar a tomada de notas para uma publicação futura - mas impedi-los de narrar os
actos até determinado momento?
Sobre esta situação foi a Alta Autoridade para a Comunicação Social (AACS) 48
chamada a pronunciar-se, a propósito de um caso concreto49. No dia 10 de Janeiro
de 2002 decorria, no Tribunal Criminal de Lisboa, determinada audiência de julga-
46
Sentença do TEDH 26 Abril 1979 caso Sunday Times (preferred position da liberdade de
p
+ ! +
' + $
Para que tal seja possível e se necessário, acrescenta, deve ser reser * + ) + + & +
+
a de se violar
s ' + ) $ q $ ! & + ! / ' # ( % + ! + / # ) " %
o direito dos cidadãos a serem informados com rigor, posto o que deliberou mani-
festar a sua discordância pela desproporcionalidade entre os valores que pretendeu
acautelar a decisão da Meritíssima Juíza e os direitos violados pela mesma decisão.
Na mesma deliberação, instou os juízes do Tribunal Criminal e o Ministério da
Justiça a providenciarem as condições logísticas necessárias para que os jornalistas
possam exercer o seu direito de informar.
rtida excepcionalmente
% ! * ' + ! $ # 0 v & + $ # 2 % +
De notar que as condutas dolosas de quem atente contra o direito de entrada ou per-
manência dos jornalistas em locais públicos, para fins de cobertura jornalística, cons-
titui crime punido com pena de prisão, ou de multa, nos termos do art. 19.º do Esta-
tuto dos Jornalistas. E que o Código Deontológico impõe, aos jornalistas, a denúncia
de quaisquer tentativas de condicionar a liberdade de informação.
O direito de assistência aos actos não confere aos jornalistas a possibilidade de utili-
zar todo e qualquer meio para a sua documentação. Não significa, desde logo, que
possam livremente captar som ou imagem.
50
Identificada, supra.
JUSTIÇA E COMUNICAÇÃO SOCIAL 237
A legislação portuguesa mostra-se, neste aspecto, mais restritiva que a Rec (2003)13
7 que no seu art. 14.º apenas estabelece como pressuposto para a gravação que a lei
ou as autoridades judiciais o autorizem, ressalvando que a autorização não deverá ser
concedida quando represente um sério risco de indevida pressão sobre as vítimas,
testemunhas, sujeitos processuais, júri ou juízes condicionando a possibilidade de
7
O último requisito, a não oposição da pessoa visada, aditado pela revisão efectuada
pela Lei 59/98, veio fazer prevalecer os interesses individuais direito à imagem e
7
51
DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Processual Penal, p. 156.
238 ANA PAULA PINTO LOURENÇO
Mas não são apenas interesses individuais que estão em causa, uma vez que a ver-
dade material depende em boa medida do modo sereno como decorra a audiência. A
presença dos meios de comunicação na sala, com câmaras, microfones, luzes e fla-
shes, pode condicionar de maneira irreversível os depoimentos dos vários interve-
nientes que poderão sentir-se pouco à-vontade para falar sobre os factos sabendo que
estão a ser gravados ou filmados.52
-se conheci-
0 $ v + $ + ' ! # + % + ( + 0 $ % + !
52
Também Teresa Beleza se pronunciou neste sentido aquando dos trabalhos de revisão com o
Código de Processo Penal de 1998. A propósito dos inconvenientes da presença dos meios de
comunicação, CHIAVARRIO, Mario, O Impacto das Novas Tecnologias: os Direitos do Indi-
O
víduo e o Interesse Social no Processo Penal , Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 7,
T
n.º 3, 1997.
JUSTIÇA E COMUNICAÇÃO SOCIAL 239
Não sendo declarado o segredo de justiça, quem queira consultar os autos, obter
cópia, extracto ou certidão do mesmo ou de parte dele, pode fazê-lo, contanto que o
requeira, alegue e prove a existência de interesse legítimo53 nessa consulta (conceito
que a lei não define, cabendo à jurisprudência a sua determinação no caso concreto),
e seja para tal autorizado pela autoridade judiciária competente. Desta norma se
extrai a regra de que o processo não passa a ser livremente acessível pelo público
quando findo o segredo, ficando a publicidade condicionada à autorização da com-
petente entidade judiciária. É a qualidade do interesse que importa, e não a qualidade
do sujeito requerente, pelo que esta regra se aplica a todos, podendo o jornalista
alegar, como interesse legítimo, a necessidade de acesso para cumprir os deveres
profissionais e os direito à informação da comunidade.
Da conjugação do art. 90.º, n.º 2, com o art. 88.º, n.º 2, alínea a), in fine, resulta que
autorização de consulta e autorização de revelação do acto são distintas e indepen-
dentes, pelo que os meios de comunicação social incorrerão num crime de desobe-
diência [art. 88.º, n.º2, a) CPP e art. 348.º do CP] se procederem à reprodução de
peças processuais ou de documentos incorporados no processo até à sentença de
primeira instância. A não ser que para tal tenham sido autorizados pela autoridade
judiciária competente.
53
Acórdão da Relação de Lisboa de 6 de Março de 2001, CJ, tomo II, p. 125.
240 ANA PAULA PINTO LOURENÇO
Uma vez que o que se encontra sujeito a segredo de justiça são os actos processuais,
e não os factos, os jornalistas não estão impedidos de empreender uma investigação
autónoma, paralela, que poderá desenvolver-se com menor constrangimento e maior
participação e abertura por parte dos inquiridos, o que pode representar uma vanta-
gem para a investigação jornalística, ou uma desvantagem, uma vez que a pressão do
tempo poderá fazer aceitar relatos que, embora possam ter sido testemunhados,
sejam relatados numa lógica de construção pouco, ou nada, compatível com a fac-
tualidade.
54
Parecer n.º 23/94 de 26-02-95, da PGR, apud SANTOS, Simas e LEAL-HENRIQUES, Código
de Processo Penal Anotado, tomo I, p. 453.
55
Isso mesmo concluiu o Provedor de Justiça na Recomendação n.º 43/A/00 relativa ao processo
R-1291/99 (A5). Tendo os jornalistas solicitado informações à Directoria Geral da Polícia Jud i-
ciária, veio esta a confirmar a identidade de um dos arguidos do processo, acrescentando que
tinha sido remetido o processo ao Ministério Público com proposta de acusação. O Provedor de
Justiça entendeu que esta informação, nos moldes precisos em que foi facultada, viola o art.
86.º, n.º 8, alínea b), que proíbe a divulgação de ocorrência de teor de acto que se encontre em
segredo de justiça e remeteu para a leitura do Parecer n.º 121/80, no qual se refere que a presta-
ção de esclarecimentos não deve, em caso algum, permitir a identificação das pessoas envolvi-
das no processo.
56
Art. 68.º e ss do CPP.
JUSTIÇA E COMUNICAÇÃO SOCIAL 241
Os jornalistas não eram ofendidos nos processos em causa, mas tal não consubstan-
cia qualquer ilegalidade, porquanto a lei processual permite que qualquer cidadão
requeira ao juiz a sua constituição como assistente nos casos estabelecidos no art.
68.º, n.º 1, alínea e), por se tratar de violação a interesses supra-individuais e de
interesse público. A questão está em que a assunção dessa qualidade permitiu um
acesso privilegiado ao processo, uma vez que as regras de acesso aos autos são mais
flexíveis quando aos sujeitos processuais, do que relativamente a terceiros.
alista e
& v ! + & ) ¢ 5 £ ! u ) + / ! $ ) + ¤ , # q & # $ ) 0 v !
O Código Deontológico [ponto 4] determina que o jornalista utilize meios leais para
obtenção de informação, imagens ou documentos e [ponto 10] impõe que o jornalista
recuse funções, tarefas ou benefícios susceptíveis de comprometer o seu estatuto de
independência e a sua integridade profissional. Parece, in casu, e atentas aquelas
normas, que o estatuto de assistente não será compatível com a função de jornalista,
atendendo ao acesso privilegiado que os sujeitos processuais têm, face a que o não
seja.
57
Por assumir uma posição de sujeito processual, a lei sanciona a inactividade no momento de
determinar o valor das custas judiciais a pagar, que poderão ser determinadas, a final, entre 1 e
10 UC [art. 519.º do CPP e 8.º do Regulamento das Custas Judiciais].
242 ANA PAULA PINTO LOURENÇO
acesso às fontes entre jornalistas e, por outro, porque afecta o estatuto de indepen-
dência do jornalista, argumentos que se perfilham.
se entender que, nestes casos, o jornalista não se constitui assistente no processo por
# ! # !
r acesso
+ # ( $ 0 # 1 $ + % ! ) + # ! + * 5 # w % # ) " #
Ao nível da cobertura jornalística pelos media não pode deixar de referir-se a inter-
venção de auto-regulação, nomeadamente a declaração de Princípios e Acordo de
Órgãos de Comunicação Social, assinada em 23 de Novembro de 2003 por alguns
órgãos de comunicação social sob a iniciativa da extinta Alta Autoridade para a
Comunicação Social58 na qual os signatários expõem os princípios a que pretendem
submeter-se neste contexto, manifestando o seu entendimento de que deve ser-lhes
facultado acesso às informações possíveis por parte das autoridades judiciais e dos
serviços policiais, devendo ter-se em linha de conta as diferenças de cada órgão de
' $ ' + 6 1 ' + & ) $ + ' $ + % + " & + $ + ! + & + 6 1 " v ' # * + $ #
ibilidade
¥
¦
A assistência aos autos, a consulta e a obtenção de cópias por parte dos jornalistas
tem um fito: servir de base às peças noticiosas que venham a ser elaboradas, para
transmissão dos factos ao público, através da narração ou crónica. Uma vez que a
actividade dos meios de comunicação social potencia a divulgação e, por isso,
58
Declaração assinada pela Capital, Correio da Manhã, Diário de Coimbra, Expresso, Jornal de
Notícias, NTV, O Independente, O Primeiro de Janeiro, Público, Rádio Comercial, Rádio
Renascença, RDP, RTP, Semanário, SIC, SIC Notícias, Tal & Qual, TSF, TVI, 24 Horas e
Visão e parece ter tido resultados positivos, na opinião da AACS, assumida por Comunicado de
14 de Janeiro de 2004. http://www.erc.pt/documentos/legislacaosite/DeclaracaodePrincipiose
AcordodeOCSrelativosacoberturadeProcessosJudiciaispelosmedia.pdf
JUSTIÇA E COMUNICAÇÃO SOCIAL 243
amplia a possibilidade de lesão de outros valores que mereçam tutela, o CPP reser-
vou, quanto à matéria, um artigo específico [o art. 88º].
ração objectiva dos factos divulgada por meio da imprensa diária ou periódica, da
transmissão radiofónica ou televisiva, ou de outros meios de comunicação de massa,
$ / + & +
Nos termos deste artigo, é permitida a narração circunstanciada do teor de actos que
não se encontrem em segredo de justiça - isto é, o direito de relatar ao público, por
meio da imprensa, os factos do quotidiano, seja qual for a forma que adopte, palavra,
fotografia ou ilustração - , mas não a reprodução de peças processuais ou documen-
tos incorporados em processo, até à sentença de 1.ª instância, salvo quando obtidos
mediante certidão autorizada [art. 88.º, n.º2, alínea a)]. Exceptua-se, no entanto, a
narração destes actos até à decisão de publicidade da audiência quando o juiz, ofi-
ciosamente ou a requerimento, tiver proibido essa narração com fundamento de que
a publicidade possa causar grave dano à dignidade das pessoas, à moral pública ou
ao normal decurso do acto [art. 88.º, n.º3 e 87.º, n.º2].
O direito de crónica ou narração implica que o conhecimento possa ser levado para
além do núcleo constituído pelas pessoas presentes no acto, pelo que se encontra
condicionado, desde logo, à possibilidade de ao acto assistir qualquer pessoa. Por
outro lado, mesmo que o processo não se encontre em segredo de justiça, não podem
ser acedidos, nem divulgados, os elementos relativos à reserva da vida privada que
59
Sobre o d -se especialmente
E F ; E M H L ; U F B G E U @ @ D E F < @ > G H ; H > C @ ? = > ; O H L E F ; E M H L ; U F B G E U @ P E V @
^ d
com a actividade jornalística: direito de relatar ao público, por meio da imprensa, os factos do
quotidiano (escrita, fotografias, desenhos). O direito positivo pode limitar o direito de crónica
em várias direcções: verdade, reputação, segredo, bons costumes. O principal limite lógico é a
verdade» e deixa um importante alerta para o tema em apreço: convém sempre distinguir a
O
não constituam meios de prova [art.86.º, n.º 3], os quais devem ser devolvidos ou
destruídos.
A doutrina alemã desenvolveu uma teoria, entretanto aceite por outros foros incluin-
do o português, que permite distinguir, na vida de cada um, três esferas a convocar
diferentes graus de protecção. A esfera da intimidade, constituindo uma área impe-
netrável e de limites absolutos que nem os interesses superiores da comunidade
permitem ultrapassar, sendo inadmissível a exceptio veritatis como justificadora do
facto; a esfera da vida privada, de protecção mais relativa, permitindo-se a divulga-
6 1 $ ' + !
e- # ! # $ + $ 0 + * + + ! + $ * & + $ + + ! &
60
ANDRADE, Manuel da Costa, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, p. 97.
61
PINTO, Paulo Mota, Direito à Reserva da Intimidade Sobre a Vida Privada , Boletim da
O T
c d
do Inquérito Penal uma leitura jurídico- Direito e Justiça, vol. XVI, Tomo 2,
U H G C M E M > U E H G @ P T ?
2000, p. 49.
63
CANOTILHO, Gomes, e MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada,
Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anotação ao art. 26.º, p. 181. Para um aprofundamento do
conteúdo do direito de reserva sobre a intimidade da vida privada, PINTO, Paulo Mota,
Direito à Reserva da Intimidade Sobre a Vida Privada pp. 524 ss, COSTA JR., Paulo, O
O T ?
direito de estar só - tutela penal da intimidade, Revista dos Tribunais, São Paulo, 2007, e
g ? ª F @ G _ H E C ? O Z k P @ Q H F @ M E H G L k > G O F E V M H D A F E W @ U « T A @ F P @ > F E C A F > L ; G U ; @ < F E U @ E G ; T ?
§
f ¨ ©
Révue Internationale de Droit Comparé, vol. 32, n.º 4, 1980, pp. 701-730.
JUSTIÇA E COMUNICAÇÃO SOCIAL 245
Questão que pode colocar-se é a de saber qual o valor que deve prevalecer, em
determinadas circunstâncias, em que à publicidade exigida pelos meios de comuni-
cação e pelo público, enquanto meio de efectivar o direito de informação e a transpa-
rência processual, os sujeitos processuais contraponham a necessidade de defesa dos
respectivos direitos individuais à honra e ao bom nome, a implicar a não divulgação
de elementos, ou factos. Apenas perante o caso concreto poderá determinar-se qual
dos dois deve prevalecer, depois de proceder a um juízo de ponderação dos interes-
ses em conflito, tentando delimitar o interesse sem considerar as questões subjecti-
vas e atendendo às circunstâncias sociais do caso concreto.64 Deve considerar-se
definitivamente ultrapassado o entendimento segundo o qual a liberdade de imprensa
* ! + ! ' + ! $ % ! 0 * ! / ' + + ' & 1 ' $ # ! ! # ) % ! $ +
65
insignificant . Este entendimento foi paradigmático na Alemanha
0 & / (
até 1958, data em que viria a alterar-se por via do pronunciamento do Tribunal
Constitucional Federal no Lüth-Urteil, que veio a influenciar o direito dos estados de
legislação próxima da alemã, como o português. Costa Andrade identifica, como
linhas-mestras desta jurisprudência que entretanto se cristalizou, o princípio do efei-
to-recíproco, pelo qual a relação entre a liberdade de imprensa e os valores con-
flituantes não será uma relação estática, com predeterminação de fronteiras fixas
entre si, e o princípio do efeito-de-irradiação dos princípios constitucionais que ilu-
minam as normas de direito penal ordinário que estabeleçam limites à liberdade de
imprensa.66
Mantém-se, assim, actual o que afirmava Figueiredo Dias, nos idos de 1988,67 quan-
) v # 1 )
64
ESCUDERO MORATALLA, José Francisc, e FRÍGOLA VALLINA, Joaquín, Honor, Secreto
Profesional y Clausulas de Conciencia en los Medios de Comunicación. Límites y Aspectos
Jurídicos Civiles y Penales, Ediciones Revista General de Derecho, Valencia, 1998, p. 199,
p.37.
65
Herzog, citado por ANDRADE, Manuel da Costa, Liberdade de Imprensa e inviolabilidade
pessoal, p. 46.
66
ANDRADE, Manuel da Costa, como na nota anterior, p. 47.
67
Direito Processual Penal, p. 155.
246 ANA PAULA PINTO LOURENÇO
na com os meios de comunicação social, [...] o critério estará em dar a maior latitude
possível aos órgãos de informação, mas com um limite inultrapassável,68 o de que
daí não advenha sensível perigo para a consistência e eficácia do direito de defesa do
+ ! + % ! # 1 % # * + # + ( 3
j ! + ( ) " ! # 0 + # ! + # % ! + & + ) + % + + j # ! +
# $ % (
.71
68
Itálico do autor.
69
RODRIGUES, José Narciso da Cunha, , Boletim da Ordem dos
O ¬ @ ; L E @ M E ` @ _ S H L @ h > C M E _ @ T
Um dos interesses que pode estar em causa com a divulgação dos actos processuais é
a presunção de inocência, questionando-se se este princípio tem validade meramente
intraprocessual72 ou se, por outro lado, vigora com um sentido mais abrangente, a
nível da condição e tratamento do arguido em sociedade.73
A par dos autores que entendem a validade exclusiva deste princípio no seio do
processo,74 entendem outros75 que o princípio se repercute na realidade externa ao
processo porque, embora a segregação social ou reprovação moral possam ter lugar
independentemente da conside ® ¯ ° ± ² ³ ² ´ ® µ ¶ · ¸ ´ µ ² ¹ º » ¼ º ½ º ¶ · ¯ ® ¯ ³ ² ¹ ¾ ¯ ¶ ¼ º » ³ ² ¿ ¯ µ » ¹
· ² ¿ ²
o- À ¿ ³ µ ® º µ ¼ ² · ² ¶ » ¼ µ ¼ À · µ ² ¶ ¯ Á ¯ » º ® ¼ ® ¯ ¼ ¯ ³ ² Â ² ® ¯ ³ ² ´ ® ² · º » » ² Ã · ² ¿ ² » º Â ² » » º µ ¶
.76
º ¶ ¼ º Ã
Parece ser este último o entendimento plasmado no Estatuto dos Jornalistas [art.
14.º, n.º 2, alínea c)], ao impor- Á Ä º » Å À º » º ¾ ¯ Æ » ¼ º ¶ Ä ¯ ¿ ³ º Â ² ® ¿ À Á ¯ ® ¯ · À » ¯ ° Ç º » » º ¿
´ ® ² È ¯ » º ® º » ´ º µ ¼ ¯ ® ¯ ´ ® º » À ¶ ° ± ² ³ º µ ¶ ² · É ¶ · µ ¯ Ã ¹ » º ¶ ¼ µ ³ ² Å À º ½ º ¶ Â ¯ ¼ µ Ê ¯ ³ ² ´ º Á ² Ë Ì ³ µ Í ²
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dar a presunção de µ ¶ ² · É ¶ · µ ¯ ³ ² » ¯ ® Í À µ ³ ² » ¯ ¼ ½ Ô » º ¶ ¼ º ¶ ° ¯ ¼ ® ¯ ¶ » µ ¼ ¯ ® º ¿ Ï À Á Í ¯ ³ ² Ã Õ Ö » ¼ ¯
-se » µ ¹ · Ä º Í ¯ ¯ ¼ ½ ¯ ¿ º ¶ ¼ µ ® È µ » ¼ ² Å À º ¾ ¶ À ¶ · ¯ » º » ¯ Æ º Õ Õ Õ Ã ¹ º ¹ ¶ ² Â µ ¶ ¯ Á ¹ · ² ¶ Â ² ® ¿ ¯
72
MESQUITA, Paulo Dá, egredo do Inquérito , p. 67, para quem a presunção da inocência Ø Ù Ú Û
Abril-Junho 1998, pp. 199-213, e BOLINA, Helena Magalhães Razão de ser, significado e ä Ø
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. 70, Coimbra, 1994, pp. 433-461.
74
ü Segredo do I
ý Ú þ ÿ ä ê î ß ï ã ä Ø Ù í ß á Ý õ ã Û ä ð ö è ÿ
ä î Ý ò ã ä Ø ð î á õ Ý ë Ý ð î ñ ò ã
Ministério Público, Ano 11.º, n.º 42, p. 41 , JARDIM, Vera, Justiça e Comunicação Social,
Ministério da Justiça, Lisboa, 1999, p. 12.
76
MOURA, Souto de, como na nota anterior, p. 47.
77
GARAPON, Antoine, Bem julgar, p. 278; ANDRADE, Manuel da Costa e DIAS, Jorge Figuei-
redo chamam-lhe profecia-que-a-si-mesma-se-cumpre , que tem na base o Teorema de Tho- Ø Û
mas if men define situation as real, they are real in their consequences , teoria que se relaciona
Ø Û
com a do labeling approach segundo a qual, no dizer de Becker citado pelos referidos autores,
Øtratar uma pessoa como se ela não fosse, afinal, mais do que um delinquente, tem o efeito de
uma profecia-que-a-si-mesma-se-cumpre , Criminologia O Homem Delinquente e a Socie- Û
dade Criminógena, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pp. 346 e 351, respectivamente.
248 ANA PAULA PINTO LOURENÇO
µ ¶ ² · º ¶ ¼ º » » º ® × ¹ ´ ² ® È º ¶ ¼ À ® ¯ ¹ ¯ ¿ º Á Ä ² ® ³ ¯ » Í ¯ ® ¯ ¶ ¼ µ ¯ » Ã
importante quanto é certo que, como faz notar Laborinho Lúcio, 80 os meios de
comunicação deslocaram o foco de atenção do momento da sentença para um
momento anterior, o momento da acusação ou o da própria denúncia, com os peri-
gos que tal importa para a preservação dos direitos fundamentais do arguido. Do
mesmo modo, o destaque conferido pela imprensa à notícia da pendência de deter-
minado processo contra determinada pessoa, e as conjecturas que as colunas de
opinião desde logo elaboram sobre os factos que o originaram, ultrapassa sempre o
destaque dado à sentença, a qual pode ter lugar somente passados alguns anos,
durante os quais o julgamento do público e a condenação se fez e se sedimentou
com base em premissas nem sempre válidas ou verdadeiras. Ainda que venha a ser
absolvido, na memória popular perpetuar-se- × ¯ · ² ¶ ³ º ¶ ¯ ° ± ² Å À º ¶ ± ² ¼ º È º Á À Í ¯ ® ¹ ¾ ¯
informação não serve, então, os fins de controlo racional da justiça: antepõe, antes, à
Ï À » ¼ µ
78
Idem, ibidem.
79
Por juízos paralelos entenda-se o conjunto de informações aparecidas ao longo de um período Ø
de tempo nos meios de comunicação sobre o assunto sub judice (...) através das quais se efec-
tua, pelos ditos meios, uma valoração sobre a regularidade legal e ética do comportamento de
pessoas implicadas nos factos submetidos à dita valoração. Tal valoração converte-se, perante a
opinião pública, numa espécie de processo (juízo paralelo) no qual os diversos meios de comu-
nicação exercem o papel de fiscal e a de advogado defensor, assim como, muito frequente-
à í õ à -se com a afirmação de
ä â à ß Ý Û ä Ý Þ í ã á î í â ã î Ø ð ã ì ì Ý Ý ï Ý â î â à â ã ð á ã ë à ì ì ã Ý á î ë ã í ë ï ß Ý á
que o acusado é inocente e, nessa situação, qualquer afirmação precipitada sobre a sua culpabi-
lidade representaria uma gr Fundamentos del î à ï à ì ò ã â ã ì ì à ß ì Ý í õ à á à ì ì à ì Û Ú Ú ý ü ý ú ä
80
Ø ú , in O Processo Penal em Revisão
à ã á î â ã ê á ã ë à ì ì ã ê à í î ï Ù þ ß à Ü Ý ë ã ß ð ã á ú à à á Û
conhecimento precoce pode constituir um perigo para a confiança na justiça, SILVA, Germano
Marques da, Curso de Processo Penal I, Verbo, Lisboa, 2010, p. 81; MINC, Alain, Em Nome
da Lei, p. 17.
JUSTIÇA E COMUNICAÇÃO SOCIAL 249
- ³ º ¶ ¼ µ Â µ · ¯ · ² ¿ ² » º Í À µ ¶ ¼ º ´ ½ ® µ ´ Á ² ¾ ® À ¿ ² ® º » ³ º µ ¿ ´ ® º ¶ » ¯ ¹ ¯ · À Á ´ ¯ Æ µ Á µ ³ ¯ ³ º º » ¼ ¯
Tendo a pena finalidades de prevenção geral, o conhecimento de que foi feita justiça
mostra-se fundamental para a reposição da validade da norma e apaziguamento das
tensões sociais criadas com a prática do crime. No entanto, pretendendo-se, de igual
modo, cumprir finalidades de prevenção especial de ressocialização, factor não des-
piciendo que deve ser tomado em consideração é a circunstância de a divulgação
poder dificultar a reintegração do agente na sociedade, pela estigmatização a que
pode conduzir. Existiria, assim, uma espécie de direito ao anonimato ser conside-
rado. A prevenção geral não ficará, a maior parte das vezes, prejudicada, com a não
identificação do agente.
i-² ³ º Å À º ¾ Å À ¯ ¶ ¼ ² ¿ º ¶ ² ® Â ² ® ² » µ Í ¶ µ Â µ · ¯ ³ ² ³ º À ¿ ¯ · ² ¶ ¼ º · µ ¿ º ¶ ¼ ² ´ ¯ ® ¯ ¯ · ² ¿ À ¶
84
¼ ²
82
ANDRADE, Manuel da Costa, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, pp. 370 e
371.
83
ANDRADE, Manuel da Costa, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, p. 316.
84
COSTA, José Francisco de Faria, Comentário Conimbricense ao Código Penal, vol. I, Coimbra
Editora, Coimbra, 1999, p. 617.
85
Foi a ponderação de interesses envolvidos, o que parece ter sido considerado pelo tribunal ao
não condenar o jornal Sol no caso das escutas que envolveram o primeiro-ministro José Sócra-
tes.
250 ANA PAULA PINTO LOURENÇO
Pode ilustrar- » º º » ¼
.86¯ ¯ Â µ ® ¿ ¯ ° ± ² µ ¶ È ² · ¯ ¶ ³ ² ² ¯ · Ì ® ³ ± ² ¾ º Æ ¯ · Ä Ã ³ ² Õ Ë Õ ¯ Á º ¿ ± ²
Uma proibição absoluta, insusceptível de ser afastada por decisão judicial, é a que se
encontra plasmada no art.88º, n.º 2, alínea c), impedindo a publicação, quer directa,
quer indirectamente e por qualquer meio o que inclui imagem, texto, som da
Conclusão
86
è á ö ý Ú ý ý Ú ä ì ANDRADE,
ì ß í ñ ò ã ä Ø ß á Ý ì ð á ß â ó í ë Ý î â ã á Ý ß í î ï è ã í ì õ Ý õ ß ë Ý ã í î ï Û ä ð ö å ÷ ä
Bibliografia
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88
A este propósito veja-se a Declaração de Princípios e Acordo de órgãos de comunicação Social
relativo à Cobertura de Processos Judiciais, referidos supra.
252 ANA PAULA PINTO LOURENÇO
BOLINA, e- - º Á º ¶ ¯ ¹ ¾ " ¯ Ê ± ² ³ º » º ® ¹ » µ Í ¶ µ Â µ · ¯ ³ ² º · ² ¶ » º Å À É ¶ · µ ¯ » ³ ² ´ ® µ ¶ · ¸ ´ µ ² ³ º ´ ®
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PINTO, Bole-
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