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qual o papel das novas tecnologias na formação do homem-massa de acordo com a obra
de Ortega y Gasset? De que forma as vanguardas reagiram às novas tecnologias de produção
e de reprodução da imagem?
Para responder a esta questão, é essencial questionar a formulação de Ortega y Gasset sobre
Homem-massa1. Esta formulação foi suscitada não só pela questão das novas tecnologias que
permeavam a sociedade Europeia no inicio do século vinte e, principalmente, entre o culminar da
primeira guerra e o inicio da segunda, mas pela visão, muito contemporânea, de que o estrato
media-social em vigência criava a possibilidade (visível pela primeira vez) da ascenção do homem-
massa ao poder, ele, homem snob (sem nobreza).2
Como escreve Ortega y Gasset (2013), o que é característico do momento é que a alma
vulgar, sabendo-se vulgar, tem o denodo de afirmar o direito de vulgaridade e o impõe por toda a
parte.
Uma sociedade não se constitui do acordo das vontades. Ao contrário, todo acordo de
vontades pressupõe a existência de uma sociedade, de pessoas que convivem, e o acordo não
pode consistir senão em precisar uma ou outra forma dessa convivência, dessa sociedade
preexistente. (Ortega y Gasset, 2013, p.18)
Ortega y Gasset predica que o homem-massa veio ocupar um lugar que era antes por “Ele”
inalcançável, não só pela regência política das elites, mas também por que faltava uma
generalização do conhecimento.
Como o cinematógrafo e a ilustração põem ante os olhos do homem médio os lugares mais
remotos do planeta, os jornais e as conversações lhe fazem chegar a notícia destas
performances intelectuais que os aparelhos técnicos recém- inventados confirmam desde as
1 "A Rebelião das Massas", de José Ortega y Gasset, começou a ser publicado em 1926 no jornal madrilenho "El Sol”.
2Na Inglaterra as listas de residências indicavam junto a cada nome o ofício e classe da pessoa. Por isso, junto ao nome
dos simples burgueses aparecia a abreviatura s. nob., quer dizer, sem nobreza. Esta é a origem da palavra snob. (in
Ortega y Gasset, J. (p.22)
vitrinas. Tudo isso decanta em sua mente a impressão de fabulosa prepotência.
(Ortega y Gasset, 2013, p.63)
Portanto, naquilo que faz ascender o homem-massa, não há iluminação. Ortega y Gasset
distingue o homem-massa não só das elites, mas do intelectual e do artista. Diz Ortega y Gasset,
tudo no mundo é estranho e é maravilhoso para umas pupilas bem abertas. Isso, maravilhar-se, é a
delícia vedada ao futebolista e que, ao contrário, leva o intelectual pelo mundo em perpétua
embriaguez de visionário (Ortega y Gasset, 2013, p.42)
Tal como Ortega y Gasset, também Jaques Rancière, citando Deleuze, quando este discute
Epstein, formula sobre os artistas, neste caso os cineastas – “deixem o químico deitar apenas umas
misteriosas gotas num copo de água cristalina e logo uma massa de cristais surgirão, revelando-nos
assim tudo o que estava velado aos nossos olhares incompletos” (Deleuze as cited in RANCIÈRE,
2006. p.3). Ao homem-massa tal vislumbre está vedado. Assim, o homem massa usa as novas
capacidades tecnológicas, também elas massificadoras, de forma a iludir a sua falta de mestria, sem
consciência, mas de forma determinante. Apoia-se em qualquer razão para justificar a sua ascensão,
acriticamente, justamente o contrário do indivíduo.
De um certo modo é disso que fala Benjamin (1955) em “A obra de arte na era da sua
reprodutibilidade técnica”. Benjamin refere que a arte se dessacrilou com a nova era de
reprodutibilidade.
como esta ruptura de massas in uenciou as artes e como os aparatos técnicos moldaram a
percepção dos artistas e dos movimentos artísticos?
Mais que aborrecimento, o que estava em causa neste movimento era o “desejo-de-cinema”
(Burgin, 2004; p.7). Breton e Vaché queriam, antes de ser possível por inúmeros outros meios, ter
alguma responsabilidade de ‘edição’ sobre o que viam. Mas essa edição era livre e surpreendente,
não restritiva.
Em Tavares (2016) esta deriva é englobada num ponto de vista artístico, que dará azo
ao surgimento do movimento surrealista… “Mas se os surrealistas defendiam uma criação
espontânea através das várias técnicas propostas por eles (como a escrita automática), como falar
de um cinema surrealista, já que não é possível este grau de espontaneidade na realização de um
filme?”
Benjamin cita o aqui e agora da obra de arte, um preambulo do que vem a intitular de
aura da obra3 . Como já referimos, Benjamin refere também que a arte se dessacrilizou com a nova
era de reprodutibilidade. As novas tendências artísticas, tanto no DADA como o surrealismo, foram
atrás dessa dessacralização.
Podemos mesmo referir que a conduta outrora avant-gard de Bretón e Vaché, na sua
deriva ambulatória, completou agora sua viagem da poesia até à prosa.
A deriva que falamos era parte de um processo livre, indo ao encontro das ideas e
ideais surrealistas. esse processo, existente neste movimento era muito mais difícil de replicar na
sua ambição fílmica, tal como explicita Tavares, que estabelece também que o olhar e a percepção,
bem como o pensamento iam ao encontro das novas formas de arte, “o homem das imagens
3“Rastro e Aura. O rastro é a aparição de uma proximidade, por mais longínquo que esteja aquilo que a deixou. A aura é
a aparição de algo longínquo, por mais próximo esteja aquilo que a evoca. No rastro, apoderamo-nos da coisa; na aura,
ela se apodera de nós” - BENJAMIN, Walter (1927-1940) - Passagens. UFMG, 2006. p.16.
fl
fotográficas e cinematográficas que vieram para alterar definitivamente a nossa percepção do
mundo” (Tavares, 2016, p.15).
É por isso que a arte da imagem em movimento pode destruir a velha hierarquia
aristotélica que privilegia o Mythos – a coerência do plot – e desvaloriza o Opsis – o efeito sensível
do espetáculo. (Rancière, J., 2006. p. 2).
Talvez nunca a expressão moving pictures fez tanto sentido: o que os dadaístas buscavam,
mais que realizar filmes, era a possibilidade física de dotar os seus quadros de movimento,
utilizando a técnica para revelar também o próprio processo da técnica que estava embutido
na criação. (Tavares, 2016, p.54)
Schwarzer, M. (2004). Zoomscape: architecture in motion and media. Princeton Architectural Press.