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CASOS PRÁTICOS

DIREITO DA FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES

2º teste parcelar

Casos de regime de bens

1º. Casamento:

- efeitos pessoais: família, deveres, nome e nacionalidade

- efeitos patrimoniais — impostos por lei - administração, poderes, responsabilidade, etc.

— à escolha dos nubentes - regimes de bens

- regime de bens no caso concreto

2º. Convenção antenupcial

A. Sim:

- liberdade de convenção (+ restrições) - art. 1698º e 1699º

- capacidade, forma, publicidade e caducidade - art. 1708º, 1710º, 1711º e 1716º

- bens próprios e bens comuns em abstrato

B. Não (ou só parte):

- regime supletivo - comunhão de adquiridos (1717º e 1721º ss.)

- bens próprios e bens comuns em abstrato

4º. Classificação como bens próprios ou comuns (1 bem de cada vez)

- reg. comunhão de adquiridos

- bens próprios - 1722º

- sub-rogação no lugar de bens próprios - 1723º

- bens comuns - 1724º

5º. Disposição dos bens

- móveis (1682º) - regra: quem administra pode dispor

- a quem cabe a administração (1678º)

- necessidade ou não de consentimento do cônjuge

- imóveis próprios ou comuns (1682º-A) - regra: consentimento

6º. Ilegitimidades conjugais - art. 1687º

- anulabilidade: nºs 1-3 (inoponibilidade a terceiro adquirente de boa fé)

- nulidade: nº4 (alienação de coisa alheia)

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Casos de responsabilidade por dívidas

1º. Legitimidade para contrair dívidas: qualquer um, sem consentimento

2º. Responsabilidade pelas dívidas:

A. Responsabilidade de ambos os cônjuges

1691º - a) pelos 2 ou com consentimento

b) encargos da vida familiar

c) cônjuge administrador / no limite dos seus poderes / proveito comum do casal

d) exercício do comércio / proveito comum presumido / não separação de bens

e) dívidas que oneram doações, heranças ou legados de bens comuns

1693º - dívidas que oneram doações, heranças ou legados

1694º - dívidas que oneram bens certos e determinados: bem comum = dívida comum

B. Responsabilidade exclusiva de um cônjuge (1692º)

a) dívidas sem consentimento, fora do 1691º nº1

b) dívidas por multas, indemnizações, custas judiciais, etc. imputáveis a 1 cônjuge

c) dívidas que onerem bens próprios

C. Caso concreto

5º. Bens que respondem pela dívida

- responsabilidade de ambos: comuns + próprios solidariamente (exceto separação bens)

- responsabilidade exclusiva: próprios + meação nos comuns subsidiariamente

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2º exame parcelar de 22 de dezembro de 2007

Daniela e Eduardo casaram civilmente em julho de 1998. Haviam celebrado uma convenção
antenupcial em que se determinava a comunicabilidade dos bens móveis adquiridos a título
gratuito após o casamento e a incomunicabilidade dos bens imóveis adquiridos nas mesmas
condições.
Em 2000, Daniela herdou de um velho tio uma casa de praia e alguns bens móveis da
residência do falecido e que Daniela guardou num armazém.

a) Em fins de 2001, Daniela vendou os móveis herdados a um antiquário por 2.500€, facto de
que o Eduardo teve conhecimento há dois meses atrás. Eduardo pretende invalidar a venda
das mobílias, alegando que eram comuns e que, portanto, Daniela não podia praticar tal ato
sem o seu consentimento. Quid Iuris?
b) A fim de arrendar a casa de praia, sita numa conhecida praia algarvia, a uma riquíssima
família inglesa, Daniela mandou fazer obras de conservação e melhoramento da mesma. Não
dispondo da quantia necessária, contraiu uma dívida de 3.000€ que se obrigou a pagar ao fim
de determinado prazo. Vencido este, Daniela pagou 1.500€ e pediu a Eduardo para pagar a
outra metade, o que este recusa, dizendo ser uma dívida própria dela e não comum. Terá
razão?

a)

O casamento é fonte de relações jurídicas familiares, nos termos do art. 1576º CC, e por meio
desse contrato celebrado entre duas pessoas verificam-se efeitos pessoais e efeitos patrimoniais.

Na concretização dos seus efeitos pessoais, o casamento constitui a família, impõe aos
cônjuges um conjunto de deveres e tem efeitos sobre o seu nome e nacionalidade. Já os efeitos
patrimoniais do casamento abrangem normas impostas por lei acerca da administração de bens
dos cônjuges, das ilegitimidades conjugais, dos poderes relativamente aos bens que integram as
várias massas patrimoniais, da responsabilidade por dívidas dos cônjuges, entre outros.

No entanto, o que os nubentes podem escolher, dentro dos limites que a lei lhes impõe, é um
determinado regime de bens: conjunto de regras cuja aplicação define a propriedade sobre os
bens do casal, isto é, a sua repartição entre o património comum, o património do marido e o
património da mulher.

Neste caso em apreço, e quanto ao regime de bens, Daniela e Eduardo estipularam em


convenção antenupcial a comunicabilidade dos bens móveis (art. 202º e art. 205º CC)
adquiridos a título gratuito e a incomunicabilidade dos imóveis (art. 202º e art. 204º CC)
adquiridos nas mesmas condições.

Esta estipulação está sujeita à liberdade de convenção (art. 1698º), podendo os esposos fixar
livremente o regime de bens, através da escolha de um dos regimes ou da estipulação dentro dos
limites da lei. No entanto, esta liberdade está sujeita às restrições do art. 1699º, bem como aos
requisitos de capacidade, forma, publicidade e caducidade dos arts. 1708º, 1710º, 1711º e

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1716º, respetivamente. Preenchidos todos estes pressupostos, a convenção antenupcial é válida
e eficaz.

Em relação ao que não foi estipulado, aplica-se o regime da comunhão de adquiridos, a título
de regime supletivo (art. 1717º e 1721º ss.).

Assim, a casa de praia herdada por Daniela é um bem próprio (por estipulação da convenção
antenupcial e também pelo art. 1722º nº1 al. b)); os móveis da residência herdados são bens
comuns (estipulado na convenção antenupcial).

Em relação à disposição dos bens móveis, vale a regra de que quem administra pode dispor
(art. 1682º). A administração dos móveis, apesar de comuns, cabe a Daniela (art. 1678º nº2 al. c)
- uma exceção ao princípio da administração conjunta dos bens comuns). Assim, pode ela
sozinha dispor dos mesmos sem necessidade de consentimento de Eduardo (art. 1682º nº2). Não
cabe as exceções do nº3 do art. 1682º (não eram utilizados no lar, ela guardou-os num armazém).

Por isso, Daniela podia efetuar a venda das mobílias, tendo legitimidade sem necessidade do
consentimento do marido.

b)

Trata-se de um problema de responsabilidade por dívidas dos cônjuges, em que cabe


analisar: quem tem legitimidade para contrair dívidas e quem responde pelas mesmas.

Em primeiro lugar, tem legitimidade para contrair dívidas qualquer um dos cônjuges, sem
necessidade de consentimento do outro (art. 1690º), pelo que Daniela pode contrair a dívida sem
necessidade do consentimento de Eduardo.

No entanto, Eduardo só será responsabilizado se a dívida for considerada comum, isto é, se


responsabilizar ambos os cônjuges nos termos do art. 1691º.

A al. a) refere-se às dívidas contraídas pelos dois cônjuges, ou por um com o


consentimento do outro, quer anteriores quer posteriores ao casamento, qualquer que seja o
regime de bens. A lei não faz exigências formais para a validade do consentimento, pelo que vale
o princípio da liberdade de forma consagrado no art. 219º (apesar de que o consentimento não
formalizado pode ser difícil de provar).

A al. b) refere-se às dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges para ocorrer aos encargos
normais da vida familiar: dívidas pequenas, relativamente ao padrão de vida do casal, em geral
correntes ou periódicas, que qualquer dos cônjuges tem de ser livre de contrair, já que se
integram num quadro normal de despesas (alimentação, vestuário, médico e farmácia, etc.).
Normalmente são dívidas contraídas por um dos cônjuges no âmbito da parcela de
administração dos bens afetados ao governo do lar que lhe caberá, e em proveito comum do
casal. Não interessa que as dívidas sejam contraídas antes ou depois do casamento, nem que o
regime de bens seja um ou outro; trata-se de encargos preparatórios do casamento ou derivados
da vida familiar, a cuja responsabilidade nenhum cônjuge se pode eximir.

A al. c) refere-se às dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge


administrador e nos limites dos seus poderes de administração, em proveito comum do casal. O
enquadramento nesta alínea exige a verificação de 3 pressupostos.

Primeiro, a dívida deve estar conexionada com os bens de que esse cônjuge tem a
administração (arts. 1678º e 1679º).

Segundo, o devedor deve ter agido “nos limites dos seus poderes de administração”. Estes
poderes, por atribuição legal (art. 1678º nº2), são muito amplos, pelo que só terminam, grosso
modo, nos limites impostos pela necessidade de pedir consentimento ao outro.

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Por último, quanto à noção de proveito comum:

- não se presume, salvo previsão em contrário (art. 1691º nº3);

- afere-se, não pelo resultado, mas pelo fim visado pelo devedor (se foi o interesse do casal,
considera‐se haver proveito comum, ainda que tenham resultado prejuízos);

- pode ser um interesse material, económico, moral ou intelectual;

- existência de intenção subjetiva e objetiva de proveito comum, ou seja, que a dívida se


possa considerar aplicada em proveito comum aos olhos de uma pessoa média e, portanto, à
luz das regras da experiência e das probabilidades normais.

Já a al. d) refere-se às dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do


comércio, alargando‐se a garantia patrimonial concedida aos credores, de modo a facilitar a
obtenção de crédito e favorecer as atividades mercantis: (1) a dívida tem de ter sido contraída no
exercício do comércio do devedor; (2) em proveito comum do casal, cuja existência se presume e
pode ser ilidida se se provar que não houve intenção de proveito comum da parte do cônjuge
que contraiu a dívida, sendo esta, portanto, de responsabilidade exclusiva do cônjuge devedor;
(3) não pode vigorar o regime da separação, em que os cônjuges são estranhos um ao outro do
ponto de vista patrimonial.

Quanto ao caso em concreto, a dívida em apreço poderá ser comum nos termos da al. c) do
art. 1691º se entendermos que foi contraída pelo cônjuge administrador (Daniela, nos termos do
art. 1678º nº1), nos limites dos seus poderes administrativos e em proveito comum do casal, o
que poderá ser o caso, uma vez que os rendimentos resultantes do arrendamento integram o
património comum, sendo o objetivo deste beneficiar o casal.

Sendo esta dívida comum, respondem os bens comuns nos termos do art. 1695º nº1,
podendo responder também os bens próprios dos cônjuges (incluindo de Eduardo) - como não
estão casados no regime de separação de bens, e sendo a dívida comum, a responsabilidade
dos bens próprios é solidária. Eduardo é também responsável pela dívida, mas se se recusar a
pagar o credor poderá, na falta de bens comuns, exigir a totalidade do valor (3.000€) a Daniela.

Exame global de 9 de junho de 2008

Daniel e Eva casaram em 1990 sem terem celebrado convenção antenupcial.


Numa certa altura, faleceu uma tia de Eva que lhe deixou 50.000€. Eva aplicou o dinheiro na
compra de um andar, por 60.000€, tendo ainda contrario um empréstimo para pagar a diferença.
A proveniência do dinheiro para o andar não chegou a ser referida na escritura da compra.
Mais tarde, Daniel veio a herdar uma quinta. Sem ouvir a opinião de Eva, Daniel resolvi arrendar
a quinta a uma sociedade agrícola. Quando soube do sucedido, Eva achou o valor da renda muito
baixo e o casal lesado.
a) Eva considera o andar como bem próprio dela. Além disso, julga ter o direito de anular o
contrato de arrendamento. Quid Iuris?

b) Caso Eva não consiga pagar os juros do empréstimos nem amortizar a dívida, poderá
Daniel vir a ser responsabilizado?

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a)

O casamento é fonte de relações jurídicas familiares, nos termos do art. 1576º CC, e por meio
desse contrato celebrado entre duas pessoas verificam-se efeitos pessoais e efeitos patrimoniais.

Na concretização dos seus efeitos pessoais, o casamento constitui a família, impõe aos
cônjuges um conjunto de deveres e tem efeitos sobre o seu nome e nacionalidade. Já os efeitos
patrimoniais do casamento abrangem normas impostas por lei acerca da administração de bens
dos cônjuges, das ilegitimidades conjugais, dos poderes relativamente aos bens que integram as
várias massas patrimoniais, da responsabilidade por dívidas dos cônjuges, entre outros.

No entanto, o que os nubentes podem escolher, dentro dos limites que a lei lhes impõe, é um
determinado regime de bens: conjunto de regras cuja aplicação define a propriedade sobre os
bens do casal, isto é, a sua repartição entre o património comum, o património do marido e o
património da mulher.

Neste caso em apreço, e quanto ao regime de bens, Eva e Daniel estão casados no regime de
comunhão de adquiridos, regime supletivamente aplicável nos termos dos arts. 1717º e 1721º
ss.. Decorre deste regime que são bens próprios os bens que cada um dos cônjuges levou para o
casamento e os adquiridos ao longo deste a título gratuito, sendo os restantes bens comuns.

Neste sentido, os 50.000€ herdados por Eva são um bem próprio (art. 1722º nº1 al. b)).

Com este valor, Eva procedeu à compra de um bem imóvel (art. 205º), imóvel este que poderá
ser considerado bem próprio se preencher os requisitos do art. 1723º, que regula a sub-rogação
no lugar de bens próprios: os bens adquiridos tomam o lugar dos anteriores, fazendo as vezes
deles, por aplicação do princípio da sub‐rogação real (de um dos patrimónios saíram
determinados bens mas entraram outros, havendo uma conexão entre a perda e a aquisição).

A sub‐rogação real admite‐se: nos casos de troca direta (al. a)); de alienação de bens próprios
quanto ao respetivo preço (al. b)); de bens adquiridos ou benfeitorias feitas com dinheiro ou
valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja
mencionada no documento de aquisição ou equivalente (e nesse preciso momento, não
posteriormente), com assinatura de ambos os cônjuges (al. c)). Se não for devidamente
mencionada a proveniência do dinheiro ou dos valores com que foram adquiridos os bens ou
efetuadas as benfeitorias, estes bens ou benfeitorias serão comuns.

Assim, uma vez que não houve a documentação da proveniência do dinheiro, o andar é um
bem comum (art. 1723º al. c) e 1724º al. b)).

A quinta herdada por Daniel é um bem próprio (art. 1722º nº1 al. b)). Mesmo assim, tratando-
se de um imóvel, Daniel precisa do consentimento de Eva para onerar, alienar ou arrendar,
segundo o art. 1682º-A nº1 al. a), estando casados no regime de comunhão de adquiridos. Não
havendo consentimento, como aconteceu, Eva poderá anular o contrato de arrendamento, nos
termos do art. 1687º nºs 1 e 2.

b)

Trata-se de um problema de responsabilidade por dívidas dos cônjuges, em que cabe


analisar: quem tem legitimidade para contrair dívidas e quem responde pelas mesmas.

Em primeiro lugar, tem legitimidade para contrair dívidas qualquer um dos cônjuges, sem
necessidade de consentimento do outro (art. 1690º), pelo que Eva pode contrair o empréstimo e
a respetiva dívida sem necessidade do consentimento de Daniel.

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No entanto, Daniel só será responsabilizado se a dívida for considerada comum, isto é, se
responsabilizar ambos os cônjuges nos termos do art. 1691º.

A al. a) refere-se às dívidas contraídas pelos dois cônjuges, ou por um com o


consentimento do outro, quer anteriores quer posteriores ao casamento, qualquer que seja o
regime de bens. A lei não faz exigências formais para a validade do consentimento, pelo que vale
o princípio da liberdade de forma consagrado no art. 219º (apesar de que o consentimento não
formalizado pode ser difícil de provar). O enunciado nada diz sobre o consentimento de Daniel
em relação ao empréstimo, nem sobre o seu conhecimento da dívida, pelo que não se pode
equacionar um consentimento tácito.

A al. b) refere-se às dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges para ocorrer aos encargos
normais da vida familiar: dívidas pequenas, relativamente ao padrão de vida do casal, em geral
correntes ou periódicas, que qualquer dos cônjuges tem de ser livre de contrair, já que se
integram num quadro normal de despesas (alimentação, vestuário, médico e farmácia, etc.). A
compra de um andar no valor de milhares de euros não se enquadra claramente aqui.

A al. c) refere-se às dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge


administrador e nos limites dos seus poderes de administração, em proveito comum do casal. O
enquadramento nesta alínea exige a verificação de 3 pressupostos.

Primeiro, a dívida deve estar conexionada com os bens de que esse cônjuge tem a
administração (arts. 1678º e 1679º). Este verifica-se no caso concreto, uma vez que os 50.000€
que custearam grande parte do andar e que levaram Eva a pedir o empréstimo complementar,
são bens próprios de Eva (art. 1722º nº1 b)).

Segundo, o devedor deve ter agido “nos limites dos seus poderes de administração”. Estes
poderes, por atribuição legal (art. 1678º nº2), são muito amplos, pelo que só terminam, grosso
modo, nos limites impostos pela necessidade de pedir consentimento ao outro. Neste caso,
dificilmente a atuação de Eva estará dentro dos limites dos seus poderes de administração.

Por último, quanto à noção de proveito comum:

- não se presume, salvo previsão em contrário (art. 1691º nº3);

- afere-se, não pelo resultado, mas pelo fim visado pelo devedor (se foi o interesse do casal,
considera‐se haver proveito comum, ainda que tenham resultado prejuízos);

- pode ser um interesse material, económico, moral ou intelectual;

- existência de intenção subjetiva e objetiva de proveito comum, ou seja, que a dívida se


possa considerar aplicada em proveito comum aos olhos de uma pessoa média e, portanto, à
luz das regras da experiência e das probabilidades normais.

Quanto ao caso concreto, não é clara a existência de proveito comum a retirar da atuação de
Eva para o casal quanto ao fim, nem quanto ao interesse, nem quanto à intenção objetiva ou
subjetiva de proveito comum.

Responsabilizam ainda ambos os cônjuges as dívidas que oneram bens certos e


determinados, nos termos do art. 1694º nº1. Neste sentido, as dívidas que onerem bens
comuns serão elas próprias comuns, independentemente de terem vencido antes ou após a
comunicabilidade dos bens. Neste caso, o empréstimo contraído por Eva não onera qualquer dos
bens do casal, pelo que não se poderá recorrer a este artigo para regular o caso em apreço.

Assim, cumpre prever ambos os cenários de comunicabilidade e incomunicabilidade da dívida.

Sendo esta dívida comum, respondem os bens comuns nos termos do art. 1695º nº1,
podendo responder também os bens próprios dos cônjuges (incluindo de Daniel) - como não
estão casados no regime de separação de bens, e sendo a dívida comum, a responsabilidade
dos bens próprios é solidária.

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Caso não se considere a dívida como comum, será própria de Eva (art. 1692º a)). Sendo
assim, apenas serão responsabilizados os seus bens próprios (art. 1696º nº1) e os bens comuns
previstos no nº2 do art. 1696º. Na falta daqueles e destes responde a sua meação nos bens
comuns, de acordo com o art. 1696º nº1 in fine.

2º exame parcelar de 16 de dezembro de 2008

Adolfo e Margarida casaram sem convenção antenupcial.

Adolfo levou para o casamento um automóvel, uma máquina de escrever e uma máquina de
costura. A máquina de escrever serve para os trabalhos jornalísticos de Adolfo, a máquina da
costura é utilizada apenas por Margarida na sua profissão de costureira e o automóvel é utilizado
por ambos.
Num período de ausência de Adolfo, Margarida vende todos os objetos referidos a um
comprador que a julga proprietária dos mesmos.
Ficando a saber do sucedido, Adolfo pretende reaver os objetos vendidos. Quid Iuris?

O casamento é fonte de relações jurídicas familiares, nos termos do art. 1576º CC, e por meio
desse contrato celebrado entre duas pessoas verificam-se efeitos pessoais e efeitos patrimoniais.

Na concretização dos seus efeitos pessoais, o casamento constitui a família, impõe aos
cônjuges um conjunto de deveres e tem efeitos sobre o seu nome e nacionalidade. Já os efeitos
patrimoniais do casamento abrangem normas impostas por lei acerca da administração de bens
dos cônjuges, das ilegitimidades conjugais, dos poderes relativamente aos bens que integram as
várias massas patrimoniais, da responsabilidade por dívidas dos cônjuges, entre outros.

No entanto, o que os nubentes podem escolher, dentro dos limites que a lei lhes impõe, é um
determinado regime de bens: conjunto de regras cuja aplicação define a propriedade sobre os
bens do casal, isto é, a sua repartição entre o património comum, o património do marido e o
património da mulher.

Neste caso em apreço, e quanto ao regime de bens, Adolfo e Margarida estão casados no
regime de comunhão de adquiridos, regime supletivamente aplicável nos termos dos arts. 1717º
e 1721º ss., dado que nada estipularam em convenção antenupcial. Decorre deste regime que
são bens próprios os bens que cada um dos cônjuges levou para o casamento e os adquiridos
ao longo deste a título gratuito, sendo os restantes bens comuns.

Neste sentido, os bens em causa (o automóvel, a máquina de escrever e a máquina de


costura) são bens próprios de Adolfo (art. 1722º nº1 al. a)).

Em relação à disposição dos bens móveis, vale a regra de que quem administra pode dispor
(art. 1682º). Assim, importa saber quem administra esses bens para determinar quem podia
dispor deles. Quanto à administração dos bens:

- a máquina de escrever utilizada somente por Adolfo será administrada por ele (art. 1678º
nº1);

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- a máquina de costura é utilizada apenas por Margarida, pelo que lhe caberá a sua
administração (art. 1678º nº2 e));

- o automóvel é administrado por Adolfo (art. 1678º nº1).

Apurado o cônjuge administrador, podemos aferir qual o cônjuge que podia legitimamente
dispor de tais bens. Quando à disposição dos bens móveis em causa:

- Adolfo tem poderes de disposição da máquina de escrever (art. 1682º nº2);

- Margarida, apesar de ser o cônjuge administrador, só pode dispor da máquina de costura


com o consentimento de Adolfo (art. 1682º nº3 b));

- Adolfo pode dispor do automóvel (art. 1682º nº2) ou, eventualmente, ser necessário o
consentimento de ambos (art. 1682º nº3 a)) - o que é certo é que Margarida não podia dispor.

Em todas estas hipóteses, Margarida não tem sozinha poderes de disposição, pelo que
estamos perante ilegitimidades conjugais: exigência do consentimento de ambos os cônjuges
como requisito de validade de determinados atos ou negócios, com vista a proteger o cônjuge e
os interesses gerais da família. Estas ilegitimidades encontram as suas sanções no art. 1687º:

- máquina de escrever: a venda é nula - art. 1687º nº4 e art. 892º.

- máquina de costura: a venda é anulável, nos termos do art. 1687º nºs 1 e 2, com proteção
do terceiro de boa fé que desconhece o casamento (art. 1687º nº3).

- automóvel: a venda é nula - art. 1687º nº4 e art. 892º.

2º exame semestral de 12 de junho de 2009

Ana e Bernardo casaram sem convenção antenupcial em 2000. Numa grande discussão entre
ambos, Ana acabou por esbofetear Bernardo, chamando-lhe ainda inútil e consumista, sendo
certo que, na altura, Ana estava bastante embriagada, na sequência de um jantar com um grupo
de amigos. Ofendido, humilhado e ferido, Bernardo saiu de casa.

Pouco depois, o pai de Ana faleceu. Assim, esta herdou, juntamente com os seus dois irmãos,
um terreno e, a seguir, comprou-lhes os respetivos quinhões, utilizando para o efeito o dinheiro
que tinha poupado do seu vencimento quando ainda pensava que iria passar as férias com
Bernardo nas Maldivas.
Além disso, comprou um automóvel com dinheiro que tinha numa conta à parte, desde o
tempo de solteira, para poder enfrentar situações especiais.
Bernardo, por seu lado, comprou algum vestuário e calçado de que tinha necessidade, pois
quase tudo que possuía ficou na casa quando ele a deixou, dizendo que a mulher pagaria tudo.
Todavia, Ana recusa-se terminantemente a pagar.
Diga se Ana é obrigada a pagar as compras referidas de Bernardo.

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Ana e Bernardo casaram sem convenção antenupcial, o que significa que estão casados no
regime de comunhão de adquiridos (art. 1717º e 1721º ss.).

Estamos perante um problema de responsabilidade por dívidas dos cônjuges, em que cabe
analisar: quem tem legitimidade para contrair dívidas e quem responde pelas mesmas.

Em primeiro lugar, tem legitimidade para contrair dívidas qualquer um dos cônjuges, sem
necessidade de consentimento do outro (art. 1690º), pelo que Bernardo tinha legitimidade para,
sem o consentimento de Ana, comprar o vestuário e o calçado de que tinha necessidade.

No entanto, Ana só será responsabilizada se a dívida for comum, isto é, se responsabilizar


ambos os cônjuges nos termos do art. 1691º.

A al. a) refere-se às dívidas contraídas pelos dois cônjuges, ou por um com o


consentimento do outro, quer anteriores quer posteriores ao casamento, qualquer que seja o
regime de bens. A lei não faz exigências formais para a validade do consentimento, pelo que vale
o princípio da liberdade de forma consagrado no art. 219º (apesar de que o consentimento não
formalizado pode ser difícil de provar). Neste caso concreto não se aplica, porque o enunciado
não refere o consentimento de Ana.

A al. b) refere-se às dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges para ocorrer aos encargos
normais da vida familiar: dívidas pequenas, relativamente ao padrão de vida do casal, em geral
correntes ou periódicas, que qualquer dos cônjuges tem de ser livre de contrair, já que se
integram num quadro normal de despesas (alimentação, vestuário, médico e farmácia, etc.).
Trata-se de encargos derivados da vida familiar, a cuja responsabilidade nenhum cônjuge se pode
eximir.

Neste sentido, a dívida contraída por Bernardo enquadra-se como um encargo normal da vida
familiar, o vestuário. Isto apesar de os cônjuges estarem separados de facto, uma vez que, de
acordo com o art. 1675º nº3, se a separação de facto for imputável a um dos cônjuges (no caso,
é imputável a Ana) mantém-se o dever de assistência. Outra situação significaria prejudicar os
credores que negoceiem com pessoas casadas e implicaria que conflitos entre cônjuges, cujo fim
é imprevisível, prejudicassem terceiros, pois bastaria que os cônjuges se separassem de facto
para frustrarem a comunicabilidade das dívidas contraídas.

A al. c) refere-se às dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge


administrador e nos limites dos seus poderes de administração, em proveito comum do casal, o
que não está em causa dada a não verificação de nenhum dos pressupostos.

Já a al. d) refere-se às dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do


comércio, alargando‐se a garantia patrimonial concedida aos credores, de modo a facilitar a
obtenção de crédito e favorecer as atividades mercantis, que também não se verifica, uma vez
que não estamos perante o exercício do comércio.

De referir ainda que não se tratam de dívidas que oneram doações, heranças ou legados ou
ainda dívidas que oneram bens certos e determinados (arts. 1693º e 1694º).

Sendo esta dívida comum, respondem os bens comuns nos termos do art. 1695º nº1. Assim,
respondem os bens comuns e subsidiária e solidariamente os bens próprios de qualquer dos
cônjuges (incluindo, assim, os de Ana).

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1º exame semestral de 23 de janeiro de 2010

Sócrates e Manuela casaram em meados de 2008 sem convenção antenupcial.


Em princípios de 2009, Manuela adquiriu com dinheiro que um tio seu multimilionário lhe havia
dado como presente de aniversário um automóvel Porsche, que passou a ser utilizado
exclusivamente por si nos seus tempos livres, e um apartamento no centro da cidade de Braga,
onde o casal passou a viver.
Logo após a aquisição do apartamento, Manuela mandou substituir o chão da residência do
casal por um de madeira exótica muito dispendioso.
Por altura do verão, Manuela, sem dizer nada ao marido, decidiu vender o automóvel a uma
amiga.

Aproveitando a ausência de Sócrates, que necessitou deslocar-se ao estrangeiro por motivos


profissionais, Manuela vendeu também o apartamento a um casal estrangeiro que desejava
instalar-se no centro da cidade.
a) Ficando a saber do sucedido, Sócrates pretende invalidar as vendas realizadas pela mulher.
Manuela, por seu lado, entende que os bens eram bens próprios seus e, por isso, podia
aliená-los livremente. Quid Iuris?
b) Como Manuela nunca mais efetuava o pagamento da fatura apresentada pelo chão de
madeira exótica, a empresa que havia efetuado o serviço vem agora exigir o pagamento a
Sócrates. Este recusa-se a pagar a fatura dizendo que nada teve a ver com o negócio. Quid
Iuris?

a)

O casamento é fonte de relações jurídicas familiares, nos termos do art. 1576º CC, e por meio
desse contrato celebrado entre duas pessoas verificam-se efeitos pessoais e efeitos patrimoniais.

Na concretização dos seus efeitos pessoais, o casamento constitui a família, impõe aos
cônjuges um conjunto de deveres e tem efeitos sobre o seu nome e nacionalidade. Já os efeitos
patrimoniais do casamento abrangem normas impostas por lei acerca da administração de bens
dos cônjuges, das ilegitimidades conjugais, dos poderes relativamente aos bens que integram as
várias massas patrimoniais, da responsabilidade por dívidas dos cônjuges, entre outros.

No entanto, o que os nubentes podem escolher, dentro dos limites que a lei lhes impõe, é um
determinado regime de bens: conjunto de regras cuja aplicação define a propriedade sobre os
bens do casal, isto é, a sua repartição entre o património comum, o património do marido e o
património da mulher.

Neste caso em apreço, e quanto ao regime de bens, Manuela e Sócrates estão casados no
regime de comunhão de adquiridos, regime supletivamente aplicável nos termos dos arts. 1717º
e 1721º ss., dado que nada estipularam em convenção antenupcial. Decorre deste regime que
são bens próprios os bens que cada um dos cônjuges levou para o casamento e os adquiridos
ao longo deste a título gratuito, sendo os restantes bens comuns.

Bárbara Vasconcelos Mendes Direito da Família e das Sucessões Página 11


Neste sentido, o dinheiro doado a Manuela é bem próprio (art. 1722º nº1 al. b)).

O automóvel e o apartamento são bens adquiridos com valores próprios, pelo que só se
considerarão como tal se preencherem os requisitos do art. 1723º, que regula a sub-rogação no
lugar de bens próprios: os bens adquiridos tomam o lugar dos anteriores, fazendo as vezes
deles, por aplicação do princípio da sub‐rogação real (de um dos patrimónios saíram
determinados bens mas entraram outros, havendo uma conexão entre a perda e a aquisição).

A sub‐rogação real admite‐se: nos casos de troca direta (al. a)); de alienação de bens próprios
quanto ao respetivo preço (al. b)); de bens adquiridos ou benfeitorias feitas com dinheiro ou
valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja
mencionada no documento de aquisição ou equivalente (e nesse preciso momento, não
posteriormente), com assinatura de ambos os cônjuges (al. c)). Se não for devidamente
mencionada a proveniência do dinheiro ou dos valores com que foram adquiridos os bens ou
efetuadas as benfeitorias, estes bens ou benfeitorias serão comuns.

Se houver a documentação da proveniência do dinheiro, o automóvel e o apartamento são


bens próprios, caso contrário, são bens comuns (art. 1723º al. c) e 1724º al. b)).

Em todo o caso, a titularidade dos bens não interfere com as regras de disposição dos
mesmos:

Quanto ao automóvel, sendo bem móvel, vale a regra de que quem administra pode dispor
(art. 1682º). Assim:

- se for bem próprio (art. 1723º al. c)), e não havendo exceções, é Manuela que o administra
(regra da administração singular - 1678º nº1) e ela podia aliená-lo sem necessidade do
consentimento do marido (art. 1682º nº2 - não se colocam as exceções do nº3 pois o
automóvel era somente utilizado por si). Aqui Sócrates nada podia fazer.

- se for bem comum (art. 1724º b)), é administrado pelos 2 cônjuges (não há exceções à regra
da administração conjunta - não se aplica o art. 1678º nº2 e)) e só pelos 2 pode ser alienado
(art. 1682º nº1). Neste caso, não tendo havido o consentimento de Sócrates, este pode anular
a venda do automóvel, nos termos do art. 1687º nºs 1 e 2.

Quanto ao apartamento, temos agora a disposição de um bem imóvel, o que nos remete para
o art. 1682º-A. Estando casados no regime de comunhão de adquiridos, carece sempre do
consentimento do cônjuge a sua alienação, seja bem próprio ou bem comum (além do mais, é
casa morada de família - art. 1682º-A nº2). Como não houve o consentimento, a venda do
mesmo é anulável, nos termos do art. 1687º nºs 1 e 2.

b)

Trata-se de um problema de responsabilidade por dívidas dos cônjuges, em que cabe


analisar: quem tem legitimidade para contrair dívidas e quem responde pelas mesmas.

Em primeiro lugar, tem legitimidade para contrair dívidas qualquer um dos cônjuges, sem
necessidade de consentimento do outro (art. 1690º), pelo que Manuela podia contrair a dívida.

No entanto, Sócrates só será responsabilizado se a dívida for considerada comum, isto é, se


responsabilizar ambos os cônjuges nos termos do art. 1691º.

A al. a) refere-se às dívidas contraídas pelos dois cônjuges, ou por um com o


consentimento do outro, quer anteriores quer posteriores ao casamento, qualquer que seja o
regime de bens. A lei não faz exigências formais para a validade do consentimento, pelo que vale
o princípio da liberdade de forma consagrado no art. 219º (apesar de que o consentimento não
formalizado pode ser difícil de provar).

Bárbara Vasconcelos Mendes Direito da Família e das Sucessões Página 12


Não foi o caso, uma vez que Sócrates não consentiu com a troca do pavimento.

A al. b) refere-se às dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges para ocorrer aos encargos
normais da vida familiar: dívidas pequenas, relativamente ao padrão de vida do casal, em geral
correntes ou periódicas, que qualquer dos cônjuges tem de ser livre de contrair, já que se
integram num quadro normal de despesas (alimentação, vestuário, médico e farmácia, etc.).
Normalmente são dívidas contraídas por um dos cônjuges no âmbito da parcela de
administração dos bens afetados ao governo do lar que lhe caberá, e em proveito comum do
casal.

Seria possível preencher esta hipótese, se considerarmos que o padrão de vida do casal
permite que a manutenção do pavimento seja feita com madeira exótica.

A al. c) refere-se às dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge


administrador e nos limites dos seus poderes de administração, em proveito comum do casal. O
enquadramento nesta alínea exige a verificação de 3 pressupostos.

Primeiro, a dívida deve estar conexionada com os bens de que esse cônjuge tem a
administração (arts. 1678º e 1679º). Podemos considerar que Manuela é o cônjuge
administrador, quer se o bem for próprio (art. 1678º nº1, 1723º c) e 1724º b)), quer se for um bem
comum, tratando-se de um ato de administração ordinária (art. 1678º nº3 1ªp.).

Segundo, o devedor deve ter agido “nos limites dos seus poderes de administração”. Estes
poderes, por atribuição legal (art. 1678º nº2), são muito amplos, pelo que só terminam, grosso
modo, nos limites impostos pela necessidade de pedir consentimento ao outro. Assim, Manuela
não excede os poderes de administração que tem.

Por último, quanto à noção de proveito comum:

- não se presume, salvo previsão em contrário (art. 1691º nº3);

- afere-se, não pelo resultado, mas pelo fim visado pelo devedor (se foi o interesse do casal,
considera‐se haver proveito comum, ainda que tenham resultado prejuízos). Neste caso, o fim
visado pelo devedor foi a manutenção da casa morada de família, que trará proveito ao casal;

- pode ser um interesse material, económico, moral ou intelectual. Neste caso poderá estar
em causa um interesse material (qualidade da madeira), económico (elevado valor da matéria
prima) até ainda intelectual (exposição artística);

- existência de intenção subjetiva e objetiva de proveito comum, ou seja, que a dívida se


possa considerar aplicada em proveito comum aos olhos de uma pessoa média e, portanto, à
luz das regras da experiência e das probabilidades normais. Neste caso pode considerar-se
preenchida, uma vez que ambos os cônjuges podem vir a usufruir do luxo, conforto e estética
associados ao novo pavimento adquirido por Manuela.

Sendo esta dívida comum, respondem os bens comuns nos termos do art. 1695º nº1,
podendo responder também os bens próprios dos cônjuges (incluindo de Sócrates) - como não
estão casados no regime de separação de bens, e sendo a dívida comum, a responsabilidade
dos bens próprios é solidária. Sócrates é também responsável pela dívida.

Bárbara Vasconcelos Mendes Direito da Família e das Sucessões Página 13


Exame global de 5 de junho de 2010

Alice e Bernardo casaram em 2006, sem convenção antenupcial.


Em 2005, Alice comprara um automóvel, tendo o vendedor reservado para si a propriedade do
mesmo até ao pagamento integral do preço, facto que só ocorreu em 2007. Após o casamento, o
automóvel passou a ser utilizado apenas por Bernardo, que também pagou as prestações em
falta, nas suas deslocações para o trabalho.
a) Em agosto de 2008, Alice levou o automóvel a uma oficina para fazer uma revisão geral.
Quando recebeu a conta, no valor de 3.000€, recusou-se a pagar, visto o veículo a ser utilizado
apenas pelo seu marido. Terá razão?
b) Em dezembro de 2008, Bernardo vendeu o automóvel a João, seu sobrinho. Alice pretende
invalidar o negócio. Pode fazê-lo?

a)

O casamento civil apresenta dois requisitos de fundo: o consentimento e a capacidade para

b)

Dulce emitiu uma declaração de vontade contrária à vontade real com o intuito de enganar

2º exame parcelar de 4 de janeiro de 2011

Maria e Mestre Zé casaram em meados de 2008 sem convenção antenupcial


Em fins do mesmo ano, Mestre Zé herdou do seu pai um barco de pesca que passou a ser
utilizado exclusivamente por si na sua profissão.
Em meados de 2009, Mestre Zé, que havia poupado, durante o casamento, uma elevada
quantia dos seus rendimentos, provenientes da pesca, adquiriu um apartamento no centro da
cidade de Viana do Castelo, onde o casal passou a viver.
Logo após a aquisição do apartamento, Maria mandou substituir os móveis da cozinha e das
casas de banho, uma vez que não gostava do material dos anteriores por serem de difícil limpeza.
Aproximando-se o inverno desse ano, Mestre Zé, sem dizer nada a Maria, decidiu vender o
barco a um colega de trabalho.

Bárbara Vasconcelos Mendes Direito da Família e das Sucessões Página 14


Considerando tratar-se de uma boa oportunidade, e aproveitando uma ausência de Maria, que
necessitou de deslocar-se a Bragança para assistir ao enterro de um familiar, Mestre Zé vendeu
também o apartamento a um casal de emigrantes que pretendiam regressar ao país.
a) Ficando a saber do sucedido, Maria pretende invalidar as vendas realizadas pelo marido.
Mestre Zé, por seu lado, entende que os bens eram seus e, por isso, podia aliená-los
livremente. Quid Iuris?
b) Suponha agora que Maria, aborrecida com o marido, informa a empresa que vendeu e
colocou os móveis da cozinha e casas de banho que não irá efetuar o pagamento dos
mesmos. Perante tal atitude, a empresa vem agora exigir o pagamento a Mestre Zé. Este
recusa-se a pagar a fatura dizendo que nada teve a ver com o negócio. Quid Iuris?

a)

O casamento é fonte de relações jurídicas familiares, nos termos do art. 1576º CC, e por meio
desse contrato celebrado entre duas pessoas verificam-se efeitos pessoais e efeitos patrimoniais.

Na concretização dos seus efeitos pessoais, o casamento constitui a família, impõe aos
cônjuges um conjunto de deveres e tem efeitos sobre o seu nome e nacionalidade. Já os efeitos
patrimoniais do casamento abrangem normas impostas por lei acerca da administração de bens
dos cônjuges, das ilegitimidades conjugais, dos poderes relativamente aos bens que integram as
várias massas patrimoniais, da responsabilidade por dívidas dos cônjuges, entre outros.

No entanto, o que os nubentes podem escolher, dentro dos limites que a lei lhes impõe, é um
determinado regime de bens: conjunto de regras cuja aplicação define a propriedade sobre os
bens do casal, isto é, a sua repartição entre o património comum, o património do marido e o
património da mulher.

Neste caso em apreço, e quanto ao regime de bens, Maria e Mestre Zé estão casados no
regime de comunhão de adquiridos, regime supletivamente aplicável nos termos dos arts. 1717º
e 1721º ss., dado que nada estipularam em convenção antenupcial. Decorre deste regime que
são bens próprios os bens que cada um dos cônjuges levou para o casamento e os adquiridos
ao longo deste a título gratuito, sendo os restantes bens comuns.

Neste sentido, o barco de pesca é bem próprio de Mestre Zé (art. 1722º nº1 al. b)).

O apartamento (bem adquiridos com valores comuns - proventos obtidos no exercício da sua
profissão) é um bem comum (art. 1724º al. b)).

Em todo o caso, a titularidade dos bens não interfere com as regras de disposição dos
mesmos:

Quanto ao automóvel, sendo bem móvel, vale a regra de que quem administra pode dispor
(art. 1682º). Assim, sendo bem próprio, e não havendo exceções, é Mestre Zé que o administra
(regra da administração singular - 1678º nº1) e ele podia aliená-lo sem necessidade do
consentimento da mulher (art. 1682º nº2 - não se colocam as exceções do nº3 pois era somente
utilizado por si). Aqui Maria nada podia fazer.

Quanto ao apartamento, temos agora a disposição de um bem imóvel, o que nos remete para
o art. 1682º-A. Estando casados no regime de comunhão de adquiridos, carece sempre do
consentimento do cônjuge a sua alienação, seja bem próprio ou bem comum (além do mais, é

Bárbara Vasconcelos Mendes Direito da Família e das Sucessões Página 15


casa morada de família - art. 1682º-A nº2). Como não houve o consentimento, a venda do
mesmo é anulável, nos termos do art. 1687º nºs 1 e 2.

b)

Trata-se de um problema de responsabilidade por dívidas dos cônjuges, em que cabe


analisar: quem tem legitimidade para contrair dívidas e quem responde pelas mesmas.

Em primeiro lugar, tem legitimidade para contrair dívidas qualquer um dos cônjuges, sem
necessidade de consentimento do outro (art. 1690º), pelo que Maria podia contrair a dívida.

No entanto, Mestre Zé só será responsabilizado se a dívida for considerada comum, isto é, se


responsabilizar ambos os cônjuges nos termos do art. 1691º.

A al. a) refere-se às dívidas contraídas pelos dois cônjuges, ou por um com o


consentimento do outro, quer anteriores quer posteriores ao casamento, qualquer que seja o
regime de bens. A lei não faz exigências formais para a validade do consentimento, pelo que vale
o princípio da liberdade de forma consagrado no art. 219º (apesar de que o consentimento não
formalizado pode ser difícil de provar).

Não foi o caso, uma vez que Mestre Zé não consentiu na troca dos móveis.

A al. b) refere-se às dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges para ocorrer aos encargos
normais da vida familiar: dívidas pequenas, relativamente ao padrão de vida do casal, em geral
correntes ou periódicas, que qualquer dos cônjuges tem de ser livre de contrair, já que se
integram num quadro normal de despesas (alimentação, vestuário, médico e farmácia, etc.).
Normalmente são dívidas contraídas por um dos cônjuges no âmbito da parcela de
administração dos bens afetados ao governo do lar que lhe caberá, e em proveito comum do
casal.

Seria possível preencher esta hipótese, se considerarmos que o padrão de vida do casal
permite estas alterações de mobiliário a um apartamento novo, o que não parece ser o caso, uma
vez que Mestre Zé é pescador e, provavelmente, não tem rendimentos muito elevados.

A al. c) refere-se às dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge


administrador e nos limites dos seus poderes de administração, em proveito comum do casal. O
enquadramento nesta alínea exige a verificação de 3 pressupostos.

Primeiro, a dívida deve estar conexionada com os bens de que esse cônjuge tem a
administração (arts. 1678º e 1679º). Podemos considerar que Maria está a praticar um ato de
administração ordinária (art. 1678º nº3 1ªp.).

Segundo, o devedor deve ter agido “nos limites dos seus poderes de administração”. Estes
poderes, por atribuição legal (art. 1678º nº2), são muito amplos, pelo que só terminam, grosso
modo, nos limites impostos pela necessidade de pedir consentimento ao outro. Assim, Maria não
excede os poderes de administração que tem.

Por último, quanto à noção de proveito comum:

- não se presume, salvo previsão em contrário (art. 1691º nº3);

- afere-se, não pelo resultado, mas pelo fim visado pelo devedor (se foi o interesse do casal,
considera‐se haver proveito comum, ainda que tenham resultado prejuízos). Neste caso, o fim
visado pelo devedor foi a manutenção da casa morada de família, que trará proveito ao casal;

- pode ser um interesse material, económico, moral ou intelectual. Neste caso poderá estar
em causa um interesse material (qualidade dos móveis, que facilitam a limpeza) e económico
(maior poupança futura em produtos de limpeza);

Bárbara Vasconcelos Mendes Direito da Família e das Sucessões Página 16


- existência de intenção subjetiva e objetiva de proveito comum, ou seja, que a dívida se
possa considerar aplicada em proveito comum aos olhos de uma pessoa média e, portanto, à
luz das regras da experiência e das probabilidades normais. Neste caso pode considerar-se
preenchida, uma vez que ambos os cônjuges podem vir a usufruir do conforto de uma casa
mais limpa.

Sendo esta dívida comum, respondem os bens comuns nos termos do art. 1695º nº1,
podendo responder também os bens próprios dos cônjuges (incluindo de Mestre Zé) - como não
estão casados no regime de separação de bens, e sendo a dívida comum, a responsabilidade
dos bens próprios é solidária. Mestre Zé é também responsável pela dívida.

Exame global de 9 de junho de 2011

Berta e Amadeu casaram em meados de 2007 sem convenção antenupcial


Em princípios de 2009, Berta adquiriu, com dinheiro que lhe haviam dado como presente, um
automóvel desportivo topo de gama, que passou a ser utilizado exclusivamente por si nos seus
tempos livres, e um apartamento, onde o casal passou a viver.
Logo após a aquisição do apartamento, Berta mandou substituir o mobiliário da cozinha por
um outro em material exótico e muito dispendioso.
Por altura do verão, Berta, sem dizer nada ao marido, decidiu vender o automóvel a um amigo.
Aproveitando uma ausência de Amadeu, em viagem de negócio no estrangeiro, Berta vendeu
também o apartamento a um casal de estrangeiros.
a) Ficando a saber do sucedido, Amadeu pretende invalidar as vendas realizadas pela mulher.
Berta, por seu lado, entende que os bens eram bens próprios seus e, por isso, podia aliená-
los livremente. Quid Iuris?
b) Como Berta nunca mais efetuava o pagamento da fatura apresentada pelo mobiliário da
cozinha, a empresa que havia efetuado o serviço vem agora exigir o pagamento a Amadeu.
Este recusa-se a pagar a fatura dizendo que nada teve a ver com o negócio. Quid Iuris?

a)

O casamento é fonte de relações jurídicas familiares, nos termos do art. 1576º CC, e por meio
desse contrato celebrado entre duas pessoas verificam-se efeitos pessoais e efeitos patrimoniais.

Na concretização dos seus efeitos pessoais, o casamento constitui a família, impõe aos
cônjuges um conjunto de deveres e tem efeitos sobre o seu nome e nacionalidade. Já os efeitos
patrimoniais do casamento abrangem normas impostas por lei acerca da administração de bens
dos cônjuges, das ilegitimidades conjugais, dos poderes relativamente aos bens que integram as
várias massas patrimoniais, da responsabilidade por dívidas dos cônjuges, entre outros.

Bárbara Vasconcelos Mendes Direito da Família e das Sucessões Página 17


No entanto, o que os nubentes podem escolher, dentro dos limites que a lei lhes impõe, é um
determinado regime de bens: conjunto de regras cuja aplicação define a propriedade sobre os
bens do casal, isto é, a sua repartição entre o património comum, o património do marido e o
património da mulher.

Neste caso em apreço, e quanto ao regime de bens, Berta e Amadeu estão casados no regime
de comunhão de adquiridos, regime supletivamente aplicável nos termos dos arts. 1717º e 1721º
ss., dado que nada estipularam em convenção antenupcial. Decorre deste regime que são bens
próprios os bens que cada um dos cônjuges levou para o casamento e os adquiridos ao longo
deste a título gratuito, sendo os restantes bens comuns.

Neste sentido, o dinheiro doado a Berta é bem próprio (art. 1722º nº1 al. b)).

O automóvel e o apartamento são bens adquiridos com valores próprios, pelo que só se
considerarão como tal se preencherem os requisitos do art. 1723º, que regula a sub-rogação no
lugar de bens próprios: os bens adquiridos tomam o lugar dos anteriores, fazendo as vezes
deles, por aplicação do princípio da sub‐rogação real (de um dos patrimónios saíram
determinados bens mas entraram outros, havendo uma conexão entre a perda e a aquisição).

A sub‐rogação real admite‐se: nos casos de troca direta (al. a)); de alienação de bens próprios
quanto ao respetivo preço (al. b)); de bens adquiridos ou benfeitorias feitas com dinheiro ou
valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja
mencionada no documento de aquisição ou equivalente (e nesse preciso momento, não
posteriormente), com assinatura de ambos os cônjuges (al. c)). Se não for devidamente
mencionada a proveniência do dinheiro ou dos valores com que foram adquiridos os bens ou
efetuadas as benfeitorias, estes bens ou benfeitorias serão comuns.

Se houver a documentação da proveniência do dinheiro, o automóvel e o apartamento são


bens próprios, caso contrário, são bens comuns (art. 1723º al. c) e 1724º al. b)).

Em todo o caso, a titularidade dos bens não interfere com as regras de disposição dos
mesmos:

Quanto ao automóvel, sendo bem móvel, vale a regra de que quem administra pode dispor
(art. 1682º). Assim:

- se for bem próprio (art. 1723º al. c)), e não havendo exceções, é Berta que o administra
(regra da administração singular - 1678º nº1) e ela podia aliená-lo sem necessidade do
consentimento do marido (art. 1682º nº2 - não se colocam as exceções do nº3 pois o
automóvel era somente utilizado por si). Aqui Amadeu nada podia fazer.

- se for bem comum (art. 1724º b)), é administrado pelos 2 cônjuges (não há exceções à regra
da administração conjunta - não se aplica o art. 1678º nº2 e)) e só pelos 2 pode ser alienado
(art. 1682º nº1). Neste caso, não tendo havido o consentimento de Amadeu, este pode anular a
venda do automóvel, nos termos do art. 1687º nºs 1 e 2.

Quanto ao apartamento, temos agora a disposição de um bem imóvel, o que nos remete para
o art. 1682º-A. Estando casados no regime de comunhão de adquiridos, carece sempre do
consentimento do cônjuge a sua alienação, seja bem próprio ou bem comum (além do mais, é
casa morada de família - art. 1682º-A nº2). Como não houve o consentimento, a venda do
mesmo é anulável, nos termos do art. 1687º nºs 1 e 2.

b)

Trata-se de um problema de responsabilidade por dívidas dos cônjuges, em que cabe


analisar: quem tem legitimidade para contrair dívidas e quem responde pelas mesmas.

Bárbara Vasconcelos Mendes Direito da Família e das Sucessões Página 18


Em primeiro lugar, tem legitimidade para contrair dívidas qualquer um dos cônjuges, sem
necessidade de consentimento do outro (art. 1690º), pelo que Berta podia contrair a dívida.

No entanto, Amadeu só será responsabilizado se a dívida for considerada comum, isto é, se


responsabilizar ambos os cônjuges nos termos do art. 1691º.

A al. a) refere-se às dívidas contraídas pelos dois cônjuges, ou por um com o


consentimento do outro, quer anteriores quer posteriores ao casamento, qualquer que seja o
regime de bens. A lei não faz exigências formais para a validade do consentimento, pelo que vale
o princípio da liberdade de forma consagrado no art. 219º (apesar de que o consentimento não
formalizado pode ser difícil de provar).

Não foi o caso, uma vez que Amadeu não consentiu na troca do mobiliário da cozinha.

A al. b) refere-se às dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges para ocorrer aos encargos
normais da vida familiar: dívidas pequenas, relativamente ao padrão de vida do casal, em geral
correntes ou periódicas, que qualquer dos cônjuges tem de ser livre de contrair, já que se
integram num quadro normal de despesas (alimentação, vestuário, médico e farmácia, etc.).
Normalmente são dívidas contraídas por um dos cônjuges no âmbito da parcela de
administração dos bens afetados ao governo do lar que lhe caberá, e em proveito comum do
casal.

Seria possível preencher esta hipótese, se considerarmos que o padrão de vida do casal
permite a substituição do mobiliário da cozinha por materiais exóticos e muito dispendiosos.

A al. c) refere-se às dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge


administrador e nos limites dos seus poderes de administração, em proveito comum do casal. O
enquadramento nesta alínea exige a verificação de 3 pressupostos.

Primeiro, a dívida deve estar conexionada com os bens de que esse cônjuge tem a
administração (arts. 1678º e 1679º). Podemos considerar que Berta é o cônjuge administrador,
quer se o bem for próprio (art. 1678º nº1, 1723º c) e 1724º b)), quer se for um bem comum,
tratando-se de um ato de administração ordinária (art. 1678º nº3 1ªp.).

Segundo, o devedor deve ter agido “nos limites dos seus poderes de administração”. Estes
poderes, por atribuição legal (art. 1678º nº2), são muito amplos, pelo que só terminam, grosso
modo, nos limites impostos pela necessidade de pedir consentimento ao outro. Assim, Berta não
excede os poderes de administração que tem.

Por último, quanto à noção de proveito comum:

- não se presume, salvo previsão em contrário (art. 1691º nº3);

- afere-se, não pelo resultado, mas pelo fim visado pelo devedor (se foi o interesse do casal,
considera‐se haver proveito comum, ainda que tenham resultado prejuízos). Neste caso, o fim
visado pelo devedor foi a melhoria da casa morada de família, que trará proveito ao casal;

- pode ser um interesse material, económico, moral ou intelectual. Neste caso poderá estar
em causa um interesse material (qualidade da madeira), económico (elevado valor da matéria
prima) até ainda intelectual (exposição artística);

- existência de intenção subjetiva e objetiva de proveito comum, ou seja, que a dívida se


possa considerar aplicada em proveito comum aos olhos de uma pessoa média e, portanto, à
luz das regras da experiência e das probabilidades normais. Neste caso pode considerar-se
preenchida, uma vez que ambos os cônjuges podem vir a usufruir do luxo, conforto e estética
associados ao novo mobiliário adquirido por Berta.

Sendo esta dívida comum, respondem os bens comuns nos termos do art. 1695º nº1,
podendo responder também os bens próprios dos cônjuges - como não estão casados no
regime de separação de bens, e sendo a dívida comum, a responsabilidade dos bens próprios é
solidária. Amadeu é também responsável pela dívida.

Bárbara Vasconcelos Mendes Direito da Família e das Sucessões Página 19


2º exame parcelar de 9 de janeiro de 2012

Ana e João casaram civilmente janeiro de 2009. Na convenção antenupcial que celebraram
estipularam o regime da comunhão de adquiridos mas com a cláusula de comunicabilidade dos
bens móveis adquiridos a título gratuito após o casamento.

Em fins do mesmo ano, Mestre Zé herdou do seu pai um barco de pesca que passou a ser
utilizado exclusivamente por si na sua profissão.
Em 2010, Ana recebeu por doação de um velho amigo um apartamento e alguns bens móveis
que Ana resolver guardar num armazém.
a) No início deste ano, Ana vendeu os móveis que lhe foram doados a um colecionador de
arte por 20.000€, e resolveu arrendar o apartamento, factos de que João só teve
conhecimento há dois meses atrás. João pretende invalidar a venda dos móveis e o contrato
de arrendamento do apartamento, alegando que eram bens comuns e que, portanto, Ana não
podia praticar tais atos sem o seu consentimento. Quid Iuris?
b) Com vista ao arrendamento do apartamento, Ana mandou fazer obras de conservação e
melhoramento do mesmo. Não dispondo da quantia necessária, contraiu uma dívida de
30.000€ que se obrigou a pagar ao fim de determinado prazo. Vencido este, Ana pagou
15.000€ e pediu a João para pagar a outra metade, o que este recusou, dizendo ser uma
dívida própria dela e não comum. Terá razão?

a)

O casamento é fonte de relações jurídicas familiares, nos termos do art. 1576º CC, e por meio
desse contrato celebrado entre duas pessoas verificam-se efeitos pessoais e efeitos patrimoniais.

Na concretização dos seus efeitos pessoais, o casamento constitui a família, impõe aos
cônjuges um conjunto de deveres e tem efeitos sobre o seu nome e nacionalidade. Já os efeitos
patrimoniais do casamento abrangem normas impostas por lei acerca da administração de bens
dos cônjuges, das ilegitimidades conjugais, dos poderes relativamente aos bens que integram as
várias massas patrimoniais, da responsabilidade por dívidas dos cônjuges, entre outros.

No entanto, o que os nubentes podem escolher, dentro dos limites que a lei lhes impõe, é um
determinado regime de bens: conjunto de regras cuja aplicação define a propriedade sobre os
bens do casal, isto é, a sua repartição entre o património comum, o património do marido e o
património da mulher.

Neste caso em apreço, e quanto ao regime de bens, Ana e João estipularam em convenção
antenupcial a comunicabilidade dos bens móveis (art. 202º e art. 205º CC) adquiridos a título
gratuito.

Esta estipulação está sujeita à liberdade de convenção (art. 1698º), podendo os esposos fixar
livremente o regime de bens, através da escolha de um dos regimes ou da estipulação dentro dos
limites da lei. No entanto, esta liberdade está sujeita às restrições do art. 1699º, bem como aos
requisitos de capacidade, forma, publicidade e caducidade dos arts. 1708º, 1710º, 1711º e

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1716º, respetivamente. Preenchidos todos estes pressupostos, a convenção antenupcial é válida
e eficaz.

Em relação ao que não foi estipulado, aplica-se o regime da comunhão de adquiridos, a título
de regime supletivo (art. 1717º e 1721º ss.).

Assim, o apartamento doado a Ana é um bem próprio dela (por estipulação da convenção
antenupcial e também pelo art. 1722º nº1 al. b)); os móveis doados são bens comuns (estipulado
na convenção antenupcial).

Em relação à disposição dos bens móveis, vale a regra de que quem administra pode dispor
(art. 1682º). A administração dos móveis, apesar de comuns, cabe a Ana (art. 1678º nº2 al. c) -
uma exceção ao princípio da administração conjunta dos bens comuns). Assim, pode ela sozinha
dispor dos mesmos sem necessidade de consentimento de João (art. 1682º nº2). Não cabe as
exceções do nº3 do art. 1682º (não eram utilizados no lar, ela guardou-os num armazém).

Por isso, Ana podia efetuar a venda dos móveis, tendo legitimidade sem necessidade do
consentimento do marido.

Quanto ao arrendamento do apartamento, Ana precisa do consentimento do João para


arrendar o imóvel (art. 1682º-A nº1 a)), estando casados no regime de comunhão de adquiridos.
Não havendo consentimento, como aconteceu, João poderá anular o contrato de arrendamento,
nos termos do art. 1687º nºs 1 e 2.

b)

Trata-se de um problema de responsabilidade por dívidas dos cônjuges, em que cabe


analisar: quem tem legitimidade para contrair dívidas e quem responde pelas mesmas.

Em primeiro lugar, tem legitimidade para contrair dívidas qualquer um dos cônjuges, sem
necessidade de consentimento do outro (art. 1690º), pelo que Ana podia contrair a dívida.

No entanto, João só será responsabilizado se a dívida for considerada comum, isto é, se


responsabilizar ambos os cônjuges nos termos do art. 1691º.

A al. a) refere-se às dívidas contraídas pelos dois cônjuges, ou por um com o


consentimento do outro, quer anteriores quer posteriores ao casamento, qualquer que seja o
regime de bens. A lei não faz exigências formais para a validade do consentimento, pelo que vale
o princípio da liberdade de forma consagrado no art. 219º (apesar de que o consentimento não
formalizado pode ser difícil de provar).

Não está preenchida, uma vez que falta o consentimento de João.

A al. b) refere-se às dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges para ocorrer aos encargos
normais da vida familiar: dívidas pequenas, relativamente ao padrão de vida do casal, em geral
correntes ou periódicas, que qualquer dos cônjuges tem de ser livre de contrair, já que se
integram num quadro normal de despesas (alimentação, vestuário, médico e farmácia, etc.).

Não está preenchida, dado o montante do valor despendido, e o objetivo de arrendar o imóvel.

A al. c) refere-se às dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge


administrador e nos limites dos seus poderes de administração, em proveito comum do casal. O
enquadramento nesta alínea exige a verificação de 3 pressupostos.

Primeiro, a dívida deve estar conexionada com os bens de que esse cônjuge tem a
administração (arts. 1678º e 1679º). Ana é administradora do imóvel, já que é um bem próprio
(art. 1678º nº1 - regra da administração singular).

Segundo, o devedor deve ter agido “nos limites dos seus poderes de administração”. Estes
poderes, por atribuição legal (art. 1678º nº2), são muito amplos, pelo que só terminam, grosso
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modo, nos limites impostos pela necessidade de pedir consentimento ao outro. Uma vez que
está a administrar um bem próprio, Ana não excede os poderes de administração que tem.

Por último, quanto à noção de proveito comum:

- não se presume, salvo previsão em contrário (art. 1691º nº3);

- afere-se, não pelo resultado, mas pelo fim visado pelo devedor (se foi o interesse do casal,
considera‐se haver proveito comum, ainda que tenham resultado prejuízos). Neste caso, Ana
procedeu às obras e melhoramentos com o fim de proporcionar outra fonte de rendimento ao
casal;

- pode ser um interesse material, económico, moral ou intelectual. Neste caso, económico;

- existência de intenção subjetiva e objetiva de proveito comum, ou seja, que a dívida se


possa considerar aplicada em proveito comum aos olhos de uma pessoa média e, portanto, à
luz das regras da experiência e das probabilidades normais. Uma vez que os rendimentos
provenientes do contrato de arrendamento do imóvel vão reverter para o casal em sim,
verifica-se também este pressuposto.

Sendo esta dívida comum, respondem os bens comuns nos termos do art. 1695º nº1,
podendo responder também os bens próprios dos cônjuges (incluindo de João) - como não estão
casados no regime de separação de bens, e sendo a dívida comum, a responsabilidade dos bens
próprios é solidária. João é também responsável pela dívida, mas se se recusar a pagar o credor
poderá, na falta de bens comuns, exigir a totalidade do valor (30.000€) a Ana.

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