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AULAS PRÁTICAS DIREITO PATRIMONIAL


DA FAMÍLIA E SUCESSÕES
Dra. Paula Vítor
Rute Garrido
2019/20

Caso prático 1:

João e Maria pretendem celebrar casamento segundo um regime de bens diferente do regime
supletivo. Por tanto, celebraram, em Dezembro de 2016, por escritura pública, convenção
antenupcial onde estipulam o seguinte
1. O regime de bens do casamento será o da separação de bens até ao nascimento do primeiro
filho do casal; depois passará a ser o regime da comunhão geral

2. A administração de todos os bens caberá exclusivamente a João;

3. Os cônjuges não se obrigam ao dever de cooperação e fidelidade;

4. Todos os bens adquiridos por sucessão por Maria são considerados bens próprios desta.

Aprecie o valor desta convenção antenupcial.

Segundo o art. 1577º (noção de casamento) – “Casamento é o contrato celebrado entre duas
pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos e
disposições deste Código”. Devemos entender “plena comunhão de vida” como um conceito
jurídico no sentido em que tem efeitos sobre as pessoas e sobre o património. O “estado de
casado” tem efeitos sobre as pessoas e os bens dos cônjuges, existindo uma comunhão de
interesses patrimoniais (efeitos patrimoniais do casamento).
Tal como afirma PEREIRA COELHO – “uma pessoa casa e depois é outra, juridicamente outra. É
outra a condição da sua pessoa, como é outra a situação dos seus bens”.

O que aqui temos é uma convenção antenupcial – contrato entre os nubentes que tem por fim
fixar o seu regime de bens para o seu casamento. Ela é um contrato acessório ao casamento. A
eficácia da convenção antenupcial pressupõe a existência e a validade do casamento.

Os pontos fulcrais que iremos usar para avaliar a validade da convenção antenupcial são:
1. Capacidade para celebrar (art. 1708º CC);
2. Forma (art. 1710º CC);
3. Publicidade (art. 1711º CC);
4. Aposição de termo ou condição (art. 1713º CC);
5. Revogabilidade (art. 1712º CC);

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6. Caducidade (art. 1716º CC);
7. Conteúdo (art. 1699º/1 CC).

1. Capacidade
Supondo que reuniam os reuniam os requisitos de capacidade para celebrar convenção (art.
1708º e 1600º e seguintes CC).

2. Forma
Tinham celebrado a convenção de acordo com uma das formas previstas que é a escritura
pública (art. 1710º CC); não há vício de forma que leve à nulidade da convenção (art. 219º e 220º
CC).

5. Revogabilidade
Não tinham revogado a convenção antenupcial até ao momento do casamento (art. 1712º CC).

6. Caducidade
Celebraram o casamento dentro do prazo de 1 ano a contar da celebração da convenção e o
casamento não foi declarado nulo ou anulado. Como tal, a convenção não caducou (art. 1716º
CC) e é válida.

7. Conteúdo + 4. Aposição de condição


) 1ª cláusula – “o regime de bens do casamento será o da separação de bens até ao
nascimento do 1º filho do casal; depois será o regime da comunhão geral”
O regime supletivo é da comunhão de adquiridos (art. 1717º até 1721º e seguintes CC). O que as
partes estipularam foi a escolha de um regime-tipo (separação de bens num 1º momento e
comunhão geral num 2º momento). Sucede que foi aposta uma condição (nascimento do 1º filho
do casal), a qual, de acordo com o art. 1713º CC é válida.

) 2ª cláusula – “a administração de todos os bens caberá exclusivamente a João”


Existem limites à liberdade de convenção (art. 1699º/1 c) CC o qual firma que “não podem ser
objeto de convenção antenupcial a alteração das regras sobre a administração dos bens do
casal”). Esta é uma norma imperativa (art. 1699º CC), pelo que, a cláusula é nula (art. 294º CC).
No entanto, existe a possibilidade de redução da convenção (art. 292º CC).

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) 3ª cláusula – “os cônjuges não se obrigam ao dever de cooperação e fidelidade”
Existem limites à liberdade de convenção (art. 1699º/1 b) CC o qual firma que “não podem ser
objeto de convenção antenupcial a alteração dos direitos ou deveres quer paternais quer
conjugais”). Esta é uma norma imperativa (art. 1699º CC), pelo que, a cláusula é nula (art. 294º
CC). No entanto, existe a possibilidade de redução da convenção (art. 292º CC).

) 4ª cláusula – “todos os bens adquiridos por sucessão por Maria são considerados bens
próprios desta”
O regime que vigora entre os cônjuges é o da separação de bens (art. 1735º CC), sendo que,
verificando-se a condição, é da comunhão geral (arts. 1732º e seguintes CC). Esta cláusula é
uma modificação ao regime-tipo, sendo, por isso, válida.

Caso prático 2:
Vitória e Alberto casaram em 2015, sem terem celebrado convenção antenupcial.
a) Alberto, ávido praticante de hipismo, levara para o casamento um apartamento e um cavalo, o
Gota.
b) Em 2016, o pai de Vitória faleceu, tendo esta herdado um vasto terreno num empreendimento
algarvio, que vendeu no mesmo ano. Com parte do produto da venda, adquiriu a Quinta do
Império.
c) Em 2017, Alberto venceu uma prova de saltos no Ascote-de-Baixo Champions Tour tendo
recebido um prémio, que se traduziu numa soma em dinheiro.
d) Em 2018, com o restante valor que resultou da venda do terreno herdado por Vitória e com
igual valor proveniente do prémio recebido por Alberto, foi adquirida uma primeira edição de
Oliver Twist, de Charles Dickens, com anotações do autor do livro.
e) Em 2018, Alberto recebeu uma indemnização avultada por lhe ter sido amputado uma perna na
sequência de um trágico acidente.
f) Até ao ano passado, arrendaram a estudantes o apartamento que Alberto levara para o
casamento, recebendo a renda mensalmente.

Diga a que massa patrimonial pertencem os bens referidos.

Vitória e Alberto casaram em 2015 sem terem celebrado convenção antenupcial, pelo que, de
acordo com o art. 1717º CC, “na falta de convenção antenupcial (…) o casamento considera-se
celebrado sob regime de comunhão de adquiridos”.

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Assim é também porque casaram em 2015, ou seja, depois de este regime supletivo entrar em
vigor (31.05.1967), sabendo nós que anteriormente o regime supletivo era o da comunhão geral
de bens. Iremos então qualificar as massas patrimoniais de acordo com o regime da comunhão
de adquiridos.
a) Alberto, ávido praticante de hipismo, levara para o casamento um apartamento e um
cavalo, o Gota
O apartamento e o cavalo (Gota) são considerados bens próprios de Alberto – art. 1722º/1 a)
CC (“bens que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento”).

b) Em 2016, o pai de Vitória faleceu, tendo esta herdado um vasto terreno num
empreendimento algarvio, que vendeu no mesmo ano. Com parte do produto da venda,
adquiriu a Quinta do Império
Falamos aqui de um terreno, o qual adveio a Vitória depois do casamento por sucessão. Como
tal, é um bem próprio de Vitória – art. 1722º/1 b) CC (“bens que lhes advierem depois do
casamento por sucessão”).
Por sua vez, o produto da sua venda é um bem sub-rogado no lugar de bem próprio (preço de
bem próprio alienado) e, como tal, é bem próprio de Vitória – art. 1723º/b) CC (“preço dos bens
próprios alienados”).
Em relação à quinta, temos um caso de venda de bem próprio e aquisição de novo bem com o
produto da venda do primeiro, isto é, um reemprego ou sub-rogação real indireta. Faria sentido
pensar que é um bem comum no sentido o art. 1724º/b) CC (“fazem parte da comunhão os bens
adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio ”); todavia, tal preceito da lei diz “que não
sejam excetuados por lei” e esses casos excetuados por lei são os do art. 1723º CC e este art.,
na sua alínea c) faz precisamente referência aos “bens adquiridos (…) com dinheiro ou valores
próprios de um dos cônjuges” o que foi o caso. Sucede que o art. 1723º/c) CC exige a verificação
de determinados requisitos que são: 1a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente
mencionada 2no documento de aquisição ou em documento equivalente, 3com intervenção de
ambos os cônjuges. Surgiu um Acórdão de uniformização de jurisprudência (nº12/2015) o qual
veio dizer que “estando em causa apenas os interesses dos cônjuges, que não os de terceiros, a
omissão no título aquisitivo das menções do art. 1723º/c) CC não impede que o cônjuge, dono
exclusivo dos meios utilizados na aquisição de outros bens na constância do casamento no
regime supletivo da comunhão de adquiridos, e ainda que não tenha intervindo no documento
aquisitivo, prove, por qualquer meio, que o bem adquiridos o foi apenas com dinheiro dos seus
bens próprio; feita essa prova, o bem adquirido é próprio, não integrando a comunhão conjugal”.

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Posto isto, se fosse feita a referida prova, poderíamos considerar a quinta como bem próprio de
Vitória.

c) Em 2017, Alberto venceu uma prova de saltos no Ascote-de-Baixo Champions Tour tendo
recebido um prémio, que se traduziu numa soma em dinheiro
O prémio desportivo pode ser enganador no sentido em que, primeiramente, nos levaria a pensar
que é um bem próprio de Alberto. Sucede que este é um bem que faz parte da comunhão por ser
“produto do trabalho dos cônjuges” – art. 1724º/a) CC – ou seja, é bem comum.

d) Em 2018, com o restante valor que resultou da venda do terreno herdado por Vitória e com
igual valor proveniente do prémio recebido por Alberto, foi adquirida uma primeira edição
de Oliver Twist, de Charles Dickens, com anotações do autor do livro
Estamos perante “bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios [restante valor que
resultou da venda do terreno herdado por Vitória] e noutra parte com dinheiro ou bens comuns
[restante valor proveniente do prémio recebido por Alberto]” – art. 1726º CC. É dito no referido
art. que estes bens “revestem a natureza da mais valiosa das duas prestações”, só que as
prestações têm igual valor. Assim sendo, não se trata de nenhuma exceção, pelo que, iremos
enquadrar este bem no art. 1724º/b) CC como bem comum (“bens adquiridos pelos cônjuges na
constância do matrimónio que não sejam excetuados por lei”). Isto sem prejuízo, obviamente, de
compensação.

e) Em 2018, Alberto recebeu uma indemnização avultada por lhe ter sido amputado uma
perna na sequência de um trágico acidente
Há bens que são considerados próprios por disposição da lei, como é o caso das “indemnizações
devidas por factos verificados contra a pessoa de cada um dos cônjuges ou contra os seus bens
próprios” – art. 1733º/1 d) CC. É verdade que este é um art. que se encontra na subsecção do
regime da comunhão geral de bens, mas, por maioria de razão, será de aplicar ao regime da
comunhão de adquiridos.
Assim, a indemnização pelo dano da integridade física de Aberto será um bem próprio de
Alberto – art. 1733º/1 d) CC.

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f) Até ao ano passado, arrendaram a estudantes o apartamento que Alberto levara para o
casamento, recebendo a renda mensalmente
Estamos perante o problema das rendas – art. 1728º/1 e 1733º/2 CC. Podemos dizer, de acordo
com o art. 1728º/1 CC que são bens próprios os “bens adquiridos por virtude da titularidade de
bens próprios que não possam ser considerados frutos destes”, ou seja, a contrario, serão bens
comuns os frutos de bens próprios. Por sua vez, o art. 1733º/2 CC vem firmar que “a
incomunicabilidade dos bens não abrange os respetivos frutos nem o valor das benfeitorias úteis”.
Sendo que podemos considerar as rendas como frutos, então iremos concluir que é bem
comum.

g) Na sequência do seu acidente, Alberto abandonou a prática desportiva. Vitória, terapeuta,


passou a utilizar o Gota, para desenvolver um programa de equoterapia com crianças com
problemas de desenvolvimento. Após o início desta prática, passou a tomar todas as decisões
quanto ao tipo de treino e cuidados do cavalo Gota. Pode fazê-lo?

Vimos supra que o cavalo Gota era um bem próprio de Alberto (1722º/1 a) CC).
Ora, sobre os bens próprios a regra é a de que “cada um dos cônjuges tem a administração dos
seus bens próprios” – art. 1678º/1 CC. Todavia há exceções que são as que constam do art.
1678º/2 CC, sendo que, o nosso caso se pode enquadrar na alínea e) – “cada um dos cônjuges
têm ainda a administração dos bens móveis próprios do outro cônjuge por ele exclusivamente
utilizados como instrumento de trabalho”. Claro que Alberto teria de ter dado autorização para que
Vitória utilizasse o seu bem próprio como instrumento de trabalho (cavalo), mas presumindo nós
que este foi dado, Vitória terá a administração nos termos expostos.

h) Como Alberto abandonou qualquer atividade, Vitória confere-lhe por mandato, o poder de
administrar a sua quinta, onde organiza eventos. Alberto realiza uma série de obras. Vitória
considera que houve má administração por parte de Alberto e pretende responsabilizá-lo. Pode
fazê-lo?

Vimos que a quinta era um bem próprio de Vitória (art. 1723º/c) CC).
Ora, sobre os bens próprios a regra é a de que “cada um dos cônjuges tem a administração dos
seus bens próprios” – art. 1678º/1 CC. Todavia há exceções que são as que constam do art.
1678º/2 CC, sendo que, o nosso caso se pode enquadrar na alínea g) – “cada um dos cônjuges

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tem a administração dos bens próprios do outro cônjuge se este lhe conferir por mandato esse
poder”. Sabendo que tal aconteceu, Alberto terá a administração.
A questão que aqui se coloca é a da responsabilidade pela administração – art. 1681º CC. No
caso, fundando-se a administração em mandato temos de olhar para o art. 1681º/2 CC, segundo
o qual “são aplicáveis as regras deste contrato, mas salvo se outra coisa tiver sido estipulada, o
cônjuge administrador só tem de prestar contas e entregar o respetivo saldo, se o houver,
relativamente a atos praticados durante os últimos 5 anos”.

i) Alberto aplica o remanescente do dinheiro do prémio de hipismo numa conta bancária a prazo.
Pode fazê-lo?

Como vimos, o prémio era um bem comum (art. 1724º/a) CC).


Ora, sobre bens comuns a regra é a da administração conjunta (art. 1678º/3 CC), sendo
necessário o consentimento de ambos os cônjuges. No entanto encontramos uma exceção na
qual podemos enquadrar o nosso caso que é a do art. 1678º/2 a) CC, segundo a qual “cada um
dos cônjuges tem a administração dos proventos que receba pelo seu trabalho”. Assim, a
administração cabe a Alberto.

j) Neste momento, Alberto encontra-se na Índia. O seu voo foi cancelado, sem perspetivas de
voltar, em virtude da paralisação originada pela pandemia do COVID-19. O apartamento que
Alberto levou para o casamento é atingido por um incêndio no seu prédio e fica gravemente
danificado. Poderá Vitória tomar providências?

O apartamento vimos que era bem próprio de Alberto (art. 1722º/ 1 a) CC).
Ora, sobre os bens próprios a regra é a de que “cada um dos cônjuges tem a administração dos
seus bens próprios” – art. 1678º/1 CC. Todavia há exceções que são as que constam do art.
1678º/2 CC, sendo que, podermos equacionar o enquadramento do nosso caso na alínea f) –
“cada um dos cônjuges tem a administração dos bens próprios do outro cônjuge se este se
encontrar impossibilitado de exercer a administração por se achar em lugar remoto”. Mas
dissemos equacionar porque há outra via que é a do art. 1679º CC, segundo o qual “o cônjuge
que não tem a administração [Vitória] dos bens, não está inibido de tomar providências a ela
respeitantes, se o outro cônjuge se encontrar, por qualquer causa, impossibilitado de o fazer, e de
o retardamento das providências puderem resultar prejuízos”.

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Caso prático 3:
João e Maria casaram civilmente, em Abril de 2015, tendo, em Janeiro de 2014, celebrado
convenção antenupcial em que escolheram o regime da separação de bens.

Maria praticou os seguintes atos sem o consentimento e o conhecimento de João:


a) A 30 de Março de 2016, Maria constituiu uma servidão de passagem a favor de José sobre um
prédio rústico, situado em Soure, avaliado em 40.000€, que adquirira no dia 20 de Janeiro de
2010.

b) A 3 de Julho de 2017, Maria e João compraram a Nuno um apartamento situado em Coimbra.


A 1 de Setembro de 2017, Maria deu de arrendamento este apartamento a jovens médico e
enfermeiros para conseguir complementar o rendimento do casal.

c) Em Janeiro de 2020, Maria emprestou a Sara (filha de uma amiga sua que viera estudar para
Coimbra) um quarto (com serventia de cozinha) da casa onde o casal habitava;

d) Em Fevereiro de 2018, Maria vendeu um quadro que ornamentava uma parede da casa onde
morava com João e que tinha sido por ele levado para o casamento.

e) Em Abril de 2019, Maria vendeu a Pedro um automóvel que João tinha herdado do avô.

Tendo em consideração que João tomou conhecimento dos atos praticados por Maria há 2 meses
atrás, poderá ele (ainda e com que fundamento) reagir contra tais atos?

Os nubentes celebraram convenção antenupcial em que escolheram o regime da separação de


bens para vigorar no seu casamento. Tal convenção foi celebrada em Janeiro de 2014, tendo sido
escolhido o regime da separação de bens. De acordo com o art. 1716º CC, “a convenção caduca
se o casamento não for celebrado dentro de um ano, ou se, tendo-o sido, vier a ser declarado
nulo ou anulado”. Sucede que, o casamento teria de ter sido celebrado (até) Janeiro de 2015 para
que a convenção antenupcial não caducasse, o que não acontece – eles casaram só em Abril de
2015. Como tal, a convenção caducou. Posto isto, olhamos para o art. 1717º CC para saber que
regime de bens lhe é aplicável – segundo este “na falta de convenção antenupcial ou no caso de
caducidade (…) o casamento considera-se celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos”.
Não havendo razões de fundo que nos façam crer que se trata de um caso de regime imperativo

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(art. 1720º CC), consideramos que João e Maria se encontram casados no regime supletivo que
é, desde 31 de Maio de 1967, o regime da comunhão de adquiridos (art. 1721º CC).

Para analisarmos as ilegitimidades conjugais temos de ter sempre presente o seguinte esquema
de resolução para ser mais fácil organizar:
1) O que é o bem?
2) Titularidade
3) Administração
4) Ato praticado

a) A 30 de Março de 2016, Maria constituiu uma servidão de passagem a favor de José sobre
um prédio rústico, situado em Soure, avaliado em 40.000€, que adquirira no dia 20 de
Janeiro de 2010
O que é o bem? Prédio rústico – bem imóvel (art. 204º/1 a) CC)
Titularidade Bem levado para o casamento por Maria – bem próprio de Maria (art. 1722º/1
a) CC)
Administração O proprietário é administrador – Maria é a administradora (art. 1678º/1 CC)
Ato praticado Constituição de servidão legal de passagem – constituição de um direito real
de gozo (oneração)
A oneração de bens imóveis próprios carece do consentimento de ambos os cônjuges – art.
1682º-A/1 a) CC. Como tal, Maria não tem legitimidade para praticar o ato uma vez que carece do
consentimento de João.
Não tendo sido respeitado tal requisito, haverá sanções – art. 1687º CC. O desrespeito pelo
disposto no art. 1682º-A implica que o ato praticado é anulável (art. 1687º/1 CC). O requerimento
pode ser feito pelo cônjuge que não deu consentimento (João) ou os seus herdeiros (art. 1687º/1
CC). O que importa ter em conta é o prazo para exercer o direito de anulação (art. 1687º/2 CC) é
um prazo de “6 meses subsequente à data em que o requerente teve conhecimento do ato, mas
nunca depois de decorridos 3 anos sobre a sua celebração”. In casu, o ato foi praticado a 30 de
Março de 2016, sendo que, faz hoje 3 anos da sua celebração. Assim sendo, João já não estaria
em condições de exercer o seu direito de anulação.

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b) A 3 de Julho de 2017, Maria e João compraram a Nuno um apartamento situado em
Coimbra. A 1 de Setembro de 2017, Maria deu de arrendamento este apartamento a
jovens médico e enfermeiros para conseguir complementar o rendimento do casal
O que é o bem? Apartamento – bem imóvel (art. 204º/1 a) CC)
Titularidade Bem adquirido onerosamente na constância do matrimónio – bem comum
(art. 1724º/b) CC)
Administração Regra da administração conjunta (art. 1678º/3 CC)
Ato praticado Dar de arrendamento
A oneração de bens imóveis próprios carece do consentimento de ambos os cônjuges – art.
1682º-A/1 a) CC. Como tal, Maria não tem legitimidade para praticar o ato uma vez que carece do
consentimento de João.
Não tendo sido respeitado tal requisito, haverá sanções – art. 1687º CC. O desrespeito pelo
disposto no art. 1682º-A implica que o ato praticado é anulável (art. 1687º/1 CC). O requerimento
pode ser feito pelo cônjuge que não deu consentimento (João) ou os seus herdeiros (art. 1687º/1
CC). O que importa ter em conta é o prazo para exercer o direito de anulação (art. 1687º/2 CC) é
um prazo de “6 meses subsequente à data em que o requerente teve conhecimento do ato, mas
nunca depois de decorridos 3 anos sobre a sua celebração”. In casu, o ato foi praticado a 3 de
Julho de 2017, pelo que ainda não decorreram os 3 anos da sua celebração. Sendo que tem 6
meses desde que conheceu o ato (e conheceu há 2 meses atrás – ou seja, Janeiro de 2020), tem
até Maio de 2020 para exercer o seu direito de anulação.

c) Em Janeiro de 2020, Maria emprestou a Sara (filha de uma amiga sua que viera estudar
para Coimbra) um quarto (com serventia de cozinha) da casa onde o casal habitava
O que é o bem? Casa em que vivia com João – bem imóvel (art. 204º/1 a) CC) mas com
proteção especial de casa de morada de família
Titularidade Bem levado para o casamento por Maria – bem próprio de Maria (art. 1722º/1
a) CC)
Administração O proprietário é administrador – Maria é a administradora (art. 1678º/1 CC)
Ato praticado Contrato de comodato – constituição de um direito pessoal de gozo
A constituição de direitos pessoais de gozo sobre a casa de morada de família carece sempre do
consentimento de ambos os cônjuges – art. 1682º-A/2 CC. Como tal, Maria não tem legitimidade
para praticar o ato uma vez que carece do consentimento de João.
Não tendo sido respeitado tal requisito, haverá sanções – art. 1687º CC. O desrespeito pelo
disposto no art. 1682º-A implica que o ato praticado é anulável (art. 1687º/1 CC). O requerimento

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pode ser feito pelo cônjuge que não deu consentimento (João) ou os seus herdeiros (art. 1687º/1
CC). O que importa ter em conta é o prazo para exercer o direito de anulação (art. 1687º/2 CC) é
um prazo de “6 meses subsequente à data em que o requerente teve conhecimento do ato, mas
nunca depois de decorridos 3 anos sobre a sua celebração”. In casu, o ato foi praticado em
Janeiro de 2020, pelo que ainda não decorreram os 3 anos da sua celebração. Sendo que tem 6
meses desde que conheceu o ato (e conheceu há 2 meses atrás – ou seja, Janeiro de 2020), tem
até Maio de 2020 para exercer o seu direito de anulação.

d) Em Fevereiro de 2018, Maria vendeu um quadro que ornamentava uma parede da casa
onde morava com João e que tinha sido por ele levado para o casamento
O que é o bem? Quadro – bem móvel (art. 205º CC) mas que faz parte do recheio da casa de
morada de família (art. 2103º CC para a noção de “recheio”)
Titularidade Bem levado para o casamento por João – bem próprio de João (art. 1722º/1
a) CC)
Administração O proprietário é administrador – João é o administrador (art. 1678º/1 CC)
Ato praticado Contrato de compra e venda – alienação
Vale aqui o art. 1682º/3 a) CC (“carece de consentimento de ambos os cônjuges a alienação ou
oneração de móveis utilizados conjuntamente por ambos os cônjuges na vida do lar”)? Parece-
nos que esta não é a norma a mobilizar. O que aconteceu aqui foi que Maria alienou um bem
próprio do outro cônjuge, pelo que, de acordo com o art. 1687º/4 CC, o ato de Maria é nulo por
aplicação das regras relativas à alienação de coisa alheia (892º CC). Vale, nestes termos, o
regime da nulidade do art. 286º CC).

e) Em Abril de 2019, Maria vendeu a Pedro um automóvel que João tinha herdado do avô
O que é o bem? Automóvel – bem móvel (art. 205º CC)
Titularidade Bem adquirido por sucessão – bem próprio de João (art. 1722º/1 b) CC)
Administração O proprietário é administrador – João é o administrador (art. 1678º/1 CC)
Ato praticado Contrato de compra e venda – alienação
O que aconteceu aqui foi que Maria alienou um bem próprio do outro cônjuge, pelo que, de
acordo com o art. 1687º/4 CC, o ato de Maria é nulo por aplicação das regras relativas à
alienação de coisa alheia (892º CC). Vale, nestes termos, o regime da nulidade do art. 286º CC).

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Dra. Paula Vítor
Rute Garrido
2019/20

Caso prático 4:
João e Maria são casados, sem que tenham celebrado convenção antenupcial, desde 2017.
Em Janeiro de 2019, João adquiriu, numa promoção de uma agência de viagem, dois pacotes de
5 dias para ele e para Maria no valor 6 000 €.
Em Julho de 2019, João ainda não tinha pago todas as prestações e o gerente da agência quer,
assim, nomear à penhora:
a) Um automóvel no valor de 23 000 € que Maria comprou em Fevereiro de 2018, com o produto
da venda de um prédio rústico levado por ela para o casamento;
b) Uma mota levado para o casamento por João em Abril de 2016, avaliado em 5 000 €;
c) Um colar que Maria recebera pelo Natal de sua tia, no valor de 1 500 €.

Poderá o gerente levar por diante a sua pretensão?

Caso prático 5:
Ella e Luís casaram em 2010, sem terem celebrado convenção antenupcial.

Em 2017, Luís confere a Ella por mandato, o poder de administrar a sua casa de turismo de
habitação e a propriedade em que se encontra localizada, mandato que vem a revogar no ano
seguinte (2018), por considerar que houve má administração por parte de Ella.

Em 2019, para aproveitar o facto de um importante festival de música jazz e gastronomia, o


“JazzComia”, se realizar na região, programado para Maio de 2020, Ella contrai uma dívida junto
de Telónio, para custear obras de reabilitação de alguns edifícios abandonados da propriedade
de forma a convertê-los em alojamento adicional, para receber a grande vaga de turistas que se
previa.

O festival “JazzComia” foi cancelado devido à pandemia do COVID-19.

Sabendo que, para além da sua propriedade dedicada ao turismo de habitação, Luís tinha
adquirido em 2015 um pequeno estúdio com as poupanças dos seus salários e que Ella levara
um automóvel para o casamento, que bens poderão vir a responder pelo crédito que Telónio
pretende hoje ver satisfeito?

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Dra. Paula Vítor
Rute Garrido
2019/20
Temos sempre de começar pelo art. 1577º CC, o qual fala da noção de casamento enquanto
“estado de casado” mas também com “efeitos patrimoniais” (a “plena comunhão de vida”).

Estamos perante a responsabilidade por dívidas, sendo que existe um regime especial com duas
especialidades – (1) um dos cônjuges sozinho pode obrigar o outro e (2) podem responder 3
patrimónios.

A resolução passará por 4 fases:


1) Identificar o regime de bens;
2) Qualificar a dívida;
3) Identificar o titular dos bens;
4) Saber quais os bens que respondem.

) Identificar o regime de bens:


Ella e Luís casaram em 2010, sem terem celebrado convenção antenupcial. Segundo o art. 1717º
CC, na falta de convenção antenupcial, o casamento considera-se celebrado sob o regime da
comunhão de adquiridos. Este é o regime supletivo (que se aplica na falta de convenção) desde
31 de Maio de 1967.

) Qualificar a dívida:
Em relação à responsabilidade por dívidas dos cônjuges, o art. 1690º CC firma que “qualquer dos
cônjuges tem legitimidade para contrair dívidas sem o consentimento do outro”.
x Existem dívidas que responsabilizam ambos os cônjuges (art. 1691º, 1694º e 1693º/2 CC)
– respondem por tais dívidas os bens comuns e, na falta ou insuficiência destes, os bens
próprios de cada um dos cônjuges (art. 1695º/1 CC).
x Existem dívidas que são da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges (art. 1692º,
1693º/2 1694º/2 CC) – respondem por tais dívidas os bens próprios do cônjuge devedor
(art. 1696º/1 CC).

Em caso de dívidas contraídas, na constância do casamento, pelo cônjuge administrador, nos


limites dos seus poderes de administração, em proveito comum do casal (art. 1691º/1 CC), há
que tecer algumas notas:
o O “proveito comum” não se presume (art. 1691º/3 CC) e não é unicamente económico ou
material, podendo ser de outra ordem atendível (moral ou intelectual) e, para se aferir a

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existência do proveito comum deve atender-se à intenção e não ao resultado, sendo que
não basta a intenção subjetiva, sendo também necessária a observação do padrão
objetivo.
No nosso caso temos uma dívida contraída na constância do casamento (em 2019).
Precisamos de aferir o “proveito comum”, uma vez que ele não se presume (art. 1691º/3
CC) – in casu, é um interesse de ordem económica material (conseguir responder à
procura de alojamento na região), sendo que tem que se avaliar a intenção (fim visado) e
não o resultado. Ainda, no nosso caso, o cancelamento do festival frustrou a expectativas
do resultado previsto. Em relação à avaliação da intenção objetiva temos de olhar ao
padrão da pessoa média.
o Em relação à atuação do “cônjuge administrador, nos limites dos seus poderes de
administração”, temos também de tecer nota: a propriedade de turismo de habitação é de
Luís. Em regra, cada um dos cônjuges tem a administração dos seus vens próprios (art.
1678º/1 CC), sendo que, em exceção, cada um dos cônjuges rem a administração dos
bens próprios do outro cônjuge se este lhe conferir, por mandato, esse poder (art. 1678º/2
g) CC). Sucede que, no nosso caso, o mandato havia sido revogado, e, por isso, Ella não
tinha poderes de administração.
Posto isto, não se reúnem os pressupostos do art. 1691º/c) CC, pelo que, será uma dívida da
responsabilidade do cônjuge que a contraiu (art. 1692º/a) CC).

) Identificar o titular dos bens:


A propriedade dedicada ao turismo de habitação é um bem próprio de Luís.
O estúdio adquirido em 2015, por Luís, com a poupança dos seus salários é um bem comum –
art. 1724º CC.

) Saber quais os bens que respondem:


Sendo exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges, respondem por tais dívidas os bens
próprios do cônjuge devedor (art. 1696º/1 CC) e, subsidiariamente, a sua meação nos bens
comuns. Sendo que, respondem ao mesmo tempo que os bens próprios aqueles no art. 1696º/2
CC.

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Caso prático 6:
Pedro e Inês casaram em agosto de 2008, sem convenção antenupcial. Pretendem hoje requerer
divórcio por mútuo consentimento na conservatória competente.

Acordam relativamente a todas as matérias exigidas por lei para o efeito. Todavia, não se
perspetiva que o mesmo aconteça quanto à partilha dos bens.

Sabendo que:

a) Pedro levou para o casamento um terreno no valor de 100.0000€, que vendeu em Setembro de
2015 para comprar a casa em que o casal vivia;

b) Em Fevereiro de 2016, para comemorar o nascimento do seu filho João, a mãe de Inês
oferece-lhe um colar de pérolas, no valor de 10.000€;

c) Poucos meses após o nascimento do filho, Inês teve de ser submetida a uma operação
cirúrgica de urgência, durante umas férias nos EUA, no valor de €10.000, que foi totalmente
custeada por Pedro, que canalizou para o efeito todo o dinheiro de uma doação feita pelo pai;

d) Em Junho de 2016, Pedro começou a praticar snowboard e adquiriu todo o equipamento, no


valor de 4.000€;

e) Em Setembro de 2019, compraram com o dinheiro dos seus salários o computador no qual
Inês, designer gráfica, trabalha e que vale 3.000€;

f) Na data de hoje, Pedro tem uma conta em seu nome, onde deposita as poupanças dos seus
salários, no valor de 11.000€;

g) Na pendência do processo de divórcio, Pedro e Inês celebram um contrato-promessa, nos


termos do qual todos os bens que estivessem relacionados com a prática de desporto por Pedro
reverteriam para este na altura da partilha. E o que dizia respeito ao trabalho de Inês, seria para
ela. O restante seria dividido segundo as regras gerais.

Como se fará a partilha após o divórcio?

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Pedro e Inês casaram em agosto de 2008, sem convenção antenupcial. Pretendem hoje requerer
divórcio por mútuo consentimento na conservatória competente. O art. 1717º CC consagra o
regime supletivo em caso de falta de convenção antenupcial, que é o regime de comunhão de
adquiridos (regime supletivo depois de 31 de Maio de 1967). Segundo a regra geral, o divórcio
dissolve o casamento e tem juridicamente os mesmos efeitos da dissolução por morte, salvas
exceções na lei (art. 1788º CC). O divórcio é uma das formas de cessação de relações pessoais
e patrimoniais entre os cônjuges (art. 1688º CC). Os efeitos do divórcio retrotraem-se à data da
proposição da ação quanto às relações patrimoniais (art. 1789º/1 CC).

Como será feita a partilha?


De acordo com o art. 1689º CC, cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges (e, em
caso, por divórcio), os cônjuges recebem os seus bens próprios e a sua meação no património
comum.
Assim, a partilha assenta em 3 operações básicas:
x Separação de bens próprios;
x Liquidação do património comum;
x Partilha propriamente dita.

Passando, então, à resolução:


) Separação dos bens próprios:
a) Pedro levou para o casamento um terreno no valor de 100.0000€, que vendeu em Setembro de
2015 para comprar a casa em que o casal vivia. De acordo com o art. 1723º/c) é um bem próprio
(de Pedro).

b) Em Fevereiro de 2016, para comemorar o nascimento do seu filho João, a mãe de Inês
oferece-lhe um colar de pérolas, no valor de 10.000€. De acordo com o art. 1722º/1 b) é um bem
próprio de Inês.

d) Em Junho de 2016, Pedro começou a praticar snowboard e adquiriu todo o equipamento, no


valor de 4.000€. De acordo com os arts. 1724º/b) e 1725º é um bem comum.

e) Em Setembro de 2019, compraram com o dinheiro dos seus salários o computador no qual
Inês, designer gráfica, trabalha e que vale 3.000€. De acordo com os arts. 1724º/b) e 1725º é um
bem comum.

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f) Na data de hoje, Pedro tem uma conta em seu nome, onde deposita as poupanças dos seus
salários, no valor de 11.000€. De acordo com o art. 1724º/a) é um bem comum.

) Liquidação do património comum:


Temos o relacionamento de bens comuns pelo regime de bens do casamento, tendo em conta o
limite do art. 1790º CC.
Mas é preciso ver a alínea c) poucos meses após o nascimento do filho, Inês teve de ser
submetida a uma operação cirúrgica de urgência, durante umas férias nos EUA, no valor de
€10.000, que foi totalmente custeada por Pedro, que canalizou para o efeito todo o dinheiro de
uma doação feita pelo pai. Temos uma dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges (por
força do art. 1691º/1 c) CC), pela qual respondem os bens comuns do casal e, na falta ou
insuficiência deles, solidariamente, os bens próprios (art. 1695º CC); todavia, o dinheiro doado
era um bem próprio de Pedro (art. 1722º/1 b) CC). Assim, precisamos de atender ao art. 1697º
CC relativo às compensações, no nomeadamente o seu nº1. Assim, Pedro detém um crédito (de
10.000€), o qual é exigível no momento da partilha. E, dispõe o art. 1689º/3 CC que “os créditos
de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no
património comum, mas, não existindo bens comuns ou sendo insuficientes, respondem os bens
próprios do cônjuge devedor”.

) Partilha:
Precisamos de olhar para a alínea g) na pendência do processo de divórcio, Pedro e Inês
celebram um contrato-promessa, nos termos do qual todos os bens que estivessem relacionados
com a prática de desporto por Pedro reverteriam para este na altura da partilha. E o que dizia
respeito ao trabalho de Inês, seria para ela. O restante seria dividido segundo as regras gerais.
Dizemos que em regra segue-se, na partilha, o regime adotado; no entanto, temos de ter em
conta o limite em caso de divórcio que consta do art. 1790º CC “em caso de divórcio nenhum dos
cônjuges pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado
segundo o regime da comunhão de adquiridos”.
Questiona-se aqui sobre o contrato-promessa (atribuição preferencial convencional) e a sua
admissibilidade – de acordo com o art. 1730º CC, é nula qualquer disposição no sentido diverso
de que os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão. Assim, vigora a
regra da metade.

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Dra. Paula Vítor
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Caso prático 7:
Carlos faleceu em Novembro de 2010. Deixou os seus pais, António e Bárbara; a sua mulher,
Daniela; e o seu filho, Eduardo, casado com Guadalupe.
Carlos instituiu Bárbara como sua herdeira universal por testamento.
Francisco, filho de Daniela, nasceu em Dezembro de 2010.

Quem vai efetivamente suceder a Carlos?


A que título?

Justifique.

Com a morte extingue-se a personalidade jurídica (art. 68º CC), pelo que, abre-se uma crise nas
relações jurídica de que o sujeito é titular – fenómeno sucessório.
O art. 2024º CC firma que a sucessão é o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade
das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens
que a esta pertenciam.

Existem duas espécies de sucessão:


x Sucessão legal
o Legitimária (arts. 2157º e seguintes CC)
o Legítima (arts. 2131º e seguintes CC)
x Sucessão voluntária
o Contratual (arts. 2028º e 1700º e seguintes CC)
o Testamentária (arts. 2179º e seguintes CC)
Pelo art. 2026º CC, “a sucessão é deferida por lei, testamento ou contrato”.
A sucessão “abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele” (art.
2031º CC).

Para a resolução dos casos práticos vamos precisar desseguir várias etapas:
1. Saber quem são os chamados – designação sucessória;
2. Saber quem é chamado – vocação sucessória;
3. Como respondem ao chamamento;
4. (Liquidação da herança)

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5. (Partilha sucessória).

Com a morte, a “designação sucessória” converte-se em “vocação sucessória” e, por isso,


precisamos de olhar aos pressupostos da vocação sucessória:
i. Titularidade da designação sucessória prevalente;
ii. Existência do chamado
iii. Capacidade sucessória.
Vejamos cada um deles com detalhe:
i. Titularidade da designação sucessória prevalente – art. 2032º CC: “aberta a sucessão,
serão chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de
prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a capacidade necessária”. E,
a “hierarquia das designações sucessórias” é a seguinte
) Herdeiros legitimários
) Herdeiros legatários contratuais
) Herdeiros legatários testamentários
) Herdeiros legítimos

ii. Existência do chamado – o chamado tem de existir como pessoa jurídica no momento da
morte do autor da sucessão: (1) ainda tem de existir e (2) já tem de existir.
Em relação à capacidade sucessória, dispõe o art. 2033º CC que “têm capacidade
sucessória, alem do Estado, todas as pessoas nascidas ou concebidas ao tempo da
abertura da sucessão, não excetuadas por lei” e, ainda, que “na sucessão testamentária ou
contratual têm ainda capacidade a) os nascituros não concebidos, que sejam filhos de
pessoa determinada, viva ao tempo da abertura da sucessão e b) as pessoas coletivas e
sociedades”.

iii. Capacidade sucessória – o art. 2033º CC dispõe que “têm capacidade sucessória, além do
Estado, todas as pessoas nascidas ou concebidas ao tempo da abertura da sucessão, não
excetuadas por lei”. E, o art. 2034º CC determina os casos de incapacidade por
indignidade.

Vamos agora para a nossa resolução:

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Quem são os chamados?
x Os pais – são herdeiros legitimários (art. 2157º CC). No entanto, só podemos chamar, no
âmbito da sucessão legitimária, aqueles que forem chamados em virtude do
funcionamento dos princípios da sucessão legítima. Está previsto o princípio da preferência
de classes (art. 2134º CC): os herdeiros de classe superior preferem aos herdeiros de
classe subsequente. Os pais são ascendentes, mas, no elenco do artigo, estão na 2ª
classe de sucessíveis e, portanto, se tivermos descendentes a serem chamados, eles vão
ser afastados pelo princípio da preferência de classes.
x Cônjuge – é herdeira legitimária (art. 2157º CC). Esta não será afastada pelo princípio da
preferência de classes.
x Descendentes – são herdeiros legitimários (art. 2157º CC). Estes integram, a par com o
cônjuge, a 1ª classe de sucessíveis.
Em relação a Francisco é preciso tecer algumas notas – temos aqui alguém que nasce
depois da morte do marido da mãe. Mas sabemos que o filho nascido ou concebido na
constância do matrimónio tem como pai o marido da mãe – se ele nasceu ainda num
momento em que nós pudéssemos pressupor que já era concebido, então beneficia da
presunção de paternidade e se também já fosse concebido no momento da morte do autor
da sucessão. E se for filho do marido da mãe significa que C é descendente e que vai
herdar ao lado do outro filho. Como é que sabemos se isto vai funcionar? Art. 1798º CC – o
momento da conceção do filho é fixado dentro dos primeiros 120 dias dos 300 que
precedem o nascimento. Aqui, o período de conceção vai calhar dentro do casamento e,
por isso, é descendente de Carlos e, portanto, é herdeiro legitimário.
E Guadalupe? Guadalupe é afim de Carlos (casada com um parente do cônjuge). Se formos ao
elenco do art. 2157º CC não encontramos os afins. Também não o encontramos no art.2133º-
não há título legal para a chamar.

No nosso caso, a mulher de Carlos vai ser chamada (D), o seu filho F e E – para estes está
reservada a quota indisponível (legítima).

Depois de lhe serem atribuídas as suas legítimas subjetivas, há uma parte da herança de que o
autor da sucessão poderia dispor. E ele efetivamente dispôs – em testamento deixou à sua mãe
Barbara. Não vai ser chamada enquanto herdeira legitima por ter sido afastada, mas vai ser
chamada enquanto herdeira testamentária.

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Caso prático 8:
André e Beatriz casaram em 1962 no regime supletivo.
André faleceu em Novembro de 2000. Sobreviveram-lhe Beatriz, sua mulher; e Carolina e Diogo,
filhos do casal; bem como Manuel, pai de André.

Diogo faleceu em Dezembro de 2000, sem ter aceitado ou repudiado a herança de seu pai. Diogo
era casado com Filipa que lhe sobreviveu, bem como os dois filhos do casal João e Inês.

Faça a partilha, sabendo que:


1. Os bens do casal A/B foram avaliados em 80 000 €;
2. André deixou dívidas no valor de 5 000 €;
3. André fizera testamento no qual deixou a Manuel um terreno no valor de 5 000 €;
4. E que doara a Pedro, seu amigo, um quadro no valor de 10 000€.

A morre e no momento subsequente morre o filho (D).


Começamos sempre com a abertura da sucessão.
O momento subsequente é o da vocação. Quais os pressupostos?
i. Titularidade da designação sucessória prevalente;
ii. Existência;
iii. Capacidade.

Quem são chamados e a verificação dos pressupostos:


x Quanto a B (cônjuge), não se levanta qualquer questão quanto à existência nem quanto à
idoneidade. É titular da designação sucessória prevalente? Sim – é herdeira legitimária
(art. 2157º CC), integrando a 1ª classe de sucessíveis.
x Quanto a C (filho): não se levanta qualquer questão sobre a existência e capacidade.
Quanto à titularidade de designação sucessória prevalente – é herdeiro legitimário (art.
2157º CC), integrando a 1ª classe de sucessíveis.
x E D (filho que morreu 1 mês depois do pai) – poderíamos ter um problema quanto à
existência pois vem a falecer. É verdade que ele é herdeiro legitimário (art. 2157º CC) e
que não se preencha uma situação que remeta para a falta de capacidade sucessória, mas
também é verdade que quando A morre D ainda existe. Ele simplesmente faleceu sem

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poder aceitar ou repudiar. Isto significa que no momento do chamamento ele existe. Como
tal, é herdeiro legitimário e é chamado.
x Quanto a F (mulher do filho do autor): há uma relação de afinidade por isso nem sequer há
título para chamar.
x E o J e I (netos)? São descendentes. Logo, são herdeiros legitimários. Mas não são
descendentes em 1º grau e, por isso, funciona aqui o princípio da preferência dos graus de
parentesco, o que significa que são afastados.
x E M (pai do autor)? É ascendente e, portanto, é herdeiro legitimário (art.2157º CC=). Mas
funciona aqui outro princípio que o vai afastar: a preferência de classes pois está na 2ª
classe de sucessíveis e há herdeiros da 1ª classe, pelo que, serão eles os chamados.

Quem é que temos, então, a concorrer? O cônjuge e os dois filhos (C e D).

Mas, para além da sucessão legitimária e depois de satisfeitas as legitimas subjetivas de cada um
dos herdeiros legitimários, há uma parte da herança de que A podia dispor. E ele dispôs – deixou
um terreno ao pai, pelo que, o pai é legatário testamentário (não foi chamado enquanto herdeiro
mas será chamado como legatário).

A fase seguinte é a da aquisição sucessória que se dá por efeito da aceitação. Aqui há o


problema de D, falecido, não ter conseguido aceitar (art.2058º CC: se o sucessível chamado à
herança falecer sem a aceitar/repudiar, transmite-se aos seus herdeiros esse direito). Que
pressupostos é que têm que estar preenchidos?
1) Tem que haver chamamento
2) Não pode ter existido o exercício do direito de aceitar/repudiar
3) Há uma transmissão genérica aos herdeiros (todos).
Os herdeiros (de D) são o cônjuge e descendente. Apesar de ter sido D chamado, F (cônjuge), J
e I (filhos) vão ser os transmissários relativamente ao direito de aceitar/repudiar e por isso vão
aparecer no lugar de D que não exerceu o direito.

Pressupondo que todos aceitaram, vamos então calcular a massa da herança. Foram deixados
bens no valor de 80.000€; há dividas no valor de 5.000€ e há uma doação no valor de 10.000€. E
há um legado no valor de 5.000€
Os 80.000€ não integram inteiramente a herança de A – os 80000€ são bens comuns. A e B
estão casados no regime supletivo, que, no caso, é o da comunhão geral porque casaram antes

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de 1967. Se estamos perante este regime, todos estes bens integram o património comum.
Quando o casamento se extingue, a partilha é feita através da regra da metade – logo, dos
80000€ só caberão a A 40.000€ (a partilha conjugal está feita).

Como é que calculamos o cálculo da herança?


O art. 2162º CC refere-se à forma como se deve calcular a massa da herança para depois, com
base nela, se calcular a legítima. Trata-se de um modo do cálculo da herança quando existam
herdeiros legitimários. Mas a posição de Coimbra é que devemos fazer uma interpretação
corretiva do artigo – é que aqui não está uma ordem enunciada, mas antes os elementos que
temos que ter em conta para o cálculo da massa. Os credores do de cujus só podem esperar ser
pagos com os bens que efetivamente existam no seu património (e as doações já saíram do
património).
Se aplicarmos esta fórmula da massa da herança: 40.000 – 5.000+ 10.000= 45.000€. A nossa
massa da herança é de 45.000€.
Se temos herdeiros legitimários, significa que há uma parte da herança reservada para estes
herdeiros. Como é que calculamos essa parte? A quota indisponível não é sempre igual – vai
depender da categoria de herdeiros legitimários que vamos encontrar. Aqui temos um concurso
de descendentes e de cônjuges. E se procurarmos as regras da sucessão legitimária quando
temos uma situação de concurso, a quota indisponível é de 2/3 da massa da herança (30.000€),
logo, a quota disponível é 15.000€.

Distribuir a quota indisponível: o art. 2136º CC – qual é a legitima subjetiva de cada um deles? É
feita a divisão em partes iguais, o que dá 10.000€ a cada um.
O autor da sucessão pode dispor de 15.000€ - e a verdade é que dispôs de 10.000€ na doação e
5.000€ no legado ao pai.

Já não se passa para a sucessão legítima a porque já não há massa da herança para isso (ele já
dispôs de tudo).

QI (30.000€) QD (15.000€)

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AULAS PRÁTICAS DIREITO PATRIMONIAL


DA FAMÍLIA E SUCESSÕES
Dra. Paula Vítor
Rute Garrido
2019/20
B 10.000€
C 10.000€
(D) 10.000€
M 5.000€
P 10.000€

Caso prático 9:
Ângela faleceu em novembro de 2018.
Deixou:
1. Bens comuns no valor de 100.000€
2. Bem próprios no valor de 30.000€
3. Dívidas no valor de 35.000€

Sobreviveram-lhe:
a) Prudêncio, seu pai
b) Bártolo, cônjuge (com quem era casada desde 1968 no regime supletivo)
c) Carmo, sua filha; Eduardo, marido desta e a filha de ambos, Gabriela.
d) Filipe, seu neto, filho do seu filho Daniel, que havia falecido em 2009, e a viúva deste, Helena.
e) Isaura, sua filha.

Sabendo ainda que:


- Carmo faleceu dois meses depois da mãe num trágico acidente, sem ter podido aceitar ou
repudiar a herança;
- Em testamento deixara a Joana, sua sobrinha, uma joia de família no valor de 3.000€;
- Isaura fez desaparecer o testamento depois da morte da mãe;
- Todos os restantes aceitaram.

Faça a partilha.

Começamos sempre com a abertura da sucessão.


O momento subsequente é o da vocação. Quais os pressupostos?
i. Titularidade da designação sucessória prevalente;
ii. Existência;

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Dra. Paula Vítor
Rute Garrido
2019/20
iii. Capacidade.

Temos de ver cada um dos familiares:


x O pai (Prudêncio) – é herdeiro legitimário na 2ª classe de sucessíveis, sendo que quanto a
ele não parecem levantar-se problemas quanto à existência e capacidade. Todavia,
existem descendentes, os quais integram a 1ª classe de sucessíveis (herdeiros
legitimários) e, de acordo com o princípio da preferência de classes, serão chamados.
Assim, o pai será afastado do chamamento por força deste princípio.

x O cônjuge (Bártolo) – é herdeiro legitimário na 1ª classe de sucessíveis, sendo que quanto


a ele não parecem levantar-se problemas quanto à existência e capacidade. É chamado.

x Carmo (filha) – é herdeira legitimária na 1ª classe de sucessíveis, mas sucede que faleceu
2 meses depois da mãe. Apesar de isto poder parecer o problema, a verdade é que a
abertura da sucessão tem lugar no momento da morte do autor e, neste momento, Carmo
ainda era viva. Assim, ela será chamada também.

x Eduardo (cônjuge de Carmo) – é afim da autora da sucessão, logo, não é chamado.

x Gabriela (neta, filha de Carmo e Eduardo) – é herdeira legitimária na 1ª classe de


sucessíveis, sendo que quanto a ele não parecem levantar-se problemas quanto à
existência e capacidade. Sucede que vigora aqui o princípio da preferência de graus de
parentesco, logo, havendo filhos, Gabriela, que é neta, não será chamada.

x Isaura (filha) – é herdeira legitimária na 1ª classe de sucessíveis, a qual existe. Todavia


não tem capacidade uma vez que praticou um ato contra o testamento da mãe, o que é
fundamento de indignidade (art. 2034º/d) CC). A sua quota ficou vaga (não pode aceitar
por incapacidade), logo, surge o direito de acrescer (art. 2301º CC).

x Daniel (filho) – é herdeiro legitimário na 1ª classe de sucessíveis. Sucede que este morreu
antes da mãe (situação de pré-morte). Logo, temos um problema de existência.

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Rute Garrido
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x Filipe (neto, filho de Daniel e Helena) – é herdeiro legitimário na 1ª classe de sucessíveis,
sendo que quanto a ele não parecem levantar-se problemas quanto à existência e
capacidade. Sucede que vigora aqui o princípio da preferência de graus de parentesco,
logo, havendo filhos, Filipe não seria chamado. Todavia, o seu pai faleceu (antes da avó)
e, por força do art. 2039º CC chama Filipe em representação do pai, por ser seu
descendente, uma vez que o pai não pôde aceitar a herança porque não existia.

x Helena (cônjuge de Daniel) – é afim da autora da sucessão, logo, não é chamada. Não
será também chamada em representação do marido falecido porque o art. 2039º CC
apenas chama os descendentes.

x Joana (sobrinha) – é legatária testamentária.

Segue-se agora a fase de aceitar ou repudiar a herança.


Sabemos que todos aceitarem, no entanto, Carmo (filha) faleceu antes de conseguir aceitar – é
chamada que não pôde aceitar. Assim, de acordo com o art. 2058º CC, transmite-se o seu direito
de aceitação aos seus herdeiros. Como tal, serão chamados Gabriela e Eduardo como seus
herdeiros.

Sobre os cálculos em si:


Temos bens comuns no valor de 100.000€, pelo que, temos de proceder à partilha conjugal,
determinando a meação do cônjuge falecido (art 1730º CC): 100.000÷2=50.000€.

A massa da herança calcula-se da seguinte forma: MH = (Bd - Div) + D. De bens deixados (Bd)
temos 50.000€+30.000€ (=80.000€); de dívidas (div) temos 35.000€ e de doações temos 0. Logo,
a MH=45.000€.

Os chamados foram (1) cônjuge (B); (2) Carmo (nas pessoas dos seus herdeiros Eduardo e
Gabriela) e (3) Filipe (em representação do pai Daniel que faleceu). Estamos, portanto, perante
os herdeiros legitimários na 1ª classe de sucessíveis (cônjuge e descendentes), havendo um
concurso entre eles.

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Assim, havendo concurso, aplica-se o art. 2159º CC, segundo qual a legítima é de 2/3 ou seja,
2/3 x 45.000€=30.000€. Isto é a quota indisponível, a qual será distribuída, por cabeça, pelos
herdeiros legitimários. Por sua vez, a quota disponível é de 15.000€ (45.000€ - 30.000€).
QI (30.000€) QD (15.000€)
B 10.000€
C 10.000€
F 10.000€
J 3.000€

Há um remanescente de 12.000€ (15.000-3.000 = 12.000€) de quota disponível. Assim, abre-se a


herança legítima, sendo o valor divididos por B, C e F.
QI (30.000€) QD (15.000€)
B 10.000€ 4.000€
C 10.000€ 4.000€
F 10.000€ 4.000€
J 3.000€

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Direito Patrimonial da Família e Sucessões § Aulas práticas, 2019-2020, Prof. Dr.ª Rosa Cândido
Martins
João Pedro da Silva Domingues

Aula 1- 18 de março de 2020

OS EFEITOS PATRIMONIAIS DO CASAMENTO

Caso prático 1
João e Maria pretendem celebrar casamento segundo um regime de bens diferente do regime
supletivo. Para tanto, celebraram, em Dezembro de 2018, por escritura pública, convenção
antenupcial onde estipularam o seguinte:
1.º- O regime de bens do casamento será o da separação de bens até ao 5.º aniversário de
casamento; depois dessa data passará a ser o regime da comunhão geral;
2.º - Os cônjuges não se obrigam mutuamente ao dever de fidelidade.
3.º - O salário de cada um dos cônjuges será considerado bem próprio.
Aprecie o valor desta convenção, sabendo que:
a) Maria tem 22 anos de idade e o casamento foi celebrado em janeiro de 2019;
b) Maria tem 62 anos de idade;
c) Maria e João celebraram casamento em Janeiro de 2020.

Introduzindo a disciplina, vimos já o casamento enquanto estado, os efeitos que este opera.
Esses efeitos podem ser de origem pessoal (1) ou de origem patrimonial (2). De cariz pessoal ou
patrimonial, portanto (vimos os efeitos pessoais em Direito da Família e dos Menores). O casamento,
enquanto vida em comunhão, em plena comunhão, também engloba uma comunhão de interesses
patrimoniais – por isso temos efeitos patrimoniais.

Ora, o casamento é um contrato celebrado entre duas pessoas que pretendam constituir família
numa plena comunhão de vida (...), artigo 1577.º – este estado de casado tem vários efeitos sobre as
pessoas, como vimos já, e sobre os bens dos cônjuges (os que estudaremos). Temos esta plena
comunhão de vida a refletir-se na comunhão espiritual e pessoal, mas também numa comunhão de
interesses patrimoniais. Estes efeitos patrimoniais, vamos notar, (o direito da família é um direito
especial) farão várias vezes com que apliquemos regras especiais, constantes do livro IV do Direito
da Família do CCivil. Por exemplo, quanto à determinação da propriedade dos bens, aplicamos as
regras de regimes de bens em que os cônjuges tiverem casado (afastando-nos das regras dos direitos
reais). Derrogamos muitas vezes regras gerais para aplicar regras especiais – regras especiais
porque estamos perante plena comunhão de vida, temos uma proximidade existencial entre os

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cônjuges, uma partilha de vida entre eles que leva a que haja reflexos nos efeitos patrimoniais
(diferente do que ocorre na união de facto em que essa partilha é reconhecida, mas não ao ponto de
se refletir nos aspetos pessoais e nem nos efeitos patrimoniais; estes são tratados como dois
estranhos ao nível patrimonial, o que difere do casamento, que se afasta das regras gerais.

Além das regras gerais temos também princípios gerais – princípio da igualdade dos cônjuges
[1] (que já vimos nos efeitos pessoais, mas que resgatamos nesta matéria), que terá influência em
várias soluções dos efeitos patrimoniais do casamento (artigo 36.º/3 CRP). O legislador sentiu
necessidade de transpor este artigo para o CCivil, veja-se o artigo 1671.º. Temos também o princípio
da autonomia da vontade [2] – isto porque efetivamente, ao contrário do que acontecia nos efeitos
pessoais em que tínhamos predomínio de normas imperativas e em que os cônjuges não têm escolha
para escolher os seus deveres pessoais, nos efeitos patrimoniais vemos maior liberdade, podendo
dizer que funciona de alguma maneira este principio consagrado no 405.º CCivil. Ou seja, os
nubentes ou esposos, antes do casamento, cônjuges já depois deste, podem em principio escolher o
seu regime de bens.

O REGIME DE BENS será o conjunto de regras que rege as relações patrimoniais entre os
cônjuges, entre eles e terceiros; diga-se, o conjunto de regras que determina a propriedade dos
bens dos cônjuges, sejam estes de um, de outro ou de ambos.
Como é que os cônjuges fazem isto? Através de um contrato que á a CONVENÇÃO
ANTENUPCIAL, como veremos.

Ora, uma pessoa casa e depois é outra, juridicamente outra. É outra a condição da sua
pessoa, como é outra a situação dos seus bens, Pereira Coelho.

Clarificando, uma coisa é ser-se proprietário de um bem quando se é solteiro, sendo que quando
se casa altera essa condição dos bens e dos poderes sobre esse bem.

O REGIME SUPLETIVO (a que o caso prático faz menção) é aquele que a lei fornece aos
nubentes quando eles não tenham escolhido um regime de bens ou ao escolher através da
convenção antenupcial, esta seja inválida/ ineficaz – este é entre nós, desde 1967, o REGIME
(artigo 15.º que aprova o CCivil de 66) DA COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS (é o que vigora hoje em
dia). A lei não quer que os cônjuges fiquem sem regime para os seus bens, tanto que se eles não
escolherem ou esta escolha não produzir efeitos, a lei oferece um regime, aquele que se considera
mais adequado, sendo este o mais regulado - artigo 1717.º CCivil.

Portanto, no nosso caso eles não querem esse regime, celebrando uma convenção antenupcial
em dezembro de 2018 por escritura pública. Temos uma convenção antenupcial, que é um
contrato entre os nubentes (esposos) que tem por fim fixar o regime de bens para vigorar e
disciplinar as relações patrimoniais entre os cônjuges, entre eles e terceiros, para fixar a
João P. Domingues 2

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propriedade de cada um dos bens. É um CONTRATO ACESSÓRIO AO CASAMENTO, que o


prepara e que está ao lado deste para auxiliar os cônjuges quanto aos efeitos patrimoniais.
A eficácia da convenção vai depender de termos um casamento existente e válido – se for
inexistente ou inválido, então a convenção não é eficaz, vai caducar (temos um dos casos de
caducidade da convenção).

Quando estamos perante uma convenção antenupcial temos de ter várias questões em conta:
⇒ [1] Se quem celebrou a convenção tem CAPACIDADE para a celebrar, artigo 1708.º. Tem
capacidade para a celebrar aqueles que tiverem capacidade para contrair casamento (artigos
1600.º e seguintes que nos falam da capacidade para casar). Temos de ver se há ou não
algum impedimento ao casamento; no caso efetivamente não há impedimentos ao casamento,
este não nos diz nada sobre isso, portanto, partimos do pressuposto que os nubentes tinham
capacidade para casar e celebrar a convenção;
⇒ [2] A FORMA da convenção, artigo 1710.º. Estas são válidas se celebradas por declaração
prestada perante funcionário do registo civil ou por escritura pública; são estas duas
formas – o principio que vale para os negócios jurídicos é o da liberdade de forma, mas se a
lei exigir certa forma especial, será necessário cumpri-la sob pena de nulidade; portanto, a
convenção é um contrato que tem forma especifica – ou declaração perante funcionário da
conservatória ou escritura pública. Só estas duas formas são admitidas – não o poderá ser
por escrito particular ou documento autenticado. Temos de ter atenção, então, à forma – isto
porque se a convenção for inválida por vicio de forma, se houver nulidade por vicio de forma,
toda esta é nula, é como se não houvesse convenção. E assim aparece o artigo 1717.º
que diz que na falta de convenção o regime que vale é o supletivo, o regime da comunhão de
adquiridos;
⇒ [3] Temos também de ver da PUBLICIDADE – as convenções, ao regerem o regime de bens,
têm uma importância grande para terceiros que se relacionam patrimonialmente com o
casal, é importante para um terceiro credor saber qual o regime de bens para saber que bens
servem de garantia às dividas dos cônjuges, por isso é que a convenção de ser publicitada
através do registo, artigo 1711.º. O n.º 2 esclarece-nos que outras pessoas que intervenham
na escritura da convenção ou os herdeiros dos cônjuges, não são considerados terceiros;
⇒ [4] Temos depois o TERMO OU CONDIÇÃO, que são duas cláusulas que influenciam a
eficácia do contrato; o termo condiciona a eficácia do contrato/ a produção de certos
efeitos a um acontecimento futuro mas certo, uma data precisa (20 de março de 2025 por
exemplo). Por sua vez, a condição diz respeito um acontecimento futuro e incerto
(nascimento de um filho, um dos cônjuges começar a trabalhar, por exemplo). Vide o artigo
1713.º. Em relação a terceiros o preenchimento da condição não tem efeito retroativo –
se houver condição que esteja na convenção, dizendo que vigora certo regime de bens e que
a partir da verificação desse acontecimento futuro e incerto temos outro regime a vigorar, então,
nas relações com terceiros, mesmo que estas venham a findar depois de verificada a condição,
o regime que valerá será o que diz respeito ao tempo da celebração do negócio, a

João P. Domingues 3

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condição não tem eficácia retroativa, será sempre perante o primeiro regime de bens
que têm efetivamente de resolver o problema. Pode parecer que esta mudança de regime
dentro da própria convenção, atenta contra o principio da imutabilidade do regime de
bens (artigo 1714.º) – as exceções a este são as previstas no artigo 1715.º. A aposição de
termo ou condição que faz mudar o regime de bens não é contrária, no entanto, a este principio.
Isto porque ela já consta da própria convenção, não é outro contrato que os cônjuges
venham a celebrar e que mude o regime de bens e que possa prejudicar terceiros. Estes, em
principio, se a convenção tiver sido registada devem estar a contar com essa alteração, estando
na convenção uma cláusula que a ela se refere.
⇒ [5] Temos de ter em conta que as convenções são REVOGÁVEIS ATÉ À CELEBRAÇÃO DO
CASAMENTO (revogabilidade), artigo 1712.º - todas as pessoas que intervieram na
convenção e podem não ser só os nubentes ou esposos, podendo ser terceiros que querem
fazer doações a estes nubentes ou os nubentes a terceiros e os respetivos herdeiros, têm
todos de consentir na revogabilidade. Pretende-se que a convecção esteja estável, que os
cônjuges depois de casados se revejam o mais possível na convenção, por isso a podem
revogar e modificar até à celebração do casamento, mas a partir desta celebração deixamos
de ter esta possibilidade.
⇒ [6] A CADUCIDADE da convenção, artigo 1716.º, ocorre se o casamento não ocorrer dentro
de um ano da sua celebração ou, tendo sido celebrado, vier a ser declarado nulo ou
anulável. Portanto, é importante este prazo de um ano. A contar da celebração da convenção,
o legislador quer que ela seja atual e espelhe a vontade dos cônjuges em relação ao regime
de bens e outro conteúdo que esta pode ter (veremos); portanto não quer que decorra mais de
1 ano para ela ser atual.

Quanto ao CONTEÚDO DA CONVENÇÃO temos o princípio da liberdade de escolha do regime de


bens (artigo 1698.º). Podem escolher cada um destes regimes, talvez não sendo muito prático
escolher o regime de comunhão de adquiridos uma vez que na falta de convenção ou em caso de
nulidade o regime será precisamente este. Portanto será estranho escolher este regime sendo este
o regime supletivo (mas pode acontecer).
Para além de podermos escolher um dos regimes previstos no Código, a lei diz que podem as
partes estipular – a margem de liberdade é ampla na medida em que podem escolher um regime
novo dentro dos limites da lei, não violando normas imperativas, quer combinando regras de vários
regimes (podem misturar, ter um regime misto, artigo 1698.º. Esta ampla liberdade sofre restrições
(veja-se o artigo 1699.º/1).
A convenção pode ter um conteúdo que não seja estritamente patrimonial, já o dissemos – a
convenção não tem só um conteúdo patrimonial, mas também pessoal e, portanto, pode haver
cláusulas de conteúdo pessoal. Mas temos restrições a este conteúdo no artigo 1699.º - a estipulação
da comunicabilidade dos bens nos termos, por remissão, do artigo 1733.º (que já está incluído no
regime da comunhão geral – há certos bens que, pela sua especial ligação a um dos cônjuges, não
entram na comunhão). Quanto às regras de administração dos bens, também não podem estas ser

João P. Domingues 4

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alteradas. Temos estas restrições ao conteúdo. Esta enumeração da lei não é taxativa, podendo
haver outras cláusulas em que conseguimos perceber a violação de uma norma imperativa; e ao violá-
la, podemos ir pela razão de ser deste artigo e considerá-las nulas. Isto quanto ao conteúdo da
convenção antenupcial.
Passemos ao caso propriamente dito:
a) Maria tem 22 anos de idade e o casamento foi celebrado em janeiro de 2019;
Vamos supor que efetivamente não há questões relativamente à capacidade para celebrar
casamento e sabendo que celebraram a convenção de acordo com uma das formas previstas na
lei (artigo 1710.º) – não havendo, portanto, vícios de forma que levam à nulidade da convenção (artigo
220.º CCivil) –, também não a tinham revogado até ao casamento (artigo 1712.º), mantendo-se esta,
e celebraram o casamento no prazo de um ano contado a partir do prazo da celebração da
convenção, não caducando esta nos termos do artigo 1716.º.
Temos agora de apreciar clausula a cláusula para ver o que estabelece a convenção. Dizer
ainda que há duas exceções a estes principio da liberdade de escolha dos regimes de bens (artigo
1720.º e artigo1699.º/2 – casos imperativos, em que a lei não dá ampla liberdade aos nubentes,
restringe-a). Temos dois casos de imperatividade absoluta em que a lei não deixa alternativa aos
cônjuges, ficando CASADOS NO REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS:
⇒ caso dos CASAMENTOS URGENTES (artigos 1720.º e 1622.º ss);
⇒ quer DO CASAMENTO CELEBRADO POR QUEM TENHA 60 ANOS DE IDADE OU MAIS.
Nestes casos a lei impõe a separação de bens, não oferecendo alternativa. Isto são casos de
imperatividade absoluta; temos depois um caso de imperatividade relativa que é o do artigo 1699.º/2
– quem tiver filhos, mesmo que maiores ou emancipados (que não estejam dependentes dos pais),
não pode celebrar o casamento segundo o regime da comunhão geral (pode misturar regimes,
escolher um novo, mas não celebrar sobre este regime; e também não pode estipular a
comunicabilidade dos bens a que se refere o artigo 1722.º – a lei não quer proibir a comunhão
geral e não proibir a comunicabilidade destes bens próprios; a lei quer que os nubentes não
defraudem a lei. Será que esta solução faz sentido hoje com os casamentos ou com as pessoas que
casam em união de facto? Veremos adiante, indica a Dr.ª Rosa.

Ora, víamos, temos de apreciar cláusula por cláusula – §1.ª, o regime será o da separação de
bens até ao 5.º aniversário do casamento e depois passa a ser o da comunhão geral. Temos aqui
a escolha de um regime de bens que é o da separação de bens. Não temos aqui falta de convenção,
não temos por que aplicar o regime supletivo. Portanto, neste caso há uma escolha, não se recorrendo
à regra do regime supletivo; também não estamos perante um caso de imperatividade relativa ou
absoluta – podem escolher um regime que é o da separação de bens num primeiro momento. A
esta escolha apõem um termo (artigo 1713.º). A aposição de termo ou condição é válida – aqui o
termo é um acontecimento futuro/ certo (o 5.º aniversário de casamento) que vai acontecer, se casarem
hoje dá-se no dia 18 de março de 2025. Portanto, esta cláusula é válida – durante 5 anos temos o
regime da separação de bens, depois vale o regime da comunhão geral. Podiam ter trocado, não há
aqui nenhuma ordem. O que se pensa é que primeiro podem as partes experimentar o casamento,

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para ver se estava sólido o suficiente, neste regime e depois dessa data (sendo que há mais divórcios
dentro dos primeiros 5 anos de casamento) levar essa comunhão mais longe, mas isto não é uma
ordem obrigatória a ser observada.

§2.ª, relativamente ao dever de fidelidade – tem isto a ver com o conteúdo da convenção e os
seus limites, artigo 1699.º/1 e artigo 1672.º. O dever de fidelidade é um dos deveres conjugais
previsto no artigo 1672.º e aqui, no artigo 1699.º, diz-se que não pode ser objeto de alteração na
convenção antenupcial (al. b). Por exemplo, também se estiverem em causa alterações às regras das
responsabilidades parentais, invocamos este artigo. Esta norma do artigo 1699.º/1 é imperativa e,
portanto, uma cláusula que a contrarie é nula – as normas que contrariem normas imperativas são
nulas (artigo 294.º CCivil). Em principio esta cláusula é nula, havendo possibilidade de redução nos
termos do artigo 292.º.

§3.ª, salário como bem próprio – não há problema nesta cláusula enquanto vigorar a separação
de bens (artigo 1735.º); esta cláusula não choca com o regime da separação de bens, mas quando
se verificar o termo, passamos a ter um regime de comunhão geral e aqui todos os bens são
património comum; esses salários seriam também bens comuns. Haveria aqui contradição? Não –
pode-se introduzir modificações aos regimes tipos, escolhendo aqui como base o regime da comunhão
geral, sendo esta cláusula uma cláusula de separação de bens (temos um regime misto, uma
combinação de regimes, sendo a cláusula válida)

b) Maria tem 62 anos de idade


Trata-se de um caso de imperatividade absoluta em que a lei não deixa alternativa aos
cônjuges, impondo-lhes determinado regime que é o da separação de bens. A lei fá-lo nos
casamentos urgentes e a quem tenha completado 60 anos. São situações em que a lei desconfia
deste casamento urgente celebrado sem processo preliminar, celebrado à pressa (para evitar que
haja alguma intenção de enriquecer com o casamento, a lei impõe que ele seja celebrado segundo o
regime da separação). Quanto a quem tenha mais de 60 anos, temos de pensar no legislador de 66 e
ainda na reforma de 77, em que as pessoas de 60 anos tinham outra postura perante a vida e a velhice
relativamente à que têm hoje. Relativamente a pessoa de 60 anos, nos dias correntes, não pensamos
que tenha a sua capacidade diminuída ou que seja manipulada por um cônjuge mais novo que tentasse
enriquecer com o casamento – indica a Dr.ª Rosa que hoje esta solução não tem sentido, podendo
haver violações quanto ao direito ao desenvolvimento da personalidade, podendo haver violação
da CRP (artigo 26.º). Hoje é uma limitação, para quem tenha 60 anos de idade e que volte a casar
(depois do divórcio nomeadamente), que parece já não ter muito sentido. Não podem, portanto,
escolher um regime, ficando obrigados a casar segundo o regime da separação de bens (artigo
1720/1.º, al. b))
c) Maria e João celebraram casamento em Janeiro de 2020.
Os nubentes não cumpriram o prazo de 1 ano e por isso a convenção caducou nos termos do
artigo 1716.º; a razão desta caducidade é a atualidade desta convenção para que se possam rever

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no regime que escolheram. Como esta caducou vamos aplicar o artigo 1717.º do CCivil que nos diz
que na falta de convenção antenupcial ou no caso de caducidade ou ineficácia da convenção, o
casamento considera-se celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos, regime supletivo
1
(artigo 1721.º e ss).

1
Nota: como veremos, estas regras dos efeitos patrimoniais do casamento, são regras especiais em relação ao regime das obrigações
e direitos reais, das coisas. Na responsabilidade por dividas por vezes aplicamos regras diferentes, que visam apenas o casamento e
nos direitos reais também veremos que haverá desvios a estas regras à aquisição dos bens. Temos aqui uma comunhão de vida,
uma plena comunhão de vida pessoal e espiritual que tem reflexos em termos patrimoniais. Por causa desta especial relação é que
vamos ter regras diferentes daquelas que temos em relação a pessoas estranhas uma à outra. Na união de facto, apesar de ser
considera convencionada em condições análogas à dos cônjuges, os unidos de facto são, para efeitos patrimoniais, considerados dois
estranhos (não se aplicam estas regras, aplicamos as regras dos direitos reais e dos direitos das obrigações). Perceberemos esta
desproteção devido à partilha de vida que fazem; ao aplicarmos as regras gerais a estes casos, vamos muitas vezes prejudicar um
membro mais vulnerável/ parte mais fraca, não sendo a melhor solução. O casamento dá uma proteção maior a estas questões.

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Aula 2 - 25 de março de 2020

Caso prático 2
Vitória e Alberto casaram em 2015, sem terem celebrado convenção antenupcial.
a) Alberto, ávido praticante de hipismo, levara para o casamento um apartamento e um
cavalo, o Gota.
b) Em 2016, o pai de Vitória faleceu, tendo esta herdado um vasto terreno num
empreendimento algarvio, que vendeu no mesmo ano. Com parte do produto da venda, adquiriu
a Quinta do Império.
c) Em 2017, Alberto venceu uma prova de saltos no Ascote-de-Baixo Champions Tour tendo
recebido um prémio, que se traduziu numa soma em dinheiro.
d) Em 2018, com o restante valor que resultou da venda do terreno herdado por Vitória e
com igual valor proveniente do prémio recebido por Alberto, foi adquirida uma primeira
edição com anotações do autor do livro de Charles Dickens, Oliver Twist.
e) Em 2018, Alberto recebeu uma indemnização avultada por lhe ter sido amputado uma
perna na sequência de um trágico acidente.
f) Até ao ano passado, arrendaram a estudantes o apartamento que Alberto levara para o
casamento, recebendo a renda mensalmente.
Diga a que massa patrimonial pertencem os bens referidos.

g) Na sequência do seu acidente, Alberto abandonou a prática desportiva. Vitória, terapeuta,


passou a utilizar o Gota, para desenvolver um programa de equoterapia com crianças com
problemas de desenvolvimento. Após o início desta prática, passou a tomar todas as decisões
quanto ao tipo de treino e cuidados do cavalo Gota. Pode fazê-lo?

h) Como Alberto abandonou qualquer atividade, Vitória confere-lhe por mandato, o poder de
administrar a sua quinta, onde organiza eventos. Alberto realiza uma série de obras. Vitória
considera que houve má administração por parte de Alberto e pretende responsabilizá-lo. Pode
fazê-lo?

i) Alberto aplica o remanescente do dinheiro do prémio de hipismo numa conta bancária a prazo.
Pode fazê-lo?

j) Neste momento, Alberto encontra-se na Índia. O seu voo foi cancelado, sem perspetivas de
voltar, em virtude da paralisação originada pela pandemia do Covid-19. O apartamento que Alberto
levou para o casamento é atingido por um incêndio no seu prédio e fica gravemente danificado.

Temos sempre de saber qual o regime de bens em que casaram – em certos casos este vai-nos
condicionar. A lei entende que é muito importante aos casais ter um regime de bens – o regime de
bens como conjunto de regras que determina qual o conteúdo das massas patrimoniais de certo

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casamento, que fixa quais os bens próprios e quais os comuns. Não querendo a lei deixar os
cônjuges sem regime de bens, na falta de convenção ineficácia ou invalidade desta, o casamento
considera-se celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos. Considera-se que este é o
regime mais adequado à plena comunhão de vida – este regime é caraterizado por ter três massas
patrimoniais – a dos bens próprios de um, a dos bens próprios de outro e a dos bens comuns.
Para qualificar os bens e dizer qual a massa patrimonial a que pertencem temos de saber o regime
de bens em que os cônjuges casaram. No caso prático não se diz o regime que escolheram – não se
diz expressamente que casaram em certo regime. Casaram em 2015 sem convenção antenupcial; a
primeira coisa a fazer é saber o regime de bens em que os cônjuges casaram (isto é o primeiro a
ter em mente). O casamento é um contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir
família mediante plena comunhão de vida, artigo 1577.º. Os efeitos patrimoniais do casamento
fazem parte do estado de casado. Estas regras da composição das massas patrimoniais são diferentes
das regras dos direitos reais, porque a situação da plena comunhão de vida e interesses entre os
cônjuges leva a que haja uma comunhão de interesses patrimoniais.

Em que regime casaram? O artigo 1717.º indica que na falta de convenção, ou no caso de
caducidade, invalidade ou ineficácia desta, o casamento considera-se celebrado sobre o regime da
comunhão de adquiridos – artigos 1721.º e ss. A nossa lei entende que é tão importante terem um
regime de bens que quando não há convenção ou esta acaba por caducar, ser inválida ou ineficaz, a
lei oferece o regime da comunhão de adquiridos, considerando-o o mais ponderado, melhor
conseguido, com maiores equilíbrios para os cônjuges. Este regime tem três massas patrimoniais, ou
seja, conseguimos encontrar neste três massas patrimoniais, como já vimos. Temos de tentar
enquadrar os bens em cada uma destas massas. É diferente este regime do regime da comunhão
geral – uma vez que em principio serão, neste último, todos os bens presentes e futuros comuns.
É também diferente do regime da separação de bens, em que cada um fica com os bens que
levou para o casamento e que adquirir na constância do casamento. Na comunhão geral os bens
são sempre comuns – os que levou, adquiriu, etc.

Este regime da comunhão de adquiridos não foi sempre o regime supletivo – passou a sê-lo a
partir de 31 de maio de 1967, vide o artigo 15.º do DL que aprovou o CCivil de 66. O regime supletivo
era o regime da comunhão geral até 31 de maio de 67.
Ainda: o regime da comunhão de adquiridos vem regulado nos artigos 1721.º ss e tem várias
regras onde se definem os bens próprios e os bens comuns. E a regra essencial deste regime, à volta
do qual todas as exceções gravitam, é a do artigo 1724.º (regra do regime da comunhão de adquiridos)
- artigo à volta do qual giram todos os outros que são exceções a este caso.
Portanto, temos que vir sempre a esta regra e ver se temos uma exceção – se a tivermos não
aplicamos a al. b); se não tivermos, então o bem terá de ser comum nos termos da al. b). Se ligarmos
esta norma ao artigo 1722.º, que nos fala dos bens próprios – são comuns os bens adquiridos a
titulo oneroso na constância do casamento; os bens gratuitos ou que cada um levar não são
bens comuns. A regra é a de que os bens comuns serão o trabalho dos cônjuges e depois todos os

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bens adquiridos onerosamente na constância do casamento. Só se torna comum depois do casamento,


o bem adquirido a titulo oneroso, porque a ideia é dar uma especial atenção ao esforço conjunto,
à colaboração dos cônjuges. A não ser que estes bens tenham uma especial ligação ao cônjuge que
os adquiriu. Temos também uma regra do regime da comunhão de adquiridos que é a de que os
cônjuges participarem por metade no ativo e no passivo da comunhão (artigo 1730.º) – nulidade
de qualquer estipulação que diga que o cônjuge recebe 30% ou 40 % do património comum –
recebem metade do valor do património comum e metade do ativo e do passivo. Recebem o valor da
metade. A lei recusa a possibilidade de uma partilha desigual.

A possibilidade de os cônjuges adotarem o regime da comunhão de adquiridos é esta. Mas


também podem os nubentes escolher o regime da comunhão de adquiridos quando visem um
regime misto.

Estamos, então, a ver o regime de bens; no caso:

a) Temos aqui dois bens que foram levados para o casamento por Alberto, ou seja, o seu titulo de
aquisição é anterior à data da constituição da comunhão. Nos termos do artigo 1722.º/1 são
considerados bens próprios do cônjuge os bens que cada um tiver ao tempo da celebração do
casamento (al. a)). Se o titulo da aquisição é anterior ao casamento, esse bem é próprio, são bens
que se encaixam, que se qualificam na massa patrimonial dos bens próprios de Alberto. Não temos
problemas de maior aqui. É uma exceção ao artigo 1724.º.

b) Temos aqui que ir por vários passos – o terreno é um bem que vem a Vitória depois do casamento,
mas por sucessão, o que, nos termos do artigo 1722.º, b) configura também bem próprio. Quem
adquire por sucessão herança ou legado adquire gratuitamente. As coisas complicam-se um pouco
com o produto da venda – estamos a agarrar no terreno e a vendê-lo a alguém que nos vai dar
dinheiro. Simplesmente a conexão entre o bem que foi vendido e o preço é ostensiva – foi porque
alienou aquele bem que ela o tem. A aquisição do dinheiro e a perda do bem advêm do mesmo
facto. Por isso não temos problemas em considerar este bem como próprio – artigo 1723.º, b). O
dinheiro que resulta da venda é o preço de um bem próprio e, portanto, é bem próprio. A
aquisição do bem e o dinheiro procedem do mesmo ato jurídico – é um bem sub-rogado, um bem no
lugar de outro (é como se tivéssemos o terreno, e o dinheiro que ocupa o seu lugar).

Quanto à quinta – vamos ter aqui mais alguns problemas; reparemos que aqui se a lei, nestas
situações de bens sub-rogados, no lugar de bens próprios, não dissesse que os bens obtidos
com benfeitorias ou dinheiro de um dos cônjuges continuam a ter a qualidade de bem próprio,
acontecia que com dinheiro próprio se ia adquirir um bem oneroso na constância do casamento,
portanto, um bem comum. Isso levava a injustiças. Aqui a conexão não é ostensiva – temos perda
do bem próprio, a aquisição do dinheiro e com este a aquisição de outro bem. O que os terceiros que
estão de boa fé vêm é dinheiro obtido, não se sabe como, e depois a quinta, pelo que pode haver

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razões para entender que se aplicaria o artigo 1724.º, b) e que o bem seria comum. Para que isso não
aconteça temos o artigo 1723.º, c), apesar de se fazerem certas exigências – se este artigo é para
proteger a expectativa de terceiros, eles precisam de saber que essa conexão não é ostensiva, mas
existe.
Se nada tivesse sido dito na lei o bem era comum; mas temos o artigo 1723.º c) que diz que
conservam a qualidade e bens próprios os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com
dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou
valore seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento
equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges.

Por isso a lei exige três coisas – venda do bem próprio e aquisição de novo bem com o
produto da venda do primeiro (funciona a exceção do artigo 1723.º, al. c)) [1]; é preciso que seja
mencionada a proveniência do dinheiro [2] (explicar no documento de aquisição, no documento
através do qual se compra o bem a proveniência do dinheiro); é preciso que intervenham ambos os
cônjuges [3]. Estes requisitos existem para proteger terceiros que confiam na presunção de
comunhão do artigo 1724.º.

O Dr. Pereira Coelho entende que estas exigências legais só têm sentido quando estamos
perante interesses de terceiros; quando não os há deve-se permitir que a proveniência do
dinheiro seja provada por qualquer meio. Isto porque muito poucas pessoas sabem desta regra.
Quando há questões de partilhas é que muitas vezes se colocam estes problemas – se na partilha não
houver terceiros envolvidos na aquisição do bem, então basta provar por prova testemunhal, por
exemplo, de onde vem o dinheiro; far-se-á, claro está, a prova de que o bem é próprio. Esta questão
foi muito debatida, houve várias posições, mas a jurisprudência vem fixar-se com o Ac. de
Uniformização de Jurisprudência n.º 12/2015, dizendo-se que: «Estando em causa apenas os
interesses dos cônjuges, que não os de terceiros, a omissão no título aquisitivo das menções
constantes do art. 1723.º, c) do Código Civil, não impede que o cônjuge, dono exclusivo dos meios
utilizados na aquisição de outros bens na constância do casamento no regime supletivo da comunhão
de adquiridos, e ainda que não tenha intervindo no documento aquisitivo, prove por qualquer meio, que
o bem adquirido o foi apenas com dinheiro ou seus bens próprios; feita essa prova, o bem adquirido é
próprio, não integrando a comunhão conjugal».

c) Prémio desportivo – o que interessa neste prémio? Interessa que foi um prémio ganho, convertido
em dinheiro, com o esforço de Alberto. Ele é que se preparou, trabalhou, para concorrer a este
torneio e recebeu este prémio. Podemos integrar este prémio nos bens integrados no produto do
trabalho dos cônjuges, al. a). Este prémio integrará o produto do trabalho dos cônjuges que é
bem comum do casal artigo 1724.º. Se estivesse em causa, por exemplo, uma lotaria ganha por um
dos cônjuges, temos algo que um cônjuge fez - neste caso também seria bem próprio e não se aplica
a possibilidade de ser bem comum. Podia-se eventualmente fazer a remissão para o 1733.º; teríamos

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de fazer uma interpretação analógica no sentido de indicar que tal seria bem proveniente do trabalho
dos cônjuges.
(confirmar solução)

Temos aqui a venda do terreno que é bem próprio; o preço do bem próprio é de igual valor ao do
prémio; o prémio é comum. Não podemos aqui integrá-lo seja na al. a) seja na al. b) do artigo 1724.º.
Há aqui uma exceção a essa alínea que nos pode servir – os bens adquiridos com dinheiro ou bens
próprio e dinheiro ou bens comuns, artigo 1726.º. Portanto, se digamos que o valor do terreno que é
bem próprio fosse 50.000€ e o do prémio fosse 70.000€ - tínhamos duas prestações diferentes de bens
próprios e comuns e o bem seria considerado comum – porque a maior prestação seria efetivamente
bem comum. Se temos um bem adquirido em parte com valores próprios e em parte com valores
comuns, como vamos qualificar esse bem? Temos de ver o artigo 1726º CCivil. A qualificação
dependerá de qual o valor for mais elevado.

d) Temos aqui bens próprios por disposição da lei. O artigo 1733.º fala de bens incomunicáveis, e que
se excetuam da comunhão vários bens – al. d). Embora este artigo seja da comunhão geral (em que
todos os bens são comuns), por maioria de razão faz também sentido que na comunhão de adquiridos
estes bens sejam próprios. Portanto, este bem seria um bem próprio de Alberto.

e) As rendas são frutos civis, artigo 212.º. As rendas entram aqui, são frutos civis que a coisa produz
em consequência de uma relação jurídica que se estabelece entre arrendatário e proprietário. Que
valor têm? Serão bem próprio ou comum? Temos vários artigos – artigo 1728.º, fala-se em bens
adquiridos por virtude da titularidade de bens próprios; a própria lei indica que os frutos são
bens comuns, podemos daqui retirar uma exceção. Os frutos, a contrario, são bens comuns,
segundo este regime que é uma exceção à regra do artigo 1724.º. Da mesma maneira, no artigo 1733.º
temos bens incomunicáveis – veja-se o número 2. Significa que no regime da comunhão geral
também os frutos não são incomunicáveis. E se no regime em que todos os bens são comuns
os frutos não se comunicam, por maioria de razão temos a ideia de que os frutos são bens
comuns e não bens próprios e, portanto, as rendas seriam bem comum.

f) Na sequência do seu acidente, Alberto abandonou a prática desportiva. Vitória, terapeuta, passou a
utilizar o Gota, para desenvolver um programa de equoterapia com crianças com problemas de
desenvolvimento. Após o início desta prática, passou a tomar todas as decisões quanto ao tipo de
treino e cuidados do cavalo Gota. Pode fazê-lo?

g) Como Alberto abandonou qualquer atividade, Vitória confere-lhe por mandato, o poder de
administrar a sua quinta, onde organiza eventos. Alberto realiza uma série de obras. Vitória
considera que houve má administração por parte de Alberto e pretende responsabilizá-lo. Pode
fazê-lo?

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Neste caso temos aqui um bem de um dos cônjuges que passa a ser usado pelo outro como
instrumento de trabalho e após isso o outro cônjuge passa a tomar decisões quanto ao cavalo. Pode
fazê-lo?
[resposta conjunta às questões g) e h)]

Temos um regime especifico de administração dos bens dos cônjuges. Estas regras não são
propriamente imperativas, na medida em nos termos do artigo 1678.º, um dos cônjuges pode atribuir
poderes de administração por vida de mandato a outro. Temos aqui mais uma vez o principio da
igualdade – a lei não define um cônjuge como administrador dos bens. E também na administração
dos bens próprios e comuns – temos de os definir de acordo com o 1678.º; os próprios são
administrados pelo seu proprietário; quanto aos comuns, a regra é a de que é a administração é
conjunta. Quais as exceções? N.º 1 e n.º 2.

Quanto ao cavalo, este é bem próprio e a regra é a de que cada um dos cônjuges tem administração
dos bens próprios. Exceção – cada um dos cônjuges tem ainda a administração (...) dos bens móveis,
próprios do outro cônjuge ou comuns, por ele exclusivamente utilizados como instrumento de trabalho
- artigo1678.º/2, al. e).

Portanto, Vitória também seria administradora, podendo tomar decisões.

A quinta é bem próprio de Vitória e cada um tem administração dos seus bens próprios (artigo 1678.º/1
– mas temos a exceção do artigo 1678.º/2, g), pode conferir mandato ao outro cônjuge. Reparemos
que na al. f) e g) se diz “dos bens próprios do outro cônjuge” – devemos interpretar que por maioria de
razão se se considera que um cônjuge pode administrar os bens do outro, se pode o mais, também
poderá o menos, que é administrar os bens que em parte serão seus, os bens comuns.

Todavia, Alberto é administrador e faz uma má administração. Como é a responsabilidade pela


administração dos bens? Temos regras especiais – artigo 1681.º que nos diz que o cônjuge que
administra bens comuns ou próprios do outro não é obrigado a prestar contas na sua administração,
mas responde pelos atos intencionalmente praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge. Só
responde com os atos praticados com culpa em prejuízo do casal ou do outro cônjuge; não se
abarca a omissão e tem de haver intenção, não mera negligência, tendo também de haver
prejuízos.
Nos termos do número 2, a administração funda-se em mandato (no caso houve mandato) –
de acordo com as regras do mandato (artigo 1157.º ss), artigo 1183.º, o mandatário não responde pela
falta de cumprimento das obrigações assumidas pelas pessoas com quem haja contratado, a não ser
que no momento da celebração do contrato conhecesse ou devesse conhecer a insolvência dela.
Temos aqui a responsabilidade do mandatário. Aplicam-se as regras do mandato, mas o legislador
não é tao exigente, ele diz que o administrador só tem de prestar contas e entregar o respetivo saldo
relativo aos atos praticados durante os últimos 5 anos.

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h) Alberto aplica o remanescente do dinheiro do prémio de hipismo numa conta bancária a prazo.
Pode fazê-lo?
Alberto aplica o dinheiro numa conta bancária – a regra é a da administração conjunta, bem comum
(artigo 1678.º/3, pelo que é necessário o consentimento de ambos. Mas temos uma exceção – o bem
era comum porque era proveniente do trabalho dos cônjuges e diz o artigo 1678.º/2, al. a) que a
administração dos proventos dos proventos recebidos pelo seu trabalho cabe a cada um dos cônjuges.

j) tendo ele levado o prédio para o casamento, trata-se de um bem próprio – artigo 1722.º, al a) e
sabemos que em regras de administração, quem administra os seus bens é o proprietário (via de
regra), artigo 1778.º/1. Não se aplica a exceção do 1678.º/2, f) porque esta é para situações mais
permanentes. Aplicamos antes as providencias administrativas do artigo 1679.º - o cônjuge que não
tem administração dos bens não está inibido de tomar providências a ela respeitantes, se o outro se
encontrar, por qualquer causa, impossibilitado de o fazer, e do retardamento das providências puderem
resultar prejuízos.

Se Vitória não tomar providencias o prédio pode ruir e, portanto, ela poderá tomar providências ao
abrigo do artigo 1679.º para que não haja prejuízos – temos uma situação temporária do cônjuge
proprietário de tomar providencias. Ela não é administradora, mas está habilitada a tomar providências
porque se trata de um caso urgente. É algo semelhante à gestão de negócios que já conhecemos do
direito das obrigações.

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Aula 3 – 1 de abril de 2020


ILEGITIMIDADES CONJUGAIS

Caso prático 3

João e Maria celebraram casamento em Março de 2015. Em Junho de 2014, tinham celebrado
convenção antenupcial por declaração prestada perante o funcionário do registo civil onde
estipularam que até ao nascimento do primeiro filho o regime de bens seria o da separação de bens,
e depois desse momento o regime da comunhão de adquiridos.
a) Em Fevereiro de 2017, Maria, sem conhecimento de João, constitui uma hipoteca sobre a
casa onde o casal vivia e que lhe tinha sido oferecida por seus pais antes do casamento.
Em Abril de 2017, nasce Pedro, filho de João e de Maria.
b) A 3 de Julho de 2017, Maria e João compraram a Nuno um apartamento sito em Coimbra.
A 1 de Setembro de 2017, Maria deu de arrendamento (sem conhecimento de João) este
apartamento a jovens médicos ou enfermeiros para conseguir complementar o rendimento
do casal.
c) Em Fevereiro de 2018, Maria vendeu um quadro que ornamentava uma parede da casa
onde morava com João e que tinha sido por ela levado para o casamento.
d) Em Maio de 2019, João herdou de seu tio Manuel, médico radiologista, vários aparelhos
de rx. Maria, também ela médica radiologista, passou a utilizá-los no seu consultório, desde
Junho de 2019, e em Janeiro de 2020, vendeu alguns desses aparelhos a Sara, sua
colega. Pronuncie-se sobre os atos praticados por Maria e por João, considerando que
apenas hoje deles tomaram conhecimento.

Para resolver um caso de ilegitimidades conjugais temos de ter em mente o que aprendemos sobre
regimes de bens e administração. Em primeiro lugar, em qualquer caso temos sempre de identificar o
regime de bens,.

1. Identificar o regime de bens;


2. Identificar e classificar o bem que está em causa;
3. Identificar o titular /proprietário;
4. Identificar administrador;
5. Classificar o ato – saber se se trata de uma alienação (doação, compre e venda etc.) ou
oneração, ou dar de arrendamento;
6. Apreciar legitimidade para a prática do ato;
7. Saber se e como se pode reagir – sanação para a prática de um ato sem legitimidade;
8. Solução.

Temos de resolver o problema quanto ao regime de bens que estipularam – primeiro temos de
verificar da validade da convenção antenupcial, se há capacidade, se foi respeitada a forma,
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publicidade em determinados casos (quando houver relações com terceiros), se houve aposição de
termo ou condição, revogabilidade, capacidade e conteúdo.
Quanto à convenção:
Supomos que reuniram os requisitos de capacidade (nada é dito), tendo a convenção sido celebrado
por uma das formas previstas (declaração perante funcionário do registo civil), não há vicio de forma
que leve à sua nulidade, não a tendo derrogado até ao casamento e nem este foi declarado nulo, não
caducando a convenção. Temos a escolha do regime da separação de bens, não é um caso de um
regime imperativo. Temos a escolha de um regime tipo e a aposição de uma condição – nascimento
do primeiro filho que é valida.

Temos a partir do momento da verificação desta cláusula o regime da comunhão de adquiridos


– a partir de abril de 2017, uma vez que nasce Pedro. Ainda em fevereiro de 2017 não se verificou a
condição, estando os cônjuges casados no regime da separação – artigos 1735.º e 1736. O bem em
causa é um bem imóvel, mas é um bem particular – a casa de morada de família. Esta casa foi
oferecida pelos pais de Maria antes do casamento, é um bem que esta levou para o casamento,
é um bem próprio desta – artigo 1735.º, quem administra? O proprietário é também administrador,
pelo que Maria é administradora (seguindo a regra do artigo 1678.º).

A) Ela constituiu uma hipoteca – um direito real de garantia -, ela onerou aquele bem, bem
que é próprio dela. Pode fazê-lo? Averiguemos da legitimidade. Quando temos bens imóveis,
artigo 1682.º, sublinhar que é para MÓVEIS, NÃO IMÓVEIS; o artigo 1682.º- A é que diz
respeito a imóveis, diferenciar.

O 1682.º- B diz respeito ao arrendamento – quando um cônjuge ou os dois tenham tomado


de arrendamento certo imóvel, com esse direito ao arrendamento o que podem fazer? É disso
que aqui se trata.

Estamos a falar aqui da alienação – quando um bem sai de um património ou vai para outro,
ou o gozo do bem fica diminuído porque há uma oneração, isto no âmbito do artigo 1682.º-A;
SUBLINHAR O SALVO SE – há aqui uma exceção, carece do consentimento dos cônjuges os
vários atos sobre bens imóveis ou comuns, mas isso só se os regimes forem de comunhão de
adquiridos ou comunhão geral.
Carece do consentimento de ambos os cônjuges (al. a), a alienação, oneração, arrendamento
ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis próprios ou comuns.

No n.º 2 temos que a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos


pessoais de gozo sobre a casa de morada de família carece SEMPE do consentimento de
ambos – em qualquer regime de bens em que os cônjuges estejam casados. No n.º 1
temos uma exceção – atos que precisam do consentimento, mas só se estiverem casados no

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regime da comunhão de adquiridos ou na comunhão geral; a regra para a casa de morada


de família é diferente – seja qual o regime, tem de haver sempre consentimento.
No nosso caso havia oneração de um bem imóvel próprio, num regime de separação de
bens. Nos termos do 1682.º-A teríamos uma ilegitimidade conjugal, MAS TRATA-SE DA
CASA DE MORADA DE FAMILIA – portanto, a casa de família é onerada e tem de o ser
com o consentimento do outro, mesmo que casados no regime da separação de bens
(n.º2).
Portanto, Maria carece do consentimento de João uma vez que se trata da casa de morada de
família – ela não tem legitimidade para praticar este ato.

O que acontece quando há uma ilegitimidade? Artigo 1687.º - os atos praticados contra o
disposto no n.º 1 e 3 do artigo 1682.º, 1682.º-A e 1682.º-B, e no n.º 2 do artigo 1683.º são
anuláveis a requerimento do cônjuge que não deu o seu consentimento ou dos seus
herdeiros. Assim sendo, o ato de Maria é anulável, vai contra o artigo 1682.º-A e esta pode ser
requerida por quem? A requerimento do cônjuge que não deu consentimento ou herdeiros
(artigo 1687.º).

Ainda está a tempo João de exercer o direito de anulação? Temos de averiguar do prazo
para poder pedir a anulação – n.º 2, temos aqui uma linha de tempo, 6 meses a partir do
conhecimento do ato. A partir da prática do ato temos 3 anos. Para que o cônjuge que quer
anular esteja a tempo temos de ver os 2 prazos – o dos 3 anos primeiro, se quando ele quer
anular já passaram ou não 3 anos. Se virmos que não, vemos quando teve conhecimento e a
partir daí tem 6 meses. Pode acontecer que o prazo dos 3 anos acabe antes do conhecimento
e aí já não pode requerer a anulabilidade do ato.
Há várias possibilidades. Neste caso ele não está a tempo – o direito teria de ser exercido
após o conhecimento. Ele conhece hoje e teria 6 meses, MAS NUNCA DEPOIS DE 3 ANOS
DA PRÁTICA DO ATO - foi praticado em fevereiro de 2017, teria até 17 de fevereiro de 2020.
Se já passaram 3 anos da prática do facto, não tem agora 6 meses para exercer o direito, isto
porque temos dois prazos cumulativos.

A prática do ato foi a 17 de fevereiro 2017, tem até fevereiro de 2020 – este prazo já terminou,
há um mês. Portanto, se ele hoje tem conhecimento, embora a lei lhe diga que tem 6 meses,
já não pode exercer o direito. Por exemplo, se ele tivesse conhecimento a 17 de fevereiro, só
tinha esse dia para propor a ação

B) Verifica-se agora a condição e o regime passa a ser o da comunhão de adquiridos. Esta


condição é uma cláusula que se pode apor à convenção, que é a verificação de um
acontecimento futuro e incerto que faz mudar o regime de bens. Já vimos que esta é
válida. Temos, portanto, um casamento já não celebrado segundo o regime da separação de

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bens, mas segundo o regime da comunhão de adquiridos. Temos de passar pelos mesmos
passos – é um bem imóvel o apartamento, artigo 204.º/1, al. a). É importante a verificação da
condição. É um bem adquirido onerosamente na constância do casamento, bem comum,
portanto (artigo 1724.º, al. b)).

A administração é a administração conjunta, artigo 1678.º/3 (regra para os atos de


administração extraordinária). Quanto ao ato de dar de arrendamento, pode este não ser um
ato de administração extraordinária. Pode ser muitas vezes de administração ordinária, no que
diz respeito à normal frutificação do bem. A lei entendeu que este ato, por aquilo que
representava, e pelo facto de os frutos de um bem imóvel próprio ou comum serem bens
comuns, necessita do consentimento de ambos os cônjuges.

Embora fosse um ato que podíamos considerar ato de administração ordinária, a regra no
arrendamento é a administração conjunta uma vez que a lei no artigo 1682.º-A indica que este
é um ato que produz frutos.

É um bem imóvel, adquirido onerosamente na constância do casamento (estão em regime


da comunhão de adquiridos) e, portanto, sendo assim, é um bem comum, artigo 1724.º, b) –
a administração cabe aos dois, será em princípio administração conjunta, que é para atos de
administração extraordinária (é que o arrendamento pode não ser um ato de administração
extraordinária; mas dar de arrendamento produz frutos pelo que cabe a administração a ambos
os cônjuges).

Maria não teria legitimidade para a prática do ato – o arrendamento de bens comuns carece
do consentimento de ambos os cônjuges (1682.º-A/1, al a)). Era bem comum, Maria
necessitava do consentimento de João.
Este ato é anulável, nos termos do artigo1687.º a requerimento de João que não deu o
consentimento (artigo 1687.º/1). Está a tempo? Sim – o direito pode ser exercido nos 6 meses
após conhecimento do ato – ele conhece hoje e, portanto, ao fazê-lo tem 6 meses, mas nunca
depois de 3 anos da prática do ato. Se foi a 1 setembro de 2017, tem até 1 setembro 2020. Os
6 meses inserem-se dentro dos 3 anos da prática do facto.

C) Já se verificou a condição e estamos no regime da comunhão de adquiridos. O quadro é bem


imóvel nos termos do artigo 205.º, faz parte do recheio da casa de morada de família. É bem
imóvel e é um bem que (artigo 203.º) integra o mobiliário, que se destina ao ornamento da casa
da morada de família. Os bens que fazem parte do recheio da casa de morada de família têm
um regime especial – ainda que apenas sirvam para ornamentar a casa. Este bem é próprio,
levado para o casamento por Maria. A administração cabe a Maria, administradora, 1682.º/1 e
o ato é uma compra e venda, ela alienou. Tem legitimidade para a prática do ato? Não – artigo
1682.º, temos uma administração que quando é extraordinária carece do consentimento de

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ambos; os atos de administração ordinária não necessitam de consentimento. Veja-se o n.º 3,


al. a) – trata-se de móveis usados por ambos os cônjuges vida do lar.
Portanto, o ato vai ser anulável de acordo com o artigo 1687.º a requerimento de João que não
deu consentimento. Estará dentro do prazo? O direito pode ser exercido em 6 meses, mas
nunca depois de 3 anos da prática do facto – temos até fevereiro de 2020. Ele tem até
setembro, 3 anos finda em fevereiro de 2021, tem conhecimento em março de 2020, tem 6
meses, artigo 1687.º/2. Primeiro temos de ver os 3 anos e depois ver se os 6 meses cabem
dentro dos 3 anos. Se couberem ele tem efetivamente os 6 meses. Agora se o prazo acabasse
em setembro, o dos 3 anos, e ele conhecesse em julho, ele tinha 3 meses.

D) Temos novamente a questão da verificação da condição. Os aparelhos são bens móveis nos
termos do artigo 205.º, e foram adquiridos por sucessão na constância do casamento, são bens
próprios de João – artigo 1722.º/1. Quanto à administração, temos aqui a regra - o proprietário
é o administrador, o administrador é João. O ato aqui é a alienação, não é dar de arrendamento.
O proprietário é o administrador, mas temos uma exceção quanto a esta questão – artigo
1678.º/1. Maria, a partir de junho de 2019 passa a ser administradora do bem porque
passa a usá-lo exclusivamente como instrumento de trabalho.

Terá Maria legitimidade para a prática do ato? Não – artigo 1687.º/4 e artigo 286.º CCivil. A
alienação ou oneração de bens próprios do outro cônjuge sem legitimidade são aplicáveis as
regras relativas à alienação de coisa alheia. O artigo 1687.º remete para o artigo 892.º.

O Dr. Pereira Coelho entende que este “feita sem legitimidade” é se ele não tiver qualquer
ligação ao bem, se não for administrador. Um cônjuge que aliena bem ou onera do outro, mas
de que é administrador, tem uma ligação ao bem que faz com que a sanção não seja tão dura,
que seja a anulabilidade e não a nulidade. Íamos aplicar o regime do artigo 1687.º, um regime
especial em relação ao regime da anulabilidade dos termos gerais.

Veja-se: artigo 1687.º/4 remete para o artigo 892.º e vamos ainda assim para o regime geral
da anulabilidade. “Feita sem legitimidade” – se está a alienar ou onerar um bem que não é
próprio, é feita claramente sem legitimidade. Então o Dr. Pereira Coelho pensou no que quis o
legislador - ele quis que fosse sem alguma ligação ao bem; ou seja pensou no caso do cônjuge
que embora não seja proprietário é administrador (e sendo-o tem especial ligação) e, tendo o
cônjuge especial ligação com o bem, ao administrar pode aliená-lo, onerá-lo porque está na
administração. Então a sanção não deve ser tão rigorosa, não deve ser a da nulidade. Deve
valer o regime da anulabilidade do 1687.º/1.

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Aula 4 - 22 abril de 2020


RESPONSABILIDADE POR DÍVIDAS

Caso prático 4
João e Maria são casados, sem que tenham celebrado convenção antenupcial, desde 2017.
Em Janeiro de 2019, João adquiriu, numa promoção de uma agência de viagem, dois
pacotes de 5 dias para ele e para Maria no valor 6 000 €.
Em Julho de 2019, João ainda não tinha pago todas as prestações e o gerente da agência
quer, assim, nomear à penhora,
a) Um automóvel no valor de 23 000 € que Maria comprou em Fevereiro de 2018, com o
produto da venda de um prédio rústico levado por ela para o casamento;
b) Uma mota levada para o casamento por João em Abril de 2016, avaliada em 5 000 €;
c) Um colar que Maria recebera pelo Natal de sua tia, no valor de 1 500 €.
Poderá o gerente levar por diante a sua pretensão?

Sabemos que se há uma venda a prestações e não se pagando uma delas vencem-se as
outras, ficando-se em divida.
Este caso prático é um caso de responsabilidade por dividas – que nos remete para a questão de
saber quem é responsável por esta divida, quais os bens que vão responder. Para isso devemos
proceder a estes passos, para resolver um caso desta natureza:

1. Identificar regime de bens;


2. Qualificar a divida – saber se é própria de um dos cônjuges, da exclusiva responsabilidade
de um (regra geral do direito das obrigações – o património do devedor é garantia geral das
obrigações nos termos do artigo 601.º; quem contrai uma divida, a não ser que haja
consentimento de outrem para se associar na responsabilidade, é responsável, não arrasta
ninguém para essa responsabilidade); ou se é uma divida de ambos os cônjuges, essas é
que são especiais;
3. Identificar titular dos bens – bens que o credor quer nomear à penhora;
4. Saber quais os bens que efetivamente respondem.

Esta matéria das dividas é uma matéria especial em que encontramos vários desvios à regra do
direito das obrigações, às regras gerais – o direito matrimonial consagra um direito especial.

Temos duas especifidades – um cônjuge sozinho pode obrigar os dois (um dos cônjuges pode
sozinho, sem o consentimento do outro, por contração de divida, arrastar a responsabilidade ao outro
cônjuge); no direito geral das obrigações ninguém é arrastado para uma divida a não ser que dê
consentimento. A segunda especificidade é que podem responder outros patrimónios, não só o do
devedor – no regime da comunhão de adquiridos pode responder o património próprio de um, de outro

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e ainda o património comum. Estas são as varias especialidades que diferem do regime geral do direito
das obrigações.
Temos estas especialidades no direito matrimonial porque a plena comunhão de vida, a proximidade
existencial em que se encontram os cônjuges, leva a que também na responsabilidade por dividas haja
regras especiais que façam com que estas questões se tratam de maneira diferente e não como se os
cônjuges se tratassem de dois estranhos – essa comunhão de vida, que também se reflete numa
comunhão de interesses patrimoniais tem reflexo no regime das dividas.

Resolução do caso prático:


1. Regime de bens – neste caso são casados desse 2017 sem convenção antenupcial.
Normalmente temos os nubentes a escolher o regime de bens através da convenção. Mas
sabemos que esse contrato acessório do casamento, se não existir, os cônjuges não deixam
de ficar sem regime de bens, a lei oferece o regime supletivo se não tivermos um caso de
imperatividade absoluta ou relativa. Não havendo sinais de imperatividade, aplica-se o
regime supletivo. O regime supletivo é entre nós o da comunhão de adquiridos. Desde 31
de maio de 1967, sabemos isso olhando para o artigo 1717.º e artigo 1721.º ss do CCivil. O
primeiro passo, de identificar o regime de bens, está dado – estão casados no regime da
comunhão de adquiridos que tem a particularidade de ter três patrimónios – comuns, próprios
de um de outro, João e Maria. Temos três patrimónios que podem vir a responder por uma
divida.

2. Qualificar a divida – temos primeiro de atender aos princípios gerais da responsabilidade por
dívidas – artigo 1690.º.
a. Artigo 1690.º/1 – qualquer um dos cônjuges tem legitimidade para contrair dividas sem
consentimento do outro; quer isto dizer que um deles pode contrair sozinho uma
divida e arrastar o outro. Esta regra é muito importante. Não há necessidade do
consentimento do outro cônjuge, não se pratica nenhuma ilegitimidade conjugal ao
contrair uma divida;
b. Artigo 1690.º/2 – para averiguar qual a responsabilidade, se é de um ou ambos, temos
de ver a divida e qual a sua data. Se foi antes ou depois do casamento, e a data
do facto que lhe deu origem, não a data em que ela vai ser executada.
Temos dois tipos de dividas – dividias da exclusiva responsabilidade de um e dividas da
responsabilidade de ambos. As primeiras são aquelas que são mais ou menos iguais às dividias do
direito geral das obrigações, embora ainda haja algumas especificidades - artigos 1692.º, 1693.º/2,
1694.º/2.

Por estas dívidas respondem os bens próprios de cada devedor, em primeira linha - dividas
contraídas antes do casamento ou depois da celebração do casamento por cada um dos
cônjuges sem o consentimento do outro. Antes do casamento não há relação matrimonial que faça
com que a divida seja da responsabilidade de ambos; depois do casamento, sem consentimento,

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normalmente o cônjuge tem legitimidade para contrair a divida, mas não para arrastar – mas atenção,
fora dos casos das al b) e c) – dividas para ocorrer aos encargos normais da vida familiar e em
proveito comum.

Se contrair sozinho sem consentimento ou antes do casamento, a divida é da sua responsabilidade.


Depois do casamento temos de ver essa divida vai cair nas hipóteses de dividas relativas a encargos
ou proveito comum. Se não conseguirmos encaixar a divida contraída por um dos cônjuges em cada
uma destas alíneas, então a divida será da exclusiva responsabilidade do cônjuge que a contraiu. Não
se verificando estas circunstâncias serão dividas de cada um dos cônjuges.

Estas são dividas que em principio poderiam seguir as regras do direito geral das obrigações, são
dividas anteriores ou posteriores ao casamento.

Al. b) do artigo 1692.º – dividas provenientes de crimes (...), são da exclusiva responsabilidade
de um dos cônjuges, salvo se estes factos implicando responsabilidade meramente civil estiverem
abrangidos pelo disposto nos números 1 ou 2 do artigo 1691.º. Temos aqui penas de multa, custas,
indemnizações, restituições, etc. Estas dividas são da exclusiva responsabilidade de cada um,
ressalvando-se aqui os factos que implicam responsabilidade meramente civil e praticados pelo
cônjuge dentro dos seus poderes de administração em proveito do casal – temos nestes casos uma
divida que afinal responsabiliza ambos. Se assim não for, se não entrarmos na parte do salvo se
temos responsabilidade de apenas um dos cônjuges.

Al c), que remete para o artigo 1694.º/2 – salvo se tiverem como causa a perceção dos respetivos
rendimentos – se um imóvel que, por exemplo, é dado de arrendamento e temos aqui frutos civis e o
cônjuge não tiver pago IRS sobre essas rendas, pode ser um caso de responsabilidade de ambos.

Depois temos ainda o artigo 1693.º/1.

Quais os bens que respondem por estas dividas? Os do artigo 1696.º - em primeiro lugar
respondem os bens do cônjuge devedor ou então se não os tiver, a sua meação nos bens
comuns. Todavia, respondem ao mesmo tempo que os bens próprios do cônjuge devedor:
→ Al. a), os bens por ele levados para o casal ou posteriormente adquiridos a título gratuito; se
estivermos num regime de comunhão geral serão bens comuns, mas têm uma especial ligação
com o cônjuge devedor pelo que também devem responder por esta divida,
→ Al. b), o produto do trabalho e os direitos de autor do cônjuge devedor;
→ Al. c), se houver subrogação dos bens levados pelo casal, estes também respondem.
Não podemos esquecer da regra do n.º 1 e da exceção do n.º 2 – respondem também ao mesmo
tempo que os bens próprios estes bens comuns. A meação vai ser aquela parte do valor dos bens que
corresponde a metade do património comum.

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Temos ainda o artigo 1697.º que é um artigo importante que diz que quando por dividas da
responsabilidade de ambos tenham respondido bens de só um destes, este torna-se credor do outro
cônjuge pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer. E atente-se ainda no número 2 -
reparemos que o património comum respondeu por uma divida da exclusiva responsabilidade de um
dos cônjuges, divida essa que devia ser paga por bens próprios do devedor; se não havia bens
suficientes foram os bens comuns que responderam. Então o património comum ficou empobrecido em
relação ao património próprio – porque teve de pagar a divida. Então no momento em que se vai
proceder à partilha no momento da dissolução do casamento temos um crédito do património
comum a favor do património próprio – durante o casamento há uma conta corrente que se fecha
no momento da partilha – n.º 2.

⇒ As dividas da responsabilidade de ambos são as previstas no artigo 1691.º/1 e 2, 1694.º/1


e 2 1693.º/2
o Artigo 1691.º, al. a) – não há duvidas quanto a este tipo de dividas; são dividas
contraídas pelos dois, ambos respondem; se é contraída por um, mas com
consentimento, também não há especialidades, respondem os dois. Mas estas
dividas se forem contraídas pelos dois ou com o consentimento do outro podem ser
anteriores ao casamento. E aqui qualquer que seja o regime de bens, são ambos
responsáveis.

o Artigo 1691.º, al. b) – divida particular da vida conjugal e do direito matrimonial. As


dividas contraídas por qualquer cônjuge, que um pode contrair sozinho, antes ou
depois do casamento para ocorrer aos encargos da vida familiar, são da
responsabilidade de ambos – esta pode ser contraída só por um e este arrastar a
divida ao outro. É uma divida para ocorrer aos encargos normais da vida familiar. Que
tipo de dividas são? São despesas de pequeno montante, que temos de relacionar
com o padrão socioeconómico do casal – ver se tem certo rendimento ou um maior
e ver quais as dividas de pequeno montante. Depois têm de ser correntes ou
periódicas – despesas, por exemplo, com alimentação, vestuário, idas ao médico, etc.
Aqui vejamos que estas dividas, para além desta caraterística, podem ser dividas
contraídas antes ou depois do casamento e qualquer que seja o regime de bens;
aqui o regime de bens não traz nada de novo, não há especial ligação deste tipo de
dividas a um regime de bens.
Durante algum tempo, sobretudo nos anos 90, havia muito dinheiro e era normal as
pessoas trocarem de carro de 2 em 2 anos. Aconteceu que se pôs no Tribunal da
Relação de Lisboa a questão de saber se a aquisição de automóvel era ou não
divida para responder aos encargos da vida corrente – um automóvel,
relativamente ao padrão socioeconómico de um casal, temos dificuldade em
considera-lo divida de pequeno montante e depois a sua periodicidade não é a que se
vê todos os meses, não há grande periodicidade. Por isso se julgou que esta

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aquisição não era encargo normal da vida familiar. Mas reparemos que pode ser
antes ou depois do casamento – se antes do casamento para ocorrer aos encaros
normais da vida familiar contrai divida, já vivem juntos e têm agua e luz para pagar,
então essas dividas são da responsabilidade comum. Se depois houver casamento e
vier a ser pedido o pagamento, essas dividas contraídas antes também são da
responsabilidade de ambos os cônjuges porque são para ocorrer aos encargos da vida
familiar.

o Artigo 1691.º, al. c) – aqui temos que parar para perceber esta divida em proveito
comum. Esta divida em proveito comum tem certos pressupostos – tem de ser
contraída na constância do casamento, durante o casamento, já estando os
cônjuges casados. Depois, é contraída pelo cônjuge administrador (remeter para os
artigos 1678.º e 1679.º) – o cônjuge administrador de certo bem. A divida tem de estar
conexionada com certo bem e é o administrador desse bem que efetivamente pode
contrair a divida. Nos limites dos sus poderes de administração – são as ilegitimidades
conjugais – remeter para o artigo 1682.º e ss que vimos que diziam respeito às
ilegitimidades conjugais. E em proveito comum do casal. O nosso código na parte
patrimonial, é um código que vem de 67, diz respeito a uma sociedade bastante rural,
a maior parte das nossas questões no proveito comum, sucessões, etc., são questões
que diziam respeito a imóveis e prédios rústicos – está muito construído o direito
patrimonial à volta desta ideia e podemos ter efetivamente dívidas que não sejam
propriamente assim.
O que é o proveito comum? É efetivamente o favorecimento do casal. O proveito
comum não se presume, diz o artigo 1691.º/3, a não ser nos casos em que a lei o
declarar – caso da al. c), temos uma presunção de proveito comum, mas não o
tendo os outros casos é o credor que tem de provar o proveito comum. Salvo nos
casos da al. d) em que há inversão do ónus da prova. O proveito comum também não
tem de ser de ordem económica ou material – pode ser de ordem moral, uma divida
para participar numa peregrinação, por exemplo; para aferir da existência deste
proveito comum não antedemos ao resultado – este até pode ser desastroso, o
cônjuge pode pensar que ia ter lucros e veio a ter prejuízos. O que vai dizer se a divida
é em proveito comum é a intenção e não o resultado – é a intenção de proveito
comum que vai determinar se consideramos a divida de proveito comum ou não. E
intenção do cônjuge comum era de favorecer o casal. Mas esta intenção subjetiva do
cônjuge devedor não basta, temos de aferir acerca de uma intenção objetiva – temos
de usar como o critério, saber se a divida que foi contraída tendo em atenção o proveito
comum do casal, se o era também aos olhos de uma pessoa média, medianamente
diligente, segundo as regras da experiência e das probabilidade normais, se essa
dividia podia favorecer o casal. O Dr. Pereira Coelho costuma dar o exemplo do
cônjuge que em Coimbra queria estabelecer uma plantação de bananas e fazia um

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empréstimo e queremos saber se proveito comum ou não – a intenção ele é de proveito


comum, quer favorecer o casal. Mas em Coimbra não há bananas, qualquer pessoa
mediana, média segundo as regras da experiência e da probabilidade normal verifica
que neste clima não há condição para desenvolver uma plantação de bananas. Temos
intenção subjetiva, mas não intenção objetiva, que nos diz que não pode haver
proveito comum do casal, não há divida em proveito comum – teríamos de ir para
uma divida da exclusiva responsabilidade do cônjuge que a contraiu.

o Artigo 1691.º, al. d) - é uma alínea que visa tutelar os interesses do comércio em
desfavor dos interesses da família, para conseguir uma facilitação na obtenção do
crédito porque se alarga aqui a garantia dos credores do cônjuge comerciante
uma vez que passa a ser o património comum aquele que é responsável em
primeira linha – artigo 15.º CComercial, remeter. As dividas contraídas por qualquer
dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se não forem contraídas em proveito
comum ou se vigorar regime da separação de bens, são da responsabilidade de
ambos. É difícil porque há aqui uma presunção de proveito comum nos termos do
artigo 350.º - é o o cônjuge do devedor que tem de fazer prova do proveito comum.
Como se pode ilidir? Aqui a proteção do comércio não foi mais além, não estabeleceu
uma presunção inilidível, é possível o cônjuge do devedor fazer prova em contrário
– afastar a presunção do artigo 15.º, estar casado em espaçarão de bens, por exemplo,
aqui não há ideia de proveito comum. A separação de facto, o facto de não estarem
em comunhão de leito, mesa e habitação, chegou a ser usada como tentativa de dizer
que não há proveito comum, mas a jurisprudência e a doutrina concluem que não é
suficiente a separação de facto para que não haja proveito comum e que o cônjuge
pode efetivamente pagar alimentos ao outro.

o Artigo 1691.º, al. d), que remete para o artigo 1693.º/2 - estas dividas são da
responsabilidade de ambos. Pensamos no regime da comunhão geral - bens
adquiridos por sucessão ou doação que se integram no património comum, estamos a
pensar na comunhão geral. Ou então se houver uma cláusula de comunicabilidade
entre certos bens recebidos a titulo gratuito. Se por força do regime de bens
adotado ou pela existência de uma cláusula de comunicabilidade estes bens
ingressarem no património comum, estas dividas são da responsabilidade de ambos
os cônjuges. Pode ser aceitar um bem legado, onerado com uma divida que seja de
valor elevado que o outro cônjuge não queira estar a assumir, porque nem pode dar
consentimento relativamente a essa aceitação. O que pode fazer o cônjuge do
aceitante? A responsabilidade pelas dividas é comum sem prejuízo do direito que tem
o cônjuge do titular do direito de impugnar o seu cumprimento; imaginemos que alguém
recebeu uma casa que está em ruinas e quis aceitar esse bem numa sucessão por
uma questão meramente sentimental, mas a casa não tem valor – não foi pago o IMI

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dessa casa e há aqui uma divida elevada pela qual seriam responsáveis ambos os
cônjuges porque o bem é comum. O cônjuge do aceitante pode impugnar o pagamento
da divida dizendo que o valor do bem é baixo e não é suficiente para satisfação do
encargo da dividida, libertando-se da divida (artigo 1693.º/2). Aqui as dividas que
onerem estas doações, em regra, são da responsabilidade do cônjuge que os recebeu.
Só se por força do regime da comunhão geral esses bens vierem a ser comuns e o
outro cônjuge não tiver dado o consentimento é que são da responsabilidade de
ambos e o valor do bem não for suficiente para satisfizer a divida, caso em que ele
pode impugnar o pagamento.

o Artigo 1691.º/2 – quando o regime escolhido em convenção ante seja o da comunhão


geral, então as dividas que qualquer um dos cônjuges contrai em proveito comum do
casal são sempre da responsabilidade de ambos. Antes do casamento, por qualquer
um deles, em proveito comum deles, mas no regime da comunhão geral – são sempre
de ambos os cônjuges. Se casarem no regime da separação ou comunhão de
adquiridos são próprias.

o Falta falar das dividas que onerem os bens comuns – artigo 1694.º. As dividas que
onerem bens próprios são da sua exclusiva responsabilidade desse cônjuge, salvo se
tiverem como causa a perceção dos respetivos rendimentos e estes, por força do
regime aplicável, forem considerados comuns (n.º 2). Temos aqui dividias sobre bens
próprios de um dos cônjuges mas que têm como causa a perceção dos
rendimentos, sendo estes considerados comuns – acontece assim no regime da
comunhão de adquiridos e no regime da comunhão geral. No artigo 1694.º/2 temos de
dividir entre dividas relacionadas com os bens em si (imposto sobre doações e
sucessões por exemplo, são dividas relacionadas com o bem em si), caso em que é
da exclusiva responsabilidade do cônjuge proprietário; agora as dividas relacionadas
com a perceção dos rendimentos desses bens, que são considerados comuns
porque os cônjuges estão casados em comunhão são já dividas da
responsabilidade de ambos.

Ora, quais os bens que respondem por estas dívidas? São os previstos no artigo 1695.º - os bens
comuns do casal e, na falta ou insuficiência destes, solidariamente os bens próprios de qualquer
um deles. Quer dizer que em primeira linha são chamados os bens comuns; se estes não forem
suficientes vão ser chamados os bens próprios de cada um solidariamente – o credor pode pedir a
totalidade da dividia a qualquer um dos cônjuges. Se estiverem casados no regime de comunhão,
atenção – só aí há responsabilidade de bens comuns. Se for o regime da separação – a
responsabilidade é conjunta ou parciária, ou seja, o credor em principio só pode pedir metade
da divida a cada um dos cônjuges (n.º 2).

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Neste n.º 2 a doutrina tem dito que, pelo menos no que diz respeito às dividas para ocorrer aos
encargos normais da vida familiar, o credor não deve pedir 50% a cada um dos cônjuges – nesta
medida, para a contribuição dos encargos normais da vida familiar (artigo 1676.º/1 – os cônjuges
contribuem de acordo com as suas possibilidades) este mesmo critério do artigo 1676.º deve ser
aqui usado para o pagamento das dividas no regime da separação – responder de acordo com
as possibilidades.

No nosso caso:
Atentando nas várias alienas do artigo 1691.º, parece que temos uma dívida contraída em
proveito comum – é uma divida contraída para favorecer o casal de ordem intelectual, para
fazerem uma viagem.

3. Identificar titular dos bens – o automóvel no valor de 23 mil euros que Maria comprou. O
prédio rústico é bem próprio nos termos do artigo 1722.º/1, a) é um bem levado para o
casamento. O preço ao vendê-lo é bem próprio – artigo 1723.º, b) (situação de subrogação real
indireta ou reprego – com o valor do bem próprio alienado compra-se outro bem); para o bem
próprio a lei faz duas exigências – exige primeiro que haja intervenção de ambos e que seja
feita a proveniência do dinheiro segundo documento de aquisição. Se estas exigências forem
cumpridas então o bem passa a ser a considerado próprio; se não forem será comum porque
não há exceção ao artigo 1724.º, al. b). Já vimos isto e dissemos que o bem podia ser
considerado comum se se conseguisse fazer prova por outro meio, mas isso quando não
houvesse interesses de terceiros – numa divida há sempre interesses de terceiros; se
eles não sabem disso e não foram cumpridas aquelas exigências, eles não têm como saber
que o bem é próprio, então ele é considerado comum, entende a doutrina que também neste
caso pode haver contribuição ao património comum que ficou empobrecido. A mota é bem
próprio, artigo 1722.º/1, a) e o colar também, artigo 1722º, c).
4. Quais os bens que respondem? Em primeiro lugar os bens comuns, na insuficiência
destes qualquer dos bens do casal – responderia o automóvel comprado por Maria, se não
se verificassem as exigências do artigo 1723.º, c) e se considerássemos o bem comum nos
termos do artigo 1724.º, b). Se não houvesse bens comuns responderia solidariamente os bens
próprios de cada um – automóvel de Maria, mota de João e colar de Maria.

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Aula 5 – 24 de abril de 2020

Caso prático 5
Ella e Luís casaram em 2010, sem terem celebrado convenção antenupcial.
Em 2017, Luís confere a Ella por mandato, o poder de administrar a sua casa de turismo de
habitação e a propriedade em que se encontra localizada, mandato que vem a revogar no ano
seguinte, por considerar que houve má administração por parte de Ella.
Em 2019, para aproveitar o facto de um importante festival de música jazz e gastronomia, o
“JazzComia”, se realizar na região, programado para maio de 2020, Ella contrai uma dívida junto de
Telónio, para custear obras de reabilitação de alguns edifícios abandonados da propriedade de
forma a convertê-los em alojamento adicional, para receber a grande vaga de turistas que se previa.
O festival “JazzComia” foi cancelado devido à pandemia do Covid-19.
Sabendo que, para além da sua propriedade dedicada ao turismo de habitação, Luís tinha adquirido
em 2015 um pequeno estúdio com as poupanças dos seus salários e que Ella levara um automóvel
para o casamento, que bens poderão vir a responder pelo crédito que Telónio pretende hoje ver
satisfeito?

Mais uma vez temos um caso de responsabilidade por dividas, efeitos patrimoniais e
responsabilidade por dividas – vemos mais uma vez que temos duas pessoas que vivem numa plena
comunhão de vida e que essa plena comunhão de vida se traduz não só numa comunhão espiritual,
mas também económica e patrimonial – o estar-se casado tem efeitos em relação aos bens dos
cônjuges. Temos de ter em atenção uma comunhão de interesses patrimoniais, portanto – e é ela que
leva a que o regime que disciplina certo tipo de situações patrimoniais tenha de ser diferente. Porque
as pessoas vivem numa proximidade existencial tal, que leva a que as regras tenham de ser
diferentes.

Designadamente na responsabilidade por dívidas são regras diferentes - já sabemos que quem
contrai uma divida é responsável por ela. Apenas essa pessoa. Aqui temos um desvio a esta regra –
primeira especialidade do regime das dividas; é que aqui um dos cônjuges contrai um divida sozinho,
sem o consentimento do outro, e ainda assim pode arrastar a responsabilidade para o outro. Sabemos
também que em relação às dividas, é garantia geral das obrigações o património do devedor e em
principio só ele é que responde (a não ser que haja fiança, por exemplo); mas aqui, mesmo que não
haja esse consentimento, um cônjuge pode responsabilizar o outro e logo podem responder vários
patrimónios e não o do cônjuge que tem a divida – património comum, património de um ou património
de outro. A lei tem estas regras diferentes.

Passos a seguir:
1. Identificar regime de bens;
2. Qualificar a divida;
3. Identificar titular dos bens;
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4. Saber quais os bens que efetivamente respondem.

Qual o regime de bens? O regime de bens é o da comunhão de adquiridos porque os nossos


cônjuges não celebraram convenção antenupcial e, portanto, a lei não os deixa ficar sem regime de
bens, a lei não prevê que um casal não tenha regime de bens; desde logo porque entende que é muito
importante para as relações patrimoniais entre eles, haver um conjunto de regras que defina no sentido
mais restrito as regras sobre a propriedade dos bens. Se não houver escolha de regime de bens e se
não estivermos perante um caso de imperatividade absoluta em que a lei impõe o regime da separação,
então temos o regime supletivo da comunhão de adquiridos (artigos 1721.º ss e 1717.º). Não temos
convenção – regime da comunhão de adquiridos.

Qualificando a divida – esta responsabilidade por dividas tem princípios gerais de que já falámos
– artigo 1690.º. Qualquer um deles pode contrair dividas, não precisa do consentimento do outro.
Temos depois os dois tipos de dividas que existem – responsabilidade de um e responsabilidade de
ambos. Enquanto dividas da responsabilidade de um temos os artigos 1682.º, 1693/1 e 1694.º/2.
Associados a estas dividas temos os bens que respondem por essas dividas, que são em primeira
linha os bens do cônjuge devedor (artigo 1696.º). Dividas da responsabilidade de ambos são as que
já vimos – respondem os bens comuns; se não os houver, se não houver bens comuns
respondem os bens próprios (artigo 1691.º). Se o regime for o da separação temos responsabilidade
conjunta – o credor pode pedir metade da divida a cada um deles, como veremos.

Podemos pensar que esta divida recaía sobre ambos e que se tratava de um divida contraída em
proveito comum – ela fora administradora, estava a tentar praticar um ato de administração ordinária,
rentabilizar o bem, e tinha em vista beneficiar o casal. Portanto, um divida contraída na constância do
casamento pelo cônjuge administrador no proveito comum do casal. Este proveito não se presume,
tem de ser provado – não é meramente económico ou material, pode ser moral ou social e não basta
ter em conta a intenção subjetiva do cônjuge devedor, temos de aferir um padrão objetivo (ou seja,
aos olhos de uma pessoa média será que esta divida, tendo em conta as regras normais e da
experiência trará um resultado que beneficie o casal? Temos de fazer este crivo.

Temos uma divida contraída na constância do casamento que visava de facto o proveito comum, o
benefício do casal, era de ordem económica, material, e teríamos que avaliar este proveito pelo fim
visado e não pelo resultado – aqui não havia sequer resultado porque o festival foi cancelado, não
teríamos os lucros que a cônjuge mulher tinha tido intenção de realizar. Mas seria em proveito
comum de qualquer das formas na medida em que uma pessoa média seguindo as regras da
experiência, acharia que seria um bom investimento e nada fazia prever esta situação. Artigo 1691.º/1,
al. c), portanto.

Quanto aos limites do cônjuge, do seu poder de administração – é a propriedade bem próprio
de Luís, seria em regra ele administrador (artigo 1678.º/1) – cada cônjuge administra os seus próprios

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bens à exceção de mandato – artigo 1678.º/2, g) (aqui houve mandato). Quando ela resolveu fazer
aqueles atos o mandato já foi revogado, não tendo ela poderes de administração de acordo com o
artigo 1678.º/1. Não havia aqui exceção para que pudesse ser administradora. Também não havia
aqui perigo de ruína, não havia perigo para os bens, não eram atos urgentes.
Vamos assim para o artigo 1692.º, al. a) – não sendo esta uma divida que encaixe nos encargos
da vida familiar e também no proveito comum é uma divida da exclusividade do cônjuge a que
respeita. Estas dividas da al. a) são dividas que vão seguir a regra do direito geral das obrigações -
cada um é responsável pelas dividas que contrai. Podem ser anteriores ou posteiros ao casamento,
aqui não há especialidade a não ser o facto de elas poderem vir a ser contraídas nos termos da al. b)
e da al. c).
Temos ainda outro tipo de dividas da responsabilidade de apenas um que são as dividas que
oneram doações, legados e heranças – artigo 1693.º/1.

O nosso caso parece ser exatamente o da al. a) – divida da exclusiva responsabilidade da


cônjuge mulher.

Temos de Identificar agora os bens para depois ver quais deles vão responder. Tendo em conta
que é o regime da comunhão de adquiridos, a propriedade de turismo é prédio urbano, artigo 204.º/1
a) e 2, e é bem próprio de Luís – artigo 1722/1, a). O estúdio adquirido na constância do casamento
com a poupança dos salários - estes são, no regime da comunhão de adquiridos, bens comuns, pelo
que o estúdio também será bem imóvel e comum. O Automóvel, bem que leva para o casamento
é bem próprio – artigo 1722.º/1, a).

Que bens respondem? Responde efetivamente o artigo 1696.º a isto:


• Os bens próprios respondem em primeira linha.
• Meação – vai ser aquela parte dos bens que no fim na partilha vai caber a cada um dos
cônjuges. Esta meação vai ser metade do valor dos bens comuns. No património comum a
regra é a da metade, a meação faz-se dividindo o valor do património comum em dois e cada
um dos cônjuges deve preencher essa meação com bens comuns que atinjam aquele valor.
Os bens próprios respondem, em primeira linha; se não houver – meação dos bens comuns
• Mas ao mesmo tempo que só bens próprios respondem, respondem certos bens comuns –
aqueles que por força do regime em que os cônjuges casaram são tidos como comuns
(bens adquiridos a título gratuito, produto do trabalho dos cônjuges, bens sub-rogados, aqueles
2
que entraram no lugar dos bens referidos na al. a).
Não é penhora sobre a meação, note-se, mas sobre os bens que compõem a meação.
Quais seriam então os bens a responder? O único bem seria o bem próprio dela – se este bem não
fosse suficiente então teríamos de ir ao único bem comum, o estúdio adquirido por Luís que é bem

2
Atenção – estudar esta matéria relativamente ao processo executivo (o Dr. Remédio Marques costuma relacionar
estas questões (artigo 740.º CPC).
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comum nos termos do artigo 1724.º, al. b) – bem adquiridos na constância do casamento a titulo
oneroso, bem comum.

DIVÓRCIO E PARTILHA

Caso prático 6
Pedro e Inês casaram em agosto de 2008, sem convenção antenupcial. Pretendem hoje requerer
divórcio por mútuo consentimento na conservatória competente.
Acordam relativamente a todas as matérias exigidas por lei para o efeito. Todavia, não se perspetiva
que o mesmo aconteça quanto à partilha dos bens.
Sabendo que:
a) Pedro levou para o casamento um terreno no valor de 100.0000€, que vendeu em setembro
de 2015 para comprar a casa em que o casal vivia;
b) em fevereiro de 2016, para comemorar o nascimento do seu filho João, a mãe de Inês
oferece-lhe um colar de pérolas, no valor de 10.000€;
c) poucos meses após o nascimento do filho, Inês teve de ser submetida a uma operação
cirúrgica de urgência, durante umas férias nos EUA, no valor de €10.000, que foi totalmente
custeada por Pedro, que canalizou para o efeito todo o dinheiro de uma doação feita pelo pai;
d) em junho de 2016, Pedro começou a praticar snowboard e adquiriu todo o equipamento,
no valor de €4.000;
e) em setembro de 2019, compraram com o dinheiro dos seus salários o computador no qual
Inês, designer gráfica, trabalha e que vale 3.000€;
f) na data de hoje, Pedro tem uma conta em seu nome, onde deposita as poupanças dos seus
salários, no valor de 11.000€; e que
g) na pendência do processo de divórcio, Pedro e Inês celebram um contrato-promessa, nos
termos do qual todos os bens que estivessem relacionados com a prática de desporto por
Pedro reverteriam para este na altura da partilha. E o que dizia respeito ao trabalho de Inês,
seria para ela. O restante seria dividido segundo as regras gerais.
Como se fará a partilha após o divórcio?

Primeiramente, qual o regime de bens? Estamos perante um caso de cônjuges que não
celebraram convenção; não celebrando, vamos para o regime supletivo – comunhão de adquiridos.
Como vamos fazer a partilha? Depois do divórcio, diz o artigo 1788.º, há uma cessação das relações
pessoais e patrimoniais entre os cônjuges. Data em que se produzem os efeitos do divórcio – artigo
1789.º.

Atenção que em termos de partilha não é exatamente assim, artigo 1789.º. Se o casamento se
dissolver por morte podemos ter a partilha feita de acordo com o regime escolhido. Se for
divórcio, o artigo 1790.º diz que nenhum dos cônjuges pode receber na partilha mais do que receberia
se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos. Quase que se

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fazem duas partilhas – a partilha da comunhão geral e a da comunhão de adquiridos e temos de ver
se recebem mais. Se receberem mais – comunhão de adquiridos.
Artigo 1789.º/1 – os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respetiva
sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da ação quanto às relações patrimoniais entre os
cônjuges.
O n.º 2 diz apenas respeito aos efeitos patrimoniais; no entender da Dr.ª Rosa, não faria sentido os
efeitos pessoais deixarem de estar verificados antes de cessadas as relações entre os cônjuges. E não
podemos retrair o estado de divorciado a esta época da separação de facto. A regra é a do n.º 1 e
quanto aos efeitos patrimoniais é seguro de que se a sentença fixar a data, e a requerimento de um
dos cônjuges, teremos uma retroação dos efeitos do divórcio e isso terá consequência na
qualificação de bens que tenham sido adquiridos após essa data.

O artigo 1689.º diz respeito à partilha dos bens do casal.


Primeiro, cada um recebe os seus bens próprios; depois há a meação de cada um deles, calcula-
se a meação de cada um deles e cada um recebe a meação. Depois fazem-se as compensações
devidas.

A partilha envolve aqui três operações básicas:


1. Separação dos bens próprios – não é propriamente uma operação, mas temos de o fazer;
2. Liquidação do património comum – saber se há créditos a pagar a terceiros;
3. Partilha propriamente dita – a divisão dos bens comuns.

Vamos ter de classificar os bens para saber quais são próprios.

O terreno a que se refere a al. a) – houve sub-rogação real indireta/ reemprego. Pedro levou para o
casamento o terreno que é bem próprio, artigo 1722.º/1, al. a) – só que ele vai vendê-lo. Mas o preço
da venda é bem próprio de próprio. Quando ele adquire o novo bem temos um problema no regime
da comunhão – os terceiros credores que eventualmente estejam em relação com o casal não
sabem com que dinheiro foi aquele bem comprado. Sabem que aquele casal está casado na
comunhão de adquiridos e as suas expectativas são de que seja bem comum. Para que assim não
seja a lei exige prova da proveniência do dinheiro usado para a compra o bem – que o bem seria
próprio e seria próprio também tenho o dinheiro.
Artigo 1723.º, al. c) – exige para que os bens sejam considerados próprios que se mencione a
proveniência do dinheiro no documento de aquisição e que haja intervenção dos cônjuges nesse
documento. A doutrina divide-se a este respeito – o curso, e prevalece esta posição na doutrina
e na jurisprudência, entende que se houvesse relações com terceiros em causa e expectativas
com credores devíamos exigir prova tal qual a al. c) o faz. Se não, se estivéssemos no âmbito das
relações internas, se não houvesse interesses de terceiros, a proveniência do dinheiro podia ser
feita por qualquer meio – o STJ adere a esta doutrina.

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Aqui não há interesses de terceiros – admitimos que a prova da proveniência se possa fazer por
qualquer meio, sendo este bem considerado bem próprio de Pedro.

Temos na alínea b) do caso um bem adquiro durante o casamento, mas por doação – é bem
próprio de Inês. Temos ainda como bem adquirido onerosamente na constância do casamento, o
material de snowboard – artigo 1724.º, b) e artigo 1725.º (quando haja dívidas sobre certos bens
imoveis são próprios ou comuns); o computador em que trabalha Inês (al. e) - bem comum, artigo
1724.º.

Procedamos agora à liquidação do património – temos de ter a lista dos bens comuns. Aqui só há
problemas quando sobre certo bem há litigio, os cônjuges não se entendem sobre se ele é próprio ou
comum. Aqui a partilha dos bens comuns far-se-á segundo o o regime de bens do casamento a não
ser na situação do artigo 1790.º (divórcio). Já estamos num caso de divórcio, não temos de fazer essa
ressalva.

Artigo 1719.º - podem escolher na convenção antenupcial o regime de separação para vigorar
durante todo o casamento, mas dizem que se um deles morrer e se houver filhos, a partilha se faz de
acordo com a comunhão geral para proteger a descendência.
Temos uma circunstância de Inês ter que ser operada, terá que se pagar esse valor – é uma divida
paga com dinheiro apenas de Pedro, bens próprios de Pedro (al. c) do caso) – artigo 1722.º/1, al. b).

Esta divida é da responsabilidade de ambos – uma operação cirúrgica de urgência, uma divida
em proveito comum. Os bens que respondem seriam em primeiro lugar os bens comuns.
Pedro avançou logo com os bens próprios que tinha. O património comum ficou, por isso,
enriquecido em relação ao património próprio. Temos que fazer aqui as devidas compensações - a tal
conta corrente que existe durante o casamento acaba aqui e temos de fazer compensação; neste
momento transferindo do património comum para o património de Pedro o dinheiro que ele avançou.
Era uma divida de responsabilidade solidária, ele pagou a totalidade da divida com dinheiro próprio,
por isso o património comum ficou enriquecido à custa do seu património.

Como se faz a compensação? Artigo 1697.º – não vigora o regime da separação, mas o da
comunhão de adquiridos; portanto, o crédito só é exigido no momento da partilha, o momento que está
a decorrer. A divida era da responsabilidade de ambos, mas só responderam bens de um de modo
que este se torna credor do outro. Esta compensação faz-se nos termos do artigo 1689.º/3 – os
créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no
património comum.

Já vimos esta questão dos artigos 1719.º e 1790.º - a partilha segue o regime de bens adotado.

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Pedro e Inês celebram contrato promessa na pendência do processo de divórcio, nos termos do
qual todos os bens que estivessem relacionados com a prática de desporto por Pedro reverteriam para
este na altura da partilha. E o que dizia respeito ao trabalho de Inês, seria para ela. O restante seria
dividido segundo as regras gerais.
Quando a este contrato promessa de partilha. Será valido? Na pendência da ação de divórcio podem
convencionar quais os bens que integram as meações de cada um? Há hoje algum consenso quanto
a isto – diz-se que o contrato é permitido desde que não se violem normas imperativas (artigos
1790.º e 1730.º) – esta é a regra da metade; a a meação de cada um deles tem de ser composta por
bens correspondentes a metade do valor do património comum.
Quanto às atribuições preferenciais - o facto de terem combinado que o computador era da Inês,
artigo 1731.º– aqui apesar de o pc ser bem comum porque foi adquirido onerosamente na constância
do casamento há aqui uma atribuição preferencial. Este pc vai entrar na meação do cônjuge que o usa
como instrumento de trabalho, por força de atribuição preferencial legal; pode esta preferência ser
também convencional.

Para a partilha:
• Bens próprios de Pedro – casa, que é bem próprio de pedro no valor de 100.000€; bens
próprios de pedro – 100.000€;
• Bens próprios de Inês – colar de 10.000€≠2
• Bens comuns – equipamento de snowboard, 4.000€ + pc, 3.000€ = 7.000€ + conta dos
salários = 11.000€; património comum = 18.000€.

Sabendo que temos de dividir os bens segundo a regra da metade, vamos dividir estes 18000€ por
dois = 9000€ a cada um; a meação de cada um deles tem o valor de 9000€, deve ser composta por
bens que têm esse preço. Dentro dos 9000€ que cabem a Inês, reparemos que o património comum
ficou enriquecido quando se pagou a operação – responsabilidade de ambos – em relação ao
património de Pedro. Então ele tem de ser compensado. Como? Artigo 1689.º - vamos à meação de
Inês, ou seja, aos 9000€, e de lá tiramos metade da divida – a divida era 10000€, era de ambos, cada
um devia ter contribuído com metade; assim sendo tiramos 5000€ a Inês para compensar o património
próprio de Pedro.

Metade da divida, mas designadamente no que diz respeito às dívidas por se incorrer aos encargos
normais da vida familiar temos que esse dever não tem de ser cumprido em estrita igualdade,
temos de ver as possibilidades de cada um dos cônjuges. Quando falamos em dividas para os
encargos da vida familiar temos esta ideia – pode não ser 50% que tem de ser compensado, mas a
proporção que se usava para a contribuição dos encargos normais da vida familiar nos termos do artigo
1676.º/1.

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Aula 6 – 29 de abril de 2020


AS SUCESSÕES – o processo sucessório

Caso Prático 7
Carlos faleceu em Novembro de 2010. Deixou os seus pais, António e Bárbara, Daniela, sua mulher,
e o seu filho Eduardo casado com Guadalupe.
Carlos instituiu Bárbara como sua herdeira universal, por testamento. Francisco, filho de Daniela,
nasceu em Dezembro de 2010.
Quem vai efetivamente suceder a Carlos? A que título? Justifique a resposta legal e
doutrinalmente.

Este é o primeiro caso prático para começarmos a falar das sucessões – um caso prático
simples, que ainda não envolve partilha, temos apenas de saber quem vão ser os sucessores.
É diferente falar em sucessíveis – que podem suceder – e os sucessores – que vão efetivamente
suceder.

Quando uma pessoa morre extinguem-se as relações jurídicas de que ela é titular – abre-se
uma crise nas relações jurídicas de que ele é titular que lhe sobrevivem. As relações jurídicas
pessoalíssimas e os direitos de personalidade extinguem-se também com a morte, mas há
certas relações jurídicas que não se extinguem com a morte do titular.

Portanto, é preciso encontrar uma solução para a crise que sucede com a morte – com a morte
do seu titular as relações jurídicas desligam-se do anterior sujeito, de determinado sujeito, ficam sem
sujeito e vão tentar ligar-se a um novo titular (não há relações sem sujeitos) através do fenómeno
sucessório. Por isso, elas desligam-se de um sujeito e ligam-se a um outro depois do fenómeno
sucessório. Este fenómeno é o objeto do direito das sucessões – há morte, abre-se a sucessão e
procede-se ao chamamento ou vocação sucessória. A herança depois desse momento fica jacente,
enquanto se aguarda a resposta ao chamamento. Há nesse momento que administrá-la e que a
partilhar, por fim.

E antes da partilha, antes dos sucessores receberam aquilo a que têm direito, há que proceder
à liquidação da herança – retirar as dividas da herança.

Artigo 2024.º
Diz-se sucessão o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas
3
patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam.

3
Tecem-se várias criticas a esta noção – aulas teóricas.

João P. Domingues 35

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Falamos das relações jurídicas que não se extinguem por morte do seu titular, que têm de
ser relações jurídicas transmissíveis mortis causas; e têm de ser transmissíveis pela sua natureza ou
por força da lei ou por vontade do testador; esta são as várias formas que levam a que uma relação
seja transmitida mortis causa.
Há três causas de inereditabilidade - causas que não permitem a transmissão negocial, ou
pela sua natureza ou por força da lei (obrigação de alimentos, por exemplo; se alguém os recebe,
esse direito não é hereditável – artigo 2013.º/1, al. a)).

ESPÉCIES DE SUCESSÕES
As sucessões dividem-se em sucessão legal e sucessão voluntária; a sucessão legal baseia-
se na lei e subdivide-se em:
→ Legitimária, que vem regulada nos artigos 2157.º ss e é aquela que se dá em beneficio dos
herdeiros legitimários, os herdeiros necessários ou forçosos, para os quais está
reforçada uma porção da herança, legitima ou quota legitima, de que o de cujus não
pode dispor;
→ Legitima, que se abre quando não há herdeiros legitimários ou quando os há, mas o autor
da sucessão não dispôs de toda a sua herança, por testamento ou doação mortis causa.

A herança está divida em duas quotas – indisponível e disponível (esta última a parcela dos
bens de que o de cujus pode dispor através doações em vida, doações mortis causa, por testamento;
se não tiver disposto dessa quota disponível ou não tiver disposto integralmente dela então abrimos a
sucessão legítima nos termos do artigo 2131.º ss.

A sucessão voluntária tem base na vontade, num negócio jurídico; é a sucessão contratual,
doações mortis causa, artigos 2028.º e 1700.º e ss, e testamentária, quando se baseia no negócio
jurídico que é o testamento.

A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor – artigo 2031.º. Esta questão é
importante para saber qual o momento da morte, quais os sucessores (e o domicilio deste – por
questões de competência para processos de inventário, por exemplo).

Há uma sequência lógica que nos permite resolver os problemas de sucessões:

1. Saber quem são os chamados – designação sucessória


Consiste esta na indicação do quadro de pessoas sucessíveis, que podem vir a suceder
ao de cujus, e esta indicação é feita antes da morte do autor da sucessão – por indicação
da lei (a lei diz quem são os herdeiros legitimários). No nosso caso prático, se virmos, quem
pode vir a suceder a Carlos? Os pais, Daniela, o filho Eduardo, e Francisco. Bárbara quando é
instituída herdeira universal é indicada por testamento – temos vários títulos de indicação de

João P. Domingues 36

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quem pode vir a suceder, a lei ou o facto jurídico de harmonia com ela ou uma própria doação
mortis causa. Esta designação é importante, mas é flutuante – a lei indica, mas efetivamente
não sabemos quem vai suceder; só quando a pessoa morre é que esta se fixa e se converte
em vocação sucessória;

2. Vocação sucessória – lei, testamento ou contrato. As pessoas vão ser chamadas à herança
– podem ser chamadas várias pessoas e podem ser chamadas todas pelo mesmo titulo (todas
pela lei por exemplo) ou por vários títulos (lei, testamento ou contrato).

3. Resposta ao chamamento
Como respondem ao chamamento? Veremos as duas formas – a aceitação (artigo 2050.º) ou
repúdio (a resposta negativa ao chamamento, artigo 2062.º).

4. Liquidação da herança – saber quais são os bens a partilhar, temos de calcular a massa da
herança (fazer pagamento de dívidas).

5. Partilha sucessória.

Com a morte a designação sucessória converte-se em vocação sucessória; como é que a


designação se converte em vocação? Artigo 2032.º - ou seja, vamos ter a vocação e esta tem três
pressupostos essenciais:

1. Titularidade da designação sucessória prevalente;


2. Existência do chamado;
3. Capacidade sucessória.

Ou seja, se primeiro tínhamos uma indicação feita pela lei, esta vai se fixar em vocação sucessória
(vocação é chamamento, reparemos). Os que reunirem estes requisitos cumulativos são
chamados; depois de poderem ser chamados, eles vão ter de responder. E só depois deste passo é
que se pode ser sucessor.

A Titularidade da designação sucessória prevalente – “prioridade na hierarquia dos


sucessíveis”;
No livro das sucessões há uma hierarquia entre as várias vocações sucessórias. Em primeiro
lugar aparecem-nos os herdeiros legitimários, só depois os herdeiros ou legatário contratuais, em
terceiro os herdeiros ou legatários testamentais e por fim os herdeiros legítimos. Primeiro abrimos
a sucessão legitimária (se houver herdeiros legitimários); se não houver ou os havendo eles ficam
com a quota indisponível, vamos aos herdeiros contratuais, depois aos testamentais e só por fim aos
legítimos

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Existência do chamado
Este pressuposto é ter personalidade jurídica. Este pressuposto tem duas vertentes – a primeira
diz-nos que o chamado ainda tem de existir no momento da morte do autor da sucessão. Quer
isto dizer que o chamado tem de sobreviver ao de cujus. Há-de existir juridicamente, tem de ter
personalidade, tem de sobreviver ao de cujus. E ele já tem de existir com personalidade jurídica no
momento da morte do de cujus, já tem de ter nascido (segunda vertente).

A lei por vezes faz antecipações da personalidade jurídica a este propósito – designadamente
quanto a nascituros já concebidos (podem ser admitidos a suceder, podendo ser chamados – artigo
2033.º/1), há uma antecipação da personalidade jurídica. Os nascituros não concebidos, eles só
vão poder existir para a sucessão contratual e testamentária (artigo 2033.º/2) e desde que sejam
filhos de pessoa determinada viva ao tempo da abertura da sucessão. Claro que quando tenhamos
nascituro já concebido temos sempre de fazer recurso ao período legal da conceção (vimos isto em
direito da família) e temos também de saber se a conceção foi durante o casamento para ver se ele é
filho do de cujus e se pode ser sucessível e sucessor. Onde se lê “têm capacidade sucessória” deve
ler-se “têm existência”.

Capacidade sucessória
Artigo 2033.º/1 – é a idoneidade para ser chamado, para suceder. São capazes para suceder
as pessoas singulares ou coletivas que não sejam declaradas incapazes por lei (regra da
capacidade sucessória). Há incapacidades sucessórias, factos que relevam a título de
responsabilidade criminal – artigo 2034.º. No artigo 2166.º temos a deserdação – a indignidade
funciona por força da lei, enquanto esta (deserdação) funciona por vontade do autor da sucessão (que
em testamento pode deserdar o herdeiro legitimário, privando-o da sua legitima nas circunstâncias que
temos nas alíneas deste artigo).

Quem são os designados? As várias pessoas indicadas pela lei. Os designados são os indicados
por lei e neste caso por testamento – temos herdeiros legitimários (artigo 2157.º - cônjuges,
descendentes e ascendentes); estes são os designados. E quem vai ser efetivamente chamado?
Vamos começar por chamar os herdeiros que gozam da designação sucessória prevalente – os
herdeiros legitimários ou os herdeiros forçosos (artigo 2157.º).

A lei reserva a estes uma parte da herança – aos herdeiros legitimários; são herdeiros
legitimários porque precisamente lhes está reserva a legitima ou quota indisponível – artigo 2156.º.
Os herdeiros legitimários sucedem de acordo com as regras da sucessão legitima (artigo
2157.º, última parte). Uma dessas ordens é suceder de acordo com as classes da sucessão
legitima; a ordem, diz o artigo 2133.º/1, por que são chamados os herdeiros é a seguinte:
1. Cônjuge e descendentes;
2. Cônjuges e ascendentes;
3. Irmãos e sus descendentes;

João P. Domingues 38

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4. colaterais até ao quarto grau são os primos;


5. Estado.

Só as duas primeiras classes são herdeiros legitimários – cônjuges e descendentes, cônjuges


e ascendentes; os outros são apenas legítimos.

Todos os herdeiros legitimários são legítimos, mas nem todos os herdeiros legítimos são
legitimários. Não vai suceder toda a gente que é designada, veja-se o artigo 2134.º. Se temos
cônjuges e descendentes não vamos à segunda classe. Os ascendentes vão ser afastados da
sucessão porque não há classe que os englobe. Por força do PRINCIPIO DA PREFERÊNCIA DE
CLASSES estes não vão herdar enquanto herdeiros (apenas se Carlos os tivesse instituído por
testamento, mas não é o caso).

Dentro de cada classe há outras exclusões – parentes de grau mais próximo preferem aos de
grau mais afastado; se tivermos para a sucessão do avô, pais e netos, vamos ter aqui os pais a preferir
aos filhos (netos – vão ser afastados porque são parentes em linha reta no segundo grau); os netos
não sucederiam em principio – artigo 2135.º - principio da preferência dos graus de parentesco.
Ou seja, de acordo com o principio da preferência de classes, dentro das classes do artigo
2133.º vamos também fazer afastamentos. E começamos pela primeira classe, só depois vamos
na sucessão legitima para as seguintes.
Principio da preferência dos graus de parentesco – dentro de cada classe os parentes mais
próximos preferem aos de grau mais afastado.

Quem vai suceder a Carlos? Guadalupe não sucederia porque é afim.

Como sucessores vamos ter o cônjuge sobrevivo, vamos ter o filho, Eduardo, temos Guadalupe
(não é chamada). Podem-se por prolemas quanto a Francisco – nascituro já concebido. Se ele
nasceu 1 mês depois do pai morrer já estava concebido; e se foi concebido durante o casamento
aplicamos a presunção de paternidade, artigo 1826.º, sendo filho de Carlos e chamado à sucessão.
Artigo 2033.º - nascituro já concebido é sempre chamado; o não concebido é que é chamado
quando houver sucessão contratual ou testamentária.

Sendo chamados, como podem responder? Podem responder afirmativamente ao


chamamento – aceitação (artigo 2050.º); não é preciso apreensão material e os efeitos retroagem ao
momento da abertura da sucessão. Se a resposta for negativa, um repúdio, os efeitos destes também
retrotraem considerando-se do herdeiro como não chamado – artigo 2062.º.
Estas são as duas hipóteses de resposta. Eles tinham de aceitar para concorrer à sucessão.

Pressupomos que eles são existentes, relativamente a nenhum havia a questão da


existência (tirando Francisco) e que todos têm capacidade sucessória (nada se diz no caso).

João P. Domingues 39

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Os designados são os que a lei indica; depois temos de ver quais preenchem os
pressupostos da vocação sucessória.

António e barbara vão ser afastados por força do artigo 2133.º porque estão na segunda classe
de sucessíveis. Temos descendentes – Eduardo e Francisco; são herdeiros legitimários na
primeira classe de sucessíveis. Quanto a Francisco temos de resolver a questão da existência –
vimos que para os nascituros já concebidos não há problema, a lei admite-o (artigo 1798.º e artigo
1826.º). Só no caso de não termos descendentes é que vamos à outra classe.

Os sucessores vão ser a mulher e os filhos. A cônjuge vai ser sucessora legitimária.
Ainda se institui Bárbara, mãe, por testamento – ela é afastada da sucessão legitimária e legitima,
mas vai ser herdeira testamentária. Relativamente a esta designação testamentária ela tem de
cumprir os pressupostos da vocação sucessória – parece ter.
Depois de termos determinado quem eram os sucessores tínhamos que ver que os herdeiros
legitimários vão em principio herdar da parte da quota indisponível, a porção de bens da qual o
de cujus não pode dispor e que é reservada aos herdeiros legitimários; e vamos ter de determinar
quanto é que é essa quota indisponível – ela varia consoante o número dos herdeiros legitimários
e a sua espécie (se são cônjuges, ascendentes, descendentes, se é um, dois, etc.) – artigo 2160.º.
Como tínhamos o cônjuge a concorrer com os descendentes aplicamos o artigo 2159.º - quando
concorre com descendentes a legitima dos cônjuges e dos filhos é 2/3 da herança. 2/3 para os
herdeiros legitimários e 1/3 de quota disponível (que ficava para Bárbara).

Aqui não ia haver sucessão legitima porque Carlos deixara tudo a Bárbara por testamento.

Caso Prático 8
A e B casaram em 1962 no regime supletivo.
A faleceu em Novembro de 2000. Sobreviveram-lhe B, sua mulher, e C e D, filhos do casal, bem
como M, pai de A.
D faleceu em Dezembro de 2000, sem ter aceitado ou repudiado a herança de seu pai. D era casado
com F que lhe sobreviveu bem como os dois filhos do casal J e I.
Faça a partilha, sabendo que os bens do casal A/B foram avaliados em 80 000 €; que A deixou
dívidas no valor de 5 000 €; que fizera testamento no qual deixou a M um terreno no valor de
5 000 €; e que doara a P, seu amigo, um quadro no valor de 10 000€.

Quando temos um caso destes, devemos fazer um esquema:

A B (1962, regime supletivo que na altura era o da comunhão geral)


A falece em nov. 2000;
Sobrevivem-lhe B (esposa), C e D (filhos) e M (pai).
D falece em dez. 2000 e é casado com F, tendo dois filhos, I e J.
João P. Domingues 40

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Quais os bens deixados?


Temos dividas apenas da responsabilidade de A – 5.000€ e por testamento faz um legado a M,
no valor de 5.000€ (deixa-lhe um terreno, bem concreto e determinado) e há uma doação que A faz a
B no valor de 10.000€.

Estamos perante um caso de direito das sucessões e temos aqui designados – neste caso as
pessoas indicadas por lei ou negócio jurídico de harmonia com ela (testamento ou doação mortis
causa; não temos aqui doação mortis causa). Os designados, pessoas apontadas pela lei, são o
cônjuge, os filhos e os netos (descendentes e ascendentes) – B, C, D, I, J e M são designados. F
não é designado porque é afim e a lei não nos fala dos afins (artigo 1584.º). Temos vários designados
– M é afastado por força do principio de preferência de classes, artigo 2133.º/1, al. b).º - não vamos ver
se tem capacidade sucessória porque falhou este primeiro pressuposto.

Quanto a B, é herdeiro legitimário, da primeira classe de sucessíveis – reúne os


pressupostos. Artigo 68.º/1 e 66.º/1 – já tem personalidade jurídica; não temos nada quanto à
capacidade (artigos 2157.ºe 2133.º), não há falta de capacidade; ainda existe no momento da abertura
da sucessão, não faleceu e já tem personalidade jurídica no momento da morte do autor. Não há
também noticia de qualquer incapacidade sucessória (artigos 2034.º e 2166.º). Para que seja sucessor
é preciso que ele aceite nos termos do 2150.º. Reunindo estes pressupostos concorre à herança, se
aceitar.

Vamos ver agora C – é descendente, herdeiro legitimário, 1.ª classe de sucessíveis do artigo
2133.º. Ainda existe e já existe e não há nenhum caso de incapacidade sucessória (artigos 2034.º e
2166.º); reúne os pressupostos da titularidade da designação sucessória prevalente. Para além disto,
tem de aceitar – artigo 2050.º.

Temos agora D que faleceu em dezembro de 2000, depois de A (atenção às datas). Isto podia
levar-nos a dizer que como faleceu depois não irá ser sucessor. Ele não está cá para suceder, mas no
momento da morte do autor da sucessão, e é nesse momento que vamos averiguar a existência dos
pressupostos da vocação sucessória, ele era herdeiro legitimário da 1.ª classe de sucessíveis, al.
a) do artigo 2133.º. Ainda existia naquela altura e já existia, não havia nenhum caso de incapacidade.

Ele adquire este direito a ser chamado depois de reunir os pressupostos. D era vivo quando A
morreu, reúne todos os pressupostos e, portanto, vai ser chamado e por força disto adquire o direito
de aceitar ou repudiar. Esse direito ele adquire-o antes de morrer – quando ele é chamado, quando
reúne os pressupostos, ele no seu património adquire um direito. Esse é o direito de aceitar ou
repudiar a herança.
O que vai acontecer a esse direito? Artigo 2058.º, que nos diz que esse direito se vai transmitir
aos herdeiros. Ele por ser chamado, adquiriu um direito que se transmite aos herdeiros. Quem são os

João P. Domingues 41

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herdeiros de D? Vão ser F, cônjuge, I e J – é para eles que se vai transmitir o direito de aceitar ou
repudiar.

Mas só se vai transmitir para eles se eles concorrem à sucessão de D – temos de ver se foram
chamados, se reúnem os pressupostos em relação a F. F é herdeiro legitimário de D, 1.ª classe
sucessíveis, ainda existe e já existe e não há nenhum caso de incapacidade - F tem que aceitar a
herança de D. Assim como I e J – também reúnem os três pressupostos da vocação sucessória (são
descendentes, artigos 2157.º e 2133.º/1, a).

Podem ser chamados à sucessão de D – para isso têm de aceitar. Só se o fizerem é que lhes
vai ser transmitido este direito que está na sucessão de D, de aceitar ou repudiar. F, I e G só se reunirem
os pressupostos da vocação em relação a D é que serão chamados à herança deste e só se aceitarem
a herança é que têm um direito – de aceitar ou repudiar a herança de A. Os herdeiros de D podem
exercer esse direito de 2 formas – ou aceitam (concorrem à herança de A) ou repudiam (e exercem
esse direto na forma negativa e não concorrem).

[Se D tivesse herdeiro testamentário, este concorreria na parte da quota disponível; se não houvesse
herdeiros legitimários, para os testamentários também se transmitiria o direito.]

Falamos do direito de transmissão – neste direito de transmissão acontece que alguém que falece
em primeiro lugar, A, e outro em segundo, D. Há dois fenómenos sucessórios. Os herdeiros de C
adquirem as relações jurídicas de que A era titular ao aceitarem a herança de B. Têm que se reunir os
pressupostos (C). E na herança de B há o tal património onde está o tal direito de aceitar ou
repudiar a herança de A e só se exercer esse direito no sentido da aceitação, nos termos do artigo
2050.º, é que vai concorrer à herança de A.

Efetivamente há dois fenómenos sucessórios, temos duas mortes, e os requisitos da vocação


sucessória avaliam-se em relação ao herdeiro que faleceu, depois em relação ao de cujus e dos
herdeiros deste herdeiro em relação a ele. D tem de ser capaz em relação a A e I, F e J em relação a
D.
Se não fosse este direito de transmissão F, I e J não seriam chamados à transmissão de A.

Vão concorrer à herança B, C e F, I e J na vez de D porque lhes foi transmitido o direito. M vai
concorrer enquanto legatário testamentário (artigo 2030.º/2 – herdeiro é o que sucede na totalidade
ou numa quota e o legatório sucede em bens de valor determinado).

Supondo que estes sucedem, temos de fazer a partilha – foi dito que os bens deixados de A eram
no valor de 80 mil euros. Ainda não fizemos a partilha conjugal, temos de a fazer de acordo com os
artigos 1688.º e 1689.º. Cessam as relações pessoais e patrimoniais com a morte e temos de fazer
primeiro a partilha conjugal; temos de ver que bens pertencem a cada um dos cônjuges. Sabemos

João P. Domingues 42

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que estão casados no regime da comunhão geral – artigo 1732.º ss, ou seja, todos os bens em
principio são comuns.

Como fazemos a partilha? Artigo 1730.º - regra da metade. Vamos dividir este património ao meio,
vai ficar metade para cada um – metade para A e metade para B.
Temos o património de A e B no valor de 80 mil – partilha-se e temos o artigo da regra da metade,
cada um deles recebe metade do património, 80 mil/2 = 40 mil a cada um. B vai receber 40 mil a titulo
de partilha conjugal e depois os outros 40 mil.
Quando alguém falece casado, a primeira operação a fazer é a partilha conjugal. E esta, como
sabemos, resulta do facto de pela morte se dissolver o casamento, cessarem as relações pessoais e
patrimoniais.

B vai receber estes 40 mil a titulo da sua meação. E A, estes 40 mil é que vão ser objeto da
segunda operação, a que mais nos interessa, que é a PARTILHA SUCESSÓRIA. Os bens a partilhar
são apenas estes 40 mil. Neste caso temos só bens comuns porque temos o regime da comunhão
geral, mas podíamos ter um caso de comunhão de adquiridos em que tínhamos bens comuns e a estes
tínhamos que adicionar bens próprios. A estes 40 mil adicionaríamos bens próprios de A para ter os
bens deixados por este. Na partilha sucessória temos de saber os bens deixados – 40 mil, as
dividas que deixou, 5 mil e as doações que fez.

Quando falamos em doações, falamos em doações ou despesas sujeitas à colação, qualquer


doação inter vivos, mas só despesas, as que estão sujeitas à colação, e estas são doações que o
autor da sucessão fez no valor de 10 mil euros – deu um quadro a Pedro. Não entram aqui nestas
doações as doações mortis causa, em principio os pactos sucessórios são proibidos (artigo 2028.º) –
não se podem fazer contratos sucessórios. Os pactos sucessórios são em principio proibidos, não é
possível, por exemplo, que alguém que quer hoje comprar uma casa, sabendo que é filho único e que
vai herdar tudo dos pais vá ao banco e diga que quer pagar com a quota que lhe vai caber quando os
pais morrerem – artigo 2028.º. Não se pode dispor da sucessão de terceiro.

Estas doações mortis causa são previstas no artigo 1700.º ss, as que são possíveis – são doações
feitas na convenção antenupcial. Um dos esposados pode deixar um bem a outro, ou a terceiro, ou
terceiro intervir na convenção para fazer doação a um dos esposados. Estas doações só produzem
efeitos depois da morte do de cujus, ou seja, se um dos esposados deixar algo a terceiro, a
transferência da propriedade só se dá com a morte do de cujus. Estas doações são diferentes
destas a que se refere o caso, estas são inter vivos, produzem os seus efeitos em vida do autor.
Também não entram aqui no que queremos saber as deixas testamentárias a titulo de herança ou
legado.

Precisamos de saber também como é que calculamos qual o património que há para distribuir
pelos herdeiros. Então vamos calcular a massa da herança através do artigo 2162.º – o Dr. Pereira

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Coelho critica esta formulação porque diz que se deve fazer uma interpretação corretiva desta
fórmula, diz que a lei não teve intenção de fixar a ordem das várias operações, a ordem dos
fatores, mas tão só a dos elementos que formam a massa da herança e diz mesmo que devemos
calcular a massa da herança de acordo com outra fórmula:
Bens deixados – dividas + doações.

E porquê? Porque devemos avaliar primeiro os bens deixados, depois deduzir as dividas e fazer
a restituição deficitária das doações de bens. Porque as dividas devem ser pagas com os bens da
herança. Se pagássemos de acordo com a outra formula, numa herança deficitária em que houvesse
poucos bens, esses serviam para pagar aos credores.

No nosso caso tínhamos:


40 mil de bens deixados – 5 mil de dividas + 10 mil de doações.
O legado que é deixado a M é uma liberalidade mortis causa, está no testamento. Só vai sair do
património do autor da sucessão no momento da morte. Esse legado está nos bens deixados.

Temos 45 mil de massa da herança. Vamos procurar a quota indisponível. Artigos 2158.º e ss,
2159.º para a nossa situação. Diz-se que a legitima do cônjuge e dos filhos, em caso de concurso, é
de dois terços da herança – 2/3 da massa da herança. Fazemos 2 x 45/3 o que dá 90/3 = 30 mil. A
quota indisponível é de 30 mil.
A quota disponível = massa da herança, 45 mil – 30 mil da quota indisponível = 15 mil.
Temos de ter atenção ao cálculo da herança.

Para alem de saber qual a massa da herança, que era de 45 mil, para alem de saber da quota
indisponível, 30 mil, e da disponível, 15 mil, falta saber a legitima subjetiva – ou seja, o que cabe a
cada herdeiro legitimário. Sabemos que iam concorrer B, cônjuge, C, filho, F,I e J que iam estar no
lugar de D porque houve direito de transmissão e tínhamos um amigo Pedro que não era herdeiro e M,
que é herdeiro testamentário.

Temos que saber quanto cabe a cada um deles.

Quota indisponível Quota disponível


30.000€ 15.000€
B 10.000€ --------------------------------------------------------
C 10.000€ --------------------------------------------------------
F, I e J 10.000€ --------------------------------------------------------
4
P ------------------------------------------------------- 10.000€ (doação)
M ------------------------------------------------------- 5.000€ (legado)

4
P e M não vão herdar aqui, não são sucessores legitimários. Trancamos as suas quotas.
João P. Domingues 44

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Temos que saber a legitima subjetiva para saber o que dar a cada um – principio da sucessão
por cabeça, artigos 2136.º e 2139.º – vamos dividir por quantos herdeiros temos:
§ 30 mil de quota indisponível /3 = 10 mil a cada um;
§ quanto à quota disponível temos doação ao amigo e o legado a M no valor de 5 mil. O autor
dispôs da totalidade dos bens da quota disponível, não vamos abrir sucessão legitima. 15 mil
era a quota disponível, não esqueçamos.

João P. Domingues 45

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Aula 7 – 8 de maio de 2020

Caso prático 10

Ana faleceu em Novembro de 2017. Sobreviveram-lhe o seu marido Bernardo, a sua filha
Carolina, o seu filho Daniel, a sua neta Ermelinda e ainda as suas netas Francisca e Giselda,
filhas de Helena, filha de Ana que falecera em 2010. Sobreviveu-lhe ainda o seu filho adotivo
Luís.

Sabendo que Daniel repudiou a herança; que Giselda destruiu o testamento da sua tia
Carolina; que os bens de Ana foram avaliados em 500, que as suas dívidas ascendem aos 200;
que Ana fizera a Bernardo uma doação no valor de 300, em Abril de 2007; que em Junho de
2005, doara a Luís um terreno no valor de 300, um mês antes da sua adoção: que Ana fez
testamento no qual instituiu Francisca sua legatária deixando-lhe um automóvel no valor de
150; e sabendo que os donatários aceitaram as respetivas doações, faça a partilha.

Informações:
1. Ana falece em novembro de 2017; B é o marido;
2. Temos a filha Carolina e o filho Daniel;
3. Neta Ermelinda, filha de Daniel;
4. Netas Francisca e Giselda, filhas de helena;
5. H falece em primeiro e A em segundo;
6. Sobrevive ainda o filho Luís, adotivo – atenção à adoção;
7. D repudia a herança, artigo 2062.º;
8. G destrói o testamento, artigo 2034.º, d) – incapacidade por indignidade. Se Carolina falecesse,
entretanto, G seria incapaz perante Carolina.

Temos bens deixados de A que foram avaliados em 500, as dívidas em 200, fez uma doação a B
no valor de 300 em abril de 2007 e fez uma doação a Luís também no mesmo valor, em junho de 2005,
um mês antes da adoção, nesta altura ele não era filho, não se põe o problema da colação – quando
fizermos a resolução, vamos ver que se se faz uma doação a um filho esta estaria sujeita à colação;
no caso ainda não porque não é filho
Fez ainda um testamento, deixando um legado a F no valor de 150.

Temos que saber quem vai suceder e a que propósito – ver designados e chamados.

§ B é herdeiro legitimário, artigo 2157.º da 1.º classe de sucessíveis, artigo 2133.º/1, a)


preenche o pressuposto da titularidade da designação sucessória prevalente, ainda
existe e já existe - artigos 68.º/1 e 66.º/1. Não há nada que nos fale de incapacidade nem

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indignidade, artigo 2034.º. É chamado, reúne os pressupostos. Para concorrer à herança de A


tem que aceitar.
§ L é herdeiro legitimário, artigos 1800.º e 1986.º, com a adoção o adotado adquire a situação
de filho do adotante e integra-se com os seus descendentes na família deste; é filho e ao sê-lo
vai ser herdeiro legitimário da 1 classe de sucessíveis;
§ D também preenche os pressupostos da vocação; simplesmente ele responde negativamente
ao chamamento, ele repudia. Temos um chamamento que falha. O repúdio é a resposta
negativa ao chamamento sucessório. A pessoa que responde negativamente considera-se não
chamada, artigo 2062.º. Temos um fenómeno de vocação indireta – falha um primeiro
chamamento, a lei vai ter que fazer um outro chamamento;
§ H é titular da designação sucessória prevalente, no entanto ele não sobreviveu ao de
cujus, artigo 68.º/1, não existe, morreu primeiro, falta este pressuposto. H não pode suceder
porque faleceu em primeiro lugar;
§ Netos – herdeiros legitimários da 1.ª classe, no entanto seriam excluídos pela força do
principio da preferência pelos graus de parentesco, isto se nada tivesse acontecido aos
pais.

Como aconteceu um repúdio, alguém que não quer ou não pode ser chamado (porque falta um
pressuposto), quando a lei chama uma pessoa e essa pessoa não pode porque faleceu, temos lugar à
vocação indireta – a lei chama outra pessoa na sua vez; essa pessoa é chamada não tanto tendo em
conta a sua ligação ao de cujus (vão ser chamados os netos), mas em atenção à ligação ao que não
pode ou não quis aceitar. Estes terceiros vão ser o ponto de referência para a vocação sucessória.
Temos dois filhos que vão estar no lugar de H e receber o que H receberia. Eles concorrem no
lugar de quem chama, mas concorrem diretamente, veremos.

A vocação indireta pressupõe que se determinado designado que não pode ser chamado à
sucessão por falta de um dos pressupostos ou não quer ser chamado quando responde negativamente,
chama-se outra pessoa – há neste caso só um fenómeno sucessório, uma morte que importa
resolver.

Modalidades de vocação indireta – substituição direta, artigos 2281.º a 2285.º que se dá na


sucessão testamentária. Quando? Quando o testador substitui outra pessoa ao herdeiro ou legatário
que não pode ou não quis suceder para a acautelar essa situação. Quando o testador substitui outra
pessoa ao herdeiro ou legatário nomeadamente par caso de não querer ou poder aceitar a herança.

Temos depois o direito de representação – ocupação da posição de um herdeiro ou legatário


que não pode ou não quis aceitar a herança pelos seus descendentes, artigos 2039.º e ss. E aí
sublinhar a palavra descendentes – o direito de representação dá-se a favor dos descendentes.

Temos depois o direito de acrescer – artigos 2137.º/2 e 2301.º e ss.

João P. Domingues 47

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Se dois ou mais herdeiros forem instituídos em partes iguais na totalidade ou numa quota de bens,
seja ou não conjunta a instituição, e algum deles não puder ou não quiser aceitar a herança,
acrescerá a sua parte à dos outros herdeiros instituídos na totalidade ou na quota.
Iremos mais além falar do direito de acrescer. Imaginemos que temos uma sucessão, vários
chamados em simultâneo e um deles repudia a herança, responde negativamente. A parte que lhe
cabia, o objeto da sucessão que lhe cabia vai acrescer aos outros. Os outros vão ter o direito de
acrescer; à sua parte junta-se a parte do que respondeu negativamente.

Reparemos que na sucessão testamentária primeiro lançamos mão da substituição direta –


artigo 2041.º/2, al. a). Isto na sucessão testamentária.
Na sucessão legal primeiro temos o direito de representação, depois o direito de acrescer. Neste
caso, estamos no âmbito da sucessão legitimária, vamos ao direito de representação.

Alguém quer não quer suceder – G;


Alguém que não pode – H.

Direito de representação - artigos 2089.º, 2040.º e 2092.º. O primeiro pressuposto do direito de


representação é que falte um parente da 1.ª ou 3.ª classe de sucessíveis do número 1 do artigo 2133.º
do CC.
Quais são esses parentes? Descendentes ou irmãos e seus descendentes, 3ª classe de
sucessíveis.

Que tipo de falta de parente? Alguém que falta por morte, como H, incapacidade por
indignidade, deserdação, ausência sem noticias e repúdio. Temos casos em que pode faltar, em
que se dá o direito de representação na sucessão legal. O artigo 2042.º diz que a representação tem
sempre lugar, sempre porque tem lugar nestes cinco casos.

O segundo pressuposto é que existam descendentes daquele que não pode ou não quis
aceitar a herança – no nosso caso isso acontece, alguém não pode ou não quer aceitar e são parentes
da 1ª classe de sucessíveis, artigo 2133.º/1. Neste caso são descendentes do autor da sucessão e
faltam porque há um repudio ou porque há pré-morte.
Temos o pressuposto preenchido.

Depois tem de haver descendentes destes descentes – e há, E, F e G.

Mas temos aqui ascendentes que são filhos, F é filho, se tivéssemos aqui um J que era neto, ele
seria afastado pela preferência dos graus de parentesco.
Temos aqui descendentes, mas sempre seguindo a regra do principio da preferência dos graus
de parentesco. Reparemos que agora os novos chamados, F, E e G vão ser chamados diretamente à
sucessão de A.

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Temos A e temos E, F e G que são chamados a representar os seus pais. Vão ser chamados
diretamente à sucessão, apesar de ser uma vocação indireta. Quer isto dizer que eles têm que
verificar os pressupostos da vocação sucessória em relação a A.

B falece me primeiro lugar, A em segundo. B não é chamado à sucessão, há um direito de


representação, falece um parente da classe que tem descendentes. Estes descendentes, têm que
reunir os pressuposto em relação a A, têm que ser titulares da vocação sucessória, existir e ainda existir
e não podem ser incapazes – artigos 2039.º e 2042.º. Têm que estar verificados estes pressupostos.

O direito de representação tem como efeito chamar à sucessão pessoas que não se chamaria –
por exemplo, aqui afasta-se a preferência dos graus de parentesco; netos que não seriam chamados
porque havia parentes mais próximos são chamados.

E outro dos efeitos é a partilha por estipes.


Ao fazer a partilha por estirpe, se B, C e D repudiam não vamos dividir pelo número de
descendentes, mas por estirpe, por linha, por 3 e não por 6.

É um dos efeitos do direito de representação – chamar à sucessão pessoas que não seriam
chamadas e fazer a partilha por estirpes.

Aqui esta incapacidade é em relação a C, porque é a da al. d) que diz respeito ao testamento.
Mas se tivesse sido uma incapacidade do artigo 2034.º al. a) ou b) em que teríamos G a difamar C ou
no caso da al. a) a atentar contra a vida, tínhamos também uma incapacidade sucessória, que era não
só relativamente a C, mas também a A. Se G tivesse cometido homicídio contra este descendente era
incapaz perante o descendente, mas também perante A.

Mas não era esse o caso – se C viesse a falecer G não podia ser chamado porque não reunia o
pressuposto da capacidade sucessória.

Temos também de saber que F é chamado a titulo de sucessão testamentária, artigo 2069.º, tem
que reunir estes pressupostos da vocação.

Portanto já sabemos quem vai concorrer à herança – B, C, E em vez de D, F e G em vez de H e


L a titulo de herdeiros legitimários. Estes são os sucessores.

Agora vamos passar à questão do cálculo da massa da herança – artigo 2162.º, já sabemos que de
acordo com a interpretação corretiva que faz a Escola de Coimbra a fórmula é: bens deixados –
dividas + doações intervivos (apenas as que produzem efeitos durante a vida do doador).

Temos aqui, portanto:

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500 – 200 + 300 + 300 (duas doações) = 300 + 600 = 900. Tínhamos 900 de massa da herança.

Temos que calcular a quota indisponível – concurso entre cônjuges e descendentes, artigo
2159.º/1– 2/3 de 900 = 1800/3 = 600.
Quota indisponível = 600.
Quota disponível = massa da herança – quota indisponível = 900 – 600 = 300.

Temos aqui a massa, a quota indisponível e a quota disponível.


Temos que calcular a legitima subjetiva.

A legitima subjetiva, como já vimos, artigo 2136.º e 2139.º/1 calcula-se mediante o principio da
sucessão por cabeça.

No entanto, aqui temos a partilha por estirpes, não vamos a uma exceção ao principio da
sucessão por cabeça, mas há algo a que temos de atender.

Neste caso temos o concurso entre cônjuges e descendentes, como tínhamos no outro. E
no outro fizemos a partilha por cabeça e não houve problemas. Mas o artigo 2139.º/1 na totalidade diz-
nos que a partilha entre o cônjuge e os filhos faz-se por cabeça, dividindo-se a herança em tantas
partes quanto forem os herdeiros; a quota do cônjuge, porém, não pode ser inferior a ¼ da herança
– reparemos que tendo nós o cônjuge, tendo depois o filho C, o neto E, F e G e ainda L, teríamos o
cônjuge a concorrer com 4 filhos. Se fossemos dividir por cabeça ao cônjuge ia caber 1/5, que
é menor que ¼.

Portanto, neste caso diz-se no 2139/1, 2.ª parte que ao cônjuge cabe sempre uma quarta pare
da herança.

Então, como fazemos isto?


1. Vamos agarra na quota indisponível e vamos retirar 1/4;
¼ de 600 = 150
B terá direito a uma quota de 150.
2. Vamos agarrar nos 600, tiramos 150 e isto dá 450. Temos estes 450 que vamos ter que
dividir pelos 4 filhos - 112,5.

A legitima subjetiva dos filhos é de 112,5. A do cônjuge 150, para respeitar esta regra.

Quantas pessoas tínhamos a concorrer à herança? Cinco – se fossemos fazer a sucessão por cabeça
tínhamos que dividir por 5 e o cônjuge ficaria com 1/5. Se não pode receber menos de ¼ temos que
retirar ¼ para ele. Da quota indisponível retiramos ¼ - ¼ de 600 = 150. Esta é a legitima subjetiva

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do cônjuge. Para os outros herdeiros tiramos a quota do cônjuge à totalidade da quota


indisponível = 450 /4 = 112,5 a cada filho.,

Quota indisponível Quota disponível


600 300
B 150 300
C 112,5 ------------------------------------------------------
E 112,5 --------------------------------------------------------
F, G e L 112,5 300 (L) + 150 (F)
Total 600 750

O autor fez uma doação a B no valor de 300 e fez outra doação a L no valor de 300. Ainda deixou
a testamento no valor de 150 a F um legado.
300+300+150 = 750

O valor de todas esta liberalidades é superior ao valor da quota disponível (300), ele dispõe de
mais do que podia. Isso quer dizer que de alguma maneira esta liberalidades dizem-se inoficiosas
porque vão atingir as legitimas dos herdeiros legitimários. Quando isto acontece, no cofre do autor
da sucessão, o autor retirou mais dinheiro em vida que não foi suficiente para pagar as legitimas dos
herdeiros legitimários. Este regime está previsto no artigo 2168.º e ss.

Vamos proceder à redução por inoficiosidade – aplica-se a quaisquer liberalidades, sejam


feitas inter vivos sejam mortis causa, às deixas testamentarias a titulo de herança, aos legados,
qualquer tipo de liberalidade. E aplica-se a qualquer pessoa, a qualquer destinatário destas
liberalidades, sejam estranhos, sejam familiares, aplica-se a qualquer sujeito beneficiário.

Esta redução visa a defesa da integridade da legitima dos herdeiros legitimários. Estas
normas são imperativas porque visam defender a legitima. Como sabemos quais das doações vamos
reduzir primeiro? Artigo 2171.º:
§ 1.º, liberalidades a titulo de herança (não temos no caso);
§ 2.º, disposições testamentárias a titulo de legado – vamos reduzir, F não vai receber nada,
2171.º;
§ 3.º, vamos às doações – inter vivos, artigo 2173.º.

F é legatário testamentário e como ainda estamos a extravasar os 300 da quota disponível, temos
de reduzir integralmente o legado.
Depois vamos às doações, artigo 2173.º – reduz-se a mais recente e se for necessário passa-
se para a imediata. A mais recente é a do cônjuge que era feita em 2007 - era 300, e é exatamente
300 que extravasa; vamos ter que reduzir esta doação na totalidade também, porque ela extravasa os

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300 da quota disponível. A única liberalidade que vai ficar nas mãos do donatário é a de L que é a mais
antiga, 300 que corresponde à quota disponível. F não recebe nada.

Quando temos várias liberalidades na quota disponível e elas ultrapassam o seu limite, temos que
as reduzir, sabendo que o facto de aqui estarem faz com que não haja dinheiro para pagar as
legitimas dos herdeiros legitimários, eles ficam prejudicados. Ao reduzirmos isso ajuda a pagar as
legitimas dos herdeiros legitimários.
Conclusão do caso prático:
Já sabíamos quem concorria à herança de A - B, C, E, F e G no lugar de H e E no lugar de D e
depois L em termos de herdeiros legitimários.

Quota indisponível Quota disponível


600 300
B 150 -------------------------------------------------------
C 112,5 --------------------------------------------------------
E 112,5 -------------------------------------------------------
F, G e L 112,5 300 (L, 2005)
Total 600 300

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Aula 7 – 13 de maio de 2020

Caso prático 9
Ângela faleceu em novembro de 2018.
Deixou: Bens comuns no valor de 100.000 euros Bem próprios no valor de 30.000 euros Dívidas
no valor de 35.000 euros
Sobreviveram-lhe: Prudêncio, seu pai Bártolo, cônjuge, com quem era casada desde 1968, no
regime supletivo. Carmo, sua filha, Eduardo, marido desta e a filha de ambos, Gabriela. Filipe, seu
neto, filho do seu filho Daniel, que havia falecido em 2009, e a viúva deste, Helena. Isaura, sua filha.
Sabendo ainda que:
- Carmo faleceu dois meses depois da mãe num trágico acidente, sem ter podido aceitar ou
repudiar a herança;
- e m testamento deixara a Joana, sua sobrinha, uma joia de família no valor de 3.000€; -
Isaura fez desaparecer o testamento depois da morte da mãe; - todos os restantes
aceitaram;
faça a partilha.

A morre, deixa B com quem estava casada desde 69 no regime supletivo, da comunhão de
adquiridos; desde 31 de maio de 67 o regime da comunhão de adquiridos é o supletivo, artigo 1717.º
e 15.º DL 47344 de 15 nov.
Quem mais lhe sobreviveu? A filha Carmo, o Eduardo, marido da Carmo e a Gabriela filha de
ambos. Sobreviveu também o neto Filipe, filho de Daniel que havia falecido primeiro (antes de A).
Sobreviveu-lhe a viúva deste, H, e a filha Isaura. Sabemos que Carmo faleceu depois da mãe, em
terceiro lugar sem aceitar ou repudiar herança. Sabemos que A fez testamento em que deixou a Joana,
sobrinha, uma joia no valor de 3 mil euros. Sabemos que I fez desaparecer o testamento depois da
morte da mãe. Podemos já dizer que há uma capacidade por indignidade nos termos do artigo 2034.º.

Havia bens comuns do casal (não foi feita a partilha) no valor de 100 mil euros e que ela deixou
bens próprios no valor de 30 mil euros e ainda que deixou dividas no valor de 35 mil euros.

Vejamos:
P é herdeiro legitimário da segunda classe de sucessíveis, artigo 2133.º/1, b), vai ser afastado
pelo principio da preferência de classes, há cônjuges e descendentes na 1ª classe. B é herdeiro
legitimário da 1ª classe, ainda existe e já existe e não há nada quanto à sua capacidade sucessória;
quanto a I temos um problema de incapacidade sucessória por indignidade, não vai poder concorrer à
sucessão. Recorreremos à vocação indireta; e podemos pensar que tínhamos aqui um direito de
representação, mas este pressupõe que estejam dois pressupostos reunidos – falta de parente da 1ª
classe ou da 3ª, o que acontece, mas que esse tenha descendentes; aqui I não tem descendentes.

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Vamos para o direito de acrescer, artigo 2137.º/2. É uma modalidade de vocação indireta. Ou
seja, a parte que cabia a I vai aqui acrescer aos outros herdeiros que concorriam em simultâneo com
ela por força deste direito de acrescer. Se houver um problema de repudio ou de falta de pressupostos
da vocação sucessória, a sua parte acrescerá à dos outros sucessíveis da mesma classe que com eles
concorram à herança.

Aqui quanto a D, este é herdeiro legitimário da 1.ª classe, só que ele no momento da morte do
autor da sucessão já não existe, no momento da morte do autor da sucessão não estava vivo, não
reúne os pressupostos da existência pelo que ele não pode ser chamado.
Vamos aqui à vocação indireta que, aqui sim será o direito de representação – falta de um
parente da 1.ª classe de sucessíveis (ou 3.ª, neste caso é da 1ª), falta porque não reúne o pressuposto
da existência; e que haja descendentes.
Temos um caso de pré-morte de parente da 1ª classe. E depois o segundo pressuposto é que
existam descendentes desse parente, o que se verifica, F é descendente.

Estão reunidos os pressupostos para que haja direito de representação. C reúne todos os
pressupostos da vocação sucessória só que quando foi para exercer o direito de aceitar ou repudiar a
herança ele faleceu; faleceu depois da mãe. Aqui não é um caso de direito de representação, ele pode
suceder, foi chamado à herança, mas um caso de direito de transmissão que se dá a favor dos
herdeiros do de cujus quando o sucessível chamado é chamado, mas falece sem aceitar ou repudiar a
herança- G e E.

Direito de transmissão, artigo 2058.º. Temos A que falece em primeiro lugar, B em 2.º, que é
chamado à sucessão, só que vem a falecer sem aceitar ou repudiar. E depois um seu herdeiro, C.
no direito de transmissão há um chamado, ele é chamado, e falece sem aceitar ou repudiar a herança.
Depois, ele ao ser chamado adquire o direito de aceitar ou repudiar a herança de A. Tem que
reunir os pressupostos da vocação em relação a A e reúne-os de tal maneira que adquire no seu
património esse direito de aceitar ou repudiar. Mas esse direito não é exercido, transmite-se aos
herdeiros; eles precisam de que se verifiquem os pressupostos da vocação sucessória em relação a B.
C em relação a B reúne todos os pressupostos, mas em relação a A falta a capacidade – não
importa, ele tem que reunir os pressupostos em relação a B e B em relação a A. Ele vai suceder
diretamente a B e não a A. Se ele exercer este direito é que vai concorrer à sucessão de A. Há
dois fenómenos sucessórios – A e B. E este direito de transmissão só se dá a favor dos
herdeiros.

Agora, quanto ao direito de representação, artigos 2039.º e 2042.º. temos um A que falece
primeiro e temos um B que falece depois e um C.

João P. Domingues 54

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Acontece no direito de representação que há uma falta de um pressuposto da vocação sucessória,


ou um repúdio. Alguém não pode ou não quer, responde negativamente, não quer suceder; falta o
pressuposto da existência em relação a B. Este primeiro chamamento falha, então temos um 2.º em
relação aos descendentes. O direito de representação só de dá a favor dos descendentes. Só há um
fenómeno sucessório, atenção.
Quanto aos pressupostos da vocação sucessória – C vai ser chamado à sucessão de A, então ele
5
tem que reunir os pressupostos em relação a A.

Já sabíamos quem ia concorrer à sucessão de A e a que título. Vai herdar o cônjuge B, sabemos
que no lugar de C, porque C faleceu sem aceitar ou repudiar, vão estar E e G, sabemos que no lugar
de D vai estar F por força do direito de representação, e não vai estar I. Excluímos P por força do
principio da preferência de classes, ele é da 2.ª classe de sucessíveis, também H porque ela é afim e
nos termos do artigo 1584.º os afins não são chamados a suceder. Para além disso, quem vai ser
chamado a titulo de legatário testamentário é J.

Temos que saber quanto é que cada um vai efetivamente receber – ela deixou bens comuns,
100 mil, bens próprios, 30 mil e deixou dividas próprias – 35 mil. Não fez doações.

Para calcular temos que 1.º ir fazer a partilha conjugal uma vez que temos um regime de
comunhão de acordo com os artigos 1688.º e 1689.º; usamos a regra imperativa da metade, ou seja
os bens comuns são 100 mil, vão ter que ser divididos por dois, ou seja a meação de cada um é de 50
mil (50 mil para A, 50 mil para B).

Seguimos para a partilha sucessória vamos ter os 50 mil de A + os seus 30 mil de bens próprios;
o património que vai ser dividido na partilha sucessória são 80 mil.

Temos que calcular a massa da herança, a quota disponível e a quota indisponível.


Para a massa da herança já sabemos que fazemos uma interpretação corretiva do artigo 2162.º:
Massa da herança:
Bens deixados – dividas + doações
80.000 – 35.000 + 0 = 45.000 (massa da herança).

Quota indisponível – artigo 2159.º


2/3 x 45 mil = 2x45/3 = 90/3 = 30.000

Quota disponível
45.000 – 30.000 = 15.000

5
Pergunta-se muito a diferença entre o direito de representação e o direito de transmissão.
João P. Domingues 55

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Legitima subjetiva de cada um dos herdeiros


Não temos preocupações porque o cônjuge concorre apenas com dois descendentes –
principio da sucessão por cabeça (artigo 2136.º e 2159.º, 1ª parte)
30.000/3 = 10.000 para cada um dos herdeiros legitimários

Depois abrimos sucessão legitimária e vamos dar a cada um dos herdeiros legitimários a
sua legitima:

Quota indisponível Quota disponível


30.000 15.000
B 10.000 4.000
E e G (C) 10.000 4.000
F (D) 10.000 4.000
J (leg.) ------------------------------------------------------- 3.000
Total 30.000 15.000

Vamos abrir sucessão testamentária – legado de J, 3 mil. O autor da sucessão só dispôs de 3


mil, havendo um remanescente de 12 mil na quota disponível. Se ele não dispôs de 12 mil vamos
abrir sucessão legitima, artigos 2131.º e ss.
Aos 12 mil aplicamos o principio da sucessão por cabeça – artigos 2036.º e 2039.º/1 = 12 mil/3=4
mil a cada um.
E assim distribuíamos todos os bens.

João P. Domingues 56

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