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A CÓLERA – 怒 - NU*

Elisabeth Rochat de la Vallée

A CÓLERA E O FÍGADO

“A cólera (nu 怒 ) prejudica o Fígado.” (Suwen 5)


“Irritaçao e cólera (fen nu 忿怒) prejudicam o Fígado.” (Lingshu 66)

A cólera corresponde ao Fígado. Quando ela expressa a normalidade do elemento


Madeira, é a própria impetuosidade da vida, sobretudo na potência dos começos; a
força que desencadeia os movimentos e os empurra até o seu ponto extremo, o
impulso para a elevação, a impetuosidade que faz avançar para frente. Ela é
análoga à força do vento que sopra ou da planta que rompe o solo ainda congelado,
a violência dos nascimentos que expulsa o ser para o dia, impelindo-o em seguida a
crescer e a expandir-se, ou ainda, o esforço que tensiona os músculos.
A cólera patológica é a perversão do movimento da Madeira. Quando ele rompe
suas amarras, deixa suas raízes e perde seu controle; ele se torna arrebatamento,
fúria desenfreada, raiva irracional.
Ou então é a cólera reprimida, que bloqueia os sopros do Fígado, impede as
circulações, provocando explosões esporádicas, das quais a violência é
conseqüência ao mesmo tempo do bloqueio e das forças do indivíduo.
Muitos se deixam levar pela veemência da cólera, sem mesmo se dar conta. Eles
causam organicamente um grande dano a si mesmos, seja esta cólera contra si,
contra os outros, contra a “ordem do mundo”, seja ela violentamente expressa ou
contida a grande custo. Pois a cólera é tanto aquela que explode quanto aquela que
permanece escondida, reprimida: quando a pressão acumulada explode, sangue e
sopros são levados em direção ao alto, massivamente. Quando ela é retida, a
agitação e a insatisfação geram bloqueios sem resolução, situações sem
saídas, que nos corroem.
A cólera se nutre dela própria se não a moderarmos, se a cegueira impedir de
raciocinar. A cólera esvazia o yin e, tornando-se totalmente yang, inflama-se. Já
não podemos ancorar-nos na realidade, não existe mais julgamento, mas uma
conduta insensata, uma perda de rumo e de controle; já não há nada estruturado,
enraizado ou corretamente orientado, no plano mental ou das emoções. É o oposto
da função do Fígado, definida no cap. 8 do Suwen: ser o general dos exércitos, de
onde provêm uma análise exata e uma reflexão sensata. Ou da função do Fígado,
que quando firmemente ancorado no yin dos Rins oferece, através do seu sangue,
uma moradia às almas Hun.
Os tratados militares nos dão bons exemplos desta perda de rumo que pode atingir
o general-chefe ou os oficiais superiores. Um bom estrategista fará de tudo para
provocar o general inimigo, para colocá-lo fora de si, jogando sobre o que é ao
mesmo tempo seu ponto forte e seu ponto fraco: sua impetuosidade. Em efeito, um
homem sem coragem para avançar para frente, sem impulso e sem combatividade,
não fará um bom general; mas, inversamente, um bom general será facilmente
irritado. Um general, enraivecido, não seguirá os planos acertados após análise
detalhada das circunstâncias; avançará sobre o inimigo, manifestando nas suas
ordens e atitudes a desordem que reina em seu interno. Da mesma forma, oficiais
superiores, cegos de furor, já não escutam as ordens, mas se atiram ao combate
precipitadamente, sem levar em conta o que é possível; conta apenas a luta, o
engalfinhamento desordenado e vão que os deixam exauridos e desatinados. Eles
se colocam em perigo por aquilo que eles acreditam ser seu valor. Estes generais,
no corpo, são o Fígado.
PATOLOGIA DO FÍGADO

A irritação pode ser ressentimento, cólera retida ou estado que não se confessa
como cólera. É um bloqueio. Os sopros do Fígado estão bloqueados, por uma razão
ou por outra, e os sentimentos também não mais se expressam e não evoluem, a
psicologia está bloqueada, existem espécie de nós no pensamento e no afetivo.
Estes mesmos sopros, por seu bloqueio, acarretam dores nas costelas.

“Quando o Fígado está doente: dores nos hipocôndrios, com irradiação ao baixo


ventre; inclina-se à cólera (shan nu 善怒).” (Suwen 22)

Estar inclinado à cólera não é simplesmente estar irritável ou exasperado, mesmo


se estes termos definam bem a situação. O Fígado perdeu a harmonia de suas
relações yin/yang, o que quer dizer que o yin que nutre e mantém cumpre mal sua
função, por uma razão ou por outra; então o sangue não mais preenche o Fígado e
o Fígado fica desequilibrado. Poderíamos observar diversos sintomas como
hipertensão, por exemplo. Mas teremos também um desequilíbrio dos sopros do
Fígado naquilo que faz o psiquismo, levando a esta perpétua irritabilidade,
podendo, de acordo com as condições do terreno e da psicologia própria,
desencadear a cólera com freqüência, às vezes ou mesmo jamais.
É um estado psicológico que os textos ligam facilmente à mulher durante as
mentruações, pois a perda de sangue se repercute então sobre o Fígado e cria uma
situação, freqüentemente passageira, de irritabilidade, de nervosismo.
Esta tendência da mulher à irritabilidade está muito ligada à etimologia tradicional
do caracter para a cólera. A cólera, 怒 nu, é ter no Coração 心 o ressentimento irritado da
mulher reduzida à escravidão 奴 , a mulher 女 que “se tem na mão” 又.
A insuficiência do sangue no Fígado afeta também as almas Hun e a capacidade do
Fígado de refletir, prever, imaginar de maneira saudável. Temos então os
transbordamentos de inveja, de ciúmes, de ansiedade, ou delírio paranóico... Como
a cólera, a inveja é tradicionalmente ligada à mulher na China; poderíamos dizer,
de maneira geral, que toda secura do sangue do Fígado causa alterações do
funcionamento mental desta ordem. 
A EXCITAÇÃO DO YANG

A agitação desenraiza o yin


“Quando o yang entra no yin, isto gera tranquilidade (jing 靜);
 Quando o yin sai do yang, isto gera cólera.” (Suwen 23)

A tranquilidade em questão não é a serenidade, mas mais a apatia, a falta de


iniciativa; uma ausência dos sopros da Madeira, quando o yang não é capaz de
fulgurar em direção ao exterior, e permanece no recuo. O equilíbrio yin yang dos
sopros está rompido, o yin domina e esmaga o yang.
A cólera é definida, ao contrário, como uma capacidade do yin de se guardar no
interior, de onde vem uma falta de tranquilidade, de contenção, uma agitação. O
yang domina e impede o entesouramento, a manutenção no interno das essências
e do sangue. A incapacidade de guardar as essências acarreta um enfraquecimento
da influência exercida pelos espíritos, um obscuramento do mental; os julgamentos
já não são claros e justos; eles são conduzidos pela excitação e pela irritação.
Um pouco depois, no mesmo capítulo, falando dos pulsos sazonais, se diz que
“sentir o pulso próprio do fim do verão quando estamos no inverno, se chama o yin
que sai no yang; sofremos de uma tendência à cólera (shan nu 善怒 ) da qual não
podemos curar.” (Suwen 23)
Trata-se da cólera ou então de uma “saída”, uma erupção, um jorrar como vemos
na cólera violenta, que explode; mas que aqui assinala que sangue e sopros,
levados por um movimento yang dominante, estão na superfície do corpo quando
deveriam estar nas profundezas. No nível dos Rins, o dano pode ser fatal, pois é o
yin autêntico que se encontra assim desenraizado.

O vento excita a cólera

Existe uma relação natural entre vento e cólera, porque seus sopros são análogos
àqueles da Madeira. O vento não é a cólera do Céu?  Não é, portanto,
surpreendente de encontrar a irritação, a tendência a se encolorizar, como o
resultado da presença do vento, em particular quando os ventos afetam os dois
órgãos yang do corpo, o Fígado-Madeira e o Coração-Fogo, suscetíveis de
reagir facilmente e prontamente à sua excitação.

“Aspectos apresentados pelos ventos do Fígado: muito suor, temor do vento,


tendência à tristeza (shan bei 善悲 ); a tez está verde pálida; a garganta está seca
e inclina-se à cólera (shan nu 善怒 ); por vezes detesta-se as mulheres” (Suwen 42)

O Fígado está doente. Em um primeiro momento, o impulso do Fígado não mais


pode se manifestar; ele está bloqueado, oprimido; o movimento próprio do Metal o
domina e sente-se triste.  O Fígado doente já não consegue apoiar o Coração, que
não mais irradia alegria, mas se deixa invadir, oprimido pela tristeza (cf mais à
frente, estudo da tristeza).
Entretanto a situação evolui; o yin do Fígado se deteriora, o sangue se estraga e se
torna incapaz de equilibrar os sopros, de nutrir um movimento yang moderado e
eficaz. A irritação então domina. Como para a tristeza inicialmente, não se trata de
uma emoção nascida de reações a situações ou objetos exteriores; e sim de uma
conseqüência do ressentimento interior do estado dos sopros do Fígado.
O Fígado, assim como a Vesícula Biliar, está ligado à sexualidade. Aqui o desejo
sexual, que ocupa o pensamento e o Coração, se preenche de ressentimento e de
irritação, se transforma em ódio. O vazio do sangue do Fígado pode assim causar
problemas de ereção. E o homem recusa-se a aproximar das mulheres.

“Aspecto apresentado pelos ventos do Coração: muito suor, temor do vento,


ressecamento (dos lábios e da língua) e a interrupção (da umidificação); inclina-se
à cólera (shan nu 善怒 ) e às crises de irritação; a tez está vermelha. Quando a
doença se intensifica, a fala já não tem vivacidade.” (Suwen 42)

A reunião dos perversos da Madeira e do Fogo cria esta situação de irritação. Os


espíritos são afetados; os gritos de irritação marcam a ausência de controle sobre
si.
A situação pode evoluir enfraquecendo os sopros do Coração; a elocução é então
perturbarda fisica e mentalmente.
No calendário o Suwen cap. 69 apresenta o ano do grande descomedimento
(excesso) da Madeira como o momento onde os sopros do vento se espalham em
todos os lugares. Descreve as doenças que se espalham então mais facilmente e
mais comumente, após uma primeira fase onde dominam as patologias de
obstrução do Baço – Pâncreas; uma agravação traz perturbações mentais, perda da
lucidez, confusão e tendência à cólera. Após a opressão e o bloqueio, a tensão
sobe, o yang se endurece e empurra em direção ao alto.
Fraquezas e forças constitutivas

“Aqueles que são corajosos [.....] seu Fígado é grande e firme, sua Vesícula Biliar é
plena à saciedade; quando se colocam em cólera, os sopros sobem poderosamente
e o peito se dilata. O Fígado se levanta e a Vesícula está plena à transbordar, os
cantos dos olhos se dobram e o olho se levanta, os pêlos se eriçam e o rosto está
verde; eis de onde vem a coragem. [.....]  Aqueles que são covardes [.....] sua
Vesícula Biliar não está plena mas sim relaxada [.....]; mesmo se eles estão em
uma grande cólera, seus sopros não conseguem preencher seu peito. Fígado e
Pulmão se levantam bem, mas os sopros decrescem e caem novamente: é por isso
que eles não conseguem ficar muito tempo em cólera; vem daí a covardia.”
(Lingshu 50)

O texto acrescenta que beber bebidas alcólicas pode inchar o Fígado, dar coragem,
estimular a cólera; mas uma vez que os efeitos do álcool tenham se dissipado,
nada permanence.
Da mesma maneira, no Lingshu 46, apresenta-se um indivíduo que tem uma
fraqueza constitutiva do yin e uma tendência patológica à deterioração dos líquidos
corporais; ele é então sujeito a uma espécie de calor interno, que enfraquece os
Cinco zang e gera rigidez e tensão, uma força indevida e nociva do yang. Tal
indivíduo é muito sensível à irritação, nervosismo, ansiedade, cólera.

O ARREBATAMENTO EM DIREÇÃO AO ALTO

As repercussões sobre o Aquecedor Médio


A cólera desencadeada no mental acarreta uma subida intespetiva dos sopros:

“Quando há cólera, os sopros sobem (shang 上 ). [.......]


 Quando há cólera, os sopros se colocam em contracorrente (ni 逆). Se isto for
intenso, há vômito de sangue e até mesmo diarréia com alimentos não digeridos. É
assim que os sopros sobem.” (Suwen 39)

Esta subida intespetiva em contracorrente é um desencadeamento dos sopros do


Fígado e pode acarretar sintomas análogos àqueles consecutivos a um desequilíbrio
do Fígado, como no caso de um vazio de yin do Fígado, por exemplo.
Sopros e sangue se precipitam para o alto, uma pressão se exerce,
transversalmente, em direção aos órgãos situados sobre a passagem desta
contracorrente[1]: pode se tratar das vísceras situadas no Aquecedor Médio (Baço
e Estômago) e Superior (Coração e Pulmão). Os sintomas dados pelo Suwen 39
tocam o Estômago e o Baço. A contracorrente dos sopros do Fígado o impede de
guardar o sangue; os sopros agridem o Estômago e o impede de abaixar
normalmente; o sangue vai então refluir em direção ao alto na forma de vômito.  A
contracorrente dos sopros do Fígado e a perturbação do Estômago enfraquecem o
Baço, que já não consegue assimilar os nutrientes e os transportar para todo o
corpo; esta perturbação se manifesta por diarréias liquefeitas onde as essências
contidas nos alimentos são evacuadas no lugar de serem assimiladas.
“Em caso de cólera, os sopros do Fígado encavalam[2] (usurpam àqueles do
Baço).” (Suwen 19)

Os efeitos sobre o Coração e o cérebro

Nesta mesma configuração de uma subida violenta dos sopros do Fígado, pode-se
também observar sintomas como a facilidade a esquecer o que se diz ou faz (cf
mais à frente Lingshu, cap. 8). Os efeitos da cólera alcançam o Coração e a
consciência, acarretam a perca da posse de si e da razão em uma raiva que se
torna fúria. Pode-se também observar os efeitos de um sangue massivamente
levado em direção ao alto e que faz pressão sobre os capilares do olho e as
circulações do cérebro provocando síncopes com hemorragia cerebral, espasmos
cerebrovasculares… É a flexão por pressão (bo jue 薄厥 ):
‘Os sopros yang, vítimas de uma violenta cólera  (da nu 大怒), corpo e sopros são
interrompidos; o sangue é levado massivamente em direção ao alto, de maneira
que as pessoas são vítimas do refluxo pela pressão.” (Suwen 3)
O DANO AOS RINS

Pela cólera que se infla, os Rins não mais podem assegurar o seu movimento,
análogo ao elemento Água: atrair e guardar nas profundezas, para nutrir os
fundamentos da vida e permitir um impulso e um desenvolvimento contínuos e
frutíferos. O dano ao espírito específico dos Rins, à vontade (zhi 志), produz
descontinuidade da personalidade. Reestabelecer os Rins restaura então a
consciência de si, necessariamente e imediatamente, em um sujeito que não está
mortalmente prejudicado.
Os efeitos do enfraquecimento dos Rins podem alcançar os osso e, mais
particularmente, o seu lugar de comando eminente que se encontra na região
lombar e, além de lá, toda a coluna vertebral. Se os Rins se esvaziam, suas
essências já não podem nutrir a medula e reconstruir os ossos; nenhum movimento
é possível, mais nenhuma flexibilidade. Isso vai de acordo com a idéia que se faz
da cólera: ela tem a reputação de enrigecer e não flexibilizar, imobilizar sobre suas
posições e não se voltar e se deslocar. Ora, a cólera se gera também de uma
erupção do yang do Fígado mal contido pelas essências, que são, por exemplo,
insuficientemente fornecidas pelos Rins.
A vontade faz mover o ser sem rigidez, com, ao contrário, flexibilidade em todas as
atitudes, para apoiar o pensamento sem o enrijecer. A vontade é a força profunda,
a estruturação mental, que se expressa, fisicamente, através dos ossos e,
principalmente, daqueles que estruturam e mantém o corpo, da base do tronco à
cabeça: a coluna vertebral. A cólera, esvaziando o baixo, prejudica tanto a vontade
quanto a ossatura, pela deterioração das essências. A estruturação, da vontade ou
do osso, é o contrário da rigidez; é a flexibilidade eficaz, o movimento forte, pois é
exato, como aquele de um ginasta, como aquele de um mestre de artes marciais.
Quando a vontade está prejudicada, há perca da lembrança do que se acabou de
dizer, quando os ossos estão prejudicados, a continuidade do ser está lesada; já
não se consegue manter uma vontade, nem tender em direção a um objetivo,
nem fornecer a tensão geral e coerente do movimento vital. A vida está sob tensão,
como tudo que é orgânico. Em tal situação, o controle da vida é impossível:
“Na cólera crescente, nós nos perturbamos e nos desviamos; portanto, nada mais
está sob controle. [...........] Quando os Rins são acometidos por uma cólera que
cresce sem poder parar, a vontade é prejudicada. Quando a vontade está
prejudicada, o indivíduo não consegue sequer se lembrar do que acabou de dizer, a
região lombar e a espinha dorsal não podem nem pender para frente, nem pender
para trás, nem dobrar-se, nem endireitar-se. Os pêlos se tornam quebradiços e
aparecem todos os sinais da morte prematura. Morre-se no extremo do verão.”
(Lingshu 8)
Mencionemos igualmente que um vazio da Água dos Rins acarreta uma insuficiência
das essências e, portanto, do sangue que nutre o Fígado. Em consequência, tem-se
um estado que acarreta a irritabilidade; mas no qual o vazio ao nível dos Rins traz
seu próprio toque, que se traduz por um enfraquecimento geral e o aparecimento
do fogo que se beneficia do vazio do yin.
O DANO SUPERFICIAL

Por vezes um dano superficial provoca uma irritabilidade passageira. Será


necessário diagnosticá-lo e tratá-lo como tal.
“Quando os perversos se alojam nas redes de ligaçao (conexão, luo 絡 ) do Shaoyin
do pé, o paciente tem dor de garganta a ponto de não conseguir ingurgitar comida;
ele está inclinado à cóleras sem razão...” (Suwen  63)
Situações sem gravidade, como um resfriado ou um golpe de frio geram um calor
reativo: inflamação que queima os líquidos sob a autoridade do Shaoyin (meridiano
dos Rins) na região da garganta, provocando subidas em contracorrente dos
sopros. O que dá a impressão de se estar irritado, encolerizado.  Mas não é uma
situação “visceral”, um sentimento real.  Assim que a garganta melhorar, esta
sensação de estar encolerizado ou irritado desaparece. Não há nenhuma razão para
se estar encolerizado; não ficamos com raiva, mas os sopros explodem de cólera
sob a pressão da inflamação.
No entanto, pode-se conservar esta irritabilidade mesmo após a cura da garganta,
quando o Coração como que pegou gosto, e se inflamou, e foi contaminado pela
inflamação, visto a proximidade e visto também os desgastes causados sobre o
Shaoyin do pé, meridiano dos Rins, que se ocupa do que protege e nutre o
Coração. É então uma situação profunda de desequilíbrio dos sopros.
Inversamente, a arte do Coração é o que permite permanecer calmo, mesmo
quando temos dor na garganta.

ENTRE BAÇO E FÍGADO

Como saber se a cólera vem de um yang do Fígado imflamado ou de uma


congestão do Baço? O Lingshu cap. 26 dá sua resposta:

“Tendência a se encolerizar (shan nu 善怒 ):


Se não se deseja comer e se falamos cada vez menos, punciona-se o Taiyin do pé.
Se a cólera se acompanha de uma abundância de palavras, punciona-se o
Shaoyang do pé.” (Lingshu 26)

No primeiro caso, os sopros do Baço estão obstruídos e atrapalham as circulações:


não mais se tem apetite, não mais se tem vontade de comer.  Por repercussão, o
Fígado é bloqueado na sua expansão: fala-se cada vez menos. É conveniente então
tomar sobre o meridiano do Baço para fazer circular os sopros[3].
No segundo caso, estamos na presença de uma forte contracorrente nos sopros da
Madeira, uma subida poderosa do yang, que é tratada sobre o meridiano yang da
Madeira, aquele da Vesícula Biliar. O que não impedirá de nutrir o sangue, se
necessário.
[1] Por contracorrente (ni 逆), mais que a simples inversão da corrente, é o fato que os
sopros vão em sentido inverso, é necessário compreender que eles não mais se conformam à
ordem e ao ritmo convenientes para a manutenção da vida. Assim, o movimento natural dos
sopros do Fígado é de subir. Sua contracorrente, no  caso da cólera, é de subir com muita
força, arrebatar para cima o que deveria nutrir o Fígado e os fundamentos da vida.
[2] Encavalar (cheng 乘 ) é beneficiar-se da ocasião que se oferece pela fraqueza de
um adversário para invadi-lo e subjugá-lo.
[3] Podeíamos tomar pontos também sobre o meridiano do Fígado. Por exemplo, Zhangmen,
F.13, ponto mu do Baço.       O texto do Lingshu insiste na origem da situação.

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