JOGOS NA HORA DA SESTA CONVERTERÃO EM ALGUNS MOMENTOS EM ADULTOS.

AO ABRIR O ESPAÇO, OUVE-SE

UMA MÚSICA BACALAO, RÍTMICA E PESADA, QUE SE MESCLA COM O CANTO
DE ROMA MAHIEU ESTRIDENTE DE ALGUM PÁSSARO E COM A VOZ DE DIEGO, QUE ESTÁ BRINCANDO DE
GUERRA NO QUADRADO DE AREIA. AO COMEÇAR A PEÇA, DESAPARECE A LUZ DA SALA E
TRADUÇÃO: ALESSANDRA VITANIS
AUMENTA A LUZ DO CENÁRIO. SOBE O VOLUME DO BACALAO, POR ALGUNS INSTANTES,
QUE É SUBSTITUÍDO PELO CANTO ESTRIDENTE DE PÁSSAROS. ABAIXA O VOLUME
ENQUANTO DIEGO AUMENTA O MOVIMENTO DA BRINCADEIRA. VOA COMO UM AVIÃO
PERSONAGENS (POR ORDEM DE APARIÇÃO) COM OS BRAÇOS ESTENDIDOS. AVANÇA COMO UM TANQUE, RUGE COMO UM MOTOR.
CADA VEZ QUE UM AVIÃO É ABATIDO, SEU CORPO SE ERGUE E ACABA CAINDO,
DIEGO – 7 ANOS
LEVANTANDO COM O IMPULSO UMA CHUVA DE AREIA QUE O COBRE E,
SUSANA - 6 ANOS EVENTUALMENTE, CAI SOBRE A PLATEIA. PARECE ESTAR EM TRANSE)

ALONSO - 5 ANOS

ANDRES - 8 ANOS CENA 1

CLAUDIA - 7 ANOS DIEGO: RRRRRRRRR... TATATATA.... PUMMMMMMI FUMMMMM! PRO CHÃO! PRO
CHÃO! CUIDADO! CUIDADO! ELE ESTÁ VINDO. NADA PODE DETÊ-LO! PROTEJA-SE!
MALU – 6 ANOS PROTEJA-SE! PRO CHÃO! MAIS INIMIGOS À VISTA! TATATATA! AVANÇAR A FORMAÇÃO
CAROLINA - 5 ANOS DE TANQUES PARA COBRIR A RETAGUARDA! AAAAA! CALE-SE E ME PASSE AS ARMAS!
FOGO! FOGO! FILHO DA PUTA! TATATATA! PILUMN! PUAMM! E CHEGAM OS AVIÕES...
JULINHO – 20 ANOS GO, GO, GO! QUE ESTOUREM! QUE ESTOUREM! AAAAA A PERNA, AAAAAAA! ONDE ESTÁ
MINHA PERNA! AAAAAAAAA...

ESTES PERSONAGENS SERÃO INTERPRETADOS POR ADULTOS.
(A AÇÃO ACONTECE DURANTE A HORA DA SESTA EM UMA PRAÇA DE CIMENTO. NO
FUNDO, UM MURO CINZA ALTO. NO CENTRO, UM BANCO DE PRAÇA. À ESQUERDA, UM
BALANÇO QUE ESTARÁ PRESO A UMA ALTURA SUFICIENTE PARA QUE LEVE O ATOR ATÉ
A PLATEIA. À DIREITA DO BANCO UM QUADRADO DE AREIA. OS BRINQUEDOS E O BANCO
TERÃO DIMENSÃO MAIOR QUE A NORMAL, DE ACORDO COM A DIMENSÃO DESSAS
CRIANÇAS GRANDES. GARRAFAS VAZIAS DE COCA COLA, CERVEJA, ETC, ESPALHADAS
PELO CHÃO DA PRAÇA.
(ENQUANTO DIEGO LEVANTA E CAI, ENTRA SUSANA. VESTE ROUPA DE BOA QUALIDADE,
MAS SUJA, AMASSADA E MAL COMBINADA, COMO SE A MENINA TIVESSE SE VESTIDO
SOZINHA, SEM NENHUM CUIDADO. TEM UMA CORRENTE NO PESCOÇO COM UM
CRUCIFIXO DE OURO. ENTRA COMO QUE IMPULSIONADA PELO RITMO DO BACALAO,
DANDO PONTAPÉS NAS LATAS E GARRAFAS QUE ATRAVESSAM SEU CAMINHO. VÊ DIEGO
E OLHA FIXAMENTE A LATA ATÉ CHEGAR AO QUADRADO DE AREIA. SENTA-SE EM
SILÊNCIO NA BORDA E OBSERVA A EVOLUÇÃO DE DIEGO, IMITANDO DE ALGUM MODO A
BRINCADEIRA, DEIXANDO QUE SEU CORPO SIGA OS MOVIMENTOS DE DIEGO. ELE NÃO A
VIU CHEGAR)

EM ALGUMAS TERÁ RESTOS DE BEBIDA. ALGUMA OUTRA EMBALAGEM DE ALIMENTO,
ALGUNS TIJOLOS QUEBRADOS. A LUZ É INTENSA. OS PERSONAGENS SERÃO
INTERPRETADOS POR ADULTOS QUE EM NENHUM MOMENTO FARÃO CRIANÇAS. A
INTERPRETAÇÃO É SÓBRIA E A CRIANÇA APARECERÁ ATRAVÉS DAS AÇÕES, NÃO POR
CARICATURA. DA MESMA FORMA, ESTES PERSONAGENS QUE SÃO CRIANÇAS SE
DIEGO: AÍ AVISTO UM BASTARDO INIMIGO! A ELE! A ELE! AAAAAA! MINHA PERNA!
MINHA PERNA! AAAAAAA! (VAI SE ARRASTANDO EM CÍRCULOS E GEMENDO) ESTOU
SANGRANDO ATÉ A MORTE! ESTOU SANGRANDO ATÉ A MORTE! ESTOU EMPAPANDO
ESTA TERRA, MAS DE CADA GOTA DE SANGUE SURGIRÁ UM NOVO SOLDADO PARA A
VINGANÇA DO SOLDADO DESCONHECIDO! AAAAAAAAAAAI.
1
(SUSANA TAMBÉM COMEÇA A SE ARRASTAR EM CÍRCULOS E PARECE GRITAR, MAS NÃO
EMITE NENHUM SOM. DIEGO SE AJEITA COM DIFICULDADE E AMEAÇA COM OS PUNHOS
PARA O CÉU) E MEUS OLHOS OLHARÃO SEUS OLHOS! E SENTIRÃO O TERROR! SENTIRÃO
O TERROR DE OLHÁ-LOS! TATATATA! OH, COVARDES! (DIEGO DESMORONA. SUSANA
SALTA DENTRO DO QUADRADO DE AREIA, SOBE EM DIEGO E COMEÇA A JOGAR AREIA
NELE. DIEGO TENTA TIRÁ-LA DE CIMA)
SUSANA: AAAAAAAAAAAAA!
DIEGO: NÃO SEJA FILHA DA PUTA! TA ENTRANDO AREIA NOS MEUS OLHOS! PARA JÁ!
PARA! PARA! (DIEGO CONSEGUE TIRÁ-LA DE CIMA, FICA EM PÉ E SACODE A AREIA. VESTE
UMA CALÇA JEANS E UMA CAMISETA LISTRADA. CABELO COMPRIDO. SUSANA PARECE
VOLTAR A SI E PULA FORA DO QUADRADO. DIEGO PERCEBE QUE ELA ESTÁ ASSUSTADA)
VOCÊ NÃO TA VENDO QUE TA CHEIA DE COCÔ DE CACHORRO? E VEM ENCHER O SACO...
SUSANA: NÃO DOU A MÍNIMA PRO COCÔ DE CACHORRO... ME DEIXA BRINCAR
CONTIGO?
DIEGO: TA BOM, MAS NÃO ENCHE O SACO, HEIN?
SUSANA: TONTO... (SUSANA VOLTA A PULAR DENTRO DO QUADRADO DE AREIA. ELE SE
AFASTA UM POUCO. SUSANA SE CONTÉM E COMEÇA A CONSTRUIR COM FÚRIA UMA
TORRE MUITO ALTA) VOCÊ GOSTA? EU VOU VIVER AQUI. ESTA VAI SER A MINHA CASA.
ESTA É MINHA CASA. EU VOU VIVER SOZINHA E NINGUÉM VAI MORAR COMIGO...
NINGUÉM... BEM... E VOCÊ? VOCÊ QUER MORAR COMIGO? QUER?
CENA 2
ALONSO: (EM OFF) VEM! VAI! ME EMPRESTA O CAPACETE! ME EMPRESTA! SÓ UM
POUCO, VAI? VAMOS... ME DÁ!...
(AO OUVIR AS VOZES, SUSANA ACELERA A CONSTRUÇÃO ENQUANTO OLHA DIEGO)
SUSANA: VOCÊ QUER? QUER?
(ENTRA MARCHANDO ANDRES. ATRÁS DELE, TENTANDO SE ADIANTAR, VEM ALONSO,
APROXIMANDO-SE E AFASTANDO-SE. SUSANA SE CALA E SE ENCOLHE ATRÁS DA TORRE
DE AREIA. ANDRES VESTE UMA CALÇA CURTA DE JOGADOR, CAMISETA COM OMBREIRAS
DE RUGBY, BOTAS PRETAS COM SOLA GROSSA. NAS COSTAS, UMA METRALHADORA E
SOBRE A CABEÇA UM CAPACETE CAMUFLADO DE GUERRA COM MANCHAS AMARELAS E
MARRONS. CABELO BEM CURTO. ALONSO VESTE UMA CALÇA COM COSTURA NOS
BOLSOS. CABELO MUITO BEM CORTADO E PENTEADO COM FRANJA. TODA SUA ROUPA É
DE MARCA. NÃO PARA DE PULAR EM VOLTA DE ANDRES)
ALONSO (EM OFF) – HEI, ME EMPRESTA O... (EM CENA)... CAPACETE. AH, VAI... ME
EMPRESTA.
ANDRES – PÁRA DE ENCHER.
ALONSO – DEPOIS EU TE EMPRESTO A MINHA BICICLETA...
ANDRES (CORTANDO ALONSO) – NÃO ENCHE O SACO... A MINHA É MAIOR QUE A TUA E
AINDA TEM CAMPAINHA CROMADA.
ALONSO – AH, VAI...
ANDRES – VOCÊ É MUITO PESADO... BEM... VAI... (ACOMODA O CAPACETE EM SI
MESMO).
ALONSO – MAS DEPOIS ME EMPRESTA O CAPACETE.
ANDRES – NÃO ME DESACATE SOLDADO... DEITADO. DE PÉ. DEITADO. DE PÉ.
ALONSO – HEI, TÔ CANSADO...
ANDRES – NÃO RESPONDA SOLDADO. DE PÉ. BOM. ENTÃO JURA, EM NOME DA PÁTRIA E
DA BANDEIRA NACIONAL, SER UM SOLDADO FIEL?
ALONSO – SIM, EU JURO.
ANDRES – LEVANTA O BRAÇO, IMBECIL, SENÃO NÃO VALE.
ALONSO – SIM, EU JURO. ME EMPRESTA O CAPACETE?
ANDRES – COMO VOCÊ ENCHE O SACO... META É META. POR ACASO VOCÊ NÃO SABE
QUE ISTO SE CONQUISTA NO CAMPO DE BATALHA? VAI BRINCAR NO OUTRO LADO.
ALONSO: SIM.
ANDRES: SIM, EU JURO!
ALONSO: SIM, EU JURO!
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ANDRES: O BRAÇO, IDIOTA!
ALONSO: (LEVANTA O BRAÇO) SIM, EU JURO! AGORA ME EMPRESTA O CAPACETE?
ANDRES – COMO VOCÊ ENCHE O SACO... META É META. POR ACASO VOCÊ NÃO SABE
QUE ISTO SE CONQUISTA NO CAMPO DE BATALHA? VAI BRINCAR NO OUTRO LADO.
ALONSO – NÃO QUERO, PÔ. E MEU PAI ME DISSE QUE SE VOCÊ ME MANDAR EMBORA
DE NOVO, ELE VEM AQUI E TE QUEBRA A CARA. (ANDRES ATIRA EM ALONSO) MEU PAI
DISSE QUE SE VOCÊ ME BATER DE NOVO, ELE CHAMA A POLÍCIA E LEVA VOCÊ PRO
JUIZADO DE MENORES.
ANDRES – DIZ PRO SEU VELHO, QUE SE EU CONTAR PRO MEU VELHO, ELE VEM AQUI E
TRANSFORMA O SEU EM MINGAU. E DEPOIS JUNTA COM UMA COLHERINHA...
SARGENTO, VÁ ATÉ O QUADRADO DE AREIA E ORDENE AO DIEGO QUE VENHA, ANTES
DELE SE FURAR COM UMA PUTA SERINGA CHEIA DE AIDS. VAI LÁ!
ALONSO – NÃO TENHO VONTADE.
ANDRES – É UM SOLDADO OU NÃO? E SE VOCÊ NÃO GOSTA, RAPA FORA. A FILA ANDA...
ALONSO – TÁ LEGAL. MISSÃO CUMPRIDA. O GENERAL ANDRES TÁ TE CHAMANDO PARA
UMA MISSÃO SECRETA... HEI, DIEGO, VEM BRINCAR DE SOLDADO.
DIEGO – VOCÊ NÃO TROUXE A BICICLETA?
ALONSO – NÃO ME DEIXAM. VEM! VAMOS BRINCAR DE SOLDADO. ANDRES TEM UM
CAPACETE NOVO. UM DE VERDADE, DE GUERRA. (AS CRIANÇAS BRINCAM DE
METRALHAR)
DIEGO: DE GUERRA? (DIEGO PULA FORA DO QUADRADO. SACODE A AREIA E CORRE ATÉ
O BANCO)
ANDRES: TATATATATA... (ANDRES SE ESCONDE ATRÁS DO BANCO. ALONSO E DIEGO
PROCESSAM O IMPACTO DAS BALAS E CAEM INERTES. ANDRES SAI DE SEU ESCONDERIJO
E SE APROXIMA, ARRASTANDO-SE. QUANDO CHEGA, CRAVA REPETIDAMENTE A
BAIONETA NO CORPO DOS DOIS) MORRE! MORRE! MORRE! (LIMPA O SUOR E FAZ OS
DOIS GIRAREM COM A PONTA DO PÉ) CÃES COMUNISTAS!
(DÁ UM PONTAPÉ EM ALONSO, QUE COMEÇA A CHORAR)
ALONSO – FILHO DA PUTA... TOMARA QUE VOCÊ MORRA... PAI... VOCÊ JÁ VAI VER, SEU
BABACA...
DIEGO – NÃO COMEÇA, ELE É MENOR QUE VOCÊ. SE QUER BRIGAR, ENTÃO BRIGA
COMIGO!
ALONSO – VOCÊ NÃO VAI MAIS ANDAR NO CARRO DO MEU PAI.
ANDRES – EU TE PERDÔO A VIDA, PRESUNTINHO... MAS NÃO VEM PEDIR PRA BRINCAR
SE VOCÊ NÃO AGUENTA O TRANCO... ESSE É UM JOGO PRA MACHOS, VIADINHO DA
MAMÃE. (TIRA O CAPACETE E DÁ PRA DIEGO) PRA VOCÊ, PÕE O CAPACETE. EU TE
EMPRESTO. (ANDRES O ACOMODA EM DIEGO).
ALONSO – NÃO VAI MAIS PEDIR PARA ANDAR NO CARRO DO MEU PAI?
ANDRES (CORTANDO ALONSO) – EU NÃO TÔ NEM AÍ PRO CARRO DO SEU PAI. TEM UM
MOTOR QUE NÃO CORRE NADA... QUALQUER DIA BATE... VAI FICAR VIRADO AÍ NUMA
CURVA... O BMW QUE MEU VELHO VAI COMPRAR, SIM, QUE CORRE PRA CARALHO.
CENA 3
(ANDRES CORRE EM CÍRCULOS IMITANDO A CORRIDA DE UM CARRO. ENTRA EM CENA
CLAUDIA, IRMÃ DE ANDRES. VEM DANÇANDO SEVILLANAS. É GORDA, VESTE UM
VESTIDO CHEIO DE BABADOS. O CABELO DIVIDIDO EM DOIS COM ONDULAÇÕES. USA
SAPATOS BRANCOS COM MEIAS ROSAS. É MUITO LIMPA E ARRUMADA. TEM UM TERROR
EXCESSIVO DE SUJEIRA. CARREGA NAS MÃOS UMA SACOLA DE PLÁSTICO CHEIA DE
BOLACHAS E BALAS. LIMPA O BANCO, SENTA-SE E ABRE UMA BALA COM MUITA
ATENÇÃO. COLOCA-A NA BOCA E CHUPA COM ENORME PRAZER, SEM PERDER DE VISTA
O QUE ESTÁ ACONTECENDO. NINGUÉM REPAROU NELA, EXCETO SUSANA, QUE PARECE
SE ENCOLHER MAIS)
ANDRES – VAI CORRER A DUZENTOS POR HORA... ASSIM... E EU TAMBÉM VOU GUIAR. EU
VOU SER O CORREDOR. VOU SER SIM. VOU CORRER MAIS RÁPIDO QUE TODO O MUNDO.
CAMPEÃO DA FÓRMULA UM! CAMPEÃO DA FÓRMULA DOIS! CAMPEÃO! O CARRO QUE
MEU VELHO COMPROU PRA MIM É VERMELHO E EU VOU CORRER DE CAPACETE E TUDO.
DÁ MEU CAPACETE. (ARRANCA, BRUSCAMENTE, O CAPACETE DA CABEÇA DE DIEGO).
(ARRANCA O CAPACETE DE DIEGO, QUE O HAVIA AJUSTADO AO QUEIXO)
DIEGO: PARA! PARA QUE VOCÊ TA ME ENFORCANDO! VOCÊ TA ME ENFORCANDO!
3
ANDRES: É MEU CAPACETE! ANDRES: OLHA AQUI, MARIA MIJONA. SE VOCÊ ABRIR A BOCA, É MELHOR NÃO SE
DEITAR DE NOITE, PORQUE EU JURO QUE ARRANCO OS SEUS OLHOS COM UM ALFINETE.
DIEGO: VOCÊ ENCHE O SACO! (DIEGO CONSEGUE TIRAR O CAPACETE. ANDRES O COLOCA
POR DEUS. NÃO ME DÁ A MINHA PARTE E TUDO BEM. COME SOZINHA AS BALAS QUE
E VOLTA A CORRER) ANIMAL!
SOBRARAM. (ELE A EMPURRA. FAZ UMA CRUZ COM OS DEDOS E BEIJA. CLAUDIA
ANDRES: BRRRRRRRRRR! EU NUNCA VOU MORRER COM ESSE CARRO QUE O MEU PAI RECUPERA O EQUILÍBRIO, ARRUMA O VESTIDO, OLHA-O. LEVANTA AS MEIAS E VOLTA A
COMPROU PRA MIM! OLHAR. ESTÁ ESPERANDO ALGO)

ALONSO: É MENTIRA! CLAUDIA: TA. (CLAUDIA VOLTA PARA O BANCO. SENTA-SE E PROPOSITADAMENTE PEGA
UMA BALA E COMEÇA A CHUPAR. ANDRES, QUE A ESTAVA OBSERVANDO, COMEÇA A
ANDRES: (PARA ABRUPTAMENTE) É VERDADE! TROTAR COM A METRALHADORA NA MÃO FAZENDO UMA MARCHA MILITAR E
ACOMPANHANDO COM EXCLAMAÇÕES. AS CRIANÇAS OBSERVAM A SITUAÇÃO. SE
CLAUDIA: NÃO É VERDADE...
APROXIMAM DE CLAUDIA)
ANDRES: CALA A BOCA, GORDA!
ALONSO: ME DÁ UMA?
(CLAUDIA SEGUE MASTIGANDO, APARENTEMENTE IMPASSÍVEL, VENDO ATÉ ONDE PODE
CLAUDIA: ESPERA, DEIXA EU VER... (CLAUDIA REMEXE A SACOLA PROCURANDO A
CHEGAR)
MENOR, QUE DÁ A ALONSO) TOMA!
CLAUDIA: NÃO É VERDADE.
ALONSO: QUE PEQUENA.
ANDRES: GORDA, GORDONA, SAPO INCHADO. POR QUE VOCÊ NÃO ARREBENTA?
CLAUDIA: CHUPA DEVAGAR. E TOMA UMA PRA VOCÊ TAMBÉM. (ESTENDE UMA A DIEGO
(ANDRES BATE NA IRMÃ. SEUS DOCES CAEM E SÃO COMIDOS PELAS OUTRAS CRIANÇAS.
SEM DEIXAR DE OBSERVAR ANDRES. AS CRIANÇAS MASTIGAM CONCENTRADAS.
CLAUDIA VÊ O QUE ACONTECE E PARA DE GRITAR PELOS GOLPES)
SUSANA, QUE ESTAVA SENTADA NO CHÃO, FICA EM PÉ E SE APROXIMA DE CLAUDIA. SEU
CLAUDIA: OLHA, TÃO ROUBANDO AS MINHAS BALAS. TUDO CULPA SUA! (ANDRES A PASSO É DECIDIDO)
SOLTA E AMBOS SE JOGAM EM CIMA DOS DEMAIS PARA PEGAR AS BALAS. CLAUDIA
SUSANA – E PRA MIM, NÃO TEM?
JUNTA AS QUE ESTÃO NO CHÃO E ANDRES AS TIRA DA BOCA DELES) SÃO MINHAS! SÃO
MINHAS! CLÁUDIA – NÃO.
ANDRES: SOLTA! COSPE. COSPE! SUSANA: E POR QUE NÃO?
CLAUDIA: É TUDO CULPA SUA! CLÁUDIA – PORQUE NÃO QUEREM QUE EU ANDE CONTIGO.
ANDRES: VAMOS, SUSANA! SOLTA! SUSANA: EU NÃO TÔ NEM AÍ.
SUSANA: NÃO TENHO MAIS. CLAUDIA: NÃO ME DEIXAM ANDAR COM VOCÊ, PORQUE A SUA MÃE É UMA MULHER DA
RUA. A MINHA MÃE DISSE QUE A SUA MÃE É UMA MULHER MÁ!
CLAUDIA: (PARA ANDRES) VOCÊ JÁ VAI VER O QUE VAI ACONTECER COM VOCÊ. ... VOU
CONTAR PRA MAMÃE... VOCÊ VAI VER O QUE ELA VAI FAZER... SUSANA: SUA PORCA! NÃO SE METE COM A MINHA MÃE!
(ANDRES SE ATIRA SOBRE A IRMÃ E TORCE SEU BRAÇO) CLAUDIA: E VOCÊ VAI SER IGUAL A ELA.

(SUSANA PULA SOBRE CLAUDIA E PUXA SEU CABELO)

4
SUSANA: NÃO SE METE COM A MINHA MÃE! NÃO SE METE COM A MINHA MÃE!
(CLAUDIA TENTA SE LIVRAR E AMBAS ROLAM, LUTANDO NO CHÃO)
CLAUDIA: IMUNDA! ME SOLTA! ME SOLTA, SUA IMUNDA!
SUSANA: NÃO SE METE COM A MINHA MÃE, FILHA DA PUTA!
(ANDRES, DEPOIS DE DEIXAR POR ALGUNS INSTANTES QUE AS COISAS ACONTEÇAM, SE
METE NA BRIGA PARA PROTEGER A IRMÃ)
ANDRES: VAMOS! SOLTA! SOLTA A MINHA IRMÃ! DESGRAÇADA, IMUNDA! (OS TRÊS
ROLAM. CLAUDIA CONSEGUE SE LIVRAR. ANDRES IMOBILIZA SUSANA NO CHÃO.
CLAUDIA SE ARRUMA ENQUANTO RECOLHE RAPIDAMENTE ALGUMA GULOSEIMA QUE
CAIU, SEM PERDER SEU IRMÃO DE VISTA) AGORA PEDE DESCULPA PRA MINHA IRMÃ.
SUSANA: SAI DE CIMA DE MIM, DEGENERADO!
CLAUDIA: A MINHA MÃE SABE O QUE DIZ.
ANDRES: PEDE DESCULPA.
SUSANA: FILHO DA PUTA! (COM UM IMPULSO, SUSANA SE MEXE E MORDE A MÃO DE
ANDRES, QUE A SOLTA. SUSANA ESCAPA E SE ENCLAUSURA EM UM CANTO DO CENÁRIO,
ONDE COMEÇA A AMONTOAR TODO TIPO DE PROJÉTIL; GARRAFAS, LATAS, ALGUMA
PEDRA)
ANDRES: ESTA RAIVOSA. DEIXOU AS MARCAS DOS DENTES NA MINHA MÃO. OLHEM,
OLHEM. BRUXA! TA COM AIDS, BRUXA?!
CLAUDIA: PÕE MERTHIOLATE...
CLAUDIA: ESSA ENDEMONIADA VAI PRO INFERNO.
ALONSO – O QUE É UMA MULHER DA RUA? (SUSANA ATACA ALONSO) PÁRA... QUE FOI
QUE EU TE FIZ?
ANDRES – NÃO VÊ QUE ELA TÁ COM RAIVA? VAMOS TER QUE MANDAR ELA PRO CANIL.
UMA CADELA DROGADINHA.
(DIEGO SE SENTA NO BALANÇO E COMEÇA A SE BALANÇAR. SUSANA JOGA GARRAFAS E
LATAS QUANDO PERCEBE QUE É MENCIONADA)
ALONSO: O QUE É UMA MULHER DA RUA?
CLÁUDIA – MULHER DA RUA É UMA MULHER QUE TÁ SEMPRE NA RUA. MORA NA RUA.
NÃO FAZ COMIDA, NEM NADA... NÃO PREGA BOTÃO, NÃO FAZ NADA E ANDA SEMPRE
SUJA COMO ELA... (UM PROJÉTIL ACERTA O CORPO DE CLAUDIA, QUE GRITA) IMUNDA!
ALONSO – MINHA MÃE SEMPRE SAI PRA RUA E É MAITÊ QUEM FAZ TUDO.
ANDRES – UMA VEZ O MEU VELHO DISSE PRO VERDUREIRO, QUANDO VIU A MÃE DA
CADELA RAIVOSA PASSANDO: ESSA AÍ É MAIS PUTA QUE GALINHA. É PRATO MEU HÁ
MUITO TEMPO... HEI, AINDA TEM MAÇÃ NA GELADEIRA?
CLÁUDIA – VAI LÁ E OLHA...
CENA 4
(ANDRES AMEAÇA BATER NELA, QUE SE COBRE ANTES DE ANDRES LEVANTAR A MÃO,
TUDO EM MEIO A UMA CHUVA DE LATAS E OUTROS OBJETOS. ANDRES SE SENTA NA
OUTRA PONTA DO BANCO, ALONSO SE ACOMODA NO MEIO. COMEÇAM A BALANÇAR AS
PERNAS, CADA VEZ COM MAIS FORÇA, AO RITMO DE ALGUM JINGLE OU CANÇÃO DA
MODA, ENQUANTO VAI ENTRANDO O TAM TAM DO BACALAO. COMEÇAM A VER SE TEM
RESTOS NAS EMBALAGENS, PRINCIPALMENTE NAS GARRAFAS DE CERVEJA. ANDRES
EXPERIMENTA UMA DE COCA COLA)
ANDRES: ÁLCOOL! EXPERIMENTA!
CLAUDIA: ISSO É LIXO.
(TODOS ACABAM EXPERIMENTANDO E DANÇANDO DE UM MODO DESENFREADO, AO
RITMO DO BACALAO. A LUZ MUDA DEPOIS DE ALGUNS INSTANTES, VOLTANDO AO
NORMAL. O SOM DIMINUI. VÃO PARANDO DE DANÇAR E AOS POUCOS RETOMAM SEUS
LUGARES. O RITMO PERSISTE COM VOLUME MUITO BAIXO, PROVOCANDO UM
MOVIMENTO INVOLUNTÁRIO NAS CRIANÇAS, PORÉM JÁ NÃO SÃO OS ADULTOS QUE
ESTAVAM DANÇANDO HÁ POUCO)
ANDRES – QUE CALOR TÁ FAZENDO...
ALONSO – MEU PAI É UM MORTO DE FRIO... POR ISSO VAI PRO QUARTO DA MARIA E
FECHA A PORTA POR CAUSA DA CORRENTE DE VENTO... QUANDO CORRE VENTO ELE
5
SENTE FRIO. (AS CRIANÇAS COMEÇAM A CANTAR MÚSICAS) ELE SEMPRE FECHA A PORTA
COM A CHAVE... SEMPRE CHAVEIA, TOCA O TELEFONE, A CAMPAINHA E NADA...
CLÁUDIA – E POR QUE VOCÊ NÃO ATENDE, SEU BURRO?
ALONSO: É QUE TAMBÉM ME TRANCAM. ME COLOCAM NO MEU QUARTO E FECHAM A
PORTA COM CHAVE. SEMPRE FECHAM A PORTA DO MEU QUARTO COM CHAVE. FICA
TRANCADA A PORTA. TRANCADA... TRANCADA...
(AS CRIANÇAS VOLTAM A CANTAR)
DIEGO – O SEU VELHO DEVE TÁ LOUCO...
ALONSO – EU JÁ PERGUNTEI POR QUE ELE BRIGA COM A MAITÊ NA CAMA. ELE PUXA OS
CABELOS DELA ASSIM, ASSIM, ASSIM... EU UMA VEZ DISSE QUE IA CONTAR TUDO PRA
MINHA MÃE... ELE ME DISSE QUE SE EU CONTASSE, ELE IA EMBORA E NUNCA MAIS
VOLTAVA... E AGORA FECHA A PORTA À CHAVE... (CANTAM) TEM FRIO.
ANDRES: IMBECIL. (VOLTAM A CANTAR A MÚSICA ROMÂNTICA. SUSANA ESTÁ MUITO
ATENTA. SILENCIAM OU HÁ UM SILÊNCIO MUITO CURTO) O MEU PAI DISSE QUE OS
POLÍTICOS SÃO TODOS UMA GRANDE MERDA E QUE POR ISSO ELE É “APOLÍTICO”. EU
TAMBÉM SOU APOLÍTICO. O MEU AVÔ ERA DO DOPS* E EU TAMBÉM VOU SER. ALGUM
DIA EU VOU EXPLODIR TODO MUNDO. TATATATATATA...
(COMEÇA A METRALHAR O GRUPO. ALONSO CAI ALGUMAS VEZES)
CENA 5
ENTRAM, DO OUTRO LADO, CAROLINA E MALU, MUITO CONCENTRADAS, DE MÃOS
DADAS. ESTÃO BRINCANDO DE NOIVOS. CAROLINA, POR CIMA DA ROUPA, VESTE UMA
CAMISOLA TRANSPARENTE, LONGA E BRANCA, E UM CHAPÉU CHEIO DE FLORES. VEM
MEXENDO NA BONECA QUE ESTÁ EM SEUS BRAÇOS. ELA VESTE UMA CAMISA BRANCA
COM GOLA E PUNHOS DUROS, UMA GRAVATA GRANDE, PRETA E RASGADA, E UMA
MAQUININHA DE JOGOS, COM A QUAL VEM BRINCANDO. ELA ESTÁ CONCENTRADA EM
SEU PAPEL, A OUTRA, TOTALMENTE ALHEIA. ANDRES VÊ AS DUAS ENTRAREM. PARA DE
ATIRAR E TIRA OS DEMAIS A EMPURRÕES DO BANCO)
ANDRES - TRALALALA... TRALALALALA...
(INSTALADO SOBRE O BANCO, VAI COLOCANDO O CAPACETE ENQUANTO CANTAROLA A
MARCHA NUPCIAL. OS DEMAIS VEEM O CASAL E ENTRAM NA BRINCADEIRA PROPOSTA
POR ANDRES. SUSANA CORRE ATÉ O CASAL E FICA ATRÁS, SEGURANDO A PONTA DA
CAMISOLA COMO SE FOSSE UM VESTIDO DE NOIVA. O VOLUME DO CANTO AUMENTA.
DIEGO BALANÇA COM MAIS FORÇA)
CLÁUDIA – CRIANÇA NÃO PODE SER NOIVO, CRIANÇA NÃO PODE CASAR...
ANDRES – CALA A BOCA, MARIA MIJONA. SILÊNCIO. RESPEITO NESTA CASA DE DEUS.
PAREM!
CLAUDIA: NÃO EXISTE ISSO. CRIANÇA NÃO PODE CASAR.
(CLAUDIA SEGUE REPETINDO A IMPOSSIBILIDADE, ENQUANTO GIRA EM VOLTA DO
CASAL. VAI SE FORMANDO UM CORTEJO, QUE É ENVOLVIDO POR UM CERTO HALO DE
SENSUALIDADE. SUSANA SOLTA A CAUDA DO VESTIDO. PEGA A MÃO DE ALONSO E
COMEÇAM A GIRAR DESENFREADAMENTE)
ANDRES: SILÊNCIO! QUIETOS!
CLAUDIA: NÃO PODEM CASAR.
(O CASAL FICA EM FRENTE AO BANCO. OS DEMAIS FICAM ATRÁS, COM EXCEÇÃO DE
CLAUDIA, QUE CONTINUA DANDO VOLTAS TENTANDO INTERROMPER O JOGO)
CLAUDIA: É PECADO!
ANDRES: SE VOCÊ NÃO FICAR QUIETA, EU QUEBRO A SUA CARA.
CAROLINA: PECADO É NÃO SE CASAR.
ALONSO: AS FREIRAS NÃO SE CASAM.
ANDRES: AJOELHADOS.
(CAROLINA SE AJOELHA. PUXA MALU, QUE TAMBÉM SE AJOELHA. ATRÁS DELES, SUSANA,
ALONSO E FINALMENTE DIEGO. APENAS CLAUDIA NÃO SE AJOELHA. ELA SE AFASTA)
CLAUDIA: ISSO É PECADO. EU NÃO ME AJOELHO.
ANDRES – ENTÃO VAI EMBORA DAQUI, MARIA MIJONA...
DIEGO: DEIXA ELA EM PAZ.
ANDRES: NÃO SE METE.
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CLÁUDIA – EU SÓ VOU QUANDO ME DER VONTADE. E VOCÊ NÃO É NINGUÉM PRA
MANDAR EM MIM... OLHA QUE EU CONTO TUDO PRA MÃE... SEU IDIOTA... EU VOU
QUANDO ME DER VONTADE E VOCÊ NÃO É NINGUÉM PRA ME EXPULSAR. SENÃO EU
VOU E CONTO...
ANDRES: SE VOCÊ NÃO SE AJOELHAR, EU TE PARTO A CARA!
DIEGO: NÃO ENCHE O SACO, ANDRES. A GENTE TA BRINCANDO.
ANDRES: VOCÊ É UM IMBECIL... (PARA CLAUDIA) E VOCÊ DE JOELHO!
CLÁUDIA – AS MINHAS MEIAS VÃO SUJAR E DEPOIS QUEM APANHA SOU EU...
ANDRES – E VAI APANHAR DE NOVO SE NÃO ME OBEDECER... ANDA! (ANDRES AJOELHA
A IRMÃ À FORÇA) E AGORA CALA ESSA BOCA... FICA QUIETA OU EU TE ARREBENTO COM
UM PONTA-PÉ. ESSE TEMPLO É TESTEMUNHO DA UNIÃO DESTE CASAL FELIZ. DÁ A MÃO.
SENHORA MALU... SENHORA MALU...
CAROLINA: (CUTUCA MALU) LOPEZ CASAN...
MALU: SIM... LOPEZ CASAN.
ANDRES: MALU LOPEZ CASAN, VOCÊ ACEITA A SENHORITA CAROLINA...
CAROLINA: CAROLINA ACUÑA ROBLEDO...
ANDRES: CAROLINA ACUÑA ROBLEDO COMO SUA LEGÍTIMA ESPOSA? VAI, IMBECIL,
RESPONDE!
MALU: BEM...(AS CRIANÇAS SE CUTUCAM E RIEM)
ANDRES: TEM QUE DIZER “SIM, ACEITO”! BURRO!
SERGIO: SIM, ACEITO, BURRO.
(VOLTAM A RIR, CUTUCANDO-SE)
ANDRES: BASTA. RESPEITO! SENHORITA CAROLINA ACUÑA DA PUTA QUE PARIU, ACEITA
A SENHORA MALU COMO SUA LEGÍTIMA ESPOSA?
CAROLINA: SIM, ACEITO.
CLAUDIA: NÃO...
ANDRES: AGORA SÃO MARIDO E MULHER, E NADA PODE SEPARAR VOCÊS.
CLAUDIA: QUE A MORTE SEPARE VOCÊS.
ANDRES: QUE NADA OS SEPARE! O QUE DEUS UNIU, UNIDO ESTÁ. AMÉM!
CLÁUDIA – NÃO VALE, NÃO VALE... FALTAM AS ALIANÇAS. SE NÃO TEM ALIANÇAS NÃO
ESTÃO CASADOS.
ANDRES – CALA A BOCA.
CLAUDIA: A MAMÃE USA ALIANÇA!
ANDRES: E O PAPAI NÃO. O QUE É QUE TEM? FAÇAM O SINAL DA CRUZ. (TODOS FAZEM
O SINAL DA CRUZ) AVE MARIA CHEIA DE GRAÇA, O SENHOR É CONVOSCO... VAMOS!
TODOS: AVE MARIA CHEIA DE GRAÇA, O SENHOR É CONVOSCO, BENDITA SOIS VÓS
ENTRE AS MULHERES E BENDITO É O FRUTO DO VOSSO VENTRE, JESUS.
ANDRES: SANTA MARIA, MÃE DE DEUS...
TODOS: "ROGAI POR NÓS PECADORES, AGORA E NA HORA DE NOSSA MORTE, AMÉM.”
CLAUDIA: (DURANTE A ORAÇÃO, ININTERRUPTAMENTE) QUE MORRAM... QUE
MORRAM... QUE MORRAM...
ANDRES: AMÉM!
CLAUDIA: AMÉM...
ANDRES: AGORA VOCÊS SE BEIJAM.
TODOS: BEIJA! BEIJA! BEIJA!
CLAUDIA: NÃO, NÃO, NÃO... (NINGUÉM PARECE OUVI-LA. RINDO E SE EMPURRANDO,
VÃO APROXIMANDO O CASAL ATÉ JUNTAR MALU E CAROLINA. ELAS SE DÃO UM BEIJO
BREVE E ENVERGONHADO, TODOS APLAUDEM. CLAUDIA, QUE TINHA AJUDADO NA
BRINCADEIRA, ESTÁ NERVOSA) NÃO! ASSIM NÃO VALE! TEM QUE BEIJAR DE VERDADE!
NA BOCA!
CENA 6
(VOLTA A EMPURRÁ-LOS E UNI-LOS. DESTA VEZ O BEIJO É MAIS REAL. O JOGO VAI
CRESCENDO JUNTO COM A SENSUALIDADE. AS RISADAS VÃO SUMINDO. ENTRA O RITMO
7
BACALAO E FICA APENAS ELE E AS RESPIRAÇÕES ENQUANTO SE ABRAÇAM E SE MEXEM
INDISCRIMINADAMENTE NO CHÃO. ENTRA EM CENA JULINHO, UM DEFICIENTE DE VINTE
ANOS. ESTÁ USANDO UMA CALÇA CINZA LARGA, CAMISA BRANCA E GRAVATA. TODOS
PARECEM SER DE OUTRA PESSOA. NAS MÃOS TRAZ UMA CAIXA DE PAPELÃO. AO VER A
BRINCADEIRA, SORRI, DEIXA A CAIXA SOBRE O BANCO E ACOMPANHANDO O BACALAO
ENTRA NO MEIO DAS CRIANÇAS, QUE NÃO NOTAM SUA PRESENÇA. CONFORME JULINHO
VAI SE ANIMANDO, VAI CRESCENDO UMA VIOLÊNCIA LIGADA À SENSUALIDADE
ALTERADA. SEUS ABRAÇOS E PEGADAS PROVOCAM DOR EM UM E OUTRO. A PRIMEIRA A
SE LEVANTAR É CLAUDIA, ENQUANTO A LUZ VOLTA AO NORMAL E O SOM DIMINUI)
CLÁUDIA – ANIMAL... BRUTO... POR QUE NÃO VAI PRO HOSPÍCIO? SEU TARADO...
ESTÚPIDO... IDIOTA... BRUTO.
(COMEÇA A CHUTÁ-LO. OS DEMAIS VÃO SE LEVANTANDO. UM DELES TEM QUE FAZER
UM GRANDE ESFORÇO PARA SE SOLTAR DO ABRAÇO DE JULINHO, QUE SEGUE
SEGURANDO ELES NO CHÃO. AS CRIANÇAS OBSERVAM)
ANDRES – FICOU RAIVOSO... DE REPENTE ESPUMA PELA BOCA...
CAROLINA: EU TO COM MEDO. A MINHA BONECA...
(CAROLINA VAI PEGAR SUA BONECA. APÓS O ORGASMO, JULINHO VAI SE ACALMANDO.
ESTÁ COM AS MÃOS NOS BOLSOS E ENCOLHIDO, COM OS OLHOS FECHADOS E O CORPO
MOLE. AS CRIANÇAS SE AFASTAM UM POUCO ENQUANTO ANDRES SE APROXIMA E O
CUTUCA COM A PONTA DO PÉ. JULINHO NÃO SE MEXE)
ALONSO: ESTÁ MORTO.
ANDRES: VOCÊ EMPURROU ELE!
ALONSO: EU?
ANDRES: É, EU VI...
ALONSO: EU NÃO.
ANDRES: VOCÊ SIM.
ALONSO: ISSO É MENTIRA. É MENTIRA.
(ALONSO ESTÁ QUASE CHORANDO, DIEGO SE APROXIMA E SACODE JULINHO)
DIEGO: VAMOS, JULINHO... OLHA PRA MIM... (JULINHO ABRE OS OLHOS E SORRI. O
GRUPO SORRI ALIVIADO) ELE TÁ BEM.
ANDRES: IMBECIL..
ALONSO: TA VENDO QUE ELE NÃO TA MORTO? TA VENDO?
ANDRES: VOCÊ NÃO SABE DE NADA...
(SUSANA SE JOGA EM JULINHO E O ABRAÇA)
SUSANA: TONTO... TONTO... VOCÊ TROUXE BALA?
JULINHO: SURPRESA! SURPRESA! SURPRESA! (JULINHO SORRI E TIRA DO BOLSO UM
PACOTE DE BALAS. ELE DÁ UMA BALA PARA CADA UM) EU GOSTO DE SURPRESAS. UMA
PRA VOCÊ... UMA PRA VOCÊ... UMA PRA VOCÊ... (ELE COLOCA UMA BALA NA BOCA,
SABOREIA E FECHA O PACOTE COM MUITO CUIDADO) ESTAS SÃO PRA SOBREMESA, PRA
NOITE, QUANDO VEM O ESCURO. EU COMO NA CAMA, ASSIM A MINHA MÃE NÃO VÊ.
TEM UM MONSTRO NO MEU QUARTO, MAS A MINHA MÃE NÃO VÊ, PORQUE A LUZ FICA
APAGADA. POR ISSO EU ESCONDO AS BALAS AQUI, BEM DENTRO. BEM, BEM
ESCONDIDAS... (GUARDA O PACOTE DE BALAS NO FUNDO DO BOLSO, TIRA A MÃO E O
APALPA POR FORA) TA AQUI, VIU? (ANDRES VAI ATÉ O BANCO E COMEÇA A ABRIR A
CAIXA. JULINHO VÊ E CORRE ATÉ ELE) É MEU! É MEU! É MEU... (ANDRES ERGUE A CAIXA
E SE AFASTA, SEGUIDO POR JULINHO) DÁ! DÁ! MAU! MAU! MAU! MAU!
ANDRES: TOMA! PEGA! PEGA!
(PARECE QUE JULINHO VAI ALCANÇAR A CAIXA, MAS ANDRES SE AFASTA DE NOVO E
JOGA A CAIXA PARA AS CRIANÇAS, QUE VÃO JOGANDO ENTRE SI ENQUANTO JULINHO
TENTA PEGAR. A LUZ MUDA LEVEMENTE)
CRIANÇAS: (QUEM ESTIVER COM A CAIXA) BOBINHO! PEGA, BOBINHO! (TODA VEZ QUE
JULINHO TENTAR PEGAR A CAIXA E ELES DESVIAREM) OPA!
(JULINHO SE CANSA E SE ABAIXA, CHORANDO. O JOGO VAI PARANDO)
CAROLINA: ESTÁ CHORANDO...
CLAUDIA: PORQUE É UM ANORMAL.
ALONSO: NÃO CHORA, JULINHO.
8
CLAUDIA: (PARA JULINHO) O DEMÔNIO VAI SE ESCONDER DEBAIXO DA SUA CAMA COM (SUSANA SE AJOELHA NA FRENTE DE JULINHO. ANDRES, QUE ESTAVA OBSERVANDO, SE
UMA ESPADA AFIADA... APROXIMA. CLAUDIA FICA UM POUCO MAIS DISTANTE E DIEGO SE DETÉM PARA VER.
JULINHO ABRE A CAIXA MUITO DEVAGAR, COLOCA A MÃO LÁ DENTRO E FAZ CARINHO
ALONSO: E O QUE VOCÊ SABE?
EM ALGO)
CLAUDIA: EU SEI... IMBECIL!
SUSANA – UM FILHOTINHO... UM FILHOTE DE PARDAL... ONDE VOCÊ ENCONTROU ELE?
DIEGO: NÃO CHORA, JULINHO. É BRINCADEIRA. É SÓ UM JOGO. AGORA ELE VAI TE DAR. ANDRES – UM PARDAL, DEVE TER PIOLHO.
DEVOLVE.
CLÁUDIA – VAI MORRER DE FOME... NÃO TEM COMIDA.
(ANDRES ESTÁ COM A CAIXA E PERCEBE QUE O GRUPO ESTÁ CONTRA ELE. ELE SE
APROXIMA E COLOCA A CAIXA NO CHÃO) SUSANA: OLHA, DIEGO, É UM FILHOTINHO! VAI, CLAUDIA, ME DÁ UMA BOLACHA QUE
EU FAÇO UMAS MIGALHAS PRA ELE COMER.
ANDRES: TOMA! ESTÁ AQUI... CHORÃO... NÃO TEM VERGONHA? TÃO VELHO E
CHORANDO. CLÁUDIA – NÃO DOU NADA.

(JULINHO PEGA A CAIXA E A SEGURA COMO SE FOSSE UM BEBÊ) SUSANA – ME DÁ UM PEDACINHO SÓ... NÃO VÊ QUE ELE É TÃO PEQUENININHO.

JULINHO: MEU... MEU... DORME, DORME, PEQUENINO... CLÁUDIA – NÃO DOU NADA... POR QUE VOCÊ NÃO VAI PRA CASA E PEDE PRA SUA MÃE?
HEIN? (SUSANA ARRANCA A BOLSA DE CLÁUDIA E ATIRA AS BALAS E BOLACHAS EM
ANDRES: TA BOM.
TODAS AS DIREÇÕES)
(SUSANA FICA ATRÁS DE JULINHO, FAZENDO CARINHO, ABRAÇANDO E DERRUBANDO
SUSANA: TOMA, TOMA, TOMA E TOMA... COME TUDO SOZINHA! (QUANDO A BOLSA
UM POUCO DE AREIA NA SUA CABEÇA. ENQUANTO ISSO OS OUTROS ESTÃO BRINCANDO ESTÁ VAZIA, VOLTA A SE AJOELHAR PERTO DA CAIXA E DE JULINHO, E TOCA O
SOZINHOS E ANDRES FAZ EXERCÍCIOS MILITARES SEM PERDER NADA DE VISTA. SUSANA
PASSARINHO) POBREZINHO... ESPERA QUE VOU BUSCAR UMA MINHOCA PRA VOCÊ. É
DÁ UM BEIJO EM JULINHO E COLOCA A MÃO DENTRO DA SUA CAMISA, FAZENDO
MELHOR.
CÓCEGAS. JULINHO RI)
CLAUDIA: ANDRES! ANDRES! EU VOU MATAR ELA! MÃE! FILHA DA PUTA, EU VOU TE
SUSANA: JULINHO... JULINHO, ME DIZ O QUE TEM AÍ DENTRO?
ARREBENTAR!
JULINHO: É MEU!
(JULINHO OLHA PARA OS DOCES. SUSANA PROCURA UMA MINHOCA)
SUSANA: EU SEI, MAS ME DEIXA VER. VAI, NÃO SEJA RUIM, JULINHO... JULINHO: QUERO UMA BALA! EU QUERO UMA BALA! EU GOSTO DE BALA.
JULINHO: TA BOM, MAS ELE TA DORMINDO. NÃO FAZ BARULHO QUE ELE ACORDA. SE
CLAUDIA: QUE ME IMPORTA... NÃO ENCHE. E FICA ONDE VOCÊ ESTÁ.
ELE ACORDA, SE ASSUSTA. SE ASSUSTA MUITO. E SE ELE SE ASSUSTA TEM MEDO E
CHORA... (JULINHO NÃO SE MOVE. CLAUDIA RECOLHE AS BALAS. DIEGO VAI ATÉ A AREIA E
COMEÇA A CHUTÁ-LA)
SUSANA: EU NÃO VOU ASSUSTAR.
DIEGO: EI, VEM, VEM AQUI! VAMOS PROCURAR MINHOCA PRO PASSARINHO.
JULINHO: NÃO...
CAROLINA: QUE PASSARINHO?

9
DIEGO: DO JULINHO. É UM PARDAL. ELE TA NA CAIXA.
(ALONSO, CAROLINA E MALU CORREM ATÉ JULINHO E SE APROXIMAM DA CAIXA.
CAROLINA SE AFASTA, COM MEDO. JULINHO PARECE ESQUECER DELES, PEGA A CAIXA E
VAI ATÉ O BANCO CANTAROLANDO, PÕE A CAIXA EM CIMA E SE SENTA AO LADO DELA.
MALU, CAROLINA E ALONSO IMITAM O CANTO DE PÁSSAROS E CORREM AO REDOR DO
BANCO PIANDO. SUSANA E DIEGO PROCURAM MINHOCAS. CLAUDIA SE SENTA NO
BALANÇO E COME UM BISCOITO. ANDRES COMEÇA A METRALHAR OS “PÁSSAROS”.
JULINHO SEGUE CANTAROLANDO)
ANDRES: TATATATA... MORRE, PÁSSARO MALDITO! PARDAL FEDORENTO! TATATATA...
SUSANA: NÃO TEM MINHOCA.
DIEGO: ESTÃO ESCONDIDAS.
ANDRES: VOCÊ VAI MORRER! TATATATA... VAI MORRER NAS MÃOS DO GRANDE POWER
RANGER NINJA, O VINGADOR!
(O PIAR DOS PÁSSAROS AUMENTA E VAI SE MISTURANDO COM O BACALAO. JULINHO
FICA DE PÉ E ALÉM DE CANTAR COMEÇA A DANÇAR NO RITMO DA MÚSICA)
ANDRES: O QUE TE DEU AGORA, IDIOTA? TATATATA....
JULINHO: A MÚSICA ME ANIMA.
ANDRES: VOU ENCHER O IDIOTA.
(COMEÇA A SE CONTORCER PERTO DE JULINHO, IMITANDO-O, PORÉM ELE NÃO REAGE.
ANDRÉS SE ABORRECE E VOLTA A ATACAR COM A METRALHADORA. CAROLINA, MALU E
ALONSO SE JUNTAM À DANÇA)
ANDRES: TATATATA.... AÍ VAI! CAIU DESTRUÍDO! TATATA... CAIU OUTRO! (EMPURRA
ALONSO COM A METRALHADORA) E VOCÊ, VINTE VOLTAS EM TORNO DA PRAÇA!
ALONSO: O QUÊ?
ANDRES: DÁ VINTE VOLTAS EM TORNO DA PRAÇA! E VOCÊ (EMPURRA MALU)
CONTROLA! (A ALONSO) ANDANDO!
MALU: CONTROLAR?
ANDRES: CONTAR, IMBECIL! SABE CONTAR? UM, DOIS... (ALONSO COMEÇA A CORRER,
MALU O OBSERVA) ASSIM! UM!
MALU: UM...
(JULINHO PARA DE SE MEXER E SENTA DE NOVO NO BANCO. DIEGO VEM COM UMA
MINHOCA PRESA NUM PEDAÇO DE PAU E SUSANA COM UM BICHO NA MÃO.
APROXIMAM-SE DA CAIXA. OS OUTROS OS SEGUEM, INCLUINDO MALU QUE AINDA FICA
DE OLHO EM ALONSO QUE CONTINUA CORRENDO. CLAUDIA SEGUE SE BALANÇANDO.
ALONSO CORRE CADA VEZ MAIS PERTO PARA VER)
MALU: ELE NÃO TA COMENDO.
DIEGO: ELE É MUITO PEQUENO. ELE NÃO CONSEGUE COMER SOZINHO.
(CAROLINA SE APROXIMA MAIS DE MALU)
CAROLINA: ELE TEM MEDO...
ANDRES: ELE TEM AIDS E VAI EXPLODIR DO NADA.
(CLAUDIA RI. JULINHO, MUITO DISTRAÍDO, COMEÇA A CANTAR UMA CANÇÃO DE MODA)
CAROLINA: ELE VAI MORRER?
MALU: O QUÊ?
SUSANA: NÃO! O QUE VOCÊ TA FALANDO? ELE COME SIM. VAMOS, MENINO, COME.
COME QUE TA MUITO GOSTOSO. VAMOS, COME, PEQUENININHO...
(ANDRES COMEÇA A SE APROXIMAR DE JULINHO E A CANTAROLAR COM ELE. ANDRES
BATE PALMAS PARA CHAMAR A ATENÇÃO)
ANDRES: EI, JULINHO, POR QUE VOCÊ NÃO SOBE AQUI E CANTA COMO UM ARTISTA DE
VERDADE? VOCÊ É UM ARTISTA, NÃO? (JULINHO RI, ENVERGONHADO) POR ACASO VOCÊ
NÃO CANTA MELHOR QUE QUALQUER IDIOTA DA TELEVISÃO?
JULINHO: SIM.
ANDRES: POR ACASO NÃO CANTA MELHOR QUE O ROBERTO CARLOS?
JULINHO: SIM...
10
ANDRES – NÃO SEJA BOBO... VAMOS, CANTA... JULINHO, JULINHO... (JULINHO CANTA E É
APLAUDIDO) COM VOCÊS, O GRANDE VIADINHO!
(ELE APLAUDE E JULINHO TAMBÉM. ANDRES VAI EMPURRANDO AS CRIANÇAS ATÉ QUE
ELAS SE JUNTEM AOS APLAUSOS. SUSANA PEGA A CAIXA E A LEVA ATÉ A BORDA DO
CENÁRIO, JUNTO DO QUADRADO DE AREIA E SE UNE AO GRUPO. MALU CONTINUA
CONTROLANDO ALONSO, QUE SEGUE CORRENDO AO REDOR DO CENÁRIO E SE MANTÉM
ATENTO AO QUE ACONTECE)
MALU: DOZE... SETE... OITO...
GRUPO: SOBE, JULINHO! JULINHO, JULINHO!
(ALONSO PARA DE CORRER E SE UNE AO GRUPO, ACOMPANHADO DE MALU. JULINHO
SOBE NO BANCO E COMEÇA A SE MEXER QUE NEM MICHAEL JACKSON E A CANTAR.
DESAFINA. ESTÁ EMPOLGADO. AS CRIANÇAS, LIDERADAS POR ANDRES, APLAUDEM
ANTES QUE ELE TERMINE. ELE DEMORA A PARAR DE CANTAR E FAZ GRANDES
AGRADECIMENTOS E SE APLAUDINDO TAMBÉM)
ANDRES: BRAVO! BRAVO! JÁ TA BOM. AGORA CANTA OUTRA, VAI.
JULINHO: SIM...
ANDRES: VAMOS, CANTA! (ANDRES COMEÇA A ACOMPANHAR JULINHO NA CANÇÃO E
COM A METRALHADORA NA MÃO VOLTA A MARCHAR. OS DEMAIS VÃO SE UNINDO À
MARCHA. ANDRÉS PARA E SE POSICIONA, OS DEMAIS O IMITAM, MENOS JULINHO QUE
NÃO PERCEBEU E CONTINUA CANTANDO A PLENOS PULMÕES) CHEGA! (JULINHO NÃO
OUVE E CONTINUA) NÃO ENCHE. EU FALEI PRA PARAR! (JULINHO CONTINUA) CALA A
BOCA DE UMA VEZ, PORRA! SEU ANORMAL! (ANDRES PULA NO BANCO E TAPA A BOCA
DE JULINHO, QUE SEGUE CANTANDO. ANDRES O EMPURRA, JULINHO CAI MEIO
ATORDOADO. ANDRES RI E JULINHO COMEÇA A APLAUDIR, ACOMPANHADO POR
ANDRES E OS DEMAIS) POR QUE VOCÊ NÃO DANÇA? DANÇA ALGUMA COISA, JULINHO!
(JULINHO VOLTA A SUBIR NO BANCO)
JULINHO: BOM...
(ANDRES COMEÇA A FAZER UM RITMO COM PALMAS, ENTRA O SOM DO BACALAO.
JULINHO DANÇA, OS DEMAIS SEGUEM O RITMO, QUE FICA FRENÉTICO. CLAUDIA PARA E
VAI ATÉ O BALANÇO, ONDE FICA SE BALANÇANDO COM FORÇA. JULINHO A VÊ, PARA DE
DANÇAR E VAI ATÉ O BALANÇO ENQUANTO OS OUTROS SEGUEM DANÇANDO, CADA
QUAL NO SEU PRÓPRIO MUNDO. CLAUDIA OS OBSERVA)
JULINHO: EU QUERO BRINCAR.
CLAUDIA: SAI DAQUI.
JULINHO: EU QUERO BRINCAR AÍ. EU QUERO BRINCAR! (JULINHO COMEÇA A SACUDIR
VIOLENTAMENTE A CORDA, TENTANDO TIRÁ-LA. CLAUDIA ESTÁ ATERRORIZADA, MAS
NÃO SAI) EU QUERO! EU QUERO! EU QUERO!
CLAUDIA: FORA DAQUI! FORA! NÃO ME TOCA! TARADO! ANIMAL! ANDRES! ANDRES!
(ANDRES PARA DE DANÇAR, E OS OUTROS TAMBÉM. O SOM DO BACALAO VAI SUMINDO.
ANDRES ESTICA OS BRAÇOS E COMEÇA A TREMER ENQUANTO SE APROXIMA DE
JULINHO)
ANDRES: JULIIIIIINHO! JULIIIIIINHO! AÍ VEM O FREDDY KRUEGER PARA TE PEGAR,
JULINHO. ELE É MUITO MAUUUUUUU.... GRRRRRRRRRRRRRR....
(JULINHO VÊ E PARA DE SE MEXER DE MEDO. DEPOIS DE UM TEMPO COMEÇA A GRITAR)
JULINHO: AAAAAAAAAAA....
SUSANA: DEIXA ELE EM PAZ! IMBECIL! PARA! EU FALEI PRA DEIXAR ELE EM PAZ!
(EMPURRA ANDRES, QUE DEVOLVE O EMPURRÃO)
ANDRES: FILHA DA PUTA.
(SUSANA LEVA JULINHO ATÉ O BANCO E SENTA AO SEU LADO, FAZENDO CARINHO E
TENTANDO ACALMÁ-LO)
SUSANA: É MENTIRA... É MENTIRA...
CENA 7
(ANDRES ARRUMA O CAPACETE E COMEÇA A IR EM DIREÇÃO AO BANCO. DIEGO
PERCEBE E ENTRA NO MEIO, O EMPURRANDO E FAZENDO UMA POSE DE CARATECA)
ANDRES – POR QUE VOCÊ TEM QUE SE METER AONDE NÃO FOI CHAMADA? SE ME DER
VONTADE EU TE AMASSO OS BEIÇOS COM UM SOCO...
11
(DIEGO SEGUE SALTANDO E DANDO GRITOS DE CARATECA) CLAUDIA: VOCÊ VAI VER SÓ O QUE VAI ACONTECER QUANDO A MAMÃE TE VER ASSIM.E
VOCÊ SAI DAÍ QUE ESSE LUGAR É MEU! (A ANDRES) VOCÊ VAI SE VER COM A
DIEGO: HOOOOOOO.... HAAAAAAAAA...
MAMÃE.
ANDRES: O QUE VOCÊ QUER?
ANDRES: (IMITANDO-A) VOCÊ VAI SE VER COM A MAMÃE. VOCÊ VAI SE VER COM A
DIEGO: VOCÊ, FREDDY IMUNDO... AQUI ESTÁ O GRANDE SUPERMAN!
MAMÃE. TEMOS QUE ACABAR COM AS CADELAS GORDAS.
ANDRES: ENTÃO A GENTE TEM UM SUPERMAN, É? VAMOS VER SE VOCÊ TEM BOLA,
MACHÃO! (ANDRES VOLTA A SUA PERSONALIDADE DE FREDDY KRUEGER E ENFRENTA CAROLINA: EU GOSTO DE BRINCAR AÍ.
DIEGO)
CLAUDIA: E DAÍ?
DIEGO: FREDDY KRUEGER, O MALVADO! NENHUM POBRE MORTAL PÔDE COM SUAS
ANDRES: CADELA GORDA!
GARRAS AFIADAS, MAS HOJE O SUPERMAN, O GRANDE, ENFRENTA ESSA BATALHA PELO
BEM DA HUMANIDADE. CLAUDIA: VOCÊ VAI VER SÓ.
ANDRES: MALDITO SUPERMAN! VOCÊ NÃO CONSEGUIRÁ ME VENCER! VOU TE DAR UMA ANDRES: GORDA, BALEIA! VOCÊS SABEM O QUE ESSA GORDA INFAME FAZ À NOITE NA
SOVA E ARRANCAR O SEU ESTÔMAGO PELA BOCA, INFELIZ!
CAMA?
DIEGO: VÁ EM FRENTE, ANIMAL DE MERDA!
CLAUDIA: NÃO... NÃO, ANDRES... POR FAVOR, NÃO...
ALONSO: POWER RANGERS... METAMORFOSEAR!
ANDRES: ESSA TONTA FAZ XIXI NA CAMA.
(PRIMEIRO ANDRES E DIEGO, LOGO TODOS OS DEMAIS ESTÃO EM UMA LUTA EM QUE
CUMPREM PAPÉIS PRÉ-ESTABELECIDOS. CADA UM CONTRA TODOS OS OUTROS. SUSANA CLAUDIA: MENTIRA! ISSO É MENTIRA!
SE ANIMA E SOBE NAS COSTAS DE JULINHO)
ANDRES: ESTA VACA SE MIJA TODAS AS NOITES.
ALONSO: EU SOU TARZAN, REI DOS MACACOS. AAAAAAAAAAAA!
CLAUDIA: MENTIRA! MENTIRA! MENTIRA! MENTIRA!
SUSANA: EU, A SUPERWOMAN, VOU TE DESTRUIR!
ANDRES: ESTA GORDA IMENSA MOLHA TODO O COLCHÃO COM ESSA BUNDA ENORME.
CLAUDIA: “SUPERWOMAN " SOU EU! SOU EU! PARECE QUE TEM UMA MANGUEIRA ENFIADA AÍ DENTRO.

ALONSO: VAMOS BRINCAR DE VIOLÊNCIA? CLAUDIA: MENTIROSO! VOCÊ É UM MENTIROSO!

ANDRES: VAMOS! ANDRES: O COLCHÃO TA CHEIO DE MIJO. ANDRES: O MIJO FLUTUA COMO SE FOSSE UM
MAR.
CLAUDIA: AI! EU VOU MORRER! ESTÃO ME MATANDO! SAI, SAI! (CONSEGUE SAIR E
COMEÇA A ALISAR O VESTIDO) MEU VESTIDO... TONTOS, IMBECIS, TARADOS, IDIOTAS! DIEGO: DEIXA ELA EM PAZ!
VOCÊS ME DESARRUMARAM TODA!
CLAUDIA: PORCO, IMUNDO, MAU...
ANDRES: PARA DE LATIR, CADELA.

12
ANDRES: A VELHA COMPROU UMA CAPA PRA VER SE DIMINUI O CHEIRO DE PODRE DO
COLCHÃO. TEM CHEIRO DE MORTO AQUILO LÁ. E EU CONTO PRO PAPAI. É MELHOR
COMEÇAR A USAR FRALDA, MIJONA.
ANDRES ( A ALONSO ): E VOCÊ? DEU AS VINTE VOLTAS?
CENA 8
DIEGO: UMA VEZ, NO SÍTIO DO MEU AVÔ, UM CAVALO APODRECEU NO MEIO DA
FLORESTA COM UMA PATA ENREDADA. O MEU AVÔ QUE ME CONTOU. ELE NÃO ME
DEIXOU CHEGAR PERTO. PARECE QUE OS LOBOS MEIO QUE O TINHAM COMIDO. TINHA
UM CHEIRO DE MORTO. MORTO PODRE. AQUELE CAVALO TINHA SIDO TÃO BONITO. ELE
SE BALANÇAVA TODO. ERA MEIO CINZA COM MANCHAS PRETAS E UMA CAUDA GRANDE
E PRETA. ERA TÃO BONITO E TÃO MANSO. ME DEU UMA RAIVA! UMA VONTADE DE
QUEBRAR A CABEÇA DE TODOS OS LOBOS! QUE PENA... ELE COMIA AÇÚCAR DA MINHA
MÃO E TINHA O FOCINHO MOLHADO E QUENTE. EU GOSTAVA TANTO DELE. ME DEU
TANTA RAIVA..
ALONSO: VOCÊ CHOROU MUITO?
DIEGO: EU NÃO CHORO NUNCA!
ALONSO: POR QUÊ?
DIEGO: VEM AQUI! VOCÊ NÃO TEM CORAGEM...
CAROLINA: MEU CACHORRINHO TAMBÉM MORREU E FOI PRO CÉU.
ANDRES – OLHA SÓ, GENTE... COMO É IDIOTA... FOI O LIXEIRO QUE LEVOU SEU
CACHORRO, SUA PIRRALHA...
CAROLINA: MAU! MAU! MENTIROSO! MEU CACHORRINHO FOI PRO CÉU. A MINHA AVÓ
ME FALOU, TÁ? VOCÊ É MAU!
ANDRES: PARA DE SER TONTA. É MELHOR NÃO ACREDITAR NA SUA AVÓ. AS VELHAS
ESTÃO TODAS LOUCAS E FICAM INVENTANDO CADA COISA...
CAROLINA: QUER SABER? A MINHA AVÓ NÃO TA LOUCA E NÃO INVENTA NADA! NADA!
ELA VIU QUANDO O MEU CACHORRINHO FOI PRO CÉU. ELA VIU! MENTIROSO!
ANDRES: FICA QUIETA, IDIOTA!
CAROLINA: VOCÊ É MAU! MUITO MAU!
ANDRES: SACO... TÁ BOM! VOCÊ GANHOU. ELE FOI PRO CÉU. OLHEM, OLHEM! ALI! ALI!
ATRÁS DAQUELA NUVEM QUE PARECE BOSTA DE CACHORRO, ALI! VOCÊS ESTÃO
VENDO?
MALU: NÃO TO VENDO NADA.
ANDRES: COMO NÃO? PRESTA ATENÇÃO. ESCUTA. “AU! AU!" NÃO TA OUVINDO? “AU!
AU!” NÃO TA OUVINDO COMO ELE LATE? ESCUTA, CAROLINA. ELE TA TE CHAMANDO.
VOCÊ NÃO OUVE ELE TE CHAMAR? “AU! AU! AU!”
DIEGO (RINDO): COMO VOCÊ É BABACA.
CAROLINA: MENTIROSO! MENTIRA! MENTIRA!
ANDRES: QUEM ENTENDE AS MULHERES? CALMA, CALMA... SHHHHHH...
ANDRES: ASSIM, CALMA.
MALU: MEU TIO JOÃO MORREU E NUNCA MAIS VEIO EM CASA
ANDRES: OUTRA! COMO É QUE ELE VAI VIR NA SUA CASA, SE ELE MORREU, SE ACABOU?
MALU: COMO SE ACABOU? MEU TIO TEM UMA LANCHA TODA AZUL E TEM MOTOR,
QUANDO FIZER CALOR ELE VAI ME LEVAR NA LANCHA E ME ENSINAR A NADAR.
ANDRES: COMO VOCÊ É BURRA!
MALU: VOCÊ QUE É BURRO!
SUSANA: SE ELE NÃO VAI VOLTAR, ONDE ELE TA?
ANDRES: QUEM?
SUSANA: O TIO DA MALU. ONDE ELE TA?
ANDRES: EU VOU SABER ONDE ELE ESTÁ. DEVE ESTAR NO CEMITÉRIO.
SUSANA: NO CEMITÉRIO SÓ TEM PEDRAS, ESTÁTUAS E FLORES. TEM MUITAS FLORES.
UM
MONTE!
13
ANDRES: QUER SABER ONDE ELE TA? ESTÁ DEBAIXO DE UM MONTE DE TERRA. AS
MINHOCAS JÁ COMERAM ELE.
SUSANA: MENTIRA!
MALU: MENTIRA! MENTIRA! MENTIRA!
CAROLINA: QUANDO A MINHA AVÓ ME LEVA AO CEMITÉRIO, COMPRA PRA MIM
CHOCOLATES, PIPAS E SORVETES. ELA DIZ QUE QUANDO MORRER VAI COMPRAR UM
APARTAMENTO E EU SOU PODER VISITÁ-LA.
ANDRES: VOCÊ TA MAIS PIRADA QUE A SUA AVÓ.
CLAUDIA: A MINHA MÃE DIZ QUE OS BONS VÃO PRO CÉU E OS MAUS PRO INFERNO. E
QUE LÁ ELES SÃO FRITOS EM UMA FRIGIDEIRA E FINCADOS COM GARFOS MUITO
AFIADOS O SEU TIO ERA MUITO MAU?
MALU: MEU TIO ERA BOM. MUITO BOM! ELE VAI ME ENSINAR A PESCAR TUBARÕES E A
DIRIGIR O CARRO DELE QUE É TODO AZUL E DE CORRIDA. É MENTIRA, O MEU TIO NÃO
FOI EMBORA.
CLAUDIA: ENTÃO POR QUE ELE NÃO VAI MAIS NA SUA CASA?
MALU: PORQUE ELE FOI PRA SELVA CAÇAR UM LEÃO, POR ISSO! ELE VAI TRAZER UM
LEÃO PRA MIM. E UM MACACO TAMBÉM!
ALONSO: A MAITÊ DISSE QUE QUANDO ALGUÉM MORRE VIRA ALMA. E A ALMA VEM
VISITAR A GENTE DE NOITE, QUANDO TA TUDO ESCURO E NINGUÉM PODE VER.. E
ENTÃO ELA PUXA OS SEUS PÉUS...
SUSANA: O QUE É ALMA?
ALONSO: NÃO SEI. UMA COISA RUIM.
CLAUDIA: É UMA ALMA DO PURGATÓRIO.
SUSANA: E O QUE É UMA ALMA DO PUGATÓRIO?
CLAUDIA: UMA ALMA DO PURGATÓRIO É UMA ALMA DO PURGATÓRIO, ANIMAL!
ANDRES: NÃO ENCHE!...
DIEGO: ALMA É GENTE DEPOIS DE MORTA. É IGUALZINHA, IGUALZINHA, MAS É
TRANSPARENTE COMO CRISTAL, E TEM BURACOS NOS OLHOS, COMO SE FOSSE UM
FANTASMA, MAS NÃO É UM FANTASMA E TAMBÉM NÃO É BRANCO.
ANDRES: VAI COMEÇAR A ENCHER!
SUSANA: E POR QUE NÃO É BRANCO?
DIEGO: NÃO SEI. TALVEZ PARA ANDAREM TRANQUILAS PELO CAMPO. QUANDO AS
CORUJAS PIAM OU TEM NOITE SEM LUA, ELAS ANDAM DANDO VOLTAS E VOLTAS SEM
PARAR. MEU AVÔ DISSE QUE SÃO SÓ CONTOS, QUE A TERRA TA CHEIA DE MORTOS E
QUE NÃO TEM OUTRA COISA. ELE FICA BRAVO QUANDO PERGUNTO SOBRE AS ALMAS.
ELE FECHOU A CARA QUANDO EU PERGUNTEI E DEU UM CHUTE NO CHÃO QUE
LEVANTOU UM MONTE DE PÓ. EU CALEI A BOCA. LEVEI UM SUSTO. PARECIAM OS
MORTOS SE LEVANTANDO DA TERRA. MEU AVÔ DIZ QUE É BURRICE TER MEDO DOS
MORTOS. É COM OS VIVOS QUE TEMOS QUE TER CUIDADO.
SUSANA: E COMO VOCÊ SABE QUE AS ALMAS ANDAM POR AÍ DANDO VOLTAS?
DIEGO: PORQUE EU ESCUTEI NO ESCURO. ELAS ANDAM POR AÍ FAZENDO UUUUHHHH,
UUUUUHHHHH...
SUSANA: PRA QUE?
DIEGO: COMO EU VOU SABER? DEVE SER PRA BRINCAR UM POUCO... OU PORQUE ELAS
ESTÃO ENTEDIADAS. OU PORQUE ESTÃO SOZINHAS...
ALONSO: ESTÃO CHORANDO.
SUSANA: PRA SAIR DA TERRA, OS MORTOS SE TRANSFORMAM EM PLANTAS, FLORES E
ERVAS, POR ISSO TEM TANTAS FLORES NO CEMITÉRIO. QUANDO TODAS AS PESSOAS
ESTIVEREM MORTAS, TUDO VAI ESTAR CHEIO DE FLORES. TANTAS FLORES QUE NÃO VAI
TER NEM COMO CAMINHAR POR AÍ.
ANDRES: (RINDO) TO CAGANDO DE RIR! VOU MORRER! VAI ME DAR UM TROÇO!
CLAUDIA: MAL EDUCADOS! BRUTOS! ANIMAIS! EU VOU CONTAR PRA...
CLAUDIA E ANDRES: MINHA MÃE!
ANDRES APONTA A METRALHADORA.
SUSANA A DIEGO: ESCUTA, SEU AVÔ TAMBÉM VAI VIRAR ALMA?
14
DIEGO: MEU AVÔ? MEU AVÔ NÃO TA MORTO! ALONSO: NÃO... NÃO SEI. À NOITE EU COLOCO A CABEÇA DEBAIXO DO TRAVESSEIRO E
ME CUBRO COM O LENÇOL. A MAITÊ É MÁ.
SUSANA: ELE NÃO VAI MORRER?
CLAUDIA: CUIDADO PRO DEMÔNIO NÃO TE PEGAR. VAMOS BRINCAR DE ESTÁTUA?
DIEGO: SÓ QUANDO ELE FOR MUITO, MUITO VELHO...
ANDRES: NÃO SEJA BESTA... JÁ TE DISSE QUE É BRINCADEIRA DE BICHINHA E TARADO.
SUSANA: TODA MUNDO FICA VELHO?
CLÁUDIA: POR QUE A GENTE TEM SEMPRE QUE BRINCAR DO QUE VOCÊ QUER?
DIEGO: É... ACHO QUE SIM...
ANDRES: PORQUE EU SOU O CAPITÃO! POR ISSO! PORQUE EU MANDO! QUER QUE EU
SUSANA: EU NÃO QUERO FICAR VELHA. EU NÃO GOSTO DISSO. EU NÃO QUERO
PROVE?
MORRER.
CLAUDIA: NÃO. EU NÃO QUERO QUE PROVE NADA. EU NÃO QUERO. POR FAVOR...
CENA 9
ANDRES: ENTÃO CALA A BOCA! AS GORDAS IMBECIS TEM QUE FICAR DE BOCA FECHADA!
MALU: O PARDAL COMEU A MINHOCA, OLHA! JULINHO, DÁ O PASSARINHO PRA MIM.
ASSIM! OS BRAÇOS PRA CIMA. ISSO. UM POUCO MAIS, UM POUCO MAIS... (A ALONSO)
JULINHO, EI, VEM PRA CÁ. JULINHO! VEM AQUI. ME DÁ O PARDAL, JULINHO...
SOLDADO, REVISTE-OS!
JULINHO: NÃO! NÃO É MEU! ALONSO: O QUÊ?
MALU: MAS VOCÊ DISSE QUE ERA SEU!
ANDRES: REVISTA DE ARMAS, IDIOTA! É PRA REVISTAR TODOS, PRA VER SE ELES ESTÃO
JULINHO: NÃO É MEU! ESCONDENDO ALGUMA COISA. ESSE TIPO SEMPRE TEM O QUE ESCONDER! TA
ESPERANDO O QUE? ABAIXO OS BRAÇOS, CUZÃO, E OBEDECE!
MALU: JULINHO, VOCÊ É UM MENTIROSO!
COMEÇA A OUVIR-SE O RITMO DO BACALAO, SECO E DURO, INTERROMPIDO POR
JULINHO: NÃO É MEU! SIRENES DE CARROS DE POLÍCIA.
ANDRES: FREDDY KRUEGER COME OS MENTIROSOS... ELE VEM AÍ. CHAC, CHAC... ANDRES: AGORA! REVISTE-OS, SOLDADO. VAMOS! ASSIM NÃO, IMBECIL. OLHA E
APRENDE COM O PAPAI. SEGURE-A COM FIRMEZA E NÃO DEIXE DE APONTAR PRA ESSE
DIEGO: DEIXA ELE EM PAZ.
LIXO. NO CHÃO! NO CHÃO! EU FALEI NO CHÃO, CARALHO! ASSIM! AS MÃOS NA NUCA.
ALONSO: MAITÊ DIZ QUE A ALMA PENADA VEM ME BUSCAR SE EU NÃO OBEDECER ELA. DROGADINHOS, VAGABUNDOS, ESCÓRIA DO MUNDO! NOME! FALA O SEU NOME,
VADIA! OU EU TENHO QUE REFRESCAR A SUA MEMÓRIA?
ANDRES: NÃO ENCHE O SACO. DEIXA ELA EM PAZ E PRONTO.
CAROLINA: CAROLINA... CAROLINA ACUÑA ROBLES...
ALONSO: EU TENHO MEDO.
ANDRES: TEM CERTEZA?
ANDRES: POR QUÊ? JÁ TE PEGOU ALGUMA VEZ?
CAROLINA: SIM, SENHOR.
ALONSO: QUEM?
ANDRES: ONDE VOCÊS ESCONDERAM? ONDE ESTÁ? SUJOS! CIGANOS! LATINOS! VIADOS!
ANDRES: A ALMA. VOCÊ! ONDE VOCÊ ESCONDEU? ONDE TA? ENFIOU NESSA SUA BUNDA GORDA?

AS SIRENES DESAPARECEM
15
MALU: PARA! ISSO DÓI! JULINHO: MAU! MAU! EU NÃO GOSTO DE VOCÊ!

ANDRES: VIADINHO! O QUE VOCÊ QUERIA, QUE EU FIZESSE CÓCEGAS? ANDRES: CHAC... CHAC... CHAC...

DIEGO: A GENTE TA BRINCANDO! NÃO É PRA VOCÊ APROVEITAR PRA FICAR BATENDO JULINHO: NÃO, NÃO... MÃE, MÃE...
NOS OUTROS! VOCÊ NÃO VÊ QUE ELE É MENOR QUE VOCÊ?
DIEGO: CHEGA!
ANDRES: ELE É SÓ LIXO, SE VESTE QUE NEM HOMEM! É PURA MERDA. POR QUE VOCÊ
ANDRES: E QUEM TE CHAMOU NA CONVERSA?
NÃO MORRE, SEU LIXO?
DIEGO: VOCÊ NÃO VÊ QUE ELE TA LOUCO DA CABEÇA?
SUSANA – E O QUE É QUE VOCÊ TEM A VER COM ISSO?
ANDRES: POR QUE VOCÊ NÃO PARA DE ENCHER, PORRA?
ANDRES: FICA QUIETA, IMUNDA, QUE EU TE EXPULSO DAQUI!
ALONSO: ELE TA COM MEDO. VOCÊ NÃO VÊ?
SUSANA: A MIM VOCÊ NÃO ME EXPULSA.
ANDRES: E POR QUE VOCÊ TEM QUE SE METER, INSETO?
ANDRES: TE EXPULSO SE ME DER VONTADE!
CENA 10
SUSANA: A PRAÇA É DE TODOS!
CLAUDIA: A MAMÃE DISSE PRA NÃO SE METER COM ELE.
ANDRES: MENOS PROS VAGABUNDOS!
ANDRES: CALA A BOCA!
SUSANA: EU NÃO SOU VAGABUNDA!
ANDRES: TOMARA QUE ENTRE UMA AGULHA NO MEIO DO SEU CÚ!
ANDRES – E O QUE É ENTÃO? PARECE UMA LATA DE LIXO AMBULANTE...
JULINHO: MAU!
SUSANA: LATA DE LIXO É A SUA AVÓ, FILHO DA PUTA!
ANDRES: ASSIM O SEU CÚ ENCHE DE INSETO E VOCÊ ARREBENTA!
ANDRES: BRUXA! BRUXA DEGENERADA! DEVIAM TE QUEIMAR, BRUXA! VOU FAZER TE
QUEIMAREM NA FOGUEIRA, VAGABUNDA! VAGABUNDA IMUNDA! BRUXA JULINHO: MAU!
DEGENERADA... FILHA DE UMA PUTA... EU FAÇO TE LEVAR EM CANA. (JULINHO
REPREENDE ANDRES) E VOCÊ, QUE BICHO TE MORDEU? CLAUDIA: A MAMÃE FALOU PRA VOCÊ!

JULINHO – MAU... MAU... MAU... VOCÊ É RUIM. NÃO GOSTO DE VOCÊ. ANDRES: FICA QUIETA, GORDA! UM, DOIS, TRÊS, CHÃO.

ANDRES – E EU COM ISSO? VAI PRO HOSPÍCIO, ABERRAÇÃO... VAI, ANTES QUE EU CLAUDIA.: QUEM MAL ANDA, MAL TERMINA.
CHAME UM ENFERMEIRO PRA TE METER NUMA CAMISA-DE-FORÇA E TE DAR
ANDRES: QUER QUE EU MUDE A SUA CARA DE LUGAR?
ELETROCHOQUE NA CABEÇA... ELE VAI TE DAR QUEROSENE PRA BEBER E DEPOIS VAI TE
COLOCAR FOGO... (ANDRES ÀS GARGALHADAS) TARADO... DEZ VEZES TARADO... OLHA ALONSO: ME EMPRESTA O CAPACETE!
QUE A MÚMIA VEM AÍ... QUE ME IMPORTA, RETARDADO? VAI PRO MANICÔMIO. FORA
DAQUI, ANIMAL. VAI LOGO ANTES QUE TE METAM EM UMA CAMISA DE FORÇA E TE ANDRES: DIREITA!
DÊEM ELETROCHOQUE NA CABEÇA QUE VAI FAZER SAIR FOGO DO SEU CÚ. MALU: MEU TIO VAI COMPRAR UM CAPACETE IGUAL A ESSE! VAI COMPRAR UM
MELHOR PRA MIM. MUITO MELHOR!
16
ANDRES: ESQUERDA! SEU TIO VAI COMPRAR É UM PAR DE ASAS PRA VOCÊ SAIR CLÁUDIA: SENHOR MAGO, EU SOU UMA DAMA DISTINTA E VENHO DAS TERRAS
VOANDO COM ELE. (RI) UM, DOIS, TRÊS, ESQUERDA. UM, DOIS, TRÊS, DIREITA. DISTANTES PARA COMPRAR ESTÁTUAS FAMOSAS. MAS NÃO VEJO NENHUMA...

CAROLINA: VAMOS BRINCAR DE ESTÁTUA? VAI! VAMOS BRINCAR DE ESTÁTUA! NÃO ANDRES: AMÁVEL E DISTINTA SENHORA, POR QUE NÃO DÁ UM PASSEIO ENQUANTO
SEJA RUIM, VAI. ABRO AS CAIXAS E DESEMPACOTO AS DEMAIS ESTÁTUAS?

MALU: TA BOM, VAI. ( A ALONSO ) EI, VAMOS BRINCAR? CLAUDIA: COMO PREFERIR. MAS NÃO SE ESQUEÇA QUE ESTE SOL QUEIMARÁ MINHA
DELICADA PELE. VEJA...
ALONSO: VAMOS, MAS EU COMEÇO! DIEGO, VEM BRINCAR DE ESTÁTUA.
ANDRES: É SÓ A SENHORA FECHAR OS OLHOS POR UM INSTANTE.
DIEGO: TA.
CLAUDIA: ASSIM?
CLAUDIA: EU COMPRO!
ANDRES: ASSIM...
CAROLINA: EU FALEI PRIMEIRO!
CLAUDIA: BEM, SE APRESSE, PORQUE MEUS AVIÕES ME ESPERAM.
CLAUDIA: EU COMPRO. SE NÃO GOSTOU, NÃO BRINCA.
ANDRES: QUE OS DEUSES MAGOS ME PROTEJAM... SCHAZZANNNMMM... OBRIGADO,
CAROLINA: TA BOM, VAI, MAS EU PEDI PRIMEIRO. VOCÊ É TRAPACEIRA! OH, PODEROSO.
CLAUDIA: A TRAPACEIRA É VOCÊ, SUA TONTA! VEM. FAÇAM UMA FILA!
CLÁUDIA: VEJO QUE O SENHOR JÁ DESEMPACOTOU AS ESTÁTUAS...
ALONSO: SENHORAS E SENHORES, DENTRO DE ALGUNS MINUTOS AS PORTAS DA
ANDRES: FADUL AOS SEUS PÉS.
GALERIA SE ABRIRÃO PARA GRANDES OPORTUNIDADES... TENHAM PACIÊNCIA,
SENHORES E SENHORAS. CLAUDIA: POSSO DAR UMA OLHADA?

ANDRES: (A ALONSO) QUE MERDA VOCÊ PENSA QUE TA FAZENDO AÍ EM CIMA? ANDRES: CLARO, AMÁVEL SENHORA.

ALONSO: VOCÊ DISSE QUE NÃO QUERIA BRINCAR... CLAUDIA: VEJO UMA ESTÁTUA MARAVILHOSA DE GUERREIRO.

ANDRES: DESCE DAÍ AGORA! OU VOCÊ QUER QUE EU TE AJUDE? ANDRES: MÁRMORE PURO! E ESTA OUTRA É DE OURO COM BRILHANTES LEGÍTIMOS.

DIEGO: POR QUE VOCÊ NÃO DEIXA A GENTE JOGAR EM PAZ? ACARICIA O BRAÇO DE DIEGO, TOCA COM MENOSPREZO A ROUPA DE CAROLINA E
ACABA LHE DANDO UM EMPURRÃO QUE A FAZ PERDER O EQUILÍBRIO.
ANDRES: PORQUE NÃO! DESCE DAÍ AGORA. DESCE OU TE PARTO A CARA!
CAROLINA: OH!
ALONSO: VOCÊ ME PAGA!
CLAUDIA: AS ESTÁTUAS NÃO FALAM. (A MALU) E QUANDO VEM O SEU TIO MORTO COM
ANDRES: VERME!
OS MACACOS, AS GIRAFAS E OS LEÕES? EU FICO COM ESTA! QUANTO CUSTA?
ANDRES: SENHORAS E SENHORES. AQUI ESTAMOS REUNIDOS PARA ESTE
ANDRES: É DE ÔNIX! VEJA A SENHORA MESMA.
EXTRAORDINÁRIO E FANTÁSTICO LEILÃO DE ESTÁTUAS. AS ESTÁTUAS MAIS FAMOSAS DO
MUNDO... ÚNICAS... FORMOSAS... PERFEITAS... A QUE TIVER O MENOR DEFEITO SERÁ CLAUDIA: MAS QUANTO CUSTA?
DESTRUÍDA... ESTE É O JURAMENTO DE FADUL, O MAGO DO ORIENTE.

17
ANDRES: POUCA COISA. POR SER NOSSA CLIENTE, UM MILHÃO. JULINHO: RÉU!

CLAUDIA: DE QUE? ANDRES: CALA A BOCA, RETARDADO, OU O FREDDY KRUEGER APARECE E CORTA A SUA
LÍNGUA!
ANDRES: DO QUE A SENHORA QUISER, MAS O SOL VAI SE PÔR E O MAGO VAI
DESAPARECER. JULINHO: NÃO!

CLAUDIA: UM DESCONTINHO?... BEM, VOU COMPRAR. ANDRES: RÉU!

ANDRES: A SENHORA É MUITO GENEROSA... JULINHO: (SEM SOM) RÉU!

CLAUDIA: VOCÊ MERECE. QUANDO ME ENVIA A ENCOMENDA? ANDRES: RÉU, ESTA CORTE DECIDIU QUE VOCÊ DEVE SER CASTIGADO PELO PECADO QUE
COMETEU. ACEITA A CULPA? (ALONSO CONCORDA COM A CABEÇA) VOCÊ ACEITA O
ANDRES: ATÉ O FIM DO DIA A RECEBERÁ EM SUA CASA. CASTIGO?
CLAUDIA: TENHA UMA ÓTIMA NOITE. SHAZAM! ABRA CADABRA, PATA DE CABRA!
GRUPO: ACEITA!
ANDRES: ESTÁTUA! FALTA UM BOTÃO! AS SUAS MÃOS ESTÃO SUJAS! (ANDRES
ALONSO: EU NÃO TAVA BRINCANDO!
EMPURRA ALONSO COM O PÉ)
ANDRES: TODOS BRINCARAM! VOCÊ ACEITA?
CENA 11
ALONSO: ACEITO, MAS EU NÃO TAVA BRINCANDO.
ANDRES: VOCÊ NÃO BRINCOU. ME OLHA NOS OLHOS. VOCÊ NÃO QUIS JOGAR, ENTÃO
VOCÊ PECOU. NÃO JOGOU, PECOU. VOCÊ MENTIU, VOCÊ PECOU. AGORA ESPERE O ANDRES: ACEITA E OBEDECE?
CASTIGO PELOS PECADOS COMETIDOS!
GRUPO: ACEITA E OBEDECE!
ALONSO: ME DEIXA EM PAZ. EU NÃO BRINQUEI.
ANDRES: ACEITA TER MENTIDO?
ANDRES: VOCÊ PECOU. TOCOU O INTOCÁVEL. VOCÊ VAI SER CASTIGADO!
GRUPO: ACEITA!
ALONSO: EU NÃO TAVA BRINCANDO!
ANDRES: ACEITA TER NOS ENGANADO?
ANDRES: AJOELHADO!
GRUPO: ACEITA!
ALONSO: EU NÃO BRINQUEI, ENTÃO EU NÃO CAÍ. EU JÁ ESTAVA SENTADO. NÃO VALE.
ANDRES: ACEITA A CULPA?
ANDRES: VOCÊ PECOU. VALEU TUDO. AJOELHADO! DEUS E TODOS AQUI PRESENTES
GRUPO: ACEITA!
DECIDIRÃO SEU DESTINO.
ANDRES: ACEITA O CASTIGO JUSTO E SOBERANO?
(COMEÇA A OUVIR O TAM TAM DO BACALAO. JULINHO IMITA OS MOVIMENTOS DE
ANDRES) GRUPO: ACEITA!
ANDRES: RÉU! JULINHO: (GRITA) ACEITA!

18
ANDRES: SILÊNCIO! SUSANA: LEVA O PARDAL, JULINHO! JULINHO! OLHA PRA MIM! POR FAVOR! O PARDAL,
VOCÊ TA ME OUVINDO? O PARDAL. LEVA PRA SUA CASA!
JULINHO: SILÊNCIO!
JULINHO NÃO REAGE.
ANDRES: ESTE TRIBUNAL SUPREMO DECIDE QUE VOCÊ É CULPADO!
SUSANA: LEVA PRA SUA CASA, IDIOTA. TIRA ELE DAQUI. IMBECIL! IDIOTA! RETARDADO!
GRUPO: CULPADO!
TONTO! TONTO! TONTO!
JULINHO: CULPADO! ALONSO: (A TODOS) ISSO NÃO VALE!
ANDRES: PORTANTO, APÓS TERMOS DESMASCARADO A VERDADE, ESTE PRESIDENTE
ANDRES: SE VOCÊ NÃO CUMPRIR, EU POSSO CONTAR ALGUMA COISA PRO SEU PAI...
DECIDIU QUE VOCÊ DEVE PEGAR O PARDAL COM AS SUAS MÃOS...
ALONSO: O QUE VOCÊ VAI CONTAR PRO MEU PAI? EU NÃO BRINCO MAIS!
DIEGO: EI! PARA! ANDRES: EU POSSO CONTAR QUE VOCÊ CONTOU QUE ELE SE TRANCA NO QUARTO COM
ANDRES: DEVE PEGAR O PARDAL QUE ESTÁ NA CAIXA... A MAITÊ. QUE TRANCA A PORTA COM CHAVE. E QUE PUXA ELA PELO CABELO.

DIEGO: O QUE VOCÊ TA FAZENDO? ALONSO: (ATERRORIZADO) VOCÊ NÃO VAI FALAR ISSO!

ANDRES: VOCÊ DEVE PEGAR E APERTÁ-LO ATÉ A MORTE! ANDRES: EU FALO O QUE ME DER NA TELHA, IMBECIL.

ALONSO: QUE? SUSANA: SE MEXE! SE MEXE! SE MEXE!

DIEGO: ISSO É MENTIRA! ALONSO: EU NÃO QUERO MATAR O PARDAL!

ALONSO: NÃO... ANDRES: VOCÊ QUE SABE. MAS DEPOIS NÃO VEM CHORAR.

ANDRES: EU SOU O JUIZ MAGO E VOCÊ VAI ME OBEDECER. PEGA O PARDAL E MATA. ALONSO: NÃO QUERO!

JULINHO: PEGA O PARDAL E MATA! ANDRES: VÃO TE JOGAR NO QUARTO E TRANCAR A PORTA PRA SEMPRE! A ALMA VAI VIR
TE ENGOLIR E OS DEMÔNIOS VÃO DANÇAR NA ESCURIDÃO. UUUAAAHHHH!
SUSANA: ISSO É MENTIRA! NINGUÉM FALOU NADA DO PARDAL! (A ALONSO) NÃO FAZ
ISSO! ALONSO: VOCÊ NÃO TEM CORAGEM. VOCÊ NÃO VAI CONTAR NADA.

ALONSO: NÃO! ANDRES: VEM, HOMEM! É TÃO FÁCIL. VOCÊ APERTA E PRONTO. ACABA. É UMA COISA
DE NADA E ASSIM VOCÊ FICA TRANQUILO. É MELHOR PRA VOCÊ. VAI, NÃO SEJA
ANDRES: JOGO É JOGO. SE VOCÊ NÃO TEM COLHÃO, NÃO JOGA. VIADINHO. OU O SEU PAI FICA SABENDO, VAI EMBORA E VOCÊ NUNCA MAIS VAI VÊ-LO.
DIEGO: PARA! CHEGA! ALONSO: NÃO QUERO. EU NÃO QUERO...
ANDRES: PEGA E MATA. VIADINHO! ANDRES: É FÁCIL. ENFIA A MÃO, APERTA E PRONTO. ACABAM OS PROBLEMAS...
JULINHO: VIADINHO! SUSANA: NÃO! NÃO! NÃO!

19
ANDRES: APERTA! APERTA! VAMOS, IMBECIL! VIADINHO! APERTA, CARALHO! APERTA! CLAUDIA: (A CAROLINA) VOCÊ É IDIOTA?
APERTA! APERTA!
ANDRES: ENFERMEIRA, PREPARE A SALA DE OPERAÇÕES!
ALONSO: EU MATEI! EU MATEI! EU MATEI!
CLAUDIA: ÀS SUAS ORDENS, DOUTOR. (A SUSANA) FORA, SUA IMUNDA. SOLTA ISSO. A
ANDRES: PUTA QUE PARIU! MACHÃO! QUE COLHÃO VOCÊ TEM! ASSIM QUE SE FAZ! (A ENFERMEIRA CHEFE SOU EU! ANDRES! ANDRES!
JULINHO) EI, JULINHO... JULINHO!... É, VOCÊ. VEM AQUI. VEM, HOMEM, QUE EU VOU TE
ANDRES: SOLTA QUE O LIXEIRO TA VINDO.
MOSTRAR UMA SURPRESA. É UMA COISA BEM BONITA, VOCÊ VAI VER. OLHA A
SURPRESINHA PRA VOCÊ, JULINHO. SUSANA: SOLTA VOCÊ OU EU TE PARTO A CARA!
JULINHO: AAAAAAAAAA.... MÃE! MÃE! CLAUDIA: É MINHA!
ANDRES: (IMITANDO-O) MÃE! MÃE! SUSANA: SOLTA, IMBECIL, EU TO FALANDO. SOLTA, FILHA DA PUTA! (CLAUDIA SOLTA A
CAIXA. TUDO FICA EM SILÊNCIO. SUSANA ANDA ALGUNS PASSOS, DEIXA A CAIXA NO
CENA 12
CHÃO E A OBSERVA POR UM MOMENTO) QUE MERDA!
CAROLINA: TA MEXENDO A PATINHA
LEVANTA O PÉ E O CRAVA DENTRO DA CAIXA. SUSANA TIRA O PÉ E CONTINUA OLHANDO
ANDRES: DEIXA EU VER. A CAIXA. AS CRIANÇAS OBSERVAM ASSOMBRADAS.

ANDRES: ESTÁ VIVO! (A ALONSO) SE VOCÊ FOI VIADINHO... MALU: (SE ASSOMBRA) ESTÁ MORTO. .

MALU: OLHA! MEXEU DE NOVO. TEM SANGUE NO BICO! ALONSO: ELA MATOU. ELA MATOU! ELA MATOU!

ANDRES: UUUUUUUUUUUUUUUU.... UUUUUUUUUUUUUUUU.... ABRAM ESPAÇO! AÍ CAROLINA: POR QUE VOCÊ FEZ ISSO? VOCÊ É MÁ.
VEM A AMBULÂNCIA!
CLAUDIA: PORQUE ELA É UMA INVEJOSA, POR ISSO. PORQUE NINGUÉM QUER BRINCAR
CLAUDIA: EU SOU A ENFERMEIRA! COM ELA. DEUS VAI TE MANDAR PRO INFERNO, ASSASSINA!

CAROLINA: E EU SOU O QUE? ALONSO: E A ALMA, ONDE ESTÁ?

CLAUDA: PORRA NENHUMA ANDRES: EU JÁ TE DISSE. A ALMA VEM À NOITE. ELA VAI VIR À NOITE E NÃO VAI DEIXAR
ELA DORMIR. ELA NÃO VAI DORMIR NUNCA MAIS. NUNCA MAIS.
ANDRES: ABRAM ESPAÇO QUE O MÉDICO CHEGOU.
DIEGO: DEIXA ELA EM PAZ.
ANDRES: PARECE TER SIDO UM ACIDENTE DE ESTRADA. DEVIA ESTAR BÊBADO.
ANDRES: VAI SE FODER!
CLAUDIA: SIM, ELE ESTÁ BÊBADO.
DIEGO: DEIXA ELA QUIETA. PARA DE ENCHER, PÔ!
ANDRES: VAMOS TER QUE OPERAR. OS OSSOS ESTÃO QUEBRADOS.
ANDRES: AÍ VEM A BRUXA. ELA ESTÁ CONDENADA A MORRER NO FOGO DA FOGUEIRA.
CLAUDIA: SIM, DOUTOR! AJOELHA E CONTEMPLA A TUA MALDADE. (SUSANA RESISTE E TEM A SUA CORRENTE
CAROLINA: SIM, DOUTOR! ARREBENTADA POR ANDRES)

20
CLAUDIA: ( A ANDRES ) VOCÊ QUEBROU! E É DE OURO. CENA 13

ANDRES: A CULPA É SUA. VOCÊ QUE FICOU SEGURANDO ELA. CAROLINA: (DE CÓCORAS PERTO DA CAIXA) UMA FORMIGA TA CAMINHANDO EM CIMA
DO PARDALZINHO. UMA FORMIGA GRANDE.
CLAUDIA: EU SEGUREI PORQUE VOCÊ MANDOU!
ANDRES: (A MALU) QUE IDIOTA! CLARO QUE VÃO COMER O PARDAL. AS FORMIGAS
ANDRES: ISSO É MENTIRA, IDIOTA MENTIROSA! (LHE DÁ UM TAPA. CLAUDIA COMEÇA A
DEVORAM TUDO. VOCÊ TAMBÉM ELAS VÃO COMER. CRONCH... CRONCH...
CHORAR)
CAROLINA: ALÉM DA ALMA QUE NINGUÉM VAI VER, O QUE SOBRA?
CLAUDIA: VOCÊ VAI VER QUANDO EU CONTAR PRA MAMÃE!
ANDRES: NÃO SEI. OS OSSOS.
ANDRES: EU NÃO DOU A MÍNIMA, GORDA INFAME! (A SUSANA) E VOCÊ, TOMA! (A
ALONSO) PEGA! (ALONSO NÃO SE MOVE) EU FALEI PRA PEGAR! CAROLINA: E OS OSSOS NÃO DOEM?

(ALONSO INICIA O MOVIMENTO.) ANDRES: QUE GAROTA MAIS BURRA! COMO É QUE OS OSSOS VÃO DOER?

SUSANA: DEIXA AÍ. CLAUDIA: QUANDO ENTERRARAM A MINHA AVÓ, A MINHA MÃE ME FEZ COLOCAR UM
VESTIDO ROSA COM RENDA NA BARRA. AS FORMIGAS TAMBÉM COMERAM A MINHA
ANDRES: PEGA! AVÓ? A MINHA MÃE ME OBRIGOU A BEIJÁ-LA. ME DEU MEDO E NOJO, AÍ EU VOMITEI.
SUSANA SE LEVANTA E PISOTEIA A CORRENTE. EU ME VOMITEI TODA E SUJEI O VESTIDO ROSA, A RENDA E OS SAPATOS.

DIEGO: EI, PÁRA! É DEUS! ANDRES: AH, QUE NOJO! NÃO COMERAM A VOVÓ. QUE ESPERANÇA! MAS VÃO TE
COMER QUANDO VOCÊ MORRER. “QUE GORDA BOA DE SE COMER” VÃO DIZER AS
SUSANA: O QUE É QUE TEM? FORMIGAS. ISSO! QUE ÓTIMA IDEIA! EU SOU UM GÊNIO! O QUE VOCÊS ACHAM DA
GENTE ENTERRAR O PARDAL?! QUE IDEIA MAGNÍFICA! EU SOU UM GÊNIO. ESPALHEM-
ALONSO: VOCÊ NÃO AMA DEUS?
SE! “AVE MARIA CHEIA DE GRAÇA, O SENHOR É CONVOSCO, BENDITA SOIS VÓS ENTRE
SUSANA: NÃO! AS MULHERES.” (A MALU) EI, ME DÁ A CAMISA! EU SOU O COVEIRO. VAI!

ALONSO: ELA NÃO AMA DEUS. MALU: NÃO POSSO. É DO MEU PAI.

CAROLINA: COMO NÃO VAI AMAR DEUS? TODOS AMAM DEUS. ANRES: NÃO SEJA IDIOTA. É SÓ PRA ENTERRAR, DEPOIS EU TE DEVOLVO.

SUSANA: EU NÃO. MALU: (TIRANDO A CAMISA) NÃO SUJA SE NÃO A MINHA MÃE BRIGA COMIGO.

CLAUDIA: VOCÊ TA LOUCA. É UM PECADO MORTAL...
ANDRES: ELA NÃO AMA DEUS, PORQUE É UMA BRUXA ASSASSINA. POR ISSO
QUEIMAVAM AS BRUXAS NO MEIO DA PRAÇA.
ALONSO: (DEIXANDO A CORRENTE) TA AQUI!
ANDRES: VAI LOGO! "BENDITA SOIS VÓS ENTRE AS MULHERES E BENDITO É O FRUTO DO
VOSSO VENTRE, JESUS..” QUE FENOMENAL! NÃO SUJEI, TA VENDO? AGORA ME DÁ A
GRAVATA. ANDA! “E BENDITO É O FRUTO DO VOSSO VENTRE, JESUS.” SENHORAS E
SENHORES, PASSEM POR ESSA CASA ONDE A ANGÚSTIA E O SOFRIMENTO SE FIZERAM
PRESENTES. ENTREM, ENTREM. EU SOU O DONO DO FUNERAL. ENTRE.

ANDRES: TA AQUI A CORRENTE, BRUXA. DEPOIS NÃO VEM ENCHER O SACO. SE PERDER, CLAUDIA: PLIM...
QUE SE FODA. ANDRES: ENTRE.
21
CLAUDIA: MEUS SINCEROS PÊSAMES. TODOS: AGORA E NA HORA DE NOSSA MORTE, AMÉM.

ANDRES: ESTAMOS NAS MÃOS DE DEUS. DEUS DÁ E DEUS TIRA. ANDRES: VAMOS COMEÇAR O CORTEJO. VÃO SE DESPEDINDO DO DEFUNTO, QUE
CHEGOU A HORA DE DARMOS NOSSO ÚLTIMO ADEUS.
CLAUDIA: QUE O ALTÍSSIMO O RECEBA EM SUA SANTA GLÓRIA. FOI UM HOMEM SANTO.
SE FOI COMO UM PASSARINHO. MALU: AS FORMIGAS COMEM AS PENAS TAMBÉM?

ANDRES: UMA ALMA DE DEUS. ACEITA UM CAFÉ? ALONSO: NÃO SEI.

CLAUDIA: SIM, EU AGRADEÇO. MEUS OSSOS ESTÃO CANSADOS ANDRES: SAI DAQUI! (SUSANA NÃO RESPONDE) EU DISSE PRA SAIR, NÃO OUVIU? VOCÊ
NÃO RESPEITA NEM OS MORTOS?
ANDRES: SENTE-SE, POR FAVOR...
CENA 14
CLAUDIA: OBRIGADA. É ESSA UMIDADE...
ANDRES: QUERIDOS IRMÃOS...
ANDRES: SIM, CLARO.
MALU: ME DÁ A CAMISA!
ALONSO: PLIIIIIIIIIIN!
ANDRES: NÃO INTERROMPE!
ANDRES: A PORTA ESTÁ ABERTA. ENTRE DE UMA VEZ.
MALU: DÁ A CAMISA DO MEU PAI!
ALONSO: MUITO BOAS TARDES.
ANDRES: FRESCA.
ANDRES: VENHA, DIGA.
MALU: A GRAVATA TAMBÉM!
CLAUDIA: (DANDO A ALONSO PONTO) VENHO DAR OS PÊSAMES.
ANDRES: A GRAVATA TAMBÉM. PUTA MERDA... IRMÃOS, ESTAMOS REUNIDOS AQUI
ALONSO: ELA DISSE QUE VENHO DAR OS PÊSAMES. PARA ACOMPANHAR NOSSO QUERIDO IRMÃO E AMIGO ATÉ A SUA ÚLTIMA MORADA,
ANDRS: SÓ ISSO? ONDE O TODO PODEROSO VAI RECEBER ELE EM SEUS BRAÇOS. FOI UM VALENTE
SOLDADO E ASSIM MORREU. ABAIXEM A CABEÇA E REZEM. (SUSANA ATACA TODOS) HEI,
ALONSO: SIM. REZEM. LUTOU COMO UM VALENTE CONTRA OS MAUS, DEFENDENDO OS CIDADÃOS
HONESTOS DAS BALAS ASSASSINAS DOS NÃO PATRIOTAS. CANTEMOS UM HINO EM
ANDRES: (A CAROLINA E MALU) E VOCÊS, ESTÃO DORMINDO?
HONRA DESTE VALENTE SOLDADO QUE CAIU CUMPRINDO O SEU DEVER. MORREU POR
CAROLINA: QUE FOI? NÓS, PELA TRANQUILIDADE DE NOSSAS MULHERES, DE NOSSOS FILHOS, DE NOSSAS
RUAS. (TODOS CANTAM) NÃO ENCHE GAROTA! (SUSANA CONTINUA) PUTA MERDA!
MALU: MEUS PARABÉNS! REZEM POR ESTE PATRIOTA QUE LUTOU CONTRA A SUBVERSÃO, CONTRA ESSA SUJEIRA,
CLAUDIA: QUE ANIMAL. CONTRA ESSE MAL SOCIAL! CHEGA, GAROTA! FILHA DA PUTA! CANTEMOS, IRMÃOS!

ANDRES: VENHA. O CORTEJO VAI SAIR. ROGAI POR NÓS PECADORES... INICIA O TAM TAM DO BACALAO.

TODOS: ROGAI POR NÓS PECADORES... ANDRES: PORQUE DA TERRA VIEMOS E A ELA VOLTAMOS! (A SUSANA ) CHEGA, EU JÁ
DISSE! CHEGA! ( PARA OS DEMAIS) A ELA!
ANDRES: AGORA E NA HORA DE NOSSA MORTE.
22
TODOS COMEÇAM A ATIRAR AREIA EM SUSANA. ANDRES SE ATIRA SOBRE ELA E AMBOS
TRAVAM UMA LUTA. ELE SE PÕE EM CIMA DE SUSANA E SENTA NA SUA CARA. SUSANA
ESTÁ COM O ROSTO PARA BAIXO.

ANDRES: CUBRAM! CUBRAM! CUBRAM!

DIEGO: PERA! O QUE É ISSO? O QUE VOCÊS ESTÃO FAZENDO?

NINGUÉM DÁ ATENÇÃO. AO SOM DO BACALAO SEGUEM TAPANDO SUSANA QUE VAI

DEIXANDO DE SE MOVER. DIEGO SE AFASTA E SAI CORRENDO DA CENA.

ANDRÉS:PRONTO!

CAROLINA: EU TO COM FOME. A MINHA MÃE TA ME CHAMANDO.

FIM

23