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Por que os programas lean fracassam?

Por Jeffrey Liker e Mike Rother

O sucesso da Toyota tem inspirado dezenas de milhares de organizações a adotaralgum tipo


de programa lean. O termo foi introduzido na “Máquina que Mudou o Mundo” e mais tarde na
“Mentalidade Enxuta”, como um novo paradigma que foi tão monumental como a
mudança do estilo artesanal à produção em massa. O foco lean está no cliente e no fluxo de
valor. Você pode dizer que é uma busca pela perfeição, eliminando, constantemente, os
desperdícios por meio da resolução de problemas. Certamente, uma organização que está
verdadeiramente dedicada a tornar-se lean está no caminho em direção à excelência.

“Ambos concluímos, a partir de nossas diferentes jornadas e experiências com empresas, que as
pessoas têm compreendido mal o que é o Sistema Toyota de Produção na prática."

No entanto, um grande estudo realizado pela Industry Week em 2007 revelou que apenas 2 por
cento das empresas que têm um programa lean atingem seu resultado previsto.¹ Mais
recentemente, o comitê do Shingo Prize, evento que dá prêmios pela
excelência em manufatura lean, reviu os últimos vencedores e descobriu que
muitos não tinham mantido seu progresso depois de ganharem o prêmio. Os critérios de
premiação foram então alterados.² Por que a busca pela excelência através do lean é tão
difícil?

De onde Vem a Melhoria?


Quando olhamos para uma fábrica da Toyota, vemos muitas idéias boas, e parece que a
empresa possui um departamento de gênios do Sistema Toyota de Produção que projetam e
implementam todas essas inovações lean. Poderíamos nos perguntar
se essas idéias são padronizadas e implementadas em todas as fábricas da Toyota
exatamente da mesma maneira. Os especialistas do TPS estão dizendo às plantas o que
fazer e estão auditando para ver se eles estão seguindo as melhores práticas?

A realidade é que muito pouco do que você vê em uma planta da Toyota é resultado de
uma pessoa com uma grande idéia que tem padronizado as plantas. Mais frequentemente, o
que você vê é a condição de hoje, que é o resultado de muitos pequenos passos, alguns
dos quais foram descartados e outros abraçados. Foi o resultado de muitos ciclos de
PDCA e é diferente em vários pontos da Toyota, pois diferentes organizações estão em
diferentes ciclos de aprendizagem.

Mike Rother, autor que passou anos pesquisando como a Toyota faz o que faz e como melhor
ensinar as empresas que estão em busca de excelência, resume o que descobriu sobre o
conceito de kata de melhoria, o que sugere um esforço base para vencer os desafios
na Toyota. Um kata é uma rotina muito bem ensaiada que eventualmente se torna uma
segunda natureza. Neste caso, a rotina é o processo para fazer melhorias.

Ambos concluímos, a partir de nossas diferentes jornadas e experiências com empresas, que
as pessoas têm compreendido mal o que é o Sistema Toyota de Produção na prática. Nós
confundimos as soluções lean com o processo que leva ao que nós vemos em uma fábrica da
Toyota. Precisamos olhar mais profundamente o pensamento humano e os processos que são
bases das práticas específicas que observamos.

Por exemplo, no início de nossa compreensão do TPS entendiamos heijunka como uma
poderosa ferramenta para nivelar a carga de trabalho e reduzir o estoque. Mas o que
descobrimos com nossas experiências com empresas foi que estabelecendo o heijunka, ele
em si muda pouco na maioria dos casos. O mais importante é o
comportamento gerado pela visualização do heijunka como uma condição-alvo e a continuação
da kata de melhoria na tentativa de alcançá-la. É o trabalho sistemático e iterativo de superar
os obstáculos, passo a passo, que realmente melhora os processos, e é preciso prática
para adquirir as habilidade e a mentalidade de como fazer isso.

Da mesma forma, o objetivo evidente do kanban é proporcionar uma forma de regular a


produção entre dois processos, de modo que o processo de suprimento produza apenas o
que é necessário e quando necessário. O objetivo invisível do kanban, que nós perdemos,
é proporcionar uma condição-alvo. Kanban é um padrão pré-determinado entre o processo
fornecedor e o cliente que, com liderança e cultura certas, é usado para gerar um
comportamento de trabalho de superar os obstáculos para atingir essa condição-alvo.

A diferença entre os objetivos visíveis e invisíveis do heijunka, do kanban e de outras


ferramentas lean é a diferença entre as tentativas de implementação das ferramentas e a
utilização das ferramentas como parte deliberadamente praticar uma rotina de melhoria
contínua.

Aprendendo uma Nova Maneira de Pensar e Agir


Descobertas recentes em neuropsicologia demonstram que as pessoas desenvolvem bom uso
de vias neurais que torna confortável fazer as coisas da mesma forma novamente e
novamente. Enquanto os humanos derivam muito do seu sentido de segurança e confiança
disso, o conteúdo do que fazemos, estará, de fato, mudando, intencionalmente ou
não, porque as condições estão sempre mudando. Um antídoto para esse dilema de
resistência à mudança é desenvolver fortes circuitos mentais não para soluções, mas para
saber como desenvolver soluções.

“Um antídoto para esse dilema de resistência à mudança é desenvolver fortes circuitos
mentais não de soluções, mas para saber como desenvolver soluções."

A tarefa de gestão, então, é fazer com que a prática dos membros da organização tenham
um padrão de comportamento, como a kata de melhoria, que alcança esse
objetivo. Precisamos de uma rotina e não apenas para fazer o trabalho, mas para melhorar
continuamente o trabalho. Essa rotina está faltando em organizações que usam os objetivos de
gestão de cima para baixo, para que os gerentes não tenham escolha a não
ser cegamente começar a eliminar e cortar coisas.

A kata de melhoria é uma forma de podermos quebrar uma visão abstrata em uma série de
condições-alvo descritivas, e através do esforço para atingir ambas: tanto desenvolver
como utilizar o poder criativo das pessoas. Isso envolve ensinar as pessoas um método
padronizado e consciente de compreenderem a essência das situações e a responderem
cientificamente trabalhando iterativamente. A kata de melhoria é uma rotina de ensinar
e aprender que mobiliza a capacidade das pessoas para alcançarem as condições desejadas.
A kata de melhoria é uma forma de atingir níveis que você não sabe como vai conseguir.

As cinco perguntas
1. Qual é a sua condição-alvo aqui?
2. Qual é a condição real de agora?
3. Quais obstáculos estão impedindo você a
alcançar a condição-alvo? A qual delas você está
se dedicando agora?
4. Qual é o seu próximo passo?
(comece do novo ciclo de PDCA)
5. Quando poderemos ir e ver o que nós
aprendemos depois de darmos esse passo?

Ensinar a kata de melhoria significar fazer essas


perguntas todos os dias.
A kata de melhoria da Toyota tem sido ensinada implicitamente em algumas partes da Toyota
durante décadas. O mentor de TPS fazia isso dando ao estudante um desafio, tal como
avançar no desempenho em um processo (por exemplo, combine essas duas células de
produção em uma célula de modelo misto que opera em dois turnos com quatro pessoas e que
possa responder às mudanças na demanda do cliente). Mesmo que o mentor tivesse uma
noção de como o desafio poderia ser alcançado, ele não o compartilha com o aluno. Sua tarefa
é levar o aluno a desenvolver bons hábitos de trabalhar por meio da solução de problemas, por
meio de u metdo baseado em um intenso questionamento sobre esse problema.

Nós perdemos essa habilidade básica e o foco na mentalidade de desenvolvimento do TPS.


Por exemplo, em uma organização, o Professor Liker observou que o COO³ decidiu
responsabilizar os gerentes da fábrica pela execução de um determinado número de eventos
kaizen para atingir certo nível de melhoria de produtividade. Tornou-se um projeto lean sem
sustentabilidade e sem nenhuma melhoria contínua, ou seja, a antiga escola, focalizada no
resultado imediato, com a motivação baseada na cenoura ou no bastão.

Nos dias atuais há mais estrutura para o processo de aprendizado das práticas da Toyota, mas
a relação entre mentor e estudante está no cerne de como a Toyota leva a melhoria a ser uma
rotina profundamente enraizada. Para ter treinadores suficientes, eles são muitas vezes os
gestores diretos dos alunos, mas os gerentes também podem usar sempre o treinamento e
podem ter um coach de dentro ou de fora da organização.

Parece haver uma crença muito forte nos negócios ocidentais de que você seleciona as
pessoas que tem boas características (hábitos) de trabalho/gestão inato(a), e depois você dá a
eles metas de resultados. Em contrapartida, a Toyota seleciona pessoas pela sua disposição a
aprendizagem e, após serem contratados, ela desenvolve as características (hábitos)
desejadas do(a) trabalho/gestão por meio da prática. A neurociência nos mostra que o cérebro
humano adulto é mais plástico do que imaginamos, e é disso que a Toyota tira vantagem a fim
de desenvolver uma cultura deliberada.

Desafio demanda aprendizagem

As pesquisas tem mostrado repetidamente que quando uma tarefa é relativamente fácil - ou
seja, quando o caminho para a condição-alvo é muito claro - a gestão por resultados e com os
motivadores externos podem funcionar muito bem. A tarefa é, basicamente, fazer, e os líderes
da organização não precisam se preocupar excessivamente com a garantia de que as pessoas
estão empregando uma abordagem sistemática e científica para alcançar a condição-alvo.

Por outro lado, se a tarefa é um desafio - ou seja, o caminho para a condição-alvo não é claro e
tem de ser descoberto através da aprendizagem iterativa - a gestão por resultados, por
incentivadores e motivadores externos não competem tão bem. Nesse caso, como as pessoas
se esforçam para alcançar suas condições-alvo torna-se importante, e, em mercados
competitivos, é algo com que os líderes terão de se preocupar.

Quando olhamos para o lean dessa forma não é apenas um conjunto de técnicas de
eliminação de desperdícios, mas um processo pelo qual os gestores como líderes
desenvolvem as pessoas para que os resultados desejados possam ser alcançados, de novo e
de novo. Isso significa treinar pessoas, praticando a kata de melhoria todos os dias.

Qual é a kata de melhoria de sua empresa?

Para mais informações:

• Homepage da Toyota Kata - Aprenda mais sobre o que é a kata de melhoria, faça
downloads de apresentações, definições chaves e muito mais.
• Homepage de Jeffrey Liker – Leia excertos e faça downloads do “The Toyota Way”
(versão do livro “O Modelo Toyota” em inglês)..

Sobre os autores

Jeffrey Liker, PHD, é professor de Engenharia Industrial e Operações na


Universidade de Michigan e diretor da Optiprise, Inc. Dr. Liker tem a autoria ou
coautoria de mais de 70 artigos e capítulos de livros e de oito livros. Ele é autor
do best-seller internacional, “O Modelo Toyota: 14 Princípios de Gestão das
Maiores Fabricantes do Mundo”, que revela a filosofia e os princípios básicos que
orientam a qualidade da Toyota e a cultura obcecada por eficiência. O companheiro (com
David Meier) “Modelo Toyota- manual de aplicação”, detalha como as empresas podem
aprender com os princípios do “O Modelo Toyota”.

Mike Rother é um pesquisador, um engenheiro e um professor sobre os temas de


gestão, liderança, melhoria, adaptabilidade e mudança. Ele é coautor dos manuais
do LIB “Aprender a Enxergar”, “Criando Fluxo Contínuo”. Seu livro mais recente, o
“Toyota Kata”, é baseado em seis anos de pesquisa sobre as práticas de gestão
da Toyota.

Notas da tradutora

1 Everybody's Jumping on the Lean Bandwagon, but Many are Being Taken for a Ride. Industry
Week, 1 de Maio, 2008.

2 Robert Miller, Diretor Executivo do Shingo Prize, entrevistado na radiolean.org, Julho, 2010.
"Cerca de três anos atrás, nós sentimos que precisávamos de uma profunda reflexão. Após 19
ou 20 anos nós voltamos e fizemos um importante estudo das organizações que receberam o
Shingo Prize para verificar quais que tinham mantido o nível de excelência que eles
demonstraram no momento em que foram avaliados e quais não tinham ... Nós ficamos
bastante surpresos, mesmo estando decepcionados com uma grande porcentagem de
organizações que foram reconhecidas, porém não foram capazes de manter e de avançar, e,
de fato, perderam o chão.. Estudamos as empresas e descobrimos que uma grande
percentagem daqueles que tinham sido avaliados eram especialistas na implementação de
ferramentas lean, mas não as tinham enraizado em sua cultura."

3 COO é uma sigla para Chief Operating Officer, que, em português, significa Executivo-Chefe
de Operações.

Traduzido por Tamiris M. Masetto

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