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OPINIÃO

A República e os brasileiros

Recentemente deparei-me, com alguns alunos, diante do esquecimento ou dúvida se


o “15 de Novembro” era ainda feriado nacional. Para minha surpresa, foi geral a
dúvida e o pouco caso que se tem com essa data. Afinal, ela já foi, em outros tempos
de nossa história, mais cultuada, assim como seus personagens.

Diante desse fato, fica-nos a pergunta: Por que não se festeja, não se cultua, não se
reflete sobre a data da implantação da República, ao menos como se faz com o “7 de
Setembro”?

Antes de mais nada, adianto que não tenho razões para defender, aqui, o culto à
Independência, principalmente no formato oficial ainda praticado. Entretanto, o
desconhecimento e o desinteresse com a data magna da República é, no mínimo,
curioso.

As datas oficiais a que costumamos, desde a vida escolar, lembrar, festejar e cultuar,
foram criadas a partir do interesse político das elites brasileiras, no alvorecer de nossa
formação política, após o domínio colonial português.

A Independência, ainda muito celebrada, embora embalada num ritualismo


comemorativo estéril e pouco revelador de nossa identidade nacional e sem nexos
com nossa dependência econômica e a expropriação estrangeira de nossas riquezas,
persiste rememorada a cada ano. O 7 de Setembro, apesar do viés conservador com
que é lembrado, ainda nos traz à memória os momentos de afirmação dos brasileiros
ante o dominador estrangeiro e às lutas pela construção de nossa organização política
autônoma e da nacionalidade, no sentido de nos definirmos enquanto raça, cultura e
civilização.

Bem ou mal, com caráter formal ou com reflexão crítica e protestos, o 7 de Setembro
não passa em branco. Pois, aos governantes, interessa o capital político resultante da
promoção e realização dos festejos, onde se apresentam como patriotas e partícipes
da luta permanente pela liberdade e grandeza do seu povo. A sociedade civil, por seu
turno, dia a dia, tem avançado na reflexão crítica dos limites e conservadorismo da
Independência, sobretudo, atualizando o debate para as ameaças do Império do Norte
sobre nosso patrimônio ambiental; sobretudo, da imensidão amazônica, de que somos
acusados de corruptos e despreparados para possuí-la .

Mas, e a data fundadora da República? Parece-nos que nem mesmo os poderes


públicos tem atentado para tal descaso. Seria mesmo o caso de esquecermos de vez
essa data? Existiriam explicações para tal desinteresse social, educacional, estatal
para com a Proclamação da República?

Creio que seja possível refletir historicamente sobre essa questão. Em primeiro lugar,
tivemos no dia 15 de novembro de 1889, a culminância um tanto improvisada, de um
golpe militar que destituiria o imperador D. Pedro II, pondo fim à monarquia. A
derrubada do Império refletiu a vitória política de uma elite econômica de cafeicultores
paulistas, aliados à oficialidade do Exército, que vinha há, pelo menos, uma década
indispondo-se com a monarquia, defendendo interesses corporativos e pregando a
modernização do País. Em outras palavras, esses grupos e as camadas médias
urbanas acreditavam que era hora de o Brasil livrar-se dos arcaísmos como
escravidão, religião oficial, agricultura, e entrar de vez na modernidade industrial, no
trabalho livre, na civilização.
Houve quem pensasse que, no movimento republicano, estavam em jogo as
contradições entre republicanos progressistas abolicionistas contra monarquistas
escravistas conservadores. Nada mais ingênuo. A abolição da escravidão, um ano
antes da implantação da República, não foi bem o que queriam muitos da elite
republicana.

De tal modo, a mudança da forma de governo de Monarquia para República se


caracteriza mais como um movimento político elitista e conservador, visando o ajuste
sócio-político e institucional das velhas estruturas monárquicas que bloqueava o
avanço capitalista, especialmente da cafeicultura paulista. A atuação do Exército,
como batedores da República, boa parte positivistas, respondia mais às contradições
da caserna com o domínio civil ostensivo nos organismos militares e à conveniência
da doutrina positivista do soldado cidadão, com sua missão salvadora e moralizadora
da nação, nascida após a vitoriosa campanha contra o Paraguai.

E o povo brasileiro? Houve mobilização popular republicana para a derrubada do


Império? Um político da época, segundo o historiador José Murilo de Carvalho,
afirmara que “o povo assistiu bestializado” aquele acontecimento. Já dissemos, a
República, no Brasil, resultou, essencialmente, de articulações políticas de uma fração
da elite política associada aos descontentamentos do Exército, que empreendia uma
quartelada. Debater os novos rumos políticos que o país deveria seguir, envolver os
supostos cidadãos, não era algo pensável para os setores conservadores do
republicanismo. Mesmo o jacobinismo militar alimentava uma visão autoritária e
elitista.

Embora estabelecendo mudanças institucionais impactantes, como o voto universal e


a separação Igreja/Estado, a República pareceu algo estranho e incompreensível, por
muito tempo, para a maioria do povo brasileiro, principalmente os que não habitavam o
litoral, as capitais e grandes cidades. Pode-se dizer que, por algumas décadas, o
sertão desconhecia a República do litoral.

Do ponto de vista econômico, configurou-se mais organicamente a hegemonia do


Sudeste cafeeiro, e depois industrial, em detrimento das demais regiões.
Culturalmente, difundia-se a modernidade européia, o cientificismo, o socialismo, o
anarquismo, o comunismo e as vanguardas artísticas numa disputa cerrada com os
flancos tradicionalistas do clero brasileiro.

No entanto, a República demorou, ao menos meio século, para criar as condições


políticas e institucionais para a real formação política do povo brasileiro. Das décadas
de 1940 em diante, aceleram-se a industrialização, a urbanização e as organizações
político-partidárias nacionais de tal modo que, nas últimas décadas de história
republicana, vislumbramos um “quantum” positivo de ganhos políticos e sociais em
direção a uma cidadania menos formal. Entre períodos de normalidade institucional e
regimes ditatoriais, a República nos abrigou a avançar em direção à participação ativa.

Nesses termos, o “15 de Novembro”, como o “7 de Setembro” não são datas apenas
para o panteão da memória da pátria, mas acontecimentos para a reflexão histórica
cotidiana. Mais que um feriado, no “15 de Novembro”, devemos procurar enxergar que
República, que (res) pública = coisa pública, convidando-nos à reflexão cidadã sobre o
poder público, os bens públicos, os espaços públicos, os recursos públicos...

República é mais que uma forma de governo, é condição para cidadania, é meio para
a democratização da sociedade, é, por fim coisa pública que devemos viver, ampliar,
aperfeiçoar, apesar dos pesares.
Marco José Diniz Silva
Professor de História da Feclesc/ UECE / mestre em sociologia pela UFC.
(diniz.silva@uol.com.br)

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Enviado por Marcos (diniz.silva@secrel.com.br)

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