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HOMOSSEXUALIDADE E

MINISTÉRIO ORDENADO
Critérios de análise e correlações incômodas

Pelo Pe. Prof. Dr. Peter Mettler, MSF*


Belo Horizonte, MG

Síntese: O autor, apoiando-se em documentos da Congregação para a Edu-


cação Católica e em carta do Secretário de Estado do Vaticano, analisa as
motivações pelas quais “não se pode admitir ao seminário e às ordens sa-
cras aqueles que praticam a homossexualidade, apresentam tendências ho-
mossexuais profundamente radicadas ou apóiam a chamada cultura gay”.
Que a homossexualidade, tal como descrita nos documentos assinalados,
representa um impedimento objetivo à ordenação, provém da própria natu-
reza do sacerdócio: além de dificultar a ação pastoral, coloca em questão o
modo mais adequado com que o presbítero estabelece relações tanto com
homens quanto com mulheres.
Abstract: With the support of documents from the Congregation for a Catho-
lic Education and of a letter from the Secretariat of the Vatican State, the
Author analyses the reasons why “it is not possible to admit into the semi-
nary and in the sacred orders those who practice homosexuality, present de-
eply rooted homosexual tendencies or support the so-called gay culture”. It
shows that homosexuality – as described in the above mentioned documents
– represents an objective obstacle for the ordination that originates in the
very nature of priesthood: besides hindering the pastoral action it raises the
question of the most appropriate way for the presbyter to establish relations
both with men and with women.

* A autor nasceu 1955 em Morbach, na Alemanha, ingressou, em 1974, na Congregação dos Missionários
da Sagrada Família e foi ordenando presbítero em 1981. Chegou, em 1988, ao Brasil e trabalhou até 2001 em vári-
as paróquias e na reserva indígena Xakriabáno,no Norte de Minas Gerais, nas dioceses de Januária e de Janaúba.
No “Instituto Superior do Direito Canônico” da Arquidiocese do Rio de Janeiro, agregado à Pontifícia Universi-
dade Gregoriana, em Roma, concluiu, em 2003, o Mestrado em Direito Canônico. Em 2007, concluiu o doutora-
do em Teologia Sistemática, em Fribourgo, na Alemanha. Atualmente é professor de Direito Canônico, no Insti-
tuto Santo Tomás de Aquino (ISTA), juiz e auditor no Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese de Belo Horizonte e
capelão das Servas do Santíssimo Sacramento.
Homossexualidade e ministério ordenado 807

1. Introdução

No dia 4 de novembro de 2005, a Congregação para a Educação Ca-


tólica publicou uma Instrução sobre os critérios de discernimento voca-
cional acerca das pessoas com tendências homossexuais e da sua ad-
missão ao seminário e às ordens sacras.1 No texto aprovado pelo Papa
Bento XVI, afirma-se que a Igreja “não pode admitir ao seminário e às
ordens sacras aqueles que praticam a homossexualidade, apresentam ten-
dências homossexuais profundamente radicadas ou apóiam a chamada
cultura gay”.2
Uma confirmação dessa posição veio à luz em maio de 2008. Numa
breve carta a todos os bispos e superiores religiosos, o Secretário de
Estado do Vaticano, Cardeal Tarcisio Bertone, enfatizou que as diretri-
zes de 2005 têm validade para todos os centros de formação presbiteral.3
Desde a publicação da Instrução, alguns bispos e superiores religiosos
haviam perguntado se a mesma vale para a Igreja em todo o mundo. A
carta do Cardeal Bertone, que se propõe expressamente esclarecer even-
tuais dúvidas, deu agora uma resposta.
No dia 30 de outubro de 2008, a Congregação para a Educação Cató-
lica publicou “Diretrizes para a utilização da Psicologia na admissão e
formação de candidatos ao sacerdócio”.4 O prefeito deste dicastério,
Cardeal Grocholewski, frisou, em conversa com jornalistas, que homens
com tendências homossexuais não poderiam ser admitidos às ordens sa-
cras. Quem tem “essas tendências profundamente enraizadas” não po-
deria ser admitido ao sacerdócio, exatamente pela natureza deste. De
certa forma, trata-se de uma ferida que dificulta a ação pastoral. Diz res-
peito também ao modo mais adequado com que o presbítero estabelece
relações, tanto com homens quanto com mulheres, e não simplesmente
da questão da continência.5

1. CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA, Instrução sobre os critérios de discernimento


vocacional acerca das pessoas com tendências homossexuais e da sua admissão ao seminário e às ordens sa-
cras, disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccatheduc/documents/rc_con_ccatheduc_
doc_20051104_istruzione_po.html.
2. Ibid.
3. “Kardinal Bertone: Homosexuelle dürfen nicht zum Priester geweiht werden”, disponível em:
www.kath.net/detail.php?=19885.
4. CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA: Diretrizes para a utilização da Psicologia na
admissão e formação de candidatos ao sacerdócio, disponível em: www.zenit.org/article-16301?!=portuguese.
5. Cf. Ibid.
808 P. Mettler

Minha tese de doutorado,6 orientada pelo Prof. Dr. Hubert Windisch, na


Universidade Albert-Ludwig de Fribourgo (Alemanha), teve por objetivo
analisar como essa reiterada proibição de ordenação7 se justifica e como se
deve fundamentar que a homossexualidade, tal como descrita pela referida
Instrução, representa um impedimento objetivo à ordenação.

2. Homossexualidade em “transição”

Nos últimos trinta anos, após longa história de avaliação negativa


em amplos setores da sociedade e da Igreja, pelo menos na civilização
ocidental-norte-americana, a compreensão da homossexualidade foi co-
locada às avessas. Uma prática punível foi arbitrariamente transformada
em constitutivo da dignidade humana, um dos fenômenos mais surpre-
endentes da atualidade.8 Trata-se, no caso, de uma mudança de cons-
ciência intencionalmente produzida, de uma ruptura cultural proposital,9
resultante, sobretudo, da decadência de convicções éticas predominan-
tes desde o final dos anos sessenta do século passado, da influência dos
relatórios Kinsey, artificialmente construídos, ideologicamente motiva-
dos e moralmente desencaminhadores, bem como da incomparável his-
tória de sucesso do movimento gay internacional.10

6. P. METTLER, Die Berufung zum Amt im Konfliktfeld von Eignung und Neigung. Eine Studie aus pasto-
raltheologischer und kanonistischer Perspektive, ob Homosexualität ein objektives Weihehindernis ist [A voca-
ção para o ministério ordenado no campo conflitante de aptidão e inclinação. Um estudo, a partir de uma perspec-
tiva teológica-pastoral e canônica, se o homossexualismo constitui um impedimento objetivo à ordenação],
Frankfurt am Main, 2008.
7. Em termos de princípio e de conteúdo, reitera-se dois documentos publicados antes do Concílio Vatica-
no II. Na carta circular Magna Equidem, de 27 de dezembro de 1955, sobre os escrutínios, a então Sagrada Con-
gregação para a Disciplina dos Sacramentos declarou que candidatos que sofrerem de defeitos sexuais ou psíqui-
cos não podem ser admitidos às ordenações. A carta cita expressamnentepessoas com sentimentos homossexuais
como excluídos da ordenação, em: X. OCHOA, Leges Ecclesiae post Codicem Iuris Canonici editae, t. II, Roma
1969, n. 2542. Mais enfática ainda é uma Instrução da então Sagrada Congregação para os Assuntos dos Religio-
sos, de 2 de fevereiro de 1961: “A admissão aos votos e à ordenação sacerdotal será vedada a todos os que lutam
contra tendências malignas como homossexualismo e pederastia, porque acarretam sérios perigos para a vida co-
tidiana e o ministério sacerdotal”, em: X. OCHOA, Leges Ecclesiae post Codicem Iuris Canonici editae, t. III,
Roma 1972, n. 2962.
8. Cf. H. LACHENMANN, “Ich will alles, und das sofort”: Paradise now! Die “neue Ideologie des Bösen”,
em: Die Tagespost, 08-10-2005, p. 12s, 13.
9. Cf. R.-A.THIEKE, “Der gewollte Kulturbruch – Ideologie und Strategie der Schwulenbewegung”, em:
Idea-Dokumentation 2 “Kirche-Kultur-Homosexualität”, Wetzlar 2003, p. 53ss, 53.
10. Cf. P.E. RONDEAU, “Wie Homosexualität in den USA vermarktet wird”, em: Deutsches Institut für
Jugend und Gesellschaft (ed.), Bulletin Nr. 8, Reichelsheim 2004, p. 3-28, 49-59.
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É, ao mesmo tempo, impressionante e consternador verificar a coe-


rência com que tais objetivos foram e são perseguidos. Acima de tudo,
aflige-nos as estratégias inescrupulosamente empregadas para a conse-
cução dos mesmos. Em tempo relativamente curto, o movimento gay
conseguiu não apenas tornar o homossexualismo aceito na sociedade,
mas também apresentá-lo como modo de vida normal ou até mesmo pre-
ferível, o que, entretanto, contrasta radicalmente com a realidade da vida
homossexual e com seus desdobramentos físicos e psíquicos.11
Amplos setores da sociedade, particularmente o político, deixaram-se
instrumentalizar e doutrinar pelo movimento gay. Um exemplo disso é a
resolução do parlamento europeu, de 18 de janeiro de 2006. Não apenas
na lógica, mas também na escolha dos termos, fica patente como a maio-
ria dos parlamentares se identifica enfaticamente com as reivindicações e
os interesses do movimento gay. Trata-se de “extirpar a homofobia” e
condenar “qualquer discriminação com base na orientação sexual”. Na
verdade, nem a resolução aprovada nem as propostas das diversas banca-
das chegaram ao ponto de “exigir uma proibição da Bíblia e do Alcorão
como literatura de agitação homofóbica. Porém, é possível que, mais cedo
ou mais tarde, haja um encaminhamento nessa direção”.12
De acordo com G. Salina, vice-presidente da associação Eurocristi-
ans, 120 membros do parlamento europeu pertencem ao Gay and Lesbi-
an Intergroup. Comentando as mais recentes mudanças de perspectiva
no parlamento europeu, ele afirma: “Se continuar assim, ninguém mais
– nem o Papa, nem outra pessoa – poderá criticar práticas homossexuais,
porque incorreria imediatamente na transgressão da homofobia”. É ver-
dade que essa resolução não tem cunho obrigatório para os governos de
cada país. “Os países-membros podem até mesmo ignorá-la, mas os di-
versos tribunais constitucionais empregam as resoluções do parlamento
europeu como fonte de direito”.13
Também no Senado Federal Brasileiro está tramitando o projeto de
“lei da homofobia” (PLC 122/2006). A proposta, iniciada e já aprovada,
em 23 de novembro de 2006, na Câmara dos Deputados (PL 5003-B, de
2001), pretende punir como crime qualquer tipo de reprovação ao ho-

11. Cf. METTLER, Amt, p. 43-70.


12. S. BAIER, Ein Sieg für die Schwulenlobby. Das Europaparlament spricht sich gegen “Homophobie”
aus. Gravierende Konsequenzen möglich, disponível em: www.die-tagespost.de/Archiv/titel_anzeige.asp?
ID=20513.
13. BAIER, Schwulenlobby.
810 P. Mettler

mossexualismo.14 Segundo explica a advogada e presidente da Federa-


ção Paulista dos Movimentos em Defesa da Vida, Maria das Dores Dolly
Guimarães, “além dos direitos previstos na Constituição para todas as
pessoas, o homossexual, pelo simples fato de ser homossexual, ganhará
privilégios. O homossexualismo deixará der ser um vício para ser um
mérito. E quem ousar criticar tal conduta será tratado como criminoso”.
A advogada enfatiza ainda que “os primeiros a sofrerem perseguição se-
rão os cristãos”, citando como exemplo alguns artigos da lei. “A propos-
ta pretende punir, com 2 a 5 anos de reclusão, aquele que ousar proibir
ou impedir a prática pública de uma ato obsceno (“manifestação de afe-
tividade”) por homossexuais (art. 7). A conduta de um sacerdote que,
numa homilia, condenar o homossexualismo, poderá ser enquadrada no
artigo 8: “ação [...] constrangedora [...] de moral, ética, filosófica ou psi-
cológica”, explica. “A punição para o reitor de um seminário que não ad-
mitir o ingresso de um aluno homossexual está prevista para 3 a 5 anos
de reclusão (art. 5)”.15
Essa submissão solícita e servil aos ditames do movimento gay foi
um dos fatores que contribuíram para dissolver o cânone vigente de va-
lores, criando, assim, as premissas para uma transformação radical da
sociedade, com previsíveis consequências nefastas para a mesma. D.
Prager, por exemplo, define a civilização ocidental, à luz da tradição
judaico-cristã, como uma “conquista extremamente complexa e única.
Ela demandou uma constante renúncia à satisfação imediata e um con-
trole dos instintos naturais. O fundamento dessa civilização é a integri-
dade da vida familiar. A aceitação do homossexualismo como equiva-
lente ao amor conjugal heterossexual constitui um sinal tão seguro da
decadência da tradição ocidental quanto a rejeição do homossexualis-
mo e outras formas de sexualidade não-conjugal possibilitou o surgi-
mento dessa civilização”.16
Na análise dessa reviravolta, vozes e estudos científicos que não cor-
respondem ao que é considerado “politicamente correto” são ignorados,
rechaçados, condenados e até punidos, porque supostamente difamam e

14. Cf. “Lei da Homofobia” no Brasil implicaria perseguição religiosa”, disponível em:
www.zenit.org/article-14376?=portuguese.
15. Ibid.
16. D. PRAGER, em: G. KUBY, Ausbruch zur Liebe. Für junge Leute die Zukunft wollen, Fe-Medienver-
lag GmbH, Kisslegg 2005, p. 215.
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discriminam uma minoria e seus direitos.17 “A retórica da tolerância vira


ditadura de opinião. Aqui, revela-se o caráter ideológico e ditatorial que
conecta a “nova ideologia do mal” com as demais “ideologias do mal”.18
Com efeito, em seu último livro, “Memória e Identidade”, o Papa João
Paulo II definiu tanto o marxismo como também o nacional-socialismo
como “ideologias do mal”.19 O mesmo pontífice levanta ali a formidável
pergunta, se também na atualidade haveria a ação de uma “nova ideolo-
gia do mal, mais traiçoeira e dissimulada que as ideologias fracassadas
do século passado”.
O finado Papa cita inicialmente, como concretização da “nova ideo-
logia do mal”, a “negação legal de seres humanos gerados, porém ainda
não nascidos”, deliberada por parlamentos democraticamente eleitos,
“em que as pessoas se reportam ao avanço civil das sociedades e da hu-
manidade toda”. Como mais uma concretização dessa “nova ideologia
do mal” ele considera o reconhecimento de uniões homossexuais, obti-
do mediante forte pressão do parlamento europeu, como forma alternati-
va de família “que também possui o direito de adotar crianças”.
A destrutiva hostilidade diante da vida, característica das conhecidas
“ideologias do mal”, marxismo e nacional-socialismo, prolonga-se,
para João Paulo II, na negação de milhões de vidas humanas no ventre
da própria mãe e, por fim, dirige-se “contra o ser humano e a família”
como premissa insubstituível para a continuidade da vida humana. Isso
não acontece, como no marxismo e no nacional-socialismo, contra o di-
reito e as leis, mas através da alegação de “valer-se dos direitos huma-

17. Em carta de 23 de julho de 1992, dirigida aos bispos dos EUA, a Congregação para a Doutrina da Fé
afirma que existem áreas em que não se pode falar de discriminação injusta, quando se leva em conta a orientação
sexual, por exemplo, na adoção ou no direito de guarda de crianças, na contratação de docentes, professores es-
portivos ou no serviço militar. “A ‘orientação sexual’ não representa uma orientação comparável à raça, ao grupo
étnico etc., no que tange à não-discriminação... Incluir a ‘orientação homossexual’ em ponderações segundo as
quais qualquer discriminação é contrária à lei, facilmente poderá levar a que se considere o homossexualismo
como fonte positiva de direitos humanos... Isso é tanto mais nefasto pelo fato de não haver um direito ao homos-
sexualismo, que por isso não pode alegar nenhum fundamento legal para exigências de direito. Esse passo até o
reconhecimento do homossexualismo como elemento determinante, sobre cuja base a discriminação é contrária
à lei, pode levar facilmente, se não até mesmo automaticamente, à proteção legal e à propagação do homossexua-
lismo” (“Kongregation für die Glaubenslehre: Anmerkungen zur rechtlichen Nicht-Diskriminierung Homo-
sexueller”, em: Die Tagespost, 14-08-1992, p. 8).
Para T. Anatrella, o homossexualismo não é “sujeito de direitos, por não possuir valor social” (T. ANATRELLA,
“Omosessualitá e Omophobia”, em: Pontificio Consiglio per la Famiglia (ed.), Lexicon. Termini ambigui e dis-
cussi su famiglia, vita e questioni etiche, Bologna 2003, p. 685-697, 696).
18. LACHENMANN, Paradise, p. 13.
19. Cf. JOÃO PAULO II, Erinnerung und Identität. Gespräche an der Schwelle zwischen den Jahrtausen-
den, Augsburgo 2005, p. 18-27.
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nos”.20 Contudo, não existe, nem na vida pública nem na privada, um di-
reito humano ao homossexualismo, visto que cada direito humano pres-
supõe que seu conteúdo seja algo objetivamente valioso, o que, por di-
versas razões, não coaduna com o homossexualismo. Ele viola, de modo
peculiar, as “esferas dos bens da união, da complementaridade entre ho-
mem e mulher e do horizonte de sentido da procriação, aos quais a se-
xualidade humana está ligada. Em favor de um comportamento avesso à
natureza e contrário ao sentido da sexualidade humana, não se pode rei-
vindicar nenhum direito humano”.21
Na medida em que a Igreja está inserida no mundo e vice-versa, não
surpreende o fato de que essa mudança forçada de mentalidade em rela-
ção à homossexualidade e sua avaliação tenham penetrado as estruturas
eclesiais, produzindo efeitos desastrosos. Não por último, tal mudança
encoraja sacerdotes e candidatos ao ministério ordenado a confessarem
publicamente suas tendências homossexuais, ou seja, a “se assumirem”.
Alarmantes são, contudo, os números desproporcionalmente altos,
em comparação com a população geral,22 de seminaristas, sacerdotes e
religiosos com tendências e também práticas homossexuais, apurados
nos EUA, no mundo de língua alemã e no Brasil. Ainda que seja contro-
versa a quantidade exata, o fato como tal não pode ser negado.
Conforme Richard Sipe, entre 1978 e 1985, os relatos sobre homos-
sexualismo no clero dos EUA aumentaram tão significativamente que
passaram a girar em torno de 38 a 42%. “Entre 1982 e 1985, vários infor-
mantes, dentre os quais nenhum tinha tendência ou era homossexual-
mente ativo, estimaram que, em suas áreas, os homossexuais perfaziam

20. JOÃO PAULO II, Identität, p. 26. Conforme o papa Bento XVI, configura-se uma “ditadura do relati-
vismo, na qual nada é reconhecido como definitivo e que admite como parâmetro último somente o próprio eu e
seus desejos” (“Es entsteht eine Diktatur des Relativismus”), disponível em: www.die-tagespost.com/archiv/ti-
tel_anzeige.asp.?ID=13495.
21. J. SEIFERT, “Familie, Homosexualität und Staat”, em: Mut zur Ethik. Schutz der Familie und der he-
ranwachsenden Jugend. II Kongress Mut zur Ethik vom 23. bis 25. September 1994, Feldkirch (Zurique) 1994,
p. 209-233, 224.
22. A asserção sempre de novo disseminada, segundo a qual 10% teriam sentimentos homossexuais é pura
propaganda, um mito, como a própria C. Paglia – um ícone do movimento gay – admite: “a quota dos dez por
cento, que é prontamente repetida pelos meios de comunicação, era pura propaganda. Como cientista, ignoro que
ativistas do homossexualismo desprezem, tão sem escrúpulos, a verdade. Pessoas que vivem homossexualmente
sabem muito bem que justamente não é gay cada décimo homem com que se encontram” (C. PAGLIA, Vamps e
Tramps, Nova Iorque 1994, p. 74). O estudo EUROGAY-EMNID, de 2001, chega a 1,3% entre os homens e
0,6% entre as mulheres que se consideram pessoalmente como homossexuais. Cf. C. WAGNER et al., Erfassung
von sexueller Orientierung und Prävalenz von Homosexualität und Bisexualität, disponível em: www.crossmar-
keting.de/pdf/abstract2.pdf. Trata-se de um resultado realmente assombroso. Evidentemente, o número de ho-
mossexuais é menor que o sugerido pela “onda gay da moda” (Cf. A. GATTERBURG/A. HAEGELE, “Exoten:
witzig und wohlhabend”, em: Der Spiegel, 26-03-2001, p. 80s).
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pouco menos de 50%. No mesmo período, obtive suficientes informa-


ções de dois pequenos subgrupos separados, para poder confirmar que
50% se enquadravam na categoria dos homossexuais”.23
Acerca desses e de outros dados apurados e de sua credibilidade,
Sipe observa: “Alguns provinciais e peritos examinaram todas as mi-
nhas estimativas, tanto durante a elaboração de meu estudo quanto de-
pois de sua conclusão, considerando-a adequada. Mais de um bispo con-
firmou que meus dados coincidiam completamente com suas próprias ex-
periências. Em 28 de maio de 1993, o Cardeal José Sanchez, prefeito da
Congregação vaticana para o Clero, afirmou diante das câmeras da BBC,
respondendo a uma verificação de minhas estimativas sobre o celibato em
relação ao posicionamento sexual de sacerdotes norte-americanos: ‘Não
tenho motivos para duvidar do acerto desses dados’”.24
Em congregações religiosas, a parcela dos que têm inclinações ho-
mossexuais parece ser ainda maior. Donald Cozzens informa sobre um
sacerdote, com grande experiência tanto na formação como também na
direção, que declarou publicamente, numa conferência sobre AIDS e
missão da Igreja, que 80% de sua numerosa congregação, localizada na
costa Leste, são gays.25 Em outra ocasião, ele fala de pelo menos uma
comunidade da mesma congregação, situada a Oeste, em que se realiza
uma sessão para membros gays quando a comunidade se reúne.26
Se esses dados e informações dos EUA forem corretos, pelo menos
de forma aproximada, a Igreja Católica está criando aí um clero em que
predominam as pessoas de tendências homossexuais. “Está em discus-
são, no início do séc. XXI, a crescente idéia – que raramente é questio-
nada por aqueles que conhecem o estado clerical – de que o ministério
sacerdotal é, ou está em vias de se tornar, uma profissão para gays”.27
Para a Alemanha e a área de abrangência do idioma alemão, bem
como para o Brasil, as estimativas estão ao redor de 20 a 25%, com ten-
dência de alta.28 “Por isso, os conhecedores dizem sarcasticamente que a
maior organização gay internacional seria, afinal, a própria Igreja Cató-

23. R. SIPE, Sexualität und Zölibat. Paderborn 1992, p. 137.


24. R. SIPE, Sex, Priest and Power. Anatomy of a crisis, Nova Iorque 1995, p. 77.
25. D. COZZENS, Das Priesteramt im Wandel. Chancen und Perspektiven, Mainz 2003.
26. Cf. ibid., p. 131.
27. D. COZZENS, Sacred Silence, Collegeville 2004, p. 128.
28. Cf. METTLER, Amt, p. 96-102.
814 P. Mettler

lica Romana. Se todos se assumissem e depois fossem expulsos”, diz N.


Katzenbach, do grupo de trabalho ecumênico ‘Homossexualismo e Igre-
ja’, “o Vaticano poderia fechar as portas”.29
Uma vez que não existe uma explicação monocausal para essa revi-
ravolta, ela não é apenas provocada conjuntamente pela sociedade, mas,
em proporção não desprezível, gerada no âmbito da própria Igreja. Mui-
tas lideranças na Igreja agiram e agem de modo inconsciente e negligen-
te, por meio de uma prática, doutrina e pregação baseadas em conceitos,
incorretamente entendidos, de amor e tolerância, e, por último, negando
a realidade, minimizando-a, silenciando e tentando procrastinar o deci-
dido enfrentamento do problema. Isso, porém, não serve de desculpa
para eles e tampouco os exime de sua responsabilidade.
Outros, em contraposição, agiram e agem de modo intencional e cons-
ciente pela adoção de ideologias e posicionamentos do movimento gay e
de uma espiritualidade e teologia que corresponda aos seus intentos, em
franca oposição à doutrina da Igreja. Os “dogmas” do movimento gay
acerca do homossexualismo como disposição imutável, geneticamente
condicionada e, por consequência, inerente à identidade do envolvido,
em cuja cientificidade muitos evidentemente acreditam de modo incon-
dicional, são traduzidos para uma terminologia cristã. Por exemplo, fa-
la-se da homossexualidade como variante ou experiência da criação e e-
quivalente da natureza, deduzindo-se disso que a homossexualidade de-
ve ser intencionada por Deus e ser boa, e que deve ser permitido agir de
acordo com a natureza.30
Por ser inato e, por isso, imutável, o envolvido deve se conscientizar
de sua identidade homossexual e, assim, também aceitar os impulsos
provenientes dessa condição, o que significa principalmente que ele po-
de e deve integrá-los em sua vida amorosa, como expressa, sem rodeios,
o teólogo e psicoterapeuta W. Muller, numa contribuição para o novo
Léxico para Teologia e Igreja: “Objetivo da pastoral é, pois, ajudar as
pessoas a aceitarem sua orientação homossexual e vivê-la no amor. O
engajamento pelos direitos humanos e civis de pessoas homossexuais
pode ser entendido nesse sentido como parte da pastoral. Quando se

29. “Legalisierung des Bösen”, disponível em: www.spiegel.de/0,1518,259723,00.html. Em uma entrevis-


ta à revista Spiegel, a 25 de novembro de 2005, o jesuíta H. Kügler classificou a Igreja Católica Romana como a
“maior organização gay transnacional” (cf. H. KÜGLER, “Katholische Kirche ist die grösste transnationale
Schwulenorganisation”), disponível em: www.spiegel.de/panorama/0,1518,386709,00.html.
30. Cf. M. THEOBALD, Der Römerbrief, Darmstadt 2000, p. 145. Outros exemplos em: A. LAUN (ed.),
Homosexualität aus katholischer Sicht, Eichstätt 2001.
Homossexualidade e ministério ordenado 815

aprecia hoje o comportamento homossexual, no contexto de uma rela-


ção pessoal, de forma não diferente do comportamento sexual de pesso-
as heterossexuais em um relacionamento pessoal, então a pastoral tam-
bém considerará tarefa sua ajudar pessoas homossexuais na configura-
ção de uma parceria homossexual”.31
As declarações da Bíblia sobre a homossexualidade são classifica-
das como pertinentes à época em que foram escritas, surgidas sob outras
condições e premissas, não podendo ser lidas como mera apreciação do
homossexualismo irreversível que encontramos hoje. Por isso, devem
ser continuamente reinterpretadas.32 Conforme H. Haag, por exemplo,
com base na Bíblia, não se pode declarar pecaminoso nenhum compor-
tamento sexual, exceto o adultério. “Não temos nenhuma palavra de Je-
sus contra a masturbação, contra o relacionamento extraconjugal, contra
a prostituição ou contra o homossexualismo. Tampouco, pode-se dedu-
zir da Bíblia a monogamia. Ela se tornou algo evidente apenas sob a in-
fluência greco-romana. Jesus somente se pronunciou contra a prática
frouxa e morna do divórcio de seu tempo”.33
U. Engel se reporta às exposições de R. Guardini sobre a auto-acei-
tação e opina que a teologia gay poderia fazer uso da palavra do Salmo:
“O quinhão que me coube é o mais belo” (Sl 16,6b). Ele interpreta bibli-
camente o “assumir-se” e todo o movimento gay como “êxodo da casa
da escravidão das normas heterossexuais”.34
Nessa oposição à doutrina da Igreja, Michael S. Rose constata o mo-
tivo decisivo para o número desproporcionalmente elevado e crescente
de seminaristas, sacerdotes e religiosos com tendências e práticas ho-
mossexuais: “Bispos e padres responsáveis pela formação de presbíte-
ros, com demasiada frequência, dão um mau exemplo, sobrepondo-se
simplesmente à moral sexual claramente proclamada pela Igreja, uma

31. W. MÜLLER, Art. “Homosexualität”, em: LThK, 3ª ed., vol. 5, p. 260s.


32. Cf. B. FRALING, Sexualethik. Ein Versuch aus christlicher Sicht, Paderborn 1995, p. 239.
33. Citação conforme K. LIEBER, “Aids ist keine Gottesstrafe”, em: BRÜCKENBAUER (Zurique), de
18-02-1987, p. 3.
34. U. ENGEL, “Ja, mein Erbe gefällt mir gut.” Skizzen zu einer Gay-Spiritualität, em: Wort und Antwort
39 (1998) 78-87; H. Kügler avalia essas considerações de Engel como “uma das poucas tentativas bem-sucedidas
de uma teologia especificamente gay” (H. KÜGLER, Gelebte Sexualität als Transzendenzerfahrung, em: The-
menzentrierte Interaktion 2 (1999) 255-259, 259). Acerca da exigência de que, no âmbito feminista, também de-
veria haver uma teologia homossexual, observa com razão R. Slenczka: “Nisso, já se mostra aquela compreensão
equivocada de teologia, que não se orienta mais na Palavra de Deus, mas deve ser articulada com as experiências
e os problemas da época. Dessa maneira, a teologia é transformada em ideologia” (R. SLENCZKA, Zur Beurtei-
lung homosexueller Beziehungen nach dem Wort Gottes, em: Homiletisch-Liturgisches Korrespondenzblatt –
Neue Folge 27 (1990) 301-305, 301).
816 P. Mettler

Igreja à qual prometeram servir. Constitui um escândalo de proporções


imensuráveis que é, pelo menos, cem vezes pior do que aquilo que os
meios de comunicação já desvendaram”.35 Rose cita páginas de exem-
plos de candidatos ao sacerdócio que não foram aprovados nos testes
psicológicos, por causa de sua moral sexual afirmadora das opiniões da
Igreja. Tais testes psicológicos, muitas vezes, foram elaborados e aplica-
dos por psicólogos ateus, distantes da Igreja ou até mesmo hostis a ela.
Nas avaliações dos referidos candidatos, cuja conduta sexual parecia co-
adunar com a moral cristã, constava: “sexualmente subdesenvolvido”
ou “dogmático demais”. Quem confessa ser a favor do celibato e se nega
a considerar o homossexualismo como algo normal é considerado como
alguém que apresenta sinais de perversidade sexual.
Essa flagrante discriminação de seminaristas heterossexuais leva, de
modo praticamente forçoso, à formação de uma subcultura homossexu-
al e à constituição de redes homossexuais nos seminários36 e, por conse-
quência, também no clero,37 o que, por sua vez, exerce um efeito deses-
tabilizador e repelente sobre seminaristas e presbíteros heterossexuais,
causando, não raro, o êxodo dos mesmos. Deu-se, assim, um passo deci-
sivo no caminho para a “homossexualização” do clero.
Sem saber como lidar com essa situação, muitos bispos se voltaram sem
rodeios à negação. Uma das consequências desse mecanismo psicológico
de defesa é a tolerância de casas paroquiais e seminários “cor-de-rosa”.
Além disso, muitos bispos carecem de autoconfiança intelectual para discu-
tir com o poder acadêmico em seminários e faculdades teológicas.38

35. M.S. ROSE, GoodBye! Good Men! How Catholic Seminaries Turned Away Two Generations of Voca-
tions from the Priesthood, Cincinatti 2002, p. 51.
36. “De acordo com ex-seminaristas e sacerdotes novos, essa subcultura homossexual, em certos seminári-
os, é tão acentuada que essas instituições receberam apelidos como Notre Flame (para o Seminário de Notre
Dame, em Nova Orleães) e Theological Closet (para o Theological College na Universidade Católica da Améri-
ca, em Washington, D.C). O Seminário de St. Mary em Baltimore recebeu a alcunha de “The Pink Palace”
(ROSE, GoodBye, p. 92).
37. R. Wagner, sacerdote e religioso católico dos EUA, ele próprio envolvido existencialmente, escreve em
um estudo: “Há uma rede informal dos sacerdotes gays em praticamente todas as regiões do país. Essa rede foi
utilizada para conquistar os entrevistados para a pesquisa. Um empenho considerável de tempo e energia foi ne-
cessário para compor uma amostragem com a maior amplitude geográfica possível. O começo foi estabelecer
contato em diferentes partes do país com sacerdotes que ocupam posições-chave nas redes. Esses, por sua vez,
exerceram a função de mediadores em sua área” (R. WAGNER, “Schwule katholische Priester in den USA:
Empirische Untersuchung einer Dissonanz zwischen Pflicht und Neigung”, em: R. GINDORF/E.J. HAEBERLE
(eds.), Sexualwissenschaft und Sexualpolitik (Schriftenreihe Sozialwissenschaftliche Sexualforschung 3), Ber-
lim/Nova Iorque 1992, p. 195-250, 203).
38. Cf. R. EINIG, “Die Autorität der Bischöfe steht auf dem Spiel. Amerikanischer Episkopat beginnt Be-
ratungen über sexuellen Missbrauch durch Priester – Die Wurzeln liegen in der Dissenskultur der Kirche”, em:
Die Tagespost, de 11-06-2002, p. 1.
Homossexualidade e ministério ordenado 817

Um estudo publicado no final de março de 2008 cita 96 faculdades e


universidades católicas em que existem núcleos que lutam sistematica-
mente em favor dos interesses dos homossexuais. “Muitos desses núcle-
os partilham dos objetivos radicais do movimento gay”, dizem os auto-
res da pesquisa. “O propósito do lobby é aumentar, mediante pressão
maciça, a aceitação social entre cristãos da América do Norte e inibir
manifestações de opinião que não coadunam com a agenda ideológica
do movimento. 45% das 211 faculdades católicas informam, em seus si-
tes, sobre organizações e eventos do lobby homossexual realizados em
suas dependências. Entre elas, algumas instituições da Ordem dos Jesuí-
tas constituem estatisticamente o grupo de ponta (23). De acordo com o
estudo, também em universidades dos Dominicanos e de outras Ordens,
tanto seus dirigentes quanto seus estudantes se mostram identificados
com os objetivos do movimento gay”.39
Em vista da marcante observação de que, nos EUA dos anos 70, ho-
mens homossexuais afluíram aos seminários, fazendo com que os nú-
meros disparassem, não se pode descartar que também forças de fora da
Igreja Católica Romana contribuíram intencionalmente para esse desen-
volvimento,40 precisamente na época em que o movimento gay come-
çou, após formular seus objetivos, com a “marcha pelas instituições”.
Seria tão somente coerente que essa “marcha” tivesse incluído a Igreja
como adversária declarada dos objetivos propagados.41
Os casos de abuso sexual de menores por parte de sacerdotes e religio-
sos, que nos anos passados causaram à Igreja um imenso dano moral e
financeiro, estão estreitamente ligados à evolução acima delineada, o
que é negado com veemência pelo lado envolvido, mas que é inegável
sob uma observação e análise objetivas e sóbrias dos fatos.
Diante da pergunta pelas conclusões que se devem tirar dos dados
oferecidos pelos relatórios John Jay, de 2002, confeccionados a pedido
da Conferência Episcopal norte-americana, 80 a 90% dos padres, que
nos últimos 52 anos abusaram sexualmente de menores, se envolveram

39. R. EINIG, “Rosa Revolution auf dem Campus. Studie vor dem Papstbesuch in den Vereinigten Staaten:
Die Homosexuellenbewegung hat katholische Hochschulen unte rwandert”, disponível em: www.die-tages-
post.de/archiv/titel_anzeige.asp?ID=39403.
40. Cf. J. BERRY, Lead us not in temptation. Catholic priests and the sexual abuse of children, Chicago
2000, p. 183.
41. O que foi apurado para a Igreja Católica Romana vale, de forma similar, para as Igrejas Anglicanas e
Evangélicas, que assim são confrontadas com um teste de ruptura que pode levar a um cisma (cf. METTLER,
Amt, p. 124-132).
818 P. Mettler

com rapazes adolescentes entre 14 e 17 anos – efebofilia – e não com


meninos pré-pubescentes – pedofilia – R. Fitzgibbons, eminente repre-
sentante da Associação Médica Católica dos EUA e recém-nomeado
consultor da Congregação para o Clero, respondeu: “Os relatórios John
Jay mostraram claramente que não existe na Igreja uma crise de pedofi-
lia, mas de homossexualismo. A maioria das vítimas não era de crianças,
mas de jovens adolescentes. Espero que esse esclarecimento, para consi-
derar o homossexualismo como problema básico causador da crise, leve
a uma série de novos passos para proteger a Igreja, o sacerdócio, bem
como os jovens e as crianças”.42
Para Antonio Moser, é notório que esses escândalos aconteçam pri-
mordialmente no mundo anglo-saxão que, no passado, se destacava por
seu rigor ético e hoje por seu consumo desenfreado, pela busca incontida
de “auto-realização” e “felicidade”, bem como de uma supremacia ja-
mais vista. “É de se perguntar se a incidência mais numerosa justamente
nestas nações do hemisfério norte se constitui numa mera casualidade,
ou se já não é um indicador de sociedades aparentemente pujantes, mas
na realidade decadentes”.43
As medidas que foram aprovadas por diversas conferências nacio-
nais episcopais, depois da notícia dos casos de abuso sexual, não podem
encobrir o fato de que, em última análise, foram tomadas por exigência
de fora, da sociedade e dos meios de comunicação, o que desnuda uma
violação do dever de muitos bispos. Igualmente, tais medidas podem ser
consideradas apenas como os primeiros passos, ainda vacilantes, de um
processo abrangente de purificação e renovação da Igreja. Seria uma ilu-
são nefasta crer que medidas administrativas sozinhas são capazes de
solucionar os problemas explicitados. Irrenunciável, no entanto, é retor-
nar à consideração da “plenitude total da verdade cristã referente à mo-
ral sexual”, demandada pelo Papa João Paulo II, na explicitação da dou-
trina e em todos os níveis da Igreja, incluindo um resoluto exercício do
poder diretivo por parte dos respectivos ordinários.

42. “Seminary Reform Needed in Wake of Sex Abuse Study. Dr. Rick Fitzgibbons Suggests Programs of
Priest, Religious, Seminarians”, disponível em: www.zenit.org/english/visualizza.phtml?sid=52897. Também
dados de centros terapêuticos na Irlanda, bem como as averiguações de Sountdown (Canadá), do St. Luke’s Insti-
tute (Washington) e das John Hopkins Sexual Disorder Clinics (Baltimore) nos EUA, constatam unanimemente
que a maioria dos sacerdotes que abusam de menores prefere como parceiros sexuais jovens rapazes após a pu-
berdade (cf. E. CONWAY, Theologien des Priesteramts und ihr möglicher Einfluss auf sexuellen Kindesmiss-
brauch, em: Concilium 40 (2004) 308-322, nota 9).
43. A. MOSER, Pedofilia: primeiras reações e interpelações, em: REB 62 (2002) 515-547, 520.
Homossexualidade e ministério ordenado 819

3. A homossexualidade na perspectiva bíblica e nas


declarações do Magistério

O testemunho das Sagradas Escrituras é inequívoco: nem no Antigo


nem no Novo Testamento encontra-se uma única apreciação positiva da
prática do homossexualismo. Pelo contrário, ele é incontestavelmente
rejeitado e condenado como delito grave.44 Essa posição e avaliação ne-
gativa não devem ser entendidas como reação contra a prostituição ho-
mossexual sacral, como pensa, por exemplo, H. J. Schoeps,45 mas é de-
corrência lógica da imagem que a Sagrada Escritura tem de Deus, bem
como de suas afirmações sobre a natureza e destinação do ser humano,
da sexualidade, do matrimônio e do pecado, expostas principalmente
em Gênesis 1-3.
W. Führer frisa que a proibição estrita ao homossexualismo no Anti-
go Testamento se situa no contexto das leis matrimoniais, bem como no
fato de que, no centro do código de santidade, está a “incansavelmente
repetida fórmula de auto-apresentação”: “Eu sou o Senhor, vosso Deus”.
“Desses dados resulta que a proibição estrita do relacionamento entre
sexos iguais está alicerçada no Primeiro Mandamento e representa uma
diretriz ética do Sexto Mandamento. Ser santo significa, no contexto de
Levítico 17-26, pertencer unicamente a Deus, que é Santo. A exigência:
‘Sereis santos, porque eu sou santo, o Senhor, vosso Deus’ (Lv 19,2) ex-
clui peremptoriamente a prática homossexual como incompatível com a
existência perante Deus e com a pertença ao seu povo. Asselvajamento e
desencaminhamento sexual constituem marcas dos cananeus, que foram
expulsos por Israel como punição por sua culpa (Gn 15,16). Não apenas
na família extensa dos tempos do nomadismo, mas também e justamente
depois do exílio babilônico, a relação com Deus não pode ser preservada
incólume e a congregação do povo de Deus não pode ser construída, se a
proibição do relacionamento homossexual não vale de modo inviolável.
É justamente isso que se expressa em Levítico 18,22 e se repete em Le-
vítico 20,13, com vistas ao direito penal vigente em Israel. A condena-
ção ao homossexualismo está alicerçada na fé em Deus, que se revelou

44. Cf. METTLER, Amt, p. 134-207.


45. Nas determinações punitivas da Bíblia contra o homossexualismo, não se trata, segundo Schoeps, de
determinações de caráter ético, mas apenas de ritos de culto. Seria uma “piada tardia da história das religiões”
pretender derivar desses fatos uma rejeição genérica do homossexualismo. “Não, a suposta proibição divina ex-
pressa na Bíblia contra o homossexualismo é um mito – mais precisamente um mito falso”. H.J. SCHOEPS,
“Überlegungen zum Problem der Homosexualität”, em: ID. et al., Der homosexuelle Nächste. Ein Symposium,
Hamburgo 1963, p. 74-114, 88.
820 P. Mettler

no Monte Sinai. É uma conseqüência que foi tirada, e tinha de ser tirada,
do Primeiro e Sexto Mandamentos, porque sem a proibição da libidina-
gem não é possível que o povo de Deus tenha um ‘comportamento con-
dizente com a aliança’ diante de Deus”.46
Também para Moser, essa negação categórica ao homossexualismo
não remete apenas ao nível moral, mas também diretamente ao teológi-
co: “No início havia o caos, ou seja, não havia diferenciação, mas uma
mistura desordenada de elementos; Deus começa a colocar ordem, jus-
tamente estabelecendo a diferenciação dos elementos: terra, ar, água... A
expressão máxima da diferenciação organizadora e fecunda encontra-se
justamente na diferenciação sexual: Ele os criou homem e mulher. Ora,
o homossexualismo, na compreensão do Levítico, é a expressão de uma
certa volta atrás, da confusão e da esterilidade. Acontece que esquecer a
diferença é também a expressão da idolatria daqueles que esquecem a
condição criatural para se igualarem a Deus, ou então tomam criaturas
como se fossem o Criador. Na compreensão bíblica, o reconhecimento
da diferença sexual descentraliza o sujeito de si mesmo e lhe mostra seus
limites; já o desconhecimento desta diferença ameaça aprisionar a pes-
soa no círculo encantado e mortal de si mesmo”.47
As afirmações e orientações do Antigo Testamento são confirmadas
por Jesus Cristo. Seu silêncio sobre a homossexualidade, muitas vezes
destacado e enfatizado na atual discussão, é, na realidade, um silêncio
muito eloquente, que de forma alguma pode ser interpretado como apro-
vação ou como indício de que a questão é irrelevante para seu pensar,
agir e ensinar.48
Sem se reportar a Gênesis 1-3 e às correlações fundamentais ali ex-
plicitadas, não é possível realizar uma exegese teologicamente coerente
das afirmações do Antigo e Novo Testamentos sobre a homossexualida-
de. O nexo abrangente e a localização no respectivo contexto são deter-
minantes para a formação de juízo dos documentos bíblicos acerca do
tema. São somente eles que fornecem e atribuem significado a cada afir-

46. W. FÜHRER, “‘Irregeleitete Kirche.’ Eine exegetisch-theologische Überprüfung der Synodalbeschlüsse


zur Segnung homosexueller Partnerschaften in Gliedkirchen der EKD”, em: Idea-Dokumentation 3 “Irregeleite
Kirche”, Wetzlar 2003, p. 1-23, 8.
47. A. MOSER, O Enigma da Esfinge. A sexualidade, Petrópolis 2001, p. 240.
48. Conforme H. Lutterbach, esse silêncio de forma alguma foi entendido pelos primeiros cristãos no senti-
do de um consentimento da prática de relacionamentos entre os mesmos sexos (cf. H. LUTTERBACH, Gleich-
geschlechtliches sexuelles Verhalten: ein Tabu zwischen Spätantike und früher Neuzeit, em: Historische Ze-
itschrift 267 (1998) 281-311, 286).
Homossexualidade e ministério ordenado 821

mação. No entanto, quando uma passagem for privada de seu contexto


pela citação isolada, estará entregue indefesa à arbitrariedade herme-
nêutica do leitor.
Contra a acusação de um pensamento “a-histórico” e “fundamenta-
lista”, sempre de novo imputada à posição da Igreja em relação às decla-
rações bíblicas sobre o homossexualismo, é preciso salientar que não
pensa de forma a-histórica quem analisa com precisão a partir do con-
texto bíblico geral e com conhecimentos históricos, mas sim, aquele
que, sem justificativa plausível, descarta e condena afirmações bíblicas
cabalmente como “circunscritas à época”.49
A reinterpretação arbitrária de afirmações bíblicas acontece sem con-
sideração pela tradição exegética da Igreja. A Bíblia, no entanto, não
pode ser entendida em seu sentido real, se for interpretada de uma forma
que contradiz a tradição viva da Igreja. Sua interpretação, para ser corre-
ta, tem de estar em consonância verdadeira com essa tradição. Por isso,
para a exegese de uma passagem da Bíblia, é sempre importante verifi-
car como, nos primeiros séculos, os Padres da Igreja a entenderam, uma
vez que, afinal, estiveram mais próximos desses escritos. É estranho
“que a maioria dos comentários modernos, particularmente em idioma
alemão e inglês, ignore os Padres da Igreja”.50 Uma reinterpretação arbi-
trária despreza, ademais, um princípio de interpretação das Escrituras,
que foi expressamente enfatizado e ensinado pelo Concílio Vaticano II:
“O ofício de interpretar autenticamente a Palavra de Deus foi confiado
unicamente ao Magistério Vivo da Igreja, cuja autoridade se exerce em
nome de Jesus Cristo” (DV 10).
De acordo com o testemunho de toda a Bíblia, a prática da homosse-
xualidade é contrária à criação e contradiz a ordem intencionada e esta-

49. Com freqüência, se diferencia entre “casca devida à época” e “cerne” da Sagrada Escritura, “válido
para além da época”. “No primeiro caso, trata-se de afirmações da Bíblia que podemos muito bem ‘esquecer’ li-
teralmente. São condicionadas por uma época atrasada em suas opiniões. Dentro delas, porém, encontram-se ou-
tras convicções que possuem um significado supratemporal, eterno, que também continuam válidas conforme o
entendimento de hoje, medidas por critérios atuais, ou seja, que não são condicionadas pela época, mas contem-
porâneas, condizentes com nosso tempo”. Essa distinção casca-cerne, no entanto, pressupõe uma posição su-
pra-histórica. “Quem como sujeito histórico, em vista de documentos do passado, acredita ser capaz de distin-
guir, principalmente no que tange a textos bíblicos, entre condicionado pela época e eternamente válido, está
pressupondo como verdadeiros, corretos e superiores os critérios de seu próprio tempo, raciocinando, assim, fla-
grantemente de forma não-histórica: como se a própria época também não fosse condicionada por seu tempo em
relação às suas opiniões” (H. HEMPELMANN, “Die Autorität der Heiligen Schrift und die Quellen theologis-
cher Grundentscheidungen”, em: Homosexualität und christliche Seelsorge. Dokumentation eines ökumenis-
chen Symposiums, Neukirchen-Vluyn 1995, p. 238-261, 250).
50. L. HOGAN, “Homosexualität im Alten und Neuen Testament”, em: A. LAUN, (ed.), Homosexualität
aus katholischer Sicht, Eichstätt 2001, p. 151-160, 151.
822 P. Mettler

belecida por Deus. “A diferenciação entre a norma e a conduta que dela


se desvia não pode ser abandonada pela Igreja. Nesse ponto, situa-se o
limite para uma Igreja cristã que se sabe atrelada à autoridade da Escri-
tura. Quem a pressiona a alterar a norma de sua doutrina nessa questão
tem de saber que promove sua cisão. Porque uma Igreja que se deixasse
pressionar a não mais tratar a atividade homossexual como desvio da
norma bíblica, reconhecendo convivências homossexuais como uma
forma de comunhão de amor interpessoal equiparada ao matrimônio, já
não estaria firmada no chão da Escritura, mas contraposta a seu testemu-
nho unânime”.51
Ainda que não seja um tema predominante na Bíblia, o homossexua-
lismo e sua inequívoca rejeição por ela não são algo marginal que pudes-
se ser negligenciado como secundário. Quem exige que o homossexua-
lismo seja reconhecido como variante equivalente da criação ao lado da
heterossexualidade visa, na prática, uma imagem do ser humano dife-
rente e que diverge da mensagem bíblica. Tais exigências e intenções
tentam alvejar o âmago da criação e, por isso, se voltam, consciente ou
inconscientemente, contra o próprio Criador. “O ser humano se rebela
contra milênios de história da humanidade, contra sua própria natureza.
Ele reinventa a si mesmo. Luta contra seu Criador. Não deseja ser ima-
gem dele, mas seu próprio criador e senhor”.52 Em decorrência, pode-se
decididamente falar de uma espécie de “antigênesis”, de um “contrapro-
jeto”, contra a “gramática da vida” concebida e intencionada por Deus.53
No seu discurso dirigido aos membros da Cúria Romana e do gover-
no da Cidade de Vaticano, a 22 de dezembro de 2008, o Papa Bento XVI
tocou também neste assunto, pronunciando-se com toda a clareza: “O
que, com freqüência, se expressa e entende com o termo “gender” sinte-
tiza-se, em definitivo, na auto-emancipação do homem da criação do
Criador. O homem quer fazer-se por sua conta e decidir sempre e exclu-
sivamente sozinho sobre o que lhe afeta. Mas, deste modo, vive contra a

51. W. PANNENBERG, Homosexualität. Massstäbe zur christlichen Urteilsbildung, em: Weisses Kreuz
e. V. (ed.), Sexualethik und Seelsorge, Nº 95/96, 2/3 (1994) 4.
52. LACHENMANN, Paradise, p. 13.
53. Na sétima estação das meditações da via crucis, realizadas pelo arcebispo Comastri e que aconteceram
sob a presidência do Papa Bento XVI, na Sexta-Feira da Paixão de 2006, no Coliseu de Roma, lemos: “Com cer-
teza, o ataque à família constitui um doloroso sofrimento de Deus. Parece que existe hoje uma espécie de antigê-
nesis, um contraprojeto, um orgulho diabólico, que visa eliminar a família. O ser humano pretende reinventar a
família, deseja mudar a gramática da própria vida, concebida e intencionada por Deus. Contudo colocar-se no lu-
gar de Deus, sem ser Deus, é a mais tola arrogância, é a mais perigosa aventura” (Kreuzweg 2006, disponível em:
www.kath.net/detail.php?id=13380).
Homossexualidade e ministério ordenado 823

verdade, vive contra o Espírito Criador. Os bosques tropicais merecem,


certamente, nossa proteção, mas não menos a merece o homem como
criatura, no qual está inscrita uma mensagem que não contradiz a nossa
liberdade, mas que é a sua condição”.54 Por isso, a Igreja tem que defen-
der não somente a terra, a água, o ar, como dons da criação que perten-
cem a todos, mas tem que proteger o homem contra sua própria destrui-
ção. “É necessário que haja algo como uma ecologia do homem, enten-
dida no sentido justo. Quando a Igreja fala da natureza humana como
homem e mulher e pede que se respeite esta ordem da criação, não está
expondo uma metafísica superada. Aqui se trata, de fato, da fé no Cria-
dor e da escuta da linguagem da criação, cujo desprezo significaria uma
autodestruição do homem e, portanto, uma destruição da própria ordem
de Deus”.55
Apesar de todas as unilateralidades e distorções condicionadas pela
época na história da teologia que, no entanto, jamais representaram a
“corrente principal” na Igreja e na construção do saber teológico, ficou
preservada a linha fundamental preestabelecida pela Bíblia.56 Foi so-
mente em tempos mais recentes que também teólogos católicos a aban-
donaram, sendo que inicialmente se amoleceu o juízo moral por meio de
uma indevida psicologização do comportamento ético e, finalmente, ten-
tou-se obter a fundamentação de tal juízo atenuado por meio de interpre-
tação desviante das afirmações das Sagradas Escrituras. Justamente as
considerações acerca das passagens bíblicas de Gn 19,1-29; Jz 19,13-48;
Lv 18,22; 20,13; Rm 1,26s; 1Cor 6,9-11; 1Tm 1,10 explicitam, na pon-
deração das mais diferentes posições exegéticas e teológico-morais, o
quanto a própria Bíblia, em seu trato seletivo, se torna um documento
meramente condicionado pelo seu tempo, sem afirmações substanciais
sobre questões essenciais e que pode ser moldado e pressionado ao bel-pra-
zer até que corresponda às próprias idéias dos interessados. A exegese se
torna “eisegese”.
As insistentes e repetidas exortações nos documentos do Magistério
eclesiástico, sobretudo aos bispos para que cumpram sua responsabili-
dade na pregação plena do ensinamento eclesiástico acerca da moral se-
xual, contêm implicitamente a constatação de que, no caso, bispos falta-

54. BENTO XVI, Balanço de 2008, com a Jornada de Sydney como Eixo, disponível em: www.zenit.org/
article-20422?!=portuguese.
55. Ibid.
56. Cf. METTLER, Amt, p. 191-203.
824 P. Mettler

ram na necessária determinação, com graves consequências negativas


para a Igreja.57

4. Homossexualidade e suas causas na visão


das ciências humanas

Desde que, em 1973, a Associação Psiquiátrica Norte-americana


(APA) retirou a homossexualidade de sua lista de distúrbios psíquicos,
sob pressão do movimento gay e não com base em novas teorias científi-
cas,58 a pesquisa sobre as causas do problema foi cada vez mais onerada
ideologicamente. Duas reivindicações de resultados unilateralmente fa-
voráveis à ideologia gay parecem ter contribuído para a acentuada dis-
torção da compreensão da homossexualidade: A primeira consiste em
afirmar que não se pode levantar características negativas de personali-
dade associadas à homossexualidade. A segunda compreende a homos-
sexualidade como algo diretamente herdado. A discussão sobre a ho-
mossexualidade foi e está sendo conduzida até hoje sob a pressão dessas
premissas do movimento gay. Não será fácil encontrar casos compará-
veis na história da ciência moderna, sobretudo nos países livres, onde o
cerceamento do trabalho foi e continua sendo promovido por motivos
políticos e ideológicos, por tanto tempo e com tanta eficácia como no
caso do homossexualismo e de suas causas.59
Nenhum dos estudos existentes até agora, que tentaram comprovar
fatores biológicos como causa principal da homossexualidade, pode ser
apresentado como definitivo. Tais estudos são, na melhor das hipóteses,
meramente especulativos. Além de não serem livres de contradições,
seus resultados não foram repetidos e confirmados até o presente por ou-
tras pesquisas independentes. Com efeito, a confirmação dos resultados
com base em outras pesquisas constitui-se numa exigência irrenunciável
da investigação científica.60 Em seu parecer para o governo federal ale-
mão, o sociólogo M. Dannecker, cuja identificação com a ideologia gay

57. A Igreja se esforçou, num passado recente, em explicar sua atitude perante a homossexualidade e mos-
trar caminhos de uma prática pastoral apropriada. Sinais desse esforço são nada menos que 8 documentos, nos
quais o Magistério se manifestou com autoridade, entre 1975 e 2003, sobre o tema da homossexualidade e aspec-
tos correlatos (cf. Ibid. p. 204-207).
58. Cf. Ibid., p. 32ss.
59. Cf. THIEKE, Kulturbruch, p. 53.
60. Cf. METTLER, Amt, p. 208-224.
Homossexualidade e ministério ordenado 825

é de todos conhecida, também constata: “Todas as tentativas realizadas


no passado de ancorar biologicamente a homossexualidade precisam ser
classificadas como fracassadas”.61
A procura por peculiaridades hormonais ou neuroanatômicas em pes-
soas de tendências homossexuais revela uma mentalidade do séc. XIX,
segundo a qual as divergências da norma são originárias de anormalida-
des no cérebro, que, ademais, são hereditárias. Contudo, não existe ne-
nhum fundamento científico para, em princípio, não considerar fisica-
mente normais e saudáveis pessoas com tendências homossexuais. Vá-
rias pessoas que procuram por uma causa genética da homossexualidade
parecem já não acreditar mais na existência de um “gene gay”. Por exem-
plo, o próprio D. H. Hamer, já festejado como o descobridor do “gene
gay”, admite: “Não esperamos encontrar (no futuro) um gene que seja
igual em todos os homens homossexuais, a saber, um que esteja ligado à
orientação sexual”.62
Também o papel, do ponto de vista dos genes, parece se modificar.
Se anteriormente eram os principais determinantes, hoje os genes são
contados mais como fatores que predispõem para o desenvolvimento
em direção à homossexualidade. Com isso, no fundo, admite-se tacita-
mente que os principais motivos e as causas decisivas se situam na histó-
ria da vida do indivíduo.63 No entanto, quando os fatores e explicações
psicológicos realmente recebem atenção nos estudos sobre as causas bio-
lógicas da homossexualidade, em geral são descartados como secundá-
rios. Muitas vezes, nem sequer são mencionados. Isso aponta para o des-
conhecimento que leva a não querer conceder à psicologia o peso que
lhe cabe, ou para a indisposição, ou ainda para ambas as coisas.
A pesquisa sobre as causas da homossexualidade é, muitas vezes,
realizada por cientistas com tendências e práticas homossexuais, “mui-
tos dos quais são, pelo menos em parte, motivados pelo desejo de de-

61. M. DANNECKER, “Sexualwissenschaftliches Gutachten für die Bundesregierung”, em: J. BASE-


DOW et al., Die Rechtstellung gleichgeschlechtlicher Lebensgemeinschaften, Tübingen 2000, p. 335-350, 339.
62. D.H. HAMER/P. COOPELAND, Living with our genes, Nova Iorque/Londres 1994, p. 198.
63. O ativista gay A. Sullivan descreve como auto-engano acreditar que o homossexualismo é transmitido
como a cor dos cabelos. “Sem dúvida seria bem-vindo aos gays se a ‘analogia’ dos cabelos fosse correta, porque
isso os eximiria da auto-análise, que muitas vezes é tão dolorosa, com a qual teriam de se confrontar em caso con-
trário. Lamentavelmente, porém, ela não é correta”. E admite: “Certamente seria estranho se influências do meio
não tivessem também uma importância especial” (A. SULLIVAN, Love Undedectable: Notes on Friendship,
Sex and Survival, New York 1998, p. 164). Também Peter Tatchell, conhecido ativista do movimento gay, reco-
nheceu recentemente: “Genes e hormônios podem predispor uma pessoa para determinada orientação sexual.
Mas isso não é tudo. Predisposição e fixação são duas coisas diversas.” P. TATCHELL, “Führender Homo-Akti-
vist: Es gibt kein ‘Gay-Gen’”, disponível em: www.kath.net/detail.php?id=20536.
826 P. Mettler

monstrar que são normais ou de justificar seu estilo de vida: A ‘ciência’ é


considerada como poderoso instrumento para tal”.64
Ainda que fossem comprovadas causas biológicas da homossexuali-
dade, o que, no entanto, se tornou improvável em virtude dos estudos
dos últimos anos, não resultaria daí, automaticamente, que a homosse-
xualidade é “natural”, no sentido de ser condizente com a natureza cria-
da, que ela é desejável ou que sua prática se justifica eticamente. “Quan-
do se identifica a ‘natureza existente’ com a ‘criação de Deus’, tudo o
que ‘se formou naturalmente’ é transformado em ‘criado e querido por
Deus’. Uma equiparação dessas entre a natureza e a obra de Deus nega
que na natureza nos deparamos não apenas com a criação intencionada
por ele, mas igualmente com o mal que a corrompe, que Deus não criou
nem intencionou. Na perspectiva ética, cai-se numa ‘conclusão falacio-
sa naturalista’, porque se deduz do ‘existente’ que ele também deve ser e
– em perspectiva teológica – corresponde à vontade de Deus”.65
Quem, até o momento, ainda não se ocupou suficientemente da ho-
mossexualidade na perspectiva psicológica, tende a surpreender-se com
as afirmações dos clássicos da psicologia: Sigmund Freud, Wilhelm Ste-
kel, Alfred Adler e Carl Gustav Jung, que não a consideraram como nor-
mal no sentido de uma variante equivalente da natureza humana.66 Espe-
cialmente importante, bem como persistentemente válida e atual, vem a
ser a descoberta de Adler acerca da homossexualidade como inferiorida-
de sexual, que conduz de maneiras distintas a déficits de personalidade.
Os atuais conceitos norte-americanos “impaired gender identity” [iden-
tidade de gênero diminuída] e “gender nonconformity” [não-conformi-
dade de gênero], no fundo, não fazem outra coisa a não ser confirmar o
conceito e as acertadas percepções de Adler.
Estritamente ligado a essa observação da homossexualidade como
inferioridade sexual está o reconhecimento de que o desejo homossexu-
al constitui uma forma patológica de busca da masculinidade. Trata-se,

64. G. VAN DEN AARDWEG, The biological base of Homosexuality: not solid evidence, much mislea-
ding speculation, em: Narth-Bulletin 2004. Contra o perigo de mesclar ativismo gay e ciência, bem como contra
as consequências, adverte enfaticamente a já citada ativista homossexual, C. Paglia: “Devíamos estar conscien-
tes da possível mistura nociva de ativismo gay e ciência, que produz mais propaganda que verdade. Cientistas ho-
mossexuais precisam ser primordialmente cientistas, homossexuais somente em segundo lugar” (PAGLIA,
Vamps, p. 78).
65. U. EIBACH, Gleichgeschlechtliche Liebe – Gleichwertigkeit der Lebensformen der Geschlechter?,
em: Pastoraltheologie, Monatsschrift für Wissenschaft und Praxis in Kirche und Gesellschaft 87 (1998)
155-167, 157.
66. Cf. METTLER, Amt, p. 224-243.
Homossexualidade e ministério ordenado 827

portanto, de uma tentativa irrealista de contrabalançar esse déficit. Uma


“reparação” da não-masculinidade que, no entanto, por estar baseada so-
bre um sentimento duradouro de inferioridade, não pode ser bem-suce-
dida e fracassa quanto mais vezes for ensaiada, degenerando em um sen-
timento de compulsão. Essa constelação, chamada por Adler de comple-
xo de inferioridade, impede que a respectiva pessoa se torne adulta, por
se tratar de uma fuga da identidade masculina ou feminina.
A homossexualidade adquirida é psicologicamente explicável. Já em
1932, o Prof. Dr. Harald Schultz-Henke, um dos grandes nomes da psi-
quiatria alemã, posicionou-se a favor de uma “explicação cabalmente
psicológica” da homossexualidade.67 Seu posicionamento atraiu a ade-
são de pesquisadores e terapeutas como Gerard van den Aardweg, Law-
rence Hatterer, Joseph Nicolosi e Richard Fitzgibbons.68 Para eles, não é
fácil ensinar e, consequentemente, agir contra a corrente psicológica do-
minante, desde que a pesquisa sobre as causas da homossexualidade foi
cada vez mais onerada e distorcida ideologicamente.
Entre as causas da homossexualidade estão, aparentemente, em pri-
meiro lugar, relacionamentos mal-sucedidos. Gender nonconformity /
impaired gender identity na infância constitui, segundo ampla concor-
dância, o fator isolado mais frequente, associado à homossexualidade.
Uma autoanálise sincera dos envolvidos resulta na constatação de que
os mesmos eram diferentes em relação às demais crianças nos sentimen-
tos e no comportamento e se sentiam inferiorizados no mundo dos rapa-
zes ou homens, e excluídos dele.69 Em segundo lugar, ocupa um papel
importante o relacionamento com a figura paterna. Uma apreciação de
diversos estudos empíricos chega à conclusão de que, com poucas exce-
ções, o homossexual masculino declarou que o pai tinha uma influência
negativa sobre sua vida e/ou era emocionalmente ausente.70 Com fre-
quência, em pessoas com tendências homossexuais, ocorrem relaciona-
mentos patológicos mãe-filho, em diversas variantes, que não foram su-
perados.

67. Cf. H. SCHULTZ-HENKE, Über Homosexualität, em: Zeitschrift für die gesamte Neurologie und
Psychiatrie 140 (1932) 300-312, 300.
68. Cf. METTLER, Amt, p. 244-267.
69. Cf. G. VAN DEN AARDWEG, Das Drama des gewöhnlichen Homosexuellen. Analyse und Therapie,
Neukirchen, Stuttgart 1993, p. 156, Tabela 1; J. NICOLOSI/L.A. NICOLOSI, A Parent’s Guide to Preventing
Homosexuality, Downers Grove 2002, p. 33s.
70. Cf. S. FISHER/R.P. GREENBERG, Freud Scientifically Reapraised: Testing the Theories and The-
rapy, Nova Iorque 1996.
828 P. Mettler

As impressões de inferioridade e isolamento no mundo de rapazes


ou homens levam à admiração, romantização e erotização do mesmo
sexo. Tais consequências podem desencadear desejos homossexuais que,
potencializados na vivência concreta dos indivíduos, são sintomas de
uma crise mais profunda de identidade. Não escolhidos e intencionados
conscientemente, tais desejos se constituem como um distúrbio de per-
sonalidade, adquirindo aos poucos uma progressiva autonomia, de modo
que a pessoa implicada torna-se refém de uma mania sexual.
Por natureza e origem, a homossexualidade não é um problema se-
xual, mas um problema de identidade, por meio do qual diversos âmbi-
tos do crescimento da personalidade são bloqueados. Isso se revela em
determinadas formas de conduta das pessoas envolvidas. Ainda que es-
sas formas de conduta não se verifiquem de modo idêntico em todas as
pessoas implicadas, elas, contudo, ocorrem com tanta frequência que
podem ser consideradas típicas.71 A personalidade de pessoas com ten-
dências homossexuais é determinada por forças que atuam umas contra
as outras. Ao lado da personalidade desenvolvida normalmente, atua um
lado imaturo da personalidade em geral: a “criança interior” que estag-
nou em um patamar e que influi juntamente no pensamento, nas emo-
ções e na conduta da pessoa adulta.72 Como decorrência da presença e
atuação da “criança interior” na pessoa de tendência homossexual, o
egocentrismo e a ocupação narcisista consigo mesmo passam a ter um
espaço determinante. O adulto continua cativo de um egocentrismo in-
fantil, o que pode levar a que uma pessoa, em última análise, vise a si
própria em tudo o que faz.
Estreitamente ligados a esse egocentrismo, estão, muitas vezes, a
falta de companheirismo, a desconfiança, a mania de dominação, a ten-
dência à autoacusação e à autodramatização, a hipersensibilidade, a fa-
cilidade de ser magoado e ferido, o ciúme, sentimentos de vingança e
frieza, atitudes rebeldes, bem como, principalmente naqueles que vivem
um homossexualismo ativo, uma tendência exacerbada a adquirir certas
características de personalidade classificáveis de psicopatas, como de-
sonestidade e dissimulação etc. Fica evidente que tais características de-
notam também uma capacidade fortemente diminuída de manter sadios

71. Cf. B. RITTER, Eine andere Art zu lieben? Zum Thema Kirche und Homosexualität. Seelsorgliche
Aspekte, Giessen/Basiléia 1993, p. 50.
72. Cf. AARDWEG, Drama, p. 111ss.
Homossexualidade e ministério ordenado 829

relacionamentos, bem como uma notável incapacidade de ser sexual-


mente fiel, como comprovam diversos estudos.
Via de regra, os relacionamentos homossexuais são muito curtos. O
estudo de Tuller averiguou que a maioria desses relacionamentos dura
de dois a quatro anos. Somente num dos casos analisados, a relação du-
rou 7 anos.73 Conforme E. Lauman, um morador urbano que vive ho-
mossexualmente passa tipicamente a maior parte de sua vida adulta em
relacionamentos de curta duração de menos de seis meses.74 Muitos ho-
mens que praticam a homossexualidade têm, no curso da vida, em média
centenas de parceiros sexuais. No estudo sociológico realizado nos anos
70 sobre homossexuais masculinos, na República Federal da Alemanha,
Dannecker e Reiche chegaram ao resultado de que cifras elevadas de
parceiros sexuais são totalmente normais. “Cada sétimo praticou sexo
na vida com mais de 600 homens e, no ano passado, com mais de 50 ho-
mens”.75 Bell e Weinberg, em 1978, constataram, num célebre estudo so-
bre a homossexualidade masculina e feminina, que 26% dos homens bran-
cos homossexuais alcançavam de 3 a aproximadamente 100 parceiros se-
xuais. Cerca da metade (47%) dos inquiridos teve entre 100 e 1.000 parcei-
ros sexuais. E, aproximadamente, um terço (28%) assinalavam, em sua
biografia, mais de mil parceiros sexuais. 79% indicaram que mais da
metade dos parceiros sexuais eram estranhos. Somente 1% dos homens
havia tido menos de 5 parceiros sexuais.76 Conforme F. Suppe, o homos-
sexualismo requer seus próprios princípios, que “se situam em total con-
traste com a cultura heterossexual”, e nos quais “se precisa aprender a
entender o sexo primordialmente como atividade de lazer, na qual se tro-
ca de parceiro com a mesma ausência de compromisso e facilidade com
que se arranja um parceiro para uma partida de tênis”.77
Sem dúvida, o percentual dos matrimônios sexualmente fiéis está
significativamente longe de 100%, mas, apesar disso, é muito grande a
73. Cf. N.R. TULLER, “Couples: The hidden segment of the gay world”, em: J.P. DE CECCO (ed.), Gay
Relationships, Nova Iorque/Londres 1988, p. 45-60, 49.
74. Cf. E.O. LAUMANN et al., The sexual organization of the city, Chicago 2004.
75. M. DANNECKER/R. REICHE, Der gewöhnliche Homosexuelle. Eine soziologische Untersuchung
über männliche Homosexuelle in der Bundesrepublik, Frankfurt am Main 1974, p. 236.
76. Cf. A.P. BELL/M.S. WEINBERG, Der Kinsey Institut Report über weibliche und männliche Homose-
xualität, Zurique 1998, p. 18.
77. F. SUPPE, The Bell and Weinberg Study: future priorities for research on homosexuality, em: Journal
of Homosexuality 6 (1981) 69-97.
830 P. Mettler

diferença entre casais heterossexuais e relacionamentos homossexuais.


Entre homens com vida homossexual é ínfima a probabilidade de fideli-
dade por toda a vida. Em termos estatísticos, ela é quase insignificante.
“A promiscuidade entre homens homossexuais não é apenas um precon-
ceito ou somente uma experiência da maioria. Ela, no fundo, representa
a única experiência. Tragicamente, a fidelidade vitalícia em experiênci-
as homossexuais, por assim dizer, não existe”.78 O conceito de fidelida-
de recebe uma nova definição. A fidelidade não precisa necessariamente
significar fidelidade sexual, mas simplesmente o apoio mútuo na vida.
Cumpre diferenciar entre fidelidade social, emocional e sexual, sendo
que à fidelidade sexual se atribui uma importância menor.79
À primeira vista, esses fatos parecem contrastar com a muitas ve-
zes observada facilidade de contato e relacionamento de pessoas com
tendências homossexuais, bem como com sua capacidade de atrair ou-
tros e prendê-los a si. Contudo, não se trata de relacionamentos super-
ficiais, ainda que cordiais, mas de relacionamentos profundos, em que
a pessoa pode se abrir e mostrar-se integralmente. Proximidade, inti-
midade e confiança, porém, não podem ser obtidas sem fidelidade, sem
a qual, tampouco, se pode alcançar a maturidade. Quem joga uma fide-
lidade (sexual) contra a outra (social e emocional) cinde o ser humano
e esvazia a palavra fidelidade. O papel “gay” estorva os contatos hu-
manos genuínos e cria um muro de separação. A evidenciada abertura
e facilidade de contato são meras exterioridades. Essa capacidade forte-
mente restrita de relacionamentos e a incapacidade para a fidelidade,
com frequência, levam ao isolamento, solidão, depressão, alcoolismo e
risco de suicídio dos envolvidos.
Outra característica de muitas pessoas de tendência homossexual é o
predomínio de sua emotividade, porque a eficácia da “criança interior”
geralmente significa que o ser humano orienta seu agir primordialmente
pelos sentimentos. A destacada emotividade, porém, constitui a caracte-
rística de um estágio evolutivo já não condizente com a idade. Também
o sentimento de inferioridade sexual de pessoas com as mesmas tendên-
cias geralmente traz implícita uma falta de autoconfiança e autonomia,

78. T.E. SCHMIDT, “Der Preis der Liebe”, em: R. HILLIARD/W. GASSER, Homosexualität verstehen 2.
Medizinische, verhaltensgenetische und theologische Aspekte, Zurique 1998, p. 4-23, 7.
79. Cf. R.A. ISAY, Schwul sein, Munique 1990, p. 97ss.
Homossexualidade e ministério ordenado 831

pusilanimidade, fraqueza do eu e passividade.80 Da mesma forma, há ho-


mens que, embora não manifestem tendências homossexuais, apresen-
tam sintomas de deficiência emocional, “mas essas carências não são
características da heterossexualidade, sendo-o, porém, do homossexua-
lidade”.81
Muitos homens com tendências homossexuais manifestam uma im-
petuosa atração por adolescentes do sexo masculino. Ademais, entre
eles, a ocorrência de pedofilia é relativamente mais frequente do que en-
tre heterossexuais. “Estudos cuidadosos mostram que a pedofilia pode
ser constatada com mais frequência entre homossexuais do que entre he-
terossexuais. O número absolutamente maior de casos de pedofilia co-
metidos por heterossexuais resulta do fato de que os heterossexuais são
muito mais numerosos do que os homossexuais, na proporção aproxi-
mada de 36 para 1. A pedofilia heterossexual em relação à pedofilia ho-
mossexual está apenas na proporção de 11 para 1, o que assinala que a
pedofilia ocorre com frequência três vezes maior entre homossexuais”.82

80. Quando comparamos essas características de personalidade e formas de comportamento com aqueles
presbíteros e religiosos homossexuais que trabalham no Brasil, identificados por G. Nasini à base de questioná-
rios, diálogos e observações pessoais, não há como deixar de notar convergências nos pontos essenciais. Logo,
não se trata, de forma alguma, de observações isoladas, impossíveis de generalizar, mas de concretizações confir-
madoras. Nasini cita, inicialmente, um sacerdote psicólogo do sul do Brasil, que descreve sacerdotes de tendênci-
as homossexuais em pleno exercício do ministério da seguinte maneira: “Usualmente, esses ministros (sacerdo-
tes-religiosos ativos no ministério) são descritos por seus colegas como inteligentes, de muita capacidade criativa
e realizadora. Conquistam facilmente as pessoas em geral. Sabem envolver os que estão à sua volta, pois geral-
mente são simpáticos e prestativos. Mas, por outro lado, agem furtivamente, sempre por baixo dos panos, deixan-
do transparecer insatisfações internas, frustrações afetivas e descontroles psico-emocionais. Buscam preencher
freneticamente os vazios através desse comportamento sexual. Eles parecem ser pessoas espiritualistas e reflexi-
vas, efeminados nos seus gestos e com tendência à passividade, aceitam as coisas como elas se apresentam. São
pessoas muito informadas e com muitas influências. Gostam de bajular os poderosos, de disfarçar e fingir. Na vi-
são de um padre que respondeu à pesquisa, a homossexualidade entre o clero constitui um comportamento mar-
cado pela violência, preguiça e farisaísmo. Tal comportamento é escandaloso e toda a comunidade é a primeira a
saber: Lamentavelmente, essa coisa não é só de padres, mas também de bispos. O relacionamento com determi-
nadas pessoas que são subalternas é demasiadamente intenso e frequente. Pessoa desconfiada, o ministro homos-
sexual mede as palavras e passa medo e desconfiança. Autoritário e centralizador, é apegado ao dinheiro para be-
neficiar seus familiares. Se ativo em sua orientação sexual, o ministro não é bem-aceito onde trabalha. Pode tor-
nar-se dependente de álcool e passar facilmente da euforia à tristeza e depressão. Faz-se vítima, pode causar divi-
sões, negar a realidade dos fatos e esconder seus problemas. Isolado, pode viver na superficialidade e ser agressi-
vo com os colegas. Movido mais pelo impulso que pela razão, alguns ministros continuam em seus relaciona-
mentos homossexuais até morrerem de Aids sob o olhar de seus bispos. Há um crescente corporativismo entre
clérigos homossexuais, caracterizado por carreirismo eclesial e busca de poder econômico: paróquias ricas” (G.
NASINI, Um espinho na carne. Má conduta e abuso sexual por parte de clérigos da Igreja Católica do Brasil,
Aparecida 2001, p. 115s).
81. J. NICOLOSI, “Homosexualität und Veränderung – wie ist das zu verstehen?”, em: Deutsches Institut
für Jugend und Gesellschaft (ed.), Bulletin 5. Sonderheft Männliche Homosexualität, Reichelsheim 2005, p.
19-24, 20.
82. J. SATINOVER, “Is Homosexuality Desirable? Brute Facts”, em: C. VONHOLDT (ed.), Striving for
Gender Identity, Reichelsheim 1996, p. 168-188, 181.
832 P. Mettler

A hoje alardeada “normalidade” do homossexualismo não se apóia


em nenhuma comprovação cientifica. De fato, o homossexualismo deve
ser considerado como “enfermidade psíquica”, “distúrbio’ ou “neuro-
se”, independentemente de suas variações terminológicas. Van den
Aardweg justifica assim o termo enfermidade: “A palavra enfermidade,
que empreguei para apontar o caráter compulsório da autocomiseração
em pessoas homossexuais, não deveria dar motivo a mal-entendidos.
Normalmente, esse conceito é usado para distúrbios físicos ou psíquicos
que provavelmente possuem causas físicas. Contudo, igualmente serve
para designar distúrbios emocionais com causas psicológicas, porque
também nesses casos nos deparamos com dois elementos essenciais da-
quilo que normalmente chamamos de enfermidade: a função insuficien-
te e anormal de uma parte do corpo ou da psique e o fato de que a respec-
tiva pessoa se encontra nessa situação sem sua vontade ou responsabili-
dade. A palavra ‘enfermo’ é usada em sentido análogo, designando am-
bas as coisas: distúrbios físicos e psíquicos”.83
O psiquiatra vienense Erich Ringel diagnosticou a homossexualidade
“indubitavelmente como enfermidade”, como “sintoma neurótico”, “re-
sultante de um desenvolvimento doentio na infância, que leva a uma es-
trutura anormal da personalidade na esfera sentimental”. A homossexua-
lidade constitui, para Ringel, “um exemplo ideal de uma sintomatologia
sexual, por trás da qual se oculta um distúrbio de personalidade”.84 Tam-
bém Wilhelm Frankl fala da “perversão homossexual” e de “enfermos”.85
O dogma fundamental do movimento gay, de que a homossexualida-
de é algo inato e pertence imutavelmente à natureza e identidade do res-
pectivo envolvido, evidencia-se como elaboração insustentável, como
um conceito político-ideológico sem fundamento biológico, nem psico-
lógico. Constitui uma vitória para o movimento gay o fato de muitos
“crerem” nesse dogma. Entretanto, por meio de uma terapia, é possível
alcançar, para as pessoas envolvidas, muitos resultados positivos, que
vão desde uma atenuação das tendências homossexuais e um domínio
sobre as fantasias sexuais até uma mudança completa rumo à heterosse-
xualidade. Essa mudança, sem dúvida, mostra-se difícil, mas, de qual-
quer modo, é possível em número maior do que se supõe. Importa evitar

83. AARDWEG, Drama, p. 29.


84. E. RINGEL, Selbstschädigung durch Neurose. Psychotherapeutische Wege zur Selbstverwirklichung,
Eschborn 2004 (reedição), p. 66s.
85. W. FRANKL, Die Psychotherapie in der Praxis, Viena 1961, p. 80ss, 85.
Homossexualidade e ministério ordenado 833

a falsa alternativa: “ou mudança total ou nenhuma” e ver os resultados


positivos de um processo de mudança ainda não concluído para os en-
volvidos.
Não se pode deixar de mencionar um relevante estudo sobre esse
ponto: o estudo de Spitzer.86 R.L. Spitzer desempenhou um papel-chave,
quando, em 1973, a APA retirou a homossexualidade da lista dos distúr-
bios psíquicos. Desde então, ele estava convicto, como afirmou, de que,
por um lado, é possível lutar contra os desejos homossexuais, mas, por
outro, ninguém realmente seria capaz de mudar sua orientação sexual.
Por ocasião da conferência anual da APA de 1999, o mesmo pesquisador
se dirigiu a pessoas que, no passado, se consideravam homossexuais e
que protestavam diante da entrada do prédio da conferência em favor de
sua autodeterminação e do direito à mudança. Continuando a ser muito
cético quanto à possibilidade de uma mudança na orientação sexual, ele
decidiu que nessa questão obteria clareza unicamente por meio de uma
pesquisa realizada por ele próprio. O resultado desse estudo é sintetiza-
do por ele como segue: “O estudo mostra que alguns homens gays e al-
gumas mulheres lésbicas, que se submeteram à terapia restauradora, re-
latam uma grande transformação de sua orientação predominantemente
homossexual. Essa mudança, com base na terapia restauradora, não se
restringe ao comportamento sexual e à autoidentidade sexual. Essas mu-
danças se referem à atração, excitação, fantasia, saudade e irritação por
causa de sentimentos homossexuais. As mudanças se referem aos aspec-
tos axiais da orientação sexual. Também aqueles participantes que expe-
rimentaram apenas uma mudança limitada, apesar disso, consideram a
terapia extremamente útil. Participantes relatam o proveito referente a
mudanças não-sexuais como diminuição da depressão, maior experiên-
cia de masculinidade em homens e feminilidade em mulheres e de um
desenvolvimento de relacionamentos íntimos não-sexuais com pessoas
do próprio gênero”.87 Essas mudanças não se constituem, ao contrário
do que se costuma afirmar, como perigosas, não-científicas, muito me-
nos como aéticas ou desumanas, por “mudarem a polaridade” ou serem
forçadas por pressão religiosa. Uma vez que, num processo de mudança,
o ser humano está envolvido em toda sua complexa totalidade, vários te-

86. R.L. SPITZER, Can some Gay Men and Lesbians change their sexual Orientation? 200 Participants
Reporting a Change from Homosexual to Heterosexual Orientation, em: Archives of Sexual Behavior 32 (2003)
403-417.
87. SPITZER, Change, p. 413.
834 P. Mettler

rapeutas recomendam uma síntese de tratamento psíquico, por um lado,


e de espiritualidade e ascese cristã, por outro.
Ao contrário do que vem acontecendo nos EUA, na Europa, poucos
terapeutas trabalham com os envolvidos mediante um processo de mu-
dança, sem deixar de aconselhá-los a aceitarem suas tendências homos-
sexuais e efetivá-las. Entretanto, é possível prevenir uma evolução em
direção à homossexualidade, como também enfatiza a Associação Mé-
dica Católica dos EUA: “Quando se corresponde suficientemente às ne-
cessidades emocionais e evolutivas da criança, seja por parte da família,
seja por parte de seus coetâneos, é pouco provável que se desenvolva
nela uma atração homossexual”.88

5. O Codex Iuris Canonici de 1983 e a Instrução de 2005

Conforme o c. 1024, somente um homem batizado pode receber va-


lidamente o sacramento da Ordem.89 Embora um homem com tendênci-
as homossexuais consiga se identificar apenas deficitariamente com sua
masculinidade, ele não deixa de ser homem segundo sua natureza real e
psíquica. Portanto, depois de batizado, o mesmo parece cumprir as duas
condições citadas para ser validamente admitido à Ordenação. Uma com-
preensão puramente formal da masculinidade, porém, mostra-se insufi-
ciente no que tange ao sacramento da Ordem e a seu exercício sensato e
frutífero.
J. San José Prisco chama a atenção para o fato de que não são os ór-
gãos sexuais masculinos que definem a condição de homem ou varão. A
condição de homem ou mulher se delineia mediante a interação de três
aspectos fundamentais: “A identidade sexual, o papel sexual e a orienta-
ção sexual. A primeira se refere à percepção individual e à consciência
pessoal de ser homem ou mulher; o papel sexual é o comportamento que
o indivíduo denota e que o identifica perante os outros como homem ou
mulher; a orientação sexual se refere à atração erótica que um indivíduo
sente por homens ou mulheres”. Neste sentido, “o candidato estará mais
ou menos apto na medida em que se entender pessoalmente como hete-
88. Homosexualidad y Esperanza. Declaración de la Asociación Médica Católica, de EEUU, disponível
em: www.narth.com/docs/eeuu.html.
89. Houve discussões controvertidas, se o sexo masculino, como condição prévia para a obtenção válida da
ordenação, baseia-se no direito divino ou apenas representa uma determinação eclesiástica. Essa controvérsia foi
definitivamente resolvida pelo papa João Paulo II (1978-2005), por meio da Carta Apostólica Ordinatio Sacer-
dotalis, de 22 de maio de 1994.
Homossexualidade e ministério ordenado 835

rossexual, em que viver assim e se der a conhecer como tal perante os


outros”.90
No entanto, são primordialmente razões teológicas que também evi-
denciam a homossexualidade como impedimento real e objetivo para a
Ordenação. É significativo, porém, constatar que tais razões estão prati-
camente ausentes na discussão atual ou não são levadas a sério nem
mesmo pelos teólogos. Em razão da ausência quase total da perspectiva
teológica, uma importante dimensão permanece em grande medida des-
focada e desconsiderada. A pergunta se a homossexualidade constitui
um impedimento concreto à Ordenação não pode ser respondida exclu-
sivamente com base em descobertas psicológicas, científicas, nem tam-
pouco em considerações pragmáticas. A Igreja tem de introduzir, com
mais vigor, sua especificidade originária e apresentá-la de forma mais
incisiva. Até o presente, isso foi alcançado apenas de modo insuficiente.
O sacerdote, que atua in persona Christi capitis, tem de representar
Cristo não apenas como pessoa, mas fazê-lo por meio de um agir espe-
cificamente masculino: em seu agir como “noivo” perante sua “noi-
va”, a Igreja. Se o sinal tem de ser semelhante à realidade sinalizada,
cumpre perguntar se um homem com tendências homossexuais é ca-
paz, de fato, de representar Cristo nesse agir específico como “noivo”
perante sua “noiva”, porque essa relação é algo estranho para ele. Se
nem o sentido nem o simbolismo do sacramento da Ordenação, com
seu pano de fundo masculino-feminino, nem tampouco dados antropo-
lógicos fundamentais devem ser obscurecidos, desfocados, conse-
quentemente negados, através de uma identificação pública com a cul-
tura gay ou de uma valorização da própria homossexualidade como
fonte positiva, isso pressupõe a masculinidade heterossexual não so-
mente como radicalmente mais sensata, mas até mesmo como imperio-
sa.91 Parece hoje mais necessário do que nunca exigir um pensamento
lógico coerente na tarefa de fazer teologia.
As vítimas do abuso sexual de clérigos e religiosos, que, em sua su-
prema maioria, são adolescentes pós-pubescentes masculinos, evidenci-
aram a homossexualidade como um fator de risco que não pode ser ne-
gado nem subestimado, sobretudo se levarmos em conta o alto índice de

90. J. SAN JOSÉ PRISCO, La homosexualidad: criterios para el discernimiento vocacional, em: Seminari-
os 166 (2002) 529-551, 546.
91. Cf. H. WINDISCH, “Priesteramt und Homosexualität”, em: Die Tagespost, de 30-09-2004, p. 5.
836 P. Mettler

recaídas.92 A utilidade do futuro sacerdote para o serviço da Igreja, de-


mandada segundo c. 1025, parágrafo 2, do CIC e entendida como possi-
bilidade de ser apropriadamente empregada e não como periculosidade
para a Igreja e para as pessoas a ela confiadas, deve consequentemente
ser avaliada no mínimo como fortemente restrita no caso de candidatos à
Ordenação com tendências homossexuais, porque sua atuação em áreas
vitais para a Igreja, como a pastoral com crianças e jovens, precisa, por
princípio, ser classificada como um risco. O respeito por pessoas que fo-
ram confiadas à Igreja, bem como a proteção de sua integridade física e
moral têm prioridade absoluta diante dos sentimentos de homens com
tendência homossexual, que se sentem magoados e tratados injustamen-
te pela não-admissão para a Ordenação. A atuação na pastoral de casais e
da família pressupõe a fundamental aptidão para o matrimônio e a famí-
lia por parte do sacerdote e, consequentemente, a masculinidade hete-
rossexual. Ela é condição irrenunciável para um trabalho frutífero com
casais e com aqueles que se preparam para o matrimônio.
A promessa do celibato, a ser feita conforme c. 1037 do CIC, antes
da Ordenação, não apenas tem por conteúdo o compromisso da absti-
nência sexual, mas também a renúncia genuína ao bem natural do matri-
mônio e da família. Também essa renúncia pressupõe por princípio a
masculinidade heterossexual. Homens com tendências homossexuais não
conseguem, pois, cumprir essa condição prévia para a ordenação lícita,
visto que são incapazes de cumpri-la, a não ser que se considere, ao me-
nos indiretamente, ou até mesmo se confirme, a possibilidade do chama-
do “casamento gay”. Ademais, existem indícios inequívocos de que vi-
ver a abstinência sexual é mais difícil para homens com tendências ho-
mossexuais do que para heterossexuais.
Considerando-se que o sacramento da Ordem não é conferido e rece-
bido para suprir carências pessoais nem para compensar déficits,93 ho-
mens com tendências homossexuais não podem ser admitidos à ordena-
ção, já que a homossexualidade representa uma desordem objetiva e
precisa ser definida como sexualidade deficitária.94 Como enfermidade

92. B. KIELY, Candidates with difficulties in celibacy: discernment, admission, formation, em: Seminari-
um 23 (1993) 107-118.
93. Cf. H. WINDISCH, “Nicht herstellen, sondern darstellen. Die sakramentale Indienstnahme befähigt
den Amtsträger, ‘in persona Christi’ zu handeln, damit die Kirche leben kann, was sie nicht aus sich selbst zu le-
ben vermag”, em: Die Tagespost, de 25-02-2006.
94. De acordo com T. Anatrella, pessoas com tendências homossexuais sofrem de uma “desconectividade
estrutural” na posição frente à sua sexualidade (cf. T. ANATRELLA, “Kirche kann unvollständige Sicht der Se-
xualität nicht akzeptieren”), disponível em: www.kath.net/detail.php??id=12234.
Homossexualidade e ministério ordenado 837

psíquica, a homossexualidade deve ser entendida no sentido dos cc. 1041,


n.1, e 1044, parágrafo 2, n. 2, do CIC. Primeiro, por causa do grave blo-
queio da comunicação interpessoal, que se manifesta no estabelecimen-
to de contatos distorcidos com homens e mulheres e que não pode ser
compensado por comportamento sensível, empático ou amistoso. Se-
gundo, conforme c. 1031, parágrafo 1º, do CIC, por causa da inexistente,
mas necessária maturidade suficiente correlata, que se manifesta, muitas
vezes, num comportamento narcisista, egocêntrico, predominantemente
emocional e também sexualmente promíscuo, que aponta “para uma au-
sência geral de consciência do pecado”.95 Isso, no mínimo, constitui um
forte entrave para um exercício frutífero do ministério, quando não inca-
pacita para ele.
A Instrução de 29 de novembro de 200596 que, conforme Tony Ana-
trella, foi solicitada de Roma por muitos bispos de todo o mundo, por
ocasião de suas visitas ad limina, bem como por reitores de seminários e
responsáveis pela pastoral vocacional,97 tornou explícita e inequívoca a
proibição já contida implicitamente no CIC para homens com tendênci-
as homossexuais. Tal proibição deixa claro que a superação total de ten-
dências homossexuais constitui uma premissa indispensável para a
Ordenação. Com efeito, não se trata apenas de uma abstinência sexual
de três anos antes da Ordenação Diaconal, por parte de homens que con-
tinuam com tendências homossexuais.
A Instrução não enfoca a homossexualidade apenas como um pro-
blema de ordem sexual, mas como um problema mais abrangente. É o

95. Cf. KIELY, Difficulties, p. 113.


96. Conforme o c. 34, do CIC, as instruções explicam os preceitos de leis, desdobram e determinam modos de
procedimento que devem ser observados em sua execução, são fornecidas para o uso daqueles que precisam cuidar
para que as leis sejam levadas ao cumprimento, sendo comprometidos na execução daquelas. Por conta disso, W.
Aymans denomina as Instruções “Determinações administrativas”. Os órgãos administrativos são compromissados
juridicamente por meio de uma determinação administrativa (cf. AYMANS-MÖRSDORF, Kanonisches Recht.
Lehrbuch aufgrund des Codex Iuris Canonici, v. I: Einleitende Grundfragen. Allgemeine Normen, Paderborn
1991, p. 221s). As determinações de instruções não suspendem leis e quando não podem ser coadunadas com pre-
ceitos de leis elas carecem de qualquer força legal. Uma instrução sempre está relacionada a uma lei, ou seja, não re-
presenta uma criação própria de direito. Cf. ibid. As anotações de uma instrução mostram que já existem normas
claras, no que diz respeito à admissão às ordens sacras. Contudo, chama atenção que não são citadas nem a carta da
Sagrada Congregação para a Ordem dos Sacramentos, de 27-12-1955, acerca da realização dos escrutínios antes da
ordenação, nem tampouco na Instrução da Sagrada Congregação para o Clero, de 02-02-1961, que excluíram am-
bas expressis verbis da obtenção da ordenação homens com tendências homossexuais.
97. Cf. T. ANATRELLA, Reflections on the Instruction on the Admittance of Homosexuals into Seminaries.
Disponível em: www.catholicnewsagency.com/document.php?n=100. Elaborada por uma parceria entre as
Congregações para a Educação Católica para o Culto e a Disciplina dos Sacramentos e o Conselho Pontifício
para a Interpretação dos Textos Oficiais, ao longo de muitos anos, sob o Papa João Paulo II, essa Instrução não
pode ser considerada um “texto reacionário”, compilado em poucas semanas, mas é fruto de estudos abrangentes
e profundas reflexões que permitem contemplar a extensão e o alcance do problema.
838 P. Mettler

que fica evidente quando o referido documento afirma que a homosse-


xualidade tolhe “gravemente” o estabelecimento de relações corretas
com homens e mulheres, algo que, no entanto, é imprescindível para o
desenvolvimento de uma autêntica paternidade espiritual. Assim, evi-
ta-se um enfoque unilateral sobre a “capacidade de abstinência sexual”
como critério decisivo de avaliação e de admissão à Ordenação. Não se
trata apenas de considerar apto aquele candidato ao presbiterato que se
mostra capaz de levar uma vida sexualmente abstinente. Sem dúvida, essa
questão é relevante, mas é preciso ponderar algumas outras coisas. “Ten-
dências homossexuais não são pulsões isoladas, mas sintomas de um défi-
cit geral no desenvolvimento emocional de uma pessoa rumo à masculini-
dade ou feminilidade plenas. Isso não constitui um aspecto subordinado
ou secundário da psique. Ser homem ou mulher é parte da substância de
nossa natureza intelectual, parte de nossa identidade pessoal”.98
Também um deslocamento unilateral da problemática para o foro ín-
timo recebe uma negativa na Instrução. “Embora a Instrução esteja to-
talmente certa em sua convocatória a cada um desses candidatos, de tal
maneira que os mesmos não prossigam, em sã consciência, na trajetória
para a Ordenação, bem como na exigência de influência pessoal por par-
te dos acompanhantes espirituais vinculados ao foro íntimo, também de-
penderá do conhecimento humano vinculado à realidade e comprovado
por vários anos dos responsáveis últimos... se tais tendências sexuais
contraproducentes são notadas em tempo... Não por último cabe grande
importância também à respectiva comunidade do seminário e da ordem
religiosa como tal. Aqui, não se trata de um ‘sistema de espionagem’,
mas antes está em jogo que observações relevantes auto-evidentes dos
que convivem em casas religiosas também sejam acolhidas com serie-
dade pelos superiores. Não pode mais acontecer que testemunhas sejam
forçadas, ‘por razões de política eclesiástica’, a esquecer e mentir ou so-
fram desvantagens, ou até mesmo uma clássica pressão difamatória, ape-
nas porque comunicam ou comunicaram algo claramente detectado, se-
gundo seu melhor conhecimento e da mais sã consciência”.99
Quanto à questão das provas e da possibilidade de comprovação de
“tendências homossexuais profundamente arraigadas”, que Dom Klaus
Küng, bispo diocesano de St. Pölten (Áustria), em um posicionamento
98. G. VAN DEN AARDWEG, Homopriester, Humanae vitae und die Männlichkeit, disponível em:
www.kath.net/detailphp?id=12188.
99. A. PYTLIK, “Pastorale Liebe und disziplinäre Klugheit”, disponível em: www.kath.net/
detail.php?id=12117.
Homossexualidade e ministério ordenado 839

acerca da Instrução, definiu acertadamente como “uma orientação ho-


mossexual que retrocede até a infância e levou a uma forte marca na per-
sonalidade”,100 não é necessário que se tenha de apresentar a alguém pro-
vas diretas, mas bastam “claros indícios secundários que, frequentemen-
te, no quadro geral, não apenas suscitam dúvidas sobre a aptidão de um
candidato, mas, muitas vezes, também levam a uma certeza moral cor-
respondente, a saber, de que, a médio prazo, esse determinado candidato
sucumbiria à tentação homossexual permanente que habita sua interiori-
dade. A Instrução versa sobre toda a questão de modo conciso e sábio.
No entanto, igualmente é preciso que seja aceitável, com certeza moral,
a comprovação dos três anos absolutamente livres de indícios homosse-
xuais antes da Ordenação Diaconal. Neste contexto, cabe citar expressa-
mente aquela passagem da Instrução que diz: ‘No caso de séria dúvida,
nesse aspecto, o bispo ou superior não pode admiti-lo à ordenação’”.101
Do teor da Instrução, cabe concluir que ela não deixa espaço para a
ordenação de homens que não superaram inequivocamente suas tendên-
cias homossexuais, vivenciadas ou não, e que não experimentaram uma
clara mudança na direção da heterossexualidade. Nesse sentido, a proi-
bição da Ordenação para homens com tendências homossexuais é abso-
luta. Sua admissão à Ordenação de forma alguma é relegada ao espaço
da deliberação dos superiores competentes. A Instrução precisa ser aca-
tada como ordem estrita e concretizada na prática da formação presbite-
ral.102 Assim, predomina a segurança jurídica no que tange a esse ponto
controversamente discutido.
Cabe unicamente à Igreja o veredicto sobre quem é chamado ao mi-
nistério ordenado. Este não cabe a homens que não superaram inequivo-
camente suas tendências homossexuais e não experimentaram uma clara
mudança na direção da heterossexualidade. Isso não tem nada a ver com
proibição vocacional, com discriminação ou homofobia. É insuficiente
a “impressão” de uma inclinação ao sacerdócio ou o desejo pessoal por
ele, a partir do qual se quer, hoje, muitas vezes, reivindicar um direito ao
ministério ordenado. O que se requer é, sobretudo, a aptidão necessária
para o ministério e seu exercício sensato e frutífero. Com efeito, a Igreja,

100. H. KÜNG, “Zölibat setzt heterosexuell orientierte Persönlichkeit voraus”, disponível em:
www.kath.net/detail.phpid=12165.
101. ANATRELLA, Reflections.
102. Em sua carta, que acompanha a Instrução, o Cardeal Grocholewski apela aos bispos para que as pres-
crições ali apresentadas sejam “cuidadosamente cumpridas” por todos os envolvidos na formação de sacerdotes.
Cumpre, portanto, atualizar as respectivas diretrizes dos seminários e adaptá-las à Instrução.
840 P. Mettler

apoiada em percepções teológicas e nas ciências humanas, bem como


em experiências concretas do passado recente, não considera essa apti-
dão suficientemente assegurada em homens com tendências homosse-
xuais. A igual dignidade de todos os seres humanos não significa que to-
dos tenham o mesmo status, as mesmas qualidades e a mesma compe-
tência para serem admitidos às Ordens Sacras.

6. Sugestões e perspectivas

A homossexualidade não é coadunável com o sacramento da Ordem,


a menos que se queira estabelecer na Igreja e na teologia múltiplas con-
tradições de legitimação. Um esclarecimento também sob o aspecto ju-
rídico e, em última análise, legal constitui o melhor auxílio à verdade, a
única que liberta. Por isso, a homossexualidade deve ser citada expres-
samente como impedimento à Ordenação, sendo como tal inserida nas
determinações canônicas pertinentes. De acordo com a Carta Apostólica
Ad Tuendam Fidem, do Papa João Paulo II, de 18 de maio de 1998, por
meio da qual os dois Códigos foram complementados com normas im-
portantes, uma nova complementação do CIC não seria uma medida ex-
traordinária. Além disso, ela sublinharia, de forma inequívoca, a impor-
tância e a necessidade dessa determinação para a Igreja, particularmente
para o ministério ordenado, pois a Instrução de um dicastério do Vatica-
no, ainda que tenha a aprovação do Papa, não tem a mesma força do
CIC. Não obstante, persiste a pergunta se essa justificada proibição da
Ordenação ainda pode realmente ser concretizada, em vista dos numero-
sos adversários que evidentemente existem até nos mais altos círculos
eclesiásticos.103
Proibições e documentos isolados não bastam. Entre as autoridades
competentes, deve haver, em primeiro lugar, uma vontade de realmente
analisar objetivamente a problemática, tratá-la com seriedade e tentar
solucioná-la aberta e resolutamente, sem jamais silenciá-la, declará-la
inócua e procrastiná-la, como vem acontecendo, na maioria dos casos,
até aqui. Tampouco a questão pode ser deslocada unilateralmente ao fo-
rum internum, visto que, ao lado do aspecto da inclinação, no caso de
uma vocação ao ministério ordenado permanece insuficientemente ilu-
minado o necessário aspecto da aptidão de um candidato à ordenação.

103. Cf. H. WINDISCH, “Homo-Seilschaften? Bis in höchste Kirchenkreise!”, em: Die Tagespost,
02-08-2003, p. 1.
Homossexualidade e ministério ordenado 841

A comprovação da superação cabal das tendências homossexuais ru-


mo à heterossexualidade, exigida pela Instrução mediante uma fase mí-
nima de três anos de comportamento e sentimentos íntimos duradoura-
mente mudados, deveria ser apresentada antes do ingresso no seminário
ou centro de formação. A vantagem de um procedimento desse tipo seria
uma atratividade consideravelmente reduzida do seminário ou do centro
de formação para homens com tendências homossexuais. Desse modo,
as sub-culturas e redes homossexuais seriam, em boa parte, privadas de
seu solo de sustentação.
A clarificação interna da problemática assinalada tampouco pode ser
deixada por conta do clero. Os fiéis, como diretamente atingidos, não
apenas têm o dever, mas também o direito de dar sua contribuição. Para
tanto, há necessidade de uma regulamentação legal, visto que essa con-
tribuição não deve depender da benevolência daqueles que, na Igreja,
são responsáveis pela questão. Pode-se imaginar uma comissão que te-
nha as seguintes características e atribuições: que seja composta exclusi-
vamente por leigos comprometidos com a Igreja, imbuídos de sua dou-
trina e cujo procedimento esteja em conformidade com ela. Que, via de
regra, sejam leigos casados no mínimo há 10 anos, e que sejam nomea-
dos pela Santa Sé, após consulta à respectiva conferência episcopal. Ao
presidente da comissão caberia a elaboração de um relatório anual, que,
depois de ter sido comunicado à conferência episcopal, seria levado ao
conhecimento da Santa Sé. A relevância de uma comissão como essa se-
ria, por um lado, o fato de que sua simples existência exerceria uma
pressão “sadia” sobre os superiores eclesiásticos competentes para cor-
responderem, de forma mais resoluta e rápida, à sua competência direti-
va, ao invés de, muitas vezes, reagirem apenas com hesitação à pressão
de fora. Por outro lado, a comissão, como elo de ligação entre os fiéis e a
opinião pública, poderia prevenir muitas coisas e eliminar dificuldades
já no status nascendi.
Conforme D. Cozzens, a crise espiritual do sacerdócio e, conse-
quentemente, também a crise espiritual da Igreja são, em parte, uma
crise de orientação sexual. “Mais cedo ou mais tarde, essa questão será
tratada com mais objetividade que nas últimas décadas do séc. XX.
Mas, quanto mais tempo demorar, tanto maior será o dano para o sacerdó-
cio e para a Igreja”.104

104. COZZENS, Priesteramt, p. 143.


842 P. Mettler

O homossexualismo é contraproducente e destrutivo espiritual, psi-


cológica e socialmente, para a saúde daqueles que o praticam e a família,
para o sacerdócio e, consequentemente, para a Igreja. Com isso não se
afirma que a heterossexualidade, por si só, capacite automaticamente
para o exercício do ministério ordenado na Igreja. Também em relação
ao posicionamento frente à heterossexualidade e sua prática, no que diz
respeito à admissão à Ordenação, é preciso que os critérios bíblico-teo-
lógicos da Igreja sejam afirmados e vivenciados.
Esta análise, para a responsabilidade pastoral da Igreja nesta situa-
ção difícil, significa um enorme desafio. Ela tem como finalidade precí-
pua desencadear um debate sério, profundo e amplo, tentando vencer o
clima de tabu que, muitas vezes, envolve tal temática. Somente no diálo-
go sobre seus desafios é que a Igreja pode caminhar em busca da verda-
de, da qual sempre procura ser parceira na história. Para ela, não se trata
apenas de tirar consequências claras em defesa de sua posição, mas tam-
bém de oferecer às pessoas envolvidas – padres, religiosos e leigos – te-
rapias adequadas. Se isto acontecer, será uma bênção para todos.
Endereço do Autor:
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Coração Eucarístico
30.535-500 Belo Horizonte – MG/BRASIL
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