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GEORGENOR DE SOUSA FRANCO FILHO

A ARBITRAGEM NO MODERNO DIREITO BRASILEIRO DO


TRABALHO
Georgenor de Sousa Franco Filho *
SUMÁRIO: 1. Origens históricas da
arbitragem. 2. Arbitragem trabalhista
no Brasil. 3. Empregado
hipersuficiente. 4. Procedimento
arbitral. 5. Perspectivas para a
arbitragem trabalhista no Brasil. 6.
Fontes consultadas.
RESUMO: Destina-se este artigo ao
estudo da arbitragem, como solução
de conflitos coletivos e individuais no
moderno Direito do Trabalho do Brasil,
sobretudo considerando as
modificações introduzidas na CLT
pela Lei n. 13.467/16.
PALAVRAS-CHAVES: Arbitragem.
Reforma trabalhista. Conflitos
trabalhistas. Procedimento arbitral.
Empregado hipersuficiente.
ABSTRACT: This article is aimed at
the study of arbitration as a solution to
collective and individual conflicts in
modern Brazilian Labor Law,
especially considering the changes
*
Desembargador do Trabalho de carreira do TRT da 8ª Região, Doutor em Direito Internacional
pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Doutor Honoris Causa e Professor
Titular de Direito Internacional e do Trabalho da Universidade da Amazônia, Presidente
Honorário da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, Membro da Academia Paraense de
Letras.
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GEORGENOR DE SOUSA FRANCO FILHO

introduced in the CLT by Law no.


13,467 / 16.
KEY WORDS: Arbitrage. Labor
reform. Labor conflicts. Arbitration
proceedings. Employee
hypersufficient.

1. ORIGENS HISTÓRICAS DA ARBITRAGEM


Dentre as formas de solução de conflitos, encontramos a
arbitragem, que não se confunde com arbitramento, que é
quantificação, nem com arbitrariedade, que é procedimento que
independe de lei, significando um capricho pessoal, um
comportamento discricionário ou discriminatório, sem restrições ou
limites, além do bom senso e da ética que todos devemos ter
superando os limites das relações interpessoais. Age com
arbitrariedade aquele que, detendo algum poder, oprime, humilha,
ofende ou agride moralmente outrem.
A arbitragem é um mecanismo muito antigo. Dele há
referências no Antigo Testamento (Genesis, XXXI, 35-37), numa
disputa entre Jacó e Labão. Na Grécia, Platão cuida da arbitragem
no Diálogo das Leis, quando uma lei poderia prever esse
mecanismo, com as partes escolhendo o tribunal arbitral. Na
mesma Grécia, há notícias de tratado entre Atenas e Esparta
contendo uma cláusula compromissória. Em Roma, havia o arbiter,
exercido pelo pretor.
Como se percebe, não é um instrumento moderno, nem
inovador. Poderia ser dito que era esquecido, e, ultimamente, tem
ressurgido no Direito Brasileiro.
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Ressurge na medida em que também não é novidade


em nosso país. Com efeito, no Brasil Colônia, a arbitragem era
prevista no Assento de 10.11.1664. No Brasil Império, o art. 294 do
Código Comercial de 1850 previa: Todas as questões sociais que
se suscitarem entre os sócios durante a existência da sociedade ou
companhia, sua liquidação ou partilha, serão decididas em juízo
arbitral.
Por outro lado, nossa história registra a famosa questão
Christie, envolvendo tripulantes de uma embarcação inglesa que
foram aprisionados no Rio de Janeiro, e obtivemos laudo arbitral
favorável do Rei Leopoldo da Bélgica, em 1863.,
Boa parte da formação das fronteiras brasileiras é fruto
de arbitragem, ou teve cláusula compromissória inserida nos
tratados sobre o tema, como o de Petrópolis (art. 4º), celebrado
com a Bolívia, sobre a questão do Acre, e que não chegou a ser
aplicada.
Com a Argentina, acerca do Tratado de Madrid de 1759,
celebramos tratado em 1889, para resolver a disputa do território de
Palmas/Missões, tendo a defesa brasileira sido atribuída a Rio
Branco, com laudo favorável a nosso país, de 1895, do Presidente
Cleveland, dos Estados Unidos.
Importantíssimo o compromisso arbitral celebrado em
1897 com a França e que colocou fim à posse do território do atual
Estado do Amapá. Disputa famosa, visando a interpretação do
Tratado de Utrecht, de 1813, acerca do curso do rio Oiapoque,
muito poderia ser escrito sobre este momento singular na história
brasileira e que permanece praticamente esquecido. Do trabalho
diplomático de Rio Branco, passando pela luta patriótica de
Cabralzinho, o herói do Amapá, e alcançando os relevantes
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trabalhos de José Ferreira Teixeira, Juiz de Direito. que forneceu


títulos de terra aos brasileiros que moravam na área do chamado
Contestado, fornecendo os fundamentos para o argumento do uti
possidetis, e os estudos geográficos de Joaquim Caetano da Silva,
distinguindo os cursos dos rios Calçoene e Oiapoque. O resultado
dessa histórica controvérsia foi o Laudo de Berna, do Presidente do
Conselho Federal Suiço, Walther Hauser, de 1900, favorável ao
Brasil.
Uma única decisão arbitral foi contrária a nosso país,
cujos interesses foram defendidos por Joaquim Nabuco. O laudo de
Roma, do Rei Vittorio Emmanuel, da Itália, resultado do Tratado de
Londres de 1901, celebrado com a Inglaterra. Foi fixado o limite da
atual República da Guiana, tendo sido fechada ao Brasil a bacia do
rio Essequibo.
Em matéria trabalhista, o registro mais remoto é o
Decreto n. 1.037 de 5.1.1907, tratando de arbitragem realizados
pelos sindicatos. Em 1932, a exposição de motivos do Ministro
Lindolfo Collor ao Decreto n. 21.396, opunha-se ao uso desse
mecanismo. E, no mesmo ano, o Decreto n. 22.132/32 cuidava de
arbitragem facultativa.
De outro lado, na segunda metade do século XX, o
Decreto n. 88.984/83 criou o Serviço Nacional de Mediação e
Arbitragem do Ministério do Trabalho e estabeleceu a mediação e a
arbitragem pública facultativa.
Tivemos regras gerais sobre arbitragem no antigo
Código Civil de Clóvis Bevilaqua e no Código de Processo Civil de
Buzaid. Hoje, a principal lei brasileira de arbitragem é a Lei n. 9.307,
de 23.09.1996, embora não seja exclusiva, e que deve ser aplicada,
no que couber, à arbitragem trabalhista, salvo se as partes optarem
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por criar procedimento próprio ou utilizar algum procedimento


privado preexistente, como, v. g., o regulamento de arbitragem
trabalhista da American Arbitration Association1.
É que o mecanismo está previsto como individual na Lei
do Trabalho Portuário, a Lei n. 12.815, de 05.06.2013. Apareceu
anteriormente também na Lei n. 10.101, de 19.12.2000, que cuida
da participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da
empresa, que, a exemplo da Lei dos Portos, adota a arbitragem de
ofertas finais, definindo-a no § 1º do art. 4º, verbis:
§ 1º Considera-se arbitragem de ofertas finais
aquela em que o árbitro deve restringir-se a optar pela
proposta apresentada, em caráter definitivo, por uma das
partes.
2. ARBITRAGEM TRABALHISTA NO BRASIL
A arbitragem trabalhista surgiu constitucionalmente no
Brasil em 1988, no § 1º do art. 114 da Constituição, como meio de
solução de conflitos coletivos, mas alternativo e facultativo.
Ao contrário do México, como prevê a Constituição de
Querétaro (art. 123, B, XII), e da França, nos termos do Code du
Travail, onde a arbitragem aparece com mais destaque e é muito
mais praticada, no Brasil é incipiente e de pouco uso e menor
fidúcia.
Por isso, sendo mecanismo facultativo, não é exigido
que as partes em conflito em matéria de relações de trabalho a ela
recorram antes de ingresso na Justiça do Trabalho. A rigor, aliás, se
recorrerem à arbitragem, estarão dispensando o direito de acesso
ao Poder Judiciário do Estado, ao juízo natural de que trata o art.
5º, XXXV, da Constituição, prevendo que a lei não excluirá da
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Tradução do regulamento da AAA disponível no nosso livro A arbitragem e os conflitos
coletivos de trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 1990. p. 85-94.
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apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.


As formas alternativas, no Brasil, não são da preferência
ou da confiança do povo, usuário principal do Judiciário. A maioria
prefere a solução jurisdicional. Não se busca solução
autocompositiva ou extrajudicial porque é preciso atribuir a alguém
a culpa da conquista não ser completa; porque as despesas são
menores, dado o pagamento de quem decidir a causa não correr
por conta dos usuários da máquina; porque se não gostar da
solução indicada, há uma pletora de recursos para atrapalhar a
efetivação do julgado; porque, no mais das vezes, já se tem
possível previsão do desfecho da lide, quando se trata de matéria
de repetido exame pelos tribunais.
Com efeito, nas relações coletivas de trabalho, o
mecanismo mais utilizado e exigido para prosseguir em qualquer
demanda futura é a negociação coletiva. É obrigatória sempre que
exista algum conflito, a fim de, se infrutífera, haver o acesso ao
Judiciário. Da negociação coletiva podem resultar duas normas
autônomas, conforme as partes negociadoras: o acordo coletivo de
trabalho, entre sindicato de trabalhadores e um ou mais empresas,
ou a convenção coletiva de trabalho, entre sindicatos de
trabalhadores e de empregadores.
Se infrutífera a tentativa negocial, as partes podem, se
desejar recorrer à mediação do Ministério do Trabalho, através de
seus auditores. É facultativa, não está mais prevista em qualquer
norma legal vigente, não sendo mais pressuposto processual, e os
conflitantes pedem essa ajuda se desejarem.
A arbitragem aparece mencionada no art. 114, § 1º, da
Constituição, como sendo facultativa, que é a verdadeira
arbitragem. A obrigatoriedade retira-lhe a condição de alternativa,
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viola o direito de acesso ao juízo natural, e, num certo momento,


suprime a livre manifestação da vontade das partes.
Ela é referida, no Direito constitucional brasileiro do
Trabalho, apenas como mecanismo alternativo para solução de
conflitos coletivos (art. 114, § 1º, da Constituição), mas não há, em
nenhum dispositivo legal do ordenamento jurídico brasileiro,
qualquer menção a ser proibido seu uso facultativo para solução de
conflitos individuais. Ao contrário. Além da Lei dos Portos e da Lei
da Participação nos Lucros, com a reforma de 2017, ficou expressa
essa possibilidade (art. 507-A da CLT). Assim, também pode ser – e
tem sido – usado para esse fim.
Por força do art. 8º, § 1º, da CLT, as regras referentes
ao compromisso, que figuram nos arts. 851 e 853 do Código Civil
de 2002, devem ser aplicadas subsidiariamente. Nesse particular,
porém, somente se admite o compromisso extrajudicial (não cabe
arbitragem judicial em matéria trabalhista) (art. 851) e é possível a
inserção de cláusula compromissória nos contratos de trabalho, o
que já ocorre em muitos casos, admitindo-se a aplicação da lei
especial (art. 853) que, no caso, é a Lei n. 9.307/96, e a expressa
previsão do art. 507-A da CLT, a seguir transcrito:
Art. 507-A. Nos contratos individuais de
trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o
limite máximo estabelecido para os benefícios do
Regime Geral de Previdência Social, poderá ser
pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde
que por iniciativa do empregado ou mediante a sua
concordância expressa, nos termos previstos na Lei n.
9.307, de 23 de setembro de 1996.
Destaque-se que, para produzir efeitos verdadeiros
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entre as partes, não é recomendável que se resolva conflito


trabalhista com a arbitragem tendo como uma das partes uma
central sindical. É que as centrais sindicais não possuem, segundo
a tendência atual da jurisprudência, legitimidade para negociar
coletivamente com a categoria econômica, face a regra do art. 8º,
III, da Constituição, que só reconhece legitimidade às entidades que
integram a estrutura piramidal do sindicalismo em nosso país: base
com os sindicatos, no andar superior as federações, e, no ápice as
confederações. Renovamos, neste aspecto, ser diversa nossa
posição, ante os termos da Convenção n. 98 da OIT, como temos
reiteradamente destacado, mas não é esta a posição prevalecente.
A Lei n. 13.129, de 26.5.2015, introduziu várias
modificações na lei brasileira de arbitragem, a Lei n. 9.307/96,
porém, a Mensagem Presidencial n. 162, de 26.5.2015, cientificou o
Parlamento que a Presidência da República vetara o texto sugerido
para o § 4º do art. 4º da Lei n. 9.307/962. O texto consigna:
§ 4º Desde que o empregado ocupe ou venha a
ocupar cargo ou função de administrador ou de diretor
estatutário, nos contratos individuais de trabalho poderá
ser pactuada cláusula compromissória, que só terá
eficácia se o empregado tomar a iniciativa de instituir a
arbitragem ou se concordar expressamente com a sua
instituição. 
O veto fundou-se na possibilidade de estar prevendo o
dispositivo uma cláusula compromissória em contrato individual de
trabalho, com possíveis restrições de eficácia quanto a
determinados empregados, conforme a respectiva ocupação,
2
Cf. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Msg/VEP-162.htm. Acesso em
26.4.2018.
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criando, a seu ver, uma distinção indesejada, além de recorrer a


termo não definido tecnicamente na legislação trabalhista. No
entendimento consignado na mensagem, colocaria em risco a
generalidade de trabalhadores que poderiam se ver submetidos ao
processo arbitral.
A nosso ver, essa prática, que já vinha sendo executada
há anos no Brasil, continuará sendo, debalde inexistir previsão
legal. E deveria ser mais ampla porque, apesar do entendimento de
boa parte da jurisprudência e da doutrina ser contrária, pensamos
se tratar de mecanismo útil e de interesse de ambos os eventuais
conflitantes.
A partir da reforma introduzida pela Lei n. 13.467/17 na
CLT, a matéria resta completamente superada, ante os termos do
art. 507-A transcrito acima.
3. EMPREGADO HIPERSUFICIENTE
Para prosseguir tratando da arbitragem no moderno
direio do trabalho do Brasil, é preciso examinar uma nova figura
criada pela reforma de 2017: o empregador hipersuficiente.
Antes tínhamos a figura do hipossuficiente, significando
o trabalhador comum, aquele operário que sobrevive de seu salário,
levando uma vida de sacrifícios e privações, carente de melhores
recursos, ou a pessoa que não possui condições financeiras para
uma sobrevivência digna. Agora, agregamos um novo tipo, o
hipersuficiente, que deveria ser entendido como o trabalhador de
alta importância para a empresa, recebendo salário elevadíssimo,
merecedor de tratamento diferenciado, ocupando um estamento
superior. Apenas, não é bem assim.
É que um novo tipo de empregado foi reconhecido pela
CLT. Formalmente sempre existiu o alto empregado ou alto
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executivo. A partir de novembro de 2017, quando começaram a


vigorar as regras introduzidas na legislação trabalhista pela Lei n.
13.467/17, foi reconhecido formalmente o empregado
hipersuficiente.
Esse sistema de classificação de empregado, tendo
como parâmetro o seu salário parece ser dos menos
recomendáveis. Alguns pontos passamos a demonstrar para
apontar a insegurança dos critérios adotados.
O primeiro é justamente o salário. Considerar
hipersuficiente quem ganha salário igual ou superior a R$-11.062,62
é, no mínimo, desconsiderar o salário médio de executivo de
importância também mediana no Brasil, responsável por
determinado setor especializado de uma empresa, que varia entre
R$-20.000,00 e R$-25.000,00, conforme dados de 2016 3, e não
são os diretores empregados.
Note-se que os critérios que devem prevalecer são
subordinação jurídica e dependência econômica e jamais a
remuneração deve justificar condição de superioridade. Essa,
inclusive, é a interpretação que se retira da Convenção n. 111 de
1958, da OIT, sobre discriminação em matéria de emprego e
profissão4.
Demais disso, esse entendimento continuará a
prevalecer se aplicarmos, analogicamente, o art. 4º, I, do CDC,
quando é reconhecida a vulnerabilidade do consumidor no mercado
de consumo.
O segundo ponto é a prevalência do acordo individual
3
Cf. <https://exame.abril.com.br/carreira/os-profissionais-com-maiores-salarios-no-brasil-em-
2016/#>. Acesso em: 26.4.2018.
4
A Convenção n. 111 foi ratificada pelo Brasil, e promulgada através do Decreto n. 62.150, de
19.01.1968.
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sobre os instrumentos oriundos da negociação coletiva, como prevê


o parágrafo único do art. 444 da CLT. Admitindo-se essa
preferência, aparentemente estará havendo ofensa ao art. 7º,
XXXVI, da Constituição, que reconhece a superioridade das normas
negociadas.
Na mesma linha, porque pode ser disposição de acordo
individual, a inserção de cláusula compromissória, permitindo que
eventuais conflitos interpessoais sejam resolvidos mediante
arbitragem (art. 507-A da CLT). Esse mecanismo é, a nosso ver, de
grande valia, embora o TST entenda que não cabe em questões
individuais, mas apenas em demandas coletivas.
Ainda neste aspecto, parece que pode ser alegado vício
de consentimento na inserção da cláusula compromissória no
contrato de trabalho, tornando a solução arbitral como a ideal para
conflitos futuros.
Do art. 507-A consolidado, temos que, para haver
possibilidade de recurso à arbitragem, a cláusula pode ser inserida
a qualquer momento, ou seja, mesmo para os contratados antes de
11 de novembro de 2017, é perfeitamente válido ser celebrado
termo aditivo ao contrato individual incluindo essa cláusula. E como
pode ocorrer isso? A qualquer tempo, seja por livre manifestação de
vontade do empregado (presume-se a aceitação patronal) ou com a
sua anuência expressa (por solicitação do empregador), que se
verificará pela simples assinatura no contrato ou no aditivo (se
posterior ao contrato).
Ao que parece, se ficar demonstrada coação ou fraude
para a existência dessa cláusula no contrato individual de trabalho,
acreditamos que poderá ser declarada judicialmente sua nulidade,
passando o empregado a ser regido pelas normas comuns a todos
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os demais.
4. PROCEDIMENTO ARBITRAL
Para recorrer à arbitragem é necessário que as partes
celebrem um compromisso arbitral ou que exista, em norma coletiva
autônoma (convenção ou acordo coletivos de trabalho) celebrada
anteriormente, previsão dessa natureza. Se essa cláusula
compromissória for bastante, pode ser instaurado de imediato o
juízo arbitral. Se, porém, seu conteúdo for insuficiente, as partes
devem celebrar o compromisso arbitral onde convém consignar
todas as condições para a atuação do árbitro.
Em se tratando de arbitragem individual, tanto pode ser
celebrado compromisso arbitral após a existência de um conflito,
como pode ser inserido, no contrato de trabalho, cláusula
compromissória, desde que o trabalhador esteja abrangido pela
regra do art. 507-A consolidado.
O árbitro, nos termos do art. 13, caput, da Lei n.
9.307/96, deve ser pessoa civilmente capaz (maior de dezoito anos,
conforme o art. 5º, do Código Civil), gozando da fidúcia das partes,
pouco importando sua nacionalidade, sendo recomendável, todavia,
que tenha condições de ser compreendido, podendo mesmo ser um
analfabeto, o que, evidentemente, não é recomendável, mas
também não é proibido.
Observe-se que os casos de impedimento e suspeição
dos arts. 144 e 145 do CPC se aplicam, também, a quem for
indicado como árbitro, a teor do art. 14 da Lei n. 9.307/1996.
Será o árbitro do juiz de fato e de direito, e a decisão
proferida, que a Lei chama de sentença, não está sujeita a recurso
nem à homologação pelo Poder Judiciário (art. 18 da Lei n.
9.307/1996).
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Instaurado o juízo arbitral, as partes (sindicato de


trabalhadores de um lado, empresa, grupo de empresas ou
sindicato patronal do outro; ou empregado versus empregador)
devem aguardar que o árbitro escolhido (ou o tribunal arbitral
constituído) se pronuncie, após, evidente, a regular instrução do
processo arbitral, conforme o art. 21 da lei brasileira de arbitragem,
permitida a assistência de advogado (art. 21, § 3º).
Para a instrução, as partes podem utilizar além do
mecanismo que está previsto na Lei n. 9.307/1996 o regulamento
de alguma entidade privada, tipo a American Arbitration Association
(AAA), ou a Associação Brasileira de Arbitragem (Abar), ou o
pioneiro Instituto Nacional de Mediação e Arbitragem (Inama),
dentre outros, ou as regras de procedimento que criarem e
indicarem no compromisso. Entendemos que o preferido seja o da
Lei n. 9.307/1996, que indica posições mais imparciais para atender
às necessidades das partes.
A Lei n. 9.307/1996 contempla os princípios que
norteiam o procedimento arbitral, os mesmos do Direito Processual
Comum, a saber: contraditório, igualdade das partes,
imparcialidade e livre convencimento (art. 21, § 2º).
Em se tratando de arbitragem em matéria coletiva, todas
as pendências, no curso do procedimento arbitral, que necessitem
de atuação do Judiciário, devem ser requeridas ao Tribunal do
Trabalho com jurisdição no local da arbitragem. Deve ser perante o
órgão colegiado, porque se trata de matéria coletiva e a regra da
CLT (art. 678, I) determina que esse tipo de tema seja examinado
pelo segundo grau. Deve ser distribuído a um desembargador do
trabalho mediante regular sorteio, que ficará prevento para todas as
demais medidas que exigirem a participação da Justiça estatal.
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Quando se tratar de arbitragem individual, as


pendências devem ser requeridas à Vara do Trabalho com
jurisdição no local onde se processa o mecanismo.
Nesse aspecto, merece críticas a lei de arbitragem. Ao
tentar reduzir a sobrecarga de processos litigiosos, o legislador
infraconstitucional acabou por criar diversos mecanismos que
podem atravancar ainda mais o Judiciário. Consoante a Lei n.
9.307/1996, devem ser solucionados pela Justiça do Estado as
seguintes situações:
1) instauração do juízo arbitral em caso de
existência de cláusula compromissória e recalcitrância de
uma das partes (art. 7º), cabendo a nomeação do árbitro
pelo juiz (art. 7º, § 4º), o que ofenderia arbitragem pura,
embora prevista na Lei Modelo da UNCITRAL, onde, quando
uma parte não coopera com o procedimento, a Câmara de
Comércio Internacional indica um árbitro e a outra o seu. Os
dois indicam o terceiro, com o que se instala o tribunal
arbitral;
2) condução coercitiva de testemunha que
deixa de atender ao chamado do árbitro (art. 22, § 2º);
3) superveniência de direitos indisponíveis (art.
25), devendo ser registrado, no particular, que não deve ser
levado ao exagero o entendimento acerca da indisponibilidade
de direitos trabalhistas, bem como lembrando que se trata de
questão prejudicial que, resolvida, faz retomar o procedimento
arbitral (art. 25, único);
4) declaração de nulidade da sentença arbitral,
no prazo de noventa dias da sua ciência (art. 33,§ 1º), no
caso das hipóteses do art. 32, a saber: for nulo o
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compromisso; laudo oriundo de pessoa que não poderia ser


árbitro; ausência dos requisitos do art. 26; proferida fora dos
limites do compromisso; prova de que houve prevaricação,
concussão ou corrupção passiva; extemporânea, quanto ao
prazo de seis meses, salvo se tiver havido prorrogação por
mais 10 dias (art. 12, III); violação aos princípios que norteiam
a arbitragem, conforme o art. 21, § 2º.
A partir da alteração introduzida pela Lei n. 13.129/2015,
foi revogada a regra do § 4º do art. 22, não existindo mais a
previsão de o juiz do Estado apreciar medidas coercitivas ou
cautelares durante a fase probatória do juízo arbitral. A exceção
ficou mantida apenas para a condução coercitiva de testemunha.
Durante o procedimento arbitral podem ser produzidas
provas periciais e testemunhais, sujeitos peritos e testemunhas às
sanções do art. 342 do Código Penal, pelo crime de falsa perícia ou
falso testemunho.
A mesma Lei n. 13.129/2015 revogou, e fez muito bem,
o parágrafo único do art. 23. É que o caput desse artigo fixa em seis
meses o prazo para conclusão do procedimento arbitral e o
parágrafo único permitia sua prorrogação a qualquer tempo pela
vontade das partes, o que era verdadeiro absurdo, fazendo o caput
perder a razão de existir, como havíamos apontado em 1997 5. O
mal, enfim, foi corrigido.
Embora o art. 23 da Lei da arbitragem fixe o prazo de
seis meses para o procedimento arbitral ser concluído, o parágrafo
único do mesmo dispositivo, desnecessariamente, permitia a
prorrogação por qualquer tempo, o que, ao cabo, tirava a razão de
existir do caput.
5
V. o nosso A nova lei de arbitragem e as relações de trabalho. São Paulo: LTr, 1997. p. 54.
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Proferido o laudo arbitral – entendemos inadequado usar


a expressão sentença constante da Lei n. 9.307/1996, porque
somente o juiz do Estado profere sentença, e a história consigna
laudo com a mais adequada denominação (veja-se o laudo de
Berna, v. g., que resolveu a questão do Amapá) –, deverá ser
cumprido pelas partes independentemente de qualquer outra
providência. O laudo deve ser escrito (art. 24), e conterá,
necessariamente, os seguintes requisitos: relatório, fundamentação,
dispositivo, data/local, assinatura (art. 26).
Consoante o art. 30, em cinco dias ou no prazo
acordado pelas partes, após a ciência do laudo, qualquer delas
poderá, comunicando à outra, solicitar correção de erro material ou
formular pedido de esclarecimento para obscuridade, omissão ou
contradição, à semelhança dos embargos de declaração do
processo civil, além de dúvida sobre a decisão. Em dez dias, ou no
prazo acordado pelas partes, o árbitro se manifestará, aditando a
sentença arbitral, se for o caso (parágrafo único).
Caso não seja cumprida a decisão do árbitro, deve ser
ajuizada ação de cumprimento perante a Justiça do Trabalho, no
1º grau, conforme dispõe o art. 872, da CLT. Ou seja, o laudo
arbitral em matéria coletiva deve seguir o mesmo rito de ação de
cumprimento de sentença normativa, acordo ou convenção
coletiva de trabalho. A mesma regra se estende à arbitragem
individual.
Uma evolução do direito brasileiro foi o fato de o laudo
arbitral não mais ser homologado, porque se aplica a regra do art.
31 da Lei n. 9.307/1996. Assim como o laudo arbitral comum, o
trabalhista também é título executivo extrajudicial. Nesse particular,
observamos que não deve se chamar o laudo de título executivo
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judicial, como consigna o art. 515, VII, do CPC. Hoje, ao contrário


do direito anterior, o que se executa é o próprio laudo, enquanto no
passado a sentença arbitral era homologada pelo juiz do Estado,
em juízo de delibação, e o que se executava era a sentença que
homologava o laudo, aí sim, um título verdadeiramente judicial.
Atualmente, ao revés, não há mais delibação e a atual sentença
arbitral executável é extrajudicial mesmo, como, inclusive, é tratado
pela Lei n. 12.815, de 05.06.2013, que cuida de trabalho portuário e
de arbitragem de ofertas finais. O fato de a Lei n. 9.307/1996
chamar a decisão do árbitro de sentença não lhe deu características
de provimento judicial. Afinal, o árbitro funciona como juiz inter
partes.
Em que pese, todavia, esse entendimento que sempre
sustentamos, a jurisprudência dominante nos tribunais superiores,
firmando o STJ entendimento de que a sentença arbitral produz
entre as partes e seus sucessores os mesmos efeitos da sentença
judicial, constituindo, inclusive, título executivo judicial quando
ostentar natureza condenatória6.
Anote-se, ainda, que a controvérsia entre direitos
disponíveis e indisponíveis, que costuma ser discutida para afastar
a aplicação da Lei n. 9.307/1996, a nosso ver, não merece
prosperar. Indisponíveis não são todos os direitos trabalhistas. São,
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Proc. SEC 4.516 - US (2009/0223459-4), de 16 de outubro de 2013 (Allstate Insurance
Company vs. Bradesco Seguros S/A). Rel.: Ministro Sidnei Beneti. A ementa desse julgado
consigna: HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA ARBITRAL. CONTESTAÇÃO.
PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. HOMOLOGAÇÃO DEFERIDA. 1.- Contratos firmados
pelas partes, contendo cláusula compromissória de arbitragem e elegendo o Tribunal Arbitral
específico. 2.- A sentença arbitral produz entre as partes e seus sucessores os mesmos efeitos
da sentença judicial, constituindo, inclusive, título executivo judicial quando ostentar natureza
condenatória. 3.- Observados os pressupostos indispensáveis ao deferimento do pleito
previstos nos artigos 5º e 6º da Resolução nº 9/05 do STJ, é defeso no âmbito do
procedimento homologatório discutir o próprio mérito do título judicial estrangeiro. 4.-
Homologação de sentença estrangeira deferida. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?
num_registro=200902234594&dt_publicacao=30/10/2013>. Acesso em 26.4.2018.
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por exemplo, a anotação na CTPS, cujos efeitos vão para além da


simples relação patrão x empregado, refletindo nos familiares do
obreiro; o uso de equipamentos de proteção individual,
indispensáveis à saúde e segurança da pessoa do trabalhador. A
maioria é perfeitamente disponível e, portanto, negociável. A prova
está nas conciliações realizadas nas Varas do Trabalho de todo o
país, onde cada parte cede nas suas pretensões em favor de uma
solução pacífica. Leia-se o art. 764 consolidado, que destaca o
dever do juiz de empregar seus bons ofícios para persuadir as
partes na solução conciliatória do conflito (§ 1º).
Quanto à execução da sentença ou laudo arbitral, temos
que considerar que, se descumpridos, constituirão título executivo,
e, portanto, com condições de execução na Justiça do Estado. E
será na Justiça do Trabalho do local onde se processou a jurisdição
arbitral que irá atuar, se provocado, o Juiz do Estado.
5. PERSPECTIVA PARA A ARBITRAGEM TRABALHISTA NO
BRASIL
Devemos admitir que não haverá tão cedo a fidúcia
necessária para trocar o juízo natural, do Estado, imparcial, pelo
juízo arbitral, privado, oneroso, confidencial muitas vezes, célere,
e sem garantia formal de imparcialidade. O trabalhador médio
brasileiro não confia na arbitragem, e não confia porque não sabe
o que é o instituto, e muitos aventureiros, vendo uma novidade,
se apelidaram de árbitros, criaram outdoors de propaganda em
muitas cidades, afixaram pomposas placas usando até mesmo as
armas da República, se autodenominaram tribunais e se
apresentaram como juízes, não raro iludindo as pessoas,
fazendo-as acreditar que estão no Poder Judiciário, quando, de
fato, ingressam em uma arapuca. Essa é uma realidade que, se
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GEORGENOR DE SOUSA FRANCO FILHO

não é a enfrentada nas megalópoles brasileiras, com certeza é


vivenciada nas cidades de médio e pequeno porte.
O que deve preocupar, no entanto, é a realidade
brasileira. Não estamos acostumados às soluções extrajudiciais de
conflitos. O povo brasileiro é extremamente litigioso. Prefere que
tudo seja deixado nas mãos do juiz do Estado. Esse espírito de
litigiosidade é característico nosso. A arbitragem, que é justiça
privada, importa em declinar do acesso ao juízo natural. Para esse
trabalho de convencimento, são necessárias paciência, confiança e
ética.
Assim, mesmo prevista expressamente no art. 507-A
consolidado para questões individuais, para a arbitragem ter efeito
no Brasil, servir para sair do papel, em matéria trabalhista, é
preciso:
1) formar a consciência dos futuros árbitros trabalhistas,
fazê-los sérios realmente e conhecedores do seu metier;
2) levar ao conhecimento da sociedade as informações
claras sobre o instituto, para tanto, valer-se dos sindicatos patronais
e de trabalhadores, que devem ser os principais interlocutores entre
os trabalhadores, as empresas e os árbitros ou as entidades que os
representarem;
3) permitir a participação do advogado em todos os
momentos do procedimento arbitral, fazendo com que haja
rigorosamente dentro de princípios éticos fundamentais para que
ninguém seja enganado;
4) reduzir apenas ao extremamente essencial a
participação do Estado-juiz na fase cognitiva da arbitragem para
que, ao final, não acabem sendo confundidas medidas judiciais com
o próprio procedimento que as partes espontaneamente
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GEORGENOR DE SOUSA FRANCO FILHO

procuraram.
Na arbitragem não há autor, nem réu; nem ataque, nem
defesa. Existe um compromisso arbitral, onde as partes fixam suas
condições e deixam ao justo critério do árbitro que escolheram, por
vontade própria, a solução do conflito. Esse sentido de igualdade na
arbitragem importa em reconhecer tratamento rigorosamente igual
para os dois conflitantes.
Relativamente à defesa do trabalhador, face à realidade
brasileira, a reforma de novembro de 2017 privilegiou a arbitragem
que envolve os empregados hipersuficientes, mas não os
verdadeiramente altos empregados, os grandes executivos.
6. FONTES CONSULTADAS
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. A arbitragem e os conflitos
coletivos de trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 1990.
__________. A nova lei de arbitragem e as relações de trabalho.
São Paulo: LTr, 1997.
Belém, 25.04.2018
 

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