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GRAU TÉCNICO

Aline Apolinário de Carvalho


Débora Santos Andrade

CÉSIO 137
(Acidente Radiológico de Goiânia)

Belo Horizonte
2021
1. INFORMAÇÕES E PROPRIEDADES DO CÉSIO

O Césio 137 (Cs137) é um radionuclídeo produzido através da fissão de Urânio que se


desintegra emitindo partículas de raio gama, beta e elétrons.

Na radioterapia, por exemplo, ele é usado como fonte de radiação gama , normalmente
encapsulado,

O Césio é um elemento com número atômico 55, ou seja, 55 prótons em seu núcleo, bem
como 55 elétrons na eletrosfera. Na natureza há somente um nuclídeo do césio, o Cs133.
Além deste nuclídeo estável, são conhecidos mais de 34 isótopos, todos instáveis ou
radioativos.

Dentre os isótopos radioativos do Césio, encontra-se o Cs137, que possui o tempo de meia
vida mais longo, contabilizando aproximadamente 30 anos. O decaimento nuclear do Cs137
ocorre através de dois caminhos, ambos resultando no elemento Bário que possui número
atômico 56. A maioria dos decaimentos (94,6%) se dá com a emissão de partículas de β-,
formando o estado excitado do Bário 137. O restante (5,4%) ocorre pela emissão de
partículas de β+ que produz diretamente o estado fundamental do Bário 137.

2. CÉSIO 137 NO CORPO HUMANO

O decaimento do Cs137 pode afetar o corpo humano através de vários caminhos. Os raios
gama emitidos como consequência da desintegração interagem com os componentes do
corpo, produzindo excitação e ionização das moléculas.

Quando a exposição do corpo é uniforme, ou seja, quando o corpo todo está em exposição
sem contato físico, a dose absorvida é sempre maior no lado perto da fonte que no outro
lado, devido à queda de intensidade dos raios no percurso do corpo apenas metade dos
raios gama emitidos pela fonte saíram do outro lado do corpo. A quantidade de raio que
penetra no corpo depende da quantidade de radioatividade emitida na fonte e da espessura
da blindagem ao redor da mesma, pois fontes bem encapsuladas não oferecem perigo
sendo que toda a radioatividade emitida é atenuada pela blindagem. A exposição, por
exemplo, no tratamento de câncer (radioterapia) é controlada e direcionada a uma parte
específica do corpo pelo sistema de colimadores.

Por outro lado em contato direto com o corpo humano, encostando-se à superfície corporal,
as partículas beta efetuam excitação e ionização em regiões onde foi localizado o elemento.
Dessa forma a dose absorvida pelo corpo é bem maior, Trazendo como resultado a
destruição dos tecidos da região onde houve contato causando uma espécie de queimadura.
Nos casos que o Cs137 é ingerido o elemento fica distribuído no corpo humano quase
uniformemente e trazem como sintomas náuseas, vômitos, tontura, indisposição,
hemorragias internas, infecções generalizadas, queda de cabelo, dentre outros efeitos e na
ausência de um tratamento médico para que ele seja secretado pelo corpo humano é
necessário no mínimo 70 dias.

3. O ACIDENTE

No ano de 1985 o Instituto Goiano de Radioterapia, clínica que realizava tratamentos de


câncer com a radioterapia, foi desativada. Na época uma equipe a pedido de seus
supervisores foi até o local para fazer o desmonte da clínica e retirar todos os aparelhos
que estavam no local. Porém ainda foi encontrada uma parte de um dos aparelhos de
radioterapia considerado de alta periculosidade caso manuseado de forma errada.

A radioterapia é um tratamento no qual se utilizam radiações ionizantes como, por


exemplo, o raio X e a radiação Gama, que são tipos de energia capazes de destruir as células
cancerígenas ou impedir que elas se multipliquem. Essas radiações não são vistas a olho
nu, além disso, é um tratamento indolor durante a aplicação.

13 de Setembro de 1987, dois anos depois do desmonte da clínica, dois catadores de


reciclagem (Wagner Mota Pereira e Roberto Santos Alves) decidem invadir o prédio que
estava abandonado em total descaso em busca de algo de valor, lá dentro eles encontram
uma maquina feita de aço e chumbo, certos de que era um dia sorte grande, os dois
carregam a maquina até a casa de Roberto e começaram a desmonta-la com o intuito de
vender as peças separadamente. Em dois dias os catadores já estavam sentindo alguns
sintomas como náuseas, tonturas e diarreia, porém não sabiam a causa do mal estar,
portanto continuaram o desmonte.

18 de Setembro de 1987 (cinco dias após ter achado a maquina) os dois catadores vendem
a peça para Devair Ferreira, dono de um ferro velho, que comprou a peça por uma oferta de
alta quantia. Devair chamou seus funcionários, Israel e Admilson, para completar a
desmontagem da peça que ele havia acabado de comprar, buscando peças mais valiosas.
Após muitas marretadas, quando os funcionários do ferro velho conseguiram abriram o
cabeçote de chumbo e encontraram uma capsula com um pó branco, parecido com o sal de
cozinha, porém quando no escuro, brilhava com uma cor azulada. Devair que junto com
seus funcionários, ao desmontar a máquina, expôs ao ambiente 19,26 g de cloreto de Césio-
137 (CsCl) elemento considerado muito radioativo quando manuseado de forma errada.
Ele se maravilhou com o brilho emitido pela substância e levou o pó para casa para mostrar
a seus familiares, amigos e parte da vizinhança. O brilho do cloreto de Césio-137 foi dito
como algo sobrenatural, pois não se assemelhava com nada que conheciam e alguns
levaram uma amostra para casa, para mostrar para outras pessoas. Entre essas pessoas
estava Ivo, irmão de Devair, ele leva um pouco do pó para sua filha Leide de 6 anos e a
menina se lambuza com o "pozinho mágico" que o pai havia trazido para ela. A mãe de
Leide conta que cozinhou ovos e deixou em cima da mesa para que a pequena pudesse
comer enquanto ela tomava banho, e ao sair do banho se deparou com a menina
terminando de comer os ovos sem nem ter lavado a mão. Ela repreende Leide, mas fica
tranquila. A exibição do pó fluorescente decorreu por 4 dias, e a área de risco aumentou,
pois parte do equipamento de radioterapia também fora para outro ferro-velho,
espalhando ainda mais o material radioativo.

Algumas horas depois da exposição a radiação, muitas das pessoas apresentaram sintomas.
Sem saber por que estavam passando mal, foram ao hospital onde os médicos
diagnosticavam como uma virose e receitavam remédios para tratar a doença equivalente.
Porém Maria Gabriela, esposa de Devair, ao ver sua sobrinha muito doente recolheu a
cápsula que seu marido havia encontrado na máquina e levou à Vigilância Sanitária da
cidade de ônibus.

As partículas radioativas suspensas no ar foram transportadas pelos ventos e precipitaram


sobre o solo, plantas e animais. As pessoas afetadas se tornaram fontes irradiadoras e
contaminariam hospitais e ambulatórios aos quais recorreram em busca de tratamento
para os sintomas da contaminação.

Na Vigilância Sanitária, a cápsula foi colocada em uma cadeira, onde despertava


curiosidade em vários funcionários que param para ver o material. Após alguns dia foi
contratado um físico que ficou responsável pelo diagnóstico e pelas pesquisas. O físico
Walter trouxe consigo um medidor de radiação que ao chegar no local, foi surpreendido
pelo aparelho que acusava um alto nível de radioatividade. Foi diagnosticado que se tratava
de um material radioativo e logo após, contataram a CENEM (Comissão Nacional de Energia
Nuclear – órgão responsável por regularizar o uso da energia nuclear no Brasil) para que
refizessem o trajeto do material radioativo e determinassem a área de contaminação e logo
após decretaram a fase inicial de um acidente radioativo.

As pessoas que foram contaminadas necessitavam urgentemente serem tratadas. A


descontaminação começou imediatamente, onde 249 pessoas foram cadastradas com
sintomas de contaminação por substância radioativa, que foram isoladas e passaram por
banho de água, vinagre, sabão e uma substância conhecida como Azul da Prússia. O Azul da
Prússia, também foi ingerido pelos contaminados, pois o mesmo ajuda na eliminação do
Césio-137 pela urina e fezes. Estudos comprovam que se o Azul da Prússia for administrado
10 minutos após a contaminação radioativa, ele elimina até 60% do material radioativo do
organismo, porém, se administrado de forma tardia, elimina apenas 35% da contaminação.

Foi feita uma evacuação de emergência e todas as pessoas foram levadas para o Estádio
Olímpia e lá elas as vítimas expostas ao Césio 137 era medidas com detectores de radiação
para ver o nível de contaminação.

Em um documentário para o fantástico em 03/09/2017 o físico Walter Mendes Ferreira


que esteve em Goiânia-GO e teve o primeiro contato com a menina Leide relata que quando
foi medir o nível de radiação emitida por ela, o detector disparou. "A menina era uma fonte
ambulante de radiação" diz Walter na entrevista.

As pessoas que detectavam um nível muito alto de radiação eram mandadas de avião para
um hospital no Rio de janeiro para serem monitoradas mais de perto e com mais cautela.

4. VÍTIMAS DIRETAS

23 de outubro morre Leide das Neves Ferreira, de 6 anos, era filha de Ivo Ferreira e foi a
vítima com a maior dose de radiação do acidente devido a ingestão de um elemento
radioativo. Inicialmente, quando uma equipe internacional chegou a tratá-la, ela estava
confinada a um quarto isolado no hospital porque os funcionários estavam com medo de
chegar perto dela. Ela desenvolveu gradualmente inchaço na parte superior do corpo,
perda de cabelo, danos nos rins, pulmões e hemorragia interna. Ela morreu de septicemia e
infecção generalizada no Hospital Naval Marcílio Dias, no Rio de Janeiro.

Maria Gabriela Ferreira, de 37 anos, esposa do proprietário do ferro-velho Devair Ferreira,


ficou doente cerca de três dias depois de entrar em contato com a substância. Seu estado de
saúde piorou e ela desenvolveu hemorragia interna, principalmente nos membros, nos
olhos e no trato digestivo, além da perda de cabelo. Ela também morreu dia 23 de outubro.

Israel Baptista dos Santos, de 22 anos, foi um dos empregados de Devair Ferreira que
trabalhou na fonte radioativa principalmente para extrair o chumbo. Ele desenvolveu
doença respiratória grave e complicações linfáticas. Foi internado no hospital e morreu seis
dias depois, em 27 de outubro de 1987.

Admilson Alves de Souza, de 18 anos, também foi funcionário de Devair Ferreira, que
também trabalhou na fonte radioativa. Ele desenvolveu lesão pulmonar, hemorragia
interna e danos ao coração. Morreu em 28 de outubro de 1987.

Todos eles foram enterrados em túmulos especiais, com caixões de chumbo e também com
concreto reforçado, no Cemitério Parque, em Goiânia.

O sepultamento foi marcado por protestos, revolta e troca de agressões entre policiais e
manifestantes que não queriam que as vítimas fossem enterradas na cidade. A população
goiana demonstrava medo da contaminação e era tomada pela onda de desinformação que
surgiu não só em Goiânia, mas em todo o Brasil – a exemplo de uma revista nacional que
chegou a escrever na capa “Goiânia Nunca Mais”.

5. OUTRAS VÍTIMAS POSTERIORES

Devair Alves Ferreira, o dono do ferro-velho sobreviveu em primeira mão à exposição,


apesar de ter recebido 7 Gy de radiação. Os efeitos corporais incluíram a perda de cabelo e
problemas em diversos órgãos. Sentindo-se culpado por abrir a cápsula, tornou-se
alcoólatra e contraiu câncer pela radiação, morrendo 7 anos depois, em 1994.

Ivo Ferreira, pai da menina Leide das Neves Ferreira, teve baixa contaminação. No entanto,
tornou-se depressivo depois da morte da filha e passou a fumar em torno de seis maços de
cigarro por dia, falecendo por enfisema pulmonar em 2003, 16 anos depois.

Odesson Alves, irmão de Devair e Ivo também sofreu lesões devido o contato direto com o
Césio. Teve seu dedo amputado proveniente da radioqueimadura. Odete, cunhado de Ivo
também sofreu radioqueimaduras no rosto e pescoço.

Um dos catadores que encontraram o aparelho de radioterapia no prédio abandonado,


Wagner Mota Pereira, ainda corre o risco de amputar o pé que foi queimado pelo Césio e
Roberto Santos Alves que também achou o cabeçote, teve o antebraço amputado devido os
mesmos motivos.

A Associação das Vítimas do Césio 137 afirma que até o ano de 2012, quando o acidente
completou 25 anos, cerca de 104 pessoas morreram nos anos seguintes pela contaminação,
decorrente de câncer e outros problemas.

6. TERROR E MONITORAMENTO

Ao todo, resíduos parciais ou totais de 46 casas, 50 veículos, 45 ruas, árvores, calçadas,


roupas, utensílios domésticos e até animais sacrificados foram recolhidos e viraram lixo
nuclear. O césio circulou não só por Goiânia, mas também por Aparecida de Goiânia,
Anápolis e Inhumas, em razão do deslocamento de pessoas contaminadas.

Tudo que foi identificado com contaminação foi recolhido e armazenado em um depósito
coberto por um aterro, localizado no Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro-
Oeste, em Abadia de Goiás, na região metropolitana de Goiânia. E assim deve permanecer
por, pelo menos, 300 anos.
7. A VIDA APÓS O CÉSIO

Três médicos responsáveis pela clínica abandonada, um físico e o dono do prédio foram
condenados em 1996 por homicídio culposo. Os médicos Carlos Bezerril, Criseide Dourado
e Orlando Teixeira e o físico Flamarion Goulart receberam pena de três anos e dois meses
de detenção em regime aberto, mas em 1997 a pena foi substituída por serviços
comunitários. O dono do prédio Amaulio Monteiro de Oliveira foi condenado a um ano e
dois meses mas depois conseguiu a suspensão da pena. E por ordem da justiça, os dois
catadores que tiraram o aparelho da clínica, Wagner Mota Pereira e Roberto Santos Alves,
deveriam receber um dinheiro mensal de todas as pessoas condenadas, mas somente os
médicos Carlos Bezerril e Crizeide Dourado chegaram a pagar.

Em 1998, todas as penas foram extintas por um induto presidencial, mas os fatos que
levaram as condenações podem não ter acontecido com realmente se pensavam, pois 30
anos depois do acidente, dia 03 de setembro de 2017, o físico Flamarion deu uma
entrevista para o Fantástico onde relatava que não tinha culpa pelo ocorrido.

Flamarion Gulart prestava consultoria para o Instituto Goiano de Radioterapia e segundo


ele, quando foi desativada e desmontada a clínica radioterápica o aparelho encontrado foi
lacrado e transferido para o Hospital Araújo Jorge em um bunker de um acelerador de
partículas que iria ser montado no Hospital Filantrópico de Goiânia, o qual também é
especializado em câncer, além disso, todos os médicos condenados e o físico trabalhavam
lá, e por alguma razão, não sabendo especifica-la, o físico relata que o aparelho foi
transferido para um lugar apropriado e seguro no Hospital, mas que teve retorno ao prédio
do Instituto Goiano de Radioterapia.

Após trinta e quatro anos do desastre radioativo, as vitimas contaminadas pela


radioatividade reclamam por não estarem recebendo os medicamentos, que, segundo leis
instituídas, deveriam ser distribuídos pelo governo. Em algumas entrevistas as vítimas
dizem que se sentem abandonadas, faltam remédios que não cabem no orçamento dos
mesmos e o governo não faz nada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

O QUE é o Césio-137?. Química Nova, [s. l.], 14 jan. 1988. Disponível em:
static.sites.sbq.org.br/quimicanova.sbq.org.br/pdf/Vol11No2_169_v11_n2_%281%29.pdf.
Acesso em: 9 nov. 2021.

CÉSIO 30 anos. G1 - Goiás, [S. l.], 13 set. 2017. Disponível em:


g1.globo.com/goias/noticia/simbolo-do-acidente-com-o-cesio-137-leide-das-neves-e-
lembrada-com-carinho-por-parentes-era-muito-alegre.ghtml. Acesso em: 9 nov. 2021.

CÉSIO-137, um drama recontado. Estudos Avançados , [s. l.], 17 jan. 2013. Disponível em:
www.scielo.br/j/ea/a/pWxC3bW79km3cRFB83DXX3B/?lang=pt&format=pdf. Acesso em:
9 nov. 2021.

CÉSIO 137 - 30 anos. FANTÁSTICO, [S. l.], 3 out. 2017. Disponível em:
www.youtube.com/watch?v=VUHLS1WL6FM. Acesso em: 8 nov. 2021.

CÉSIO-137, O pesadelo de Goiânia. [S. l.], 13 out. 2015. Disponível em:


www3.unicentro.br/petfisica/2015/10/13/cesio-137-o-pesadelo-de-goiania/. Acesso em:
8 nov. 2021.

GOIÂNIA É AZUL: o acidente com o césio 137. [S. l.], 31 jul. 2017. Disponível em:
www.revistas.ufg.br/revistaufg/article/view/48158. Acesso em: 8 nov. 2021.

UM CENTRO de Ciências no Centro-Oeste? Memórias do acidente com o Césio-137 em


Goiânia. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, [s. l.], 15 nov. 2015.
Disponível em: periodicos.ufmg.br/index.php/rbpec/article/view/4320. Acesso em: 8 nov.
2021.

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