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Resumo
A partir da abertura de sítios fortificados de origem militar a visitação pública e do atual cenário de
desafios para a construção da candidatura de um conjunto de fortificações brasileiras a Patrimônio
Mundial, o artigo discute três aspectos: 1. Que tipo de turismo é compatível com essa candidatura? 2.
Que tipo de turismo e visitação acontece hoje nesses sítios? 3. Que adaptações podem ser necessárias
para o êxito da candidatura? O artigo toma por base uma revisão documental das diretrizes específicas
relativas a turismo e visitação, expressas em Manuais de Referência da Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) sobre Patrimônio Mundial e Cartas
relacionadas ao mesmo tema, produzidas pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios
(ICOMOS) (International Council of Monuments and Sites) e pelo seu Comitê Cientifico Internacional
sobre Fortificações e Patrimônio Militar (ICOFORT) (International Scientific Committee on
Fortifications and Military Heritage). Além disso, a pesquisa também se apoia em trabalhos
antecedentes de extensão universitária, coordenados pelo Laboratório de Tecnologia e
Desenvolvimento Social (LTDS) e realizados em parceria com a Diretoria do Patrimônio Histórico e
Cultural do Exército (DPHCEx). Importante referência teórica para a abordagem é a noção de “sítios
simbólicos de pertencimento”, em sua dupla dimensão, material e imaterial. A referência empírica do
trabalho são duas fortificações sob a guarda do Exército Brasileiro que integram a lista das 19
fortificações selecionadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN para
compor a candidatura do “Conjunto de Fortificações Brasileiras” a Patrimônio Mundial da
Humanidade: a Fortaleza de Santa Cruz da Barra, localizada em Niterói, sob a administração da
Artilharia Divisionária da 1ª Divisão de Exército (AD/1), e a Fortaleza de São João, localizada no
bairro da Urca, Rio de Janeiro, sob a administração do Centro de Capacitação Física do Exército
(CCFEx). Os resultados apontam para a complexa tarefa de defesa do patrimônio militar, que impõe
aos militares uma crescente qualificação dos quadros em áreas de cultura e redesenhos institucionais
para o fortalecimento de seu Sistema Cultural.
1
Doutora em Engenharia de Produção – PEP/COPPE/UFRJ. Pesquisadora do Laboratório de Tecnologia e
Desenvolvimento Social – LTDS/PEP/COPPE/UFRJ, da linha de Pesquisa “Gestão, Inovação e Turismo em
Patrimônio Militar” (http://lattes.cnpq.br/2421887409087916). E-mail: flaviamattosbr@gmail.com.
2
Mestrando em Engenharia de Produção – PEP/COPPE/UFRJ. Coronel do Exército Brasileiro, Vice-Presidente
do ICOFORT e Pesquisador do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social –
LTDS/PEP/COPPE/UFRJ, da linha de Pesquisa “Gestão, Inovação e Turismo em Patrimônio Militar”.
(http://lattes.cnpq.br/9734038318693105). E-mail: joseclaudiosj@gmail.com.
3
Professor Titular do Programa de Engenharia de Produção – PEP/COPPE/UFRJ. Coordenador do Laboratório
de Tecnologia e Desenvolvimento Social – LTDS/PEP/COPPE/UFRJ (http://lattes.cnpq.br/8226406163217491).
E-mail: bartholo.roberto@gmail.com.
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Desde então vem sendo construída interfaces institucionais desde o nível federal que
buscam qualificar as iniciativas no campo da preservação, gestão e acesso ao patrimônio
militar para a construção do dossiê da candidatura. Uma etapa fundamental é a criação dos
Comitês Técnicos, que irão “estabelecer as diretrizes, conceitos e demais ações para a
elaboração do dossiê técnico” referente às fortificações.
O Exército Brasileiro é ator relevante nesse contexto, não apenas pelo quantitativo de
fortificações que integram a candidatura, mas por sua própria identidade e também por sua
4
Dados fornecidos pela Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército – DPHCEx.
5
Cf. Base de dados do Projeto Fortalezas.org. Disponível em http://fortalezas.org/.
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peculiar trajetória no campo da preservação do patrimônio militar construída ao longo das
últimas décadas.
No plano internacional, as Cartas do ICOMOS/ICOFORT e os Manuais de Referência
da UNESCO têm assumido a função de estabelecer princípios, critérios e metodologias para
os desafios da conservação, servindo de horizontes e instrumentos de referência para a adoção
das práticas nacionais.
A partir da experiência que se inicia com a assinatura da Carta do Recife, na
construção da candidatura do “Conjunto de Fortificações Brasileiras” a Patrimônio Mundial
da Humanidade, buscamos reunir nesse tópico, a partir de um olhar para alguns desses
documentos-chave de orientação, um recorte sobre “turismo e visitações” em sítios
patrimônio mundial. Com isso, buscar identificar como o turismo é tratado e quais seriam as
principais prescrições para esse tema.
O documento Preparação de Candidaturas para o Patrimônio Mundial - Manual de
Referência do Patrimônio Cultural (UNESCO BRASIL/IPHAN, 2013), é um instrumento
sintético de difusão e orientação dos principais conceitos e etapas da candidatura de um bem a
Patrimônio Mundial. Está dividido em cinco capítulos: 1. Sobre o Patrimônio Mundial; 2.
Preparação; 3. Definindo e compreendendo o bem; 4. Preparando e redigindo o dossiê da
candidatura, e 5. Processo de Avaliação. Este manual salienta aspectos que a equipe da
candidatura deve considerar na elaboração do dossiê.
De maneira geral, observa-se que ao mesmo tempo em que se espera que o status da
titulação produza visibilidade e atratividade ao bem, como estratégia para manutenção de sua
autenticidade e integridade, a preocupação com a má administração da atividade turística e os
efeitos destrutivos associados, são mencionados e mobilizam esforços na construção de
mecanismos adequados de gestão. O item “visita responsável dentro dos sítios do Patrimônio
Mundial” traz orientações específicas para a caracterização, o planejamento e o
monitoramento das visitações. A utilização de metodologias apropriadas é um requisito
importante para uma fundamentação adequada dos estudos de caracterização das visitações.
Espera-se que o documento da candidatura expresse não apenas uma descrição pormenorizada
do status da visitação do bem na atualidade, mas também projeções de níveis de visitação
tendo em vista a sua possível inscrição como Patrimônio Mundial. Inclui-se a necessidade de
se definir a “capacidade de lotação” do bem, explicitando os métodos de análise, e formas de
aperfeiçoamento de sua gestão em termos do quantitativo de visitantes. Em outras palavras,
não se trata de gerar meras conjecturas e sim de produzir estudos embasados em provas que
sustentem as conclusões. Recomenda-se que sejam consideradas possíveis “formas de
deterioração do bem devido à pressão e ao comportamento dos visitantes, incluindo aquelas
que afetam seus atributos imateriais” (UNESCO BRASIL/IPHAN, 2013). Questões que devem
ser realizadas nesse contexto: Há gestão de visitantes e turistas no bem? Ela é adequada e
eficaz? Assim como os dados quantitativos atualizados (números de turistas e visitantes), a
experiência do visitante ou turista é também um dos itens a serem observados e descritos no
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plano de gestão de turismo que deve integrar o dossiê da candidatura. Gestores dos bens
inscritos como Patrimônio Mundial devem prever e estar preparados para realizar o
monitoramento do impacto da visitação no bem. O manual recomenda que o dossiê de
candidatura apresente, não só as definições específicas sobre o bem proposto, mas também a
interpretação e apresentação que será realizada aos visitantes e demais públicos - desde
instalações de sinalização, trilhas, avisos ou publicações, guias; museu ou exposição dedicado
ao bem; centro de visitantes ou de interpretação e/ou uso potencial de tecnologias digitais e
demais serviços oferecidos (UNESCO BRASIL/IPHAN, 2013). As orientações do documento
incluem uma seção dedicada ao tema “instalações para visitantes e infraestrutura”, incluindo a
necessidade de observação dos aspectos de segurança e acesso adequado aos bens, e também
de seus possíveis conflitos.
Em síntese, de maneira geral, o turismo integra o rol de informações relevantes para a
caracterização do bem como um elemento significativo. Recomenda-se que a gestão do
turismo seja tratada de forma integrada a candidatura e não de maneira desvinculada.
Também deve ser lembrado que as zonas de amortecimento dos sítios são indicadas como
lugares propícios ao estabelecimento de atividades de apoio ao turismo, sendo recomendada
sua gestão aberta às comunidades locais.
O documento intitulado “Gestión del turismo em sítios del Patrimonio mundial:
Manual práctico para administradores de sítios del Patrimonio Mundial” elaborado por
Arthur Pedersen, publicado em língua inglesa em 2002, e em língua espanhola, em 2005, é a
referência para a gestão do turismo cultural em sítios patrimônio mundial. Este manual está
concebido como uma contribuição para:
6
Portaria nº 615, de 13 de novembro de 2000.
7
O estatuto da Fundação Cultural Exército Brasileiro – FUNCEB. Disponível em
<http://www.funceb.org.br/Estatuto_da%20FUNCEB_1_Re_Conj2005.pdf >. Acesso em 5 de maio de 2018.
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como proposta central “restituir a esses monumentos a função social, reintegrando-os à vida
cotidiana das cidades do Rio de Janeiro e de Niterói” (SANTOS JUNIOR, 2010).
8
Dados fornecidos pela DPHCEx em 2016 mencionavam que o complexo de fortificações de Niterói recebeu
45.721visitações por ano.
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Artilharia Antiaérea, as visitas passaram a ocorrer com alguma regularidade, mas ainda sem a
estruturação de grupos de guiamentos com horários fixos. A visitação acontecia "por
demanda".
De 1994 a 2006 a Fortaleza de Santa Cruz abrigou o 8o. GaCosM, tendo como um dos
comandantes o coronel Antônio Ferreira Sobrinho. Foi nesta ocasião que a visitação ao sítio
histórico começou a receber um tratamento regular. O coronel Ferreira contou sobre o
reposicionamento institucional e o seu desafio de conciliar a sobreposição da gestão cultural
em meio às atividades operacionais da organização militar. Conforme o seu relato:
A Fortaleza de São João, no bairro da Urca, tem em seu sítio o marco de fundação da
cidade do Rio de Janeiro. É formada por um complexo militar que inclui, além de três fortins,
9
O projeto Roteiros dos Fortes: circuitos de visitação em fortes e fortalezas da Baía de Guanabara foi um projeto
de extensão, realizado entre 2012-2014, coordenado pelo Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social –
LTDS, do Programa de Engenharia de produção da UFRJ em parceria com a DPHCEx. Entre os produtos desse
projeto, o Webdocumentário Nós do Forte pode ser acessado no endereço eletrônico: http://nosdoforte.net/
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o Forte São José, o terceiro mais antigo do Brasil, fundado em 1578. O Sítio Histórico da
Fortaleza de São João é administrado pelo Centro de Capacitação Física do Exército
(CCFEx). Nesse sítio também estão localizados a Escola Superior de Guerra (ESG), fundada
em 1949 e o Museu do Desporto do Exército, criado em 2004. A estimativa de visitação é de
21 mil visitantes por ano, segundo informações colhidas junto ao gestor do sítio histórico.
Seu tombamento é parcial, datado de 1938, e diz respeito a uma obra da arquitetura colonial
portuguesa, o Portal. A Fortaleza de São João é elemento constitutivo do Sítio Paisagem
Cultural (UNESCO) desde 2012.
Mesmo após sua obsolescência como uma fortificação ativa, a fortaleza permaneceu
sob a administração de sucessivas organizações militares que ali se instalaram. Foi guarnecida
por vários Batalhões de Artilharia de Posição e Grupos de Artilharia de Costa até, quando o 2º
Grupo de Artilharia de Costa foi extinto (FORTES, 2001). Na Fortaleza de São João já
funcionaram a Escola de Aplicação do Exército (1855), a Escola de Aprendizes Artilheiros
(1880), o Centro de Instrução de Artilharia de Costa (1934), o 1º Distrito de Artilharia de
Costa (1934), o Arsenal da Urca (1944), o Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento (1970), a
Companhia de Comando e Serviços e o NPOR do IME (1975), e a Bateria de Artilharia de
Costa do CCFEx (1991)10. Após essa extinção foi ali instalado o Centro de Capacitação Física
do Exército.
Em 1969, durante o regime militar, o jornal O Globo trazia as seguintes reportagens:
“Fortaleza de São João abre suas portas aos turistas” (O Globo, 1969a)11 e “Fortaleza de São
João: calam-se os canhões para a invasão turística” (O Globo, 1969b). Evidenciava-se assim
a tendência a que os próprios fortes se constituíssem em atrativo turístico oficial da cidade,
sendo afirmado que “a Secretaria de Turismo da Guanabara pretende incluir a Fortaleza de
São João no roteiro turístico do estado. E o comando da nova fortaleza acha a ideia excelente”
(O Globo, 1969b). A matéria também apontava que a parte da fortaleza aberta à visitação (o
Forte São José) já oferecia visitas diárias a escolares. Enquanto a abertura para a visitação
turística dependia ainda do “devido entrosamento entre as empresas turísticas e os órgãos
militares” (O Globo, 1969b).
Ao longo de décadas tanto a Fortaleza de São João, como também o Forte Duque de
Caxias, no Leme, foram referência na organização de Colônias de Férias e na abertura para a
visitação de escolas, num movimento de aproximação entre unidades militares e juventude.
As experiências dessa aproximação com a juventude também foram retratadas exemplarmente
nos vídeos Pedro e Karina, integrantes do webdocumentário Nós do Forte, do Projeto
Roteiros dos Fortes (2014)12.
A partir de meados dos anos de 1980, com a redemocratização do Brasil, a diversidade
de expressões culturais é incorporada às novas leituras do patrimônio e o uso compartilhado
10
Disponível em http://www.ccfex.eb.mil.br/sitio-historico. Acesso em 05/05/2018.
11
Cf. O Globo, 30 de outubro de 1969, p. 3.
12
O Webdocumentário Nós do Forte pode ser acessado no endereço eletrônico: http://nosdoforte.net/
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de sítios históricos fortificados ganha importância como possibilidade de aprofundamento das
relações dialogais entre civis e militares. No Rio de Janeiro, ao longo dos anos 1980, um
padrão mais contínuo de visitações aos sítios fortificados da Baía de Guanabara passa a fazer
parte da dinâmica de algumas organizações militares, iniciando um processo embrionário de
gestão turístico-cultural dos sítios históricos fortificados. Como afirma Santos Junior (2010),
foi na década de 1990 que a revitalização e o uso turístico e cultural dos sítios históricos
fortificados ganham crescente importância e atenção para o Exército Brasileiro.
Na primeira década do milênio a fortaleza de São João também foi contemplada com
recursos do BNDES, mediados pela FUNCEB, em importantes projetos de restauração e
revitalização patrimoniais (O Globo, 2003). Um projeto tendo por foco o Sítio Histórico da
Fundação da Cidade foi idealizado e cogitava-se fazer dele eixo de referencia para “preparar
um grande roteiro turístico unindo as fortificações da Guanabara” (O Globo, 2003).
De modo análogo ao apontado anteriormente no caso de Santa Cruz, a formação de
soldados para a realização do guiamento na Fortaleza de São João pode ser entendida como
questão estratégica para a abertura dos fortes às visitações e ao turismo. No caso específico de
São João, conforme explica o assessor cultural do Sitio Histórico da Fortaleza de São João, do
contingente de jovens incorporados ao Exército no CCFEx anualmente, cerca de seis
soldados recrutas são designados aos trabalhos do Sítio Histórico. Ao final do Serviço Militar
Obrigatório, esses recrutas retornam a seus lares e, no ano seguinte, novos soldados são
designados para a função. Além dos seis soldados guia, a equipe do Sítio Histórico da
Fortaleza de São João é composta, atualmente, por um Assessor do Patrimônio Histórico e
Cultural (um coronel da reserva); e um auxiliar (um sargento). Os soldados recrutas após
receberem a instrução militar básica são instruídos em aspectos inerentes à função de
guiamento, incluindo discussão (conteúdo) e trabalho de campo (prática).
Embora a Fortaleza de São João esteja situada num lugar de extrema densidade
histórica da cidade e a visita oferecida pela organização militar seja gratuita, avalia-se que a
procura pela visitação não é elevada, se comparada a outros espaços culturais da cidade, tanto
civis quanto militares. Conforme informações prestadas pelo assessor cultural de São João,
estima-se que o sítio receba uma média de 400 pessoas por semana e, portanto, 1.600 por mês.
Não se pode deixar de considerar, no entanto, que esse número cresceu na última década. Em
2004, por exemplo, uma reportagem do Jornal O Globo que trazia informações sobre a
visitação as fortificações da Baía de Guanabara apresentava números ainda mais modestos.
Conforme a reportagem, a Fortaleza de São João (entenda “sitio histórico”), com
funcionamento de segunda a quinta, agendamento prévio, possuía cerca de 400 visitantes por
mês (O Globo, 2004). A visita a Fortaleza de São João é somente realizada com agendamento
prévio.
Em relação a outros usos da área do Sítio Histórico da Fortaleza de São João, o
assessor explica que a área pode ser usada para outros eventos, preferencialmente ligados à
temática cultural, porém, esse procedimento (eventos) não é incentivado e as propostas que
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surgem são muito bem analisadas pelo setor. Há expectativas por parte da equipe de gestão da
Fortaleza para que seja elaborado projeto para construção de área de apoio ao visitante.
Em ambos os casos estudados são os próprios militares das unidades que administram
os espaços culturais e a visitação aos sítios históricos, atuando em consonância com
orientações da DPHCEx. É certo que as visitações são uma atividade que já tem longo
histórico nas organizações militares, ainda que seu planejamento e gestão sejam conduzidos
com forte componente de conhecimentos tácitos e empíricos.
Identificou-se assim a carência de uma cultura gerencial de monitoramento das
visitações. A falta de um acompanhamento sistemático que forneça uma confiável base de
informações relativas aos usos dos sítios históricos é um obstáculo para que tal atividade
possa ser desenvolvida em plenitude.
O fato de cada sítio histórico ser administrado por uma organização militar de natureza
específica, respondendo a sistemas hierárquicos próprios, implica, muitas vezes, o não
compartilhamento de informações sobre modalidades e padrões de visitações nelas vigentes.
Nesse sentido, os Encontros dos Integrantes do Sistema Cultural do Exército são atualmente o
principal instrumento e ocasião para tais interações, trocas de experiências e
compartilhamento de iniciativas inovadoras. A DPHCEx desempenha nesse contexto papel
institucional estratégico, contribuindo para o fortalecimento e conexão dos integrantes do
sistema cultural, sem para isso necessariamente implicar no estabelecimento de hierarquias
sobrepostas. Cada organização tem a autonomia na gestão dos assuntos relacionados ao
patrimônio histórico e cultural sob a sua guarda.
Três características que merecem destaque foram observadas na pesquisa junto aos
militares diretamente envolvidos na gestão dos sítios históricos fortificados da Baía de
Guanabara:
1. A alta rotatividade nos comandos - que é uma característica inerente da vida
militar da ativa, interfere na atenção dada à área cultural, pois nem todos os comandantes
estão familiarizados ou possuem aderência às questões pertinentes a esse campo. Não raro,
equipe técnica da DPHCEx e gestores diretamente envolvidos com o patrimônio cultural se
ressentem de descontinuidades em relação a algumas iniciativas, ou mesmo assinalam a
vulnerabilidade sentida a cada novo recomeço.
2. Burocratização e judicialização de processos e procedimentos - Em muitas
situações os comandos preferem “recuar” em determinadas atividades ou frentes de ação com
receio de enfrentar possíveis ações do Ministério Público. As queixas em relação à
burocratização dos processos existentes no setor público, quando aplicadas à área cultural do
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Exército acabam por inibir ações proativas. Torna-se menos estressante restringir o uso do
que se envolver em uma extensa cadeia de prestações de contas.
3. Necessidade de qualificação de recursos humanos - Se por um lado o
envolvimento de recrutas na função do guiamento é significativo na vida do próprio soldado,
como expressou o soldado Hungria, e oportuno para a própria unidade militar que responde a
essa demanda com uma solução “caseira”, por outro lado, é preciso admitir que o trabalho
empreendido por esses jovens pode assumir um alcance limitado, dado as condições de sua
preparação e as demandas por uma formação mais abrangente.
Nesse contexto uma forma de potencializar as ações é o estabelecimento de parcerias
institucionais, conforme vem sendo indicado pelo próprio sistema de planejamento do
Exército e reforçado pelos representantes institucionais da DPHCEx. Tais parcerias tanto em
nível geral e estratégico como setorial e tático podem ser relevantes para uma gestão que
potencialize as visitações nos sítios históricos sob a guarda do Exército. Nos casos estudados
as parcerias ainda são incipientes, talvez em razão das limitações impostas pelo fato das
visitações serem reconhecidas como uma atividade desenvolvida em condição subsidiária.
Isso pode ser expresso nas dúvidas do assessor cultural da Fortaleza de São João com relação
ao estabelecimento de parcerias:
O planejamento da gestão das visitações nos sítios históricos fortificados sob a guarda
do Exército necessita dar resposta a esses três imperativos. Uma necessidade tanto mais aguda
se considerarmos o contexto da candidatura a patrimônio mundial das oito fortificações (do
total de dezenove) que estão sob sua guarda. Em diversas delas uma observação, ainda que
superficial, pode indicar que as restrições permanentes e variáveis aqui apontadas são
significativas, não apenas para os casos de Santa Cruz e São João.
Tanto as pesquisas desenvolvidas no âmbito do projeto Roteiros dos Fortes, quanto a
visão que orienta o presente estudo na observação dos casos apresentados são apoiadas na
noção de “sítios simbólicos de pertencimento” (ZAOUAL, 2003), em sua dupla dimensão,
material e imaterial e alinham-se a outros estudos produzidos nessa mesma vertente, entre
eles, Santos Junior (2013), Bartholo (no prelo) e Mattos (2018).
Conclusão
Entendemos que a construção da candidatura é um processo de aprendizado e pode ser
uma valiosa oportunidade para o fortalecimento de relações dialogais entre esses sítios
simbólicos e a população brasileira. Sítios simbólicos de pertencimento são importantes para
13
Conforme estudos anteriormente referidos nesse mesmo artigo.
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a organização da cultura, pela relação vinculante que estabelecem entre vida e memória,
vínculo que supera os riscos do esquecimento e do desenraizamento. Assim o processo da
candidatura do Conjunto de Fortificações Brasileiras a Patrimônio Mundial da Humanidade, é
em si valioso, independentemente de seu êxito pragmático, porque camino se hace al andar.
Referências
BARTHOLO, Roberto. “On Solidarity, Heritage and Technical Images”. Apresentado no 4th
Hyperheritage International Seminar, Jenin, 2017 (no prelo).
FORTES, Hugo Borges. Canhões cruzados: Uma síntese da História da Artilharia de Costa
Brasileira. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2001.
ZAOUAL, Hassan. (2003). Globalização e Diversidade Cultural. – São Paulo: Cortez, 2003.
– (Coleção questões da nossa época; v 106).
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Multimídia
Documentos
ICOFORT.
ICOMOS. Carta Internacional Sobre Turismo Cultural - La Gestión del Turismo en los sitios
con Patrimonio Significativo (1999) Adoptada por ICOMOS en la 12ª Asamblea General en
México, octubre de 1999.
––––––––––. Carta para Interpretación y Presentación de Sitios de Patrimonio Cultural
Preparado bajo los auspicios del Comité Científico Internacional del ICOMOS sobre la
Interpretación y Presentación de Sitios de Patrimonio Cultural. Ratificada pela 16ªAssembleia
Geeal do ICOMOS, Québec (Canada), em 4 de outubro de 2008.
––––––––––. Carta de Itinerarios Culturales. Elaborada por el Comité Científico Internacional
de Itinerarios Culturales (CIIC) del ICOMOS. Ratificada pela 16ªAssembleia Geral do
ICOMOS, Québec (Canadá), em 4 de outubro de 2008.
.
UNESCO Brasil; IPHAN. Gestão do Patrimônio Mundial cultural. – Brasília: UNESCO
Brasil, Iphan, 2016. 163 p., il. – (Manual de referência do patrimônio mundial).
Jornais