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ESTUDOS

A relação educação,
ciência e interdisciplinaridade*
Gildemarks Costa Silva

Palavras-chave: ciência;
educação; autonomia;
interdisciplinaridade;
epistemologia educacional.
Ilustração: Isabele Zangirdamo Fidelis

* Parte da discussão presente


neste texto é fruto da nossa dis-
sertação de mestrado, Cons-
ciência pedagógica e projeto
histórico: o problema da auto-
nomia da educação no pensa-
mento de Saviani.

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considerados clássicos1 evidenciarem suas
inquietações acerca do educacional. Isto
nos permite perceber que, em verdade, exis-
te, desde há muito, no que se relaciona à
educação, um vasto corpo de reflexões.
Dizendo de outra forma, há um certo tem-
po, na história da humanidade, muitos vêm
refletindo e sistematizando conhecimentos
sobre o educacional. Contudo, é muito
comum, hoje, principalmente no meio aca-
dêmico, haver dúvidas sobre quais seriam
os principais aspectos teóricos que funda-
mentam a educação. O que seria o seu nú-
cleo teórico, ou aquilo que permite auto-
nomia relativa ao educacional. Ou, como

D
interroga Mouriño Mosquera (1994, p. 9):
"A essência pedagógica, o que seria?"
iscute a relação entre Esta busca de um núcleo pedagógico
educação, ciência e nos coloca diante da questão da cienti-
interdisciplinaridade. Mostra a ficidade da educação. Ou seja, temos que
importância de configurar-se uma perceber qual é o status da educação en-
teoria pedagógica com poder de quanto área do conhecimento humano. Ora,
verdade diante de outras áreas ao longo da história da humanidade, o es-
do conhecimento humano, para, tudo científico da educação, como área do
conhecimento humano com pretensão de
em seguida, passar em revista verdade, vem sendo abrigado pelo termo
alguns autores que se fazem pedagogia.2 Nele estaria a autonomia pos-
presentes no debate sível do educacional. Mesmo assim, há
epistemológico do campo quem negue a possibilidade de uma funda-
pedagógico. Após problematizar mentação científica da educação, quer di-
as diferentes posições de alguns zer, uma Pedagogia em bases científicas. 3
autores, posiciona-se por uma As conseqüências sociais da ausência
perspectiva interdisciplinar para a de definição teórica com um consenso mí-
educação, o que permitiria uma nimo acerca do educacional assumem niti-
autonomia relativa do dez em relação à escola, principalmente no
pedagógico. que diz respeito aos sistemas públicos de
ensino. É que, quando no agora, muito da
formação humana ocorre dentro de uma
instituição educativa, sendo que, na socie-
Introdução dade moderna, a escola apresenta-se como
uma das mais importantes.
Em muitos autores, encontramos a afir- Configura-se, atualmente, como afirma
1
mação de que a educação é, entre as ati- Mouriño Mosquera (1994, p. 10-11), em ter- A esse respeito, temos, só para
citar alguns: Sócrates, Platão,
vidades humanas, uma das mais comple- mos educacionais, o conceito de Estado- Aristóteles, Kant, Rousseau.
xas e importantes (Libâneo, 1992, 1993; Gerente. O educacional é, em grande par-
2
O termo pedagogia está sen-
do utilizado como aquilo que
Saviani, 1996; Brandão, 1992; Mazzotti, te, responsabilidade do Estado, que forne- corresponde à área do conhe-
1994; Freitas, 1987; Carvalho, 1988). É, por ce verbas para as instituições educativas, cimento humano que tem no
um lado, complexa, porque está presente educacional o seu objeto de
contrata funcionários, organiza os sistemas estudo e de pesquisa. Por ou-
em uma confluência em que se apresen- públicos de ensino. Isto possibilita ao Esta- tro lado, o termo educação,
tam diversos interesses humanos. É, por do permear com a ideologia do grupo no com minúscula, corresponde
a uma atividade humana; algo
outro lado, importante, visto que ela con- poder, em cada momento, o tipo de forma- que acontece, um fazer. Ao
tribui para a formação humana. Surge como ção que se efetiva em nossas escolas. "O mesmo tempo, Educação,com
maiúscula, será utilizada sem-
aquilo que participa da própria constitui- Estado-Gerente determina a prática na Edu- pre que nos referirmos à área
ção do homem. Por isso, não é à-toa que cação e, no fundo, estabelece uma teoria do conhecimento científico;
relacionada com a educação
a questão educacional sempre esteve pre- da Educação". Como, via de regra, são enquanto atividade humana,
sente, seja direta ou indiretamente, nos di- contrapostas as correntes que buscam se assume o significado do termo
versos momentos da história da humani- manter no poder, pois elas geralmente têm 3
pedagogia.
São exemplos desta posição:
dade. É comum, por exemplo, autores interesses diferentes, a educação escolar Grossi (1990) e Frigotto (1993).

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torna-se medíocre, por se modificarem, ra- mítico, religioso, etc. Nem advogar, ainda,
pidamente, as orientações pedagógicas. que o conhecer científico seja superior ou
Isto ocorre porque aquilo que cada grupo inferior a estes outros modos de compreen-
busca implementar, ao chegar ao poder, são da realidade. A ciência é uma forma, com
são aspectos que se relacionam à sua ide- características próprias, de se captar dado
ologia. Neste caso, "a Educação é mais prá- objeto. Aborda a realidade sobre determi-
tica do que teoria (não há teoria, são fatos nada especificidade, a saber: delimita dado
que compõem um corpo de doutrina)". objeto do conhecimento, o qual sofrerá aná-
Neste caso, os educadores são sujeitos a lise metodológica que lhe seja adequada,
serem agentes ideológicos do Estado. Daí visando a resultados de validade universal.
que nem sempre o grupo no poder tem Não há como duvidar dos méritos, para o
um projeto pedagógico definido, desejan- homem, que essa maneira de adquirir co-
do, muitas vezes, que se mantenha um ní- nhecimentos tem possibilitado, ao menos
vel de incompetência generalizada, para nos últimos quatro séculos; sem querer ne-
que isto se adeqüe aos seus interesses de gar, evidentemente, problemas que a apli-
manutenção no poder. "A incompetência cação da ciência tem proporcionado ao
das escolas e dos professores, quando homem, principalmente aqueles advindos do
mantida, parece ser usada pelo Estado- uso político-ideológico ou meramente téc-
Gerente para manipular a população atra- nico dos conhecimentos científicos.
vés de uma educação medíocre". Assim, no atual momento histórico, é
A prática educacional fica flutuando ao muito comum fazer relação entre a ciência
sabor das diversas influências ideológicas e a necessidade de o homem interpretar a
devido à ausência, principalmente, de uma realidade de forma verdadeira. É por isso
teoria da educação que goze de consenso que o desejo de cientificidade liga-se aos
entre os educadores. diversos âmbitos da realidade. As diversas
O atual momento de crise teórica do parcelas da realidade humana passam a ser
educacional – a falta de autonomia relativa objeto de processos científicos. Com efei-
– é utilizado pela política partidária para o to, há abordagens científicas em diversos
atendimento dos seus interesses de manu- setores da atividade humana. E que isto tem,
tenção no poder, na medida em que permeia de fato, levado à evolução de conhecimen-
a prática educacional com suas perspecti- tos, os quais têm, cada vez mais, interfe-
vas ideológicas. Considerando o caráter rências significativas na nossa sociedade.
nefasto deste processo, conforme evidenci- E isto possibilita entender o motivo dos di-
amos anteriormente, formulamos a seguin- versos estudos científicos, mesmo cientes
te indagação: Será que um aprofundamento de que a aplicação destes estudos nem
da questão teórica poderia contribuir para sempre está a serviço da continuidade da
evitar que a educação deixasse de servir de espécie humana. Em síntese, os diversos
instrumento político-partidário para as diver- campos da atividade humana, quando con-
sas correntes ideológicas que buscam a sideram a contribuição da ciência, têm evi-
conquista e manutenção do poder? De uma denciado nítida evolução. E isto tanto do
certa forma, a resposta a esta questão pas- ponto de vista específico da área como de
sa pelo nosso entendimento acerca do pro- uma ótica mais ampliada, da inserção des-
cesso científico e suas colaborações para o ta no seio de uma sociedade global (ver
desenvolvimento humano na sua totalidade, Bombassaro, 1994; Japiassu, 1994). Neste
pois entendemos que a ciência tem se con- sentido, encontra-se, em Álvaro Vieira Pin-
solidado como uma característica nuclear to (1969, p. 4), uma valorização da ciência
na cultura ocidental. Daí se justifica, tam- naquilo em que ela pode nos oferecer: "para
bém, este estudo sobre a relação educa- o país que precisa libertar-se política, eco-
ção, ciência e interdisciplinaridade. nômica e culturalmente das peias do atra-
Mesmo que não estejamos satisfeitos, so e da servidão, a apropriação da ciência,
é inconteste a importância da ciência para a possibilidade de fazê-la não apenas por
nossa cultura. Ou, de forma mais limitada, si mas para si, é condição vital para a supe-
do saber sistematizado. Como diz Brandão ração da etapa da cultura reflexa, vegetativa,
(1992, p. 11) "no meio acadêmico, e mes- emprestada, imitativa..."
mo na vida social, a validade do saber sis- As diferentes abordagens da realidade
tematizado é inconteste". Não se quer com anteriormente apontadas dividem-se,
isso negar a subsistência de outros tipos de comumente, nas denominadas ciências na-
saber, tais como o conhecimento popular, turais e ciências humanas. Ambas fornecem,

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aos seus respectivos objetos, uma deter-
minada inteligibilidade. Podemos dizer que
isto remete a estudos científicos que pro-
curam abarcar, de acordo com seus limi-
tes e especificidades, aquilo que se pode-
ria denominar, em largos traços, de pro-
blemática humana. Esses estudos estão
configurados, de acordo com os seus res-
pectivos objetos, em áreas do conhecimen-
to humano. Estas áreas, quando necessi-
tam, relacionam-se umas com as outras. São
exemplos de áreas do conhecimento huma-
no, e que não se colocam dúvidas acerca
de sua natureza e especificidade: a Mate-
mática, a Física, a Química, a Biologia, a
Sociologia, a Psicologia, entre outras.
A constituição destas ciências se deu
ao longo de períodos históricos. Cada qual
tem, pois, de uma certa forma, um percur-
so próprio (ver Japiassu, 1994). Contudo,
elas coincidem com o fato de terem um
significado limitado ao respectivo objeto.
Cada qual sabe o campo do conhecimen-
to, por assim dizer, que lhe cabe. Reco-
nhecemos, contudo, que as ditas ciências
humanas e naturais enfrentam, ainda, pro-
blemas de ordem epistemológica, pois, ciências naturais, como a Física, é remeti-
mais recentemente, evidencia-se que, sen- do para todas as outras áreas do conheci-
do a ciência um processo histórico, uma mento humano, independentemente da im-
construção, um fenômeno social como portância que isso possa assumir para a
outro qualquer, terá caráter limitado, pro- área que o aceita. Assim é que, por exem-
visório, incapaz de definir parâmetros plo, um questionamento epistemológico
dogmáticos, que possam ser aplicados de na Física é remetido para as próprias ciên-
forma estanque. E mais: a afirmação, por cias naturais e ciências humanas. E não
exemplo, de que existam teorias universais, apenas como um problema da Física. Bas-
anistóricas, com poder de verdade para ta vermos como as ciências naturais/ciên-
toda a história da humanidade, não se sus- cias humanas/sociais, às vezes, mostram-
tenta. Basta fazermos uma rápida análise se abaladas com certos posicionamentos
deste aspecto. Perceberemos, facilmente, da Física quântica. Por outro lado, estas
que já houve afirmações consideradas ver- ciências naturais não tomam conhecimen-
dades absolutas, as quais, atualmente, são to, o mais das vezes, dos problemas
motivos de riso. Na Física, por exemplo, epistemológicos relacionados mais direta-
basta observarmos as teorias que busca- mente às consideradas ciências humanas/
ram explicar o nosso sistema planetário. sociais.
Na área filosófico-social, podemos lembrar Embora a educação não disponha,
que a lendária frase de Sartre, "o marxismo até o presente, de elementos teóricos
é a filosofia insuperável do nosso tempo", consensuais que lhe permitam certa auto-
não se sustenta, bem como ele próprio nomia, constatamos a existência de auto-
posteriormente reconhece. res que procuraram colocar a Pedagogia
E sobre os limites da ciência no atual em bases científicas (Mazzotti, 1994; Pi-
momento histórico, podemos fazer uma menta, 1996; Estrela, 1992; Orlandi, 1969;
observação. Os problemas de ordem Carvalho, 1988; Libâneo, 1996; Freitas,
epistemológica colocados para as ditas 1987; Saviani, 1984, 1990). A análise de
ciências humanas/sociais e as ditas ciên- alguns destes autores deixa claro que
cias naturais são abordados de forma di- perspectivas delineiam-se para o debate
ferenciada, uma vez que estas últimas são epistemológico do campo educacional,
consideradas ciências de "ponta". Qual- portanto, para as relações que estamos
quer problema em uma das denominadas buscando evidenciar.

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A Pedagogia e a indefinição "Tradicionalmente, a abordagem metódica
teórica da educação e sistemática da educação tem sido referi-
da à Pedagogia". Contudo, o autor escla-
rece que uma vez em referência à educa-
Apresentamos, neste momento, o
posicionamento dos autores em análise, ção, é possível que a Pedagogia esteja
marcada pelas vicissitudes que estão pre-
tendo em vista perceber que relação eles
sentes no seu objeto.
estabelecem entre o que se denomina Pe-
dagogia e o estado de indefinição teórica
do educacional.
Estrela (1992, p. 9) afirma que, em es- As flutuações da consciência
tudos científicos, é essencial o conhecimen- pedagógica
to da área em que se deseja intervir. Isto
deveria, pois, ser considerado por todas Uma dessas primeiras vicissitudes pre-
as áreas do conhecimento humano. Para a sentes no objeto educacional parece ser a
autora, no entanto, isto não vem ocorren- adesão pré-crítica a teorias, sem ter em
do com a Pedagogia, porque a "Pedago- conta se elas são necessárias para o pro-
gia ainda não possui um autêntico estatu- cesso educativo. Isto fica claro na análise
to científico". Seria, portanto, uma ciência que Orlandi (1969) procede daquilo que
que ainda está em processo de formação. denomina de consciência pedagógica.
A este respeito, Libâneo (1993, p. Assim, vemos o que Orlandi denomi-
113) entende que cabe à Pedagogia o na de consciência pedagógica, que se
estudo sistemático da educação. Tem a atém às atividades pedagógicas. Por isso,
Pedagogia de estudar a educação na sua acreditamos que uma análise desta cons-
historicidade e globalidade. E, neste sen- ciência pedagógica expressa, por um cer-
tido, parece concordar com Estrela, to aspecto, a educação, ou, pelo menos,
quando afirma que a Pedagogia "é uma em que situação esta se encontra em re-
ciência em vias de constituição de seu lação ao aspecto epistemológico, visto
estatuto científico". que a consciência pedagógica tem no
Nesta referência a uma especificidade educacional o seu objeto de estudo e
da Pedagogia, pressupondo-lhe algum es- pesquisa. Acontece que, para Orlandi, a
tatuto científico, Mazzotti (1994, p. 124) consciência pedagógica não sedimentou
enfatiza que este debate não é novo. "Há suas bases em solo profundo. Daí que
muito se debate o caráter ou natureza da estudar esta consciência pedagógica é
Pedagogia procurando determinar qual seja visualizar terreno pouco seguro.
seu lugar entre os saberes, particularmente Há algumas décadas, em um estudo
no espaço da produção científica". clássico, Orlandi (1969, p. 8) constata, a
Também para Freitas (1987, p. 31), a partir de um levantamento sobre pesquisas
educação deveria se apresentar como ob- educacionais, realizadas no período 1923-
jeto de estudo sistemático de uma dada 1956, que a "consciência pedagógica flu-
ciência, qual seja, a Pedagogia. No entan- tua conforme a força momentânea deste ou
to, esclarece: "Ao fixarmos a educação daquele núcleo influenciador".
como objeto de estudo da Pedagogia Em um espaço de 33 anos, as pesqui-
estamos nos referindo, preferencialmente, sas em educação foram classificadas por ele
ao processo educacional organizado e di- em eixos aglutinadores. A este respeito, os
rigido que ocorre no âmbito de uma insti- aspectos psicológicos aparecem como cen-
tuição educativa". trais em 48% do universo de pesquisas, o
Freitas (1987, p. 131), ao analisar a que evidencia o domínio psicológico influ-
crise da "didática", coloca-a como que li- enciando decisivamente os problemas edu-
gada a algo de maior dimensão: a crise da cacionais. É o que o autor denomina, o mais
própria Pedagogia. Destarte, entende que, das vezes, de psicologismo pedagógico.
"antes de 'rever' a 'didática', é necessário Este mesmo autor reconhece que a
revermos nossa própria compreensão da contribuição da Psicologia pode até ser
ciência pedagógica". útil. Na sua análise, não despreza as pos-
Se formos a Saviani (1990, p. 4), vere- síveis colaborações dos psicólogos para
mos que este compartilha da visão de que a compreensão da problemática educaci-
a Pedagogia deve se encarregar do estu- onal. O que, de fato, o perturba é "o como
do sistemático do fenômeno educativo. a consciência pedagógica assume teórica

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e praticamente um tal socorro prestado Ou seja, esta hegemonia de uma área do
pela psicologia" (Orlandi, 1969, p. 9). conhecimento humano em relação à outra
A situação descrita indica que a cons- não tem sustentabilidade, visto que, sob o
ciência pedagógica descentra-se do seu predomínio de determinada área, a educa-
objeto. Flutua de um lado para outro. Sem ção fica isolada de outras dimensões que
jamais conseguir referência consistente à lhe são constitutivas (ver Saviani, 1990;
complexidade do real pedagógico. Freitas, 1987; Pimenta, 1996; Estrela, 1992).
Atordoada, querendo consistência e
resposta às questões impostas pela edu-
cação, a referida consciência intenta ou- A abordagem das denominadas
tros "vôos". ciências da educação
A consciência pedagógica, saindo
da Psicologia, chega à Sociologia. Ocor- Poderíamos, entretanto, indagar: em
re, agora, o que se pode denominar de vez de uma só área tentar explicar o todo
sociologismo pedagógico. A Sociologia, do educacional, algumas áreas não dariam
então, se configura em outro eixo conta, ao mesmo tempo, do educacional?
determinante. Neste caso, a Psicologia Pois, como sabemos, a educação é um fe-
perde sua posição hegemônica. Quem nômeno multifacetado e complexo.
assume o trono é a Sociologia. A proble- O fato de a educação estar em relação
mática educacional passa a ser vista ex- com diversos âmbitos da realidade huma-
clusivamente a partir do prisma socioló- na possibilita que outras áreas abordem
gico. É, destarte, mais uma flutuação da também o fenômeno educativo. Isto tem
consciência pedagógica. Só que, mais facilitado o argumento de que a Pedago-
uma vez, a área educacional não vai ob- gia, enquanto suposta Ciência da Educa-
ter respostas ao que deseja. O sentimen- ção, não daria conta do educacional. Não
to de que algo está faltando persistirá. haveria possibilidade de uma Pedagogia
Em verdade, é possível dizer que há autônoma, e, destarte, esta deveria ser
um vácuo. Assim, a consciência pedagó- substituída pelo que comumente se deno-
gica intentará outras alternativas. Eis que mina de Ciências da Educação.
se pode falar em economicismo pedagó- O argumento central desse
gico, politicismo pedagógico, etc. posicionamento é que algumas áreas, ao
Aquilo que realmente transparece diz se voltarem para a educação, adquiriram
respeito à descentração de objeto. Em to- autonomia em relação ao campo inicial do 4
dos estes "ismos", a educação sempre sur- saber, surgindo, então, uma nova área de Na verdade, esta idéia de ciên-
cias da educação para explicar/
ge como mero ponto de passagem. "De conhecimento.4 Ou seja, elas se desligam compreender o educacional é
modo geral, Educação é apresentada das áreas que lhes deram origem. semelhante ao conceito de
"multidisciplinar", ou seja, o fato
como um conjunto de peças recolhidas nos Vejamos, por exemplo, o caso da Psi- de diversas áreas confluírem
canteiros das ciências sociais, sobressain- cologia da Educação. Colocaríamos, em para um mesmo objeto na ten-
tativa de abarcá-lo. Sobre isto,
do sociologia e psicologia, o que lhe em- princípio, a sua base epistemológica den- colocamos o conceito de
presta certo vezo subsidiário" (Demo, 1990, tro da Psicologia. Contudo, progressivamen- multidisciplinar de Adalberto
Dias de Carvalho (1998, p. 93),
p. 13). Em outras palavras, parte-se de uma te, aquela iria se desligando desta, até que, com o qual concordamos: "Diz
área determinada, tenta-se captar a edu- finalmente, se constituiria uma nova ciên- que há multidisciplinaridade
quando, para realizar uma pes-
cação pelo prisma desta área, e volta-se cia. Seria, portanto, uma área autônoma do quisa determinada, se faz apelo
ao ponto de origem. saber. ao contributo de diferentes dis-
E, de fato, na trajetória da educação, ciplinas, tratando-se, contudo,
Se formos ver esta questão em Libâneo de uma colaboração fortemen-
podemos evidenciar que este processo (1992, p. 68), constataremos que este afir- te localizada e limitada quanto
reduz a realidade educacional, uma vez ma que pode a educação ter seu estudo ao seu alcance: os interesses
próprios de cada uma das disci-
que, entre os vários aspectos que fazem feito sob diversos enfoques, seja o antro- plinas implicadas não sofrem
referência à educação, apenas um deles é pológico, o sociológico, o econômico, o qualquer alteração, conservan-
do-se uma completa autonomia
privilegiado. No entanto, não há possibili- psicológico, o biológico, o histórico, o dos seus métodos bem como
dade de compreender uma realidade pedagógico, porque é um fenômeno dos seus objetos particulares".
Entendemos que esta visão da
multifacetada a partir de uma dimensão. multifacetado e por demais complexo. Con- relação da educação com as
Em princípio, a própria realidade não esta- tudo, o autor esclarece que "um psicólogo demais áreas do conhecimen-
to humano não facilita a
ria susceptível de apreensão. da educação, quando investiga ou atua no maturação epistemológica da
Em conclusão, percebemos que os campo educacional, aplica aí conceitos e Pedagogia; além do mais, como
"ismos" são prejudiciais para a educação, métodos da Psicologia, e os resultados que mostraremos a seguir, a formu-
lação ciências da educação não
naquilo que lhe pode dar suporte teórico. obtém são de ordem Psicológica". se sustenta.

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Em torno desta relação das demais ci- ponto de vista específico da área que as
ências humanas com a educação, Carva- originou.
lho (1988, p. 2) lembra que, dentro desta Para Estrela (1992), entretanto, a gran-
problemática, caso se coloque a existên- de controvérsia está no fato de que os con-
cia, por exemplo, de uma Psicologia da ceitos e os resultados a que atingem, em
Educação, entendendo que esta tenha se suas investigações, estas ciências têm um
desligado de uma ciência de maior dimen- interesse limitado para o âmbito educativo.
são – neste caso, da Psicologia –, come- Dito de outra forma, a utilidade de resulta-
çamos a entrar numa argumentação em dos de outros enfoques que não o peda-
que os elementos teóricos não são muito gógico é de pouca utilidade para o
consistentes, visto que, num primeiro olhar, "interventor pedagógico". Este poderá se
a Psicologia da Educação parece ser mes- utilizar destes resultados, mas de forma pre-
mo uma aplicação de uma ciência mais cária, ou seja, de maneira muito limitada.
ampla. E mais: "ao designá-la como ciên- É importante, neste debate, apontar as
cia da educação, imprimimos-lhe, sem dú- conclusões a que alcança Pimenta (1996),
vida, uma idéia de autonomia e de após passar em revista a contribuição de
especificidade que dificilmente se compa- diferentes autores, sobre a possibilidade de
dece com a subalternidade em relação a um estatuto teórico para a educação. O que
um tronco fundamental que transparece da notamos é que a autora parece concluir,
óptica anterior". concordando, outrossim, com os autores
Encontramos, então, em Carvalho, al- por nós citados, que a abordagem de ou-
guns elementos para a crítica das Ciências tras ciências sobre a educação – estas às
da Educação. Concordando com aquilo vezes denominadas de Ciências da Educa-
que ele afirma, entendemos que existem ção – é por demais limitada, se tivermos
ciências como a Sociologia, a Psicologia, pensando a partir de interesses pedagógi-
a Lingüística, entre outras, que tomam par- cos. Assim, Pimenta (1996, p. 55), ao expor
te da educação para estudo. No entanto, que os autores por ela analisados sempre
tais ciências não consideram a educação fazem referência a um estatuto próprio para
como centro para as suas teorizações. Suas uma Ciência da Educação – que geralmen-
investigações são limitadas por explicarem te é denominada de Pedagogia – explica,
apenas aspectos deste fenômeno, não con- na citação seguinte, inclusive extrapolando
seguindo explicá-lo na sua totalidade. em parte aquilo que vimos colocando até
Como nos lembra Libâneo (1993, p. 113), o momento, que a "construção desse esta-
"Cada uma dessas ciências aborda o fenô- tuto parte da análise crítica do estágio atu-
meno educativo sob a perspectiva de seus al de indefinição/imprecisão/insuficiência
próprios conceitos e métodos de investi- das ciências da educação em face do fenô-
gação". Assim, cada uma pode até expli- meno educativo".
car parte do objeto educacional, mas to- Em conclusão, os autores analisados
das juntas não conseguem abrangê-lo na nos permitem afirmar que Psicologia, Soci-
sua totalidade. ologia, Economia, Biologia, Psicanálise,
Voltando para Estrela (1992), veremos entre outras, são áreas constituídas que têm
que ele parece concordar com esta argu- mantido conturbada relação, no tocante ao
mentação de Carvalho. Uma vez que, para aspecto epistemológico, com a Educação.
ele, o enfoque de outras ciências no âmbito E, na verdade, os problemas que colocam
educacional é de interesse limitado para os e, conseqüentemente, as respostas obtidas
que lidam nessa área a partir de um interes- têm validade dentro dos atuais limites do
se mais pedagógico. Estrela adentra a esta conhecimento. No entanto, muitos desses
questão asseverando que, em busca de uma estudos perdem sua validade quando têm
dada cientificidade, o "interventor pedagó- a pretensão de explicar elementos da edu-
gico" procura apoio em algumas áreas do cação, porque eles não saíram, em princí-
conhecimento humano. A seu ver, a Psico- pio, da atividade pedagógica. É por demais
logia, a Psicanálise, a Sociologia, a Econo- conhecido este exemplo: a psicanálise, ao
mia são as ciências em que, em regra, a voltar-se para determinado aspecto educa-
educação recorre para obter elementos te- cional, parte de uma problemática própria,
óricos mais consistentes. O mesmo autor utilizando-se de métodos psicanalíticos e
realça que os resultados a que chegam es- obtendo, portanto, conceitos psicanalíticos.
tas ciências são seguros. E as questões que Então, acontece que esta área vai preten-
colocam a si próprias são importantes, do der aplicar os seus conceitos em outra área.

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E isto, é claro, não poderá oferecer res- se encontra ligada a uma ciência com
postas a problemas que exijam conceitos especificidade epistemológica, neste caso,
próprios da área que os originou. Enfim, a Psicologia. "A Psicologia Educacional não
parece que a autonomia possível da edu- tem existência própria como ciência, mas
cação não se encontra na abordagem das somente se referenciada à área de conheci-
Ciências da Educação. mento denominada Psicologia e, como tal,
caracteriza-se, no melhor dos casos, como
uma subárea deste conhecimento".
A Pedagogia como ciência A Pedagogia, para Freitas (1987, p.
prática 132), não desfruta dessa especificidade
epistemológica, tendo os seus critérios de
cientificidade assegurados pela sua "respon-
Os elementos expostos no tópico an-
sabilidade social", a cargo de uma dada
terior permitiram visualizar uma dada opção:
nega-se a educação enquanto área especí- instituição educativa. A Pedagogia, nesta
fica do conhecimento humano, em favor das ótica, é uma ciência aplicada, ou seja, uma
denominadas ciências da educação. Se disciplina prática, o que determina a exis-
entendermos a Pedagogia, juntos com tência de dois tipos de ciências: ciências
Libâneo (1993), como aquilo que busca teóricas e ciências práticas. Entretanto, acre-
perceber a educação de forma global, o que ditamos, baseando-nos nos argumentos que
muito lhe sobrará, na perspectiva delineada apresentamos a seguir, que também não é
acima das Ciências da Educação, será trans- neste posicionamento que se encontra a
formar-se em mera técnica. Terá, destarte, autonomia do educacional.
de tornar-se aplicadora de conceitos, quan- Estrela (1992, p. 12) assevera, também
do for o caso, elaborados em áreas do co- em torno disto, que, na busca de um esta-
nhecimento humano que não o educacio- tuto científico para a Pedagogia, aparecem
nal. Este parece ser o posicionamento de noções, por vezes, que, num primeiro olhar,
Freitas (1987), ao colocar a Pedagogia como se mostram diferentes. Este é o caso em
uma ciência prática. que aparecem argumentos em favor da Pe-
Esse autor julga que, ao colocar a dagogia como ciência aplicada, fazendo-
Pedagogia como uma ciência prática, esta se, destarte, uma distinção entre ciências
tem que, efetivamente, intentar subsídios puras e ciências aplicadas. Embora para
em outras áreas do conhecimento huma- Estrela a questão seja sempre fruto de algo,
no, tais como a Sociologia, a Psicologia, ou seja, a falta de um estatuto científico para
a Antropologia, entre outras. a Pedagogia, esta divisão entre ciências
Com o fito de tornar mais inequívoca puras e ciências aplicadas, além de ser um
essa ligação da ciência pedagógica com as artifício ideológico, representa uma arbitra-
ciências diversas, Freitas (1987) aporta-se aos riedade, e que tal distinção não encontra
critérios a partir dos quais poderemos definir fundamentos, se vista a partir de correntes
a especificidade de uma ciência. epistemológicas mais recentes. "O materia-
Na busca desses critérios, o autor pa- lismo dialético já havia posto em evidência
rece concordar com Ribes (1982, p. 131), a abstração que representa o conceito de
para quem "a identidade de uma disciplina ciência aplicada; toda ciência é sempre
configura-se, em primeiro lugar, a partir de uma ciência de um concreto e, através dele,
sua especificidade epistemológica como ela identifica-se enquanto teoria e prática".
modo de conhecimento científico e, ape- A autora relata ainda que a cada ciên-
nas secundariamente, em termos da deman- cia só corresponde um objeto, que é o
da como trabalho com um valor de troca objeto específico do seu campo. E, para
que uma sociedade concreta lhe impõe". concluir, negando a possibilidade de uma
Com isso, reparamos que áreas como distinção entre ciências puras e ciências
a Psicologia, a Sociologia, a Biologia, a aplicadas, completa: "Uma ciência aplica-
Antropologia, a Física, a Química, têm cri- da será, portanto, uma pseudociência, uma
térios científicos garantidos a partir das res- ilusão de óptica: trata-se de um campo di-
pectivas especificidades epistemológicas. ferente apenas na aparência daquele em
Este raciocínio leva Freitas (1987, p. 132) a que a ciência exerce normalmente a sua
negar, por exemplo, também concordan- atividade de inteligibilização do real" (Es-
do com outros autores por nós citados, a trela, 1992, p. 12).
especificidade de formulação como a Psi- Na verdade, evidencia-se neste mo-
cologia da Educação, uma vez que esta mento uma questão muito presente, de

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grande relevância no âmbito educacional fracassadas, uma vez que algumas delas
– estamos falando da relação que se deve são excludentes, como os "ismos", e ou-
estabelecer entre a teoria e a prática. Para tras restringem o educacional a uma mera
Saviani (1990), a idéia, por vezes corrente, prática etc., conforme ficou evidente nas
de que teoria e prática opõem-se está cal- análises dos autores, realizadas anterior-
cada em conceitos aplicados inadequada- mente. Entretanto, de uma forma geral, os
mente aos respectivos termos. Diz ele que, autores, direta ou indiretamente, apontam
o mais das vezes, muitos vêem a teoria para a possibilidade de uma Pedagogia
como puro "verbalismo", ou seja, "o gosto que tome o educacional como seu objeto
da palavra oca", e, por outro lado, alguns de estudo e pesquisa, portanto pela afir-
aplicam à prática o conceito que se ade- mação de uma Ciência da Educação. Sen-
qua mais a "ativismo". Só que o "verbalismo" do assim, queremos ressaltar, de forma bre-
é que, efetivamente exclui a prática, e não ve, alguns elementos teóricos que dificul-
a teoria. E é, semelhantemente, o "ativismo" tam ou possibilitam a existência de uma
que exclui a teoria, e não a prática. Ciência da Educação.
Podemos concluir que a autonomia Parece não haver dúvidas de que his-
possível do educacional não passa, con- toricamente, mesmo em diferentes situa-
forme deixamos claro anteriormente, pela ções, o homem sempre sentiu necessidade
separação entre teoria e prática, ciência de repassar às novas gerações os conheci-
teórica e ciência prática, porque, na verda- mentos adquiridos. "Produzir e transmitir às
de, teoria e prática são dois componentes novas gerações a totalidade das mediações
de um mesmo processo, qual seja, a ativi- e vivências significativas que constituem o
dade humana. mundo vivido foi, sem dúvida, a ação mais
importante para o estabelecimento daquilo
que chamamos Educação" (Bombassaro,
1994, p. 117).
Conclusão Essa educação se faz com diversos ele-
mentos não necessariamente apreendidos por
O anteriormente escrito aponta para uma lógica formal. Em termos educativos, não
a necessidade de uma autonomia relativa dá para querer prender a realidade na sua
do educacional, o que, de fato, ainda não íntegra dentro de um escopo teórico, por-
se evidenciou de forma satisfatória; há, que, na educação, estão presentes aspectos
apenas, tentativas frustradas de colocar o que extrapolam a possibilidade de explica-
educacional em contato com orientações ções racionais lineares. Aqui o caráter enig-
científicas. Mas estas iniciativas resultaram mático da vida, como diria Nietzsche, está
em pauta. E isto se apresenta nesses mol-
des, porque há referência, necessariamente,
ao homem. "Porque, dotado de fantasia e de
imaginação, o homem é um ser simbólico que
pode produzir aspirações e anseios inespe-
rados" (Freitas, 1995, p. 76).
Por outro lado, a educação é um fenô-
meno concreto, inserido em determinado
tempo e sociedade. É por isto que, para
alguns, o papel do educacional se resume
a formar o cidadão, um homem com co-
nhecimentos suficientes para viver em um
dado mundo. Outros acreditam que edu-
car é formar um homem tecnológico, habi-
litado para exercer determinada atividade.
E assim por diante.
De fato, há presença educativa na fa-
mília, no lazer, no trabalho, na Igreja, etc.,
porque, considerando que o homem – ob-
jeto da educação – surge como possibili-
dade, e que os limites do seu agir não es-
tão postos, a variedade de situações que
sejam educacionais são vastas. Mas não
dá para reduzir o processo de formação

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humana, na sua globalidade, aos interes- Assim, propomos que, no educacional, es-
ses de um entre os diversos momentos teja presente uma atitude interdisciplinar. E
educativos possíveis. por atitude interdisciplinar, entendemos
Assim, qualquer tentativa de teorização
do acontecer educativo deve levar em con- ... uma atitude diante de alternativas para
ta as dimensões do homem, que se envol- conhecer mais e melhor; atitude de es-
ve no referido processo, tais como: Racio- pera ante os anos consumados, atitude
nal – a educação envolve processos men- de reciprocidade que impele à troca, que
tais, estruturas psicológicas cognitivas, de- impele ao diálogo – ao diálogo com pa-
terminadas habilidades psicológicas; quer res idênticos, com pares anônimos ou
dizer, na educação há conteúdos, conhe- consigo mesmo –, atitude de humildade
cimentos envolvidos; Emocional – a edu- diante da limitação do próprio saber, ati-
tude de perplexidade ante a possibilida-
cação deve ter em vista a afetividade do
de de desvendar novos saberes, atitude
ser humano, seus sonhos, anseios, medos,
de desafio – desafio perante o novo –,
desejos, imaginação, etc.; e Sensibilidade atitude de envolvimento e comprometi-
– as sensações externas, aquilo que os mento com os projetos e com as pessoas
sentidos podem captar são objetos edu- neles envolvidas, atitude, pois, de com-
cacionais. 5 promisso de construir sempre e da me-
Com as notas acima, pretendemos lhor forma possível (Fazenda, 1995, p. 82).
evidenciar que nem tudo que compõe a
educação é passível de apreensão lógico- Para tal, é fundamental aos que fazem
racional, o que indica, do ponto de vista determinada área o conhecimento do cam-
epistemológico, que, mesmo que possa- po em que atuam. Só há trabalho
mos flexibilizar ao máximo a noção de interdisciplinar quando as partes que o
racionalidade, muito ficaria na penumbra. compõem têm clareza dos objetivos co-
Exemplos disso são os aspectos relacio- muns, bem como em que medida e de que
nados com a afetividade, de grande im- forma podem contribuir para a consecu-
portância para o fenômeno educativo, e é ção desses objetivos. Assim, assumimos
notório que muitas epistemologias não o posicionamento que enfatiza que os
conseguem apreender satisfatoriamente
este aspecto humano.
... resultados obtidos pelas ciências hu-
O que se deve levar em conta, tendo manas em geral, e que interessam à edu-
em vista a autonomia relativa do educaci- cação, correm o risco de não servirem ca-
onal, é que, considerando o atual momen- balmente se não houver uma ciência que
to histórico e os conceitos disponíveis, a os selecione, os reagrupe e os sintetize,
Pedagogia evolua rumo à maturidade colocando a essas outras ciências ques-
epistemológica. tões próprias (para além das que tenta
Isto vai ao encontro da necessidade resolver no seu próprio seio) e fornecen-
de o fenômeno educativo ser visto numa do-lhes elementos que transcendam os
ótica global. É uma perspectiva própria da interesses do seu âmbito naturalmente
Pedagogia estudar e pesquisar o seu ob- restrito. Só assim é que estaríamos auto-
jeto, qual seja, a educação, pois acredita- rizados a falar de uma verdadeira cola-
mos, para este trabalho, que a educação boração interdisciplinar (Carvalho, 1988,
pode ser vista numa perspectiva própria, p. 92).
que seria a função da Pedagogia.
Não queremos com isto um isolamen- Daí o fato de crermos que a autonomia
to do campo educacional. Discordamos da da educação é fundamental para o traba-
visão corporativista de alguns setores que lho interdisciplinar, que tem se demonstra-
buscam, a todo instante, proteger e expan- do válido para a compreensão/resolução de
dir as fronteiras da área que estuda e pes- determinados problemas sociais. Daí, por-
quisa contra a invasão de outros campos. tanto, a existência de uma relação neces-
Acreditamos que tal fato proporciona tam- sária entre ciência, educação e interdis-
bém a inconsistência teórica por nós evi- ciplinaridade. Pois o trabalho interdisciplinar
denciada, porque impõe uma tal fragmen- só será possível, efetivamente, a partir do
tação ao saber que impossibilita a com- momento em que cada área do conheci-
preensão de determinadas formulações mento mantiver sua identidade. É a partir
teóricas, bem como de sua relação com o da clareza do seu objeto que dada área do
concreto. Em vez do isolamento, entende- conhecimento humano pode requerer a 5
Estas são as dimensões
mos que os que lidam com o educacional contribuição de outra área para a solução consensuais no meio acadê-
necessitam de um trabalho interdisciplinar. de problemas que se evidenciem. mico. Existem outras.

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Recebido em 12 de janeiro de 2000.

Gildemarks Costa Silva, mestre em Educação pela Universidade Federal de


Pernambuco (UFPE), é professor de Filosofia da Educação e orientador pedagógico no
Colégio de Aplicação dessa universidade.

Abstract
This text talks about the relation between Education, Science and Interdisciplinarity. It
also shows the importance of configuring a Pedagogic Theory with real power in opposition
to the other human knowledge Areas, so that it is possible to check some authors in the
epistemological debate field. After comparing the different positions of some authors we
assume an interdisciplinary perspective for the Education that would allow a relative autonomy
in the Pedagogic process.

Keywords: science; education; autonomy; interdisciplinarity; educational epistemology.

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