Masculinidades: teoria, crítica e transdisciplinar, tem embasamento teórico nos
estudos de gênero, da crítica pós-estruturalista e artes. dos estudos culturais, áreas da crítica que nos PENTEADO, Fernando Marques; GATTI, permitem repensar definições de gênero, identidade e o lugar da cultura e das práticas José (Org.). sociais em suas mais diversas formas de representação: cinema, literatura, arquitetura, São Paulo: Estação das Letras e Cores, práticas esportivas, fotografia, entre outras 2011. 352 p. produções culturais. A “Introdução” inter-relaciona a importância dos estudos de gênero e as novas formas de ressignificação de masculinidades com vivências Em Masculinidades: teoria, crítica e artes, pessoais do próprio autor, José Gatti. Ele narrativiza Fernando Marques Penteado e José Gatti reúnem os principais eventos que marcaram os estudos ensaios teórico-críticos sobre masculinidades e queer e de gênero nas últimas décadas. Ao suas ressignificações conceituais e sociais. A mesmo tempo que a “Introdução” se fundamenta coletânea é imprescindível aos especialistas dos em fontes teóricas precisas, também permite ao estudos de gênero e ao público em geral que se leitor não especializado a compreensão dos interessa pelas mudanças paradigmáticas da modos como as masculinidades têm adquirido definição de masculinidade, ocorridas em novos sentidos e formas de expressão. Os artigos âmbito cultural, social e familiar, e com maior reunidos se fundamentam em teorias pós- efeito desde a década de 1960. estruturalistas, que permitem desconstruir qualquer Os cuidados da edição se revelam em suas perspectiva naturalista e/ou preconcebida das referências teóricas, aprofundamento em termos masculinidades. A “Introdução” nos conduz por de pesquisa e definições, organização equilibrada embates teóricos dos estudos de gênero, ao dos ensaios em cada uma das suas três seções, contrapor perspectivas tradicionais eurocêntricas seleção de pesquisadores e trabalhos artísticos e sobre comportamentos e conceituações da gravuras ilustrativas de uma nova forma de sentir masculinidade a comportamentos menos rígidos e pensar a masculinidade no momento contem- em culturas não ocidentalizadas, como as da porâneo. A atualíssima edição, de enfoque África Ocidental, por onde Gatti viajou, rejeitando,
assim, qualquer aspecto naturalista associado ao e os espectros da elite brasileira finissecular”, e o termo, os construtos e as contingências culturais de Lucia Villares, “Dois corpos torturados: masculi- que o definem. nidade e assombrações em Angústia de A relação intrínseca entre a teoria e a prática Graciliano Ramos”. revela o olhar crítico dos organizadores sobre os “Parte II: Políticas/Culturas” reúne artigos preconceitos e práticas predatórias de sociedades sobre padrões de masculinidade nas artes divididas por binarismos (tais como: o ocidental performáticas, na indústria hollywoodiana e no versus oriental, heterosexualismo versus homos- aparato militar e pedagógico dos esportes. O sexualismo e masculino versus feminino), que têm artigo de Richard Dyer, “Rock Hudson, quem diria”, permitido validar o primeiro termo do binômio, abre a seção com uma análise do papel da em detrimento do segundo. Como nos coloca indústria cultural sobre a persona de Rock Hudson. Gatti, esses binarismos expressam escalas de Dyer já é bastante conhecido do público grandeza e exclusão social e afetiva e têm anglófono por seus estudos sobre o sistema de movido sociedades e indivíduos em busca de estrelas hollywoodiano e estudos de recepção. uma identidade, seja ela nacional, cultural, Além da análise de gêneros, o trabalho de Dyer religiosa, além de indicar orientações políticas e é de natureza interdisciplinar envolvendo Estudos econômicas. Daí a necessidade de revisões dos de Gênero, Estudos Culturais e Estudos de Cinema. termos que utilizamos e das práticas sociais e A natureza interdisciplinar dessa ontologia culturais que nos cercam. Nesse contexto crítico- sobre masculinidades também se revela no teórico, o livro vai além do âmbito acadêmico, trabalho de Carmen Rial, “Rugbi e Judô: esporte ao se apresentar como leitura atualíssima sobre e masculinidade”. Ela analisa detalhadamente, as modificações e ressignificações das masculini- a partir de uma perspectiva antropológica e femi- dades em termos de vivências e em termos teóricos, nista, os rituais de formação de masculinidades e se situa como obra aberta a leitores/as diversos/ em dois esportes: o judô e o rúgbi, finalizando seu as e de diferentes áreas do conhecimento.1 ensaio com uma proposta da ressignificação O livro apresenta uma seleção de fotos, desses papéis a partir do ingresso de mulheres ilustrações e ensaios fotográficos inéditos, bem em esportes de risco. como um excelente projeto gráfico de Fernando A seção é finalizada com o artigo de José Marques Penteado. As três seções temáticas, Gatti, em que ele associa gênero e sexualidade denominadas “Parte I: Literatura/Imagens”, “Parte a estereótipos do corpo masculino no fisicul- II: Políticas/Culturas” e “Parte III: Ardores/Espelhos” turismo, comparando os papéis desempenhados são entrecortadas por trabalhos criativos, como por Eugen Sandow (1867-1925) e Arnold os ensaios fotográficos de Marcelo Krasililcic, com Schwarzenegger. seu “Os nus do verão de 2002”, o ensaio de Na terceira seção do livro, “Parte III: Ardores/ Fernando Marques Penteado, Juliano Gouveia Espelhos”, os primeiros três artigos abordam a dos Santos e Sergio Funari, “Rapsódia em importância dos banheiros públicos em diferentes Higienópolis”, e “Sem Título”, de Daniel Sinsel. contextos culturais e históricos na análise de pa- Os artigos teóricos e analíticos interrelacio- drões de masculinidades. Em “Caça às bruxas no nam teoria, literatura, cinema e práticas banheirão”, William E. Jones analisa o sistema discursivas e culturais, que incluem o uso de panóptico montado em banheiros públicos de banheiros públicos em culturas e períodos uma cidade de Mansfield, Ohio, EUA, na década históricos diversos, práticas esportivas, além de de 1960, por ações policiais para condenar práti- outros aspectos, como repressão militar. Cada cas homossexuais, como eco do Macarthismo. uma das três seções está organizada com uma Já em “Banheiro dos homens”, Lee Edelman média de seis a sete artigos, com temas comuns. analisa a arquitetura dos banheiros públicos Na primeira seção, “Literatura/Imagens”, temos masculinos e as relações espaciais e culturais ensaios teórico-críticos sobre literatura e cinema, criadas por esses espaços ritualísticos no que se abrangendo temas correlatos como a imagem refere a comportamentos e expectativas do cowboy em “Retorno a Brokemback Mountain”, masculinas. artigo de Roy Grundman, e da representação O terceiro texto é um fragmento do vídeo identitária do gaúcho na literatura e no cinema instalação “Turkish Bath/Banho Turco”, do Duo Tetine, argentino, no ensaio de Ádrian Melo “O gaúcho revelando a intimidade masculina de vários na literatura e no cinema argentinos: homens, de diferentes classes sociais, que questionando a masculinidade”. Ainda sobre utilizaram a instalação de uma grande sala literatura, temos o artigo de Richard Miskolci, “O transformada em um tipo de sauna. Turkish Bath vértice do triângulo: a paranoia de Dom Casmurro foi apresentado na íntegra em diversas exposi-
ções, tais como o Festival de Música Avançada e relações homoafetivas, acompanhadas por SONAR, ocorrido em 2004, no Instituto Tomie comentários e ilustrações de sua produção Ohtake, em São Paulo. artística, ressignificando, assim, certos comporta- Ainda na vertente da construção do desejo mentos de masculinidade. No contexto editorial masculino, temos o artigo de João Luiz Vieira, brasileiro, o livro se apresenta como um trabalho “Alair Gomes, Djalma Batista, Pedro Almodóvar: o inédito e acessível a leitoras e leitores que buscam circuito do desejo”. Vieira desconstrói a censura atualizar e aprofundar as ressignificações dos do olhar evocada pela crítica cinematográfica conceitos, comportamentos, teorias críticas e autenticada por Metz e Mulvey, para ressignificar sensibilidades sobre masculinidades e suas novas o desejo e o prazer espectatorial do corpo nu formas de apropriação cultural. masculino nas imagens produzidas por Gomes, Nota Limongi Batista e Almodóvar. 1 Na área acadêmica, temos publicações especializadas Em “Pornografia masculina: gay vs. hétero”, nos estudos sobre feminismo e queer studies: a Revista Tom Waugh revisa seu famoso ensaio publicado Estudos Feministas (REF), a revista Gênero, além de outros em Jump Cut, de 1985, para recompor as diversas trabalhos devidamente referendados no livro formas de espectatorialidade em filmes de Masculinidades. Cito também a Editora Mulheres, um pornografia, contrapondo o comportamento espaço editorial pioneiro de publicação na área. hetero e gay diante desses filmes. O livro finaliza com um ensaio de Fernando Anelise R. Corseuil Marques Penteado com uma crônica em primei- Universidade Federal de Santa Catarina ra pessoa do singular, revisitando suas memórias