Você está na página 1de 11

Psico-USF, Bragança Paulista, v. 25, n. 3, p. 573-583, jul./set.

2020 573

As Habilidades Sociais de Enfermeiras Gestoras em Equipes de Saúde da Família

Alessandro Simões Marinho 1


Lilian Maria Borges 2
Faculdade Sul Fluminense, Volta Redonda, Rio de Janeiro, Brasil
1

2
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, Rio de Janeiro, Brasil

Resumo
A pesquisa, de natureza descritiva, investigou o repertório de habilidades sociais de enfermeiras responsáveis pela gestão de
equipes de Saúde da Família. Foi aplicado o Inventário de Habilidades Sociais (IHS-Del Prette) e foram realizadas entrevistas
semiestruturadas visando obter a autopercepção das oito participantes acerca de seus recursos e déficits nessas habilidades,
sobretudo no que concerne às exigências do trabalho em atenção primária. Os resultados médios do grupo de gestoras foram
analisados quanto ao escore total e aos cinco fatores do IHS-Del Prette. A categorização dos relatos obtidos nas entrevistas
ocorreu à luz da Análise de Conteúdo de Bardin. Os resultados evidenciaram variadas classes de habilidades sociais, como empa-
tia, assertividade, expressão de sentimentos positivos e resolução de problemas. Em contrapartida, observaram-se dificuldades
para comunicação clara e eficaz e para mediar conflitos interpessoais. Destaca-se a relevância de investigações e experiências
sistemáticas para o aprimoramento de habilidades interpessoais essenciais à gerência em saúde pública.
Palavras-chave: habilidades sociais, saúde da família, enfermeiros, gestão em saúde

The Social Skills of Nurses Managers in Family Health Teams

Abstract
The present descriptive research investigated the repertoire of social skills of nurses responsible for the management of Fam-
ily Health teams. The Social Skills Inventory (IHS-Del Prette) and semi-structured interviews were administered to obtain the
self-perception of 8 participants about their resources and deficits in these skills, especially regarding the demands of primary
care work. The mean scores of the group were analyzed in relation to the total score and the 5 IHS-Del Prette factors. The cat-
egorization of the reports obtained in the interviews took place in light of the Bardin Content Analysis. The results evidenced
several classes of social skills, such as empathy, assertiveness, expression of positive feelings, and problem-solving. On the other
hand, difficulties for clear and effective communication and mediation of interpersonal conflicts were observed. It is important
to highlight the relevance of investigations and systematic experiments for the improvement of interpersonal skills essential to
public health management.
Keywords: social skills; family health; nurses; health management

Habilidades Sociales de Enfermeras Gerentes en Equipos de Salud Familiar

Resumen
La investigación, de naturaleza descriptiva, analizó el repertorio de habilidades sociales de enfermeras gerentes responsables en
equipos de Salud Familiar. Se aplicó el Inventario de Habilidades Sociales (IHS-Del Prette) y se realizaron entrevistas semies-
tructuradas con el objetivo de obtener la autopercepción de ocho participantes, sobre sus recursos y déficits en estas habilidades,
principalmente, en lo que respecta a las exigencias del trabajo en atención primaria. Los resultados promedio del grupo de geren-
tes fueron analizados en relación a la puntuación total y a los cinco factores del IHS-Del Prette. La categorización de los reportes
obtenidos en las entrevistas se realizó a la luz del Análisis de Contenido de Bardin. Los resultados, evidenciaron varias clases
de habilidades sociales, como empatía, asertividad, expresión de sentimientos positivos y resolución de problemas. En contra-
partida, se observaron dificultades para una comunicación clara y eficaz y también para mediar en conflictos interpersonales. Se
destaca la importancia de investigaciones y experiencias sistemáticas para el perfeccionamiento de habilidades interpersonales
esenciales a la gerencia en salud pública.
Palabras clave: habilidades sociales; salud familiar; enfermeras; manejo de la salud

Introdução dos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde


(SUS). A nomenclatura Atenção Básica à Saúde (ABS)
Este trabalho tem como ponto de partida e de foi adotada pelo Ministério da Saúde para se referir à
sustentação as ações desenvolvidas no âmbito dos cui- atenção primária, que, em termos generalista e funcio-
dados primários à saúde no Brasil. Na década de 1990, nal, pode ser definida como um conjunto de ações de
a atenção primária foi gradualmente se fortalecendo no saúde no âmbito individual e coletivo que abrange a
país como condição necessária para a estruturação dos promoção e proteção da saúde, a prevenção, o diagnós-
sistemas locais de saúde e para a efetiva consolidação tico e o tratamento de agravos e a reabilitação (Brasil,
Disponível em www.scielo.br http://dx.doi.org/10.1590/1413-82712020250314
574 Marinho, A. S. & Borges, L. M.  Habilidades Sociais de Enfermeiras Gestoras

2007). Esse nível da atenção, tendo a Estratégia de um repertório socialmente habilidoso é de fundamen-
Saúde da Família (ESF) como ordenadora do cuidado, tal importância para enfermeiros na sua relação com
deve ser desenvolvido por meio do exercício de práticas equipes de trabalho, tendo em vista que estes possuem
de cuidado e gestão participativas, sob forma de tra- a capacidade de influenciar no seu comportamento e,
balho em equipe, dirigidas a populações de territórios também, na melhora do paciente”.
definidos (Portaria nº 2.436, 2017). Adentrando ao campo das habilidades sociais,
Nesse contexto, a Saúde da Família surge como Munari, Costa, Cardoso e Almeida (2003) afirmam a
uma estratégia prioritária de expansão, qualificação e necessidade cada vez maior de se ampliar um modelo de
consolidação da ABS por favorecer uma reorientação gestão que privilegie o desenvolvimento de habilidades
do processo de trabalho, com potencial para ampliar no campo das relações humanas, aspecto tão presente
a resolutividade das ações e o impacto na situação de nas condições atuais de trabalho, incluindo a atuação
saúde das pessoas e coletividades, além de propiciar de liderança do enfermeiro. Apesar de inúmeros estu-
a integralidade do cuidado e uma importante relação dos no campo das habilidades sociais envolvendo, por
custo-efetividade. Seu foco de abordagem é a família, exemplo, crianças, adolescentes e universitários, há
mediante adstrição da clientela, territorialização e atua- poucas pesquisas no ambiente laboral de gestores de
ção multiprofissional e interdisciplinar. Uma equipe de saúde. O processo de desenvolvimento das habilidades
Saúde da Família deve ser formada por, no mínimo, sociais nas interações profissionais, tanto quanto nas
médico generalista ou especialista em Saúde da Famí- interações cotidianas, evidencia-se como um objeto de
lia, enfermeiro, auxiliar ou técnico de enfermagem e estudo pertinente, no cenário do qual muitas questões
agentes comunitários de saúde, podendo ser acrescidos podem ser discutidas e avaliadas.
a essa composição os profissionais de saúde bucal (Por- Em meio à diversidade conceitual do tema, as
taria nº 2.436, 2017). habilidades sociais são descritas por Del Prette e Del
Esse redirecionamento do modelo de atenção em Prette (2010) como diferentes classes de respostas do
saúde suscita a necessidade de revisão constante do repertório comportamental do indivíduo que este usa
funcionamento dos serviços e do processo de trabalho para lidar com as demandas requeridas nas interações
das equipes, o que exige dos trabalhadores e gestores sociais e que possuem forte probabilidade de produ-
maior capacidade de análise, intervenção e autonomia. zir consequências reforçadoras para ele próprio e para
A consolidação e o aprimoramento da atenção primá- as demais pessoas do seu grupo social. Contudo, essas
ria como reorientadora do modelo de atenção à saúde habilidades só poderão ser classificadas como habili-
requerem, portanto, um processo permanente e con- dades sociais na medida em que venham a contribuir
textualizado de qualificação e aperfeiçoamento dos para a competência social (Mendes, 2014; Soares &
profissionais integrantes das equipes de saúde em meio Del Prette, 2015). No que tange à competência social,
a desafios técnico-administrativos, gerenciais e estraté- pode-se afirmar que esta possui um sentido avaliativo
gicos na ESF (Portaria nº 2.436, 2017). dos efeitos do desempenho das habilidades sociais,
Nesse caminho, em respeito às premissas básicas podendo ser considerada como um julgamento no que
estabelecidas para qualificar e humanizar o atendimento concerne à adequação do comportamento do indivíduo
no SUS, torna-se fundamental realçar as dificuldades e do efeito que esse comportamento produz em uma
técnicas, intrapessoais e, principalmente, interpessoais determinada situação (Del Prette & Del Prette, 2010).
de gestores na prestação de serviços na atenção primá- A avaliação de uma conduta como socialmente
ria. Fala-se aqui do profissional responsável por equipes competente, ou não, deve considerar os valores, regras
de trabalho, reconhecido na nova Política Nacional de e representações sociais do contexto cultural e o
Atenção Básica (PNAB), que necessita apresentar um momento histórico em que acontece esse processo ana-
serviço em saúde de qualidade à população local, além lítico. Reconhecer os condicionantes culturais implica
da prestação de contas, no cumprimento de metas, ao relevar, na caracterização do repertório de habilidades
Ministério da Saúde (Portaria nº 2.436, 2017). sociais e na avaliação da competência social, os padrões
No caso de enfermeiros, entende-se que o aprimo- comportamentais historicamente situados, assim
ramento da competência interpessoal pode facilitar as como as variantes peculiares de diferentes subculturas
relações de trabalho e, assim, proporcionar condições (Caballo, 2003).
mais viáveis para a resolução de problemas cotidianos. Como esforço de organização das principais clas-
Conforme Mendes (2014, p. 378), “a construção de ses de habilidades sociais encontradas na literatura e
Psico-USF, Bragança Paulista, v. 25, n. 3, p. 573-583, jul./set. 2020
Marinho, A. S. & Borges, L. M.  Habilidades Sociais de Enfermeiras Gestoras 575

reconhecidas como relevantes ao longo do ciclo vital, como gerentes de equipes de Saúde da Família em um
a fim de facilitar a identificação de déficits e recursos de município fluminense acerca de seus recursos e déficits
habilidades sociais, Del Prette e Del Prette (2017) evi- de habilidades sociais. É importante frisar que se trata
denciaram as seguintes classes: comunicação; civilidade; de uma investigação quanti-qualitativa, de cunho des-
fazer e manter amizade; empatia; assertiva; expressão de critivo, realizada em congruência com ações que visam
solidariedade; manejo de conflitos e resolução de pro- criar subsídios para potencializar os processos de for-
blemas interpessoais; expressão de afeto e intimidade; mação e desenvolvimento profissional na esfera da
coordenação de grupos e falar em público. Miranda atenção primária.
e Soares (2014), em pesquisa realizada com médicos
e enfermeiros, relatam a importância de habilidades Método
como assertividade, comunicação, empatia, civilidade,
expressão de sentimentos positivos e de trabalho para Participantes
o alcance de uma prática assistencial mais eficaz dos A pesquisa teve a participação de oito enfermeiras,
profissionais da saúde. efetivas ou contratadas, responsáveis pela gestão de equi-
Contudo, em meio à riqueza de interações que pes de Saúde da Família de um município localizado na
contribuem para a adaptação contextual do indivíduo, região do Médio Paraíba no Estado do Rio de Janeiro, o
encontram-se, também, práticas não favoráveis que, qual apresentava um contingente de aproximadamente
por sua vez, podem desencadear déficits na formação 17.988 habitantes, distribuídos numa extensão territo-
ou no aperfeiçoamento de habilidades sociais, gerando rial de 841,39 km². O município referido contava com
dificuldades que poderão impactar negativamente nas nove Unidades de ESF inseridas no Cadastro Nacional
relações interpessoais (Del Prette & Del Prette, 2013). de Estabelecimentos de Saúde (CNES), sendo que uma
No entanto, déficits poderão ser reparados mediante trei- dessas equipes se encontrava sem um profissional ges-
namento sistemático, em contextos estruturados e por tor na ocasião da coleta de dados.
meio de estratégias grupais bem conduzidas. A média de idade das profissionais participantes
Abordando especificamente a formação de pro- foi de 39 anos, com variação de 29 a 51 anos. Além
fissionais de enfermagem, Munari e Bezerra (2004) da graduação em enfermagem, sete delas possuíam
relatam que, no aperfeiçoamento de enfermeiros para o pós-graduação na área da saúde, sendo uma dessas
exercício da gestão, é fundamental a superação da duali- especializações em saúde da família. Em termos de
dade entre a formação técnica e a necessidade social do exercício profissional, observou-se ampla variação
profissional. Entretanto, para que isso possa ocorrer, entre elas a respeito do tempo de atuação na atenção
exige-se o desenvolvimento de habilidades específicas, primária, indo de seis meses a 20 anos, sendo que sete
de cunho social/relacional, que permitam aos profis- gestoras iniciaram seus percursos na atenção básica
sionais tomar decisões individuais e em equipe; liderar diretamente nessa função. Todas as equipes possuíam
com segurança; organizar o trabalho, colocando-o a um número de profissionais em consonância com as
serviço dos usuários; planejar ações profissionais em exigências da PNAB.
saúde; utilizar ferramentas e tecnologias gerenciais e,
sobretudo, tornar o processo de gestão uma situação Instrumentos
de aprendizado permanente para todos os profissionais Foram realizadas entrevistas individuais semies-
que integram as equipes de trabalho. truturadas com base em um roteiro composto por
Considerando a importância do tema em pauta, questões destinadas ao levantamento de dados socio-
destaca-se a necessidade de ampliação da produção demográficos e profissionais, bem como por onze
nacional de estudos sobre habilidades sociais na atuação questões abertas elaboradas com o intuito de estimu-
profissional na área da saúde, sobretudo no que con- lar as participantes na emissão de respostas sobre os
cerne ao exercício da gestão. Nesse sentido, a presente seguintes temas de interesse: importância das habilida-
pesquisa surgiu do interesse primordial de conhecer des gerenciais no repertório de enfermeiros; habilidades
o repertório de habilidades sociais de enfermeiros consideradas fundamentais para a prática da liderança
atuantes na liderança de equipes e analisar a impor- de equipes; e autoavaliação de habilidades sociais, con-
tância dessas habilidades no âmbito das competências siderando aquelas que avaliavam possuir e aquelas que
gerenciais. O objetivo, por conseguinte, consistiu em julgavam serem deficientes em seus repertórios no coti-
investigar a autoavaliação de enfermeiras que atuavam diano profissional.
Psico-USF, Bragança Paulista, v. 25, n. 3, p. 573-583, jul./set. 2020
576 Marinho, A. S. & Borges, L. M.  Habilidades Sociais de Enfermeiras Gestoras

Foi aplicado ainda um teste psicológico para afe- pesquisa foram disponibilizados às participantes, após
rir o repertório de habilidades sociais das participantes, devido agendamento.
nesse caso o IHS-Del Prette1(2016), publicado no ano
de 2001, que consiste em um instrumento específico Análise de Dados
de autorrelato, cujo propósito é avaliar o repertório de Na análise dos dados reunidos nas entrevistas,
habilidades sociais do indivíduo. O IHS-Del Prette era utilizou-se os conceitos e abordagens da Análise de
composto por cinco fatores: enfrentamento e autoafir- Conteúdo de Bardin (2016), metodologia de acordo
mação com risco (F1); autoafirmação na expressão de com a qual são necessárias, nesta sequência, a pré-aná-
sentimento positivo (F2); conversação e desenvoltura lise e exploração do material e a análise e interpretação
social (F3); autoexplicação a desconhecidos e situações dos dados. O pesquisador realizou diversas leituras,
novas (F4) e autocontrole da agressividade (F5). Esses análises e interpretações sistemáticas dos discursos
fatores apresentam habilidades a serem avaliadas em dos participantes, procedendo ao consequente agrupa-
38 itens com alternativa de respostas em escala do tipo mento do conteúdo em categorias temáticas de acordo
Likert (Del Prette & Del Prette, 2016). com as similaridades percebidas em cada eixo de análise.
A categorização e interpretação dos relatos das enfer-
Procedimentos meiras, portanto, ocorreram com base nos núcleos de
As etapas iniciais da pesquisa consistiram na sub- significado identificados em suas falas e apontados pela
missão do seu projeto a uma Comissão de Ética na literatura especializada na área.
Pesquisa, que resultou em sua aprovação sob processo A tabulação dos dados obtidos mediante uso do
IHS-Del Prette foi realizada por meio de um sistema
de número 980/17, bem como na busca de apoio for-
de correção informatizada via web e a apuração e inter-
mal para a coleta de dados junto à Secretária Municipal
pretação dos seus resultados ocorreu de acordo com as
de Saúde do município em questão. Na sequência, foi
regras de correção e análise do Manual de Aplicação,
definida com a gerente de Atenção Básica uma data
Apuração e Interpretação do instrumento (Del Prette
para a apresentação inicial, em grupo, da proposta de
& Del Prette, 2016). Nos resultados psicométricos e
pesquisa a todas as enfermeiras responsáveis pelas
interpretativos do inventário, foram realizadas aná-
equipes de Saúde da Família. Os encontros ocorreram
lises descritivas dos escores totais e fatoriais. Assim,
de modo individual, em dias e horários mais adequa- a classificação do repertório foi dividida em cinco
dos para cada uma das enfermeiras, em suas unidades categorias de percentis (P): 1) repertório deficitário
de saúde de referência, em locais passíveis de evitar em habilidades sociais (P < 25); 2) bom repertório de
interrupções, manter o sigilo das informações e pro- habilidades sociais (abaixo da mediana, P = 25 e <
porcionar um ambiente climatizado e adequado para 50); 3) repertório mediano (P = 50); 4) bom repertório
aplicação dos instrumentos. Assim, mantendo o pla- de habilidades sociais (acima da mediana; P > 50 e <
nejamento prévio, o pesquisador inicialmente prestou 75); e 5) repertório bastante elaborado de habilidades
esclarecimentos às gerentes acerca dos objetivos e sociais (P ≥ 75).
procedimentos da pesquisa e realizou uma contextua-
lização breve sobre habilidades sociais. O Termo de Resultados
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi lido,
explicado e assinado para, somente depois, ser iniciada A autopercepção das enfermeiras acerca de seus
a coleta dos dados. Primeiramente, foi aplicado o IHS- repertórios de habilidades sociais foi organizada em
-Del Prette e, logo em seguida, procedeu-se a realização categorias temáticas geradas a partir do conjunto de
da entrevista semiestruturada. Os relatos foram grava- seus relatos nas entrevistas. Essas categorias estão elen-
dos em áudio e, posteriormente, foram transcritos na cadas a seguir, com suas respectivas descrições, e foram
íntegra. Ao final da coleta e análise dos dados, como exemplificadas por transcritos textuais elucidativos de
devolutiva, os principais resultados e conclusões da seus conteúdos. Na sequência, são apresentadas as aná-
lises referentes ao repertório de habilidades sociais das
1
  O IHS-Del Prette, publicado em 2001, encontra-se com a vali- gerentes, avaliadas mediante o uso do IHS-Del Prette.
dade expirada pelo Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos
(SATEPSI) desde agosto de 2017. No período da coleta de dados,
Nos resultados psicométricos e interpretativos desse
em meados de 2017, o referido instrumento se apresentava em con- instrumento, foram realizadas análises estatísticas des-
dições de validade pelo Conselho Federal de Psicologia. critivas dos escores totais, bem como de seus fatores.
Psico-USF, Bragança Paulista, v. 25, n. 3, p. 573-583, jul./set. 2020
Marinho, A. S. & Borges, L. M.  Habilidades Sociais de Enfermeiras Gestoras 577

Habilidades Sociais Presentes: Forças Autopercebidas Na categoria “habilidades de motivação do grupo”


As enfermeiras avaliaram o próprio desempe- (n = 3), respostas convergiram para mostrar os esfor-
nho em termos das habilidades sociais que percebiam ços das enfermeiras em atuarem como motivadoras
dispor em seus repertórios no trato diário com as equi- e reforçadoras para outros membros da equipe. Essa
pes de saúde e usuários. Os dados encontrados foram categoria pode ser observada na fala da ENF A: “tento
organizados em sete categorias temáticas: habilidades mais motivar eles: pessoal, vamos tentar melhorar isso,
empáticas, habilidades de resolução de problemas, vamos fazer isso, aquilo. [...] Eu vejo que eles tão desa-
habilidades de manejo de conflitos, habilidades de nimados, eu falo: vamos pessoal, vamos mostrar que a
motivação do grupo, habilidades de assertividade, gente pode!”.
habilidades de expressão pessoal e habilidades de par- A categoria “habilidades de assertividade” (n = 3)
tilha de conhecimento. agrupa os dados obtidos no que concerne à capacidade
A categoria “habilidades empáticas” (n = 5) inclui das entrevistadas de apresentarem uma comunicação
a capacidade autoavaliada das enfermeiras de realizarem clara e assertiva. Isso envolvia comunicar-se de modo
escuta qualificada a usuários ou a outros membros da a facilitar as interações com os membros da equipe,
equipe com o propósito de criar um ambiente seguro e sentindo-se segura e à vontade para ampliar conta-
acolhedor. Nesse sentido, elas afirmaram ouvir e com- tos, iniciar conversação, expor opiniões e dúvidas sem
preender a outras pessoas de modo empático, assim medo de ser criticada, cobrar ações, chamar a atenção
como fornecer ajuda e mostrar abertura ao diálogo, por algo, manifestar opiniões e expressar desagrado.
com estímulo ao relato de experiências e opiniões. Para Como frase elucidativa dessa categoria, segue o exem-
ilustrar essa categoria, foram destacados os seguintes plo: “Hoje, qualquer lugar que eu for eu converso
relatos: “Aí as meninas me perguntaram: o que você fez com qualquer um, eu puxo assunto. [...] eu sempre fui
lá dentro? Falei: ah, eu acolhi, conversei [...], falei que a meia tímida. E hoje não! Hoje se eu tiver dúvida eu
gente tem que estar se ‘pondo’ no lugar deles” (ENF pergunto, se eu tiver que chamar a atenção eu chamo,
A); “[...] tento ouvir, compreender; eu procuro, tento, sabe” (sic) (ENF G).
né, ser amiga. [...] a gente às vezes precisa sentar, con- A categoria “habilidades de expressão pessoal”
versar, ouvir e entender” (ENF B). (n = 3) pode ser descrita como a iniciativa de expor
A categoria “habilidades de resolução de pro- os próprios sentimentos e emoções na interação com
blemas” (n = 3) diz respeito à capacidade de buscar, o outro, bem como de reconhecer os próprios erros.
mediante o diálogo, resolver de modo conjunto, situa- Os seguintes relatos ajudam a ilustrar essa categoria:
ções difíceis que ocorrem ou são relatadas no contexto “Tento ser humana. Eu aprendi, no dia a dia, a ser
do trabalho. A verbalização a seguir ilustra essa catego- humana, mostrar que a gente tem sentimento [...].
ria: “[...] eles trazem para mim os problemas que eles Se eles precisarem que eu chore junto com eles, eu
têm na rua, dos pacientes e a gente senta. Eu vejo uma choro” (ENF A); “Se tomei uma decisão, tracei uma
melhor forma de resolver, de ajudar, de pelo menos meta baseada numa leitura que eu fiz e, de repente:
amenizar” (ENF D). oh, isso não tá funcionando! Eu não tenho problema
Os conteúdos que emergiram na categoria “habi- nenhum em rever e, poxa, realmente isso aqui é des-
lidades de manejo de conflitos” (n = 2) remetem às necessário” (ENF H).
habilidades autorreferidas das enfermeiras quanto à A categoria “habilidades de partilha de conheci-
resolução de conflitos interpessoais. Nessa perspec- mento” (n = 4) diz respeito ao uso pelas enfermeiras
tiva, elas disseram atuar como mediadoras em impasses de seus conhecimentos e experiências para orientar
surgidos no cotidiano profissional, o que envolvia o ou esclarecer outros profissionais, como mostra o
uso de negociação e a administração de conflitos entre seguinte relato ilustrativo: “[...] na mesma hora que
membros da equipe. Enquanto exemplo, a fala abaixo eu sentei, comecei a conversar, falei todo tratamento,
ilustra tal afirmação: expliquei toda situação... aí tá, ele relaxou mais um
pouco” (ENF A).
“Eu falei: a gente aqui é uma equipe, então a gente
precisa das meninas, as meninas precisam de você, você Habilidades Sociais Ausentes ou Insuficientes: As Limitações
precisa da gente, então é um precisando do outro. Então a em Foco
gente tem que entrar num acordo para não acontecer isso As narrativas apresentadas pelas entrevistadas
[...]” (ENF B). evidenciaram suas maiores dificuldades no que tange
Psico-USF, Bragança Paulista, v. 25, n. 3, p. 573-583, jul./set. 2020
578 Marinho, A. S. & Borges, L. M.  Habilidades Sociais de Enfermeiras Gestoras

as habilidades necessárias à atuação gerencial. Com Inventário de Habilidades Sociais: Escore Total e Resultados
base nos relatos obtidos, foram elaboradas quatro dos Fatores
categorias, a saber: dificuldades de manejar conflitos Os dados resultantes da aplicação do IHS-Del
e divergências, baixa assertividade, dificuldades para Prette e as interpretações decorrentes tiveram como
lidar com críticas e falta de clareza na comunicação. foco a análise do repertório de habilidades sociais das
No que diz respeito à categoria “dificuldade de enfermeiras, tendo em vista habilidades presentes e
manejar conflitos e divergências” (n = 4), as respostas déficits. Foram considerados o escore total e, isolada-
registradas nas entrevistas remetem a dificuldades de mente, os cinco fatores avaliados pelo instrumento. A
metade das enfermeiras em lidar com situações con- classificação desse repertório de habilidades foi obtida
flitivas na equipe de trabalho, assim como de manejar em relação aos resultados normativos do estudo ori-
a diversidade de opiniões. A ENF G expressou: “Eu ginal do IHS-Del Prette (2016), calculado em termos
só acho assim, que é difícil ser gerente, porque, igual de percentis. Assim, de acordo com as normativas de
eu te falei, a gente tem muito problema com esta avaliação do instrumento para amostra feminina, os
questão de relacionamento entre elas [membros da resultados refletem um repertório satisfatório de habi-
equipe], né?” (sic). lidades sociais gerais. Para melhor compreensão desse
A categoria “baixa assertividade” (n = 3) mostra resultado, a Tabela 1 apresenta os escores totais de cada
as dificuldades das participantes para emitirem recu- participante e a média da pontuação obtida.
sas, fazerem valer suas opiniões, darem comandos e/ As avaliações do escore fatorial são valoradas
ou apresentarem-se firmes e seguras em suas ações, o tendo em vista a identificação de déficits e recursos
que foi evidenciado, por exemplo, na fala da ENF B: em tipos específicos de habilidades, permitindo uma
compreensão mais detalhada das habilidades sociais
“Eu tinha que falar mais o ‘não’, entendeu? [...] por-
do grupo avaliado. Assim, para apresentação dos itens
que às vezes eu não consigo. [...] Eu já percebi isso: que
visando à avaliação dos fatores, foram considerados os
eu deveria aprender um pouco mais, porque nem tudo
resultados apontados como “abaixo da média” e os de
tem que se falar ‘sim’!” (sic). A ENF F, por sua vez,
maiores pontuações que, por consequência, encontram-
deixou claro sua baixa assertividade aliada à preocupa-
-se “acima da média”. Os valores acima do percentil
ção em colocar em risco o entrosamento e a amizade
50 indicam que o sujeito se encontra entre os 50%
com a equipe, conforme demonstrado em seu relato:
dos indivíduos com escores mais altos em habilidades
“Eu queria ser mais firme: vai ser assim e acabou! E, às
sociais, e os abaixo de 50 situam-se entre os indivíduos
vezes, eu não consigo por eu ser tão... tão, assim, entro-
com menores escores tendo por referência a amostra-
sada com a equipe [...] / [...] Acho que eu precisaria ser gem geral. A Tabela 2 é apresentada para a evidenciação
um pouco mais firme [...].” dos resultados dos escores fatoriais das participantes.
Na categoria “dificuldade para lidar com críticas” De acordo com os dados médios calculados
(n = 2), observa-se a falta de habilidade das enfermeiras a partir dos percentis de cada gerente para os cinco
para responderem a críticas recebidas e, aliado a isso, a fatores, tornou-se possível evidenciar e classificar a
preocupação delas com o julgamento de outras pessoas média dos escores em percentil do grupo. Dos cinco
acerca de suas ações. O conteúdo dessa categoria foi fatores analisados, o F3, referente às habilidades
verificado, por exemplo, na resposta da ENF B: “Eu sociais de conversação e desenvoltura social, foi o
tenho essa dificuldade. Assim, eu acho que eu vou ficar que apresentou maior criticidade, sendo que metade
muito preocupada com o outro, porque, às vezes, eu das enfermeiras exibiram resultados considerados
tenho um pouco disso: ficar preocupada com que o “abaixo da média”, o que sugere a maior concentração
outro acha”. de déficits nesse conjunto de habilidades. Em relação
A categoria “falta de clareza na comunicação” (n aos demais, encontrou-se nos fatores F1, F2 e F5 os
= 1) demonstra dificuldades de uma das enfermeiras melhores resultados, classificados como “acima da
para se expressar com maior clareza e eficiência. Em média”, nos quais sete das oito participantes exibi-
suas palavras: “É o meu ‘palavreado’, o jeito de eu falar. ram habilidades satisfatórias. Nesse sentido, para fins
Eu acho que tenho que melhorar. Tem hora que eu me descritivos, infere-se que o grupo de gerentes partici-
perco. Minha comunicação não é boa! Nas reuniões de pantes da pesquisa obtiveram resultados satisfatórios
equipe tem hora que eu falo e vejo que ninguém enten- no que tange à maioria das habilidades que compõe e
deu” (ENF A). caracterizam o “enfrentamento e autoafirmação com

Psico-USF, Bragança Paulista, v. 25, n. 3, p. 573-583, jul./set. 2020


Marinho, A. S. & Borges, L. M.  Habilidades Sociais de Enfermeiras Gestoras 579

Tabela 1.
Classificações e Escores Individuais do Grupo de Enfermeiras
Escore total
participantes Interpretação
rt p (%)
enf. a 103 75 Bom repertório de habilidades sociais
enf. b 109 85 Repertório bastante elaborado de habilidades sociais
enf. c 81 23 Repertório abaixo da média inferior de habilidades sociais
enf. d 92 50 Bom repertório de habilidades sociais
enf. e 120 96 Repertório altamente elaborado de habilidades sociais
enf. f 112 88 Repertório bastante elaborado de habilidades sociais
enf. g 104 78 Bom repertório de habilidades sociais
enf. h 121 96 Repertório altamente elaborado de habilidades sociais
Média 73,88 Bom repertório de habilidades sociais
Nota. enf. = enfermeira; rt = resultado total; p (%) = percentil.

Tabela 2.
Percentis Individuais do Grupo de Enfermeiras por Fator
Escore fatorial
participantes f1 f2 f3 f4 f5
rt p (%) rt p (%) rt p (%) rt p (%) rt p (%)
enf. a 9,02 58 11,34 96 5,13 12,5 3,9 62,5 1,14 52,5
enf. b 8,96 58 11,7 98 7,77 82,5 4,93 87,5 1,47 72,5
enf. c 7,58 38 7,61 18 5,47 17,5 4,37 72,5 1,16 57,5
enf. d 10,35 73 10,97 88 5,34 17,5 2,13 22,5 0,82 42,5
enf. e 11,89 83 11,7 98 10,25 100 5,52 98 1,53 77,5
enf. f 10,42 73 10,74 83 8,78 96 4,05 67,5 0,57 37,5
enf. g 15,1 96 10,44 73 4,83 12,5 2,27 22,5 1,21 62,5
enf. h 11,47 78 11,94 96 9,94 100 4,93 87,5 1,21 62,5
Nota. enf. = enfermeira; f = fator; rt = resultado total; p (%) = percentil.

risco”, a “autoafirmação na expressão de sentimento Apresentaram-se com destaque os relatos indicativos


positivo” e ao “autocontrole da agressividade”. O da composição de um rol de recursos constituintes
fator F4 – autoexposição a desconhecidos e situações da classe de habilidades denominada de empatia, que
novas – mostrou resultado um pouco menos expres- é definida por Del Prette e Del Prette (2017) como
sivo que os supracitados com desempenho “acima da um comportamento social de ouvir e compreender o
média” revelado por seis das entrevistadas. indivíduo, cujos objetivos situam-se no apoio, na dis-
posição para ajudar e de se colocar no lugar do outro,
Discussão principalmente quando este se encontra em situações
difíceis. Nesse sentido, a empatia representa um padrão
A presente pesquisa permitiu conhecer habilidades de comportamento desejável na atuação cotidiana dos
que constam e que se mostram limitadas no repertório profissionais de saúde. Falcone (1999) ressalta a valo-
das enfermeiras, conforme percepções delas próprias. ração da empatia nas relações de trabalho, de modo

Psico-USF, Bragança Paulista, v. 25, n. 3, p. 573-583, jul./set. 2020


580 Marinho, A. S. & Borges, L. M.  Habilidades Sociais de Enfermeiras Gestoras

a contribuir para a redução de conflitos e possibilitar da gerência, quando limites devem ser fixados, ainda
maior qualidade nos relacionamentos interpessoais. que com alguma flexibilidade, em termos, por exemplo,
Essa habilidade foi destacada por Terezam, Reis-Quei- da atenção a normas e protocolos, com vista ao alcance
roz e Hoga (2016) em pesquisa sobre a importância da de um bom funcionamento dos serviços. Supõe-
empatia no cuidado em enfermagem, ao afirmarem ser -se que, na tentativa de se mostrarem mais próximas
esta uma das habilidades mais relevantes para a base e atentas às necessidades dos profissionais da equipe,
da comunicação efetiva. Todavia, é importante melhor algumas gestoras tinham dificuldades para proferirem
conhecer como a compreensão empática é percebida e o “não”, interpretando a negativa como um compor-
claramente exercida por gestores enquanto facilitadora tamento ofensivo, tendendo, portanto, para o outro
de suas relações intersubjetivas no trabalho, já que cos- extremo, da passividade, o que dá margem à frustração
tuma haver confusões no entendimento do termo, por e à insegurança.
vezes tratado como simpatia, e sua prática apresenta É importante pontuar os benefícios de um padrão
muitas nuances vivenciais, que pressupõe, em uma pers- assertivo de resposta no trabalho, enquanto um modo
pectiva fenomenológica, “um movimento de compreensão da de agir coerente com as convicções do sujeito, sem
experiência do outro, um testemunho sensível daquilo que ele vive” ofender a outros, que se destaca pela segurança em suas
(Ranieri & Barreira, 2012, p. 12), o que pode requerer atitudes e decisões em prol de uma forma colaborativa e
certa preparação ou tomada de consciência, mas é respeitosa de atuação. A baixa assertividade pode, inclu-
essencialmente um ato natural. sive, comprometer o desenvolvimento da equipe, na
Em relação à assertividade, pôde-se observar medida em que a dificuldades do gestor em dar um feed-
indícios de habilidades constitutivas dessa classe no back apropriado com receio de ser julgado pode levar os
repertório de metade das enfermeiras. A assertividade trabalhadores a compreenderem as próprias respostas
refere-se a comportamentos sociais esperados em inadequadas ou abusivas como corretas ou toleráveis,
situações em que haja desrespeito ou ameaça de perda sem atentar para o que precisa ser melhorado. Por
dos direitos, bem como necessidade de enfrentamento outro lado, um gestor assertivo pode fornecer modelos
em situações de desequilíbrio na vivência interpessoal desse tipo de comportamento aos demais membros da
(Del Prette & Del Prette, 2017). Além das verbaliza- equipe, favorecendo uma comunicação mais efetiva e
ções desse tipo de habilidade, pôde-se, ao mesmo exitosa. Conforme enfatiza Mendes (2014), o mundo
tempo, presumir comportamentos assertivos das par- do trabalho contemporâneo valoriza profissionais, não
ticipantes mediante os resultados do IHS-Del Prette, somente capacitados tecnicamente, mas também social-
considerando a classificação média de “bom repertório mente competentes, sendo capazes de atuar de forma
de habilidades sociais” nos dois fatores com um maior assertiva, resolutiva e motivadora.
número de habilidades constituintes da classe de asser- Na apuração do IHS-Del Prette, as habilidades
tividade: o enfrentamento e autoafirmação com risco componentes da expressão de sentimentos positivos
(F1) e o autocontrole da agressividade (F5). (F2) apresentaram uma classificação de repertório
No entanto, houve também evidências de baixa “bastante elaborado de habilidades sociais” no escore
assertividade no repertório de três entrevistadas, cujas dos cinco fatores. Essa classe é caracterizada por Del
falas mostraram suas dificuldades em apresentar um Prette e Del Prette (2017) como habilidades do indi-
padrão assertivo no cotidiano de trabalho, o que víduo para lidar com demandas de expressão de afeto
reforça a importância de se considerar a variabilidade positivo e de afirmação de autoestima. Assim, pôde-
do desempenho social de acordo com as contingên- -se concluir que, a maioria das participantes exibiram
cias circundantes à situação social (Del Prette e Del resultados interpretados como “acima da média” nesse
Prette, 2017). Grilo (2012) destaca deficiências na fator. Já as respostas concernentes à classe de resolu-
aplicabilidade de uma comunicação assertiva por pro- ção de problemas foram destacadas pelas gestoras ao
fissionais de saúde, incluindo os enfermeiros. Nesse expressarem como agiam junto às equipes para minimi-
cenário, ratifica a essencialidade da assertividade no zar dificuldades observadas nos processos de trabalho,
repertório de habilidades desses profissionais, afir- principalmente junto aos usuários.
mando ser esta uma das habilidades mais relevantes A habilidade de manejo de conflitos, apesar de
no gerenciamento de pessoas. ter estado presente no repertório de duas enfermeiras
Em especial, observou-se a dificuldade em emitir foi mais citada enquanto uma deficiência a ser supe-
recusas, o que pode ser negativo no âmbito do exercício rada. De fato, no relato das gestoras, o manejo de
Psico-USF, Bragança Paulista, v. 25, n. 3, p. 573-583, jul./set. 2020
Marinho, A. S. & Borges, L. M.  Habilidades Sociais de Enfermeiras Gestoras 581

conflitos e divergências se mostrou a habilidade com Considerações Finais


maior déficit percebido. Esse resultado apresentou con-
formidade com os achados de pesquisa realizada por Os resultados evidenciaram o autoconhecimento
Nunes, Carvalho, Nicolleto e Cordoni Junior (2016), das enfermeiras quanto ao repertório de suas habilida-
na qual estes apontam, a partir de um estudo realizado des sociais. Ficou clara a existência tanto de recursos
com gestores da atenção primária, evidências de fra- como de deficiências de habilidades importantes no
gilidades desses profissionais na mediação de relações campo gerencial quando consideradas as novas abor-
conflituosas do dia a dia. Dificuldades de mediação por dagens de gestão em saúde, que se opõem a modelos
parte de enfermeiros gestores se estendem a outros tecnicistas, pautados no paradigma biomédico, e colo-
estudos, como é o caso do apresentado por Silva, cam em evidência o trabalho em equipe na produção do
Diniz e Rosa (2012), que argumentam sobre a impor- cuidado em saúde.
tância de se desenvolver habilidades de manuseio de Empatia, assertividade e resolução de problemas
conflitos na função gerencial para que seja possível tiveram suas relevâncias ratificadas nos autorrelatos,
realizar uma administração funcional com êxito na conforme verificado na literatura e nos documentos
atenção primária. Assim, considerando tal relevância, governamentais que fundamentam o comportamento
fica sugestionada a indicação de habilidades de manejo de um gestor em saúde. Já no que se refere aos principais
de conflitos em Treinamentos de Habilidades Sociais déficits, as gestoras relataram limitações principalmente
(THS) nesse contexto. quanto a assertividade, sobretudo o dizer “não”, e ao
Levando em consideração ainda a relevância da manejo de conflitos e divergências. Outra classe eviden-
habilidade de comunicação para a função gerencial e ciada com indicadores significativos para THS foi a de
o caráter não somente corretor, mas igualmente pre- comunicação e desenvoltura social (F3), observada com
ventivo e potencializador do THS, sugere-se, também, mais clareza nos resultados do IHS-Del Prette.
capacitações que visem aquisição e/ou o aperfeiçoa- Em síntese, os resultados dos instrumentos de
mento das habilidades de conversação e desenvoltura autorrelato demonstraram um repertório de habilida-
social. Na análise do escore fatorial do IHS-Del Prette, des sociais das enfermeiras compatível com a função
o F3, constituído por habilidades dessa classe, foi o gerencial. No entanto, deficiências importantes e que
fator no qual metade das enfermeiras apresentou habi- podem intervir negativamente no exercício da gerência
lidades “abaixo da média”. Carmelo, Rocha, Chaves, em Saúde da Família também foram apuradas. Nesse
Silva e Soares (2016) apontam a comunicação como sentido, os dados apontaram direcionamentos para o
essencial no rol de habilidades de um gestor em saúde, planejamento de programas de THS, com vistas à qua-
de maneira que possa sensibilizar a equipe e fomentar lificação de enfermeiros gestores para uma vivência
sua motivação. Em estudo realizado em Portugal a res- resolutiva diante de desafios que peculiarizam a atenção
peito da influência da liderança na qualidade das ações primária. Compreende-se que a integração de habilida-
de enfermeiros, Fradique e Mendes (2013) encontraram des técnicas e sociais tem considerável importância na
a comunicação como predominante no rol de habilida- construção da figura de um enfermeiro líder responsá-
des dos gestores. vel pelo crescimento funcional e humano de sua equipe.
Das oito gestoras, apenas uma evidenciou a Por fim, vale a atenção às limitações da pesquisa no
necessidade de participação em programa de THS. que tange ao número de participantes e ao fato destas
No entanto, no que diz respeito às indicações para um terem sido recrutadas em um mesmo município, o que
programa dessa natureza, vale a consideração de que dificulta generalizações. Ademais, pelo fato de o estudo
a correção de déficits não constitui o único objetivo, ter centrado a análise de dados com base unicamente
pois se vislumbra também intervenções preventivas no autorrelato, cabe questionar o modo como essas
e o aperfeiçoamento de habilidades já existentes no habilidades eram desempenhadas na prática laboral.
repertório do indivíduo. Assim, os benefícios de um Nesse sentido, sugere-se mais estudos de investigação
THS são estimados independentemente dos profis- das habilidades sociais e gerenciais de enfermeiros ges-
sionais apresentarem ou não um déficit significativo de tores na ABS para que se agregue mais valor a essa área,
habilidades desta natureza, na medida em que pode proporcionando resultados científicos capazes de con-
favorecer, de um modo geral, uma melhor preparação tribuir para a criação cada vez mais ampla e eficaz de
de gerentes para o enfrentamento de desafios típicos estratégias que possam intervir qualitativamente em um
do trabalho em saúde. campo de atuação tão complexo e incipiente no Brasil.
Psico-USF, Bragança Paulista, v. 25, n. 3, p. 573-583, jul./set. 2020
582 Marinho, A. S. & Borges, L. M.  Habilidades Sociais de Enfermeiras Gestoras

Referências Grilo, A. M. (2012). Relevância da asserti-


vidade na comunicação profissional de
Bardin, L. (2016). Análise de Conteúdo. São Paulo: Edi- saúde-paciente. Psicologia, Saúde & Doenças, 13(2),
ções 70. 183-197. Recuperado de http://www.scie-
lo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid
Brasil (2007). Conselho Nacional de Secretários de
=S164500862012000200011
Saúde. Atenção Primária e Promoção da Saúde. Con-
selho Nacional de Secretários de Saúde. Brasília: Mendes, D. L. (2014). Treino em habilidades sociais e
CONASS. intervenção cognitivo- comportamental em grupo
de enfermagem. Em T. Rudnicki & M. M. Sanchez.
Caballo, V. E. (2003). Manual de avaliação e treinamento Psicologia da saúde: A prática de terapia cognitivo-
das habilidades sociais. São Paulo: Santos Livraria e -comportamental em hospital geral. Novo Hamburgo:
Editora. Sinopsys, 365-380.
Carmelo, S. H. H., Rocha, F. L. R., Chaves, L. D. P, Silva, Miranda, J. M., & Soares, A. B. (2014). Habilidades sociais
V. L. S., & Soares, M. I. (2016). Competências pro- e autoeficácia de médicos e enfermeiros: Um estu-
fissionais e estratégias organizacionais de gerentes do comparativo. Revista de Ciências Humanas, 48(1),
de enfermagem. Ciencia y Enfermeria, XXII(1), 75- 138-153. doi: 10.5007/2178-4582.2014v48n1p138
86. doi: 10.4067/S0717-95532016000100007
Murani, D. B., & Bezerra, A. L. Q. (2004). Inclusão da
Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (2013). Progra- competência interpessoal na formação do enfer-
mas eficaces de entrenamiento en habilidades meiro como gestor. Revista Brasileira de Enfermagem,
sociales basados en métodos vivenciales. Apuntes 57(4), 484-486. Recuperado de http://www.scielo.
de Psicología, 31(3), 67-76. Recuperado de http:// br/pdf/reben/v57n4/v57n4a20.pdf
www.apuntesdepsicologia.es/index.php/revista/
article/view/300/280 Murani, D. B., Costa, H. K. da, Cardoso, A. H. A., &
Almeida, C. C. O. de F. (2003). Características da
Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (2016). Inventário de competência interpessoal do enfermeiro: estudo
habilidades sociais: Manual de aplicação, apuração e inter- com graduandos de enfermagem. Revista Brasi-
pretação. 6 ed. São Paulo: Casa do Psicólogo. leira de Enfermagem, 56(5), 484-487. doi: 10.1590/
Del Prette, A., & Del Prette, Z. A. P. (2017). Competência S0034-71672003000500003
Social e Habilidades Sociais: manual teórico-prático. Pe- Nunes, E. de F. P. de A., Carvalho, B. G., Nicolleto, S. C. S.,
trópolis: Editora Vozes. & Cordoni Junior, L. (2016). Trabalho gerencial em
Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2010). Ha- Unidades Básicas de Saúde de municípios de peque-
bilidades sociais e análise do comportamento: no porte no Paraná, Brasil. Interface, 20(58), 573-584.
Proximidade histórica e atualidades. Revista Pers- doi: 10.1590/1413-812320141911.18582013
pectivas, 01(02), 104-115. Recuperado de http:// Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Po-
pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S2177- lítica Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a
-35482010000200004&script=sci_ revisão de diretrizes para a organização da Aten-
abstract&tlng=pt ção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde
Falcone, E. (1999). A avaliação de um programa de (SUS). Diário Oficial da União, Brasília. Recupera-
treinamento da empatia com universitários. Re- do de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/
vista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
1(1), pp. 23-32. Recuperado de http://pepsic. Ranieri, L. P., & Barreira, C. R. A. (2012). A empatia
bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid como vivência. Memorandum, 23, 12-31. Recupera-
=S1517-55451999000100003 do de http://www.fafich.ufmg.br/memorandum/
wpcontent/uploads/2012/10/ranieribarreira01.
Fradique, M. de J., & Mendes, L. (2013). Efeitos da li-
pdf
derança na melhoria da qualidade dos cuidados de
enfermagem. Revista de Enfermagem Referência, III sé- Silva, G. S., Diniz, B. G., & Rosa, V. das G. (2012). Ad-
rie, 10, 45-53. doi: 10.12707/RIII12133. ministração de conflitos: Análise de percepções de

Psico-USF, Bragança Paulista, v. 25, n. 3, p. 573-583, jul./set. 2020


Marinho, A. S. & Borges, L. M.  Habilidades Sociais de Enfermeiras Gestoras 583

enfermeiros Gerentes. R. Eferm. Cent. O. Min., 2(3), Terezam, R., Reis-Queiroz, J., & Hoga, L. A. K.
358-368. doi: 10.19175/recom.v0i0.227 (2017). A importância da empatia do cuida-
do em saúde e enfermagem. Revista Brasileira
Soares, A. B, & Del Prette, Z. A. P. (2015). Habilidades
de Enfermagem [Internet], 70(3), 669-670. doi:
sociais e adaptação à universidade: Convergências
10.1590/0034-7167-2016-0032
e divergências dos construtos. Análise Psicológica, 2,
139-151. doi: 10.14417/ap.911 Recebido em: 06/10/2018
Reformulado em: 30/08/2019
Aprovado em: 11/10/2019

Sobre os autores:

Alessandro Simões Marinho é psicólogo formado pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, com o mes-
trado concluído, no ano de 2018, pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e integrante do corpo docente da
Faculdade Sul Fluminense, desde 2017. Realiza pesquisas e orienta trabalhos em nível de graduação e atua, também,
como Diretor de Departamento de Atenção Primária em Saúde na Prefeitura Municipal de Rio Claro-RJ.
E-mail: aless.simoes@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4672-9636

Lilian Maria Borges é psicóloga formada pela Universidade Federal do Pará e concluiu o doutorado em psicologia,
no ano de 2011, pela Universidade de Brasília. Integra o corpo docente do Departamento de Psicologia e do Programa
de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro desde 2014 e realiza pesquisas e
orienta trabalhos em nível de graduação, mestrado e doutorado na área da Psicologia da Saúde/Hospitalar.
E-mail: lborgesufrrj@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6570-0417

Contato com os autores:

Instituto de Educação, Departamento de Psicologia, Sala 19, Rodovia BR 465, Km 07, s/n, Zona Rural
Seropédica-RJ, Brasil
CEP: 23890-000
Psico-USF, Bragança Paulista, v. 25, n. 3, p. 573-583, jul./set. 2020

Você também pode gostar