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QUALIDADE DE VIDA E SAÚDE MENTAL EM

USUÁRIOS DE CANNABIS NO BRASIL

Paulo R. Morais
QUALIDADE DE VIDA

Organização Mundial da Saúde (1994):


“Qualidade de Vida é a percepção do indivíduo
sobre a sua posição na vida, no contexto
da cultura e dos sistemas de valores nos quais
ele vive, e em relação a seus objetivos,
expectativas, padrões e preocupações".
• Componentes da qualidade de vida
(Pereira e Engelman, 1993):

• Bem-Estar Objetivo:
• Bem-estar econômico (salário/renda)
• Bem-estar sócio-demográfico (moradia,
saúde, alimentação, educação, lazer)

• Bem-Estar Subjetivo:
• Satisfação de vida
• Afeto positivo
• Afeto negativo
Goldenberg et al. 2017
Saúde mental
• “Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e
não apenas a ausência de doenças” (OMS)

Categorias Ano Nº pág.


DSM-I 106 1952 130
DSM-II 182 1968 134
DSM-III 265 1980 494
DSM-III-R 292 1987 567
DSM-IV 297 1994 886
DSM-IV-TR “ 2000 “
Internet e pesquisa sobre drogas
• Internet tem sido usada com sucesso para o recrutamento e coleta
de dados
• Permite alcançar populações de difícil acesso
• Acesso a grande número de indivíduos de forma rápida e econômica
• Meio particularmente adequado para recrutar pessoas mais jovens
• Reduz viés de resposta para temas sensíveis socialmente

• Uso de redes sociais para o recrutamento de participantes


• Uma das principais atividades online (Hampton et al. 2011)
• Crescente número de pessoas acessíveis nas redes sociais
• Facebook  1,94 milhões de usuários no mundo (Reuters, 2017)
• Usado com sucesso para o recrutamento de participantes de pesquisas sobre
uso de substâncias (Ramo et al 2014, Ramo et al. 2012, Thornton et al., 2015)
Objetivos

Geral:

Ampliar o conhecimento acerca das características das


pessoas residentes no Brasil que utilizaram maconha pelo
menos uma vez por mês nos últimos seis meses.
• Específicos:
• Descrever as características sociodemográficas dos participantes de
acordo com a frequência relatada do uso de maconha;
• Descrever o uso na vida e uso recente (no mês) de outras substâncias
psicoativas, que não a maconha, com base na frequência de uso de
maconha;
• Descrever parâmetros quantitativos de desfechos com relevância clínica
(qualidade de vida, sintomas de depressão, sintomas de ansiedade, afetos
positivos, afetos negativos e satisfação com a vida) dos participantes com
base na frequência de uso de maconha;
• Verificar a existência de variáveis preditoras de escores favoráveis para os
desfechos clínicos;
Método

• Desenho do estudo:
• Levantamento transversal de abrangência nacional em que a divulgação da
pesquisa e o recrutamento dos participantes se deram por meio de rede
social virtual (Facebook) e a captura eletrônica dos dados foi realizada através
do auto-preenchimento dos instrumentos dispostos em um formulário online.
• Participantes:
• 9499 pessoas responderam ao anúncio divulgado nas mídias sociais,
concordaram em participar da pesquisa e preencheram todos os
questionários durante o período em que o link esteve aberto (entre dezembro
de 2015 e dezembro de 2016).

• Instrumentos
• Questionário com Informações Sócio-Demográficas:

• World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-bref)

• Positive and Negative Affect Schedule (PANAS)

• Hospital Anxiety and Depressions Scale (HAD-S)

• Escala de Satisfação com a Vida (ESV)

• Cannabis Use Disorders Identification Test-Revised (CUDIT-R):


• Procedimento
• O link do questionário foi divulgado através do Facebook
(www.facebook.com), com anúncio ilustrado com a imagem semanticamente
associada à maconha e intitulado 'Maconha e Ciência’
Resultados
EXCLUSÕES
Total de respondentes N=9499

11,7
Exclusões 17,4% (n=1649)
menores de 18 anos 67,3% (1109)

5,1
sem uso nos últimos 6 meses 29,7% (489)

2,3
duas ou mais inconsistências 13,0% (215)

0,3
moravam fora do país 1,5% (25) MENORES DE 18 ANOS SEM USO NOS DUAS OU MAIS MORAVAM FORA DO
ÚLTIMOS 6 MESES * INCONSISTÊNCIAS PAÍS

Distribuição dos participantes de


acordo com a frequência relatada
AMOSTRA ANALISADA - 82,6% dos respondentes (n=7850) de uso de cânabis
não usuários 12,4% (974)

60,2
usuários ocasionais 13,9% (1088)
usuários regulares 13,5% (1062)
usuários frequentes 60,2% (4726)

13,9

13,5
12,4
NÃO USUÁRIOS USUÁRIOS USUÁRIOS REGULARES USUÁRIOS
OCASIONAIS FREQUENTES
RAZÕES ATRIBUÍDAS PARA O USO DA MACONHA DE ACORDO COM A
FREQUÊNCIA DE USO DE MACONHA
100

90

80

70

60

50

40
OCASIONAL
30
REGULAR
20
FREQUENTE
10

0
Características sociodemográficas de acordo com a frequência de uso de maconha
e resultado de comparações entre os grupos
Usuários Usuários Usuários p
Não-usuários ocasionais regulares Frequentes Total
(12,4%, n=974) (13,9%, n=1088) (13,5%, n=1062) (60,2%, n=4726) (n=7850)
% (N) % (N) % (N) % (N) % (N)
Idade em anos [media (DP)] 24,8 (10,5)a 23,1 (6,3)a 22,7 (5.9)a 24,1 (7,2)b 23,9 (7,4) p<0.001
Gênero Masculino 43,5 (424)a 64,3 (700)b 68,2 (724)b 77,6 (3668)c 70,3 (5516) <0,001
Feminino 56,5 (550)a 35,7 (388)b 31,8 (338)b 22,4 (1058)c 29,7 (2334)
Região do Brasil Norte e Nordeste 23,0 (224)a 21,5 (234)a 23,0 (244)a 17,8 (843)b 19,7 (1545) <0,001
Sul, Sudeste e Centro-Oeste 77,0 (750)a 78,5 (854)a 77,0 (818)a 82,2 (3883)b 80,3 (6305)
Filhos Com filho(s) 15,1 (147)a 11,5 (125)b 11,6 (123)b 18,3 (864)c 16,0 (1259) <0,001
Sem filhos 84,9 (827)a 88,5 (963)b 88,4(939)b 81,7 (3862)c 84,0 (6591)
Relação afetiva Sozinho 52,2 (508)a 57,1 (621)b 54,7 (581)a,b 53,7 (2539)a 54,1 (4249) 0.122
Em algum relaiconamento 47,8 (466)a 42,9 (467)b 45,3(481)a,b 46,3 (2187)a 45,9 (3601)
Religião Sem religião 29,9 (291)a 42,6 (463)b 39,6 (421)b,c 36,7 (1734)c 37,1 (2909) <0,001
Alguma religião 70,1 (683)a 57,4 (625)b 60,4 (641)b,c 63,3 (2992)c 63,3 (4941)
Ocupação Trabalha 37,0 (360)a 49,4 (538)b 51,8 (550)b 57,0 (2695)c 52,8 (4143) <0,001
Estuda 47,0 (458)a 36,0 (382)b 33,0(350)b 22,7 (1057)c 28,8 (2257)
Desempregado e outros 16,0 (156)a 14,5 (158)a 15,3(162)a 20,6 (974)b 18,4 (1450)
Com quem vive Sozinho 20,4 (199)a 25,4 (276)b 25,8 (274)b,c 28,7 (1356)c 28,7 (2105) <0,001
Com outras pessoas 79,6 (775)a 74,6 (812)b 74,2 (788)b,c 71,3 (3370)c 73,2 (5745)
Escolaridade Até o ensino médio 34,7 (338)a 33,1 (360)a 41,3 (439)b 46,3 (2189)c 3326 (3326) <0,001
Ensino superior ou pós 65,3 (636)a 66,9 (728)a 58,7 (623)b 53,7 (2537)c 57,6 (4524)
Renda Familiar Até 2 37,5 (365)a 36,8 (400)a 42,0 (446)b 43,8 (2071)b 41,8 (3282) <0,001
(salários- Entre 2 e 10 48,8 (475)a 49,9 (543)a 49,6 (527)a 47,7 (2255)a 48,4 (3800)
mínimos/mês) Acima de 10 13,8 (134)a 13,3 (145)a 8,4 (89)b 8,5 (400)b 9,8 (768)
Características relacionadas ao uso de maconha e resultado de comparações entre os grupos
Não-usuários Usuários Usuários Usuários Total p
ocasionais regulares Frequentes (n=7850)
(12,4%, n=974) (13,9%, n=1088) (13,5%, n=1062) (60,2%, n=4726)
% (N) % (N) % (N) % (N) % (N)
Idade de experimentação Menos do que 16 anos 28,5 (149) a 29,9 (325) b 32,2 (342) b 44,3 (2095) c 42,8 (3362) <0.001
da maconha Entre 16 e 19 anos 45,7 (239) a 53,6 (583) b 55,3 (587) b 47,1 (2225) c 46,3 (3634)
Acima de 20 anos 25,8 (135) a, b 16,6 (180) b 12,6 (133) a 8,5 (406) c 10.9 (854)
Transtorno por uso da Sem sintomas --- 73,1 (795)a 39,7 (422)b 16,2 (767)c 28.9 (1984) <0.001
cannabis (CUDIT-R) Sintomas leve 18,4 (200)a 33,6 (357)b 28,4 (1340)c 27.6 (1897)
Sintomas moderado/severo 8,5 (93)a 26,6 (283)b 55,4 (2619)c 43.6 (2995)
Indicadores do uso de substâncias psicoativas e resultado de comparações entre os grupos

Usuários Usuários Usuários P


Não-usuários ocasionais regulares Frequentes Total
(12,4%, n=974) (13,9%, n=1088) (13,5%, n=1062) (60,2%, n=4726) (n=7850)
% (N) % (N) % (N) % (N) % (N)
Uso de medicação controlada – ultimo mês 18,7 (140)a 12,3 (92)b 11,5 (86)b 57,4 (429)b (747) <0,001
Maconha Uso na vida 53,7 (523) a 100,0 (1088) b 100,0 (1062) b 100,0 (4726) c 94,3 (7399) <0,001
Uso no mês 0,0 (0) a 100,0(1088) b 100,0 (1062) b 100,0 (4726) b 87,6 (6876) <0,001
Álcool Uso na vida 97,2 (947)a 99,7 (1085)b 99,7 (1059)b 99,6 (4708)b 99,4 (7799) <0.001
Uso no mês 54,6 (532)a 88,5 (963)b 83,1 (882)c 82,3 (3888)c 79,8 (6265) <0,001
Tabaco Uso na vida 56,9 (554)a 91,8 (999)b 93,1 (989)b 95,4 (4509)c 89,8 (7051) <0,001
Uso no mês 16,3 (159)a 52,8 (575)b 55,2 (586)b 60,4 (2854)c 53,4 (4174) <0,001
Cocaína Uso na vida 13,2 (129)a 35,9 (391)b 42,6 (452)c 61,0 (2882)d 49,1 (3854) <0,001
Uso no mês 1,0 (10)a 6,2 (67)b 6,1 (65)b 14,2 (673)c 10,4 (815) <0,001
Crack Uso na vida 3,0 (29)a 5,0 (54)a 5,3 (56)a 12,3 (579)b 9,1 (781) <0,001
Uso no mês 0,1 (1)a 0,6 (6)a,b 04,4 (4)a,b 0,8 (39)b 0,6 (50) <0,040
Anfetaminas Uso na vida 6,5 (63)a 13,1 (142)b 15,0 (159)b 23,9 (1129)c 19,0 (1493) <0,001
Uso no mês 0,3 (3)a 2,2 (24)b 2,3 (24)b 3,8 (181)c 3,0 (232) <0,001
Psicodélicos Uso na vida 18,0 (175)a 54,6 (594)b 66,7 (708)c 77,7 (3659)d 65,4 (5136) <0,001
Uso no mês 1,7 (17)a 12,2 (133)b 17,6 (187)c 24,5 (1160)d 19,1 (1497) <0,001
Opióides Uso na vida 3,5 (34)a 4,5 (49)a 4,0 (43)a 6,4 (301)b 5,4 (427) <0,001
Uso no mês 0,4 (4)a 0,6 (7)a 0,5 (5)a 0,7 (31)a 0,6 (47) 0,761
Resultados relacionados aos desfechos de relevância clínica e resultado de comparações entre os grupos
Não-usuários Usuários Usuários Usuários Total P
ocasionais regulares Frequentes (n=7850)
(12,4%, n=974) (13,9%, n=1088) (13,5%, n=1062) (60,2%, n=4726)
% (N) % (N) % (N) % (N) % (N)
Boa qualidade I – Físico 43,5 (424)a 59,4 (646)b 65,8 (699)c 65,5 (3094)b 61,9 (4863) <0.001
de vida (HOQOL II – Psicológico 29,7 (289)a 43,7 (475)b 51,8 (550)c 53,0 (2503)c 48,6 (3817) <0,001
– BREF) III – Social 36,9 (359)a 50,8 (553)b 53,1 (564)b 51,0 (2408)b 49,5 (3884) <0,001
IV – Ambiental 18,3 (178)a 20,6 (224)a 19,4 (206)a 18,1 (855)a 18,6 (1463) 0,246
V – Geral 53,2 (518)a 62,6 (681)b,c 64,4 (684)c 60,9 (2880)b 60,7 (4763) <0,001
Escala de afetos Afetos negativos 55,0 (536)a 65,9 (717)b 71,1 (755)b 67,9 (3210)b 66,5 (5218) <0,001
(PANAS) Afetos positivos 36,9 (359)a 49,2 (535)b 53,1 (564)b,c 53,4 (2522)c 50,7 (3980) <0,001
Satisfação com Vida (ESV) 47,9 (467)a 56,7 (617)b 61,2 (650)c 58,2 (2749)b,c 57,1 (4483) <0,001
Ausência de sintomas (HAD-S) Ansiedade 55,1 (537)a 69,0 (751)b 75,7 (804)c 74,3 (3513)c 71,4 (5605) <0,001
Depressão 67,7 (659)a 79,7 (867)b 85,2 (905)c 83,7 (3954)c 81,3 (6385) <0,001
Conclusões
• Caracterização de usuários de internet que usam maconha:
• Amostra com um padrão de uso predominantemente diário ou quase diário
com o seguinte perfil:
• Homens
• Jovens adultos
• Residentes nas regiões sul, sudeste e centro-oeste do Brasil
• Sem filhos
• Com alguma religião
• Exercem algum trabalho remunerado,
• Com ensino secundário ou mais
• Com renda familiar ente dois e dez salários mínimos.
• Uso de outras substâncias
• Usuários frequentes  maior envolvimento do que os demais grupos
• Não usuários  menor envolvimento do que os usuários de maconha

• Qualidade de vida, bem-estar e saúde mental


• Não usuários  piores indicadores de qualidade de vida e bem-estar
maior prevalência de sintomas de ansiedade e de depressão

• Preditores de desfechos desfavoráveis:


• Sexo,
• Renda familiar
• Ocupação
• Escolaridade
• Uso de outras substâncias
• Frequência de uso de maconha
As descrições e análises apresentadas forneceram uma
perspectiva diferente para a compreensão do fenômeno

 Pessoas que expressam um comportamento geralmente


associado a prejuízos sociais e problemas de saúde que,
comparadas com pessoas que não expressam esse
comportamento, apresentaram:
• melhor qualidade de vida e bem-estar
• menos sintomas de ansiedade e de depressão.

• Resultados precisam ser apreciados à luz das limitações do


delineamento;
Garrafada do Norte

Tem gente que diz todo prosa


Esta planta é maneira, é medicinal
Só o chá da raiz faz milagre
E quem beber fica livre do mal
Ela alegra, ela inspira, ela acalma
E deixa a moçada de cuca legal
E aquele que perde a cabeça
É porque já tem parte com espírito mal...
Agradeço a atenção!

paulo.morais@unir.br

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