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Direito de Família

Professora: Isabela Pessanha Chagas


Aluno: Vítor Bon Fernandes Vilaça Moraes
Resenha sobre os princípios constitucionais aplicáveis ao direito de família

O conceito de família se estende desde as micro-relações, isto é, o núcleo familiar


mínimo (pais-filhos, esposa-marido, irmãos), até as macro-relações (tios-sobrinhos, primos,
avós-netos), seja entre os laços consanguíneos, seja os derivados do casamento, ou ainda por
adoção. O direito de família regula exatamente as relações entre os seus diversos membros e
as consequências que delas resultam para as pessoas e bens (GONÇALVES, Carlos Roberto,
2017). O objeto de estudo é, pois, os vínculos jurídicos decorrentes das relações familiares,
ou dos vínculos jurídicos decorrentes de tutela (incapazes, relativamente incapazes).
O direito de família é disciplina inserida no direito civil (direito privado), no entanto
discute-se a ideia de uma publicização do direito de família (direito público), vez que o
Estado regula as relações familiares, por exemplo na forma que se celebra o casamento, que
se dissolve o casamento, nos requisitos para adoção ou tutela. No entanto, como o Estado não
integra nenhum dos polos, o direito de família permanece no campo do direito privado.
Apesar do alocamento do direito de família no espectro do direito privado, incide
sobre essa matéria princípios pertinentes ao direito público, mas especificamente, ao direito
constitucional. O direito de família, portanto, não ficou de fora do movimento de
publicização do direito civil, advindo da Constituição Cidadã de 1988, que preconizou o
gradativo processo de constitucionalização do direito civil.
No que tange propriamente os princípios constitucionais aplicáveis ao direito de
família, destacam-se oito, quais sejam: da dignidade humana, da igualdade jurídica entre os
cônjuges ou parceiros, da igualdade jurídica entre filhos, da liberdade de constituição de
núcleo familiar, da paternidade responsável, do interesse do menor, da solidariedade, e da
afetividade. Pretende-se aqui uma breve exposição acerca destes princípios norteadores do
direito de família, sem pretensões de esgotar o tema.
A dignidade humana é a “pedra angular” de todo ordenamento jurídico, nada mais
justo que iniciar a análise a partir deste princípio. Daí se concebe a base axiológica para a
aplicação da lei, para a hermenêutica jurídica, e para a discricionariedade do julgador. O
princípio da dignidade humana está expresso no art. 1º, inciso III, da Constituição, e foi
responsável por uma transmutação do tratamento jurídico da família, uma vez que passou-se
de uma proteção da família como instituição unitária, para uma tutela individualizada,
essencialmente funcionalizada à dignidade de seus membros (TEPEDINO apud
GONÇALVES, 2017), o que trouxe como desdobramentos, por exemplo, com a igualdade de
direitos entre homem e mulher na sociedade conjugal, vide art. 226, §5, da CF/88.
Parte-se, então, para o exame deste princípio, qual seja, o da igualdade jurídica entre
cônjuges ou parceiros. Antes da CF/88 o homem era o chefe da família, cabendo
exclusivamente a ele a administração dos bens, a escolha do domicílio e o dever de prover
(art. 233, Código Civil de 1916). Hodiernamente, os direitos e deveres referentes à sociedade
conjugal são exercidos conjuntamente pelos cônjuges, ambos têm o mesmo poder de decisão.
Outro marco trazido pela Carta Magna de 1988 foi a igualdade jurídica entre filhos.
Antes da CF/88 havia diferença entre filhos legítimos e filhos adotados ou provenientes de
relações extraconjugais, que recebiam metade da herança.
Os princípios da liberdade de constituição de núcleo familiar e da paternidade
responsável se interligam intimamente, vez que tratam do dever do Estado de se abster do
planejamento familiar. Isso é reflexo da onda trazida pelos direitos fundamentais de 1ª
geração, os direitos de liberdade, na qual a prestação exigida do poder estatal foi justamente o
de se abster e garantir a autonomia privada. Exceção a este princípio é o recente julgado do
STF que considerou vedado o home schooling (ensino domiciliar) no ensino fundamental ,
por ausência de previsão legal. Veja-se a ementa do julgado:

CONSTITUCIONAL. EDUCAÇÃO. DIREITO FUNDAMENTAL


RELACIONADO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E À
EFETIVIDADE DA CIDADANIA. DEVER SOLIDÁRIO DO
ESTADO E DA FAMÍLIA NA PRESTAÇÃO DO ENSINO
FUNDAMENTAL. NECESSIDADE DE LEI FORMAL, EDITADA
PELO CONGRESSO NACIONAL, PARA REGULAMENTAR O
ENSINO DOMICILIAR. RECURSO DESPROVIDO. 1. A educação
é um direito fundamental relacionado à dignidade da pessoa humana e
à própria cidadania, pois exerce dupla função: de um lado, qualifica a
comunidade como um todo, tornando-a esclarecida, politizada,
desenvolvida (CIDADANIA); de outro, dignifica o indivíduo,
verdadeiro titular desse direito subjetivo fundamental (DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA). No caso da educação básica obrigatória
(CF, art. 208, I), os titulares desse direito indisponível à educação são
as crianças e adolescentes em idade escolar. 2. É dever da família,
sociedade e Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,
com absoluta prioridade, a educação. A Constituição Federal
consagrou o dever de solidariedade entre a família e o Estado como
núcleo principal à formação educacional das crianças, jovens e
adolescentes com a dupla finalidade de defesa integral dos direitos
das crianças e dos adolescentes e sua formação em cidadania, para
que o Brasil possa vencer o grande desafio de uma educação melhor
para as novas gerações, imprescindível para os países que se querem
ver desenvolvidos. 3. A Constituição Federal não veda de forma
absoluta o ensino domiciliar, mas proíbe qualquer de suas espécies
que não respeite o dever de solidariedade entre a família e o Estado
como núcleo principal à formação educacional das crianças, jovens e
adolescentes. São inconstitucionais, portanto, as espécies de
unschooling radical (desescolarização radical), unschooling moderado
(desescolarização moderada) e homeschooling puro, em qualquer de
suas variações. 4. O ensino domiciliar não é um direito público
subjetivo do aluno ou de sua família, porém não é vedada
constitucionalmente sua criação por meio de lei federal, editada pelo
Congresso Nacional, na modalidade “utilitarista” ou “por
conveniência circunstancial”, desde que se cumpra a obrigatoriedade,
de 4 a 17 anos, e se respeite o dever solidário Família/Estado, o
núcleo básico de matérias acadêmicas, a supervisão, avaliação e
fiscalização pelo Poder Público; bem como as demais previsões
impostas diretamente pelo texto constitucional, inclusive no tocante
às finalidades e objetivos do ensino; em especial, evitar a evasão
escolar e garantir a socialização do indivíduo, por meio de ampla
convivência familiar e comunitária (CF, art. 227). 5. Recurso
extraordinário desprovido, com a fixação da seguinte tese (TEMA
822): “Não existe direito público subjetivo do aluno ou de sua família
ao ensino domiciliar, inexistente na legislação brasileira”.
(REX 888.815/RS, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em:
12/09/2018, DJe: 21/03/2019)

Ademais, outro princípio relevante é o do melhor interesse do menor e não puramente


o mandamento legal. O art. 1731, do Código Civil, ilustra o caso, segundo o referido
comando para a tutoria do menor:

Em falta de tutor nomeado pelos pais incumbe a tutela aos parentes


consanguíneos do menor, por esta ordem:
I - aos ascendentes, preferindo o de grau mais próximo ao mais
remoto;
II - aos colaterais até o terceiro grau, preferindo os mais próximos aos
mais remotos, e, no mesmo grau, os mais velhos aos mais moços; em
qualquer dos casos, o juiz escolherá entre eles o mais apto a exercer a
tutela em benefício do menor.

Essa ordem, no entanto, pode ser alterada, em casos de adoção ou tutela, caso não
haja afetividade entre o menor e os ascendentes, mas houver entre os colaterais. Nestas
situações, ele poderá escolher, por exemplo, uma madrinha próxima ao invés de uma avó
distante para tutelá-lo. Outro cenário em que se aplica é na escolha da criança órfã pela tutela
entre dois parentes com o mesmo grau de parentesco. Nesse sentido, a jurisprudência:

RECURSO ESPECIAL - DISPUTA JUDICIAL POR PARTE DOS


AVÓS PATERNOS E MATERNOS, RESIDENTES EM PAÍSES
DIVERSOS, PELA TUTELA DE NETO, CRIANÇA DE DUPLA
NACIONALIDADE QUE SE TORNARA ÓRFÃ EM RAZÃO DE
ACIDENTE DE TRÂNSITO OCORRIDO NO BRASIL, DO QUAL
RESTARAM FATALMENTE VITIMADOS OS RESPECTIVOS
PAIS - TUTELA ATRIBUÍDA ORIGINARIAMENTE, SEM
OPOSIÇÃO, A TIO MATERNO RESIDENTE NO BRASIL -
POSTERIOR PEDIDO DE ESCUSA DO ENCARGO DEVIDO A
PROBLEMAS PESSOAIS DE SAÚDE DO TUTOR -
REQUERIMENTO DE TUTELA AJUIZADO PELAS AVÓS
MATERNA BRASILEIRA E PATERNA FRANCESA - DECISÃO
DO R. JUÍZO CÍVEL EM COMPARTILHAR A TUTELA DA
CRIANÇA ENTRE AS AVÓS, MANTENDO-SE, CONTUDO, A
CRIANÇA NO BRASIL - RECURSO DE APELAÇÃO
INTERPOSTO PELA AVÓ PATERNA, PROVIDO PELO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA, COM A DETERMINAÇÃO DE
REPATRIAMENTO IMEDIATO DA CRIANÇA PARA A FRANÇA,
FUNDAMENTADO NA CONVENÇÃO DE HAIA.
IRRESIGNAÇÃO DA AVÓ MATERNA BRASILEIRA. 1.
Fundamento adotado pelo v. acórdão recorrido é claro e suficiente
para o deslinde da controvérsia, revelando-se desnecessário – como se
tem repetido - ao magistrado rebater cada um dos argumentos
declinados pela parte. [...] 6.1 Dessa forma, referido princípio - do
melhor interesse da criança - tornou-se tanto orientador para o
legislador, como para o aplicador da norma jurídica, já que estabelece
a primazia das necessidades infanto-juvenis como critério de
interpretação da norma jurídica e de elaboração da decisão que venha
a solucionar demandas na área alcançada pela temática da infância e
juventude. 6.2 Com esse norte hermenêutico, não se pode ignorar o
conteúdo do parecer psicossocial e dos laudos médicos elaborados por
diversos e conceituados profissionais que assistem a criança desde o
acidente [...] sendo indiscutivelmente mais proveitoso ao menor que
permaneça no Brasil, no meio onde ora se encontra e,
consequentemente, com a avó materna. E isso, registre-se para a
posteridade histórica das famílias, não em virtude de a avó paterna
não reunir condições para ter o neto em sua companhia, mas, sim,
porque as graves circunstâncias ditadas pelos infelizes fortuitos dos
acontecimentos da vida certamente já submeteram esta criança a
agruras bastantes para que agora se imponha, novamente de modo
inesperado e pouco compreensível a ela, complexa adaptação, isto é,
mais outra abrupta modificação, não apenas das rotinas de seu
cotidiano (dia a dia), mas ao próprio relacionamento com as pessoas
que atualmente lhe são próximas, enfim, reiterando a desestruturação
estética de fatos e da situação recém consolidada ante contingências
absolutamente alheias à vontade dos próprios protagonistas. 6.3 Essas
circunstâncias, vistas em conjunto, não foram adequadamente
enfrentadas pelo v. acórdão recorrido, daí porque não há se falar em
incidência da Súmula 7/STJ, muito embora apreciadas a seu modo
pelo juízo de primeiro grau, sem que ocorra supressão de instância,
não mereceram definição jurídica pelo Tribunal de origem, o qual se
quedou ao largo da principiologia do melhor interesse da criança,
destacadamente ao não considerar as recomendações médicas,
limitando-se a afirmar que na França a criança poderia obter
tratamento médico semelhante ao que conta no Brasil,
desconsiderando o caráter emocional e afetivo do caso, notadamente
em razão da tragédia que atingiu a criança. 6.4 Nesse contexto, em
virtude das orientações médicas e do relatório psicossocial e,
portanto, conforme o princípio do melhor interesse da criança, a teor
de sua proteção integral, é de rigor sua manutenção no Brasil, com a
avó materna, tendo em conta que já possui laços de afetividade, social
e familiar, o que tem propiciado, sem dúvida, o êxito em seu delicado
tratamento médico. Precedentes do STJ em casos análogos. 6.5 É
certo que a própria criança, no futuro, poderá iniciar a discussão
quanto a sua ida ou não, para a França em caráter provisório ou
definitivo como resultado de seu melhor interesse. Nesse contexto,
não há vedação a que, no real e mais elevado propósito do bem estar
do menino, na sua formação e crescimento, possa verificar-se nova
adequação quanto à sua permanência neste ou naquele país, sempre se
recordando do que diz o art. 28, caput, do ECA, ao estatuir que, se a
criança contar com menos de 12 (doze) anos, sua opinião será levada
em consideração. Ao passo que se for maior de 12 (doze) anos, é
condicionante a sua anuência. 7. Recurso especial parcialmente
provido.

Intrinsecamente ligado ao panorama traçado criado acima, está o princípio da


afetividade. A afetividade é a chave para compreensão de todo direito de família. Ressalta-se
a importância desse princípio na estruturação das relações familiares. Nesse sentido, o
casamento, por exemplo, deve ser constituído por opção, não por obrigação, percebe-se a
consequência dessa mudança de paradigma na normalização do divórcio, que tem como
marco a Lei do Divórcio (Lei n. 6.515/77).
Por fim, cumpre destacar o princípio da solidariedade, pelo qual se observa o dever de
mútua assistência entre aqueles que compõem o núcleo familiar, podendo ser extraído por
exemplo do art. 229, da CF/88, que determina o dever dos pais de assistirem os filhos e
destes de assistirem os pais na velhice. Para citar mais alguns exemplos, percebe-se a
aplicação do princípio da solidariedade familiar nos casos de pensão para ex-mulher doente,
ou para filho estudante maior de 21 anos.
Notório se faz, portanto, a função norteadora dos princípios constitucionais para uma
aplicabilidade idônea do direito familiar e preservar as relações daí advindas, isto é, o
complexo de disposições, pessoais e patrimoniais, que se originam do entrelaçamento das
múltiplas relações estabelecidas entre os componentes da entidade familiar.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

Direito Civil Brasileiro, Vol. 6, Direito de família, 2017, 14ª edição, GONÇALVES, Carlos
Roberto. São Paulo: Saraiva

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