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João Eugênio Córdova Brasil

Colaboração de
Júlio Oliveira

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Sumário
Apresentação 4
Criação Mapa de Portsmouth 5
João Eugênio Córdova Brasil
Introdução
Colaboração O Início 6
Júlio Oliveira
Capítulo 1:
Diagramação Um Pouco de História 12
João Eugênio Córdova Brasil
Capítulo 2:
Revisão Organização 16
João Eugênio Córdova Brasil
Locais Importantes 19
Baseado nas regras de Tormenta RPG, criado A Casa da Mãe 19
por Gustavo Brauner, Leonel Caldela, Marcelo O Acampamento de Kron 19
Cassaro, Rogério Saladino, Guilherme Dei Taverna “O Lince” 20
Svaldi e J.M. Trevisan.
Templo de Thyatis 20
Adaptado às regras do jogo Dungeon & Dra- Nova Perícia 21
gons criado por Gary Gigax e Dave Arneson, e Novo Equipamento 21
Dungeon & Dragosn criado por Jonathan Twe-
et, Monte Cook, Skip Willians, Richard Baker Capítulo 3:
e Peter Adkison. Os Caçadores e seus grupos 22
O cenário de Tormenta, assim como seus ele- Grupo de Informação 22
mentos, são pertencentes à Jambô Editora. Grupo de Resgate 31
Grupo de Ataque 37
Esta é uma obra de ficção.
Qualquer semelhança com qualquer governo Grupo de Artistas 40
autoritários ou grupo de resistência será uma Capítulo 4:
agradável coincidência.
O Vilão 50

Março de 2016
Capítulo 5:
Dicas e Ganchos 52

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udo isto é Arton. Uma terra maravi- Assim surgiu este suplemento. Inici-

T lhosa. Um lugar assombroso. Lugar


de magia, de fantasia e de aventu-
ras. Um lugar perfeito para muitos. An-
almente um pequeno grupo de fãs do
Fórum Jambô alinhavaram as primeiras
noções. Depois apenas alguns começa-
dando pelas ruas de uma cidade media- ram a escrever. Por fim apenas eu levei
na do Reinado não é incomum esbarrar- o projeto até o fim. Agora, estimulado
mos em um mago, um meio-orc ou até pelo lançamento de Tormenta RPG e de-
um elfo, tropeçar em um anão ou ser- sejando uma revisão que melhorasse
mos pungados pelas mãos rápidas de um pouco nosso trabalho, esta nova
um halfing. versão é lançada.
Ao mesmo tempo Arton tem inúmeras
peculiaridades – agradáveis ou não. Um
exército enlouquecido de globinóides
varrendo o sul, Deuses que caem e ou-
tros que são libertados, vários vilões,
muitos deles carismáticos e adorados.
Até chuva de sangue corrosiva infestada
por demônios existe aqui.
Tudo isto é Arton. Um lugar perigoso
e ainda assim maravilhoso. Suas carac-
terísticas o tornam insubstituível para
todos os que odeiam amar estar nele. E
quando digo todos refiro-me inclusive a
nós – você e eu. Pois nós moramos nes-
te mundo incrível de aventuras. Nós vi-
venciamos cada acontecimento do Rei-
nado como se estivéssemos comentando
as notícias da Gazeta do Reinado que
nos chegam em plena praça central de
Valkaria ou numa mesa em uma das
inúmeras tavernas de Vectora. Sim, nós
estamos lá.
Discutimos a política do Reinado, as
estratégias militares contra a Aliança
Negra, as novas descobertas da Acade-
mia Arcana, comentamos a última expe-
dição às Montanhas Sanguinárias e até
aquele roubo misterioso na estalagem,
noite passada, tudo o que nos cerca.
Isto somos nós. Nossa segunda pátria é
Arton.
E como tal nos permitimos alguns
privilégios. E com toda a certeza “criar”
é algo que todo o amante de rpg gosta.
Mais do isso – ama. Nos pegamos pen-
sando, falando, imaginando tudo rela-
cionando à rpg e, por consequência, em
Arton.

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chuva, que caía torrencialmente, Eric e Cybal tinham a intenção de a-

A não ajudava em nada a visão de


Eric. Os cabelos molhados estavam
sobre os olhos cobrindo-lhe o pouco de
travessar todo o território sem chamar a
atenção. Não tinham escolha. Sabiam
do perigo, mas poderiam viajar longe
visão que ainda tinha. Mas este era o das estradas principais e em alguns di-
menor de seus problemas. Nem a noite as estariam em segurança. Infelizmente
era o pior deles. Seu real problema esta- não contavam com uma coisa – dias à
va em seu encalço. fio de forte tempestade. Isso mudava tu-
- Nada pode dar errado ele disse - res- do. Isso atrasava a viajem, o que reduzi-
mungava o jovem mago, espremendo-se a as provisões. Somente por isso tive-
contra uma parede na esperança de con- ram de para em uma cidade.
seguir proteção do frio, da chuva e - Nada pode dar errado Eric. É noite. E
“deles”. com esta maldita tempestade nem vão se
Os trovões ressoavam na noite e a dar conte de quem somos - sussurrou
chuva mostrava-se implacável. O frio Cybal ao ouvido de seu amigo - Encon-
penetrava-lhe até os ossos e os dedos traremos uma estalagem pequena e sai-
dos pés estavam adormecendo. A roupa remos antes do amanhecer.
molhada mostrava-se desconfortavel- Eric sempre o achara muito mais do
mente gélida. Tudo dera errado desde que um simples amigo. Somente isto
que chegaram nesta cidade. justificaria as loucuras em que se metia
com ele.
- Não sei não. Os estranhos desapare-
cimentos que vem ocorrendo aqui em

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Portsmouth desde que Ferren assumiu o alegrava suas almas. “Amanhã estare-
poder não me tranqüilizam em nada - mos longe daqui. O que poderia aconte-
bufou Eric - dizem até que os amantes cer aqui?”, ambos pensaram.
da magia não estão seguros aqui. E só
quero lembrar-lhe que sou um deles, viu?
- Eu não gosto mais do que você de es-
tar aqui - disse com os dentes cerrados, O sangue escorria pelo corte próximo
já cansado das reclamações do amigo - das costelas. A chuva que caia o fazia
mas como chegaríamos em Hongari sem espalhar-se ainda mais pelas roupas. A
passar por aqui. Confie me mim. Nada dor perturbava a consciência de Cybal.
pode ser tão ruim assim. Os últimos momentos pareciam fugir da
realidade. Nada se encaixa. Ele não en-
Com os capuzes baixos, sobre os ros- tendia o que estava acontecendo. Mes-
tos, tentavam permanecer incógnitos. mo assim só tinha duas preocupações –
Só levantam a cabeça na esperança de encontrar Eric e fugir desta cidade.
encontrar a placa de alguma estalagem
que se mostrasse discreta. As pessoas, Há poucos instantes ele e Eric se se-
nas ruas, eram poucas, tanto pela hora pararam para tentar despistar a turba
quanto pela chuva. Até agora a presen- que os perseguia. A cidade era nova pa-
ça deles não fora notada. ra ele. Nada lhe era familiar. Não sabia
bem para onde correr. “Nunca devería-
Atravessavam as ruas lentamente, mos ter entrado neste lugar”, pensou.
num cavalgar desinteressado, como se
andassem à esmo. Ao dobrar numa es- A chuva ainda incomodava, mas não
quina encontram um lugar que parecia tanto quanto a expectativa da persegui-
perfeito – Taverna Grifo Raivoso. O no- ção. As árvores e a vegetação ao redor
me causava um certo desconforto, mas das casas serviam como um bom escon-
não era muito grande e parecia ser pou- derijo. Mas não o tranqüilizavam ao
co freqüentada. O lugar perfeito. ponto de sentir-se seguro.
A está altura já não havia ninguém Não se sabia se pela dor, ou pela chu-
na rua. Suspeitavam ser quase meia- va, ou pela surpresa dos acontecimen-
noite. Desceram dos cavalos e pegaram tos. Mas Cybal não percebeu as som-
suas parcas bagagens. De dentro da ta- bras atrás dele antes de sentir a panca-
verna vinha uma luz fraca que atraves- da. Seu último fio de consciência foi de
sa as janelas imundas. seu rosto, caindo na lama, próximo à
uma bota.
- Em poucos instantes estaremos se-
cos, tomando uma boa sopa e bebendo
um grande caneco de vinho quente! - ex-
clama Cybal, tranqüilizando Eric. - Onde ele se meteu? Era para nos se-
Ao abrirem a porta de taverna senti- pararmos, mas sem irmos muito longe -
ram o calor reconfortante e o forte chei- balbuciava Eric, sentindo ainda a forte
ro de comidas variadas atingindo-lhes pancada recebida nas costas.
como um murro vindo em uma golfada Mesmo preocupado ele sabia que ficar
de ar espesso contra seus rostos. Tudo parado em qualquer lugar desta maldita
misturado ao forte e denso odor de ta- cidade seria morte certa. Ainda estavam
baco. Ambos já se sentiam mais aqueci- atrás dele. E não muito longe. Ouvia os
dos, mesmo antes de entrarem. As vozes grito das pessoas à pouca distância.
multiplicavam-se. A música ecoava, a- “Tenho que sair daqui, e logo”, não para-
gora que a porta estava entreaberta, e va de pensar em meio ao redemoinho de

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dúvidas e medos. caminho por onde veio – o único que co-
Recuperando o fôlego e tentando tirar nhecia e sua única saída.
o cabelo do rosto reiniciava sua fuga. Dando meia volta sobre os calcanha-
Tentava lembrar do caminho que per- res percebia que as janelas das casas
correram quando de sua chegada. Mas próximas entreabriam. A reação era i-
era uma cidade totalmente desconheci- mediata. Todos espiavam por frestas co-
da para ele. E a noite não ajudava mui- mo se temessem abri-las. Sua surpresa
to. “Na rua logo me encontrarão. Tenho começava a transformar-se em novo pa-
de conseguir um abrigo longe dos olhos vor - “Estou numa cidade de loucos. Te-
ou uma informação segura de para onde nho que sumir daqui”, eram as únicas
ir”, eram seus pensamentos e seu de- palavras que invadiam seus pensamen-
sespero. tos.
Percorrendo a rua encharcada chega- Já havia iniciado a fuga daquele beco
va ao que seria uma pequena praça cer- infernal quando teve noção exata do ta-
cada de casebres e onde desembocavam manho do seu problema. Sua única saí-
várias ruelas - “Ótimo, agora consegui da acabava de ser bloqueada. Cinco fi-
realmente me perder!”. guras estavam entre ele e a próxima ru-
Mas o desespero é substituído por u- a. “Por Wynna, o que falta acontecer?”.
ma esperança - “ela não vai me negar Eric continuava a avançar, agora
ajuda”. Numa das esquinas, um casebre mais lentamente. A chuva continuava a
de madeira havia uma doce velhinha a- cair. Suas roupas pesavam mais que o
poiada na janela. O retrato vivo da doce normal, e isso lhe causava desconforto.
avó esperando pelo neto Ela tinha o ros- A distância ia diminuindo e as figuras
to sereno e se parecia com a maioria tornaram-se mais nítidas. De borrões,
das avós que todos têm. A dele inclusi- ao longe, tornam-se claras. Eram cinco
ve. milicianos. Iguais ao que ele e Cybal ha-
- Minha senhora! - Eric falou parando viam visto guardando os arredores da
à sua frente totalmente ensopado e ten- cidade.
tando regularizar sua respiração –– Por Um suspiro de alívio veio aos seus lá-
Marah, preciso de sua ajuda. Eu juro por bios. “Wynna olhou por mim. Tenho a
tudo o que é sagrado e em nome dos quem pedir auxílio”, pensou aliviado.
deuses. Não fiz nada. Somente entrei em Percebendo quem são as figuras co-
uma taverna esperando um pouco de ali- meçou a apressar o passo para encon-
mento e calor e tudo saiu de controle. trá-las logo e pedir sua proteção imedia-
Querem me matar... ta. Na sua cabeça nada melhor do que
A voz de Eric foi diminuindo aos pou- aconselhar-se com representantes da lei
cos até sumir em um sorriso mudo. A e desfazer qualquer confusão que tenha
velha parecia não escutá-lo. Só o que criado aquela situação.
mudava era sua expressão. Ela parecia Os cinco soldados permaneceram pa-
estar vendo o próprio Megalokk. O hor- rados, na chuva, observando seus movi-
ror em seus olhos crescia da mesma for- mentos. Um deles, o mais à frente, ins-
ma que o grito em seus lábios: pirava ser o líder. E para ele era que E-
- Socorro. Um mago! ric se dirigia. Com um sorriso sincero
“Eu não acredito. Isto é uma cidade de no rosto ele levantava as mãos ao céu.
loucos. O que raios está acontecendo a- –– Pelos deuses, como estou feliz em
qui?” - pensou, enquanto dava meia vol- encontrá-los. Deve estar acontecendo al-
ta e se preparava para correr pelo cami- guma confusão. Vejam só. Eu e um ami-

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go recém chegamos a esta cidade e esta- vam mais abertas. Todos sabiam o que
mos sendo caçados como uma peste. De- iria acontecer.
ve ter alguma dupla de criminosos que - Por que? Só gostaria de saber isto?
se parecem conosco. Nós entramos numa Por quê?
‘tavern’...
- Nosso senhor abriu nossos olhos pa-
Novamente sua voz foi sumindo. Mas ra o que realmente são – disse calma-
não devido ao rosto dos homens à sua mente o soldado. – Ele quer todos vocês
frente – como ocorreu com a velha se- presos para interrogatório que ele pesso-
nhora – pois seus semblantes continu- almente se agrada em realizar.
am impassíveis. Mas ao que acabara de
perceber. Um dos soldados, o mais à es- - Mas você tem sorte, meu caro - falou
querda e afastado, arrastava algo. Pare- aquele que segurava o braço de Cybal
cia um saco de batatas. Mas aos poucos desfalecido – Não terá de viajar até a capi-
aquilo que parecia um saco de batatas tal para isto. É muito demorado e cansa-
tornou-se nítido. Era seu amigo. Cybal tivo. Vamos poupá-lo disto.
estava imóvel, sendo arrastado ao lado - Exato. Não queremos criar um des-
do guarda, suspenso apenas pelo punho conforto para o senhor. Nem queremos
e seguro com desvelada raiva pelo mili- incomodar nosso amado mestre.
ciano. - Nós gostamos de cuidar de nossos
Mesmo sem ter um espelho conseguia problemas por aqui mesmo - exclama
perceber seu rosto empalidecendo. Es- um outro deixando claro, em sua voz o
tava sem ação. O homem ao qual se di- sarcasmo. – Faz tempo que não nos di-
rigira – o suposto líder – não mudou de vertimos.
fisionomia um só instante. Frente ao jo- As agressões começaram. A pouca
vem mago, estupefato, ameaçou um prática nas artes mágicas e a inabilida-
breve sorriso – de escárnio ou prazer. de total com os punhos não prepararam
Calmamente ele deu um passo na di- Eric para isso. Um a um eles surravam-
reção de Eric. no. Mesmo munidos de espadas e ada-
- Nós sabemos do enorme equívoco que gas queriam sentir o prazer de acabar
aconteceu nesta noite. O equívoco de com o jovem mago com as mãos.
dois infelizes desavisados que entraram Eric já não sentia as pancadas. Só es-
num lugar imaculado. Para que? Para perava pelo momento derradeiro. E ora-
sujar nossas ruas com sua imunda pre- va para que ele não demorasse muito
sença. Para nos iludir e tomar nossas em ir de encontro à bela Wynna.
almas. Mas este equívoco será resolvido O maior dos soldados ergueu o mago
- As últimas palavras do enorme solda- pelo pescoço, colocando-o de pé. Olhan-
do vieram acompanhadas de um desco- do fixamente em seus olhos enquanto,
munal murro que jogou Eric para trás. com a outra mão ele desembainhava
Ele cambaleou por dois metros e caiu calmamente um punhal que estava na
de joelhos. Estava desorientado. Tonto. cintura. Os outros soldados aproximam-
Não estava entendendo mais nada. Só se mais para vislumbrar o macabro es-
havia pavor em sua mente. Não percebi- petáculo que estava preste a iniciar. Os
a mais nada ao seu redor. Desejava ape- breves instantes alongavam-se agoni-
nas nunca ter entrado nesta cidade. zantemente. “Não demorará muito ago-
A chuva que caia lentamente lhe tra- ra”, foi o que pensou.
zia de volta à razão. Aquelas cinco figu- Ele só sentia os pingos da chuva atin-
ras agora estavam ao seu redor. Terri- gindo-o. Não sentia dor. Não sentia frio.
velmente próximos. As janelas não esta- Mas nunca se sentiu tão sozinho. For-

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çava-se em abrir os olhos para pelo me- espada. As duas passaram pelos infeli-
nos ver o que lhe aconteceria. zes milicianos acertando-os e tirando-
Conseguia ver todos os guardas ao lhes suas vidas com a mesma rapidez
seu redor formando um semicírculo de com que surgiram. O grande guerreiro
cruéis espectadores. Todos prontos para lançou o corpo de sua vítima muitos
aplaudir seu sangue derramado. metros adiante com um golpe violento
mas silencioso. Já a sombra menor, de
Mas algo aconteceu. Algo inexplicável. forma certeira e comedida, aplicou um
O soldado da sua esquerda, que sorri- golpe que pareceu nem atingir o alvo.
a de forma doentia, estirou os braços de Mas ele estava certamente morto como
repente. Seu rosto embrutecido passou seus vis companheiros.
da alegria ao olhar vazio da morte em Tão rápido quanto surgiram desapa-
um instante. De sua boca correu um receram, as duas velozes sombras, na
fino filete de sangue. Os outros não per- escuridão.
ceberam até ele atingir o chão de joe-
lhos. Num instante o grande miliciano que
ainda segurava o pescoço de Eric perce-
A surpresa fez com que os milicianos beu-se sozinho no centro de quatro ca-
passassem a atenção do mago para o dáveres. Ele ficou imóvel como um ani-
corpo já sem vida caindo ao chão. mal acuado que sabe que o caçador o
A figura que permaneceu de pé, pro- espreita na escuridão. O medo de olhar
tegida pelas sombras atrás do corpo que em volta encheu-o de pavor. O suor mo-
caiu, desapareceu quase tão rápido lhava seu rosto mais do que a chuva. O
quanto apareceu. A surpresa foi desnor- aperto de sua mão contra o pescoço do
teante. jovem mago era trêmulo.
Quase tão rápido quanto à primeira - Solte-o rapaz - ordenou uma voz
investida foram as seguintes. rouca e feminina colocando a ponta da
De meio à escuridão zuniu uma fle- espada na nuca do guarda.
cha que atingiu de forma certeira o pes- - Está acabado por hoje - outra voz,
coço de sua vítima. Outro dos guardas também feminina, surgiu de um dos la-
caia. dos mostrando-lhe, pela escuridão, a
Sons saiam de todos os lados como se ponta de uma flecha pronta para o lan-
a escuridão tomasse vida. A chuva atra- çamento.
palhava a localização. Os sons pareciam - Eu as ouviria... - e uma voz que mais
estar cercando-os. O pavor tomava con- parecia o soar de um trovão atingiu-lhe
ta do olhar dos guardas nos poucos se- vindo da figura gigantesca que só pelo
gundos que seguem. contorno parecia ser humana.
Sem aviso, de ambos os flancos, sons - Acho que ele não vai soltar. Aposto
leves mas rápidos, de passos denuncia- um tonel de vinho que ele não é inteligen-
vam uma nova investida. As sombras te o suficiente!
que avançavam demonstravam a leveza - Eu aposto que ele vai é precisar tro-
que figuras tão dispares podem ter. De car as calças....
um lado uma sombra gigantesca, como
de uma montanha que se movimenta - Vamos cortar sua mão de uma vez.
pela escuridão, empunhando um enor- Duas vozes conversavam, uma femi-
me machado. Do outro uma sombra i- nina e outra animalizada, vindo de dois
gualmente rápida, mas extremamente vultos de trás do quase inconsciente
delgada e graciosa, empunhando uma mago.

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- Acalmem-se. Todos sabemos o que bém que lhe foram aplicados certos mé-
devemos fazer e nosso querido amigo a- todos mágicos de cura, ou estaria em
qui também sabe que deve desistir - dis- situação bem pior. Cybal ainda não ha-
se uma voz muito suave e baixa, mas via acordado – seus ferimentos haviam
extremamente clara, que vinha de uma sido bem piores. Calcula que já se pas-
figura aproximando-se calmamente pe- saram alguns dias desde os terríveis a-
las sombras em um manto muito escu- contecimentos. Dias estes que se perde-
ro. ram em sua memória.
A mão abriu e o mago foi ao chão sem Lembrava muito pouco. Apenas peda-
conseguir manter-se de pé devido aos ços de visões misturadas. Lembrava de
ferimentos. O soldado não conseguiu ser carregado pelo guerreiro gigantesco.
sequer abaixar seu braço, nem parar de Lembrava de uma bela senhora com
tremer. longos cabelos loiros e veste brancas a-
Eric, de joelhos elevou os olhos e viu plicando-lhe compressas na fronte.
quatro figuras apontando suas armas Lembrava de alguém, com um pingente
ao redor do soldado que ainda estava que mostrava um pássaro em chamas
vivo. alçando vôo, sentado ao seu lado e re-
zando à algum deus.
- Você teve sorte meu caro - dizia o e-
norme guerreiro empunhando seu des- Depois disto só se lembrava de ter acor-
comunal machado - Você teve muita sor- dado dentro da carroça. O condutor só
te. Só sairá daqui vivo para dizer à todos soube dizer que o entregaram logo após
os outros que isto está prestes a acabar. a fronteira de Hongari e lhe pagaram
muito bem para levá-lo em segurança
- Sangue inocente não será mais der- até Triunphus.
ramado impunemente - disse uma das
figuras menores, brincando com a ponta Além disso, o condutor havia recebido
da adaga no cinturão do soldado. um bilhete para entregar-lhes quando
acordassem. Eric guardou-o com cari-
- E Ferren será detido - disse a arquei- nho após lê-lo. O bilhete só possuía du-
ra de forma graciosa enquanto brincava as frases.
com a plumagem de uma de suas fle-
chas. “Conte a todos o que aconteceu. Nunca
mais deixaremos que se repita”.
Eric sente que suas forças o abando-
navam de vez. Mas não antes de ver u-
ma das mulheres do grupo acertar a ca-
beça do miliciano com a empunhadura
João Eugênio Córdova Brasil
de uma adaga.
Desacordado o guarda vai ao chão.
Quase ao mesmo tempo o jovem mago
perde os sentidos.

O sol brilhava e aquecia o ar. Eric esta-


va acordado e sentado dentro de uma
carroça. O balanço do transporte ainda
o fazia sentir um pouco de dor em vá-
rias partes do corpo. Mas sentia tam-

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e fossemos reduzir a breve história ria de honra e luta pela justiça - marcas

S de Portsmouth à um único termo


este seria, muito provavelmente,
intriga. A construção e desenvolvimento
que atravessaram fronteiras levando os
desígnios do Deus da Justiça - Kalmyr -
a todos os recantos do Reinado.
de Portsmouth como um reino, propria- Desde 1300 a família Asloth, que co-
mente dito, está envolta em maquina- mandava o condado de Portsmouth, tra-
ções, mentiras e sangue. mava para a desestabilização do reinado
Originalmente o condado de Ports- dos Janz, então regente de toda aquela
mouth fazia parte do reino de Bielefeld, região conhecida como Bielefeld. Não se
bem como a atual União Púrpura. Seu sabe se para tomar o poder do reino co-
nascimento foi marcado pela chegada da mo um todo ou se apenas para frag-
caravana de Thomas Lendikar à costa mentá-lo, as maquinações da família
oriental do Reinado, no ano de 1021. Do Asloth iam enfraquecendo o conjunto
ponto de partida, centralizado na cidade que era Bielefeld. Da mesma forma que
de Lendikar, na costa, houve uma vaga- o bater constante da água pode destruir
rosa expansão rumo ao leste do conti- a rocha, as maquinações e intrigas de-
nente. Neste caminho expansionista o sestabilizaram Bielefeld .
reino foi crescendo até às atuais frontei- O primeiro resultado foi a indepen-
ras com Yuden. dência da atual União Púrpura. Depois
Anos depois foi fundada a ordem dos de anos de incitação, por parte dos As-
Cavaleiros da Luz por Arthur Donovan loth, a convulsão eminente das regiões
II. A Ordem postou-se na cidade de bárbaras anexadas ao reino de Bilefield
Norm e deu início a uma lendária histó- só foi freada com a intervenção da capi-

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tal do Reinado. O primeiro pedaço de sua juventude.
Bielefeld era decepado. Quando jovem acompanhava, junto
As tramóias obscuras não se encerra- de seu pai – Doriann Asloth - um dos
ram por aí. As provocações do condado inúmeros “espetáculos” que ocorriam
de Portsmouth foram aprofundando-se em praça pública. Tais espetáculos e-
cada vez mais. Até que Ferren Asloth – ram as execuções de rebeldes e insatis-
então conde de Portsmouth – demonstra feitos com a liderança da família Asloth.
sua reais intenções. Ele inicia uma série Neste “espetáculo” em particular, os
de ingerências frente ao regente de Bie- torturados eram aventureiros de Biele-
lefeld – Igor Janz. Contratou exércitos feld infiltrados para incitar a população
de mercenários, promulgou leis e proi- contra os dirigentes do, naquela época,
biu a magia. Foi a afronta definitiva. condado de Portsmouth. Quando estava
Os cavaleiros da Luz, leais à Janz, in- à beira da morte, um deles, um mago,
vestiram contra Portsmouth – para uma amaldiçoou a família Asloth à morte. “A
solução diplomática - mas foram derro- maldição mataria todos os membros da
tados pelos exércitos de mercenários família Asloth até extingui-la” – prague-
que não tinham ordens tão pacíficas. jou o mago. No mesmo instante Doriann
Novas investidas foram preparadas – a- fora acometido pela maldição, adoecen-
gora não tão diplomáticas – e realizadas do até a morte, dez anos depois.
sistematicamente. Um conflito de pro- Ferren, que assumiu o poder do con-
porções preocupantes tornou-se visível dado, desde cedo compreendeu o teor
no horizonte. do problema que vivenciavam. Não me-
Com medo de um banho de sangue o diu esforços para tentar alcançar uma
Rei Thormy conduziu novamente uma solução que rompesse os elos que o liga-
intervenção da Capital do Reinado nos vam à maldição. Contatou e conduziu a
conflitos da região. Portsmouth tornou- sua presença – por bem ou por mal –
se, desta forma, independente em 1389 magos de várias partes do reino. Mas
com Ferren Asloth como seu regente. nenhum demonstrou ter o conhecimen-
Ferren saiu-se vitorioso. to necessário para trazer-lhe alguma es-
Muito antes do início de seu governo, perança que pusesse um fim à maldi-
Ferren Asloth já era considerado extre- ção.
mamente severo, perspicaz, frio e calcu- Esta procura incansável e frustrada
lista. Levava seu reino com mão de fer- por uma solução, o tornou extremamen-
ro. E sua maior característica era o ódio te descrente, levando-o até a raiva de-
gigantesco que carrega pelos manipula- senfreada com a classe dos magos. Após
dores da magia arcana. E isto teve início anos dessa procura desesperada ele
muito antes de tornar-se regente, em mesmo acaba por enveredar-se pelos
caminhos obscuros da magia, tornando-
se um mago de poder considerável – um
segredo guardado à sete chaves até hoje
em dia. Depois de muita pesquisa ele
descobre a existência do Tomo de Hang-
pharstyth. Este seria um tomo mágico
pertencente a uma poderosíssima maga
que viveu anteriormente a vinda dos po-
vos que formariam o Reinado.
Desde então ele instituiu uma fer-

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renha busca a este tomo. A informação Um pouco mais de história
mais próxima que chegou a ele davam
conta de que poderia estar dentro da Por mais que Ferren Asloth seja a-
própria região de Portsmouth. Assim mado e respeitado por seu povo, nunca
criou as leis contra magia. Tanto para existe unanimidade. Sempre existem a-
tentar adquirir o Tomo, sua única espe- queles que se perguntam se não haverá
rança, como também por ressentimento uma alternativa. Aqueles que simples-
e raiva pela ineficácia dos magos em a- mente não entendem o porque de se u-
sar a espada quando não há necessida-
judá-lo.
de disto. Aqueles que não acreditam que
Seus discursos sempre colocam os os deuses estão cegos ao que acontece
magos como malignos, traiçoeiros e pe- ao seu redor, ou que os deuses abando-
rigosos. Prática necessária para levar naram aqueles infelizes que são perse-
adiante sua estratégia. E a população guidos. Mas são poucos .... bem poucos.
mostra-se muito receptiva nesta antipa-
tia para com os manipuladores de magi- E dentre estes há aqueles que
a arcana. O medo xenofóbico que a po- não permanecem de braços cruzados.
pulação de Portsmouth já trazia do ele- Aqueles que não se escondem detrás de
mento estrangeiro vindo de Bielefeld, mentiras convenientes. Aqueles que a-
depois de anos de maquinações dos As- creditam que podem fazer a diferença.
loth, mostra-se extremamente receptivo Aquelas pessoas para os quais não bas-
à figura dos magos. O ódio simplesmen- ta apenas saber que algo está errado.
te se estende abraçando este novo ele- Aqueles que desejam fazer algo para
mento de forma quase natural. E o ca- mudar a realidade. Aqueles que acredi-
risma estonteante, que a figura de Fer- tam que os deuses escreveram desígnios
ren encerra em si, torna suas palavras significativos para suas vidas.
contra os magos como marcas irremoví- Essa é a realidade de Portsmou-
veis da mente da população. th. Muito embora a grande maioria da
A imagem de poder que os manipula- população venere seu carismático e tirâ-
dores de energias arcanas carregam nico regente de uma forma doentia, al-
consigo facilmente trazem desconfiança gumas poucas almas ainda não foram
à população normal. A passagem da doutrinadas ou não aceitam o que acon-
desconfiança ao medo é um caminho tece ao seu redor. E dentre estas poucas
muito curto. E em Portsmouth esse ca- almas relutantes em aceitar a unanimi-
dade imposta existem alguns que resol-
minho foi muito mais rápido.
veram contrapor a realidade de uma for-
Entidades como a Academia Arcana ma mais organizada. Sob o manto das
demonstram toda sua insatisfação com sombras eles se auto-denominam Caça-
Portsmouth tentando encontrar uma dores de Abutres (uma irônica menção
solução juntamente ao Rei Thormy. Ao ao “carinhoso” apelido dado à Ferren).
mesmo tempo os Paladinos de Wynna, Podem estar longe de serem pessoas
os seguidores implacáveis da Deusa da simples, mas são pessoas que decidiram
Magia, postam-se prontamente para a- fazer algo.
tuar na defesa de seus irmãos. Até mes-
mo uma guilda de dançarinos das som- O grupo nasceu de forma espontâ-
bras está extremamente preocupada nea em vários locais diferentes de Ports-
com a atuação de Ferren contra os ma- mouth. Da capital veio o grupo de Thâ-
nara e de Elloin; da fronteira com Hon-
gos.
gari veio o grupo de Agatha; das proxi-
Fora isso, outros se organizam. Bem midades da fronteira com a União Púr-
debaixo das barbas do velho abutre. pura veio o grupo de Kron; e do sul veio

14
o grupo de Leonard. mentários - Ferren nunca admitiria a
Os primeiros a se conhecerem fo- possibilidade de ter uma resistência
ram Thânara e Agatha que se esbarram dentro do seu próprio território. Tanto a
quando ambas tiveram a idéia de inva- Academia Arcana quanto os Cavaleiros
dir a casa de um dos locais-tenente da da Luz estão bem à par dos aconteci-
guarda de Milothiann (capital de Porths- mentos, mas comentam, à boca peque-
mouth). A intenção de Thânara era de na, o assunto – uma questão de segu-
conseguir algumas informações sobre os rança e diplomacia – mas ninguém du-
boatos que andava ouvindo e sobre os vida que de alguma forma estas duas
estranhos desaparecimentos que ocorri- importantes e respeitadas instituições
am na região. A intenção de Agatha era disponibilizam ajuda e recursos aos re-
obrigar o local-tenente a revelar onde beldes.
estava preso um mago amigo seu. Nestes últimos tempos todos con-
O encontro gerou frutos. A relação cordam que ventos diferentes sopram
de ambas – mas com visões diferentes no reino da magia proibida. Ventos que
de como deviam agir – as levou a traba- transparecem a mudança.
lharem separadas, mas uma tentando
ajudar a outra no que pudessem. Quase
que na mesma época elas souberam de
ações violentas contra tropas de Asloth
nas proximidades da fronteira com as
Uivantes. As notícias oficiais diziam que
não passava de uma tribo bárbara que
volta e meia se aventurava dentro dos
territórios do Conde procurando supri-
mentos e ouro. Mas as informações,
descobertas por elas, davam conta de
que as perdas eram muito maiores do
que simples procura por suprimentos e
realizadas por um pequeno grupo.
Agatha conseguiu localizar o grupo
de Kron, graças as informações obtidas
por Thânara, e depois de algum tempo
já trabalhavam juntos. Estava formando
-se o núcleo dos Caçadores. Logo depois
veio Leonard que também já ouvira boa-
tos sobre alguma reação nascente nas
sombras e igualmente procurava ajuda.
Eles se organizaram, recrutaram,
cresceram e lutaram. Nestes últimos
quatro anos muitos prisioneiros já fo-
ram libertos e muitas foram as perdas
de Ferren, bem como muitas foram as
perdas de valorosas vidas de membros
dos Caçadores.
As ações não passaram desaperce-
bidas pelo resto do Reinado embora
houvessem tentativas de abafar os co-

15
estrutura dos Caçadores de Abutre cando o velho abutre em qualquer local

A não é tão simples. Muito embora


ela tenha um fim comum – a desti-
tuição de Ferren e de sua política doenti-
que lhe interessasse.
Com a posterior organização da es-
trutura dos Caçadores houve a redução
a – ela atua em diversas frentes para al- para quatro grupos, cada um possuindo
cançar tal objetivo. Isso é resultado, en- sua liderança independente e responsá-
tre outras coisas, da forma espontânea vel por tudo aquilo que estiver relacio-
como surgiram suas iniciativas de afron- nado a sua atividade. Essas quatro lide-
tamento ao velho abutre. Ao mesmo ranças são as cabeças pensantes de to-
tempo suas atividades são complemen- da a teia de membros que atua contra
tares umas às outras, assumindo um Ferren. Cada liderança coordena as a-
aspecto descentralizado na aparência, ções de vários pequenos grupos confor-
mas só na aparência. me a sua área de atuação.
Sempre que há a tentativa de derru- Desta forma os Caçadores atuam em
bada de um tirano – pode ser Ferren ou duas áreas distintas. Uma para ações
qualquer outro - são utilizados todos os indiretas e outro para ações de enfren-
métodos possíveis e nem sempre de for- tamento. Cada qual com fins específi-
ma organizada. Com os Caçadores não cos.
foi diferente desde sua origem. Cada
frente de ação procurava espontanea- Os grupos de ação indireta atuam
mente, conforme suas habilidades, atin- principalmente nas grandes cidades de
gir o velho abutre num ponto estratégico Portsmouth, dividindo-se em dois: uma
de sua estrutura de poder. Assim forma- equipe para cooptação de informações
ram-se vários grupos que atuavam ata- estratégicas; e outra desmontando a i-

16
imagem de Ferren e tentando abrir as
mentes da população à verdade. Já os
grupos de ação direta, ou enfrentamen-
to, são o verdadeiro braço armado dos
Caçadores e estão acostumados a traba-
lhar em ações conjuntas – mas não
sempre. Uma das equipes atua na liber-
tação de prisioneiros, enquanto a outra
trabalha no enfrentamento das forças
mercenárias e milicianas do reino sob a
forma quase de guerrilha.
Toda a atividade dos grupos é centra-
da e orientada pelas informações desco-
bertas pelo grupo de informações, lide-
rado por Thânara. Através dela todos os
outros grupos conseguem suas informa-
ções e diretrizes, localizando seus alvos
e descobrindo possíveis estratégias para
seguir.
As quatro lideranças decidem o futu-
ro da organização em reuniões sem uma
periodicidade específica. Essas reuniões
não precisam contar com os quatro líde- nara) são os pontos de encontro escolhi-
res juntos. As decisões podem ser toma-
dos na capital.
das apenas por um dos líderes. Ações
com mais de um grupo envolvido ou Nessas reuniões são estabelecidas as
muito perigosas são normalmente deci- diretrizes a serem seguidas nos comba-
didas em conjunto. Até por atuarem na tes futuros bem como realizar balanços
clandestinidade existem certas dificul- das últimas atuações ou testar novos
dades para encontros formais. Mas es- integrantes para seus grupos.
ses encontros acontecem. A preferência Para o sucesso dos Caçadores nesta
está em locais isolados como em acam- luta outro ponto crucial é o anonimato.
pamentos no interior das florestas pró- E para isso a aquisição dos membros
ximas às fronteiras. A principal alterna- deve ser muito cuidadosa. Como dito
tiva, nestes casos é o acampamento de anteriormente existem quatro grupos
Kron (um dos líderes) próximo às fron- básicos – cada qual estruturado para
teiras de Hongari – que é menos vigiada uma forma de atuação. E eles são am-
que as outras. Ocasionalmente também parados por uma rede restrita de mem-
reúnem-se em pequenas tavernas pelas bros subalternos – uma necessidade e-
estradas menos movimentadas. vidente para poderem atuar em um ter-
Mas também, em casos especiais, po- ritório tão amplo, mas de forma anôni-
dem se encontrar na própria capital - ma.
Milothiann - pois o grande fluxo de pes- A necessidade de aquisição de mem-
soas, dos mais variados tipos, serve co- bros, aliado ao fato de não possuírem
mo camuflagem perfeita para essas oca- uma chefia centralizada, leva-os, assim,
siões bem debaixo do nariz de Asloth. O a selecionarem seus membros de forma
templo de Thyatis ou a “Casa da Ma- individual - conforme as necessidades
mãe” (como é chamada a casa de Thâ- do grupo - e de utilizarem critérios dos

17
mais variados possíveis.
Cada grupo tem autonomia para alici- Os Testes
ar novos membros da forma que achar Os testes que os líderes dos Caçado-
melhor. O único ponto comum é a ne- res impõem aos pretensos integrantes é
cessidade de estarem certificados de muito duro e nem sempre está restrito
que os novos membros em nada coloca- à um momento específico. Na maioria
rão em perigo a organização. Isso é a- dos casos ações isoladas de algum in-
certado formalmente nos encontros dos satisfeito com o regime do Conde Fer-
líderes onde testes são realizados das ren podem ser acompanhadas por
mais variadas naturezas. Cada aspiran- membros ou líderes dos Caçadores
te aos Caçadores enfrenta às provas es- mesmo antes deles serem contatados e
colhidas pelo líder do grupo ao qual pre- convidados para ingressar na organiza-
tende ingressar. A avaliação é feita por ção.
todos os líderes em conjunto. Só é acei- Deve ficar claro que fazer parte dos
to aquele que tiver unanimidade das o- Caçadores não é uma mera opção, mas
piniões. Com todo este processo apenas um merecimento e reconhecimento de
os líderes têm uma idéia aproximada de sua posição frente à realidade de Por-
todos os membros dos Caçadores. thsmouth.
É muito importante que ninguém i- Então, na maioria das vezes, os con-
magine esta organização como que uma vidados a fazerem parte do grupo nem
associação de um grande número de ao menos sabem da existência dos Ca-
membros. Ela é grande para as propor- çadores, ou quando sabem, não tive-
ções de uma época como a que vive Ar- ram a oportunidade de ‘se’ convidarem
ton no momento. Não existe mais do para integrar o grupo.
que vinte ou trinta membros em cada
Os testes, após um ou mais nomes
grupo – além dos líderes e seus colegas
serem escolhidos, são preparados pelo
– atuando espalhados por toda a Ports- líder da equipe à qual pretendem o ser-
mouth, agindo em pequenos grupos, viço do testado. Normalmente o teste
duplas ou até mesmo isolados. se dá sob forma de uma missão isolada
ou junto de outro membro da equipe.
Seus passos e ações são cuidadosa-
mente estudados pelos líderes das e-
quipes, em conjunto, e a decisão tem
de ser tomada por unanimidade.
Aqui há algumas sugestões de mis-
sões como teste por equipe:
Grupo de informação: invadir de-
terminada local para roubar documen-
tos, mapas ou descobrir localização de
alguém.
Grupo de artistas: invadir uma fes-
ta oficial para denegrir a imagem de
Ferren ou outro nobre.
Grupo de resgate: salvar um prisio-
neiro de dentro da prisão em uma vila.
Grupo de ataque: roubar armamen-
tos de uma caravana.

18
Locais Importantes venções para lhes auxiliar. Além disso
tudo, há um pequeno alçapão que serve
Casa da Mamãe de rota de fuga, numa possível emer-
É assim que carinhosamente os mem- gência, levando diretamente às estreitas
bros do grupo de informações chamam galerias do esgoto, sob a cidade.
a sua base. É nada mais nada menos do Na última sala está o dormitório com
que a própria casa de Thânara. A mora- dois beliches e alguns armários repletos
dia esconde-se sob o disfarce do de roupas que servem muito bem aos
“Cotovelo Cerzido”, um local onde qual- disfarces utilizados por eles.
quer remendo pode ser realizado em
qualquer tecido. Quase todos os mora- Este é normalmente o local escolhido
dores da capital Milothiann já se vale- para esconder fugitivos e magos logo a-
ram de seus serviços ou pelo menos co- pós o resgate.
nhecem-no de nome. Por isso mesmo é Acampamento de Kron
um ótimo esconderijo. Recebeu este no-
Este acampamento comporta o grupo
me bem-humorado de David Willian nu-
mais numeroso dentre todos os que
ma das primeiras reuniões de grupos
compõem os Caçadores de Abutres. É
que realizaram por lá. também o único que mantém todos os
A casa localiza-se numas das inúme- seus membros juntos – salvo quando
ras ruas próxima à praça central. Mes- estão no meio de uma missão.
mo estando bem debaixo do Nariz de
O acampamento segue uma rigidez
Asloth funciona à todo o vapor para
tipicamente militar, seguindo a hierar-
manter a vida do tirano um verdadeiro
quia e um dia-a-dia como que se esti-
inferno. véssemos em qualquer outro campo mi-
Na casa não encontramos, aparente- litar do Reinado.
mente, nada de especial ou suspeito.
Sua maior característica é que estão
Abaixo dela é que se escondem os mis-
em constante movimento. Seria muito
térios. Ao lado da pequena adega, por
perigoso, para eles, permanecerem mais
detrás de um porta camuflada por uma
do que duas semanas no mesmo lugar.
estante de vinhos empoeirada, fica um
Mesmo assim permanecem sempre pró-
complexo pequeno, mas muito bem or-
ximo da região fronteiriça de Hongari,
ganizado, com três salas. ora de um lado ora de outro da frontei-
Alguém pode viver por semanas sem ra. Quando em movimento assumem a
sair de lá. Estes três cômodos compre- aparência de uma pequena caravana de
endem uma sala de reuniões onde dis- comerciantes. Mas na verdade são um
pões de mapas, livros com referências, acampamento itinerante.
pergaminhos com anotações e toda a
Sua aparência é a mais comum possí-
natureza de informação que possa ser
vel. Um conjunto de dez barracas de lo-
útil. É quase que uma pequena bibliote-
na escura postadas num círculo onde,
ca. no centro, estão outras três barracas
Na sala seguinte temos uma mescla bem maiores. As dez barracas são os
de refeitório com oficina. Os armários dormitórios dos membros – inclusive do
abarrotados de suprimentos disputam grupo principal encabeçado por Kron.
lugar com ferramentas e bugigangas No centro, nas barracas maiores, ficam
provenientes dos experimentos de uma tenda para reuniões, uma que ser-
Sturky que divide seu tempo entre as ve como refeitório e um pequeno depósi-
ações do grupo e a criação de novas in- to que na verdade é uma lona montada

19
sobre um carroção. Além disso, no cen- de bondade quanto por questões econô-
tro, fica o cercado com os animais – ca- micas – teria muito mais clientes se es-
valos e vacas. tivessem em paz com Bielefeld. Como
ele mesmo diz: “mago ou não, se tiver
Taverna “O Lince”
dinheiro e quiser beber, eu sirvo”.
Na estrada principal que segue entre
Enquanto Ronan serve como porto
Portsmouth e Bielefeld, contornando a
seguro para cartas e mensagens entre
Floresta de Jeyfar, existe uma taverna –
membros dos Caçadores e entre eles e
O Lince. É um pequeno estabelecimento
Bielefeld, seu estabelecimento serve co-
que abriga viajantes cansados e propor-
mo ponto de partida para suas carroças
ciona boa comida além de alguns mo-
que levam para Bielefeld muito mais do
mentos de paz. O fluxo é basicamente
que apenas mercadorias.
de comerciantes, visto que as relações
entre estas duas nações à muito estão Templo de Thyatis
deterioradas. Mas ao mesmo tempo é o Mesmo não sendo uma das divinda-
local mais próximo da fronteira com Bi- des mais cultuadas em Portsmouth – ao
elefeld e, como regra geral, problemas contrário de Keenn e Tanna-toh – é res-
políticos não afetam o desejo de lucro de peitada e possui um número de segui-
comerciantes. O comércio é intenso en- dores significativo. Seus principais tem-
tre os dois reinos. plos ficam na Milothiann (capital), Cam-
O Lince serve de ponto de partida pa- bur e Ith. Com pouquíssimos paladinos
ra fuga dos prisioneiros libertos. Ronan do deus da ressurreição perambulando
‘olhos-de-lince’, o dono do estabeleci- pelas terras de Asloth o trabalho de dis-
mento, nunca foi simpatizante das a- seminar os preceitos de Thyatis fica ao
ções de Asloth tanto por uma questão encargo de clérigos e seguidores.

20
Estes mesmos templos servem como Novas tentativas: Não há penalidade
refúgio e até mesmo locais para reuni- para novas tentativas ou tempo mínimo
ões dos Caçadores. Embora tenham u- para realizá-las. Mas a parte da conver-
ma postura oficial de não interferirem sa perdida na falha do teste não poderá
nos acontecimentos dentro de Ports- ser recuperada numa nova tentativa, à
mouth seus membros reconhecem que não ser que seja repetida pelo alvo.
algo de muito errado está acontecendo. Especial: Elfos e meio-elfos recebem
Dizem “que este reino deve renascer das +2 de bônus nos testes de Leitura Labi-
cinzas da imolação de seus governan- al. Qualquer personagem, no caso de
tes”. Eles sabem que algo deve ser feito tentar realizar Leitura Labial em movi-
para que isso mude, mas também reco- mento, além de uma caminhada nor-
nhecem que ainda não é o momento de mal, recebe –2 como penalidade em seu
saírem do anonimato e participar ativa- teste.
mente.
Condição Bônus/Penalidade
Mas mesmo assim não estão alheios.
Auxiliam das formas possíveis sem le- Menos de 4 metros +1
vantar suspeitas. Um de seus maiores 0
De 4 à 12 metros
clérigos – Gollus Thernistus – garante
aos Caçadores refúgio e assistência Acima de 12 metros -1/cada 2m à mais
quando necessário. Gollus e seus cole- Obs.: na escuridão considere as distân-
gas atuam quase que como um grupo cias com a metade da metragem
independente dos Caçadores, embora
ele não aprecie esta alcunha. Sua in-
cumbência – decidida por ele mesmo – é Novo Equipamento
levar a palavra de Thyatis à toda popu- Talismã “A Pena”
lação e, com os exemplos de seu Deus,
levar a população à razão. Ele na cansa Um pequeno pingente arredondado
de citar: “Para algo renascer sob a ben- de uma pedra verde opaca possuindo o
ção de Thyatis deve provar da morte ne- entalhe de uma pena. Não possui mais
cessária”! do que quatro centímetro de diâmetro e
fica suspenso numa fina e simples cor-
Embora não seja o primeiro lugar pa- rente metálica ou cordão de couro. Todo
ra os Caçadores procurarem ajuda – até membro que é aprovado nos teste de
para manter o anonimato dos seguido- admissão e completa sua primeira mis-
res de Thyatis – sabem que lá estarão são recebe um destes talismãs.
seguros.
Ela foi criada com a ajuda de alguns
Nova Perícia membros da Academia Arcana que está
engajada na luta contra a opressão dos
Leitura Labial magos. Seu efeito está em sinalizar, ao
Você é capaz de ler os lábios de uma seu possuidor, quando outra pedra i-
pessoa, à certa distância, como se esti- gual estiver próximo – num alcance de
vesse escutando o que fala. O usuário cerca de dez metros. Este sinal é dado
desta perícia deve estar de frente ou no com um pequeno aquecimento do talis-
máximo a numa linha em que consiga mã facilmente sentido pelo seu deten-
ver os lábios do alvo por inteiro. Se a tor. Ele não é capaz de indicar quem é a
boca do alvo estiver coberta, ou com al- pessoa que está com o outro talismã ou
gum obstáculo para visão de seus lábios sua direção, apenas sinaliza a proximi-
a Leitura Labial não poderá ser realiza- dade. É muito útil quando de encontros
da. secretos entre membros que não se co-
nhecem.

21
ada um dos grupos de ação dos Ca-

C çadores é muito distinto tanto em


sua origem quanto em seus compo-
nentes e práticas. Para cada um deles
Atrás de Novidades
“– Sabia que meu marido pegou pesso-
almente um daqueles magos imundos e o
um líder cujo único objetivo é colocar a entregou à Gregori?” – vangloriava-se u-
tirania e crueldade do Conde Ferren As- ma dona-de-casa à outra às portas do
loth por terra. Mas para conhecê-los re- Cotovelo Cerzido.
almente à fundo é necessário ver como
atuam e como se relacionam. “- Que sorte à dele.... na certa recebe-
rá alguma gratificação do prefeito.”
“- Ele não fez isso por recompensa. Es-
Cada um dos quatro grupos dos Ca- sa corja tem de ser aniquilada antes que
çadores será explicado em três parte corrompa nossas almas. Ferren tem toda
neste capítulo. Primeiramente será a razão. Bendito o dia em que ele abriu
apresentado um conto sobre uma nossos olhos. Meu marido disse que pri-
das missões do grupo, mostrando meiro o mago será interrogado em Ith, e
como eles se relacionam entre si e depois ele terá o que merece aqui na pra-
como agem. Logo em seguida será ça.”
apresentada uma explicação sobre o “- Mas ele deve pelo menos ser agraci-
grupo, seus membros e peculiarida- ado com algum tipo de promoção?”
des. Por fim será disponibilizada fi-
chas dos líderes no sistema Tormen- “- Já aconteceu. Ele será o responsá-
ta RPG. vel pelo transporte do prisioneiro até Ith.
Ele saiu hoje pela manhã, bem cedo. De-

22
ve chegar por lá em alguns dias.” pois ele mantinha a mesma expressão
As duas senhoras conversavam ani- despreocupada e desinteressada en-
madamente quase às portas da alfaiata- quanto brincava com alguns gravetos.
ria mais famosa da capital de Portsmou- Mas isso não era de todo verdade. A
th. Tinham de esperar do lado de fora, conversa estava sendo analisada e guar-
pois o movimento de clientes, sempre dada com o máximo de cuidado pelos
em grande número, obrigava que mui- ouvidos perspicazes do infante.
tas vezes tivessem de esperar por quase Alguns minutos depois ele levantou
dois quartos de hora antes de serem re- desleixadamente e ingressou na loja de
cebidas. sua mãe. Logo que entro seu olhar cru-
O estabelecimento estava localizado zou com o de sua mãe. Já sabiam o que
numa das principais vias da capital de fazer. Ele dirigiu-se mais para o interior
Portsmouth. Ficava a duas quadras da da casa e desapareceu num corredor ao
praça central e bem próximo de uma á- fazer uma curva. Logo atrás veio sua
rea cuja população vivia em condições mãe sorrindo como sempre e dizendo
financeiras relativamente boas. Isso so- que iria trazer umas amostras novas de
mado à grande qualidade dos serviços tecidos, desaparecendo ao entrar na
prestados pelas costureiras do Cotovelo mesma curva do corredor.
garantia um quantidade regular de cli- Agora sem sorrisos nos rostos eles se
entes. entreolharam e trocaram poucas pala-
A proprietária, Thânara Rhaster, era vras.
aquele tipo de mulher cuja presença “- Pegaram mais um ontem.”
sempre era nota onde quer que estives- “- Levaram para onde, Arth?”
se. Tinha uma estatura baixa e feições
simples, mas enchia o ambiente com “- Ith. Saíram hoje pela manhã. Devem
sua presença sempre que entrava em chegar em cinco dias.”
qualquer lugar. Era muito ativa e dava “- Quantos homens estão indo? Para
atenção à todos os que atravessavam qual das prisões?”
suas portas e sempre tinha um sorriso
“- Isso teremos de descobrir, mãe.”
pronto para distribuir. Todas as cliente
a conheciam e sempre que houvesse um “- Chame os outros. Não temos tempo.
grupo de senhoras “conversando”, ela Agiremos hoje mesmo.”
estava no meio. O menino recebeu um beijo carinhoso
Ela tinha um filho que morava junto. na testa e um sorriso singelo. Depois
Seu nome era Arthir. Um menino pe- entrou em seu quarto, pegou sua mo-
queno e sardento com doze anos que chila e se dirigiu para a porta dos fun-
passava o dia sentado nas escadas da dos.
entrada. Muitos diziam, brincando, que “- Sabe o que fazer querido. Tome cui-
ele parecia uma alma penada, pois apa- dado e peça à todos que estejam aqui na
recia do nada ao lado dos clientes bisbi- hora do jantar. Te amo.”
lhotando suas conversas. Mas deveria
Essa era a verdadeira face da família
ser apenas impressão.
Rhaster. E muitos já deviam suas vidas
Ou não. à eles.
A conversa entre as duas senhoras às
portas do Cotovelo Cerzido naquela ma-
nhã estava sendo acompanhando com
muito cuidado por Arthir. Quem olhasse
para o menino não perceberia nada,

23
O sol já havia se deitado no horizonte “- Estou bem atrás de você...” - o som
à algum tempo. Tudo estava mais calmo grave da voz de Allianthalas surpreen-
no Cotovelo Cerzido. As escadas esta- deu à todos. Ele estava sentado calma-
vam vazias. As portas estavam fecha- mente inclinando sua cadeira de encon-
das, assim como as janelas. Apenas u- tro à parede com os braços cruzados
ma luz fraca atravessava as frestas da por sobre o peito. Essas chegadas sur-
casa denunciando que haviam vida lá. preendentes eram típicas dele. Era co-
Era uma casa normal como tantas ou- mo se aparecesse do nada onde bem
tras em Milothiann. quisesse.
Duas batidas secas na porta dos fun- “- A quanto tempo está aí?” – inqueriu
dos cortam o silêncio do interior. o pequeno Sturky.
Thânara abriu a porta calmamente e “- Tempo suficiente..... vamos começar
aos poucos a luz trêmula das velas dis- de uma vez. Estou com fome”.
postas pelo ambiente iluminou a recém-
chegada. Era uma moça linda, não fosse
pelo semblante de poucos amigos. Ela
tinha aquela expressão de que estava Cerca de uma hora havia passado e
sempre sentido algum cheiro desagra- pratos vazios estavam à frente de cada
dável. um deles. Parecia que ninguém estava
“- Marla querida, que bom que chegou disposto à se demorar mais. ‘Aquele’ as-
cedo eu....” – começou dizendo Thânara sunto deveria ser discutido.
que foi logo interrompida pela moça que Arthir pegou sua mochila que estava
ingressou de forma rápida na cozinha pendurada nas costas de sua cadeira e
batendo os pés. puxou uma pequena caderneta, come-
“- Espero que pelo menos dessa vez çando a falar como se fosse muito mais
não seja uma pista falsa, estou louca pa- velho do que realmente era - “o mago foi
ra quebrar umas cabeças” – e jogou sua capturado ontem logo que atravessou a
espada num canto enquanto puxava um fronteira, vindo de Wynnla. Pelo que dis-
pesada cadeira de madeira e atirava-se se alguns guardas ele estava procuran-
sentada – “quem já chegou?” do a irmã que não dava notícias à mais
de um ano. Foi levado esta manhã para
“- Por enquanto apenas nós e Stu.” Ith onde será interrogado da forma que
“- Eu já cheguei e estou preparando o eles sabem fazer melhor do que ninguém
jantar” – da porta lateral saiu uma figu- e com toda a certeza será executado logo
ra pequena e suja de farinha dos pés à depois num enforcamento.”
cabeça. Sturky usava um avental bran- Todos ouviam com atenção. Não pare-
co que deixava sua pele verde-cinzenta cia uma criança falando. E eles, com to-
ainda mais evidente – “olá ‘m-a-d-a-m-e’, da a certeza não o viam como tal. O en-
como tem andado?” – curvando-se à xergavam como um companheiro. Con-
frente da guerreira carrancuda, marca- tinuou - “Pelo que consegui descobrir
va com ênfase cada letra com um olhar com meus amigos lá na Feira o boato que
de quem sabe que está fazendo uma corre é que querem executar o infeliz no
travessura. aniversário do prefeito de Ith daqui a du-
“- Nossa...cada vez que te vejo não sei as semanas. O próprio Ferren estará por
se está mais baixo ou mais feio” – disse lá para a ‘festa’. Quanto a hoje nada po-
Marla com semblante ainda menos a- deria ser melhor. Os soldados receberam
mistoso – “ e onde está aquele meio-elfo seu soldo e estarão loucos para gastá-lo
metido à Talude e, como sempre, atrasa- nas tavernas da cidade com bebidas e
do?” mulheres. Então teremos força mínima

24
nas casas da guarda e no escritório do minés fumegantes. Sua presença era
chefe da guarda”. imperceptível. Estava toda vestida de
Ele parou de falar ostentando aquela preto. Ao seu lado o velho Stu, igual-
fisionomia de dever cumprido. mente vestido de negro, verificava cada
uma de suas adagas e recolocava em
“- Faremos como de costume. Rápidos, seu cinto.
limpos e precisos... escutou bem, Marla?”
– foi dizendo Thânara virando-se para a De onde estavam podiam ver com cla-
guerreira que impressionantemente es- reza duas Casas da Guarda, uma em
tava com o rosto rubro. direção à praça central e outra ao lado
do castelo. Está segunda é que lhes in-
“- Não tenho culpa se aquele guarda teressava. Nela ficava o responsável em
infeliz me confundiu com uma prostituta comandar as demais Casas da Guarda –
e resolveu apalpar meu traseiro. Mas ga- Capitão Gregori. Toda informação sigilo-
ranto que ele não sentiu nada. Foi uma sa passava por ele, que se encarregava
morte indolor... pelo menos para mim... de aplicá-la. Se um novo mago fora en-
hahahahaahah!!!” – e todos caíram na contrado lá teriam a resposta. O traba-
risada. lho deles era simples e organizado.
Arthir já havia realizado seu trabalho.
Bisbilhotar, ouvir e conseguir informa-
Já haviam feito isto centenas de ve- ções nas ruas. Quem desconfiaria de
zes. Muitos de seus companheiros de uma criança?
ideal diziam que era graças à eles que Marla era o apoio armado do grupo.
ainda estavam vivos, inteiros ou se di- Sua capacidade de esconder-se e sutile-
vertindo. za em se mover traria inveja à muitos
Um dos pressupostos básicos da so- dos membros das famosas guildas de
brevivência nesses dias de hoje é a in- ladrões de Gorendil. Claro que sua irri-
formação. E eles sabiam muito bem co- tabilidade quase sempre lhe trazia pro-
mo conseguir isto. blemas, mas ela dava conta de todos e-
Era uma noite sem lua. Nada poderia les.
ser melhor. As sombras eram mais den- Allianthalas usava sua feitiçaria para
sas. Os becos mais sombrios. As ruas tornar os ambientes mais sóbrios e os
mais vazias. oponentes mais míopes. Isso diminuía
Todas as tavernas, em contrapartida, em muito a capacidade de oposição. A-
estavam abarrotadas. Os milicianos de lém de que todos sabem que um mani-
Asloth haviam invadido cada taverna da pulador de sortilégios é uma benção em
cidade. Desde o início das animosidades qualquer grupo.
entre Portsmouth e Bielefield que Asloth Para Thânara e Sturky restava o resto
mantinha um considerável contingente do trabalho. Entrarem sorrateiramente
de mercenários sob suas ordens. E co- e sair desapercebidos com o que queri-
mo de costume, no dia em que recebiam am – informação.
seu soldo por serviços prestados, corri-
am para fazer a felicidade dos comerci-
antes e cafetões da capital. E hoje era
este dia. Chegar ao telhado desejado de forma
“Hoje será mais fácil do que nunca” – silenciosa foi fácil para aquela dupla.
pensou Thânara sentada sobre um te- Não só pela estatura pequena que ti-
lhado observando um horizonte de cha- nham, mas pela incrível capacidade de

25
moverem-se silenciosamente. Ao mesmo quebrava o silêncio da noite era o ronco
tempo sentiam-se seguros. Sabiam que estrondoso do Capitão que dormia ao
bem próximo seus companheiros estari- lado de duas mulheres, todos semi-nus
am velando por sua segurança. e literalmente jogados sobre a cama. O
Vagarosamente a proximidade da ca- ar estava impregnado com um forte o-
sa da guarda, que pretendiam invadir, dor de vinho. Como todos os outros
era coberta por uma fina neblina. Uma membros da guarda de Asloth o Capitão
fina camada que dificultava sutilmente também havia recebido seu soldo e não
a visibilidade. Era a prova de que Allian- poupou despesas para se divertir na-
thalas começara a agir. Era o suficiente quela noite.
para esconder os passos dos invasores. Eles já haviam feito isto outras vezes.
A Casa da Guarda do Capitão Gregori Tantas que já era quase mecânico. En-
não diferia das outras. Eram constru- travam sorrateiramente, pegavam as
ções padronizadas. Todas eram sobra- chaves de Gregori no bolso esquerdo de
dos de alvenaria com uma pintura cinza sua casaca, abriam a gaveta direita de
-escuro. Seus telhados eram quase re- sua mesa, pegavam o que queriam e re-
tos com um leve inclinado para um dos colocavam a chave no lugar. Stu estava
lados. Numa das extremidades havia tranqüilo e seguro do que fazer.
normalmente uma boca de chaminé que Já estava com o molho de chaves na
levava diretamente ao quarto do Capitão mão quando percebeu um movimento
– no pavimento mais alto – e ao seu es- na cama. “Estava tranqüilo demais....” -
critório. Uma das moças acordara, ou pelo me-
Tinham de ser rápidos. A neblina ser- nos estava tentando acordar. Ele teve
via para que os guardas no muro do apenas tempo de se jogar embaixo da
castelo de Asloth, que ficava ao lado da cama.
casa da guarda, tivessem sua visão pre- Ele ficou olhando pela fresta entre o
judicada. Mas aquele “fenômeno” deve- chão e o cobertor o que a meretriz esta-
ria durar pouco tempo para não levan- va fazendo. Ele acompanhou seus pas-
tar suspeitas. sos nus para lá e para cá dentro do
No que chegaram ao telhado, enco- quarto. De repente ela se demorou num
bertos pela névoa úmida, cada um to- dos cantos do aposento. Ele, curioso co-
mou sua posição. Stu partiu para a mo só um goblin sabe ser, não se conte-
chaminé verificando se ela estava apa- ve e esticando o pescoço espiou. A pele
gada e logo meteu-se no buraco desapa- muito branca mostrava um corpo nu.
recendo pouco depois num vão quase Para ele isso fazia pouca diferença, pois
impossível. Thânara correu para os fun- particularmente achava o corpo huma-
dos da casa e dependurou-se nas calhas no muito pouco atrativo. Mas algo lhe
que costeavam o telhado pulando com chamou a atenção.
extrema precisão no parapeito de uma A moça vasculhava todos os bolsos
das janelas. das roupas do capitão passando depois
Stu chegou ao quarto de Gregori sa- para as gavetas da penteadeira. Ela jun-
indo silenciosamente pela abertura da tou algumas moedas e algo que parecia
lareira. As brasas ainda estavam fume- uma jóia presa em um cordão de ouro.
gantes, mas o calor era suportável. O Depois vestiu-se silenciosamente e saiu
quarto ricamente decorado com tapeça- pela porta levando suas botas na mão.
rias e tapetes estava escurecido. Apenas “Este sujeito não tem sorte mesmo...” -
uma vela acessa criava sombras distor- pensou Stu tentando segurar o riso. Ele
cidas pelas paredes. O único som que saiu debaixo da cama e moveu-se em

26
direção à porta do quarto encostando a salto deixando cair uma enormidade de
cabeça para ver se escutava algo. Girou objetos. Ela havia aberto um depósito
a maçaneta e, por uma fresta, trespas- de quinquilharias que caiam fazendo
sou o arco saindo em um corredor escu- uma confusão de sons metálicos que
ro. poderiam acordar um batalhão.
“- Você deve estar ficando velho. De- A diversão transformou-se em perigo
morou muito!” – denunciou Thânara ri- e os dois membros dos Caçadores sabi-
sonha – “o que aquela moça estava fa- am que tinham de sair naquele momen-
zendo?” to dali. Do quarto de Gregori gritos co-
“- Ela estava apenas trabalhando, mi- meçaram a ser proferidos - “Guardas...
nha cara. Era quase uma colega nossa” Guardas... Ladrão!!!”
– disse Stu esticando a mão e mostran- A noite estava ganhando a emoção
do a chave. que eles dispensavam. Sons começaram
Thânara pegou-a. Antes disso ela já a ser ouvidos do andar inferior da casa.
havia vasculhado os corredores e verifi- No primeiro andar ficava os dormitórios
cado se estavam seguros. Todas as velas de muitos guardas, e mesmo num dia
e lampiões foram providencialmente a- de pagamento nem todos estavam feste-
pagados por ela. A casa estava vazia. jando. Só restava a janela.
Desceram as escadas rapidamente e Eles correram pelo corredor escuro
adentraram no escritório de Gregori. pulando por sobre a infeliz moça estate-
Vasculhando a gaveta Thânara achou lada no chão. A janela ficava à frente da
as ordens confirmando o destino do porta do quarto de Gregori. Quando
capturado e o exato lugar onde estaria chegaram à janela a porta do quarto a-
preso. Ela adora a organização burocrá- briu e, saindo de dentro do quarto, sur-
tica que Asloth impunha aos seus su- giu a figura mais cômica que poderiam
balternos. imaginar. Gregori estava enrolado em
Tudo já havia sido arrumado e só res- um lençol que mais atrapalhava sua
tava colocar a chave no lugar. Quando movimentação do que escondia suas
estavam subindo as escadas ouviram vergonhas. Com o cabelo desgrenhado e
um barulho suspeito. Era a segunda as bochechas rubras pela bebida segu-
moça. Ela estava vestida, mas descalça. rando uma espada pela ponta, total-
Thânara e Stu se entreolharam com o mente bêbado.
riso contido. Gregori seria surrupiado Gregori saiu cambaleando em direção
pela segunda vez naquela noite. À e- à meretriz sem perceber as duas figuras
xemplo da primeira ela estava procu- naturalmente encobertas pelas som-
rando algo que pudesse engordar os ga- bras. Ele tentava correr, mas foi derru-
nhos da noite. Mas como a primeira mo- bado pelo próprio lençol sobre a moça
ça já havia limpado o dinheiro de capi- que estava começando a se desvencilhar
tão ela teria de procurar alguma outra dos objetos que haviam saído do armá-
coisa. rio.
A prostituta estava tentando abrir u- Passos começavam a ser ouvidos pela
ma porta trancada sem fazer muito ba- escada. Os primeiros guardas chegavam
rulho na esperança de achar alguma ri- àquela confusão.
queza. Thânara e Stu estavam se diver- Stu correu para dentro do quarto
tindo vendo a cena. A moça puxava e mostrando a chave para Thânara ten-
empurrava a porta até que ouviram um tando lhe dizer que iria colocar o objeto
forte estalo. A porta abriu de sobres- no lugar. Ela, por sua vez, abriu a jane-

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janela e jogou-se com maestria para fo- vam concentradas no segundo andar ele
ra segurando-se pelo parapeito. tomou coragem e esgueirou-se da aber-
Stu, ao entrar no aposento, correu na tura da lareira rapidamente em direção
direção das roupas de Gregori que esta- à porta que fazia divisa com o aposento
vam no chão e depositou a chave num dos fundos da casa.
dos bolsos. Em seguida jogou-se para Quando atingiu a porta e estava pres-
dentro da lareira e escorregou para o tes a abri-la sentiu um zunido passar
piso inferior. rapidamente por sua cabeça quase a-
Thânara, segurando-se no parapeito, certando-o. Era uma seta atirada de um
soltou seu corpo caindo seguramente no besta que estava agora presa à porta.
meio da escuridão. Mas com toda a con- Quando virou-se viu que um guarda es-
fusão armada nenhum lugar era total- tava pronto para jogar mais um projétil.
mente seguro. Logo que tocou o chão Ele sabia que não teria tempo de uma
sentiu seu pescoço ser entrelaçado por reação.
um musculoso braço - “Hahaha, e agora Com um solavanco a porta, à suas
o que pretende fazer ladrãozinho?”. A costas, abriu repentinamente. Um enor-
surpresa e a força desorientaram Thâ- me clarão surgiu numa explosão lumi-
nara que quase desfaleceu ante a força nosa sem som algum. Era a distração
aplicada sobre sua garganta. Ela sabia que proporcionou os instantes que Stu
que tinha apenas alguns momentos an- precisava.
tes que toda a guarda da cidade estives- Tudo aconteceu muito rápido. Fora
se aqui, mas não tinha forças para rea- uma fração de segundos. Stu jogou-se
gir. para fora da linha de tiro do guarda ar-
“- Covarde!!!” – Marla jogou-se sobre remessando duas pequenas lâminas
o guarda derrubando ele e Thânara. Ao que pegara em seu sinto. Ao mesmo
levantar-se o agressor ficou surpreso tempo o guarda conseguiu atirar uma
em ver que seu oponente era uma mu- nova seta, mas que passou sem atingir
lher. Mas a hesitação de alguns instan- o pequeno goblin. Logo depois o corpo
tes foi o suficiente para ela. Marla com do soldado estava estirado no chão com
grande facilidade atingiu-lhe o queixo as duas lâminas cravadas em seu pes-
com um pontapé certeiro jogando-o con- coço.
tra a parede da casa. Ele bateu de cos- O goblin levantou-se rapidamente e
tas e quando, pela força do impacto, a- correu para a porta para agradecer à
vançou novamente encontro a lâmina Allianthalas pela distração. Mas a seta
de uma espada que atravessou-lhe o do guarda havia encontrado um outro
ventre. alvo. Allianthalas estava sentado no
“- Vamos Thânara, rápido!” – Thânara chão com a seta cravada em seu ombro.
estava começando a recobrar a respira- O semblante do elfo era de muita dor.
ção normal mas estava ciente de toda a “- Vamos lá orelha pontuda, temos de
urgência nas palavras de Marla. sair daqui e eu não posso te carregar” –
“- Stu está lá dentro ainda!” mesmo sendo um goblin, Stu aprendera
“- Allianthalas foi ajudá-lo”. a respeitar seus companheiros e não iri-
a deixar nenhum deles para trás.
Realmente Stu estava lá dentro ain-
da. Ele permanecia oculto dentro da la- “- O que aconteceu?” – Marla e Thâna-
reira do escritório. Sua única chance ra dobravam a lateral da casa e chega-
seria chegar à porta dos fundos. Calcu- vam onde os dois estavam.
lando que a maioria das atenções esta- “- Alli, precisamos de uma distração
para escaparmos

28
para escaparmos e tirar você daqui, A-
GORA!”.
Conhecendo o inimigo
Allianthalas franziu a testa tentando Este é um grupo cujo nome já diz tu-
esquecer a dor. Fechou os olhos e gesti- do - obtenção de informações. A função
culo proferindo algumas palavras quase básica é angariar informações secretas e
inaudíveis. importantes para Ferren – tais como
próximos locais de investida do regente,
Conseguiram a distração. A neblina
objetos desejados por ele por alguma
estava mais densa agora e engolia mais
razão, suas intenções frente aos Paladi-
de uma quadra ao redor deles. Ela en-
nos de Khalmyr, prisões etc. Toda a in-
goliu à todos e com ela desapareceram
formação é relevante.
definitivamente.
Embora os membros que atuem neste
grupo sejam de classes das mais dife-
rentes possíveis, normalmente todos
Pela manhã, logo após amanhecer, possuem algum elemento importante
Arthir já estava à caminho de uma certa relacionado ao mundo dos ladinos (as
taverna levando na memória ordens es- perícias Esconder-se, Furtividade e Dis-
pecíficas para serem dadas à um outro farce são elementos quase que indispen-
grupo de Caçadores. sáveis para fazer parte deste grupo) ou
uma característica que seja importante
O papel do grupo de Thânara estava
para sua função.
realizado. As informações estavam ago-
ra correndo contra o tempo para tentar Sua líder, Thânara Rhaster, ladina de
salvar mais uma alma desafortunada. muita experiência e grande aptidão, ori-
Mesmo com toda a confusão daquela enta esta ramificação e seus membros –
noite e dos ferimentos de Allianthalas inclusive seu filho de doze anos, Arthir –
eles iriam lembrar e rir daquela situa- para a obtenção de toda informação
ção por meses. possível. Com ela e seu filho estão o go-
blin Sturky, que com um vasto conheci-
O que mais os divertiu foi que a notí- mento da cidade consegue achar uma
cia que correu a cidade nos dias posteri- agulha em um palheiro (sem redutor al-
ores dava conta de que a capital fora in- gum!). Desde que teve sua vida salva
vadida por uma guilda de ladrões que por um mago, que se entregou à milícia
usavam prostitutas entre seus mem- de Portsmouth para salva-lo, Sturky in-
bros.

29
tegra o grupo com uma noção de justiça grupos dos Caçadores.
poucas vezes encontrada em sua raça. Novos membros são aceitos muito ra-
Há também Marla Dylmoore, uma guer- ramente, pois Thânara tem a opinião de
reira de pouca paciência, mas com uma que quanto menos pessoas tiverem a-
grande habilidade em esgueirar-se pelas cesso à suas ações melhor. Mas quando
sombras. Fechando o grupo há Allian- necessitam de um membro novo para
thalas, um feiticeiro meio-elfo. atuar em outra cidade – sabe-se que
Seguem o lema de entrar e sair dos possuem apenas outros oito membros
lugares sem que percebem que estive- secundários – investigam à exaustão
ram ali. Até para não levantarem sus- sua vida e aplicam-lhe testes dos mais
peitas tentam não tirar a vida de nin- variados. Os aspirantes devem ter perí-
guém sem necessidade extrema. cias ligadas à vida ladina em bons ní-
Sua sede é no interior do Cotovelo veis para levantar algum interesse de
Cerzido, uma alfaiataria de renome que Thânara. Esses membros investigados,
pertence à Thânara e que está localiza- normalmente, nem imaginam que estão
da bem no centro da capital de Ports- sendo cogitados para integrar os Caça-
mouth. Nela, e em seus subterrâneos dores. O que Thânara procura são pes-
todas as estratégias são preparadas. soas cuja índole e modo de vida encai-
Também serve como local alternativo xem-se com os preceitos do grupo.
para reuniões dos líderes dos quatro

Thânara Rhaster: Humana Ladina 13; CB;


DVs 13d6+10; PVs 79; Inic +10; Desloc. 9m; CA 19
(10 + 6 Des + 3 Acolchoada); Agarrar 11, Toque 16;
BBA +9/+4; Surpresa +13; Ataques: +18 corpo-a-
corpo (adaga do retorno, 1d4+5 19-20/x2) e a outra
+17 (+19 contra humanos) corpo-a-corpo (adaga anti-
criatura, 1d4+4 - 1d4+6 +2d6 contra humanos - 19-
20/x2); Fort +5, Refl +16, Vont +7; For 14 (+2), Des
22 (+6), Com 12 (+1), Int 17 (+3), Sab 16 (+3), Car 16
(+3).
Perícias: Furtividade + 23, Blefar +18, Arte da Fuga
+31, Disfarce +20, Esconder-se +37, Obter Informa-
ção +21, Procurar +18, Conhecimento Local +16, Ob-
servar +17, Ouvir +14, Prestidigitação +19, Diploma-
cia +17, Falsificação +15, Escalar +12, Identificar
Magia +8; Perícias com Maestria em Perícia (efeito es-
pecial ladino 10º nível) Furtividade, Blefar e Esconder
-se, Identificar Magia, Ouvir e Observar, idioma Val-
kar. Talentos: Reflexos Rápidos, Acuidade em armas,
Foco em arma (adaga), Saque rápido, Iniciativa Apri-
morada, Sorrateiro. Talento regional: Faro para Ma-
gos [Portsmouth]. Especiais: Ataque furtivo +7d6,
Encontrar armadilhas, Evasão, Sentir armadilha +4,
Esquiva sobrenatural aprimorada, Habilidade especial: Maestria em perícia em Furti-
vidade, Blefar e Esconder-se, Habilidade especial: Amortecer impacto.
Equipamento: Adaga do retorno +3 e adaga anti-criatura (humanos) +2, Anel da In-
visibilidade, Anel Poder do Camaleão, Armadura leve acolchoada +3 sombra (+5 Es-
conder-se), Slick (+10 Arte da Fuga).

30
era sua intenção tornar-se um detentor
Apenas uma missão! das artes sorrateiras, muito menos virar
A adaga penetrou lentamente na pele um seguidor de Hyninn. Era um guer-
desprotegida do pescoço, deixando reiro e se orgulhava disto – pelo menos
transparecer filetes de sangue rubro e já se considerava um.
quente. Uma mão abafava o gemido de Logo atrás vinham Lillian e Agatha. A
dor. Em seguida o corpo, já sem vida, primeira deslizava. Nunca se poderia
pendeu pesado e sem equilíbrio. Ele foi dizer que Lillian andava ou esgueirava-
colocado suavemente em um canto es- se pois sua graça ao mover-se lhe confe-
curo, quase como se por alguma arte do ria a impressão de flutuar, deslizar. En-
destino não quisessem incomodar seu quanto Agatha, mesmo demonstrando a
sono. Este era um dos últimos. rudeza e o peso de uma guerreira expe-
riente, era quase tão silenciosa quanto
Já foram cinco até agora. Ela não Liz, como todos chamavam Lilian.
gostava de fazer isto mais do que seus Os quatro permaneceram espremidos
companheiros. Até porque sua razão de ante a entrada do corredor. As indica-
estar aqui poderia ser considerada até ções enviadas por Thânara mostraram-
que bem pacífica. Mas em alguns casos, se precisas. Isto facilitava em muito o
para ela pelo menos, os fins justificam trabalho de invadir um lugar como este.
os meios. Ganharam um tempo precioso assim.
“- Está fácil demais!”, suspirou Lillian “- Depois deste corredor começaremos
um pouco acima de um sussuro en- e enxergar as celas. Ele está na tercei-
quanto Agatha terminava de averiguar ra”, apontou Liz para a esquerda en-
se o corpo do soldado estaria bem es- quanto dá mais uma olhada em ambas
condido. direções.
“- Não vamos abusar da sorte Lillian, “- Lembrem-se. Rápidos. Silenciosos.
estamos numa prisão e não em um pas- Sem heroísmo hoje” - Agatha estava par-
seio. Nunca é fácil demais quando esta- ticularmente com os nervos à flor da pe-
mos colocando a corda em nossos pró- le nesta noite dominada por Tenebra.
prios pescoços” - repreendeu Agatha “- Vamos!” - clama em voz baixa Elli-
lançando-lhe um olhar severo que Lilli- zabeth entrando rapidamente à esquer-
an não estava acostumada a ver. da no corredor com os outros a seguin-
do.
O corredor no qual estavam desembo- O corredor era pouco longo e menos
cava em um outro mais estreito e ainda largo ainda. Era baixo também. Peque-
mais escuro. Ellizabeth esgueirava-se no o suficiente para incomodar. Tanto
com maestria e silêncio impressionante era que apenas duas tochas, uma no
um pouco mais à frente, como de costu- início e outra no final, eram o suficiente
me. Tirava proveito de cada ponto som- para iluminá-lo quase por completo. Liz
brio do ambiente. Ela parou na entrada pega a primeira e a apaga. Agatha fica
do novo corredor e esticou o pescoço es- na retaguarda, na porta que acabaram
guio com cuidado primeiro para um la- de deixar para trás. Os outros três a-
do, depois para outro. vançaram de forma cuidadosa até a pró-
Com um pequeno sinal dela, David xima tocha, próximo ao final do corre-
avançou alojando-se a poucos centíme- dor.
tros de suas costas. Ele não era nem tão “- Não temos muito tempo” - ponderou
rápido nem tão silencioso quanto ela. Lillian.
Mas estava aprendendo rápido a ser
pouco visível quando necessário. Não A última tocha é apagada. A escuri-
dão de Tenebra felicita-se com mais es-

31
dão de Tenebra felicita-se com mais es- Na parede, em um dos cantos, um pe-
paço para ocupar. O breu tomou conta queno painel, também de madeira, exi-
do corredor. O frio parecia mais intenso bia vários molhos de chaves distribuí-
agora. dos de forma irregular e sem identifica-
“- Droga de tochas. Qualquer brisa e já ção.
eram, maldição”, uma voz queixou-se “- Não precisamos delas”, gabou-se
acompanhado do som típico de uma ca- Liz, indo em direção da entrada das ce-
deira sendo arrastada. Passos pesados e las.
o som típico de metal batendo denunci- A procura não deu muito trabalho.
avam a aproximação de alguém protegi- Todas elas estavam vazias. Menos uma.
do com algum tipo de armadura. A terceira. Todas as outras tinham as
Os vícios típicos da monotonia fazem- portas escancaradas. Na única que es-
se presentes com o passar do tempo. As tava fechada pendia da parede um cor-
noites intermináveis de silêncio quebra- po moribundo que mais parecia uma
do apenas pelo gemer de um ou outro massa disforme consumida pela escuri-
infeliz. A falsa sensação de proteção que dão.
um ambiente como aquele adquiria. Tu- Lillian arrancou uma tocha da parede
do e qualquer coisa ajudavam para criar do corredor das celas enquanto Elliza-
um descuido. O guarda que fazia as vias beth terminava de abrir a porta de ferro
de carcereiro não estava imune à isto. E com sua maestria rotineira. Os três a-
este foi o único erro que não poderia co- proximaram-se. A figura tomou forma.
meter. Um rapaz de pouco mais de 20 anos es-
Quando entrou no corredor escuro tava dependurado na parede. O sangue
mal teve tempo para acostumar a visão seco sobre seu corpo seguia em peque-
à escassez de claridade. Foi surpreendi- nos filetes até o chão e encerravam em
do com o forte impacto em seu ventre. A pequenas poças sob seus pés. Um dos
dor lacinante não lhe permitiu soltar olhos fechados pelo inchaço e as marcas
um único som. Só sentiu frio. A escuri- de queimaduras pelo peito demonstra-
dão o envolveu por completo até consu- vam que a diversão não terminou cedo
mir sua alma. E o silêncio não foi que- nesta noite. O rapaz tinha a boca amor-
brado. daçada e as mãos com os dedos amar-
“- Estou decepcionado. Estamos a du- rados – prática comum quando prendi-
as semanas parados e quando finalmen- am um mago – todo cuidado era pouco
te temos algo para fazer não dá nem pa- com os manipuladores das artes de
ra o começo”, resmungava o jovem guer- Wynna, pensavam os guardas.
reiro enquanto limpava sua lâmina num “- Desgraçados”, rosnou Lillian com
dos inúmeros estandartes que pendiam os olhos embaçados enquanto a raiva
em quase todos os corredores dos edifí- transbordava de cada poro de seu cor-
cios oficiais de Portsmouth. po.
“- Vamos terminar logo com isso” – O som das vozes acordou o jovem pri-
resmungava Aghata, carrancuda. sioneiro que instintivamente encolhe-se
Os três agora já não se preocupavam, prevendo novas agressões. Qualquer um
tanto quanto antes, com o silêncio ou e todos eram uma ameaça para ele. Seu
com o anonimato. A ante-sala do cárce- único olho bom escancarou-se de medo
re era pequena e suja. Possuía apenas tentando discernir as imagens desfoca-
uma pequena mesa com duas cadeiras das à sua frente. Pouco conseguia pro-
de madeira, onde se encontravam um duzir de sons, e a mordaça não ajudava
grande pedaço de pão, um jarro e copos. em nada. Mas o pouco som que saía de

32
sua boca estava cheio de pavor. A parte mais complicada já havia sido
A dor dele somente fez aumentar a realizada e Agatha mostrava-se satisfei-
raiva que invadia seus três salvadores. ta. Ela sabia que invadir uma prisão em
Todos sabiam das atrocidades que espí- Portsmouth, mesmo fora de Milothiann,
ritos humanos fracos eram passíveis de era algo que poucos tentavam e menos
realizar quando sob um comando erra- ainda conseguiam. Mas hoje fora um
do. Esta não era a primeira e nem seria dia proveitoso e tranqüilo.
a última missão que realizariam para David e Lillian carregavam o jovem e
tentar acabar com isso. Mas a visão do enfraquecido mago pelos ombros com
que encontravam sempre produzia cica- todo o cuidado possível, enquanto Liz
trizes muito mais profundas em suas averiguava a retaguarda do grupo.
almas do que os prisioneiros levariam O final do curto corredor que saía da
pela vida no corpo. ante-sala do cárcere continuava e após
O mago quase convulsionava, preso uma curva desembocava numa escada-
pelas mãos, tentando libertar-se. Qual- ria que levava para o salão principal, na
quer movimento à sua frente poderia entrada.
significar uma nova agressão. Começaram a descer as escadas len-
Aquele triste quadro deixou-os para- tamente, acompanhando o ritmo do ma-
lisados por breves instantes. Ficaram go.
sem ação alguma. Até a realidade cho- “- O que vamos comer hoje? Eu comeri-
car-se em seu cérebro trazendo-os nova- a um boi, com certeza!” – dizia David de
mente ao mundo real. Essa volta trazia, forma relaxada para o mago – “e tu meu
novamente a frieza que tanto é necessá- amigo, com certeza não tens uma boa re-
ria neste tipo de ação. feição faz algum tempo. Hoje terás!”
“- Acalme-se. Não viemos fazer-lhe “- Acho que ele deveria começar com
mal algum”. Lillian acariciava-lhe o ros- uma sopa. Está muito enfraquecido. Com
to com um carinho materno enquanto certeza a sopa de Ronan vai fortalece-
seus colegas iam soltando suas mãos. lo!” – dia Liz lembrando da última vez
Nestes momentos ela relembrava os mo- que estiveram lá para receber as infor-
tivos que a levaram a deixar o conforto mações que Thânara enviara por inter-
de uma rica moradia na zona mais no- médio de Arthir.
bre de Milothiann e de enterrar o sonho
de sua mãe de um casamento com algu- Se eles não tivessem tomado todos os
ma rica família da capital. cuidados e livrado-se dos guardas da
vigia, com certeza Agatha estaria enlou-
Com as mãos soltas o corpo do mori- quecida com a conversa descontraída
bundo caiu em direção ao chão sendo deles. Mas até ela estava contagia com a
amparado rapidamente. Mas ele já reco- calma preocupante dos guerreiros.
nhecera, nas figuras embaçadas, alia-
dos improváveis. Isso o tranqüilizava Mas alguns erros são inadmissíveis e
enquanto agradecia chorando à Wynna Nimb é imperdoável em suas jogadas.
por atender-lhe as preces. Quando começavam a cruzar lenta-
“- Você está seguro agora e em breve mente o salão, após chegarem ao fim da
estará longe daqui” - falava David ama- escadaria, as cinco figuras ainda esta-
velmente transformado seu corpo em vam alheias ao que realmente estava
apoio para que o mago mantivesse-se de por acontecer. Acompanhavam o ritmo
pé. do mago. Estavam tão seguros de si que
não perceberam nada.

33
Descendo as escadas só precisavam abaixada e tentando proteger os corpos
dobrar à direita, pelo salão, e entrar na da dupla que estava prostrada no chão.
porta do salão secundário da despensa. Liz instantaneamente desembainhou
De lá, mais alguns passos e estariam na sua espada e Agatha igualmente o fez
porta que levaria aos fundos do prédio. segurando-a na mão direita e sua adaga
“- Como ele está?” – perguntou preo- na esquerda.
cupada Agatha. Mas não haviam sido rápidas o sufici-
“- Vai sobreviver, e isto já uma ótima ente. Desceram as escadas, às costas de
notícia. Se tivéssemos demorado mais Ellizabeth, pelo menos seis guardas.
um dia e nem ao cadafalso ele subiria” – Das portas das salas, adjacentes ao
David fazia força para que o desafortu- grande salão em que se encontravam,
nado não gastasse mais nem um pingo saíram pelo menos mais duas dúzias de
de energia. milicianos. Todos com espadas em pu-
nho e semblantes muito pouco amisto-
Chegaram ao sopé da escadaria, do- sos. Estavam completamente cercadas.
brando sem demora para a direita. Pri-
meiro Agatha, logo depois David e Lilli- “- Sabíamos que um dia cometeriam
an carregando o mago, e logo atrás Liz. um erro” – a voz saiu suave de um dos
O Saguão estava escuro. Faltava pouco milicianos, que pelas roupas deveria ter
para amanhecer e o breu imperava de algum posto de comando – “vocês já nos
forma mais intensa, para alegria de Te- causaram muita dor de cabeça e minha
nebra. promoção estará garantida com a morte
de vocês”.
No que Liz saiu das escadas tudo a-
conteceu muito rápido. Dois momentos de pausa se passa-
ram e tudo começou.
David dera pouco mais de quatro pas-
sos depois da escada e sentiu um forte Agatha, que estava mais à direita,
impacto em seu ombro direito seguido saltou sobre a mesa logo à sua frente
de uma dor lacinante. A dor o fez mo- procurando que a surpresa de sua ação
mentaneamente soltar o peso do mago fosse sua aliada. Usando a mesa como
que quase foi ao chão não fosse Lillian. apoio saltou com os dois pés diretamen-
te no peito do guarda mais próximo jo-
“- O que houve garoto? Perdeu a for- gando-o para trás. Caiu de pé pronta-
ça...” – reclamou a loira tendo de des- mente lançando-se ao combate.
pender mais esforço e equilíbrio para
manter o mago de pé. Liz preocupou-se com os que vinham
do andar superior e que as deixavam
“- Fui atingido...” – as palavra de Da- literalmente encurraladas. Sua espada
vid antecederam sua queda. zunia num balanço que não permitia a
Ninguém havia percebido coisa algu- aproximação de ninguém. Mas ao mes-
ma até aquele momento. Com a queda, mo tempo ela sabia que seria apenas
as três Caçadoras, sendo pegas de sur- uma questão de tempo.
presa, levaram alguns instantes para Por sua vez Lillian tinha a única preo-
ter real noção do que havia acontecen- cupação de proteger o mago, que per-
do. manecia desacordado, e David, que já
“- EMBOSCADA....!” esboçava uma reação depois do ataque
O grito de Agatha tirou as outras do inesperado.
transe momentâneo. Lillian soltou o Os guardas achavam que a rea-
mago da melhor forma possível sobre ção daquele pequeno grupo era apenas
David e puxou sua adaga mantendo-se uma abreviação do inevitável. Mas elas
não concordavam com isso.

34
Agatha, depois de derrubar o primeiro
em seu salto, caíra de arma em punho
Quebrando os grilhões
golpeando sem cessar de um lado para Este grupo tem a responsabilidade de
o outro. Com a espada na mão direita libertar os prisioneiros. A sagacidade da
atingira a coxa de um, deixando caído, e guerreira Agatha e sua experiência em
num giro sobre o próprio corpo acertara combates para resgate mostram-se co-
mais outro. Com a adaga na mão es- mo o fiel da balança que equilibra a for-
querda preocupava-se com a defesa das ça necessária com a inteligência precisa
investidas dos adversários. Já eram me- para a sua atuação e liderança. Normal-
nos três. mente atuam junto com o grupo de
Liz subia degrau à degrau empurran- Kron - um ataca de forma rápida e a-
do seus adversários para cima – vassaladora enquanto o outro faz o tra-
“DAVID, que tal levantar essa bunda do balho de resgate de forma precisa e im-
chão.... foi só um arranhão!!!” – gritou perceptível.
ela enquanto puxava a espada após u- Seu lema é: “o que os olhos não vêem,
ma estocada bem sucedida. a ponta da adaga mostra”. Trabalham
“- Eu cuida dos da esquerda e tu cui- rápido e limpo, deixando a impressão
das do mago!” – Lillian não era muito que nada ocorreu – fora a inexplicável
eficiente com lâminas, mas aprenderá montanha de corpos que deixam pelo
alguns bons truques com seus amigos caminho além do sumiço desconcertan-
de Nitamu-ra conseguindo causar bons te de prisioneiros.
estragos com um bastão. Lógico que Quem os conhece têm a impressão de
não seria nada fácil usando um esfregão estarem diante de uma família. Estão
que era o mais próximo de um bastão sempre brigando por quase nada. Mas
naquele lugar. Mas a perplexidade dos não admitem que qualquer um se intro-
seus adversários lhe serviu muito bem. meta. Protegem-se como coiotes em um
Em dois movimentos já havia quebrado bando.
um joelho e deixado mais dois inconsci-
Além de Agatha formam o grupo
entes.
mais três membros. A elfa ladina Elliza-
“- Eu me viro...” – resmungou David beth, que tem com a inseparável líder
puxando uma adaga e jogando-a o mais uma relação de quase irmãs, desde
rápido que pode. Não atingiu ninguém, muito resolveu colocar seu conhecimen-
mas conseguiu chamar a atenção de al- to e habilidade à serviço do que é certo.
guns guardas. Lillian é uma nobre desgarrada da corte
A situação não havia melhorado. Os de Portsmouth. Mesmo com toda a
guardas já haviam superado a surpresa pompa e afetação que uma côrte pode
inicial da reação do quarteto. E a luta inserir no modo de ser de uma pessoa,
estava bem mais equilibrada. ela é uma lutadora valorosa. Em Valká-
ria, reconheceu todos os malefícios que
“- Vamos fazer o seguinte” – gritou o
Ferren infligia ao seu povo. Ao mesmo
chefe dos guardas – “desistam e lhes
tempo presenciou os acontecimentos em
pouparei a vida. Vocês são muito bons,
torno da fenomenal libertação da deusa
mas não conseguirão se esquivar das
aprisionada. Não sabe como mas sentiu
bestas”. Isso era uma verdade incômoda
uma ligação extremamente forte com a
e elas tinham consciência de que a luta
deusa. Tanto que tornou-se sua clérica
estava por acabar. (tanto quanto isso possa ser possível no
Mas Nimb, sempre Nimb, havia lan- caso dela).David Willian é o único ho-
çado novos dados. Duas flechas zuni- mem do grupo. Por esse motivo tem de
ram pelo salão achando seus alvos. enfrentar as piadas bem humoradas das

35
três colegas todo o tempo. E o faz
com um grande espírito esportivo.
Sente-se como tendo uma família –
algo que não conhecera na vida.
Mas sua maior peculiaridade resi-
de em uma maldição. Por motivos
que ele próprio prefere não contar
Azgher lhe lançou uma maldição –
enquanto seu poder brilhar no to-
po do mundo, David não verá sua
luz. Durante o dia David é acome-
tido pela cegueira. Somente no
manto da Deusa Tenebra é que
seus olhos funcionam.

Agatha: Guerreira 13; N; ND


13; Humanóide (Médio – Humana);
DV 13d10+52; PV 151; Inic +7;
Desl 9 m; CA 21 (+3 Des, +7 arma-
dura, +1 talento Esquiva), Toque
14, Surpresa 17; Base de Ataque
+13; Agarrar +20; Ataque +23 cor-
po-a-corpo (espada longa, 1d8+13
mais sangramento 19-20/x2); Ata-
que Total +23/+18/+13 corpo-a-
corpo; Face/ Alcance 1,5 m/ 1,5
m; Fort. +12 Ref. +7 Von. +5; For
24 (+7) Des 16 (+3) Con 18 (+4) Int
14 (+2) Sab 12 (+1) Car 18 (+4).
Perícias: Furtividade +21, Intimi-
dação +20, Observar +21, Ouvir
+19, Sobrevivência +9; Idiomas
valkar, anão, goblinóide. Talentos:
Ataque em Movimento, Ataque Gi-
ratório, Ataque Poderoso, Dura de
Matar, Especialização em Comba-
te, Esquiva, Iniciativa Aprimorada,
Mobilidade, Prontidão, Saque Rá-
pido, Tolerância, Trespassar, Tres-
passar Maior. Talento regional:
Trapaceira Nata [Ahlen].
Equipamentos: Anel do sustento,
camisão de cota de mitral da ca-
muflagem +3, espada longa de a-
damantine do sangramento +3, lu-
vas da força de gigante +4 e poções
de curar ferimentos leves (10).

36
bárbaro. Mas paravam pouco antes de
Rachando cabeças tocarem seu corpo em uma espécie de
O capitão da milícia formulava uma barreira, uma barreira mágica.
ordem, mas de repente, desabou. Duas Demien o mago gargalhou alto, e jun-
flechas em sua garganta. Os soldados to com Slider Fastfingers e o elfo Paris,
ficaram pasmos por alguns segundos e adentraram no salão. Kron já chocara-
os olhares se dirigiram às janelas. Os se com seus inimigos. Seu machado su-
companheiros encurralados no meio do bia e descia ceifando as vidas daqueles
salão sorriram. malditos seguidores de Ferren. Ele urra-
Do alto de uma das janelas a figura va como uma besta e sua lâmina espa-
de um arqueiro desapareceu como em lhava sangue por onde passava. Os sol-
um pesadelo. dados foram obrigados a largarem as
bestas e usarem suas ínfimas, em com-
“- Vocês quatro, vão atrás dele” – o ca- paração ao machado, lâminas no com-
pitão estava morto e aparentemente um bate.
sargento tomava as rédeas – “e quanto a
vocês, ratos, morrerão agora. Homens, Ellizabeth, Lillian e Agatha combati-
sem piedade, mas deixem o mago viver, am os seis soldados, já que estes esta-
ele não nos pertence!” vam entrincheirados escada acima. Da-
vid havia se arrastado com uma mão em
Os milicianos avançaram e novamen- seu ferimento e a outra prendendo o
te os quatro Caçadores encurralados es- mago desmaiado junto a seu corpo.
tavam juntos, de costas um para o ou-
Slider avançou em um pulo e juntou-
tro, próximos ao prisioneiro. David pro-
se a Kron no combate. De cima de uma
tegia o mago na sua frente, e as três
das mesas que sobraram intactas ele
mulheres já erguiam as armas. Os sol-
atacava. Sua capa esvoaçante não pare-
dados da escada a desceram e outros
cia incomodá-lo e, às vezes, misteriosa-
quatro já haviam começado a destran-
mente parecia atacar junto a seu sabre.
car a porta principal em busca do ar-
queiro. As bestas estalaram prontas e Demien caminhou rapidamente e au-
então... xiliou David com o mago – “Não tema
amigo, seu tormento acabará em instan-
Explosão.
tes.”
A porta dupla que levava ao pátio ex- Os soldados que combatiam Kron e o
terior voou pelos ares. Os guardas que ex-gladiador, que agora eram treze, for-
tentavam sair foram abatidos pelos des- maram uma frouxa parede de escudos.
troços. Mesas viraram e a poeira encheu O misterioso corcel se desfez no ar, e o
no ar. Nada podia ser visto. meio-orc aterrissou confortável pronto
Mas podia ser ouvido – “Avançar!” para retomar o combate. Os inimigos
Kron invadiu o salão cavalgando um ergueram escudos e posicionaram suas
esplêndido corcel negro. Seu machado espadas curtas. Começavam a achar
descomunal girava por sua cabeça. Ele que poderiam derrotar os únicos dois
instigou o animal por cima das mesas e que os combatiam pela superioridade
foi direto à massa de milicianos. numérica. Mas novamente eles esqueci-
am-se do elfo.
“- Atirem nele, acabem com essa escó-
ria” – o sargento berrava evidenciando Três flechas voaram fatais, cada uma
seu medo. Mas seus homens, mesmo seguida de um grito de dor. Paris usava
com medo atiraram. Os ferrolhos de su- seu arco com maestria, e com seus dis-
as besta voaram em direção ao enorme paros a formação dos milicianos se des-

37
manchou prematuramente. A primeira Slider tinha um corte na cabeça que a-
coluna ficara desfalcada exatamente trapalhava sua visão e Lilian quebrara o
quando a carga de Kron e Slider alcan- braço esquerdo. Mas estavam todos vi-
çava sobre seus alvos. vos.
Paris desviou os olhos do que viria a “- Venham!”
seguir já puxando outra flecha. Trouxe Ellizabeth se adiantou seguida por
o braço direito para traz tencionando a Agatha e o resto do grupo. Kron carre-
corda. gava o jovem mago nas costas, seus fe-
Alguns segundos. rimentos não pareciam atrapalhar sua
A seta voou, mas dessa vez o alvo foi determinação. Iam em fila indiana, an-
um dos soldados da escada. O alvo, que dando mais rapidamente que podiam.
estava mais acima, usava uma alabarda Todos suados e fatigados. Cada metro
por cima dos outros guardas para ata- era um quilometro, cada minuto uma
car as três caçadoras. O guarda foi atin- hora.
gido no pescoço, e rapidamente largou a Alcançaram apressadamente a porta
arma, levando as mãos ao corte. Seus da despensa. Agatha tentou abri-la com
olhos procuraram seu algoz instintiva- um solavanco, mas para sua surpresa
mente, e chocaram-se com os olhos do estava trancada.
elfo um segundo antes do segundo dis-
paro. O guarda tentou gritar, mas seu “- Soldados invadiram pela porta fron-
grito morreu em sua garganta. A flecha tal" – era Lilian do meio da fila – “ande
acertara seu olho direito. O líquido ocu- depressa.”
lar vazou do ferimento junto ao sangue. Ellizabeth adiantou-se remexendo no
O soldado convulsionou ainda em pé e cinto. Retirou uma de suas ferramentas
tombou mole sobre os três que lutavam e quando começaria seu oficio, foi puxa-
mais a baixo, causando assim a distra- da para traz. Caiu sentada, e antes que
ção que as caçadoras precisavam. pudesse saber o que estava acontecendo
Em mais alguns minutos o combate ouviu um estrondo. Kron havia colocado
estava acabado. Vinte e quatro mortes. o mago de lado, e inesperadamente des-
Todas do lado do Conde Ferren Asloth. feriu um encontrão na porta, que caiu
ainda inteira no chão do aposento.
“- Como vocês sempre sabem a hora
de aparecer?” – Agatha questionava en- “- Não temos tempo pra isso agora ir-
quanto limpava o suor na testa. manzinha, agora andem!”
Kron desmanchou sua carranca em A guerreira e a ladina adiantaram-se.
algo que podia ser confundido com um Kron ergueu o mago novamente como se
sorriso - “pelo cheiro do medo das Q-U- não sentisse seu peso, mas delicada-
A-T-R-O donzelas!” - virando-se para mente, e o colocou sobre os ombros, an-
David e arrancando risos de todos. tes de as seguir.
“- Logo, mais soldados chegarão, te- No cômodo, dezenas de prateleiras
mos de ir” - disse Demien. acomodavam armas, armaduras, unifor-
mes e ferramentas. Uma porta esperava
“- Slider, você e Paris ajudem David.
já aberta na parede de fronte da primei-
Eu levo o mago” – o ombro esquerdo do
ra. Dessa vez, Ellizabeth sorria.
meio-orc sangrava abundante, junto à
mais de uma dezena de cortes que podi- Começaram a seguir pelo pátio em
am ser vistas em todo o seu corpo. Sua direção aos estábulos. Ainda nos corre-
meia-armadura estava deplorável. Slider dores, Paris e Demien enfrentavam pou-
cos os soldados recém chegados. Slider

38
A Força do Machado
Este grupo pode atuar em todo o ter-
ritório de Portsmouth, não ficando res-
trito às cidades. Ele é verdadeiramente
o braço armado dos Caçadores. Todas
as caravanas ou comboios de interesse
de Portsmouth, bem como instalações e
ações militares, são alvos deste grupo.
Minar o governo do tirano passa por
ações que visam enfraquecer a estrutu-
ra vigente. Se há uma rota de suprimen-
tos para uma posição militar qualquer,
já levara David, e Lilian os seguira. Fle- ele passa a ser um alvo. Se existe uma
chas voavam impedindo o avanço dos prisão para magos em algum reduto
milicianos inimigos. deste reino, é um alvo. Se rotas são ne-
“- Vá, eu os manterei aqui por mais al- cessárias para manter o bem estar do
gum tempo” – disse Paris no intervalo reino de Ferren, então são alvos. Este
entre um disparo e outro. grupo tem como líder um experiente
“- Como ousa amigo, dei-me essa hon- guerreiro bárbaro meio-orc chamado
Kron. Com sua virilidade e seu desco-
ra. Sua munição já esta quase acaban-
munal machado nenhum combate está
do, e além do mais, ainda tenho um tru-
encerrado ou perdido antes que ele de-
que na manga” – disse cordialmente o
cida por isto.
mago.
Seu grupo conta com três figuras dis-
Paris atirou mais uma flecha e como
pares. Paris Lonodar é um elfo ranger
um raio passou pela porta. Demien en-
que deixou sua terra natal pouco antes
costou-se na parede por um instante e da supremacia globinóides em Arton-
arregaçou a mangas da veste. Enquanto sul. Com a destruição da capital élfica
se preparava ouviu uma ordem do co- não tem mais motivos para voltar. Seu
mandante da milícia: “eles estão fugindo vasto conhecimento da natureza, adqui-
pelo armazém, saiam, temos de dar a ridos em não menos de sete décadas de
volta!” aventuras, o tornam um rastreador vali-
Era sua deixa. osíssimo.
Sibilou palavras arcanas e virando-se Por outro lado o guerreiro Slider Fast-
rapidamente fez uma enorme chama vo- fingers é retrato do astro que procura
ar pelo piso. Recitou outro feitiço, e com aplausos. Poucos entendem porque ele
as pernas movendo-se com o dobro da está inserido nesta luta altruísta, mas
velocidade fugiu em busca de seus com- todos concordam que é bem melhor tê-
panheiros, enquanto o teto de pedra, e o lo como aliado.
andar superior, desabavam sobre os Por fim, integrando o grupo temos
soldados. Demien, um mago. Como a lenha ali-
Era como ele sempre dizia, “Uma bo- menta a fogueira em noites frias, ele é
la de fogo era sempre uma bola de fogo.” alimentado pela raiva do que acontece
com seus iguais. Espera-se apenas que
a raiva não o consuma como a fogueira
Júlio Oliveira à lenha.

39
Kron: Meio-orc, Bárbaro 13; CB; DVs O Espetáculo
13d12+52; PVs 178; Inic +4; Desloc
12m; CA 26 (10 + 4 Des, + 1 deflexão, + A música ecoava alto pelas ruas e vie-
1 natural, + 9 peitoral de mitral, + 1 ta- las de Smishitown. O pequeno bairro
lento Esquiva); Agarrar +22, Toque +16, ficava num extremo da capital de Ports-
Surpresa +22; Ataque: + 26 corpo-a- mouth, mas quase não tinha ligação
corpo (machado, 2d8+20 +1d6 terra 20/ com a metrópole daquele reino. Sua po-
x3), Ataque total: +26/+21/+16 corpo-a- pulação era composta principalmente
corpo (machado enorme) Face/ Alcance por pobres e desprovidos de qualquer
1,5 m/ 1,5 m; Fort +14, Refl +8, Vont status. Os parias, como em qualquer
+6; For 32 (+11), Des 18 (+4), Con 18 cidade de porte considerável. Por isso
(+4) , Int 10 Sab 15 (+2), Car 12 (+1). mesmo a entrada festiva daquele carro-
Perícias: Adestrar Animais +6, Cavalgar ção trazia uma mescla de alegria, es-
+10, Conhecimento (natureza) +3, Esca- panto e prazer no populacho espremido
lar* +13, Esconder-se* +7, Furtividade* pelas calçadas.
+7, Intimidar +11, Natação* +10, Saltar* O bairro “daqueles”, como o resto da
+11, Sobrevivência +16, Ler/Escrever; população da capital costumava chamar
Idiomas valkar. *Foi aplicada a penali- com uma cara de nojo, era delicada-
dade de armadura. Talentos: Ataque mente separado do resto da cidade por
Poderoso, Esquiva, Trespassar, Trespas- um cercado, uma espécie de paliçada.
sar Maior, Usar Arma Exótica (Machado Mas depois de tanto tempo aquela ca-
Enorme). Especiais: Fúria (4/dia), fúria racterística estranha já não incomodava
maior, Esquiva sobrenatural, Esquiva aos moradores.
sobrenatural aprimorada, Movimento
A população era composta por mais
rápido, RD 3/–, Sangue humano, Sentir
moradores do que lugares para viverem.
armadilhas +4, Visão no escuro 18 m.
Eram verdadeiros amontoados de case-
Equipamento: Peitoral de Mitral +4, A-
bres acinzentados de madeira, muitos
muleto de armadura natural +1, Anel de
deles equilibrados em estranhos sobra-
Proteção +1, Cinto da Força de Gigante
dos. As vielas e becos eram, em sua
+6, Machado Enorme Elemental (terra)
maioria, verdadeiros esgotos ao céu a-
+4.
berto. Não mais de meia dúzia de poços
tinham água para suprir toda aquela
população. Animais domésticos corriam
de cá para lá por entre ratos e baratas.
Mas parece que nada disso diminuía
a alegria estampada no rosto das crian-
ças e de seus pais frente à maravilha de
sons e cores que entravam por aquele
portão tosco e sujo. Era uma população
pobre, suja e faminta. Eram desprovi-
dos de todos os mais simples bens para
viver. Possuíam suas crenças e temores,
amores e desejos. Ainda assim possuí-
am aquele brilho no olhar. E aquelas
cinco figuras percebiam isso.
A carroça puxada por quatro cavalos,
era praticamente toda forrada pelos
mais diferentes e coloridos tecidos, do

40
topo ao eixo das rodas. Muito longa ne- mesmo sabendo que quase ninguém sa-
cessitava de três jogos de rodas. Mas beria lê-los. Mesmo assim não se abdi-
mesmo assim percorria aquela rua es- cava de chegar bem perto dos homens
buracada com admirável maciez. para entregar-lhes cada panfleto, antes
Sobre a carroça, literalmente em seu destes serem puxados por suas espo-
teto, estava Ioridis. Trajando roupas la- sas.
ranjas vívidas e soltas como se cercada Na chefia desta trupe, e conduzindo a
de muitos lençóis. Ela gostava de dizer carroça, estava Leonard. Como de cos-
que as roupas que houvera trazido das tume ele vinha todo envolto numa pesa-
comunidades das grandes terras secas da capa de lã com a cabeça encoberta
do norte lhe caiam muito bem. O tur- por um capuz. Ninguém dava atenção à
bante azul celeste, enrolado em sua ca- ele até o momento que ele desejasse.
beça, escondia as orelhas alongadas lhe Como de rotina ele parava de repente a
auxiliando no intento de camuflar sua carroça e todos os seus amigos silencia-
raça em reino tão perigoso. Ela era uma vam. Ele se levantava e deixava cair a
meia-elfa extremamente atraente. Mas capa. Sua roupa era ainda mais colori-
mesmo assim nada arrancava aquele da que a de Ioridis. A barba e o cabelo
olhar vazio e quase sem vida. Por isso longos contrastavam com os tons ver-
mesmo a melodia alegre que saia de sua melhos e amarelos da roupa.
harpa, que contrastava com sua fisiono- “- Senhoras e senhores!!! Temos o ine-
mia, encantava à todos e chamava mui- narrável prazer de estarmos aqui. Somos
to mais atenção. carregadores. Carregamos alegria, ilusão
À frente da carroça vinham os gêmeos e felicidade aonde necessitem. Abrimos
Kavoc e Savac. As duas figuras pareci- os olhos dos cegos, os ouvimos os surdos
am espelhadas em aparência e movi- e gritamos pelos mudos.”
mentos. Vestiam apenas alvas calças Aplausos extasiados corriam por todo
largas, afinadas próximo aos tornozelos, o público que estava amontoados ao re-
e botas de um breu reluzente. Vinham dor da carroça. Os gêmeos iam realizan-
saltitando e girando no ar em malaba- do piruetas ao redor da meia-elfa no to-
rismos desconcertantes que arrancavam po da carroça enquanto Lifaen perma-
do público feminino aplausos e suspiros necia sentada, mais abaixo, o mais re-
e das crianças gritos de viva. Uma vez catada que ela conseguisse.
ou outra puxavam uma criança para
perto e a usavam em algum movimento “- Conseguimos uma pequena vaga em
simples, mas que encantava a popula- nosso calendário abarrotado de compro-
ção e trazia mais sorrisos aos infantes. missos para satisfazer os desejos de
nossos melhores amigos...”
Logo atrás dos espavitados e saltitan-
tes irmãos estava Lifaen. Sua beleza só “- Mas não temos dinheiro algum....” –
não chamava mais atenção do que a gritou um senhor ao fundo da turba.
pouca roupa que usava. Isso não a inco- “- Cada público nos dá o que tem de
modava em absoluto. Pelo contrário, ela melhor. Dos ricos queremos o dinheiro,
adorava ver o semblante abobalhado de vocês queremos o prazer da compa-
dos homens que a cortejavam e a dese- nhia.... e um pouco de vinho, é claro!” –
javam. Tinha plena noção de que está mais aplausos, gargalhadas e urros de
era sua maior arma – o desejo e a satis- alegria subiram ao céu.
fação deles. Era a camuflagem perfeita Leonard sabia exatamente como con-
para a sua real profissão. Ela percorria trolar um público. Sabia como ninguém
a rua deslizando como se não tocasse o
dizer o que queriam escutar e tirar-lhes
chão. Trazia nas mãos alguns panfletos, o que desejava. Mas o alvo dele não era,

41
com certeza, essas pessoas simples. Ele do e repensado. Seria uma noite ines-
sabia distinguir muito bem as pessoas. quecível para aquelas almas.
Daquele portão para fora estavam seus “- Você deve aprender a relaxar, meu
verdadeiros inimigos. A população afe- amigo”.
tada, empolada e racista de Portsmou-
th, sedenta por sangue inocente e facil- A voz suave vinda daquela pequena e
mente manipulada por Ferren, e porque bela mulher atingiu Leonard com um
não dizer que por Leonard também. impacto gostoso. Mesmo sem virar a ca-
beça um grande sorriso estampou-se na
Daquele portão para dentro estavam face e um calor aqueceu-lhe a alma.
pessoas quase que igualmente segrega- Sempre que Karin se encontrava com
das, é verdade que menos que os mani- Leonard, velhas chamas voltavam à to-
puladores de sortilégios, mas igualmen- na.
te indiferentes aos olhos do resto da po-
pulação. Eles tinham um ódio por ma- “- Ora, ora.... se não é a moça mais lin-
gos que foi criado artificialmente em seu da deste e de outros tantos reinos” – Le-
modo de vida e em seus corações, que onard saltou com maestria e caiu como
eram mais como reproduções do que um gato ao lado da moça.
significa ser um morador do reino do Ela de pronto enlaçou-o com os bra-
que por algo consciente. ços no pescoço, apertando-o como que
Essa população era também um alvo desejando unir os corpos num só.
para esse grupo. Mas alvo da quase “- Você demorou muito desta vez.
doutrinação que estavam prestes a fazer Quanto tempo faz? Quase um ano? Você
naquela noite. Eles eram a esperança de quer com toda a certeza me matar de
que algo poderia ser alterado se fossem saudades” – ela estava com fartas lágri-
esclarecidos. Essa era a sua jornada, mas escorrendo dos olhos.
sua tarefa, sua diversão. “- Não faça assim irmãzinha. Sabe que
“- Quero ver todos vocês, esta noite, na a vida de artista é assim mesmo. Nunca
praça central deste “nobre” bairro!!!” – sabemos onde vamos parar. A cada es-
ele fez uma reverência e aplaudiu sua quina uma surpresa. Infelizmente não
platéia – “teremos muita diversão, alegri- pude vir antes para cá, mas nunca dei-
a e bebida... tudo por conta das gordos xei de pensar em ti!”
pagamentos deles” – ele apontava com Cada vez que se encontravam, sem-
desdém com o polegar sobre o ombro pre que a trupe vinha para a capital de
em direção ao resto da cidade. Mais vi- Portsmouth, ele dedicava pelo menos
vas explodiam por todo o lado. algumas horas para a irmã, única que
A entrada triunfante e barulhenta es- ainda o procurava de sua família. Ela,
tava encerrada. A população retornava como os seus outros parentes, ignorava
aos poucos aos seus afazeres diários e a verdadeira ação do grupo de artistas.
as crianças permaneciam aqui e ali pro- E ele assim preferia, para manter todos
curando mais alguma atenção, coisa em segurança.
que os gêmeos não se negavam de for- “- Vai ficar quanto tempo, desta vez?”
ma alguma. – ela perguntava enquanto andavam pe-
Do alto do carroção Leonard observa- la rua de braços dados depois dele en-
va as pessoas na rua, perdido em seus caminhar a carroça para uma estrebaria
pensamentos. Seu raciocínio estava em próxima da praça central daquele bair-
pleno funcionamento repassando tudo o ro.
que cuidadosamente planejara para a- “- Prometo que ficarei uns dias... mas
quela noite. Cada detalhe estava pensa- por você, certo?!” – ele disse enquanto

42
sentia que o braço dela o apertara mais “- Deixe-me ver. Eu tinha uma enco-
forte ainda – “mas hoje terei meu show menda de um rapazinho... O que era
com o grupo e tenho alguns assuntos pa- mesmo?! Ah, sim... um esplendoroso arti-
ra resolver antes. Aguarde que amanhã go mágico” – ele ia falado enquanto fazia
pela manhã lhe encontro para termos o de conta que procurava algo nos bolsos
dia somente para nós”. sem o encontrar – “infelizmente não a-
Ela virou-se para ele e pulou em seu chei o tal medalhão”.
pescoço num abraço forte. Ela era mais O menino fez cara de desapontamen-
baixa que Leonard e ficou com os pés to e já ia liberando a passagem de Leo-
balançando. Osculou a fronte do irmão nard quando este interrompeu seu mo-
e sorriu. Depois o soltou e disse – “te vimento.
espero amanhã, bem cedo!” – e saiu cor- “- Mas o que é isto em sua orelha? –
rendo saltitando. ele fantasiou um semblante de espanto
Leonard sentia muita falta dela, mas e fez gestos exagerados enquanto levou
sabia que tinha um trabalho para fazer. a mão na direção da orelha esquerda de
O bem de muitos dependia dele e de to- Arthir – “aha... estava me escondendo
do o grupo dos Caçadores. Após contro- isso não é danadinho!” – e puxou uma
lar a emoção saiu andando displicente- pequena adaga como que por mágica.
mente pelas ruas da capital de Ports- “- Não encontrei o medalhão, mas não
mouth. Era uma cidade bonita, mesmo me esqueci do pequeno amigo.Veja” – Le-
com todo o lixo que ficava escondido em onard mostrou-lhe a adaga com muito
seus porões. Ele sentia-se culpado por cuidado – “belíssimo artefato, muito afia-
gostar de estar ali. Mas isto não o impe- do e o melhor... você joga e ela retorna
dia de arregaçar as mangas na hora do para sua mão como que por mágica!” –
trabalho. ele disse a última parte num sussurro
Alguns minutos de caminhada e esta- arrancando um largo sorriso do garoto.
va à frente de uma casa com um grande Arthir pegou a adaga e saiu correndo
movimento de entra e sai. Algumas mu- para dentro da casa. Leonard continuou
lheres estavam paradas em sua porta seu caminho satisfeito para a casa de
colocando a conversa em dia, enquanto costuras. Ele era reconhecidamente bo-
muitas outras faziam o vai e vem diário. nito e arrastava os olhares das mulhe-
Era o Cotovelo Cerzido. Renomada casa res que estavam circulando por ali. Su-
de costura da capital e dos arredores. as roupas também chamavam atenção.
Parado na porta, conversando com ou- Ser um artista era como um afrodisíaco
tras crianças, estava Arthir. De olhos para muitas.
muito vivos ele discursava empolgadís-
simo sobre um assunto qualquer quan- Ele entrou pela porta sem cerimônia e
do viu Leonard chegando. Sua fisiono- logo encontrou Thânara em meio à mul-
mia mudou e ele despachou seus cole- tidão de clientes e costureiras. Ao se a-
gas e correu na direção do bardo. vistarem trocaram largo sorriso e troca-
ram um grande e apertado abraço.
“- Salve, Leo!” – disse o menino pa-
rando de forma ameaçadora no caminho “- Já esperava a chegada de vocês pa-
de Leonard – “Pedágio!” – ele disse. ra logo, meu amigo” – disse ela.
“- Ora, ora... parece que o menino cres- “- Não queríamos que o caso esfriasse.
ceu. Está bem mais alto. Acho que um ou Temos de aproveitar ao máximo os fra-
dois centímetros!” – disse dando um sor- cassos dele” - sussurrou ele.
riso de canto de boca. Os dois se encaminharam para as de-
“- Não desconversa. Onde está?” pendências internas e por mais de uma

43
trocaram informações e histórias rega- de Leonard com a sua presença. Sabia
das à muito chá. Tudo sobre as últimas ainda que os olhares de asco da popula-
atividades, principalmente o resgate dos ção lhe incomodavam de forma profun-
últimos dias, foi passado para Leonard. da. Stu fora o primeiro goblin realmente
Logo em seguida ele despediu-se de- com sentimentos que ela conhecera.
les, mãe e filho, e retornou ao seu pas- “- Crianças... hora da diversão!” – gri-
seio pela cidade, mas com um encontro tou Leonard para todos sendo respondi-
marcado entre eles para mais tarde. do por gritos de entusiasmo dos gêmeos
e movimentos dos demais em prepara-
ção.
O show fora programado para ter du-
A noite chegou e o movimento estava as partes distintas. Na primeira a inten-
crescendo nos arredores do palco im- ção era a pura diversão do público com
provisado pela trupe. Era um tabuleiro performances artísticas da trupe. Na se-
de madeira com pouco mais de seis me- gunda parte, quando já tinham a plena
tros de cada lado. Tochas altas em todo atenção do público, passavam ao qua-
o seu redor iluminava muito bem o local dro que serviria para denegrir a imagem
do espetáculo. Não havia arquibancada. do velho abutre.
Cada um trazia seu assento ou empulei-
rava-se da forma que dava. Os mais ve- A primeira parte passou brilhante.
lhos eram encaminhados para frente. As Começou com Savac e Kovac numa lon-
crianças se jogavam pelo chão nos pon- ga apresentação que ia do contorcionis-
tos mais próximos ao palco desejando mo ao malabarismo. Jogavam facas em
não perder nada do show. alvos móveis, trocavam malabares em
pleno ar. O ponto alto era quando, u-
Numa grande tenda branca, montada sando um voluntário do público e joga-
atrás do palco e como uma continuida- vam malabares pegando fogo de um pa-
de da carroça, os artistas se prepara- ra o outro ao redor do voluntário.
vam em meio à animada conversa. Thâ-
nara e Arthir haviam chegado mais cedo Logo depois vinha Ioridis com sua
para rever os amigos. Ioridis tocava u- harpa. Ela tocava uma linda melodia
ma canção singela entre uma e outra onde Lifaen cantava e dançava vestindo
parada para acertar as cordas de sua uma roupa composta por muito tecidos
harpa. Os irmãos malabaristas demons- que voavam e criavam formas incríveis
travam seus novos truques para o pe- ao seu redor. A canção era de amor. Os
queno Arthir que tentava imitar sem casais ficavam mais próximos e troca-
muito sucesso seus movimentos. Thâ- vam carícias enquanto as crianças fazi-
nara conversava com Leonard e Lifaen am caretas ante os enamorados. Perto
passando instruções para as próximas do final da canção, em meio à sua dan-
atividades subversivas do grupo. ça, Lifaen puxava para o palco algum
casal de namorados e terminava a can-
“- Onde está Sturky?” – perguntou Sa- ção girando ao seu redor. Um beijo tro-
vac enquanto equilibrava-se apenas nu- cado entre o casal encerrava a melodia.
ma mão de ponta cabeça.
Leonard entrou, em seguida, vestido
“- Está por perto. Mas ele não quer se de bufão e alegrou o ambiente com pa-
arriscar a ser visto por aqui” – disse lhaçadas das mais variadas. As crianças
Thânara de longe – “mas ele assistirá o e os mais velhos eram seus alvos prefe-
show de alguma forma”. Thânara sabia ridos. Ele circulava pelo público, senta-
que o pequeno goblin era muito respon- va no colo de um, brincava e fazia care-
sável para querer comprometer o grupo tas de outros. Terminava com todas as

44
crianças no palco numa grande festa. guerreiros se inevitável. Foram vivendo e
Um pequeno intervalo era feito e al- prosperando à olhos vistos e passos lar-
gumas tochas foram cuidadosamente gos. Eles eram um só. E continuavam a
apagadas. Uma penumbra tênue era es- se denominar ‘Nós’” - Cada palavra de
tabelecida. Ioridis sentou-se num canto Leonard era, de alguma, forma encena-
do palco, sobre uma grande almofada da pelos três. A atenção do público era
vermelha, com sua harpa nas mãos. U- total.
ma fumaça com agradável perfume e- “- Mas onde há luz a escuridão, invejo-
mergia de alguns candeeiros espalhados sa, faz suas maquinações. Os seres ras-
por todos os cantos. A música iniciou tejantes destilam seus venenos em tudo
em um tom alegre. Leonard entrou, com o que há de bom e os abutres procuram
uma outra vestimenta completamente por uma carniça ” – a música silenciou
negra e postou-se no centro do palco. de repente – “e mesmo os deuses podem
“- Vou contar uma história para vo- ser iludidos. Quanto mais quando a es-
cês...” – ele proclamou de forma reve- curidão opera por intermédio de um co-
rencial – “ela me foi contada por meu nhecido.”
pai, e para ele por seu pai. Ela foi retira- Quebrando o silêncio Leonard saltou
da dos arquivos do próprio deus da sapi- no meio do palco, com sua roupa negra,
ência. E como todos sabem Tanna-toh ostentando um enorme nariz curvo. A
não mente!” música agora era sinistra e fúnebre. Ele
Todos do público moviam a cabeça bateu os braços como se fossem asas e
em sinal de afirmação. rodava ao redor dos outros três atores.
“- Num reino esquecido pelo homem, a “- Eu sou o senhor destas terras” – Le-
muito enterrado pelas areias do tempo, onard gritava com uma voz esganiçada –
vivia um povo. Homens, mulheres, velhos “e o que digo é lei, pois eu sei o que é me-
e jovens, todos dividiam o mesmo reino. lhor para ‘N-ó-s’” - dizia movendo os bra-
Todos se viam como iguais. Eles se cha- ços em movimentos exagerados e tea-
mavam apenas por ‘Nós’. O reino cresceu trais.
com a velocidade das plantações bem Os outros três atores, em coro, disse-
cuidadas e era feliz como a alegria das ram – “nosso senhor só pode querer o
crianças.” nosso bem” – e fizeram uma reverência
Os irmãos gêmeos, um com roupa a- à Leonard que continuava batendo os
zul e outro com uma vestimenta amare- braços.
la, entraram no palco em meio à narra- Leonard se aproximou de Savoc, que
ção de Leonard e simulavam serem agri- estava vestido de azul, e de Lifaen e pu-
cultores com ferramentas invisíveis em xou-os para um canto do palco dizendo
meio à um trabalho agrícola. Lifaen jun- – “eu nunca confiaria em alguém como
tou-se à eles, com uma roupa verde, si- ele, o amarelo não pode trazer nada de
mulado uma outra atividade qualquer. bom, o amarelo não parece desse mun-
Todos os três com sorrisos estampados. do” – e fazia uma careta de nojo. Os ato-
De quando em quando eles se abraça- res de azul e de verde simulavam uma
vam e se cumprimentavam e começa- confabulação e encenavam estarem se-
vam a simular uma nova atividade. A gurando armas e matando o gêmeo de
música continuava levemente festiva. amarelo.
“- Eles levavam suas vidas conforme Novo silêncio enquanto Kovac saiu de
os preceitos dos deuses” – continuou Le- cena e Leonard entrou de novo em cena
onard – “Eram justos, obstinados, honra- enquanto os dois restantes encenavam
dos, inventivos, pacíficos se possível, trabalharem no campo. Leonard repetiu

45
– “eu sou o senhor destas terras e o que ma, nós somos apenas N-ó-s!”. A cada
digo é lei, pois eu sei o que é melhor para passo repetiam a frase.
‘N-ó-s’”. Num único movimento, quando estão
Agora Leonard, com sua fantasia cari- à um passo de Leonard, simularam ata-
caturando Ferren, aproximou-se de Sa- cá-lo dizendo – “nada é mais importante
voc e o puxou para um canto dizendo – do que N-ó-s!” – e Leonard caiu fazendo-
“eu nunca confiaria em alguém como ele, se de morto no exato momento em que a
o verde não pode trazer nada de bom” – música passou do cadenciado tambor
enquanto fazia uma nova careta. O ator para a melodia alegre da harpa dançada
de azul repetiu a cara de nojo de Leo- pelos atores.
nard e simulou matar Lifaen. Todos bateram palmas efusivamente.
A música tem uma leve pausa e Leo- Toda a trupe, em pé e no centro do pal-
nard entre em cena novamente, dirigin- co, retribuiu as palmas com agradeci-
do-se para um canto do palco ele grita - mentos e mais palmas. Leonard sabia
“eu sou o senhor destas terras e o que que muitos poderiam não ter entendido
digo é lei, pois eu sei o que é melhor para a mensagem de forma clara, mas era
‘N-ó-s’”. Ele olhou com cara de nojo pa- uma semente plantada em solo fértil.
ra Kovac e sua roupa azul e disse – “eu Com o final do espetáculo o povo ini-
nunca confiaria em alguém como ele, o ciou seu retorno à suas casas. Mas as
azul não pode trazer nada de bom” – e surpresas não acabariam ali. Dias de-
simulando ter uma arma matou o ator pois as ruas daquele bairro pobre esta-
de azul. vam repletas de panfletos. Eles foram
Com o palco vazio Leonard gritou – espalhados pelo chão e o vento os leva-
“eu sou o senhor destas terras e o que va conforme seu gosto. A curiosidade
digo é lei, pois eu sei o que é melhor para fazia com que cada um pegasse um dos
‘N-ó-s’”. panfletos. Muitos não sabiam ler, mas
Com um grande silêncio – no palco e sempre havia um outro para ajudar-
na platéia – todos observavam Leonard lhes em saber o que dizia no manifesto.
fantasiado batendo os braços como que Uns leram em voz alta para muitos, ou-
voando sozinho no tablado. As tochas tros em voz baixa em pequenos grupos.
começam a serem acesas, todas, ilumi- O manifesto contava as atrocidades de
nando plenamente o palco. Leonard en- Ferren Asloth, que havia alternativas,
cenou ser ferido pela luz. O som de um que suas ações eram frustradas por um
tambor cadenciado ecoava nas mãos de grupo organizado, fazia piadas com a
Ioridis. figura do velho abutre e contava como
um pequeno grupo conseguiu libertar
Os três atores retornaram ao palco um mago injustamente preso.
com olhos pouco amistosos e, em coro,
gritavam para Leonard – “tu não és o se- Ao final do espetáculo Leonard e seus
nhor destas terras e o que diz não é lei, amigos sabiam que poderiam dormir de
pois não sabe o que é melhor para ‘N-ó- forma tranqüila. Sabiam que mesmo
s’”. não tendo pego armas haviam feito um
ataque ao caráter daquelas pessoas.
Cada um deles tirou sua roupa colori- Que haviam sacudido algumas almas
da, azul, amarela e verde, mostrando para pelo menos fazer-lhes pensar. Isso
por baixo uma singela vestimenta bran- era o que sabiam fazer. E pelo menos
ca. Os três avançaram contra o perso- haviam feito algo. E, principalmente, to-
nagem de Leonard de forma vagarosa dos sabiam que teriam uns poucos dias
gritando – “nós não somos de cor nenhu- de folga, mas logo já haveria uma nova
luta para começar.

46
zes isso torne-se necessário com can-
Mensagem Musical ções ou representações bem diretas.
Este é grupo responsável pela destru- Mesmo assim não são vistos como um
ição da imagem de Ferren Asloth. E to- perigo em potencial pelas milícias – “são
dos concordam que ninguém no mundo uns coitados desajustados...mas inofen-
faria isto melhor do que um bardo. E sivos” – dizem os milicianos. Mas eles
quando se fala em bardos ninguém se não são apenas rostos bonitos que sa-
compara, pelo menos em Portsmouth, à bem cantar e atuar. Quando necessário
Leonard Mellonamin. Ele era o protótipo eles empunham muito bem suas ada-
perfeito de um nobre empolado e afeta- gas, arcos e seus efeitos mágicos em u-
do. Membro de uma família de nobres ma boa luta.
foi enviado para o Castelo de Erynia on- Lifaen é uma belíssima mulher com
de pretendiam que iniciasse sua vida no rosto de anjo. Sua beleza estonteante
mundo dos números – sua família o lhe trás muitas vantagens – principal-
queria como um renomado conhecedor mente no que tange ao seu contato com
dos cálculos. homens em um território extremamente
Jovem muito talentoso na arte da machista como este. Sua beleza conse-
música e da interpretação atraiu, desde gue seduzir homens influentes, cuida-
sua chegada, os olhares ambiciosos dos dosamente escolhidos. Esse contato
mais variados membros da côrte. Viam sempre lhe rende alguma informação
nele um futuro valoroso à serviço de As- valiosa e algum “dinheiro extra” cuida-
loth. Mesmo assim foi enviado para dosamente retirado de suas carteiras.
Mehnat, em Sambúrdia, depois de seu Os gêmeos Kavoc e Savac sabem a-
estágio em Erynia, onde iniciaria seus trair a atenção, quando necessário. O
aprendizados econômicos, para depois primeiro pela sua habilidade excepcio-
retornar para Portsmouth para servir à nal com o bandolim e o segundo com
corte de Ferren. Mas a viajem lhe trás humor aprimorado e sagaz em interpre-
efeitos diferentes dos esperados pela su- tações satíricas do Velho Abutre. Além
a família. A intolerância frente aos ma- disso, ambos são impressionantes ma-
gos, a xenofobia típica do seu reino e o labaristas e hábeis lutadores com facas.
tratamento pouco digno dado às outras
raças lhe mudam profundamente o mo- Por fim temos Ioridis. Há quem a
do de ver o mundo. Ele vê a “verdade”, compare à Glórienn, tomando-a por “a
descobre que vive em um local corroído dama de olhos tristes”. Com sua habili-
pela falta de escrúpulos de seu regente, dade interpretativa no palco, aliada aos
pela ignorância, o xenofobismo e o pre- toques sutis de uma harpa, canta as
conceito. E isso deveria mudar. A corte mazelas das comunidades pobres ten-
nunca mais o viu. Mas não declarou a- tando utilizar-se indiretamente delas
bertamente uma luta contra Ferren. para mostrar a culpa que Ferren leva
Considera prudente manter-se no ano- disso. Sua luta está diretamente ligada
nimato e prefere parecer ser mais um à vingança e tristeza crescentes desde a
excêntrico do que um revolucionário. morte de seu noivo – um mago – à man-
do do Conde. Isso à levou diretamente
Ele e seus companheiros vagam pelas em uma empreitada de ódio que a colo-
comunidades cantando aos quatro ven- cou em contato com os Caçadores.
tos toda a sujeira varrida para baixo do
tapete por Ferren. As tavernas durante A principal intenção do grupo seria de
a noite são lugares fáceis para encontrá criar uma aura de questionamento na
-los. Mas não atuam de forma muito a- cabeça da população – e isso é feito de
gressiva, muito embora em algumas ve- forma muito lenta. E eles sabem disso.

47
Leonard Mellonamin: Humano
Bardo13; NB; DVs 13d6; PVs 70; Inic
+1; Desloc 9m; CA 14 (10 + 1 Des + 2
Anel de Proteção +1 Camisão) +17 de-
fensiva e +20 defesa total; Agarrar 10,
Toque 11; BBA +9/+4; Surpresa 13; A-
taque: +11 corpo-a-corpo (espada curta,
1d6+1 Afiada 17-20/x2), Ataque total:
+11/+6/+1 corpo-a-corpo; Face/ Alcan-
ce 1,5 m/ 1,5 m; Fort +4, Refl +8, Vont
+10; For 12 (+1), Des 12 (+1), Con 11,
Int 16 (+3), Sab 14 (+2), Car 14 (+2).
Perícias: Saltar +12, Ouvir +12, Ofícios
[música] +15, Natação +6, Escalar +8,
Acrobacia +17, Atuação +13, Blefar +14,
Conhecimento [nobreza e realeza] +15,
Conhecimento [Capital de Portsmouth]
+13, Disfarce +12, Sentir Motivação
+14, Diplomacia +18, Obter informação
+16, Intimidação +16, Cavalgar +9, So-
brevivência +8. Talentos: Investigador,
Liderança, Persuasivo, Vontade de Fer-
ro, Acrobático e Negociador. Talento re-
gional: Faro para Magos [Portsmouth].
Especiais: Música de Bardo, Conheci-
mento de Bardo, Música de Proteção,
Fascinar, Inspirar coragem +2, Inspirar
competência, Sugestão, Inspirar Gran-
deza.
Magias de Bardo: 3/4/3/3/2
Magias Conhecidas: 6/4/4/4/4/2
Truques: Canção de ninar, Som fantas-
ma, Luz, Detectar magia, Pasmar e
Mensagem.
1º Nível: Sono, Riso histérico de Tasha,
Transformação momentânea e Curar
ferimentos leves.
2º Nível: Explosão sonora, Sugestão,
Poeira ofuscante e Padrão hipnótico.
3º Nível: Esfera de invisibilidade, Sono
profundo, Imagem maior e Loquacida-
de.00
4º Nível: Zona de silêncio, Porta dimen-
sional, Grito e Modificador de memória.
5º Nível: Pesadelo e Canção da discór-
dia.
Equipamento: Anel de Proteção +2,
Espada curta +1 Afiada, Camisão de co-
ta de malha +1 Sombria.

48
49
uando, nos corredores e salões fisionomia de tão poucos amigos, conse-

Q dos palácios da cede do Reinado,


dizem que o Conde Ferren Asloth
é o resultado de gerações de intrigas e
gue carregar todo o amor e dedicação de
toda uma nação. Dedicação essa que faz
o povo aceitar, sem questionar, uma ca-
lutas pelo poder não estão fazendo jus à çada à todos os manipuladores das for-
ele. Ele é muito mais. Uma versão apri- ças mágicas.
morada daquilo que pode haver de mais Sua aparência torta e fúnebre acaba-
baixo, frio e mesquinho em um ser. ram por lhe conferir a alcunha de Velho
Desde o momento em que assumiu o Abutre. E o apelido acabou lhe caindo
poder, após a doença que acabou por como uma luva frente à forma como age
tirar a vida de seu pai, Ferren Asloth go- e como conduz seu reino. Lógico que
vernou todo aquele território com mão ninguém em sã consciência mencionari-
de ferro e inteiramente para seu provei- a esse termo em sua frente, mas todos o
to. Fosse para se firmar ainda mais no conhecem assim, e nem sempre de for-
poder, fosse para destruir seus vizinhos ma pejorativa.
de Bielefeld, ou mesmo para descobrir Pois este velho abutre, achando-se
uma forma de acabar com a maldição intocável frente às ações políticas pouco
que marcou sua família, ele sempre a- efetivas e muito diplomáticas do Impe-
giu com crueldade e rudeza. rador-Rei Thormy para não desestabili-
Muitos fora das fronteiras de Ports- zar a região leste do Reinado, encontrou
mouth não conseguem entender como nos Caçadores de Abutre um desafio
aquela figura capaz de ações tão malig- que verdadeiramente pode desestabili-
nas, como matar a própria esposa por zar sua cômoda posição de arbitrário e
não conceder um primogênito, e com sanguinário governante.

50
Ferren Asloth: Humano, Aristo- Escudo, Contas da Força (4), Manto da
crata 5/Mago 13; LM; DVs 5d8-5 + Resistência +5, além do símbolo de po-
13d4+13; 64 PVs; Inic +2; Desloc. 9m; der de Portsmouth, a Coroa Asloth (que
CA 21 (10 – 2 Des + 8 Braçadeiras + 5 possui as mesmas habilidades de um
Anel); Ataques: +7/+2 base corpo-a- Elmo de Entender Idiomas e Ler Magias
corpo, +7/+2 base à distância; Fort +11, e um Halo da Persuasão). O conde ain-
Refl +8, Vont +22; For 6 (-2), Des 7 (-2), da pode conseguir outros itens de acor-
Com 8 (-1), Int 21 (+5), Sab 17 (+3), Car do com a situação. Ferren não costuma
22 (+6)/(+8)*. se utilizar de armas magias, mesmo que
Perícias: Alquimia +20, Blefar +17/ sua aparência ilusória indique o contrá-
(+19)*, Concentração +15, Conhecimen- rio.
to [arcano] +29, Conhecimento [história]
+16, Conhecimento [Local, Bielefeld]
+13, Conhecimento [Local, Portsmouth]
+13, Conhecimento [nobreza] +13, Di-
plomacia +17/(+19)*, Espionar +21, I-
dentificar magias +21, Intimidar +17/
(+19)*, Obter informação +10/(+12)*,
Observar +9, Ouvir +5, Sentir motivação
+13. *Ajustes com a Coroa Asloth, que
oferece +2 em todos os testes de Caris-
ma. Talentos: Escrever pergaminhos,
Convocar familiar, Estender magia,
Grande fortitude, Iniciativa aprimorada,
Liderança, Magia penetrante, Potenciali-
zar magia, Preparar poção, Prontidão,
Vontade de ferro.
Magias por dia: 4/6/5/5 (10 com o a-
nel)/5/4/2/1.
Livro de Magias: graças a sua busca
incessante pelo Tomo de Hangpharstyth
e anos de pilhagens aos magos que en-
tram em seu reino, Ferren Asloth acu-
mulou uma enorme quantidade de li-
vros de magia. Ferren conhece dez ma-
gias de 1º nível, dez de 2º nível, dez de
3º nível, oito de 4º nível, oito de 5º nível,
seis de 6º nível e seis de 7º nível.
Equipamento: Ferren possui um vasto
estoque de pergaminhos, de diversos ní-
veis e escolas (especialmente aquelas
que ele não sabe lançar). Ele também se
mantém bem provido de poções e vari-
nhas, sempre com uma exatamente a-
dequada a situação. Entre os itens má-
gicos que o conde sempre carrega consi-
go, a combinação mais comum é: Anel
de Proteção +5, Bastão da Negação, Bra-
çadeiras da Armadura +8, Broche do Es-

51
s aventuras que esta publicação realizar missões específicas.

A possibilitam estão apenas limita-


das pela inventividade dos mestres
e grupos de RPG. Os Caçadores de Abu-
Se a intenção fosse uma campanha
centrada neste micro-cenário as possi-
bilidades seriam ainda maiores. O joga-
tre é muito mais uma publicação para dores poderiam formar um dos grupos,
inspirar do que qualquer outra coisa. A principais ou secundários, enviados pa-
intenção sempre foi produzir um mate- ra sucessivas missões galgando gradati-
rial que pudesse ser usado tanto de for- vamente mais importância dentro dos
ma isolada, para campanhas e one- Caçadores. Essas missões poderiam
shots exclusivamente dentro do cenário muito bem se estender à outros territó-
mini-cenário proposta, quanto integrado rios do Reinado levando o grupo à jor-
à qualquer outra campanha dentro do nadas de longa distância.
macro cenário que é representado por
Tormenta RPG. Este micro-cenário também não pre-
cisa ser o ponto central de uma campa-
Mas mesmo assim não vamos nos nha em Arton, mas apenas mais um elo.
abster de fazer algumas indicações e su- Os jogadores poderiam começar como
gestões. membros dos Caçadores que posterior-
Se pensarmos inicialmente no cená- mente forma levados para outras aven-
rio de Tormenta fica extremamente fácil turas. Ou então eles podem ser aventu-
e simples de introduzirmos os Caçado- reiros em uma jornada por Arton que
res de Abutre. Podemos criar aventuras por algum tempo participam das ações
one-shot onde os jogadores comporiam dos Caçadores, atuando de forma tan-
um dos tantos grupos de ação - à esco- gencial de toco o enredo deste micro-
lha do mestre e do próprio grupo - para cenário.

52
Os Caçadores de Abutre permite ses- Membros dos Caçadores
sões e campanhas das mais variadas,
dentro e fora de Arton, continente cen- Quando o projeto teve início minha
tral do cenário de Tormenta. Se pensar- intenção era disponibilizar fichas de to-
mos neste micro-cenário como algo in- dos os membros citados. Posteriormente
dependente de Tormenta podemos criar eu considerei que, se o intuito fosse um
aventuras cujo foco central seja a luta material que os grupos pudessem usar
contra um governante maligno e cruel. e criar, isso acabaria por restringir de-
Com este viés as aventuras seriam cen- mais. Desta forma preferi apenas fazer
tradas quase que inteiramente dentro uma alusão às informações superficiais
do território de Portsmouth e, se assim dos membros.
o mestre desejar, indo algumas vezes Aproveitem e criem!
para os territórios adjacentes (Hongari,
Bielefeld e União Púrpura). Grupo de Informação
Com pequenos ajuste, todo este micro Marla Dylmoore
-cenário poderia ser introduzido em Humana guerreira 7/ladina 3; CB
qualquer cenário de qualquer sistema Allianthalas
de preferência do mestre com pequenos Meio-elfo feiticeiro 10; CB
ajustes necessários em alguns detalhes Sturky
das fichas (tal como os poderes concedi- Goblin ladino 4/ranger urbano 8; N
dos, já que são ligados aos deuses arto- Arthir Rhaster
nianos). Humano ladino 5; CB
O cenário em si foi concebido para ser
algo utilizável pelos amantes do RPG e Grupo de Resgate
não algo engessado dentro de apenas Ellizabeth
um cenário ou sistema. Elfa Ladina 12; CB
Se a intenção é divulgar e reproduzir Lillian Greenbone
o RPG devemos ter claro que ele deve Humana Clériga de Valkaria 10; NB
ser produzido de todas as formas e, David William
também, disponibilizado para sua máxi- Humano Guerreiro 10; CB
ma utilização não privilegiando apenas
este ou aquele cenário. Grupo de Ataque
Paris Lonodar
Elfo ranger 11; CB
Demien
Humano mago 10; CB
Slider Fastfingers
Humano Bardo 10/ Gladiador Imperial
2; CB

Grupo de Artistas
Lifaen
Humana ladina 12, CB
Kovac e Savac
Humanos (gêmeos) bardos 11, NB
Ioridis
Meio-elfa barda 11, CB

53
Obras de Referências
Algumas obras foram utilizadas para
enriquecer a história desta publicação
com informações (por assim dizer) canô-
nicas. Para mais detalhes não se demo-
rem em consultá-las.

Tormenta: Guia do Jogador - v. 3.5


Editora Jambô.

Tormenta: Academia Arcana


Editora Jambô.

Tormenta RPG: Módulo Básico


Editora Jambô

Tormenta RPG: Valkaria, a cidade sob


a Deusa
Editora Jambô

O Reinado – volume 1
Editora Trama

O Reinado – volume 3
Editora Trama

Revista Tormenta – edições #04 e #14


Editora Trama

Ficha do Conde Ferren Asloth: bem


como a imagem do personagem, que
constam no texto, foram retiradas da
Revista Tormenta edição 14, autoria de
J.M.Trevisan e Rogério “Katabrok” Sala-
dino.

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