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Interlúdio
1. Com amor, Hollywood
2. Uma despedida viking
3. O hotel do assassinato
4. Para o abismo selvagem
5. Engula a tristeza
Interlúdio
6. Estradas rurais
7. Oque é feito na Escuridão
8 Uma fogueira necessária
9. A luz sufocante
10. Do começo
11. O piano de cordas
12. Rebanho de ovelhas sombrias
13. Uma frente unida de perdedores
14. Luto como sementes
15. A cabana na floresta
Interlúdio
16. Lado animado
17. Velhos pecados
18. Longas sombras
19. O corpo, mas não a alma
20. Um sussurro suave e permanente
21. A jukebox sabe seu nome
22. Como respirar debaixo d’água
23. A hora da bruxaria
24. Em uma manhã fria e sombria
25. Deixe a Inspeção mostrar
26. Uma maçã fora de Cleaven Trunk
27. Chokecherry e outra flora ameaçadora
28. E então houve um
29. Mãos feitas para machucar
30. Fim de jogo
31. O grande estágio dos tolos
32. Ainda mais fundo
33. O diabo, o diabo
34. E se a verdade for uma mentira
35. Os Mortos e a Escuridão
36. Um adeus da bondade eterna
37. E então você encontra seu caminho
Interlúdio
38. Nadando em fumaça
39. Apenas fantasmas com saudades de casa
40. Na hora da manhã ela me chama
Agradecimentos
Interlúdio
BRANDON: Alejo?
Logan enrolou e jogou outra blusa de gola alta em sua mala. Já passamos por
coisas piores. Ela duvidava seriamente. Tinha visto todos os episódios deste
show, do moinho de vento assombrado ao museu de rochas satânicas ao
banheiro que também servia como um portal para o inferno, e este era o mais
brega até agora. ParaEspectadores nunca se esquivou do melodrama, mas à
medida que o programa se arrastava para sua sexta temporada, esses momentos
bregas pareciam vir a cada dois episódios. Logan não tinha certeza se era ideia
da equipe ou apenas a propensão de seus pais para o drama.
Ela puxou duas malas prontas da pirâmide de malas a seus pés e as levou
para o corredor. Além de Brandon e Alejo resmungando na TV, a casa estava
silenciosa. Logan voltou para seu quarto e parou na janela do segundo andar.
O sol branco da manhã brilhava na superfície da piscina. Além de seu quintal,
casas geométricas espalhadas se estendiam pelo vale uma após a outra. Ela
pressionou as pontas dos dedos na janela e fechou os olhos.
Ela realmente não queria deixar L.A.{1}
Atrás dela, botas trituravam os grãos de pipoca soltos espalhados pelo
tapete. Alejo Ortiz — o Alejo Ortiz da fama de caçador de fantasmas — estava
encostado na porta do quarto dela. Entre o cabelo preto meio preso e o corpo
esguio, ele parecia ter sido arrancado da TV de Logan. Examinou sua bagagem,
segurando seu telefone estilo walkie-talkie. O verdadeiro Alejo se portava de
forma diferente daquele da TV. Era mais quieto, menos dramático, sempre
relaxado como se estivesse tentando ouvir um pouco melhor.
— A dona da casa está em boa forma — disse Alejo em seu telefone. Ele
varreu os grãos de pipoca para fora da porta com a ponta de sua bota e
levantou uma sobrancelha para Logan como se a bagunça fosse o pequeno
segredo deles. — Temos mais algumas malas para carregar, então poderemos
pegar a estrada.
— Legal. — A voz metálica de Brandon estalou do outro lado da linha.
— Nenhum corpo debaixo do colchão?
Alejo riu.
— As roupas sujas resistiram, mas mostramos a elas quem manda.
Logan revirou os olhos e continuou fazendo as malas. As conversas bregas
pelo FaceTime eram uma rotina diária nos últimos seis meses. Todos os anos,
quando o ParaEspectadores terminava as filmagens da temporada, Brandon e
Alejo voavam direto para casa enquanto a equipe de produção partia para
explorar locais mais novos e “mais assustadores”. Mas este ano, Brandon tinha
planos diferentes.
— Como Snakebite está tratando você? — perguntou Alejo.
— O mesmo de sempre. É como se nada tivesse mudado em treze anos.
— Brandon limpou a garganta. — Exceto a neve. O tempo finalmente abriu,
no entanto.
Snakebite, a cidade rural do Oregon onde os pais de Logan cresceram, era
o tipo de lugar sem fotos no Google. Era um pontinho no mapa, um pequeno
arranhão de terra cultivada em um mar de colinas amarelas. De acordo com
Brandon, era o lugar perfeito para filmar a próxima estreia da temporada do
ParaEspectadores. Mas o que começou como uma semana de aferição de local
se transformou em um mês. A rede fez uma festa de encerramento do
ParaEspectadores pela sexta temporada e Brandon não estava lá. Alejo
comemorou sozinho seu quadragésimo segundo aniversário. Logan se formou
no ensino médio e Brandon assistiu por uma ligação irregular do FaceTime.
Um mês se transformou em seis e Logan se perguntou se Brandon algum dia
planejava voltar para casa.
Ela não era especialista em produção de locação, mas tinha certeza de que
não levava seis meses para um único episódio.
Algo estava errado.
E então, na semana anterior, Alejo anunciou que se Snakebite estava
mantendo Brandon longe, eles simplesmente iriam para Snakebite. L.A não era
um lar de forma alguma — eles só estavam nesta casa há alguns anos —, mas
ela morava aqui há mais tempo do que em qualquer outro lugar. Assim que se
acostumou com a cidade, ela estava sendo levada embora.
Era uma merda.
Logan colocou a mão no quadril.
— Se você vai ficar aí parado, pode me ajudar a carregar algumas destas?
— Claro — disse Alejo. — Segure seu pai.
Ele passou o telefone para Logan e pegou uma mala em cada mão. Logan
deu a Brandon um breve olhar; seu cabelo escuro curto estava um pouco mais
rebelde do que o normal, mas seus óculos de aros grossos e sua perpétua
carranca permaneciam inalterados. Ele parecia tão meio morto quanto ela se
lembrava. Ele abriu um sorriso tenso.
— E aí?
— Oi.
— Aproveitando as férias de verão?
Logan piscou.
— Não são realmente férias. Eu me formei. É meio que apenas... verão.
— Certo.
Logan olhou para Brandon e Brandon a olhou de volta. Ela procurou
algo mais para dizer, mas deu um branco. Com qualquer outra pessoa, a
conversa era tão fácil quanto respirar, mas com Brandon era sempre mais
difícil. Ela olhou para o corredor, então de volta para Brandon.
— Eu deveria ajudar o papai.
Ela jogou o telefone em seu colchão sem roupa de cama e pegou mais
malas.
Brandon limpou a garganta.
— A viagem vai valer a pena. Esqueci como é pitoresco aqui em cima.
Muito espaço.
— Estou super ansiosa por dezessete horas de bluegrass{2} durante a
viagem — Logan gemeu.
— Ei — Alejo estalou do corredor. — Não despreze minha música. E são
dezenove horas até Snakebite. Também temos tempo para musicais.
— Melhor ainda.
Logan imaginou Snakebite: caminhões grandes, casas térreas, música
country vibrante trovejando de todas as direções. Ela tinha certeza de que sua
família iria aumentar a população queer em 300%. Seria como as centenas de
outras cidades pequenas que ela frequentou enquanto crescia. Até que ela
tivesse catorze anos, sua pequena família não tinha realmente “morado” em
lugar algum. Eles eram criaturas da estrada, montando acampamento em
cidade após cidade, enquanto Brandon e Alejo capturavam fantasmas e
canalizavam os mortos por pequenas mudanças. E enquanto Brandon e Alejo
vendiam seus serviços, Logan estava sozinha. De um quarto de motel para
outro, ela estava sempre sozinha.
Esse era o lance dos Ortiz-Woodleys. Mesmo depois que seus pais fizeram
sucesso com o ParaEspectadores, mesmo depois que eles compraram a casa em
L.A para terem “estabilidade”, mesmo depois que Logan se acostumou e foi
para uma escola pública pela primeira vez em sua vida, era como um
acampamento base estendido. Mesmo que Alejo e Brandon prometessem que
Snakebite era apenas temporário, fazer as malas e sair de L.A era um lembrete
de que isso nunca foi um lar.
Logan era esperta o suficiente para pensar que nada disso era permanente.
— Quando vocês acham que vão sair? — A voz abafada de Brandon
perguntou.
— Eu diria que estamos prontos — disse Alejo. Ele examinou o quarto
em busca de seu telefone, levantando uma sobrancelha para Logan quando o
viu na cama.
— É tarde demais para correr? — Logan cutucou sua mochila com a
lateral de sua bota. — Eu tenho barras de granola e água com gás aqui. Acho
que conseguiria no deserto.
— O deserto de West Hollywood? — Alejo pegou seu telefone do
colchão e se virou para a TV. — Deus, eu gostaria que você não assistisse a isso.
O hotel do assassinato
Engula a tristeza
Estradas rurais
Quando Logan imaginou um passeio de compras, não era isso que ela
imaginava: se espremendo no Dodge Neon alugado por Brandon, arranhando
os joelhos no painel pelo calor fervente, andando pela Rua Principal para
encontrar uma pequena loja de antiguidades que por acaso estava vendendo
alguma arte. Desde que chegou a Snakebite, Logan aprendeu que o centro da
cidade era o mais distante que uma pessoa podia chegar de um McDonald's
nos EUA, a cidade propriamente dita tinha 2,4 quilômetros quadrados, e o
mais próximo algo significava que estava a pelo menos duas horas de distância,
em Idaho.
O próprio Satanás não poderia criar um inferno mais perfeito.
Brandon ficou quieto no caminho para a cidade, os olhos fixos nas colinas
planas e douradas que se estendiam em ambos os lados do vale. Fazia anos
desde que eles foram a qualquer lugar sem Alejo para mediar. Dados os meses
em que estiveram separados, Alejo aparentemente pensou que uma viagem à
cidade — apenas Logan e Brandon — poderia gerar algum calor entre eles.
Talvez Alejo não os conhecesse tão bem quanto pensava.
Brandon tinha uma mão no volante enquanto a outra estava pendurada
na janela do lado do motorista, balançando-a descuidadamente sobre a
corrente do vento. Sem se virar, ele perguntou:
— Quando foi a última vez que estávamos só nós dois?
Sem hesitar, Logan disse:
— Tulsa. Quando eu estava no programa.
— Ah — disse Brandon. Ele ajustou os óculos escuros quadrados que
estavam sobre seus óculos normais. — Isso mesmo.
Isso mesmo. Logan tentou não deixar o frio descuidado na voz dele
rastejar sob sua pele. Para Brandon, Tulsa era apenas mais um ponto na
estrada. Provavelmente não pesava sobre ele como pesava sobre ela, se
agarrando forte ao silêncio entre eles. Provavelmente não permanecia no fundo
de seus pensamentos toda vez que ele fechava os olhos. Ele possivelmente não
viu a cidade da mesma maneira que ela — o túnel com paredes de tijolos sob a
cidade, o cheiro de lixo e frituras, o horizonte plano que parecia estar em todos
os lugares e em nenhum lugar ao mesmo tempo.
Ela só teve permissão para entrar no ParaEspectadores uma vez na vida, e
Brandon se certificou de que a oportunidade nunca mais surgisse. Talvez ela
tivesse feito muitas perguntas, sido muito irritante, ou talvez ele nunca tenha a
desejado lá em primeiro lugar. À noite, quando estava quieto o suficiente para
os pensamentos de Logan realmente correrem soltos, ela ainda podia ouvir sua
voz ecoar como um trovão nas paredes do beco. Pensava no jeito que Brandon
se virou para ela, o olhar cheio de ódio, e disse: Saia, Logan. Vá para casa e me
deixe em paz.
E então nada. Ele ficou olhando até que a equipe de produção entrou,
ofereceu uma água a Brandon, um momento para sentar, perguntou se ele
queria recomeçar o episódio. Eles levaram Logan para longe do set, de volta
para o motel, e disseram: Aquilo foi estranho. Talvez outra hora.
Depois disso, houve um silêncio ensurdecedor entre eles. Ele não disse
uma única palavra a ela durante toda a semana em que filmaram em Flagstaff.
Em Shreveport, ele reservou um quarto em um motel diferente para não ter
que ficar perto dela. Logan não conseguia entender o quão casualmente ele
seguiu em frente, como se a dor não apodrecesse sob sua pele. Brandon não
passou noites sem dormir percorrendo os fóruns do ParaEspectadores, lendo
especulações sobre por que Logan Ortiz-Woodley nunca mais retornou ao
programa.
Ashley tinha levado até a sétima série para perceber que a cidade se chamava
Snakebite pela forma do lago. Em um mapa, o Lago Owyhee não se parecia em
nada com um lago. Ao invés disso, parecia um rio de boca larga que se estendia
profundamente no deserto seco e vazio de Owyhee. Torcia através das colinas
limpas como uma serpente que se desenrolava, bifurcando na extremidade
norte em uma boca de cobra. E dentro da boca da víbora estava Snakebite,
risivelmente pequena e enervantemente solitária.
A última vez que entrara no lago à noite, Tristan estava com ela.
Agora, Ashley estava com a água na altura da cintura, encarando o ponto
em que a água quente e escura encontrava as colinas no horizonte. Longe da
luz da cidade, o céu noturno era uma pincelada de nuvens malvas e luz estelar
salpicada. A água pulsava contra seu estômago, pedindo-lhe que se aproximasse
um pouco mais das profundezas. Ela nunca gostou de nadar à noite antes, mas
agora havia algo reconfortante na escuridão. Ela a puxava delicadamente para o
nada.
— Ash.
Ashley se virou na hora certa para que uma parede espessa de água do
lago caísse sobre seu rosto. Bug estava na altura dos joelhos a apenas alguns
metros de distância com um sorriso travesso. Ela se abaixou para espirrar
novamente, mas Ashley dobrou os joelhos e se abaixou sob a superfície,
transformando o mundo em nada mais do que o som de ondas agitadas.
Quando ela subiu, Bug estava de pé ao seu lado.
— Você tá bem?
— Sim — Ashley exalou. Ela torceu seu rabo de cavalo. — Estou bem.
Não estava, mas não valia mais a pena explicar. O mundo desde o
desaparecimento de Tristan era como um punho pressionado em argila
molhada. Ela sentia a marca dele em seu peito. A nova versão dela de estar bem
seria apenas isso. Era uma coisa difícil de engolir.
Ela não queria realmente sair hoje à noite, mas passara semanas tentando
levar o grupo de busca para esse lado do lago. Um pedaço dela pensava que,
quando chegasse aqui, sentiria a presença de Tristan. Que ela saberia onde
procurar. Que a resposta cairia em seu colo. Mas ela já estava aqui há horas e
não sentia nada.
Na beira do lago, John Paris pairava sobre uma pilha de galhos de
zimbros. Sua bermuda vermelha brilhante refletia na escuridão fria, ombros
enormes pulsando enquanto ele tentava acender uma fogueira. Eles tinham
embalado gravetos e um isqueiro na parte de trás da caminhonete, mas, como
sempre, John estava determinado a fazer como nos filmes. Apenas um galho e
movimentos furiosos. Fran e Paul estavam sentados atrás dele na mesa de
piquenique prestando atenção apenas parcialmente.
— Pensei que era para estarmos nadando — disse Ashley.
Bug deu de ombros.
— Acho que eles mudaram de ideia.
— Você pode ir ficar com eles, se quiser. — Ashley estalou o pescoço. —
Talvez você e Paul possam falar um pouco mais sobre o pai dele.
— Ai, meu Deus, não, obrigada — disse Bug. — Se ele...
Antes que ela pudesse terminar, a fogueira de John ganhou vida. Ele
recuou, cambaleando para trás. Fran e Paul saltaram atrás dele aplaudindo.
Ashley e Bug se dirigiram para a costa.
Enquanto os outros se acomodavam, John se sentou no tronco ao lado de
Ashley. Por um momento, ele olhou para a terra entre seus pés em silêncio.
— Como você está?
Ashley piscou os olhos.
— Ah. Você sabe.
— É. — John coçou o nariz. — Eu sei.
Ashley assentiu. Em comparação com as amizades que tinha com Fran e
Bug, ela e John eram tão próximos quanto duas pessoas criadas na mesma
cidade minúscula podiam ser. Mas em noites como essa, quando Ashley olhava
no rosto de John Paris, era como se ele fosse o único que a entendia. Ele era a
única outra pessoa com uma marca em forma de Tristan em seu peito. O único
que olhava para o horizonte sombrio e se perguntava se Tristan estava olhando
de volta. O vazio o sufocava. Estava sufocando Ashley, também.
De certa forma, era bom saber que não estava sozinha.
Geralmente, eles eram seis. Tinha uma lacuna no círculo deles, bem entre
Ashley e John. Ela não esperava que o ar vazio fosse tão frio.
Eventualmente, a noite se suavizou em um semblante desfocado de como
as coisas costumavam ser. Fran brincou com John lhe dando s’mores{16},
limpando pedaços de marshmallow na bermuda dele. Bug colocou seu capuz
verde favorito e enterrou as mãos no bolso da frente. Paul agarrava a escuridão,
tentando pegar flocos de cinza entre os dedos. Estava quase tudo certo.
— Gostaria de poder ver os rostos deles quando o acharem. — Paul riu,
parte de uma conversa que Ashley havia deixado de ouvir há muito tempo. Ele
acotovelou John.
— Eu não quero saber dos rostos deles. Só quero que eles admitam —
disse John.
— Isso também — Paul cedeu.
Durante o último ano, todos eles haviam mudado. Mas John Paris foi o
que mais mudou. Em vez do rapaz magricela e pálido que tinha sido no
primeiro ano, ele agora tinha um metro e oitenta de altura com ombros tão
largos quanto os de um cavalo e uma mandíbula quadrada que o fazia parecer
com seu pai. Ele estava mais frio agora também. Não era o garoto que andava
de quadriciclo com Paul e Tristan pelas colinas durante todo o verão. Estava
mais sério, como se ao longo de um único ano escolar ele tivesse se tornado um
adulto. Em poucos anos, ele estaria na Madeireira Barton ou treinando para
entrar para a polícia como seu pai.
— Precisa de mais madeira — disse John, ignorando completamente
Paul. Ele bateu no joelho e ficou de pé encarando Fran. — Quer ajudar?
Os olhos de Fran arregalaram.
— Ah, sim. Beleza.
John sorriu para ela e eles abriram caminho em direção às árvores,
deixando Ashley sentada de frente para Bug e Paul. A fogueira estalava e
crepitava, luz laranja piscando contra a noite aveludada. Uma pilha de lenha
estava amontoada ao seu lado — mais do que suficiente para durar horas.
Então eles foram dispensados.
— Vou ganhar uma caminhonete — disse Paul, inclinado em direção a
Bug. A puberdade pode ter abençoado John, mas tinha feito o oposto para
Paul. Ele tinha crescido pelo menos quinze centímetros no último ano, mas
seus membros ainda eram irregulares, os seus olhos tão fundos que pareciam
machucados. Ele lançou um sorriso aberto para Bug e a luz do fogo afundou
nas fendas profundas de seu rosto. — Bem, eu provavelmente vou ganhar uma.
Os olhos de Bug permaneceram sobre o fogo.
— Incrível.
— Sim. Meu pai diz que, se eu conseguir consertar essa velha Tacoma
que ele recebeu do reboque, posso ficar com ela. Ele está me ensinando como
consertar o radiador.
— Legal.
Paul continuou falando, alheio ao modo que Bug evitava contato visual.
Era geralmente nessa hora que Ashley e Tristan trocavam olhares e Tristan
balançava a cabeça. Ashley tinha que morder o lábio para parar de rir. Mais
tarde, quando todos tinham ido para casa e era só ela e Tristan na traseira de
sua caminhonete sob as estrelas, ela usava sua melhor voz de Paul e dizia: Meu
pai me ensinou a trocar o óleo no outro dia. Uma caminhonete com óleo
recém-trocado? Isso é arte. E Tristan riria até ofegar. Ele puxaria Ashley contra
seu peito e eles seriam um emaranhado de risadas e beijos até que sua mãe
ligasse e eles tivessem que correr de volta à cidade antes do nascer do sol.
Ashley pressionou os dedos nos lábios e traçou o pequeno sorriso lá. Ela
estava sentada junto ao fogo, de luto pela pessoa com quem ela deveria estar
sentada. Ela abriu a caixa de mensagens com Tristan — sua última mensagem
era brilhante demais. Curta demais.
T: Posso esperar.
A luz sufocante
***
Logan acordou em um engasgo.
A luz cor de urina brilhou através das persianas fechadas. O quarto de
motel estava quente, abafado e cheirava a mofo. Logan rolou para o lado com
os lençóis grudados em sua pele e o cabelo na nuca. Engasgou até que sua
garganta ficasse em carne viva, até sua boca ficar com gosto de ferro, até que os
restos de terra deixassem suas bochechas, até ela ter certeza de que estava
acordada.
— Não é real — Logan sussurrou, massageando ternamente seu pescoço.
Ela tocou o edredom, a mesa de cabeceira, a parede atrás de sua cama, e
suspirou. — Isso é real.
Não foi um pesadelo inteiramente novo. Ela já havia sonhado com a
cozinha mil vezes, mas essa última parte, o enterro, foi uma reviravolta.
Massageou a garganta, lembrando-se gentilmente de que aqui, no quarto do
motel, ela podia respirar.
Uma batida soou na porta.
Logan saiu de sua cama e se pressionou contra a parede. Forçou uma
abertura nas persianas e procurou na escuridão, mas não conseguiu um ângulo
bom o suficiente para ver a porta do quarto. A placa do motel cintilava através
de uma fina camada de neblina, fora isso, nada se moveu. O estacionamento
estava estranhamente quieto.
— Tem alguém acordado? — Uma voz chamou do lado de fora.
Logan se aproximou da porta e espiou pelo olho mágico. Ela não
reconheceu o menino do outro lado da porta. Ele mudou desajeitadamente o
peso de um pé para o outro, vestia um gorro, uma blusa flanelada e um óculos
de meia armação que ficava muito baixo em seu nariz. Contra a lógica, Logan
abriu a porta. Um vento frio se esgueirou pela bainha de sua camisa de dormir.
— Que foi? — ela disparou.
As mãos do menino estavam entrelaçadas na frente dele, os dedos
torcidos em nós frenéticos.
— Sinto muito. Eu, ah… acho que você deveria vir olhar.
Logan revirou os olhos. O menino recuou e apontou para a parede entre
o quarto dela e o quarto oito. A princípio, ela não conseguiu ver. Então
esfregou os olhos, piscando para afastar o sono, e as letras pintadas com spray
entraram em foco.
A primeira palavra era uma que ela havia visto centenas de vezes na seção
de comentários dos vídeos de seu pai. Pessoalmente, ela queimava. Ela se
aproximou do insulto; a palavra se estendia por toda a largura da parede entre
as portas, a tinta vermelha brilhando para ela. Apenas seis letras, mas cada uma
era um soco no estômago. Seja lá quem deixou aquilo ali, teve a perspicácia de
deixar no plural.
A frase abaixo foi o que lhe tirou o fôlego. VOCÊS O MATARAM.
A porta se abriu. Um Alejo de pijama entrou na soleira e abafou um
bocejo na dobra do cotovelo. O estômago de Logan revirou. Ela foi dominada
pela vontade de se jogar por cima da porta se isso significasse impedir que ele e
Brandon vissem também.
— O que está acontecendo? — Brandon perguntou juntando-se a eles do
lado de fora.
Alejo esfregou os olhos e seguiu o olhar de Logan até a parede. Quando
viu, não disse nada. A noite estava cheirando a lixo velho e roupa suja.
— Bran, eu não acho que você deva…
Brandon ajustou os óculos e olhou para o insulto. Sem palavras, ele
cambaleou de volta para o quarto do motel, com a mão em posição para cobrir
o rosto.
— Nós deveríamos falar com a polícia — Logan disse. — As pessoas não
podem…
Alejo se virou e colocou as mãos nos ombros dela. Seu rosto estava
impossível de ler — preocupação, medo, raiva, pena — ele balançou a cabeça.
— Não. Não se preocupe com isso. Nós… Gracia virá nos ajudar a cobrir
isso pela manhã. Não é…
— Não é o quê? — Logan perguntou.
Alejo olhou além dela, para o garoto que os acordou.
— Elexis, eu quase não te reconheci no escuro.
O garoto acenou.
— Desculpa, Tío. Eu tentei te acordar primeiro, mas…
— Obrigado por nos avisar. — Alejo respirou fundo. — Por que você
não vai dormir, hein? Nós assumimos daqui.
Elexis seguiu seu caminho através do estacionamento, entrando no quarto
na extremidade do prédio. Logan fez uma nota mental disso — se Alejo era o
tío dele, isso fazia de Elexis sua família também.
Logan franziu a testa.
— Você ia dizer que não é nada demais.
Um crime de ódio era demais. Logan não era especialista, mas tinha
certeza de que crimes de ódio eram ilegais. Ela tinha certeza que a polícia
deveria fazer algo a respeito.
Alejo olhou por cima do ombro, olhos fixos em Brandon, silhueta sendo
delineada pela luz pálida do quarto. Ele não parecia surpreso ou zangado ou
mesmo desapontado. Estava apenas… quieto. Ele parecia como no sonho dela,
vago e sem emoção. Ilegível.
— Sem polícia — Alejo disse. Ele a puxou para um abraço, apoiando a
cabeça dela contra o ombro dele. — Apenas nós. Vai ficar tudo bem.
Por algum motivo, ela duvidava disso.
10
Do começo
O piano de cordas
Apesar de tudo, Ashley riu. Não era muito, mas era um começo. Ela e
Logan não seriam amigas, mas iam chegar até o fim disso. Iam recuperar
Tristan. Ela ia parar de ver coisas que não deveria. Tudo ia voltar a ser como era
antes.
Ashley deu partida no Ford e dirigiu pela escuridão.
13
***
No Bates, a manhã chegou sem cerimônia.
Não era como a luz rosa em cascata dos amanheceres lentos de L.A. Em
Snakebite, estava escuro e depois estava claro. Se Logan piscasse, com certeza
perderia. Quando ela colocou o café no micro-ondas, estava escuro como à
meia-noite. Quando saiu para respirar um pouco de ar fresco apenas alguns
momentos depois, era uma manhã de cor creme.
Provavelmente não significava nada, mas dado tudo que viu
recentemente, fez com que ela se sentisse nervosa.
Logan sentava-se sozinha no estacionamento quase todas as manhãs, com
café de micro-ondas na mão. O nascer do sol tornava mais fácil pensar, mas
esta manhã ela lutou para se concentrar. Sonhou em ter sido enterrada
novamente, e o pesadelo permaneceu como uma segunda pele. Foi diferente da
primeira vez. Desta vez, ela abriu caminho para fora de sua tumba. Levantou-se
da terra, rastejou com toda sua determinação e olhou para a noite escura
espessa.
Ela rastejou para fora de sua cova e foi parar ali.
Em Snakebite.
Naquele lago estúpido.
A porta do quarto oito se abriu, e Brandon saiu para a manhã sufocante.
Ele estava vestido com jeans largos em seus tornozelos e uma mochila cheia de
equipamentos de caça aos fantasmas. Seu moletom dizia MADEIREIRA BARTON.
Ele parou na frente do Neon, aparentemente surpreso ao ver Logan no meio-
fio.
— Moletom maneiro — Logan disse. — Achei que as Bartons fossem do
mal.
— Já que estamos em Snakebite… — Brandon disse, olhando para o
logo. Sua careta era pequena, mas impossível não notá-la. — Você está
acordada cedo.
— Eu acordo cedo toda manhã.
— Ah. — Brandon ficou parado ali por um longo momento. Ele bateu o
pé no pavimento, procurando algo a dizer.
Logan permaneceu em silêncio. Dado ao que Ashley viu na cabana, ela
não fazia ideia do que dizer para ele. Mas, na verdade, ela nunca sabia o que
dizer para ele. Mesmo se não tivesse nada a ver com o desaparecimento de
Tristan, mesmo se o escrito em sua porta fosse uma brincadeira, ele estava
escondendo algo.
Brandon limpou a garganta e disse:
— Te vejo mais tarde, então.
Ela ofereceu um rápido aceno e foi isso. Brandon entrou no Neon e
cuidadosamente se afastou do Bates. Logan o observou virar à esquerda em
direção à rodovia e fez uma anotação mental sobre isso. Ou ele estava dando
uma passada na cidade ou estava indo em direção ao lago. Em direção à
cabana.
Atrás dela, Alejo limpou a garganta. Ele estava parado na porta do quarto
oito vestido com um roupão xadrez, seu cabelo na altura dos ombros ainda
estava molhado do chuveiro. Ele gesticulou para o meio-fio onde ela estava
agachada.
— Parece confortável.
— Está ótimo.
— Você podia se esforçar um pouco mais.
Logan arqueou uma sobrancelha.
— No quê?
— Seu pai acabou de tentar ter uma conversa com você, ou você não
percebeu isso? — Alejo se encostou contra o batente da porta. — Ele está
tentando. Você pode tentar também.
— Eu e ele estamos bem.
— Logan.
— O quê? Desculpa se não estou super falante o tempo todo. Eu odeio
esse lugar. Só fico parada sem ter nada para fazer. — Logan deu outro gole no
café e olhou para o brilho suave do horizonte.
Não era assim que ela normalmente falava com Alejo — essa ira era
geralmente destinada aos homofóbicos na conta do Twitter de seus pais —,
mas ela estava cansada disso. Estava cansada de ser tratada como irracional,
sendo que estavam mentindo e impedindo-a toda hora. Ela estava cansada de
ser a vilã da história.
Alejo se mexeu.
— Entendo que esteja entediada, mas você não precisa ficar parada o dia
inteiro. Pode se inscrever nas faculdades.
— Para estudar o quê?
— Não sei. Você gosta de história — Alejo disse. — Provavelmente está
tarde demais para o período de outono, mas ainda pode entrar na primavera.
Eu amei a faculdade. Talvez você aprenda bastante coisas sobre si mesma.
— Eu já sei tudo sobre mim mesma. — Logan se encostou e fechou os
olhos. — E, além do mais, estou no meu ano sabático.
— Jesus — Alejo disse, cobrindo sua boca para abafar uma risada. — Por
que você não entra para tomar um café?
Logan ergueu sua caneca.
— Já tenho um.
— Me deixe reformular: entre. Precisamos conversar.
Logan se esforçou para levantar do meio-fio e seguiu Alejo para dentro.
Tendo em vista que ela, pelo menos, se esforçou para humanizar seu quarto, o
de Brandon e Alejo parecia ter sido feito o contrário. As paredes estavam vazias,
camas limpas e precisamente arrumadas, os produtos de higiene pessoal do
motel intocados. Era o tipo de quarto que ela viu em programas criminais
quando um agente secreto queria ficar fora do radar. Eles estavam hospedados
no Bates há quase um mês e Brandon estivera ali por mais tempo ainda.
Algo estava errado.
Alejo puxou uma cadeira da mesinha ao lado da janela e gesticulou para
Logan se sentar.
— Estou fazendo uma garrafa. Quer um refil?
— Hã, claro — Logan disse. — Vocês estão mantendo aqui super limpo.
— É, bem… — Alejo deslizou para a cadeira na frente dela. A luz do sol
estava acobreada sobre seu rosto. — Eu morei nesse motel minha vida inteira
antes de conhecer seu pai. Não estou exatamente muito feliz por estar de volta.
Isso me ajuda a lembrar que é temporário.
— Ah — Logan disse. — Não sabia que você morava aqui aqui.
— Eu te disse que Gracia é mi tía — Alejo disse. — Quando eu era
criança, esse motel tinha principalmente nós, Ortizes. Eu e meus pais
morávamos do outro lado. — Ele olhou ao redor. — Não lembro se alguém
morava nesse aqui. Talvez estivesse vazio naquela época.
— Espera. — As sobrancelhas de Logan franziram. — Eu tenho mais
família aqui?
A expressão de Alejo era melancólica.
— Ah, bem, meus pais se mudaram de Snakebite muito tempo atrás. Não
sei para onde. Eles não me contaram. Mas Gracia é nossa família. Elexis é seu
primo. É legal saber que não estamos totalmente sozinhos, né?
— Uau… — Logan refletiu. — E quanto ao lado do Brandon?
— Não mais, eu acho — Alejo disse. — O pai dele costumava ter uma
loja de barcos aqui, no entanto. Ele dava aulas de álgebra para o meu irmão
antes de se aposentar. É engraçado… Eu e seu pai estávamos no mesmo ano
durante o ensino médio, mas só fui conhecê-lo quando voltei da faculdade.
Ele disse isso casualmente, mas ficou claro que o antes da faculdade era
um mundo totalmente diferente do depois. Ela nunca pensou muito sobre as
vidas de seus pais antes dela. Não conseguia imaginar como foi para eles
ficarem nessa cidade sozinhos por tanto tempo.
Ela terminou sua caneca de café.
— Você queria conversar sobre alguma coisa?
— Certo. — Alejo encheu seu copo e a caneca de Logan, mas sua
expressão estava cautelosa. Parecia controlada. Alguma coisa estava deixando-o
nervoso. — Eu ainda não conversei com seu pai sobre isso porque é um
assunto delicado, mas estava botando a conversa em dia com um colega outro
dia e ele me contou que você fez uma nova amiga…
— Ashley?
— Creio que sim — Alejo disse. — Ashley Barton.
— É. Mas não somos amigas.
— Mas você passou o dia inteiro com ela? — Alejo perguntou.
— Quem estava nos monitorando tão de perto?
Alejo balançou a mão.
— Isso não importa.
— Eu fiz algo de errado?
— Não, só… me ajude aqui — Alejo disse. Ele pressionou a ponta dos
dedos na ponte do nariz. — Se você e Ashley não são amigas, por que estava
andando com ela?
— Porque tem, tipo, quatro pessoas da minha idade nessa cidade?
— É, bem, se ela for que nem a mãe, prometo que há opções melhores.
Logan riu. Alejo sempre ensinou-a que, se ela quisesse a verdade, tinha
que retribuir. As pessoas só lhe deviam honestidade se você também fosse
honesto. Então ela deu de ombros.
— Estamos caçando fantasmas.
— Você está falando sério? — Alejo encarou-a como se não tivesse
entendido. Esse choque era diferente da sua persona extremamente dramática
da TV.
— É. Coisas estranhas andam acontecendo em Snakebite. Já que vocês
nunca me contam nada, decidimos conseguir algumas respostas por nossa
conta.
— Desde quando eu não te conto as coisas? — Alejo perguntou,
indignado.
— Certo, por que estamos aqui?
— Estamos procurando um cenário para o programa.
Logan revirou os olhos.
— E qual caso estão investigando?
— Seu pai já te contou. Você notou a estranheza daqui. Tempo estranho,
presságios sombrios…
— Não sabia que vocês eram meteorologistas.
— Se Ashley quer respostas, ela pode perguntar para a mãe dela — Alejo
disse. Ele pressionou a ponta dos dedos contra a mesa, fazendo seu melhor para
esconder o desdém. — Não acho que Tammy Barton ame alguma coisa mais
que o som da sua própria voz.
— E quanto às minhas perguntas?
— Manda ver.
Logan respirou fundo.
— A investigação tem algo a ver com Tristan Granger?
— Quem?
— O garoto desaparecido.
— Ouça — Alejo disse. Ele apertou a ponte do nariz. — Você sabe como
é no começo. Talvez tenha algo a ver com o garoto desaparecido, talvez não.
Sabe que não temos muitas pistas no começo. É um programa investigativo.
— Bem, o timing de vocês não é muito bom — Logan disse. — Agora
todo mundo acha que vocês estão envolvidos nisso.
Alejo franziu as sobrancelhas.
— O que mais você queria perguntar?
— Certo. — Logan quase desejou ter trazido um caderno. Ela limpou a
garganta. — Hã, fantasmas… o que eles são?
Um silêncio e, então, Alejo riu. Ele cobriu a boca para esconder um
sorriso presunçoso, e então voltou ao normal rapidamente.
— Não estou rindo de você, eu só… Há quantos anos estamos fazendo o
programa? Você sabe o que os fantasmas são.
— Fantasmas de verdade.
Alejo arfou.
— Não gostei do que você está sugerindo.
— As coisas que vocês caçam são… — Logan limpou a garganta. — Eu
só quero saber o que é a coisa real. Se é que existe uma coisa real.
Alejo olhou para sua caneca. Essa sempre era sua reação quando ela falava
ceticamente sobre o programa. Até o momento, Logan não sabia dizer se isso
era vergonha de suas palhaçadas na TV ou frustração por ela questionar.
Provavelmente ambos. Não importava o quão ridículo fosse, Alejo parecia
realmente amar o programa.
Mas amar o programa e achar que ele era real eram duas coisas diferentes,
e as coisas que Ashley viu na cabana eram diferentes de qualquer uma que
apareceu no ParaEspectadores.
Alejo ergueu o olhar.
— Fantasmas de verdade não são o tipo de coisa que se mostra na TV.
— Você já viu um?
— Tipo… sim? É difícil explicar sem parecer que estou inventando. —
Alejo soltou uma respiração gentilmente entre seus lábios e olhou pela janela.
— Eu tenho sido capaz de vê-los minha vida inteira.
Logan piscou. Não só Alejo podia ver fantasmas — ele podia vê-los o
tempo todo. O aperto em seu peito mudou de raiva para admiração. Ela
empurrou sua caneca vazia pela mesa.
— Então os fantasmas no programa são…?
— Os fantasmas são reais. De certo modo. — Alejo bateu seus dedos na
mesa. — Todo lugar que fomos tinham fantasmas de verdade, mas isso não é
algo ruim. Todo lugar tem um. Fantasmas de verdade não te machucam. Não
precisam ser exorcizados. Dificilmente eles são conscientes. São como…
sentimentos. Ou memórias. Não sei.
— Você não sabe?
— Não existe bem um guia de como isso funciona.
Logan balançou a cabeça.
— E todo o equipamento?
— O equipamento é real… até certo ponto.
— Como é a aparência dos fantasmas? — Logan perguntou, cuidadosa
para não exibir muito de sua animação. Talvez Alejo estivesse falando a verdade
quando disse que podia trocar honestidade por honestidade. Ele nunca
conversou sobre fantasmas tão abertamente antes.
As mãos de Alejo estavam apertadas ao redor de sua caneca de café, os nós
dos dedos pálidos contra a cerâmica dentada. Ele cruzou as pernas e se inclinou
para frente, como se aquilo fosse a hora das histórias em um acampamento.
— Eu não quero te assustar.
— Não me assusto.
— Você nunca se assustou mesmo. — O sorriso de Alejo foi só um
lampejo antes de sua expressão ficar sombria. — Os fantasmas que vejo são
mais como marcas deixadas pelos mortos. Como um momento capturado. Não
é sempre visual. Às vezes é um cheiro, ou uma voz, ou um sentimento. É difícil
descrever.
— O que eles fazem?
— Honestamente, não muito. Pelo que sei, eles só aparecem mesmo se
deixaram algo para trás. Ninguém quer ficar aqui se pode seguir em frente.
Mas se não estiverem prontos ou não se forem completamente ainda, é quando
eles aparecem. É como se estivessem nos alcançando, pedindo por ajuda da
única maneira que conseguem.
— Brandon consegue vê-los também? — Logan perguntou.
— Não. Não sei por que as pessoas conseguem ou não vê-los. Conheci
algumas outras pessoas que conseguiam. Normalmente não são grandes fãs do
programa. — Alejo deu uma risada desconfortável. — Mas não. Seu pai não
pode vê-los.
— E pessoas vivas? — Logan perguntou. Ela traçou um círculo no tapete
embaixo da mesa com seu dedão do pé. — Algum dia vocês viram um
fantasma de uma pessoa ainda viva?
Os olhos de Alejo se estreitaram para aquilo, os lábios pressionados em
uma linha fina. Logan se perguntou se ela tinha passado dos limites agora — se
tinha sido específica demais. Talvez ele viu o fantasma de Brandon na cabana
também. Talvez ele estava envolvido naquilo tudo. Ele gentilmente colocou sua
caneca na mesa, o ceticismo se derretendo para um leve franzir de
sobrancelhas. A forma como ele parecia agora era quase lúgubre.
— Não tenho uma resposta certa. Sabemos que espíritos são feitos de
dores não-resolvidas que permanecem em algum lugar entre a vida e… o além.
Teoricamente, eu diria que uma dor que deixa um impacto profundo o
suficiente, uma dor que mata um pedaço da pessoa, pode deixar fantasmas
também. Fantasmas são mortes, mas talvez mortes possam significar coisas
diferentes. Não sei. Se a dor for a medida, garanto que Snakebite está cheia de
fantasmas.
Logan inalou afiadamente. Eles nunca tinham guardado segredos um do
outro. Pelo menos, ela achava que não, mas agora parecia que Alejo era feito de
segredos. Assim como Brandon. Uma parte de Logan queria contar para ele o
que viu na cabana. Mas não conseguia se livrar daquele medo rastejante de que
ele e Brandon tinham algo a ver com tudo isso. Que o que quer que Brandon
tenha feito para causar o fantasma na cabana, Alejo estava envolvido. Talvez
houvesse uma explicação simples, mas talvez não.
Sua curiosidade se transformou em medo. Ela esvaziou o conteúdo de
caneca com um único gole.
— Tem mais alguma coisa que precisávamos conversar sobre?
— Seu pai. — Alejo sorriu hesitantemente. — Ele disse que vocês dois se
divertiram fazendo compras naquele outro dia. Seu quarto está ótimo.
— É, foi legal.
— Ele está tentando — Alejo disse. — Sei que as coisas podem ser…
constrangedoras. E o programa não ajuda. Só tente pegar leve com ele.
Logan assentiu com a cabeça.
— Só isso?
— Acho que sim — Alejo disse.
Logan olhou seu celular. Ela deslizou por uma série de mensagens de
texto de Ashley:
Logan sorriu para a tela. Ela se virou para Alejo e guardou o celular no
bolso.
— Acho que devia te contar que vou numa festa hoje à noite?
Alejo ergueu uma sobrancelha.
— Uma festa em Snakebite?
— É, numa cabana abandonada. É bem o tipo de coisa assustadora para
mim.
A expressão de Alejo endureceu. Não era só a festa, era o lugar. Ele sabia
sobre a cabana.
— Não é uma festa festa — Logan continuou. — É uma reunião de
amigos.
— Todos os seus bons amigos de Snakebite?
— Aham.
— Os mesmos amigos que decoraram nossa parede?
O estômago de Logan ficou apertado.
— Na verdade, vou levar Nick e Elexis. Eles são meus novos amigos —
Logan disse. — Estou ajudando Nick a montar um computador?
— Você está ajudando ele?
— Tá, estou assistindo ele montar um computador. Meu apoio moral
significa bastante para ele.
— Você é responsável. — Alejo suspirou. — Sei que ficará bem. Só…
certifique-se de que tenha uma forma de voltar para casa. Não fique fora até
muito tarde. E se precisar de ajuda, por favor, me ligue.
— Pode deixar — Logan disse. Ela hesitou. — Pai?
Alejo ergueu o olhar.
— Obrigada por me contar. Sobre os fantasmas e tudo mais.
— Ah. Bem, você sabe que pode me perguntar qualquer coisa. — Alejo
deu um longo gole em seu café. — Divirta-se na sua festa.
15
A cabana na floresta
Lado animado
A primeira coisa que Logan cheirou pela manhã foi bacon. Bacon, pelos de
gato e o cheiro levemente doce de Red Bull. O teto parecia com o de seu
quarto de motel, mas a iluminação vinha do lado errado do quarto.
Ela não deveria estar em seu quarto, de qualquer maneira. Tinha
adormecido na traseira da caminhonete de Ashley. Ou, pelo menos, ela tinha
certeza que tinha. Tudo depois da cozinha era um borrão.
Logan sentou-se e uma pilha de cobertores caiu no chão ao seu redor. Ela
não tinha dormido em uma cama, aparentemente. O futon embaixo dela era
principalmente de mola e sem almofada. Elexis estava sentado a alguns metros
de distância, jogando videogame.
Como o dela, o quarto de Elexis era conectado ao quarto ao lado. A porta
entre eles estava escancarada e, considerando a falta de bacon ou gatos na
metade de Elexis, Logan adivinhou que os cheiros vinham do outro quarto.
Ela se levantou, segurando cuidadosamente um cobertor em volta dos
ombros para esconder o vestido preto desarrumado que havia usado na noite
anterior. Um espelho estava pendurado na parede sobre o futon, forçando-a a
encarar a versão monstruosa de si mesma que passou uma noite inteira
maquiada. Seu delineador estava borrado em uma faixa preta que a fazia
parecer mais um demônio do que uma garota.
— Bom dia — Elexis disse. Logan não podia ver seu rosto, mas a
presunção era clara em sua voz. — Dormiu bem?
— Acho que sim… — Logan parou. — Ah, como eu cheguei aqui?
— Sua namorada nos deixou aqui de manhã. Ela não queria ninguém na
caçamba da caminhonete quando voltasse para o rancho, já que a mãe dela é
má.
— Minha… — Logan começou. Ela fez uma careta. — Hilário. Onde
está o seu amigo?
— Nick pegou uma carona com John e os outros.
— Subindo na escala social. Eu pensei que ele iria com a Ashley,
considerando que está, você sabe, apaixonado.
Elexis deu de ombros e continuou jogando seu videogame.
Logan vagou até a porta aberta entre os quartos e sussurrou:
— Quem mora neste aqui?
Elexis cobriu a boca com a mão.
— Nana, ela está acordada.
Na sala ao lado, uma cadeira rangeu. Logan seguiu o som. O quarto
anexado ao de Elexis era ligeiramente diferente dos outros que ela tinha visto
no Bates. Em vez de uma segunda cama, havia uma bancada verde menta,
completa com pia e fogão. Uma cama de solteiro estava encostada na parede
dos fundos, cercada por fotos emolduradas de uma família de cabelos escuros.
Logan reconheceu a criança em uma foto como um Elexis muito mais jovem e
muito mais fofo. Em outra foto havia um adolescente de shorts de cintura alta
pedindo pizza na barraca do estacionamento, provavelmente antes de fechar.
Ela levou um momento a mais do que deveria para reconhecer o adolescente
como Alejo. Na frente da TV, uma toalhinha de crochê estava pendurada nas
costas de uma poltrona reclinável cor de ferrugem. Gracia estava sentada na
poltrona com os pés elevados, o olhar usando óculos focado na TV.
Ela se virou na poltrona e sorriu.
— Você está se sentindo melhor?
— Totalmente. — Logan secou o suor de sua testa. — Eu... obrigada por
me deixar dormir aqui. Gostei muito das decorações.
Gracia ergueu seu guardanapo rendado verde-escuro em andamento.
— Você quer um? Este é para o seu pai.
— Eu…
— Acho que o seu será vermelho.
Logan sorriu.
— Você não precisa fazer. Mas eu adoraria um.
— Me dê uma semana. — Gracia riu. — Não sabia que você e Elexis
eram amigos. Você deve ser uma milagreira. Eu nunca consigo tirá-lo do
quarto.
— Fico feliz em ajudar — disse Logan. Uma voz familiar soou na tela da
TV. Logan viu os rostos de seus pais, invertidos por uma câmera infravermelha.
Ela riu baixinho. — Você é fã?
— Eu assisto toda semana. Até as reprises. Quando seu pai foi embora,
ele prometeu que ligaria, mas nunca ligou. Nunca me contou o que estava
acontecendo com vocês. Esta é a única maneira em que eu o via. — Gracia
apontou para um prato de bacon frito no balcão. — Sirva-se um pouco de café
da manhã. Você e eu precisamos nos conhecer.
— Eu deveria voltar para...
— Você só quer ver o Elexis, não eu? — perguntou Gracia.
Logan balançou a cabeça. As táticas de simpatia de velhinha de Gracia
eram dissimuladas, mas tinha que respeitá-las. Ela pegou uma tira de bacon do
prato e sentou-se à mesa ao lado da janela de Gracia. Reconheceu vagamente o
episódio do ParaEspectadores, embora os detalhes lhe escapassem. Talvez tenha
sido aquele em que seu operador de câmera foi possuído por Satanás. Depois
de um tempo, eles começavam a se embaralhar em sua mente.
O programa foi para o comercial e Gracia se virou.
— Você estava tão doente quando chegou aqui — disse ela. — Precisa de
alguma coisa? Suco? Água?
— Doente — Logan repetiu. Um pedaço dela esperava que Gracia
pensasse que era um problema no estômago em vez de muita cerveja. — Devo
estar com febre ou algo assim.
Gracia sorriu.
Ela sabia.
— Espere até os pais dela descobrirem — Elexis disse de seu quarto.
Logan mastigou seu bacon.
— Eles não se importam.
— Eles não teriam local de fala para julgar. — Gracia riu. — Depois das
bagunças que vi no passado, eu poderia contar histórias que os fariam corar.
De repente, Logan estava prestando atenção. Ela se inclinou para frente
— não podia acreditar que não tinha pensado em tentar obter informações
com Gracia antes. Ela tinha uma enciclopédia da história de Snakebite
morando ao lado o tempo todo.
— Seu pai nunca te contou sobre quando ele tinha a sua idade?
Logan balançou a cabeça.
— Ah, ele sempre acabava no meu quarto depois de noites malucas. Os
pais dele, minha irmã e o marido dela, eram muito mais rígidos do que os seus.
Se ele voltasse para casa passando mal, eles o colocariam na rua. O que... bem,
não importa. Devo tê-lo limpado mil vezes antes de mandá-lo de volta para o
quarto.
— Uau — Logan sussurrou, imediatamente abandonando sua tentativa
de descobrir que tipo de parente isso fazia de Gracia para ela. — Brandon
também?
Gracia franziu os lábios em pensamento. Um mosquito zumbiu na borda
de sua caneca de café e, do quarto de Elexis, tiros virtuais ecoaram nas paredes.
— Não — ela disse finalmente. — Brandon nem tanto. Alejo era um
garoto festeiro. Acho que eles não se conheciam naquela época.
— Então papai era o bagunceiro?
— Ele sempre foi um bom menino — esclareceu Gracia. — Foi aquela
Tammy Barton que tentou torná-lo ruim. Ela estava sempre o arrastando para
todos os lugares, fazendo-o ir a bares e festas com todas aquelas bebidas. Ela
queria que ele fosse um jovem ruim como ela. Provavelmente a fez se sentir
melhor consigo mesma.
— Espera — Logan interrompeu. — O papai era amigo da mãe da
Ashley?
Gracia piscou.
— Amigos? Eles estavam namorando. Sempre dizendo a todos que
estavam super apaixonados. Mas seu pai estava sempre causando problemas
com o namoro. Primeiro os Bartons ficaram bravos com ele e a Tammy, depois
todos ficaram bravos com ele e o Brandon.
Logan engasgou.
— Ninguém nunca te contou? Você está me transformando em uma
chismosa — disse Gracia. — Peça aos seus pais para lhe contarem mais sobre
Snakebite naquela época.
— Como era o Brandon? — Logan forçou. — Me fale sobre ele.
Gracia olhou para ela por um longo momento.
— Eu não deveria dizer nada sobre isso. Não é da minha conta.
Logan tentou engolir seu desespero por informações. Ela queria saber
como Brandon tinha sido. De certa forma, ela mal sabia como ele era agora.
Antes que pudesse perguntar, Gracia balançou a cabeça.
— Honestidade por honestidade — disse ela. — Eu sempre tentei
ensinar isso ao seu pai quando ele era pequeno. Que tal você me contar uma
coisa?
— Ah — disse Logan. — Hum, claro.
Gracia colocou uma pastilha para tosse de limão e mel na boca e
ponderou em silêncio. Seu cabelo grisalho caía em cachos soltos sobre o
ombro.
— Para que caso os meninos estão aqui?
— Eu realmente não sei — admitiu Logan. — Eles disseram que é pouca
coisa. Mudanças no clima. Algumas aparições estranhas.
Gracia balançou a cabeça.
— O tempo não mudava até seu pai vir aqui.
— O quê?
— Começou em janeiro — disse Gracia. — Nevou. Aqui não neva. Na
primavera, eram inundações. E agora esse calor. Não era assim antes de seu pai
chegar.
Ela não disse vir para casa.
— Eu… — Logan começou. — Por que está mudando agora?
— Boa pergunta. — Gracia riu. — Não sei. Quero saber o que seus pais
pensam. Eu poderia dizer o que penso, mas eles não me ouvem. Nunca
ouviram.
Logan olhou para as mãos dela. Ela pensou que havia algo errado desde
que chegou aqui, desde a multidão assustadora no cemitério até o calor
estranho na cabana. Mas até agora, era como se todo mundo pensasse que era
normal. Gracia disse que Snakebite estava errada e Logan foi inundada por um
súbito estrondo de alívio.
— Já foi assim antes?
Gracia pensou na pergunta.
— Sabe, por muito tempo eu senti isso. Havia uma coisa sob Snakebite,
como um pequeno zumbido. Era como se deixasse as pessoas nervosas, mesmo
que elas não soubessem que estava lá. Era mais quieto do que agora. Mas
então, um dia ele se foi. Ninguém realmente falou sobre isso, mas eu sei que
todos nós pudemos sentir. Como se pudéssemos respirar novamente. O
pequeno zumbido desapareceu no dia em que seus pais deixaram Snakebite.
A última frase caiu como uma pedra no estômago de Logan.
— E não voltou até…
— Até que Brandon voltou.
— Então, espere…
Gracia ergueu a mão.
— Em um minuto. O programa está de volta.
Velhos pecados
Ashley arrancou com o Ford pela estrada à beira do lago, jogando Logan
contra a porta do passageiro. Elexis gemeu no banco de trás, digitando em seu
telefone. No começo, toda essa coisa de investigação parecia um tiro no escuro.
Mas agora, com revelações se desenrolando em todos os lugares que ela olhava,
parecia real. Logan não sabia o que encontrariam no final disso — ela nem
sabia o que estavam tentando resolver —, mas estavam chegando perto.
Ela e Ashley não eram amigas. Estavam investigando juntas o
desaparecimento de Tristan Granger. Mas depois da festa na cabana, havia algo
fácil entre as duas. Talvez fosse apenas o conforto de saber que Ashley já a tinha
visto bêbada e desmaiada.
Logan não tinha certeza.
— Descobri outra coisa — disse Logan.
— O quê? — Ashley perguntou, claramente prestando atenção apenas
pela metade.
— Nossos pais costumavam namorar.
Ashley olhou para ela, depois voltou a se concentrar na estrada.
— Espere, tipo, minha mãe? De jeito nenhum, isso é...
— Adivinhe qual pai.
Ashley franziu o nariz.
— Alejo? Presumo. Eu os ouvi conversando na loja uma vez e a conversa
deles era tão estranha. Estavam dizendo que se odiavam, mas não sei.
— Ainda estou em choque. — Logan desdobrou as pernas, apoiando os
pés no painel. — Eu meio que presumi que meus pais estavam juntos desde o
nascimento. Eles são tão irritantes sobre o assunto.
Ashley deu um tapa nos tornozelos de Logan.
— Pés para fora do painel.
Logan revirou os olhos.
— Ele era, você sabe... naquela época?
— Se ele era bi? — Logan bufou. — Sim, o tempo todo.
Ashley piscou.
— Ah, ele é os dois. Eu não sabia.
O caminhão soluçou em um buraco, depois em outro, e Logan conteve o
riso.
— Você é tão hétero.
Ashley abriu a boca, mas nada saiu. Ela empurrou Logan contra a porta
do passageiro.
— Pare, estou tentando. Eu sei. É tudo muito novo para mim.
— Bem, eu, por exemplo, estou feliz por não sermos irmãs. Teria tornado
tudo isso estranho.
Ashley fez uma pausa.
— Teria tornado o quê estranho?
Logan não disse nada. Ela não tinha certeza do que queria dizer.
Eles alcançaram a saída de cascalho na beira das árvores e Logan saltou da
caminhonete e esticou os braços. Ashley se soltou do banco do motorista
enquanto Elexis permanecia no banco de trás, deitado com a jaqueta sobre o
rosto. Logan bateu em sua janela.
— Bora — disse ela. — Temos uma caça aos fantasmas para fazer.
Elexis gemeu.
— Estou confuso. Se a coisa acendeu no seu pai, não deveríamos estar
falando com ele? — perguntou Ashley.
— Brandon é apenas parte disso. Estou falando sobre o equipamento, no
entanto. Eu assisti alguns outros episódios apenas para conferir, e eles nunca
apontam o ermoGeist para Brandon. Apontam para Alejo às vezes e nada.
Mas em Brandon foi registrado, tipo, imediatamente.
Logan passou os últimos dias enfurnada em seu quarto de motel com os
olhos grudados na TV. Dizer que ela assistiu “alguns” episódios era um
eufemismo. Ela sabia que eles estavam potencialmente lidando com algo
paranormal, mas nunca pensou que o próprio Brandon fosse a fonte. Ela
pensou no Brandon de seu sonho, vestido com uma estranha escuridão, a voz
mais profunda que um oceano. Talvez nada disso estivesse conectado, talvez
estivesse tudo conectado.
Ela precisava fazer os fantasmas na cabana falarem.
Precisava da verdade.
Elexis saiu do banco de trás.
— Certo. Digamos que tudo isso seja real, o que significa?
— Significa que o ermoGeist sinalizou algo paranormal nele. Talvez
um espírito? Algo ruim. — Logan colocou sua bolsa no ombro e trancou a
porta do carro. A afluência de cascalho era mais calma durante o dia. Logan
afastou a sensação de que ela estava invadindo. — O que significa que a
ferramenta funciona. Podemos usá-la nos fantasmas da cabana.
— E então vamos falar com Brandon? — perguntou Ashley.
— Talvez. — Logan coçou a nuca. — Não sei.
Ashley franziu a testa.
— Por que me trazer? — Elexis perguntou. — Pensei que isso era coisa
de vocês.
— Somos uma família — disse Logan. — A família se ajuda.
— Você não me ajuda em nada.
— Eu ajudaria se você pedisse.
Elexis deu de ombros e endireitou o gorro. Não era apenas sobre família,
no entanto. Desde a festa, algo mudou no peito de Logan. Olhando para
Ashley, parecia diferente agora. Havia a mesma irritação, o mesmo ceticismo, a
mesma dúvida que sempre sentiu. Mas era como se estivesse olhando para uma
foto borrada antes, e agora os detalhes tinham entrado em foco. Ela olhou para
Ashley e viu olhos da cor de água clara, lábios que sugeriam um sorriso
fantasma, a maneira gentil como ela virou a cabeça quando olhou para Logan.
Esse sentimento idiota e difícil sobre garotas heterossexuais não era novo e
nunca valeu a pena. Mas Ashley não era apenas uma garota heterossexual. Era a
filha de uma inimiga jurada, que tinha o poder de expulsar Logan da cidade
em um piscar de olhos, e ela estava procurando por seu namorado
desaparecido, a quem ainda parecia muito interessada.
Elexis não era apenas família — ele era um amortecedor.
Logan lançou um olhar para Ashley. Ela olhou para as árvores, mas seu
olhar não estava fixo. Preguiçosamente passou os dedos pela ponta de seu rabo
de cavalo sem dizer uma palavra.
Logan se aproximou.
— Você está se sentindo bem?
— O quê? — Ashley piscou retornando à realidade. — Ah, sim. Não sei.
Sinto que algo está estranho hoje.
— Sim — Logan meditou. Ela se virou para Elexis. — Nick não quis vir?
Achei que vocês eram um tipo de promoção dois por um.
Elexis franziu a testa.
— Acho que ele ficou de castigo por ir àquela festa.
Logan respirou fundo.
— Caramba.
Ela puxou o ermoGeist de sua bolsa e bateu nele até ligar. Nunca tinha
o segurado antes, mas assistiu Alejo o ligar na TV um milhão de vezes. Era um
quadrado de plástico preto com duas hastes prateadas saindo de suas costas. De
acordo com o programa, o ermoGeist deveria detectar manchas de
temperaturas díspares na atmosfera. Manchas frias — manchas que faziam a
pequena tela do ermoGeist piscar em azul — indicavam a presença de
espíritos. Ela sempre presumiu que a precisão do ermoGeist, como tudo no
ParaEspectadores, era exagerada. Mas algo sobre a maneira rápida como Alejo
afastou as hastes de Brandon mostrava que ele sabia que havia revelado um
segredo. Logan não conseguia esquecer a imagem. O frio penetrante do azul.
Então, ela o roubou. Alejo e Brandon estavam em Ontário durante o dia,
fazendo compras e ligações para o programa. Ela pegou alguns outros
dispositivos do porta-malas da van só por segurança. O SonusX era um
dispositivo em forma de walkie-talkie que emitia sons altos e podia detectar
vozes fantasmagóricas. O Umbro Illustrator era um scanner que renderizava
animação de qualquer espírito humanoide nas proximidades. O Scripto8G era
um chip que se conectava à entrada de fone de ouvido do telefone dela. Era o
seu favorito dos dispositivos ridículos de seus pais — aparentemente, permitia
que eles recebessem mensagens de fantasmas.
Ela trouxe aquele principalmente para se divertir.
Eles percorreram seu caminho para a cabana e o estômago de Logan
revirou. Hoje, não havia música de piano, nenhuma voz através da madeira
lascada, nenhuma respiração como Ashley havia descrito. Logan calibrou o
ermoGeist e o apontou para a cabana, mas a tela permaneceu em branco.
— Parece diferente — disse Elexis. Ele vagou para a parte de trás da
cabana com as mãos nos bolsos. — Há uma fogueira aqui atrás.
— Vocês sabem alguma coisa sobre a família que morava aqui? —
perguntou Logan.
Elexis deu de ombros. Ele caminhou mais, parando na parte de trás da
cabana para admirar as enormes janelas quebradas.
— Eles tinham uma visão legal.
Logan desenterrou um punhado de dispositivos de sua bolsa, sem saber
por onde começar. Ela e Ashley foram até a varanda da frente e entraram na
sala principal. O silêncio de Ashley era mais profundo do que o normal. Era
inquietante. Logan a olhava a cada dois segundos para ter certeza de que ela
não tinha saído. Ela não era a única coisa que estava diferente; era como se a
cabana estivesse determinada a ser diferente da última vez que Logan a visitou.
Hoje não parecia como morte, desespero, magia ou nada disso. Parecia uma
casa de madeira em uma clareira. Nada mais.
O ermoGeist concordou. Logan andou cautelosamente pelo chão da
cabana, mas a tela quadrada do aparelho permaneceu apagada. Não havia nada
paranormal aqui — pelo menos, não para ela.
Logan provou o sabor da decepção em sua língua.
O ar lá fora estava leve com o canto dos pássaros e cheirava a terra. A luz
do sol se infiltrava na cabana através de aberturas no teto, onduladas como
folhas de ouro através da madeira banhada pelo sol. Ela imaginou o quão
bonito este lugar poderia ter sido uma vez. Como seria estar aqui ouvindo o
piano e sentindo o vento do verão pelas janelas abertas. Imaginou cortinas de
linho branco na parede oposta, uma cesta de frutas no balcão da cozinha, uma
luminária de madeira sobre sua cabeça. Era uma visão tão real que parecia uma
memória. Logan quase podia ver quando ela fechava os olhos.
— Eu sinto que... eu já estive aqui antes.
— Você esteve — Elexis disse. — Duas vezes, certo?
— Você sabe o que eu quero dizer. — Ela colocou a mão no quadril. —
Antes de antes.
Mas não havia antes. Ela não era como Brandon e Alejo; ela não tinha
memórias aqui. Este não era o lar dela. Snakebite só deveria ser o agora.
— Bem — ela disse —, o que quer que estivesse aqui antes, se foi.
Logan não tinha certeza se acreditava nisso.
Ashley não disse nada.
— Ei. — Logan acenou com a mão na frente do rosto de Ashley. — Você
está aí?
— Desculpa — disse Ashley. Pela primeira vez, Logan notou os círculos
profundos embaixo dos olhos dela, escuros como hematomas. Seus olhos
estavam vidrados e distantes em algo além, mesmo quando olhava para o rosto
de Logan, era como se não conseguisse focar. — Desculpa, eu não sei o que...
Elexis entrou na sala principal da cabana.
— Podemos ir para casa? Minhas alergias estão atacando.
— Não — Logan retrucou.
— Eu me sinto meio mal do estômago — disse Ashley. — Acho que algo
ruim aconteceu aqui. Não era assim antes. Não sei o porquê de eu…
Ela afundou no sofá surrado no canto da sala e colocou a cabeça entre as
mãos. Seu rabo de cavalo loiro caiu em ondas pelas costas. O medo retorceu
como uma faca no peito de Logan. O ar estava muito parado, a cabana estava
muito vazia. Ashley estava uma bagunça.
Algo estava errado.
— Você vê alguma coisa? — perguntou Logan.
Ashley balançou a cabeça.
Logan assentiu.
— Ok. Quero dar uma olhada rápida lá fora, então poderemos ir. Você
apenas... fique aqui.
Elexis e Logan deixaram a cabana e vagaram entre as árvores em direção à
costa. A primeira vez que Ashley viu Tristan, ele estava nas árvores, não na
cabana. Logan fez malabarismo com os dispositivos, escaneando as árvores,
mas nada foi registrado. Nada indicava que fosse outra coisa senão um trecho
regular de árvores na fronteira com um lago normal fora de uma cidade
normal. Nada indicava que as coisas que tinham visto antes ainda
permaneciam ali.
Eles alcançaram a água e Elexis congelou.
Uma peça de roupa estava presa ao longo da crista empoeirada da costa,
presa sob uma rocha plana. A água do lago baixava e retraía sobre uma manga
vermelha. Por um momento, Logan pensou que a coisa estava respirando.
— O que é…
Elexis pegou a coisa debaixo da pedra e a desdobrou. Um símbolo do
Capitão América encharcado cobria a frente do moletom.
Era de Nick.
— Ele vai ficar feliz que você tenha encontrado. — Logan riu.
— Não. Ele não o deixaria para trás. — Elexis pendurou o moletom
sobre o ombro e começou a vasculhar o chão, em pânico. — É o favorito dele.
Ele não o deixaria aqui.
— Vocês dois estavam avoados.
— Não tão avoados.
— Eu…
Elexis apontou para a bolsa de Logan. Um azul tênue queimava através da
costura. Ela vasculhou a bolsa e puxou o ermoGeist para fora, apontando-o
para o moletom. Assim como no episódio do moinho de vento do
ParaEspectadores, o dispositivo brilhou um azul sólido. Ela o afastou do capuz
e ele ficou escuro novamente.
— Você falou com o Nick? — perguntou Logan. Sua língua parecia
chumbo em sua boca. — Desde a festa?
Elexis balançou a cabeça.
Logan fechou os olhos. Ela estava afundando.
— Pegue esse moletom. Vamos à polícia.
18
Longas sombras
desconhecido: SIGA
É
— É o Tristan? — Logan perguntou ao quarto vazio.
Silêncio, e então seu telefone tocou.
desconhecido: TRISTAN
Ashley ofegou. Ela pegou o telefone das mãos de Logan, olhando para a
tela como se achasse que ele poderia aparecer para ela. Suas mãos tremiam, mas
nenhuma mensagem chegou.
— Tristan — Logan continuou. — Onde você quer que a gente vá?
desconhecido: COVA
desconhecido: ANTIGA
***
Como era de se imaginar, dirigir era muito mais difícil durante um ataque de
pânico.
Ashley dirigiu pela Rua Principal, seguindo o brilho opaco dos escassos
postes de luz de Snakebite. A maioria das lojas e restaurantes ao longo da faixa
principal da cidade estava fechada durante a noite, mas no final da estrada
havia um pontinho de vida. O Chokecherry ainda brilhava levemente dourado
contra a dura escuridão da noite. Ashley podia até sentir as batidas do rock
clássico pulsando da jukebox dentro.
Passado o trecho principal, as luzes da rua se apagaram e elas ficaram na
escuridão. As vitrines deram lugar aos extensos planaltos de terras agrícolas de
um lado e à massa negra e vazante do lago do outro. A neblina rolou sobre a
estrada em um manto fino de ardósia cinza. Ashley ligou os faróis baixos e
seguiu em frente, incapaz de afastar a sensação de que havia algo escondido na
névoa.
— Outra mensagem — disse Logan do banco do passageiro. — Diz
PERTO.
— Sim — disse Ashley. Seu coração martelava em sua garganta. — O
Cemitério dos Pioneiros está ao virar da esquina.
— Acho que paramos aqui no caminho para a cidade.
— Vocês pararam — disse Ashley, talvez rápido demais. Ela limpou a
garganta. — O dia da vigília de Tristan. Eu vi você e seu pai lá.
Logan olhou para ela, mas não disse nada.
Elas contornaram uma enorme colina escura e os faróis do Ford se
acenderam na cerca atarracada que cercava o Cemitério dos Pioneiros. As
sepulturas aqui eram especialmente lamentáveis à noite — apenas montes de
terra banhados pelos feixes amarelos dos faróis. Do lado de fora da
caminhonete, o vento gemia. Estava mais pesado agora do que quando saíram
do rancho, mais pesado do que deveria ser.
— Você está sentindo isso? — perguntou Ashley.
Logan assentiu. Elas saíram da caminhonete e a terra compactada soou
oca sob seus pés. A chave de pedra estava resoluta na frente do cemitério,
inabalável ao vento, os nomes gravados na pedra quase tão indistinguíveis
quanto as próprias sepulturas. Além das lápides, o cemitério era preto.
Ashley ligou a lanterna do telefone. Logan lhe entregou o ermoGeist.
Nos fundos do cemitério, as sombras se moviam. Não como o vento, mas
como um animal. Como alguma coisa grande e pesada. Ashley estreitou os
olhos, tentando rastrear sua forma.
O ermoGeist acendeu.
— Ai, meu Deus, olhe! — Ashley gritou por cima do vento. O
ermoGeist brilhou mais forte do que seu telefone, iluminando a sujeira do
cemitério de azul. A luz a puxou para os fundos do terreno do cemitério, para a
escuridão em movimento, com um magnetismo que ela não conseguia explicar.
Ashley de repente entendeu que ela estava sozinha.
— Logan?
Ela se virou. A luz branca de seu telefone brilhou no cabelo de Logan.
Logan, que ainda estava de pé na frente do cemitério com os olhos fixos na
lápide de pedra. Logan, que parecia um fantasma. Logan, que estava tão quieta
que Ashley se perguntou se ela estava respirando. No escuro da noite, ela era a
sombra de uma pessoa. Sua expressão não estava certa — sobrancelhas
franzidas, olhos arregalados, pescoço esticado para a frente como se ela não
pudesse ler as palavras gravadas. O ermoGeist continuou a brilhar,
implorando a Ashley que o seguisse até os fundos do cemitério.
— Logan? — Ashley chamou novamente. — O que você está olhando?
— Eu… — Logan olhou para cima, saindo de seu transe. O vento
chicoteou seu cabelo em uma rajada de preto em seus ombros. — Há um
nome aqui, mas é…
Ashley guardou o ermoGeist no bolso e voltou a olhar a lápide. Elas
não tinham tempo para isso. O olhar de Logan estava fixo nos nomes gravados
na frente delas, e Ashley seguiu seu olhar para um em particular. Por um
momento, não entendeu, e então seu coração parou no hífen.
ORTIZ-WOODLEY, 2003–2007
***
A viagem para a cabana foi sombria desta vez. Os zimbros ficaram borrados
enquanto Ashley dirigia pela estrada à beira do lago, morta e marrom pelo
calor sufocante. Logan se encolheu no banco do passageiro com os joelhos
dobrados contra o peito, provavelmente para evitar a regra de não colocar os
pés no painel.
— Você não estava no funeral — disse Ashley.
Logan respirou fundo.
— Eu sei. Eu ia, mas parecia desrespeitoso. Não sei.
— Não teria sido desrespeitoso — disse Ashley. — Vocês eram amigos.
— Não assim. Quero dizer, teria sido uma distração. Todo mundo acha
que meus pais têm algo a ver com isso. Se minha pequena família gay
aparecesse no funeral, isso é tudo em que alguém prestaria atenção. Eu não
queria tirar a atenção… — Logan apertou os lábios. — Precisava ser sobre
Nick. Isso é tudo.
Ashley fez uma careta. Ela desejou que Logan não estivesse certa. Algo
estava pesado em seu peito. Ela piscou para a costa ensolarada, borrada pela
janela suja de terra.
— Como seus pais reagiram quando você contou a eles?
— Hum, contei a eles...? — Logan parou.
— Sobre, você sabe…
— Certo, você tem que parar de chamar assim. — Logan passou a mão
pelo cabelo, sacudindo os emaranhados. — Você quer dizer quando eu disse a
eles que sou lésbica?
— Sim. Isso.
— Hum, quero dizer, eles não tinham motivos para ficarem bravos com
isso, né? Ficaram definitivamente surpresos, no entanto. — Ela mexeu
preguiçosamente com as saídas de ar condicionado sem olhar para cima. —
Alejo estava preocupado que eu apenas pensasse que era lésbica por causa deles.
Brandon estava realmente assustado, no entanto. Ele disse que as coisas seriam
muito mais difíceis para mim. O que sempre me pareceu estranho porque eu
conhecia muitos adolescentes gays em L.A. Quando estava lá, nunca foi muito
difícil. Era apenas, eu não sei, algo.
Ashley assentiu. Ela afrouxou o aperto no volante; não conseguia se
lembrar de quando ela tinha apertado os dedos.
— Eu entendo agora, no entanto. Eles cresceram aqui.
As árvores engrossaram quando elas chegaram à saída de cascalho. O sol
deste lado do lago costumava ser dourado, mas agora estava perto demais.
Estava forte, sentado muito baixo no céu. Ashley olhou para as árvores e
ansiava pela sombra entre elas. Quanto mais o tempo passava, mais tinha
certeza de que havia algo errado aqui.
Logan abriu a porta do passageiro no momento em que estacionaram. Ela
puxou o cabelo em um rabo de cavalo preto curto.
— Sinto isso hoje. Eu sinto que vamos descobrir alguma coisa.
Elas foram para a cabana. De imediato, algo estava diferente. Não como a
sensação de náusea que ela teve na primeira vez. Ashley parou na varanda da
frente da cabana e estendeu um braço para manter Logan no lugar. A cabana
estava viva, mas não como se estivesse com fantasmas. Algo farfalhava lá
dentro, gemendo nas tábuas do assoalho.
— Você ouviu isso? — sussurrou Ashley.
Para sua surpresa, Logan assentiu.
Ashley engoliu em seco. Ela cuidadosamente caminhou até a varanda e
abriu a porta da frente da cabana. Esperava um animal selvagem ou móveis
derrubados. Até os fantasmas pareciam mais prováveis do que o Xerife Paris
parado no canto mais distante da sala, inspecionando as iniciais gravadas nas
paredes. Sua postura era cuidadosa, dedos delicados enquanto traçavam a
madeira apodrecida.
Paris endureceu ao som delas. Ele se virou, e sua expressão se suavizou em
uma risada silenciosa.
— Pensei ter ouvido alguém entrando.
— Eu… — Ashley começou, mas não tinha certeza do que dizer. Ela
limpou a garganta. — O que você está fazendo aqui?
— Acho que provavelmente o mesmo que vocês — Paris sibilou. —
Exceto que procurar Tristan é meu trabalho real.
Ashley olhou pela janela quebrada para o outro lado do lago.
— Eu pensei…
— …que não estávamos olhando este lado do lago? — perguntou Paris.
— Eu disse que não queria vocês aqui. Não há realmente trilhas ou pontos de
referência. Se eu perdesse o rastro de um de vocês, seria difícil encontrar
novamente. Já tenho um jovem desaparecido e outro morto.
— Ah — disse Ashley.
— E, como seu xerife, eu realmente não gosto da ideia de vocês ficarem
aqui sozinhas — disse Paris. — Com tudo acontecendo, não é realmente
seguro. Vou ficar com vocês por enquanto, mas realmente prefiro que não vão a
lugar algum sem acompanhantes de agora em diante.
Ashley e Logan assentiram. Por um momento, houve apenas silêncio.
A expressão de Paris se iluminou e ele rapidamente atravessou a sala
principal. Se virou para encarar Logan e estendeu a mão.
— Você deve ser a filha do Alejo. Prazer em conhecê-la oficialmente.
Logan piscou.
— Você conhece meu pai?
— Ah, sim. Nós éramos melhores amigos no ensino médio. Eu, ele e a
senhorita Tammy Barton.
Ashley balançou a cabeça.
— Não sabia que você a conhecia tão bem.
— Sim, Tammy é o máximo. Ela é uma senhora ocupada, no entanto. —
Paris tirou o chapéu de caubói e passou a mão pelo cabelo cor de palha. — Eu
tento não incomodá-la muito mais.
— Que confuso — Logan disse calmamente. — Você também conhecia
o Brandon?
Paris puxou o pano do piano. As teclas embaixo estavam apodrecidas e
marrons nas bordas. Logan olhou para o piano e sua expressão mudou. Era
suave e quase triste. Ashley pensou que ela olhava para o piano como outra
pessoa olharia para um túmulo. A luz do sol dançava sobre suas maçãs do
rosto, mas seus olhos estavam escuros e distantes.
Ashley se perguntou quantas vezes ela se pegou olhando para aqueles
olhos, profundos, castanhos e escuros o suficiente para engolir a luz do sol
inteira. O peito de Ashley estava apertado. Ela se afastou, concentrando-se
novamente na cabana.
— Brandon… — Paris suspirou. — Mais ou menos? Ele era um garoto
quieto. Éramos apenas doze de nós na classe de 97. Eu o conhecia, mas não o
conhecia. Não acho que alguém realmente o conhecia. Eu o via todos os dias,
mas acho que só falei com ele uma vez.
— Conheço a sensação — Logan sussurrou baixinho.
— Mas sim, eu e Alejo nos conhecemos. Costumávamos passar os verões
aqui no barco do meu pai. Nós meio que nos afastamos quando ele foi para
uma faculdade chique. Apesar disso, continuo o amando. Ele era como a
criança de ouro de Snakebite. Todos o amavam.
Ashley entrou na cabana e fechou a porta da frente. Logan parecia
totalmente desinteressada em usar qualquer equipamento de seus pais agora.
Ela só queria interrogar Paris. Ashley tentou não ficar vagamente irritada.
— Por que vocês deixaram de ser amigos? — perguntou Logan.
— Não deixamos de ser amigos. — Paris continuou a andar pela cabana
antes de se sentar no sofá surrado. — Bem, não muito. Não sei. Parece tão
ruim, mas de certa forma, quando seu pai veio para casa e contou a todos a
notícia sobre ele ser... você sabe... fiquei meio agradecido. Tipo, eu ficava bravo
porque as pessoas eram tão horríveis com ele por causa disso, mas foi um alívio
também. Eu tinha que sair da sombra dele. — Paris balançou a cabeça. —
Uau, isso soa terrível.
— Sim — disse Logan —, soa.
Paris a olhou.
— Eu não quero dizer isso de uma maneira ruim.
Ashley riu desconfortavelmente. Logan lançou-lhe um olhar.
— O que é este lugar? — perguntou Ashley. Ela teve o cuidado de não
mencionar que John havia encontrado a cabana nos mapas de seu pai. As coisas
com John já estavam bastante tênues, ela não precisava o delatar também.
— Costumava ser uma pequena e linda cabana. — Paris franziu a testa.
— Obviamente, não está mais em seu auge.
— Você sabe quem morava aqui? — perguntou Ashley.
A testa de Paris franziu em confusão. Ele olhou para Logan.
— Eu sei. Pensei que vocês duas... Bem, agora sinto que não é o meu
lugar para dizer.
Ashley e Logan o olharam com impaciência.
— Eu acho que vai sair de uma forma ou de outra, já que tecnicamente
tem a ver com vocês duas. Vocês não podem contar a seus pais que eu falei
sobre isso. — Paris colocou seu chapéu de caubói de volta. — Eu sei que a
propriedade é de Tammy. Por alguma razão, ela vendeu o lugar para os seus
pais. Talvez ela tenha dado a eles. Não sei. Mas foram eles que construíram.
Ashley piscou.
Ao lado do piano, Logan exalou.
— Eles construíram?
— Sim. — Paris assentiu, solene. — Eu já não era tão próximo de seu pai
naquela época. Acho que os dois só queriam uma maneira de se afastar um
pouco da cidade.
Ashley olhou para as paredes, os tetos em ruínas, as janelas quebradas.
Brandon e Alejo construíram este lugar à mão, e isso foi o que restou dele. Era
como se a própria madeira exalasse decepção.
— O que aconteceu aqui?
Paris deu de ombros.
— Não faço ideia.
Os três permaneceram por um momento em silêncio. Os olhos de Logan
estavam arregalados, mas ela não disse nada. Ashley sentiu vontade de ir para o
seu lado, de colocar a mão em seu ombro e certificar-se de que ela estava bem.
Ela não sabia por quê.
— Se vocês, meninas, não se importam, vou dar uma olhada mais perto
da água. — Paris levantou-se e saiu pela porta da frente, deixando-a aberta
atrás dele. — Esperem até eu voltar.
Quando ele partiu, Logan deixou sua bolsa cair. Ela aterrissou no chão de
madeira com um baque doentio. Logan não disse nada. Apenas andou pela sala
principal, os olhos fechados como se tentasse imaginar como era antes da
destruição. Ashley tentou imaginar também. Houve vida aqui uma vez. Parecia
a quilômetros de distância agora.
Quando ela abriu os olhos, congelou.
Brandon estava sentado no sofá no canto da sala, olhando pela janela de
frente para o lago. Sua expressão estava vazia, os olhos vidrados e fixos na costa
distante.
Levou um momento para Ashley perceber que Logan não o via. Os
fantasmas estavam de volta. As meninas não estavam sozinhas.
Ashley se apoiou na parede.
Logan virou-se para ela.
— O que está acontecendo?
— Eu, hum… — Ashley engoliu em seco e apontou para o sofá. — Ele
está aqui. Brandon. A versão fantasma. Algo está estranho.
A cena era escura, fria e errada. A coisa errada nela permeou o ar,
lançando uma sombra tão profunda sobre a cabana que era difícil respirar.
Ashley sentiu a escuridão como uma película oleosa em sua pele.
Logan piscou. Ela se moveu para o sofá e puxou vários dispositivos de sua
bolsa, metodicamente ligando todos.
O fantasma de Brandon estava em silêncio, assim como da última vez que
Ashley o viu. Ele passou a mão pelo espaço ao lado dele, os olhos fixos no lago
lá fora. Sua expressão era de aço. Não era uma expressão de maneira alguma.
Ele era uma concha, como se não houvesse nada humano nele.
Uma voz sussurrou, mas ela não conseguia entender o que dizia.
— Você consegue sentir? — perguntou Ashley.
Logan arqueou uma sobrancelha.
— Sentir o quê?
A mandíbula de Ashley tremeu no frio. Não fazia sentido… fora da janela
da beira do lago, o sol brilhava quente e dourado sobre a terra. Ela tinha
acabado de estar lá fora, tinha acabado de sentir o calor. Mas dentro da cabana
estava frio como no inverno. Vozes sussurravam lá fora, suaves como água
corrente. Muitas vozes, como se houvesse uma multidão reunida do lado de
fora. O estômago de Ashley afundou com a nítida sensação de que algo as
rodeava, pressionando as paredes, procurando uma entrada.
— Ele está apenas sentado lá — disse Ashley. — O que há de errado com
ele?
— Descreva — disse Logan.
— Eu acho que ele está… — Aflito, Ashley quis dizer. Mas as vozes lá
fora continuavam a assobiar, circulando a madeira fraca como abutres
circulando presas. — Feche a porta.
Logan correu para a porta e a fechou. Ela ergueu o telefone como se um
sinal melhor pudesse lhe dar uma mensagem do Scripto8G.
— Ele está dizendo alguma coisa?
Ashley olhou para baixo. Brandon Woodley não era vago como o cheiro
de Tristan ou a voz desencarnada de Nick. Assim como da última vez, ele
estava inquietantemente presente.
— Um dia — sussurrou uma voz —, seremos felizes.
Brandon enrijeceu.
E então ele olhou para ela.
Ashley deu um pulo para trás, batendo em uma mesa desmoronada. Seus
joelhos se dobraram no canto da madeira e as palmas das mãos de Logan
achataram contra suas costas para mantê-la em pé. As tábuas do piso gritaram,
mas o som estava confuso, como se tivesse o ouvido debaixo d'água. Ela
apertou o peito, mas não desviou o olhar.
Depois de um momento, Brandon piscou. Ele balançou a cabeça
ligeiramente e a sala mudou. O ar afrouxou, derramando sua mortalha de frio
como se estivesse se livrando de um cobertor. Ashley sentiu as mãos de Logan
em suas costas — realmente as sentiu — e então ela estava na cabana. A luz do
sol brilhava através das janelas quebradas, mas os pelos de seus antebraços
ainda estavam arrepiados. As vozes do lado de fora se foram. Em vez disso, ela
ouviu o farfalhar de galhos de zimbros bem acima do teto desmoronando da
cabana.
— O que acabou de acontecer? — Logan perguntou, tentando esconder
o tremor em sua voz.
— Ele nos viu — sibilou Ashley. — Não sei como, mas...
Brandon pressionou os dedos sob os óculos para esfregar os olhos.
— Pensei que eu tinha visto alguma coisa.
— O que… — Logan começou.
Ashley a silenciou.
Brandon fez uma pausa como se estivesse ouvindo, então balançou a
cabeça.
— Eu não posso ficar perto deles.
Ashley soltou o braço de Logan e parou na frente de Brandon. De perto,
seu rosto estava cheio de nada. Ele olhou pela janela, para o vazio indefinido.
Ela não sabia como era um assassino, mas se tivesse que imaginar uma
expressão, imaginaria essa.
Brandon parou novamente, ouvindo, então assentiu. Ele observou o
espaço ao lado dele — o espaço onde Ashley estava segundos antes — e
estreitou seus olhos. Após um momento de silêncio tenso, ele passou a mão
pelo ar vazio e fechou os olhos.
— Não é real — ele sussurrou.
Silenciosamente, ele foi até a porta da frente e sumiu de vista.
Ashley soltou um suspiro reprimido e enxugou gotas de suor de sua testa.
— Estou tão confusa.
— Você está confusa? — Logan estalou.
— Me siga.
Elas saíram da cabana e desceram para o lago, longe de onde Paris
passeava pela costa. Uma vez que Logan estava sentada em uma pequena pedra,
Ashley contou sobre o momento o melhor que pôde. Mas a estranheza dele era
impossível de colocar em palavras. Era uma sensação que se instalou na boca
do estômago como pedras. Mesmo na margem do lago, com o sol batendo nela
e uma brisa quente farfalhando entre as árvores, ela sentiu o frio sob a pele.
Sentiu o olhar de Brandon, implacável, vazio e morto.
— É como se ele não estivesse sozinho — disse Ashley. — Havia outra
coisa ali. Eu podia ouvi-la lá fora, sussurrando.
Logan coçou seu couro cabeludo.
— Quem seria, no entanto?
— Acho que não era uma pessoa.
Logan arqueou uma sobrancelha.
— Eu não acho que era humano.
— Eu simplesmente não entendo — disse Logan. Ela chutou uma pedra
oval lisa no lago. — Era apenas Brandon?
— Apenas Brandon que eu pude ver. No entanto, ouvi algo falar com ele.
— Ashley fechou os olhos, evocando a voz em sua memória. — Disse que eles
seriam “felizes de novo”. Eu não sei por quê. Meio... soou como se alguém
tivesse morrido.
— Isso é apenas você preenchendo os espaços em branco? — perguntou
Logan.
— O quê? — Ashley perguntou. — Não estou inventando. Estou apenas
dizendo o que eu vi. E o que vi parecia que eles estavam de luto por alguém.
Logan pressionou a palma da mão na testa.
— Mas quem?
— Talvez alguém da família?
Logan zombou.
— Quando ouvi nossos pais conversando, minha mãe disse ao seu pai
que sentia muito por sua perda — disse Ashley. — Seus pais... já mencionaram
alguém que morreu? Talvez antes de você ser adotada? Eu sei que você não
quer falar sobre isso, mas…
Logan endureceu.
— …aquela sepultura no Cemitério dos Pioneiros.
— Não.
— Se eles perderam alguém, talvez seja por isso que foram embora.
Logan balançou a cabeça.
— Não. Literalmente não é possível. Eles teriam me contado. Alejo
teria...
Logan não terminou seu pensamento. Elas ficaram em silêncio por um
momento. O lago subia ao longo da costa, levando a poeira para a água a cada
pulsação. Logan queria acreditar que Brandon não tinha nada a ver com as
mortes, mas seus passos estavam em todos os lugares que olhavam. Ele foi a
única coisa que mudou em Snakebite.
— Achei que deveríamos estar procurando por Tristan — disse Logan. —
Nós deveríamos estar esclarecendo isso, não tornando pior.
— Não acho que seja alguém apenas matando pessoas — disse Ashley. —
As vozes que ouvi do lado de fora eram... e se elas estiverem conectadas a tudo
isso?
— Você acha que algo paranormal está por trás de tudo — Logan falou
como uma afirmação, não uma pergunta.
— Não seria mais estranho do que tudo o que está acontecendo.
Logan beliscou a ponte de seu nariz.
— Eu sei que parece que Brandon está envolvido, mas... deixe-me falar
com os meus pais e ver o que posso descobrir. Não quero tirar conclusões
precipitadas. Por favor.
A carranca de Ashley foi involuntária. Havia desespero no rosto de
Logan, mas não tinha certeza se era desespero por Brandon ser inocente ou
desespero porque ela achava que ele não era. O cabelo preto liso de Logan
ondulava com o vento. Ela colocou a mão sobre a boca.
— Tudo bem — disse Ashley. — Posso perguntar mais coisas para a
minha mãe também. Mas não sabemos quanto tempo levará até que outra
pessoa desapareça. Não há muitos jovens aqui. Pode ser um dos meus amigos.
Pode ser uma de nós.
— Prometa que não fará nada até eu falar com eles — disse Logan. —
Apenas confie em mim.
Os olhos de Logan se estreitaram, vidrados como se ela fosse chorar.
Ashley olhou além dela, para a cabana. O frio sob sua pele estava quase no fim
agora, mas o peso em seu estômago ainda a empurrava para baixo. Parecia que
estava afundando. Ela fechou os olhos.
— Prometo.
20
***
Quando Logan e seus pais chegaram ao Moontide, ele estava completamente
vazio. Eles deslizaram para uma cabine de vinil perto da parte de trás da
lanchonete sem dizer uma palavra, cada um olhando para as outras cabines
para ter certeza de que estavam realmente sozinhos. O restaurante não tinha as
pilhas de recordações que o Chokecherry tinha, mas tinha uma sensação de
atemporalidade. Era ao mesmo tempo um restaurante que podia estar em
qualquer lugar e um que só poderia existir aqui. Logan se aninhou na cabine e
afundou nas almofadas gastas.
Uma garçonete saiu da cozinha com um sorriso rosado e uma braçada de
cardápios.
— Alejo. — Ela sorriu.
— Ronda — disse Alejo. Ele se levantou e puxou a mulher para um
abraço apertado. Ele era pelo menos trinta centímetros mais alto que ela, mas
ela estendeu a mão e o abraçou como se ele fosse uma criança muito alta e não
um homem de quarenta anos. Sem soltá-la, Alejo disse: — Você não
envelheceu um dia.
— Eu acho que você diz isso para todas as garotas. Ou… — Ronda
olhou para Brandon e sua expressão ficou séria — talvez não.
— Bom ver você — Brandon disse rigidamente.
— Vou te dizer uma coisa, não esperava te ver aqui. — Ronda colocou os
cardápios na mesa e tirou três talheres do avental. Sua expressão era difícil de
ler, vagando em algum lugar entre curiosidade e decepção. — Ainda não
entendo por que vocês três estão na cidade, mas estou feliz em ver que estão
bem. Enfim, vamos colocar um pouco de comida na mesa. — Ela se virou para
Alejo. — Já faz um tempo, mas acho que me lembro, hambúrguer Moontide
normal sem picles ou cebolas, cheddar extra?
Alejo sorriu.
— Você lembra.
— Estou feliz que você não seja um daqueles tipos veganos da Califórnia
agora. — Ronda anotou os pedidos de Brandon e Logan e enfiou o bloco de
notas de volta no avental. — Esperem pacientemente. Já volto com a comida.
Brandon olhou ao redor da lanchonete com um sorriso distante. Ele
parecia realmente se encaixar aqui. Logan nunca o tinha visto realmente se
estabelecer em um lugar. Não importava onde estivessem, ele sempre parecia
ter sido recortado e colado, como se sempre existisse em outro lugar. Mas no
Moontide, ele parecia confortável. Ele se inclinou contra a cabine de vinil
como se tivesse passado anos nela. Talvez tivesse. Logan não sabia quase nada
sobre a vida de Brandon aqui antes do programa. Ela tinha juntado pedaços de
Alejo, mas Brandon estava em branco.
Tudo parecia torto.
— Vocês vinham muito aqui antes? — perguntou Logan.
Alejo olhou para Brandon, que o fixou com uma clássica carranca de
lábios retos.
— Ah, sim. Eu diria que sim. Não juntos, mas acho que nós dois viemos
muito aqui.
Logan torceu o nariz.
— Resposta estranha.
— Nós realmente não nos conhecíamos na época — disse Alejo. — Eu e
seu pai poderíamos estar sentados um ao lado do outro, mas provavelmente
não teríamos trocado uma palavra.
— Isso não é verdade — disse Brandon. — Eu sabia quem você era.
— Ok, bem, isso é porque eu era legal.
— E eu não era — disse Brandon. — Tenho certeza de que isto é uma
surpresa.
A jukebox, que Logan não tinha notado antes, começou a tocar John
Denver, e o rosto de Alejo se iluminou.
— Seu pai costumava ser capaz de tocar essa no piano — disse. Ele
colocou a mão no antebraço de Brandon. — Deveríamos comprar um piano
para a casa de L.A. Aposto que ela nem sabia que você tocava.
— Duvido que eu me lembre como. — Brandon fez uma careta para a
jukebox, então suavizou o rosto e olhou para Logan. — Você não gostaria de
me ver tocar agora. Seria vergonhoso.
O peito de Logan estava apertado. Ela pensou no piano na cabana. Não
podia ser coincidência que o espírito de Brandon tivesse se materializado lá,
que ela tivesse ouvido música de piano na floresta, que ele aparentemente
costumava tocar. Mas não era isso que queria descobrir — não queria mais
razões pelas quais Brandon estaria no centro de tudo isso. Ela engoliu de volta
a pontada de dor em seu peito.
— Como vocês se conheceram? Acho que nunca perguntei.
— Ah, uh… — Brandon olhou para Alejo. — Você é um contador de
histórias melhor que eu.
— Não sei, não — Alejo sibilou. — Você aparentemente sabia de mim
muito antes de eu saber de você.
Eles mantiveram o olhar um do outro por mais um momento em um
impasse silencioso. Finalmente, Brandon limpou a garganta.
— Nós nos conhecemos aqui, na verdade. Na lanchonete. Eu estava
comendo com os meus pais e ele estava aqui com...
— Não, nós nos conhecemos na serraria, lembra?
Brandon fez uma careta.
— Não. Foi aqui.
A testa de Alejo franziu, procurando a memória.
— Você estava em um encontro? — Brandon tentou. — Não importa.
Não foi uma conversa longa. Eu nem sei por que me lembro disso.
— Tem certeza que você me conheceu? — perguntou Alejo. — Não te
conheci até voltar de Seattle. E eu realmente não fui a encontros. Eu estava...
Logan gemeu.
— Você estava com a Tammy, certo?
Alejo corou.
— Gracia... aquela chismosa. Eu era um cara diferente naquela época.
— Não acho que você era tão diferente — disse Brandon. Quando Logan
e Alejo o fixaram com olhares idênticos, ele olhou para baixo. — Quando você
voltou, eu fiquei realmente feliz por você ser exatamente como me lembrava de
você.
— Ah, porque você me conhecia tão bem da nossa única conversa? — A
risada de Alejo foi um desafio aguçado.
Ronda voltou da cozinha e colocou os hambúrgueres na mesa, poupando
Brandon de ter que elaborar. Antes que ela pudesse se virar para sair, Alejo
ergueu a mão.
— Ronda, você tem uma ótima memória. Você se lembra de mim e
Brandon nos encontrando aqui? Pela primeira vez?
Ronda olhou.
— Eu estava na cabine perto da porta — disse Brandon.
— Sinto muito. Não me lembro. — Ronda se endireitou e apontou para
a mesa. — Vocês têm guardanapos suficientes?
Alejo olhou para Brandon e franziu a testa.
— Ah, estamos bem. Obrigado.
Logan olhou para o colo dela. Esperou até que Ronda desaparecesse de
volta para a cozinha, então respirou fundo.
— Posso perguntar uma coisa a vocês?
— Quando foi que você já pediu permissão? — Alejo zombou.
Brandon a observou com cautela.
— Eu sei que você disse que está investigando o clima e aparições
estranhas e outras coisas, mas... Estava conversando com a Gracia há algumas
semanas. Ela disse que essas coisas estranhas não começaram até vocês
chegarem aqui. E vocês não têm feito anotações ou fotos. Nenhum membro da
equipe veio. Peguei o equipamento de vocês, tipo, três semanas atrás, e...
— Você o quê? — perguntou Brandon.
Logan ficou quieta.
— O que quer dizer com você pegou nosso equipamento? — perguntou
Alejo.
— Eu… — Logan estreitou os olhos. — Não, a questão é que vocês nem
notaram que sumiu. Deveríamos estar aqui investigando, mas vocês nem
percebem que estão sem todo o equipamento?
— A questão é que nosso equipamento é caro — disse Alejo. — E fora
dos limites.
Brandon se inclinou para frente.
— Para quê você usou ele?
Logan olhou entre eles. Alejo estava chateado, mas Brandon estava com
medo. A mão dele estava apoiada na mesa, os olhos arregalados por trás dos
óculos. Porque não era sobre o equipamento; era sobre o que ela tinha
encontrado. O coração de Logan disparou. Ela sentiu fogo em suas bochechas.
— Logan — Brandon disse, duro e frio. — Para quê você usou o
equipamento?
— É isso que eu quero perguntar. A cabana do outro lado do lago...
Brandon exalou.
— Eu sei que era sua. E há aquela sepultura que eu vi. Tinha o nosso
nome nela. — Logan olhou para as próprias mãos. — Eu pensei, se vocês
pudessem começar do começo. Se vocês pudessem me dizer o que está
acontecendo aqui.
Brandon afundou em seu assento e balançou a cabeça. Alejo olhou para
ele, depois para Logan, e foi a primeira vez que ela o viu sem palavras, incapaz
de mediar. Ela se perguntou como os três pareciam, sozinhos neste restaurante.
Músicas country suavemente preencheram o silêncio entre eles, quase
zombando.
Depois de um momento, Brandon saiu da cabine. Seu rosto era ilegível.
Ele olhou para qualquer lugar, menos para Logan.
— Vou dar uma volta. Eu voltarei.
Ele saiu da lanchonete para o ar pesado do verão. Guitarra ecoava da
jukebox e Logan pensou que ia passar mal. Era Tulsa de novo — ódio
coagulado na voz de Brandon, enjoativo e quente. Logan olhou para Alejo,
esperou que ele explicasse, mas ele apenas olhou para a porta da lanchonete
procurando Brandon, lábios em uma linha dura e fina.
Ele se recompôs.
— Você guardou o equipamento de volta?
— Está no meu quarto — Logan suspirou.
— Ok. — Ele colocou as mãos com as palmas para baixo na mesa de
jantar e lentamente inalou. — Tudo vai ficar bem. Eu te disse, se você quiser
saber alguma coisa, você pode simplesmente perguntar. Você não precisa...
— Ele tem algo a ver com o que está acontecendo? — perguntou Logan.
— Jovens estão morrendo. Eu só quero saber o porquê.
— Seu pai não fez nada de errado. Nenhum de nós fez. Eu... não posso
entrar nesse assunto agora, mas prometo que seu pai não é responsável por isso.
Será mais fácil explicar quando formos embora daqui — disse Alejo. — Até
então, que tal fazermos um acordo. Chega de cabana, chega de caça aos
fantasmas, chega de tirar coisas do nosso quarto. E quando tudo isso acabar, eu
e seu pai vamos explicar tudo.
— Então não posso simplesmente perguntar?
— Em breve — disse Alejo. — Eu prometo.
— Quando?
— Quando acabar — disse Alejo novamente.
Logan recostou-se em seu assento. Era assim que ia ser, ela não merecia a
verdade. Ela poderia chegar perto o suficiente para sentir seu gosto, mas nunca
poderia ter a coisa real. Ela limpou a garganta.
— Acho que é um acordo.
22
Ashley estacionou o Ford ao acaso em três das vagas estreitas do Motel Bates e
desceu da caminhonete. Na maioria das noites de verão, ela ouvia o gemido
distante de carros na estrada, mas naquela noite eram apenas as lâmpadas
tremeluzentes do letreiro fluorescente do Bates e o crepitar do Ford enquanto
esfriava. Mesmo à noite, o calor era escaldante e úmido. O estacionamento
cheirava a combustível e mofo.
Ela foi para o quarto sete. Na janela, o fio de luzes de Logan brilhava
quente e dourado através das persianas. Ashley bateu duas vezes, e a porta fez
barulho quando Logan pressionou o olho dela no olho mágico.
— Sou só eu — disse Ashley, acenando.
A porta se abriu. O cabelo de Logan estava preso em um coque
bagunçado. Ela usava uma combinação de suéter e saia toda preta com meias
pretas. Pela primeira vez desde que Ashley a conheceu, Logan não estava
usando maquiagem. Ela quase brilhava na luz baixa.
— Como você está vestindo um suéter? — perguntou Ashley.
— Beleza é dor. — Logan se inclinou contra o batente da porta. — O
que você está fazendo aqui? Está com saudades de mim?
— Eu disse à minha mãe que estou na Bug — disse Ashley, ignorando o
comentário de Logan. Ela passou os braços em volta de si mesma. — Ela ficaria
chateada se soubesse que estou aqui. Sem ofensas.
— Uma reunião secreta.
Passando pelos ombros de Logan, Ashley vislumbrou o quarto do motel.
Era mais bonito do que ela imaginava — Logan usava fios de luz no lugar da
lâmpada fluorescente escura no teto, e cuidadosamente organizou pinturas em
tela de paisagens e horizontes ao redor do cômodo como janelas para mundos
melhores. Ashley apontou para a porta.
— Posso entrar?
Logan fez uma pausa.
— Não sei. Você está aqui bem depois do horário de expediente. Meio
falta de profissionalismo, para ser honesta.
Ashley revirou os olhos.
— Ha.
— A menos que… — Logan parou. — A visita é sobre negócios ou lazer?
Os olhos de Ashley se arregalaram. Ela empurrou o ombro de Logan e
murmurou:
— Você é uma idiota.
— Obrigada por isso. — Logan sorriu e permaneceu apenas um
momento longo demais na porta antes de gesticular para o quarto do motel.
Havia algo estranho nela. Seu humor era muito afiado, muito defensivo. —
Você pode entrar. Sem julgar, no entanto.
Ashley entrou no cômodo. Era maior do que parecia do lado de fora, mas
era irrefutavelmente um quarto de motel. O papel de parede era de um tom
doentio de verde, caoticamente estampado com rosas marrons. Ashley nunca
passou muito tempo no Bates, mas Logan claramente tinha reorganizado os
móveis — a mesa do café da manhã foi transformada em uma escrivaninha
improvisada, o frigobar agiu como uma segunda mesa de canto, e um vaso de
plantas estava precariamente pendurado sobre a TV, caindo tristemente pela
tela.
— Parece ótimo — disse Ashley.
— Parece ok — Logan corrigiu. Ela fechou a porta atrás delas e se
inclinou contra ela, os braços cruzados sobre o peito. — Não é minha culpa,
no entanto. Está um milhão de vezes melhor do que quando fizemos o check-
in.
— Deve ser caro ficar tanto tempo.
— Acho que Gracia está cobrando aluguel mensal dos meus pais? Eu não
sou mesmo a tesoureira da família. — Logan deu de ombros. — De qualquer
forma, o que está acontecendo?
Ashley engoliu em seco. Ela não tinha pensado completamente por que
ela estava aqui. Depois da briga com Fran, parecia que o céu estava se fechando
sobre ela. Ela era como um pneu preso na lama, girando, tentando se libertar.
Snakebite nunca pareceu assim antes. Agora, era como se ela tivesse esquecido
como respirar. Ela não tinha planejado vir aqui — o senso comum dizia que
Logan só pioraria as coisas —, mas era como se estivesse no piloto automático.
Não poderia ter pousado em nenhum outro lugar.
— As coisas estão estranhas — disse Ashley. — Eu só precisava de um
pouco de ar fresco, acho.
— Então você veio para um... quarto de motel?
— Você sabe o que quero dizer.
— A casa de Bug não era boa o suficiente?
— Desculpe. Eu posso ir embora.
Logan suspirou.
— Não, desculpa, você pode ficar. É um reflexo. Sair meio que parece
algo que os amigos fazem.
Ashley sorriu. Depois de toda a investigação, todos os dias na cabana,
todos os segredos, talvez fossem amigas. Ela se virou para a TV presa na parede.
Judge Judy passava no mudo, e Ashley se perguntou se esse era o único canal
do Bates ou se o programa estava no ar por opção. De qualquer forma, o
quarto ilustrava a imagem de um certo tipo de solidão. Ela se perguntou
quantas noites Logan passou assim, aqui e em outros lugares.
— Parece interessante — disse Ashley. — Você tem certeza de que eu não
estou interrompendo?
— Não, agora você tem que ficar. Eu já usei energia mental te deixando
entrar. — Logan apontou para a cama. — Você é livre para ficar. Eu pediria
desculpas, só há uma cama, mas estamos claramente em um daqueles romances
sombrios e assassinos. Devemos apenas nos apoiar no clichê.
Ashley riu e se jogou na cama. O colchão era duro como pedra, mas
estava coberto por cobertores de tricô e um edredom preto de pelúcia para
torná-lo suportável. Logan vagou para o outro lado da cama e se juntou a ela
sem dizer uma única palavra. Havia algo estranho sobre Logan esta noite, algo
estranho sobre o silêncio.
Algo estranho, mas não algo errado.
— Você teve alguma atualização? — perguntou Logan.
Ashley franziu a testa.
— Se estiver tudo bem, eu realmente não quero conversar sobre as coisas
da investigação. Só quero... não sei, conversar.
— Ah. Certo.
Do lado de fora, o metal batia contra o pavimento. Ashley espiou pelas
cortinas do motel, apertando os olhos para a noite. Uma sombra se moveu do
outro lado do estacionamento perto da enorme lixeira. Por um momento, o
peito de Ashley se apertou.
— Quem é…
— É o meu pai — Logan interrompeu. — Retirando o lixo. Você pode
acenar.
Provisoriamente, Ashley acenou.
Alejo virou-se para a janela e piscou. Depois de um momento, ele acenou
de volta, a expressão presa em algum lugar entre confusão e desgosto.
Ashley limpou a garganta.
— Está tudo bem em eu estar aqui?
— Meus pais não se importam com quem trago para casa desde que eu
tinha, tipo, treze anos.
— Você trouxe um monte de gente?
Ashley não sabia por que perguntou. Talvez fosse a estranheza no ar.
Pensou que provavelmente era a estranheza em seu próprio peito.
— Você deveria ter me visto em L.A. — Logan sorriu. — Eu era uma
ameaça.
— Sinto que essa versão de você teria sido ainda pior.
O nariz de Logan enrugou em protesto.
— O pior implica que sou ruim agora. O que... é realmente justo.
— Você não é tão ruim quanto pensa que é — disse Ashley.
— Acho que sou um tesouro nacional. — Os olhos de Logan se
arregalaram. — Ah, meu Deus, se um monte de caras com câmeras aparecer no
final dessa coisa toda e foi apenas uma intervenção oculta para me tornar mais
legal, vou ficar pistola.
— Eu não faria isso — disse Ashley. — Isso significaria que ninguém está
realmente morto.
Logan apertou os lábios, esmagando o que quer que ela quisesse dizer em
seguida. Simples assim, Ashley sabia que tinha matado o tom fácil de tudo. Ela
não tinha a intenção de trazer à tona os desaparecimentos — esta noite deveria
ser livre de assassinatos —, mas eles estavam sempre pairando no ar ao seu
redor.
— Ei, não estamos falando de pessoas mortas — disse Logan.
— Certo. — Ashley fechou os olhos. Ela não queria falar sobre investigar.
Ela só queria um amigo. — Quando isso acabar, você vai para casa?
Logan abraçou apertado um travesseiro contra o peito.
— Não sei. Para ser honesta, eu realmente não sei se L.A. é o meu lar.
Quando eu era criança, meu pai dizia que lar não era o lugar onde morávamos.
Era quando estávamos juntos. Nós três.
Sua voz estava mais baixa do que o normal, olhos escuros traçando o
padrão cruzado do teto em silêncio. Era apenas em momentos tranquilos como
este que a tristeza vinha. Porque essa era a coisa sobre Logan — sob as linhas
afiadas e olhares incrédulos, sempre havia uma tristeza tão profunda que Ashley
pensou que poderia cair nela e nunca chegar ao fundo. Era uma tristeza que
Logan havia costurado em seu peito. Uma tristeza que ela moldou em um
pedaço de sua personalidade.
— Você não acha mais isso?
Logan balançou a cabeça.
— Não sei. Quando nos mudamos para L.A., eu ficava sozinha o tempo
todo. Pensei que o programa acabaria eventualmente e seríamos nós três
novamente. Mas era como se eu estivesse sempre esperando. Mesmo se sairmos
daqui e voltarmos, eu só... Não sei.
Ashley prendeu a respiração por um momento.
— O que há de errado?
Logan olhou para ela. Parecia a primeira vez que realmente a olhava. Ela
franziu os lábios por um momento como se estivesse considerando se a verdade
valia ou não a pena. Então, suspirou.
— Conversei com os meus pais. Sobre tudo. Ou, ao menos, eu tentei.
Mas Brandon simplesmente se fechou. Ele literalmente foi embora.
— Ah. — Ashley limpou a garganta. — Por que ele faria isso?
— Não sei. Mas não é como se fosse a primeira vez. Ele simplesmente...
se fecha. — Logan limpou o nariz. — Eles me deixaram ir no programa uma
vez. Alejo não estava lá, éramos apenas eu e Brandon em Tulsa. Tudo estava
bem, e então, estávamos nos túneis e eu continuei fazendo perguntas a ele e ele
simplesmente enlouqueceu. Nem olhava para mim. Me disse para ir para casa e
deixá-lo em paz. E então foi isso. Eles nunca me deixaram ir novamente. E ele
nunca... Desde Tulsa, é assim que ele tem sido.
Logan encarou Ashley, mas ela olhou para a parede do motel. Por um
segundo, Ashley pensou que fosse chorar.
— Isso é tão triste — disse Ashley, e as palavras pareciam imaturas e
erradas. — Sinto muito.
— Não sinta — Logan disse, a voz calma como um suspiro. — Não sei se
ele me odeia ou algo assim. Até então, eu realmente estava tentando fazer
funcionar. Mas agora tenho outros planos. Quando eu fizer dezoito anos, vou
fazer as malas e pegar a estrada. Vou encontrar um lugar em que eu realmente
me sinta em casa.
Logan olhou para ela. Seu cabelo preto caiu em seu pescoço, brilhando
com um brilho quente dos fios de luz. Ashley ouviu o ritmo retumbante de seu
próprio batimento cardíaco. Ela agarrou o edredom entre os dedos e inalou o
cheiro de ar condicionado e almíscar. Ela era uma Ashley diferente esta noite.
O que havia de errado com ela?
— Você poderia ficar em Snakebite — disse Ashley.
A testa de Logan franziu.
— Eu realmente não posso.
— As pessoas vão melhorar depois que tudo for solucionado. Você seria
apenas mais uma de nós. — A parede atrás de Logan era um borrão verde e
marrom. Ashley olhou para ela em vez de olhar para os olhos de Logan. —
Você não teria que continuar se mudando. Você poderia ficar aqui.
Logan sorriu, mas foi um sorriso amargo e frio.
— Ideia fofa, mas eu quero ir a algum lugar onde as pessoas não me
odeiem por predefinição. Na verdade, eu adoraria morar em algum lugar onde
elas realmente gostem de mim.
— Onde?
— Ainda não sei. — Logan deu de ombros. — Tem muitos lugares. Vou
encontrar um.
Ashley olhou para baixo. Por mais que ela quisesse acreditar que havia um
lugar assim — um lugar onde as pessoas não se sentiam tão sozinhas o tempo
todo —, estava começando a parecer que não era sobre a cidade em si. Antes
do desaparecimento de Tristan, Ashley amava tudo em Snakebite. Aqui tinha
sido seu lar. Ela nunca se sentiu sozinha aqui.
— Aqui vai uma ideia — disse Logan. Ela intencionalmente evitou o
contato visual. — Você poderia vir comigo.
A garganta de Ashley estava apertada.
— Você quer dizer sair de Snakebite?
— Desculpa, isso é estúpido. — Logan limpou a garganta e inclinou a
cabeça para o teto. — Obviamente você gostaria de ficar aqui. Você tem a
fazenda e tudo mais.
O aperto de Ashley no edredom aumentou. Havia algo estranho sobre a
sugestão de Logan, como se ela tivesse aberto as cortinas e revelado um
horizonte que Ashley nunca tinha visto. Em todos os seus anos em Snakebite,
ninguém jamais perguntou se ela queria ir embora. Nunca lhe ocorreu que ela
poderia simplesmente... ir. Mas Logan disse como se fosse fácil. O pensamento
quase fez Ashley rir.
— Não é estúpido — disse Ashley. — Só não acho que eu poderia…
— Sem problemas. Retiro o que disse. — Logan passou a mão pelo
cabelo. — Sempre digo coisas que não fazem sentido quando estou cansada.
Isso é tudo. Quando eu sair de Snakebite, quero sair sozinha.
— Ah.
— Quero dizer, você encontra toneladas de gatos de rua no caminho, mas
isso não significa que você leva todos com você.
— Eu sou o gato de rua?
— Obviamente.
— Eu sinto que você seria o gato de rua — disse Ashley. — Você está a,
tipo, dois passos de ser uma dona de gatos agora.
— O que você está tentando dizer sobre mim? — Logan zombou.
Ashley arqueou uma sobrancelha para ela e ambas caíram na gargalhada.
O som ecoou pelas paredes do motel e aquela sensação pesada em seu peito —
aquele pavor — se dissolveu silenciosamente até que Ashley pudesse respirar
novamente.
O sorriso de Logan era leve. Ela estava a apenas alguns centímetros de
Ashley agora, a bochecha pressionada no colchão, os olhos semicerrados de
sonolência. Era a primeira vez que Ashley via o riso chegar até seus olhos. Elas
dançavam na penumbra, profundas e intermináveis como a noite lá fora.
Ashley não conseguia se lembrar de Logan chegando tão perto dela. Talvez
Ashley tenha sido quem se aproximou. Havia algo inquieto em Logan,
magnético e escuro e impossível de ignorar. Ela se deitou na frente de Tristan
assim uma centena de vezes, mas nunca sentiu essa atração.
Ashley prendeu a respiração.
— Você está bem? — perguntou Logan.
— Sim, estou...
Ashley não sabia como estava.
A expressão de Logan se aprofundou, seu sorriso desaparecendo como
uma lâmpada apagada. Ela se apoiou em um cotovelo, pairando logo acima do
rosto de Ashley. Seu cabelo preto caiu em uma cortina entre elas, roçando
suavemente contra a bochecha de Ashley. Ashley sentiu seu batimento
cardíaco, forte e elétrico, em sua língua. Ela soltou uma respiração irregular,
depois outra. Seria tão fácil alcançar, puxar Logan para ela. Se perguntou se
beijar Logan a faria esquecer todo o resto.
Aquilo era uma má ideia.
Antes que Logan pudesse fechar o espaço entre elas, Ashley se sentou. Sua
mente correu entre o pânico e o constrangimento.
— Eu… — Logan caiu de volta no colchão e cobriu o rosto com as
mãos. — Ah, meu Deus, por que eu...
— Está tudo bem — disse Ashley, muito rapidamente.
Mesmo na penumbra, as bochechas de Logan queimaram em um
vermelho brilhante. Ela enterrou o rosto no travesseiro e soltou um longo
gemido.
Ashley colocou o cabelo atrás das orelhas. Ela não sabia o que fazer com
as mãos. De repente, o quarto de motel era muito pequeno. Era sufocante. As
paredes com estampa de rosas estavam muito próximas, o ar estava muito
quente, o teto muito baixo.
— Pensei que você fosse… — Logan disse.
Ashley fixou os olhos em uma sombra no canto mais distante da sala. O
olhar de Logan a perfurou.
— Eu não gosto de garotas assim.
Logan não disse nada.
— Eu não estou a fim de você assim.
— Bacana — Logan disse categoricamente. — Muito bacana. Entendi da
primeira vez.
Elas ficaram ali sentadas por um momento que pareceu um ano. O
coração de Ashley disparou em sua garganta, ameaçou sufocá-la com pânico.
Porque, por um segundo, ela quis. Ela queria isso mais do que queria qualquer
coisa em muito tempo. Ela não tinha beijado ninguém desde Tristan. Mesmo
agora, algo revirou em seu estômago e ela queria cruzar a cama e beijar Logan
como pretendia.
— Estou tão envergonhada — disse Ashley finalmente.
— Por que você está envergonhada? — Logan limpou a garganta. —
Você não é quem... Está tudo bem. Estamos bem. Vamos apenas esquecer o
que aconteceu.
— Eu deveria ir embora — disse Ashley.
Logan balançou a cabeça.
— De jeito nenhum. Não com tudo que anda acontecendo. Apenas
durma aqui e saia pela manhã. Está tudo bem.
— Você tem certeza?
Logan suspirou e se enterrou sob seu edredom.
Da mesinha de canto, o telefone de Ashley tocou. Ela estendeu a mão
através de Logan para silenciá-lo, e mesmo isso parecia ser muito contato.
Parecia perigoso. O silêncio foi fundido. O quarto de motel zumbia com uma
ansiedade silenciosa. Isso queimou nas bochechas de Ashley.
— Boa noite — disse Ashley.
Logan cantarolou algo que soou como um noite debaixo do edredom. Ela
se enrolou como uma bola, de costas para Ashley como se pudesse minimizar o
contato físico. Ashley estendeu a mão e desligou os fios de luz e elas foram
deixadas na escuridão quente e sufocante.
23
A hora da bruxaria
Ela se preparou para ligar para Ashley novamente, mas algo sussurrou nos
arbustos do outro lado do motel. Bug colocou seu telefone no bolso e se
aproximou cautelosamente do barulho. Havia todo tipo de animal que rondava
Snakebite à noite, mas Bug não achava que isso fosse um animal. Seu sussurro
era esporádico, mais parecido com os sons de uma pessoa ajustando seus
membros do que com um animal perdido. Ela deu uma olhada no quarto que
presumiu ser de Logan.
Talvez Ashley estivesse lá agora.
Talvez ela soubesse o que estava rastejando do lado de fora do motel.
Talvez fosse por isso que ela estava aqui.
Bug ergueu a lanterna do telefone e examinou os arbustos. Na luz amarela
sombria, ela finalmente viu a fonte do sussurro. Uma criatura agachada perto
da janela iluminada, meio envolta em arbustos. Bug semicerrou os olhos e
percebeu que a coisa não era uma criatura — era um homem. Ele se inclinou
ao longo da parede do motel com os dedos travados no peitoril da janela.
O coração de Bug parou.
Ela deu um passo para trás, tentando o seu melhor para não respirar.
O carro dela estava a apenas alguns metros de distância. Ela já teve
pesadelos como esse antes, serpenteando pela escuridão apenas para perceber
que não estava sozinha. Mas ela não estava dormindo agora. O pavimento
manchado de óleo era real sob seus tênis. O ar noturno estava quente e doce,
carregando os gemidos assobiando do vento através do vale. Isso era real, assim
como o homem estranho olhando para o motel.
Ele era real e estava se movendo novamente.
Se o tremor em seu coração significava alguma coisa — se a torção
instintiva em seu estômago era real —, significava que ele era o assassino.
Bug se abaixou ao redor da barraca de pizza abandonada e afundou na
calçada. A noite não era apenas noite agora. Ela sentiu algo no escuro. As
sombras eram grossas, espalhadas pela calçada como melaço. Bug apertou a
mão na boca para ficar quieta.
Não havia mais sussurros nos arbustos.
Não havia som algum.
Bug tirou o telefone do bolso de trás e digitou uma mensagem para
Ashley.
***
Pela milésima vez desde que chegou em Snakebite, Logan estava sufocando. Ela
afastou o ataque de pânico que crescia dentro de si e dirigiu pela cidade. A
manhã petricor e almiscarada, a chuva lutando para sair das nuvens cinzas.
Snakebite era inquietamente quieta como se já estivesse de luto. A minivan
balançava pela entrada de cascalho do Rancho Barton, deixando uma nuvem
de poeira em seu rastro.
O Ford estava estacionado na estrada, salpicado com lama e sujeira.
Logan passou rápido por ele para os fundos da casa. As janelas estavam
fechadas, as cortinas abaixadas, e por um momento Logan torceu para que
ninguém estivesse em casa.
Ela segurou a respiração profundamente e bateu na janela de Ashley.
Nada.
Logan bateu de novo. O coração dela martelava em seu peito porque
Ashley era tudo que lhe restava. O vento do lago cortava como o céu cinza
ardósia.
Ela esmurrou seu punho contra a janela de novo.
A janela se escancarou. Ashley puxou suas cortinas para o lado e então
elas estavam cara-a-cara. Os olhos de Ashley estavam vermelhos e cheios de
lágrimas. Sua expressão não era de luto, era raiva. Ela se inclinou, dedos
curvados na borda da janela.
— Você está bem? — Logan perguntou.
— O que você está fazendo aqui? — Ashley surtou. — Vá para casa.
Logan piscou.
— Sinto muito pela Bug. Eu só queria…
Os olhos de Ashley se estreitaram. Pela janela, o chão de seu quarto estava
bagunçado com roupas e cobertores. Seu quadro de avisos foi apagado, e fotos
de Bug, Fran e Tristan estavam jogadas pelo quarto. O vento frio esvoaçou as
cortinas contra os braços de Ashley.
— O que aconteceu? — Logan perguntou.
Ashley expirou.
— Me perguntaram um milhão de vezes por que eu estava lá. No motel.
Por que eu não… ouvi nada.
— Sinto muito.
— Você já disse isso.
— Eu… — Logan começou, mas ela não sabia o que mais dizer. Ela não
esperava que Ashley estivesse tão brava. Ela realmente não esperava ver Ashley
de qualquer forma. — O que você disse para eles?
— Eu não sei.
— Você não sabe? — Logan cruzou os braços. — Você estava no motel.
Você poderia simplesmente dizer que somos amigas. Não é estranho.
Ashley não disse nada.
— Posso entrar? — Logan perguntou.
Ashley olhou de volta para seu quarto, e então assentiu relutantemente.
Logan escalou pela janela e avaliou os danos. Não eram apenas as roupas e as
fotos no chão. A cadeira de Ashley estava jogada de lado, o que tinha em sua
mesa estava espalhado no chão, seu guarda-roupas vazio. Era pior do que ela
imaginava.
— O que você quer? — Ashley perguntou.
— Eu… — Logan pressionou a palma de sua mão em sua testa. — Eu só
queria ter certeza de que você está bem. Você não estava respondendo as
mensagens nem as ligações. E…
Ela parou. Ela não conseguia tirar o som das algemas fechando nos pulsos
de Alejo de sua cabeça. Ela não conseguia apagar a luz das sirenes nas cortinas,
o som dos óculos de Brandon batendo na mesinha de cabeceira, o olhar no
rosto de Alejo quando ele percebeu o que estava acontecendo.
— Paris prendeu meu pai.
Ashley olhou a desordem em seu chão. Lentamente, ela começou a pegar
suas fotos e empilhá-las na mesa. Ela estava inquietantemente calma sobre a
prisão. Seu queixo estava firme, seus movimentos frios e rígidos. Uma brisa
adentrou o quarto e soprou nas costas de Logan e, de repente, ela entendeu.
— Ele disse que tinha uma testemunha.
Ashley parou.
— Eu estou passando pela lista de pessoas que estavam lá no Bates, mas é
bem pequena. Gracia e Elexis são família. Eles não iriam apunhalar meu pai
pelas costas.
Ashley dobrou sua colcha e a colocou em sua cama.
— O Bates é basicamente como apartamentos. Muitas pessoas moram lá.
— Ashley.
Ela se virou, olhos brilhando com lágrimas.
— Eu não quero falar com você sobre isso. Eu quero ficar sozinha.
O coração de Logan acelerou e ela se perguntou se estava quebrando. A
pulsação era pesada, devagar, profunda. Piorando com o peso da dor, mas ela
não estava com raiva como estava de Brandon. Era como se alguém tivesse
surgido atrás dela e arrancado seu mundo direto de suas mãos. A deixado fria
em seu rastro. A expressão de Ashley dizia tudo — era raiva e tristeza, mais do
que isso, era culpa. Era o mesmo olhar que ela tinha quando admitiu que tinha
terminado com Tristan.
— Você nem viu nada. Por que você…
— Eu vi.
Logan parou.
— Ah, meu Deus, você está falando de quando ele estava levando o lixo
para fora?
Ashley desviou o olhar.
— Você sabe que não foi ele — Logan resmungou. — Por que você disse
aquilo?
— Ele poderia…
— Ele não fez. — Logan sentou na ponta da cama de Ashley e deixou sua
mão cobrindo seu nariz e sua boca. — Eu e meu pai nem estávamos em
Snakebite quando Tristan desapareceu.
Ashley bufou.
— Talvez eles trabalharam juntos. Como uma equipe.
— Ah, meu Deus. — A voz de Logan estava alta demais para o quarto.
Ela fechou os olhos e expirou. — Eu disse que não era ele. Você prometeu que
não iria dizer nada a não ser que tivesse certeza. Você realmente não confia em
mim?
— Eu confio em você — Ashley disse. Uma lágrima escorreu pela curva
de sua bochecha. — Eu não confio neles.
— Ah, não comece a chorar.
— Como eu deveria não fazer isso…? — Ashley se sentou em sua mesa.
Ela esfregou seus olhos inchados com suas mãos. — Antes de tudo, ninguém
morria em Snakebite. Era perfeito.
— Cuidado… — Logan avisou.
— Vocês apareceram e tudo desabou.
— Então você realmente pensa que eles fizeram aquilo. — Logan engoliu
em seco.
— Você pode me culpar?
— Sim.
A expressão de Ashley enrugou em frustração.
— O que você quer de mim? Eu ignorei o óbvio porque eu confiava em
você, mas… Eu não posso deixar isso continuar acontecendo. Eu estou
perdendo todo mundo.
— Você não me perdeu.
— Eu perdi meu lar.
Alguma coisa chocou dentro de Logan. Ela parou, com o rosto vermelho
sem fôlego.
— Ah, como se Snakebite fosse maravilhosa antes. — A raiva cresceu em
sua garganta e ameaçou sufocá-la. — Eu ouvi muitas histórias. Era uma droga
antes e é uma droga agora. Você pensou que era perfeito porque essas coisas
não importavam para você, mas sempre foi uma droga para pessoas como eu.
— Isso não é verdade.
— Tem uma razão para que pessoas como meus pais tenham que ir
embora. Alejo disse que você se viraria contra mim, assim como sua mãe se
virou contra ele — Logan disse. — Mas isso é ruim pra caralho.
As tábuas do chão grunhiam no lado de fora do quarto de Ashley. Tammy
Barton olhou ao redor da porta do quarto e avaliou o cômodo. O olhar pousou
em Logan e a expressão dela se amargou.
— O que está acontecendo aqui?
— Eu já estava indo embora, Sra. Barton — Logan disse. Ela se
aproximou da janela e abriu. Ela queria cuspir nas duas. Ela queria deixar elas
saberem que elas destruíram seu mundo inteiro. Ao invés disso, ela riu. — Em
caso de você não ter ficado sabendo, meu pai está na cadeia. Talvez você possa
contar aos seus amigos. Vocês podem dar uma festa.
Os olhos de Tammy se arregalaram, mas ela não disse nada. Debaixo das
camadas da persona de matriarca da cidade, ela parecia mais confusa do que
aliviada.
— Eu não…
— Logan — Ashley estalou.
Ela não esperou para ouvir mais desculpas. Ashley deveria ser sua aliada,
mas ela era igual a Brandon. Com medo demais para fazer a coisa certa, com
medo demais para admitir que tinha feito algo errado. Logan escalou a janela
para fora e correu até a minivan. Ela saiu do Rancho Barton muito rápido,
porque era isso. Esse era o final. Alejo se foi, Brandon estava em silêncio, e
Ashley era uma traidora. Depois de tudo, ela estava sozinha.
Ela estava sozinha.
27
E então houve um
Ashley não tinha certeza do porquê estava assistindo isso. Aquilo se enterrou
nela como garras, lembrando-a do que ela tinha feito. Como levou Alejo para
longe de sua família. Como provavelmente garantiu que essa feliz e animada
Logan Ortiz-Woodley nunca mais existiria. A mãe dela disse que os Ortiz-
Woodleys eram um veneno.
Ashley se perguntou se Snakebite era o veneno; se ela era o veneno.
[Logan bate o SonusX contra sua palma. Eles estão no porão de
um hotel em Tulsa, esperando a caixa de detecção de voz ligar.]
Para Ashley, foram duas semanas de silêncio. Ela foi ao funeral de Bug
com a mãe e não falou com ninguém. Foram duas semanas sem Logan, sem
Fran, sem ninguém além de Tammy, ocasionalmente, trazendo refeições até o
seu quarto para ter certeza de que ela ainda estava comendo. Ela não tinha
certeza do que a fez colocar este episódio do ParaEspectadores, além de uma
sensação de solidão dolorida e apodrecida. Ela não tinha certeza do que o
buraco em forma de Logan em seu peito significava. Este episódio foi o que
ruminou Logan, e Logan foi o que ruminou ela.
Ashley sentia falta de seu velho mundo. Sentia falta de Logan.
Não tinha certeza de como conciliar os dois.
Esta noite, Tammy estava em um jantar comunitário para arrecadar
dinheiro para os criadores de gado fora da cidade, o que significava que Ashley
tinha o rancho só para ela. Normalmente, teria sido ela enrolada no sofá entre
Fran e Bug assistindo algo estúpido na TV até que todas adormecessem. Antes
disso, poderia ter sido ela e Tristan sentados nos bancos à beira do lago assando
cachorros-quentes sobre a fogueira. Ela não deveria estar sozinha assim. Nunca
esteve sozinha assim.
Ela não aguentava mais ficar sozinha assim.
Ela rolou até o nome de Logan em seus contatos e ficou ali por um
momento longo demais. Considerou ligar para Logan uma dúzia de vezes
desde a briga, mas não conseguiu fazer isso. Se a vida de Logan foi arruinada, a
culpa era dela. Mas perdê-la parecia outra morte. Outra pessoa com quem ela
nunca mais falaria. Assim como Tristan, Logan seria outra pessoa que partira e
Ashley passou seus últimos momentos dizendo todas as coisas erradas.
Ashley se afastou de Logan e pressionou o nome de Fran. Quase
imediatamente, o outro lado da linha atendeu.
— Ashley?
— Achei que você não atenderia — sussurrou Ashley.
— Eu também. — Fran ficou tão quieta que, por um momento, Ashley
pensou que ela tinha desligado. Fran limpou a garganta. — Está tarde.
Ashley olhou para o relógio em sua mesa de cabeceira. Eram apenas
18h32.
— Desculpa.
Depois de outra pausa, Fran suspirou e disse:
— Vou desligar, então.
— Espere. — Ashley deu um nó no edredom em seu punho. — Eu só
quero conversar. Não nos falamos desde...
— Desde Bug, sim. — A inspiração de Fran foi afiada. — Não consigo
falar sobre isso agora.
A onda de lágrimas atrás dos olhos de Ashley foi repentina e esmagadora.
Ela mordeu o lábio para não chorar. Assim como todo mundo, Fran ia
escorregar como água entre seus dedos.
— Você acha que é minha culpa?
— Deus, eu não sei. — Fran respirou fundo e Ashley percebeu que ela
estava à beira das lágrimas também. — O que você estava fazendo lá?
— Eu…
— Visitando a Logan, certo?
— Sim… — Ashley suspirou. — Eu estava com a Logan. E a Bug me
ligou tantas vezes. Ela me mandou uma mensagem. Eu não vi até depois... Eu
estava bem ali. Não sei o que aconteceu.
Fran ficou quieta.
— Por que ela não me ligou? — perguntou Fran. — Eu teria ido com ela.
Ou a convencido a desistir, ou... É porque eu disse que não acreditava em nada
disso. Ela pensou que não poderia me pedir ajuda. Pensou que eu não me
importaria.
— Ela só foi por causa do que eu disse.
Fran ficou em silêncio.
— Fran... — começou Ashley.
— Sinto muito — disse Fran, afiada como o fio de navalha. — Eu não
consigo falar com você sobre isso.
— Fran, eu...
— Boa noite, Ashley.
Ouviu-se um bipe e a chamada foi encerrada.
Ashley afundou no colchão e olhou para a janela. Ela não conseguia se
lembrar como era respirar sem essa confusão de ansiedade entre seus pulmões.
Esta cidade estava errada; este mundo estava errado.
Houve uma mudança no ar da sala. Isso trouxe o silêncio para perto da
garganta de Ashley, abafando o som do vento. Ashley virou-se para a porta. Ela
não conseguia vê-lo, mas Tristan estava lá. Nas semanas após a morte de Bug,
seu espírito permaneceu o tempo todo, observando-a, esperando por algo que
ela não sabia como lhe dar. Talvez ele quisesse levá-la a algum lugar novamente.
Talvez houvesse outro corpo. Se sim, ela ignorou. Já tinha encontrado corpos
suficientes nesta cidade — outra pessoa poderia encontrá-lo desta vez.
— O que você quer? — perguntou Ashley. Ela não tinha o Scripto8G
desta vez, então não havia uma maneira real de ele responder. Mas perguntou
mesmo assim.
O ar mudou. Ele estalou, vivo com estática por um momento, e então
parou. Pela primeira vez desde que ele começou a visitá-la, foi como se ele
ouvisse. Ele estava indo embora.
— Espere. — Ashley escalou até o final de sua cama. — Não vá.
O ar ganhou vida novamente. O cheiro pungente de gasolina floresceu
sob seu nariz, tremeluzindo como uma chama moribunda. Por um momento,
Ashley quase pôde vê-lo. Ela viu a forma dele, pelo menos. Uma corrente de ar
fria soprou pela janela, contornando o cabelo de Ashley por cima do ombro,
mas Tristan estava imperturbável.
— Você é o único que resta — disse Ashley.
O ar perdeu pressão como um avião em turbulência. Houve apenas
silêncio. Ashley deitou-se na cama. Os cobertores cheiravam a detergente velho
e poeira e ela desejou poder simplesmente afundar no colchão, nas tábuas do
piso e na sujeira. Desejou poder se cobrir no solo e se enterrar até que tudo
acabasse. Ela gostaria de poder voltar para janeiro e fazer tudo diferente.
Quando ela falou, foi apenas um sussurro.
— Acho que você pode estar morto.
A reação de Tristan a isso foi estranha. Como fumaça de uma fogueira,
Tristan emergiu da escuridão. Suas mãos estavam fechadas em punhos,
mandíbula afiada com tensão, como se estivesse lutando para segurar algo. Ele
caminhou em direção a ela, ereto e tenso como se mal pudesse lidar com isso.
A visão dele fez o medo travar na garganta de Ashley, mas ela permaneceu
calma.
— Eu gostaria de poder refazer a nossa última noite — disse Ashley,
passando por cima do modo como sua voz tremia e seus olhos lacrimejavam.
— Eu explicaria de forma diferente para que você entendesse. Gostaria de
poder conversar com você naquela época.
O fantasma de Tristan estava em silêncio, como sempre. Ele ficou no final
da cama e inclinou a cabeça para o lado em um gesto curioso que era tão
Tristan que doía.
— Eu teria me assegurado que você soubesse o quanto eu te amava. Eu
disse que não, mas não foi isso que quis dizer. Eu só não te amei como pensei
que deveria. Você era meu melhor amigo. Só porque não era como…
Ashley piscou. A casa estava silenciosa como a noite e ela ficou tonta e
sem fôlego. Ela não sabia com o que queria compará-lo. Ou, sabia, mas não
queria pensar nisso. Era muito rápido, muito fácil dizer o nome dela.
— Não é justo — disse Ashley. — Você e eu deveríamos ter trabalhado...
Tristan olhou para ela, e ela o imaginou como era antes. Ele se sentaria na
beira da cama dela com as mãos nos joelhos. Riria da maneira indireta como
ela explicava tudo. Você está sendo tão vaga, ele diria. Apenas diga o que você
quer dizer.
Mas ela não sabia o que queria dizer. Tentar ter sentimentos por Tristan
tinha sido uma coisa lenta como ondas no lago no verão. Era feliz e calmo e ela
pensou que poderia passar a vida inteira construindo isso. Eles ficariam bem;
durariam o suficiente para que fosse real.
Essa outra coisa foi muito rápida. Agarrou-a e não a soltou. A esmagou
sob seu peso e não esperou que ela recuperasse o fôlego. A empurrou para o
fundo do lago e não se importou se ela tivesse ar. Era como se estivesse sempre
ficando sem tempo.
— Sabe como eu disse que queria terminar porque não sentia o mesmo
que você? — Ashley engoliu em seco. — Eu sinto agora. Não sabia o quão
assustador era. Eu sinto muito.
Os punhos de Tristan se apertaram. Ashley desejou poder ver seu rosto. O
Tristan que ela conhecia sempre usava todo o seu coração em sua expressão,
mas este Tristan era apenas uma sombra. Seu rosto não passava de um truque
de luz, impossível de ver claramente. Ele recuou, abrupto e repentino, batendo
contra a porta do quarto. A luz do teto piscou e as cortinas bateram contra a
janela. Ashley voltou a subir na cama até esbarrar na cabeceira. Depois de um
momento, Tristan se acalmou. Ele estava lutando para ficar sólido, para ficar
com ela, para ficar aqui.
Ashley respirou fundo.
— Você quer voltar? — ela perguntou.
Tristan cintilou. Talvez fosse uma resposta; se sim, Ashley não conseguia
entender. Era quase vertiginoso às vezes, a forma como Tristan preenchia a sala.
Não era mais apenas sensorial — cada memória dele estava na superfície como
uma camada de musgo no chão de madeira. Coisas que ela nem percebeu que
se lembrava, coisas que empurrou para o fundo de sua mente, coisas que
tentou esquecer
— Estou feliz por poder vê-lo novamente.
Tristan vacilou. Ele estendeu a mão para ela, seus movimentos afetados e
irregulares.
O som da TV rompeu o silêncio. Quando Ashley piscou, Tristan se foi.
Sua mão permaneceu no ar vazio. As vozes de Brandon e Logan continuavam e
o resto da sala estava vazia.
Ashley voltou-se para a TV.
Brandon e Logan haviam descido pelos túneis agora. Brandon estava
vários metros à frente de Logan, examinando as paredes cheias de grafite com
um dispositivo que Ashley não reconheceu.
Logan chamou Brandon, mexendo em outro aparelho.
Quando a câmera pegou Brandon, tudo estava errado.
Ashley estreitou os olhos para a tela. Foi apenas um lampejo de estática
nas bordas da TV. O espaço infravermelho estava distorcido, apenas distorcido
o suficiente para ser notado. Ashley cutucou sua TV, mas a estática
permaneceu. Aos pés de Brandon, algo preto se acumulou como óleo. Ele ficou
completamente imóvel, olhos arregalados, e Ashley reconheceu sua expressão.
Ele a olhou assim na cabana.
Ele estava com medo.
— Pai? — perguntou Logan. Ela tentou esconder, mas o medo se
infiltrou em sua voz. Seu pequeno punho estava preso ao redor do
ermoGeist.
Ashley se perguntou se Logan podia ver as sombras aos pés de Brandon.
Se ela podia sentir a forma como o túnel parecia se contrair agora, uma
garganta os engolindo inteiros. Logan contou a ela sobre o momento em Tulsa,
mas não tinha mencionado isso.
E então Brandon falou:
— Fique para trás — disse ele.
Brandon não estava sozinho. Outra coisa também falou. A segunda voz
era mais profunda que a de Brandon, vazia e fria. Ecoou como um trovão. Era
indecifrável e errada. A voz não disse as mesmas palavras que Brandon; Ashley
não conseguiu distinguir se sequer estava dizendo palavras. Algo sobre isso
percorreu sob sua pele.
A escuridão aos pés de Brandon se espalhou até que estava em toda parte.
Até que apenas Logan e Brandon ficaram na tela, distorcidos, derretidos e
errados. A imagem continuou a decair, e Ashley não conseguia desviar o olhar.
— Pai? — Logan disse novamente.
Sua voz era incrivelmente pequena.
— Saia, Logan — Brandon estalou para ela.
A segunda voz gemeu sob o som. Ashley tocou na tela da TV e estava
quente.
Brandon fechou os olhos. Quando se virou para Logan, ele não olhou
para ela. A substância escura caiu sobre ele como uma onda e, por um
momento, a tela ficou preta. O único som era a respiração irregular de
Brandon.
E então a tela rugiu para a vida. Um comercial de pneus. Ashley exalou e
seus pulmões doeram. Ela se perguntou há quanto tempo estava prendendo a
respiração. Seu telefone vibrou na mesa ao lado de sua cama.
— Alô? — ela disse.
— Ashley. — A voz de um homem. — É o Gus. Do Chokecherry.
Ashley piscou. Ela não tinha certeza de quem estava esperando, mas não
era Gus.
— Ah. Oi, Gus. O que está acontecendo?
— Eu não quero te incomodar. Mas acabei de ver sua amiga Logan aqui.
Ela disse que estava indo para casa, mas não sei. Ela parecia meio deprimida.
Acho que está indo para o antigo cemitério.
— Por quê? — perguntou Ashley.
— Ela estava bem curiosa sobre um dos túmulos. Não quero me meter
muito no assunto. Não sei se vocês duas estão se dando bem, mas ela estava
parecendo um pouco mal. Eu me certificaria de que ela está bem, mas tenho
que fechar o bar.
— Espere — Ashley sibilou. — A sepultura de Ortiz-Woodley, certo?
— A própria. — Gus limpou a garganta. — Ela... alguns de seus amigos
a perturbaram. Acho que ela ficou bem abalada. E então começamos a falar
sobre os pais dela e o túmulo. É minha culpa.
— Estou indo — disse Ashley.
Havia uma coisa que elas viram e sobre a qual nunca falaram. Uma coisa
que assombrava Logan desde a noite em que encontraram Nick. E se Logan ia
visitar o túmulo, isso significava que ela não estava mais esperando que os
fantasmas a encontrassem. Ashley apertou o tecido de sua camisa entre os
dedos.
O logotipo do ParaEspectadores apareceu de volta na TV.
Ashley olhou para o rosto de Brandon na tela. Este Brandon era diferente
daquele que ela tinha visto em Snakebite. Seu rosto estava esquelético, olhos
arregalados, mãos trêmulas. A coisa escura que ela tinha visto enrolando-se ao
redor dele não estava mais lá, e agora ele estava sozinho. Não havia nada em
seus olhos.
Ele estava vazio.
Talvez o que havia de errado com Brandon estivesse ligado a tudo o que
estava acontecendo. Ligado ao túmulo. Ligado a Logan — Ashley tinha certeza
dessa opção. E se ela não fosse rápida, tinha certeza de que mataria novamente.
Ashley desligou a TV e pegou sua bolsa.
Se Logan ia encontrar a verdade, ela não faria isso sozinha.
29
Logan,
Eu tentei de tudo. Tentei viver em silêncio, mas era muito
barulhento. Tentei criar uma família certa, mas a perdi. Tentei
viver sem você, mas não pude. Tentei te salvar, mas me perdi.
Talvez tudo isso tenha sido um erro e as coisas nunca mais serão
as mesmas.
Estou feliz por poder vê-la novamente.
Com amor,
B
Ashley balançou a cabeça. Ela leu de novo, mas as palavras flutuavam sem
sentido. Ela virou o papel, mas o outro lado estava em branco, pontilhado com
pedaços de sujeira e chuva. Não havia mais nada na caixa, nada mais no
túmulo, nada mais.
— O que isto significa? — perguntou Ashley.
Logan pegou a carta de volta e a leu novamente.
— É do Brandon. — Logan respirou fundo e fechou os olhos. — Acho
que esse túmulo era meu.
30
Fim de jogo
O diabo, o diabo
Quando Logan acordou, ela tinha quase certeza de que estava morta.
Lentamente, pedaços do mundo ao seu redor se juntaram como um
mosaico na parte de trás de seu crânio. A superfície em que estava deitada era
muito estreita para ser uma cama, as paredes muito próximas. Ela balançou
para cima e para baixo, cada solavanco queimando seus músculos.
Do lado de fora, as árvores se confundiam em uma massa de verde e
preto.
Ela estava em um carro.
Ela estava no banco de trás do carro de Paris.
Logan se endireitou e esfregou os olhos. O assento sob sua cabeça estava
úmido com a água do lago. Ela estava sendo levada para a delegacia ou para o
hospital, mas de qualquer forma, estava sendo levada pelo pai do garoto que
acabara de tentar matá-la. Era possível que John e Paul também tivessem sido
presos, mas algo lhe dizia que eles provavelmente tinham sido soltos com um
tapinha nas costas e nada mais. Até mesmo a tentativa de homicídio era uma
ofensa perdoável nesta cidade infernal.
— Logan — Paris disse do banco da frente. — Como você está?
Logan se estabilizou, tonta pela força de se sentar. O cabelo molhado
grudava na nuca. Ela roçou os dedos ao longo de sua bochecha que latejou
com o toque, inchada e com crostas de sangue.
— Eu, hum… — Ela parou. — Onde estou?
— A caminho do hospital. Você se arranhou bastante. — Paris não olhou
para ela. — É uma longa viagem até a cidade. Eu estava esperando fazer
algumas perguntas a você no caminho.
Logan piscou para o para-brisa dianteiro. A estrada era mais estreita do
que a que ela se lembrava. As árvores se fechavam como um túnel, os faróis
cortando a escuridão. Ela dirigiu para a cidade com Brandon uma vez e não
parecia assim.
— Tudo bem, acho. Quanto tempo fiquei desmaiada?
— Apenas cerca de quinze minutos. Você está se sentindo bem?
— Ah, sim. Eu estou bem — mentiu. Ela não estava bem, mas já não
estava há muito tempo. — Você prendeu os caras que fizeram isso?
Paris deu-lhe um sorriso de lábios finos pelo espelho retrovisor.
— John está em casa. Vamos ter uma conversa quando eu voltar.
Logan engoliu em seco.
— Tipo, uma conversa de pai ou uma conversa de policial?
— Você é engraçada — disse Paris.
Logan não era uma especialista em direito, mas ela tinha quase certeza de
que acabara de ser vítima de um crime. O tipo pelo qual as pessoas vão para a
prisão na TV. Em vez de prender todos os envolvidos, Paris acabara de mandar
todos para casa. Todos menos ela. Paris não chamou uma ambulância. Ela se
encolheu no banco de trás e agarrou o cinto de segurança.
— Por que você não me conta o que aconteceu? — disse Paris. — Do
começo.
— Tudo bem. — Logan limpou a garganta. — Eu e Ashley estávamos no
lago, apenas conversando. Então John e Paul apareceram e...
Paris balançou a cabeça.
— Antes disso. John disse que viu as duas no cemitério. O que estavam
fazendo lá? — Logan estreitou os olhos. — Haviam pás contra a cerca.
Encontrei uma das sepulturas parcialmente desenterrada. Vocês encontraram
alguma coisa?
Logan olhou para o banco da frente. Os nós dos dedos de Paris eram de
um amarelo doentio com hematomas, e vergões vermelhos como marcas de
garras marcavam todo o seu antebraço. Em seu dedo anelar, um entalhe
enrugado era roxo onde deveria estar um anel de casamento. Ele manteve os
olhos fixos na estrada, mas seu olhar tinha quilômetros de comprimento. Ela se
livrou da crescente sensação de pavor que se formou em seu peito e se
concentrou na respiração.
— Nós não estávamos no cemitério.
— Hum. — Paris virou o carro ao longo da curva da estrada. Ele deslizou
do asfalto e foi para o cascalho. — Você sabe o que motivou o ataque?
— Não.
— Você não tem ideia?
Logan limpou a garganta.
— Eu estava no Chokecherry hoje cedo e John me ameaçou...
— Entendi.
Logan engoliu novamente. Entre os arranhões nos braços de Paris, havia
meias-luas vermelhas como marcas de unhas. Seu olhar distante estava fixo nela
agora, e ela entendeu. A verdade era uma coisa lenta, mas o nevoeiro estava se
dissipando a cada segundo. Logan encontrou os olhos de Paris e não havia
nada lá. Ele sorriu, mas não havia nada, nada, nada.
Ela tinha visto um rosto assim antes em seus sonhos. O tinha visto por
trás dos óculos de Brandon, penetrante, frio e vazio. Podia sentir o gosto de seu
batimento cardíaco.
— Você tem certeza que este é o caminho para o hospital? — perguntou
Logan. — A estrada está muito escura.
— É. Quase lá.
Esse não era o caminho para o hospital. Logan já havia dirigido por esta
estrada antes. Ela tinha visto essas árvores à noite. Tinha visto as colinas negras
do outro lado do lago, os lampejos da fogueira, os arranhões da estrada na
margem distante. Esse era o caminho ao redor do lago.
Paris a estava levando para a cabana.
Era ele.
Ele era o assassino.
Paris se recostou em seu assento.
— Você passou por muita coisa desde que chegou a Snakebite. Não deve
ser fácil vir aqui, onde as coisas são tão diferentes da cidade grande. Temos
bons corações, mas mantemos as coisas tradicionais. Talvez isso seja uma coisa
ruim, não sei, mas deve ser difícil para você.
Logan só conseguia olhar para as mãos dele. Elas pareciam fortes o
suficiente para sufocar a vida dela como tinham feito com todos os outros.
Talvez fosse por isso que ele a estava levando para a cabana: para matá-la. Ela
manteve os braços ao lado do corpo para esconder seu tremor. Ia vomitar.
— Você provavelmente pensa que sou retrógrado, ou que odeio gays. Eu
não sou assim, Logan. Nunca tive problemas com seus pais. Doeu-me ver todo
aquele ódio tanto quanto os magoou. Alejo e eu sempre fomos bons amigos, e
nunca tive problemas com o Brandon. Os dois sempre foram reservados. Ver as
pessoas acusando-os de crimes que nós dois sabemos que eles não cometeram...
é uma pena. Eu realmente queria manter sua família fora disso. — Paris
suspirou. — Mas acho que você já percebeu que vocês três sempre estarão
conectados a tudo isso.
— O que você quer dizer? — Logan perguntou, a voz tremendo.
Paris arqueou uma sobrancelha.
— Você ainda está com frio? Você está tremendo.
— Um pouco.
Paris colocou a mão no banco do passageiro e entregou-lhe uma toalha.
Logan torceu seu cabelo e cobriu o rosto com a toalha. Ela contou suas
respirações para não entrar em pânico. Tinha que haver uma saída deste carro,
para fora da estrada, de volta à segurança. Ela deu um tapinha no bolso de trás
para pegar o telefone, mas ele tinha sumido.
Paris soltou um hum baixo e olhou para ela pelo espelho retrovisor. De
repente, sua expressão mudou e ele balançou a cabeça.
— Procurando seu telefone? Ele está aqui comigo.
— Posso tê-lo de volta?
— Não, eu temo que não. — Ele soltou um suspiro desapontado. — Não
faria muita diferença. Não pega sinal por aqui.
Logan piscou. Seu coração subiu pela garganta. Em algum lugar, a
quilômetros de distância, ela esperava que Ashley a estivesse procurando. Ela
esperava que alguém a estivesse procurando. Tinha que haver uma maneira de
dizer a eles onde ela estava. Com quem estava. O que ele tinha feito.
— Para onde realmente vamos? — perguntou Logan.
— Você sabe para onde estamos indo — disse Paris. — Vocês, crianças, já
estiveram aqui uma dúzia de vezes.
— A cabana, certo?
— Eu sinto muito — disse Paris. — Eu teria deixado você de fora disso
se pudesse.
Logan fechou os olhos.
— Você vai me matar?
— Não.
Paris sinalizou seu caminho para fora da estrada principal e entrou na
saída de cascalho. Seus faróis cortavam as árvores. Nas profundezas da floresta,
Logan podia apenas ver o contorno da cabana. Dentro, uma única lanterna
brilhava laranja contra a noite.
Os fantasmas, as mortes, seus pais: tudo começou aqui.
Logan soltou um suspiro trêmulo. Uma parte dela pensou que a voz que
ouviu na água era uma alucinação. Que era algo que sua mente havia criado
para impedi-la de morrer. Mas lhe disse que ela precisava ir ao lugar onde tudo
começou. E por uma razão ou outra, o lugar era aqui. Algo lhe dizia que a
cabana era onde terminaria também.
— Por que estamos aqui? — perguntou Logan.
— Porque ela diz que tenho que fazer mais uma coisa, e então estarei
liberado. — Paris virou-se em seu assento para encará-la. Seus olhos brilhavam
como obsidiana vítrea na noite escura. — Olha, eu não sei o que ela quer com
você ou com o garoto do Bates. Carrillo.
Elexis. Os olhos de Logan se arregalaram.
— De qualquer forma, eu deveria te dizer que, se quer suas respostas,
você tem que ir para a cabana. O garoto Carrillo está lá dentro. Você acha que
pode fazer isso?
Logan engoliu em seco. Provavelmente era uma armadilha.
Provavelmente era perigoso. Mas ela deixou Nick nesta cabana e ele foi morto.
Ela não podia deixar Elexis também. Eles poderiam encontrar uma maneira de
sinalizar para alguém da cidade. Tinha que haver uma saída.
— Apenas ir até ele? — perguntou Logan. — Você não vai nos
machucar?
— Não. — Paris destrancou as portas e abriu a porta de Logan. — Agora
vá lá.
Logan engoliu seu medo e assentiu. Ela entrou na noite e esperou que sua
tontura passasse. Sem uma lanterna, só tinha os faróis de Paris e a luz da
cabana para seguir. Ela tropeçou em raízes e tocos, raspando os braços contra
os ásperos troncos de zimbro, mas não parou. Atrás dela, os faróis de Paris
brilhavam amarelos contra o chão poeirento da floresta.
E então a luz sumiu.
Ela se virou a tempo de ver a viatura de Paris sair do cascalho e ir embora.
Ele se foi; ele a deixou aqui.
Alguma coisa não estava certa. Se ele queria matá-la, por que iria embora?
Logan fez seu caminho para a varanda da cabana e colocou a mão contra
a porta da frente. Lá dentro, ela ouviu o som estrangulado da respiração de
Elexis. Logan suspirou de alívio.
— Elexis. Ei. Sou eu.
— Não venha… — Elexis começou. Ele engasgou com o resto da frase
como se as palavras fossem grandes demais para ele. — Não posso…
— Está tudo bem — disse Logan. Ela empurrou a porta da frente e
entrou na cabana. O vento a seguiu para dentro, soprando contra a madeira
velha como um apito. — Eu não vou abandonar você. Nós vamos sair daqui.
Elexis estava sentado contra a parede dos fundos da cabana, amarrado ao
piano. Além da corda, ele parecia ileso. Logan examinou o quarto em busca de
algum sinal de perigo, mas estava exatamente como ela se lembrava. Outra
onda de vento soprou novamente na cabana e apagou a lanterna.
— Olá? — Logan perguntou na escuridão.
— Logan, você...
Algo rastejou sobre sua pele, e ela congelou. A sensação foi a mesma que
teve debaixo d'água. Era a mesma escuridão arrepiante, o mesmo alcatrão
enjoativo e grosso subindo por sua garganta. Logan podia ver Elexis do outro
lado da sala, e ele balançou a cabeça. As longas sombras do quarto rastejaram
sobre sua pele como dedos gelados, pressionando a pele exposta de seu pescoço.
Ela desejou que suas pernas se movessem, mas elas não respondiam mais a ela.
Estou feliz que você pôde se juntar a nós, uma voz sussurrou. Ela sentiu
sua respiração doentia contra sua garganta. Já faz muito tempo.
— O que…? — começou.
Ela não conseguia se lembrar do que queria perguntar.
Você quer saber por que sonha com a morte. Você quer saber por que
seus ossos alcançam a terra. Você tem passado suas noites faminta pela verdade.
O estômago de Logan revirou. Ela assentiu. As palavras da voz eram
verdadeiras, mas eram verdadeiras de uma forma que ela nunca havia sentido
antes. Elas eram verdadeiras de uma maneira que não tinha alternativa. Logan
foi descascada e outra coisa tomou seu lugar. A verdade era a única coisa que
queria; ela não conseguia se lembrar de querer outra coisa.
— A verdade…
A escuridão descansava logo acima de sua pele, como um pano dobrado.
Docemente, a escuridão sussurrou, Você gostaria que eu te mostrasse?
Logan não respondeu. Ela não precisava responder. A escuridão a engoliu
inteira e ela se foi, arremessada para fora do tempo.
34
Os Mortos e a Escuridão
1997
2001
Pela primeira vez em anos, estava chovendo em Snakebite.
Brandon encurvou os quadris e chutou outra tora para a serra industrial,
espalhando uma mistura de suor e chuva em sua testa. Enquanto a maioria dos
outros homens no pátio se dirigia ao galpão para se misturar e separar a
madeira, Brandon continuava a trabalhar com a serra. Ele preferia trabalhar,
mesmo na chuva.
Ele preferia trabalhar sozinho.
Seus pais já haviam cumprido a promessa de sair daquele lugar há muito
tempo. Eles venderam a loja para um morador local, Gus Harrison, que a
reabriu como um pub. Brandon passava a maioria das noites em uma cabine
nos fundos do Chokecherry. Ele imaginou os velhos caiaques que seu pai havia
pregado nas paredes, agora substituídos por camisetas de futebol e peixes
empalhados. O prédio havia mudado de cara, mas era tudo a mesma coisa.
Essa era Snakebite; pintaram ela por cima, mas ela nunca mudou.
Seus pais haviam se oferecido superficialmente para trazê-lo, mas
Brandon havia decidido ficar. Ele só conseguia se imaginar aqui. O sentimento
escuro e sombrio que se insinuava sob sua pele como manchas de tinta no
papel lhe dizia que era ali que ele precisava ficar.
Se ele fosse se perder, poderia muito bem se perder em Snakebite.
Barton Lumber ficou em silêncio, trazendo Brandon de volta à realidade.
Em meio à poeira e à chuva, Brandon conseguia distinguir a pessoa que
havia feito com que os outros ficassem chocados em silêncio. O homem estava
do lado de fora do galpão, vestido com um suéter grande, jeans de pernas retas
e uma parca verde-escura. Seu cabelo era mais comprido do que Brandon se
lembrava, amarrado em um rabo de cavalo baixo que terminava entre as
omoplatas. Ele limpou a chuva do rosto e tirou com cuidado um maço de
papéis de dentro do suéter.
O capataz do pátio se aproximou de Alejo com cautela e arrancou os
papéis de suas mãos. Atrás dele, um punhado de homens abafava o riso. O
capataz deu uma olhada rápida nos papéis — não o suficiente para ler nem
mesmo a primeira página — e depois os enfiou de volta no peito de Alejo.
Brandon não precisou ouvir para entender o que tinha acabado de
acontecer.
Por um momento, Alejo ficou olhando para o grupo de homens, todos de
frente para ele, como se esperassem que ele retaliasse. Como se esperassem que
ele fizesse uma cena. Mas ele não fez. Os ombros de Alejo caíram. Ele guardou
seus papéis no bolso e saiu do pátio, afastando-se dos homens, em meio à
chuva.
O coração de Brandon se encheu de um estranho medo. Por uma razão
que ele não conseguia identificar, era como se ele conhecesse Alejo. Não era
como se a breve conversa na lanchonete tivesse tornado eles amigos, mas no
borrão de suas lembranças, Alejo se destacava. Brandon era diferente do resto
da Snakebite, um fato do qual ele estava dolorosamente ciente. Ele era
diferente de uma forma que ia além de ser desajeitado, pobre e quieto. Ele era
diferente de uma forma que Snakebite nunca permitiria. Mas algo lhe dizia que
Alejo talvez entendesse.
Ele deixou a serra e desceu a rampa, atravessou a lama e entrou na chuva.
Do lado de fora da cerca de madeira dominadora da Barton Lumber, Alejo
parou no estacionamento e olhou para o céu, deixando que gotas grossas de
chuva cobrissem seu rosto.
— Ei — disse Brandon. — Ei, desculpa por isso. Eles não deveriam ter...
bem, não sei o que disseram. Mas eu sinto muito.
Alejo se virou e colocou a mão sobre a testa, afastando a chuva com um
piscar de olhos. Ele estava exatamente como Brandon se lembrava. Ele limpou
a garganta e disse:
— Eu agradeço.
Brandon estendeu uma mão ligeiramente úmida.
— Brandon Woodley.
— Da loja de barcos. — Alejo apertou sua mão. Ele sorriu da mesma
forma que uma pessoa sorria quando estava esperando uma explicação melhor.
— Eu sempre quis comprar um barco lá. Parece que muitas coisas estão
diferentes por aqui agora.
— Eu não sei. — Brandon desviou o olhar do pátio para a cidade. —
Para mim, parece a mesma coisa.
— Ah — suspirou Alejo. — Talvez eu tenha mudado.
— O que foi aquilo? — perguntou Brandon, apontando de volta para o
pátio.
— Você não está sabendo? — Alejo refletiu. — Snakebite nunca viu uma
bicha antes. Provavelmente haverá uma multidão no motel quando eu voltar.
Os olhos de Brandon se arregalaram. Antes de ir para a faculdade, Alejo
Ortiz era a criança de ouro de Snakebite. Ele tinha tudo: notas perfeitas, uma
namorada perfeita, uma vida perfeita. Tinha uma risada que iluminava uma
sala. Quando as pessoas falavam, ele realmente ouvia. Alejo era a promessa de
tudo o que Snakebite deveria ser. Ele era o tipo de pessoa que Brandon desejava
ter por perto. O tipo de pessoa que Brandon desejava se tornar.
Alejo estava diferente agora. Sua expressão estava mais sombria, como se
ele estivesse sempre a um passo de uma carranca. Mas seus olhos eram os
mesmos. Sua risada fez o estômago de Brandon cair.
— Bem — disse Brandon —, acho que você é muito corajoso. É isso.
— Beleza. — A expressão de Alejo ficou amarga. — Você veio até aqui só
para me dizer isso?
— Eu...
A chuva continuava a cair ao redor deles, encharcando o estacionamento
com uma camada preta. Ele não sabia ao certo por que tinha vindo até aqui.
Ele poderia ter deixado Alejo ir embora. Não precisava ficar aqui, encharcado,
com o coração aos pulos na garganta. Sempre soube que era diferente —
sempre soube que era gay — mas, pela primeira vez, não estava sozinho. Havia
outra pessoa como ele. Alguém que tinha saído para o mundo e voltado vivo.
— Por que você voltou? — perguntou Brandon.
Alejo o olhou com cautela.
— Não sei dizer se você é intrometido ou se está tentando me dizer que
temos algo em comum.
Brandon respirou fundo. Ele ia ser corajoso. Pela primeira vez em sua
vida, não iria rolar sob a maré. Iria se aproximar da margem.
— Eu só quero falar com você. Acho que quero faz muito tempo.
— Estamos conversando agora.
— Você não precisava voltar para cá. Podia ter ficado em Seattle. Por que
voltou?
— Você sabe muito da minha vida, cara. — Alejo balançou a cabeça, mas
aos poucos sua expressão se transformou em um sorriso divertido. — Era
muito mais fácil lá em cima. Não sei por que achei que todos aqui deixariam
passar. Acho que é porque sou eu.
— A Tammy sabe?
Alejo riu.
— Acho que agora ela sabe. Nós terminamos há dois anos. Ela
provavelmente acha que esse é o motivo.
— E quanto ao Frank?
Alejo acenou com a mão.
— O Frank é o Frank. Ele não se importa. Ele é provavelmente o único
amigo que me resta por aqui.
— Você vai embora?
Alejo cruzou os braços.
— Eu deveria? Parece que você ficou por aqui.
Brandon ficou pensando na pergunta; as pessoas normalmente não lhe
faziam perguntas sobre si mesmo.
— Não posso ir. Eu... este é o meu lar. Não sei como explicar isso. Há
algo aqui que eu simplesmente não consigo...
— ...escapar? — perguntou Alejo. Ele se encostou no carro e seus olhos
escuros brilharam com a luz das nuvens de tempestade que passavam. — Tem
coisas que sinto em Snakebite que não sinto em nenhum outro lugar. Eu podia
ter ficado em Seattle, mas me senti como se estivesse fugindo. É como se
houvesse coisas que eu ainda tivesse que fazer.
— Sim — suspirou Brandon. — Sim.
— Então você não quer ir embora — disse Alejo. — Eu também não
quero.
— O que significa que estamos presos.
— Divertido — disse Alejo. Ele riu, e foi tão calmo e fácil quanto
Brandon se lembrava. — Presumo que esteja me contando tudo isso por algum
motivo?
— Eu… — Brandon esfregou a parte de trás do pescoço. Falar era difícil,
e colocar palavras nos anos não identificados de tumulto em suas entranhas era
ainda mais difícil. O que ele queria? Havia um motivo para ter perseguido
Alejo até aqui, mas agora que estava aqui na chuva, não conseguia se lembrar.
A solidão sombria que sempre permanecia no chão sob ele estava quieta perto
de Alejo. — Eu me lembro de você antes de tudo isso. Você era... não sei.
Todos estavam sempre felizes ao seu redor. Você prestava atenção. Sempre
parecia que realmente se importava.
Alejo riu.
— Discriminado em um segundo e cantado no outro. Snakebite é
realmente cheio de surpresas.
Brandon ficou corado.
— Ah, não, eu não estava...
— Eu gostaria que você estivesse — disse Alejo. Seus olhos escuros se
aqueceram, só um pouco. — Se eu não for assassinado na porta do meu quarto
de motel, vamos tomar um drinque qualquer dia desses.
— Eu gostaria... — Brandon se preparou. — Eu gostaria disso.
E, a partir daí, foi tão fácil quanto respirar.
Nunca tinha parecido fácil para Brandon antes. De fato, apaixonar-se
parecia ser a coisa mais impossível do mundo. Ele construiu fortalezas com
base no conceito de estar sozinho; a solidão era seu sangue, seus ossos, seus
batimentos cardíacos. Sem ela, ele não tinha certeza de quem era Brandon
Woodley.
Mas Alejo não se importava. Na primeira noite em que saíram, ele disse a
Brandon que sonhava com uma família e uma casa com varanda e um jardim
onde pudesse plantar "um bom tomate". Em seu segundo encontro, ele
segurou a mão de Brandon e perguntou se ele achava que havia algum lugar em
Snakebite onde eles pudessem se estabelecer. Brandon não sabia a resposta.
Depois da terceira vez que saíram, Alejo o acompanhou até a porta, colocou a
mão no bolso de trás da calça e o beijou na boca. Beijou-o como se fosse sério.
Como se quisesse.
Talvez fosse um sonho. Fosse o que fosse, não pertencia a nenhum lugar
do mundo de Brandon. Nada daquilo estava certo. Brandon era Brandon —
ele era uma pedra batendo incessantemente contra o fundo do lago. Não
esperava que Alejo o pegasse e o arrancasse da água como se não fosse nada.
Não esperava sentir o sol. Alejo o puxou para a liberdade e Brandon ficou
aterrorizado com a facilidade com que ele fez isso.
Lá fora, havia um enxame de pessoas que os odiavam. Sob seus pés, havia
uma escuridão que se infiltrava nos ossos de Brandon. Mas, por um momento,
ele não estava sozinho. As sombras estavam silenciosas.
Agora que sabia como era a sensação de ser amado, nunca mais poderia
voltar atrás.
2002
Era estranho como tanta coisa podia mudar em um único ano.
Brandon estava sozinho e depois não estava mais. Alejo tinha uma família
e depois ela se foi. Eles estavam juntos, mas estavam completamente sozinhos.
Os rumores sobre Brandon e Alejo se espalharam por Snakebite como
ervas daninhas, sufocando todo o resto. Para alguém que havia sido um
fantasma durante toda a sua vida, era estranho ter o nome na ponta da língua
de todos. Em um mês, um novo capataz foi contratado na Barton Lumber e
sua primeira ordem de serviço foi demitir Brandon para salvar a imagem da
empresa. Sem dinheiro, sem aliados, sem família, Brandon estava perdido.
Mas heróis vinham de lugares surpreendentes.
Seu herói veio na forma da recém-criada diretora do Rancho Barton. Era
Tammy Barton, casada e divorciada, com um bebê loiro permanentemente
colado em seu quadril. Foi Tammy que, por acaso, revisou os livros de sua
família e encontrou um pedaço de terra que seu pai havia comprado do outro
lado do lago décadas antes. Ela disse, em seu típico tom apático: Se vocês
querem o terreno, podem ficar com ele. Construam algo nele, não me importo.
Sinceramente, estou cansada de ver vocês por aqui.
E, pela primeira vez desde que se conheceram, Brandon e Alejo estavam
livres.
Eles estavam há seis meses em sua nova vida do outro lado do lago
quando as coisas mudaram. O verão se transformou em outono, as pontas
eriçadas dos juníperos à beira do lago ficaram nuas e um vento frio se instalou
no vale Owyhee. A cabana não era perfeita, mas sair de Snakebite era como
respirar pela primeira vez. Era um gostinho do que a vida poderia ser. Eram as
coisas boas, como as tardes deitadas à beira do lago, as noites ao lado da lareira
com um livro, acordar todas as manhãs com o canto dos pássaros e o farfalhar
das folhas. E era o resto — notas de post-it sobre pratos esquecidos, cobertores
ocupados em um lado da cama, dias em que a companhia um do outro era, ao
mesmo tempo, demais e não o bastante…
Em uma viagem à cidade para comprar ovos e lenha, Brandon ouviu os
primeiros sussurros: ...deixada na igreja... apenas um bebê, e eles a deixaram
bem na entrada... quem estava grávida?... O Pastor Briggs diz que era um
campista... um lar adotivo, provavelmente. O que mais eles podem fazer?
Mas, como tudo em Snakebite, o encanto morreu tão rapidamente
quanto surgiu. Depois de uma semana de conversas sobre a misteriosa menina
deixada nos degraus da Primeira Igreja Batista de Snakebite, a fofoca mudou
seu olhar para um grupo de adolescentes pegos fumando maconha do lado de
fora do supermercado. E, embora Brandon estivesse pronto para seguir em
frente com a mesma rapidez, algo na história prendeu Alejo como um
obstáculo em uma madeira lascada.
— Temos que vê-la — disse Alejo. — É um sinal.
— Um sinal de quê? — Brandon geralmente era bom em eliminar o
ceticismo de sua voz, mas não dessa vez. Ele se sentou na cozinha semi-
construída, entre a geladeira e um futuro armário.
Alejo entrou na varanda dos fundos, mas seu olhar permaneceu no
contorno nebuloso de Snakebite na costa.
— Falamos sobre querer ter uma família um dia e então uma menina é
deixada aleatoriamente na igreja. Você não acha que isso é o destino?
— Acho que é triste.
Se Alejo não tivesse sido criado como católico, Brandon poderia ter
notado que o deus que ele conhecia não costumava agir como uma cegonha
para os párias gays de uma cidade pequena. Mas ele tinha que admitir que
havia uma parte dele, pequena e temerosa, que ousava querer isso: uma família.
Mesmo um ano atrás, era impossível imaginar isso. Um ano atrás, ele havia se
resignado a uma vida sozinho. Mas agora ele quase conseguia imaginá-la
quando fechava os olhos.
— Poderíamos ser a família dela — disse Alejo. — Não é isso que nossa
pequena unidade deveria ser? Uma coleção de coisas que outras pessoas
jogaram fora?
— Não se pode pegar um bebê como se estivesse pegando sucata na beira
da estrada. — Brandon esfregou a parte de trás do pescoço. — Há tanta coisa
que você tem que fazer. Papelada. Dinheiro. Não sei se conseguiremos fazer
isso.
— Não estou pedindo que se comprometa agora — disse Alejo. — Só
estou pedindo para vê-la.
E foi o que fizeram.
A Primeira Igreja Batista de Snakebite estava pintada de frio pelo sol do
final do outono, mas no momento em que eles entraram no berçário da igreja,
o frio se dissipou. Brandon não era religioso e nunca gostou de atribuir as
coisas ao destino ou a um propósito divino, mas quando se aproximaram do
berço da menina e ele a viu pela primeira vez — olhos grandes e escuros como
fumaça de lenha, dedos pequenos demais para serem reais, um único tufo de
cabelo preto saindo do topo da cabeça —, tudo acabou.
A respiração de Alejo ficou presa em seu peito.
— Eu nunca o forçaria a fazer algo tão importante, obviamente. E sei que
é uma coisa importante, mas...
Brandon se inclinou no berço e pressionou o polegar na mão
incrivelmente pequena da menina. Os dedos dela se curvaram em torno da
junta e ela o olhou com olhos que o desnorteavam. Que o desvendavam por
dentro. Ele balançou a cabeça, mas não afastou a mão.
— Ela precisa de nós.
E então a família de dois era uma família de três.
Brandon estava certo. Não foi fácil. Foram meses de papelada, entrevistas
e trabalho incessante na cabana para provar que a menina teria um lar digno de
ser habitado. A busca pelos pais da menina não deu em nada, deixando-a sem
nome e sozinha. Ela era um mistério — outra pedra no fundo do lago. Mas,
dessa vez, Brandon estava na margem. Dessa vez, ele poderia salvá-la.
Em fevereiro, eles assinaram a papelada na sala de estar de uma cabana
pronta. Eles chamaram sua filha de Logan.
E tudo estava perfeito.
Brandon Woodley já se imaginou como um homem em duas partes. Ele
estava sozinho e depois não estava. Ele era o Brandon antes de Alejo e o
Brandon depois. Ele era o Brandon que sentia sombras sob seus pés, e depois
era o Brandon que sentia o sol. Mas as coisas eram diferentes com Logan. Sua
vida não era dividida em duas partes, nem mesmo em três — era uma canção
e, desde o início, ela vinha se desenvolvendo nesse sentido. Na maioria das
tardes, ele se sentava no banco do piano e observava a luz do sol se espalhar
pelas tábuas do assoalho. Ele observava Alejo no sofá, na cadeira de balanço, na
varanda da frente com Logan em seus braços. Ele observou Logan crescer, viu-a
sorrir, viu-a pular entre os juníperos baixos ao longo da margem do lago.
Brandon sentiu o sol em seu rosto e as teclas frias do piano sob seus dedos e
respirar era fácil.
Havia um pequeno tremor em seu peito que prometia que isso acabaria
logo.
2007
Quando levaram Logan para o hospital, não havia nada a ser feito. Os médicos
disseram que, às vezes, isso acontecia. Crianças ficavam doentes. Isso poderia
acontecer com qualquer pessoa. As pessoas perdiam suas filhas o tempo todo
— às vezes, não havia um motivo para isso.
Brandon não chorou.
Não havia lágrimas nele — não havia nada. Ele estava vazio sem ela. Eles
estiveram tão perto de ter uma vida e ele cometeu o erro de pensar que ela
poderia durar. Eles haviam lutado em meio a um matagal de ódio e isolamento
apenas para acabar ali. Sem filhos e sozinhos novamente. Tudo havia sido
arrancado, raspado de seus ossos, deixando-o nu e entorpecido. Antes, havia
um calor nele que soava como cordas de piano, o riso de Logan e a água na
margem do lago, mas agora estava tudo preto e distorcido.
Logan tinha cinco anos de idade.
Ela nunca chegaria aos seis anos.
— Seremos felizes novamente — respirou Alejo no peito de Brandon.
Eles estavam sentados sozinhos na cabana; eles nunca haviam se sentido
solitários antes de Logan, mas sem ela, eles sentiam cada centímetro do espaço
doloroso que haviam construído. — Um dia, nós seremos felizes.
Mas Brandon não seria feliz. Ele nunca seria feliz se ela tinha partido. Os
artigos que Alejo leu lhe diziam que a dor acabaria diminuindo, mas Brandon
Woodley havia sofrido a vida inteira. Ele nunca havia amado ninguém como a
amava — perdê-la era uma dor que jamais passaria. Esse ódio o consumia
incessantemente. Ele odiava essa cabana, odiava Snakebite, odiava Tammy
Barton e sua filha loira e perfeita que estava tão, tão viva. Tammy veria sua filha
envelhecer, mas Brandon não. Ele odiava todas as pessoas que viviam enquanto
sua filha tinha partido. O ódio se acumulou nele como uma mancha. Mudou
tudo dentro dele até que fosse a única coisa que restasse.
Brandon Woodley sabia que nunca mais sentiria o sol novamente.
Eles continuaram assim — Alejo aprendendo lentamente a se curar e
Brandon simplesmente não conseguindo. A Primeira Igreja Batista de
Snakebite se recusou terminantemente a vender-lhes um jazigo no Memorial
de Snakebite, alegando que era apenas para membros da igreja, e o ódio no
peito de Brandon aumentou. Eles enterraram a filha no Cemitério dos
Pioneiros, entre os fundadores de Snakebite mortos há décadas. Ela não tinha
lápide, nem cerimônia, nem ninguém para chorar por ela além de seus pais.
Pais não deveriam ver os túmulos de seus filhos. Eles não deveriam sentir
a escuridão sob a terra, envolvendo o cadáver de sua filha. Alejo disse que eles
seriam felizes novamente, e talvez ele seria. Dos dois, ele sempre foi melhor em
ser uma pessoa.
Mas Brandon não era mais uma pessoa — a escuridão que permanecia
sob Snakebite o agarrava a cada passo. Ele a sentia ali.
Na noite em que isso aconteceu, ele ficou no centro da cabana, de frente
para a janela que dava para o lago. Ele não conseguia se lembrar por que estava
ali, apenas que era o certo. Ele já havia passado semanas assim — vendo rostos
além de sua visão periférica, ouvindo vozes silenciosas demais para entender,
sentindo as pontas dos dedos em sua pele —, mas esta noite foi diferente.
No quarto ao lado, Alejo dormia em sua cama. A noite estava negra e
cheia de algo parecido com magia, porém mais escura. Não estava mais
embaixo da terra. Ela pressionava o vidro, implorando para entrar na cabana.
Era escuro e voraz. Ele a sentiu em seu peito, pulsando com morte, raiva e
ódio. A cabana cheirava a fumaça e podridão.
Além da janela, ele não conseguia ver a água. Não conseguia ver as
árvores. Não conseguia ver as fogueiras brilhantes na outra margem. Ele só
conseguia ver a escuridão.
— Não aguento mais isso — ele sussurrou para o quarto vazio. — Não
aguento mais.
Eu sei, a escuridão respirou entre as tábuas do assoalho. Está matando
você.
A respiração de Brandon era um suspiro irregular. Durante meses, ele
falou sobre sua dor na noite, mas ela nunca respondeu. A cabana estava mais
fria do que a noite lá fora e mais escura do que o preto. Ele se perguntou se
Alejo poderia ouvi-lo falar. Ele se perguntou se Alejo sequer estava ali. Brandon
se sentia como se tivesse escapado, suspenso entre uma vida e outra; entre o
que era e o que poderia ser.
As coisas deveriam ser diferentes, gemeu a Escuridão.
Algo se abriu como um buraco no estômago de Brandon.
— Eu queria uma família. Eu queria ser feliz.
O que te faria feliz?
— Minha filha — Brandon disse baixinho. — Minha filha se foi.
As paredes de madeira gemiam com o vento. O chão sob os pés de
Brandon balançava. Algo dentro dele também se mexeu, e ele pensou que
poderia estar doente. A coisa incognoscível deslizou através dele, enroscando-se
em seu estômago, envolvendo seu coração como um laço oleoso. Ele não tinha
pensado em ter medo, mas agora o medo e a dor eram tudo o que ele tinha.
Sua filha está enterrada em meus braços, sussurrou a Escuridão. Você
gostaria de tê-la de volta?
Brandon aspirou uma respiração trêmula. Pela primeira vez, desde que a
perdera, lágrimas quentes lhe arderam nos olhos. Ele sabia que estava errado —
não podia ser tão simples —, mas só a ideia já era suficiente.
— Como?
Posso trazê-la de volta para você, exatamente como ela era, ofereceu a
Escuridão. Por um simples favor, seu mundo poderia estar certo novamente.
— Que tipo de favor?
Leve-me com você, sussurrou a Escuridão, abafada como uma brisa. Vivo
sob esta cidade há anos. Quero ver a luz do dia. Quero andar por aí. Dê um
pouco de si para mim — deixe-me respirar — e eu posso trazer sua filha de
volta.
Brandon enxugou as lágrimas que escorriam pelo rosto. Não era verdade,
ou era bom demais para ser verdade, mas ele não se importava. Ele não sabia o
que era a Escuridão, mas deixaria que ela o consumisse até que não restasse
mais nada, se isso significasse que ela estava viva. Brandon sentiu a mãozinha
dela enrolada em seu dedo como um membro fantasma.
— O que você é? — perguntou Brandon.
Eu sou a escuridão criada a partir de tudo. Sou as lembranças desse lugar
que ganham vida — perigo, tristeza, ódio. Você conhece bem esses
sentimentos. Você me sentiu aqui durante toda a sua vida. De certa forma, eu
sou Snakebite. Quando a Escuridão parou de falar, o mundo ficou quieto. Mas
eu quero ser mais do que uma sombra. Quero ajudar você. Você me deixará?
Antes que ele pudesse responder, a escuridão se infiltrou nos pulmões de
Brandon e correu em seu sangue. Suas gavinhas se espalharam em seu crânio
como hera. A Escuridão não era mais Snakebite; era ele. Seus pensamentos e
movimentos eram dela. A escuridão se deslocou dentro dele, silenciosa e negra
como a noite, e ele estremeceu.
— Sim — disse ele. Ele fechou os olhos. — Por favor, traga-a de volta.
E então o mundo explodiu.
A explosão foi suficiente para quebrar a janela de frente para o lago. O
teto e as paredes da cabana se dividiram, batendo uns contra os outros com o
impacto. As luzes do teto se acenderam, depois caíram de seus parafusos e se
espatifaram no chão. O mundo era uma tempestade em espiral ao redor de
Brandon, mas ele era o olho. A calma. As árvores tremiam e o lago ondulava
por quilômetros. As sombras ao seu redor estavam repletas de magia,
suspendendo lascas de madeira e sujeira no ar.
A porta do cômodo ao lado se abriu com estrondo antes de cair de suas
dobradiças. Alejo ficou no escuro, meio vestido, com os olhos arregalados de
terror. Ele examinou o quarto como se achasse que estivesse sonhando.
— Brandon? — ele perguntou.
Brandon virou-se lentamente para encará-lo. Enrolada em seus braços,
escondida dos escombros, uma menina de cabelos escuros e olhos
estranhamente escuros piscou para acordar. Ela olhou para o rosto do pai, para
o rosto de Brandon e sorriu. E, embora estivesse cheio de escuridão, Brandon
também sorriu. Ele havia conseguido. Nada mais importava.
Ele era a Escuridão, e estava completo novamente.
Alejo olhou para Logan e seus olhos se encheram de lágrimas. Sua
expressão era de reconhecimento, medo e amor, tudo ao mesmo tempo.
Lentamente, com cautela, ele entrou no quarto e se aproximou de Logan. Ela
estendeu a mão para trás e envolveu os braços em seu pescoço. O riso de Alejo
foi cortante com um soluço. Ele balançou a cabeça.
Seus olhos escuros encontraram os de Brandon.
— Brandon... — ele respirou. — O que você fez?
36
Nadando em fumaça
***
No Motel Bates, o mundo estava tudo menos quieto.
A porta entre os quartos sete e oito estava escancarada, uma brisa quente
peneirando entre os dois. Brandon se inclinou sobre a mesa do café da manhã,
riscando um mapa dos Estados Unidos com a ponta afiada de seu lápis. Alejo
enfiou a última de suas camisas com estampa floral em uma mochila e a
arrastou para a minivan, cantarolando uma música de Johnny Cash baixinho.
Logan sentou-se na cama. Eles casualmente se mudaram pela manhã, e
Logan quase podia fingir que era assim que sempre foram. Uma coleção de três
coisas perdidas que construíram uma vida em que poderiam ser felizes. Uma
família.
— Me dê outra coisa — Brandon disse, batendo a borracha de seu lápis
contra seus óculos.
— Hum, que tal o cemitério mais antigo dos Estados Unidos? —
perguntou Logan.
Brandon franziu a testa e circulou um ponto no mapa.
— Você também pode escolher lugares divertidos. O maior shopping do
país. O lugar mais alto que você pode dirigir. O...
— E aquela grande bola de elástico? — Alejo interrompeu, tirando a
poeira de suas mãos. Ele fechou a traseira da minivan e caminhou de volta para
o quarto do motel, o sol amarelo refletindo nos óculos de aviador empoleirados
em sua testa.
— Eu pareço uma turista? — Logan zombou.
Brandon e Alejo fizeram contato visual e não disseram nada.
— Vocês são rudes.
— Eu gosto daquela árvore pela qual se pode dirigir — sugeriu Alejo.
Brandon fez uma careta.
— Sim, mas ela caiu naquela tempestade.
— Tem outras.
— Mas não é a mesma coisa.
— Você é tão deprimente.
Brandon balançou a cabeça. Seus lábios insinuaram um sorriso. Era uma
expressão frequente agora, mas algo em Logan ainda afundava cada vez que ela
a via. Quantos sorrisos a Escuridão engoliu por inteiro? Quantos anos ele viveu
em um borrão cinza, esperando o fim? Mesmo agora, eles estavam recuperando
o tempo perdido. Ela poderia passar todos os dias com seus pais pelo resto de
sua vida, mas isso nunca preencheria o buraco que a Escuridão deixou. Não
havia como consertar as coisas; eles só podiam seguir em frente.
Alejo e Brandon estavam fazendo as malas para voltar para L.A. Eles
decidiram não expor Snakebite no ParaEspectadores, mas isso não impediu que
os ciclos de notícias os associassem ao mistério. Mesmo depois que a polícia os
inocentou de qualquer envolvimento nas mortes, Brandon e Alejo estavam
intrinsecamente ligados ao crime. Os sites de notícias cheios de clickbait
gritavam manchetes como:
No último dia de agosto, Snakebite foi um sonho. Estava banhada pela luz
dourada do sol e brilhante sob o céu aberto, nítido e fresco enquanto o verão se
inclinava para o outono. Era diferente do que tinha sido quando Logan
chegou. Ou ela era diferente, o que parecia igualmente provável. O sol se
acalmou no dia em que a Escuridão morreu, como se a cidade estivesse livre de
um aperto de torno paranormal. As colinas intermináveis que mantinham
Snakebite no lugar estavam mais suaves agora, estendendo-se até o horizonte
como ondulações no lago. Desde o início, ela pretendia seguir a maré para fora
de Snakebite e o mais longe que pudesse levá-la. Isso não havia mudado.
Mas agora, ela não estaria sozinha.
O Ford balançou quando ela jogou a última de suas malas na caçamba da
caminhonete. Ashley prendeu uma corda elástica para manter a bagagem no
lugar. Mesmo depois de tudo, o sol em Snakebite tratou Ashley de forma
diferente do que tratava todos os outros. Ela passou as costas da mão sobre a
testa e sua pele sardenta brilhou na luz do final do verão.
— Você pegou lingerie? — Tammy Barton perguntou, inclinando-se
contra o lado do motorista da caminhonete. — Carregador de celular?
Dinheiro para gasolina? GPS?
Ashley colocou um boné de beisebol.
— Checado, checado, checado e checado.
Tammy olhou para Logan e apertou os lábios. Ela estava tentando
esconder seu desdém na última semana. Não estava conseguindo, mas Logan
apreciou o esforço.
— Vocês duas têm alguma ideia de onde estão indo?
Logan e Ashley trocaram um sorriso. Elas tinham alguns pontos na
estrada, alguns pontos turísticos para ver, mas nenhum destino. Esse era o
ponto. Logan esteve em todos os lugares, mas nunca se sentiu em casa. Ashley
conheceu apenas um lar em toda a sua vida, mas não era mais um lar.
Elas tinham mil novos céus para ver.
Antes que qualquer uma delas pudesse responder, Alejo saiu da varanda
da frente da casa do Rancho Barton com a última caixa de coisas de Ashley
aninhada em seus braços. Brandon o seguiu de perto, batendo incessantemente
na tela do telefone. Enquanto Alejo carregava a caixa na caçamba da
caminhonete, Brandon se esgueirou ao lado de Logan e virou o telefone para
que ela pudesse ver. Era um mapa compacto dos Estados Unidos, cravejado de
tachinhas vermelhas virtuais em quase todos os estados.
— Adicionei alguns lugares no Missouri — disse ele. — Estranhamente,
há muitas coisas legais lá. É provavelmente o meu lugar favorito que visitamos.
— Também é o lugar mais deprimente que visitamos. — Alejo bufou. —
Então isso confere.
Brandon zombou.
— Obviamente você não precisa parar em todos os lugares, mas é um
começo. Se você seguir à noventa e cinco graus ao leste de Snakebite, você
acabará em Idaho. Não há muito o que ver por lá, mas destaquei alguns pontos
que vocês podem conferir. Eu diria para irem pelo norte de lá até chegar em
Coeur d’Alene, então…
Logan assentiu. O mapa não importava, mas o fato de ele tê-la ajudado a
fazê-lo era perfeito. Ela estava tentando e ele estava tentando. Eles tinham anos
pela frente — eles tinham tempo para se curarem.
— …parece um plano? — perguntou Brandon.
Logan sorriu.
— Parece um plano.
— Legal. — Brandon esfregou a nuca. — Eu e seu pai vamos partir
amanhã de manhã. Sei que será difícil conversarmos um com o outro, mas pelo
menos avisaremos quando estivermos de volta a L.A.
Logan assentiu. Ela puxou Brandon para um abraço.
Alejo se aproximou deles, juntando-se ao abraço do grupo com a
ferocidade de um golden retriever animado.
— Sem despedidas sem mim. É ilegal.
— Vou sentir falta de vocês — disse Logan. — É sério.
— Não poderá sentir falta de nós se conversarmos por FaceTime todas as
noites — brincou Alejo.
Ela esperava que ele estivesse brincando.
Do outro lado da caminhonete, Ashley envolveu a mãe com os braços. A
despedida das Bartons foi mais tranquila. Mais solene. Ashley soltou Tammy e
apertou o rabo de cavalo, olhando para o lago atrás da casa como se pensasse
que nunca mais o veria.
— Eu sei que as coisas estão... difíceis — disse Tammy. — Mas eu te
amo. Não importa o que aconteça.
— Eu também te amo, mãe — disse Ashley.
Tammy deu-lhe um beijo breve na testa e apertou seu ombro.
— Se isso não der certo, o rancho sempre estará aqui para você. Pode
sempre voltar para casa.
— E elas são sempre bem-vindas para ficar conosco, onde quer que
estejamos — disse Alejo. — Você também, Tammy. Podemos ter uma grande
festa do pijama.
Tammy revirou os olhos.
— Hilário.
— Estou falando sério. Seremos como uma grande família agora. —
Alejo passou a mão pelo cabelo. — Uma grande família que provavelmente
precisa de muita terapia.
Ashley subiu no lado do motorista do Ford e Logan silenciosamente
subiu no banco do passageiro. Elas se acomodaram, olhando para a calçada que
se estendia à frente delas como uma porta para outro mundo. Ashley enfiou as
chaves na ignição e a caminhonete rugiu para a vida. Elas saíram da garagem
lentamente, acenando um adeus final para seus respectivos pais até que
dobraram a esquina para a estrada. Logan pegou o mapa de Brandon e deu
uma olhada superficial.
— Para onde vamos primeiro? — perguntou Logan. Ela jogou os pés para
cima no painel e passou os óculos escuros redondos sobre os olhos.
— Leste, para a rodovia.
— E então?
Ashley sorriu. O sol estava dourado sobre suas bochechas sardentas.
— Outra rodovia. Provavelmente algumas montanhas. Um monte de
nada.
Logan deslizou a mão sobre a coxa de Ashley, as pontas dos dedos
traçando círculos contra sua pele.
— E depois?
— À algum lugar, eventualmente. Você está pronta para isso?
O sorriso de Ashley era mais brilhante que o sol. A caminhonete
chacoalhava, sacudindo nuvens de poeira soltas na neblina. As suaves colinas
douradas de Snakebite embalaram as meninas nas palmas das mãos, levando-as
para fora do vale do lago e para o mundo além. Snakebite foi um pesadelo para
Logan; para Ashley, era o lar. Logan tocou os nós dos dedos da mão de Ashley.
Lar não precisava mais ser um lugar. Não precisava de quatro paredes ou uma
costa rochosa ou estrelas sobre as colinas. Era um sentimento. Se parecia como
um.
— Lar — disse Logan, saboreando a palavra. — Conceito estranho.
Ashley sorriu. Ela se inclinou sobre o painel central e deu um beijo suave
e curto nos lábios de Logan.
A estrada se estendia à frente delas, torcendo-se para lugar nenhum. O
coração de Logan pulava um pouco mais rápido a cada quilômetro. Mesmo
sem a Escuridão, seria um longo caminho pela frente. Ashley se acomodou no
banco do motorista com a luz do sol em seu cabelo e era difícil acreditar que
ela era real. Haveria dor e esperança, e Logan não tinha certeza do que a
assustava mais. Mas ela não estava mais sozinha.
E por onde quer que a estrada as levasse, elas já tinham passado por coisas
piores.
Agradecimentos
O que eles nunca dizem na aula de redação é quantas pessoas são necessárias
para fazer um livro. Enquanto crescia, sempre pensei que escrever um livro
significava sentar, escrever um romance e depois lançá-lo no mundo. É muito
mais do que isso, no entanto. Tive o privilégio de trabalhar com uma equipe
inteira de estrelas do rock absolutas nos últimos dois anos, todas dedicadas a
fazer de e Dead and the Dark um livro real. Não posso nem começar a dizer
toda a ajuda que recebi, mas posso pelo menos tentar agradecer a todos.
Em primeiro lugar, um enorme obrigada à minha incrível editora, Jennie
Conway. Desde o nosso primeiro telefonema, onde você gritou comigo pelo
conteúdo do capítulo vinte e cinco e me disse que a coisa toda era “como
Riverdale, mas bom”, eu sabia que seríamos uma grande combinação. Você tem
sido uma heroína incrível para mim e minhas garotas, e me sinto tão sortuda
por trabalhar com alguém que entende tão profundamente o que estou
tentando dizer, mesmo quando não entendo. Obrigada a toda a equipe da
Wednesday Books e da St. Martin's Press. A Mary Moates, Melanie Sanders,
Alexis Neuville, Lauren Hougen, Jeremy Haiting, Omar Chapa e Elizabeth
Catalano. Obrigada a Kerri Resnick e Peter Strain pela minha capa
incrivelmente linda. Encaro-a todos os dias e imagino que o farei até o fim dos
tempos.
Meu segundo agradecimento vai para Claire Friedman e Jessica Mileo,
minhas incansáveis agentes. Obrigada por sempre responderem às minhas
perguntas da meia-noite em pânico, por me tranquilizarem através de muitas
espirais de ansiedade, por sempre encorajarem até as minhas ideias mais
extravagantes e por me enviarem memes de Red Dead Redemption para me
manter no chão. Não consigo imaginar uma dupla mais adequada para mim e
todas as minhas histórias assustadoras e enervantes. Aqui está a primeira
história de muitas outras que virão. Obrigada ao resto da equipe InkWell
também. e Dead and the Dark não estaria aqui sem todos vocês.
Obrigada a minhes CPs: Lachelle Seville, que escreve comigo há quase
uma década e ainda não me odeia. Emily Khilfeh, que viu a primeira faísca
dessa ideia e me ajudou a incendiá-la a cada passo do caminho. Cayla Keenan,
que é ume líder de torcida implacavelmente positive e defensore feroz de todas
as coisas queer. Alex Clayton, que é a pessoa mais solidária, gentil e leal que
conheço. Eu não estaria aqui sem vocês, e sou eternamente grata por suas
amizades e amor.
Obrigada a Sadie Graham, Allison Saft, Ava Reid e Rachel Morris por
serem amigues incríveis nesta jornada. Todes nós temos que nos unir nesse
processo difícil. Estou ansiosa para apoiarmos umes ês outres nos próximos
anos.
Obrigada a Kelly Jones, minha mentora de Writing in the Margins, que
sempre manteve a porta aberta para aspirantes a escritories. Obrigada por ouvir
todos os meus desabafos e por sempre se oferecer para me conectar com
escritories que realmente sabem o que está acontecendo. Fazer tudo isso uma
vez já foi exaustivo; eu não consigo nem imaginar como você fez uma dúzia de
vezes!
Obrigada a Trisha Kelly, Adrienne Tooley e Ashley Schumacher por
serem ês primeires leitories e apoiadories desta pequena e estranha história.
Obrigada a Andrea Gomez por sua ajuda para levar este livro a um nível mais
profundo. Obrigada à equipe da Hora do Chá: Rachel Diebel, Anna Loose,
Ingrid Clark, Maylen Anthony, Lauren Cashman, Adrian Mayoral, Camille
Adams, Sylvie Creekmore e Mike Traner. Obrigada a Courtney Summers,
Dahlia Adler, Emma Berquist, Francesca Zappia e Erica Waters por lerem e
amarem e Dead and the Dark. Vocês são todas escritoras incríveis e significa
o mundo ouvir suas palavras gentis sobre minhas garotas.
Obrigada a Red Dead Redemption, Riverdale, Objetos Cortantes, Holes,
Johnny Cash, Westworld e todas as outras estranhas mídias que devorei
enquanto tentava descobrir este livro. Obrigada às cidades do leste do Oregon
que visitei enquanto tentava dar vida a Snakebite — espero que vocês se vejam
representadas nestas páginas.
Por último, minha família. Obrigada a Carly por ser o hype-man original
para minhas atividades criativas. Obrigada ao papai e à vovó por sua paciência
enquanto esperavam para ver se essa coisa de escrever valeria a pena. Obrigada
a Davis por sempre acreditar que eu poderia fazer isso. Obrigada a mamãe por
sempre dizer que esse sonho era prático, por se sacrificar tanto por nós e por
sempre estar em casa para mim. Eu sou mais do que sortuda por lhes ter. Este
livro é para vocês.
Obrigada a todes que ajudaram a criar esta história sobre duas garotas em
busca de amor em um mundo de ódio. Espero que gostem do que isso se
tornou.
{1}
L.A. é a abreviação de Los Angeles
{2}
Bluegrass é um tipo de música popular norte-americana, cujas raízes são das músicas tradicionais das
montanhas Apalaches. É também um dos gêneros musicais característicos do sul dos Estados Unidos.
{3}
Insulares são moradores de um lugar insular, ou seja, um local independente, parecido com uma ilha.
{4}
Um Marco Nacional Histórico pode ser um edifício, lugar, objeto ou estrutura que é reconhecido
oficialmente pelos Estados Unidos por sua importância histórica.
{5}
Oregon Trail foi um dos três Emigrant Trails, que eram rotas utilizadas durante o século XIX por
imigrantes que viajavam em carroças em busca das terras a oeste das Planícies Interiores e das Montanhas
Rochosas para colonizá-las.
{6}
Moço, rapaz. O mesmo que muchacho.
{7}
“Ah, velhinha! Linda como sempre”
{8}
“O que aconteceu, rapaz?”
{9}
Do inglês “THIS TOWN BITES BACK”, é um trocadilho com o nome da cidade, “Snakebite”. “Bite”
significa “morder”.
{10}
Marca de molho de queijo industrializado.
{11}
Judge Judy é um reality show americano baseado em arbitragem, presidido pela ex-juíza Judith
Sheindlin do Tribunal de Família de Manhattan. O show apresenta como Sheindlin julgou disputas de
pequenas causas da vida real dentro de um tribunal simulado.
{12}
Make America Great Again, abreviado como MAGA, é um slogan de campanha adotado em
campanhas presidenciais nos Estados Unidos que originou-se durante a campanha presidencial de Ronald
Reagan na eleição em 1980. Popularizado por Donald Trump durante a sua campanha presidencial em
2016. É usado também para se referir aos apoiadores conservadores da extrema-direita.
{13}
Redneck é um termo utilizado nos Estados Unidos da América e Canadá do estereótipo de um
homem branco de classe média baixa que mora no interior. Originou-se o fato de que pelo trabalho
constante dos trabalhadores rurais em exposição ao sol acabam ficando com seus pescoços avermelhados
(do inglês red neck, “pescoço vermelho”). É normalmente utilizado nos dias atuais para rotular de
maneira pejorativa os brancos sulistas conservadores.
{14}
Stir-fry é uma técnica de culinária chinesa. Consiste em fritar os ingredientes em uma pequena
quantidade de óleo bem quente enquanto são mexidos ou jogados em uma wok.
{15}
Brunch é uma refeição que ocorre no meio da manhã em um horário entre o café da manhã e o
almoço, podendo substituir os dois. Geralmente acontece em domingos, feriados ou datas
comemorativas.
{16}
S’mores é um doce feito com um marshmallow e chocolate entre duas bolachas de água e sal ou
maisena, formando um tipo de sanduíche.
{17}
Um episódio filler é quando é inserido um material sem relação com o enredo principal do programa.
Geralmente não é necessário assisti-los para entender o restante do show.
{18}
Tendo em vista o cunho racista da versão original, a Queerteca adaptou para esta outra, pois não
compactuamos com tais coisas.
{19}
Abreviação de Pabst Blue Ribbon, marca de cerveja estadunidense.
{20}
Roundup é um herbicida utilizado para aniquilar plantas infestantes. Geralmente, é aplicado no
período de pré-plantio para eliminar plantas daninhas e proteger as plantações.