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Para minha mãe,

que me ensinou que é o amor


o que afasta a Escuridão.
Sumário

Interlúdio
1. Com amor, Hollywood
2. Uma despedida viking
3. O hotel do assassinato
4. Para o abismo selvagem
5. Engula a tristeza
Interlúdio
6. Estradas rurais
7. Oque é feito na Escuridão
8 Uma fogueira necessária
9. A luz sufocante
10. Do começo
11. O piano de cordas
12. Rebanho de ovelhas sombrias
13. Uma frente unida de perdedores
14. Luto como sementes
15. A cabana na floresta
Interlúdio
16. Lado animado
17. Velhos pecados
18. Longas sombras
19. O corpo, mas não a alma
20. Um sussurro suave e permanente
21. A jukebox sabe seu nome
22. Como respirar debaixo d’água
23. A hora da bruxaria
24. Em uma manhã fria e sombria
25. Deixe a Inspeção mostrar
26. Uma maçã fora de Cleaven Trunk
27. Chokecherry e outra flora ameaçadora
28. E então houve um
29. Mãos feitas para machucar
30. Fim de jogo
31. O grande estágio dos tolos
32. Ainda mais fundo
33. O diabo, o diabo
34. E se a verdade for uma mentira
35. Os Mortos e a Escuridão
36. Um adeus da bondade eterna
37. E então você encontra seu caminho
Interlúdio
38. Nadando em fumaça
39. Apenas fantasmas com saudades de casa
40. Na hora da manhã ela me chama
Agradecimentos
Interlúdio

Pela primeira vez em trinta anos, neva em Snakebite.


A neve é algo suave, compassada como poeira no vento do início de
janeiro, revestindo as rochas ao longo da margem do Lago Owyhee em neve
derretida. A água do lago é preta e escoa como tinta no céu enevoado. É noite,
o povo de Snakebite está aquecido em suas casas, os dedos pressionados nas
janelas enquanto observam nervosamente a neve cair. Por um momento, o
mundo está em silêncio; é apenas o vento, as árvores em movimento e o pulsar
abafado da água contra a pedra. É a respiração suspensa.
Um menino tropeça na margem do lago.
Ele acha que está sozinho.
Ele mantém as mãos na frente dele, palmas para cima como se a neve
fosse apenas uma invenção de sua imaginação. Flocos dela grudam em seus
cílios, no tule azul marinho de seu short de basquete, em seu cabelo da cor das
colinas douradas que fazem fronteira com a cidade. Ele para à beira da água,
olha para o horizonte e cai de joelhos. Está longe de casa, longe da luz, longe
de qualquer coisa.
A Escuridão observa o menino. Ela está dentro do corpo de um novo
hospedeiro, cambaleando pela grama morta e galhos de zimbro para ter uma
visão melhor. Este novo corpo é pesado para a Escuridão. Levará tempo para se
ajustar a essa pele, a esses olhos, às batidas ansiosas desse novo coração.
Do que você tem medo?, a Escuridão pergunta, quieta como o vento
sussurrante. Você tem um plano. Aja.
O hospedeiro fica tenso. Seus dedos estão cerrados em seus lados, lábios
pressionados juntos, olhos arregalados. Ele é um animal selvagem congelado de
medo.
— Algo está errado — sussurra o hospedeiro. — Por que ele está no
chão?
Isso importa?
— Não sei. — O hospedeiro não se mexe. — O que eu faço?
Vá, a Escuridão suspira.
O hospedeiro assente. Ele se afasta de trás de um grosso tronco de
zimbro, parando mais perto do garoto, fora de vista. O menino não percebe.
Não se move. Através da neve bruxuleante, o rosto do garoto está manchado de
lágrimas, vermelho de tristeza, vazio. Ele olha para o horizonte sombrio, mas
não olha para nada.
O hospedeiro hesita novamente.
O menino tira um celular do bolso. O brilho da tela cobre seu rosto, a
única luz na escuridão sem fim. Ele digita uma mensagem e depois a encara em
silêncio. As lágrimas ainda estão molhadas em suas bochechas, riachos de luz
branca.
De repente, o hospedeiro é surpreendido com a ideia de marchar para a
frente, agarrar o menino pelo colarinho, pressionar os polegares em sua
garganta. Ele sente a pele sob as pontas dos dedos, o cheiro forte de ferro se
misturando com a neve. Durante anos, imaginou isso. Ele imagina a morte
correndo por ele como uma corrente.
Tão rápido quanto imagina, ele sufoca a visão.
A Escuridão já lidou com esse tipo de hesitação antes. Ela desliza pelo
hospedeiro, enrolando-se em seu coração até encontrar a podridão sombria do
ódio que conhece bem. Este hospedeiro anseia pela morte. O desejo tem
borbulhado sob sua pele desde que consegue se lembrar, mas ele esteve com
muito medo de reivindicá-lo como seu.
Você quer que eu te ajude? a Escuridão pergunta. Você quer que eu te
faça forte?
O hospedeiro faz uma careta.
— Quero.
É a verdade.
Então faça isso, a Escuridão suspira. Ela fervilha nas sombras, na água, no
céu. É a verdade da qual você esteve se escondendo por todos esses anos.
— A verdade — o hospedeiro sussurra. Ele aperta e abre os punhos, os
dedos remexendo em seus lados. Um momento de silêncio passa, depois outro.
E então o hospedeiro se move.
No momento em que ele cruza a distância até o menino, a neve está
caindo em camadas pesadas. O céu é um borrão cinza, mais perto do que
deveria. Sufocante. O hospedeiro agarra o garoto e não há como voltar atrás.
Os olhos do menino encontram os do hospedeiro por um instante,
passando da tristeza para a surpresa e para o reconhecimento. Ele não grita.
Acima deles, o céu é cinza, depois preto, depois nada.
A Escuridão desliza mais fundo no hospedeiro, afunda suas garras,
enraíza-se na podridão.
Depois de treze anos, a Escuridão finalmente voltou para casa.
1

Com amor, Hollywood

VOZ DE BRANDON: Estamos de volta ao porão da Casa


Calloway em New Prague, Minnesota. A lenda local diz que
Agatha Calloway uma vez usou este porão para rituais
satânicos, mas nenhuma evidência para apoiar tais alegações
foi encontrada. Embora o passeio diurno pela casa não tenha
revelado leituras incomuns, Alejo e eu voltamos ao porão à
noite para ver que espíritos podem permanecer entre essas
paredes.

ALEJO: Brandon, você sentiu isso? Estava aqui.

[Alejo balança a cabeça, olhos invertidos pela câmera


infravermelha. Ele acena com a mão no ar à sua frente,
segurando seu peito com a outra. Brandon se aproxima
timidamente. Ele ajusta seus óculos e liga um dispositivo
desajeitado.]

BRANDON: O que a coisa fez? Qual foi a sensação?

[Alejo fica em silêncio.]

BRANDON: Alejo?

[O aperto de Alejo se intensifica na costura de seu cardigã.


Suas pálpebras se fecham e ele bate contra a parede.]
ALEJO: Ela passou por mim. Deus, está tão frio.

[Brandon pega as mãos de Alejo. O dispositivo Detecção de


Temperatura ThermoGeist pisca um tom surpreendente de azul
entre os dedos, detectando uma anomalia nas proximidades. Os
dois homens se olham ternamente nos olhos.]

BRANDON: Nós vamos sobreviver. Já passamos por coisas


piores.

Logan enrolou e jogou outra blusa de gola alta em sua mala. Já passamos por
coisas piores. Ela duvidava seriamente. Tinha visto todos os episódios deste
show, do moinho de vento assombrado ao museu de rochas satânicas ao
banheiro que também servia como um portal para o inferno, e este era o mais
brega até agora. ParaEspectadores nunca se esquivou do melodrama, mas à
medida que o programa se arrastava para sua sexta temporada, esses momentos
bregas pareciam vir a cada dois episódios. Logan não tinha certeza se era ideia
da equipe ou apenas a propensão de seus pais para o drama.
Ela puxou duas malas prontas da pirâmide de malas a seus pés e as levou
para o corredor. Além de Brandon e Alejo resmungando na TV, a casa estava
silenciosa. Logan voltou para seu quarto e parou na janela do segundo andar.
O sol branco da manhã brilhava na superfície da piscina. Além de seu quintal,
casas geométricas espalhadas se estendiam pelo vale uma após a outra. Ela
pressionou as pontas dos dedos na janela e fechou os olhos.
Ela realmente não queria deixar L.A.{1}
Atrás dela, botas trituravam os grãos de pipoca soltos espalhados pelo
tapete. Alejo Ortiz — o Alejo Ortiz da fama de caçador de fantasmas — estava
encostado na porta do quarto dela. Entre o cabelo preto meio preso e o corpo
esguio, ele parecia ter sido arrancado da TV de Logan. Examinou sua bagagem,
segurando seu telefone estilo walkie-talkie. O verdadeiro Alejo se portava de
forma diferente daquele da TV. Era mais quieto, menos dramático, sempre
relaxado como se estivesse tentando ouvir um pouco melhor.
— A dona da casa está em boa forma — disse Alejo em seu telefone. Ele
varreu os grãos de pipoca para fora da porta com a ponta de sua bota e
levantou uma sobrancelha para Logan como se a bagunça fosse o pequeno
segredo deles. — Temos mais algumas malas para carregar, então poderemos
pegar a estrada.
— Legal. — A voz metálica de Brandon estalou do outro lado da linha.
— Nenhum corpo debaixo do colchão?
Alejo riu.
— As roupas sujas resistiram, mas mostramos a elas quem manda.
Logan revirou os olhos e continuou fazendo as malas. As conversas bregas
pelo FaceTime eram uma rotina diária nos últimos seis meses. Todos os anos,
quando o ParaEspectadores terminava as filmagens da temporada, Brandon e
Alejo voavam direto para casa enquanto a equipe de produção partia para
explorar locais mais novos e “mais assustadores”. Mas este ano, Brandon tinha
planos diferentes.
— Como Snakebite está tratando você? — perguntou Alejo.
— O mesmo de sempre. É como se nada tivesse mudado em treze anos.
— Brandon limpou a garganta. — Exceto a neve. O tempo finalmente abriu,
no entanto.
Snakebite, a cidade rural do Oregon onde os pais de Logan cresceram, era
o tipo de lugar sem fotos no Google. Era um pontinho no mapa, um pequeno
arranhão de terra cultivada em um mar de colinas amarelas. De acordo com
Brandon, era o lugar perfeito para filmar a próxima estreia da temporada do
ParaEspectadores. Mas o que começou como uma semana de aferição de local
se transformou em um mês. A rede fez uma festa de encerramento do
ParaEspectadores pela sexta temporada e Brandon não estava lá. Alejo
comemorou sozinho seu quadragésimo segundo aniversário. Logan se formou
no ensino médio e Brandon assistiu por uma ligação irregular do FaceTime.
Um mês se transformou em seis e Logan se perguntou se Brandon algum dia
planejava voltar para casa.
Ela não era especialista em produção de locação, mas tinha certeza de que
não levava seis meses para um único episódio.
Algo estava errado.
E então, na semana anterior, Alejo anunciou que se Snakebite estava
mantendo Brandon longe, eles simplesmente iriam para Snakebite. L.A não era
um lar de forma alguma — eles só estavam nesta casa há alguns anos —, mas
ela morava aqui há mais tempo do que em qualquer outro lugar. Assim que se
acostumou com a cidade, ela estava sendo levada embora.
Era uma merda.
Logan colocou a mão no quadril.
— Se você vai ficar aí parado, pode me ajudar a carregar algumas destas?
— Claro — disse Alejo. — Segure seu pai.
Ele passou o telefone para Logan e pegou uma mala em cada mão. Logan
deu a Brandon um breve olhar; seu cabelo escuro curto estava um pouco mais
rebelde do que o normal, mas seus óculos de aros grossos e sua perpétua
carranca permaneciam inalterados. Ele parecia tão meio morto quanto ela se
lembrava. Ele abriu um sorriso tenso.
— E aí?
— Oi.
— Aproveitando as férias de verão?
Logan piscou.
— Não são realmente férias. Eu me formei. É meio que apenas... verão.
— Certo.
Logan olhou para Brandon e Brandon a olhou de volta. Ela procurou
algo mais para dizer, mas deu um branco. Com qualquer outra pessoa, a
conversa era tão fácil quanto respirar, mas com Brandon era sempre mais
difícil. Ela olhou para o corredor, então de volta para Brandon.
— Eu deveria ajudar o papai.
Ela jogou o telefone em seu colchão sem roupa de cama e pegou mais
malas.
Brandon limpou a garganta.
— A viagem vai valer a pena. Esqueci como é pitoresco aqui em cima.
Muito espaço.
— Estou super ansiosa por dezessete horas de bluegrass{2} durante a
viagem — Logan gemeu.
— Ei — Alejo estalou do corredor. — Não despreze minha música. E são
dezenove horas até Snakebite. Também temos tempo para musicais.
— Melhor ainda.
Logan imaginou Snakebite: caminhões grandes, casas térreas, música
country vibrante trovejando de todas as direções. Ela tinha certeza de que sua
família iria aumentar a população queer em 300%. Seria como as centenas de
outras cidades pequenas que ela frequentou enquanto crescia. Até que ela
tivesse catorze anos, sua pequena família não tinha realmente “morado” em
lugar algum. Eles eram criaturas da estrada, montando acampamento em
cidade após cidade, enquanto Brandon e Alejo capturavam fantasmas e
canalizavam os mortos por pequenas mudanças. E enquanto Brandon e Alejo
vendiam seus serviços, Logan estava sozinha. De um quarto de motel para
outro, ela estava sempre sozinha.
Esse era o lance dos Ortiz-Woodleys. Mesmo depois que seus pais fizeram
sucesso com o ParaEspectadores, mesmo depois que eles compraram a casa em
L.A para terem “estabilidade”, mesmo depois que Logan se acostumou e foi
para uma escola pública pela primeira vez em sua vida, era como um
acampamento base estendido. Mesmo que Alejo e Brandon prometessem que
Snakebite era apenas temporário, fazer as malas e sair de L.A era um lembrete
de que isso nunca foi um lar.
Logan era esperta o suficiente para pensar que nada disso era permanente.
— Quando vocês acham que vão sair? — A voz abafada de Brandon
perguntou.
— Eu diria que estamos prontos — disse Alejo. Ele examinou o quarto
em busca de seu telefone, levantando uma sobrancelha para Logan quando o
viu na cama.
— É tarde demais para correr? — Logan cutucou sua mochila com a
lateral de sua bota. — Eu tenho barras de granola e água com gás aqui. Acho
que conseguiria no deserto.
— O deserto de West Hollywood? — Alejo pegou seu telefone do
colchão e se virou para a TV. — Deus, eu gostaria que você não assistisse a isso.

VOZ DE BRANDON: Com Alejo de fora, sou forçado a continuar


a investigação por conta própria. Eu uso o SonusX para
detectar qualquer voz fantasmagórica no porão.

BRANDON: Espírito, nós não estamos aqui para te machucar.


Por favor, não nos ataque. Não ataque o meu marido. Nós
estamos aqui para te ajudar a seguir em frente.
VOZ FANTASMAGÓRICA: Quem é você que me perturba?

BRANDON: Brandon Woodley.

[Brandon se ajoelha ao lado de Alejo, colocando a mão em seu


ombro.]

BRANDON: E o meu marido, Alejo Ortiz. Estamos aqui para…

— Ok, desligando — Logan disse. Ela pegou o controle remoto e


desligou a TV.
Em apenas algumas viagens, ela e Alejo levaram a última das malas para a
minivan na garagem. Alejo enfiou o telefone no bolso de trás da calça jeans, a
linha do cabelo de Brandon apenas visível em um canto da tela. No sol de
verão, o logotipo verde-limão do ParaEspectadores tatuado na lateral da van era
quase ofuscante.
Alejo fechou o porta-malas e deu um tapa no topo da van no estilo
clássico de pai.
— Tudo guardado. Logan, alguma última palavra para o seu pai antes de
cair na estrada?
Ele estendeu o telefone para ela e a tela se iluminou com expectativa.
Logan se inclinou para perto.
— Vejo você em dezenove horas.
Alejo pegou o telefone de volta e caminhou para o outro lado da van.
Silenciosamente, ele perguntou:
— Você encontrou mais alguma coisa?
— Ainda não — Brandon suspirou. — Tem uma coisa, ah... As pessoas
estão ficando nervosas. Eu estou ficando nervoso. O momento não é o ideal.
Logan estreitou os olhos.
Fora da van, Alejo assentiu. Ele sussurrou algo ininteligível no telefone,
então virou a tela para encarar Logan.
— Bem, como nossa filha extremamente eloquente disse, vejo você em
dezenove horas.
— Te amo — disse Brandon, embora não estivesse claro se ele se referia
aos dois ou apenas a Alejo.
— Também te amo — Alejo disse. Com um meio sorriso, ele encerrou a
ligação.
Logan vasculhou seu telefone e colocou na fila dezenove horas de seu
podcast favorito antes de cair no banco do passageiro. Alejo guardou o telefone
no bolso e sentou-se ao volante.
Uma vez que eles tinham se ajeitado, ele suspirou.
— Então, antes de partirmos, sinto que preciso esclarecer algo. Snakebite
não é como L.A. Eles são... Insulares{3} é uma boa palavra para isso. Quando
chegarmos lá, temos que lembrar que a família é a coisa mais importante.
Logan piscou.
— Está bem? Já estivemos em cidades pequenas antes.
— Sim, mas isso é um pouco diferente. Eu sei que as coisas nem sempre
são fáceis com você e seu pai, mas em Snakebite é muito importante que todos
nós tentemos nos dar bem.
Logan deu um aceno de mão desdenhoso.
— O que eles vão fazer, enviar uma multidão atrás de nós?
Alejo franziu a testa. Ele virou a ignição e deu ré com a van para fora da
garagem sem oferecer uma resposta. O céu nebuloso da manhã se abriu atrás
da casa, azul-esverdeado e brilhante como água doce. Logan jogou a cabeça
para trás contra o banco.
— Vai ser difícil, mas são apenas alguns meses — disse Alejo. —
Apenas... tente se divertir.
— Vou tentar o meu melhor.
Logan colocou os fones de ouvido e aumentou o volume o suficiente para
abafar o motor gaguejante da van. Alejo estava certo — Snakebite seria apenas
por alguns meses. Apenas mais um ponto no mapa. Como L.A, seria apenas
mais um acampamento base na estrada.
Mas desta vez foi diferente. Em alguns meses, ela completaria dezoito
anos e poderia ir para onde quisesse. Em poucos meses, ela poderia empacotar
todas as suas coisas e partir para encontrar um lugar que fosse real. Em algum
lugar que iria durar mais do que apenas “um tempo”. Um lar. Snakebite era
apenas mais uma parada na estrada, mas para ela, seria a última. Alejo virou a
van na esquina e os ângulos agudos da casa de L.A desapareceram. Logan
fechou os olhos.
Seria alguns meses, e então ela encontraria um lugar que poderia chamar
de lar.
2

Uma despedida viking

— Eu te agradeço por organizar isso, Ashley. É lindo. — A Sra. Granger


agarrou o pulso do marido e esfregou o delineador borrado com um lenço de
papel amassado. — Tristan teria adorado.
O sol estava alto sobre o Snakebite Memorial, formando sombras
irregulares na grama amarela. A coisa estranha sobre o cemitério, pensou
Ashley, era que ele realmente tinha a melhor vista da cidade. As colinas ao
redor de Snakebite eram escarpadas e disformes, sombreadas por nuvens
passageiras e dourados de aglomerados de terra seca e crisântemos amarelos. Na
base da colina, o Lago Owyhee azul-esverdeado encontrava a margem de
cascalho e serpenteava até onde ela podia ver. Não parecia justo que as únicas
pessoas com uma vista como essa fossem as que não pudessem apreciá-la.
Mas talvez você tivesse que morrer para ver o vale assim.
Tristan Granger não veria. Ele não tinha um corpo para enterrar.
— Espero que ajude — disse Ashley. Ela puxou seu cardigã preto
apertado em volta do peito para bloquear o vento. — Apenas pensei que se
Tristan soubesse que ainda estávamos procurando por ele, talvez voltasse para
casa.
A Sra. Granger assentiu.
— Espero que você esteja certa.
Um estande na frente da vigília segurava uma foto de Tristan para todos
verem. Era a foto dele favorita de Ashley dele — cabelo loiro cor de areia
despenteado, um moletom preto surrado e o mesmo short de basquete que ele
usava todos os dias desde o primeiro ano. Seu queixo descansava em suas mãos,
seu sorriso fácil e caloroso. A foto seria brega se fosse outra pessoa, mas nada
parecia brega em Tristan. Nunca.
Hoje marcava seis meses desde o desaparecimento de Tristan. Cinco
meses desde o encerramento do prazo de inscrição para a Universidade de
Oregon. Três meses desde que a polícia do condado de Owyhee parou de
procurar uma pessoa e começou a procurar um corpo. Um mês e meio desde
que Tristan perdeu sua formatura do ensino médio. Um mês desde que o
Xerife Paris chamou o desaparecimento de Tristan Granger de um caso
arquivado.
Hoje era o aniversário de quatro anos deles.
Ashley tentou não pensar nisso.
— Vocês dois eram tão bons. Eu sei que ele te amava — a Sra. Granger
disse. — Você tem o espírito da sua mãe, no entanto. Eu gostaria de ser tão
forte assim.
Ashley não disse nada e olhou através da vigília. Tammy Barton estava na
mesa de refrescos com um copo plástico de água com limão na mão,
conduzindo delicadamente várias conversas ao mesmo tempo. Não foi a
primeira vez que alguém comparou Ashley com sua mãe, mas toda vez ela era
lembrada de como a comparação era falsa. A expressão de Tammy era um
equilíbrio cuidadoso de calor e tristeza, sua postura convidativa e solene ao
mesmo tempo. Ashley desejou ter metade do equilíbrio de sua mãe.
Como se fosse uma deixa, Tammy se virou e encontrou seu olhar. Ela se
afastou dos refrescos e delicadamente colocou a mão no ombro de Ashley,
suavizando seu sorriso treinado em um pequeno e simpático para os pais de
Tristan.
— Greg, Susan, sinto muito por tudo isso. Vocês sabem que estamos
orando por vocês e sua família todos os dias.
— Tammy — a Sra. Granger disse. — Obrigada por tudo.
Por tudo, Susan Granger queria dizer dinheiro. O que quer que Tammy
Barton não pudesse fornecer em apoio emocional, ela compensou dez vezes em
apoio financeiro. Ao longo da última década, Barton Ranch assumiu quase
completamente o condado de Owyhee. A vigília, a comida, as decorações —
tudo estava na conta da mãe de Ashley. Tammy estendeu a mão e pegou a mão
da Sra. Granger.
— Nós éramos praticamente uma família. Gostaria que houvesse algo que
eu pudesse fazer.
— Não há nada que você possa fazer — disse o Sr. Granger. Seu olhar
mudou para o Xerife Paris, que estava sozinho na frente da vigília, olhando
silenciosamente para a foto de Tristan. — Há algo que ele poderia fazer,
entretanto.
— Frank está fazendo tudo o que pode com as provas que tem, Greg. —
Tammy colocou a mão em seu ombro. — As pessoas podem apontar o dedo o
quanto quiserem, mas ele tem que provar.
Ashley fez uma careta. Desde o desaparecimento de Tristan, ela teve essa
mesma conversa mil vezes. A vigília deveria ser um momento para pensar
apenas em Tristan, mas mesmo aqui, as pessoas só queriam falar sobre Brandon
Woodley. Até alguns meses atrás, Ashley nunca tinha ouvido falar do morador-
de-Snakebite-que-virou-um-caçador-de-fantasmas-da-tv, mas no momento em
que ele chegou na cidade, foi como se todos tivessem esquecido como respirar.
Como se todo mundo tivesse esquecido como falar sobre outra pessoa.
Algumas suspeitas faziam sentido. Brandon Woodley aparentemente
estava aqui para filmar um episódio de seu programa, mas ele se recusou a
contar a qualquer um que mistério estava investigando. Ele não trouxe
nenhuma câmera ou equipe. Até onde Ashley podia dizer, ele estava vagando
por Snakebite nos últimos seis meses sem intenção de sair. Isso pode não ser
estranho em outro lugar, mas Snakebite não era o tipo de cidade onde as
pessoas ficavam. Em Snakebite, você era passageiro ou permanente. As pessoas
que vinham para a cidade sempre iam embora, e as que saíam não voltavam.
Exceto Brandon Woodley. De acordo com sua mãe, Brandon se foi por
quase treze anos e ninguém pensou nele desde o dia em que partiu. Ele era
uma entidade desconhecida — um fantasma de uma versão de Snakebite que
existia antes de Ashley. Ashley ficou apreensiva só de pensar nele.
E então, uma semana após seu retorno, Tristan desapareceu.
— Vou pegar um pouco de água — disse Ashley.
— Cuidado, os limões não estão ótimos. Acho que eles podem estar
velhos — disse Tammy. Ela deu um único tapinha no ombro de Ashley.
Do outro lado da vigília, Fran Campos e Bug Gunderson conversavam
baixinho. Ashley foi na direção delas e parecia que finalmente estava chegando
à costa. Todo mundo estava empenhado em fazer mil perguntas a ela sobre
Tristan — Quando foi a última vez que você o viu? Ele disse para onde ia? Ele
já mencionou Brandon Woodley? —, mas Fran e Bug eram melhores que isso.
Elas eram suas melhores amigas e o único conforto que ela teve nos últimos seis
meses, como faróis gêmeos em uma noite que se recusava a terminar.
Fran avistou Ashley e a puxou para um abraço apertado, cachos cor de
mel balançando em seus ombros esbeltos. Bug pairava atrás delas com um copo
de limonada entre os dedos. Seu rosto cheio de sardas estava distante, sua
boquinha franzida, olhos fixos no lago.
— Diga a palavra e podemos ir embora — disse Fran. Ela colocou uma
mecha do cabelo de Ashley atrás da orelha. — Você não precisa ficar o tempo
todo.
— Eu meio que preciso. — Ashley esmagou um dente-de-leão sob a
ponta de sua sapatilha preta. — Pareceria estranho se eu saísse, já que planejei
isso.
— Sim, você planejou, então eles já estão te devendo uma.
Ashley gemeu.
— Eu não posso simplesmente…
Ela foi interrompida por uma porta de carro batendo na base da colina.
Uma minivan branca estava estacionada ao acaso, ao lado da estrada do vale,
com um pneu na estrada e o outro afundado no acostamento de cascalho.
Ashley não conseguia ler a escrita verde-limão na lateral da van, mas tinha
quase certeza de que envolvia o desenho de um fantasma. Um homem esguio
de pele marrom e cabelos escuros saiu do carro, esticando os braços para o céu.
Ele se inclinou pela janela do passageiro, murmurou algumas palavras e
caminhou até o terreno de terra fechado no final da estrada com um punhado
de lírios.
Ashley viveu em Snakebite toda a sua vida, mas ela nunca tinha visto
alguém visitar o Cemitério dos Pioneiros de propósito. Enquanto o Memorial
de Snakebite era uma colina ondulada de grama dourada e lápides bem
cuidadas, o Cemitério dos Pioneiros, na base da colina, não era nada além de
montes de terra cinzenta sobre corpos sem nomes. Era um Marco Histórico
Nacional{4}, uma dedicação àqueles que morreram no Oregon Trail{5} mais do
que qualquer outra coisa. Uma laje de pedra estava na frente do lote com uma
marcação de quem estava enterrado lá — Bebê Gunderson, Garota Mattison,
Garoto Anderson —, mas ninguém sabia quem eles eram. Qualquer um que
pertenceu a Snakebite foi enterrado no topo da colina, sob gramados flexíveis,
de frente para o vale aberto.
O homem sabia exatamente para onde estava indo, no entanto. Ele
passou pela lápide de pedra e se aproximou de um monte de terra um tanto
isolado do resto. Parou ali, olhos fechados em uma oração silenciosa, antes de
gentilmente colocar as flores sobre a terra.
As sepulturas eram apenas nomes sem memória, mas o homem lamentou.
Aquilo torceu-se no estômago de Ashley como um nó.
— Quem é? — Bug perguntou.
Ela não estava olhando para o túmulo ou os lírios ou o homem
misterioso. Ashley seguiu o olhar de Bug de volta para a van estacionada. Uma
garota havia saído do banco do passageiro e agora estava na estrada, encostada
na porta do carro para fechá-la. Ashley tentou dar uma olhada melhor, mas o
rosto da garota estava meio coberto por um par de óculos de sol grandes
demais. Seu cabelo era um corte reto na altura dos ombros com o brilho preto
de penas de corvo. Mesmo à distância, refletia a tênue luz do sol.
— Isso é tão rude — disse Fran. Ela cruzou os braços sobre o peito. —
Não é realmente o momento ideal para uma parada.
— Não acho que seja uma parada — disse Ashley. Ela observou o homem
no túmulo. Sua postura era solene; era mágoa. — Talvez ele conheça alguém
enterrado lá?
— Quem?
Ashley deu de ombros.
— Não sei.
— É como se eles nem percebessem que há um funeral aqui — disse
Fran.
Ashley rangeu os dentes na palavra funeral.
Ao redor delas, havia silêncio. O som da multidão se misturando foi
substituído pelo silvo abafado do vento. O resto da vigília parou de falar e se
juntou a elas na beira do cemitério, olhando pela encosta da colina para os
recém-chegados com um estranho tipo de conhecimento. Foi como a chegada
de Brandon Woodley novamente. O silêncio foi apontado como uma arma.
Esses estranhos não eram estranhos.
Eles eram inimigos.
A garota na estrada notou a multidão. Ela enrijeceu e olhou para a
encosta, congelada por um momento como um animal que acabou de perceber
que estava em exibição. Ela disse algo ao homem no túmulo, então
rapidamente entrou de volta na van.
O homem virou e olhou para o morro, mas não se incomodou. Ele olhou
para a multidão como se fosse um desafio. Como se ele desafiasse alguém a
dizer alguma coisa. O rosto do homem era familiar. Ashley tinha certeza de que
já o tinha visto antes.
Ele permaneceu no cemitério por mais alguns minutos antes de voltar
silenciosamente para a van. Os estranhos se afastaram do acostamento da
rodovia e foram para o sul, em direção à própria Snakebite.
— Bem, aí está um rosto que eu não esperava ver.
O Xerife Paris estava ao lado de Ashley, mas não estava falando com ela.
Seu sorriso receoso foi direcionado para sua mãe.
Tammy franziu os lábios.
— Sim.
— Quem era aquele? — perguntou Ashley.
Paris e sua mãe se entreolharam. Depois de um momento, sua mãe
balançou a cabeça.
— Falaremos sobre isso mais tarde.
Sussurros explodiram ao redor deles e Ashley se sentiu mal. Estava tudo
errado; a vigília deveria ser sobre Tristan. Era para ser uma maneira de trazê-lo
para casa. Mesmo que todos aqui pensassem que ele estava morto, Ashley sabia
que ele não estava. Ela ainda podia senti-lo aqui, como se houvesse uma linha
os conectando. Onde quer que ele estivesse, só precisava de alguém para
encontrá-lo. Ele só precisava de alguém para trazê-lo para casa.
— Sra. Granger — Ashley disse, afiada o suficiente para cortar a
multidão. — Sei que a senhora pediu a todos que trouxessem uma lembrança
de Tristan. Acho que devemos compartilhar agora.
Por um momento, todos os olhos se voltaram para ela. A manhã cheirava
a terra e dor, e o interior da boca de Ashley estava inchado por conta de
lágrimas não derramadas. A multidão lentamente se reuniu em torno da foto
de Tristan. Trêmula, Ashley tirou um cartão do bolso do vestido.
Antes que ela pudesse falar, o Xerife Paris deu um pigarro.
— Ashley — disse ele —, espero que você não se importe se eu começar.
Ashley piscou.
— Certo. Isso não é exatamente uma memória, mas uma promessa. Eu
sei que somos uma cidade bem pequena e quando algo acontece com um,
acontece com todos nós. E eu sei que é fácil para nós apontar o dedo para
pessoas que são diferentes. — O Xerife Paris limpou a garganta. Seu cabelo
loiro estava brilhante e liso no sol de verão, olhos claros e azuis como o céu
atrás dele. — Eu amo Tristan como se ele fosse meu próprio filho. Mesmo que
tenhamos oficialmente encerrado o caso, ainda não terminei de procurar. Não
vou parar até encontrá-lo vivo. Eu não vou parar até que ele esteja em casa.
Ashley pegou a mão de sua mãe. Na frente dela, o Sr. e a Sra. Granger
assentiram solenemente. Eles tiveram seus problemas com a investigação, mas o
Xerife Paris estava certo. Ele não poderia prender alguém por suspeita sozinho
e, mesmo que pudesse, prender Brandon Woodley não resolveria o
desaparecimento de Tristan. Ninguém queria encontrar um assassino —
ninguém queria Tristan morto. Ashley só queria Tristan em casa.
Paris franziu a testa com os lábios apertados e um aceno conciso, depois
fez um sinal para Ashley.
— Sua vez.
Ashley respirou fundo. A multidão de pessoas no cemitério se virou para
encará-la. Ashley ergueu trêmula seus cartões de anotações e os estudou. Ela
praticou seu discurso a noite toda na frente do espelho do quarto, mas com
dezenas de olhos fixos nela, as palavras de repente pareciam distantes.
Isso não era para a multidão. Era para Tristan.
— Espero que vocês não se importem se eu, ah... se eu disser algo para
ele. — Ashley olhou para cima e pegou sua mãe acenando para ela. Ela limpou
a garganta. — Tristan, quando estávamos na segunda série, você me pediu em
casamento. Você me levou para o campo atrás da pista e fez um anel de grama
morta. Eu recusei você porque éramos muito jovens e porque eu disse que se eu
ia me casar com você, tinha que ser de verdade.
A multidão riu baixinho com isso. O vento frio do lago roçou o rabo de
cavalo de Ashley em suas costas. Ela olhou para as palavras em seu cartão até se
embaralharem e ela teve que juntar os pedaços da memória.
É
— Você não desistiu. É assim que você é, você vê como as coisas
deveriam ser e as faz acontecer. Você me pediu para casar com você novamente
na terceira, quarta, quinta série. Na oitava série, você se comprometeu. Você
disse que podíamos ir juntos ao baile de primavera. Eu teria dito sim para você
na época, mas minha mãe disse que eu era muito jovem para namorar.
Tammy Barton timidamente levantou a mão e tomou um longo gole de
água com limão.
— Não importava para nós. Não precisávamos estar em um encontro de
verdade. Fui ao baile com a minha melhor amiga e tive a melhor noite da
minha vida. No primeiro ano do ensino médio, você me convidou para jantar.
Sem casamento, sem danças, apenas x-burguers e milkshakes. Me sentei
naquela cabine de frente para você e rimos por horas. Você e eu éramos apenas
duas pessoas que já compartilhavam tudo. Foi a coisa mais fácil que já fizemos.
Lágrimas ardiam nos cantos de seus olhos. Não era uma lembrança, era
uma dor. As memórias eram Tristan, mas mais do que isso, as memórias eram
tudo o que ela era. A Sra. Granger pressionou o rosto no ombro do marido. O
Xerife Paris segurou o chapéu contra o peito e olhou para ela, o rosto duro de
dor. Fran e Bug a olharam, enxugando os rostos.
Ashley fechou os olhos.
— Algumas pessoas podem pensar que você nunca vai voltar, mas o
Tristan Granger que eu conheço nunca desistiria. Snakebite é o nosso lar. É
aqui que você e eu começamos e é onde vamos terminar. Então, Tristan, onde
quer que você esteja, por favor, volte para casa.
3

O hotel do assassinato

Em uma reviravolta triste, mas não surpreendente, Alejo estacionou a minivan


do lado de fora de um motel decadente. O sol brilhou através do para-brisa
dianteiro quando o motor da van finalmente adormeceu.
— Uau — Logan gemeu. — O motel parece ótimo. Me sinto como uma
criança novamente.
— Você é uma criança. — Alejo a encarou. — Seu pai está esperando lá
fora. Por favor, sorria quando o vir.
Logan se virou em seu assento. Brandon Woodley, seu segundo e menos
eficiente pai, esperava por eles no centro do estacionamento do motel, com as
mãos enfiadas nos bolsos enquanto caminhava pela calçada branqueada pelo
sol.
Uma placa alta e enferrujada no estacionamento dizia MOTEL BATES. O
nome era promissor, embora o motel não fosse assustador o suficiente do lado
de fora. A marquise no prédio de escritórios em ruínas cintilou a palavra HÁ
VAGAS; o NÃO parecia nunca ter sido aceso. Uma barraca de pizza abandonada
estava vazia no centro do estacionamento com a janela permanentemente
fechada com tábuas. O quadro de avisos dizia apenas: BEM-VINDO AOS BATES.
VENHA COMER UM PEDAÇO.
— Minha família — Brandon falou, caminhando em direção à minivan
como se tivesse passado os últimos seis meses no mar. — Juntos finalmente.
Alejo pulou do banco da frente e encontrou Brandon no meio do
estacionamento, puxando-o para um abraço tão apertado que Logan ficou
surpresa que não o partiu ao meio. Ela bateu a cabeça contra o banco do
passageiro e fechou os olhos. Talvez estivesse sendo dramática demais. Se
estava, era porque tinha aprendido com os melhores. Brandon e Alejo olharam
nos rostos um do outro como se não se vissem há anos, não importava o fato
de terem feito chamadas de vídeo pelo FaceTime todas as noites em que
estavam separados.
Era como se eles estivessem de volta à TV; a reunião era um solo de
violino digno de um Oscar.
Logan pausou seu podcast e saiu da van. O sol estava mais quente em
Snakebite do que em L.A. Parecia mais perto, como se estivesse apenas alguns
metros acima. Logan deu um tapinha em sua nuca com a manga para absorver
o suor. Era o tipo de clima que normalmente pedia um mergulho na piscina,
mas Logan duvidava que ela encontrasse uma aqui. O Bates dificilmente
parecia o tipo de motel que tinha comodidades.
— Espero que haja sangue no chuveiro — disse Logan. — Eles não
podem simplesmente desperdiçar um nome como esse.
Brandon olhou por cima do ombro de Alejo e sorriu vacilante para
Logan. Surpreendentemente, ele parecia melhor do que pelo FaceTime no dia
anterior. Mais acordado. Sua barba castanho-escuro tinha perdido o costumeiro
pelo grisalho e suas bochechas estavam mais cheias. Ele torceu o nariz e
colocou a mão sobre a testa para bloquear o sol.
Logan não o via tão vivo há anos.
Era inquietante.
Brandon contornou Alejo e ficou na frente de Logan sem oferecer um
abraço. Sua camisa folgada era estampada com palmeiras e abacaxis que
brilhavam ao sol do verão. Ele limpou a garganta.
— Como tem sido no Sul?
— Chato — disse Logan. — É aqui que estamos morando? Achei que o
Oregon deveria ser verde.
— Ah, sim. Esta parte do Oregon é mais como... bem, é meio que uma
coisa independente. — Brandon apontou para um par de portas no canto
interno da forma em L do motel. — Somos quartos sete e oito. As suítes de
luxo.
— De luxo… — Logan murmurou. Ela tirou os óculos escuros e os
limpou com a bainha da camisa. A parte externa do motel estava pintada de
branco, nublada com manchas marrons de ferrugem. O estacionamento era
meio cascalho e meio asfalto, cheio de buracos e bitucas de cigarros usados.
Este não era o tipo de lugar que as pessoas procuravam, Logan supôs. Era mais
o tipo de lugar onde as pessoas aterrissavam quando não conseguiam avançar
mais na estrada. Ela ficou em centenas desses lugares ao longo dos anos. Em
um certo ponto, todos eles pareciam como um só.
— Eu tenho o meu próprio quarto, não é?
— Não sei — disse Brandon. — Eu pensei que a ideia de nós três
dividindo um quarto parecia divertida. Como uma festa do pijama
ininterrupta.
Logan o encarou.
— Ele está brincando — Alejo interrompeu. Ele se juntou ao triângulo e
colocou um braço sobre os ombros de Logan, rindo com a risada tensa de um
homem que acabou de evitar um banho de sangue. — Tire a garota da cidade e
ela de repente esquece o que são piadas.
Logan ofereceu um meio sorriso. Ela desejou que Alejo nem sempre
tivesse que traduzir para eles. Falar com Brandon deveria ser mais fácil do que
isso. Antes de se sentarem com ela para terem a conversa sobre você é adotada,
ela apenas presumiu que Alejo era seu pai biológico. Eles tinham o mesmo
cabelo escuro, o mesmo senso de humor afiado, a mesma frieza. Alejo sempre
se certificou de que, não importa onde eles estivessem, Logan se sentisse
desejada. Mesmo que ela estivesse sozinha.
Mas onde quer que fossem — Flagstaff, Shreveport, Tulsa — ela era uma
reflexão tardia. Para Brandon, ela tinha certeza de que era outro fantasma que
permanecia fora de vista.
Uma mulher idosa emergiu do prédio de escritórios do motel, apoiada
em uma bengala de madeira com nós. Quando seus olhos se fixaram nos de
Alejo, ela derreteu.
— Chacho{6}, é melhor você vir aqui.
— ¡Ay, Viejita! Hermosa como siempre{7} — gritou Alejo. Ele saltou pelo
estacionamento e deu um beijo nas duas bochechas da mulher.
— Mentiroso — disse a mulher. — ¿Que pasó, Chacho?{8}
Logan sorriu, mas era forçado. Alejo aprendeu espanhol com tanta
facilidade, mas nunca foi natural para ela. Alejo tentou ensiná-la enquanto
crescia, mas graças ao programa, ele mal teve tempo suficiente para praticar
com ela. Sempre estava enrolado para ela. Ela mudou desajeitadamente o peso
de um pé para o outro, de repente livre da conversa e de Alejo. Ao lado dela,
Brandon estava totalmente desligado. Seu olhar estava a quilômetros de
distância.
— E esta é a Logan — disse a mulher. Era uma afirmação, não uma
pergunta. Ela soltou Alejo e foi até Logan, plantando um beijo firme em sua
bochecha. Seu longo rabo de cavalo era cinza escuro com mechas prateadas. Ela
usava uma camiseta que dizia ESTA CIDADE MORDE DE VOLTA{9}. — Vi todas as
fotos do Facebook, mas ela é ainda mais bonita pessoalmente.
Alejo sorriu.
— Logan, esta é Gracia Carrillo. Ela é mi tía.
— Seu pai morou aqui quando era pequeno — disse Gracia, apontando
para Alejo. — Nós dissemos a ele para voltar e visitar sempre. Eu não achei que
ele iria esperar até que fosse um velho.
Alejo soltou um som de escárnio.
Logan colocou seu melhor sorriso de prazer-em-te-conhecer e retribuiu o
abraço de Gracia.
— Muito obrigada por nos deixar ficar aqui. É lindo.
— Uma mentirosa, também. — Gracia riu. — Venha comigo. Vou lhe
mostrar seu quarto.
Enquanto Brandon e Alejo começaram a descarregar as malas da van,
Gracia levou Logan para o quarto número 7. A porta enroscou no batente,
derrubando lascas de tinta branca na calçada. No interior, era um quarto de
motel padrão — papel de parede horrivelmente estampado, combinando com
camas queen-size, um frigobar, uma TV montada na parede comprida. Uma
porta ligava seu quarto ao de Brandon e Alejo. Não era uma característica que
ela estava particularmente entusiasmada, mas o quarto era ok.
— Lar doce lar — disse Gracia. Ela deu um tapa forte na mesa de café da
manhã. — Você não odeia tanto, não é?
— É perfeito — Logan mentiu. — Tenho permissão para fazer
alterações?
Logan não tinha certeza de quanto tempo eles planejavam ficar em
Snakebite. Ela precisava de um daqueles caras de reforma da TV — aqueles
que seus pais chamavam de “ruína dos realities shows" — para dar vida à sua
estética.
— É claro.
Silenciosamente, Gracia entrou e fechou a porta do quarto. Ela espiou
Brandon e Alejo pelas cortinas, que estavam apenas na metade do processo de
descarregamento, então se virou para Logan.
— Estou tão feliz que você e seu pai finalmente estão aqui. Feliz por
vocês três estarem juntos novamente. Acho que Brandon tem estado muito...
solitário.
Logan arqueou uma sobrancelha.
— Ele vagueia por aqui o dia todo. Sempre sai à noite. Eu fico sentada o
tempo todo e me pergunto o que ele está fazendo. As pessoas me perguntam o
que o fez voltar aqui. Eu digo a elas que não sei.
— Produção de locação. — Logan inspecionou seus leitos ungueais. —
Para o programa.
— Aham. Isso é o que ele me disse. Achei que você pudesse saber de
outra coisa. — Gracia sorriu, calorosa e brilhante. — Isso não importa, de
qualquer maneira. As pessoas podem não estar felizes em ver vocês três aqui,
mas eu...
Logan apertou os olhos.
— O que você quer dizer com elas não estão felizes?
Ela pensou na multidão no funeral, reunida como corvos na beira da
colina, silenciosamente olhando para ela. Foi tão estranho que ela quase pensou
que tinha imaginado. Eles a olharam como se ela estivesse invadindo. Como se
ela tivesse tropeçado em sua cidade do espaço sideral.
Gracia acenou com a mão.
— Eu tenho desejado que seu pai voltasse para casa desde o dia em que
ele partiu.
Pai. Singular.
Talvez Brandon também fosse um mistério para Gracia. Se ela esperava
obter informações privilegiadas, escolheu a fonte errada. Logan tinha passado
anos tentando arrancar alguma verdade de Brandon. Gracia não foi a única que
achou mais fácil falar com Alejo.
— Posso te perguntar uma coisa? — perguntou Logan. — Vi um funeral
a caminho da cidade.
É
— Ah. — A voz de Gracia era afiada. — É a homenagem deles para o
menino Granger.
Logan se animou. Quando ela perguntou a Alejo o que exatamente eles
estavam investigando em Snakebite, suas respostas foram vagas na melhor das
hipóteses. As coisas de sempre — colheitas mortas, pontos frios, barulhos
estranhos. Um garoto morto era o tipo de coisa assustadora de cidade pequena
que ele deveria ter mencionado. Ela se inclinou para frente e apoiou o queixo
no punho.
— Como ele morreu?
— Ele não está morto, apenas desaparecido — esclareceu Gracia. —
Provavelmente fugiu. Qualquer um que você perguntar por aqui vai dizer que
ele era um bom menino. Eles não acham que ele iria fugir assim. O grupo com
o qual ele andava, porém... eles não são bons garotos. São todos podres.
Logan ficou em silêncio.
— Espero que ele esteja vivo — continuou Gracia —, mas uma parte de
mim espera que não o encontrem. Se eles finalmente perderem uma dessas
crianças, talvez parem de agir com o nariz tão empinado.
Logan piscou. A expressão de Gracia não era mais calorosa, mas Logan
não conseguia descobrir o que era. A maneira como as pessoas na vigília
olharam para ela como se estivesse chegando em um OVNI, e agora essa
estranha e sussurrada briga sanguinária. Algo estava errado aqui, e não da
maneira usual de cidade pequena.
Do lado de fora, Logan podia apenas distinguir as vozes de seus pais.
— Você quer meu conselho? Maneire nas piadas.
— Você sempre brinca com ela. Por que não posso?
Logan se afastou de Gracia e espiou pela janela através das persianas.
Alejo puxou uma mala do banco de trás da minivan e a jogou na pilha do
estacionamento. Brandon estava ao lado dele, mexendo no trinco de uma de
suas malas. Sua expressão era difícil de analisar — talvez vergonha, talvez
desconforto. Ele parecia mais deslocado do que o normal, como se o sol, as
colinas e o céu aberto de alguma forma discordassem dele.
Alejo fez uma pausa e enxugou o suor da testa.
— Agora somos só nós três. Apenas família. Tudo vai ficar bem.
— Você sabe que eu nunca fui bom nisso.
— Em quê?
— Ficar bem.
Alejo riu, curto e tenso.
Gracia ficou atrás de Logan e colocou a mão em seu ombro, sobrancelha
cinza-prata franzida enquanto observava Brandon desfazer as malas. Ela o
observou como a multidão na vigília os observou. Como se ela quisesse
desmontá-lo apenas para estudar suas partes.
Alejo as viu através das cortinas e revirou os olhos.
— O que foi que você disse em casa? Se você vai ficar aí parada, pode
pelo menos ajudar?
— Estamos apenas nos recuperando, Chacho — disse Gracia alto o
suficiente para Alejo ouvir. Ela deu um único aperto no ombro de Logan e,
mais calma, disse: — Vá ajudar seus pais. E se você precisar conversar, lembre-
se que estou no quarto dois.
Logan engoliu em seco e assentiu. Gracia saiu do quarto do motel e
Logan ficou sozinha com nada além do ar condicionado engasgando e o
silêncio. Assim como em qualquer outro motel na estrada, ela se acostumaria
com essas paredes. Ela se acostumaria com o silêncio, com o calor absurdo,
com a solidão. Mas havia algo diferente em Snakebite. Ela passou anos se
desligando dos “mistérios” de Brandon e Alejo, mas algo sobre este a atraiu. Ele
implorou para ela cavar mais fundo.
Não importava. Mesmo que houvesse algo diferente nesta cidade — algo
errado — era por apenas alguns meses. Ela passou anos suportando lugares
como este.
Isto não era um lar. Era apenas mais um lugar, e ela sobreviveria.
4

Para o abismo selvagem

Ashley Barton já havia perdido pessoas antes.


Quando Tristan desapareceu, todos de Snakebite pensaram que eram
detetives. Todos podiam jurar que tinham acabado de o ver; a Sra. Alberts da
sala de aula o viu no lago, Debbie, que tomava conta da lavanderia, disse que
Tristan recolheu a roupa de cama de sua mãe naquela tarde. Jared, do posto de
gasolina, passou por Tristan jogando bola com seu irmão mais novo. Todos os
quarenta e três alunos do Colégio Owyhee County juntaram-se aos grupos de
busca. Encontrar Tristan parecia inevitável para Ashley no início — havia
apenas alguns lugares que um garoto de Snakebite poderia ir. Até um mês atrás,
os grupos de buscas estavam fortes. Mas quando o Xerife Paris arquivou o caso,
os grupos começaram a diminuir. Agora, uma semana após a vigília, sem novas
pistas, Ashley duvidava que pudesse continuar assim por muito mais tempo.
Logo, ela seria a única procurando. Ela tentou reprimir o desespero em seu
peito.
Ashley chegou ao estacionamento do lado de fora do acampamento do
lago Owyhee às cinco e meia da manhã, armada com uma caneca de viagem de
chá de hibisco e seus melhores sapatos de caminhada. O sol estava a minutos
de romper o horizonte, aquecendo o céu escuro com um brilho rosa nebuloso.
O xerife Paris estava no centro do estacionamento com um mapa do lago
Owyhee aberto sobre o capô de sua viatura policial.
— Bom dia — Ashley disse, abafando um bocejo. — Talvez seja só eu
hoje.
Paris balançou a cabeça.
— John estava escovando os dentes quando saí de casa. Ele estará aqui
com o resto do seu bando a qualquer minuto.
Ashley tomou um longo gole de chá. Uma névoa cinzenta pairava sobre a
água, obscurecendo a floresta do outro lado do lago. Eles vasculharam a área ao
redor da cidade três vezes, mas o outro lado do lago estava intocado. Um pavor
estranho e enjoativo se agitou em seu peito quando ela olhou para as árvores do
outro lado da costa. Ela tinha certeza de que algo estava lá. A observava,
sombrio, faminto e esperando. Algumas manhãs, ela ouvia um zumbido baixo
que parecia ecoar por Snakebite. Bug e Fran juraram que não ouviam, mas
mesmo agora, se Ashley fechasse os olhos, estava lá.
Ela focou em Paris.
— A vigília pareceu mais um funeral. — Ashley torceu o final de seu rabo
de cavalo entre seus dedos. — Eu estava preocupada de que as pessoas
parassem de aparecer nas buscas.
— Você sente que ele se foi? — Paris perguntou.
Ashley apertou os lábios. Ela não conseguia explicar o que sentia. Em
alguns dias, era como se a memória dele a seguisse até sumir de vista. Ela
pensou que fosse tristeza — conversas onde ela jurou que o ouviu responder, o
leve cheiro de combustível logo antes de adormecer, a constante expectativa de
que ela o veria parado no quintal, cortando a grama quando ela passasse por
sua casa. Ela se sentiu triste quando sua avó morreu, quando sacrificaram seu
primeiro gato, quando seu pai foi embora quando ela estava na primeira série e
nunca voltou. Isso era diferente. Ela nunca sentiu esse tipo de saudade antes.
Era como se Tristan estivesse em pé do seu lado. Ela pensou nele e uma tristeza
a encheu, mais profunda e mais fria do que qualquer outra que já sentiu. Era
uma tristeza que respirava. Não acabava.
— Não — Ashley disse.
— É isso que quero ouvir. — Xerife Paris checou seu celular. — Outras
pessoas podem desistir, mas vocês, jovens, ainda se importam com ele. É isso
que vai ajudar a encontrá-lo. E enquanto eu tiver minhas manhãs livres, estarei
aqui também.
— Valeu.
Na estrada, um motor rugiu. John Paris parou no estacionamento do
acampamento com Fran, Bug e seu melhor amigo Paul omas, agachados na
caçamba de sua caminhonete. Como de costume, os cinco se reuniram em
torno do mapa do Xerife Paris para um resumo do terreno que estariam
procurando e, como de costume, eles se dividiram em dois grupos para cobrir
mais terreno. Por semanas, era John e Paul em um grupo e as três meninas em
outro.
Desta vez, Fran imediatamente agarrou o braço de John.
— Sinto que devemos nos misturar. Ver se pensamos algo novo.
Não houve discussão com Fran, então Ashley e Bug caminharam sozinhas
pelas colinas além do acampamento. Uma vez que elas estavam longe o
suficiente na encosta íngreme da colina mais próxima, Bug soltou um suspiro
como se estivesse prendendo a respiração desde que chegou. Se sentou em uma
pedra e amarrou o cabelo em um rabo de cavalo vermelho espesso.
— Ela está estranha, né?
— A Fran? — Ashley perguntou.
Bug assentiu. Ashley colocou a mão em forma de concha sobre a testa e
olhou para a próxima colina. Fran e John andavam lado a lado, empurrando-se
de brincadeira para frente e para trás, enquanto Paul os seguia. Eles não
estavam procurando por Tristan; eles não estavam procurando por nada além
de uma maneira de se livrar da vela entre eles.
— Ela gosta dele — disse Ashley. — Tanto faz. Eu gostaria que ela não
usasse as buscas para flertar.
— Você poderia dizer algo.
— Você também.
Bug correu o calcanhar por um pedaço solto de cascalho.
— Mas você é melhor nisso. Ela provavelmente te ouviria.
— Ela ouviria você também.
— Ela nunca me ouve — Bug resmungou.
Ashley apertou seu rabo de cavalo.
— Falarei com ela depois. Talvez.
As duas sabiam que ela não diria algo. Ashley era amiga de Bug desde que
ela usava fraldas e de Fran desde que os Camposes mudaram-se para Snakebite
na primeira série. Não havia muitas outras crianças da idade dela na cidade, o
que significava que conhecer todo mundo era um padrão. Mas assim que Fran
chegou à cidade, seu trio era muito mais do que amigas por padrão. Elas eram
uma besta de três cabeças. Não havia Ashley sem Fran e Bug. Cada festa na
cabana do outro lado do lago, cada viagem de verão, cada jantar gorduroso no
Moontide — não era Snakebite sem Bug e Fran ao seu lado. Não era lar.
Agora, as coisas estavam mudando. Não era apenas Tristan. Fran estava se
afastando, pendurada ao lado de John Paris, encontrando maneiras de ficar a
sós com ele. O que deixou Bug com ciúmes de John, de Fran, ou de alguma
combinação dos dois. Ashley tinha certeza de que havia um pedaço de Bug que
queria fundir todas juntas e parar o barco antes que ele naufragasse, mas não
era tão fácil. A faculdade estava no horizonte para Fran, e o rancho estava no
horizonte para Ashley. Bug ainda tinha mais dois anos de ensino médio, e ela
estava indo enfrentá-los sozinha. Silenciosamente, as três estavam se separando.
Não era culpa de ninguém. Era apenas o momento. Talvez isso fosse pior.
Ashley olhou por cima das colinas para Fran e John. Eles se separaram
com sucesso de Paul, escondidos atrás de um zimbro solitário, aparentemente
com a impressão de que ninguém poderia vê-los. A luz do sol da manhã os
iluminava e Ashley sentiu uma pontada de saudade em seu estômago. Ela e
Tristan haviam roubado momentos como este antes, fora da vista das pessoas.
Quando ela fechava os olhos, ainda podia ouvir o som rouco de suas risadas
ofegantes.
Quando abriu os olhos, algo estava diferente. Havia uma terceira sombra
com John e Fran. Ashley estreitou os olhos. Era outro rosto, espremido entre
eles, olhando através das colinas. Olhando para Ashley.
O mundo estava calmo demais, quieto demais, silencioso demais.
Uma voz ecoou em seu ouvido.
— Eu estou…
— Ashley — disse Bug.
O mundo voltou ao foco. Ashley piscou e a sombra entre John e Fran
sumiu. A manhã estava tão vasta e brilhante como sempre. O coração de
Ashley disparou, seus pulmões ansiando por ar. Era apenas sua imaginação,
mas por um momento ela teve certeza de que a sombra tinha a forma de
Tristan.
— Desculpa — disse Ashley, esfregando os olhos. — Eu viajei por um
segundo. Eu… acho que estou apenas cansada.
Bug franziu a testa simpaticamente.
— Tenho um pouco de melatonina da minha mãe se você quiser tentar.
— Estou bem — Ashley disse. — Obrigada mesmo assim.
A manhã passou, mas elas não encontraram nada. Ashley e Bug
vasculharam a área designada, revirando cada pedra, vasculhando cada arbusto,
verificando cada ravina empoeirada, mas Ashley sabia, mesmo sem procurar,
que Tristan não estava naquelas colinas. Ela conhecia o som de seu batimento
cardíaco, o padrão de seus passos, o pequeno silêncio de sua respiração quando
ele estava prestes a falar. Se ele estivesse tão perto assim, ela o sentiria.
Ele estava fora de seu alcance, mas ainda estava lá.
Ele ainda existia.
Ele ainda não tinha partido.
5

Engula a tristeza

Uma batida soou na porta entre o quarto de Logan e o de seus pais.


Ela converteu com sucesso sua cama em um casulo de edredom, cercada
por uma variedade de seus lanches favoritos para depressão. A maioria das
dificuldades exigia apenas um: para o constrangimento eram batatas fritas
mergulhadas em suco de picles, a raiva era sorvete de baunilha regado com
molho de soja e a solidão eram bananas cobertas de Cheez Whiz{10}.
Mas esta noite foi um verdadeiro fundo do poço. Esta noite exigiu todos
os três.
— Entre — Logan resmungou.
Ela minimizou sua guia de ideias de viagens pelos EUA e desligou a TV.
Eles entraram na sala — Alejo com Brandon em seus calcanhares — para
avaliar os danos. O quarto do motel estava abafado e quente com o cheiro de
mofo e suor.
— A santíssima trindade de uma vez, hein? — Alejo sussurrou, olhando
para o bufê de lanches. Ele se sentou no colchão dela e colocou uma fatia de
banana Cheez Whiz na boca. Instantaneamente, seu nariz enrugou e ele se
forçou a engolir. — Os jovens de hoje não têm padrões.
— Eu tenho padrões — disse Logan.
— Nós ouvimos Judy{11} através das paredes — disse Alejo. — Reprises de
Judy. E não me diga que o enredo te prendeu. Você e eu já assistimos a todos
os episódios.
Logan caiu de costas contra seu travesseiro e o cheiro sufocante de poeira
nublou ao redor dela.
— Estamos no meio do nada com um bando de usuários de chapéus de
MAGA{12}. Todo mundo é assustador e estranho e eu não quero sair do meu
quarto. Mas também meu quarto é uma porcaria. Eu vou literalmente morrer.
Ela estava em Snakebite há apenas uma semana e já se sentia como se
estivesse no vácuo do espaço. Nada havia para fazer aqui. As paredes de seu
quarto estavam muito próximas. Seu colchão era muito duro. O céu noturno
do lado de fora de seu quarto era muito grande e ela tinha certeza de que cairia
nele se não tomasse cuidado. Ela ia sufocar aqui sem pessoas para conversar. A
cidade mais próxima ficava a horas de distância e era provavelmente tão ruim
quanto. Ela estava a quilômetros de ajuda, e esta noite Logan sentiu cada
quilômetro como dedos se fechando ao redor de sua garganta.
— Eu te disse que ia ser difícil — disse Alejo. Ele afastou uma mecha do
cabelo de Logan do rosto dela.
— Por que estamos aqui? — perguntou Logan.
Alejo e Brandon olharam um para o outro com as sobrancelhas
igualmente franzidas. Era um tipo de comunicação telepática que Logan nunca
teve acesso, mesmo em L.A. Mesmo amontoados neste pequeno motel juntos,
ela estava presa do lado de fora. Eles não queriam excluí-la, mas, ainda assim,
aqui estava ela.
— Estamos aqui para ajudar as pessoas — Alejo explicou.
— Achei que estávamos aqui para o programa.
— Estamos — Alejo disse. — E o programa ajudará as pessoas.
— Como?
Brandon ajustou os óculos.
— Eu sei que você pode não acreditar no que fazemos, mas há coisas
erradas com esta cidade. Você consegue sentir, certo? Mesmo quando seu pai e
eu éramos crianças, as coisas estavam erradas. Agora estamos aqui para
desvendar isso.
— É sobre o garoto desaparecido?
— Não sei.
— Sem querer ofender — disse Logan —, mas vocês nunca resolvem
nada.
Brandon fez uma careta.
— Agora é diferente, é pessoal.
— Isso parece tão medonho.
É
— Não é medonho — Alejo riu. — É mais como se você crescesse em
um lugar e achasse normal porque é tudo o que você conhece. Nós nunca
planejamos voltar, mas com tudo o que aprendemos desde que partimos,
pensamos que poderíamos fazer algo de bom aqui. Será como dizer um adeus
de verdade, de qualquer maneira.
— Certo — Logan disse. Alejo apertou sua mão.
— Isso é tudo, eu prometo.
Atrás de Alejo, Brandon olhou para suas mãos.
— Gostaria que tivesse me deixado em L.A — Logan disse.
Alejo puxou Logan para um abraço.
— Eu sei que é chato. Não podemos ir embora, mas seu pai e eu faremos
o que pudermos para melhorar.
Logan se enterrou mais fundo em seu edredom. O papel de parede floral
estampado, as mesas de madeira dos anos 70, o teto hachurado lascado, as
lâmpadas fluorescentes vibrantes — isso a deixaria louca. Ela colocou o braço
sobre a testa dramaticamente.
— Preciso de arte ou algo do tipo. Fios de luz. Travesseiros novos.
Alejo olhou para Brandon e assentiu.
— Decorações. Nós podemos fazer isso.
Ele se deitou contra os travesseiros ao lado de Logan. Na ponta da cama,
Brandon se endireitou. Ele os olhou melancolicamente e Logan pensou que ele
parecia tão solitário que doeu. Ele se inclinou por um momento como se
quisesse se deitar ao lado deles, mas não conseguiu. Sempre foi assim. Ele
estava sempre simultaneamente aqui e a mil quilômetros de distância. Ela o
tinha visto fazer essa cara mais vezes do que podia contar, e parecia assim todas
às vezes.
— Ei — Alejo sussurrou. Ele pegou a mão de Brandon.
Brandon se levantou e ofereceu um sorriso de dor.
— Está ficando tarde. Já vou me deitar. Vocês são mais corujas noturnas
que eu.
Alejo não disse nada. A porta entre os quartos se fechou atrás de
Brandon, e os dois ficaram em um silêncio inquieto. Logan limpou a garganta.
Não era tarde demais para fazer um apelo.
— Eu sinto que não precisamos estar aqui.
— Não. Não precisamos.
O suéter de Alejo farfalhou quando ele afundou mais no colchão.
Conseguir que ele admitisse isso era uma pequena vitória. A palma da mão de
Alejo estava pressionada sobre os olhos, os lábios pressionados em uma
carranca tensa.
Logan se levantou.
— Então o que estamos fazendo aqui? Tipo, de verdade?
— O que você quer dizer? — Alejo perguntou.
— Faz seis meses. O que vocês ainda estão tentando descobrir?
— Às vezes — Alejo suspirou —, não se trata de descobrir algo. É sobre
ser uma família. Seu pai está lidando com este lugar sozinho. O mínimo que
podemos fazer é vir aqui e apoiá-lo.
— Ah, sim, porque ele tem nos apoiado muito.
Foi a coisa errada a se dizer. Alejo olhou para o teto com uma expressão
difícil. Depois de um momento, ele rolou e empurrou-se para fora da cama.
Como para tranquilizá-la de que não estava bravo, ele sorriu, mas era um
sorriso triste.
— Vai ficar legal aqui com os fios de luz — disse Alejo. — Talvez iremos
fazer compras amanhã.
Logan assentiu. Era como se ela estivesse se afogando, mas essas não eram
águas em que ela já esteve com Alejo. Ele não era Brandon — eles nunca
tiveram essa parede de silêncio entre eles. Ela queria perguntar por que
Brandon estava aqui há tanto tempo. Queria perguntar sobre o menino
desaparecido. Queria implorar a ele para ir embora. Em vez disso, ela disse:
— Boa noite, pai.
Interlúdio

A Escuridão não é um monstro.


Simplesmente é.
Desfruta deste mundo e de suas tristezas. Sente o gosto do medo no
vento. Ela viu grandes e brilhantes cidades à beira-mar, florestas exuberantes
sem vida humana, desertos tão amplos que transformam horizontes em ouro.
Mas gosta mais de Snakebite. Snakebite é onde a Escuridão nasceu. Snakebite é
o lar da Escuridão.
A Escuridão está com fome esta noite.
Está morrendo de fome.
O hospedeiro senta-se sozinho. Ele muitas vezes fica sozinho, oscilando
silenciosamente entre culpa e apatia. A TV está ligada como sempre, passando
um jogo esportivo que ele não assiste. O hospedeiro não consegue assistir. Ele
pensa em sangue entre os dedos. Ele pensa nos sons de suspiros estrangulados e
ossos esmagando. Essas coisas não costumavam atormentar os pensamentos do
hospedeiro, mas agora a morte é a única coisa em sua mente. Não o medo da
morte, mas o desejo por ela.
O hospedeiro precisa da morte como precisa de ar para respirar.
Você quer, não é? a Escuridão sussurra para o hospedeiro quando eles
estão sozinhos. Você é forte, mas não forte o suficiente. Por que não fazer o que
você quer?
O hospedeiro estremece.
— Eu vou. Mais tarde. As pessoas ainda estão com medo.
Já faz muito tempo, a Escuridão respira. Sua voz sopra pela sala como
uma brisa quente. Ninguém mais está olhando. Ninguém se importa. Eles
seguiram em frente. O mesmo acontecerá com o próximo.
O hospedeiro se recosta na cadeira. Ele não gosta de ser pressionado
assim, mas a Escuridão esperou tempo suficiente para ele atacar. Ela fica mais
fraca a cada dia que passa. Ela flui e reflui nas sombras, nadando para se
manter viva enquanto seu hospedeiro inútil fica sentado pensando.
— O que você está ganhando com isso? — o hospedeiro pergunta. Ele
chuta os pés para cima da mesa de café e fecha os olhos. — Está te deixando
mais forte?
Não tem nada a ver comigo, a Escuridão o lembra. Eu vim até você
porque você precisa de ajuda. Os hospedeiros antes de você tiveram muito
medo de entender o que eu ofereço. Não fuja de si mesmo.
O hospedeiro olha para suas mãos.
Isso é apenas temporário, a Escuridão diz. Como eu lhe disse no início,
quando você tiver forças para se manter sozinho, eu o deixarei. Quando seu
coração lhe disser o que quer e você não hesitar em agir, não precisará de mim.
O hospedeiro gosta dessa ideia. Ele se imagina vagando pelo país em um
massacre, esperto demais para ser pego. Imagina as emissoras de notícias
denunciando suas ações, horrorizadas e fascinadas por ele em igual medida.
Imagina as notícias escritas sobre ele, tentando entender como fez isso; como
ele se livrou disso. As garras da Escuridão estão tão afundadas nele que já não
consegue senti-las lá. O hospedeiro dá um estalo contemplativo com a língua.
— E se você quiser que eu faça algo que não quero fazer?
Impossível. Eu só posso querer o que você quer. Essa é a minha natureza.
A Escuridão envolve o hospedeiro — ele sente seu calor e é confortado.
Enquanto você me carregar, eu sou você. Não posso ser mais nada.
O hospedeiro limpa a garganta.
— Parceiros, então?
Parceiros, a Escuridão concorda. Até certo ponto, o hospedeiro não está
errado. Eles são parceiros. A Escuridão o pressiona, puxando o pedaço de seu
coração que dói para atacar novamente. Sob sua pele ele é uma víbora, e as
víboras não devem passar seus dias esperando. A Escuridão respira, vamos fazer
de novo?
O hospedeiro sorri.
6

Estradas rurais

Quando Logan imaginou um passeio de compras, não era isso que ela
imaginava: se espremendo no Dodge Neon alugado por Brandon, arranhando
os joelhos no painel pelo calor fervente, andando pela Rua Principal para
encontrar uma pequena loja de antiguidades que por acaso estava vendendo
alguma arte. Desde que chegou a Snakebite, Logan aprendeu que o centro da
cidade era o mais distante que uma pessoa podia chegar de um McDonald's
nos EUA, a cidade propriamente dita tinha 2,4 quilômetros quadrados, e o
mais próximo algo significava que estava a pelo menos duas horas de distância,
em Idaho.
O próprio Satanás não poderia criar um inferno mais perfeito.
Brandon ficou quieto no caminho para a cidade, os olhos fixos nas colinas
planas e douradas que se estendiam em ambos os lados do vale. Fazia anos
desde que eles foram a qualquer lugar sem Alejo para mediar. Dados os meses
em que estiveram separados, Alejo aparentemente pensou que uma viagem à
cidade — apenas Logan e Brandon — poderia gerar algum calor entre eles.
Talvez Alejo não os conhecesse tão bem quanto pensava.
Brandon tinha uma mão no volante enquanto a outra estava pendurada
na janela do lado do motorista, balançando-a descuidadamente sobre a
corrente do vento. Sem se virar, ele perguntou:
— Quando foi a última vez que estávamos só nós dois?
Sem hesitar, Logan disse:
— Tulsa. Quando eu estava no programa.
— Ah — disse Brandon. Ele ajustou os óculos escuros quadrados que
estavam sobre seus óculos normais. — Isso mesmo.
Isso mesmo. Logan tentou não deixar o frio descuidado na voz dele
rastejar sob sua pele. Para Brandon, Tulsa era apenas mais um ponto na
estrada. Provavelmente não pesava sobre ele como pesava sobre ela, se
agarrando forte ao silêncio entre eles. Provavelmente não permanecia no fundo
de seus pensamentos toda vez que ele fechava os olhos. Ele possivelmente não
viu a cidade da mesma maneira que ela — o túnel com paredes de tijolos sob a
cidade, o cheiro de lixo e frituras, o horizonte plano que parecia estar em todos
os lugares e em nenhum lugar ao mesmo tempo.
Ela só teve permissão para entrar no ParaEspectadores uma vez na vida, e
Brandon se certificou de que a oportunidade nunca mais surgisse. Talvez ela
tivesse feito muitas perguntas, sido muito irritante, ou talvez ele nunca tenha a
desejado lá em primeiro lugar. À noite, quando estava quieto o suficiente para
os pensamentos de Logan realmente correrem soltos, ela ainda podia ouvir sua
voz ecoar como um trovão nas paredes do beco. Pensava no jeito que Brandon
se virou para ela, o olhar cheio de ódio, e disse: Saia, Logan. Vá para casa e me
deixe em paz.
E então nada. Ele ficou olhando até que a equipe de produção entrou,
ofereceu uma água a Brandon, um momento para sentar, perguntou se ele
queria recomeçar o episódio. Eles levaram Logan para longe do set, de volta
para o motel, e disseram: Aquilo foi estranho. Talvez outra hora.
Depois disso, houve um silêncio ensurdecedor entre eles. Ele não disse
uma única palavra a ela durante toda a semana em que filmaram em Flagstaff.
Em Shreveport, ele reservou um quarto em um motel diferente para não ter
que ficar perto dela. Logan não conseguia entender o quão casualmente ele
seguiu em frente, como se a dor não apodrecesse sob sua pele. Brandon não
passou noites sem dormir percorrendo os fóruns do ParaEspectadores, lendo
especulações sobre por que Logan Ortiz-Woodley nunca mais retornou ao
programa.

• Ela provavelmente irritou eles pra caralho


• Ninguém quer tomar conta de uma criança chorona quando estão
trabalhando
• Bralejo é perfeito. Adicionar uma criança só tornaria esquisito
Durante anos, Logan ansiava por uma explicação. Algum tipo de pedido
de desculpas pela explosão e pelo silêncio subsequente. Ela esperava que
Brandon pelo menos dissesse que foi um acidente, que tinha sido um longo
dia, que estava nervoso sem Alejo, que encaminhou sua raiva para ela por
acidente.
Mas Brandon não disse nada.
Mesmo agora, deslizando por estradas planas para lugar algum, Brandon
não disse nada.
Atolado no silêncio úmido e desconfortável, ele não disse nada. Talvez a
mantivesse à distância de propósito, apenas esperando até que ela tivesse
dezoito anos para que ele pudesse se livrar dela para sempre. Talvez quisesse
que fosse apenas ele e Alejo novamente. Talvez ele tenha se arrependido de
adotá-la o tempo todo. Antes de Tulsa, o relacionamento deles já era estranho e
distante. Mas depois, Logan parou de tentar consertá-lo. Se Brandon não se
importava, Logan também não se importaria. Ela viveria sua vida, e ele poderia
fazer parte dela se quisesse.
Eles estacionaram do lado de fora da Snakebite Presentes e Antiguidades e
Logan foi ao trabalho. Ela visualizou como melhorar seu quarto e se resumiu a
algumas gravuras de arte bem colocadas, algumas luzes em cordas, um novo
edredom e alguns vasos de plantas. Gracia tinha uma política contra velas nos
quartos do motel, mas incenso de ervas e um isqueiro serviriam. A loja não era
exatamente o que ela havia imaginado — principalmente as prateleiras velhas
cheias de antiguidades empoeiradas que não eram tocadas há anos —, mas ela
poderia fazer dar certo.
Brandon a seguiu sem falar nada, quieto como um fantasma. Ele
examinou as prateleiras por onde passaram, fingindo mal que estava
procurando por algo.
— Você não precisa comprar mais alguma coisa? — perguntou Logan.
Brandon riu, quieto e desdenhoso.
— Não. Estou comprometido com a caça.
Logan gemeu.
Eles abriram caminho para uma pequena seção de gravuras de arte. Logan
parou em um quadro com a foto de uma estrada rural. Era um pouco caipira
para o gosto dela, mas a atraía. Ela puxou o quadro da prateleira e passou os
polegares sobre a costura. Era o tipo de foto que ela teria tirado sarro de
alguém por ter em L.A. — genérica e impessoal —, mas sua solidão falou com
ela.
— Gostei desse.
Brandon deu um passo para o lado dela e admirou a foto.
— Não é o que eu teria escolhido. Quanto?
— Vinte e cinco — disse Logan. Ela inclinou a foto e estreitou os olhos
para ela. — Sei lá… É feia?
— Não. — Brandon pegou a foto delicadamente e a examinou. De suéter
e óculos, ele parecia um crítico de arte avaliando uma obra-prima, não uma
impressão fabricada em alguma loja aleatória. — O que você gosta nela?
— Hum, não sei, eu só sinto que entendi — Logan tentou. Brandon
estava tão casual agora, como se fazer compras juntos fosse uma coisa normal
que eles faziam. Logan apertou os lábios. — Me lembra quando morávamos na
estrada. Quero dizer, era uma merda. Mas houveram bons momentos. Lembro
que papai me levou a um rio em uma tarde. Eu costumava pensar…
Logan forçou a mandíbula. Ela costumava pensar que o lar não era um
lugar, era a família. Mas a família que ela tinha — seu estranho e quebrado trio
de desajustados — não parecia um lar há muito tempo. Ainda eram três coisas
perdidas, mas estavam infinitamente distantes. Lar não era família agora. Lar
não era lugar nenhum.
Brandon olhou para ela, mas seu olhar estava distante. Ele olhou além
dela.
— Não importa — disse Logan. — Quero isso.
Ela pegou o quadro da mão de Brandon e o colocou debaixo do braço.
Eles continuaram a andar pela loja, trabalhando metodicamente na lista de
melhorias estéticas de Logan. Em alguns meses, ela estaria carregando essa
mesma quantidade de decorações em caixas antes de deixar Snakebite para
trás.
Brandon parou ao lado de uma prateleira de bonecas esfarrapadas.
— Você se sente... segura em Snakebite? — ele perguntou.
— Eu não amo — Logan meditou —, mas ainda não vi nenhuma
forquilha.
— Quero dizer mais como… — Brandon olhou para o carrinho
À
melancolicamente. — Às vezes penso sobre a memória. Como nossa mente
reescreve nossas memórias do zero toda vez que pensamos em algo. Se
quiséssemos, poderíamos esquecer completamente um pedaço de nossas vidas.
Apenas... gravar por cima.
Logan descarregou sua pilha de obras de arte com uma carranca.
— Espero esquecer Snakebite quando eu for embora.
— Justo. — Brandon ficou quieto. — Às vezes eu gostaria de poder
esquecer também.
A porta da frente da loja de presentes tocou. Logan ficou na ponta dos
pés para ver as prateleiras. Um grupo de jovens da idade dela entrou na loja,
risos seguindo-os do lado de fora. Eram três meninas e dois meninos, todos
usando vestidos de verão, shorts cargo e óculos escuros, ombros bronzeados,
cabelos úmidos com o que Logan supôs ser água do lago. Eles não eram como
os jovens de L.A., mas uma pontada aguda de saudade ainda atingiu Logan ao
vê-los.
Ao lado dela, a expressão de Brandon escureceu.
— Alguém que você conhece? — Logan brincou.
— Nós provavelmente deveríamos pagar isso e voltar para casa.
O grupo de adolescentes contornou a prateleira mais próxima, cada um
deles tocando os itens preguiçosamente sem ter interesse de verdade, como se
vagar por esta loja fosse apenas uma parte normal de seu dia. Logan não podia
culpá-los, em sua breve viagem pelo "centro" de Snakebite, ela não tinha visto
uma única coisa para jovens de sua idade fazerem por diversão.
Um garoto na frente do grupo parou quando viu Brandon. A luz do sol se
filtrava pelas prateleiras empoeiradas das lojas, riscando o rosto pálido do
menino em um amarelo doentio. Seus lábios se torceram em uma careta.
— Eles se multiplicaram — disse o menino. Ele acenou para Logan,
mandíbula enervantemente quadrada cerrada. — O que você está fazendo
aqui?
Logan olhou para Brandon em busca de uma explicação, mas Brandon
apenas o encarou. Ele ajustou os óculos, então se virou como se quisesse sair.
— Ei — o menino disse novamente. — Perguntei o que você está
fazendo aqui.
Os outros adolescentes reunidos ao redor do menino ficaram em silêncio.
Logan os reconheceu da vigília no dia em que ela chegou. Este era o mesmo
grupo de jovens que olhou para ela e Alejo como se pensassem que seus olhares
poderiam matar. Logan começou a entender a rápida retirada de Brandon, mas
ela não era de fugir.
— Estamos fazendo compras — disse Logan. — Qual é o seu problema?
O olhar do garoto mudou de Brandon para Logan.
— Meu problema é que esse cara aparece aqui e meu amigo desaparece.
Eu quero saber por quê.
Talvez ela tivesse falado cedo demais das forquilhas. Logan olhou para a
frente da loja em busca de apoio, mas a mulher atrás do caixa apenas observou
a discussão se desenrolar com vago interesse, como se fosse um pouco de teatro
em uma tarde lenta. Motores de caminhão gaguejavam do lado de fora, vozes
entravam por uma fresta na porta e Snakebite seguia com sua vida. Ninguém
estava vindo em defesa deles.
— Que tal você cuidar da sua vida? — Logan estalou. Ela ajustou suas
telas sob o braço, mas não se mexeu.
O garoto na frente do grupo deu um passo adiante.
Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, outra dos adolescentes
deslizou na frente dele. Seu cabelo loiro brilhante estava preso em um rabo de
cavalo alto, bochechas salpicadas de sardas, olhos irritantemente arregalados.
Ela estava na beira do cemitério no dia do funeral; Logan reconheceu seu
mesmo olhar de olhos azuis, como se a garota estivesse tentando fuzilá-la.
— Nós não queremos brigar — disse a garota, a voz irritantemente
apaziguadora. — Por que vocês dois não vão embora?
— E quem é você? — perguntou Logan.
— Pare. — Brandon colocou a mão no ombro de Logan como se quisesse
acalmá-la. Ele não estava focado no grupo de adolescentes assediando-os. O
seu pare era para ela, não para os valentões. Na forma clássica de Brandon, ele
já estava fugindo, recuando da situação como recuava de todo o resto.
— Por que nós deveríamos ir embora? — perguntou Logan. — Nós
não…
— Logan — Brandon alertou. Seus lábios fizeram uma carranca apertada.
Ele olhou para a loira e disse: — Nós estamos indo.
Gentilmente, ele puxou Logan para a caixa registradora. Do outro
corredor, os jovens sussurravam e riam. A humilhação caiu como um
deslizamento de rochas no estômago de Logan. Mesmo quando o estava
defendendo, Brandon não estava do lado dela. Ele deu à caixa da loja de
presentes seu cartão.
— Desculpe o incômodo.
A caixa balançou a cabeça.
Sem dizer nada, Logan juntou suas decorações e saiu da loja. Se fosse
Alejo, ele os teria enfrentado. Ou ele teria ficado orgulhoso dela por dizer algo.
Mas Brandon não tinha feito nada. Logan não conseguia olhar para ele. Ela
entrou no carro e apertou o cinto, procurando as palavras certas, mas só disse:
— O que foi aquilo?
Brandon tamborilou os dedos sobre o volante sem ligar o carro.
— Não vale a pena discutir.
— Você poderia ter dito alguma coisa.
— Não importaria. — Brandon ajeitou os óculos. — Aqueles jovens...
Você viu a loira? Ela é uma Barton. Os Bartons são donos de tudo nesta cidade.
A serraria, o rancho, todos os restaurantes, todos os parques. Eles são
responsáveis por tudo.
— Ela não me assusta — Logan zombou. — Eu posso lidar com a Barbie
Redneck{13}.
Brandon balançou a cabeça.
— Não ela. É a mãe dela que é o problema.
— Tanto faz.
— É melhor apenas... fazer o que eles dizem.
Logan revirou os olhos.
— Mesmo que o que eles digam esteja errado?
— Entendo que é difícil. Mas isso é apenas temporário. — Ele ligou o
Neon e se arrastou para longe do meio-fio, deixando Snakebite em uma nuvem
de escapamento. Depois de um momento de silêncio doloroso, ele suspirou. —
Nós vamos terminar o programa, então nós três podemos partir para sempre.
Não levará muito mais tempo. Combinado?
Logan fez uma careta. Ela engoliu o argumento que se formava em seu
peito e assentiu.
— Claro. Combinado.
7

O que é feito na Escuridão

— Nós comemos salmão e aspargos na semana passada — Tammy Barton


disse, o pescoço esticado para que pudesse ver o aplicativo de perda de peso
dela por cima dos óculos de leitura. — Baixa caloria, mas sem sabor. Vamos
tentar o stir-fry{14} essa semana. Posso fazer uma grande quantidade disso. Vai
ser bom para os almoços.
— Odeio stir-fry. — Ashley olhou ansiosamente para um pacote de purê
de batatas instantâneo. — Posso fazer meu próprio jantar.
— Quando você fizer as compras com seu próprio dinheiro, você pode.
Ashley grunhiu. Tinha passado apenas alguns dias desde que ela brigara
com Brandon Woodley e a filha dele na loja de presentes, mas ainda arranhava
o fundo de sua mente como um cachorro tentando participar do jantar.
Desarmar a briga foi a coisa certa a se fazer, mas a forma como a garota tinha
olhado para Ashley — com raiva e mágoa — não iria deixar Ashley em paz.
A mãe dela comparou caixas de arroz integral, silenciosamente medindo
os prós e os contras de grãos longos e grãos curtos. Ela estava em uma dieta que
significava que apenas vegetais frescos e frutos do mar eram adequados para o
jantar. Mesmo antes da dieta, era um pesadelo fazer compras com ela. Antes do
desaparecimento de Tristan, Ashley teria evitado a todo custo. Mas
ultimamente, ela não queria ficar sozinha. As coisas pareciam estar diferentes
em Snakebite há meses, mesmo sem contar com o desaparecimento de Tristan.
O sol parecia diferente, implacável e quente como a raiva. Alguma coisa fervia
na superfície da pequena cidade deles.
Snakebite Mercantile estava mais vazio no início do dia. Carrie
Underwood soou de um único alto-falante, ecoando pelo linóleo xadrez verde e
bege. De algum lugar atrás delas vinha o som de rodinhas de carrinho de
compras. Um homem se virou no corredor na sessão de comidas secas, o
carrinho de compras suspeitosamente cheio com nada mais que comidas de
micro-ondas, Cheez Whiz, e um pote de picles. Quando Tammy o viu, ela
ficou tensa, jogando o arroz de grãos longos no carrinho como se quisesse fazer
uma saída rápida.
As lâmpadas fluorescentes piscavam em antecipação. O ar estava cheio
com uma ameaça de batalha. A sobrancelha escura do homem estranho
franziu, a mandíbula ficou rígida, dedos seguraram firme no cabo do carrinho
de compras dele. Os olhos de Tammy estreitaram, mas ela não recuou. Ela
empurrou um cacho loiro para trás da orelha, vestindo um sorriso cortante, e
simplesmente disse:
— Alejo.
O homem, surpreendentemente, retribuiu o sorriso, embora o dele fosse
mais fácil. Diferente da mãe, Ashley achou que tinha uma parte dele em que
seu gesto era verdadeiro. O cabelo preto descansava em seus ombros, meio
amarrado em um coque atrás de sua cabeça. Levou um momento para Ashley
reconhecer ele como o homem do Cemitério dos Pioneiros no dia da vigília de
Tristan.
O estômago de Ashley afundou. Isso fazia dele o outro pai da garota da
loja de presentes. Talvez ele estivesse aqui por estar bravo. Sua expressão era
difícil de ler, mas ele era surpreendentemente intimidante para um homem
usando um suéter de crochê escrito: QUEM TEM MEDO DA ESCURIDÃO.
— Tammy — Alejo disse —, é incrível encontrar você aqui.
Tammy pigarreou.
— Que coincidência. Eu sinto que vejo você em todo lugar.
— Tenho certeza que ama isso.
As mulheres Barton não recuavam e certamente não perdiam. Tammy
soltou o ar.
— Como você e sua família estão se adaptando? — ela perguntou. — Eu
ouvi dizer que vocês estão ficando no Bates. Um pouco inferior comparado a
uma mansão de Hollywood, mas você está acostumado a viver em minha
propriedade, então tenho certeza que se sentiu em casa.
— Mãe — Ashley sussurrou.
O homem virou para Ashley e sua expressão se acalmou.
— Essa deve ser sua filha? Ashley, certo? Faz um bom tempo.
Ashley piscou. Ela tinha certeza de que nunca encontrou o homem antes,
mas alguma coisa sobre o sorriso dele era familiar.
— Não fale com ela — Tammy disse, ficando na frente de Ashley.
Alejo revirou os olhos.
— Ah, por favor. Eu só estou tentando conversar. Você é a única
transformando isso em algo ruim.
— Eu não estou fazendo nada além das minhas compras.
— Certo — Alejo disse. Ele olhou para Ashley de novo. — Ouvi dizer
que você conheceu a minha filha outro dia.
Tammy franziu o cenho.
— Eu disse para não falar com ela. Como você se sentiria se eu saísse e
falasse com a sua filha?
Ashley ficou olhando de um para o outro. A mãe dela geralmente era a
mestre em suavizar situações assim. Ela deveria ser a personificação de
equilíbrio e calmaria. Essa versão solta dela era desconcertante. Ashley segurou
a respiração. A culpa pela briga na loja de presentes cresceu nela como um
balão.
— Você não precisa — Alejo disse. — Sua filha e os amigos dela já a
perturbaram. Aparentemente, foi bem o estilo de dar boas-vindas em
Snakebite.
— Hum. — Tammy olhou para Ashley brevemente como se quisesse
pedir alguma explicação, mas ela ajeitou sua postura. — Talvez se ela
mantivesse a cabeça baixa, não teria sido…
— Logan não está machucando ninguém comprando velas, Tammy.
Tammy parou por um momento, os olhos se estreitaram.
— Logan…?
Alejo pigarreou, mas não disse nada.
Tammy mandou embora qualquer tipo de surpresa que o nome deu a ela.
Ela girou seu carrinho de compras para ir embora.
— Vamos apenas terminar as compras depois.
— Você não precisa… — Alejo levou a mão até a boca. Os lábios dele se
pressionaram formando uma linha, uma linha desesperada. — Podemos
conversar?
Tammy fechou os olhos e suspirou, devagar e calculado. Sem olhar para
Ashley, ela sorriu.
— Você pode ir pegar um pouco de brócolis para o stir-fry? Vai ser só um
segundo.
Ashley assentiu. Ela pegou o carrinho de compras e andou o mais rápido
que conseguiu para o próximo corredor. Não tinha intenção nenhuma de
perder a conversa. Ela nunca viu sua mãe agir tão enervada por ninguém,
muito menos um cara de quarenta e poucos anos, esguio e usando um suéter
de crochê. Entre os doces e os refrigerantes, ela percebia a voz tensa de sua mãe.
— Ok, cinco minutos.
— Tammy… — Houve um momento de silêncio enquanto alguém
andava pelo corredor. Assim que a pessoa foi embora, Alejo continuou: —
Você não está feliz que estejamos aqui… eu entendo.
— Aparentemente, você não entendeu. Ou então iria embora. — Ashley
podia sentir sua mãe carrancuda do outro corredor. — O que você quer?
— Você sabe que não foi fácil pra gente aqui.
— Sim, eu sei que a perda foi difícil para você. Eu sinto muito, de
verdade. — Tammy ficou quieta por um momento. — Mas achei que vocês
dois indo embora seria algo permanente.
— Eu também achei — Alejo disse —, mas nós três temos o direito de
estar aqui assim como todo mundo.
— Hum — Tammy disse. — O nome dela é um mau gosto, aliás.
Alejo estava quieto. O silêncio era algo doloroso, tenso e frio ao mesmo
tempo.
— Você pode dizer o que quiser para mim e Brandon, eu realmente não
me importo, mas Logan não tem nada a ver com isso.
— Você sabe como é Snakebite. Por que trazer ela?
— Porque nós somos uma família — Alejo disse, a voz beirando o
desespero. — O que nós deveríamos fazer… deixar ela em casa?
— Alejo — Tammy disse, mais calma do que antes. — Eu estou falando
sério. O que vocês estão fazendo de volta aqui?
— Estamos fazendo uma produção de locação. Para o programa.
— Você vai fazer de nós uma piada.
E então nenhum deles disse nada. Ashley se inclinou na prateleira de
doces, tentando escutar mais. A cabeça dela se virou tentando continuar.
Ocorreu-lhe o quão estranho ela parecia para qualquer um entrando no
corredor, mas não ligou. Isso era mais sobre o que John disse para Logan na
loja. Ela nunca ouviu sua mãe soar tão instável. Essa era a mesma Tammy
Barton que fazia redes de fast food e hipermercados correrem para fora de
Snakebite sem hesitar, que comandou a totalidade do Barton Ranch com
facilidade. Ela era a protetora do solo de Snakebite. Nada a abalava. Mas
alguma coisa sobre Alejo, aparentemente, remoía dentro de sua pele.
Ele pigarreou.
— Não é uma piada. Você não acha que as coisas andam estranhas? Você
não acha que tem algo fora do lugar? — Alejo perguntou. — E outra… tinha
muita coisa acontecendo aqui quando fomos embora. Problemas que nós
nunca conseguimos resolver.
O salto de Tammy bateu.
— Eu sou um desses problemas?
— Problemas de verdade — Alejo esclareceu.
A mãe dela disse mais alguma coisa, mas o som foi abafado por um casal
mais velho entrando no corredor de Ashley. Ashley olhou para eles com as
sobrancelhas franzidas, mas o casal não percebeu, concentrados na água com
gás da loja. As luzes do teto zumbiram e o corredor congelante gemeu abaixo
de tudo, a voz de sua mãe continuou, calma e devagar como um murmúrio.
Ashley fechou os olhos, mas não conseguia entender as palavras.
Finalmente, um pedaço da conversa foi compreendido:
— Você não precisava fazer isso — Alejo disse —, mas você sabia que era
o certo.
— E agora? Você quer que eu finja?
Alejo estava quieto.
— Logan não sabe nada sobre ela. Brandon e eu decidimos que era o
melhor. Não saberíamos nem por onde começar.
— Está bem.
— Obrigado — Alejo disse, e soava como se fosse verdadeiro.
— E quando vocês terminarem, vão embora? De verdade, dessa vez.
— Claro. Assim que nós descobrirmos tudo, você nunca mais nos verá
novamente.
— Ah, graças a Deus. — Sua mãe estava cheia de alívio. Era a Tammy
Barton usual, simples e fácil. — Se isso significa que você vai embora, eu faço
qualquer coisa. Até te convidaria de volta para os brunches{15} de domingo.
Alejo riu, mais aliviado do que Ashley esperava de alguém que foi
convidado a se autoexilar. Em um instante, a atmosfera mudou de tensa e
miserável para agradável. Amigável, até.
— Eu sinto falta dos brunches de domingo. — As rodinhas do carrinho
de compras de Alejo rangeram. — Deus, eu odeio essa cidade.
— Você não odiava antes.
Alejo estava quieto.
— Não, eu não odiava.
O silêncio entre eles se esticou por muito tempo, Ashley estava se
perguntando se eles quietamente seguiram seus caminhos. Ela se inclinou para
o corredor e fechou os olhos. Isso não era certo — sua mãe compartilhava tudo
com ela, mas nunca ouviu falar de Alejo. Ela nunca ouviu falar de Brandon ou
na família dele ou de toda essa história. Ashley odiava segredos. Eles eram
agulhas perfurando a sua pele, pequenas, afiadas e constantes lembretes de que
eles eram algumas verdades que ela nunca mereceu, não importa o quão difícil
ela trabalhou para honrar o seu nome.
— Bem, então até você desaparecer de novo — Tammy disse, quase
muito baixo para ouvir.
As rodinhas de Alejo rangeram.
— Mal posso esperar.
Ashley correu para o corredor de produtos e pegou um pacote de
brócolis. A mãe dela virou o corredor com um sorriso estranho e conhecedor.
Ela pegou os brócolis e colocou no carrinho de compras, mas os olhos dela
estavam fixos no rosto de Ashley.
— O quanto você ouviu?
— Tudo? — Ashley mordeu os lábios. — Sinto muito sobre toda a briga
com aquela garota. John só começou a ir pra cima dela, e eu tentei…
— Não se preocupe com isso. — Tammy balançou a cabeça, mas não
estava brava. Ela empurrou uma mecha do cabelo de Ashley para trás da orelha.
— Eu teria feito a mesma coisa se fosse você. Eu conheço aquela família há
muito tempo. Algumas pessoas só estão determinadas a serem vítimas.
— Quem era aquele cara? — Ashley perguntou.
Tammy deu de ombros.
— Ninguém importante.
— Vocês são amigos?
Tammy virou o carrinho para o outro lado. Ela ficou em silêncio por um
tempo, mastigando a resposta antes de cuspi-la.
— Até certo ponto, sim.
Ashley assentiu. Mais à frente no corredor, Alejo pegou um pacote de
batatinhas de uma prateleira alta. A expressão dele era distante. Ashley não
sabia dizer se era raiva ou adrenalina que ainda estava nele, mas seja lá o que
fosse, as mãos de Alejo tremeram quando se mexeu. Se Tammy percebeu, ela
nem piscou.
— O trabalho de um Barton é ter a certeza de que Snakebite permaneça
segura — Tammy disse, indo até o caixa.
Ashley não tinha certeza se tinha entendido. Mas ela assentiu e seguiu sua
mãe sem nem mais uma palavra, segredos acompanhando seus passos como se
fossem sombras.
8

Uma fogueira necessária

Ashley tinha levado até a sétima série para perceber que a cidade se chamava
Snakebite pela forma do lago. Em um mapa, o Lago Owyhee não se parecia em
nada com um lago. Ao invés disso, parecia um rio de boca larga que se estendia
profundamente no deserto seco e vazio de Owyhee. Torcia através das colinas
limpas como uma serpente que se desenrolava, bifurcando na extremidade
norte em uma boca de cobra. E dentro da boca da víbora estava Snakebite,
risivelmente pequena e enervantemente solitária.
A última vez que entrara no lago à noite, Tristan estava com ela.
Agora, Ashley estava com a água na altura da cintura, encarando o ponto
em que a água quente e escura encontrava as colinas no horizonte. Longe da
luz da cidade, o céu noturno era uma pincelada de nuvens malvas e luz estelar
salpicada. A água pulsava contra seu estômago, pedindo-lhe que se aproximasse
um pouco mais das profundezas. Ela nunca gostou de nadar à noite antes, mas
agora havia algo reconfortante na escuridão. Ela a puxava delicadamente para o
nada.
— Ash.
Ashley se virou na hora certa para que uma parede espessa de água do
lago caísse sobre seu rosto. Bug estava na altura dos joelhos a apenas alguns
metros de distância com um sorriso travesso. Ela se abaixou para espirrar
novamente, mas Ashley dobrou os joelhos e se abaixou sob a superfície,
transformando o mundo em nada mais do que o som de ondas agitadas.
Quando ela subiu, Bug estava de pé ao seu lado.
— Você tá bem?
— Sim — Ashley exalou. Ela torceu seu rabo de cavalo. — Estou bem.
Não estava, mas não valia mais a pena explicar. O mundo desde o
desaparecimento de Tristan era como um punho pressionado em argila
molhada. Ela sentia a marca dele em seu peito. A nova versão dela de estar bem
seria apenas isso. Era uma coisa difícil de engolir.
Ela não queria realmente sair hoje à noite, mas passara semanas tentando
levar o grupo de busca para esse lado do lago. Um pedaço dela pensava que,
quando chegasse aqui, sentiria a presença de Tristan. Que ela saberia onde
procurar. Que a resposta cairia em seu colo. Mas ela já estava aqui há horas e
não sentia nada.
Na beira do lago, John Paris pairava sobre uma pilha de galhos de
zimbros. Sua bermuda vermelha brilhante refletia na escuridão fria, ombros
enormes pulsando enquanto ele tentava acender uma fogueira. Eles tinham
embalado gravetos e um isqueiro na parte de trás da caminhonete, mas, como
sempre, John estava determinado a fazer como nos filmes. Apenas um galho e
movimentos furiosos. Fran e Paul estavam sentados atrás dele na mesa de
piquenique prestando atenção apenas parcialmente.
— Pensei que era para estarmos nadando — disse Ashley.
Bug deu de ombros.
— Acho que eles mudaram de ideia.
— Você pode ir ficar com eles, se quiser. — Ashley estalou o pescoço. —
Talvez você e Paul possam falar um pouco mais sobre o pai dele.
— Ai, meu Deus, não, obrigada — disse Bug. — Se ele...
Antes que ela pudesse terminar, a fogueira de John ganhou vida. Ele
recuou, cambaleando para trás. Fran e Paul saltaram atrás dele aplaudindo.
Ashley e Bug se dirigiram para a costa.
Enquanto os outros se acomodavam, John se sentou no tronco ao lado de
Ashley. Por um momento, ele olhou para a terra entre seus pés em silêncio.
— Como você está?
Ashley piscou os olhos.
— Ah. Você sabe.
— É. — John coçou o nariz. — Eu sei.
Ashley assentiu. Em comparação com as amizades que tinha com Fran e
Bug, ela e John eram tão próximos quanto duas pessoas criadas na mesma
cidade minúscula podiam ser. Mas em noites como essa, quando Ashley olhava
no rosto de John Paris, era como se ele fosse o único que a entendia. Ele era a
única outra pessoa com uma marca em forma de Tristan em seu peito. O único
que olhava para o horizonte sombrio e se perguntava se Tristan estava olhando
de volta. O vazio o sufocava. Estava sufocando Ashley, também.
De certa forma, era bom saber que não estava sozinha.
Geralmente, eles eram seis. Tinha uma lacuna no círculo deles, bem entre
Ashley e John. Ela não esperava que o ar vazio fosse tão frio.
Eventualmente, a noite se suavizou em um semblante desfocado de como
as coisas costumavam ser. Fran brincou com John lhe dando s’mores{16},
limpando pedaços de marshmallow na bermuda dele. Bug colocou seu capuz
verde favorito e enterrou as mãos no bolso da frente. Paul agarrava a escuridão,
tentando pegar flocos de cinza entre os dedos. Estava quase tudo certo.
— Gostaria de poder ver os rostos deles quando o acharem. — Paul riu,
parte de uma conversa que Ashley havia deixado de ouvir há muito tempo. Ele
acotovelou John.
— Eu não quero saber dos rostos deles. Só quero que eles admitam —
disse John.
— Isso também — Paul cedeu.
Durante o último ano, todos eles haviam mudado. Mas John Paris foi o
que mais mudou. Em vez do rapaz magricela e pálido que tinha sido no
primeiro ano, ele agora tinha um metro e oitenta de altura com ombros tão
largos quanto os de um cavalo e uma mandíbula quadrada que o fazia parecer
com seu pai. Ele estava mais frio agora também. Não era o garoto que andava
de quadriciclo com Paul e Tristan pelas colinas durante todo o verão. Estava
mais sério, como se ao longo de um único ano escolar ele tivesse se tornado um
adulto. Em poucos anos, ele estaria na Madeireira Barton ou treinando para
entrar para a polícia como seu pai.
— Precisa de mais madeira — disse John, ignorando completamente
Paul. Ele bateu no joelho e ficou de pé encarando Fran. — Quer ajudar?
Os olhos de Fran arregalaram.
— Ah, sim. Beleza.
John sorriu para ela e eles abriram caminho em direção às árvores,
deixando Ashley sentada de frente para Bug e Paul. A fogueira estalava e
crepitava, luz laranja piscando contra a noite aveludada. Uma pilha de lenha
estava amontoada ao seu lado — mais do que suficiente para durar horas.
Então eles foram dispensados.
— Vou ganhar uma caminhonete — disse Paul, inclinado em direção a
Bug. A puberdade pode ter abençoado John, mas tinha feito o oposto para
Paul. Ele tinha crescido pelo menos quinze centímetros no último ano, mas
seus membros ainda eram irregulares, os seus olhos tão fundos que pareciam
machucados. Ele lançou um sorriso aberto para Bug e a luz do fogo afundou
nas fendas profundas de seu rosto. — Bem, eu provavelmente vou ganhar uma.
Os olhos de Bug permaneceram sobre o fogo.
— Incrível.
— Sim. Meu pai diz que, se eu conseguir consertar essa velha Tacoma
que ele recebeu do reboque, posso ficar com ela. Ele está me ensinando como
consertar o radiador.
— Legal.
Paul continuou falando, alheio ao modo que Bug evitava contato visual.
Era geralmente nessa hora que Ashley e Tristan trocavam olhares e Tristan
balançava a cabeça. Ashley tinha que morder o lábio para parar de rir. Mais
tarde, quando todos tinham ido para casa e era só ela e Tristan na traseira de
sua caminhonete sob as estrelas, ela usava sua melhor voz de Paul e dizia: Meu
pai me ensinou a trocar o óleo no outro dia. Uma caminhonete com óleo
recém-trocado? Isso é arte. E Tristan riria até ofegar. Ele puxaria Ashley contra
seu peito e eles seriam um emaranhado de risadas e beijos até que sua mãe
ligasse e eles tivessem que correr de volta à cidade antes do nascer do sol.
Ashley pressionou os dedos nos lábios e traçou o pequeno sorriso lá. Ela
estava sentada junto ao fogo, de luto pela pessoa com quem ela deveria estar
sentada. Ela abriu a caixa de mensagens com Tristan — sua última mensagem
era brilhante demais. Curta demais.

T: Posso esperar.

Ela esfregou os olhos e tentou voltar para a conversa.


Então ela viu.
Na beira das árvores, logo depois de onde John e Fran haviam
desaparecido, uma figura sentada em um tronco de zimbro cortado. À primeira
vista, poderia ser uma sombra. Mas não parecia ser uma sombra. Seus
membros eram muito longos, seu peito muito imóvel, seu rosto muito vazio. A
coisa a chamava, assim como a água do lago sombrio havia lhe chamado.
Observava-a, imóvel. Na escuridão, Ashley pensou que ela crescia, fundindo-se
na escuridão entre as árvores.
Bug enrijeceu.
— O que foi?
— Você vê alguém? — perguntou Ashley. — Sentado na árvore.
— Não tem ninguém lá — disse Paul, sem dúvidas.
Bug apertou os olhos.
— Estou tentando ver...
A figura se levantou, mas seu movimento não era certo. Era irregular,
abrupto, doloroso. A figura não se aproximou deles. Apenas observava. Ashley
sentiu o suor na nuca. Seu peito estava frio e apertado, o coração batendo uma
marcha lenta e temerosa.
— Como você não vê? — perguntou ela.
Bug apertou o capuz dela mais perto do peito.
— Eu... Como é?
— Está bem ali.
— Ash — Bug disse, mais baixo —, eu não vejo nada.
A figura se afastou da fogueira e seguiu entre as árvores. Havia algo
familiar sobre ela. Era a mesma figura que havia visto durante a busca alguns
dias antes, mas ainda mais familiar. Ela tinha visto suas costas antes —
conhecia a forma dela. Ashley encarou as sombras vazias e compreendeu.
— Ah, meu Deus.
— Ashley — Bug sibilou.
Ela correu.
Em alguns passos ela alcançou a linha das árvores, e então estava na
escuridão. Tudo era diferente aqui, como se as árvores a tivessem puxado para
fora do mundo dos mares abertos e dos céus noturnos e para dentro de um
vazio. Havia um zumbido elétrico no bosque. Passos pulsavam contra a poeira
compactada de todas as direções. Ela correu para a escuridão, agarrando-se ao
som porque isso significava que ela não estava imaginando.
Ele esteve aqui o tempo todo.
As árvores diminuíram e ela chegou a uma pequena clareira. O luar
penetrou entre as árvores, riscando a terra prateada. Ashley encostou-se em
uma árvore para recuperar o fôlego. Por um momento, ela pensou que tinha o
perdido. Os passos desapareceram. Não havia mais vento, nem estrelas, nem
grilos ou galhos quebrando ou água batendo preguiçosamente na margem atrás
dela.
Em vez disso, havia a silhueta negra de uma cabana, firme contra a noite.
E havia uma respiração.
Era medida em inspirações e exalações calmas. Ela reconheceu o som de
anos de silêncio confortável — era a respiração de Tristan. Era tão familiar
quanto a forma das costas dele desaparecendo nas árvores. Ela o sentiu aqui,
cobrindo as árvores com o cheiro de diesel e de grama cortada. Ele estava aqui,
mas a clareira estava vazia.
— Tristan — Ashley crocitou.
A respiração de Tristan mudou, acelerando como se ele estivesse com
medo. Ashley cambaleou até o meio da clareira, mas Tristan não estava em
lugar nenhum. Ela o tinha visto perto do lago. Ela o ouvia aqui. Não tinha
como estar sozinha.
A respiração mudou de novo, mais rápida, agitada como se houvesse algo
preso em sua garganta.
— Eu… — A voz de Tristan estremeceu.
— Tristan? — Ashley caiu de joelhos e as árvores se enrolaram ao redor
dela.
— Ashley.
Não era Tristan. Ashley olhou para baixo, para suas mãos trêmulas. Terra
se desfez entre as pontas dos seus dedos. Ela se virou, procurando nas sombras.
Atrás dela, havia um flash de vermelho.
— Ashley, o que...?
Ashley piscou. Uma figura surgiu do meio das árvores, mas não era
Tristan. Fran se ajoelhou ao seu lado e pôs uma mão em seu pulso. Seu
moletom estava amassado, os cabelos como se tivessem sido enrolados em
mãos. John estava a alguns metros atrás dela com os braços dobrados sobre o
peito. Sua bermuda vermelha brilhava no escuro.
— Você disse Tristan? — perguntou John. — Onde ele está?
Ashley balançou a cabeça. O coração dela martelou. Ela aspirou uma
respiração irregular, tentando se estabilizar.
— Ashley, Tristan não está aqui. — O aperto de Fran em seu pulso
aumentou. Ela se virou para encarar John. — Ela está surtando. Deveríamos
levá-la para casa.
— Onde você o viu? — John perguntou novamente.
— John — Fran retrucou. — Ela está...
Ashley balançou a cabeça e foi como se o mundo tivesse mudado com ela.
Ela queria levantar — continuar procurando por Tristan —, mas seu peito
doía. Ela caiu nos braços de Fran e chorou. Tristan estava aqui, mas ela não
conseguia alcançá-lo. Algo os mantinha separados, frios, escuros e solitários.
Ashley estava procurando, mas não conseguia alcançá-lo.
Ela estava com medo.
9

A luz sufocante

Logan está na cozinha.


As luzes estão apagadas e a cozinha escura, com exceção dos números
verdes vibrantes onde se lê 02h34 da manhã. As janelas se estendem do chão ao
teto para que a noite se derrame sob o piso de ladrilhos pretos. O Vale de São
Fernando tremula em um amontoado de luzes e barulhos do lado de fora. Aqui
não é solitário como é na estrada. Mas continua sendo vazio.
A porta da frente se abre.
Ele entra na cozinha sem acender as luzes, tropeçando como se estivesse
bêbado. Olha para o micro-ondas e suspira. Mesmo com todas as luzes lá fora
ele não a vê, ele apenas enxerga a escuridão. Às vezes, Logan pensa que é tudo o
que ele quer ver.
Alejo já está na cama. Ela também deveria estar na cama. Brandon abre a
geladeira e distraidamente a encara, procurando por algo que nunca encontra.
A luz branca da geladeira ilumina o rosto de Logan, mas mesmo assim,
Brandon não a vê. Ele não está procurando por ela.
Quando ele a vê, solta um suspiro pequeno e nervoso, o som plana para
fora da sua boca como as asas de uma mariposa do linóleo.
— Não vi você aí.
— Só vim pegar um copo de água — Logan diz, suas palavras ecoam
como se estivesse debaixo d'água. Ela está muito próxima de sua própria voz.
— Onde você esteve?
Brandon arruma os óculos. Logan olha para ele, mas não consegue ver
seu rosto.
— Pesquisa para o trabalho — Brandon diz.
— Que tipo de pesquisa?
— Ah. — Brandon se apoia na ilha de granito e cruza os braços. A sala
escurece ao redor deles. — Já é bem tarde, você não deveria estar dormindo?
— Está bem. — Logan murcha. — Boa noite.
Mas a postura de Brandon muda. Ele coloca um braço contra a parede e a
impede de ficar de pé. Quando fala, sua voz sai profunda. Vem de todos os
lados ao mesmo tempo.
— Você sabe onde você dorme.
Então a cozinha desaparece.
Logan está deitada. O medo cresce nela como uma ânsia. Ela está deitada
em um buraco tão profundo que a única coisa que consegue ver acima de si é o
céu noturno, preto e sardento com a luz das estrelas.
Brandon reaparece acima dela.
— Adeus, Logan — ele diz. Ele pega um monte de terra e joga no
buraco. A sujeira bate no rosto dela e…

***
Logan acordou em um engasgo.
A luz cor de urina brilhou através das persianas fechadas. O quarto de
motel estava quente, abafado e cheirava a mofo. Logan rolou para o lado com
os lençóis grudados em sua pele e o cabelo na nuca. Engasgou até que sua
garganta ficasse em carne viva, até sua boca ficar com gosto de ferro, até que os
restos de terra deixassem suas bochechas, até ela ter certeza de que estava
acordada.
— Não é real — Logan sussurrou, massageando ternamente seu pescoço.
Ela tocou o edredom, a mesa de cabeceira, a parede atrás de sua cama, e
suspirou. — Isso é real.
Não foi um pesadelo inteiramente novo. Ela já havia sonhado com a
cozinha mil vezes, mas essa última parte, o enterro, foi uma reviravolta.
Massageou a garganta, lembrando-se gentilmente de que aqui, no quarto do
motel, ela podia respirar.
Uma batida soou na porta.
Logan saiu de sua cama e se pressionou contra a parede. Forçou uma
abertura nas persianas e procurou na escuridão, mas não conseguiu um ângulo
bom o suficiente para ver a porta do quarto. A placa do motel cintilava através
de uma fina camada de neblina, fora isso, nada se moveu. O estacionamento
estava estranhamente quieto.
— Tem alguém acordado? — Uma voz chamou do lado de fora.
Logan se aproximou da porta e espiou pelo olho mágico. Ela não
reconheceu o menino do outro lado da porta. Ele mudou desajeitadamente o
peso de um pé para o outro, vestia um gorro, uma blusa flanelada e um óculos
de meia armação que ficava muito baixo em seu nariz. Contra a lógica, Logan
abriu a porta. Um vento frio se esgueirou pela bainha de sua camisa de dormir.
— Que foi? — ela disparou.
As mãos do menino estavam entrelaçadas na frente dele, os dedos
torcidos em nós frenéticos.
— Sinto muito. Eu, ah… acho que você deveria vir olhar.
Logan revirou os olhos. O menino recuou e apontou para a parede entre
o quarto dela e o quarto oito. A princípio, ela não conseguiu ver. Então
esfregou os olhos, piscando para afastar o sono, e as letras pintadas com spray
entraram em foco.
A primeira palavra era uma que ela havia visto centenas de vezes na seção
de comentários dos vídeos de seu pai. Pessoalmente, ela queimava. Ela se
aproximou do insulto; a palavra se estendia por toda a largura da parede entre
as portas, a tinta vermelha brilhando para ela. Apenas seis letras, mas cada uma
era um soco no estômago. Seja lá quem deixou aquilo ali, teve a perspicácia de
deixar no plural.
A frase abaixo foi o que lhe tirou o fôlego. VOCÊS O MATARAM.
A porta se abriu. Um Alejo de pijama entrou na soleira e abafou um
bocejo na dobra do cotovelo. O estômago de Logan revirou. Ela foi dominada
pela vontade de se jogar por cima da porta se isso significasse impedir que ele e
Brandon vissem também.
— O que está acontecendo? — Brandon perguntou juntando-se a eles do
lado de fora.
Alejo esfregou os olhos e seguiu o olhar de Logan até a parede. Quando
viu, não disse nada. A noite estava cheirando a lixo velho e roupa suja.
— Bran, eu não acho que você deva…
Brandon ajustou os óculos e olhou para o insulto. Sem palavras, ele
cambaleou de volta para o quarto do motel, com a mão em posição para cobrir
o rosto.
— Nós deveríamos falar com a polícia — Logan disse. — As pessoas não
podem…
Alejo se virou e colocou as mãos nos ombros dela. Seu rosto estava
impossível de ler — preocupação, medo, raiva, pena — ele balançou a cabeça.
— Não. Não se preocupe com isso. Nós… Gracia virá nos ajudar a cobrir
isso pela manhã. Não é…
— Não é o quê? — Logan perguntou.
Alejo olhou além dela, para o garoto que os acordou.
— Elexis, eu quase não te reconheci no escuro.
O garoto acenou.
— Desculpa, Tío. Eu tentei te acordar primeiro, mas…
— Obrigado por nos avisar. — Alejo respirou fundo. — Por que você
não vai dormir, hein? Nós assumimos daqui.
Elexis seguiu seu caminho através do estacionamento, entrando no quarto
na extremidade do prédio. Logan fez uma nota mental disso — se Alejo era o
tío dele, isso fazia de Elexis sua família também.
Logan franziu a testa.
— Você ia dizer que não é nada demais.
Um crime de ódio era demais. Logan não era especialista, mas tinha
certeza de que crimes de ódio eram ilegais. Ela tinha certeza que a polícia
deveria fazer algo a respeito.
Alejo olhou por cima do ombro, olhos fixos em Brandon, silhueta sendo
delineada pela luz pálida do quarto. Ele não parecia surpreso ou zangado ou
mesmo desapontado. Estava apenas… quieto. Ele parecia como no sonho dela,
vago e sem emoção. Ilegível.
— Sem polícia — Alejo disse. Ele a puxou para um abraço, apoiando a
cabeça dela contra o ombro dele. — Apenas nós. Vai ficar tudo bem.
Por algum motivo, ela duvidava disso.
10

Do começo

— Onde o Paris está?


Ashley bateu a palma da mão na mesa de recepção da delegacia do
condado de Owyhee, tirando Becky Golden de seu torpor alegre de sempre. O
saguão da delegacia estava estranhamente silencioso às nove da manhã, o
silêncio sendo quebrado apenas pelo zumbido de um computador
desatualizado e da geladeira na sala de descanso.
As coisas aconteceram muito rapidamente. Depois que Fran e John a
levaram para casa, ela não dormiu. Foi um milagre que ela não tivesse acordado
sua mãe com o seu andar inquieto. Não fazia sentido — ela tinha visto Tristan
na floresta, escutou sua respiração e esteve perto o suficiente para alcançá-lo e
até tocá-lo. Sua voz ecoou nas paredes de tijolos, reverberando de volta para ela
como um tapa.
Becky piscou.
— Ashley? Você está bem? Parece doente.
— Estou bem. Onde está o Paris?
— Em casa, provavelmente. Posso ligar para ele, se for uma emergência.
Uma emergência. Ashley quis rir. Ela não tinha palavras para descrever o
que era isso. Emergência, definitivamente, não era a palavra certa, no entanto,
o som áspero e borbulhante da respiração de Tristan estava marcado nela.
Mesmo depois de dormir, era tudo o que ela conseguia ouvir. Isso era mais do
que uma emergência.
— Ele estava na floresta, acho que está ferido.
— Meu deus. — Ela segurou a mão de Ashley e pegou seu telefone de
mesa. — Onde ele está agora? No rancho?
— Não, acho que ele ainda está lá fora.
— Você o deixou?
Ashley vacilou.
— Eu… Eu não me lembro.
— Você não viu para onde ele foi?
Ashley balançou a cabeça. Ela olhou para a bancada cor de mostarda.
— Ele estava ferido, no entanto. Provavelmente não foi muito longe.
Becky estreitou os olhos, seu dedo parou no teclado de discagem. Esta era
a mesma Becky Golden que começou como recepcionista no Barton Ranch. A
mesma Becky Golden que vendeu a Ashley seu primeiro cavalo. Que ainda
parava no rancho para beber chardonnay e fofocar semanalmente. Ela era
amiga da família desde antes de Ashley poder andar, mas agora olhava para
Ashley como se ela fosse uma estranha.
— Ashley, estou um pouco confusa.
Ashley limpou a garganta.
— Eu e meus amigos estávamos do outro lado do lago e eu vi ele. Eu o
segui até as árvores, mas aí foi como se ele, simplesmente… não estivesse lá. Eu
ainda podia ouvi-lo, não sei como. Mas sei que ele estava lá.
Becky deu a ela um olhar de pena. Ashley não se preocupou em vestir
roupas limpas, sua camiseta estava suja, as pontas dos dedos pretas de terra. Ela
tinha certeza de que parecia louca. Talvez estivesse louca.
— Ashley… — Becky disse suavemente. — Tammy sabe que você está
aqui?
Ashley balançou a cabeça.
Becky se inclinou para ela como se a conversa fosse um segredo.
— Eu sei que tem sido muito difícil para você. Tenho um primo
terapeuta em Ontario. Talvez você pudesse falar com ele sobre tudo isso.
— Quê?
— Eu achava que terapia era apenas para os esquisitões, mas deixe eu te
dizer, tem ajudado bastante o Tom desde que ele perdeu a mãe. — Becky
puxou um post it de sua mesa e escreveu um número de telefone. Ela entregou
o papel a Ashley com um sorriso orgulhoso. — Para quando você estiver
pronta.
— Espera — Ashley disse. — Eu não preciso disso. Preciso do Paris.
Becky suspirou.
— Eu não estou inventando isso.
— Não, claro que não. — Becky franziu a testa e passou o polegar sobre
os nós dos dedos de Ashley. Sua pele era macia e cheirava a loção de rosas. —
O luto pode fazer coisas estranhas com a sua cabeça.
— Eu não estava alucinando.
— Parece um fantasma — alguém disse.
Ashley seguiu a voz pelo saguão. Uma garota estava sentada em uma das
cadeiras de plástico do saguão com uma revista de decoração no colo. Os olhos
de Ashley se arregalaram ao perceber que ela não estava sozinha. Era a garota
do acostamento no dia da vigília de Tristan — a garota da loja de presentes —,
relaxada em sua cadeira como se estivesse lá há horas, com a sobrancelha
curiosamente arqueada.
Ashley voltou o olhar para Becky.
— Há quanto tempo ela está ouvindo?
— Literalmente o tempo todo — a garota disse, cruzando os braços. —
Apenas me ignore.
Ashley piscou. Ela imediatamente retomou mentalmente tudo o que disse
desde que entrou na delegacia. Estava tão cansada que não tinha visto alguém
sentado ali?
— Você acabou de nos bisbilhotar?
— Não é bisbilhotar quando você está gritando. — A garota largou a
revista. — Uma pessoa desaparecendo aleatoriamente na floresta soa como um
fantasma para mim.
— Não era um fantasma. — Ashley endireitou a postura e encarou a
garota com um olhar gélido. — Fantasmas não existem.
— Tá.
— Se fosse um fantasma, isso significaria que Tristan está…
Morto, ela pensou.
— Morto? — a garota perguntou — Talvez. Acho que os meus pais já
fizeram um episódio com uma senhora que enxergava fantasmas de pessoas
vivas.
— Ashley — Becky disse calmamente. — Fantasmas não existem, ela só
está tentando promover o programa deles. Se você esperar o Paris chegar,
podemos fazer uma denúncia oficial.
Ashley continuou olhando para a garota. Essa era a filha sobre quem
Alejo tinha discutido com sua mãe no mercadinho.
— É por isso que você está aqui? Apenas esperando as pessoas entrarem
para que você possa fazê-las assistir ao seu programa?
A garota soltou um som debochado. Seu cabelo preto estava preso em um
rabo de cavalo curto e liso, os olhos sombrios com o olhar semicerrado de uma
pessoa que não tem dormido bem.
— Não, o programa é uma merda.
— Então por que você está aqui?
— Pelo mesmo motivo que você. Estou aqui para falar com o xerife. — A
garota analisava suas unhas. — E eu sou a primeira na fila.
— Por que você precisa dele?
— Estou aqui pra denunciar um crime de ódio. — Ela abriu um sorriso
com os lábios apertados. — Você não saberia nada sobre isso, né?
Ashley apertou os lábios. Ela só ouviu um pouco da conversa de John e
Paul na noite anterior, mas tinha certeza de que eles eram os culpados. Do lado
de fora da janela da frente se via o céu cinza como mármore. O resto de
Snakebite provavelmente estava acordando. Ela teria que explicar o que tinha
visto para Bug e Fran. Para sua mãe.
Elas também não acreditariam nela.
— Podemos conversar lá fora por um segundo? — Ashley perguntou.
A garota a olhou desconfiada.
— Tô de boa, não quero perder meu lugar na fila. Já esperei duas horas
para que alguém pegasse meu depoimento.
Ashley se virou para Becky, que evitou contato visual.
— Você não pode simplesmente escrever o que aconteceu e deixá-la ir
embora?
— Ela disse que queria falar com o Paris — Becky disse.
A menina balançou a cabeça.
— Não. Eu disse que queria denunciar um crime. Fico muito feliz em
deixar você me ajudar.
Becky ofereceu um sorriso singelo.
— É claro. Logan Woodley, certo?
— Ortiz-Woodley — a garota esclareceu. — Tem hífen.
Logan Ortiz-Woodley. Ashley digeria o nome enquanto Becky anotava as
informações de Logan. Ortiz era um nome de Snakebite — parentes de Gracia
Carrillo, ela pensou —, mas Logan não era uma garota de Snakebite. Ela era
uma estrangeira. Ela não conhecia a floresta, o lago ou as colinas. Ela não
estava sobrecarregada com os anos de história em que esta cidade foi
construída. Quando Becky prometeu que Paris entraria em contato logo,
Ashley se perguntou se Logan sabia que o menino que fez isso era filho do
xerife. Ela se perguntou se Logan sabia que essa denúncia seria apenas uma
“conversa séria" para John e nada mais. Ela perguntou se a garota sabia como as
coisas funcionavam em Snakebite.
Logan, aparentemente satisfeita, virou-se para Ashley e arqueou uma
sobrancelha.
— Isso foi surpreendentemente fácil. Você tem minha atenção.
Ashley apontou para a porta.
Elas saíram para a manhã pálida. O vento era agradável, com o cheiro da
água do lago, fresco e suave como linho. Ashley inalou o ar de verão e sentiu-se
um pouco mais leve. Um pouco mais presente. A neblina da noite anterior
começou lentamente a se dissipar.
— Só para você saber, eu realmente não sei se fantasmas existem. —
Logan se mexeu, colocando uma mão em seu quadril e depois a abaixou
novamente. Seus olhos estavam fundos de exaustão, focados na estrada à beira
do lago que se estendia além do estacionamento. — Não sei se era isso que
você ia perguntar, mas enfim.
— O que eu vi na noite passada não foi uma alucinação.
— Você acha que foi algo paranormal?
— Eu não sei. Você já viu algo paranormal?
Logan fez uma careta.
— Não, nunca.
— Ah.
— Mas você não quer que isso seja paranormal — Logan disse — Você
quer achar esse cara, Tristan, né? Vivo?
Ashley confirmou com a cabeça.
Logan refletiu sobre isso por um momento. Sua expressão era difícil de
ler, pensativa e preocupada. Ela esfregou a palma da mão na nuca, os olhos
fixos na calçada.
— O xingamento com a letra B não era a única coisa na porta dos meus
pais ontem à noite. — Logan fechou os olhos e respirou fundo. — Também
dizia vocês o mataram.
Ashley respirou fundo. John e Paul foram quem picharam. Escrever vocês
o mataram significava que John e Paul achavam que Tristan estava morto. A
raiva ferveu no peito de Ashley. Todas as buscas, todas as vigílias, todas as vezes
que disseram vamos encontrá-lo em breve… Eles não acreditavam nisso, era
tudo para manter as aparências.
Logan limpou a garganta.
— As pessoas acham que meus pais machucaram alguém?
— Eu não sei quem fez isso…
— Não estou dizendo que você sabe alguma coisa — Logan disse, se
rendendo com as mãos para cima. — Estou perguntando o que eu disse. As
pessoas acham que meus pais machucaram aquele cara, ou esse é o jeito que
vocês cumprimentam todos os gays?
Ashley piscou, em choque com a casualidade que Logan falava.
— Na verdade, eu não tenho uma opinião.
— Meu Deus do céu. Não estou perguntando a sua opinião. Estou
perguntando se todos nessa cidade acham que meus pais mataram alguém.
— É, acho que sim.
Logan exalou.
— Por quê?
— Tristan desapareceu em janeiro. Uma semana depois que seu pai
chegou. — Ashley limpou a garganta. — Você tem que admitir que é um
pouco…
— Eu não tenho que admitir nada. Onde o viram por último?
Ashley fechou os olhos.
— Eu fui a última a vê-lo. Ele estava na minha casa e então desapareceu.
— Ah. — Os olhos de Logan se arregalaram. — Vocês dois estavam…
— Namorando, é.
— Caramba.
Foi a reação mais inapropriada ao desaparecimento que Ashley tinha
ouvido até então. E, de alguma forma, a mais revigorante. Logan enrolou os
braços nas mangas do suéter e cruzou os braços.
— Você está procurando por ele?
— Aham — Ashley disse. — É estranho, mas eu ainda o sinto aqui.
Tenho flashes dele, como se estivesse bem ao meu lado. E então, ontem à
noite…
Logan pressionou os dedos nos lábios, pensando. O vento quente soprava
ao longo da estrada, mais quente do que deveria para o horário da manhã.
Gotas de suor pinicavam a nuca de Ashley. Depois de um momento, Logan
exalou:
— Você quer ajuda para encontrar ele?
Ashley parou por um momento.
— Por que você me ajudaria?
— Porque se o encontrarmos, ele não está morto. E todo mundo vai
saber que meus pais não fizeram nada.
Ashley concordou.
— Isso faz sentido.
— Não tem que ser grande coisa — Logan disse. — Apenas vamos para
onde você o viu ontem à noite.
Ashley arregalou os olhos.
— Agora?
— Por que não? — Logan perguntou. Seu meio sorriso era
inquietamente divertido. — Eu te ajudo, você me ajuda. E quando
encontrarmos o seu namorado, meus pais poderão terminar o programa e ir
embora.
Ashley estendeu a mão. Ela não tinha certeza se esse era o tipo de acordo
que se aperta as mãos, mas parecia adequado. O vento deslizou entre elas, suave
como um sussurro.
Logan pegou a mão dela e apertou.
— Parceiras temporárias — Logan disse
Ashley sorriu.
— Me parece bom.
11

O piano de cordas

Logan estava sentada no banco do passageiro da caminhonete de Ashley na


estrada de cascalho do Rancho Barton.
A luz do sol brilhava nas janelas perfeitamente quadradas da casa no
rancho, emolduradas por paredes brancas e com granulação cinza. O caminho
para a escura porta da frente estava todo cercado e repleto de flores brancas
desabrochando. Além da casa, havia áreas de pasto que pareciam durar para
sempre. O horizonte era uma colcha de retalhos verdes e dourados. Parecia o
tipo de lugar que ela veria na TV, bonito, amplo e indescritível. Pelo menos
não tinha nenhuma cerca de piquete.
Ela tentou se livrar do peso da noite que teve. As últimas horas haviam
sido um borrão — o pesadelo, o xingamento na porta de seus pais, a delegacia
de polícia e agora isso. Agora ela estava esperando a princesa de Snakebite
emergir de sua pitoresca casa de rancho em roupas limpas para que elas
pudessem investigar seu namorado desaparecido.
Logan não poderia se superar nem se tentasse.
Finalmente, Ashley saiu da casa com um boné de beisebol e uma camiseta
amarela desbotada que dizia BARTON LUMBER. Ela parecia mil vezes mais
acordada do que a garota que Logan encontrou na delegacia uma hora atrás,
mas sombras ainda circulavam seus brilhantes olhos azuis. Ela estava fazendo
uma cara feliz, mas havia muito para cobrir.
Ashley se sentou no banco do motorista.
— Preparada?
Logan colocou seus óculos de sol.
— Essa caminhonete é do seu pai?
— Não — Ashley disse. — Ela é todinha minha.
— Esse é o carro que você dirige?
Ashley soltou um som sarcástico.
— Me diga qual foi a última vez que você transportou algo em um Tesla.
— Sua voz estava mais rural quando ela disse Tesla, como se a palavra em si
fosse uma ferramenta enferrujada que ela tirou de seu cinto pela primeira vez
em anos.
— Você fala cada merda. Eu nunca dirigiria um Tesla.
— Você não deveria avisar aos seus pais aonde estamos indo? — Ashley
perguntou.
— Eles não se importam. — Logan olhou para a casa de rancho. — Você
disse aos seus pais aonde estamos indo?
Ashley fez uma careta.
— Legal. Uma missão secreta. — Logan sorriu. — Vamos nessa.
Elas se afastaram do Rancho Barton e seguiram a estrada empoeirada até
que as casas de Snakebite sumiram e apenas as colinas douradas e torrões de
cascalho permaneceram. A paisagem era muito diferente do que Logan
esperava do Noroeste. Ela passou anos imaginando florestas cor de esmeralda,
cordilheiras enevoadas e estradas solitárias com túneis de árvores. Em vez disso,
ela recebeu colinas que pareciam nós de dedos cerrados, rolando uma após a
outra para lugar nenhum.
Era onde ela estava agora: lugar nenhum.
Ashley dirigiu a caminhonete pela estrada de duas pistas sem placas,
virando para uma estrada que seguia a margem do lago. O Ford saiu do
pavimento para o cascalho, levantando momentaneamente as roupas e livros
do banco de trás. Logan agarrou o painel e fechou os olhos para não vomitar,
mas Ashley não se incomodou. Ela comandava a caminhonete como se fosse
um vaqueiro comandando um corcel rebelde, uma mão firme nas rédeas,
inclinando-se em cada solavanco e desviando com facilidade.
— Então, o local está muito além do desvio — Ashley disse. Ela abaixou
o visor e pegou um par de óculos cor-de-rosa. — Espero que você tenha
sapatos de caminhada.
Logan inspecionou suas sandálias de couro sob o porta-luvas.
— Eu vou ficar bem. Qualquer coisa é um sapato de caminhada se você
acredita em si mesmo.
— Aham — Ashley bufou, sem humor.
A caminhonete passou por um buraco e os óculos escuros de Logan
caíram no chão da caminhonete. Ashley sorriu presunçosamente para ela,
como se pensasse que lidar com solavancos na estrada fosse algo que apenas as
garotas de Snakebite fizessem. A Ashley Barton que dirigia o Ford era diferente
daquela que Logan encontrou na delegacia. Ela estava despreocupada, casual e
relaxada em seu assento, a camisa deslocada casualmente acima do umbigo. A
pele bronzeada de sua barriga estava salpicada com sardas castanho-claro.
Logan encarou mais do que deveria.
Ela ajeitou a postura e focou na estrada à sua frente. Ela era gay, mas não
o tipo de gay sedenta-por-garotas-héteros-do-interior.
Depois de meia hora, a estrada de cascalho se tornou uma curva
improvisada na beira da floresta. A água do lago pulsava na margem à
esquerda. A escuridão se acumulou nos zimbros à frente delas, onde as árvores
se amontoavam muito perto para ver entre elas. Algo no silêncio fez Logan se
sentir mal.
— É aqui que vocês vêm para se divertir? — Logan perguntou.
— Não aqui — Ashley disse, saindo da caminhonete. — Me siga.
Logan a seguiu. A náusea que sentiu na caminhonete só piorou no
momento em que cruzaram a linha das árvores. Não tinha tanto medo quanto
desconforto. A floresta estava mais silenciosa do que deveria. Mas talvez as
florestas sejam sempre assim — ela não era uma frequentadora do ar livre. Um
suave temor mexeu em seu estômago, avisando de que algo a esperava ali.
Ashley seguiu caminhando, tocando cada tronco como se as cascas
guardassem segredos. Seu rabo de cavalo louro-limão, enfiado na abertura do
boné de beisebol, balançava entre seus ombros a cada passo. Logan não
conseguiu evitar imaginá-la em um comercial de barra de cereal.
Quando Logan e seus pais moravam na estrada, eles passavam noites
entre cidades estacionados em acostamentos de rodovias ao longo de florestas
como esta. Insetos e carros passando eram ruins, mas o isolamento era pior. Na
floresta não havia saída. As pessoas que morreram não foram encontradas por
meses, se é que foram. Ela imaginou os galhos como dedos disformes acenando
para ela na escuridão, esperando para apanhá-la. Talvez tenha sido a floresta
que tenha apanhado Tristan Granger.
— Aqui — Ashley disse de repente. — Aqui é onde nós estávamos.
Logan caminhou até a água onde a terra se dissolvia em poeira e rocha. A
costa formava uma alcova grande o suficiente para nadar sem ser visto do lago
propriamente dito. A poucos metros de distância, meio submerso na água, a
parte de cima de um biquíni preto estava preso em uma pedra. Ele balançava
nas ondas como uma bandeira solene.
— Fofo — Logan disse. Ela enganchou o dedo do pé em uma alça e o
pegou. — É seu?
Ashley corou. Ela pegou a parte de cima do biquíni e torceu a água para
fora, antes de amarrar a peça na alça de sua bolsa.
— Não é meu, é da minha amiga.
— Sua amiga teve uma noite boa — disse Logan. — Melhor que a sua,
acredito.
Ashley se virou para o lago. Ela se aproximou da margem e fechou os
olhos, uma mão no quadril e a outra agarrando o biquíni como se estivesse se
concentrando em busca de pistas. Logan estava tentada a ficar na mesma pose e
ver se alguma visão de namorados desaparecidos vinha até ela, mas não estava
se sentindo tão malvada. Não hoje, pelo menos.
— O que estamos procurando? — Logan perguntou.
Ashley marchou pela margem, de volta às árvores.
— Eu estava perto da fogueira quando o vi. Ele foi para as árvores.
— Você o seguiu?
Ashley não respondeu. Ela continuou andando, desaparecendo entre as
árvores. Logan meio que correu para alcançá-la. A floresta ficava mais silenciosa
quanto mais se aprofundavam. Elas chegaram a uma clareira onde as árvores
diminuíram e o lago se tornou apenas uma linha azul distante além dos galhos.
Uma cabana danificada estava alguns metros à frente delas. Houve um som sob
o silêncio. Logan fechou seus olhos para ouvir melhor.
A floresta não estava quieta. Não completamente.
Uma música flutuava entre as árvores. Era uma música de piano
escorrendo pelo silêncio em algum lugar próximo. O sol era filtrado pelos
galhos nus, inundando o mundo em uma magia solitária. O piano tocava uma
canção fantasmagórica, assustadora e tensa; insuportavelmente triste, mas
linda.
— Vocês têm muitos pianos na floresta? — ela perguntou. Sua risada era
ofegante, inquieta, porque brincar sobre a música fantasmagórica era mais fácil
do que tentar entender. Era o tipo de coisa que seus pais investigariam na TV.
Mas Brandon e Alejo não estavam aqui agora. Seja lá o que fosse, era real.
— Eu sei de onde está vindo — Ashley disse. Ela se moveu em direção à
cabana. Ela estava muito casual sobre tudo isso, como se fosse normal
mergulhar de cabeça no paranormal. Porque era isso que o piano na floresta
tinha que ser, paranormal. Até onde Logan podia dizer, ninguém morava aqui.
Além da cabana em ruínas, a floresta estava vazia.
Logan se moveu para a frente dela com as mãos levantadas tentando pará-
la.
— Você quer ir em direção ao piano fantasma?
— Não é um piano fantasma. — Ashley desviou dela. — Mas deixe as
suas, ah… suas coisas prontas. Eu não sei quem está tocando.
Logan congelou.
— Espera? Que coisas?
— Tipo no programa. Aquelas coisas de capturar fantasmas.
Logan piscou.
— Você supostamente deveria ser a caça-fantasma — Ashley disparou.
— Por que eu teria algum equipamento comigo? Nós nem paramos no
motel.
— Achei que vocês carregassem essas coisas com vocês. — Ashley fez uma
careta. — Você não tem nada aí?
— Eu nem sei se essas coisas que meus pais usam são reais. — Logan riu.
— Além disso, eu só apareci no programa uma vez. Eu mal sei como usar essas
coisas.
Ashley revirou os olhos. Uma brisa quente soprava através dos zimbros e
os raios de luz do sol através dos galhos eram espessos como ouro. A música do
piano continuou, suave, doce e balançando ao vento. Ashley olhou para Logan
e então se virou para a cabana. O coração de Logan disparou. Havia algo
familiar nisso, assim como havia algo familiar nas árvores. Apenas estava fora
de seu alcance, uma memória tão fraca quanto um fio de cabelo.
— Está vindo daqui — Ashley disse. Sua voz era tão suave que parecia
estar em transe. — Vou te mostrar.
Elas caminharam até a frente da construção. Cabana era uma palavra
generosa. A estrutura estava completamente destruída, tábuas de madeira que
antes estavam em pé, agora estavam dobradas como se o céu tivesse
pressionado a palma da mão no telhado e inclinado a coisa toda. As janelas
estavam quebradas, fragmentos de vidro grudados nas molduras podres.
Almofadas de musgo cobriam os cantos do telhado.
— Você está sentindo esse cheiro? — Ashley perguntou.
Logan fechou os olhos. Havia um cheiro distinto vindo da cabana, como
cidra temperada e fumaça de lenha. Era um cheiro de que ela se lembrava,
embora não conseguisse identificá-lo. Isso invocou lembranças de risadas que
não conseguia ouvir. Ela sentiu o gosto de amoras na língua. Os ossos de uma
memória estavam espalhados diante dela, mas ela não conseguia trazê-los de
volta à vida. Essa familiaridade era sufocante.
— Você já esteve aqui? — Logan perguntou.
— Já… — Ashley parou. — Nós viemos aqui algumas vezes para curtir.
Só que eu nunca estive aqui durante o dia. É… diferente.
Elas seguiram seu rumo até a porta da frente. A música do piano
continuou, seguindo-as por todo caminho na varanda apodrecida. Quando
Ashley abriu a porta, a música parou, sendo substituída pelo gemido da
madeira velha debaixo de seus pés. O interior da cabana parecia menos surreal
do que o exterior, o chão estava repleto de latas de cerveja, cigarros gastos e
pegadas empoeiradas. As paredes estavam gravadas com nomes. Um sofá cinza
surrado estava pressionado no canto da sala principal, ao lado dele, um pano
manchado de sujeira cobria o que Logan supôs ser o piano. Ela não precisava
descobri-lo para saber que não era tocado há anos. Ela ficaria surpresa se ele
ainda pudesse tocar música.
— O que é isso? — Logan perguntou.
Ashley caminhou pela sala, correndo as pontas dos dedos pelas paredes.
— Eu realmente não sei. John o encontrou quando estávamos na oitava
série. Estava em um dos mapas de seu pai. Começamos a vir aqui nos fins de
semana para que nossos pais não nos encontrassem.
Logan assentiu.
— Tristan vinha aqui também?
— Aham.
Logan se virou para a janela que dava para o lago. Fragmentos de vidro
quebrado cobriam a sujeira do lado de fora, segurando pontos de luz do sol
branca. Descendo a margem, o lago Owyhee desaguava na costa. Esse lugar já
foi lindo uma vez. Logan quase conseguia imaginar.
Atrás dela, Ashley engasgou de choque.
Ela encarou a frente da sala, cambaleando como se quisesse correr. Seus
olhos estavam fixos no espaço vazio à sua frente.
— O que…
— Shhh. Você não escutou isso?
Logan tentou escutar, mas além dos sons padrão da cabana e da floresta,
ela não ouviu nada. Os olhos de Ashley estavam arregalados de medo. Ela
recuou lentamente até que seus ombros encontraram a parede.
— Eles estão entrando.
— Quem? — Logan sussurrou.
Ashley olhou para Logan, olhos azuis marejados de pânico. Ela se virou
para a porta, e sua expressão mudou de medo para confusão.
— É… seu pai?
Foi a vez de Logan ficar confusa. Ela observou a porta da frente, seguindo
o olhar de Ashley, mas não havia nada. Nem mesmo uma sombra para ser
confundida com uma pessoa. Ela não ouviu vozes. Nem passos. Era apenas a
floresta, a cabana e o nada.
— Não estou vendo nada.
Ashley seguiu encarando, com as palmas pressionadas contra a parede.
— Ashley — Logan tentou.
— Ele… — Ashley fechou os olhos. — Eu estou tentando… Ele está
gritando com alguém. Ele só continua dizendo que não sabe.
— Quem? — Logan exigiu.
— Seu pai — Ashley disse novamente. — Ah… hum, Brandon.
Outro momento de silêncio se passou, os olhos de Ashley vidrados em
um ponto no centro da cabana. Logan fechou os olhos, tentou ouvir, mas não
havia nada.
— O que está acontecendo?
— Parece que alguém está falando com ele, mas eu não consigo ouvir.
Brandon diz que está arrependido. Ele diz que não sabe o que fazer.
— Não tem ninguém aqui.
O olhar de Ashley se virou para Logan.
— Você tem que ver ele. Não é possível que…
Logan olhou para a entrada da cabana, mas estava vazia. Seu estômago
pesou. Toda a cabana estava vazia. Não havia como alguém estar ali e ela não
conseguir ver. Este não era o tipo de coisa que acontecia na vida real. Pessoas
invisíveis eram o tipo de coisa que acontecia em um episódio filler{17} do
ParaEspectadores quando eles não tinham dinheiro para efeitos especiais.
Logan engoliu em seco.
— O que ele está fazendo agora?
— Só está ali, parado — Ashley disse. Ela estreitou os olhos. — É como
se ele estivesse ouvindo. Mas não a gente. Ele diz que tem que ir. Ele diz… —
Ela pausou e olhou para Logan. — … Ele diz que as pessoas vão descobrir. Ele
diz que ninguém pode encontrar o corpo.
— O quê? — Logan perguntou. — Que corpo?
— Eu não sei, eu só estou repetindo…
Ela ficou em silêncio novamente.
Logan se afundou no sofá, fechou os olhos e escutou, mas não tinha
nada.
— Você realmente não consegue enxergar? — Ashley perguntou
— Não, eu não consigo enxergar — Logan retrucou. — Eu não consigo
dizer se você… se isso é uma pegadinha? Não tem como isso ser real.
Ashley balançou a cabeça
— Eu não consigo o ver mais.
Logan pressionou o rosto contra as palmas das mãos. A cabana girou ao
seu redor. Era como se ela estivesse presa em um pesadelo, novamente. Isso
tinha que ser uma piada, alguma armadilha para tirar sarro dela, mas Logan
não conseguia entender a piada.
— Ele se foi — Ashley murmurou. — Eu não entendo. Eu…
— Com quem ele estava falando? Meu pai? — Logan perguntou
rapidamente.
— Eu não sei. — Ashley passou a mão trêmula pelo rabo de cavalo. —
Eu não sei o que eu vi. Eu não…
Logan checou seu telefone, mas elas estavam a quilômetros de qualquer
sinal de celular. Ela queria perguntar a Alejo sobre isso. Ela precisava de
respostas reais, não dos eu não sei de Ashley.
— Você acha que seu pai é quem morava aqui? — Ashley perguntou. —
Ele disse algo sobre “a casa”.
— Aqui? — Logan gesticulou para a sala de estar em ruínas. — Este
lugar está abandonado há décadas. Não tem como ele ter morado aqui.
— Então por que ele estaria aqui?
— Não faria sentido viver aqui — Logan disse. — É a quilômetros de
qualquer coisa. Completamente isolado. Ele estaria completamente…
— …sozinho — Ashley completou.
Ashley se juntou a Logan no sofá. Elas se sentaram em silêncio, Logan
com o rosto nas mãos e Ashley encarando a porta da frente. A brisa da cabana
estava mais fria agora, embora Logan suspeitasse que fosse por causa da
ansiedade que agitava seu estômago. Brandon estava certo quando disse que as
coisas em Snakebite estavam fora de lugar. Mas com o desaparecimento, os
fantasmas, elas não deveriam envolvê-lo. Ela veio até aqui com Ashley para
limpar o nome dele, não para ligá-lo ao mistério.
Primeiro Ashley tinha visto o fantasma de seu namorado. Agora ela tinha
visto Brandon. Seria impossível convencê-la de que os dois não estavam
conectados.
— O que nós fazemos agora? — Logan perguntou.
Ashley se inclinou para trás. Suas mãos ainda tremiam. Ela olhou pela
janela da cabana e fechou os olhos.
— Você vem comigo. Temos… muito o que conversar.
12

Rebanho de ovelhas sombrias {18}

Elas dirigiram de volta para Snakebite em silêncio.


Ashley levou Logan para o Chokecherry, o primeiro e único pub de
Snakebite. Se questionou como Chokecherry parecia para uma pessoa de fora.
Ela cresceu cobiçando as paredes cheias de discos antigos, os trens de
brinquedo, as camisas de futebol e os violões. Cheirava a molho de asinhas de
frango e gordura, o ar coberto por uma película de calor oleoso da cozinha.
Fotos de fazendas de gado e tratores enferrujados foram pregadas
aleatoriamente nos painéis de madeira. Uma velha espingarda estava montada
atrás do bar, completa com galhadas de ouro gravadas no cabo. Não havia um
edifício em Snakebite que fosse tão essencialmente Snakebite. A história de sua
pequena cidade foi registrada aqui em pilhas de recordações.
Hoje, o bar estava vazio, o que não era surpreendente em um dia de
semana. O céu lá fora desceu em direção ao crepúsculo, e o estômago de
Ashley gemeu pedindo alguma comida de bar antiquada. Elas pegaram uma
velha mesa vinil, Logan sentada de um lado e Ashley do outro. Gus — o dono
do Chokecherry, bartender, garçom e zelador — foi até a mesa delas com um
caderno em mãos.
— Ei, Gus — Ashley disse. — Só uma Black Butte e batatas fritas.
Gus assentiu com a cabeça e se virou para Logan, que olhou de Ashley
para Gus sem parar, como se a situação toda fosse uma armadilha. Finalmente,
ela deu uma olhada no cardápio e limpou a garganta.
— Hã, vou querer a bebida que ela falou e umas asinhas de frango? E tem
como embrulhar elas para viagem?
— Não, ela vai ficar — Ashley disse. Ela ainda tinha centenas de
perguntas e Logan não iria embora enquanto não desse algumas respostas. —
Tudo é para consumo aqui. Eu pago.
Gus olhou para Logan.
— Você tem mais de vinte e um anos?
— Sim? — Logan tentou.
Gus deu de ombros e foi para a cozinha, deixando-as sozinhas. Nunca, na
história do Chokecherry, Gus realmente verificou a identidade de alguém. Era
uma regra não falada — todo adolescente em Snakebite vinha aqui por cervejas
baratas e batatas fritas e, contanto que prometessem não dirigir e pagar a conta
por inteiro, Gus não tinha problema em servir. A polícia em Snakebite não se
importava, e o tipo de polícia que se importava nunca colocaria os pés em uma
cidade tão longe da civilização.
Logan se acomodou em seu assento. Seu desconforto estava claro em seu
rosto e Ashley não tinha certeza se era o bar ou os fantasmas ou porque ela só
não queria estar ali com a garota que acabou de contar que o fantasma do pai
dela falou um monte de coisas incriminatórias. Ela não podia culpar Logan se
fosse por todas as opções anteriores. Uma música do Johnny Cash tocava da
jukebox do outro lado do bar. Um mosquito zumbiu perto da orelha de Ashley.
Ela se inclinou para frente até Logan encontrar seu olhar.
— Acho que deveríamos falar sobre…
— Sim, eu sei — Logan rebateu. — Eu só… Posso ter um tempo para,
tipo, processar?
— Sim, claro — Ashley disse. Ela olhou para o tampo da mesa gravado e
estudou a madeira. — Eu também estou surtando. Fui eu quem vi. Acho que
só estou confusa. Quero dizer, seu pai não está morto.
— Certo.
— Então são duas agora.
Logan ergueu uma sobrancelha.
— Duas coisas fantasmagóricas que vi de pessoas que não estão mortas.
— Duas?
— Tristan — Ashley esclareceu. — Isso significa que ele provavelmente
está vivo.
Logan pressionou seu rosto na palma da mão e arrastou a ponta dos
dedos pelo rosto, esticando a pele debaixo de seus olhos.
— Não faz o menor sentido. Eu estou tão confusa.
Ashley também estava confusa. Ver e ouvir Tristan era uma coisa, mas isso
era outra completamente diferente. Tristan era só um vislumbre. Ele era
momentos de familiaridade, estava lá e sumia tão rápido quanto um
relâmpago. Ter visto o pai de Logan foi real. Ele era tão realista que parecia
impossível Logan não ter visto também. Brandon Woodley esteve naquela
cabana, parado na frente dela. Ela poderia ter estendido a mão e o tocado, se
não estivesse com tanto medo.
— Seus pais nunca falaram nada sobre a cabana antes? — Ashley
perguntou.
Uma sombra atravessou a expressão de Logan. Ashley sentiu que tinha
pisado em uma mina terrestre. Ela não sabia muito sobre Brandon Woodley ou
Alejo Ortiz. Não sabia nada de quem eles eram antes de irem embora de
Snakebite ou quem eram agora. Ou por que desapareceram por tantos anos.
Ela passou a unha por uma rachadura na mesa, procurando as palavras certas.
Ashley se inclinou para frente.
— Eu só quero entender o que vi.
— Certo.
— Não vou contar para ninguém. Se é com isso que você está
preocupada. Provavelmente foi bom que nós vimos, no entanto. Se outra
pessoa tivesse visto…
— ...o que você viu — Logan deixou claro.
— ...poderiam ter uma impressão ruim.
Os olhos de Logan se estreitaram.
— Você está me chantageando?
— Ai, meu Deus, não. — Ashley passou a mão pelo rabo de cavalo. —
Eu só quis dizer, será que você podia me contar um pouco mais sobre ele?
Sobre seus dois pais, na verdade. Você os conhece melhor do que qualquer
outra pessoa.
— Eu nem sabia que eles eram daqui até alguns meses atrás. — Logan
revirou os olhos. — Por que está perguntando? Para ir dedurar? Eu sei que eles
não mataram ninguém.
A porta da cozinha se abriu, encerrando efetivamente a discussão. Gus
colocou suas comidas e bebidas na mesa e desapareceu para dentro da cozinha.
Ashley encarou suas batatas em silêncio. Ela não queria ser amiga de Logan,
mas ambas tinham algo em jogo naquilo. Ambas precisavam de respostas.
Logan hesitantemente deu um gole em sua bebida e seu nariz se enrugou;
aparentemente ela não gostou do gosto. Afastou a bebida com a mão e cruzou
os braços.
— Eu não vou dedurar — Ashley disse. — Ninguém acreditaria em
mim, de qualquer forma.
— Acreditariam em você mais do que em meus pais. — Logan pegou
uma de suas asinhas de frango, delicadamente evitando sujar os dedos com o
molho. — Todo mundo já nos odeia. Nem precisariam fazer muito esforço.
Ficariam felizes por você ter dado um motivo.
Ashley fez uma careta. Era um ponto sensato.
— Eu não quero um assassino. Um assassino significa que Tristan está…
— Ashley apontou para Logan com uma batata. — Nós queremos a mesma
coisa. Queremos que as coisas voltem ao normal.
— Normal — Logan bufou.
Ashley revirou os olhos.
— Não estou te chantageando.
— Claro.
— Você realmente não gosta de mim, né?
Logan parou de dissecar sua asinha e ergueu o olhar.
— Não é pessoal. Eu odeio, literalmente, todo mundo dessa cidade.
— Parece um pouco pessoal.
— Provavelmente porque está acostumada a todo mundo gostar de você.
Ashley bufou.
— Eu não estou… Deixa para lá.
Logan limpou a garganta e sorriu.
— Então, o que vem a seguir na investigação? Sabemos que a cabana é
assombrada. Talvez esteja conectada com o seu namorado.
Ashley fez uma careta.
— Descobriremos mais sobre a cabana, eu acho. Posso perguntar para a
minha mãe. Você pergunta para os seus pais também. Quando descobrirmos o
que ela é, podemos planejar os próximos passos. Mas a gente realmente devia
voltar lá.
O sino na porta da frente do Chokecherry tocou e Ashley congelou. Fran
e John entraram, seus olhos fixos na mesa de Ashley como se estivessem em
uma missão. Ashley procurou Paul atrás deles, mas, pela primeira vez desde que
ela se conhecia por gente, estavam sozinhos. Logan se virou e encarou Fran e
John com um interesse casual.
— Ashley — Fran disse, encostando na mesa delas. — Onde você estava?
Eu te mandei, tipo, um milhão de mensagens essa manhã. Está se sentindo
melhor?
Ashley sorriu.
— Desculpa, tem sido um dia estranho.
— Parece que sim. — Fran lançou um olhar cético para Logan. — Eu
sou a Fran e esse é o John.
— Sim, nos conhecemos — Logan disse friamente. — Ouvi dizer que
você perdeu a parte de cima de um biquíni.
Fran corou. Ela se virou de volta para Ashley e roubou uma batata de seu
prato.
— Parece que você está quase terminando. Pode nos dar uma carona para
casa.
— Eu… — Ashley olhou para Logan.
Logan deu de ombros.
— Vou ficar bem. Só me passa seu número e a gente se encontra mais
tarde.
Ashley digitou seu número no celular de Logan, então seguiu Fran e John
noite adentro.
O ar estava quente e doce do lado de fora do Chokecherry. Na maioria
das noites de verão, o vento seco que descia a rua principal cheirava a carne de
churrasco e uísque, mas naquela noite, carregava o almíscar estranho e
pungente do luto também.
Ashley subiu no banco do motorista do Ford e John e Fran subiram no
banco traseiro. Ela se sentiu, desconfortavelmente, como uma motorista
particular. Fran empurrou John de brincadeira e ele empurrou-a de volta antes
de deslizar sua mão na dela. Eles riram, quietos e calorosos, e toda aquela
exibição foi como um soco no estômago de Ashley. Era estúpido estar com
inveja, mas ela não sabia o que mais sentir.
— Então, isso é algo sério agora? — Ashley perguntou.
Fran limpou a garganta.
— É, hã, acho que sim. Nós oficializamos ontem à noite. Eu deveria ter
te contado.
— Não sei. Ash não te contou que estava passando tempo com sei-lá-
qual-o-nome-dela — John comentou.
Eles se afastaram do Chokecherry, para longe dos edifícios da Rua
Principal, em direção às fileiras apagadas de casas ao longo do lago. O Ford
rugiu na noite e Ashley ficou em silêncio. Ela deveria se importar com a vida
amorosa de Fran, mas seus pensamentos estavam presos na cabana. Nos
fantasmas. Em Logan.
— Tem sorte que te salvamos. — Fran riu. — Céus, seu rosto. Você
estava com aquela expressão que faz quando está fingindo ouvir, aquela que
seus olhos ficam tão arregalados. Você estava sofrendo tanto por conversar com
aquela lá.
— Não estava. Na verdade, ela é até interessante.
— Você é legal demais — Fran disse. — Estávamos aleatoriamente
passando e eu fiquei, tipo, John, meu Deus, ela é legal demais para isso. Não
sabe como ir embora. Nós temos que resgatá-la.
— E resgatamos — John acrescentou. — Ao seu dispor, Barton.
Ashley ficou feliz por estar dirigindo no escuro, porque tinha certeza que
a careta que fez causaria uma briga. Ela não tinha certeza do que estava
acontecendo consigo mesma. Ashley Barton não começava brigas. Não discutia
com as pessoas. Não tinha colapsos emocionais em florestas.
Eles continuaram dirigindo até chegarem na casa de John Paris. Era uma
casa apertada e verde que cabia perfeitamente no meio de duas casas idênticas,
só que de diferentes cores. John desceu do banco traseiro e seguiu em direção à
porta, mas Fran andou silenciosamente até a janela do motorista.
— Ei — ela sussurrou. — Você sabe que eu te amo.
Ashley sorriu.
— Obrigada. Também te amo.
— Sei que tem muita coisa acontecendo com você. Tudo isso… ainda é
por causa do Tristan?
Ashley olhou para o para-brisa. Era por causa de Tristan de uma forma
que ela não conseguia explicar. Não era só porque ele estava desaparecido. Ele
ainda estava aqui, grudado como uma sombra a cada passo dela. Era porque se
ela estivesse vendo coisas que não deveria ser capaz de ver, ninguém acreditaria
nela se tentasse explicar.
Ninguém, exceto Logan, e Logan era um problema totalmente diferente.
— Não quero que se sinta excluída por causa de mim e John — Fran
continuou. — Tipo, você é meu tudo. Você e Tristan eram a minha meta.
Lembro de olhar para você e ele e pensar que eu tinha que encontrar algo
parecido. — Fran passou o sapato pelo cascalho na lateral da rua. — Nós
vamos encontrá-lo e trazê-lo de volta. Mas…
Ashley limpou a garganta.
— Mas se não encontrarmos ele.
— ...se não encontrarmos ele, ou se alguma coisa aconteceu com ele. Não
sei… Você é minha melhor amiga. Vai ficar bem novamente?
Ashley piscou pela luz da varanda. Era uma pergunta justa, mas atingiu-a
em um lugar que parecia um poço sem fundo. Buscou por uma resposta, mas
só havia uma sensação obscura e vazia. Ela forçou um sorriso.
— Vou ficar bem, eventualmente. Só… me dê um tempo.
Fran assentiu.
— Sim… Quero dizer, é, claro. É uma porcaria. Mas estou aqui por você,
não importa o quê.
— Acho que só preciso de algo para me sentir normal de novo — Ashley
disse. Ela apertou os lábios. Uma ideia floresceu no fundo de sua cabeça. Ela
podia matar dois coelhos com uma cajadada só; investigar mais sem deixar
Fran e os outros de lado. Ainda podia fazer tudo isso funcionar. — Devíamos
fazer algo na cabana. Como costumávamos fazer.
— Seria bem divertido.
— E eu poderia levar a Logan.
Fran estreitou os olhos.
— Acho que você iria gostar dela — Ashley refletiu. — Vocês duas são
meio… Não sei, ela me lembra você. Mais ou menos. Se você odiá-la, não vou
convidar mais.
Fran considerou.
— Certo, tudo bem. Mas só porque você está passando por isso.
Ashley sorriu.
— Boa noite, Fran.
— Boa noite, Ashley.
Fran desapareceu dentro da casa de John, e Ashley ficou sozinha na noite.
Seu telefone apitou no bolso. Ela o puxou e analisou a notificação de nova
mensagem.

NÚMERO DESCONHECIDO: kk valeu por pagar o jantar, viu?

Ashley bateu sua cabeça contra o assento do carro.

AB: Desculpa, eu esqueci.

Depois de alguns segundos, outra mensagem apareceu.

NÚMERO DESCONHECIDO: Você atingiu seu limite de


mensagens para esse número. Terá que pagar um (1) jantar
antes de receber qualquer outra correspondência.

Apesar de tudo, Ashley riu. Não era muito, mas era um começo. Ela e
Logan não seriam amigas, mas iam chegar até o fim disso. Iam recuperar
Tristan. Ela ia parar de ver coisas que não deveria. Tudo ia voltar a ser como era
antes.
Ashley deu partida no Ford e dirigiu pela escuridão.
13

Uma frente unida de perdedores

Logan parou no centro do estacionamento do Motel Bates com uma


embalagem para viagem de asinhas de frango, palitos de muçarela e batatas
fritas com chili e queijo — todas as coisas que ela teve que pagar, já que a
Princesa Coloque-Na-Minha-Conta a deixou na mão. O mais fácil seria se
trancar em seu quarto, mas isso significaria outra noite passada no Twitter
sozinha. Significaria ligar a TV no volume máximo para abafar os gritos em seu
cérebro. Porque, de repente, tudo era demais: talvez fantasmas fossem reais,
talvez Brandon tivesse algo a ver com o desaparecimento de Tristan Granger, e
talvez ela fosse a única pessoa capaz de limpar seu nome.
Pelo menos, ela era a única pessoa que queria fazer isso.
Em vez de entrar em seu quarto para passar a noite, Logan apertou a
embalagem para viagem em seu peito e seguiu seu caminho para o quarto um.
Era o quarto em que viu Elexis entrar naquela outra noite. Depois de Ashley e
seus amigos, Logan estava desesperada para conversar com alguém da sua idade
que também não era ruim.
Ela bateu na porta uma vez. Houve um farfalhar dentro do quarto, então
a porta abriu. O garoto de touca da noite passada espiou para fora como se seu
quarto fosse uma fachada para um covil de criminosos.
— Oi — ela disse. — Sou a Logan, caso tenha esquecido.
Elexis piscou.
— Ouvi dizer que somos da mesma família. Nos conhecemos naquela
outra noite.
Os olhos de Elexis se arregalaram.
— É, eu sei. Não escrevi aquilo. Eu só…
— Sei que você não escreveu. — Logan balançou a embalagem para
viagem, batendo os palitos de queijo contra o papelão. — Elexis, certo? Está
ocupado? Trouxe presentes.
— Ah — Elexis suspirou. Ele olhou a embalagem para viagem em suas
mãos e suas sobrancelhas se franziram. Relutantemente, abriu o restante da
porta e gesticulou para Logan entrar.
O interior do quarto de Elexis era completamente diferente do seu. O
papel de parede florido estava quase inteiramente coberto com cartazes de
vídeo game. Ele tinha se livrado de uma das camas de casal e substituiu-a por
um futon marrom retorcido. A outra cama foi empurrada contra o canto do
quarto, atolada de travesseiros de todos os tamanhos e formatos. O ponto focal
do cômodo era o suporte de TV que parecia ser um santuário para o PS4 dele.
A TV estava pausada no que parecia ser algum tipo de jogo de tiro de caubói.
Pelo menos alguém estava se divertindo.
Um garoto que Logan não conhecia estava sentado no futon, vestindo
uma camiseta do Homem de Ferro. Ele mexia em pedaços soltos de
eletrônicos, erguendo o olhar para o som da porta se fechando. Seus olhos
castanhos arregalados estavam assustados e curiosos.
— Vocês gostam de palitos de muçarela? — Logan perguntou. Ela
colocou a embalagem para viagem em cima do futon e delicadamente a abriu.
— Provavelmente estão frios agora, mas…
— Você é… — o garoto Homem de Ferro disse.
— Logan. Qual é o seu nome?
— Nick. — Ele pegou um dos palitos de muçarela. — Não escrevemos
aquilo na porta dos seus pais.
— Eu sei que não — Logan disse.
Nick e Elexis trocaram um olhar nervoso.
— Escreveram mais alguma coisa? — Elexis perguntou. Ele atravessou o
cômodo e parou de frente para a TV, como se quisesse esconder o jogo que
estivera jogando. — Eu sei quem fez. Vi a caminhonete de John Paris aqui
naquela noite. Ou melhor, ouvi ela. Me acordou. Então eu te acordei.
— Não é uma surpresa. Eu esbarrei nele no bar e me pareceu ser um
amor de pessoa — Logan disse. Ela balançou a mão. — Na verdade, vim aqui
saber se vocês queriam passar um tempo juntos. A família precisa ficar unida.
— Não sou seu parente — Nick disse.
— Não tem muita gente da nossa idade por aqui. — Logan quebrou um
pedaço do palito de muçarela. — E minha companhia para o jantar meio que
me abandonou.
— Você já está tendo encontros? — Nick perguntou. — Acabou de se
mudar.
— Modo de falar.
— Ela estava saindo com a Ashley Barton — Elexis interveio. — Eu vi
vocês saindo da cidade essa manhã.
— Correto — Logan sorriu. — Eu estava saindo brevemente com a
Ashley Barton.
— Por quê?
— Estamos caçando fantasmas.
Tanto Elexis quanto Nick encararam ela. Depois de um momento, eles
riram. Logan riu também, porque às vezes era mais fácil só contar a verdade e
deixar as pessoas pensarem o que quiserem disso. Se Elexis e Nick pensassem
que ela estava brincando, não iria corrigi-los. Convencer alguns garotos
adolescentes que o impossível existia não fazia parte da sua lista comum de
atividades divertidas para festas. Ela mesma mal acreditava.
— No que você está trabalhando? — Logan perguntou, se inclinando
para dar uma olhada melhor na engenhoca nas mãos de Nick.
— Estou montando um computador — Nick disse. — Você e a Ashley
são amigas?
— Não. É algo estritamente profissional.
Depois de um longo momento, Nick suspirou e soltou seus pedaços de
plásticos e fios.
— Você é tão sortuda. Queria eu ser amigo da Ashley Barton.
— Bem, ela está solteira agora — Logan deu de ombros. — Você
provavelmente pode dar uma investida.
Elexis arfou.
— Isso não é engraçado.
Logan se afundou no canto do colchão de Elexis e colocou as mãos nos
joelhos.
— Desculpa. Mas, uma pergunta: vocês… gostam do Tristan Granger?
Gracia parecia odiar ele.
— Ah, é só a Nana — Elexis disse. — Ela odeia porque ele e seus amigos
costumavam me azucrinar. Mas eles meio que faziam isso com todo mundo. E,
na verdade, nem era o Tristan.
— É, Tristan nunca falou nada para mim — Nick entrou na conversa. —
Ele e a Ashley sempre foram legais.
— Mas eles deixavam os amigos azucrinar vocês?
Elexis e Nick ficaram quietos.
— Por que me contou sobre aquele negócio na porta dos meus pais?
— Não sei — Elexis disse. — Só senti que deveria.
— Hã. Bem, valeu. — Logan relaxou. — Muitas pessoas aqui parecem
odiar bastante a gente. Mas não vocês. Por quê?
Elexis deu de ombros.
— Porque não acho que seu pai tenha feito alguma coisa.
— Por quê?
— Ele só… não parece ser alguém que faria. — Elexis estreitou seus
olhos para o vídeo game, matando rapidamente um bando de bandidos
mascarados. — Além do mais, se eu dedurar a família, minha nana me
mataria.
Logan piscou; não estava esperando tanto. Ela se acalmou e sorriu.
— É assim que nós, gays, enganamos vocês. Ficam distraídos pelas
camisas chiques e quando percebem, estão sendo jogados na lixeira dos fundos.
Nick engasgou.
— Você é muito mais estranha do que parece.
Logan sorriu. Era como se ela tivesse passado em algum tipo de teste —
Elexis voltou para seu jogo enquanto Nick mexia nas peças de computador,
explicando cada uma delas para Logan. Ela ouviu e assentiu com a cabeça,
pegando petiscos da sua caixinha e, pela primeira vez desde que chegou em
Snakebite, parecia que ela conseguia respirar. Se a cidade fosse uma guerra, o
quarto de Elexis era um único pedaço de santuário. Os meninos não eram a
multidão ultra-queer de conhecidos que ela tinha em L.A, mas Snakebite era
um mundo diferente. Aqui, as pessoas ou eram seus aliados ou eram seus
inimigos. Ela não tinha certeza do que Ashley era, mas Nick e Elexis estavam,
pelo menos, vagamente ao seu lado.
Ela finalmente tinha encontrado aliados.
14

Luto como sementes

— As garotas não quiseram vir? — Tammy perguntou da cozinha, colocando


uma massa no forno. Seus cachos loiros claros estavam enfiados em uma tiara
de academia, a maquiagem feita perfeitamente. Ela claramente esperava
convidados. — Fiz o suficiente para a turma inteira.
— Elas estavam ocupadas — Ashley mentiu. — Está tudo bem. Fico feliz
que seja só você e eu.
Historicamente, os brunches de domingo de manhã no lago tinham a
habilidade mágica de melhorar qualquer tipo de tristeza. Foi assim que ela
superou ter tirado nota baixa em uma prova de matemática e a primeira vez
que o Ford quebrou e a primeira vez que Fran decidiu temporariamente que
não queria mais ser sua amiga. Era meio impossível acreditar que o brunch
podia solucionar o problema do desaparecimento de seu namorado, mas valia a
pena tentar. Pelo menos, era uma chance de descobrir mais sobre a cabana.
Enquanto Tammy arrumava um prato de torradas e geleia, Ashley
montou a mesa no deck dos fundos com os talheres, canecas e uma garrafa de
café fresco. O céu ainda estava rosado da manhã, o vento do lago vindo puro e
fresco, mas o sol estava grande e baixo no horizonte, encarando-as através do
calor. Estava cedo demais para estar tão quente do lado de fora, mas é assim
que estava sendo desde o desaparecimento de Tristan. Ou quente demais ou
frio demais, sempre um extremo. Tammy se acomodou com seu café e um livro
de autoajuda para “garotas empoderadas”. Ashley deixou seu chá de hibisco em
infusão e recostou a cabeça na cadeira, inspecionando os galhos de zimbro
emaranhados acima. Isso era fácil. Ashley inalou e exalou e parecia a primeira
vez que fazia isso em semanas.
— O que está acontecendo com você? — Tammy perguntou. Ela
prendeu uma mecha solta do cabelo de Ashley atrás de sua orelha. — Você
parece estressada.
Ashley fechou as mãos ao redor de sua caneca para se esquentar.
— O de sempre. Estou bem.
— Tristan?
Ashley olhou para a água.
— Se ele estiver por aí, vai voltar — Tammy disse. — Você tem tudo sob
controle. É assim que nós, garotas Barton, somos. A calmaria durante a
tempestade.
Ashley assentiu com a cabeça.
— Não é querendo tornar isso sobre mim, mas posso dizer por
experiência própria que, às vezes, garotos vão embora porque acham que vão se
encontrar em outro lugar. — Tammy deu um longo gole de café. — Às vezes,
eles voltam diferentes. Se Deus quiser tirá-los de sua vida, Ele irá. As coisas
sempre se encaixam no final. Não se preocupe demais.
Ashley desejou que fosse tão fácil quanto sua mãe fazia soar. Mas essa
situação não era como a de seu pai — Tristan não partiu para outra cidade com
uma nova família. Ele não tinha fugido para evitar uma vida aqui. Na verdade,
Tristan estava pronto para tornar Snakebite sua para sempre. Toda vez que ela
fechava os olhos, o via na floresta. Via ele engasgando, machucado, morrendo.
Ela o via em seu quarto. Lembrava da última conversa que tiveram, um
em cada lado do cômodo, e seu peito doía. Ela desejava poder desfazer esse
último momento, voltar tudo e tentar de novo.
Ela precisava mudar de assunto.
— Não é só sobre o Tristan. Eu meio que me sinto mal pela forma como
estamos tratando aquela nova família — Ashley disse. Ela encarou atentamente
a costura do braço de sua cadeira, ignorando a forma como sua mãe se virou
para olhá-la. Os olhos de Tammy passaram por ela, frios como gelo. Era a
intensidade característica que sempre serviu bem às mulheres Barton.
— Ah, os Ortizes.
— É. Na verdade, Ortiz-Woodley — Ashley esclareceu. — Acho que eles
juntaram com um hífen.
Tammy soltou um hmm suave. Ela baixou o olhar para seu livro.
— Você acha que estou sendo maldosa? Se os conhecesse melhor,
entenderia.
— Como você conhece eles?
Tammy não disse nada. Ashley não sabia muito sobre os Ortiz-Woodleys,
mas até a própria Logan não parecia saber muito também. Todo mundo em
Snakebite tinha algum tipo de vingança antiga contra os dois homens — e, por
consequência, Logan —, mas ninguém estava disposto a explicar. Era uma
coisa antiga, dormente, quieta e imóvel.
— Sabe, li um artigo pouco tempo atrás sobre pessoas como a filha —
Tammy continuou, como se Ashley não tivesse lhe feito uma pergunta. Ela se
encostou na cadeira e olhou para o lago acinzentado. — Estudos dizem que
elas normalmente ficam bem, na verdade. Totalmente normais. Pensei que a
falta de equilíbrio em casa tornaria difícil para que crescessem bem. Mas o
artigo diz que elas são como aquelas plantas que crescem na escuridão.
Resilientes.
Ela disse resiliente com uma intensidade em sua voz, como se Logan fosse
um soldado marchando contra seus pais opressivamente gays.
— Sei lá — Ashley disse. — Ela parece ok. Eu mal conheci os pais dela.
Tammy balançou sua cabeça. Ela segurou a caneca de café e fechou os
olhos enquanto a brisa do lago tocava seu rosto. Ela ficava assim às vezes
quando estava presa em uma memória tão forte que brevemente substituía a
realidade. Era a expressão que ela tinha quando falava sobre o pai de Ashley.
Era a expressão que tinha quando falava sobre aprender o trabalho do rancho
com a Vovó Addie. E agora era a expressão que tinha quando pensava nos
Ortiz-Woodleys.
— É melhor assim — Tammy disse. — Não acredito nessas coisas, mas
aqueles dois são uma maldição. Eles eram quando moravam aqui antes, são
agora e sempre serão. Juro, tudo o que eles tocam simplesmente desmorona. Eu
não ficaria surpresa se mais jovens desaparecessem antes de eles irem embora.
— Mãe… — Ashley ofegou.
— Queria estar sendo dramática. — Ela inalou, forte e de repente. — Se
eu fosse você, ficaria longe daquela família inteira. Mesmo se a filha for normal,
não vale a pena. Eles são como um veneno. Não sei por que continuamos
deixando-os voltar para cá.
— Você disse ao pai dela que seria legal.
— Eu disse que seria legal com a garota — Tammy esclareceu,
propositalmente não falando o nome de Logan. — E Alejo me conhece bem o
suficiente para saber que ignorá-los é minha forma de ser legal.
Ashley concordou com a cabeça. Ela queria saber como ele a conhecia
bem o suficiente, mas não pressionou. Olhou para a superfície rodopiante de
seu chá e o aroma de hibisco fez seus olhos lacrimejarem. Talvez sua mãe
estivesse certa. No momento em que os Ortiz-Woodleys chegaram, Snakebite
se tornou uma coisa amarga e defensiva. Desde que chegaram, as sombras
tinham dentes. Até mesmo o brunch parecia contaminado.
— Eles fizeram alguma coisa? — Ashley perguntou.
Tammy não olhou para ela.
— Sim. De certa forma.
O lago ondulou à luz do sol. O céu estava largo e brilhante, mas hoje
parecia uma mentira. Uma ilusão de Snakebite de uma época em que tudo era
mais simples.
— Não quero que você se preocupe. — Tammy sorriu. Ela pegou a mão
de Ashley e a apertou. — Snakebite é mais forte do que você pensa. Eles vão
embora ou vamos cuspi-los para fora de novo.
Ashley assentiu com a cabeça. Ela passou cuidadosamente o dedo pelo
braço da cadeira.
— Vocês costumavam passar tempo na cabana quando tinham a minha
idade?
Tammy piscou.
— A cabana?
— É. Tem uma cabana do outro lado do lago. Parece que está lá há
séculos. — Ashley traçou o padrão floral na lateral de sua caneca. — Só estava
me perguntando se vocês costumavam ficar por lá.
Tammy ficou quieta.
— Eu e a galera ficamos lá às vezes.
— Eu sei disso.
Os olhos de Ashley se arregalaram.
— Está bem, legal. Só estava me perguntando se você já viu alguém lá
ou…
— Ou?
— Ou se sabe quem é o dono?
— Meus amigos e eu nunca “ficamos” por lá porque ela não existia
quando eu tinha sua idade — Tammy disse. — A cabana não tinha sido
construída até eu ter… vinte e quatro? Talvez vinte e cinco anos?
— Espera, sério? — Ashley se sentou mais ereta. — Ela parece muito
antiga.
— Não sei o que te dizer sobre isso. Mas realmente gostaria que vocês
não ficassem por lá.
— Por quê?
— Porque estou mandando.
Ashley passou os dedos nas pontas de seu rabo de cavalo.
— Mas alguém deve ter construído. De quem é?
Tammy tomou um longo gole de café, seus olhos fixos no lago. Por um
momento, Ashley achou que ela não iria responder. A cabana seria só outro
segredo que Ashley não mereceria saber. Mas Tammy colocou sua caneca na
mesa e balançou a cabeça.
— A cabana é minha.

***
No Bates, a manhã chegou sem cerimônia.
Não era como a luz rosa em cascata dos amanheceres lentos de L.A. Em
Snakebite, estava escuro e depois estava claro. Se Logan piscasse, com certeza
perderia. Quando ela colocou o café no micro-ondas, estava escuro como à
meia-noite. Quando saiu para respirar um pouco de ar fresco apenas alguns
momentos depois, era uma manhã de cor creme.
Provavelmente não significava nada, mas dado tudo que viu
recentemente, fez com que ela se sentisse nervosa.
Logan sentava-se sozinha no estacionamento quase todas as manhãs, com
café de micro-ondas na mão. O nascer do sol tornava mais fácil pensar, mas
esta manhã ela lutou para se concentrar. Sonhou em ter sido enterrada
novamente, e o pesadelo permaneceu como uma segunda pele. Foi diferente da
primeira vez. Desta vez, ela abriu caminho para fora de sua tumba. Levantou-se
da terra, rastejou com toda sua determinação e olhou para a noite escura
espessa.
Ela rastejou para fora de sua cova e foi parar ali.
Em Snakebite.
Naquele lago estúpido.
A porta do quarto oito se abriu, e Brandon saiu para a manhã sufocante.
Ele estava vestido com jeans largos em seus tornozelos e uma mochila cheia de
equipamentos de caça aos fantasmas. Seu moletom dizia MADEIREIRA BARTON.
Ele parou na frente do Neon, aparentemente surpreso ao ver Logan no meio-
fio.
— Moletom maneiro — Logan disse. — Achei que as Bartons fossem do
mal.
— Já que estamos em Snakebite… — Brandon disse, olhando para o
logo. Sua careta era pequena, mas impossível não notá-la. — Você está
acordada cedo.
— Eu acordo cedo toda manhã.
— Ah. — Brandon ficou parado ali por um longo momento. Ele bateu o
pé no pavimento, procurando algo a dizer.
Logan permaneceu em silêncio. Dado ao que Ashley viu na cabana, ela
não fazia ideia do que dizer para ele. Mas, na verdade, ela nunca sabia o que
dizer para ele. Mesmo se não tivesse nada a ver com o desaparecimento de
Tristan, mesmo se o escrito em sua porta fosse uma brincadeira, ele estava
escondendo algo.
Brandon limpou a garganta e disse:
— Te vejo mais tarde, então.
Ela ofereceu um rápido aceno e foi isso. Brandon entrou no Neon e
cuidadosamente se afastou do Bates. Logan o observou virar à esquerda em
direção à rodovia e fez uma anotação mental sobre isso. Ou ele estava dando
uma passada na cidade ou estava indo em direção ao lago. Em direção à
cabana.
Atrás dela, Alejo limpou a garganta. Ele estava parado na porta do quarto
oito vestido com um roupão xadrez, seu cabelo na altura dos ombros ainda
estava molhado do chuveiro. Ele gesticulou para o meio-fio onde ela estava
agachada.
— Parece confortável.
— Está ótimo.
— Você podia se esforçar um pouco mais.
Logan arqueou uma sobrancelha.
— No quê?
— Seu pai acabou de tentar ter uma conversa com você, ou você não
percebeu isso? — Alejo se encostou contra o batente da porta. — Ele está
tentando. Você pode tentar também.
— Eu e ele estamos bem.
— Logan.
— O quê? Desculpa se não estou super falante o tempo todo. Eu odeio
esse lugar. Só fico parada sem ter nada para fazer. — Logan deu outro gole no
café e olhou para o brilho suave do horizonte.
Não era assim que ela normalmente falava com Alejo — essa ira era
geralmente destinada aos homofóbicos na conta do Twitter de seus pais —,
mas ela estava cansada disso. Estava cansada de ser tratada como irracional,
sendo que estavam mentindo e impedindo-a toda hora. Ela estava cansada de
ser a vilã da história.
Alejo se mexeu.
— Entendo que esteja entediada, mas você não precisa ficar parada o dia
inteiro. Pode se inscrever nas faculdades.
— Para estudar o quê?
— Não sei. Você gosta de história — Alejo disse. — Provavelmente está
tarde demais para o período de outono, mas ainda pode entrar na primavera.
Eu amei a faculdade. Talvez você aprenda bastante coisas sobre si mesma.
— Eu já sei tudo sobre mim mesma. — Logan se encostou e fechou os
olhos. — E, além do mais, estou no meu ano sabático.
— Jesus — Alejo disse, cobrindo sua boca para abafar uma risada. — Por
que você não entra para tomar um café?
Logan ergueu sua caneca.
— Já tenho um.
— Me deixe reformular: entre. Precisamos conversar.
Logan se esforçou para levantar do meio-fio e seguiu Alejo para dentro.
Tendo em vista que ela, pelo menos, se esforçou para humanizar seu quarto, o
de Brandon e Alejo parecia ter sido feito o contrário. As paredes estavam vazias,
camas limpas e precisamente arrumadas, os produtos de higiene pessoal do
motel intocados. Era o tipo de quarto que ela viu em programas criminais
quando um agente secreto queria ficar fora do radar. Eles estavam hospedados
no Bates há quase um mês e Brandon estivera ali por mais tempo ainda.
Algo estava errado.
Alejo puxou uma cadeira da mesinha ao lado da janela e gesticulou para
Logan se sentar.
— Estou fazendo uma garrafa. Quer um refil?
— Hã, claro — Logan disse. — Vocês estão mantendo aqui super limpo.
— É, bem… — Alejo deslizou para a cadeira na frente dela. A luz do sol
estava acobreada sobre seu rosto. — Eu morei nesse motel minha vida inteira
antes de conhecer seu pai. Não estou exatamente muito feliz por estar de volta.
Isso me ajuda a lembrar que é temporário.
— Ah — Logan disse. — Não sabia que você morava aqui aqui.
— Eu te disse que Gracia é mi tía — Alejo disse. — Quando eu era
criança, esse motel tinha principalmente nós, Ortizes. Eu e meus pais
morávamos do outro lado. — Ele olhou ao redor. — Não lembro se alguém
morava nesse aqui. Talvez estivesse vazio naquela época.
— Espera. — As sobrancelhas de Logan franziram. — Eu tenho mais
família aqui?
A expressão de Alejo era melancólica.
— Ah, bem, meus pais se mudaram de Snakebite muito tempo atrás. Não
sei para onde. Eles não me contaram. Mas Gracia é nossa família. Elexis é seu
primo. É legal saber que não estamos totalmente sozinhos, né?
— Uau… — Logan refletiu. — E quanto ao lado do Brandon?
— Não mais, eu acho — Alejo disse. — O pai dele costumava ter uma
loja de barcos aqui, no entanto. Ele dava aulas de álgebra para o meu irmão
antes de se aposentar. É engraçado… Eu e seu pai estávamos no mesmo ano
durante o ensino médio, mas só fui conhecê-lo quando voltei da faculdade.
Ele disse isso casualmente, mas ficou claro que o antes da faculdade era
um mundo totalmente diferente do depois. Ela nunca pensou muito sobre as
vidas de seus pais antes dela. Não conseguia imaginar como foi para eles
ficarem nessa cidade sozinhos por tanto tempo.
Ela terminou sua caneca de café.
— Você queria conversar sobre alguma coisa?
— Certo. — Alejo encheu seu copo e a caneca de Logan, mas sua
expressão estava cautelosa. Parecia controlada. Alguma coisa estava deixando-o
nervoso. — Eu ainda não conversei com seu pai sobre isso porque é um
assunto delicado, mas estava botando a conversa em dia com um colega outro
dia e ele me contou que você fez uma nova amiga…
— Ashley?
— Creio que sim — Alejo disse. — Ashley Barton.
— É. Mas não somos amigas.
— Mas você passou o dia inteiro com ela? — Alejo perguntou.
— Quem estava nos monitorando tão de perto?
Alejo balançou a mão.
— Isso não importa.
— Eu fiz algo de errado?
— Não, só… me ajude aqui — Alejo disse. Ele pressionou a ponta dos
dedos na ponte do nariz. — Se você e Ashley não são amigas, por que estava
andando com ela?
— Porque tem, tipo, quatro pessoas da minha idade nessa cidade?
— É, bem, se ela for que nem a mãe, prometo que há opções melhores.
Logan riu. Alejo sempre ensinou-a que, se ela quisesse a verdade, tinha
que retribuir. As pessoas só lhe deviam honestidade se você também fosse
honesto. Então ela deu de ombros.
— Estamos caçando fantasmas.
— Você está falando sério? — Alejo encarou-a como se não tivesse
entendido. Esse choque era diferente da sua persona extremamente dramática
da TV.
— É. Coisas estranhas andam acontecendo em Snakebite. Já que vocês
nunca me contam nada, decidimos conseguir algumas respostas por nossa
conta.
— Desde quando eu não te conto as coisas? — Alejo perguntou,
indignado.
— Certo, por que estamos aqui?
— Estamos procurando um cenário para o programa.
Logan revirou os olhos.
— E qual caso estão investigando?
— Seu pai já te contou. Você notou a estranheza daqui. Tempo estranho,
presságios sombrios…
— Não sabia que vocês eram meteorologistas.
— Se Ashley quer respostas, ela pode perguntar para a mãe dela — Alejo
disse. Ele pressionou a ponta dos dedos contra a mesa, fazendo seu melhor para
esconder o desdém. — Não acho que Tammy Barton ame alguma coisa mais
que o som da sua própria voz.
— E quanto às minhas perguntas?
— Manda ver.
Logan respirou fundo.
— A investigação tem algo a ver com Tristan Granger?
— Quem?
— O garoto desaparecido.
— Ouça — Alejo disse. Ele apertou a ponte do nariz. — Você sabe como
é no começo. Talvez tenha algo a ver com o garoto desaparecido, talvez não.
Sabe que não temos muitas pistas no começo. É um programa investigativo.
— Bem, o timing de vocês não é muito bom — Logan disse. — Agora
todo mundo acha que vocês estão envolvidos nisso.
Alejo franziu as sobrancelhas.
— O que mais você queria perguntar?
— Certo. — Logan quase desejou ter trazido um caderno. Ela limpou a
garganta. — Hã, fantasmas… o que eles são?
Um silêncio e, então, Alejo riu. Ele cobriu a boca para esconder um
sorriso presunçoso, e então voltou ao normal rapidamente.
— Não estou rindo de você, eu só… Há quantos anos estamos fazendo o
programa? Você sabe o que os fantasmas são.
— Fantasmas de verdade.
Alejo arfou.
— Não gostei do que você está sugerindo.
— As coisas que vocês caçam são… — Logan limpou a garganta. — Eu
só quero saber o que é a coisa real. Se é que existe uma coisa real.
Alejo olhou para sua caneca. Essa sempre era sua reação quando ela falava
ceticamente sobre o programa. Até o momento, Logan não sabia dizer se isso
era vergonha de suas palhaçadas na TV ou frustração por ela questionar.
Provavelmente ambos. Não importava o quão ridículo fosse, Alejo parecia
realmente amar o programa.
Mas amar o programa e achar que ele era real eram duas coisas diferentes,
e as coisas que Ashley viu na cabana eram diferentes de qualquer uma que
apareceu no ParaEspectadores.
Alejo ergueu o olhar.
— Fantasmas de verdade não são o tipo de coisa que se mostra na TV.
— Você já viu um?
— Tipo… sim? É difícil explicar sem parecer que estou inventando. —
Alejo soltou uma respiração gentilmente entre seus lábios e olhou pela janela.
— Eu tenho sido capaz de vê-los minha vida inteira.
Logan piscou. Não só Alejo podia ver fantasmas — ele podia vê-los o
tempo todo. O aperto em seu peito mudou de raiva para admiração. Ela
empurrou sua caneca vazia pela mesa.
— Então os fantasmas no programa são…?
— Os fantasmas são reais. De certo modo. — Alejo bateu seus dedos na
mesa. — Todo lugar que fomos tinham fantasmas de verdade, mas isso não é
algo ruim. Todo lugar tem um. Fantasmas de verdade não te machucam. Não
precisam ser exorcizados. Dificilmente eles são conscientes. São como…
sentimentos. Ou memórias. Não sei.
— Você não sabe?
— Não existe bem um guia de como isso funciona.
Logan balançou a cabeça.
— E todo o equipamento?
— O equipamento é real… até certo ponto.
— Como é a aparência dos fantasmas? — Logan perguntou, cuidadosa
para não exibir muito de sua animação. Talvez Alejo estivesse falando a verdade
quando disse que podia trocar honestidade por honestidade. Ele nunca
conversou sobre fantasmas tão abertamente antes.
As mãos de Alejo estavam apertadas ao redor de sua caneca de café, os nós
dos dedos pálidos contra a cerâmica dentada. Ele cruzou as pernas e se inclinou
para frente, como se aquilo fosse a hora das histórias em um acampamento.
— Eu não quero te assustar.
— Não me assusto.
— Você nunca se assustou mesmo. — O sorriso de Alejo foi só um
lampejo antes de sua expressão ficar sombria. — Os fantasmas que vejo são
mais como marcas deixadas pelos mortos. Como um momento capturado. Não
é sempre visual. Às vezes é um cheiro, ou uma voz, ou um sentimento. É difícil
descrever.
— O que eles fazem?
— Honestamente, não muito. Pelo que sei, eles só aparecem mesmo se
deixaram algo para trás. Ninguém quer ficar aqui se pode seguir em frente.
Mas se não estiverem prontos ou não se forem completamente ainda, é quando
eles aparecem. É como se estivessem nos alcançando, pedindo por ajuda da
única maneira que conseguem.
— Brandon consegue vê-los também? — Logan perguntou.
— Não. Não sei por que as pessoas conseguem ou não vê-los. Conheci
algumas outras pessoas que conseguiam. Normalmente não são grandes fãs do
programa. — Alejo deu uma risada desconfortável. — Mas não. Seu pai não
pode vê-los.
— E pessoas vivas? — Logan perguntou. Ela traçou um círculo no tapete
embaixo da mesa com seu dedão do pé. — Algum dia vocês viram um
fantasma de uma pessoa ainda viva?
Os olhos de Alejo se estreitaram para aquilo, os lábios pressionados em
uma linha fina. Logan se perguntou se ela tinha passado dos limites agora — se
tinha sido específica demais. Talvez ele viu o fantasma de Brandon na cabana
também. Talvez ele estava envolvido naquilo tudo. Ele gentilmente colocou sua
caneca na mesa, o ceticismo se derretendo para um leve franzir de
sobrancelhas. A forma como ele parecia agora era quase lúgubre.
— Não tenho uma resposta certa. Sabemos que espíritos são feitos de
dores não-resolvidas que permanecem em algum lugar entre a vida e… o além.
Teoricamente, eu diria que uma dor que deixa um impacto profundo o
suficiente, uma dor que mata um pedaço da pessoa, pode deixar fantasmas
também. Fantasmas são mortes, mas talvez mortes possam significar coisas
diferentes. Não sei. Se a dor for a medida, garanto que Snakebite está cheia de
fantasmas.
Logan inalou afiadamente. Eles nunca tinham guardado segredos um do
outro. Pelo menos, ela achava que não, mas agora parecia que Alejo era feito de
segredos. Assim como Brandon. Uma parte de Logan queria contar para ele o
que viu na cabana. Mas não conseguia se livrar daquele medo rastejante de que
ele e Brandon tinham algo a ver com tudo isso. Que o que quer que Brandon
tenha feito para causar o fantasma na cabana, Alejo estava envolvido. Talvez
houvesse uma explicação simples, mas talvez não.
Sua curiosidade se transformou em medo. Ela esvaziou o conteúdo de
caneca com um único gole.
— Tem mais alguma coisa que precisávamos conversar sobre?
— Seu pai. — Alejo sorriu hesitantemente. — Ele disse que vocês dois se
divertiram fazendo compras naquele outro dia. Seu quarto está ótimo.
— É, foi legal.
— Ele está tentando — Alejo disse. — Sei que as coisas podem ser…
constrangedoras. E o programa não ajuda. Só tente pegar leve com ele.
Logan assentiu com a cabeça.
— Só isso?
— Acho que sim — Alejo disse.
Logan olhou seu celular. Ela deslizou por uma série de mensagens de
texto de Ashley:

ashley b: festa hoje à noite na cabana


ashley b: descobri algumas coisas com a minha mãe
ashley b: talvez a gente veja alguns fantasmas
ashley b: brincadeira
ashley b: mas a gente devia investigar mesmo
ashley b: te busco às 21h

Logan sorriu para a tela. Ela se virou para Alejo e guardou o celular no
bolso.
— Acho que devia te contar que vou numa festa hoje à noite?
Alejo ergueu uma sobrancelha.
— Uma festa em Snakebite?
— É, numa cabana abandonada. É bem o tipo de coisa assustadora para
mim.
A expressão de Alejo endureceu. Não era só a festa, era o lugar. Ele sabia
sobre a cabana.
— Não é uma festa festa — Logan continuou. — É uma reunião de
amigos.
— Todos os seus bons amigos de Snakebite?
— Aham.
— Os mesmos amigos que decoraram nossa parede?
O estômago de Logan ficou apertado.
— Na verdade, vou levar Nick e Elexis. Eles são meus novos amigos —
Logan disse. — Estou ajudando Nick a montar um computador?
— Você está ajudando ele?
— Tá, estou assistindo ele montar um computador. Meu apoio moral
significa bastante para ele.
— Você é responsável. — Alejo suspirou. — Sei que ficará bem. Só…
certifique-se de que tenha uma forma de voltar para casa. Não fique fora até
muito tarde. E se precisar de ajuda, por favor, me ligue.
— Pode deixar — Logan disse. Ela hesitou. — Pai?
Alejo ergueu o olhar.
— Obrigada por me contar. Sobre os fantasmas e tudo mais.
— Ah. Bem, você sabe que pode me perguntar qualquer coisa. — Alejo
deu um longo gole em seu café. — Divirta-se na sua festa.
15

A cabana na floresta

— Você está brincando.


Ashley desligou o motor do Ford e caiu para trás em seu assento. Ela
esperava pegar Logan sozinha no Bates no caminho para a cabana. Não
esperava que Logan emergisse do Bates com uma dupla de nerds aterrorizantes
que ela aparentemente fez amizade na última semana. Mesmo depois de doze
anos frequentando a mesma escola, Ashley duvidava que tivesse trocado uma
palavra com Elexis Carrillo ou Nick Porter. Eles eram apenas os caras que
sempre cheiravam a Cheetos e Red Bull na aula de matemática e ela não
entraria na cabana com eles. Enquanto eles se sentavam no banco de trás,
Logan se inclinou para a janela do lado do passageiro com um sorriso largo cor
de vinho.
— Espero que você não se importe por eu trazer mais um. Ou dois, eu
acho.
— Onde você encontrou os desajustados? — Ashley assobiou.
— Não seja uma valentona — disse Logan.
Ashley se inclinou sobre a caminhonete e sussurrou:
— Eu disse que você foi convidada.
— E eu decidi que não queria sair sozinha com um monte de gente que
escreve xingamentos sobre meus pais. — Logan sacudiu o cabelo sob a gola de
sua jaqueta jeans. — Além disso, você deveria ser mais legal. Eles não têm nada
além de coisas boas a dizer sobre você.
Ashley fez uma careta.
Logan, Elexis e Nick subiram no Ford e Ashley deu uma boa olhada nos
três. Logan parecia uma personagem de filme, usando um vestido preto curto
com uma jaqueta jeans e um rosto cheio de maquiagem. Ela era o tipo de
pessoa que chegava em uma limusine, não em uma caminhonete de trinta
anos. Ashley de repente se arrependeu de não ter explicado como eram as
festas. Elas nem eram festas de verdade. Um sentimento em algum lugar entre
espanto e vergonha brotou no peito de Ashley.
— Valeu pela carona, Ashley — Nick disse do banco de trás.
— Isso, valeu, Ashley — Elexis ecoou.
Ashley transformou sua careta em um sorriso forçado. Passaram-se apenas
trinta segundos e sua caminhonete cheirava a Mountain Dew. Elexis Carrillo
usava seu gorro cinza característico e uma camisa de flanela apertada demais
para seus braços, provavelmente porque ele usava a mesma desde o ensino
fundamental. Nick Porter estava com um capuz com o escudo do Capitão
América no centro. Ele olhou para ela por mais tempo do que ela se sentiria
confortável.
— Ah, sim, sem problemas — disse Ashley.
— Elexis — disse Elexis. Ele gesticulou para Nick. — Este é o Nick.
O sorriso de Ashley era tenso.
— Eu sei os nomes de vocês.
— Ah, vocês todos saem muito? — Logan perguntou sem tentar
esconder o sarcasmo em sua voz.
— Na verdade, não — disse Ashley. — Mas vocês dois são sempre bem-
vindos.
— Nós nunca fomos convidados — disse Nick, com indiferença.
Logan ofegou.
— Quanto drama.
Ashley lançou a Logan outro olhar de advertência. Ela tinha certeza que
Logan tinha acabado de convidá-los como vingança por ter sido deixada no
Chokecherry, o que Ashley achou que era justo. Mas mesmo assim.
Logan devolveu o olhar dela com um sorriso conhecedor. A luz amarelada
da placa do motel fez as sombras em seu rosto mais profundas e escuras,
misturando-se com as asas afiadas de seu delineador. Seu cabelo estava solto
esta noite, esticado até os ombros, e Ashley foi atingida novamente pela
alteridade dela. Logan Ortiz-Woodley não era o tipo de pessoa que acabava em
Snakebite. Ela não era o tipo de pessoa que você encontraria relaxada no banco
do passageiro da caminhonete de Ashley.
— Você está me encarando — disse Logan.
Ashley ligou a ignição e a caminhonete ganhou vida.
— Você está me fazendo parecer mal vestida.
— Eu não acho. — Logan olhou para as pernas de Ashley, então puxou o
espelho do lado do passageiro para limpar um pouco de batom. — Seu short é
bonitinho.
Ashley sorriu. Ela tinha ido com seu look padrão: uma regata preta,
shorts jeans e uma camisa flanelada em volta da cintura para o caso de ficarem
do lado de fora. Ela pensava mais nisso como algo prático, mas Tristan sempre
disse que ela parecia fofa.
A culpa deu um nó em seu estômago.
Eles saíram da cidade na estrada à beira do lago. O céu da tarde estava da
cor de nós dos dedos machucados enquanto a noite se aproximava. O lago
parado brilhava branco com o luar, sustentando as colinas negras irregulares na
outra margem. Pontos alaranjados da fogueira irradiavam do acampamento
através da água, mas estavam a mundos de distância.
Ashley limpou a garganta. Silenciosamente, para Logan, ela disse:
— Então, a cabana... Eu perguntei à minha mãe sobre ela.
— O que a Tammy disse? — Logan perguntou, digitando
preguiçosamente em seu telefone.
— Descobri quem é o dono… tecnicamente, nós somos. — Ela esperou
que Logan olhasse para cima. — Minha avó comprou a terra do estado, tipo,
vinte anos atrás? Ela queria que minha mãe a transformasse em um resort, mas
minha mãe não achava que daria algum dinheiro. Ela deixou uma família
construir na propriedade nos anos noventa.
— Nos anos noventa? — perguntou Logan. — Parece que não foi tocada
desde o Oregon Trail.
— Eu sei. Ela também não sabe por que parece assim.
— Ah. — Logan se inclinou para trás em seu assento. — Ela não foi para
ver?
— Aparentemente não.
— Então parece que teremos que investigar.
— Você… — Ashley fez uma careta, olhando para Nick e Elexis pelo
espelho retrovisor. Mais suave, ela disse: — Eles sabem o que estamos fazendo?
— Eles não se importam — Logan sussurrou. — Tenho certeza de que
eles pensam que estou brincando. Sério, não se preocupe com eles. Eles
provavelmente vão ficar um com o outro o tempo todo. Eu só não queria ficar
totalmente sozinha nessa coisa.
— Você não ficaria sozinha — disse Ashley. — Você está comigo.
Logan não disse nada.
Quando chegaram à saída de cascalho no final da estrada, o Silverado
branco de John já estava estacionado. Através das árvores, Ashley avistou o
fraco brilho amarelo das lanternas de acampamento dentro dos ossos da velha
cabana. Parecia que estava colocando Logan em julgamento, ou como se ela
estivesse se colocando em julgamento e Logan fosse a evidência condenatória.
De qualquer forma, ela estava prestes a enfrentar o júri.
— Certo, pessoal — disse Ashley. — Pode ser meio estranho no começo,
mas é só…
Logan abriu a porta do passageiro e saltou para fora da caminhonete.
— Porque somos perdedores? Geralmente é só você e seus amigos
malvados e você não gosta de estranhos. Agradecemos a atenção. Nós ficaremos
bem.
Elexis a seguiu para fora da caminhonete, mas Nick permaneceu afivelado
no banco de trás. Ele olhou para Ashley e limpou a garganta.
— Eu estava te ouvindo.
Ashley abriu um sorriso tenso pelo espelho retrovisor.
— Obrigada, Nick.
Os quatro atravessaram a floresta, seguindo o som retumbante da música
country até a cabana. Ashley abriu caminho até a frente do pequeno grupo
para abrir a porta. Ela rezou para que fosse apenas mais um encontro e
ninguém olhasse julgando a socialite de L.A e seus nerds acompanhantes.
Uma onda de calor e cheiro de cerveja os recebeu do outro lado da porta.
Por um momento, a cabana ficou em silêncio. John, Paul e Fran estavam todos
amontoados no sofá no canto da sala. Bug estava ao lado deles, apoiada no
velho piano com uma lata de PBR{19} e olhos arregalados. Todos os quatro
olharam para Ashley com sobrancelhas franzidas, esperando por algum tipo de
explicação. Ela mal conseguiu permissão para trazer Logan — trazer Elexis e
Nick fora um erro.
Talvez tudo isso tenha sido um erro.
— Ah, é literalmente uma reunião de amigos — disse Logan,
atravessando o silêncio. Ela passou na frente de Ashley com um largo sorriso e
ergueu uma caixa de cerveja sobre sua cabeça. — Saudações, rednecks. Eu
venho em paz.
Ashley se preparou.
O silêncio na cabana se estendeu por mais um momento excruciante
antes de Fran pular do sofá com um sorriso brilhante. Ela pegou a cerveja de
Logan e a puxou para um abraço desajeitado.
— Você parece fofa. Espero que não sejamos muito chatos para você.
Logan riu, curta e afiada.
— Qualquer coisa é melhor do que o motel.
Fran riu também, colocando um cacho atrás da orelha. Ela não queria
Logan aqui, claramente, mas estava fazendo uma boa cara e tentando fazer
funcionar. Ashley esperava que todos fizessem o mesmo.
Eles foram até o sofá surrado com as cervejas, Elexis e Nick se arrastando
atrás de Logan como se estivessem perdidos. Ashley sentou-se no braço do sofá
e Logan, Elexis e Nick sentaram-se no chão. Geralmente eram seis pessoas, mas
agora eram oito. Ashley não tinha certeza de como era possível a cabana
parecer tão vazia e tão superlotada.
— Eu provavelmente deveria apresentar vocês — disse Ashley assim que
todos se instalaram. — Logan, estes são Bug, Paul, John, e você conhece a
Fran.
Logan assentiu com o olhar vago de uma pessoa que não guardou o nome
de ninguém. Ela gesticulou para Elexis e Nick.
— Vocês todos se conhecem?
— Sim, por aí — disse Elexis. — Nós vamos à escola juntos.
John verificou a hora em seu telefone.
A tensão era tão grande que Ashley poderia cortá-la com uma faca. Ela
puxou uma cerveja do fardo no centro de seu pequeno círculo e abriu, ansiosa
para lavar um pouco de seu desconforto. Bug olhou para ela e balançou a
cabeça, mas Ashley não precisava do lembrete. Ela causou isso ao convidar
Logan. Por não ser firme sobre Elexis e Nick. Uma Barton teria encontrado
uma maneira de fazer tudo correr bem. Sua mãe teria feito isso funcionar. A
música country soava no alto-falante Bluetooth de John no piano, mas não
tocando alto o suficiente para encobrir o silêncio constrangedor. Logan puxou
uma cerveja e tomou um longo gole.
— Deus, por que é tão estranho? — Fran riu tensa. — Vamos falar sobre
algo interessante.
— Que tipo de caras você gosta? — Bug perguntou a Logan.
Logan traçou a tampa de sua lata de cerveja com o dedo indicador e não
olhou para cima. De alguma forma, Ashley entendeu a resposta antes que
Logan dissesse uma palavra. O nariz de Logan enrugou e ela disse:
— Ah, nenhum?
Fran e Bug olharam para Ashley com a rapidez de víboras.
— Tipo… — Fran falou lentamente.
— Tipo, nenhum. Eu sou lésbica.
De repente, todos tomaram um gole de cerveja. O sangue correu para as
bochechas de Ashley. Por um momento, ela pensou que Logan estava
brincando, mas parecia verdade. Parecia certo de uma forma que Ashley não
conseguia entender. Provavelmente era normal em L.A, mas as pessoas em
Snakebite simplesmente... não eram gays. Ashley conteve sua surpresa e sorriu.
— Uau, isso é…
Ela não teve tempo de terminar. John cruzou os braços sobre o peito e
perguntou:
— Então, o quê, você gosta de garotas?
— Sim. Geralmente é isso que uma lésbica é. — Logan tomou um gole
de cerveja sem quebrar o contato visual. Como ela passou tão rapidamente de
uma semi-vergonha para uma bravata implacável, era um mistério para Ashley.
— É... tipo, você acha que é uma coisa genética? — perguntou Fran. Ela
enrugou o nariz e olhou ao redor. — Está tudo bem perguntar isso?
— Primeiro, eu sou adotada — Logan zombou. — Segundo, não.
— Não é genético ou não é legal perguntar? — perguntou Paul.
— Ambos.
A cabana estava silenciosa.
Bug olhou para Ashley como se fosse vomitar. Ashley fechou os olhos e
imaginou sua mãe sentada neste círculo. Ela tentou imaginar a solução perfeita
para Tammy Barton.
— Ei, eu tenho um jogo de festa para jogarmos — disse Ashley. Ela
colocou a mão no pulso de Bug para confortá-la. — Vamos apenas beber até
nos divertirmos, ok?
De alguma forma, isso funcionou.
Paul aumentou a música no alto-falante e todos beberam. Dentro de uma
hora, era uma festa como qualquer outra antes do desaparecimento de Tristan.
Como se provou, a melhor maneira de fazer uma sala de pessoas se dar bem era
entupir suas cabeças com cerveja barata até que não conseguissem se lembrar
por que eram diferentes em primeiro lugar. Fran acabou no colo de John, Bug
parecia realmente gostar de conversar com Paul pela primeira vez, e Logan,
Nick e Elexis mergulharam em sua própria conversa sobre Deus sabe o quê.
Nada precisava de esforço novamente. A apreensão sobre Logan e os outros se
transformou em uma risada fácil, e tudo ficou bem.
Ashley quase podia imaginar Tristan aqui, rindo junto com os outros. Ela
podia imaginar ele e Logan brincando juntos.
Tudo era o mesmo novamente, mas Tristan estava sumido.
Silenciosamente, Ashley foi para a velha e desgastada cozinha da cabana.
Era mais como um túnel de madeira em ruínas, dada a falta da parede dos
fundos. O vento sussurrava entre as tábuas deterioradas, despenteando o cabelo
de Ashley contra seu pescoço. Ela não tinha bebido mais do que duas cervejas,
mas a sala parecia distante. O mundo inteiro parecia distante. Se vagasse pela
floresta agora, se perguntava quanto tempo levaria para os outros perceberem
que ela se foi. Tão facilmente quanto eles estavam se afastando de Tristan, eles
se afastariam dela. Ela poderia escorregar para a noite e ser um fantasma como
ele. O pensamento fez seu coração bater em um ritmo vazio contra suas
costelas.
Sob os sons da festa, houve outro barulho. Um zumbido calmo, gutural e
baixo. Quando Ashley fechou os olhos, foi tudo o que conseguiu ouvir. Ele
dançou entre as árvores em movimento. Quase como se estivesse se
aproximando.
Sem aviso, a porta da cozinha se abriu.
— Aí está você — Logan declarou. — Eu estava te procurando.
Logan cambaleou até a cozinha e abriu outra lata de PBR. Ela tinha
borrado o canto do batom, mas estava surpreendentemente arrumada. Não era
afiada e sarcástica como quando eles chegaram. Parecia confortável — feliz, até.
Ela se encaixou bem demais, como se festas fossem sua primeira língua.
— Parece que você está se divertindo — disse Ashley.
— Parece que você não. — Logan se inclinou contra o balcão decadente
em frente a Ashley. — Achou alguma coisa interessante?
Ashley arqueou uma sobrancelha.
— Sobre a investigação. Toda a razão de estarmos aqui. Você viu algum
fantasma?
Ashley exalou.
— Ah, é. Hum, não. Não vi nada.
— Você andou procurando?
— Não. Na verdade, não.
Logan estreitou os olhos. O baixo da música na sala principal soou no
silêncio entre elas. Depois de um momento, Logan olhou pela parede
desmoronada da cozinha para a noite escura.
— O que você estava fazendo aqui, então?
Ashley deu de ombros. A coisa que ela sentiu antes — a solidão que
brotou como uma maré em seu peito —– foi embora tão rápido quanto veio.
Os zimbros do lado de fora da cozinha farfalharam no vento frio e então
Ashley estava de volta à terra. Ela fixou Logan com um olhar.
— Não é como se você estivesse investigando, também.
Logan resmungou, indignada. Ela estendeu o punho fechado.
— Eu estive. Até encontrei uma coisa.
— Você vai me mostrar? — perguntou Ashley.
— Eu não acho que você merece — Logan gaguejou. — Você nem
olhou.
Ashley revirou os olhos. Contra seu melhor julgamento, seus lábios se
curvaram em um sorriso relutante. Esta Logan era diferente daquela que ela
esperava. Por um momento, ela estava quente e aberta. Sua risada era real,
profunda e suave como veludo.
— Por favor — disse Ashley —, posso ver o que você encontrou?
Logan sorriu.
— Já que você pediu gentilmente.
Ela virou o punho e revelou algo pequeno e brilhante em sua palma. Era
um grosso anel de ouro com uma inscrição cursiva dentro: Marcos 10:9.
Ashley o arrancou da palma de Logan e o estudou.
— O que Deus uniu, ninguém separa.
— Não diz isso — disse Logan.
— Esse é o versículo.
Logan bufou.
— Eu sabia que você era uma garota da igreja.
Ashley divertidamente empurrou Logan no braço. O anel era
indeterminado — sem enfeites ou joias do lado de fora, e apenas a inscrição no
interior.
— Não é realmente uma pista.
— Sim, é — disse Logan. — Olha, não há sujeira nele.
— Então?
— Então isso significa que esteve aqui recentemente.
Ashley devolveu o anel. Alguém esteve na cabana recentemente. Alguém
havia andado pelos pisos decadentes. Alguém tinha rastejado aqui e perdido
um pedaço de si mesmo.
— Você acha que quem esteve aqui viu o que vimos?
— Talvez — disse Logan. Ela inclinou a cabeça para trás, esvaziando o
resto de sua cerveja. Quando terminou, amassou a lata e a descartou na pia
rachada da cozinha.
— Algum de seus pais está sem um anel?
— Não. E eles também não teriam merda de Bíblia escrita neles. — Os
olhos de Logan se arregalaram com uma percepção repentina. — Descobri
outra coisa.
Ashley esperou.
— Últimas notícias... você não é a única que pode ver coisas. Fantasmas.
— Logan enxugou a boca, espalhando o resto do batom em sua bochecha. —
Meu pai também os vê.
O peito de Ashley se apertou.
— O quê?
— Pois é. Ele diz que sempre viu fantasmas. — Logan deu um sorriso
malicioso. — Não é tão especial agora, não é?
Ashley dispensou o comentário.
— Isso é... algo grande. Você tem certeza?
Logan assentiu. Antes que pudesse responder, ela tropeçou em uma tábua
solta no chão e bateu em um balcão desmoronado. Seus olhos estavam
vidrados, escuros como a noite lá fora e nebulosos. Estava bêbada demais para
falar sobre o desaparecimento; Ashley tinha certeza de que estava bêbada
demais até mesmo para estar aqui. Ela apoiou a mão sob o cotovelo de Logan e
a ajudou a se sentar. O vento da noite fez o cabelo de Logan voar para sua boca
e seus olhos.
Ashley afastou o cabelo de Logan do rosto.
Algo estranho prendeu sua respiração.
— Eu sou uma detetive incrível — disse Logan, com os olhos
semicerrados. — Fiz um ótimo trabalho. Muito melhor do que você.
— Claro — Ashley suspirou. — Você foi incrível.
Logan estendeu a mão e segurou o ombro de Ashley. O vento através das
aberturas nas paredes da cozinha ficava mais frio a cada minuto. Os olhos de
Logan lacrimejaram no ar fresco.
— Por que você está aqui sozinha?
— Não estou sozinha. Estou com você.
Logan piscou, então riu.
— Antes disso. Você parecia tão triste.
— Eu… — Ashley parou. Ela olhou de volta para o cômodo principal da
festa. Ninguém as procurava, ninguém as escutava. Ela fechou os olhos. —
Honestamente? Estou passando muito mal. Eu estou muito…
— …solitária — Logan completou.
Seus olhos estavam fechados quando ela disse isso. A palavra soou muito
natural em sua língua. Muito rápida. Ashley reconheceu o mesmo olhar no
rosto de Logan que ela tinha visto no espelho por meses. Elas estavam à deriva
na escuridão, remando sem noção de sentido até a praia.
— Sim — disse Ashley.
No cômodo principal, alguém bateu em uma parede. Ashley reconheceu
a voz de John berrando algo sobre minha caminhonete ou meu pai. Em
aproximadamente trinta segundos, ele e Paul começariam a trocar socos. Fran
choraria porque diria a John para não ficar tão nervoso. Bug desligaria a
música. A festa acabaria.
Ashley tomou um gole de cerveja quente.
Já parecia que tinha acabado.
Ashley enganchou o braço de Logan sobre seus ombros.
— Ei, vamos pegar um pouco de água para você.
— Sai, heterozinha — Logan gemeu.
Ashley balançou a cabeça, reprimindo uma risada silenciosa. Ela jogou
fora o resto de sua cerveja e levou Logan para fora da cabana em direção ao
lago. Ela tinha tomado conta de Fran e Bug em mil dessas festas; estava
acostumada com o difícil e o incontrolável. Quanto mais se afastavam da
cabana, mais sóbria se sentia.
A caminhada teve o efeito oposto em Logan.
— Onde você está me levando? — ela disse tudo em um punhado de
palavras.
— Pegar água. E ar fresco. — Ashley reajustou o braço de Logan em seu
ombro. — E depois dormir.
A cabeça de Logan pendeu para trás contra o ombro de Ashley, os olhos
fechados. Sua sombra cinza esfumada estava manchada de suor agora.
— Nós estamos indo tão longe — ela balbuciou. — Aimeudeus, você é a
assassina?
— Isso não é engraçado.
Elas chegaram à margem do lago e Ashley apoiou Logan contra um
tronco de árvore. Ela encheu sua lata de cerveja vazia com água do lago e a
inclinou contra os lábios de Logan. Logan bebeu devagar até que seu nariz
enrugou e ela cuspiu nos pés de Ashley.
— Tem gosto de xixi e grama — disse. — Prefiro ter uma ressaca.
— Bora — sussurrou Ashley. Ela pressionou a lata nos lábios de Logan
novamente. — Você não quer que seus pais vejam você de ressaca.
Logan acenou com a mão desdenhosa.
— Meus pais não se importam.
Algo na maneira como ela disse isso fez Ashley pensar que ela desejava
que eles se importassem.
Mais adiante na costa, Ashley avistou Elexis e Nick indo para a água. Ela
acenou para eles.
— Ei, vou levá-la para a caminhonete. Me encontrem lá quando
estiverem prontos.
Nick deu a ela um polegar para cima.
Ashley ajudou Logan a se levantar. No escuro, elas voltaram para a
clareira de cascalho onde as caminhonetes estavam estacionadas. Ashley puxou
um saco de dormir da caixa de armazenamento na parte de trás do Ford e o
colocou sobre a caçamba da caminhonete. Era tradição acampar por algumas
horas nas noites em que ela ainda estava bêbada demais para dirigir para casa.
Logan já estava quase desmaiada quando Ashley a aconchegou, murmurando
algo sobre chamar um “Uber caipira”. Quando Ashley entrou em um segundo
saco de dormir, Logan estava desmaiada. O silêncio da floresta se instalou e o
coração de Ashley parou de bater rápido.
Ela passou inúmeras noites nesta caçamba de caminhonete, nesta clareira,
neste saco de dormir olhando as estrelas com Tristan. Ela passou mais tempo
do que podia medir deitada com ele em silêncio assim. Ela nunca se sentiu tão
longe dele como agora. Ela nunca se sentiu tão longe de todos.
Ela o encontraria. Eles teriam mais noites sob as estrelas.
Eles tinham mais céus para observar.
Interlúdio

O hospedeiro está ficando mais forte.


Ficar esperando na floresta essa noite foi ideia dele.
A noite é ampla, aquecida e cheia de barulhos maravilhosos. Vozes ecoam
através das árvores. O hospedeiro abre seu caminho pela escuridão, evitando
raízes e pedregulhos com facilidade. Parte dessa rapidez é a memória — ele tem
vindo aqui centenas de vezes nos últimos meses —, mas o hospedeiro é mais
ágil do que parece também. Ele parece tão modesto quanto a maioria dos
humanos, mas a maioria dos humanos não possui uma víbora encolhida em
seu peito, escondida bem abaixo de sua pele. A maioria não tem fome como o
hospedeiro tem.
Esta fome do hospedeiro é toda dele.
Ele espreita na sombra, observando silenciosamente a cabana. Como uma
cobra nunca se arrepende de engolir sua presa, o hospedeiro está aprendendo a
colocar sua culpa de lado. Antes da Escuridão o deixar, o hospedeiro não terá
medo dos cantos sombrios de seu coração.
Um garoto se separa da festa. Ele cambaleia embriagadamente para longe
da luz da cabana para os zimbros retorcidos e oscilantes ao longo da costa. O
hospedeiro inala o ar noturno e tem cheiro de água fresca e terra. Tem cheiro
de perigo.
O hospedeiro está com medo.
Está animado.
— E se nos pegarem dessa vez? — o hospedeiro pergunta. — Eu não
devia estar aqui.
Não podem pegar uma sombra, a Escuridão sussurra. Não podem pegar
alguém que nunca esteve aqui.
O hospedeiro concorda com a cabeça. Ele sabe como se esconder. Tem
feito isso a vida inteira. Tem escondido a verdadeira natureza de quem é. Ele
tem escondido por tanto tempo que se entregar à essa violência parece uma
mentira, sendo que é sua única verdade.
O garoto continua a descer a ladeira em direção à água. Ele está desatento
à floresta ao seu redor porque acredita que não tem nada a temer. É esse tipo de
ignorância que torna isso muito fácil para o hospedeiro. O garoto para na costa
e encara a água.
O hospedeiro está parado atrás dele, o suficiente para estar fora de vista. A
luz do luar no lago causa ondulações brancas sobre o rosto do menino, mas o
rosto do hospedeiro está sombreado pelos arbustos grossos de zimbros.
Seu coração bate com medo e antecipação igualmente.
Agora é sua chance, a Escuridão sussurra. Aproveite-a.
O hospedeiro hesita quando o menino se vira para olhar as árvores. Seus
olhos castanhos estão arregalados, mas não com medo.
Ainda não.
O coração do hospedeiro bate uma, duas, e então ele se move.
No momento em que o garoto entende que não está sozinho, o
hospedeiro já o pegou. No momento em que ele entende que irá morrer, é
tarde demais para gritar. Mais distante nas árvores, a cabana está se esvaziando.
Os jovens dão risada e, a menos de um metro de distância, o garoto se foi.
O hospedeiro nunca se sentiu tão forte assim. A Escuridão nunca se
sentiu tão forte assim.
16

Lado animado

A primeira coisa que Logan cheirou pela manhã foi bacon. Bacon, pelos de
gato e o cheiro levemente doce de Red Bull. O teto parecia com o de seu
quarto de motel, mas a iluminação vinha do lado errado do quarto.
Ela não deveria estar em seu quarto, de qualquer maneira. Tinha
adormecido na traseira da caminhonete de Ashley. Ou, pelo menos, ela tinha
certeza que tinha. Tudo depois da cozinha era um borrão.
Logan sentou-se e uma pilha de cobertores caiu no chão ao seu redor. Ela
não tinha dormido em uma cama, aparentemente. O futon embaixo dela era
principalmente de mola e sem almofada. Elexis estava sentado a alguns metros
de distância, jogando videogame.
Como o dela, o quarto de Elexis era conectado ao quarto ao lado. A porta
entre eles estava escancarada e, considerando a falta de bacon ou gatos na
metade de Elexis, Logan adivinhou que os cheiros vinham do outro quarto.
Ela se levantou, segurando cuidadosamente um cobertor em volta dos
ombros para esconder o vestido preto desarrumado que havia usado na noite
anterior. Um espelho estava pendurado na parede sobre o futon, forçando-a a
encarar a versão monstruosa de si mesma que passou uma noite inteira
maquiada. Seu delineador estava borrado em uma faixa preta que a fazia
parecer mais um demônio do que uma garota.
— Bom dia — Elexis disse. Logan não podia ver seu rosto, mas a
presunção era clara em sua voz. — Dormiu bem?
— Acho que sim… — Logan parou. — Ah, como eu cheguei aqui?
— Sua namorada nos deixou aqui de manhã. Ela não queria ninguém na
caçamba da caminhonete quando voltasse para o rancho, já que a mãe dela é
má.
— Minha… — Logan começou. Ela fez uma careta. — Hilário. Onde
está o seu amigo?
— Nick pegou uma carona com John e os outros.
— Subindo na escala social. Eu pensei que ele iria com a Ashley,
considerando que está, você sabe, apaixonado.
Elexis deu de ombros e continuou jogando seu videogame.
Logan vagou até a porta aberta entre os quartos e sussurrou:
— Quem mora neste aqui?
Elexis cobriu a boca com a mão.
— Nana, ela está acordada.
Na sala ao lado, uma cadeira rangeu. Logan seguiu o som. O quarto
anexado ao de Elexis era ligeiramente diferente dos outros que ela tinha visto
no Bates. Em vez de uma segunda cama, havia uma bancada verde menta,
completa com pia e fogão. Uma cama de solteiro estava encostada na parede
dos fundos, cercada por fotos emolduradas de uma família de cabelos escuros.
Logan reconheceu a criança em uma foto como um Elexis muito mais jovem e
muito mais fofo. Em outra foto havia um adolescente de shorts de cintura alta
pedindo pizza na barraca do estacionamento, provavelmente antes de fechar.
Ela levou um momento a mais do que deveria para reconhecer o adolescente
como Alejo. Na frente da TV, uma toalhinha de crochê estava pendurada nas
costas de uma poltrona reclinável cor de ferrugem. Gracia estava sentada na
poltrona com os pés elevados, o olhar usando óculos focado na TV.
Ela se virou na poltrona e sorriu.
— Você está se sentindo melhor?
— Totalmente. — Logan secou o suor de sua testa. — Eu... obrigada por
me deixar dormir aqui. Gostei muito das decorações.
Gracia ergueu seu guardanapo rendado verde-escuro em andamento.
— Você quer um? Este é para o seu pai.
— Eu…
— Acho que o seu será vermelho.
Logan sorriu.
— Você não precisa fazer. Mas eu adoraria um.
— Me dê uma semana. — Gracia riu. — Não sabia que você e Elexis
eram amigos. Você deve ser uma milagreira. Eu nunca consigo tirá-lo do
quarto.
— Fico feliz em ajudar — disse Logan. Uma voz familiar soou na tela da
TV. Logan viu os rostos de seus pais, invertidos por uma câmera infravermelha.
Ela riu baixinho. — Você é fã?
— Eu assisto toda semana. Até as reprises. Quando seu pai foi embora,
ele prometeu que ligaria, mas nunca ligou. Nunca me contou o que estava
acontecendo com vocês. Esta é a única maneira em que eu o via. — Gracia
apontou para um prato de bacon frito no balcão. — Sirva-se um pouco de café
da manhã. Você e eu precisamos nos conhecer.
— Eu deveria voltar para...
— Você só quer ver o Elexis, não eu? — perguntou Gracia.
Logan balançou a cabeça. As táticas de simpatia de velhinha de Gracia
eram dissimuladas, mas tinha que respeitá-las. Ela pegou uma tira de bacon do
prato e sentou-se à mesa ao lado da janela de Gracia. Reconheceu vagamente o
episódio do ParaEspectadores, embora os detalhes lhe escapassem. Talvez tenha
sido aquele em que seu operador de câmera foi possuído por Satanás. Depois
de um tempo, eles começavam a se embaralhar em sua mente.
O programa foi para o comercial e Gracia se virou.
— Você estava tão doente quando chegou aqui — disse ela. — Precisa de
alguma coisa? Suco? Água?
— Doente — Logan repetiu. Um pedaço dela esperava que Gracia
pensasse que era um problema no estômago em vez de muita cerveja. — Devo
estar com febre ou algo assim.
Gracia sorriu.
Ela sabia.
— Espere até os pais dela descobrirem — Elexis disse de seu quarto.
Logan mastigou seu bacon.
— Eles não se importam.
— Eles não teriam local de fala para julgar. — Gracia riu. — Depois das
bagunças que vi no passado, eu poderia contar histórias que os fariam corar.
De repente, Logan estava prestando atenção. Ela se inclinou para frente
— não podia acreditar que não tinha pensado em tentar obter informações
com Gracia antes. Ela tinha uma enciclopédia da história de Snakebite
morando ao lado o tempo todo.
— Seu pai nunca te contou sobre quando ele tinha a sua idade?
Logan balançou a cabeça.
— Ah, ele sempre acabava no meu quarto depois de noites malucas. Os
pais dele, minha irmã e o marido dela, eram muito mais rígidos do que os seus.
Se ele voltasse para casa passando mal, eles o colocariam na rua. O que... bem,
não importa. Devo tê-lo limpado mil vezes antes de mandá-lo de volta para o
quarto.
— Uau — Logan sussurrou, imediatamente abandonando sua tentativa
de descobrir que tipo de parente isso fazia de Gracia para ela. — Brandon
também?
Gracia franziu os lábios em pensamento. Um mosquito zumbiu na borda
de sua caneca de café e, do quarto de Elexis, tiros virtuais ecoaram nas paredes.
— Não — ela disse finalmente. — Brandon nem tanto. Alejo era um
garoto festeiro. Acho que eles não se conheciam naquela época.
— Então papai era o bagunceiro?
— Ele sempre foi um bom menino — esclareceu Gracia. — Foi aquela
Tammy Barton que tentou torná-lo ruim. Ela estava sempre o arrastando para
todos os lugares, fazendo-o ir a bares e festas com todas aquelas bebidas. Ela
queria que ele fosse um jovem ruim como ela. Provavelmente a fez se sentir
melhor consigo mesma.
— Espera — Logan interrompeu. — O papai era amigo da mãe da
Ashley?
Gracia piscou.
— Amigos? Eles estavam namorando. Sempre dizendo a todos que
estavam super apaixonados. Mas seu pai estava sempre causando problemas
com o namoro. Primeiro os Bartons ficaram bravos com ele e a Tammy, depois
todos ficaram bravos com ele e o Brandon.
Logan engasgou.
— Ninguém nunca te contou? Você está me transformando em uma
chismosa — disse Gracia. — Peça aos seus pais para lhe contarem mais sobre
Snakebite naquela época.
— Como era o Brandon? — Logan forçou. — Me fale sobre ele.
Gracia olhou para ela por um longo momento.
— Eu não deveria dizer nada sobre isso. Não é da minha conta.
Logan tentou engolir seu desespero por informações. Ela queria saber
como Brandon tinha sido. De certa forma, ela mal sabia como ele era agora.
Antes que pudesse perguntar, Gracia balançou a cabeça.
— Honestidade por honestidade — disse ela. — Eu sempre tentei
ensinar isso ao seu pai quando ele era pequeno. Que tal você me contar uma
coisa?
— Ah — disse Logan. — Hum, claro.
Gracia colocou uma pastilha para tosse de limão e mel na boca e
ponderou em silêncio. Seu cabelo grisalho caía em cachos soltos sobre o
ombro.
— Para que caso os meninos estão aqui?
— Eu realmente não sei — admitiu Logan. — Eles disseram que é pouca
coisa. Mudanças no clima. Algumas aparições estranhas.
Gracia balançou a cabeça.
— O tempo não mudava até seu pai vir aqui.
— O quê?
— Começou em janeiro — disse Gracia. — Nevou. Aqui não neva. Na
primavera, eram inundações. E agora esse calor. Não era assim antes de seu pai
chegar.
Ela não disse vir para casa.
— Eu… — Logan começou. — Por que está mudando agora?
— Boa pergunta. — Gracia riu. — Não sei. Quero saber o que seus pais
pensam. Eu poderia dizer o que penso, mas eles não me ouvem. Nunca
ouviram.
Logan olhou para as mãos dela. Ela pensou que havia algo errado desde
que chegou aqui, desde a multidão assustadora no cemitério até o calor
estranho na cabana. Mas até agora, era como se todo mundo pensasse que era
normal. Gracia disse que Snakebite estava errada e Logan foi inundada por um
súbito estrondo de alívio.
— Já foi assim antes?
Gracia pensou na pergunta.
— Sabe, por muito tempo eu senti isso. Havia uma coisa sob Snakebite,
como um pequeno zumbido. Era como se deixasse as pessoas nervosas, mesmo
que elas não soubessem que estava lá. Era mais quieto do que agora. Mas
então, um dia ele se foi. Ninguém realmente falou sobre isso, mas eu sei que
todos nós pudemos sentir. Como se pudéssemos respirar novamente. O
pequeno zumbido desapareceu no dia em que seus pais deixaram Snakebite.
A última frase caiu como uma pedra no estômago de Logan.
— E não voltou até…
— Até que Brandon voltou.
— Então, espere…
Gracia ergueu a mão.
— Em um minuto. O programa está de volta.

VOZ DE BRANDON: Alejo e eu nunca vimos um moinho de vento


assombrado antes. A investigação desta manhã não deu em
nada, mas qualquer bom investigador paranormal sabe que a
maioria dos fantasmas sai à noite.

BRANDON: Podemos verificar esse remendo solto?

[Brandon caminha para o lado do moinho de vento e cutuca o


tijolo desmoronado com a ponta de seu sapato.]

BRANDON: Parece um espaço para rastejar, não é?

[Alejo se agacha e olha através dos tijolos.]

ALEJO: É muito pequeno para qualquer coisa humana.

[Ele olha para a câmera.]

Gracia riu e mastigou uma tira de bacon queimada. Logan


queria rir — seus pais sempre foram dramáticos demais no
programa, coisa que o Twitter adorava pelo potencial de uma
boa captura de tela —, mas as palavras de Gracia ainda
pesavam em seu estômago.
[Brandon aponta para a mochila de Alejo.]

BRANDON: Vamos colocar o ThermoGeist nisso. Eu tenho um


bom pressentimento.

[Alejo vasculha sua mochila e tira o ThermoGeist. Ele aponta


para a noite aberta, esperando calibrar. Ele o balança em
direção ao buraco na lateral do moinho de vento. Conforme o
ThermoGeist passa, ele pisca em azul.]

— Espere — disse Logan. — Isso é uma gravação?


— Sim — disse Gracia. — Amo o seu pai, mas esse programa só passa
depois da minha hora de dormir. Eu sempre gravo.
— Posso voltar um pouco?
Gracia arqueou uma sobrancelha, mas entregou o controle remoto. Logan
sentou-se e voltou o episódio em alguns quadros. O ermoGeist estava firme
na mão de Alejo, absolutamente silencioso a cada centímetro do caminho até o
pequeno espaço.
Exceto em um.
Passou tão rápido que era quase impossível de ver. Quando o
ermoGeist passou por Brandon, ele piscou. Não suave como uma falha. Não
pequeno como uma diferença de temperatura. Não como um erro.
Passou por Brandon e brilhou com a cor dos mortos.
17

Velhos pecados

Ashley arrancou com o Ford pela estrada à beira do lago, jogando Logan
contra a porta do passageiro. Elexis gemeu no banco de trás, digitando em seu
telefone. No começo, toda essa coisa de investigação parecia um tiro no escuro.
Mas agora, com revelações se desenrolando em todos os lugares que ela olhava,
parecia real. Logan não sabia o que encontrariam no final disso — ela nem
sabia o que estavam tentando resolver —, mas estavam chegando perto.
Ela e Ashley não eram amigas. Estavam investigando juntas o
desaparecimento de Tristan Granger. Mas depois da festa na cabana, havia algo
fácil entre as duas. Talvez fosse apenas o conforto de saber que Ashley já a tinha
visto bêbada e desmaiada.
Logan não tinha certeza.
— Descobri outra coisa — disse Logan.
— O quê? — Ashley perguntou, claramente prestando atenção apenas
pela metade.
— Nossos pais costumavam namorar.
Ashley olhou para ela, depois voltou a se concentrar na estrada.
— Espere, tipo, minha mãe? De jeito nenhum, isso é...
— Adivinhe qual pai.
Ashley franziu o nariz.
— Alejo? Presumo. Eu os ouvi conversando na loja uma vez e a conversa
deles era tão estranha. Estavam dizendo que se odiavam, mas não sei.
— Ainda estou em choque. — Logan desdobrou as pernas, apoiando os
pés no painel. — Eu meio que presumi que meus pais estavam juntos desde o
nascimento. Eles são tão irritantes sobre o assunto.
Ashley deu um tapa nos tornozelos de Logan.
— Pés para fora do painel.
Logan revirou os olhos.
— Ele era, você sabe... naquela época?
— Se ele era bi? — Logan bufou. — Sim, o tempo todo.
Ashley piscou.
— Ah, ele é os dois. Eu não sabia.
O caminhão soluçou em um buraco, depois em outro, e Logan conteve o
riso.
— Você é tão hétero.
Ashley abriu a boca, mas nada saiu. Ela empurrou Logan contra a porta
do passageiro.
— Pare, estou tentando. Eu sei. É tudo muito novo para mim.
— Bem, eu, por exemplo, estou feliz por não sermos irmãs. Teria tornado
tudo isso estranho.
Ashley fez uma pausa.
— Teria tornado o quê estranho?
Logan não disse nada. Ela não tinha certeza do que queria dizer.
Eles alcançaram a saída de cascalho na beira das árvores e Logan saltou da
caminhonete e esticou os braços. Ashley se soltou do banco do motorista
enquanto Elexis permanecia no banco de trás, deitado com a jaqueta sobre o
rosto. Logan bateu em sua janela.
— Bora — disse ela. — Temos uma caça aos fantasmas para fazer.
Elexis gemeu.
— Estou confuso. Se a coisa acendeu no seu pai, não deveríamos estar
falando com ele? — perguntou Ashley.
— Brandon é apenas parte disso. Estou falando sobre o equipamento, no
entanto. Eu assisti alguns outros episódios apenas para conferir, e eles nunca
apontam o ermoGeist para Brandon. Apontam para Alejo às vezes e nada.
Mas em Brandon foi registrado, tipo, imediatamente.
Logan passou os últimos dias enfurnada em seu quarto de motel com os
olhos grudados na TV. Dizer que ela assistiu “alguns” episódios era um
eufemismo. Ela sabia que eles estavam potencialmente lidando com algo
paranormal, mas nunca pensou que o próprio Brandon fosse a fonte. Ela
pensou no Brandon de seu sonho, vestido com uma estranha escuridão, a voz
mais profunda que um oceano. Talvez nada disso estivesse conectado, talvez
estivesse tudo conectado.
Ela precisava fazer os fantasmas na cabana falarem.
Precisava da verdade.
Elexis saiu do banco de trás.
— Certo. Digamos que tudo isso seja real, o que significa?
— Significa que o ermoGeist sinalizou algo paranormal nele. Talvez
um espírito? Algo ruim. — Logan colocou sua bolsa no ombro e trancou a
porta do carro. A afluência de cascalho era mais calma durante o dia. Logan
afastou a sensação de que ela estava invadindo. — O que significa que a
ferramenta funciona. Podemos usá-la nos fantasmas da cabana.
— E então vamos falar com Brandon? — perguntou Ashley.
— Talvez. — Logan coçou a nuca. — Não sei.
Ashley franziu a testa.
— Por que me trazer? — Elexis perguntou. — Pensei que isso era coisa
de vocês.
— Somos uma família — disse Logan. — A família se ajuda.
— Você não me ajuda em nada.
— Eu ajudaria se você pedisse.
Elexis deu de ombros e endireitou o gorro. Não era apenas sobre família,
no entanto. Desde a festa, algo mudou no peito de Logan. Olhando para
Ashley, parecia diferente agora. Havia a mesma irritação, o mesmo ceticismo, a
mesma dúvida que sempre sentiu. Mas era como se estivesse olhando para uma
foto borrada antes, e agora os detalhes tinham entrado em foco. Ela olhou para
Ashley e viu olhos da cor de água clara, lábios que sugeriam um sorriso
fantasma, a maneira gentil como ela virou a cabeça quando olhou para Logan.
Esse sentimento idiota e difícil sobre garotas heterossexuais não era novo e
nunca valeu a pena. Mas Ashley não era apenas uma garota heterossexual. Era a
filha de uma inimiga jurada, que tinha o poder de expulsar Logan da cidade
em um piscar de olhos, e ela estava procurando por seu namorado
desaparecido, a quem ainda parecia muito interessada.
Elexis não era apenas família — ele era um amortecedor.
Logan lançou um olhar para Ashley. Ela olhou para as árvores, mas seu
olhar não estava fixo. Preguiçosamente passou os dedos pela ponta de seu rabo
de cavalo sem dizer uma palavra.
Logan se aproximou.
— Você está se sentindo bem?
— O quê? — Ashley piscou retornando à realidade. — Ah, sim. Não sei.
Sinto que algo está estranho hoje.
— Sim — Logan meditou. Ela se virou para Elexis. — Nick não quis vir?
Achei que vocês eram um tipo de promoção dois por um.
Elexis franziu a testa.
— Acho que ele ficou de castigo por ir àquela festa.
Logan respirou fundo.
— Caramba.
Ela puxou o ermoGeist de sua bolsa e bateu nele até ligar. Nunca tinha
o segurado antes, mas assistiu Alejo o ligar na TV um milhão de vezes. Era um
quadrado de plástico preto com duas hastes prateadas saindo de suas costas. De
acordo com o programa, o ermoGeist deveria detectar manchas de
temperaturas díspares na atmosfera. Manchas frias — manchas que faziam a
pequena tela do ermoGeist piscar em azul — indicavam a presença de
espíritos. Ela sempre presumiu que a precisão do ermoGeist, como tudo no
ParaEspectadores, era exagerada. Mas algo sobre a maneira rápida como Alejo
afastou as hastes de Brandon mostrava que ele sabia que havia revelado um
segredo. Logan não conseguia esquecer a imagem. O frio penetrante do azul.
Então, ela o roubou. Alejo e Brandon estavam em Ontário durante o dia,
fazendo compras e ligações para o programa. Ela pegou alguns outros
dispositivos do porta-malas da van só por segurança. O SonusX era um
dispositivo em forma de walkie-talkie que emitia sons altos e podia detectar
vozes fantasmagóricas. O Umbro Illustrator era um scanner que renderizava
animação de qualquer espírito humanoide nas proximidades. O Scripto8G era
um chip que se conectava à entrada de fone de ouvido do telefone dela. Era o
seu favorito dos dispositivos ridículos de seus pais — aparentemente, permitia
que eles recebessem mensagens de fantasmas.
Ela trouxe aquele principalmente para se divertir.
Eles percorreram seu caminho para a cabana e o estômago de Logan
revirou. Hoje, não havia música de piano, nenhuma voz através da madeira
lascada, nenhuma respiração como Ashley havia descrito. Logan calibrou o
ermoGeist e o apontou para a cabana, mas a tela permaneceu em branco.
— Parece diferente — disse Elexis. Ele vagou para a parte de trás da
cabana com as mãos nos bolsos. — Há uma fogueira aqui atrás.
— Vocês sabem alguma coisa sobre a família que morava aqui? —
perguntou Logan.
Elexis deu de ombros. Ele caminhou mais, parando na parte de trás da
cabana para admirar as enormes janelas quebradas.
— Eles tinham uma visão legal.
Logan desenterrou um punhado de dispositivos de sua bolsa, sem saber
por onde começar. Ela e Ashley foram até a varanda da frente e entraram na
sala principal. O silêncio de Ashley era mais profundo do que o normal. Era
inquietante. Logan a olhava a cada dois segundos para ter certeza de que ela
não tinha saído. Ela não era a única coisa que estava diferente; era como se a
cabana estivesse determinada a ser diferente da última vez que Logan a visitou.
Hoje não parecia como morte, desespero, magia ou nada disso. Parecia uma
casa de madeira em uma clareira. Nada mais.
O ermoGeist concordou. Logan andou cautelosamente pelo chão da
cabana, mas a tela quadrada do aparelho permaneceu apagada. Não havia nada
paranormal aqui — pelo menos, não para ela.
Logan provou o sabor da decepção em sua língua.
O ar lá fora estava leve com o canto dos pássaros e cheirava a terra. A luz
do sol se infiltrava na cabana através de aberturas no teto, onduladas como
folhas de ouro através da madeira banhada pelo sol. Ela imaginou o quão
bonito este lugar poderia ter sido uma vez. Como seria estar aqui ouvindo o
piano e sentindo o vento do verão pelas janelas abertas. Imaginou cortinas de
linho branco na parede oposta, uma cesta de frutas no balcão da cozinha, uma
luminária de madeira sobre sua cabeça. Era uma visão tão real que parecia uma
memória. Logan quase podia ver quando ela fechava os olhos.
— Eu sinto que... eu já estive aqui antes.
— Você esteve — Elexis disse. — Duas vezes, certo?
— Você sabe o que eu quero dizer. — Ela colocou a mão no quadril. —
Antes de antes.
Mas não havia antes. Ela não era como Brandon e Alejo; ela não tinha
memórias aqui. Este não era o lar dela. Snakebite só deveria ser o agora.
— Bem — ela disse —, o que quer que estivesse aqui antes, se foi.
Logan não tinha certeza se acreditava nisso.
Ashley não disse nada.
— Ei. — Logan acenou com a mão na frente do rosto de Ashley. — Você
está aí?
— Desculpa — disse Ashley. Pela primeira vez, Logan notou os círculos
profundos embaixo dos olhos dela, escuros como hematomas. Seus olhos
estavam vidrados e distantes em algo além, mesmo quando olhava para o rosto
de Logan, era como se não conseguisse focar. — Desculpa, eu não sei o que...
Elexis entrou na sala principal da cabana.
— Podemos ir para casa? Minhas alergias estão atacando.
— Não — Logan retrucou.
— Eu me sinto meio mal do estômago — disse Ashley. — Acho que algo
ruim aconteceu aqui. Não era assim antes. Não sei o porquê de eu…
Ela afundou no sofá surrado no canto da sala e colocou a cabeça entre as
mãos. Seu rabo de cavalo loiro caiu em ondas pelas costas. O medo retorceu
como uma faca no peito de Logan. O ar estava muito parado, a cabana estava
muito vazia. Ashley estava uma bagunça.
Algo estava errado.
— Você vê alguma coisa? — perguntou Logan.
Ashley balançou a cabeça.
Logan assentiu.
— Ok. Quero dar uma olhada rápida lá fora, então poderemos ir. Você
apenas... fique aqui.
Elexis e Logan deixaram a cabana e vagaram entre as árvores em direção à
costa. A primeira vez que Ashley viu Tristan, ele estava nas árvores, não na
cabana. Logan fez malabarismo com os dispositivos, escaneando as árvores,
mas nada foi registrado. Nada indicava que fosse outra coisa senão um trecho
regular de árvores na fronteira com um lago normal fora de uma cidade
normal. Nada indicava que as coisas que tinham visto antes ainda
permaneciam ali.
Eles alcançaram a água e Elexis congelou.
Uma peça de roupa estava presa ao longo da crista empoeirada da costa,
presa sob uma rocha plana. A água do lago baixava e retraía sobre uma manga
vermelha. Por um momento, Logan pensou que a coisa estava respirando.
— O que é…
Elexis pegou a coisa debaixo da pedra e a desdobrou. Um símbolo do
Capitão América encharcado cobria a frente do moletom.
Era de Nick.
— Ele vai ficar feliz que você tenha encontrado. — Logan riu.
— Não. Ele não o deixaria para trás. — Elexis pendurou o moletom
sobre o ombro e começou a vasculhar o chão, em pânico. — É o favorito dele.
Ele não o deixaria aqui.
— Vocês dois estavam avoados.
— Não tão avoados.
— Eu…
Elexis apontou para a bolsa de Logan. Um azul tênue queimava através da
costura. Ela vasculhou a bolsa e puxou o ermoGeist para fora, apontando-o
para o moletom. Assim como no episódio do moinho de vento do
ParaEspectadores, o dispositivo brilhou um azul sólido. Ela o afastou do capuz
e ele ficou escuro novamente.
— Você falou com o Nick? — perguntou Logan. Sua língua parecia
chumbo em sua boca. — Desde a festa?
Elexis balançou a cabeça.
Logan fechou os olhos. Ela estava afundando.
— Pegue esse moletom. Vamos à polícia.
18

Longas sombras

Logan deslizou no banco do passageiro do Ford e soltou um suspiro. Era


apenas sua segunda viagem à delegacia de polícia do condado de Owyhee, mas
ela já estava cansada disso. Elexis ainda estava lá dentro, conversando com o
Xerife Paris e esperando Gracia buscá-lo. No momento em que deixaram a
floresta, Ashley parecia mais clara. Os círculos escuros sob seus olhos
diminuíram, e ela voltou a ser irritantemente saudável, com olhos de corça.
Logan, por outro lado, estava mais acanhada. Tristan Granger era um
estranho desaparecido; Nick Porter era um amigo desaparecido. Seu estômago
revirou até que ela pensou que poderia vomitar.
— Acho que devemos conversar — disse Ashley, subindo atrás do
volante. — Ainda não estou… só estou muito confusa.
Logan assentiu. Elas se afastaram da estação para a estrada solitária em
direção ao Rancho Barton, uma guitarra zumbindo fracamente no rádio.
Ashley mordeu o lábio inferior, os olhos fixos na estrada à frente.
— Estou enlouquecendo? Tipo, isso não é normal. Eu sei que não é
normal ver fantasmas e outras coisas. Eu nem sei se é possível.
— Você não está enlouquecendo.
— Então o que está acontecendo comigo?
Logan suspirou.
— Não sei. Não é só você, no entanto. Eu também estou fora de mim
desde que cheguei aqui.
Ashley semicerrou os olhos.
— Eu tenho tido uns sonhos estranhos. — Logan olhou pela janela,
traçando o dedo ao longo da armadilha de poeira de borracha que cercava o
É
vidro. — É como um sonho normal, então do nada, eu tenho que começar a
cavar.
— Como se você estivesse procurando por algo?
— Não. Estou cavando uma cova. — Logan se mexeu em seu assento. —
Para mim. Eu rastejo para dentro e alguém começa a jogar terra em mim. Não
consigo respirar e então simplesmente... acordo.
— Quem está te enterrando?
Logan olhou para Ashley. Mesmo agora, na caminhonete, longe do
mundo sufocante de seus pesadelos, era como se ela não conseguisse respirar.
A boca de Ashley se torceu em uma carranca cuidadosa.
— ...é o Brandon?
Logan desviou o olhar.
O sol estava logo além das colinas no horizonte quando chegaram ao
Rancho Barton, dando ao céu um brilho vermelho assustador. Todas as luzes
da casa estavam apagadas até onde Logan podia dizer, exceto por uma janela ao
lado direito da casa que dava para os campos vazios. A luz amarela de dentro
piscou.
— É o seu quarto? — perguntou Logan.
— Sim — disse Ashley —, mas não sei por que está piscando.
— Hum. Você tem certeza de que está tudo bem eu entrar? — perguntou
Logan. Algo sobre a fachada imaculada da casa não caiu bem para ela. — Sua
mãe não vai se importar?
— Ela não está em casa. — Ashley fez um gesto preguiçoso para a
garagem. — Sem carros.
— Justo — disse Logan. Sua cabeça girou. Entre a estranha náusea de
Ashley na floresta, seus pesadelos e o desaparecimento de Nick, algo estava
acontecendo. Não era calmo e lento como nas últimas semanas. Algo estava
acontecendo esta noite. Ela sentiu em seus ossos, no ar, no chão sob seus pés.
Talvez esse medo fosse a coisa sombria em Snakebite que Gracia havia
mencionado.
Elas entraram na casa em silêncio. A sala de estar era exatamente o que
Logan havia imaginado — decorações rurais, móveis beges e paredes caiadas de
branco. Era o tipo de casa que parecia um lar. O tipo de lugar que tiravam
fotos para revistas bonitinhas. Fazia muito tempo desde que Logan esteve em
um lugar como este. Ela tentou engolir a inveja que subiu em seu peito.
Um estrondo soou no corredor, batendo como metal na madeira.
Os olhos de Ashley se arregalaram.
— Pareceu vir do meu quarto.
Logan assentiu e elas foram em direção ao som.
O quarto de Ashley foi uma surpresa. Tinha uma cama de solteiro
coberta com uma colcha de retalhos cor-de-rosa, uma escrivaninha infantil
encostada na parede e uma estante cheia de livros antigos cujo único propósito
era juntar poeira. O cômodo era humilde e impessoal, como uma memória
preservada. Logan supôs que era assim que o quarto se pareceu por toda a vida
de Ashley. Era o quarto de uma garota que nunca se conheceu o suficiente para
torná-lo seu.
O ar lá dentro estava tão espesso que era sufocante. Logan avistou a fonte
do acidente. O quadro de avisos de Ashley estava virado para baixo no meio do
chão com destroços de fotos Polaroid espalhadas ao redor: fotos de Ashley com
Bug e Fran, Ashley no rancho, Ashley e Tristan. A janela acima de sua cama
estava escancarada. O vento assobiou pela tela, batendo nas cortinas como a
respiração de um fantasma. Era perfeitamente razoável supor que o vento havia
derrubado o quadro de avisos.
Era perfeitamente razoável, mas Logan sabia que não.
Atrás delas, a porta do quarto se fechou.
A lâmpada da luminária de mesa piscou, depois queimou.
Ashley cambaleou para longe de Logan. Ela mal era visível na escuridão
repentina, mas estava claramente com medo. Logan cautelosamente fez seu
caminho, pisando com cuidado para evitar as fotos.
— O que está acontecendo? — perguntou Logan.
— Acho que ele está aqui — sussurrou Ashley. — Acho que ele não está
sozinho.
— Quem está aqui? Tristan?
Ashley assentiu. Ela afundou na cama e atou o punho na colcha.
— Acho que ele está bravo comigo.
— Por que estaria bravo com você?
— Porque eu…
Lágrimas pontilhavam os cantos dos olhos de Ashley.
— Ok, não se preocupe. Voltaremos a isso mais tarde. — Logan limpou a
garganta. Ela tentou colocar uma expressão calma, mas não havia nada de
calmo nisso. Seu coração disparou. Isso não era como sua primeira viagem para
a cabana. Ela podia sentir algo acontecendo aqui. — Você disse que ele não
está sozinho. Quem mais está aqui?
— Eu não consigo ver. É só, tipo, um sentimento. — As mãos de Ashley
tremiam. — Partes disso são Tristan. Outras partes... não sei.
Logan engoliu em seco.
— Tente.
— Eu acho que é... Nick? — A expressão de Ashley era complicada.
Estava emaranhada entre dor e medo, presa nos arbustos do pânico.
Logan imaginou que sua própria expressão fosse semelhante. Era o pavor
esmagador e espiral de que ela era responsável por isso. Ela convidou Nick para
ir com elas. Ela não se certificou de que ele estava bem no dia seguinte. Ela
nem pensou duas vezes nele até encontrarem o moletom.
— A culpa é minha — sussurrou Ashley. — Ambos os casos.
Logan hesitou. Ela era várias coisas, mas “confortante” não era uma delas.
A respiração de Ashley estava trêmula, os olhos vermelhos e inchados de
lágrimas. Era medo, raiva e tristeza ao mesmo tempo. Logan alcançou o ombro
de Ashley, mas hesitou a um centímetro de distância. Ela pensou no que
Brandon perguntava às pessoas no programa — ela poderia pelo menos fazer
isso.
— Conte-me sobre Tristan. Não como ele é agora. Antes, quando ele
estava...
— …vivo?
— Quando estava aqui — Logan esclareceu.
— Por quê?
— Porque ajuda. Eu acho.
Os lábios de Ashley tremeram. Ela enxugou os olhos e assentiu.
— Certo. Hum, ele era realmente ótimo. Ele sempre foi super legal. Nós
passamos muito tempo juntos. — Ela limpou a garganta e sussurrou: — Sinto
muito. Eu realmente não sei o que dizer.
— Diga-me algo específico.
— Teve uma vez que ele queria que víssemos um filme de terror juntos.
Era sobre uma freira ou algo assim. — Ashley parou por um momento, depois
riu. — Eu tinha acabado de reprovar na prova de matemática, então minha
mãe disse que eu não podia sair. Eu estava aqui sozinha e ouvi algo batendo no
telhado. Quando abri a janela, ele estava lá. Ele baixou o filme de algum site e
o configurou em seu computador para que pudéssemos assisti-lo no telhado.
Ele disse que eu não estava quebrando as regras se nunca saísse de casa.
Logan sorriu.
— Foi tão estúpido. — Ashley enxugou os olhos. — Nós deveríamos ter
apenas assistido aqui dentro. Mas ele era exatamente assim. Ele pensou que vê-
lo no telhado tornava isso uma coisa romântica. Uma vez que ele tinha uma
ideia, tinha que fazer acontecer.
Ashley olhou para longe — para onde Logan supôs que Tristan estava —
e outra lágrima rolou pelo seu rosto. Esse não era o tipo de expressão que uma
pessoa fazia quando sentia falta de alguém, pensou Logan. Havia algo mais
aqui, mais profundo e doloroso do que a dor. Havia culpa. Logan viu em seus
olhos.
Ela se preparou.
— Por que você disse que é sua culpa?
Ashley fechou os olhos.
— Eu disse que fui a última pessoa que o viu na noite em que ele
desapareceu.
— Certo.
— Ele estava aqui porque eu disse a ele que queria conversar. Tristan
deveria se inscrever para a faculdade e se mudar. Achei que ele ia. — Ashley
respirou fundo. — Mas então ele decidiu não se candidatar. Queria ficar aqui.
Em Snakebite. Comigo.
A voz de Ashley falhou.
Logan estendeu a mão e a colocou em seu ombro. Ela sabia onde isso
estava indo. A casa estava silenciosa, exceto pelas respirações curtas e sufocadas
de Ashley.
— Eu não queria que ele ficasse. Nós terminamos — Ashley cuspiu as
palavras como se queimassem sua língua. — Achei que ainda poderíamos ser
amigos como éramos antes. Tudo ia ficar bem. Mas então sua mãe não o viu.
John não o viu. Ninguém o viu depois disso, e eu só... Se algo aconteceu com
ele. Se ele fez algo para si mesmo, eu...
— Você contou a alguém?
Ashley balançou a cabeça.
Logan gentilmente pegou seu pulso.
— Ei, isso não é culpa sua.
Ashley descansou os dedos suavemente contra a mão de Logan,
respirando devagar e calmamente como se precisasse do silêncio para absorver
as palavras. A brisa que entrava pela janela aberta era doentia, quente demais
para a noite. Passava através das cortinas como um sussurro.
— E se ambos estiverem me assombrando porque estão…
Logan apertou seu pulso.
— Você viu meu pai na cabana. Ele está vivo.
— Tristan e Nick também podem estar vivos.
— Certo — disse Logan. Ela desejou acreditar.
De repente, um estalo soou no telhado. Não um estalo, um gemido lento.
Era o peso contra a madeira, lento e deliberado. Eram passos, cada um medido
como se a criatura acima delas lutasse para se equilibrar. O som começou no
centro do teto do quarto de Ashley, aproximando-se da janela acima de sua
cama a cada passo.
Ashley fechou os olhos. Logan sentiu seu pulso acelerado através do
interior de seu braço.
Os passos chegaram acima da janela e depois pararam. A noite lá fora
estava espessa e escura como melado. Logan sentiu um puxão, brevemente,
quando sua bolsa zumbiu. Desta vez não era a luz do ermoGeist piscando.
Era seu telefone. Logan não reconheceu o toque. Uma mensagem de alerta
intitulada SCRIPTO8G apareceu em sua tela de bloqueio.
Ashley se inclinou sobre o ombro de Logan para ler.

desconhecido: SIGA

Um calafrio percorreu a espinha de Logan. Ela olhou para Ashley, mas


não conseguiu encontrar as palavras para explicar o que isso significava. De
acordo com a parte de seu cérebro que acreditava em respostas racionais — em
ciência comprovada — não fazia sentido.

É
— É o Tristan? — Logan perguntou ao quarto vazio.
Silêncio, e então seu telefone tocou.

desconhecido: TRISTAN

Ashley ofegou. Ela pegou o telefone das mãos de Logan, olhando para a
tela como se achasse que ele poderia aparecer para ela. Suas mãos tremiam, mas
nenhuma mensagem chegou.
— Tristan — Logan continuou. — Onde você quer que a gente vá?

desconhecido: COVA

— O cemitério — sussurrou Ashley. — Tristan, devemos encontrá-lo lá?

desconhecido: ANTIGA

Elas encontraram os olhos uma da outra. Logan escutou, mas só ouviu os


galhos do lado de fora, os cavalos no celeiro e os gemidos lentos e pesados de
madeira velha. Ashley olhou para o chão, murmurando lentamente a palavra
antiga para si mesma como se eventualmente fizesse sentido.
Ela olhou para cima.
— Túmulo antigo. É o Cemitério dos Pioneiros.

***
Como era de se imaginar, dirigir era muito mais difícil durante um ataque de
pânico.
Ashley dirigiu pela Rua Principal, seguindo o brilho opaco dos escassos
postes de luz de Snakebite. A maioria das lojas e restaurantes ao longo da faixa
principal da cidade estava fechada durante a noite, mas no final da estrada
havia um pontinho de vida. O Chokecherry ainda brilhava levemente dourado
contra a dura escuridão da noite. Ashley podia até sentir as batidas do rock
clássico pulsando da jukebox dentro.
Passado o trecho principal, as luzes da rua se apagaram e elas ficaram na
escuridão. As vitrines deram lugar aos extensos planaltos de terras agrícolas de
um lado e à massa negra e vazante do lago do outro. A neblina rolou sobre a
estrada em um manto fino de ardósia cinza. Ashley ligou os faróis baixos e
seguiu em frente, incapaz de afastar a sensação de que havia algo escondido na
névoa.
— Outra mensagem — disse Logan do banco do passageiro. — Diz
PERTO.
— Sim — disse Ashley. Seu coração martelava em sua garganta. — O
Cemitério dos Pioneiros está ao virar da esquina.
— Acho que paramos aqui no caminho para a cidade.
— Vocês pararam — disse Ashley, talvez rápido demais. Ela limpou a
garganta. — O dia da vigília de Tristan. Eu vi você e seu pai lá.
Logan olhou para ela, mas não disse nada.
Elas contornaram uma enorme colina escura e os faróis do Ford se
acenderam na cerca atarracada que cercava o Cemitério dos Pioneiros. As
sepulturas aqui eram especialmente lamentáveis à noite — apenas montes de
terra banhados pelos feixes amarelos dos faróis. Do lado de fora da
caminhonete, o vento gemia. Estava mais pesado agora do que quando saíram
do rancho, mais pesado do que deveria ser.
— Você está sentindo isso? — perguntou Ashley.
Logan assentiu. Elas saíram da caminhonete e a terra compactada soou
oca sob seus pés. A chave de pedra estava resoluta na frente do cemitério,
inabalável ao vento, os nomes gravados na pedra quase tão indistinguíveis
quanto as próprias sepulturas. Além das lápides, o cemitério era preto.
Ashley ligou a lanterna do telefone. Logan lhe entregou o ermoGeist.
Nos fundos do cemitério, as sombras se moviam. Não como o vento, mas
como um animal. Como alguma coisa grande e pesada. Ashley estreitou os
olhos, tentando rastrear sua forma.
O ermoGeist acendeu.
— Ai, meu Deus, olhe! — Ashley gritou por cima do vento. O
ermoGeist brilhou mais forte do que seu telefone, iluminando a sujeira do
cemitério de azul. A luz a puxou para os fundos do terreno do cemitério, para a
escuridão em movimento, com um magnetismo que ela não conseguia explicar.
Ashley de repente entendeu que ela estava sozinha.
— Logan?
Ela se virou. A luz branca de seu telefone brilhou no cabelo de Logan.
Logan, que ainda estava de pé na frente do cemitério com os olhos fixos na
lápide de pedra. Logan, que parecia um fantasma. Logan, que estava tão quieta
que Ashley se perguntou se ela estava respirando. No escuro da noite, ela era a
sombra de uma pessoa. Sua expressão não estava certa — sobrancelhas
franzidas, olhos arregalados, pescoço esticado para a frente como se ela não
pudesse ler as palavras gravadas. O ermoGeist continuou a brilhar,
implorando a Ashley que o seguisse até os fundos do cemitério.
— Logan? — Ashley chamou novamente. — O que você está olhando?
— Eu… — Logan olhou para cima, saindo de seu transe. O vento
chicoteou seu cabelo em uma rajada de preto em seus ombros. — Há um
nome aqui, mas é…
Ashley guardou o ermoGeist no bolso e voltou a olhar a lápide. Elas
não tinham tempo para isso. O olhar de Logan estava fixo nos nomes gravados
na frente delas, e Ashley seguiu seu olhar para um em particular. Por um
momento, não entendeu, e então seu coração parou no hífen.

ORTIZ-WOODLEY, 2003–2007

— Espera, tipo… — Ashley sussurrou.


Logan empurrou uma mão em seu cabelo para mantê-lo fora de seu
rosto.
— Eu não entendo. O que isso significa?
Todos os dispositivos na bolsa de Logan começaram a chiar.
Ashley cobriu as orelhas com as mãos. O vento pelo cemitério aumentou,
perfurando a noite escura como uma mordida afiada o suficiente para tirar
sangue. A escuridão nos fundos do cemitério se transformou. Agora eram duas
massas, ambas curvadas e balançando ao vento. Elas se reuniram na beirada do
cemitério, onde a terra encontrava tufos de grama amarela, circulando um
monte de terra perto do terreno do Cemitério dos Pioneiros, escondido da
passarela principal.
O ermoGeist brilhou novamente, mas em vez de piscar a luz azul, era
um vermelho constante e inabalável.
Era a cor de sangue.
— Logan — Ashley disse timidamente.
Sua voz ecoou de volta no vento. Ela virou a lanterna de volta para a
escuridão atrás dela, e Logan protegeu seus olhos, o rosto brilhando com o
vermelho do ermoGeist.
— Nunca vi acontecer isso antes.
Elas seguiram a luz até os fundos do cemitério. As mãos de Ashley
tremiam, mas ela manteve o aperto no ermoGeist. Era como se Tristan
estivesse bem atrás dela — ela ouviu sua respiração, sentia sua mão pairando
logo acima de seu ombro. A verdade estava na frente dela agora, se ela pudesse
ser corajosa o suficiente para vê-la.
A mandíbula de Ashley se apertou.
— O que você quer que eu faça?
— O quê? — Logan perguntou, antes de perceber que ela se referia a
Tristan. Logan mostrou a Ashley o Scripto8G. — Diz SUJEIRA.
A respiração de Ashley ficou presa em seu peito. Ela quase podia vê-lo
agora, agachado na frente dela, esfregando a mão ao longo da terra em ruínas.
Quase podia ver seus olhos, implorando para ela fazer apenas uma coisa. Ela
entendeu, mas era pedir demais. Ela colocou uma mecha de cabelo atrás da
orelha e balançou a cabeça.
— Não posso…
— Você não pode o quê? — perguntou Logan.
Por favor, uma voz gemeu, levada pelo vento.
Os olhos de Logan se arregalaram.
— Puta merda. Eu ouvi.
Essa voz não era de Tristan. O rosto de Logan dizia que ela também a
reconhecia. A voz era intensamente familiar, mas distorcida, como se o orador
estivesse a quilômetros de distância. Ashley tinha ouvido essa voz, suave e
tímida do banco de trás de sua caminhonete.
Era de Nick Porter.
— Tá, tá… — Ashley sussurrou. Ela se virou para Logan. — Você pode
me ajudar a cavar?
Logan olhou para a sujeira e seu rosto perdeu a cor. Ela balançou a
cabeça, punho apertado contra o peito. Mesmo na escuridão, Ashley
reconheceu o medo em seus olhos. Suas pupilas estavam contraídas, a
respiração irregular cobrindo seus lábios. Ela sussurrou:
— Não posso.
— Então ligue para o Paris.
Ashley caiu de joelhos e pressionou os dedos trêmulos na terra. Seu
coração martelava e martelava, mas ela varreu a sujeira de qualquer maneira.
Ela enfiou o telefone sob o queixo para que pudesse iluminar o chão com luz
branca. A noite cheirava a medo e ao odor metálico da chuva iminente. Ela
cavou até que seus dedos roçaram em algo sólido. E então o coração de Ashley
parou. Ela afastou uma camada de sujeira e ali, sob a terra, seus dedos
encontraram a pele fria como pedra. A pele era muito humana para estar
enterrada há muito tempo, e muito perto da superfície para ter sido enterrada
corretamente. Ela engoliu um soluço e continuou escavando a terra até que
deu lugar às pontas de dedos humanos. Ela tropeçou para trás e desabou na
terra.
Ela queria encontrar um dos meninos desaparecidos vivo.
Em vez disso, ela encontrou um corpo.
19

O corpo, mas não a alma

Após o cemitério, tudo se tornou um sonho estranho.


Um sonho com garras. Um borrão sufocante. Um pesadelo ondulando
sobre Snakebite em ondas lentas e dolorosas. As janelas estavam fechadas, as
persianas abaixadas, as crianças eram levadas para dentro nas tardes quentes,
quando costumavam brincar no lago. As notícias sobre o corpo não eram como
as fofocas habituais — não eram discutidas durante o café no Moontide. Esse
era o tipo de coisa que arrancava as palavras da língua das pessoas. Havia um
assassino à solta. Snakebite foi coberta por uma camada de silêncio, porque
agora era tudo real.
Nick Porter estava morto.
Não desaparecido, morto.
Nas últimas duas semanas, Ashley também ficou em silêncio. A polícia do
Condado de Owyhee havia desenterrado um corpo no Cemitério dos
Pioneiros; Ashley esperava que encontrassem dois. Mais do que nunca,
Snakebite tinha certeza de que os Ortiz-Woodleys tinham algo a ver com isso.
Ashley não tinha certeza. Tristan ainda estava desaparecido, o que era tão
aterrorizante quanto esperançoso. Ele não estava morto, mas também não
estava em casa.
Ashley não sabia como se sentir. Na maioria das vezes, se sentia vazia.
Nick estava morto, Tristan se foi, e ela ainda não sabia de nada.
Fazia duas semanas desde que falara com Logan. Duas semanas desde que
seu mundo inteiro foi virado do avesso. Ela não estava evitando Logan — pelo
menos, não mais do que evitava todos os outros —, mas algo sobre se
aproximar a assustava. Se continuassem procurando, significava que tudo o que
já haviam encontrado era real. Isso significava que Snakebite nunca poderia
voltar ao que era.
Mais do que para qualquer outra pessoa, porém, ela queria enviar uma
mensagem de texto. Ligar. Ela queria sair com Logan e continuar procurando.
Ashley não tinha certeza do que fazer com isso.
A chamada veio enquanto ela estava deitada em sua cama, cabeça
pendurada para o lado, cabelos loiros caídos no chão. Ashley encarou o nome
de Logan por um momento longo demais, então atendeu.
— Ei — ela disse.
— Ei. — A voz de Logan estava rouca. Depois de um momento, ela
limpou a garganta. — Como você está depois... é, como você está?
— Não sei.
Por um momento, a linha ficou quieta.
— Eu ia mandar uma mensagem para você, mas achei estranho.
Obviamente. Mas... acho que devemos continuar. Se você ainda quiser.
— Você quer voltar para a cabana? — perguntou Ashley.
— Eu quero. Não sei. Sinto como...
— …como se não tivéssemos encontrado tudo ainda — Ashley
terminou. Seu peito estava apertado com a necessidade de saber mais. — Eu
também.
Seja qual for o medo que estivesse nela, o que quer que estivesse
esperando por elas, Logan estava certa. Havia mais para encontrar.
E se Tristan ainda estivesse lá fora, ela não poderia desistir.

***
A viagem para a cabana foi sombria desta vez. Os zimbros ficaram borrados
enquanto Ashley dirigia pela estrada à beira do lago, morta e marrom pelo
calor sufocante. Logan se encolheu no banco do passageiro com os joelhos
dobrados contra o peito, provavelmente para evitar a regra de não colocar os
pés no painel.
— Você não estava no funeral — disse Ashley.
Logan respirou fundo.
— Eu sei. Eu ia, mas parecia desrespeitoso. Não sei.
— Não teria sido desrespeitoso — disse Ashley. — Vocês eram amigos.
— Não assim. Quero dizer, teria sido uma distração. Todo mundo acha
que meus pais têm algo a ver com isso. Se minha pequena família gay
aparecesse no funeral, isso é tudo em que alguém prestaria atenção. Eu não
queria tirar a atenção… — Logan apertou os lábios. — Precisava ser sobre
Nick. Isso é tudo.
Ashley fez uma careta. Ela desejou que Logan não estivesse certa. Algo
estava pesado em seu peito. Ela piscou para a costa ensolarada, borrada pela
janela suja de terra.
— Como seus pais reagiram quando você contou a eles?
— Hum, contei a eles...? — Logan parou.
— Sobre, você sabe…
— Certo, você tem que parar de chamar assim. — Logan passou a mão
pelo cabelo, sacudindo os emaranhados. — Você quer dizer quando eu disse a
eles que sou lésbica?
— Sim. Isso.
— Hum, quero dizer, eles não tinham motivos para ficarem bravos com
isso, né? Ficaram definitivamente surpresos, no entanto. — Ela mexeu
preguiçosamente com as saídas de ar condicionado sem olhar para cima. —
Alejo estava preocupado que eu apenas pensasse que era lésbica por causa deles.
Brandon estava realmente assustado, no entanto. Ele disse que as coisas seriam
muito mais difíceis para mim. O que sempre me pareceu estranho porque eu
conhecia muitos adolescentes gays em L.A. Quando estava lá, nunca foi muito
difícil. Era apenas, eu não sei, algo.
Ashley assentiu. Ela afrouxou o aperto no volante; não conseguia se
lembrar de quando ela tinha apertado os dedos.
— Eu entendo agora, no entanto. Eles cresceram aqui.
As árvores engrossaram quando elas chegaram à saída de cascalho. O sol
deste lado do lago costumava ser dourado, mas agora estava perto demais.
Estava forte, sentado muito baixo no céu. Ashley olhou para as árvores e
ansiava pela sombra entre elas. Quanto mais o tempo passava, mais tinha
certeza de que havia algo errado aqui.
Logan abriu a porta do passageiro no momento em que estacionaram. Ela
puxou o cabelo em um rabo de cavalo preto curto.
— Sinto isso hoje. Eu sinto que vamos descobrir alguma coisa.
Elas foram para a cabana. De imediato, algo estava diferente. Não como a
sensação de náusea que ela teve na primeira vez. Ashley parou na varanda da
frente da cabana e estendeu um braço para manter Logan no lugar. A cabana
estava viva, mas não como se estivesse com fantasmas. Algo farfalhava lá
dentro, gemendo nas tábuas do assoalho.
— Você ouviu isso? — sussurrou Ashley.
Para sua surpresa, Logan assentiu.
Ashley engoliu em seco. Ela cuidadosamente caminhou até a varanda e
abriu a porta da frente da cabana. Esperava um animal selvagem ou móveis
derrubados. Até os fantasmas pareciam mais prováveis do que o Xerife Paris
parado no canto mais distante da sala, inspecionando as iniciais gravadas nas
paredes. Sua postura era cuidadosa, dedos delicados enquanto traçavam a
madeira apodrecida.
Paris endureceu ao som delas. Ele se virou, e sua expressão se suavizou em
uma risada silenciosa.
— Pensei ter ouvido alguém entrando.
— Eu… — Ashley começou, mas não tinha certeza do que dizer. Ela
limpou a garganta. — O que você está fazendo aqui?
— Acho que provavelmente o mesmo que vocês — Paris sibilou. —
Exceto que procurar Tristan é meu trabalho real.
Ashley olhou pela janela quebrada para o outro lado do lago.
— Eu pensei…
— …que não estávamos olhando este lado do lago? — perguntou Paris.
— Eu disse que não queria vocês aqui. Não há realmente trilhas ou pontos de
referência. Se eu perdesse o rastro de um de vocês, seria difícil encontrar
novamente. Já tenho um jovem desaparecido e outro morto.
— Ah — disse Ashley.
— E, como seu xerife, eu realmente não gosto da ideia de vocês ficarem
aqui sozinhas — disse Paris. — Com tudo acontecendo, não é realmente
seguro. Vou ficar com vocês por enquanto, mas realmente prefiro que não vão a
lugar algum sem acompanhantes de agora em diante.
Ashley e Logan assentiram. Por um momento, houve apenas silêncio.
A expressão de Paris se iluminou e ele rapidamente atravessou a sala
principal. Se virou para encarar Logan e estendeu a mão.
— Você deve ser a filha do Alejo. Prazer em conhecê-la oficialmente.
Logan piscou.
— Você conhece meu pai?
— Ah, sim. Nós éramos melhores amigos no ensino médio. Eu, ele e a
senhorita Tammy Barton.
Ashley balançou a cabeça.
— Não sabia que você a conhecia tão bem.
— Sim, Tammy é o máximo. Ela é uma senhora ocupada, no entanto. —
Paris tirou o chapéu de caubói e passou a mão pelo cabelo cor de palha. — Eu
tento não incomodá-la muito mais.
— Que confuso — Logan disse calmamente. — Você também conhecia
o Brandon?
Paris puxou o pano do piano. As teclas embaixo estavam apodrecidas e
marrons nas bordas. Logan olhou para o piano e sua expressão mudou. Era
suave e quase triste. Ashley pensou que ela olhava para o piano como outra
pessoa olharia para um túmulo. A luz do sol dançava sobre suas maçãs do
rosto, mas seus olhos estavam escuros e distantes.
Ashley se perguntou quantas vezes ela se pegou olhando para aqueles
olhos, profundos, castanhos e escuros o suficiente para engolir a luz do sol
inteira. O peito de Ashley estava apertado. Ela se afastou, concentrando-se
novamente na cabana.
— Brandon… — Paris suspirou. — Mais ou menos? Ele era um garoto
quieto. Éramos apenas doze de nós na classe de 97. Eu o conhecia, mas não o
conhecia. Não acho que alguém realmente o conhecia. Eu o via todos os dias,
mas acho que só falei com ele uma vez.
— Conheço a sensação — Logan sussurrou baixinho.
— Mas sim, eu e Alejo nos conhecemos. Costumávamos passar os verões
aqui no barco do meu pai. Nós meio que nos afastamos quando ele foi para
uma faculdade chique. Apesar disso, continuo o amando. Ele era como a
criança de ouro de Snakebite. Todos o amavam.
Ashley entrou na cabana e fechou a porta da frente. Logan parecia
totalmente desinteressada em usar qualquer equipamento de seus pais agora.
Ela só queria interrogar Paris. Ashley tentou não ficar vagamente irritada.
— Por que vocês deixaram de ser amigos? — perguntou Logan.
— Não deixamos de ser amigos. — Paris continuou a andar pela cabana
antes de se sentar no sofá surrado. — Bem, não muito. Não sei. Parece tão
ruim, mas de certa forma, quando seu pai veio para casa e contou a todos a
notícia sobre ele ser... você sabe... fiquei meio agradecido. Tipo, eu ficava bravo
porque as pessoas eram tão horríveis com ele por causa disso, mas foi um alívio
também. Eu tinha que sair da sombra dele. — Paris balançou a cabeça. —
Uau, isso soa terrível.
— Sim — disse Logan —, soa.
Paris a olhou.
— Eu não quero dizer isso de uma maneira ruim.
Ashley riu desconfortavelmente. Logan lançou-lhe um olhar.
— O que é este lugar? — perguntou Ashley. Ela teve o cuidado de não
mencionar que John havia encontrado a cabana nos mapas de seu pai. As coisas
com John já estavam bastante tênues, ela não precisava o delatar também.
— Costumava ser uma pequena e linda cabana. — Paris franziu a testa.
— Obviamente, não está mais em seu auge.
— Você sabe quem morava aqui? — perguntou Ashley.
A testa de Paris franziu em confusão. Ele olhou para Logan.
— Eu sei. Pensei que vocês duas... Bem, agora sinto que não é o meu
lugar para dizer.
Ashley e Logan o olharam com impaciência.
— Eu acho que vai sair de uma forma ou de outra, já que tecnicamente
tem a ver com vocês duas. Vocês não podem contar a seus pais que eu falei
sobre isso. — Paris colocou seu chapéu de caubói de volta. — Eu sei que a
propriedade é de Tammy. Por alguma razão, ela vendeu o lugar para os seus
pais. Talvez ela tenha dado a eles. Não sei. Mas foram eles que construíram.
Ashley piscou.
Ao lado do piano, Logan exalou.
— Eles construíram?
— Sim. — Paris assentiu, solene. — Eu já não era tão próximo de seu pai
naquela época. Acho que os dois só queriam uma maneira de se afastar um
pouco da cidade.
Ashley olhou para as paredes, os tetos em ruínas, as janelas quebradas.
Brandon e Alejo construíram este lugar à mão, e isso foi o que restou dele. Era
como se a própria madeira exalasse decepção.
— O que aconteceu aqui?
Paris deu de ombros.
— Não faço ideia.
Os três permaneceram por um momento em silêncio. Os olhos de Logan
estavam arregalados, mas ela não disse nada. Ashley sentiu vontade de ir para o
seu lado, de colocar a mão em seu ombro e certificar-se de que ela estava bem.
Ela não sabia por quê.
— Se vocês, meninas, não se importam, vou dar uma olhada mais perto
da água. — Paris levantou-se e saiu pela porta da frente, deixando-a aberta
atrás dele. — Esperem até eu voltar.
Quando ele partiu, Logan deixou sua bolsa cair. Ela aterrissou no chão de
madeira com um baque doentio. Logan não disse nada. Apenas andou pela sala
principal, os olhos fechados como se tentasse imaginar como era antes da
destruição. Ashley tentou imaginar também. Houve vida aqui uma vez. Parecia
a quilômetros de distância agora.
Quando ela abriu os olhos, congelou.
Brandon estava sentado no sofá no canto da sala, olhando pela janela de
frente para o lago. Sua expressão estava vazia, os olhos vidrados e fixos na costa
distante.
Levou um momento para Ashley perceber que Logan não o via. Os
fantasmas estavam de volta. As meninas não estavam sozinhas.
Ashley se apoiou na parede.
Logan virou-se para ela.
— O que está acontecendo?
— Eu, hum… — Ashley engoliu em seco e apontou para o sofá. — Ele
está aqui. Brandon. A versão fantasma. Algo está estranho.
A cena era escura, fria e errada. A coisa errada nela permeou o ar,
lançando uma sombra tão profunda sobre a cabana que era difícil respirar.
Ashley sentiu a escuridão como uma película oleosa em sua pele.
Logan piscou. Ela se moveu para o sofá e puxou vários dispositivos de sua
bolsa, metodicamente ligando todos.
O fantasma de Brandon estava em silêncio, assim como da última vez que
Ashley o viu. Ele passou a mão pelo espaço ao lado dele, os olhos fixos no lago
lá fora. Sua expressão era de aço. Não era uma expressão de maneira alguma.
Ele era uma concha, como se não houvesse nada humano nele.
Uma voz sussurrou, mas ela não conseguia entender o que dizia.
— Você consegue sentir? — perguntou Ashley.
Logan arqueou uma sobrancelha.
— Sentir o quê?
A mandíbula de Ashley tremeu no frio. Não fazia sentido… fora da janela
da beira do lago, o sol brilhava quente e dourado sobre a terra. Ela tinha
acabado de estar lá fora, tinha acabado de sentir o calor. Mas dentro da cabana
estava frio como no inverno. Vozes sussurravam lá fora, suaves como água
corrente. Muitas vozes, como se houvesse uma multidão reunida do lado de
fora. O estômago de Ashley afundou com a nítida sensação de que algo as
rodeava, pressionando as paredes, procurando uma entrada.
— Ele está apenas sentado lá — disse Ashley. — O que há de errado com
ele?
— Descreva — disse Logan.
— Eu acho que ele está… — Aflito, Ashley quis dizer. Mas as vozes lá
fora continuavam a assobiar, circulando a madeira fraca como abutres
circulando presas. — Feche a porta.
Logan correu para a porta e a fechou. Ela ergueu o telefone como se um
sinal melhor pudesse lhe dar uma mensagem do Scripto8G.
— Ele está dizendo alguma coisa?
Ashley olhou para baixo. Brandon Woodley não era vago como o cheiro
de Tristan ou a voz desencarnada de Nick. Assim como da última vez, ele
estava inquietantemente presente.
— Um dia — sussurrou uma voz —, seremos felizes.
Brandon enrijeceu.
E então ele olhou para ela.
Ashley deu um pulo para trás, batendo em uma mesa desmoronada. Seus
joelhos se dobraram no canto da madeira e as palmas das mãos de Logan
achataram contra suas costas para mantê-la em pé. As tábuas do piso gritaram,
mas o som estava confuso, como se tivesse o ouvido debaixo d'água. Ela
apertou o peito, mas não desviou o olhar.
Depois de um momento, Brandon piscou. Ele balançou a cabeça
ligeiramente e a sala mudou. O ar afrouxou, derramando sua mortalha de frio
como se estivesse se livrando de um cobertor. Ashley sentiu as mãos de Logan
em suas costas — realmente as sentiu — e então ela estava na cabana. A luz do
sol brilhava através das janelas quebradas, mas os pelos de seus antebraços
ainda estavam arrepiados. As vozes do lado de fora se foram. Em vez disso, ela
ouviu o farfalhar de galhos de zimbros bem acima do teto desmoronando da
cabana.
— O que acabou de acontecer? — Logan perguntou, tentando esconder
o tremor em sua voz.
— Ele nos viu — sibilou Ashley. — Não sei como, mas...
Brandon pressionou os dedos sob os óculos para esfregar os olhos.
— Pensei que eu tinha visto alguma coisa.
— O que… — Logan começou.
Ashley a silenciou.
Brandon fez uma pausa como se estivesse ouvindo, então balançou a
cabeça.
— Eu não posso ficar perto deles.
Ashley soltou o braço de Logan e parou na frente de Brandon. De perto,
seu rosto estava cheio de nada. Ele olhou pela janela, para o vazio indefinido.
Ela não sabia como era um assassino, mas se tivesse que imaginar uma
expressão, imaginaria essa.
Brandon parou novamente, ouvindo, então assentiu. Ele observou o
espaço ao lado dele — o espaço onde Ashley estava segundos antes — e
estreitou seus olhos. Após um momento de silêncio tenso, ele passou a mão
pelo ar vazio e fechou os olhos.
— Não é real — ele sussurrou.
Silenciosamente, ele foi até a porta da frente e sumiu de vista.
Ashley soltou um suspiro reprimido e enxugou gotas de suor de sua testa.
— Estou tão confusa.
— Você está confusa? — Logan estalou.
— Me siga.
Elas saíram da cabana e desceram para o lago, longe de onde Paris
passeava pela costa. Uma vez que Logan estava sentada em uma pequena pedra,
Ashley contou sobre o momento o melhor que pôde. Mas a estranheza dele era
impossível de colocar em palavras. Era uma sensação que se instalou na boca
do estômago como pedras. Mesmo na margem do lago, com o sol batendo nela
e uma brisa quente farfalhando entre as árvores, ela sentiu o frio sob a pele.
Sentiu o olhar de Brandon, implacável, vazio e morto.
— É como se ele não estivesse sozinho — disse Ashley. — Havia outra
coisa ali. Eu podia ouvi-la lá fora, sussurrando.
Logan coçou seu couro cabeludo.
— Quem seria, no entanto?
— Acho que não era uma pessoa.
Logan arqueou uma sobrancelha.
— Eu não acho que era humano.
— Eu simplesmente não entendo — disse Logan. Ela chutou uma pedra
oval lisa no lago. — Era apenas Brandon?
— Apenas Brandon que eu pude ver. No entanto, ouvi algo falar com ele.
— Ashley fechou os olhos, evocando a voz em sua memória. — Disse que eles
seriam “felizes de novo”. Eu não sei por quê. Meio... soou como se alguém
tivesse morrido.
— Isso é apenas você preenchendo os espaços em branco? — perguntou
Logan.
— O quê? — Ashley perguntou. — Não estou inventando. Estou apenas
dizendo o que eu vi. E o que vi parecia que eles estavam de luto por alguém.
Logan pressionou a palma da mão na testa.
— Mas quem?
— Talvez alguém da família?
Logan zombou.
— Quando ouvi nossos pais conversando, minha mãe disse ao seu pai
que sentia muito por sua perda — disse Ashley. — Seus pais... já mencionaram
alguém que morreu? Talvez antes de você ser adotada? Eu sei que você não
quer falar sobre isso, mas…
Logan endureceu.
— …aquela sepultura no Cemitério dos Pioneiros.
— Não.
— Se eles perderam alguém, talvez seja por isso que foram embora.
Logan balançou a cabeça.
— Não. Literalmente não é possível. Eles teriam me contado. Alejo
teria...
Logan não terminou seu pensamento. Elas ficaram em silêncio por um
momento. O lago subia ao longo da costa, levando a poeira para a água a cada
pulsação. Logan queria acreditar que Brandon não tinha nada a ver com as
mortes, mas seus passos estavam em todos os lugares que olhavam. Ele foi a
única coisa que mudou em Snakebite.
— Achei que deveríamos estar procurando por Tristan — disse Logan. —
Nós deveríamos estar esclarecendo isso, não tornando pior.
— Não acho que seja alguém apenas matando pessoas — disse Ashley. —
As vozes que ouvi do lado de fora eram... e se elas estiverem conectadas a tudo
isso?
— Você acha que algo paranormal está por trás de tudo — Logan falou
como uma afirmação, não uma pergunta.
— Não seria mais estranho do que tudo o que está acontecendo.
Logan beliscou a ponte de seu nariz.
— Eu sei que parece que Brandon está envolvido, mas... deixe-me falar
com os meus pais e ver o que posso descobrir. Não quero tirar conclusões
precipitadas. Por favor.
A carranca de Ashley foi involuntária. Havia desespero no rosto de
Logan, mas não tinha certeza se era desespero por Brandon ser inocente ou
desespero porque ela achava que ele não era. O cabelo preto liso de Logan
ondulava com o vento. Ela colocou a mão sobre a boca.
— Tudo bem — disse Ashley. — Posso perguntar mais coisas para a
minha mãe também. Mas não sabemos quanto tempo levará até que outra
pessoa desapareça. Não há muitos jovens aqui. Pode ser um dos meus amigos.
Pode ser uma de nós.
— Prometa que não fará nada até eu falar com eles — disse Logan. —
Apenas confie em mim.
Os olhos de Logan se estreitaram, vidrados como se ela fosse chorar.
Ashley olhou além dela, para a cabana. O frio sob sua pele estava quase no fim
agora, mas o peso em seu estômago ainda a empurrava para baixo. Parecia que
estava afundando. Ela fechou os olhos.
— Prometo.
20

Um sussurro suave e permanente

Ao final de tudo isso, Snakebite nunca mais seria a mesma. Um pedaço de


Ashley já sabia disso, mesmo que ela fingisse o contrário.
O céu estava amplo e azul brilhante com a manhã. Do pico da colina
maciça na extremidade leste da propriedade Barton, o resto das colinas eram
apenas ondulações suaves que se estendiam até o horizonte, o lago torcendo
entre elas como uma veia. O vento carregava o doce aroma de zimbro pela
encosta. Esta era a Snakebite gravada nos ossos de Ashley. Foi o que ela viu
quando fechou os olhos. Era sua Snakebite, fora de alcance enquanto a
escuridão rolava no vale como uma tempestade iminente.
Era apenas mais uma coisa que ela estava perdendo.
Ashley tinha subido até o topo gramado desta colina para fazer
piqueniques com Bug e Fran desde o ensino fundamental. Fazia meses desde a
última vez que elas estiveram aqui juntas, mas mesmo com tudo mudando, era
exatamente assim que Ashley se lembrava.
Ela estava nervosa por vir aqui. Estava nervosa por ver Bug e Fran. Ela
havia falado com as duas algumas vezes desde o funeral de Nick, mas agora era
diferente. Nada entre as três a tinha deixado nervosa antes. Houve um silêncio
que se estabeleceu entre elas, mantendo-as à distância de um braço uma da
outra, quietamente semeando dúvidas no peito de Ashley. Com tudo
acontecendo, sair com as amigas parecia uma mentira.
O cavalo de Ashley alcançou o topo da colina. Bug e Fran trotaram atrás
dela em cavalos Barton emprestados. Silenciosamente, as três foram até um
zimbro nodoso que estava sozinho na careca da colina. Bug estendeu um
cobertor sobre a grama morta, e Fran soltou a cesta de piquenique da sela de
seu cavalo. Elas montaram sanduíches de peru e jarras de limonada como
faziam todo verão, deitadas no cobertor sob a sombra do zimbro. O ar estava
fresco e claro e Ashley imediatamente quis afundar no chão se significasse que
ela poderia ficar aqui para sempre.
— Sinto falta de vocês — ela disse entre mordidas no sanduíche. —
Tipo, demais.
— De quem é a culpa? — Fran riu. — Você é quem está sempre saindo
com a Logan agora.
— Ela quer dizer que sentimos sua falta também — disse Bug.
— Sim, claro.
A atitude de Fran era justificada, mas Ashley esperava que tudo fosse estar
normal. Bug era mais difícil de ler — ela era a mais agradável das três, o que
significava que era a menos propensa a dizer como realmente se sentia. Tanto
ela quanto Fran olhavam para o céu e não para Ashley. Se perguntou quantas
conversas preocupadas tiveram sobre ela nas últimas semanas.
— Desculpa, eu fui estranha — disse Ashley. — Muita coisa tem
acontecido.
— Sim. Mas você pode falar conosco — disse Fran.
— Eu sei.
— Ótimo.
Ashley fez uma careta para os galhos secos acima. Não era como se não
confiasse em Bug e Fran. Era só que elas eram seu último pedaço de
normalidade em Snakebite. Elas eram a última coisa que restava intocada por
essa sombra iminente.
Ashley fechou os olhos.
— Ok. Vocês sabem que estou aérea desde Tristan. E vocês sabem que eu
disse que ainda estava meio que... sentindo ele, como se ainda estivesse por
perto.
— Claro — disse Fran.
— Bem, acho que posso meio que... não sei. Acho que posso ver
fantasmas?
Bug e Fran ficaram em silêncio.
— Não literalmente — disse Fran.
— Literalmente.
Ela podia sentir a carranca de Fran irradiando ao lado dela. Fran mudou
para um cotovelo para olhar para o lado do rosto de Ashley.
— Você quer elaborar?
O sol queimava na manhã azul enquanto Ashley explicava tudo, desde a
primeira aparição até a cabana e o corpo no Cemitério dos Pioneiros. Ela
explicou a maneira como sentiu o cheiro de Tristan na floresta, a maneira como
ele disse a ela onde encontrar o corpo de Nick, a maneira como ele permaneceu
com ela, mesmo agora. Ela explicou enquanto Bug e Fran escutavam e bebiam
suas limonadas. Não conseguia olhar para nenhuma delas. Seu coração
disparou pela garganta e tinha gosto de ferro.
— Achei que estava perdendo a cabeça no começo. Então eu pedi ajuda a
Logan. Porque, não sei, ela sabe sobre essas coisas.
— Jesus — Fran bufou. — Por que você não nos contou?
— Não sei.
Fran sentou-se.
— Você contou a uma estranha.
Ashley cobriu o rosto.
Bug estava quieta — ainda mais quieta que o normal. Depois de um
momento, ela disse:
— Você acha que é realmente ele?
— Obviamente que não — Fran interrompeu. Ela jogou os cachos
castanhos mel sobre o ombro. — A praia de Logan é essa coisa de fantasma.
Ela está tentando fazer você pensar que é louca, vendo fantasmas e tudo mais.
É nojento.
Ashley estreitou os olhos.
— Eu sei o que vi.
— Estar triste por Tristan não faz dele um fantasma.
— Eu vi ele.
— Sim, e se você me dissesse isso, eu teria dito para você ir ver alguém —
Fran disse. — Isso é o que uma boa amiga faria.
— Se eu não investigasse com Logan, eu nunca teria visto todas aquelas
outras coisas. — Ashley se sentou e colocou o sanduíche no cobertor. De
repente, ela não tinha mais apetite. — Se Logan não acreditasse em mim,
nunca teríamos encontrado Nick.
— Encontrar um cadáver não é uma coisa boa — disse Fran. — Nada
disso é bom. Você sabe o quão confuso isso é? Você encontrou um cadáver. De
uma pessoa que conhecíamos. Isso é, tipo, um problema sério.
— Sim. Encontrei provas de que alguém está matando pessoas — sibilou
Ashley. — Eu conhecia as duas pessoas que desapareceram. Pode ser uma de
nós a seguir. Não posso simplesmente... não fazer alguma coisa.
— A polícia pega assassinos — disse Fran.
— Paris desistiu de Tristan. Todo mundo desistiu.
— Você está falando sério? — Fran disparou. — Passamos horas lá fora
todas as manhãs procurando por ele. Paris também. Ninguém desistiu dele.
— Sim, mas você não achou que iríamos encontrá-lo. — Ashley engoliu
as lágrimas que subiram em sua garganta. Ela pensou no grafite no Bates.
Durante meses, todos tinham presumido que Tristan estava morto. — O que
eu deveria fazer?
Os olhos de Fran se arregalaram. Ashley nunca a tinha visto com raiva
assim antes. Seus punhos cerrados em seus lados, mandíbula apertada com
raiva.
— Ash, Tristan se foi.
— Não, ele não se foi.
— Gente… — Bug tentou.
— Quer saber, não estou com fome. — Fran se levantou e foi até o cavalo
dela. — Vocês se divirtam. Eu vou cavalgar de volta. Apenas... Tanto faz.
Ela correu no cavalo pela encosta em direção ao Rancho Barton,
deixando Bug e Ashley em silêncio. O vento quente soprou entre elas,
dolorosamente quieto. Ashley deitou-se e esperou que Bug se levantasse e a
deixasse também. Esperou para ficar sozinha novamente.
Mas Bug ficou. Ela estendeu a mão por cima do cobertor e pegou a mão
de Ashley gentilmente.
— Isso foi... intenso.
— Sim — Ashley resmungou. — Eu não deveria ter dito nada.
— Estou feliz que você disse, no entanto. — Bug estava deitada no
cobertor ao lado de Ashley e entrelaçou os dedos delas. — Eu estava realmente
com medo por você. Fran só está brava porque ela te ama muito. Nós duas
amamos. Você realmente acha que é Tristan?
— Acho. Não consigo explicar. Mas é ele.
— Eu acredito em você.
As quatro palavras eram mais pesadas do que ela esperava. Ashley fechou
os olhos para evitar chorar. Elas ficaram deitadas no silêncio e Ashley
lentamente se lembrou de como respirar.
— Obrigada.
— Eu posso ajudá-la a procurar também — disse Bug. — Você fez
alguma investigação no motel?
Ashley virou-se para ela.
— Por quê?
— Não estou tentando ser malvada — disse Bug —, mas os pais de
Logan claramente fazem parte disso. De alguma forma. Eu não sei, eles são...
— ...suspeitos — Ashley terminou. — Eu sei. Mas prometi a Logan que
a deixaria falar com eles primeiro.
— Ela não acha que eles vão mentir? — Bug perguntou.
— Não sei.
— Acho que Logan parece legal, mas talvez ela não consiga ver o óbvio
— Bug disse. — Só estou dizendo que vale a pena dar uma olhada.
— Vamos ver — disse Ashley.
Talvez Bug estivesse certa. De qualquer forma, se ela queria sua antiga
vida de volta, precisava acabar com isso. Ela precisava encontrar Tristan,
encontrar o assassino e encontrar a velha Ashley que não passava todos os dias
com medo da escuridão. Queria a velha Snakebite de volta de uma forma ou de
outra.
Sem mais fantasmas; ela queria que isso acabasse.
21

A jukebox sabe seu nome

ALEJO: Tem algo errado?

[Alejo toca em seu telefone, puxando a tela do Scripto8G. Ele


observa Brandon com cuidado. Algo está claramente errado.]

BRANDON: Só não gosto disso aqui. Parece errado.

ALEJO: Sim, é assombrado.

[Brandon não ri. Alejo se move em direção às escadas, mas


para quando a tela do telefone acende. Ele abre a mensagem,
movendo o ombro para protegê-la da visão de Brandon. A
câmera amplia para mostrar que no Scripto8G se lê JÁ ESTÁ
AQUI.]

ALEJO: Já está aqui?

[O cinegrafista dá uma resposta abafada.]

BRANDON: Deixe-me ver isso.

[Alejo hesita. Suas mãos tremem.]

ALEJO: Só diz já está aqui. Alguma ideia?

[O telefone pisca novamente. Desta vez, lê-se AQUI O TEMPO TODO.]


Uma batida soou na porta do quarto oito.
Logan silenciou a TV e saiu da cama, limpando migalhas de batata frita
de sua camisa. Na semana passada, Alejo e Brandon tinham se mantido
praticamente sozinhos, indo e vindo do motel em quase silêncio. Ela mal via
qualquer um de seus pais há dias. Em um ponto, se preocupou com Brandon e
Alejo ouvindo sua maratona do ParaEspectadores através das paredes, mas eles
agiam quase normais demais, como se não tivessem nada a esconder. Como se
toda a população de Snakebite não suspeitasse deles por assassinato. Como se
não houvesse adolescentes caindo ao redor deles.
Ela abriu a porta. Alejo não estava sozinho. Brandon estava atrás dele,
limpando os óculos com a bainha da blusa, o que ela supôs ser uma estratégia
para evitar fazer contato visual.
— Posso ajudar? — perguntou Logan.
Alejo espiou em seu quarto.
— Pensei ter ouvido minha voz.
— Ah, sim. — Logan pegou o controle remoto e desligou a TV do
motel. — É o que Brandon é possuído e vocês têm que exorcizá-lo no porão.
Televisão de boa qualidade.
— Um episódio terrível — Brandon zombou.
— Não sei… Eu me diverti. Não fui eu quem teve que se contorcer no
chão uma vez na vida. — Alejo examinou a sala. — Ia te convidar para um
pequeno jantar em família, mas não quero acabar com essa raiva.
Logan soltou um único “ha”. O conceito de um jantar em família no
meio de tudo o que estava acontecendo era tão estranho que ela pensou que
Alejo tinha momentaneamente esquecido como falar inglês. Mesmo antes dos
assassinatos, e antes de Snakebite, os Ortiz-Woodleys não faziam “jantares de
família”. Eles faziam turnos de jantar, o que geralmente significava que Alejo
cozinhava um lote enorme de picadillo e comia sozinho, Logan levava uma
porção para o quarto dela em algum momento indeterminado da noite, e
Brandon voltava para casa depois que todos estavam dormindo para comer
sobras esquentadas no micro-ondas.
Mas ela prometeu a Ashley que falaria com eles sobre a cabana, os
fantasmas, tudo isso. Era agora ou nunca.
— Parece divertido — disse Logan. — Talvez pudéssemos ser chiques e
juntar nossas mesas. Poderíamos até colocar uma pizza no micro-ondas.
— Muito engraçado — disse Alejo. Ele olhou de volta para Brandon. —
Acho que estamos a fim de comida de fora, o que acha?
— Você não acha que a gentalha vai sair? — perguntou Logan.
— Não se preocupe com os outros. Você nos terá. Sabemos como
acalmar os ânimos. — Alejo cutucou Brandon, que assentiu sem palavras. —
Enquanto eu e seu pai estivermos lá, ninguém terá tempo para incomodar
você.
— Isso é verdade — disse Brandon, esfregando a nuca.
— Nada que esta cidade ame mais do que assar alguns gays na pira —
disse Alejo. Quando Brandon e Logan ficaram em silêncio, ele riu. —
Desculpa, foi meio pesado. Mas o que você diz, quer pegar alguns
hambúrgueres antes que eles peguem as forquilhas?
Logan deu de ombros.
— Ok, tudo bem, o verdadeiro motivo. — A expressão de Alejo era
sombria. — Encontrei meu velho chapéu e quero usá-lo em público antes de
ser banido.
Ele puxou um chapéu de caubói preto de abas curtas de sua cama e
colocou-o bem na cabeça. Tinha um cheiro almiscarado de couro, e Logan não
conseguiu conter um sorriso. Alejo baixou a cabeça no estilo caubói e disse:
— Eu ficaria muito agradecido se você viesse jantar conosco, senhora.
— Ah, meu Deus. — Logan riu. — Você realmente vai usar isso?
— Eu preferia que não — disse Brandon, quase quieto demais para ouvir.
— Por que não? Meu pai costumava usar o dele em todos os lugares. —
Alejo tirou o chapéu e passou o polegar pelo couro. — Vamos chamar isso de
assimilação. Estou me misturando. Abraçando a cultura de Snakebite.
— Meu pai sempre usava o dele também. — Foi Brandon, forçando-se a
entrar na conversa como se temesse que pudesse desaparecer se não
contribuísse a tempo. Ele sorriu, momentaneamente preso na memória. — Eu
não sabia que ele era careca até meus dezesseis anos.
Logan alternou o olhar entre eles e algo atrás de suas costelas doeu. Eles
estavam tentando — os dois — e ela os estava afastando. Havia um pedaço
dela que queria isso mais do que qualquer resposta. Queria algo fácil… jantares
casuais em família, noites na cidade, manhãs de cinema nos fins de semana.
Queria conversas que não parecessem arrancar dentes.
Ela colocou a mão no quadril.
— Onde está o meu chapéu? Vocês estão realmente roubando minha
herança cultural.
Alejo arrancou o chapéu de sua cabeça e o colocou na de Logan,
imediatamente bagunçando o cabelo dela. Ela pegou a aba entre os dedos e a
inclinou sobre a testa como faziam nos velhos filmes de faroeste.
— Irra… Vambora.

***
Quando Logan e seus pais chegaram ao Moontide, ele estava completamente
vazio. Eles deslizaram para uma cabine de vinil perto da parte de trás da
lanchonete sem dizer uma palavra, cada um olhando para as outras cabines
para ter certeza de que estavam realmente sozinhos. O restaurante não tinha as
pilhas de recordações que o Chokecherry tinha, mas tinha uma sensação de
atemporalidade. Era ao mesmo tempo um restaurante que podia estar em
qualquer lugar e um que só poderia existir aqui. Logan se aninhou na cabine e
afundou nas almofadas gastas.
Uma garçonete saiu da cozinha com um sorriso rosado e uma braçada de
cardápios.
— Alejo. — Ela sorriu.
— Ronda — disse Alejo. Ele se levantou e puxou a mulher para um
abraço apertado. Ele era pelo menos trinta centímetros mais alto que ela, mas
ela estendeu a mão e o abraçou como se ele fosse uma criança muito alta e não
um homem de quarenta anos. Sem soltá-la, Alejo disse: — Você não
envelheceu um dia.
— Eu acho que você diz isso para todas as garotas. Ou… — Ronda
olhou para Brandon e sua expressão ficou séria — talvez não.
— Bom ver você — Brandon disse rigidamente.
— Vou te dizer uma coisa, não esperava te ver aqui. — Ronda colocou os
cardápios na mesa e tirou três talheres do avental. Sua expressão era difícil de
ler, vagando em algum lugar entre curiosidade e decepção. — Ainda não
entendo por que vocês três estão na cidade, mas estou feliz em ver que estão
bem. Enfim, vamos colocar um pouco de comida na mesa. — Ela se virou para
Alejo. — Já faz um tempo, mas acho que me lembro, hambúrguer Moontide
normal sem picles ou cebolas, cheddar extra?
Alejo sorriu.
— Você lembra.
— Estou feliz que você não seja um daqueles tipos veganos da Califórnia
agora. — Ronda anotou os pedidos de Brandon e Logan e enfiou o bloco de
notas de volta no avental. — Esperem pacientemente. Já volto com a comida.
Brandon olhou ao redor da lanchonete com um sorriso distante. Ele
parecia realmente se encaixar aqui. Logan nunca o tinha visto realmente se
estabelecer em um lugar. Não importava onde estivessem, ele sempre parecia
ter sido recortado e colado, como se sempre existisse em outro lugar. Mas no
Moontide, ele parecia confortável. Ele se inclinou contra a cabine de vinil
como se tivesse passado anos nela. Talvez tivesse. Logan não sabia quase nada
sobre a vida de Brandon aqui antes do programa. Ela tinha juntado pedaços de
Alejo, mas Brandon estava em branco.
Tudo parecia torto.
— Vocês vinham muito aqui antes? — perguntou Logan.
Alejo olhou para Brandon, que o fixou com uma clássica carranca de
lábios retos.
— Ah, sim. Eu diria que sim. Não juntos, mas acho que nós dois viemos
muito aqui.
Logan torceu o nariz.
— Resposta estranha.
— Nós realmente não nos conhecíamos na época — disse Alejo. — Eu e
seu pai poderíamos estar sentados um ao lado do outro, mas provavelmente
não teríamos trocado uma palavra.
— Isso não é verdade — disse Brandon. — Eu sabia quem você era.
— Ok, bem, isso é porque eu era legal.
— E eu não era — disse Brandon. — Tenho certeza de que isto é uma
surpresa.
A jukebox, que Logan não tinha notado antes, começou a tocar John
Denver, e o rosto de Alejo se iluminou.
— Seu pai costumava ser capaz de tocar essa no piano — disse. Ele
colocou a mão no antebraço de Brandon. — Deveríamos comprar um piano
para a casa de L.A. Aposto que ela nem sabia que você tocava.
— Duvido que eu me lembre como. — Brandon fez uma careta para a
jukebox, então suavizou o rosto e olhou para Logan. — Você não gostaria de
me ver tocar agora. Seria vergonhoso.
O peito de Logan estava apertado. Ela pensou no piano na cabana. Não
podia ser coincidência que o espírito de Brandon tivesse se materializado lá,
que ela tivesse ouvido música de piano na floresta, que ele aparentemente
costumava tocar. Mas não era isso que queria descobrir — não queria mais
razões pelas quais Brandon estaria no centro de tudo isso. Ela engoliu de volta
a pontada de dor em seu peito.
— Como vocês se conheceram? Acho que nunca perguntei.
— Ah, uh… — Brandon olhou para Alejo. — Você é um contador de
histórias melhor que eu.
— Não sei, não — Alejo sibilou. — Você aparentemente sabia de mim
muito antes de eu saber de você.
Eles mantiveram o olhar um do outro por mais um momento em um
impasse silencioso. Finalmente, Brandon limpou a garganta.
— Nós nos conhecemos aqui, na verdade. Na lanchonete. Eu estava
comendo com os meus pais e ele estava aqui com...
— Não, nós nos conhecemos na serraria, lembra?
Brandon fez uma careta.
— Não. Foi aqui.
A testa de Alejo franziu, procurando a memória.
— Você estava em um encontro? — Brandon tentou. — Não importa.
Não foi uma conversa longa. Eu nem sei por que me lembro disso.
— Tem certeza que você me conheceu? — perguntou Alejo. — Não te
conheci até voltar de Seattle. E eu realmente não fui a encontros. Eu estava...
Logan gemeu.
— Você estava com a Tammy, certo?
Alejo corou.
— Gracia... aquela chismosa. Eu era um cara diferente naquela época.
— Não acho que você era tão diferente — disse Brandon. Quando Logan
e Alejo o fixaram com olhares idênticos, ele olhou para baixo. — Quando você
voltou, eu fiquei realmente feliz por você ser exatamente como me lembrava de
você.
— Ah, porque você me conhecia tão bem da nossa única conversa? — A
risada de Alejo foi um desafio aguçado.
Ronda voltou da cozinha e colocou os hambúrgueres na mesa, poupando
Brandon de ter que elaborar. Antes que ela pudesse se virar para sair, Alejo
ergueu a mão.
— Ronda, você tem uma ótima memória. Você se lembra de mim e
Brandon nos encontrando aqui? Pela primeira vez?
Ronda olhou.
— Eu estava na cabine perto da porta — disse Brandon.
— Sinto muito. Não me lembro. — Ronda se endireitou e apontou para
a mesa. — Vocês têm guardanapos suficientes?
Alejo olhou para Brandon e franziu a testa.
— Ah, estamos bem. Obrigado.
Logan olhou para o colo dela. Esperou até que Ronda desaparecesse de
volta para a cozinha, então respirou fundo.
— Posso perguntar uma coisa a vocês?
— Quando foi que você já pediu permissão? — Alejo zombou.
Brandon a observou com cautela.
— Eu sei que você disse que está investigando o clima e aparições
estranhas e outras coisas, mas... Estava conversando com a Gracia há algumas
semanas. Ela disse que essas coisas estranhas não começaram até vocês
chegarem aqui. E vocês não têm feito anotações ou fotos. Nenhum membro da
equipe veio. Peguei o equipamento de vocês, tipo, três semanas atrás, e...
— Você o quê? — perguntou Brandon.
Logan ficou quieta.
— O que quer dizer com você pegou nosso equipamento? — perguntou
Alejo.
— Eu… — Logan estreitou os olhos. — Não, a questão é que vocês nem
notaram que sumiu. Deveríamos estar aqui investigando, mas vocês nem
percebem que estão sem todo o equipamento?
— A questão é que nosso equipamento é caro — disse Alejo. — E fora
dos limites.
Brandon se inclinou para frente.
— Para quê você usou ele?
Logan olhou entre eles. Alejo estava chateado, mas Brandon estava com
medo. A mão dele estava apoiada na mesa, os olhos arregalados por trás dos
óculos. Porque não era sobre o equipamento; era sobre o que ela tinha
encontrado. O coração de Logan disparou. Ela sentiu fogo em suas bochechas.
— Logan — Brandon disse, duro e frio. — Para quê você usou o
equipamento?
— É isso que eu quero perguntar. A cabana do outro lado do lago...
Brandon exalou.
— Eu sei que era sua. E há aquela sepultura que eu vi. Tinha o nosso
nome nela. — Logan olhou para as próprias mãos. — Eu pensei, se vocês
pudessem começar do começo. Se vocês pudessem me dizer o que está
acontecendo aqui.
Brandon afundou em seu assento e balançou a cabeça. Alejo olhou para
ele, depois para Logan, e foi a primeira vez que ela o viu sem palavras, incapaz
de mediar. Ela se perguntou como os três pareciam, sozinhos neste restaurante.
Músicas country suavemente preencheram o silêncio entre eles, quase
zombando.
Depois de um momento, Brandon saiu da cabine. Seu rosto era ilegível.
Ele olhou para qualquer lugar, menos para Logan.
— Vou dar uma volta. Eu voltarei.
Ele saiu da lanchonete para o ar pesado do verão. Guitarra ecoava da
jukebox e Logan pensou que ia passar mal. Era Tulsa de novo — ódio
coagulado na voz de Brandon, enjoativo e quente. Logan olhou para Alejo,
esperou que ele explicasse, mas ele apenas olhou para a porta da lanchonete
procurando Brandon, lábios em uma linha dura e fina.
Ele se recompôs.
— Você guardou o equipamento de volta?
— Está no meu quarto — Logan suspirou.
— Ok. — Ele colocou as mãos com as palmas para baixo na mesa de
jantar e lentamente inalou. — Tudo vai ficar bem. Eu te disse, se você quiser
saber alguma coisa, você pode simplesmente perguntar. Você não precisa...
— Ele tem algo a ver com o que está acontecendo? — perguntou Logan.
— Jovens estão morrendo. Eu só quero saber o porquê.
— Seu pai não fez nada de errado. Nenhum de nós fez. Eu... não posso
entrar nesse assunto agora, mas prometo que seu pai não é responsável por isso.
Será mais fácil explicar quando formos embora daqui — disse Alejo. — Até
então, que tal fazermos um acordo. Chega de cabana, chega de caça aos
fantasmas, chega de tirar coisas do nosso quarto. E quando tudo isso acabar, eu
e seu pai vamos explicar tudo.
— Então não posso simplesmente perguntar?
— Em breve — disse Alejo. — Eu prometo.
— Quando?
— Quando acabar — disse Alejo novamente.
Logan recostou-se em seu assento. Era assim que ia ser, ela não merecia a
verdade. Ela poderia chegar perto o suficiente para sentir seu gosto, mas nunca
poderia ter a coisa real. Ela limpou a garganta.
— Acho que é um acordo.
22

Como respirar debaixo d’água

Ashley estacionou o Ford ao acaso em três das vagas estreitas do Motel Bates e
desceu da caminhonete. Na maioria das noites de verão, ela ouvia o gemido
distante de carros na estrada, mas naquela noite eram apenas as lâmpadas
tremeluzentes do letreiro fluorescente do Bates e o crepitar do Ford enquanto
esfriava. Mesmo à noite, o calor era escaldante e úmido. O estacionamento
cheirava a combustível e mofo.
Ela foi para o quarto sete. Na janela, o fio de luzes de Logan brilhava
quente e dourado através das persianas. Ashley bateu duas vezes, e a porta fez
barulho quando Logan pressionou o olho dela no olho mágico.
— Sou só eu — disse Ashley, acenando.
A porta se abriu. O cabelo de Logan estava preso em um coque
bagunçado. Ela usava uma combinação de suéter e saia toda preta com meias
pretas. Pela primeira vez desde que Ashley a conheceu, Logan não estava
usando maquiagem. Ela quase brilhava na luz baixa.
— Como você está vestindo um suéter? — perguntou Ashley.
— Beleza é dor. — Logan se inclinou contra o batente da porta. — O
que você está fazendo aqui? Está com saudades de mim?
— Eu disse à minha mãe que estou na Bug — disse Ashley, ignorando o
comentário de Logan. Ela passou os braços em volta de si mesma. — Ela ficaria
chateada se soubesse que estou aqui. Sem ofensas.
— Uma reunião secreta.
Passando pelos ombros de Logan, Ashley vislumbrou o quarto do motel.
Era mais bonito do que ela imaginava — Logan usava fios de luz no lugar da
lâmpada fluorescente escura no teto, e cuidadosamente organizou pinturas em
tela de paisagens e horizontes ao redor do cômodo como janelas para mundos
melhores. Ashley apontou para a porta.
— Posso entrar?
Logan fez uma pausa.
— Não sei. Você está aqui bem depois do horário de expediente. Meio
falta de profissionalismo, para ser honesta.
Ashley revirou os olhos.
— Ha.
— A menos que… — Logan parou. — A visita é sobre negócios ou lazer?
Os olhos de Ashley se arregalaram. Ela empurrou o ombro de Logan e
murmurou:
— Você é uma idiota.
— Obrigada por isso. — Logan sorriu e permaneceu apenas um
momento longo demais na porta antes de gesticular para o quarto do motel.
Havia algo estranho nela. Seu humor era muito afiado, muito defensivo. —
Você pode entrar. Sem julgar, no entanto.
Ashley entrou no cômodo. Era maior do que parecia do lado de fora, mas
era irrefutavelmente um quarto de motel. O papel de parede era de um tom
doentio de verde, caoticamente estampado com rosas marrons. Ashley nunca
passou muito tempo no Bates, mas Logan claramente tinha reorganizado os
móveis — a mesa do café da manhã foi transformada em uma escrivaninha
improvisada, o frigobar agiu como uma segunda mesa de canto, e um vaso de
plantas estava precariamente pendurado sobre a TV, caindo tristemente pela
tela.
— Parece ótimo — disse Ashley.
— Parece ok — Logan corrigiu. Ela fechou a porta atrás delas e se
inclinou contra ela, os braços cruzados sobre o peito. — Não é minha culpa,
no entanto. Está um milhão de vezes melhor do que quando fizemos o check-
in.
— Deve ser caro ficar tanto tempo.
— Acho que Gracia está cobrando aluguel mensal dos meus pais? Eu não
sou mesmo a tesoureira da família. — Logan deu de ombros. — De qualquer
forma, o que está acontecendo?
Ashley engoliu em seco. Ela não tinha pensado completamente por que
ela estava aqui. Depois da briga com Fran, parecia que o céu estava se fechando
sobre ela. Ela era como um pneu preso na lama, girando, tentando se libertar.
Snakebite nunca pareceu assim antes. Agora, era como se ela tivesse esquecido
como respirar. Ela não tinha planejado vir aqui — o senso comum dizia que
Logan só pioraria as coisas —, mas era como se estivesse no piloto automático.
Não poderia ter pousado em nenhum outro lugar.
— As coisas estão estranhas — disse Ashley. — Eu só precisava de um
pouco de ar fresco, acho.
— Então você veio para um... quarto de motel?
— Você sabe o que quero dizer.
— A casa de Bug não era boa o suficiente?
— Desculpe. Eu posso ir embora.
Logan suspirou.
— Não, desculpa, você pode ficar. É um reflexo. Sair meio que parece
algo que os amigos fazem.
Ashley sorriu. Depois de toda a investigação, todos os dias na cabana,
todos os segredos, talvez fossem amigas. Ela se virou para a TV presa na parede.
Judge Judy passava no mudo, e Ashley se perguntou se esse era o único canal
do Bates ou se o programa estava no ar por opção. De qualquer forma, o
quarto ilustrava a imagem de um certo tipo de solidão. Ela se perguntou
quantas noites Logan passou assim, aqui e em outros lugares.
— Parece interessante — disse Ashley. — Você tem certeza de que eu não
estou interrompendo?
— Não, agora você tem que ficar. Eu já usei energia mental te deixando
entrar. — Logan apontou para a cama. — Você é livre para ficar. Eu pediria
desculpas, só há uma cama, mas estamos claramente em um daqueles romances
sombrios e assassinos. Devemos apenas nos apoiar no clichê.
Ashley riu e se jogou na cama. O colchão era duro como pedra, mas
estava coberto por cobertores de tricô e um edredom preto de pelúcia para
torná-lo suportável. Logan vagou para o outro lado da cama e se juntou a ela
sem dizer uma única palavra. Havia algo estranho sobre Logan esta noite, algo
estranho sobre o silêncio.
Algo estranho, mas não algo errado.
— Você teve alguma atualização? — perguntou Logan.
Ashley franziu a testa.
— Se estiver tudo bem, eu realmente não quero conversar sobre as coisas
da investigação. Só quero... não sei, conversar.
— Ah. Certo.
Do lado de fora, o metal batia contra o pavimento. Ashley espiou pelas
cortinas do motel, apertando os olhos para a noite. Uma sombra se moveu do
outro lado do estacionamento perto da enorme lixeira. Por um momento, o
peito de Ashley se apertou.
— Quem é…
— É o meu pai — Logan interrompeu. — Retirando o lixo. Você pode
acenar.
Provisoriamente, Ashley acenou.
Alejo virou-se para a janela e piscou. Depois de um momento, ele acenou
de volta, a expressão presa em algum lugar entre confusão e desgosto.
Ashley limpou a garganta.
— Está tudo bem em eu estar aqui?
— Meus pais não se importam com quem trago para casa desde que eu
tinha, tipo, treze anos.
— Você trouxe um monte de gente?
Ashley não sabia por que perguntou. Talvez fosse a estranheza no ar.
Pensou que provavelmente era a estranheza em seu próprio peito.
— Você deveria ter me visto em L.A. — Logan sorriu. — Eu era uma
ameaça.
— Sinto que essa versão de você teria sido ainda pior.
O nariz de Logan enrugou em protesto.
— O pior implica que sou ruim agora. O que... é realmente justo.
— Você não é tão ruim quanto pensa que é — disse Ashley.
— Acho que sou um tesouro nacional. — Os olhos de Logan se
arregalaram. — Ah, meu Deus, se um monte de caras com câmeras aparecer no
final dessa coisa toda e foi apenas uma intervenção oculta para me tornar mais
legal, vou ficar pistola.
— Eu não faria isso — disse Ashley. — Isso significaria que ninguém está
realmente morto.
Logan apertou os lábios, esmagando o que quer que ela quisesse dizer em
seguida. Simples assim, Ashley sabia que tinha matado o tom fácil de tudo. Ela
não tinha a intenção de trazer à tona os desaparecimentos — esta noite deveria
ser livre de assassinatos —, mas eles estavam sempre pairando no ar ao seu
redor.
— Ei, não estamos falando de pessoas mortas — disse Logan.
— Certo. — Ashley fechou os olhos. Ela não queria falar sobre investigar.
Ela só queria um amigo. — Quando isso acabar, você vai para casa?
Logan abraçou apertado um travesseiro contra o peito.
— Não sei. Para ser honesta, eu realmente não sei se L.A. é o meu lar.
Quando eu era criança, meu pai dizia que lar não era o lugar onde morávamos.
Era quando estávamos juntos. Nós três.
Sua voz estava mais baixa do que o normal, olhos escuros traçando o
padrão cruzado do teto em silêncio. Era apenas em momentos tranquilos como
este que a tristeza vinha. Porque essa era a coisa sobre Logan — sob as linhas
afiadas e olhares incrédulos, sempre havia uma tristeza tão profunda que Ashley
pensou que poderia cair nela e nunca chegar ao fundo. Era uma tristeza que
Logan havia costurado em seu peito. Uma tristeza que ela moldou em um
pedaço de sua personalidade.
— Você não acha mais isso?
Logan balançou a cabeça.
— Não sei. Quando nos mudamos para L.A., eu ficava sozinha o tempo
todo. Pensei que o programa acabaria eventualmente e seríamos nós três
novamente. Mas era como se eu estivesse sempre esperando. Mesmo se sairmos
daqui e voltarmos, eu só... Não sei.
Ashley prendeu a respiração por um momento.
— O que há de errado?
Logan olhou para ela. Parecia a primeira vez que realmente a olhava. Ela
franziu os lábios por um momento como se estivesse considerando se a verdade
valia ou não a pena. Então, suspirou.
— Conversei com os meus pais. Sobre tudo. Ou, ao menos, eu tentei.
Mas Brandon simplesmente se fechou. Ele literalmente foi embora.
— Ah. — Ashley limpou a garganta. — Por que ele faria isso?
— Não sei. Mas não é como se fosse a primeira vez. Ele simplesmente...
se fecha. — Logan limpou o nariz. — Eles me deixaram ir no programa uma
vez. Alejo não estava lá, éramos apenas eu e Brandon em Tulsa. Tudo estava
bem, e então, estávamos nos túneis e eu continuei fazendo perguntas a ele e ele
simplesmente enlouqueceu. Nem olhava para mim. Me disse para ir para casa e
deixá-lo em paz. E então foi isso. Eles nunca me deixaram ir novamente. E ele
nunca... Desde Tulsa, é assim que ele tem sido.
Logan encarou Ashley, mas ela olhou para a parede do motel. Por um
segundo, Ashley pensou que fosse chorar.
— Isso é tão triste — disse Ashley, e as palavras pareciam imaturas e
erradas. — Sinto muito.
— Não sinta — Logan disse, a voz calma como um suspiro. — Não sei se
ele me odeia ou algo assim. Até então, eu realmente estava tentando fazer
funcionar. Mas agora tenho outros planos. Quando eu fizer dezoito anos, vou
fazer as malas e pegar a estrada. Vou encontrar um lugar em que eu realmente
me sinta em casa.
Logan olhou para ela. Seu cabelo preto caiu em seu pescoço, brilhando
com um brilho quente dos fios de luz. Ashley ouviu o ritmo retumbante de seu
próprio batimento cardíaco. Ela agarrou o edredom entre os dedos e inalou o
cheiro de ar condicionado e almíscar. Ela era uma Ashley diferente esta noite.
O que havia de errado com ela?
— Você poderia ficar em Snakebite — disse Ashley.
A testa de Logan franziu.
— Eu realmente não posso.
— As pessoas vão melhorar depois que tudo for solucionado. Você seria
apenas mais uma de nós. — A parede atrás de Logan era um borrão verde e
marrom. Ashley olhou para ela em vez de olhar para os olhos de Logan. —
Você não teria que continuar se mudando. Você poderia ficar aqui.
Logan sorriu, mas foi um sorriso amargo e frio.
— Ideia fofa, mas eu quero ir a algum lugar onde as pessoas não me
odeiem por predefinição. Na verdade, eu adoraria morar em algum lugar onde
elas realmente gostem de mim.
— Onde?
— Ainda não sei. — Logan deu de ombros. — Tem muitos lugares. Vou
encontrar um.
Ashley olhou para baixo. Por mais que ela quisesse acreditar que havia um
lugar assim — um lugar onde as pessoas não se sentiam tão sozinhas o tempo
todo —, estava começando a parecer que não era sobre a cidade em si. Antes
do desaparecimento de Tristan, Ashley amava tudo em Snakebite. Aqui tinha
sido seu lar. Ela nunca se sentiu sozinha aqui.
— Aqui vai uma ideia — disse Logan. Ela intencionalmente evitou o
contato visual. — Você poderia vir comigo.
A garganta de Ashley estava apertada.
— Você quer dizer sair de Snakebite?
— Desculpa, isso é estúpido. — Logan limpou a garganta e inclinou a
cabeça para o teto. — Obviamente você gostaria de ficar aqui. Você tem a
fazenda e tudo mais.
O aperto de Ashley no edredom aumentou. Havia algo estranho sobre a
sugestão de Logan, como se ela tivesse aberto as cortinas e revelado um
horizonte que Ashley nunca tinha visto. Em todos os seus anos em Snakebite,
ninguém jamais perguntou se ela queria ir embora. Nunca lhe ocorreu que ela
poderia simplesmente... ir. Mas Logan disse como se fosse fácil. O pensamento
quase fez Ashley rir.
— Não é estúpido — disse Ashley. — Só não acho que eu poderia…
— Sem problemas. Retiro o que disse. — Logan passou a mão pelo
cabelo. — Sempre digo coisas que não fazem sentido quando estou cansada.
Isso é tudo. Quando eu sair de Snakebite, quero sair sozinha.
— Ah.
— Quero dizer, você encontra toneladas de gatos de rua no caminho, mas
isso não significa que você leva todos com você.
— Eu sou o gato de rua?
— Obviamente.
— Eu sinto que você seria o gato de rua — disse Ashley. — Você está a,
tipo, dois passos de ser uma dona de gatos agora.
— O que você está tentando dizer sobre mim? — Logan zombou.
Ashley arqueou uma sobrancelha para ela e ambas caíram na gargalhada.
O som ecoou pelas paredes do motel e aquela sensação pesada em seu peito —
aquele pavor — se dissolveu silenciosamente até que Ashley pudesse respirar
novamente.
O sorriso de Logan era leve. Ela estava a apenas alguns centímetros de
Ashley agora, a bochecha pressionada no colchão, os olhos semicerrados de
sonolência. Era a primeira vez que Ashley via o riso chegar até seus olhos. Elas
dançavam na penumbra, profundas e intermináveis como a noite lá fora.
Ashley não conseguia se lembrar de Logan chegando tão perto dela. Talvez
Ashley tenha sido quem se aproximou. Havia algo inquieto em Logan,
magnético e escuro e impossível de ignorar. Ela se deitou na frente de Tristan
assim uma centena de vezes, mas nunca sentiu essa atração.
Ashley prendeu a respiração.
— Você está bem? — perguntou Logan.
— Sim, estou...
Ashley não sabia como estava.
A expressão de Logan se aprofundou, seu sorriso desaparecendo como
uma lâmpada apagada. Ela se apoiou em um cotovelo, pairando logo acima do
rosto de Ashley. Seu cabelo preto caiu em uma cortina entre elas, roçando
suavemente contra a bochecha de Ashley. Ashley sentiu seu batimento
cardíaco, forte e elétrico, em sua língua. Ela soltou uma respiração irregular,
depois outra. Seria tão fácil alcançar, puxar Logan para ela. Se perguntou se
beijar Logan a faria esquecer todo o resto.
Aquilo era uma má ideia.
Antes que Logan pudesse fechar o espaço entre elas, Ashley se sentou. Sua
mente correu entre o pânico e o constrangimento.
— Eu… — Logan caiu de volta no colchão e cobriu o rosto com as
mãos. — Ah, meu Deus, por que eu...
— Está tudo bem — disse Ashley, muito rapidamente.
Mesmo na penumbra, as bochechas de Logan queimaram em um
vermelho brilhante. Ela enterrou o rosto no travesseiro e soltou um longo
gemido.
Ashley colocou o cabelo atrás das orelhas. Ela não sabia o que fazer com
as mãos. De repente, o quarto de motel era muito pequeno. Era sufocante. As
paredes com estampa de rosas estavam muito próximas, o ar estava muito
quente, o teto muito baixo.
— Pensei que você fosse… — Logan disse.
Ashley fixou os olhos em uma sombra no canto mais distante da sala. O
olhar de Logan a perfurou.
— Eu não gosto de garotas assim.
Logan não disse nada.
— Eu não estou a fim de você assim.
— Bacana — Logan disse categoricamente. — Muito bacana. Entendi da
primeira vez.
Elas ficaram ali sentadas por um momento que pareceu um ano. O
coração de Ashley disparou em sua garganta, ameaçou sufocá-la com pânico.
Porque, por um segundo, ela quis. Ela queria isso mais do que queria qualquer
coisa em muito tempo. Ela não tinha beijado ninguém desde Tristan. Mesmo
agora, algo revirou em seu estômago e ela queria cruzar a cama e beijar Logan
como pretendia.
— Estou tão envergonhada — disse Ashley finalmente.
— Por que você está envergonhada? — Logan limpou a garganta. —
Você não é quem... Está tudo bem. Estamos bem. Vamos apenas esquecer o
que aconteceu.
— Eu deveria ir embora — disse Ashley.
Logan balançou a cabeça.
— De jeito nenhum. Não com tudo que anda acontecendo. Apenas
durma aqui e saia pela manhã. Está tudo bem.
— Você tem certeza?
Logan suspirou e se enterrou sob seu edredom.
Da mesinha de canto, o telefone de Ashley tocou. Ela estendeu a mão
através de Logan para silenciá-lo, e mesmo isso parecia ser muito contato.
Parecia perigoso. O silêncio foi fundido. O quarto de motel zumbia com uma
ansiedade silenciosa. Isso queimou nas bochechas de Ashley.
— Boa noite — disse Ashley.
Logan cantarolou algo que soou como um noite debaixo do edredom. Ela
se enrolou como uma bola, de costas para Ashley como se pudesse minimizar o
contato físico. Ashley estendeu a mão e desligou os fios de luz e elas foram
deixadas na escuridão quente e sufocante.
23

A hora da bruxaria

Beatrice Ursula Gunderson não acreditava em fantasmas.


Dito isso, ela acreditou em sua melhor amiga. E se Ashley Barton disse
que o fantasma do seu namorado desaparecido a estava assombrando, pelo
menos valeria a pena dar uma olhada.
Bug tentou o celular de Ashley pelo menos uma dúzia de vezes na última
meia hora, mas não teve sorte. Talvez isso tenha sido o melhor, desde que
Ashley recusou-se a investigar os verdadeiros suspeitos. O clã Ortiz-Woodley
tinha algo a ver com tudo isso. Os pais de Logan eram estranhos nível cult,
esgueirando-se por toda Snakebite, à espreita na biblioteca, no supermercado,
no parque. Eles sempre sussurraram como se tudo o que dissessem fosse um
segredo.
Uma vez, quando ela estava passeando de barco no lago, Bug tinha
certeza de que tinha visto aquele de óculos apenas vagando pela cabana em
plena luz do dia.
O letreiro néon escrito MOTEL BATES tinha um brilho amarelo brilhante
durante a noite. Na maioria das vezes, as luzes nos quartos do motel ficavam
apagadas, mas uma janela no canto interno da construção piscou uma luz
circular suave. Provavelmente era o quarto de Logan. Bug se perguntou se
Ashley já esteve lá dentro. Ela não conseguia fingir entender o que Ashley
estava recebendo dessa amizade.
Bug tentou o telefone de Ashley novamente. Tocou algumas vezes antes
de despejá-la na caixa postal.
— Ei, sou eu de novo. Te mandei uma mensagem. Você provavelmente
está dormindo. Estou no motel para fazer algum trabalho de espionagem e
pensei que talvez você quisesse vir ajudar. — Bug olhou para o telefone dela e
franziu a testa. — De qualquer forma, até amanhã.
Então ela viu.
Estacionada em três lugares na outra extremidade do estacionamento
Bates. Uma enorme caminhonete vermelha brilhava na luz amarela, escondida
nas sombras como se pensasse que poderia se camuflar. Bug estreitou os olhos,
porque conhecia aquela caminhonete, e ela não deveria estar aqui. Não a essa
hora. E não se Ashley não estivesse atendendo o telefone. Bug desbloqueou o
celular e abriu sua janela de texto.

BUG: você está AQUI???


BUG: estou vendo sua caminhonete no estacionamento.

Ela se preparou para ligar para Ashley novamente, mas algo sussurrou nos
arbustos do outro lado do motel. Bug colocou seu telefone no bolso e se
aproximou cautelosamente do barulho. Havia todo tipo de animal que rondava
Snakebite à noite, mas Bug não achava que isso fosse um animal. Seu sussurro
era esporádico, mais parecido com os sons de uma pessoa ajustando seus
membros do que com um animal perdido. Ela deu uma olhada no quarto que
presumiu ser de Logan.
Talvez Ashley estivesse lá agora.
Talvez ela soubesse o que estava rastejando do lado de fora do motel.
Talvez fosse por isso que ela estava aqui.
Bug ergueu a lanterna do telefone e examinou os arbustos. Na luz amarela
sombria, ela finalmente viu a fonte do sussurro. Uma criatura agachada perto
da janela iluminada, meio envolta em arbustos. Bug semicerrou os olhos e
percebeu que a coisa não era uma criatura — era um homem. Ele se inclinou
ao longo da parede do motel com os dedos travados no peitoril da janela.
O coração de Bug parou.
Ela deu um passo para trás, tentando o seu melhor para não respirar.
O carro dela estava a apenas alguns metros de distância. Ela já teve
pesadelos como esse antes, serpenteando pela escuridão apenas para perceber
que não estava sozinha. Mas ela não estava dormindo agora. O pavimento
manchado de óleo era real sob seus tênis. O ar noturno estava quente e doce,
carregando os gemidos assobiando do vento através do vale. Isso era real, assim
como o homem estranho olhando para o motel.
Ele era real e estava se movendo novamente.
Se o tremor em seu coração significava alguma coisa — se a torção
instintiva em seu estômago era real —, significava que ele era o assassino.
Bug se abaixou ao redor da barraca de pizza abandonada e afundou na
calçada. A noite não era apenas noite agora. Ela sentiu algo no escuro. As
sombras eram grossas, espalhadas pela calçada como melaço. Bug apertou a
mão na boca para ficar quieta.
Não havia mais sussurros nos arbustos.
Não havia som algum.
Bug tirou o telefone do bolso de trás e digitou uma mensagem para
Ashley.

BUG: tem um homem aqui fora por favor saia

Ela olhou para a mensagem por um momento, com os olhos fixos no


cursor piscando no final do texto. Apagou a mensagem e tentou novamente.

BUG: tem um homem aqui fora. não saia.

Ela enviou a mensagem e fechou os olhos. Se fosse rápida, poderia chegar


ao carro antes que o homem a visse. Mas ele não estava sozinho aqui. A noite
estava pesada, e as sombras estavam ao lado dele.
Ocorreu a Bug que poderia ser isso.
Sem outro pensamento, ela correu.
Ou, ela começou. Antes de ficar de pé, um punho a segurou na parte de
trás de sua camiseta e a jogou no chão. Seu crânio bateu contra a calçada e ela
engasgou com o choque da dor, piscando com a luz amarela. Uma silhueta
pairava sobre ela, ao mesmo tempo um homem e uma sombra. Bug lutou para
se sentar, mas o homem enrolou as mãos em volta do pescoço dela, com os
polegares pressionados em sua garganta. O grito dela saiu como um coaxar.
— Não — o homem bufou, não para Bug, mas para outra pessoa.
Alguém que ela não podia ver. Ele fechou os olhos e estalou: — Não
Bug Gunderson nunca pensou muito em como morreria. Ela
principalmente não tinha imaginado desse jeito: sozinha, contorcendo-se
contra a calçada do estacionamento do Motel Bates, vendo as estrelas brancas
borrarem e escaparem para o escuro. Bug engasgou uma, duas vezes, e depois
não mais.
Ela teve um pensamento antes de partir.
Ela reconheceu o rosto de seu assassino.
24

Em uma manhã fria e sombria

Logan estava ciente de duas coisas quando acordou. A primeira foram os


membros de Ashley, quentes, macios e emaranhados aos dela sob o edredom. A
segunda eram luzes azuis e vermelhas piscando contra suas persianas fechadas.
Em seu meio-sono nebuloso, ela não tinha certeza de qual era mais alarmante.
Ela pressionou o rosto no travesseiro e se enterrou debaixo dos cobertores. O
quarto do motel era gelado e úmido, com sombras cinzas matinais lançando
feixes de luz na parede. Ficou vermelho, depois azul, depois vermelho.
Logan se sentou abruptamente.
As luzes da polícia eram definitivamente a coisa mais alarmante.
Ela jogou os cobertores de lado e se examinou rapidamente. Ainda estava
vestida com as roupas que estava usando no dia anterior, embora seu suéter
estivesse amassado e sua saia tivesse girado na metade da cintura.
Ashley se sentou e lentamente piscou para a vida.
— O que...? — ela disse baixo.
Logan não tinha certeza se a confusão veio da polícia, das luzes ou do
quarto em que ela acordou. Logan se moveu até as persianas fechadas.
— Aparentemente temos visitas.
— Eu não… — Ashley retirou os cobertores e olhou para as pernas.
Seus lábios se torceram em uma carranca.
— Dormi de jeans.
— Todos nós cometemos erros — disse Logan, separando as persianas. A
viatura da polícia no estacionamento não estava sozinha. Uma van quadrada
foi espremida no espaço estreito entre a caminhonete de Ashley e a pizzaria
abandonada. A parte de trás da van estava aberta e um carrinho de aço foi
carregado na parte de trás. Era difícil dizer com certeza, mas o objeto coberto
de pano no carrinho parecia estranhamente um corpo. Logan limpou a
garganta.
— Acho que isso é sério.
Gracia estava do lado de fora, conversando com o xerife. Ela esfregou os
olhos com a manga da blusa e balançou a cabeça em descrença.
— Eu tenho que ir — disse Ashley. Havia um tom de medo na voz dela.
— Como eu saio daqui?
— Pela porta da frente?
Ashley olhou para Logan por um segundo, como se pensasse que ela
estava brincando. Lentamente, Logan entendeu o que ela queria dizer, e o
constrangimento enrolou em seu estômago. Ashley não podia ser vista saindo
do quarto de motel. Ninguém poderia saber que ela esteve aqui durante a noite
e, mais especificamente, que ela estava aqui com Logan. Mesmo que elas não
tenham feito nada além de conversar, a mera implicação disso seria demais para
sua reputação. Logan tinha que ser um segredo.
Não era uma sensação muito boa.
Ela limpou a garganta.
— Certo. Não gostaria que ninguém te visse.
— Desculpa — disse Ashley. Ela pegou o telefone da mesa de cabeceira e
o desbloqueou. As mãos dela tremeram. Isso era algo além do
constrangimento. — Eu tive um sonho tão assustador ontem à noite.
De alguma forma, o fato de Ashley não ter percebido o quão rude foi,
deixou Logan ainda mais irritada. Ela pegou o resto das coisas de Ashley —
uma bolsa, um elástico de cabelo e um conjunto de chaves do carro — da mesa
do café da manhã e as empurrou nas mãos de Ashley.
— Há uma janela no banheiro se você quiser fugir. Talvez se você…
Ashley percorreu as notificações em seu telefone.
— Espere.
— Não, sério, tudo bem. Eu nem acho super rude você agir como se
tivesse vergonha de estar aqui.
— Espere. — Os olhos de Ashley estavam fixos na tela do telefone, cheios
de pânico. Antes que Logan pudesse perguntar o que estava errado, Ashley
jogou o telefone na mesa de cabeceira e saiu pela porta do motel. Logan
hesitou atrás dela. Ela pegou o telefone de Ashley e leu as mensagens:

BUG: estou checando o motel, quer vir?


BUG: acabei de chegar
BUG: você está dormindo?
BUG: acabei de ligar para você
BUG: você está AQUI???
BUG: estou vendo sua caminhonete no estacionamento
BUG: tem um homem aqui fora. não saia.

— Merda — Logan murmurou. Ela calçou um par de sandálias e correu


para fora.
O estacionamento do motel era um caos e um silêncio mortal ao mesmo
tempo. Duas viaturas da polícia estavam estacionadas, e agora que estava do
lado de fora, ficou claro que a van cinza que tinha visto anteriormente tinha
escrito IML DO CONDADO DE OWYHEE do outro lado. Logan viu
Ashley em um banco perto do carrinho de pizza, com os olhos fixos em um
ponto à distância como se ela tivesse sido desligada. O Xerife Paris sentou-se ao
lado dela com a mão em seu ombro. Ele balançou a cabeça e não disse nada.
Ashley não se moveu.
O vento do lago tocou nos ouvidos de Logan. Ela estava lá dentro; ela
teria ouvido alguma coisa. Ela saberia que havia alguém morrendo do lado de
fora do quarto dela. A porta atrás de Logan se abriu e uma mão agarrou seu
pulso. Ela afastou o estranho antes de reconhecer que era Alejo.
— Logan — disse Alejo. Ele apertou ternamente o pulso dela, puxando-a
de volta à realidade. — Volte para dentro. Você não precisa estar aqui.
— O que aconteceu? — Logan murmurou.
Um agente do Condado de Owyhee amarrou com cautela a fita de cena
de crime em todo o comprimento do estacionamento. Um homem que ela não
reconhecia rondava a área, tirando fotos.
— Vai ficar tudo bem — disse Alejo —, mas precisamos ficar dentro de
casa.
Logan puxou seu pulso do aperto.
— O que aconteceu?
— Tudo certo por aqui? — Outro agente se aproximou com cautela. Ele
era pelo menos dez anos mais novo que o Xerife Paris. A etiqueta em sua
camisa de uniforme dizia GOLDEN, assim como a da recepcionista da
polícia.
— Está tudo bem, Tommy — disse Alejo. — Nós só queremos sair do
seu caminho.
— Na verdade, preciso falar com a sua filha. — Tommy Golden colocou
uma mão no quadril. — Eu sei que é muito para absorver agora. Podemos
conversar aqui ou na delegacia. Depende de você.
— Posso falar com a Ashley? — Logan perguntou. A voz dela estava
confusa ao vento. Ela sentiu como se estivesse se afogando.
— Você pode daqui a pouco. Ashley também tem algumas perguntas
para responder.
— Eu quero falar com ela agora.
— Logan — alertou Alejo.
— Você não está em apuros, Srta. Ortiz. — Golden deu a ela um sorriso
cansado e meio sincero. Ele usava sua expressão de tristeza no rosto. — Só
preciso saber se você ouviu alguma coisa ontem a noite. Se talvez viu alguém
aqui fora.
— Nós entendemos — disse Alejo. Ele pegou a mão de Logan
novamente. — Você poderia questionar nós três de uma só vez. Talvez
economize algum tempo.
— Não dá. — Golden se virou para Logan. — Tenho que falar com cada
um de vocês separadamente. Só vai levar um segundo.
— Ela é menor de idade — disse Alejo.
O agente Golden hesitou.
Depois de um momento, ele disse:
— Sinto muito. Ordens do xerife.
Logan engoliu seco.
— Foi a Bug?
O agente Golden não disse nada, o que significava que era.
Sombras dançaram à beira da visão de Logan. Ela estava prestes a
desmaiar. Do outro lado do estacionamento, o Xerife Paris ajudou Ashley no
banco e a levou à sua viatura de polícia. Eles deixaram o Bates em silêncio,
desaparecendo na estrada em direção à delegacia de polícia. O céu estava
pesado, coberto de nuvens cinzas; caía sobre ela, pressionando como punhos
em seus ombros.
— ...O que você precisa saber? — Logan perguntou baixo.
O agente Golden apontou para o quarto de motel de Logan. Eles
entraram, e Logan lutou contra o desejo de esconder as evidências de que
Ashley esteve aqui. Que elas estavam aqui juntas quando Bug morreu. Que,
por um segundo, as coisas estavam bem. Ela queria arrumar a cama, voltar ao
início da noite, limpar a memória das paredes.
O agente Golden fechou a porta atrás deles.
— Vamos começar do começo.
25

Deixe a Inspeção mostrar

— Devo colocar a polícia estadual na linha?


— Eu tentei. Eles estão enviando alguém esta semana.
— É uma emergência.
— Eles não acham que seja.
— Nós notificamos a família?
— Deus, ainda não. O que eu digo? Frank sempre notifica.
— Frank, o legista do condado está na outra linha. Você pode falar com
ele agora?
— Coloque-o na minha caixa postal. Vou fazer a notificação, só preciso
falar com…
Silêncio. Ashley sentiu o Xerife Paris virar os olhos para ela. Todos na
estação a olharam. Ela continuou olhando para a parede de tijolos à sua frente,
traçando as linhas de argamassa do chão até o teto em detalhes doloridos. Ela
precisava se concentrar. Precisava bloquear o resto. Precisava manter os olhos
abertos, porque se os fechasse, veria novamente.
Foi apenas um momento; ela pensou que era um pesadelo no começo,
mas agora sabia. No escuro do quarto de motel, em algum momento entre
quando adormeceu e quando a polícia chegou, ela a viu.
Bug.
Do outro lado do cômodo, encostada na mesa improvisada em sua blusa
flanelada verde escura, uma trança de cabelo ruivo caída preguiçosamente sobre
o ombro. O lugar se misturava a ela — até cheirava o perfume que Bug havia
comprado no shopping de Ontário. Ela falou uma palavra que Ashley não
conseguiu entender. Repetidamente, sua boca era longa como uma vogal e
depois fina como um sorriso. Ashley pensou que fosse um nome. Mas talvez
Bug ainda estivesse viva quando a viu, do lado de fora do quarto, lutando para
respirar. Talvez ela estivesse falando me ajude.
Ashley ia vomitar.
— Ashley? — Becky disse. Ela veio ao redor de sua mesa e sentou-se na
cadeira ao lado dela, permanecendo na borda do assento como se não tivesse
certeza de que era bem-vinda. — Sua mãe está aqui. Ela quer ir com você para
o interrogatório. Tudo bem para você?
Ashley fechou os olhos. Tammy Barton ia esfolá-la viva por mentir sobre
onde esteve ontem à noite, mas isso era melhor do que ficar sozinha agora.
Ela concordou.
Becky se levantou e se moveu para a porta da frente da delegacia. Um
rascunho quente canalizado passando pelo saguão, acompanhado pelo tec de
costume dos saltos de Tammy. Rapidamente, Tammy envolveu Ashley em um
abraço tão apertado que ameaçou cortar a circulação sanguínea de Ashley.
Não era a reação certa. Era para haver raiva. Era para haver gritos. Em vez
disso, Tammy simplesmente a balançou para frente e para trás, sussurrando
está tudo bem em seu ouvido.
— Eu… — Ashley se afastou. O peso de tudo subiu no peito dela como
um coice. Suas lágrimas estavam quentes atrás dos olhos. A cabeça dela ia
explodir. Ela apertou o punho na parte de trás da camisa de Tammy e
sussurrou: — Sinto muito.
— Ei, olhe para mim.
Ashley concordou e olhou para cima. Tammy pegou seu rosto entre as
mãos e focou nela com um olhar intenso.
— Você não fez nada de errado.
Ela colocou um fio de cabelo atrás da orelha de Ashley. Estava sendo mais
gentil agora do que Ashley jamais a tinha visto. Ela lutou para reconciliar essa
Tammy com a que imaginou a caminho da delegacia — sobrancelha gravada
de fúria, irritada com ela por mentir, por estar lá dentre todos os lugares. Em
vez disso, Tammy lhe deu um sorriso pequeno e silencioso.
— E Paris vai descobrir quem fez isso. Apenas respire.
— Eu estava lá — Ashley falou baixinho.
— Eu sei. — A mãe dela a puxou para outro abraço. — Poderia ter sido
você.
Ashley exalou, engolindo as primeiras palavras que vieram a ela: deveria
ter sido eu. Bug estava lá porque Ashley contou sobre a investigação. Bug
morreu por causa dela, assim como todos os outros. Ela enrolou os braços em
volta da mãe e a segurou com força, como se ela fosse a única coisa que a
impedia de afundar.
— Ashley, Tammy, podem me acompanhar? — o Xerife Paris perguntou.
Elas seguiram Paris até o fundo da delegacia de polícia. Não era
particularmente grande — atrás do saguão havia uma cela fechada, duas mesas
e um escritório com uma mesa de madeira e uma parede com estantes de
livros. Ashley seguiu Paris até o escritório e se sentou no lado dos visitantes de
sua mesa. O ambiente era surpreendentemente calmante — a luz branca
entrava pelas persianas na parte de trás, iluminando os painéis de mogno nas
paredes.
Paris fechou a porta e deu a volta até sua cadeira.
— Achei que seria melhor conversar em algum lugar tranquilo.
— Nós agradecemos — disse Tammy. — E aí? Você sabe quem fez
aquilo?
Paris franziu a testa.
— Ainda não. Estava esperando que Ashley pudesse me ajudar.
— Eu não vi nada — disse Ashley.
— Talvez não, mas você ainda pode ajudar. — Paris se inclinou para
frente e apoiou os cotovelos em sua mesa. — Primeiro, preciso saber o que
você estava fazendo no motel.
Ashley balançou a cabeça. Ela sentiu que os olhos de Tammy a
perfuravam.
— Eu estava apenas visitando a Logan.
— E vocês duas ficaram lá a noite toda? Vocês não saíram nenhuma vez?
— Não.
— Quando liguei para sua mãe para informá-la sobre o que aconteceu,
ela disse que você estava hospedada na casa da Bug. Ainda não falei com a mãe
da Bug. Você esteve na casa da Bug em algum momento ontem à noite?
Mãe da Bug. Ele teria que dizer à família de Bug que sua filha mais velha
se foi. Eles odiariam Ashley quando descobrissem que ela estava a metros de
distância quando aconteceu e não fez nada. Eles confiavam nela, e ela falhou
com eles. Snakebite confiou nos Bartons, e ela já havia deixado três jovens
desaparecerem. A garganta de Ashley estava inchada. Ela segurou a frente de
sua camiseta e tentou engolir suas lágrimas antes que elas surgissem.
— Talvez se você não agisse como se estivesse acusando-a de assassinato,
Frank — cuspiu Tammy. Ela colocou uma mão no ombro de Ashley.
— Eu estou… — Paris endireitou a coluna e tentou novamente. — Por
que você não me diz o que fez depois que saiu de casa?
Ashley balançou a cabeça.
— Eu dirigi até o motel. Eu e Logan só conversamos. Eu adormeci. Não
olhei o meu telefone. Eu não vi…
— E os pais de Logan? Você também os viu?
Tammy fez uma careta.
— Não, não os vi.
Paris balançou a cabeça.
— Você ouviu alguma coisa do quarto deles?
— Não.
— Você viu o carro deles no estacionamento?
— Eu… — Ashley fez uma pausa. — Eu não olhei.
— Entendo. — Paris endireitou uma pilha de papel e a colocou em uma
caixa no canto de sua mesa. — Você acha que é possível que Brandon Woodley
ou Alejo Ortiz tenham saído do quarto deles enquanto você esteve lá ontem à
noite?
Ashley estava quieta. Ela entendia agora. Talvez tarde demais, o que Paris
estava dizendo. E mesmo que seu instinto fosse dizer não, não era possível que
os Ortiz-Woodleys tenham feito isso, parecia uma mentira. As pessoas ainda
estavam morrendo, e Tristan ainda estava desaparecido. Ela havia prometido a
Logan que não tiraria conclusões precipitadas. Aquilo parecia ter sido anos
atrás.
E ela tinha visto alguém do lado de fora do motel.
— Eu... sim. É possível.
— Frank, você não acha que eles...? — Tammy disse. Sua expressão era
complicada. Ashley imaginou que sua mãe ficaria mais animada pelos Ortiz-
Woodleys finalmente estarem sendo citados. Tammy apenas parecia
desapontada.
— Temos suspeitado há algum tempo, mas sem uma testemunha
confiável, não podemos dar voz de prisão. — O Xerife Paris fixou Ashley com
um olhar duro. — Eu sei como isso é difícil. Você ainda está em choque.
Logan é sua amiga. Sou amigo da família também. Mas você estava lá quando
aconteceu. Você é a nossa única chance de descobrirmos.
— Diga a verdade a ele, Ashley — alertou Tammy.
Ashley fechou os olhos. Havia dois caminhos à sua frente, ambos
puxando-a e ambos afastando-a. Quando ela olhou para frente, não viu nada
além da escuridão. Ela já havia perdido muito — Tristan, Nick, Bug e algo
mais do que eles. Ela havia perdido a Snakebite que conhecia. Havia perdido a
sensação de lar. Ela se perguntou quanta dor a mais poderia suportar.
Ela pensou em Logan. Ela queria ter tido a chance de se despedir, porque
também estava prestes a perdê-la.
— Ashley — disse o Xerife Paris, com o punho cerrado em sua mesa —,
você sabe quem poderia ter estado naquele estacionamento?
Ashley respirou fundo e abriu os olhos.
— Sim.
26

Uma maçã fora de Cleaven Trunk

— Aqui é a Ashley. Não estou disponível. Deixe uma mensagem!


Era a quinta vez que Logan ouvia a estúpida mensagem da caixa postal de
Ashley. Iam fazer horas e não tinha como ela ainda estar na delegacia.
— Ei, você poderia me mandar uma mensagem dizendo se está bem? Eu
preciso que você esteja bem.
O quarto dela estava vazio agora. As sombras se agarravam às paredes
como se fossem cortinas. Esse quarto sempre esteve vazio, mas sem Ashley, ela
o sentia vazio. O agente Golden terminou de questioná-la em alguns minutos e
foi para seus pais.
Pneus cantavam pela calçada lá fora. Logan forçou suas cortinas a abrirem
a tempo de pegar o Xerife Paris saindo de sua viatura. Ele estava de pé no
estacionamento, cautelosamente olhando para porta do quarto de Brandon e
Alejo com uma expressão vazia. Ele ajeitou a postura e foi até a porta,
silenciosamente abrindo caminho para dentro.
Logan andou até o estacionamento.
— Estou quase terminando com as perguntas — o Agente Golden disse.
— Eu…
— É, bom, algo surgiu — Paris disse. — Nós vamos terminar na
delegacia.
— Ei, pare.
Era a voz de Brandon de dentro do quarto do motel. Uma série de
pancadas soou contra a parede, seguida de metal batendo contra metal. Logan
pressionou as palmas em sua testa. Finalmente estava acontecendo — depois de
meses de especulação, eles finalmente tiveram provas o suficiente para prender
Brandon. Eles achavam que ele era responsável pelas mortes. Depois de todos
os xingamentos, os sussurros, os olhares, Paris finalmente iria fazer isso. Ele iria
levar Brandon embora.
Só que não era Brandon sendo levado do quarto de motel.
Alejo emergiu com o Xerife Paris bem atrás dele. As mãos dele estavam
atrás de suas costas, com punhos cerrados como se todo o seu medo estivesse
concentrado em seus dedos. Brandon os seguiu para fora do quarto e se lançou
entre Alejo e a viatura. Seu peito subia e descia rapidamente, olhos arregalados
com um certo pânico. Atrás deles, o Agente Golden estava na porta do quarto,
com as sobrancelhas franzidas em confusão.
— Woodley — Paris suspirou. — Você precisa se mover.
— Você sabe que ele não fez nada — Brandon disse. — Você sabe que ele
não fez.
— Como eu saberia? — Paris perguntou.
— Ele não estava aqui no primeiro.
— Nós não encontramos o corpo de Tristan Granger. Ele ainda pode
estar vivo — Paris disse. — O que é um ponto a ser questionado. A não ser
que você tenha informações que eu não tenho.
— Ele não estava aqui.
— Tem algo que você queira me dizer?
Brandon fez uma careta.
Isso tudo estava errado. Não era para ser Alejo. Não fazia sentido.
Brandon tinha razão — Alejo não estava em Snakebite quando Tristan
desapareceu. Alejo não mataria ninguém. Esse era o mesmo homem que ficava
emocionado quando alguém chorava no programa culinário preferido dele. O
mesmo pai que tinha que desligar o jornal se houvesse muita violência.
Alejo olhou para Brandon com uma expressão que ela não conseguia
compreender.
— Está tudo bem — Alejo disse — Vai ficar tudo bem.
— Se ele não fez nada, ele não tem nada com o que se preocupar — Paris
disse. Ele deu batidinhas nas costas de Alejo. — Você sabe que nós somos
amigos.
Silenciosamente, o Agente Golden foi até o lado de Paris.
— Está tudo bem em apenas levarmos ele? Simples… assim?
A mandíbula de Paris enrijeceu.
— Eu não quero fazer isso também. Mas tem uma testemunha.
Logan piscou. Alejo estreitou os olhos. O rosto de Brandon perdeu a cor.
— Como que tem uma testemunha? — Brandon perguntou.
— Woodley, mexa-se.
Brandon deu um passo para o lado.
— Não — Logan murmurou. — Não, ele não fez nada.
Paris parou. Ele olhou para Logan por cima dos ombros e sua expressão
era complicada; preocupação e confusão puxaram seu foco. Ele virou para
Brandon e disse:
— Por que você não leva Logan para dentro? Ela não deveria estar vendo
isso.
O coração de Logan martelava em seu peito. Isso era errado. Não era
assim que deveria ser.
Brandon se aproximou dela hesitante, as mãos para frente como se ela
fosse algum tipo de animal selvagem que ele tinha que acalmar. O medo em
seu rosto a enjoava. Ele deveria estar lutando por Alejo, não acalmando ela.
Mesmo que ele não se importasse com ela, ele deveria lutar por Alejo.
Ele a olhou com as sobrancelhas arqueadas.
— Vamos para dentro.
— Você vai deixar isso acontecer? — Logan perguntou.
— O que mais ele deveria fazer? — Alejo disse enquanto o Xerife Paris o
fazia se sentar no carro. A expressão dele se suavizou. — Vá para dentro com o
seu pai. Vai ficar tudo bem.
Logan cerrou os punhos.
Paris olhou para eles com um olhar cético antes de ir para o lado do
motorista. Ele dirigiu para fora do estacionamento do Bates com a viatura do
Agente Golden atrás. Logan olhou Alejo no banco de trás, seu olhar para
frente, mandíbula travada como se ele estivesse engolindo o pânico.
A manhã estava cheia de nuvens. O céu estava totalmente branco e muito
brilhante para olhar. Logan apertou os olhos para o horizonte vazio.
Esse era o fim deles.
Brandon se virou para o quarto oito em silêncio. Logan o seguiu para
dentro e bateu a porta. Antes que ela pudesse falar, Brandon tirou seus óculos e
os jogou no móvel perto da cama. Ele pressionou as palmas em seus olhos e se
virou de costas para Logan, respirando profundamente várias vezes.
— Ok — Logan disse. — Qual é o plano?
Brandon moveu as mãos para olhar para ela. Sua expressão era tão vazia
quanto o céu lá fora. Ele a olhou como se tivesse acabado de perceber que ela
estava no quarto. Os seus dele estavam arregalados e com um medo que era
mais profundo do que Alejo sendo preso. Era medo de outra coisa, mais
profundo do que falsas acusações, como um animal preso em uma armadilha.
— Eu sei que você não deixou eles levarem o papai sem um plano para
trazê-lo de volta.
— Não sei.
— Nós temos dinheiro do programa.
— Temos.
Logan se inclinou com expectativa.
— Então… Nós deveríamos usar para tirar o papai da cadeia. O que
temos que fazer?
— Não sei — Brandon disse de novo. Ele olhou para o chão e massageou
a nuca.
— Eu vou pesquisar e…
— Não. — Brandon sentou em sua cama e apertou os dedos no lençol,
os nós brancos com a tensão. — Nós deveríamos… Nós deveríamos deixar ele.
A pessoa ainda está lá fora. Eles vão saber que não é ele.
Logan balançou a cabeça.
— Na cadeia. Você acha que nós deveríamos deixar ele na cadeia.
— Até que a gente saiba o que está acontecendo — Brandon disse. — Ele
vai estar mais seguro.
— Ah, legal, então você está esperando mais jovens morrerem. — Logan
cerrou a mandíbula. — Tem, tipo, quarenta jovens no total nessa cidade. Nós
apenas chegamos aqui e já tem três assassinatos. Eu conhecia dois deles. O
próximo poderia ser Ashley. Ou eu.
— Não vai ser você.
— Como você sabe?
Brandon estava quieto. Ele apertou o lençol mais forte.
— Não vai ter mais ninguém. Nós vamos pegá-lo.
— Você sabe quem é?
Brandon a encarou.
O quarto de motel estava quieto, mas estava vivo com uma corrente que
fez o coração de Logan disparar. Porque, apenas por um segundo, ela pensou
que tudo ficaria bem. Ela e Ashley eram amigas, Brandon e Alejo prometeram
contar tudo a ela quando as coisas terminassem, e mesmo se tudo doesse, as
pistas estavam lentamente chegando a ela. Havia uma luz no fim de tudo isso
— a promessa de que iria sair dessa cidade inteira. Mas agora estava tudo
errado. Bug estava morta, Ashley se foi, Alejo estava a caminho da cadeia por
um crime que não cometeu.
E Brandon era tudo o que ela tinha.
Brandon, que encarava a parede como se seu marido não tivesse acabado
de ser arrastado em algemas. Brandon, que não conseguia falar mais do que
algumas palavras sem desaparecer nele mesmo, que não podia olhar em seus
olhos, cujo plano inteiro era apenas esperar. Alguma coisa fervia em seu peito,
elétrica, ofuscante e nova. Era uma raiva que ela nunca tinha se permitido
sentir antes, porque era muito grande, muito quente, era demais. Era uma
chama que faiscou em sua pele agora. Sua respiração ficou presa.
— Eu achei que eles tinham vindo atrás de você, não do papai.
— Eu também — Brandon suspirou.
Logan engoliu em seco e fechou os olhos. Ela se lembrou do Brandon de
seus sonhos — aquele que a enterrou, que falava em uma voz tão profunda
quanto o oceano, que os olhos brilhavam escuros e brilhantes como uma
mancha de óleo. Ela lembrou do Brandon que não conseguia olhar para ela em
Tulsa. Aquele tão cheio de raiva que a sufocava.
— Foi você?
Brandon ergueu o rosto de suas mãos. Seus olhos estavam embaçados de
lágrimas. As mãos dele tremeram, pairando em sua frente em uma pergunta
silenciosa. A luz da manhã cinza entrava pelas cortinas, pintando o rosto
doentio e pálido dele.
— Logan…
— Eu e o papai não estávamos aqui quando Tristan desapareceu. Ele não
fez aquilo. Mas você já estava aqui.
— Eu nunca…
— Todo mundo pensa que foi você.
Brandon franziu as sobrancelhas.
— Você acha que eu matei aqueles jovens?
— Você matou?
— Você me conhece. Nós somos uma família.
Logan inspirou profundamente.
— Eu não te conheço.
Brandon ajeitou a postura, mas não como se ele quisesse chegar perto
dela. Ele olhou para fora da janela do motel e negou com a cabeça.
— Eu não posso explicar para você. Por favor, confie em mim.
Ela não conseguia. Ela pensou se um dia já tinha conseguido.
— Eu tenho que… eu tenho que ver se Ashley está bem — Logan disse.
Ela arrancou as chaves da minivan da mesinha ao lado da cama de Brandon.
— Logan — Brandon disse, quieto como uma brisa. — Prometo que nós
vamos explicar tudo quando isso acabar. Eu prometo. Nós vamos ficar bem de
novo.
Ela duvidou se eles algum dia estiveram bem, em primeiro lugar. Brandon
estava atrás dela, lábios separados como se tivesse mais mil palavras presas em
sua língua. Como se quisesse deixar tudo sair boca afora no silêncio entre eles.
Mas ele não disse nada.
Logan saiu para a manhã e fechou a porta atrás de si.

***
Pela milésima vez desde que chegou em Snakebite, Logan estava sufocando. Ela
afastou o ataque de pânico que crescia dentro de si e dirigiu pela cidade. A
manhã petricor e almiscarada, a chuva lutando para sair das nuvens cinzas.
Snakebite era inquietamente quieta como se já estivesse de luto. A minivan
balançava pela entrada de cascalho do Rancho Barton, deixando uma nuvem
de poeira em seu rastro.
O Ford estava estacionado na estrada, salpicado com lama e sujeira.
Logan passou rápido por ele para os fundos da casa. As janelas estavam
fechadas, as cortinas abaixadas, e por um momento Logan torceu para que
ninguém estivesse em casa.
Ela segurou a respiração profundamente e bateu na janela de Ashley.
Nada.
Logan bateu de novo. O coração dela martelava em seu peito porque
Ashley era tudo que lhe restava. O vento do lago cortava como o céu cinza
ardósia.
Ela esmurrou seu punho contra a janela de novo.
A janela se escancarou. Ashley puxou suas cortinas para o lado e então
elas estavam cara-a-cara. Os olhos de Ashley estavam vermelhos e cheios de
lágrimas. Sua expressão não era de luto, era raiva. Ela se inclinou, dedos
curvados na borda da janela.
— Você está bem? — Logan perguntou.
— O que você está fazendo aqui? — Ashley surtou. — Vá para casa.
Logan piscou.
— Sinto muito pela Bug. Eu só queria…
Os olhos de Ashley se estreitaram. Pela janela, o chão de seu quarto estava
bagunçado com roupas e cobertores. Seu quadro de avisos foi apagado, e fotos
de Bug, Fran e Tristan estavam jogadas pelo quarto. O vento frio esvoaçou as
cortinas contra os braços de Ashley.
— O que aconteceu? — Logan perguntou.
Ashley expirou.
— Me perguntaram um milhão de vezes por que eu estava lá. No motel.
Por que eu não… ouvi nada.
— Sinto muito.
— Você já disse isso.
— Eu… — Logan começou, mas ela não sabia o que mais dizer. Ela não
esperava que Ashley estivesse tão brava. Ela realmente não esperava ver Ashley
de qualquer forma. — O que você disse para eles?
— Eu não sei.
— Você não sabe? — Logan cruzou os braços. — Você estava no motel.
Você poderia simplesmente dizer que somos amigas. Não é estranho.
Ashley não disse nada.
— Posso entrar? — Logan perguntou.
Ashley olhou de volta para seu quarto, e então assentiu relutantemente.
Logan escalou pela janela e avaliou os danos. Não eram apenas as roupas e as
fotos no chão. A cadeira de Ashley estava jogada de lado, o que tinha em sua
mesa estava espalhado no chão, seu guarda-roupas vazio. Era pior do que ela
imaginava.
— O que você quer? — Ashley perguntou.
— Eu… — Logan pressionou a palma de sua mão em sua testa. — Eu só
queria ter certeza de que você está bem. Você não estava respondendo as
mensagens nem as ligações. E…
Ela parou. Ela não conseguia tirar o som das algemas fechando nos pulsos
de Alejo de sua cabeça. Ela não conseguia apagar a luz das sirenes nas cortinas,
o som dos óculos de Brandon batendo na mesinha de cabeceira, o olhar no
rosto de Alejo quando ele percebeu o que estava acontecendo.
— Paris prendeu meu pai.
Ashley olhou a desordem em seu chão. Lentamente, ela começou a pegar
suas fotos e empilhá-las na mesa. Ela estava inquietantemente calma sobre a
prisão. Seu queixo estava firme, seus movimentos frios e rígidos. Uma brisa
adentrou o quarto e soprou nas costas de Logan e, de repente, ela entendeu.
— Ele disse que tinha uma testemunha.
Ashley parou.
— Eu estou passando pela lista de pessoas que estavam lá no Bates, mas é
bem pequena. Gracia e Elexis são família. Eles não iriam apunhalar meu pai
pelas costas.
Ashley dobrou sua colcha e a colocou em sua cama.
— O Bates é basicamente como apartamentos. Muitas pessoas moram lá.
— Ashley.
Ela se virou, olhos brilhando com lágrimas.
— Eu não quero falar com você sobre isso. Eu quero ficar sozinha.
O coração de Logan acelerou e ela se perguntou se estava quebrando. A
pulsação era pesada, devagar, profunda. Piorando com o peso da dor, mas ela
não estava com raiva como estava de Brandon. Era como se alguém tivesse
surgido atrás dela e arrancado seu mundo direto de suas mãos. A deixado fria
em seu rastro. A expressão de Ashley dizia tudo — era raiva e tristeza, mais do
que isso, era culpa. Era o mesmo olhar que ela tinha quando admitiu que tinha
terminado com Tristan.
— Você nem viu nada. Por que você…
— Eu vi.
Logan parou.
— Ah, meu Deus, você está falando de quando ele estava levando o lixo
para fora?
Ashley desviou o olhar.
— Você sabe que não foi ele — Logan resmungou. — Por que você disse
aquilo?
— Ele poderia…
— Ele não fez. — Logan sentou na ponta da cama de Ashley e deixou sua
mão cobrindo seu nariz e sua boca. — Eu e meu pai nem estávamos em
Snakebite quando Tristan desapareceu.
Ashley bufou.
— Talvez eles trabalharam juntos. Como uma equipe.
— Ah, meu Deus. — A voz de Logan estava alta demais para o quarto.
Ela fechou os olhos e expirou. — Eu disse que não era ele. Você prometeu que
não iria dizer nada a não ser que tivesse certeza. Você realmente não confia em
mim?
— Eu confio em você — Ashley disse. Uma lágrima escorreu pela curva
de sua bochecha. — Eu não confio neles.
— Ah, não comece a chorar.
— Como eu deveria não fazer isso…? — Ashley se sentou em sua mesa.
Ela esfregou seus olhos inchados com suas mãos. — Antes de tudo, ninguém
morria em Snakebite. Era perfeito.
— Cuidado… — Logan avisou.
— Vocês apareceram e tudo desabou.
— Então você realmente pensa que eles fizeram aquilo. — Logan engoliu
em seco.
— Você pode me culpar?
— Sim.
A expressão de Ashley enrugou em frustração.
— O que você quer de mim? Eu ignorei o óbvio porque eu confiava em
você, mas… Eu não posso deixar isso continuar acontecendo. Eu estou
perdendo todo mundo.
— Você não me perdeu.
— Eu perdi meu lar.
Alguma coisa chocou dentro de Logan. Ela parou, com o rosto vermelho
sem fôlego.
— Ah, como se Snakebite fosse maravilhosa antes. — A raiva cresceu em
sua garganta e ameaçou sufocá-la. — Eu ouvi muitas histórias. Era uma droga
antes e é uma droga agora. Você pensou que era perfeito porque essas coisas
não importavam para você, mas sempre foi uma droga para pessoas como eu.
— Isso não é verdade.
— Tem uma razão para que pessoas como meus pais tenham que ir
embora. Alejo disse que você se viraria contra mim, assim como sua mãe se
virou contra ele — Logan disse. — Mas isso é ruim pra caralho.
As tábuas do chão grunhiam no lado de fora do quarto de Ashley. Tammy
Barton olhou ao redor da porta do quarto e avaliou o cômodo. O olhar pousou
em Logan e a expressão dela se amargou.
— O que está acontecendo aqui?
— Eu já estava indo embora, Sra. Barton — Logan disse. Ela se
aproximou da janela e abriu. Ela queria cuspir nas duas. Ela queria deixar elas
saberem que elas destruíram seu mundo inteiro. Ao invés disso, ela riu. — Em
caso de você não ter ficado sabendo, meu pai está na cadeia. Talvez você possa
contar aos seus amigos. Vocês podem dar uma festa.
Os olhos de Tammy se arregalaram, mas ela não disse nada. Debaixo das
camadas da persona de matriarca da cidade, ela parecia mais confusa do que
aliviada.
— Eu não…
— Logan — Ashley estalou.
Ela não esperou para ouvir mais desculpas. Ashley deveria ser sua aliada,
mas ela era igual a Brandon. Com medo demais para fazer a coisa certa, com
medo demais para admitir que tinha feito algo errado. Logan escalou a janela
para fora e correu até a minivan. Ela saiu do Rancho Barton muito rápido,
porque era isso. Esse era o final. Alejo se foi, Brandon estava em silêncio, e
Ashley era uma traidora. Depois de tudo, ela estava sozinha.
Ela estava sozinha.
27

Chokecherry e outra flora ameaçadora

Logan não estava bem.


Talvez ela nunca tenha estado bem. Faziam duas semanas desde a briga
com Ashley. Duas semanas desde que Alejo fora preso. Duas semanas visitando
ele na cela na polícia do Condado de Owyhee, falando sobre nada, esperando
que algo chegasse a um ponto crítico. Duas semanas desde que os sonhos dela
de ser enterrada viva tinham virado uma recorrência noturna. E nas últimas
duas semanas, Brandon mal era mais do que um fantasma em sua vida. Não —
com tudo o que se deu, fantasma não era a melhor palavra.
Ele não era nada.
Logan sentou-se sozinha na cabine dos fundos do Chokecherry. Era o
mesmo de sempre: pouco povoado, tocando country um pouco alto demais
com as luzes um pouco baixas demais. Não a deixou nervosa como tinha sido
na primeira vez que Ashley entrou por aquelas portas. De certa forma, era
quase reconfortante. Era familiar.
— Me traz outra cerveja? — Logan perguntou enquanto Gus se
aproximava da mesa.
Ele bateu um copo de plástico com água na mesa e a fitou com uma
sobrancelha arqueada.
— Você está bebendo água.
— Argh, isso é um saco.
— Não acho que você gosta muito de cerveja, de qualquer forma — Gus
disse. — Seu pai costumava pedir cervejas e ele sempre fazia a mesma cara de
laranja espremida que você.
— Hum.
Logan definitivamente não estava a fim de conversas sobre pai.
— Brandon sempre fazia coisas assim. Tentando pedir coisas para fazê-lo
parecer normal.
Logan piscou. Talvez essa tenha sido a primeira vez que ela ouviu alguém
contar uma história sobre seus pais que não era sobre Alejo. Ela desistiu da
ideia de uma investigação no dia que Bug morreu, mas ainda queria entender.
Ela pigarreou.
— Brandon vinha muito aqui?
Gus jogou sua toalha por cima do ombro.
— Deixa eu ligar a lava-louças, e aí posso te contar tudo.
Ele foi até a parte de trás do bar.
A campainha da porta da frente soou e a porta se escancarou. A luz do
fim de tarde entrou no Chokecherry, pintando o chão de cimento craquelado
em uma sombra amarela. O primeiro a entrar no bar foi John Paris com Fran
agarrada em seu braço, cachos caramelos balançando em seus ombros. A
sombra glorificante de John, Paul, vinha atrás deles. Ele zombou dos cantos
escuros do bar.
Logan se encolheu nas sombras e segurou seu copo de água perto de seu
peito. Ela nunca foi de se esconder, mas ela já estava no fundo do poço. Ela
não tinha a fortitude mental para brigar com mais ninguém.
— A cabine dos fundos está vazia — Fran disse.
— Não — Paul disse. — Tem alguém…
Passos robustos golpearam o chão de cimento, cada um mais alto do que
o outro. Logan se preparou.
— Não vejo você há um tempo — John Paris zombou.
Ele deslizou para a cabine oposta à de Logan. Fran e Paul ficaram atrás,
assistindo a cena se desdobrar com um estranho misto de medo e admiração.
Logan deu um olhar fugaz para o resto do bar, mas ninguém fez nada.
Ninguém disse nada. Eles apenas assistiram.
Ela estava sozinha.
— É, eu não tenho saído muito — Logan disse. Ela tomou um gole da
água e evitou contato visual. — Sem ofensa, mas eu realmente estava
esperando ficar sozinha hoje.
John riu.
— Ashley não pôde vir?
Logan fez uma careta.
— Ah, não, problemas no paraíso? — Paul perguntou.
— Provavelmente ela não gostou do seu pai matando a melhor amiga
dela — John disse.
— John — Fran avisou. Isso aparentemente era uma discussão que eles já
tiveram antes. Fran cruzou os braços e bateu os pés. — Só vamos sentar em
outro lugar.
John ergueu a mão para acalmá-la.
— Por que ele fez aquilo? Qual foi a razão? Estou tentando descobrir isso
há semanas.
— John — Fran retrucou.
As mãos de Logan se fecharam em punhos debaixo da mesa.
— Por mais que eu adoraria sentar e teorizar, que tal você ir se foder?
John estendeu a mão sobre a mesa e agarrou Logan com força pelo
cotovelo.
— Tristan era meu amigo. Bug era minha amiga. Ashley é minha amiga
também. Se vocês fizerem mais alguma coisa com os meus amigos, eu mato
vocês.
Logan engoliu em seco. O bar estava em silêncio. O punhado de outras
pessoas na sala observavam em silêncio, olhos arregalados, lábios entreabertos
de surpresa. Mas eles não ficaram indignados por ela. Era como na loja
novamente. As pessoas nesta cidade não se importavam com o que acontecia
com ela. Logan queria se chutar pelo sentimento de decepção em seu peito. Ela
ainda era a inimiga. Em Snakebite, ela sempre seria.
Um assobio soou atrás do bar.
Gus saiu da cozinha com a espingarda decorativa de cano duplo do
Chokecherry na mão.
— Não no meu bar — disse ele. — Saiam daqui.
— Você não poderia disparar isso nem se quisesse — John zombou.
— Eu poderia — disse Gus. Ele gesticulou em direção à porta. — Agora
saia.
John revirou os olhos. Relutantemente, ele se empurrou para fora da
cabine e foi até a porta. Fran e Paul seguiram atrás dele — Fran lançou um
olhar por cima do ombro, dividida entre a simpatia e a raiva.
Uma vez que os três partiram, Logan exalou.
— Se importa se eu sentar? — perguntou Gus.
Logan apontou para o assento em frente a ela. O banjo tocou do alto-
falante montado na parede, mas fora isso, o bar estava quieto. A inquietação
fervia no ar. O resto dos clientes do bar aparentemente estavam com muito
medo de falar. Logan não gostou da ideia de alguém ter que protegê-la, mas
não lutou contra isso. Gus recolocou a espingarda no suporte atrás do bar,
depois deslizou para o assento em frente a ela, afastando a mesa para abrir
espaço. Ele observou a calçada do lado de fora até que John e os outros
desapareceram na esquina, então se inclinou sobre a mesa.
— Você está bem?
— No geral, sim. — Logan riu, tensa. — Uh, desculpa por causar
problemas em seu bar. E obrigada por me defender.
— Não quis te envergonhar.
Logan acenou com desdém.
— Prefiro ficar envergonhada do que acabarem comigo.
— Não ajuda em nada quando você responde a eles — disse Gus. — Seu
pai sempre foi assim. Eu tinha que acabar com as brigas dele também.
— Qual deles?
— Alejo — disse Gus. — O que quer que as pessoas digam sobre seus
pais, eles com certeza equilibram um ao outro. Alejo nunca sabia quando calar
a boca. Sempre dizia exatamente o que estava pensando, mesmo que se virasse
contra ele e o mordesse. Brandon estava sempre quieto, no entanto. No dia em
que os dois se conheceram foi a primeira vez que o ouvi dizer mais do que duas
palavras.
— Espere… você estava lá quando eles se conheceram? — perguntou
Logan.
— Ah, sim — disse Gus. — Bem, eu não sei se foi a primeira vez que eles
se encontraram. Eu e Brandon costumávamos trabalhar juntos na Madeireira
Barton. Ele nunca falou com ninguém. Apenas aparecia na hora certa, fazia seu
trabalho e ia para casa.
— Isso soa verídico — Logan sibilou.
— Ele trabalhou lá só por alguns anos, no entanto. Tammy contratou um
novo gerente e o primeiro ato do cara foi demiti-lo.
— Quê?
— Sim, foi uma merda. Mas muitos dos caras concordaram com ele. Eles
queriam seu pai fora. — Gus recostou-se. — Eu já tinha aberto o bar naquela
época, então não estava mais lá. Teria dito alguma coisa.
Logan balançou a cabeça.
— Foi por isso que você me ajudou?
Gus exalou bruscamente.
— A maneira como jogamos os seus pais para fora da cidade nunca me
agradou. Eu não sei como me sinto sobre todas essas coisas de casamento gay,
mas eles não estavam machucando ninguém. Mesmo sua pequena cabana do
outro lado do lago não era longe o suficiente para algumas pessoas.
Logan balançou a cabeça.
— Só porque eles estavam juntos?
— Basicamente, sim. Não gostamos de mudanças por aqui. Eles estavam
pedindo a todos que mudassem muito.
Logan revirou os olhos.
— Não parece que eles estavam pedindo a alguém para fazer qualquer
coisa além de deixá-los em paz.
— Talvez não — disse Gus com um encolher de ombros.
— Obrigado por me dizer — disse Logan. — Eu só gostaria de saber por
que eles foram embora.
— Também não sei o motivo — disse Gus. — Provavelmente... bem,
você sabe. Eles tentaram ficar o mais quietos possível, mas perder um filho não
é fácil. E eles tiveram que lidar com isso por conta própria. Tenho certeza de
que sair foi mais fácil do que ficar aqui. Um novo começo.
Logan fez uma pausa com seu copo de água a meio caminho de seus
lábios.
— Espere, o quê?
— Eu e minha esposa perdemos nosso filho pouco antes de ele completar
seis anos. Foi a coisa mais difícil que já nos aconteceu. Depois disso, tudo que
eu conseguia pensar era em seus pais. — Gus limpou a boca. — Eles não
tinham família ou amigos para lamentar seu filho. Eles nem sequer tinham um
terreno na colina. Enterraram a menina no Cemitério dos Pioneiros. Eu ainda
penso nisso. O tempo todo.
— Gus. — Logan pressionou a palma da mão na mesa. Sua cabeça girou.
Havia outra criança, uma que seus pais nunca lhe contaram. O que quer que
tivesse acontecido, o que ela não entendia sobre seus pais, essa era a peça que
faltava. — O que aconteceu?
— Não posso dizer com certeza — disse Gus. — Eu sei que foi por volta
de 2006? Talvez 2007?
— Treze anos atrás — Logan sussurrou.
— Certo — disse Gus. — Eles devem ter adotado você depois que foram
embora. Eu sei que isso nunca compensa a perda de um filho, mas fico feliz
que no final os dois tenham uma família.
Logan podia sentir o gosto de seu batimento cardíaco.
— Ei, valeu por isso. Eu vou sair.
— Espere — disse Gus. — Você não tinha perguntas sobre seus pais?
— Acho que você já respondeu tudo. — Logan saiu da cabine e colocou
sua bolsa no ombro.
— Você está voltando para o Bates?
— Direto para casa — Logan mentiu.
— Posso te dar uma carona.
— Não. Estou de boa. — Ela colocou uma nota de vinte na mesa. —
Obrigada novamente por me defender. Até a próxima.
Logan saiu do Chokecherry e virou à direita. Para longe do Bates. Longe
de Snakebite. Ela desceu a calçada até ela acabar, e então tropeçou ao longo do
acostamento de cascalho. A água do lago batia na margem à sua esquerda, cinza
e interminável ao longo do vale. Entre duas colinas enormes, ela viu a cerca de
ferro, os montes de terra, a estrada empoeirada até o Snakebite Memorial, e seu
estômago se revirou. Finalmente chegou a hora da verdade.
Ela tinha esperado o suficiente.
28

E então houve um

VOZ DE BRANDON: Hoje à noite no ParaEspectadores, não há


saída a não ser para baixo. A equipe segue para Tulsa,
Oklahoma, onde estaremos rastreando o infame Diabo de Tulsa.
A lenda local diz que o Diabo de Tulsa não é seu demônio
cotidiano. Todos nesta cidade foram tocados pelo Diabo de uma
forma ou de outra. Alejo está doente esta semana, mas não vou
investigar sozinho. Junto para o passeio está a superfã e
detetive em treinamento, Logan.

[Uma jovem garota é mostrada ao lado de Brandon com uma


sacola de equipamentos. Ela usa uma camiseta preta que diz
QUEM TEM MEDO DA ESCURIDÃO? Um crachá aparece na tela:
LOGAN ORTIZ-WOODLEY, INVESTIGADORA/FILHA.]

BRANDON: Não sei o que vamos encontrar aqui. Mas aposto


que você terá menos medo do que seu pai.

LOGAN: Qualquer um ficaria menos assustado que papai.

Ashley não tinha certeza do porquê estava assistindo isso. Aquilo se enterrou
nela como garras, lembrando-a do que ela tinha feito. Como levou Alejo para
longe de sua família. Como provavelmente garantiu que essa feliz e animada
Logan Ortiz-Woodley nunca mais existiria. A mãe dela disse que os Ortiz-
Woodleys eram um veneno.
Ashley se perguntou se Snakebite era o veneno; se ela era o veneno.
[Logan bate o SonusX contra sua palma. Eles estão no porão de
um hotel em Tulsa, esperando a caixa de detecção de voz ligar.]

LOGAN: Não funciona.

[Brandon se agacha ao lado dela.]

BRANDON: É um botão aqui do lado. Fica travado o tempo todo.

[Logan desliza o dedo pela lateral do aparelho e os ruídos


começam. Ela dá um pulo. Brandon ri.]

BRANDON: Ainda me assusta às vezes também.

Para Ashley, foram duas semanas de silêncio. Ela foi ao funeral de Bug
com a mãe e não falou com ninguém. Foram duas semanas sem Logan, sem
Fran, sem ninguém além de Tammy, ocasionalmente, trazendo refeições até o
seu quarto para ter certeza de que ela ainda estava comendo. Ela não tinha
certeza do que a fez colocar este episódio do ParaEspectadores, além de uma
sensação de solidão dolorida e apodrecida. Ela não tinha certeza do que o
buraco em forma de Logan em seu peito significava. Este episódio foi o que
ruminou Logan, e Logan foi o que ruminou ela.
Ashley sentia falta de seu velho mundo. Sentia falta de Logan.
Não tinha certeza de como conciliar os dois.
Esta noite, Tammy estava em um jantar comunitário para arrecadar
dinheiro para os criadores de gado fora da cidade, o que significava que Ashley
tinha o rancho só para ela. Normalmente, teria sido ela enrolada no sofá entre
Fran e Bug assistindo algo estúpido na TV até que todas adormecessem. Antes
disso, poderia ter sido ela e Tristan sentados nos bancos à beira do lago assando
cachorros-quentes sobre a fogueira. Ela não deveria estar sozinha assim. Nunca
esteve sozinha assim.
Ela não aguentava mais ficar sozinha assim.
Ela rolou até o nome de Logan em seus contatos e ficou ali por um
momento longo demais. Considerou ligar para Logan uma dúzia de vezes
desde a briga, mas não conseguiu fazer isso. Se a vida de Logan foi arruinada, a
culpa era dela. Mas perdê-la parecia outra morte. Outra pessoa com quem ela
nunca mais falaria. Assim como Tristan, Logan seria outra pessoa que partira e
Ashley passou seus últimos momentos dizendo todas as coisas erradas.
Ashley se afastou de Logan e pressionou o nome de Fran. Quase
imediatamente, o outro lado da linha atendeu.
— Ashley?
— Achei que você não atenderia — sussurrou Ashley.
— Eu também. — Fran ficou tão quieta que, por um momento, Ashley
pensou que ela tinha desligado. Fran limpou a garganta. — Está tarde.
Ashley olhou para o relógio em sua mesa de cabeceira. Eram apenas
18h32.
— Desculpa.
Depois de outra pausa, Fran suspirou e disse:
— Vou desligar, então.
— Espere. — Ashley deu um nó no edredom em seu punho. — Eu só
quero conversar. Não nos falamos desde...
— Desde Bug, sim. — A inspiração de Fran foi afiada. — Não consigo
falar sobre isso agora.
A onda de lágrimas atrás dos olhos de Ashley foi repentina e esmagadora.
Ela mordeu o lábio para não chorar. Assim como todo mundo, Fran ia
escorregar como água entre seus dedos.
— Você acha que é minha culpa?
— Deus, eu não sei. — Fran respirou fundo e Ashley percebeu que ela
estava à beira das lágrimas também. — O que você estava fazendo lá?
— Eu…
— Visitando a Logan, certo?
— Sim… — Ashley suspirou. — Eu estava com a Logan. E a Bug me
ligou tantas vezes. Ela me mandou uma mensagem. Eu não vi até depois... Eu
estava bem ali. Não sei o que aconteceu.
Fran ficou quieta.
— Por que ela não me ligou? — perguntou Fran. — Eu teria ido com ela.
Ou a convencido a desistir, ou... É porque eu disse que não acreditava em nada
disso. Ela pensou que não poderia me pedir ajuda. Pensou que eu não me
importaria.
— Ela só foi por causa do que eu disse.
Fran ficou em silêncio.
— Fran... — começou Ashley.
— Sinto muito — disse Fran, afiada como o fio de navalha. — Eu não
consigo falar com você sobre isso.
— Fran, eu...
— Boa noite, Ashley.
Ouviu-se um bipe e a chamada foi encerrada.
Ashley afundou no colchão e olhou para a janela. Ela não conseguia se
lembrar como era respirar sem essa confusão de ansiedade entre seus pulmões.
Esta cidade estava errada; este mundo estava errado.
Houve uma mudança no ar da sala. Isso trouxe o silêncio para perto da
garganta de Ashley, abafando o som do vento. Ashley virou-se para a porta. Ela
não conseguia vê-lo, mas Tristan estava lá. Nas semanas após a morte de Bug,
seu espírito permaneceu o tempo todo, observando-a, esperando por algo que
ela não sabia como lhe dar. Talvez ele quisesse levá-la a algum lugar novamente.
Talvez houvesse outro corpo. Se sim, ela ignorou. Já tinha encontrado corpos
suficientes nesta cidade — outra pessoa poderia encontrá-lo desta vez.
— O que você quer? — perguntou Ashley. Ela não tinha o Scripto8G
desta vez, então não havia uma maneira real de ele responder. Mas perguntou
mesmo assim.
O ar mudou. Ele estalou, vivo com estática por um momento, e então
parou. Pela primeira vez desde que ele começou a visitá-la, foi como se ele
ouvisse. Ele estava indo embora.
— Espere. — Ashley escalou até o final de sua cama. — Não vá.
O ar ganhou vida novamente. O cheiro pungente de gasolina floresceu
sob seu nariz, tremeluzindo como uma chama moribunda. Por um momento,
Ashley quase pôde vê-lo. Ela viu a forma dele, pelo menos. Uma corrente de ar
fria soprou pela janela, contornando o cabelo de Ashley por cima do ombro,
mas Tristan estava imperturbável.
— Você é o único que resta — disse Ashley.
O ar perdeu pressão como um avião em turbulência. Houve apenas
silêncio. Ashley deitou-se na cama. Os cobertores cheiravam a detergente velho
e poeira e ela desejou poder simplesmente afundar no colchão, nas tábuas do
piso e na sujeira. Desejou poder se cobrir no solo e se enterrar até que tudo
acabasse. Ela gostaria de poder voltar para janeiro e fazer tudo diferente.
Quando ela falou, foi apenas um sussurro.
— Acho que você pode estar morto.
A reação de Tristan a isso foi estranha. Como fumaça de uma fogueira,
Tristan emergiu da escuridão. Suas mãos estavam fechadas em punhos,
mandíbula afiada com tensão, como se estivesse lutando para segurar algo. Ele
caminhou em direção a ela, ereto e tenso como se mal pudesse lidar com isso.
A visão dele fez o medo travar na garganta de Ashley, mas ela permaneceu
calma.
— Eu gostaria de poder refazer a nossa última noite — disse Ashley,
passando por cima do modo como sua voz tremia e seus olhos lacrimejavam.
— Eu explicaria de forma diferente para que você entendesse. Gostaria de
poder conversar com você naquela época.
O fantasma de Tristan estava em silêncio, como sempre. Ele ficou no final
da cama e inclinou a cabeça para o lado em um gesto curioso que era tão
Tristan que doía.
— Eu teria me assegurado que você soubesse o quanto eu te amava. Eu
disse que não, mas não foi isso que quis dizer. Eu só não te amei como pensei
que deveria. Você era meu melhor amigo. Só porque não era como…
Ashley piscou. A casa estava silenciosa como a noite e ela ficou tonta e
sem fôlego. Ela não sabia com o que queria compará-lo. Ou, sabia, mas não
queria pensar nisso. Era muito rápido, muito fácil dizer o nome dela.
— Não é justo — disse Ashley. — Você e eu deveríamos ter trabalhado...
Tristan olhou para ela, e ela o imaginou como era antes. Ele se sentaria na
beira da cama dela com as mãos nos joelhos. Riria da maneira indireta como
ela explicava tudo. Você está sendo tão vaga, ele diria. Apenas diga o que você
quer dizer.
Mas ela não sabia o que queria dizer. Tentar ter sentimentos por Tristan
tinha sido uma coisa lenta como ondas no lago no verão. Era feliz e calmo e ela
pensou que poderia passar a vida inteira construindo isso. Eles ficariam bem;
durariam o suficiente para que fosse real.
Essa outra coisa foi muito rápida. Agarrou-a e não a soltou. A esmagou
sob seu peso e não esperou que ela recuperasse o fôlego. A empurrou para o
fundo do lago e não se importou se ela tivesse ar. Era como se estivesse sempre
ficando sem tempo.
— Sabe como eu disse que queria terminar porque não sentia o mesmo
que você? — Ashley engoliu em seco. — Eu sinto agora. Não sabia o quão
assustador era. Eu sinto muito.
Os punhos de Tristan se apertaram. Ashley desejou poder ver seu rosto. O
Tristan que ela conhecia sempre usava todo o seu coração em sua expressão,
mas este Tristan era apenas uma sombra. Seu rosto não passava de um truque
de luz, impossível de ver claramente. Ele recuou, abrupto e repentino, batendo
contra a porta do quarto. A luz do teto piscou e as cortinas bateram contra a
janela. Ashley voltou a subir na cama até esbarrar na cabeceira. Depois de um
momento, Tristan se acalmou. Ele estava lutando para ficar sólido, para ficar
com ela, para ficar aqui.
Ashley respirou fundo.
— Você quer voltar? — ela perguntou.
Tristan cintilou. Talvez fosse uma resposta; se sim, Ashley não conseguia
entender. Era quase vertiginoso às vezes, a forma como Tristan preenchia a sala.
Não era mais apenas sensorial — cada memória dele estava na superfície como
uma camada de musgo no chão de madeira. Coisas que ela nem percebeu que
se lembrava, coisas que empurrou para o fundo de sua mente, coisas que
tentou esquecer
— Estou feliz por poder vê-lo novamente.
Tristan vacilou. Ele estendeu a mão para ela, seus movimentos afetados e
irregulares.
O som da TV rompeu o silêncio. Quando Ashley piscou, Tristan se foi.
Sua mão permaneceu no ar vazio. As vozes de Brandon e Logan continuavam e
o resto da sala estava vazia.
Ashley voltou-se para a TV.
Brandon e Logan haviam descido pelos túneis agora. Brandon estava
vários metros à frente de Logan, examinando as paredes cheias de grafite com
um dispositivo que Ashley não reconheceu.
Logan chamou Brandon, mexendo em outro aparelho.
Quando a câmera pegou Brandon, tudo estava errado.
Ashley estreitou os olhos para a tela. Foi apenas um lampejo de estática
nas bordas da TV. O espaço infravermelho estava distorcido, apenas distorcido
o suficiente para ser notado. Ashley cutucou sua TV, mas a estática
permaneceu. Aos pés de Brandon, algo preto se acumulou como óleo. Ele ficou
completamente imóvel, olhos arregalados, e Ashley reconheceu sua expressão.
Ele a olhou assim na cabana.
Ele estava com medo.
— Pai? — perguntou Logan. Ela tentou esconder, mas o medo se
infiltrou em sua voz. Seu pequeno punho estava preso ao redor do
ermoGeist.
Ashley se perguntou se Logan podia ver as sombras aos pés de Brandon.
Se ela podia sentir a forma como o túnel parecia se contrair agora, uma
garganta os engolindo inteiros. Logan contou a ela sobre o momento em Tulsa,
mas não tinha mencionado isso.
E então Brandon falou:
— Fique para trás — disse ele.
Brandon não estava sozinho. Outra coisa também falou. A segunda voz
era mais profunda que a de Brandon, vazia e fria. Ecoou como um trovão. Era
indecifrável e errada. A voz não disse as mesmas palavras que Brandon; Ashley
não conseguiu distinguir se sequer estava dizendo palavras. Algo sobre isso
percorreu sob sua pele.
A escuridão aos pés de Brandon se espalhou até que estava em toda parte.
Até que apenas Logan e Brandon ficaram na tela, distorcidos, derretidos e
errados. A imagem continuou a decair, e Ashley não conseguia desviar o olhar.
— Pai? — Logan disse novamente.
Sua voz era incrivelmente pequena.
— Saia, Logan — Brandon estalou para ela.
A segunda voz gemeu sob o som. Ashley tocou na tela da TV e estava
quente.
Brandon fechou os olhos. Quando se virou para Logan, ele não olhou
para ela. A substância escura caiu sobre ele como uma onda e, por um
momento, a tela ficou preta. O único som era a respiração irregular de
Brandon.
E então a tela rugiu para a vida. Um comercial de pneus. Ashley exalou e
seus pulmões doeram. Ela se perguntou há quanto tempo estava prendendo a
respiração. Seu telefone vibrou na mesa ao lado de sua cama.
— Alô? — ela disse.
— Ashley. — A voz de um homem. — É o Gus. Do Chokecherry.
Ashley piscou. Ela não tinha certeza de quem estava esperando, mas não
era Gus.
— Ah. Oi, Gus. O que está acontecendo?
— Eu não quero te incomodar. Mas acabei de ver sua amiga Logan aqui.
Ela disse que estava indo para casa, mas não sei. Ela parecia meio deprimida.
Acho que está indo para o antigo cemitério.
— Por quê? — perguntou Ashley.
— Ela estava bem curiosa sobre um dos túmulos. Não quero me meter
muito no assunto. Não sei se vocês duas estão se dando bem, mas ela estava
parecendo um pouco mal. Eu me certificaria de que ela está bem, mas tenho
que fechar o bar.
— Espere — Ashley sibilou. — A sepultura de Ortiz-Woodley, certo?
— A própria. — Gus limpou a garganta. — Ela... alguns de seus amigos
a perturbaram. Acho que ela ficou bem abalada. E então começamos a falar
sobre os pais dela e o túmulo. É minha culpa.
— Estou indo — disse Ashley.
Havia uma coisa que elas viram e sobre a qual nunca falaram. Uma coisa
que assombrava Logan desde a noite em que encontraram Nick. E se Logan ia
visitar o túmulo, isso significava que ela não estava mais esperando que os
fantasmas a encontrassem. Ashley apertou o tecido de sua camisa entre os
dedos.
O logotipo do ParaEspectadores apareceu de volta na TV.
Ashley olhou para o rosto de Brandon na tela. Este Brandon era diferente
daquele que ela tinha visto em Snakebite. Seu rosto estava esquelético, olhos
arregalados, mãos trêmulas. A coisa escura que ela tinha visto enrolando-se ao
redor dele não estava mais lá, e agora ele estava sozinho. Não havia nada em
seus olhos.
Ele estava vazio.
Talvez o que havia de errado com Brandon estivesse ligado a tudo o que
estava acontecendo. Ligado ao túmulo. Ligado a Logan — Ashley tinha certeza
dessa opção. E se ela não fosse rápida, tinha certeza de que mataria novamente.
Ashley desligou a TV e pegou sua bolsa.
Se Logan ia encontrar a verdade, ela não faria isso sozinha.
29

Mãos feitas para machucar

Ashley estacionou o Ford no acostamento da rodovia. De um lado da estrada,


o lago batia contra a margem. As nuvens acima eram de um cinza profundo,
machucadas e inchadas com uma tempestade que se aproximava. Ela sentiu o
cheiro almiscarado da chuva iminente na ponta da língua.
Do outro lado da estrada, Ashley avistou Logan. Ela estava sentada na
terra ao lado de uma das sepulturas com as mãos em concha no rosto.
— Ei — Ashley chamou.
Logan olhou para cima e sua expressão mudou, a testa franzida de raiva.
— Ah, meu Deus, sério isso? Me deixa em paz.
A mandíbula de Ashley se apertou. Cautelosamente, ela contornou a
cerca de ferro que cercava o cemitério e foi até Logan, enquanto a poeira sob
seus pés manchava com a chuva. Ela não verificou a lápide de pedra para ver se
este monte de terra era o marcado ORTIZ-WOODLEY, mas não precisou.
Pedaços de sujeira foram varridos por mãos hábeis, mal arranhando a
superfície. Dezenas de pétalas secas de lírio branco cobriam o chão. Ashley as
reconheceu como as flores que Alejo havia deixado quando chegaram.
Logan se inclinou contra a cerca de ferro, os joelhos dobrados em seu
peito.
— Você está bem? — perguntou Ashley.
— Não — Logan retrucou. — Eu não quero sua ajuda.
— Gus ligou e disse que você estava com problemas.
— Gus tá falando merda.
Ashley franziu a testa e apontou para o túmulo.
— Você estava tentando desenterrar isso? Você não pode simplesmente…
Logan abaixou a testa contra as pernas e cruzou os braços sobre os
joelhos. Por um momento, Ashley pensou que ela estava chorando. Mas ela
ficou quieta. A sujeira marcava suas unhas e manchou seus pulsos. A chuva
salpicava a poeira ao redor delas, pegando no cabelo preto liso de Logan.
— Você provavelmente me odeia...
— Correto.
Ashley se preparou.
— …Mas eu quero ajudar.
— Então tire meu pai da cadeia — disse Logan. Ela olhou para cima. —
Isso é o que você pode fazer para ajudar.
— O que você acha que vai encontrar? — perguntou Ashley. — É um
túmulo.
— Gus diz que eles tiveram uma filha que morreu. Eles nunca me
falaram sobre isso. — Logan enxugou suas bochechas, deixando um traço de
sujeira cinza para trás.
Ashley engoliu em seco e se agachou ao lado de Logan.
— Então você vai desenterrar o corpo? O que isso provaria?
A expressão de Logan suavizou. Ela estava com medo. Gotas de chuva
pontilhavam suas bochechas e salpicavam seu couro cabeludo. Em algum lugar
muito atrás delas, um trovão gemeu.
— E se for exatamente o que deveria ser? — perguntou Ashley. — E se
você estiver apenas desenterrando os ossos de uma criança? Existem maneiras
melhores de descobrir isso. Você poderia simplesmente perguntar ao Brandon.
Logan balançou a cabeça.
— Não posso.
— Então você poderia visitar Alejo e perguntar a ele — disse Ashley,
engolindo a culpa brotando em seu peito.
— Você não tem o direito de falar sobre ele.
Ashley assentiu.
— Me desculpa.
— Se você quiser ajudar, precisa me ajudar a fazer isso — Logan
sussurrou. Ela enxugou o nariz com a bainha da manga. — Eu... sinto que
estou enlouquecendo. Não sei o que é real. Não sei se estou lembrando bem
das coisas. Não sei se devo confiar em meus pais ou se eles estão mentindo para
mim o tempo todo.
Ashley tocou a mão de Logan.
— E se nunca houve uma segunda filha? — disse Logan.
— O quê?
— E se for... — Logan agarrou a frente de sua jaqueta. — Eu te contei
sobre meus sonhos. Quando estou sendo enterrada, parece tão real. É como na
cabana. Há todas essas coisas em Snakebite que lembro, mas não deveria. Eu
nunca estive aqui antes.
— Você acha que está conectada ao que quer que esteja enterrado aqui?
— perguntou Ashley.
— Não sei.
Ashley olhou para o monte de terra.
— Nos meus sonhos, é Brandon quem está me enterrando.
Ashley fez uma careta. Logan estava certa; não fazia sentido que os Ortiz-
Woodleys tivessem uma filha que nunca mencionaram. Não fazia sentido que
este túmulo estivesse aqui com os ancestrais sem nome de Snakebite e não na
colina com o resto da cidade. Quanto mais elas desvendavam Snakebite, menos
sentido fazia. O medo cresceu em Ashley, avisando-a de que se elas fossem
longe demais, não haveria mais Snakebite.
Ashley engoliu em seco.
— Ok.
Ela voltou para o Ford e abriu a caixa de ferramentas na caminhonete.
Puxou duas pás gastas e voltou para o túmulo. Logan pegou uma das pás e a
pressionou contra o monte de terra.
— Você tem certeza disso? — perguntou Ashley.
— Não. — Logan mordeu o lábio. — Mas não sei mais o que fazer.
Elas foram ao trabalho. Havia um estranho zumbido no vento, baixo e
silencioso como na cabana, mas agora estava em toda parte. A terra no
Cemitério dos Pioneiros estava mais seca do que o solo no topo da colina.
Estava sólida e endurecida como tijolo. A encosta ecoou com trovões ruidosos e
o tinido de metal contra pedra, mas lentamente, elas fizeram progresso.
Eventualmente, uma camada de terra empoeirada saiu, revelando uma pequena
caixa de madeira no túmulo. Levou um momento para que o estranho objeto
fosse registrado — Ashley esperava encontrar ossos ou nada. A caixa não era
grande o suficiente ou enterrada o suficiente para ser um caixão.
Logan não hesitou. A chuva passou de gotículas a espessos respingos de
água quente explodindo sobre a sepultura, transformando a sujeira em uma
pasta. Logan arrancou a caixa de madeira do túmulo e abriu a tampa. Dentro
havia um pedaço de papel dobrado.
Logan olhou para Ashley. Ashley olhou para trás. Um caminhão passou
zunindo na estrada atrás delas e Ashley de repente se lembrou de que havia um
mundo além deste momento. Ela segurou as mãos sobre o pedaço de papel de
Logan para protegê-lo da chuva.
— Há algo escrito nele — disse Logan.
— Você consegue ler?
As mãos de Logan tremiam, mas ela assentiu. Ela limpou a sujeira do
papel, amassando suas bordas em seu aperto.
— É... para mim.
Ela examinou o papel de novo e de novo, e cada vez seus olhos marejados
de lágrimas se arregalavam. Ela exalou e pressionou o pulso contra os olhos. O
vento úmido que atravessava o cemitério era mais frio do que tinha o direito de
ser. O que quer que estivesse no papel, estava desenrolando Logan de dentro.
— Eu não entendo... — ela sussurrou.
Com ternura, ela entregou o papel a Ashley. A escrita era breve, rabiscada
como se tivesse sido escrita rapidamente. Ela leu:

Logan,
Eu tentei de tudo. Tentei viver em silêncio, mas era muito
barulhento. Tentei criar uma família certa, mas a perdi. Tentei
viver sem você, mas não pude. Tentei te salvar, mas me perdi.
Talvez tudo isso tenha sido um erro e as coisas nunca mais serão
as mesmas.
Estou feliz por poder vê-la novamente.
Com amor,
B

Ashley balançou a cabeça. Ela leu de novo, mas as palavras flutuavam sem
sentido. Ela virou o papel, mas o outro lado estava em branco, pontilhado com
pedaços de sujeira e chuva. Não havia mais nada na caixa, nada mais no
túmulo, nada mais.
— O que isto significa? — perguntou Ashley.
Logan pegou a carta de volta e a leu novamente.
— É do Brandon. — Logan respirou fundo e fechou os olhos. — Acho
que esse túmulo era meu.
30

Fim de jogo

Elexis Carrillo estava mais solitário do que nunca.


Fazia um mês desde o funeral de Nick. Um mês desde que Logan sumiu
da face da terra. Um mês desde que sua nana começou a agir como se sair de
casa fosse suicídio. Fazia um mês desde que seu mundo foi virado de cabeça
para baixo e abalado até que tudo de bom caiu dele.
— Está fedendo aqui, Nana — Elexis disse. Ele desligou o PS4 e se
inclinou na porta do quarto de Gracia. — Vou tirar o lixo.
Gracia girou sua poltrona para longe da tela da TV e o fixou com um de
seus olhares. Ela estreitou os olhos e as rugas nos cantos se juntaram como mil
franzidos minúsculos. Seu quarto cheirava a fumaça de cigarro e pastilhas para
tosse de limão e mel.
— Retiramos o lixo ontem. Não cheira tão mal.
— Fede no meu quarto — Elexis gemeu. — E eu quero um pouco de ar
fresco.
— Você precisa de um amigo. Está muito escuro para ir sozinho. — Ela
se inclinou para trás e apontou para o estacionamento. A luz de Logan estava
apagada e o néon estava faltando no estacionamento, embora Gracia não
parecesse notar. — Pergunte à sua prima.
Elexis fez uma careta.
— Ela não está lá. Não é como se ela fosse sair do quarto, de qualquer
maneira.
— Se você pedir com jeitinho, ela vai.
Elexis revirou os olhos. Ele vestiu o suéter e suspirou.
— Está bem, está bem. Vou pedir a ela.
Ele não tinha planos de pedir nada a Logan. Ele pegou o saco de lixo do
quarto de Gracia, depois juntou os sacos de salgadinhos vazios e as caixas de
comida congelada do chão. A lixeira do Motel Bates ficava a poucos metros de
seu quarto. Seria uma caminhada mais longa até a porta de Logan do que levar
o lixo para fora. Era ridículo pensar que ele não conseguiria andar tão longe
sozinho.
Ele entrou na noite e fechou a porta atrás de si. Sem a divagação da TV
ou o gemido do ar condicionado, o ar estava quieto. O silêncio era como um
bálsamo fresco para o cérebro acelerado de Elexis, suavizando os nervos que o
quarto do motel deixava irregulares. Sem Nick, ele passou o último mês
jogando videogame até sentir que seus olhos iam ceder.
A verdade era que, desde Nick, parecia que o mundo estava se movendo
rápido demais. Elexis tinha ficado de pé por enquanto, mas Nick era a única
pessoa em Snakebite para quem ele podia ligar a qualquer momento sem se
preocupar se estava sendo irritante. Nick era a única pessoa que o fazia se sentir
menos solitário.
Nick fez Snakebite parecer um lar.
Ele morreu sozinho, e agora Elexis estava vivo sozinho. Não era justo ficar
bravo, mas, às vezes, Elexis não tinha certeza de onde colocar a dor em seu
peito. Em noites como esta, ele tirava um tempo para encostar a cabeça na
porta do motel e apenas respirar.
Ele percorreu todo o caminho até a lixeira antes de ouvir.
Botas ecoaram forte e rápido na calçada.
Elexis se virou, mas o estranho o agarrou antes que ele pudesse gritar e
tapou sua boca com a mão. Ele empurrou Elexis com força contra a lixeira,
esmagando sua bochecha no metal pegajoso. Ele era maior que Elexis, mas não
muito. Quando ele finalmente falou, sua voz estava rouca.
— Acalme-se — o homem murmurou. — Você não vai morrer.
Elexis se contorceu contra o estranho. Ele queria gritar, mas o som
morreu em sua garganta. Seu coração batia tão rápido que ele pensou que um
ataque cardíaco poderia matá-lo antes que o estranho tivesse uma chance.
Foi assim que Nick morreu.
Era assim que Elexis ia morrer.
— Fique quieto — disse o homem.
Alguma coisa rastejou pelas costas de Elexis, fria e escorregadia como
óleo. Ele chutou a lixeira, procurando freneticamente no estacionamento por
alguém que pudesse ajudá-lo, mas ninguém veio. Ninguém podia ouvi-lo. A
substância em seu pescoço serpenteava ao longo de sua clavícula e então,
lentamente, penetrou em sua pele.
Ele estremeceu, mas a vontade de gritar parou.
Tudo parou.
Não tenha medo, uma voz sussurrou para ele. A voz tinha o timbre e a
profundidade de um grande oceano. Ela atraiu Elexis para suas águas, e antes
que entendesse, ele estava submerso. A voz continuou, eu só quero te ajudar.
Você não quer consertar seu coração solitário?
Ele queria. Ele não queria nada além disso.
Ele não tinha certeza do porquê.
Você quer um lugar para sua dor. Eu sei de quem é a culpa por você estar
sozinho, a voz soou como se viesse da própria escuridão. Você quer que esta
cidade sinta o que você sente. Você quer que eles se sintam sozinhos. Você quer
que eles se sintam como as últimas pessoas vivas.
— Eu... quero — Elexis murmurou.
Bom. A escuridão envolveu o peito de Elexis e depois se derramou em seu
coração. Era mais espessa que sangue e bombeava através dele como alcatrão.
Era tudo o que ele podia sentir. Acima, o céu tempestuoso estava riscado de
cinza e pontinhos de relâmpagos, mas Elexis só via escuridão. Você vai me
ajudar, Elexis Carrillo. Mas agora você vai dormir.
A última coisa que Elexis viu antes de cair na escuridão foi sua nana
assistindo TV na janela e o borrão vicioso do céu enquanto ele caía e caía e
caía.
31

O grande estágio dos tolos

Do cemitério, era uma curta caminhada até a margem do lago. Logan


tropeçou ao longo do acostamento da estrada, parando em uma pequena laje
de concreto presa na terra. Uma mesa de piquenique estava aparafusada ao
concreto, enferrujada e descolorida como se nunca tivesse sido usada. Ashley
parou em algum lugar atrás dela; Logan a sentiu ali, cautelosa e com medo,
como se ela pensasse que falar fosse perigoso. O vento chicoteou o cabelo de
Logan em seu rosto, colando-o na água da chuva em suas bochechas.
Logan exalou.
— Podemos nos sentar por um segundo?
Ashley assentiu. Elas subiram na mesa de piquenique à beira da água e
deixaram o silêncio cair sobre elas. Estava tudo errado. O mundo estava
instável sob os pés de Logan, como se muitas pedras tivessem sido retiradas da
base. O túmulo deveria conter respostas, mas ela o abriu e só tinha mais
perguntas.
Ela pressionou o rosto nas palmas das mãos.
— Não parece real.
— A carta? — perguntou Ashley — Ou…?
— Deus, nada disso. — Logan pegou o papel manchado de chuva em seu
bolso. A caligrafia era de Brandon, mas ela não conseguia desvendar o
significado. Um pedido de desculpas, mas não dizia pelo que Brandon estava
arrependido. Logan traçou as letras, elas eram irregulares e deformadas, como
se ele as tivesse rabiscado em pânico. As letras tinham o formato de que
machucavam enquanto eram escritas. — O que quer que esteja fazendo tudo
isso, acho que você estava certa. Brandon está conectado. Eu também estou.
Ashley olhou para baixo.
— Eu não deveria ter dito isso.
Logan acenou com a mão, desdenhosa.
O crepúsculo caiu no vale enquanto as nuvens de tempestade se
dissipavam. O horizonte era uma coroa de colinas negras cobertas de sombras
e, além disso, o céu estava vermelho-sangue e brilhante como fogo. Partículas
de luz das estrelas brancas rastejaram através do pôr do sol, prometendo que a
noite estava a poucos minutos de distância. A água escura batia na costa de
cascalho, rítmica e calma como um batimento cardíaco. Além dos grilos, da
água e do som terno e cauteloso da respiração de Ashley, havia silêncio. A noite
cheirava a zimbro e suave antecipação.
Logan fechou os olhos.
— Aposto que as pessoas costumavam pensar que isso era o paraíso.
— Sim. — Ashley olhou para as colinas do outro lado da água e seus
olhos estavam cheios de pôr do sol. — Eu pensava. Talvez ainda pense. Não
sei. Olho para isso e não há nenhum outro lugar que eu queira estar.
— Eu não — disse Logan.
— Gostaria que você tivesse visto antes de tudo isso — disse Ashley. —
Antes não era assim. Eu costumava gostar de como parecia que éramos as
únicas pessoas no mundo. Não há ninguém por perto a horas daqui. Você
poderia fazer o que quisesse e isso nunca importaria para mais ninguém.
A risada de Logan foi uma facada amarga. Ela não esperava rir. O som
parecia oco em seu peito.
— É assustador. Isso explica como vocês têm três adolescentes mortos e
ninguém fora de Snakebite se importa.
A expressão de Ashley escureceu e Logan percebeu o que ela disse um
momento tarde demais.
— Você acha que ele está morto?
Logan começou a falar, mas ela não tinha as palavras certas.
Ashley olhou para a água. Seus olhos eram da cor de água doce na
penumbra nebulosa. A brisa golpeou seu cabelo sobre seus ombros.
— Não quero desistir, mas acho que ele não vai voltar.
— Ei — disse Logan. Ela limpou a garganta, remodelando-se em alguém
com uma suavidade que nunca teve. — Eu não quis dizer isso. Ele ainda pode
estar por aí.
— Você não acha que ele está, no entanto.
Logan fez uma careta. Não, ela não achava que Tristan estivesse vivo. Mas
coisas estranhas aconteceram nesta cidade. Ela mal sabia mais quem ela era —
mal sabia o que estar viva significava. Quem era ela para dizer que Tristan se foi
para sempre?
— Eu simplesmente não sei mais — Logan disse, finalmente. — Quando
cheguei aqui, pensei que as pessoas estivessem vivas ou mortas. Achei que você
se lembrava das coisas ou não. — Ela traçou as veias ao longo de seu pulso. —
Não sei se algum dia vamos descobrir o que está acontecendo. Cada vez que
penso que estou chegando lá, fica mais confuso.
— E eu tornei ainda pior — disse Ashley — Eu não sei o que pensei que
iria consertar. Sinto muito.
Logan fez uma careta, mas não disse nada. Por muito tempo, Alejo tinha
sido a cola que mantinha sua família unida. Sem ele, Logan entendia o quão
sozinha realmente estava. Quantos dias ela poderia ficar sem falar, sem sair do
quarto, sem fazer nada.
— Eles vão perceber que ele não fez nada logo, e então terão que deixá-lo
ir. Mas queria resolver isso por mim. Eu só queria entender.
Ashley passou o polegar pela mesa de piquenique, pensando.
— E se você não resolver?
— Eu não sei — disse Logan — Vou continuar tentando, mas...
— Não, quero dizer, e se você não tentasse resolver? — Ashley se virou
para encarar Logan, olhos arregalados de medo ou entusiasmo. — E se nós
simplesmente desistirmos?
Logan estreitou os olhos. A brisa do lago estava quente agora. A sugestão
parecia um absurdo, mas Ashley parecia genuína. Algo pequeno e esperançoso
acendeu no peito de Logan.
— O que você quer dizer?
— Eu poderia ir até o Paris e dizer a ele que Alejo não fez aquilo — disse
Ashley. — É o mínimo que posso fazer. Sei que continuamos pensando que
temos que consertar Snakebite, mas e se nós apenas... não fizermos? E se nós
apenas partíssemos?
— Eu... — Logan limpou a água da chuva de sua bochecha. — Você está
falando sério?
Ashley assentiu.
Logan encarou seu rosto — realmente encarou — e tentou não chorar.
Porque, pela primeira vez desde que foi jogada neste inferno, havia uma saída.
Ela queria entender tudo o que acontecia aqui, mas, mais do que isso, queria ir
embora. Queria respirar novamente. Ela não queria ficar sozinha.
— Ok... — Logan respirou. Ela riu e enxugou as lágrimas quentes que
brotavam de seus olhos. — Acho que eu gostaria disso.
O olhar de Ashley flutuou para os lábios de Logan. Com uma força
surpreendente, ela se inclinou sobre a mesa e puxou Logan para ela. O beijo foi
apenas um palpite; era uma mão gentil estendendo-se pela escuridão,
imaginando o que poderia encontrar do outro lado. Era cuidadoso, silencioso e
despretensioso. Logan ficou parada, porque nunca foi assim. Ela era o buraco
negro, aquela que sempre alcançava, aquela que sempre passava fome. Não era
desejada — não de uma maneira real. Ela não era beijada de uma maneira que
se sentisse assim.
Ela se afastou, os olhos ainda fechados. Seus lábios formigavam ao vento
frio.
— Isso foi…? — Ashley parou. Logan não precisava ver seu rosto para
saber que estava contorcido em pânico. — Eu sinto muito. Não deveria…
Logan segurou a nuca de Ashley com as duas mãos e a puxou para outro
beijo. Ao contrário do primeiro, este foi proposital. Eram mãos trêmulas e
respiração irregular. Era os dedos de Ashley dando um nó na parte de trás do
suéter de Logan. Era os lábios de Ashley que tinham gosto de água doce e chá
de hibisco. Logan empurrou uma mecha solta do cabelo loiro de Ashley para
fora de seu rosto apenas para roçar os nós dos dedos sobre sua pele. As pontas
dos dedos deixaram uma mancha cinza de sujeira na bochecha de Ashley, mas
isso não importava. Os lábios de Ashley se separaram e Logan se afundou nela,
beijando-a como se fosse mais importante do que respirar.
Ashley colocou as mãos nos ombros de Logan e se moveu para montar
em sua cintura. Seus lábios se moveram contra os de Logan freneticamente,
desesperadamente, como se fosse tudo o que soubesse fazer. Ela beijou como
alguém que nunca desejou isso antes. Logan passou os braços em volta das
costas de Ashley e a segurou mais perto. Ela passou a mão por baixo da
camiseta de Ashley, passou as unhas sobre a pele quente das costas de Ashley, e
seu coração disparou muito rápido. O mundo correu muito rápido.
Atrás delas, rodas de caminhonete esmagavam o cascalho solto no
acostamento da estrada. O baque constante de uma música country foi abafado
dentro do veículo.
Ashley ficou rígida.
Logan se afastou e olhou por cima do ombro dela. Sua cabeça ainda
girava com o beijo, mas a caminhonete branca estacionada atrás delas a fez
voltar à Terra. Ela tinha a visto no cascalho a caminho da cabana, do lado de
fora do Chokecherry, do lado de fora da delegacia. John Paris saltou do banco
do motorista e bateu a porta atrás dele. Paul saiu do lado do passageiro.
Ela agarrou a lateral da mesa de piquenique e se forçou a respirar.
— John — disse Ashley, hesitante. Ela desceu da mesa de piquenique, do
colo de Logan, e se aproximou dos meninos. Suas mãos estavam erguidas em
semi-rendição como se ela fosse uma caçadora assustada falando com um urso
prestes a atacar. — O que você está fazendo aqui?
— Salvando você. — John caminhou em direção a elas com uma
confiança que fez o estômago de Logan revirar. Ele passou por Ashley e se
encostou na mesa de piquenique. Logan esperava que ele estivesse com raiva,
mas ele exibia um sorriso estranho, quase sonhador. Ele estava ansioso por isso.
Ele olhou para Logan e disse: — Eu te avisei.
— A última vez que verifiquei, as pessoas não eram obrigadas a te ouvir
— Logan cuspiu.
Ela desejou se sentir tão corajosa quanto parecia. Talvez Gus estivesse
certo; talvez ela precisasse aprender a calar a boca.
— Avisou sobre o quê? — perguntou Ashley.
John manteve contato visual com Logan.
— Eu disse a ela para se afastar dos meus amigos. Ela deveria deixar você
em paz.
— Acho que ela não sabe como — Paul bufou.
— Ela não fez nada — disse Ashley. — Eu comecei. E não é da sua conta,
de qualquer maneira. Posso tomar minhas próprias decisões.
John virou-se para Ashley com tal ferocidade que Logan pensou que ele
poderia atacá-la.
— Espero que Tristan não possa ver isso, onde quer que esteja. Ele te
amava tanto, Ash. E agora você está aqui com a cadela que ajudou a matá-lo.
— Eu... — Isso parou Ashley por um momento. — Não é sobre Tristan.
— Deveria ser. — John voltou-se para Logan. Seus olhos eram mais
escuros do que a noite rastejando no horizonte. — Ele era meu melhor amigo.
Então vocês aparecem, o matam e ninguém se importa. Todos simplesmente o
esquecem. Mas eu não esqueci e não vou deixar você matar mais ninguém.
— John, o que você está…? — Ashley começou.
Em um instante, John saltou sobre a mesa e agarrou Logan, arrastando-a
para a terra pela gola de seu suéter. Logan lutou contra seu aperto, mas foi
inútil. O suéter puxou contra seu pescoço como um laço, cortando suas vias
aéreas. Suas panturrilhas deslizaram pelas rochas, deixando sua pele em carne
viva e ensanguentada. Em algum lugar atrás dela, Logan ouviu as ondas do lago
batendo na margem, mas tudo o que viu foi a luz das estrelas. A luz das estrelas
e o rosto de John, contorcidos com ódio, raiva, tristeza e dor.
Ela ia morrer.
Ela pensou que iria embora, mas era assim que iria morrer.
— Solta ela — gritou Ashley, mas ela estava longe agora.
John jogou Logan no cascalho, mas antes que ela pudesse ficar de pé, ele
se abaixou e agarrou um punhado de seu cabelo. Ele a puxou para a água fria
do Lago Owyhee.
Foi um estrondo em seus ouvidos — contra seu rosto — e então silêncio.
Sem mais gritos de Ashley, sem a respiração áspera de John, sem mais grilos
cantando à noite. Apenas o som lento e ondulado da água soprando sobre sua
pele.
Logan agarrou o punho de John em seu cabelo, mas não fez diferença. Ela
não conseguia respirar. Algum lugar, um pouco além de sua memória, voltou a
ela.
Ela tinha feito isso antes.
Tão forte quanto ele a empurrou na água, John a puxou de volta para
fora. O vento da noite estava quente e cortante como um chicote em suas
bochechas e ela gritou por socorro. Ela gritou até que sua garganta ficou em
carne viva.
— Isso foi tão alto — disse Paul de algum lugar distante.
John riu, rouco e presunçoso, e Logan sabia que ele não iria parar até
matá-la. Ele estava além de parar agora, retorcido de raiva e mágoa. Logan não
conseguia ver nada além da água. John segurou a cabeça dela firmemente dois
centímetros e meio acima da água. Ela só viu ondas negras e nada.
— Vou chamar a polícia! — Ashley gritou. — Se você não deixá-la ir, eu
vou…
— Faça isso — John trovejou.
Ele disse outra coisa, mas foi perdido. John empurrou a cabeça de Logan
para baixo da água com força suficiente para raspar sua bochecha nas rochas ao
longo do fundo do lago. Seus lábios se separaram em um suspiro e sua boca se
encheu de água do lago. Ela correu para o fundo de sua garganta e Logan iria
morrer. A água escura se fechou sobre sua visão, puxando-a cada vez mais para
dentro das ondas.
E então, Logan estava em outro lugar.
Ela olhou para a superfície da água. Ondulava como um reflexo num
vidro, distorcendo a lua em nada além de luz branca. Os sons do lago
desapareceram e apenas a luz das estrelas cobriu seus olhos. Não havia mais
água — ela não precisava respirar.
A voz que falou com ela era fria e doce.
Você não pode morrer aqui. Eu ainda preciso de você.
Logan foi arrancada da água novamente. Atrás dela, Paul e John riram em
coro. John a virou, e sua risada morreu em seu rosto.
— Que diabos? — ele sussurrou.
Logan tocou sua bochecha. Sangue quente pontilhava suas pontas dos
dedos, mas fora o pequeno corte, estava bem. Ela não tinha certeza de quanto
tempo estava debaixo d'água, mas a julgar pelo choque de John, deveria ter
sido tempo suficiente. Ela chutou as pernas de John em outra tentativa vã de se
libertar. Atrás dele, ouviu a voz abafada de Ashley gritando em seu telefone.
John empurrou Logan de volta para a água.
Volte para o lugar onde tudo isso começou, a voz de antes sussurrou
através do lago. Logan se sentiu suspensa. Ela era uma coisa sem peso, sem
amarras. Ela flutuou sob a superfície da água por apenas um momento, mas
sentiu o tempo passar por ela na escura correnteza. A voz soou, eu te salvei uma
vez. Deixe-me salvá-la novamente.
Logan foi retirada da água novamente, respirando e viva.
— Merda — John murmurou.
Ele soltou Logan e se afastou dela. Ela rolou para o lado e cuspiu água no
cascalho. O céu estava escuro com a noite agora; vermelho e azul brilharam
contra a escuridão, e Logan percebeu que a polícia havia chegado. Ela
estremeceu, o cabelo molhado grudado em seu pescoço. O céu e as colinas
negras e o lago giravam ao seu redor.
Passos bateram no cascalho, e então uma mão enxugou o sangue de sua
bochecha.
— Ei — Ashley suspirou. — Ei, fique comigo, vai ficar tudo bem.
Logan piscou para ela, mas sua visão estava manchada com uma cor
selvagem. Ela se recostou no cascalho e pegou a mão de Ashley.
— Nós vamos ficar bem — Ashley continuou a sussurrar. — Vamos ficar
bem, vamos ficar...
Os olhos de Logan se fecharam e ela escorregou na escuridão.
32

Ainda mais fundo

— Você tem certeza que isso é tudo? — o Agente Golden perguntou. —


Pelo que você está dizendo parece que eles a mantiveram debaixo d'água por
mais de quinze minutos.
— Foi o que eles fizeram — Ashley rebateu.
— E não há nada que você está deixando de dizer?
Ashley puxou o cobertor mais apertado em volta dos ombros. Ela odiava
isso: odiava o Agente Golden, odiava Snakebite, odiava o vento quente, odiava
o pavor que sentia em seu estômago. Ela estava sentada na mesma mesa de
piquenique em que esteve com Logan apenas meia hora atrás, mas agora tudo
estava diferente. O banco estava úmido, o vento estava quente, as pontas dos
dedos estavam dormentes. Lágrimas secas fizeram a pele de suas bochechas ficar
tensa. Sua garganta estava esfolada de tanto gritar, enchendo sua boca com o
gosto de ferro. O céu só exalava a noite agora, sem os últimos resquícios do pôr
do sol no momento em que John empurrou a cabeça de Logan debaixo d’água.
E ela não tinha feito nada.
— Sim, isso é tudo — disse Ashley.
Ela não mencionou os planos de fuga. Ela não mencionou o túmulo. Ela
não mencionou o beijo. Não precisava. Era assim em Snakebite — se John
Paris tinha visto, então todo mundo já sabia.
Ela não mencionou a voz que ouviu, mais suave que o vento. Enquanto
Logan lutava por ar, uma voz sussurrou sobre a água. Volte para o lugar onde
tudo isso começou. Foi um gemido baixo, assim como o que ela ouviu na TV.
Assim como tinha ouvido na cabana.
O Xerife Paris estava estacionado do outro lado da estrada. Ele
delicadamente colocou Logan na parte de trás de sua viatura enrolada em um
cobertor de lã e deu a Ashley um aceno rápido e desconfortável. Mesmo da
costa, Ashley podia ver o sangue com crostas na bochecha de Logan, o cabelo
preto emaranhado em seu pescoço, seu delineador manchado. Ela avisou
Ashley mil vezes que Snakebite estava errada. Agora, quase a tinha matado.
Paris prometeu que John e Paul pagariam pelo que haviam feito ali, mas,
considerando que eles tinham permissão para voltar para casa, Ashley duvidava
seriamente.
Logan tinha razão o tempo todo.
Havia algo errado com esse lugar.
— Posso ir para casa? — perguntou Ashley. Ela pressionou as palmas das
mãos nos olhos até que a parte de trás das pálpebras ficou manchada de cor. —
Só quero ir para casa.
— Ah, hum... Você parece bastante abalada. — O Agente Golden
consultou o relógio. — Paris não achou que você ficaria bem em dirigir
sozinha. E com base na legalidade das coisas, ele só queria ter certeza de que
nada de ruim acontecesse.
Os olhos de Ashley se estreitaram. Rezou para que ele não estivesse
dizendo o que ela achava que ele estava dizendo.
— Eu tenho dezoito anos. Sou legalmente uma adulta.
O Agente Golden deu a ela uma careta, então olhou por cima do ombro.
Enquanto Paris se afastava do lago e dirigia pela estrada, uma Land Rover
branca estacionou ao longo do acostamento em seu lugar. Não era qualquer
veículo do tamanho de um mammoth; o carro de Tammy Barton estava
completo com um decalque da MELHOR MÃE DO MUNDO e uma placa que dizia
SINDICATO DE AGRICULTORES DO CONDADO DE OWYHEE. Ela estacionou o carro
monstruoso, desceu e correu pelo acostamento de cascalho em direção ao
banco de piquenique.
Ashley se preparou.
— Ela está bem? — exigiu Tammy.
— Sim, ela não se machucou — disse o Agente Golden. — Paris está
levando a outra de volta para a delegacia, mas Ashley está livre para ir.
— Ela não vai ser presa?
Ashley agarrou seu cobertor.
— Eu não fiz nada de errado.
Tammy virou-se para ela com um fogo nos olhos que Ashley nunca tinha
visto antes. Não era como foi com Bug. Sua mãe não estava apenas feliz por ela
estar viva. Tammy voltou-se para o Agente Golden e suavizou.
— Bem, eu agradeço a ligação. Vamos para casa. Ligue-me se precisar de
mais alguma coisa.
— Pode deixar.
Tammy fez sinal para Ashley em direção ao carro e ela a seguiu.
A viagem de volta para o Rancho Barton foi tranquila como a noite lá
fora. Ashley afundou no banco do passageiro e observou as colinas passando
por ela. Normalmente, elas ouviam hits cristãos no rádio com o ar
condicionado no máximo, mas esta noite o carro estava silencioso. Até o som
da respiração de Tammy foi abafado. Essa Tammy Barton era a que Ashley
temia. Não era suave e solidária. Ela fervia com uma raiva latente que estava
lentamente chegando à superfície. Ashley sentiu como uma marca contra sua
pele.
Elas estacionaram na garagem e Tammy abriu a porta. Ela entrou na casa
com Ashley em seus calcanhares.
— Eu nunca estive tão envergonhada em toda minha vida — Tammy
latiu assim que ambas entraram na casa. Ela passou na entrada como um
furacão, jogando sua bolsa na mesa de console. O porta-chaves caiu no chão,
mas Tammy não deu nem uma segunda olhada. Ela se virou para encarar
Ashley. — Em toda a minha vida.
Ashley estava na porta aberta, os olhos fixos no rosto da mãe. Uma brisa
quente e doentia soprou no corredor, mas Ashley havia esquecido há muito
tempo como respirar. A Tammy Barton que Ashley conhecia era um
monumento — ela era esculpida em mármore, inabalável contra a tempestade
—, mas agora, banhada pela meia-luz pálida, ela se encostou no balcão da
cozinha e tirou os saltos pretos, jogando-os do outro lado da sala como se eles
que tivessem acabado de ser pegos beijando o pária da cidade. Como se eles
que tivessem desonrado o legado Barton que ela trabalhou tanto para cultivar.
A voz de Tammy era baixa da mesma forma que uma estrela era pequena
momentos antes de explodir.
Mas isso não era justo.
O medo e a culpa que estavam se acumulando no estômago de Ashley
desde o lago, começaram a se transformar em outra coisa. Subiu pela garganta
de Ashley, forçando-a a conter as lágrimas de raiva. Suas mãos se fecharam em
punhos ao seu lado.
— Você está com vergonha de mim?
Tammy considerou.
— Quer saber? Sim. Quero dizer, eu sou a última pessoa na cidade a
saber sobre isso? As pessoas provavelmente estão comentando pelas minhas
costas há semanas.
— Pelas suas costas?
— Sim, pelas minhas costas. Somos a espinha dorsal desta cidade. E você
nos transformou em uma piada.
Ashley enxugou os olhos.
— Logan e eu não somos uma piada.
— Se fosse sério, você teria me contado.
Ashley balançou a cabeça. Porque contar a sua mãe sobre Logan não era
como contar a ela sobre Tristan. Não era como contar sobre um exame falho
ou uma festa à qual ela se sentia culpada por ir. Havia uma regra tácita em
Snakebite que dizia que essa verdade era diferente e perigosa. Seria autoexílio.
Não era o tipo de coisa que Snakebite sabia perdoar.
— Eu não poderia te dizer.
— Sério? — Tammy perguntou, incrédula. — Por que não?
— Eu vi como você tratou os pais de Logan.
— Ah, você viu como eu os tratei? Acho que você era uma criança muito
observadora, então. — Tammy exalou e sua raiva se transformou em um
calafrio amargo. Seus cachos loiros perfeitamente mantidos balançavam em
seus ombros. — Se você soubesse alguma coisa sobre isso, você saberia que os
salvei.
— Você os expulsou.
— E eles têm sorte que eu fiz isso. — Ashley arqueou uma sobrancelha.
— Você acha que eles teriam tido uma ótima vida aqui? — perguntou
Tammy. — Você acha que eles ficariam felizes?
— É o lar deles.
— Eu amo Snakebite, mas sei como esse lugar é e nunca seria um lar para
eles. — Tammy encostou-se na ilha da cozinha, segurando firme na beirada do
balcão. — Eles eram tão estúpidos. Pensaram que por serem daqui não iriam
machucá-los e poderiam fazer o que quisessem. As pessoas estavam prontas
para literalmente matá-los e eles não iriam embora. Eles não têm ideia de
quantas noites eu passei convencendo as pessoas a guardarem as foices.
Ashley limpou a garganta. Cautelosamente, ela se aproximou do balcão e
deslizou em uma banqueta em frente a sua mãe. A tempestade ainda não havia
passado — os olhos de Tammy estavam vidrados de lágrimas que ela se
recusava a soltar —, mas seu aperto no balcão estava frouxo. Logo, ela pegaria
na geladeira uma garrafa de pinot grigio barato e o pior passaria. Mas não
estaria acabado para Ashley. Uma nova tempestade assolou seu peito cheio de
dor e raiva e ainda mais perguntas.
— E agora você está cometendo o mesmo erro — disse Tammy. Ela
enxugou os olhos, borrando delineador em sua bochecha. — Snakebite... não
muda. Eles te amam, mas não vão mudar de ideia por você.
— Você me odeia? — Ashley resmungou.
Os olhos de Tammy se arregalaram. Ela estendeu a mão sobre o balcão
para a mão de Ashley, gentilmente passando o polegar sobre os nós dos dedos
de Ashley.
— Eu nunca poderia te odiar. Eu vou te amar, não importa o que
aconteça. — Ela limpou a garganta. — Mas isso não é você. Não é assim que
você é. Você passou por tanta coisa nos últimos meses...
Ashley estremeceu.
— Mas é quem eu sou.
Tammy fechou os olhos.
— Não, é aquela família. Eles estragam tudo o que tocam. Eles vêm aqui
e...
— Mãe — Ashley alertou.
— Ou talvez seja eu. Talvez eu seja apenas amaldiçoada.
— Mãe. — Ashley se levantou.
Tammy olhou para ela por um momento, e Ashley entendeu com
esmagadora clareza que tudo estava diferente agora. Sua mãe a olhou como se
ela fosse um quebra-cabeça que precisava ser montado para fazer algum
sentido. Como se houvesse um erro emaranhado profundamente em suas veias
que sua mãe estava tentando desvendar.
Atrás dela, as tábuas do assoalho gemeram.
Ashley se virou. Tristan estava atrás dela, punhos cerrados, olhos
impossíveis de ver sob a sombra que obscurecia seu rosto.
— O quê? — perguntou Tammy.
O coração de Ashley parou. Isso foi diferente das outras vezes que ele a
visitou. Cada aparição parecia urgente, mas esta parecia final. Tristan não
estava esperando por ela — ele estava implorando para ela ouvir. Ele oscilou
entre Ashley e a porta da frente e ela sabia que tinha que segui-lo.
— Ashley, o que... — começou Tammy.
— Eu tenho que ir.
Tammy soltou uma risada incrédula.
— Você não vai a lugar nenhum. Está de castigo.
— Oi?
— Você não ganha um passe livre por se esgueirar e causar problemas em
semanas. — Tammy passou a mão pelo cabelo. — Pelo menos até o
roundup{20} no próximo mês, você vai ficar em casa.
Tristan continuou a entrar e sair do espaço perto da porta. O medo
torceu em seu peito. Ele estava tentando avisá-la que Logan estava com
problemas — de alguma forma, ela entendeu.
— Ok — disse Ashley. — Ok, tudo bem.
— Descanse um pouco — disse Tammy. Ela abriu a porta da geladeira e
procurou nas prateleiras uma garrafa de vinho. — Você e eu temos muito o
que conversar amanhã.
Ashley timidamente caminhou até a porta da frente e fechou os olhos.
Era hora de ser corajosa. Pela primeira vez em sua vida, precisava ser mais
corajosa do que a Ashley que ela tinha sido. Tristan a observou, piscando na luz
fraca. A seus pés, o porta-chaves ainda estava tombado onde Tammy o havia
derrubado, deixando vários chaveiros espalhados pelo chão de madeira.
Seu Ford ainda estava estacionado no cemitério, mas a Land Rover estava
na garagem.
Ashley parou perto da porta da frente e pegou o prato de chaves. Ela
lentamente, metodicamente, colocou cada conjunto de chaves de volta na
tigela como se estivesse apenas limpando. Ela enfiou a mão na bolsa de Tammy
e gentilmente enganchou um dedo no chaveiro de Tammy.
Quando Tammy se virou para se servir de uma taça de vinho, Ashley
correu.
Ela entrou correndo na garagem e abriu a porta do lado do motorista da
Land Rover. Atrás dela, Tammy tropeçou na varanda da frente. Ela assistiu, de
olhos arregalados, quando Ashley saiu da garagem e entrou na noite. Na
estrada, Tristan acendeu os faróis da Land Rover, guiando Ashley para a cidade.
Onde quer que ela estivesse indo agora, não havia como voltar atrás.
33

O diabo, o diabo

Quando Logan acordou, ela tinha quase certeza de que estava morta.
Lentamente, pedaços do mundo ao seu redor se juntaram como um
mosaico na parte de trás de seu crânio. A superfície em que estava deitada era
muito estreita para ser uma cama, as paredes muito próximas. Ela balançou
para cima e para baixo, cada solavanco queimando seus músculos.
Do lado de fora, as árvores se confundiam em uma massa de verde e
preto.
Ela estava em um carro.
Ela estava no banco de trás do carro de Paris.
Logan se endireitou e esfregou os olhos. O assento sob sua cabeça estava
úmido com a água do lago. Ela estava sendo levada para a delegacia ou para o
hospital, mas de qualquer forma, estava sendo levada pelo pai do garoto que
acabara de tentar matá-la. Era possível que John e Paul também tivessem sido
presos, mas algo lhe dizia que eles provavelmente tinham sido soltos com um
tapinha nas costas e nada mais. Até mesmo a tentativa de homicídio era uma
ofensa perdoável nesta cidade infernal.
— Logan — Paris disse do banco da frente. — Como você está?
Logan se estabilizou, tonta pela força de se sentar. O cabelo molhado
grudava na nuca. Ela roçou os dedos ao longo de sua bochecha que latejou
com o toque, inchada e com crostas de sangue.
— Eu, hum… — Ela parou. — Onde estou?
— A caminho do hospital. Você se arranhou bastante. — Paris não olhou
para ela. — É uma longa viagem até a cidade. Eu estava esperando fazer
algumas perguntas a você no caminho.
Logan piscou para o para-brisa dianteiro. A estrada era mais estreita do
que a que ela se lembrava. As árvores se fechavam como um túnel, os faróis
cortando a escuridão. Ela dirigiu para a cidade com Brandon uma vez e não
parecia assim.
— Tudo bem, acho. Quanto tempo fiquei desmaiada?
— Apenas cerca de quinze minutos. Você está se sentindo bem?
— Ah, sim. Eu estou bem — mentiu. Ela não estava bem, mas já não
estava há muito tempo. — Você prendeu os caras que fizeram isso?
Paris deu-lhe um sorriso de lábios finos pelo espelho retrovisor.
— John está em casa. Vamos ter uma conversa quando eu voltar.
Logan engoliu em seco.
— Tipo, uma conversa de pai ou uma conversa de policial?
— Você é engraçada — disse Paris.
Logan não era uma especialista em direito, mas ela tinha quase certeza de
que acabara de ser vítima de um crime. O tipo pelo qual as pessoas vão para a
prisão na TV. Em vez de prender todos os envolvidos, Paris acabara de mandar
todos para casa. Todos menos ela. Paris não chamou uma ambulância. Ela se
encolheu no banco de trás e agarrou o cinto de segurança.
— Por que você não me conta o que aconteceu? — disse Paris. — Do
começo.
— Tudo bem. — Logan limpou a garganta. — Eu e Ashley estávamos no
lago, apenas conversando. Então John e Paul apareceram e...
Paris balançou a cabeça.
— Antes disso. John disse que viu as duas no cemitério. O que estavam
fazendo lá? — Logan estreitou os olhos. — Haviam pás contra a cerca.
Encontrei uma das sepulturas parcialmente desenterrada. Vocês encontraram
alguma coisa?
Logan olhou para o banco da frente. Os nós dos dedos de Paris eram de
um amarelo doentio com hematomas, e vergões vermelhos como marcas de
garras marcavam todo o seu antebraço. Em seu dedo anelar, um entalhe
enrugado era roxo onde deveria estar um anel de casamento. Ele manteve os
olhos fixos na estrada, mas seu olhar tinha quilômetros de comprimento. Ela se
livrou da crescente sensação de pavor que se formou em seu peito e se
concentrou na respiração.
— Nós não estávamos no cemitério.
— Hum. — Paris virou o carro ao longo da curva da estrada. Ele deslizou
do asfalto e foi para o cascalho. — Você sabe o que motivou o ataque?
— Não.
— Você não tem ideia?
Logan limpou a garganta.
— Eu estava no Chokecherry hoje cedo e John me ameaçou...
— Entendi.
Logan engoliu novamente. Entre os arranhões nos braços de Paris, havia
meias-luas vermelhas como marcas de unhas. Seu olhar distante estava fixo nela
agora, e ela entendeu. A verdade era uma coisa lenta, mas o nevoeiro estava se
dissipando a cada segundo. Logan encontrou os olhos de Paris e não havia
nada lá. Ele sorriu, mas não havia nada, nada, nada.
Ela tinha visto um rosto assim antes em seus sonhos. O tinha visto por
trás dos óculos de Brandon, penetrante, frio e vazio. Podia sentir o gosto de seu
batimento cardíaco.
— Você tem certeza que este é o caminho para o hospital? — perguntou
Logan. — A estrada está muito escura.
— É. Quase lá.
Esse não era o caminho para o hospital. Logan já havia dirigido por esta
estrada antes. Ela tinha visto essas árvores à noite. Tinha visto as colinas negras
do outro lado do lago, os lampejos da fogueira, os arranhões da estrada na
margem distante. Esse era o caminho ao redor do lago.
Paris a estava levando para a cabana.
Era ele.
Ele era o assassino.
Paris se recostou em seu assento.
— Você passou por muita coisa desde que chegou a Snakebite. Não deve
ser fácil vir aqui, onde as coisas são tão diferentes da cidade grande. Temos
bons corações, mas mantemos as coisas tradicionais. Talvez isso seja uma coisa
ruim, não sei, mas deve ser difícil para você.
Logan só conseguia olhar para as mãos dele. Elas pareciam fortes o
suficiente para sufocar a vida dela como tinham feito com todos os outros.
Talvez fosse por isso que ele a estava levando para a cabana: para matá-la. Ela
manteve os braços ao lado do corpo para esconder seu tremor. Ia vomitar.
— Você provavelmente pensa que sou retrógrado, ou que odeio gays. Eu
não sou assim, Logan. Nunca tive problemas com seus pais. Doeu-me ver todo
aquele ódio tanto quanto os magoou. Alejo e eu sempre fomos bons amigos, e
nunca tive problemas com o Brandon. Os dois sempre foram reservados. Ver as
pessoas acusando-os de crimes que nós dois sabemos que eles não cometeram...
é uma pena. Eu realmente queria manter sua família fora disso. — Paris
suspirou. — Mas acho que você já percebeu que vocês três sempre estarão
conectados a tudo isso.
— O que você quer dizer? — Logan perguntou, a voz tremendo.
Paris arqueou uma sobrancelha.
— Você ainda está com frio? Você está tremendo.
— Um pouco.
Paris colocou a mão no banco do passageiro e entregou-lhe uma toalha.
Logan torceu seu cabelo e cobriu o rosto com a toalha. Ela contou suas
respirações para não entrar em pânico. Tinha que haver uma saída deste carro,
para fora da estrada, de volta à segurança. Ela deu um tapinha no bolso de trás
para pegar o telefone, mas ele tinha sumido.
Paris soltou um hum baixo e olhou para ela pelo espelho retrovisor. De
repente, sua expressão mudou e ele balançou a cabeça.
— Procurando seu telefone? Ele está aqui comigo.
— Posso tê-lo de volta?
— Não, eu temo que não. — Ele soltou um suspiro desapontado. — Não
faria muita diferença. Não pega sinal por aqui.
Logan piscou. Seu coração subiu pela garganta. Em algum lugar, a
quilômetros de distância, ela esperava que Ashley a estivesse procurando. Ela
esperava que alguém a estivesse procurando. Tinha que haver uma maneira de
dizer a eles onde ela estava. Com quem estava. O que ele tinha feito.
— Para onde realmente vamos? — perguntou Logan.
— Você sabe para onde estamos indo — disse Paris. — Vocês, crianças, já
estiveram aqui uma dúzia de vezes.
— A cabana, certo?
— Eu sinto muito — disse Paris. — Eu teria deixado você de fora disso
se pudesse.
Logan fechou os olhos.
— Você vai me matar?
— Não.
Paris sinalizou seu caminho para fora da estrada principal e entrou na
saída de cascalho. Seus faróis cortavam as árvores. Nas profundezas da floresta,
Logan podia apenas ver o contorno da cabana. Dentro, uma única lanterna
brilhava laranja contra a noite.
Os fantasmas, as mortes, seus pais: tudo começou aqui.
Logan soltou um suspiro trêmulo. Uma parte dela pensou que a voz que
ouviu na água era uma alucinação. Que era algo que sua mente havia criado
para impedi-la de morrer. Mas lhe disse que ela precisava ir ao lugar onde tudo
começou. E por uma razão ou outra, o lugar era aqui. Algo lhe dizia que a
cabana era onde terminaria também.
— Por que estamos aqui? — perguntou Logan.
— Porque ela diz que tenho que fazer mais uma coisa, e então estarei
liberado. — Paris virou-se em seu assento para encará-la. Seus olhos brilhavam
como obsidiana vítrea na noite escura. — Olha, eu não sei o que ela quer com
você ou com o garoto do Bates. Carrillo.
Elexis. Os olhos de Logan se arregalaram.
— De qualquer forma, eu deveria te dizer que, se quer suas respostas,
você tem que ir para a cabana. O garoto Carrillo está lá dentro. Você acha que
pode fazer isso?
Logan engoliu em seco. Provavelmente era uma armadilha.
Provavelmente era perigoso. Mas ela deixou Nick nesta cabana e ele foi morto.
Ela não podia deixar Elexis também. Eles poderiam encontrar uma maneira de
sinalizar para alguém da cidade. Tinha que haver uma saída.
— Apenas ir até ele? — perguntou Logan. — Você não vai nos
machucar?
— Não. — Paris destrancou as portas e abriu a porta de Logan. — Agora
vá lá.
Logan engoliu seu medo e assentiu. Ela entrou na noite e esperou que sua
tontura passasse. Sem uma lanterna, só tinha os faróis de Paris e a luz da
cabana para seguir. Ela tropeçou em raízes e tocos, raspando os braços contra
os ásperos troncos de zimbro, mas não parou. Atrás dela, os faróis de Paris
brilhavam amarelos contra o chão poeirento da floresta.
E então a luz sumiu.
Ela se virou a tempo de ver a viatura de Paris sair do cascalho e ir embora.
Ele se foi; ele a deixou aqui.
Alguma coisa não estava certa. Se ele queria matá-la, por que iria embora?
Logan fez seu caminho para a varanda da cabana e colocou a mão contra
a porta da frente. Lá dentro, ela ouviu o som estrangulado da respiração de
Elexis. Logan suspirou de alívio.
— Elexis. Ei. Sou eu.
— Não venha… — Elexis começou. Ele engasgou com o resto da frase
como se as palavras fossem grandes demais para ele. — Não posso…
— Está tudo bem — disse Logan. Ela empurrou a porta da frente e
entrou na cabana. O vento a seguiu para dentro, soprando contra a madeira
velha como um apito. — Eu não vou abandonar você. Nós vamos sair daqui.
Elexis estava sentado contra a parede dos fundos da cabana, amarrado ao
piano. Além da corda, ele parecia ileso. Logan examinou o quarto em busca de
algum sinal de perigo, mas estava exatamente como ela se lembrava. Outra
onda de vento soprou novamente na cabana e apagou a lanterna.
— Olá? — Logan perguntou na escuridão.
— Logan, você...
Algo rastejou sobre sua pele, e ela congelou. A sensação foi a mesma que
teve debaixo d'água. Era a mesma escuridão arrepiante, o mesmo alcatrão
enjoativo e grosso subindo por sua garganta. Logan podia ver Elexis do outro
lado da sala, e ele balançou a cabeça. As longas sombras do quarto rastejaram
sobre sua pele como dedos gelados, pressionando a pele exposta de seu pescoço.
Ela desejou que suas pernas se movessem, mas elas não respondiam mais a ela.
Estou feliz que você pôde se juntar a nós, uma voz sussurrou. Ela sentiu
sua respiração doentia contra sua garganta. Já faz muito tempo.
— O que…? — começou.
Ela não conseguia se lembrar do que queria perguntar.
Você quer saber por que sonha com a morte. Você quer saber por que
seus ossos alcançam a terra. Você tem passado suas noites faminta pela verdade.
O estômago de Logan revirou. Ela assentiu. As palavras da voz eram
verdadeiras, mas eram verdadeiras de uma forma que ela nunca havia sentido
antes. Elas eram verdadeiras de uma maneira que não tinha alternativa. Logan
foi descascada e outra coisa tomou seu lugar. A verdade era a única coisa que
queria; ela não conseguia se lembrar de querer outra coisa.
— A verdade…
A escuridão descansava logo acima de sua pele, como um pano dobrado.
Docemente, a escuridão sussurrou, Você gostaria que eu te mostrasse?
Logan não respondeu. Ela não precisava responder. A escuridão a engoliu
inteira e ela se foi, arremessada para fora do tempo.
34

E se a verdade for uma mentira

Ashley seguiu Tristan até a delegacia com o coração na garganta.


Assim que desligou o motor da Land Rover, a silhueta de Tristan
desapareceu e ela foi deixada no brilho amarelo das luzes da delegacia. Ela
seguiu Tristan porque deveria haver uma resposta no final da estrada, mas a
delegacia estava vazia. Nenhuma das viaturas da polícia estava estacionada do
lado de fora. O único carro no estacionamento era a minivan surrada do
ParaEspectadores.
Ashley saiu da Land Rover e correu para a estação. A recepção estava
vazia, mas todas as luzes estavam acesas. Atrás do balcão da recepção, ela ouviu
barulho e arranhões, como se alguém estivesse vasculhando as gavetas. As luzes
do teto piscaram, e Ashley percebeu que estava muito brilhante, muito vivo
aqui para estar vazio.
— Olá? — perguntou Ashley.
O barulho parou. Um homem se levantou atrás do balcão. Ela
imediatamente reconheceu seu curto cabelo escuro e óculos de aros grossos. Ele
morava nesta cidade há meses, mas esta foi a primeira vez que Ashley o viu cara
a cara. A primeira vez que ela o viu vivo.
Brandon Woodley revirou os olhos.
— Você está falando sério? Não tenho tempo para isso.
— Senhor Woodley? — perguntou Ashley. — Você está aqui pela Logan?
Ele olhou para ela.
— Eu estava. Ela sumiu. O telefone dela está desligado.
— Mas ela… — Ashley parou.
— Sua mãe ligou e disse que ela estaria aqui. — Brandon vasculhou as
gavetas novamente como se Ashley não estivesse lá. Seu cabelo estava
desgrenhado, dedos tateando notas adesivas e marcadores como se estivesse
ficando sem tempo. — Nem disse por que ela foi presa. Juro por Deus, esta
cidade nunca deixa de...
— Você achou? — outra voz falou.
Este era Alejo de algum lugar na parte de trás da delegacia. A culpa se
amontoou no estômago de Ashley. Enquanto ela estava chafurdando em sua
dor nas últimas duas semanas, Alejo estava preso aqui.
— Ainda não. — Brandon abriu outra gaveta e examinou seu conteúdo.
— Becky teria as chaves, certo?
— Não sei. — Alejo riu. — Eles realmente não mostram aos prisioneiros
onde estão as chaves.
Brandon deu uma risada curta e estrangulada.
Ashley limpou a garganta. Ela já tinha visto chaves antes, mas não na
mesa de Becky. Ela voltou para a delegacia, passou pelas mesas de madeira e
entrou no escritório do Xerife Paris. A cela estava esculpida na parede atrás
dela. Ela sentiu Alejo observá-la através das barras, imaginando para onde ela
estava indo. Um rack montado perto da mesa de Paris continha vários molhos
de chaves. Ashley arrancou os que estavam rotulados CELAS do gancho e
voltou para o saguão.
— Que tal essas?
Brandon olhou para ela, então sem palavras arrancou as chaves de suas
mãos. Ele freneticamente abriu a fechadura da cela de Alejo e deu um passo
para o lado. Alejo caminhou para a luz e esfregou os olhos. Em um borrão de
movimento, ele caiu para frente e jogou os braços ao redor de Brandon.
Brandon o abraçou de volta, soltando uma respiração irregular no ombro
de Alejo.
A culpa no estômago de Ashley apertou.
— Mal posso esperar para deixar uma avaliação de uma estrela para esse
lugar. — Alejo riu, embora o humor não alcançasse seus olhos. Sombras
escuras perfuravam profundamente seu rosto. Ele soltou Brandon e esticou os
braços. — A cama era muito desconfortável. Sem travesseiros de cortesia.
— Você parece muito bem para um cara que está preso há duas semanas
— disse Brandon.
— Você me lisonjeia. — Alejo se endireitou. — Becky me trouxe comida
e itens de higiene. Eu deveria estar esperando uma transferência para a cadeia
do condado na próxima semana.
— Bem… — Brandon disse, mas ele não terminou o pensamento.
Alejo deu uma olhada superficial na delegacia.
— Ninguém entrou recentemente. Se Logan não está aqui, onde ela está?
— Eu não sei, mas precisamos de um plano. — Brandon ajustou os
óculos. — Temos que sair daqui. Acabamos de tirá-lo da prisão, o que é um
crime real. Não acho que o Paris vai ignorar isso, mesmo que vocês sejam
amigos.
Alejo deu de ombros.
— Nós nos reconectamos antes. Podemos fazer isso de novo.
Ashley olhou para os dois homens com admiração. Este era o mesmo
Brandon e Alejo que ela tinha visto na TV, mas agora eles estavam aqui em
carne e osso. Não estavam cheios de escuridão, segredos e dor como ela
pensava. Eles falavam um com o outro como duas pessoas quaisquer. Brandon
esfregou a nuca. Alejo tocou o ombro de Brandon para confortá-lo, e Ashley se
sentiu um monstro.
— Vamos — Brandon disse. — Nós a encontraremos e então faremos as
malas esta noite.
— Espere — disse Ashley.
Ambos os homens se viraram para olhá-la como se tivessem acabado de
lembrar que ela estava lá. Não podia culpar Brandon pelo desdém em seu
rosto, mas era a expressão de Alejo que era mais difícil. Estava calmo, como se
ele nem estivesse com raiva. Como se não a culpasse pelas últimas duas
semanas. Talvez ele não soubesse que tinha sido ela.
— Eu quero ajudar — disse Ashley. — Quero encontrá-la. Eu estava com
ela quando...
Os olhos de Brandon se estreitaram.
— Quando o quê?
— Paris pode tê-la levado para o hospital em Ontário.
— Hospital? — perguntou Alejo. — O que aconteceu?
— Nós meio que fomos atacadas — disse Ashley. — Na verdade, ela foi.
— Por quem? — perguntou Brandon. A raiva ardeu por trás de sua
expressão. — Ela está ferida?
— Um pouco. Não sei. — Ashley engoliu em seco. — Eu não consegui
falar com ela antes que o Xerife Paris a levasse. Foi John Paris e Paul Miller.
Eles tentaram... afogá-la.
Brandon encontrou os olhos de Alejo. Ashley viu seus corações se
partirem. Ela apertou e abriu os punhos.
— Eu e Logan estávamos tentando descobrir quem está fazendo tudo
isso. Quem está machucando as pessoas.
— E vocês pensaram em Alejo? — perguntou Brandon.
— Eu sinto muito. — Ashley balançou a cabeça. — Sei que não é você.
Nós achamos que é... Não sabemos o que é. Eu nem acho que é humano.
Brandon e Alejo ficaram quietos novamente. Eles se comunicaram em
uma linguagem silenciosa que Ashley não entendeu, então assentiram
lentamente.
— Vem com a gente — disse Alejo.
Eles saíram da delegacia e entraram na minivan, Brandon e Alejo na
frente com Ashley no banco de trás. O céu acima do estacionamento estava
salpicado com a fraca luz das estrelas. O silêncio encheu o pequeno espaço,
abrasador e espesso.
— Por que você acha que não é humano? — perguntou Brandon.
— Eu… Nós íamos muito para a cabana. Aquela do outro lado do lago.
E continuávamos vendo coisas lá. — Ashley engoliu em seco. Era tarde demais
para contornar a verdade. — Eu tenho visto pessoas que morreram. Tristan,
Nick, Bug... Eles estão tentando me dizer alguma coisa. Logan me disse que
você os vê também.
Alejo deu-lhe um pequeno sorriso.
— Não é divertido, né?
— O que isso significa? — perguntou Ashley. — Se pudermos descobrir
o que está matando as pessoas, podemos parar. Eu simplesmente não sei…
— Estamos investigando a mesma coisa esse tempo todo — disse
Brandon. — Rastreando as mesmas mortes. O mesmo assassino.
Alejo ajeitou o cabelo no espelho do lado do passageiro.
— Talvez devêssemos ter trocado notas.
— O que você encontrou? — perguntou Brandon.
— Tem algo a ver com a cabana. Acho que a coisa vem de lá. Quando
Logan... Quando ela estava debaixo d'água, ouvi uma voz dizendo que
tínhamos que voltar para onde tudo começou. Talvez, se descobrirmos como
começou, possamos nos livrar da coisa.
Alejo observou Brandon, mas Brandon continuou a olhar pelo para-brisa
com uma careta. Seus olhos estavam arregalados, os dedos muito apertados ao
redor do volante.
— Finalmente — disse ele —, algo que posso explicar.
— Brandon — Alejo alertou.
Brandon olhou para Ashley e as sombras em seu rosto eram afiadas como
uma faca.
— A coisa que você está procurando é chamada de Escuridão, e eu a criei.
35

Os Mortos e a Escuridão

1997

Brandon Woodley era um fantasma em sua própria vida.


O Moontide Diner estava excepcionalmente ocupado para uma manhã
de domingo. Brandon sentou-se em uma cabine de vinil vermelho em frente
aos seus pais, enquanto eles dividiam um Café da Manhã Moontide. Como de
costume, eles sorriram um para o outro e comeram em um silêncio grosseiro e
satisfeito. Brandon comeu um waffle singular e desejou que seus pais o
tivessem deixado ficar em casa. O rádio da lanchonete tocava algo animado e
com muito swing. O cheiro era de gordura quente e carne queimada.
— Querido, você não precisa ficar sentado aí entediado — disse a mãe
dele. Ela colocou outro pedaço de ovo na boca. — Por que você não conversa
com seus amigos ali? Estamos apenas pensando na mudança mesmo.
Brandon deu de ombros. Ele não tinha amigos. Era preciso ser uma
pessoa para ter amigos, e ele tinha certeza de que não contava. Ele era uma
sombra na parede, um pensamento que nunca vinha à tona, um fantasma do
que um garoto deveria ser. Era como um estranho postado do lado de fora do
quarto em que o resto do mundo vivia e, por mais que pressionasse os dedos
contra a janela, não conseguia entrar.
Ele não era um pária; ele sequer existia.
Brandon olhou para o outro lado da lanchonete. Em uma cabine idêntica
à deles, Tammy Barton e Alejo Ortiz compartilhavam seu próprio Café da
Manhã Moontide. Eles pareciam repugnantemente felizes juntos, um estudo
de contrastes. O cabelo de Tammy era loiro platinado e caía em cachos soltos
pelas costas. O cabelo de Alejo era cortado rente nas laterais e, como sempre,
ele parecia o tipo de pessoa que era sincero quando sorria. Frank Paris sentou-
se em frente a eles, com os ombros largos como uma parede de tijolos. Ele disse
algo para Tammy e Alejo e os três caíram na gargalhada.
Esse era o problema — eles eram perfeitos demais para serem odiados.
A mãe de Brandon franziu a testa. Ela olhou para o trio dourado do outro
lado da lanchonete e sua expressão se endureceu.
— Bem, acho que vou cumprimentá-los.
Antes que Brandon tivesse a chance de impedi-la, ela acenou para o outro
lado da lanchonete, para a outra cabine.
— Tammy Barton, é você?
Os três adolescentes pararam de comer e olharam para ela.
Imediatamente, o rosto de Tammy se iluminou e ela saiu de sua cabine.
— Sra. Woodley, como a senhora está?
— Vou muito bem. E você?
— Que ótimo, Sra. Woodley. Adoro o fato de vocês tomarem café da
manhã em família, é tão bonito. Meu Deus, não nos falamos há muito tempo.
Brandon olhou para seu prato.
Sua mãe saiu da cabine e puxou Tammy para um amável abraço de lado.
— Acho que nunca mais nos falamos desde que eu era sua babá. Você
cresceu muito. Como está o rancho?
— Sabe como é, muitas vacas.
Tammy claramente não tinha ideia de como funcionava seu próprio
rancho. E ela não precisava saber ainda. Sua mãe ainda administrava o rancho,
Tammy tinha uma vida inteira para aprender. Ela se virou e fez sinal para que
Alejo e Frank se juntassem a ela.
— Vocês conhecem esses dois, certo?
Alejo se juntou a eles com um daqueles sorrisos que subiam até os olhos,
e o coração de Brandon se afundou. Alejo se voltou para o pai de Brandon.
— Eu não te conheço, Sr. Woodley, mas você ensinou álgebra pro meu
irmão. Adoro a loja de barcos.
— E ele adora seus negócios, — comentou o pai de Brandon.
Ele se sentou um pouco mais alto em seu assento, estendendo a mão para
dar um aperto de mão firme em Alejo. Não havia muitas pessoas que ainda
visitavam a Woodley Fish and Boating. Era uma das várias coisas que os pais de
Brandon planejavam vender antes de deixarem a cidade.
— Vocês todos estudaram com Brandon?
Tammy, Alejo e Frank voltaram os olhos para Brandon, e ele teve vontade
de cair no chão. Ele respirou fundo, ajeitou os óculos e estendeu a mão para
Tammy apertar. O que era estúpido, porque ele já a conhecia e essa não era
uma apresentação.
Tammy se virou para os pais, com o nariz enrugado em uma risada
silenciosa.
— Sim, nós conhecemos o Brandon. Ele é muito engraçado.
— E aí, cara — disse Frank Paris.
— Acho que você e eu nunca conversamos — disse Alejo, apertando a
mão de Brandon com um sorriso fácil, como se socializar não fosse a coisa mais
difícil do mundo. Como se ele não fosse tudo o que Brandon gostaria de ser.
— Mas eu o vejo o tempo todo. É difícil não notar alguém em uma classe de
doze alunos.
A mãe de Brandon se inclinou sobre a mesa, quase derramando seu café
no colo de Brandon.
— Crianças, honestamente, Brandon é dolorosamente tímido. Pensei em
chamá-los, fazer algumas apresentações e ver se consigo tirar ele de casa. Eu sei
que ele poderia fazer alguns amigos se ele se abrisse mais. E vocês três são
muito legais.
Brandon pensou que seu coração poderia parar.
— Mãe...
Tammy e Frank piscaram para ele, com expressões tão cheias de pena que
chegavam a doer. Mas Alejo riu, suave e brilhante como água corrente.
— Sua mãe é uma mulher de asas de matar. Você deveria levá-la a todos
os lugares.
A mãe de Brandon sorriu, aceitando graciosamente o elogio.
— Bem, Brandon, você é bem-vindo para sair conosco sempre que quiser,
— disse Tammy. Mas sua voz estava vazia. Ela já estava pulando para quando
eles pudessem se sentar e conversar sobre como isso era estranho. Como ele era
estranho. Ela olhou por cima do ombro para os cafés da manhã meio comidos
em sua mesa. — É melhor irmos antes que a comida esfrie. Foi muito bom
colocar a conversa em dia.
Ela e Frank voltaram para a lanchonete.
Alejo se demorou um pouco mais. Ele deu um tapinha nas costas de
Brandon e depois se virou para sua mesa.
— Sério, me avise se quiser sair.
— Eu aviso — mentiu Brandon.
Ele não ia.
Não fazia diferença. Naquele ano, Alejo Ortiz deixou Snakebite e foi para
a faculdade em Seattle. Tammy Barton assumiu o controle do rancho. Frank
Paris conseguiu um emprego na polícia do condado de Owyhee. Os pais de
Brandon se mudaram para Portland para fugir da "política de cidade pequena."
E Brandon ficou em Snakebite porque não sabia fazer nada além de
permanecer. Ele permanecia como uma pedra presa no fundo de um lago. As
correntes o arrastavam, fazendo-o rolar sem sorte contra a lama, mas nunca
para a margem. Nunca para o sol. Era fácil assim. Ele imaginou como seria
simples entrar nas árvores e desaparecer. Ele seria um pontinho de perturbação
e depois desapareceria.
Sua solidão era uma escuridão. Ela se espalhava sobre ele como sombras
ao anoitecer. Ele a sentia sob a terra, sob sua pele, enrolada delicadamente em
seus ossos. Snakebite o mantinha no lugar.
Porque não importava o quanto o tempo passasse em Snakebite, ele
nunca mudaria.
Até que Alejo Ortiz chegou em casa.

2001
Pela primeira vez em anos, estava chovendo em Snakebite.
Brandon encurvou os quadris e chutou outra tora para a serra industrial,
espalhando uma mistura de suor e chuva em sua testa. Enquanto a maioria dos
outros homens no pátio se dirigia ao galpão para se misturar e separar a
madeira, Brandon continuava a trabalhar com a serra. Ele preferia trabalhar,
mesmo na chuva.
Ele preferia trabalhar sozinho.
Seus pais já haviam cumprido a promessa de sair daquele lugar há muito
tempo. Eles venderam a loja para um morador local, Gus Harrison, que a
reabriu como um pub. Brandon passava a maioria das noites em uma cabine
nos fundos do Chokecherry. Ele imaginou os velhos caiaques que seu pai havia
pregado nas paredes, agora substituídos por camisetas de futebol e peixes
empalhados. O prédio havia mudado de cara, mas era tudo a mesma coisa.
Essa era Snakebite; pintaram ela por cima, mas ela nunca mudou.
Seus pais haviam se oferecido superficialmente para trazê-lo, mas
Brandon havia decidido ficar. Ele só conseguia se imaginar aqui. O sentimento
escuro e sombrio que se insinuava sob sua pele como manchas de tinta no
papel lhe dizia que era ali que ele precisava ficar.
Se ele fosse se perder, poderia muito bem se perder em Snakebite.
Barton Lumber ficou em silêncio, trazendo Brandon de volta à realidade.
Em meio à poeira e à chuva, Brandon conseguia distinguir a pessoa que
havia feito com que os outros ficassem chocados em silêncio. O homem estava
do lado de fora do galpão, vestido com um suéter grande, jeans de pernas retas
e uma parca verde-escura. Seu cabelo era mais comprido do que Brandon se
lembrava, amarrado em um rabo de cavalo baixo que terminava entre as
omoplatas. Ele limpou a chuva do rosto e tirou com cuidado um maço de
papéis de dentro do suéter.
O capataz do pátio se aproximou de Alejo com cautela e arrancou os
papéis de suas mãos. Atrás dele, um punhado de homens abafava o riso. O
capataz deu uma olhada rápida nos papéis — não o suficiente para ler nem
mesmo a primeira página — e depois os enfiou de volta no peito de Alejo.
Brandon não precisou ouvir para entender o que tinha acabado de
acontecer.
Por um momento, Alejo ficou olhando para o grupo de homens, todos de
frente para ele, como se esperassem que ele retaliasse. Como se esperassem que
ele fizesse uma cena. Mas ele não fez. Os ombros de Alejo caíram. Ele guardou
seus papéis no bolso e saiu do pátio, afastando-se dos homens, em meio à
chuva.
O coração de Brandon se encheu de um estranho medo. Por uma razão
que ele não conseguia identificar, era como se ele conhecesse Alejo. Não era
como se a breve conversa na lanchonete tivesse tornado eles amigos, mas no
borrão de suas lembranças, Alejo se destacava. Brandon era diferente do resto
da Snakebite, um fato do qual ele estava dolorosamente ciente. Ele era
diferente de uma forma que ia além de ser desajeitado, pobre e quieto. Ele era
diferente de uma forma que Snakebite nunca permitiria. Mas algo lhe dizia que
Alejo talvez entendesse.
Ele deixou a serra e desceu a rampa, atravessou a lama e entrou na chuva.
Do lado de fora da cerca de madeira dominadora da Barton Lumber, Alejo
parou no estacionamento e olhou para o céu, deixando que gotas grossas de
chuva cobrissem seu rosto.
— Ei — disse Brandon. — Ei, desculpa por isso. Eles não deveriam ter...
bem, não sei o que disseram. Mas eu sinto muito.
Alejo se virou e colocou a mão sobre a testa, afastando a chuva com um
piscar de olhos. Ele estava exatamente como Brandon se lembrava. Ele limpou
a garganta e disse:
— Eu agradeço.
Brandon estendeu uma mão ligeiramente úmida.
— Brandon Woodley.
— Da loja de barcos. — Alejo apertou sua mão. Ele sorriu da mesma
forma que uma pessoa sorria quando estava esperando uma explicação melhor.
— Eu sempre quis comprar um barco lá. Parece que muitas coisas estão
diferentes por aqui agora.
— Eu não sei. — Brandon desviou o olhar do pátio para a cidade. —
Para mim, parece a mesma coisa.
— Ah — suspirou Alejo. — Talvez eu tenha mudado.
— O que foi aquilo? — perguntou Brandon, apontando de volta para o
pátio.
— Você não está sabendo? — Alejo refletiu. — Snakebite nunca viu uma
bicha antes. Provavelmente haverá uma multidão no motel quando eu voltar.
Os olhos de Brandon se arregalaram. Antes de ir para a faculdade, Alejo
Ortiz era a criança de ouro de Snakebite. Ele tinha tudo: notas perfeitas, uma
namorada perfeita, uma vida perfeita. Tinha uma risada que iluminava uma
sala. Quando as pessoas falavam, ele realmente ouvia. Alejo era a promessa de
tudo o que Snakebite deveria ser. Ele era o tipo de pessoa que Brandon desejava
ter por perto. O tipo de pessoa que Brandon desejava se tornar.
Alejo estava diferente agora. Sua expressão estava mais sombria, como se
ele estivesse sempre a um passo de uma carranca. Mas seus olhos eram os
mesmos. Sua risada fez o estômago de Brandon cair.
— Bem — disse Brandon —, acho que você é muito corajoso. É isso.
— Beleza. — A expressão de Alejo ficou amarga. — Você veio até aqui só
para me dizer isso?
— Eu...
A chuva continuava a cair ao redor deles, encharcando o estacionamento
com uma camada preta. Ele não sabia ao certo por que tinha vindo até aqui.
Ele poderia ter deixado Alejo ir embora. Não precisava ficar aqui, encharcado,
com o coração aos pulos na garganta. Sempre soube que era diferente —
sempre soube que era gay — mas, pela primeira vez, não estava sozinho. Havia
outra pessoa como ele. Alguém que tinha saído para o mundo e voltado vivo.
— Por que você voltou? — perguntou Brandon.
Alejo o olhou com cautela.
— Não sei dizer se você é intrometido ou se está tentando me dizer que
temos algo em comum.
Brandon respirou fundo. Ele ia ser corajoso. Pela primeira vez em sua
vida, não iria rolar sob a maré. Iria se aproximar da margem.
— Eu só quero falar com você. Acho que quero faz muito tempo.
— Estamos conversando agora.
— Você não precisava voltar para cá. Podia ter ficado em Seattle. Por que
voltou?
— Você sabe muito da minha vida, cara. — Alejo balançou a cabeça, mas
aos poucos sua expressão se transformou em um sorriso divertido. — Era
muito mais fácil lá em cima. Não sei por que achei que todos aqui deixariam
passar. Acho que é porque sou eu.
— A Tammy sabe?
Alejo riu.
— Acho que agora ela sabe. Nós terminamos há dois anos. Ela
provavelmente acha que esse é o motivo.
— E quanto ao Frank?
Alejo acenou com a mão.
— O Frank é o Frank. Ele não se importa. Ele é provavelmente o único
amigo que me resta por aqui.
— Você vai embora?
Alejo cruzou os braços.
— Eu deveria? Parece que você ficou por aqui.
Brandon ficou pensando na pergunta; as pessoas normalmente não lhe
faziam perguntas sobre si mesmo.
— Não posso ir. Eu... este é o meu lar. Não sei como explicar isso. Há
algo aqui que eu simplesmente não consigo...
— ...escapar? — perguntou Alejo. Ele se encostou no carro e seus olhos
escuros brilharam com a luz das nuvens de tempestade que passavam. — Tem
coisas que sinto em Snakebite que não sinto em nenhum outro lugar. Eu podia
ter ficado em Seattle, mas me senti como se estivesse fugindo. É como se
houvesse coisas que eu ainda tivesse que fazer.
— Sim — suspirou Brandon. — Sim.
— Então você não quer ir embora — disse Alejo. — Eu também não
quero.
— O que significa que estamos presos.
— Divertido — disse Alejo. Ele riu, e foi tão calmo e fácil quanto
Brandon se lembrava. — Presumo que esteja me contando tudo isso por algum
motivo?
— Eu… — Brandon esfregou a parte de trás do pescoço. Falar era difícil,
e colocar palavras nos anos não identificados de tumulto em suas entranhas era
ainda mais difícil. O que ele queria? Havia um motivo para ter perseguido
Alejo até aqui, mas agora que estava aqui na chuva, não conseguia se lembrar.
A solidão sombria que sempre permanecia no chão sob ele estava quieta perto
de Alejo. — Eu me lembro de você antes de tudo isso. Você era... não sei.
Todos estavam sempre felizes ao seu redor. Você prestava atenção. Sempre
parecia que realmente se importava.
Alejo riu.
— Discriminado em um segundo e cantado no outro. Snakebite é
realmente cheio de surpresas.
Brandon ficou corado.
— Ah, não, eu não estava...
— Eu gostaria que você estivesse — disse Alejo. Seus olhos escuros se
aqueceram, só um pouco. — Se eu não for assassinado na porta do meu quarto
de motel, vamos tomar um drinque qualquer dia desses.
— Eu gostaria... — Brandon se preparou. — Eu gostaria disso.
E, a partir daí, foi tão fácil quanto respirar.
Nunca tinha parecido fácil para Brandon antes. De fato, apaixonar-se
parecia ser a coisa mais impossível do mundo. Ele construiu fortalezas com
base no conceito de estar sozinho; a solidão era seu sangue, seus ossos, seus
batimentos cardíacos. Sem ela, ele não tinha certeza de quem era Brandon
Woodley.
Mas Alejo não se importava. Na primeira noite em que saíram, ele disse a
Brandon que sonhava com uma família e uma casa com varanda e um jardim
onde pudesse plantar "um bom tomate". Em seu segundo encontro, ele
segurou a mão de Brandon e perguntou se ele achava que havia algum lugar em
Snakebite onde eles pudessem se estabelecer. Brandon não sabia a resposta.
Depois da terceira vez que saíram, Alejo o acompanhou até a porta, colocou a
mão no bolso de trás da calça e o beijou na boca. Beijou-o como se fosse sério.
Como se quisesse.
Talvez fosse um sonho. Fosse o que fosse, não pertencia a nenhum lugar
do mundo de Brandon. Nada daquilo estava certo. Brandon era Brandon —
ele era uma pedra batendo incessantemente contra o fundo do lago. Não
esperava que Alejo o pegasse e o arrancasse da água como se não fosse nada.
Não esperava sentir o sol. Alejo o puxou para a liberdade e Brandon ficou
aterrorizado com a facilidade com que ele fez isso.
Lá fora, havia um enxame de pessoas que os odiavam. Sob seus pés, havia
uma escuridão que se infiltrava nos ossos de Brandon. Mas, por um momento,
ele não estava sozinho. As sombras estavam silenciosas.
Agora que sabia como era a sensação de ser amado, nunca mais poderia
voltar atrás.

2002
Era estranho como tanta coisa podia mudar em um único ano.
Brandon estava sozinho e depois não estava mais. Alejo tinha uma família
e depois ela se foi. Eles estavam juntos, mas estavam completamente sozinhos.
Os rumores sobre Brandon e Alejo se espalharam por Snakebite como
ervas daninhas, sufocando todo o resto. Para alguém que havia sido um
fantasma durante toda a sua vida, era estranho ter o nome na ponta da língua
de todos. Em um mês, um novo capataz foi contratado na Barton Lumber e
sua primeira ordem de serviço foi demitir Brandon para salvar a imagem da
empresa. Sem dinheiro, sem aliados, sem família, Brandon estava perdido.
Mas heróis vinham de lugares surpreendentes.
Seu herói veio na forma da recém-criada diretora do Rancho Barton. Era
Tammy Barton, casada e divorciada, com um bebê loiro permanentemente
colado em seu quadril. Foi Tammy que, por acaso, revisou os livros de sua
família e encontrou um pedaço de terra que seu pai havia comprado do outro
lado do lago décadas antes. Ela disse, em seu típico tom apático: Se vocês
querem o terreno, podem ficar com ele. Construam algo nele, não me importo.
Sinceramente, estou cansada de ver vocês por aqui.
E, pela primeira vez desde que se conheceram, Brandon e Alejo estavam
livres.
Eles estavam há seis meses em sua nova vida do outro lado do lago
quando as coisas mudaram. O verão se transformou em outono, as pontas
eriçadas dos juníperos à beira do lago ficaram nuas e um vento frio se instalou
no vale Owyhee. A cabana não era perfeita, mas sair de Snakebite era como
respirar pela primeira vez. Era um gostinho do que a vida poderia ser. Eram as
coisas boas, como as tardes deitadas à beira do lago, as noites ao lado da lareira
com um livro, acordar todas as manhãs com o canto dos pássaros e o farfalhar
das folhas. E era o resto — notas de post-it sobre pratos esquecidos, cobertores
ocupados em um lado da cama, dias em que a companhia um do outro era, ao
mesmo tempo, demais e não o bastante…
Em uma viagem à cidade para comprar ovos e lenha, Brandon ouviu os
primeiros sussurros: ...deixada na igreja... apenas um bebê, e eles a deixaram
bem na entrada... quem estava grávida?... O Pastor Briggs diz que era um
campista... um lar adotivo, provavelmente. O que mais eles podem fazer?
Mas, como tudo em Snakebite, o encanto morreu tão rapidamente
quanto surgiu. Depois de uma semana de conversas sobre a misteriosa menina
deixada nos degraus da Primeira Igreja Batista de Snakebite, a fofoca mudou
seu olhar para um grupo de adolescentes pegos fumando maconha do lado de
fora do supermercado. E, embora Brandon estivesse pronto para seguir em
frente com a mesma rapidez, algo na história prendeu Alejo como um
obstáculo em uma madeira lascada.
— Temos que vê-la — disse Alejo. — É um sinal.
— Um sinal de quê? — Brandon geralmente era bom em eliminar o
ceticismo de sua voz, mas não dessa vez. Ele se sentou na cozinha semi-
construída, entre a geladeira e um futuro armário.
Alejo entrou na varanda dos fundos, mas seu olhar permaneceu no
contorno nebuloso de Snakebite na costa.
— Falamos sobre querer ter uma família um dia e então uma menina é
deixada aleatoriamente na igreja. Você não acha que isso é o destino?
— Acho que é triste.
Se Alejo não tivesse sido criado como católico, Brandon poderia ter
notado que o deus que ele conhecia não costumava agir como uma cegonha
para os párias gays de uma cidade pequena. Mas ele tinha que admitir que
havia uma parte dele, pequena e temerosa, que ousava querer isso: uma família.
Mesmo um ano atrás, era impossível imaginar isso. Um ano atrás, ele havia se
resignado a uma vida sozinho. Mas agora ele quase conseguia imaginá-la
quando fechava os olhos.
— Poderíamos ser a família dela — disse Alejo. — Não é isso que nossa
pequena unidade deveria ser? Uma coleção de coisas que outras pessoas
jogaram fora?
— Não se pode pegar um bebê como se estivesse pegando sucata na beira
da estrada. — Brandon esfregou a parte de trás do pescoço. — Há tanta coisa
que você tem que fazer. Papelada. Dinheiro. Não sei se conseguiremos fazer
isso.
— Não estou pedindo que se comprometa agora — disse Alejo. — Só
estou pedindo para vê-la.
E foi o que fizeram.
A Primeira Igreja Batista de Snakebite estava pintada de frio pelo sol do
final do outono, mas no momento em que eles entraram no berçário da igreja,
o frio se dissipou. Brandon não era religioso e nunca gostou de atribuir as
coisas ao destino ou a um propósito divino, mas quando se aproximaram do
berço da menina e ele a viu pela primeira vez — olhos grandes e escuros como
fumaça de lenha, dedos pequenos demais para serem reais, um único tufo de
cabelo preto saindo do topo da cabeça —, tudo acabou.
A respiração de Alejo ficou presa em seu peito.
— Eu nunca o forçaria a fazer algo tão importante, obviamente. E sei que
é uma coisa importante, mas...
Brandon se inclinou no berço e pressionou o polegar na mão
incrivelmente pequena da menina. Os dedos dela se curvaram em torno da
junta e ela o olhou com olhos que o desnorteavam. Que o desvendavam por
dentro. Ele balançou a cabeça, mas não afastou a mão.
— Ela precisa de nós.
E então a família de dois era uma família de três.
Brandon estava certo. Não foi fácil. Foram meses de papelada, entrevistas
e trabalho incessante na cabana para provar que a menina teria um lar digno de
ser habitado. A busca pelos pais da menina não deu em nada, deixando-a sem
nome e sozinha. Ela era um mistério — outra pedra no fundo do lago. Mas,
dessa vez, Brandon estava na margem. Dessa vez, ele poderia salvá-la.
Em fevereiro, eles assinaram a papelada na sala de estar de uma cabana
pronta. Eles chamaram sua filha de Logan.
E tudo estava perfeito.
Brandon Woodley já se imaginou como um homem em duas partes. Ele
estava sozinho e depois não estava. Ele era o Brandon antes de Alejo e o
Brandon depois. Ele era o Brandon que sentia sombras sob seus pés, e depois
era o Brandon que sentia o sol. Mas as coisas eram diferentes com Logan. Sua
vida não era dividida em duas partes, nem mesmo em três — era uma canção
e, desde o início, ela vinha se desenvolvendo nesse sentido. Na maioria das
tardes, ele se sentava no banco do piano e observava a luz do sol se espalhar
pelas tábuas do assoalho. Ele observava Alejo no sofá, na cadeira de balanço, na
varanda da frente com Logan em seus braços. Ele observou Logan crescer, viu-a
sorrir, viu-a pular entre os juníperos baixos ao longo da margem do lago.
Brandon sentiu o sol em seu rosto e as teclas frias do piano sob seus dedos e
respirar era fácil.
Havia um pequeno tremor em seu peito que prometia que isso acabaria
logo.
2007
Quando levaram Logan para o hospital, não havia nada a ser feito. Os médicos
disseram que, às vezes, isso acontecia. Crianças ficavam doentes. Isso poderia
acontecer com qualquer pessoa. As pessoas perdiam suas filhas o tempo todo
— às vezes, não havia um motivo para isso.
Brandon não chorou.
Não havia lágrimas nele — não havia nada. Ele estava vazio sem ela. Eles
estiveram tão perto de ter uma vida e ele cometeu o erro de pensar que ela
poderia durar. Eles haviam lutado em meio a um matagal de ódio e isolamento
apenas para acabar ali. Sem filhos e sozinhos novamente. Tudo havia sido
arrancado, raspado de seus ossos, deixando-o nu e entorpecido. Antes, havia
um calor nele que soava como cordas de piano, o riso de Logan e a água na
margem do lago, mas agora estava tudo preto e distorcido.
Logan tinha cinco anos de idade.
Ela nunca chegaria aos seis anos.
— Seremos felizes novamente — respirou Alejo no peito de Brandon.
Eles estavam sentados sozinhos na cabana; eles nunca haviam se sentido
solitários antes de Logan, mas sem ela, eles sentiam cada centímetro do espaço
doloroso que haviam construído. — Um dia, nós seremos felizes.
Mas Brandon não seria feliz. Ele nunca seria feliz se ela tinha partido. Os
artigos que Alejo leu lhe diziam que a dor acabaria diminuindo, mas Brandon
Woodley havia sofrido a vida inteira. Ele nunca havia amado ninguém como a
amava — perdê-la era uma dor que jamais passaria. Esse ódio o consumia
incessantemente. Ele odiava essa cabana, odiava Snakebite, odiava Tammy
Barton e sua filha loira e perfeita que estava tão, tão viva. Tammy veria sua filha
envelhecer, mas Brandon não. Ele odiava todas as pessoas que viviam enquanto
sua filha tinha partido. O ódio se acumulou nele como uma mancha. Mudou
tudo dentro dele até que fosse a única coisa que restasse.
Brandon Woodley sabia que nunca mais sentiria o sol novamente.
Eles continuaram assim — Alejo aprendendo lentamente a se curar e
Brandon simplesmente não conseguindo. A Primeira Igreja Batista de
Snakebite se recusou terminantemente a vender-lhes um jazigo no Memorial
de Snakebite, alegando que era apenas para membros da igreja, e o ódio no
peito de Brandon aumentou. Eles enterraram a filha no Cemitério dos
Pioneiros, entre os fundadores de Snakebite mortos há décadas. Ela não tinha
lápide, nem cerimônia, nem ninguém para chorar por ela além de seus pais.
Pais não deveriam ver os túmulos de seus filhos. Eles não deveriam sentir
a escuridão sob a terra, envolvendo o cadáver de sua filha. Alejo disse que eles
seriam felizes novamente, e talvez ele seria. Dos dois, ele sempre foi melhor em
ser uma pessoa.
Mas Brandon não era mais uma pessoa — a escuridão que permanecia
sob Snakebite o agarrava a cada passo. Ele a sentia ali.
Na noite em que isso aconteceu, ele ficou no centro da cabana, de frente
para a janela que dava para o lago. Ele não conseguia se lembrar por que estava
ali, apenas que era o certo. Ele já havia passado semanas assim — vendo rostos
além de sua visão periférica, ouvindo vozes silenciosas demais para entender,
sentindo as pontas dos dedos em sua pele —, mas esta noite foi diferente.
No quarto ao lado, Alejo dormia em sua cama. A noite estava negra e
cheia de algo parecido com magia, porém mais escura. Não estava mais
embaixo da terra. Ela pressionava o vidro, implorando para entrar na cabana.
Era escuro e voraz. Ele a sentiu em seu peito, pulsando com morte, raiva e
ódio. A cabana cheirava a fumaça e podridão.
Além da janela, ele não conseguia ver a água. Não conseguia ver as
árvores. Não conseguia ver as fogueiras brilhantes na outra margem. Ele só
conseguia ver a escuridão.
— Não aguento mais isso — ele sussurrou para o quarto vazio. — Não
aguento mais.
Eu sei, a escuridão respirou entre as tábuas do assoalho. Está matando
você.
A respiração de Brandon era um suspiro irregular. Durante meses, ele
falou sobre sua dor na noite, mas ela nunca respondeu. A cabana estava mais
fria do que a noite lá fora e mais escura do que o preto. Ele se perguntou se
Alejo poderia ouvi-lo falar. Ele se perguntou se Alejo sequer estava ali. Brandon
se sentia como se tivesse escapado, suspenso entre uma vida e outra; entre o
que era e o que poderia ser.
As coisas deveriam ser diferentes, gemeu a Escuridão.
Algo se abriu como um buraco no estômago de Brandon.
— Eu queria uma família. Eu queria ser feliz.
O que te faria feliz?
— Minha filha — Brandon disse baixinho. — Minha filha se foi.
As paredes de madeira gemiam com o vento. O chão sob os pés de
Brandon balançava. Algo dentro dele também se mexeu, e ele pensou que
poderia estar doente. A coisa incognoscível deslizou através dele, enroscando-se
em seu estômago, envolvendo seu coração como um laço oleoso. Ele não tinha
pensado em ter medo, mas agora o medo e a dor eram tudo o que ele tinha.
Sua filha está enterrada em meus braços, sussurrou a Escuridão. Você
gostaria de tê-la de volta?
Brandon aspirou uma respiração trêmula. Pela primeira vez, desde que a
perdera, lágrimas quentes lhe arderam nos olhos. Ele sabia que estava errado —
não podia ser tão simples —, mas só a ideia já era suficiente.
— Como?
Posso trazê-la de volta para você, exatamente como ela era, ofereceu a
Escuridão. Por um simples favor, seu mundo poderia estar certo novamente.
— Que tipo de favor?
Leve-me com você, sussurrou a Escuridão, abafada como uma brisa. Vivo
sob esta cidade há anos. Quero ver a luz do dia. Quero andar por aí. Dê um
pouco de si para mim — deixe-me respirar — e eu posso trazer sua filha de
volta.
Brandon enxugou as lágrimas que escorriam pelo rosto. Não era verdade,
ou era bom demais para ser verdade, mas ele não se importava. Ele não sabia o
que era a Escuridão, mas deixaria que ela o consumisse até que não restasse
mais nada, se isso significasse que ela estava viva. Brandon sentiu a mãozinha
dela enrolada em seu dedo como um membro fantasma.
— O que você é? — perguntou Brandon.
Eu sou a escuridão criada a partir de tudo. Sou as lembranças desse lugar
que ganham vida — perigo, tristeza, ódio. Você conhece bem esses
sentimentos. Você me sentiu aqui durante toda a sua vida. De certa forma, eu
sou Snakebite. Quando a Escuridão parou de falar, o mundo ficou quieto. Mas
eu quero ser mais do que uma sombra. Quero ajudar você. Você me deixará?
Antes que ele pudesse responder, a escuridão se infiltrou nos pulmões de
Brandon e correu em seu sangue. Suas gavinhas se espalharam em seu crânio
como hera. A Escuridão não era mais Snakebite; era ele. Seus pensamentos e
movimentos eram dela. A escuridão se deslocou dentro dele, silenciosa e negra
como a noite, e ele estremeceu.
— Sim — disse ele. Ele fechou os olhos. — Por favor, traga-a de volta.
E então o mundo explodiu.
A explosão foi suficiente para quebrar a janela de frente para o lago. O
teto e as paredes da cabana se dividiram, batendo uns contra os outros com o
impacto. As luzes do teto se acenderam, depois caíram de seus parafusos e se
espatifaram no chão. O mundo era uma tempestade em espiral ao redor de
Brandon, mas ele era o olho. A calma. As árvores tremiam e o lago ondulava
por quilômetros. As sombras ao seu redor estavam repletas de magia,
suspendendo lascas de madeira e sujeira no ar.
A porta do cômodo ao lado se abriu com estrondo antes de cair de suas
dobradiças. Alejo ficou no escuro, meio vestido, com os olhos arregalados de
terror. Ele examinou o quarto como se achasse que estivesse sonhando.
— Brandon? — ele perguntou.
Brandon virou-se lentamente para encará-lo. Enrolada em seus braços,
escondida dos escombros, uma menina de cabelos escuros e olhos
estranhamente escuros piscou para acordar. Ela olhou para o rosto do pai, para
o rosto de Brandon e sorriu. E, embora estivesse cheio de escuridão, Brandon
também sorriu. Ele havia conseguido. Nada mais importava.
Ele era a Escuridão, e estava completo novamente.
Alejo olhou para Logan e seus olhos se encheram de lágrimas. Sua
expressão era de reconhecimento, medo e amor, tudo ao mesmo tempo.
Lentamente, com cautela, ele entrou no quarto e se aproximou de Logan. Ela
estendeu a mão para trás e envolveu os braços em seu pescoço. O riso de Alejo
foi cortante com um soluço. Ele balançou a cabeça.
Seus olhos escuros encontraram os de Brandon.
— Brandon... — ele respirou. — O que você fez?
36

Um adeus da bondade eterna

— Espera — Ashley disse. — Então… você é a Escuridão?


Brandon esfregou a nuca.
— Até uns meses atrás, é. Meio que sim. Eu era mais como um
hospedeiro. A carreguei por aí por anos, mas nunca matou ninguém. Isso é
novo.
— Então como está matando pessoas agora? — Ashley perguntou.
— Não tenho certeza.
— Como você não tem certeza?
— Acho que Logan está contagiando a garota — Alejo zombou.
Ashley corou.
Brandon tirou os óculos e os limpou com a bainha da camisa.
— Eu não sei tanto sobre isso como é de se pensar. A Escuridão não fala
muito sobre si mesma. Depois da Logan... depois do incidente, fizemos as
malas e partimos. Haveria muitas perguntas sobre a cabana se ficássemos. As
pessoas se perguntariam como ela voltou. Não podíamos explicar nada disso, e
sabíamos que ninguém aqui acreditaria na nossa palavra.
— Além disso, tínhamos que nos livrar da Escuridão — Alejo disse.
— Bem... — Brandon começou. Ele desviou o olhar de Alejo e limpou a
garganta. — No início, realmente me ajudou. Disse que nos manteria a salvo.
Queria nos ajudar a encontrar um novo lar.
— Logan disse que vocês viviam na estrada — Ashley disse.
— Não de propósito. Acabamos em cidades pequenas diferentes que
eram muito parecidas com Snakebite. O que significava que tínhamos os
mesmos problemas. As pessoas não gostavam de forasteiros, e um casal de caras
rodando pela cidade com uma garota de cinco anos no banco de trás os deixava
nervosos. Aonde quer que fôssemos, acabávamos partindo de novo. Quanto
mais tempo ficávamos sem nos estabelecermos, mais tensa ficava a Escuridão.
Era como se estivesse ficando mais fraca. Mais desesperada. Quanto mais
irritada ficava, mais de mim tomava. Passei meses confuso, apenas dirigindo,
sem saber realmente para onde estava indo. Ela queria mais para se alimentar.
Por anos, tinha tido toda Snakebite. Depois só tinha eu.
— Por que faria isso?
Brandon deu de ombros.
— Tenho meus palpites. Ela poderia querer que eu fizesse algo que
precisasse de um corpo físico. Meu melhor palpite, no entanto, é que ela queria
uma nova cidade para infectar. Ela precisava de uma maneira de seguir em
frente. Queria que eu criasse raízes em uma nova cidadezinha. E se tivéssemos
parado de nos mudar, teria começado tudo de novo.
— Mas ela cometeu um erro — Alejo disse.
Brandon assentiu.
— Estávamos dirigindo há duas semanas seguidas, vivendo da última
parte de um empréstimo da minha mãe. Eu me lembro de colocar gasolina no
carro enquanto Alejo estava na loja comprando água. E lembro de a ouvir
sussurrando bem na parte de trás do meu pescoço. Dizia para pegar a parte de
trás do carro e deixá-la no meio-fio. Só... pegar o carro e ir embora.
Alejo balançou a cabeça.
— Ela queria que ele nos deixasse para trás.
— Ela queria encontrar um novo lar, eu acho. Obviamente, não o fiz,
mas me lembro de querer. E me lembro de saber que o desejo não era meu. Foi
a primeira vez que senti que ela tentava... me sobrepor. A Escuridão não queria
me ajudar, só queria me usar. Queria encontrar uma nova casa que fosse tão
odiosa quanto Snakebite para que pudesse começar tudo de novo.
O estômago de Ashley afundou. Esse pavor em espiral, essas sombras
desconfortáveis, esse medo sombrio que a enterrava desde janeiro — era a
Escuridão. Era todos os anos de ódio que Snakebite tinha acumulado,
pegajoso, sombrio e nauseante. Ela havia amado essa cidade a vida inteira, mas
isso foi o que a Escuridão criou.
— A partir de então, estávamos apenas procurando maneiras de nos livrar
dela — Alejo disse. — Sabíamos que não poderíamos ficar em um lugar por
muito tempo ou a Escuridão encontraria uma saída. Eu consigo ver espíritos
desde pequeno. Mas nós percebemos que poderíamos usar essa... seja lá o quê
para encontrar pessoas que pudessem ter algumas respostas. Ajudamos pessoas
a conversar com parentes mortos, expulsamos espíritos perdidos das casas das
pessoas, exorcizamos objetos assombrados, mas estávamos sempre à procura de
informações sobre a Escuridão.
— Eventualmente, começamos a ganhar reputação — Brandon disse. —
Fomos abordados por uma rede que queria fazer um programa sobre o que
fazíamos. Era uma estrutura perfeita: podíamos nos mover pelo país sem nos
preocuparmos com dinheiro, e alcançaríamos um público maior. Alguém
saberia sobre a Escuridão e como se livrar dela. Encontramos muitas pessoas
que podiam ver fantasmas...
— Que, por sinal, não eram fãs do programa — Alejo interveio.
— ...mas ninguém sabia sobre a Escuridão.
Ashley olhou pela janela, sua cabeça girando. Ela e Logan haviam passado
semanas tentando entender o que estava atormentando Snakebite, e aqui
estava, exposto na sua frente. Logan tinha estado ao lado da Escuridão a vida
toda e nunca soube. Ashley pensou em Tulsa. Na forma que um único
momento havia assombrado Logan por anos.
— O que aconteceu em Tulsa? — Ashley perguntou. Ela se sentou para
frente, encostada na parte de trás do assento de Alejo. — A Escuridão a
ameaçou?
— Não foi bem uma ameaça. Foi mais... — Brandon suspirou.
— Ela perguntou o que aconteceria com Logan se nos livrássemos dela
— Alejo disse. — Simplesmente jogou ao vento. Não sabíamos se nos
livrarmos da Escuridão significaria se livrar da Logan.
— Mas obviamente não podíamos arriscar — Brandon disse. — Eu tinha
que colocar distância entre Logan e a Escuridão. O que significava colocar
distância entre Logan e eu. Ela sabia que faríamos qualquer coisa para mantê-la
segura.
Ashley assentiu.
Alejo se virou em seu assento para olhar para ela. Sua expressão estava
estranhamente calma.
— Você está lidando com tudo isso muito bem, a propósito.
— Tive um ano muito estranho — Ashley refletiu.
— Sim — Alejo disse. — Nós conhecemos a sensação.
Ashley traçou a parte de trás do assento de Alejo com seu dedo indicador.
Algo sobre tudo isso ainda não batia. Ela fechou os olhos.
— Por que vocês voltaram para Snakebite?
— Foi uma má ideia, mas não consegui pensar no que mais fazer —
Brandon disse. — Eu não poderia matar a Escuridão sem o risco de perder
Logan. E eu nem sabia como matá-la. Então pensei em voltar para Snakebite e
ficar por uma semana mais ou menos. Deixar a Escuridão se instalar de volta
ao lugar de onde veio. Então eu partiria.
Ashley inspirou. Brandon tinha trazido a Escuridão de volta aqui de
propósito.
— Você a deixou...
— ...escapar de mim? — Brandon disse. — Deixei. Foi fácil demais. Na
primeira manhã em que acordei em Snakebite, tudo estava tão tranquilo.
Houveram alguns dias inteiros em que andei por Snakebite e pensei que talvez
tivesse me livrado dela. Talvez fosse realmente assim tão fácil. Eu até reservei
passagens de volta para L.A.
Ele colocou o rosto nas mãos.
— Então seu amigo desapareceu.
O estômago de Ashley afundou.
— Eu sabia que era a Escuridão. Ela nunca pareceu realmente ter
desaparecido.
— Você acha que escolheu outra pessoa? — Ashley perguntou. Ela bateu
a cabeça contra o assento. Não tinha certeza se sua cabeça tinha sequer espaço
suficiente para todas essas informações. Brandon não era um assassino, mas
tinha trazido de volta o monstro que era um. Ele tinha feito isso para salvar
Logan, e poderia ter sido por isso que Tristan tinha desaparecido.
Logan estava morta.
Os dois homens permaneceram sentados silenciosamente no banco em
sua frente, a mão de Alejo sobre a de Brandon. Ashley se perguntou se
Brandon já havia admitido essa verdade a alguém. Depois de todo o tempo que
Logan havia passado procurando por essas respostas, Ashley sentiu que tinha as
roubado. Esses segredos não eram dela para se ouvir.
— Pensei que se pudesse encontrar o novo hospedeiro, poderia convencer
a Escuridão a voltar. — Brandon limpou a garganta. — Pensei que se eu
pudesse recuperá-la, a matança pararia.
— Você a aceitaria de volta? — Ashley perguntou. — Mesmo que você
não saiba como matá-la?
— Melhor do que deixar jovens inocentes morrerem.
— Por que você não contou para Logan?
— O que isso mudaria?
— Nós não sabíamos por onde começar. — Alejo balançou a cabeça. —
Nós nem entendemos como ela voltou. Isso teria a traumatizado. Queríamos
que ela tivesse uma vida normal.
Ashley olhou para Brandon.
— Ela teria sabido por que você não estava por perto.
— Mas isso não teria mudado nada. — Brandon olhou para as palmas de
suas mãos. — Eu aprecio sua preocupação. Mas saber por que eu estava
ausente não teria mudado que eu estava ausente. Ela teria... Eu teria que deixá-
la da mesma forma.
Brandon caiu de volta em seu assento e, pela primeira vez, Ashley notou
como ele estava cansado. A barba no queixo não era feita há dias, suas roupas
estavam desarrumadas, seus olhos estavam com olheiras tão escuras quanto
hematomas. Ela pensou nas noites que ele passou sozinho na cabana,
vagueando pela floresta, procurando a Escuridão. Como ele estava disposto a
enfrentar tudo de novo se isso significasse que a matança em Snakebite iria
parar. Ele se lançaria de novo na miséria e na solidão para salvar a cidade que o
expulsou. Ela sempre tinha pensado em Snakebite como uma grande família
emaranhada, mas não conseguia pensar em uma única pessoa disposta a perder
o que Brandon tinha perdido para mantê-la segura.
— Eu ainda acho que você deveria ter contado — Ashley disse. — Então
ela não pensaria que você a odeia.
— Ela... — Brandon se virou em seu assento para encará-la. — Ela o
quê?
— Não — Alejo disse, como se estivesse tentando se convencer mais do
que qualquer outra pessoa. — Não, ela não acha que você...
Ashley desejou não ter dito nada.
A expressão de Brandon afundou. De todas as coisas que ele tinha
descoberto essa noite, essa parecia ser a que o cortou mais profundamente. Ele
pressionou a palma da mão sobre seu coração e fechou os olhos. Ela pensou na
tristeza que Logan carregava sob seus sorrisos tortos. A maneira como ela
ansiava por sua família, mesmo que ela o negasse.
— E agora tudo isso foi em vão — Brandon disse. — Porque não
podemos nem mesmo matá-la.
— O lugar onde tudo começou — Alejo disse. — Poderíamos
simplesmente ir para a cabana. Cortar na raiz.
— Nós poderíamos — Brandon disse. — Se o assassino estiver lá,
podemos ao menos tentar negociar com ele. Ou com a Escuridão.
— Ela costuma ouvir? — Ashley perguntou.
Brandon e Alejo riram em uníssono.
Uma estranha sensação pungente rastejou pelo pescoço de Ashley. Ela
olhou pela janela e, do lado de fora da delegacia, ela viu uma figura sombria
cintilando na luz amarela. Ela apertou os olhos, esperando que tomasse forma.
O aroma tênue de combustível entrou através do ar condicionado.
— Tristan — Ashley sussurrou.
Alejo se virou para olhar do lado de fora da janela. Seus olhos
arregalaram, e ele olhou para Ashley.
— Então esse é o Tristan. Eu já o vi algumas vezes.
— Pensei que ele estava me trazendo até vocês — Ashley disse. — Mas
acho que ainda devo segui-lo.
Ela saiu do carro para a noite vazia. Atrás dela, a porta do passageiro se
abriu e Alejo saiu. Ele puxou um casaco da minivan e o jogou sobre sua
camiseta.
— Ele já te fez segui-lo antes?
— Ele não me fez fazer nada — Ashley disse. — Mas ele me guiou para o
corpo de Nick. E me guiou para cá.
— Interessante.
Brandon se inclinou pelo banco da frente.
— Precisamos ir para a cabana.
Ashley balançou a cabeça.
— Vão vocês. Eu tenho que seguir o Tristan.
— Ela não pode ir sozinha. Ela é uma criança — Alejo disse baixinho,
como se pensasse que Ashley não fosse ouvi-lo. Ele ficou de pé com as mãos
nos quadris, as sobrancelhas franzidas em frustração. Seu olhar traçou o
contorno de Tristan, os lábios trêmulos. — Eu vou com ela. Você vai para a
cabana. Encontre Logan.
Brandon balançou a cabeça.
— Não, eu não posso...
— Ela precisa de você.
— Ela não precisa de mim. — Os olhos de Brandon estavam arregalados,
ampliados por seus óculos. Seus nós dos dedos no volante estavam brancos.
Ashley olhou entre eles. Não importava quem viria com ela e quem iria
para a cabana; eles precisavam ir. Essa noite seria a noite em que tudo isso
terminaria. Tristan já estava deslizando para fora do estacionamento,
desvanecendo-se rapidamente na noite. Ele se virou para olhar por cima do
ombro, mas Ashley não conseguia ver seus olhos. Eles estavam ficando sem
tempo.
— Estou indo — Ashley disse.
— Espere — Alejo retrucou. Ele fechou os olhos e passou uma mão sobre
o punho cerrado de Brandon. — Você é o único que conhece a Escuridão.
Você pode pará-la. Você consegue.
Brandon o encarou.
— Está mais forte do que jamais foi comigo. Não sei o que ela vai fazer.
— Ele limpou a garganta. Nuvens negras passavam pela lua acima deles,
espalhando luz prateada sobre a estrada. No escuro, Ashley ouviu a respiração
de Brandon, lenta e metódica e cansada. — Se estiver forte demais... Não sei
quem voltará.
— Você vai. — Alejo riu trêmulo. Ele manteve a expressão tranquila para
o bem de Brandon, mas Ashley viu a forma como seu punho tremia contra a
porta do passageiro. — Porque não vou calcular impostos com aquela coisa de
novo.
— Um destino pior que a morte.
Isso não era uma despedida normal. Ashley entendeu, de repente, que eles
esperavam esse dia. Eles sabiam que acabariam chegando a esse momento.
Sabiam que Brandon teria que enfrentar a Escuridão sozinho. Depois de tudo,
eles sempre iriam ter esse adeus. Do tipo que poderia ser para sempre.
— Eu te amo — Alejo disse.
Brandon assentiu.
— Nós ficaremos bem, certo?
— Um dia — Alejo sussurrou.
Brandon sorriu.
— Vejo você quando tudo acabar.
Alejo entrou na minivan e pegou o rosto de Brandon em suas mãos. Ele o
beijou suave, demorado e pesaroso. Quando se afastou, ele segurou o rosto de
Brandon e olhou em seus olhos.
Com isso, Brandon fechou a porta, deu partida na van, e disparou pela
estrada em direção à floresta. Descendo a estrada, Tristan esperava. Ele
aguardou, pairando ao longo do pavimento, ali e ausente ao mesmo tempo. À
noite, ele parecia mais fumaça do que humano, mas ela conhecia a sua forma,
não importava o quão ausente ele estivesse. O vento uivava através do vale,
assobiando da água como um grito. Havia morte no ar. A noite estava inchada
com ela.
Alejo enrolou, os olhos fixos nos faróis de Brandon até desaparecerem ao
redor da curva da rodovia.
— Bem, então, vamos seguir seu fantasma.
Eles subiram na Land Rover e dirigiram para dentro de Snakebite. O
fantasma de Tristan era difícil de perceber no escuro, mas entre os dois, eles o
seguiam de rua em rua. Ele parou em frente a uma casa verde e achatada atrás
do Chokecherry, girando como tinha feito no Cemitério dos Pioneiros.
Ashley reconhecia a casa.
Alejo balançou a cabeça.
— Essa é a casa de Frank Paris, certo? Por que ele nos levaria até aqui?
— Eu não sei.
Ashley tirou o cinto e saiu. Ela e Alejo seguiram Tristan até a porta da
frente, hesitando na varanda. Dentro, Ashley ouvia o som abafado da TV e
vozes murmuradas falando em paralelo. Ashley encontrou os olhos de Alejo, e
então bateu cautelosamente.
A porta se abriu e Ashley se viu cara a cara com John Paris. O mesmo
John Paris que havia tentado afogar Logan. A raiva ferveu nela, mas ela a
reprimiu. Tristan se deslocou para trás de John, fazendo seu caminho para
dentro da casa.
— Ashley — John disse. — E...?
Alejo sorriu com uma facilidade surpreendente e deu a John um aceno
cortês.
— Alejo Ortiz. Nós não nos conhecemos. Você é o filho de Frank?
John estreitou os olhos.
— O que você está fazendo aqui?
— Posso entrar? — Ashley perguntou.
John olhou por cima do ombro, então abriu a porta e os chamou para
dentro. Ela assentiu para Alejo, prometendo que ficaria bem por conta própria,
depois entrou na sala de estar dos Paris. Um filme de ação passava na TV. No
sofá, Fran estava enrolada debaixo de um cobertor, mexendo ociosamente no
telefone. Ela olhou para cima e viu Ashley, e sua expressão ficou azeda.
— Ash? — Fran perguntou. — O que você está...?
— Eu só preciso de um segundo — Ashley disse. Tristan se demorou na
porta da sala de estar. — Ahn, o que há por ali?
— Do que isso se trata? — John perguntou.
O pânico borbulhou no peito de Ashley. Tristan continuou a girar perto
da porta.
— Eu só preciso entrar ali. Prometo que depois disso vou embora.
— Não.
— John, por favor — Ashley tentou.
— Não. Você não deveria estar com a sua namorada? — John perguntou.
Ele tentou atingir um tom de escárnio confiante. — Vou precisar que você saia
da minha casa.
Ashley se virou para Fran, porque não era com John Paris que ela iria
apelar. Fran voltou a olhar para o telefone, mas ela estava escutando.
— Eu estaria se você não tivesse tentado matá-la.
Na palavra matá-la, Fran olhou para John.
— Do que ela está falando?
— Ela está bem — John ridicularizou. — Ash está exagerando.
— Eu não estou exagerando — Ashley retrucou. — Você segurou a
cabeça dela debaixo d'água por quinze minutos. Você tem sorte de ela estar
viva.
— Isso é verdade? — Fran perguntou novamente. Os olhos dela
arregalados, a expressão como a de um animal assustado. John olhou para Fran,
mas não disse nada, e ela sabia. A boca dela tremeu, mas ela não falou nada.
Ela olhou para Ashley e suas palavras não ditas eram claras.
Sinto muito.
John desligou a TV.
— Saia da minha casa, Ash.
Tristan olhou para Ashley, depois para John, depois para a porta. Algo
estava do outro lado, e o que quer que fosse, ele precisava que ela visse. Era o
que ele sempre quis. Ela estava a poucos passos de entender por que ele a
assombrava há meses, e John Paris não iria tirar isso dela.
— Eu não posso — ela disse. — É o Tristan, ele...
— Você está falando sério? — John explodiu. — Achei que Fran estava
exagerando sobre você e essa coisa do fantasma. Estou tão feliz por Tristan não
estar aqui para ver essa merda. Você está fora de si pra caralho.
Tristan havia se movido da porta agora. Ele pairou ao lado de John, e
Ashley viu os dois como costumavam ser. O ódio de John era mais profundo
que a raiva; era dor. Ele não era o único que não tinha conseguido dizer adeus.
Ela olhou para Tristan, mas ele não tinha respostas. Sua postura estava
desleixada. De luto. Ele estava triste por John — triste pelo que seu amigo
havia se tornado.
— Não posso explicar, mas Tristan está tentando me mostrar algo. —
Ashley respirou fundo. — Se você me deixar segui-lo, prometo que te deixarei
em paz. Se eu estiver errada, não machuca ninguém.
— Não quero que você nos deixe em paz, Ash — John disse. — Eu quero
que você volte ao normal.
Tristan voltou para a porta e desapareceu por ela. Ashley não podia mais
esperar que John colaborasse. Ela tinha que se movimentar. Ela correu para a
porta, mas John foi mais rápido. Ele pulou em cima dela, com o punho
fechado apontado para seu rosto. Ashley vacilou, se preparou para o impacto,
mas não houve nenhum. Um forte tum soou na frente dela. Ela abriu os olhos
bem quando Alejo abriu a porta da frente. Entre eles, John Paris desmoronou
para o chão da sala de estar, inconsciente.
Ashley piscou.
Fran estava de pé atrás dele, apertando os dedos em volta de um pesado
suporte de madeira. Ela o deixou cair e bateu as mãos sobre sua boca.
— Ai, meu Deus. Ai, meu Deus.
— Fran... — Ashley se perdeu. — Eu...
— Só vai — Fran disse. Sua voz tremeu. — Vou ficar aqui.
Ashley assentiu. Ela e Alejo abriram a porta para uma escadaria com
carpete. Eles entraram no porão e Alejo tirou um ermoGeist de seu bolso de
trás, segurando-o na frente dele. Ele se iluminou de vermelho vivo, como havia
feito no cemitério, e seus lábios se enrolaram em uma careta.
Tristan pairou no meio da escada e se virou para encarar a parede
distante. Ele era menos, de repente — apenas um sussurro do Tristan que havia
estado com eles lá em cima. Ashley apertou os olhos para vê-lo corretamente.
Ela achou que ele parecia ter medo.
— Foi aqui — ela sussurrou. — Foi aqui que você…
— Morreu — Alejo sussurrou. Ele colocou uma mão no peito. — Não
sou um médium perfeito, mas isso… eu sinto aqui.
— Eu também — Ashley disse, apesar de não ter certeza do que sentia.
Era profundo, escuro e frio. Assentava-se em seu peito como mofo e tornava
difícil respirar. Ela tentou ver o rosto de Tristan, mas ele era mais sombra do
que humano. Ela não tinha certeza se o medo era dela ou dele. Ela sentia o
ardor na língua. Tristan tremeu, fraco demais para segurar seu próprio medo.
Vazava dele para Ashley. Nesse porão, só havia morte.
— Tristan — Alejo disse. Ele esfregou o queixo, como se estivesse
esperando que as palavras certas aparecessem. — Eu… Obrigado por nos trazer
aqui. Eu sei que você está com medo. Mas você é bem corajoso, também.
Tristan se virou para encará-los. Era difícil dizer se ele pretendia bloqueá-
los para não entrarem mais no porão ou se queria que continuassem sem ele.
Seu olhar se moveu de Ashley para Alejo, e ela desejou que os dois pudessem
ter se conhecido quando Tristan estava vivo. Ela desejou que Brandon e Alejo
pudessem tê-lo salvo antes que ele desaparecesse. Ela desejou que eles não
estivessem sempre trabalhando ao contrário, tentando entender o que já foi
feito.
Finalmente, Tristan desceu o resto do caminho pelas escadas e parou.
Ashley seguiu, e o porão se abriu em torno dela. Era um porão como qualquer
outro. Uma TV estava montada na parede, diante de uma poltrona xadrez e
uma mesa de café simples. Uma lavadora e uma secadora estavam encostadas
contra a escadaria. Na parede distante, a família Paris tinha uma bancada de
ferramentas e uma tábua de passar. Tudo era normal, exceto o pavor nauseante
que subia pela garganta de Ashley.
Alejo estava certo. A morte permeava o ar aqui, espesso o suficiente para
sentir o gosto.
— Sinto muito — Alejo disse a ela. — Você não deveria ter que...
— O que está acontecendo aqui embaixo?
Ashley girou para encarar a escadaria. Xerife Paris estava no topo das
escadas. Ele desceu, e Ashley entendeu imediatamente por que Tristan a havia
trazido até aqui.
Porque agora, eles estavam olhando para o homem que o havia matado.
O fantasma de Tristan se virou para olhar a escadaria novamente. Em um
instante, ele foi reduzido a nada além de um esboço. Ele se dobrou e desabou
no chão. Em todas as visitas, Ashley nunca havia ouvido Tristan fazer um som.
Mas quando Paris chegou ao fim da escada, Tristan gritou.
37

E então você encontra seu caminho

— Não. — Alejo se afastou das escadas em direção à bancada de


ferramentas. — Não é você. Não pode... isso não faz sentido.
Ashley mal conseguia ouvir com o som dos gritos de Tristan. Ela
observou o rosto de Paris; era o mesmo homem que havia ajudado nos meses
de buscas, que havia chorado no velório de Tristan, que havia tratado Tristan
como um segundo filho. Sua expressão estava vazia agora, distante e indiferente
ao choque de Alejo. Entre seus cabelos curtos loiros e sua pele beijada pelo sol,
ele era a personificação de Snakebite. Não podia ser ele.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Tenho quase certeza que você deveria estar em uma cela.
— Nós éramos vizinhos no Bates — Alejo murmurou. Na luz severa do
porão, seu rosto estava quase cinza. — Nós saíamos todos os dias. Você foi a
primeira pessoa para quem contei... Eu sei que você não fez isso. Eu sei que
você não machucou aquelas crianças.
O Xerife Paris não disse nada.
Ashley ia vomitar.
— Nós nos falamos desde... Eu saberia.
Os gritos de Tristan pararam. O ermoGeist ficou em branco. Por hora,
Tristan se foi, deixando Ashley e Alejo sozinhos para enfrentar o diabo. Talvez
isso fosse tudo o que ele queria que eles encontrassem — a verdade. Mas agora
que eles encontraram, Ashley não tinha certeza do que fazer. Não havia
ninguém para contar. Não era como se Paris fosse deixá-los sair desse porão
sabendo o que eles sabiam.
A postura de Paris relaxou.
— Você não sabia? Eu tinha certeza que sim. Quanto tempo você viveu
com ela? Treze anos? Talvez você não a conhecesse tão bem quanto pensava.
Alejo colocou uma mão sobre sua boca.
— Eles eram jovens, Frank. Eram amigos do seu filho.
— Falando em John — Paris disse —, qual de vocês o nocauteou?
Ashley encontrou os olhos de Alejo. Então Fran tinha deixado a casa. Eles
estavam realmente sozinhos aqui embaixo. Ashley só podia esperar que Fran
estivesse buscando ajuda.
— Não importa de verdade. — Paris olhou para a bancada de
ferramentas. — Vocês sabem que não posso deixar nenhum de vocês sair
daqui.
— Não é tarde demais — Alejo disse. — A Escuridão é forte, mas você
pode suprimi-la. Brandon o fez.
— Não é tarde demais para quê? Eu matei pessoas, Alejo. — Paris limpou
a garganta. — Além disso, a coisa se foi. Agora sou só eu. Isso é quem eu
sempre deveria ser.
Alejo balançou a cabeça, os olhos arregalados.
— Se não está com você, onde está?
— Deve estar com sua filha agora, na verdade. Disse algo sobre completar
um ciclo. Não entendi o que isso significava. Ela tinha um verdadeiro rancor
contra sua família, por alguma razão. Eu tentei ficar de fora.
O expirar de Alejo foi afiado. Seus punhos se cerraram, mas sua expressão
não era de raiva. Era uma coisa triste, bem à beira do pesar. Ele havia perdido
sua filha uma vez, e agora poderia perdê-la novamente e não havia nada que ele
pudesse fazer. Também pesava sobre Ashley. Se ela e Logan tivessem
simplesmente deixado Snakebite, nada disso teria acontecido. Logan teria
ficado segura.
— Você nos ajudou a procurar por Tristan — Ashley disse. — Por quê?
Paris franziu o cenho, e pareceu uma faca no estômago de Ashley.
— É o meu trabalho.
Alejo lentamente tentou pegar o telefone em seu bolso de trás.
— Você vai nos matar? Não vai sobrar ninguém em Snakebite quando
você terminar. Você acha que as pessoas não vão achar isso suspeito?
— Pensei em, depois de vocês dois, pegar a estrada. — Paris descansou a
mão sobre a arma guardada em seu cinto. — John ainda não sabe, mas ele vai
entender.
John Paris era um certo tipo de monstro, mas Ashley duvidava que fosse
o tipo de monstro que entenderia isso. Tristan e Bug tinham sido amigos de
John. Até recentemente, John também tinha sido amigo de Ashley. Quando
soubesse que seu pai tinha matado todos eles — quando soubesse que seu pai
era a razão pela qual ele tinha ficado sem amigos —, isso o destruiria. Esse
homem estava muito além do Paris que ela conhecia, vivendo em um mundo
diferente.
Ele tirou a arma do cinto.
Alejo arfou.
O ermoGeist bateu contra o piso do porão, ecoando nas paredes com
um baque surdo. A luz vermelha ao longo da parte superior do dispositivo
estalou para um azul alarmante, depois voltou para o vermelho enquanto
espirais de fumaça preta se enrolavam através da estrutura de plástico. Alejo
cuidadosamente apertou a palma da mão, pressionando seu polegar contra uma
faixa de pele queimada sob os dedos.
— O que...? — Ashley começou.
De repente, o ar ficou pesado como se uma camada de som tivesse
desaparecido, abrindo um abismo interminável de silêncio. Seus ouvidos
ressoavam com o silêncio. Alejo também sentiu — ele tropeçou para trás,
agarrando-se à grade ao longo das escadas do porão para se equilibrar. O
ermoGeist no chão continuou a soltar fumaça, chocalhando e estalando com
faíscas. Ela sentiu o cheiro de Tristan, como sempre sentia no início. Gasolina,
grama fresca cortada e o aroma silencioso e indistinto da luz do sol. Havia mais
uma coisa que ele tinha que fazer antes de partir. Ele estava esperando.
O Xerife Paris massageou o lugar onde sua mandíbula encontrava sua
garganta. Sua testa se franziu em fúria silenciosa.
— O que é isso?
Ashley sentiu o gosto da eletricidade em sua língua. A sala estava
carregada de gritos de luto. A raiva de Tristan a encheu até ela não conseguir
respirar, até não conseguir ver através de seus próprios olhos, até ela não
conseguir lembrar seu próprio nome. Ela sentiu mãos ao redor de sua garganta,
largas e calejadas como couro. Ela viu os olhos azuis-escuros de Paris encarando
os dela, sentiu neve sob o contorno de sua coluna, se sentiu tonta com a
constatação de que iria morrer.
Na noite em que ele morreu, Tristan estava tão só.
Essa foi a última coisa que ele sentiu.
Dedos se fecharam gentilmente ao redor do pulso de Ashley. Alejo se
inclinou para frente até seus olhos estarem ao nível dela, e seu sorriso estava
amargo e caloroso ao mesmo tempo.
— Volte. Essas lembranças são dele — ele disse. — Não o siga.
Ashley engoliu em seco.
Mesmo que Paris não tivesse visto o que ela viu, ele sentiu o que ela
sentiu. Os olhos dele vasculharam desenfreadamente os cantos do porão como
se pudesse ver Tristan nas sombras; como se vê-lo fosse pará-lo. Ashley se
perguntava se ele sequer entendia que era Tristan. Ele encostou contra a parede
do porão, as palmas das mãos pressionadas ao concreto, mas era tarde demais.
Tristan apareceu no espaço entre Ashley e Alejo e, por apenas um
momento, era ele mesmo. Entre eles, ombros largos o suficiente para preencher
a lacuna, ele era muito mais do que uma memória. Era como se ele tivesse sido
arrancado daquele último momento no quarto de Ashley, vivo e bem. Era
como se, com Ashley e Alejo aqui, o vendo, ele fosse forte o suficiente para
finalmente se tornar real. Ele tinha o cabelo cor de mel e olhos azuis brilhantes
e covinhas nos cantos da boca.
O peito de Ashley doía porque era como se nada disso nunca tivesse
acontecido. Por um momento, Tristan estava ao seu lado e voltou no tempo.
Sua expressão ficou séria. Ele atravessou a sala em um piscar de olhos, e
então não era mais Tristan. Era um borrão branco, deslocando-se através do
espaço vazio como um pequeno furacão. Ele andou em torno do Xerife Paris e,
logo após o borrão, Ashley viu os olhos de Paris.
Medo.
Ele sabia que era assim que morreria.
A estática no ar disparou, e Ashley caiu de joelhos com as palmas das
mãos sobre as orelhas. Em algum lugar na estática, houve um grito, baixo,
gutural e mortal.
Um corpo bateu contra o chão.
A carga no ar morreu.
Havia apenas silêncio.
— Jesus — Alejo sussurrou.
Ashley abriu os olhos e viu. O corpo do Xerife Paris foi lançado contra a
parede do porão, com o pescoço torto, os braços estendidos ao seu lado. Ele
não olhava para nada e seus olhos estavam arregalados de medo. Ela não
precisava verificar o pulso de Paris para saber que estava morto. Nas últimas
semanas, ela tinha visto mais do que sua cota de cadáveres.
Tristan ressurgiu. Seus ombros caíram enquanto se materializava no ar
gelado do porão. Ele se instalou no meio do chão como uma corrente de ar
fria, e parecia cansado.
O bolso traseiro de Alejo zumbiu, quebrando o silêncio. Tremendo, ele
puxou seu telefone e Ashley reconheceu o Scripto8G colado na parte de trás da
capa. Ele tocou a tela, e então seus olhos arregalaram. Cuidadosamente, ele
inclinou a tela do telefone em direção a Ashley.
— É para você.
Ela piscou os olhos. A tela do telefone estava completamente branca com
duas palavras em negrito: AINDA AQUI.
Tristan se ajoelhou na frente de Ashley. Ele pegou suas mãos trêmulas nas
dele e seus olhos ainda eram os seus. Sob a carne cinzenta e deformada, eles
estavam azuis brilhantes e cheios de lágrimas. Sua pele parecia uma brisa fresca
contra seus dedos, mas era o suficiente. Ele ainda estava aqui, ainda com ela,
ainda ao seu lado por um pouco mais de tempo. Seus lábios estremeceram e
sua respiração estava irregular. Mesmo agora, ela estava com medo.
Ashley fechou seus olhos.
— Você tem que ir agora?
Tristan olhou através do porão e sua expressão se contorceu de dor. Ele
soltou as mãos dela e se desviou para a parede distante, permanecendo ao lado
de um espaço fechado com tábuas rebaixadas.
— Qual o problema?
Alejo colocou uma mão no ombro de Ashley.
— Algo está mantendo ele aqui.
O cheiro de mofo queimava em suas narinas. Tristan continuou a pairar
perto do espaço rebaixado. Quando ela apertou os olhos, Ashley viu que ele
estava tremendo. Entre as tábuas desajustadas, ela viu a escuridão profunda no
interior e seu estômago revirou. Ela fechou os olhos.
— O, ahn, o espaço rebaixado. — Ashley apontou para as tábuas. Ela se
sentia entorpecida, com a cabeça girando. A escuridão rastejou para os cantos
de sua visão. — Acho que ele quer que a gente abra?
Alejo assentiu. Ele passou a mão pelo rosto.
— Não deveria ser você. Eu... eu faço. Eu vou...
Ele pressionou a palma da mão na testa e inspirou um fôlego afiado.
Além do cheiro de poeira e decadência, havia algo pungente e doce permeando
o ar. Alejo se moveu para o espaço rebaixado e Tristan ficou ao seu lado. Ele
olhou para Ashley como se para ter certeza que ela estava observando. Alejo
agarrou um pé-de-cabra da bancada de ferramentas. Sua respiração estava fraca,
as mãos se agitando ao seu lado.
— Você quer que a gente abra? — Alejo perguntou a Tristan.
O telefone de Alejo vibrou nas mãos de Ashley. O Scripto8G só dizia
SIM. Ashley olhou para Alejo e assentiu.
— Certo. — Alejo fez uma careta. — Você pode por favor chamar a
polícia estadual?
Ashley discou para a Polícia Estadual de Oregon enquanto Alejo
arrancava a primeira tábua do espaço rebaixado. A escuridão se abriu atrás da
madeira, estendendo-se vários metros para trás da parede. Alejo pressionou o
pé na parede e arrancou a segunda tábua. Ela caiu, e o conteúdo do espaço
estava visível. Uma pequena faixa de terra, partículas de poeira e detritos
rodopiando na escuridão. Ela achava ver algo saindo da superfície dura de
terra, redondo e emborrachado, como a ponta de um tênis.
Alejo cobriu o nariz e a boca com o colarinho de sua camisa e abafou
uma tosse.
— Ah, meu Deus. Ashley, não olhe.
Ela não precisava olhar para entender o que estava no local. Tristan
encarou o corpo, sumindo e aparecendo na luz. Ele o encarou, e tudo nele se
dobrou para dentro, encolhendo como papel abastecendo uma fogueira. Havia
uma parte de Ashley, pequena e quieta, que ainda esperava que ele estivesse
vivo. Que ainda esperava que Tristan fosse a exceção.
Ele não era a exceção, no entanto. Ele foi a primeira vítima.
Ashley mal podia ver Tristan agora através de suas lágrimas ardentes, mas
ela sentiu-o se aproximando. Ela sentiu-o puxando-a para perto. Não era como
costumava ser — ele mal estava aqui agora —, mas era alguma coisa. Quando
ela fechou os olhos, quase pôde sentir o batimento trêmulo do coração dele.
Ashley envolveu seus braços ao redor de Tristan e pressionou sua testa no
ombro dele.
— Obrigada — ela respirou. — Eu sinto muito.
O abraço de Tristan se apertou. Ela tinha certeza que sim. Por apenas um
momento, tudo estava caloroso. Cheirava a gasolina e grama cortada e a
dezoito anos de memórias. O mundo que Tristan havia criado para eles a
dominou e eles estavam deitados na caminhonete, rindo, sussurrando e
encarando as estrelas. O céu inteiro estava aberto sobre eles e eles estavam em
casa. Ashley respirou uma última vez, e então desvaneceu.
Ela não precisava abrir os olhos para saber que ele se fora.
Tristan Granger estava morto, e ele partiu
Interlúdio

No início, a Escuridão é apenas um pensamento.


É impossível dizer quando ela começa. É apenas uma mancha no início,
apenas um ponto de tinta no solo, apenas uma ideia. Não é uma única coisa
que cria a Escuridão. Se as colinas douradas e os céus brilhantes de Snakebite
são esperança, a Escuridão é o oposto. É a esperança virada ao avesso. É a raiva
reprimida, despeito como alcatrão, o resíduo que fica sobre a água do lago
como uma película. Quando um homem mata seu irmão aqui, a Escuridão se
torna mais forte. Quando uma enchente leva túmulos no Cemitério dos
Pioneiros, a Escuridão se aninha neles e faz um lar. Quando, por um
momento, todo o ódio da cidade está concentrado em um ponto — um
homem de luto por uma filha perdida —, a Escuridão encontra uma fuga. Ela
existe em Snakebite há tanto tempo quanto a memória, mas no homem ela vê
novos horizontes.
São as sombras, os ramos que se deslocam, as profundezas do lago. Ela
existe aqui desde que o ódio turvou os corações de Snakebite como fumaça
negra.
É impossível dizer quando começa a Escuridão.
Mas é aqui que ela termina.
A garota é quase inteiramente Escuridão agora. É fácil mudá-la. Por baixo
de camadas de cinismo, ela só deseja o lar. A felicidade. Alguém que a ame. A
Escuridão apaga a luz que há nela: um pai com olhos escuros cheios de risos,
uma garota com cabelos brilhantes e lábios macios, lembranças de água clara,
céus luminosos e uma estrada sem fim. Ela se lembra da melodia agridoce de
um piano que agora está apodrecido.
A Escuridão está mais forte do que nunca, e ela esperava por isso. A
garota é a faca afiada destinada a matar. De certa forma, ela sempre seria o fim.
Ela é a coisa se desfazendo.
Pegue a arma, a Escuridão respira para dentro dela.
Ela obedece porque é a única coisa que pode fazer. Ela quer apenas o que
a Escuridão quer agora. Não há mais convencimento. Não há mais
humilhação, suplicar para que homens idiotas a escutem. Os olhos da garota
estão fechados, o coração batendo irregularmente contra suas costelas. Em
algum lugar lá dentro, ela luta contra isso, mas não consegue se libertar. Ela
treme sob o peso das coisas que a Escuridão lhe mostrou. Os anos que ela
esqueceu. Suas memórias tremem nas sombras como manchas de poeira e
cinzas. Ela se lembra como foi morrer uma vez, ser enterrada, e ela entende o
mundo de seus pesadelos.
— Logan?
É o menino no chão. Sua voz está fraca, e a Escuridão tem a intenção de
fazer a garota matá-lo. A Escuridão se envolve ao redor do pescoço da garota.
Bata nele com força. Ele vai dormir até terminarmos. Será melhor para ele.
A garota cerra a mandíbula, mas faz o que lhe é dito. Ela avança e atinge
o menino com força no rosto com o cabo da arma. O menino cai de costas
contra a parede e desaba de lado, os óculos batendo nas tábuas do chão. Ela se
arrepende disso — é uma emoção que tem gosto de podridão e tristeza —, mas
não o ajuda. Ela não pode.
Ele estará aqui em breve, a Escuridão lembra a garota. Eu posso ouvi-lo
entre as árvores.
O batimento cardíaco do homem que se aproxima está rápido agora. Está
irregular com o medo. Ele é um animal com medo de um predador, mas ainda
corre em direção a ele.
Como se programado, o homem irrompe pela porta da cabana e a
Escuridão estremece. Ela imaginou esse momento durante todos esses meses. O
homem é o hospedeiro original. Foi ele quem tirou a Escuridão do éter, que lhe
deu uma forma. Ele é o único que pode desfazer a Escuridão, e a Escuridão não
será desfeita.
Diga olá ao seu pai.
— Logan — o homem arfa, quase desabando de alívio. Ele dá um passo
em sua direção, mas sente que ela está errada. Ele hesita e seus olhos pousam
sobre a arma na mão dela. Seu rosto perde a cor.
A garota inspira afiadamente.
— Olá.
O homem congela. Ele olha para ela, e a reconhece. Ele não a reconheceu
no xerife, mas a reconhece nela. Ele vê as sombras com as quais está tão
familiarizado nos olhos dela. Ele já viu essas sombras no espelho mil vezes.
Agrada a Escuridão que o homem se lembre tão bem. Por mais que o homem
tenha tentado cortá-la, a presença da Escuridão ainda permanece nele.
— Logan, o que aconteceu? — o homem pergunta. — Ela...?
Diga a ele o que vai acontecer agora, a Escuridão sibila no ouvido da
garota. Diga a ele o que ele vai pagar.
A garota se endireita. O aperto dela na arma endurece, escorregadio de
suor.
— Você vai terminar o que começou — ela se engasga. — Você sabia que
não ia durar. Nós dois não íamos conseguir.
Quase rápido demais, isso quebra o homem. É muito mais fácil do que a
Escuridão achou. Atrás de lentes grossas, seus olhos se fecham para não se
turvarem de lágrimas. O sol do homem nasce e se põe na garota. A Escuridão
se lembra que a menina enrolando seus pequenos dedos ao redor do polegar do
homem foi a primeira vez que ele se sentiu verdadeiramente vivo. É justo que
ela acabe com ele. É justo que seja a garota que a Escuridão trouxe de volta
para ele que tire sua vida.
Uma vida por uma vida, a Escuridão sussurra para ela.
— Logan — o homem diz —, sei que é muito forte. E não parece que
você possa lutar. Mas apenas... pense em quem você é.
O cenho da garota se contrai em um pequeno ato de resistência. A
Escuridão se dobra em seus ossos. Raspa contra o crânio dela, enchendo sua
cabeça para que não haja espaço para mais nada. Ela encontra a parte pequena
e trêmula dela que precisa; encontra a parte dela que odeia o homem que está à
sua frente. Encontra lembranças de aniversários esquecidos, de noites passadas
vendo seu rosto na TV, de jantares sozinha. Encontra o túnel em Tulsa, a
maneira odiosa como seu pai a olhou, o medo que a encheu. Encontra a batida
solitária e trêmula de seu coração e se apodera dela.
Ele não te ama, a Escuridão a lembra. Ele não te salvou. Eu salvei.
A garota levanta a arma. A mão dela treme.
— Ei, ei — o homem diz, as mãos levantadas em defesa. — Logan, me
escute. Parece soar mais alto que qualquer outra coisa. Mas você pode ignorá-
la. Se você apenas...
Atire nele.
A garota atira.
Ela hesita no último momento, se inclinando para a esquerda para evitar
o peito do homem. A bala perfura seu ombro e ele cai de joelhos. Ele geme de
dor e isso soa como música para a Escuridão. É tão melhor que a música do
piano. O sangue se acumula na mão do homem, e ele morde os lábios para não
gritar.
— Como você está aqui? — o homem exige. Sua gentileza se dissipa e ele
é apenas uma agonia frenética, com a voz cheia de dor. — Por que você não
morreu? Foram anos.
O homem ainda não entendeu. Ele não entende como a Escuridão se
formou em primeiro lugar. Ele não entende porque foi o escolhido para ser o
primeiro hospedeiro da Escuridão. Ele não entende o que a sustenta agora.
A menina entende, porque sente o lugar onde a Escuridão a segura. Ela
prende seu aperto em um pedaço do seu coração desfigurado e deformado que
deveria conter seu pai ausente. Ela sempre soube que essa parte dela é sombria
e apodrecida. Ela entende o que alimenta a Escuridão de uma forma que o
homem nunca pôde.
Diga a ele o motivo, a Escuridão sussurra.
— Ela te escolheu porque você odiava tanto Snakebite. Quando você não
odiou mais Snakebite, ela teve que encontrar outra coisa.... Ela permaneceu
viva porque...
O homem se lembra agora. Ele se lembra dos quartos silenciosos de motel
e dos longos e vazios trechos da rodovia. Ele se lembra da voz de seu marido,
sufocada com a estática através do telefone. Ele se lembra de fechar os olhos
tentando se lembrar dos detalhes do rosto de sua filha. Ele se lembra da
exaustão que lhe doía os ossos enquanto se forçava a continuar, andando sobre
água para se manter vivo. Ele entende a Escuridão da mesma forma que uma
pedra entende uma represa liberada sobre ela.
O homem olha para suas mãos.
— ...porque eu me odiava.
Mais uma vez, a Escuridão comanda. Mate-o.
A garota aperta o cabo da arma. Em vez das memórias solitárias que a
Escuridão a alimenta, ela se lembra de um momento passado com o homem:
uma volta tranquila de carro até a cidade, uma festa de aniversário onde seus
pais se vestiram de Caça-Fantasmas, uma visita a um parque de diversões cheia
de sorrisos e risos. As lembranças são antigas, enterradas sob mágoas e
saudades, mas ela se agarra a elas como o sol se envolve em cadáveres em
decomposição, do que sua vida poderia ter sido. Ela vive nas lembranças,
pressionando contra a Escuridão. O vento assobia através das tábuas soltas da
cabana e arrepia a carne da garota. Ela treme. Gotas de suor se acumulam em
sua testa, mas ela não se dobra.
O homem olha para ela e sorri.
— Eu fiz tudo errado. Eu entendo.
— Não, você não entende — a garota diz com os dentes cerrados.
— Provavelmente é tarde demais, mas posso te contar algumas coisas
sobre nós? — o homem pergunta. — Não de quando estávamos em L.A. ou na
estrada. Antes disso, quando morávamos aqui. Você se lembra disso? Cinco
anos só de você, eu e seu pai.
A cabeça da menina gira. Mesmo com tudo que a Escuridão lhe mostrou,
ela não se lembra desse lugar. Mas a Escuridão se lembra. Se lembra de puxar
os ossos da garota da terra e de juntá-la — medula em músculo, pele por pele,
sangue correndo através de suas veias. Se lembra de colocá-la nos braços do
homem no lugar em que ela agora está sozinha.
Dói para ela o fato de não se lembrar disso. Ela quer arranhar sua mente
até que lhe devolva suas lembranças.
— Nós éramos tão felizes quando morávamos aqui. Eu queria que fosse
assim para sempre, só nós três. Eu e seu pai estávamos apaixonados, mas no dia
em que vi você, tudo se encaixou. — O homem ainda está sorrindo com
lágrimas nos olhos, e a visão confunde a menina. Ela nunca ouviu o homem
falar de amor e felicidade. Nunca o viu chorar. Ela não entende o que essas
coisas significam.
Ele continua:
— Você ficou doente. Foi muito rápido. Não podíamos… Eu não
podia… viver sem você. — O homem tenta ficar de pé, mas seu braço não o
suporta. Ele range os dentes de dor e se impede que caia no chão. — Fui eu
quem deu poder a essa coisa. Eu a deixei se alimentar de mim por anos. E fui
tão estúpido, porque não sabia o que ela podia fazer. Eu não sabia se ela
começaria a envenenar outra cidade. Não sabia se ela me faria machucar
pessoas. Eu não sabia se ela me faria machucar você. Pensei que você estaria
mais segura sem mim.
Chega disso, a Escuridão sibila, mate-o e acabe com isso. As coisas que ele
diz agora não compensam a sua solidão. Ele não pode desfazer a dor.
A garota fecha os olhos e pressiona a palma da mão na testa. É um gesto
que o homem reconhece como dela, não da Escuridão. Ele sorri, frágil, mas
esperançoso, porque pensa que pode trazê-la de volta. Ele pensa que pode
separar sua filha da Escuridão. Ele esquece que a Escuridão não captura, ela se
torna.
A Escuridão pressiona contra a orelha da menina, quente, quieta e calma.
Ele não pode apagar a maneira como você se machucou, mas eu posso. Só
quero tirar sua dor. Eu me torno mais forte quando você fica mais forte. Seja
forte agora.
— Logan — o homem diz novamente. Ele estremece, e seus dedos estão
escorregadios com seu próprio sangue. — Eu deixei essa coisa sair, mas não me
arrependo. Eu faria de novo. A deixaria me matar para te manter viva.
A Escuridão toma a garota pela garganta. Ela mal consegue respirar. O
coração dela treme nas garras da Escuridão. Lágrimas quentes enevoam seus
olhos enquanto ela olha para o rosto do homem. Ela o odeia, mas também o
ama. Ambas as emoções se acendem como um incêndio em seu intestino —
elas vêm do mesmo lugar. Para a garota, elas parecem o mesmo.
— Não, isso não é... isso não faz nenhum sentido. — Com lágrimas
fechando sua garganta, a garota pergunta: — Se foi tudo por mim, por que
você me deixou sozinha?
A expressão do homem se estilhaça. Ele tenta pegar a mão de sua filha e
ela levanta a arma novamente. É assim que o homem vai morrer. Depois de
seus anos de desaparecimentos, de evitar sua família, de se odiar por seus erros,
é assim que vai terminar. Ela se lembrará para sempre da maneira que ele soou
quando morreu — apenas carne contra madeira, e então nada.
— Eu sinto muito — o homem diz. Ele fecha os olhos e se prepara. — Se
você tem que fazer isso, eu...
Ele não consegue terminar sua frase.
Este é o fim.
— Eu nunca quis que você se afastasse — a garota resmunga. Ela nunca
disse a verdade; nunca disse as palavras em voz alta. Ela fecha os olhos e
lágrimas quentes correm por seu rosto. — Eu queria que você me amasse.
— Eu te amo sim. — O homem pega a mão da garota. A palma da mão
dele está molhada de suor e sangue. Ele treme de medo, mas a segura e
sussurra: — Eu te amo mais do que tudo. Eu te amo e lamento demais.
Ele não te ama, a Escuridão a rasga. Isso é o que você sempre quis. Você o
odiou desde o começo...
— Não.
A garota treme.
Mate-o.
A garota larga a arma e algo dentro dela entra em erupção. A cabana
explode em uma onda de choque de nada. O vidro quebrado se agita contra a
madeira apodrecida e o teto range, se deslocando ao seu redor. O homem
tomba para trás e bate contra a porta da frente da cabana.
A Escuridão luta para se segurar na mente da garota. Em um instante, o
lugar escurecido e apodrecido em que se aninhou desaparece. Ela é inundada
pela luz, e queima a Escuridão. Não há lugar para se esconder, não há lugar
para se segurar, não há lugar para sussurrar. Não há ódio aqui e a Escuridão é
deixada dispersa na luz implacável. A cabana é ao mesmo tempo uma ruína,
um lar e uma memória. O homem é ao mesmo tempo jovem e velho. A
Escuridão se desdobra, agitando-se ao redor como flocos de cinzas.
E então não é nada.
Ela se rasga da mente da garota, evaporando-se lentamente no ar livre. Os
olhos da garota se fecham e os joelhos dela se dobram. Sua visão fica escura
enquanto ela cai e cai.
38

Nadando em fumaça

Logan nunca atingiu o chão.


Os braços de Brandon — os braços de seu pai — estavam lá para pegá-la.
A cabana girou e girou e, por um momento, ela viu tudo. Não o passado tenso
e tênue que a Escuridão lhe mostrou; tudo. Cada memória que ela concentrou
em um momento. A luz dourada do sol entrando pela janela à beira do lago, os
tetos abobadados por enormes vigas de madeira, o ar que cheirava a fumaça de
lenha e cidra de maçã. Apenas fracamente, o piano tocou uma canção de ninar.
Era tudo o que havia perdido, voltando para ela como uma folha de poeira
caindo.
Brandon estava diferente. Ele sorriu para ela, mas era mais jovem que o
Brandon que conhecia. Seus olhos estavam vivos com uma alegria que ela
nunca tinha visto, brilhantes e dançantes como a água iluminada pelo sol. Ele
riu e seus olhos se encheram de lágrimas.
Eles estavam vivos.
— Eu sinto muito — Brandon sussurrou.
E então ele era Brandon novamente; o verdadeiro Brandon. Aquele que
estava vivo e morto, tanto aqui como longe. A cabana se endireitou em um
único momento. O resíduo da Escuridão desapareceu e eles foram deixados no
chão, cercados por madeira podre e silêncio. Em algum lugar distante, a água
do lago batia na costa. Em algum lugar mais distante, o resto da Escuridão se
esgueirou para as sombras até que não restasse mais nada.
Tinha acabado.
Os olhos de Brandon estavam meio obscurecidos por uma rachadura
profunda em seus óculos. O sangue manchava o topo de sua mandíbula, mas
ele estava sorrindo. Ele passou o braço bom em volta das costas de Logan e a
puxou contra seu peito. Os braços dela pendiam ao seu lado em descrença. Isso
tinha que ser um sonho. O peso dele caiu sobre ela com força repentina e
implacável. Ela não estava morta, não estava sonhando, ela estava viva e não
havia mais Escuridão nela, porque não havia Escuridão em lugar nenhum.
Antes que pudesse evitar, ela começou a chorar. Brandon a segurou,
cauteloso no início como se não tivesse certeza de que era permitido, e então
ele estava chorando também. Eles se abraçaram e se sacudiram e choraram
porque estavam vivos.
Ao lado deles, as tábuas do assoalho gemeram. Elexis se mexeu,
massageando o vergão roxo em sua testa. Sua expressão se contraiu.
— Eu... Onde estou?
Logan piscou. Ela se desvencilhou dos braços de Brandon e foi para o
lado de Elexis, desajeitadamente desamarrando a corda que o prendia ao
piano.
— Ah, meu Deus. Por favor, diga que você está bem.
Elexis tateou o chão da cabana em busca de seus óculos. Apesar do
hematoma em sua testa, ele parecia ileso. Logan arrancou seus óculos dos
escombros e fez uma careta. Uma lente estava faltando e a armação de arame
estava dobrada. Ela segurou os óculos entre eles e riu desconfortavelmente.
Elexis gemeu.
— Maravilha.
Logan o abraçou.
— Eu vou comprar para você, tipo, mil novos pares. Estou tão feliz que
esteja vivo.
— Uau — Elexis sussurrou. Ele olhou por cima do ombro de Logan. —
Senhor Woodley, você está bem?
Brandon embalou seu braço ferido e ofereceu um sorriso de dor. O
sangue manchou sua mão e encharcou seu jeans puído. Era pior do que Logan
tinha percebido; a culpa deu um nó em seu estômago como um punho
cerrado.
Ela tinha feito isso. Ela puxou o gatilho.
— Estou bem. — Brandon olhou para seu braço. — Mas... talvez
devêssemos sair daqui?
Logan acenou para Elexis. Lentamente, eles ergueram Brandon do chão
com o braço bom sobre os ombros de Logan. Brandon estremeceu com a
pressão, mas lentamente eles saíram mancando da cabana.
O céu estava salpicado com o amanhecer pálido e as árvores estavam
quietas, inclinando-se ao vento como se estivessem formando uma saída. A
respiração de Logan ardia em seu peito com o esforço de manter Brandon
ereto. Ao longe, as árvores piscavam em vermelho e azul. A saída de cascalho
estava repleta de policiais estaduais e, na frente do bando, Logan reconheceu
Ashley, Alejo e Gracia.
Levou toda a força que ela tinha para não começar a correr.
Logan e Elexis arrastaram Brandon pelo resto do caminho até o cascalho
antes de Alejo correr para encontrá-los. Ele pressionou uma mão nas costas de
Logan e usou a outra para segurar Brandon no lugar. Brandon caiu em seu
ombro, a respiração ofegante. Ele jogou a cabeça para trás contra o braço de
Alejo e riu no amanhecer.
— O que aconteceu? — perguntou Alejo. — Há paramédicos. Alguém
vai…
— Acabou. — Brandon encostou a testa no pescoço de Alejo. O sangue
de seu ombro pintou a jaqueta jeans de Alejo de vermelho. — Acabou.
Alejo não falou. Ele olhou fixamente, os nós dos dedos ficando brancos
enquanto seu aperto em Brandon aumentava. Ele olhou nos olhos de Logan,
silenciosamente implorando para que ela confirmasse.
Ela assentiu.
— Ah, meu Deus — Alejo suspirou. Ele respirou fundo e cobriu a boca
com a mão trêmula. Quando ele piscou, estava chorando também. O vento da
manhã estava frio e amargo, mas Alejo os puxou juntos em um abraço
apertado o suficiente para bloquear o frio. Ele tremeu até que suas lágrimas se
derreteram em risadas.
— Está tudo bem. Não levou ela — Brandon resmungou. — Finalmente
vamos ficar bem.
Logan olhou por cima do ombro de Alejo. Gracia tinha abraçado Elexis
com tanta força que ficou chocada por Elexis conseguir respirar. Gracia
salpicou seu rosto com beijos, murmurando algo inaudível em seu ouvido.
Ashley estava atrás deles, hesitante como se não tivesse certeza se merecia
comemorar. Seus olhos estavam vermelhos e inchados. Ela olhou para o
horizonte com um sorriso de alívio e dor ao mesmo tempo.
— Já volto — sussurrou Logan.
Ela foi até Ashley. Os paramédicos rapidamente cercaram Brandon,
trabalhando para tratar seu ombro. Foi uma cena surreal — pela primeira vez
desde que ela veio para Snakebite, era como se houvesse um mundo lá fora.
Havia pessoas além desta pequena cidade. Alguém no mundo real se importava
com o que acontecia aqui. Eles não estavam presos em uma gaiola. Eles não
tinham vindo aqui apenas para morrer.
— Ei — disse Logan. Ashley piscou para longe do horizonte e se
concentrou no rosto de Logan. Ela enxugou as lágrimas dos olhos e sorriu
cansada.
— Ei.
— Espero que sua noite tenha sido um pouco menos agitada que a
minha — Logan disse.
— Acho que não foi.
Logan gesticulou para a multidão de carros de polícia.
— Você chamou a cavalaria?
— Chamei. Na verdade, acho que Fran ligou para eles primeiro. —
Ashley olhou para o chão. — Eu, uh... Encontramos Tristan.
Os olhos de Logan se arregalaram. Ela sabia que não devia perguntar, mas
não podia evitar. Ainda havia um pedaço de esperança alojado em seu peito,
pequeno e trêmulo.
— Vivo?
Ashley deu-lhe uma carranca de lábios apertados. Lentamente, ela
balançou a cabeça. Seus lábios tremeram e as lágrimas que ela claramente estava
lutando contra, ressurgiram.
— Sinto muito — disse Logan. Ela se sentiu egoísta por um momento
por estar tão feliz por sua família ter sobrevivido a isso. Logan pegou a mão de
Ashley timidamente. — Eu sinto muito mesmo.
Ambas olharam para as colinas em silêncio. Mais cedo esta noite — ou
ontem, Logan considerou —, ela pensou que este lugar era uma prisão. E era,
em certo sentido. Mas sem a Escuridão, havia beleza. Havia esperança.
Ashley pegou o rosto de Logan em suas mãos. Ela puxou Logan para ela e
a beijou como se elas fossem as únicas pessoas no estacionamento. Como se
fossem as únicas pessoas no mundo. Logan segurou os ombros de Ashley e a
beijou de volta. Ela não sabia o que fariam a seguir — para onde iriam —, mas
Logan a beijou e a beijou.
Elas estavam vivas.
Por enquanto, isso era o suficiente.
39

Apenas fantasmas com saudades de casa

Era uma manhã tranquila em Snakebite.


Fazia duas semanas desde o porão de Paris. Duas semanas desde que
Snakebite soube que seu xerife havia matado três crianças. Duas semanas de
pessoas fazendo perguntas antes de perceberem prontamente que não queriam
as respostas. Duas semanas desde que Ashley tinha visto Tristan pela última
vez. Seu funeral foi uma coisa tranquila e difícil. Mas foi um alívio. O inverno
chegaria novamente e Tristan ainda estaria longe, mas pelo menos ele não
estava perdido.
Pelo menos ele estava em casa.
Ashley não tinha certeza se poderia chamar Snakebite de lar novamente.
O vento soprava rápido sobre o Snakebite Memorial e Ashley ainda sentia
o gosto da Escuridão em sua língua como ferro. Ela se sentou na cama do Ford,
joelhos dobrados contra o peito, e deixou a brisa rolar sobre seu corpo. Parecia
que ela esteve aqui mil vezes desde que tudo começou. Ela já havia dito mil
adeus.
Do alto da colina, podia ver todos eles: Nicholas Porter, Beatrice
Gunderson, Tristan Granger. Os olhos de Ashley traçaram as letras gravadas na
lápide de Tristan. Seu túmulo estava quase completamente coberto com
buquês de flores. A primeira vítima e a última encontrada.

TRISTAN ARTHUR GRANGER


2001–2020
“DORMI AGORA, E REPOUSAI.” — MATEUS 26:45
No estacionamento ao lado dela, a porta de um carro se fechou. Ashley
não olhou para ver quem era — provavelmente outra pessoa para colocar flores
para as vítimas. As notícias se espalharam para fora de Snakebite em ondas. O
rosto de Frank Paris estava em todas as emissoras de notícias do estado. Sob sua
foto estavam sempre sorridentes fotos de Nick, Bug e Tristan. As pessoas
vieram de todos os lugares para prestar seus respeitos e ver onde tudo
aconteceu.
— Posso subir?
A voz não era de um estranho. Tammy Barton estava ao lado do Ford,
uma das mãos apoiada no porta-malas. Como sempre, ela era o retrato perfeito
do que Snakebite deveria ser. Seu cabelo loiro curto estava penteado em ondas
fáceis, seus longos cílios perfeitamente curvados, seus lábios pintados de uma
malva sutil. Antes de tudo isso, quando Ashley olhava para a mãe, ela via o que
queria ser em vinte anos. Ela tinha visto o tipo de mulher que segurava
Snakebite em seus ombros. Tinha visto as melhores partes desta cidade — a
força, a lealdade, o orgulho.
Mas Snakebite estava errada. Talvez Tammy Barton estivesse errada
também.
Ashley assentiu e apontou para o espaço ao lado dela na caçamba da
caminhonete. Tammy cuidadosamente subiu e se aninhou contra a filha em
silêncio. Ela colocou a mão gentilmente no joelho de Ashley e olhou para o
lago, as colinas, o brilhante horizonte dourado. Depois de um momento,
desenterrou uma garrafa térmica de sua bolsa e a passou para Ashley.
Ashley abriu a tampa e uma nuvem de vapor de hibisco saiu. Mesmo
aqui, mesmo depois de tudo, o cheiro era de lar.
— Como você sabia que eu estava aqui? — Ashley perguntou
finalmente.
— Conheço você há um tempo — disse Tammy. Ela hesitou, então
acrescentou: — Bem, conheço a maior parte de você, eu acho.
O estômago de Ashley afundou.
— Eu não quero falar sobre isso.
— Está bem. Não precisamos. — Tammy fez uma pausa. — Mas nós
podemos.
Ashley abraçou os joelhos com mais força contra o peito. Nas duas
semanas desde o porão de Paris, ela e sua mãe conversaram sobre muitas coisas.
Elas conversaram sobre o que Snakebite faria agora, o que Ashley precisava
para se recuperar disso, o que o Rancho Barton faria para se manter à tona em
meio ao escândalo. Mas elas não tinham falado sobre isso.
Elas não tinham falado sobre a sensação de afundamento em seu peito.
Não tinham falado sobre a forma como Logan a fazia se sentir
incrivelmente, impossivelmente viva. A maneira como Snakebite tentou matá-
la pedaço por pedaço, e Logan a montou de volta.
Alguns meses atrás, Snakebite tinha sido seu lar. Agora lar era outra
coisa.
— Se importa se eu falar com você por um segundo? — perguntou
Tammy.
Ashley não disse nada.
— Não vou fingir que entendo. Eu também não entendi com Alejo. Mas,
naquela época, eu realmente não tentei. Você passou por muita coisa nesses
últimos meses. Mais do que eu já passei na sua idade. E sei que isso vai mudar
as coisas para você. — Tammy apertou o joelho de Ashley. — Se isso é algo
que você quer, não posso te impedir. Mas nunca vi isso facilitar a vida de
alguém. E depois de tudo, só quero que sua vida seja fácil.
— Sim, bem, isso é meio impossível agora — disse Ashley. Ela não queria
explodir, mas a raiva fervia em seu peito. Nas últimas semanas, nos últimos
meses, foi como se ela estivesse tentando respirar debaixo d'água. — Meus
amigos estão mortos. Como poderia ser fácil agora?
— Eu também perdi meus amigos — disse Tammy. — Um dos meus
melhores amigos terminou comigo e foi embora. O outro… — Ela gesticulou
para o cemitério.
— Não é a mesma coisa.
— Não é. Mas eu entendo.
Ashley fechou os olhos. Ela sentiu as lágrimas quentes antes que pudesse
detê-las. Ela pressionou as palmas das mãos nos olhos, mas chorou mesmo
assim. Essa dor veio mais profunda do que qualquer outra que ela já havia
sentido. Isso a arruinou, a raspou de dentro para fora, a fez oca e fria. Snakebite
era o único lugar que ela conhecia, e agora não conhecia nada.
Ela estava perdida.
Tammy puxou a cabeça de Ashley contra o peito e passou a mão pelo seu
cabelo. Elas ficaram sentadas sozinhas pelo que pareceram horas, Ashley
chorando baixinho e Tammy deixando.
— Quando ela vai embora? — perguntou Tammy.
— Semana que vem.
— O que você quer fazer?
Ashley respirou fundo.
— Não sei.
Tammy passou a mão pelo cabelo novamente. O horizonte era de cor
creme e leve como uma pena. Era o céu mais claro em meses. O sol não estava
mais escaldante como antes. Mesmo que o céu voltasse ao normal, mesmo que
Snakebite estivesse se acalmando, Ashley não poderia voltar.
— Você quer ir embora?
Ashley sentou-se e enxugou as lágrimas dos olhos. A expressão de Tammy
era genuína. Seus olhos estavam claros, azuis e doloridos. Ashley balançou a
cabeça.
— Não posso.
— Você tem dezoito anos — disse Tammy. — Eu não posso... Eu não
iria te impedir.
— O rancho… — Ashley parou.
— …vai continuar de uma forma ou de outra. Sempre continua.
O coração de Ashley disparou. Ela passou anos imaginando um futuro, e
era sempre aqui. Era sempre em Snakebite, sempre no rancho, sempre casada,
com dois filhos e um cachorro, sempre tranquilo e previsível. Desde tudo que
aconteceu, ela não tinha imaginado um futuro.
Agora, ela via. Estradas e florestas ao pôr do sol que nunca tinha visto. A
caminhonete roncando embaixo dela, uma mão macia dobrada na dela, olhos
escuros sempre observando.
— Eu não quero deixar você — disse Ashley. Tammy sorriu, amarga e
suave ao mesmo tempo.
— Você não vai. Não é como se você nunca mais fosse voltar. Não é
como se eu nunca fosse te ver.
— Tem certeza?
— Não — disse Tammy. Ela riu baixinho. — Parece uma ideia horrível.
Mas eu te conheço, e você não quer ficar aqui. Você quer ir com ela. Não é a
primeira vez que isso acontece comigo. Ou com as pessoas que eu amo. Ficar
aqui seria pior, eu acho.
Ashley assentiu. Ela puxou o telefone do bolso e olhou para o número de
Logan. Tammy a olhou nos olhos por um longo momento, e então sorriu. Ela
apertou o pulso de Ashley uma vez, depois saiu da caçamba da caminhonete e
voltou para a Land Rover.
Apenas os quietos e os mortos permaneceram.
Ashley clicou no nome de Logan e pressionou o telefone no ouvido.

***
No Motel Bates, o mundo estava tudo menos quieto.
A porta entre os quartos sete e oito estava escancarada, uma brisa quente
peneirando entre os dois. Brandon se inclinou sobre a mesa do café da manhã,
riscando um mapa dos Estados Unidos com a ponta afiada de seu lápis. Alejo
enfiou a última de suas camisas com estampa floral em uma mochila e a
arrastou para a minivan, cantarolando uma música de Johnny Cash baixinho.
Logan sentou-se na cama. Eles casualmente se mudaram pela manhã, e
Logan quase podia fingir que era assim que sempre foram. Uma coleção de três
coisas perdidas que construíram uma vida em que poderiam ser felizes. Uma
família.
— Me dê outra coisa — Brandon disse, batendo a borracha de seu lápis
contra seus óculos.
— Hum, que tal o cemitério mais antigo dos Estados Unidos? —
perguntou Logan.
Brandon franziu a testa e circulou um ponto no mapa.
— Você também pode escolher lugares divertidos. O maior shopping do
país. O lugar mais alto que você pode dirigir. O...
— E aquela grande bola de elástico? — Alejo interrompeu, tirando a
poeira de suas mãos. Ele fechou a traseira da minivan e caminhou de volta para
o quarto do motel, o sol amarelo refletindo nos óculos de aviador empoleirados
em sua testa.
— Eu pareço uma turista? — Logan zombou.
Brandon e Alejo fizeram contato visual e não disseram nada.
— Vocês são rudes.
— Eu gosto daquela árvore pela qual se pode dirigir — sugeriu Alejo.
Brandon fez uma careta.
— Sim, mas ela caiu naquela tempestade.
— Tem outras.
— Mas não é a mesma coisa.
— Você é tão deprimente.
Brandon balançou a cabeça. Seus lábios insinuaram um sorriso. Era uma
expressão frequente agora, mas algo em Logan ainda afundava cada vez que ela
a via. Quantos sorrisos a Escuridão engoliu por inteiro? Quantos anos ele viveu
em um borrão cinza, esperando o fim? Mesmo agora, eles estavam recuperando
o tempo perdido. Ela poderia passar todos os dias com seus pais pelo resto de
sua vida, mas isso nunca preencheria o buraco que a Escuridão deixou. Não
havia como consertar as coisas; eles só podiam seguir em frente.
Alejo e Brandon estavam fazendo as malas para voltar para L.A. Eles
decidiram não expor Snakebite no ParaEspectadores, mas isso não impediu que
os ciclos de notícias os associassem ao mistério. Mesmo depois que a polícia os
inocentou de qualquer envolvimento nas mortes, Brandon e Alejo estavam
intrinsecamente ligados ao crime. Os sites de notícias cheios de clickbait
gritavam manchetes como:

ASSASSINO NO OREGON RURAL: O QUE OS FANTASMAS DA


TV TÊM A VER COM A INVESTIGAÇÃO!
CASAL DO PARAESPECTADORES RESOLVE ASSASSINATOS?
BRANDON WOODLEY E ALEJO ORTIZ AJUDAM A POLÍCIA A
RESOLVER CASOS FECHADOS NO OREGON

A publicidade repentina significava que havia um controle de danos a


fazer. Havia outra temporada do ParaEspectadores para filmar, e eles tiveram
que criar locações para preenchê-la. Havia uma vida para viver — algo que não
achavam possível com a Escuridão sempre pairando sobre eles. Apesar de tudo
o que aconteceu, Brandon e Alejo seguiriam em frente.
Eles iriam seguir em frente sozinhos.
Logan sonhava em cruzar os Estados Unidos sozinha há anos, mas agora
que era a próxima coisa no horizonte, parecia vazio. Ela ia ficar sozinha
novamente. No final de tudo, ainda estaria sozinha. Ela ia ter que conhecer
novas pessoas. Ia carregar essa escuridão em seu peito — a verdade sobre
Snakebite, sobre Brandon, sobre si mesma — e ninguém saberia.
— Assim que descobrirmos os locais de filmagem, talvez possamos nos
encontrar para alguns episódios — sugeriu Alejo. Ele enfiou o edredom bege
do motel sob o queixo e o dobrou. — Você poderia ser uma investigadora
convidada. Uma conv-investigadora.
Ele riu de sua própria piada.
— Talvez — disse Logan. E talvez ela se encontrasse com eles e filmasse
alguns episódios. Talvez ela chegasse a uma cidade alguns meses depois e
percebesse que era perfeita. Talvez criasse raízes em algum lugar e descobrisse
como construir uma vida a partir do zero. Tudo parecia impossivelmente
distante.
O telefone dela tocou.
Logan rolou para fora da cama e andou por seu quarto de motel. Ela e
Ashley conversaram algumas vezes desde que tudo aconteceu, mas o mundo
desmoronou sob elas. Quaisquer que fossem os planos que tivessem feito,
quaisquer que fossem as promessas que elas trocassem, tudo estava ao vento
agora.
Ashley merecia ser feliz de novo, seja lá como isso fosse parecer.
Logan aprenderia a ficar bem com essa situação.
— Ei — disse Logan, fechando a porta divisória atrás dela.
— Ei — Ashley disse do outro lado da linha. — Você tem um minuto
para conversar?
— Sim, claro. — Logan deitou-se em sua cama. Ela e Ashley ficaram ali
uma noite, horas antes de o mundo desmoronar. — E aí? Onde você está?
— Visitando Tristan e os outros. — Sua voz falhou. — Você está fazendo
as malas?
— Tipo isso. Brandon está me ajudando a planejar minhas paradas.
— Ah, legal. Você ainda vai embora na semana que vem?
Logan engoliu em seco.
— Sim.
— Ok.
Ashley ficou quieta por um longo momento. O vento sacudiu como um
longo suspiro do outro lado da ligação. Ao redor de Logan, a sala afundou. Ela
ainda não tinha se despedido; não tinha descoberto como. Porque todos os
anos que ela passou imaginando sua vida na estrada pareciam nebulosos agora.
A única coisa que imaginava era Ashley ao seu lado, Ashley sorrindo de novo,
Ashley a empurrando de brincadeira quando ela dizia algo estúpido. Em algum
momento, algo havia mudado nela.
Não queria ficar sozinha. Ela queria ser amada.
E ela não queria dizer adeus.
— Ashley… — Logan disse.
Ashley limpou a garganta.
— Você quer um pouco de companhia?
40

Na hora da manhã ela me chama

No último dia de agosto, Snakebite foi um sonho. Estava banhada pela luz
dourada do sol e brilhante sob o céu aberto, nítido e fresco enquanto o verão se
inclinava para o outono. Era diferente do que tinha sido quando Logan
chegou. Ou ela era diferente, o que parecia igualmente provável. O sol se
acalmou no dia em que a Escuridão morreu, como se a cidade estivesse livre de
um aperto de torno paranormal. As colinas intermináveis que mantinham
Snakebite no lugar estavam mais suaves agora, estendendo-se até o horizonte
como ondulações no lago. Desde o início, ela pretendia seguir a maré para fora
de Snakebite e o mais longe que pudesse levá-la. Isso não havia mudado.
Mas agora, ela não estaria sozinha.
O Ford balançou quando ela jogou a última de suas malas na caçamba da
caminhonete. Ashley prendeu uma corda elástica para manter a bagagem no
lugar. Mesmo depois de tudo, o sol em Snakebite tratou Ashley de forma
diferente do que tratava todos os outros. Ela passou as costas da mão sobre a
testa e sua pele sardenta brilhou na luz do final do verão.
— Você pegou lingerie? — Tammy Barton perguntou, inclinando-se
contra o lado do motorista da caminhonete. — Carregador de celular?
Dinheiro para gasolina? GPS?
Ashley colocou um boné de beisebol.
— Checado, checado, checado e checado.
Tammy olhou para Logan e apertou os lábios. Ela estava tentando
esconder seu desdém na última semana. Não estava conseguindo, mas Logan
apreciou o esforço.
— Vocês duas têm alguma ideia de onde estão indo?
Logan e Ashley trocaram um sorriso. Elas tinham alguns pontos na
estrada, alguns pontos turísticos para ver, mas nenhum destino. Esse era o
ponto. Logan esteve em todos os lugares, mas nunca se sentiu em casa. Ashley
conheceu apenas um lar em toda a sua vida, mas não era mais um lar.
Elas tinham mil novos céus para ver.
Antes que qualquer uma delas pudesse responder, Alejo saiu da varanda
da frente da casa do Rancho Barton com a última caixa de coisas de Ashley
aninhada em seus braços. Brandon o seguiu de perto, batendo incessantemente
na tela do telefone. Enquanto Alejo carregava a caixa na caçamba da
caminhonete, Brandon se esgueirou ao lado de Logan e virou o telefone para
que ela pudesse ver. Era um mapa compacto dos Estados Unidos, cravejado de
tachinhas vermelhas virtuais em quase todos os estados.
— Adicionei alguns lugares no Missouri — disse ele. — Estranhamente,
há muitas coisas legais lá. É provavelmente o meu lugar favorito que visitamos.
— Também é o lugar mais deprimente que visitamos. — Alejo bufou. —
Então isso confere.
Brandon zombou.
— Obviamente você não precisa parar em todos os lugares, mas é um
começo. Se você seguir à noventa e cinco graus ao leste de Snakebite, você
acabará em Idaho. Não há muito o que ver por lá, mas destaquei alguns pontos
que vocês podem conferir. Eu diria para irem pelo norte de lá até chegar em
Coeur d’Alene, então…
Logan assentiu. O mapa não importava, mas o fato de ele tê-la ajudado a
fazê-lo era perfeito. Ela estava tentando e ele estava tentando. Eles tinham anos
pela frente — eles tinham tempo para se curarem.
— …parece um plano? — perguntou Brandon.
Logan sorriu.
— Parece um plano.
— Legal. — Brandon esfregou a nuca. — Eu e seu pai vamos partir
amanhã de manhã. Sei que será difícil conversarmos um com o outro, mas pelo
menos avisaremos quando estivermos de volta a L.A.
Logan assentiu. Ela puxou Brandon para um abraço.
Alejo se aproximou deles, juntando-se ao abraço do grupo com a
ferocidade de um golden retriever animado.
— Sem despedidas sem mim. É ilegal.
— Vou sentir falta de vocês — disse Logan. — É sério.
— Não poderá sentir falta de nós se conversarmos por FaceTime todas as
noites — brincou Alejo.
Ela esperava que ele estivesse brincando.
Do outro lado da caminhonete, Ashley envolveu a mãe com os braços. A
despedida das Bartons foi mais tranquila. Mais solene. Ashley soltou Tammy e
apertou o rabo de cavalo, olhando para o lago atrás da casa como se pensasse
que nunca mais o veria.
— Eu sei que as coisas estão... difíceis — disse Tammy. — Mas eu te
amo. Não importa o que aconteça.
— Eu também te amo, mãe — disse Ashley.
Tammy deu-lhe um beijo breve na testa e apertou seu ombro.
— Se isso não der certo, o rancho sempre estará aqui para você. Pode
sempre voltar para casa.
— E elas são sempre bem-vindas para ficar conosco, onde quer que
estejamos — disse Alejo. — Você também, Tammy. Podemos ter uma grande
festa do pijama.
Tammy revirou os olhos.
— Hilário.
— Estou falando sério. Seremos como uma grande família agora. —
Alejo passou a mão pelo cabelo. — Uma grande família que provavelmente
precisa de muita terapia.
Ashley subiu no lado do motorista do Ford e Logan silenciosamente
subiu no banco do passageiro. Elas se acomodaram, olhando para a calçada que
se estendia à frente delas como uma porta para outro mundo. Ashley enfiou as
chaves na ignição e a caminhonete rugiu para a vida. Elas saíram da garagem
lentamente, acenando um adeus final para seus respectivos pais até que
dobraram a esquina para a estrada. Logan pegou o mapa de Brandon e deu
uma olhada superficial.
— Para onde vamos primeiro? — perguntou Logan. Ela jogou os pés para
cima no painel e passou os óculos escuros redondos sobre os olhos.
— Leste, para a rodovia.
— E então?
Ashley sorriu. O sol estava dourado sobre suas bochechas sardentas.
— Outra rodovia. Provavelmente algumas montanhas. Um monte de
nada.
Logan deslizou a mão sobre a coxa de Ashley, as pontas dos dedos
traçando círculos contra sua pele.
— E depois?
— À algum lugar, eventualmente. Você está pronta para isso?
O sorriso de Ashley era mais brilhante que o sol. A caminhonete
chacoalhava, sacudindo nuvens de poeira soltas na neblina. As suaves colinas
douradas de Snakebite embalaram as meninas nas palmas das mãos, levando-as
para fora do vale do lago e para o mundo além. Snakebite foi um pesadelo para
Logan; para Ashley, era o lar. Logan tocou os nós dos dedos da mão de Ashley.
Lar não precisava mais ser um lugar. Não precisava de quatro paredes ou uma
costa rochosa ou estrelas sobre as colinas. Era um sentimento. Se parecia como
um.
— Lar — disse Logan, saboreando a palavra. — Conceito estranho.
Ashley sorriu. Ela se inclinou sobre o painel central e deu um beijo suave
e curto nos lábios de Logan.
A estrada se estendia à frente delas, torcendo-se para lugar nenhum. O
coração de Logan pulava um pouco mais rápido a cada quilômetro. Mesmo
sem a Escuridão, seria um longo caminho pela frente. Ashley se acomodou no
banco do motorista com a luz do sol em seu cabelo e era difícil acreditar que
ela era real. Haveria dor e esperança, e Logan não tinha certeza do que a
assustava mais. Mas ela não estava mais sozinha.
E por onde quer que a estrada as levasse, elas já tinham passado por coisas
piores.
Agradecimentos

O que eles nunca dizem na aula de redação é quantas pessoas são necessárias
para fazer um livro. Enquanto crescia, sempre pensei que escrever um livro
significava sentar, escrever um romance e depois lançá-lo no mundo. É muito
mais do que isso, no entanto. Tive o privilégio de trabalhar com uma equipe
inteira de estrelas do rock absolutas nos últimos dois anos, todas dedicadas a
fazer de e Dead and the Dark um livro real. Não posso nem começar a dizer
toda a ajuda que recebi, mas posso pelo menos tentar agradecer a todos.
Em primeiro lugar, um enorme obrigada à minha incrível editora, Jennie
Conway. Desde o nosso primeiro telefonema, onde você gritou comigo pelo
conteúdo do capítulo vinte e cinco e me disse que a coisa toda era “como
Riverdale, mas bom”, eu sabia que seríamos uma grande combinação. Você tem
sido uma heroína incrível para mim e minhas garotas, e me sinto tão sortuda
por trabalhar com alguém que entende tão profundamente o que estou
tentando dizer, mesmo quando não entendo. Obrigada a toda a equipe da
Wednesday Books e da St. Martin's Press. A Mary Moates, Melanie Sanders,
Alexis Neuville, Lauren Hougen, Jeremy Haiting, Omar Chapa e Elizabeth
Catalano. Obrigada a Kerri Resnick e Peter Strain pela minha capa
incrivelmente linda. Encaro-a todos os dias e imagino que o farei até o fim dos
tempos.
Meu segundo agradecimento vai para Claire Friedman e Jessica Mileo,
minhas incansáveis agentes. Obrigada por sempre responderem às minhas
perguntas da meia-noite em pânico, por me tranquilizarem através de muitas
espirais de ansiedade, por sempre encorajarem até as minhas ideias mais
extravagantes e por me enviarem memes de Red Dead Redemption para me
manter no chão. Não consigo imaginar uma dupla mais adequada para mim e
todas as minhas histórias assustadoras e enervantes. Aqui está a primeira
história de muitas outras que virão. Obrigada ao resto da equipe InkWell
também. e Dead and the Dark não estaria aqui sem todos vocês.
Obrigada a minhes CPs: Lachelle Seville, que escreve comigo há quase
uma década e ainda não me odeia. Emily Khilfeh, que viu a primeira faísca
dessa ideia e me ajudou a incendiá-la a cada passo do caminho. Cayla Keenan,
que é ume líder de torcida implacavelmente positive e defensore feroz de todas
as coisas queer. Alex Clayton, que é a pessoa mais solidária, gentil e leal que
conheço. Eu não estaria aqui sem vocês, e sou eternamente grata por suas
amizades e amor.
Obrigada a Sadie Graham, Allison Saft, Ava Reid e Rachel Morris por
serem amigues incríveis nesta jornada. Todes nós temos que nos unir nesse
processo difícil. Estou ansiosa para apoiarmos umes ês outres nos próximos
anos.
Obrigada a Kelly Jones, minha mentora de Writing in the Margins, que
sempre manteve a porta aberta para aspirantes a escritories. Obrigada por ouvir
todos os meus desabafos e por sempre se oferecer para me conectar com
escritories que realmente sabem o que está acontecendo. Fazer tudo isso uma
vez já foi exaustivo; eu não consigo nem imaginar como você fez uma dúzia de
vezes!
Obrigada a Trisha Kelly, Adrienne Tooley e Ashley Schumacher por
serem ês primeires leitories e apoiadories desta pequena e estranha história.
Obrigada a Andrea Gomez por sua ajuda para levar este livro a um nível mais
profundo. Obrigada à equipe da Hora do Chá: Rachel Diebel, Anna Loose,
Ingrid Clark, Maylen Anthony, Lauren Cashman, Adrian Mayoral, Camille
Adams, Sylvie Creekmore e Mike Traner. Obrigada a Courtney Summers,
Dahlia Adler, Emma Berquist, Francesca Zappia e Erica Waters por lerem e
amarem e Dead and the Dark. Vocês são todas escritoras incríveis e significa
o mundo ouvir suas palavras gentis sobre minhas garotas.
Obrigada a Red Dead Redemption, Riverdale, Objetos Cortantes, Holes,
Johnny Cash, Westworld e todas as outras estranhas mídias que devorei
enquanto tentava descobrir este livro. Obrigada às cidades do leste do Oregon
que visitei enquanto tentava dar vida a Snakebite — espero que vocês se vejam
representadas nestas páginas.
Por último, minha família. Obrigada a Carly por ser o hype-man original
para minhas atividades criativas. Obrigada ao papai e à vovó por sua paciência
enquanto esperavam para ver se essa coisa de escrever valeria a pena. Obrigada
a Davis por sempre acreditar que eu poderia fazer isso. Obrigada a mamãe por
sempre dizer que esse sonho era prático, por se sacrificar tanto por nós e por
sempre estar em casa para mim. Eu sou mais do que sortuda por lhes ter. Este
livro é para vocês.
Obrigada a todes que ajudaram a criar esta história sobre duas garotas em
busca de amor em um mundo de ódio. Espero que gostem do que isso se
tornou.


{1}
L.A. é a abreviação de Los Angeles

{2}
Bluegrass é um tipo de música popular norte-americana, cujas raízes são das músicas tradicionais das
montanhas Apalaches. É também um dos gêneros musicais característicos do sul dos Estados Unidos.

{3}
Insulares são moradores de um lugar insular, ou seja, um local independente, parecido com uma ilha.

{4}
Um Marco Nacional Histórico pode ser um edifício, lugar, objeto ou estrutura que é reconhecido
oficialmente pelos Estados Unidos por sua importância histórica.
{5}
Oregon Trail foi um dos três Emigrant Trails, que eram rotas utilizadas durante o século XIX por
imigrantes que viajavam em carroças em busca das terras a oeste das Planícies Interiores e das Montanhas
Rochosas para colonizá-las.

{6}
Moço, rapaz. O mesmo que muchacho.

{7}
“Ah, velhinha! Linda como sempre”

{8}
“O que aconteceu, rapaz?”

{9}
Do inglês “THIS TOWN BITES BACK”, é um trocadilho com o nome da cidade, “Snakebite”. “Bite”
significa “morder”.
{10}
Marca de molho de queijo industrializado.
{11}
Judge Judy é um reality show americano baseado em arbitragem, presidido pela ex-juíza Judith
Sheindlin do Tribunal de Família de Manhattan. O show apresenta como Sheindlin julgou disputas de
pequenas causas da vida real dentro de um tribunal simulado.

{12}
Make America Great Again, abreviado como MAGA, é um slogan de campanha adotado em
campanhas presidenciais nos Estados Unidos que originou-se durante a campanha presidencial de Ronald
Reagan na eleição em 1980. Popularizado por Donald Trump durante a sua campanha presidencial em
2016. É usado também para se referir aos apoiadores conservadores da extrema-direita.

{13}
Redneck é um termo utilizado nos Estados Unidos da América e Canadá do estereótipo de um
homem branco de classe média baixa que mora no interior. Originou-se o fato de que pelo trabalho
constante dos trabalhadores rurais em exposição ao sol acabam ficando com seus pescoços avermelhados
(do inglês red neck, “pescoço vermelho”). É normalmente utilizado nos dias atuais para rotular de
maneira pejorativa os brancos sulistas conservadores.

{14}
Stir-fry é uma técnica de culinária chinesa. Consiste em fritar os ingredientes em uma pequena
quantidade de óleo bem quente enquanto são mexidos ou jogados em uma wok.

{15}
Brunch é uma refeição que ocorre no meio da manhã em um horário entre o café da manhã e o
almoço, podendo substituir os dois. Geralmente acontece em domingos, feriados ou datas
comemorativas.
{16}
S’mores é um doce feito com um marshmallow e chocolate entre duas bolachas de água e sal ou
maisena, formando um tipo de sanduíche.

{17}
Um episódio filler é quando é inserido um material sem relação com o enredo principal do programa.
Geralmente não é necessário assisti-los para entender o restante do show.

{18}
Tendo em vista o cunho racista da versão original, a Queerteca adaptou para esta outra, pois não
compactuamos com tais coisas.

{19}
Abreviação de Pabst Blue Ribbon, marca de cerveja estadunidense.

{20}
Roundup é um herbicida utilizado para aniquilar plantas infestantes. Geralmente, é aplicado no
período de pré-plantio para eliminar plantas daninhas e proteger as plantações.

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