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Desejo Rebelde

Julie Garwood

De todos os duques da In¬glaterra, Jered Marcus Benton, duque de


Bradford, era o mais abastado, o mais atraen¬te... e o mais arrogante. E,
entre todas as damas de Londres, ele escolheu apenas uma para lhe prestar
a mais terna obediência: Caroline Richmond.
Nativa do Estado de Boston, nos Estados Unidos, ela era
ex¬traordinariamente bela, dona de um passado misterioso e espíri¬to
fogoso. Deixou-se atrair pelo poderoso duque, sem se deixar intimidar por
sua soberba, com o objetivo de conquistar o cora¬ção do rapaz de forma
definitiva. Mas Bradford não era homem de se deixar dobrar por mulher
alguma, até uma conspiração mortal aproximá-lo tentadora¬mente de
Caroline. A partir daí, unidos contra um inimigo co¬mum, eles descobrem o
poder da magnífica atração que os uniu... Um desejo nascido em meio ao
perigo, mas destinado a arder até transformar-se em amor!

Tradução:
Celina Falck Cook
Editora Landscape
DISPONIBILIZAÇÃO, DIGITALIZAÇÃO E REVISÃO: MARISA H

Copyright© 1986 by Julie Garwood


CAPA: Daniel Rampazzo (Casa de Ideias)
PROJETO GRÁFICO: Genilâo Santana

REVISÃO:
Monalisa Neves
Cláudia Cantarin
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Garwood. Julie
Desejo rebelde / Julie Garwood; tradução Ceíma Falck-Cook — São Paulo: Editora Landscape,
2008.

Título original: Rebellious desire ISBN: 978-85-7775-058-0


I. Romance norte-americano I. Título.
I. Romance : Literatura norte-americana 813
2008

Direitos para a Língua Portuguesa


EDITORA LANDSCAPE Rua Ministro Nelson Hungria, 239 — cj 10
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Para Gerry, com amor.


PRÓLOGO

INGLATERRA, 1788

VOZES ALTERCANDO ZANGADAS


DESPERTARAM A CRIANÇA.

Ela sentou-se na cama e esfregou os olhos, para


espantar o sono. — Babá? — murmurou, no
silêncio súbito. Olhou para a cadeira de balanço
ao lado da lareira, do outro lado do quarto, e viu
que estava vazia. Voltou a encolher-se sob o
acolchoado de penas, tremendo de frio e medo. A
babá não estava onde devia estar.
As brasas que aos poucos morriam na lareira
estavam de um laranja intenso na escuridão,
fazendo a menina imaginar olhos de demónios e
bruxas quando as fitava. Decidiu, então, não olhar
para elas. Passou a fitar as janelas duplas, mas os
olhos a seguiram, aterrorizando-a ao pro-jetar
sombras fantasmagóricas de gigantes e monstros
nas janelas, dando vida aos galhos desprovidos de
folhas que roçavam as vidraças.
— Babá? — repetiu a pequena, baixinho, já à
beira das lágrimas.
Ouviu a voz de seu pai. Ele gritava, e, embora
parecesse ríspido e inflexível, a menina
imediatamente deixou de sentir medo. Ela não
estava só. O pai estava por perto, e ela sentiu-se
segura.
Agora que se acalmara, ficou curiosa. Já morava
naquela casa fazia um mês e até aquele momento
não tinha visto nenhum visitante. O pai dela
estava gritando com alguém, e a menina queria
ver e ouvir o que estava acontecendo.
Quando chegou ao patamar das escadas, deteve-
se. Tinha ouvido a voz de outro homem. O
estranho tinha começado a berrar, arrotando
insultos ruidosamente, e fazendo os olhos azuis da
menina arregalarem
de surpresa e medo. Ela espreitou o andar de
baixo, oculta pela balaus-trada, e viu o pai de
frente para o estranho. De onde estava, no alto da
escada, enxergou outra silhueta, parcialmente
escondida pelas sombras do vestíbulo.
— Recebeste as advertências, Braxton! - - berrou
o estranho em
tom gutural. — Fomos regiamente recompensados
para garantir que
não causes mais tumulto.
O estranho empunhava uma pistola muito
parecida com a que seu pai costumava trazer
consigo para sua própria proteção. e a menina viu
que ele estava apontando a arma para o seu
paizinho. Começou então a descer a escadaria
curva, com a intenção de correr até seu pai para
ele acalmá-la e lhe dizer que tudo terminaria bem.
Quando chegou ao último degrau, parou. Diante
dos seus olhos, seu pai atacou o estranho e o fez
soltar a pistola, que caiu fora do seu alcance. A
arma aterrissou com estardalhaço aos pés da
garotinha.
Das sombras, o outro apareceu.
— Perkins lhe envia seus cumprimentos — disse
ele, ríspido. —
Também a mensagem de que não deves te
preocupar com a menina. Ele
vai vendê-la por um bom preço.
A menina então começou a tremer. Não conseguia
olhar para o homem que estava falando. Sabia que
se olhasse veria os olhos do demó¬nio,
alaranjados. O terror a dominou. Ela sentia o mal
cercando-a por todos os lados, sentia o gosto e o
cheiro dele e, se ousasse olhar, sabia que ele a
cegaria.
O homem que a menina pensou ser o próprio
capeta ocultou-se nas sombras justamente quando
o outro atacou o seu pai e lhe deu um empurrão
violento.
— Com a garganta cortada, não vais mais poder
fazer discursos
- disse ele, soltando uma risada maldosa. O pai da
menina caiu de joelhos, e ao tentar levantar-se
surgiu uma faca nas rnãos do atacante. L ma
gargalhada detestável e terrível saturou o
vestíbulo, ecoando pelas paredes como cem
fantasmas cegos soltando gritos estridentes entre
si.
O homem passou a faca de uma das mãos para a
outra, e depois para a primeira mão de novo,
andando vagarosamente em torno do pai da
garotinha.
— Espera aí, papai, vou te ajudar — disse a
menininha em voz
trémula, estendendo a mão para pegar a pistola.
Era pesada e fria como
se tivesse caído sobre a neve, e ela ouviu um
estalido quando um de seus
dedinhos rechonchudos deslizou pelo círculo
debaixo dela.
Com braços retesados, bem estendidos, as mãos
trémulas de medo, ela apontou a arma mais ou
menos para o lugar em que tinha visto os dois
homens lutando. Vagarosamente, começou a
andar na direção do pai, para lhe dar a pistola,
mas parou de repente ao ver o estranho meter a
faca longa e curva no ombro do pai.
Aí a menina gritou de desespero.
— Papai! Eu vou te salvar, paizinho! — O soluço
da menininha,
cheia de terror e desespero, penetrou entre os
grunhidos ásperos dos dois
combatentes. O estranho que antes estava oculto
pelas trevas correu para
a frente, para participar da cena. A luta cessou, e
os três olharam incrédu¬
los para a menininha de quatro anos que apontava
a pistola para eles.
— Não! — gritou o demónio. Tinha parado de rir.
— Foge, Caroline, foge, minha filha, foge.
Mas já era tarde. A criança tropeçou na bainha da
camisola ao correr para o pai. Instintivamente,
pressionou o gatilho da pistola ao cair, enquanto
tentava evitar a queda, e depois fechou os olhos,
ao ouvir a explosão que reverberou de maneira tão
obscena quanto o riso do demónio por todo o
vestíbulo.
A garotinha abriu os olhos e viu o que tinha feito.
E depois não viu mais nada.
CAPÍTULO I
INGLATERRA, 1802
T
iros estilhaçaram o silêncio, perturbando a
tranquila viagem pelo interior da Inglaterra.
Caroline Mary Richmond, sua prima Charity e o
negro que as acompanhava, Benjamin, ouviram o
barulho no mesmo instante. Cha-rity achou que
era uma trovoada e olhou pela janela. Franziu a
testa, confusa, pois o céu estava tão límpido e azul
quanto no mais belo dia de outono. Não havia
uma única nuvem negra à vista. Estava para fazer
um comentário sobre o assunto, quando a prima
agarrou-a pelos ombros e empurrou-a para o chão
da carruagem de aluguel.
Caroline certificou-se de que a prima estava bem
protegida, depois tirou uma pistola prateada com
cabo de pérola da sua bolsa. Apoiou-se sobre as
costas da prima quando o veículo parou de
repente, ao descrever a curva da estrada.
— Caroline, que diabo pensas que estás fazendo?
— A pergunta,
em tom ríspido, saiu abafada, vinda do chão.
— Aquilo foram tiros — respondeu ela.
Benjamin, no banco em frente à sua senhora,
empunhando sua própria arma, cautelosamente
espreitou por sua janela aberta.
— Parece uma emboscada, logo à nossa frente! —
gritou o co¬
cheiro, com um forte sotaque irlandês. — Melhor
nos escondermos no
mato até eles irem embora — aconselhou,
descendo depressa da boleia
e passando correndo pela janela.
— Viste alguma coisa? — indagou Caroline.
— Só o cocheiro se escondendo ali naqueles
arbustos — respondeu
o negro, pelo seu tom obviamente desaprovando a
atitude do rapaz.
— Não estou vendo nada — comentou Charity,
frustrada. —
Caroline, por favor, sai de cima de mim. Meu
vestido vai ficar cheio de
pegadas nas costas.
Ela esforçou-se para sentar-se, finalmente
conseguindo ficar de joelhos. Sua touca pendia-
lhe do pescoço, emaranhada nos cachos da
abundante cabeleira loura, e em abundantes fitas
rosas e amarelas. Os óculos de armação metálica
estavam enviesados sobre seu narizinho delicado,
e ela semicerrava os olhos, procurando
concentrar-se enquanto tentava se recompor.
— Francamente, Caroline, creio que não
precisarias ter tanto zelo
assim por proteger-me — declarou,
apressadamente. — Ai, meu Deus,
perdi uma das minhas lentes... — acrescentou,
com um gemido. — Pro¬
vavelmente caiu no meio das pregas do vestido.
Acha que são salteadores,
que estão atacando algum viajante desprevenido?
Caroline concentrou-se no último comentário de
Charity.
— Pelo número de tiros e pela reação do nosso
cocheiro, imagino
que sim — respondeu. Sua voz soou baixa e
tranquila, uma reação
instintiva à tagarelice nervosa de Charity. —
Benjamin, por favor, vá
acalmar os cavalos. Se eles não se espantarem,
podemos avançar e ofe¬
recer ajuda.
Benjamin concordou, sem nada dizer, e abriu a
porta da carrua-gem. Seu peso considerável
balançou o veículo quando ele se levantou, e o
negro precisou abaixar os ombros largos para sair
pela porta de madeira. Em vez de correr para a
frente, onde os cavalos estavam atrela¬dos, foi
para a traseira, onde os dois cavalos árabes de
Caroline estavam amarrados. Os animais haviam
sido importados de Boston, com os três, e eram
presentes para o pai de Caroline, o conde de
Braxton.
O garanhão estava assustado, e a égua também,
mas Benjamin.
falando com eles baixinho no dialeto africano
musical que apenas Caroline compreendia
totalmente, tranquilizou os animais de imediato.
Depois, soltou-os e os levou até a lateral da
carruagem.
— Espera aqui, Charity — ordenou Caroline. —
E não botes a
cabeça para fora.
— Toma cuidado, sim? — recomendou Charity,
voltando a sentar-
se no banco do veículo. Imediatamente meteu a
cabeça pela janela, fin¬
gindo que não tinha ouvido a ordem de Caroline
para ter cuidado, e viu
Benjamm ajudando-a a montar no garanhão. —
Benjamin, tu também,
cuidado — gritou Charity quando o homenzarrão
montou na égua..
Caroline foi na frente, passando entre as árvores,
com a intenção de abordar os salteadores pelas
costas, para contar com o elemento surpresa em
seu favor. Pelo número de tiros, deviam ser
quatro, talvez cinco os bandoleiros, e ela não tinha
a menor intenção de se ver no meio de um bando
de foras-da-lei estando em condições de
inferioridade numérica.
Os galhos batiam na sua touca azul com violência,
e ela resolveu retirá-la de um só golpe, jogando-a
no chão. Sua espessa cabeleira negra, da cor da
meia-noíte, soltou-se dos grampos ineficientes e
espalhou-se pelos seus ombros, os cachos rebeldes
dançando ao redor do seu rosto.
Vozes exaltadas os detiveram, e Caroline e
Benjamin, bem escon¬didos no mato denso,
podiam ver razoavelmente bem o que estava se
passando. A cena que se desenrolava na estrada
fez calafrios de apreen¬são percorrerem a espinha
de Caroline.
Quatro homens corpulentos, todos a cavalo,
cercavam um lado de uma linda carruagem preta.
Todos usavam máscaras, menos um. Seu
adversário era um homem obviamente abastado,
que estava saindo lenta¬mente da carruagem.
Caroline viu sangue vermelho-vivo escorrendo
sem parar entre as pernas do homem e quase
soltou um grito de indignação e compaixão.
O cavalheiro ferido era louro e belo, mas seu rosto
estava branco como giz, todo crispado de dor.
Caroline viu-o encostar-se na carru¬agem e
enfrentar os assaltantes. Notou a arrogância e o
desdém no seu olhar enquanto ele examinava seus
captores, e aí viu seus olhos arregalarem de
repente. A arrogância desapareceu, substituída por
puro terror. Caroline viu logo qual era o motivo
da mudança súbita no comportamento do homem.
O assaltante sem máscara, obviamente líder do
grupo, pelo modo como os outros o olhavam,
erguia vagarosamen a pistola. O bandido, sem
dúvida, estava para cometer um homicídio
sangue-frio.
— Ele viu a minha cara — disse o homem aos
seus capangas. - Não tem jeito. Vai ter que
morrer.
Dois dos salteadores imediatamente concordaram,
mas o terc;. hesitou. Caroline não perdeu tempo
esperando para ver qual seria i : cisão dele. Mirou
com todo o cuidado e apertou o gatilho. Seu tiro
foí certeiro, resultado dos anos que tinha passado
na companhia de quan primos mais velhos, os
quais insistiam em lhe ensinar princípios de a
todefesa. A mão do líder foi o alvo, e o uivo de
dor dele, a recompensa de Caroline.
Benjamin fez um ruído de aprovação com a boca,
entregando-lhe sua arma e aceitando a pistola
vazia. Caroline voltou a atirar, ferindo o salteador
à esquerda do líder.
E foi aí que terminou o assalto. Os bandoleiros,
soltando impropé rios e ameaças, dispararam
estrada abaixo, produzindo um estardalhaço.
semelhante a uma trovoada.
Caroline aguardou até os sons das patas dos
cavalos sumirem aí manejou as rédeas, instigando
o cavalo para que seguisse em frente. Quando
chegou ao ponto em que estava o cavalheiro,
desmontou com ligeireza.
— Eles provavelmente não voltarão — disse,
baixinho. Ainda estava de arma na mão, mas
abaixou o cano quando o cavalheiro recuou um
passo.
O homem vagarosamente recuperou-se. Os seus
olhos azuis incrédulos, um pouco mais escuros
que os de Caroline, fitaram a moça
compreendendo tudo de repente.
— Foste tu quem atiraste neles? Tu atiraste...
O pobre homem não devia estar encontrando
palavras para arrematar seu pensamento. O que se
passara obviamente tinha sido demais para ele.
— Sim, fui eu. E o Benjamin — acrescentou,
indicando o gigante ao seu lado — me ajudou.
O cavalheiro conseguiu por fim tirar os olhos de
Caroline e es-piar por cima da cabeça dela, vendo
o seu amigo. Sua reação ao negro preocupou
Caroline. Ele deu a impressão de que ia desmaiar.
Parecia meio desorientado, mas Caroline achou
que era por medo e pela dor do ferimento que ele
estava custando a entender tudo.
— Se eu não tivesse usado minhas armas, estarias
morto.
Depois dessa declaração bastante lógica do
acontecido, Caroline virou-se para Benjamin e
entregou-lhe as rédeas do seu garanhão.
— Volta até a carruagem e conta a Charity o que
se passou. Ela deve estar morta de preocupação a
esta altura.
Benjamin concordou e começou a afastar-se.
— Traz a pólvora, por via das dúvidas — gritou
Caroline, ainda, —, e a mochila de remédios da
Charity.
Então voltou-se para o estranho e perguntou:
— Podes voltar para dentro da tua carruagem'?
Vais sentir-te mais confortável enquanto cuido do
teu ferimento.
O homem concordou, e vagarosamente subiu os
degraus e entrou na carruagem. Quase perdeu o
equilíbrio e caiu para trás, mas Caroli¬ne o
seguia, e ajudou-o a equilibrar-se, pondo-lhe as
mãos nas costas.
Quando ele já estava sentado no banco
acolchoado cor de vinho, Caroline ajoelhou-se no
piso, entre as pernas abertas dele. Viu-se subi-
tamente envergonhada, pois o ferimento se situava
em um lugar bastante inconveniente, e sentiu as
faces ruborizarem diante da posição intima em
que se encontrava. Hesitou, pensando no que
devia fazer a seguir, até que um novo rio de
sangue empapou os calções de camurça do
homem.
— Mas que coisa mais constrangedora —
murmurou ele. Sua voz refletia mais sofrimento
do que vergonha, e Caroline reagiu com pura
comiseração.
O ferimento era exatamente entre as pernas dele,
na parte interna da coxa esquerda.
— Tiveste muita sorte — murmurou Caroline. —
O tiro foi de raspão. Se me deres licença, vou
rasgar só um pouquinho a camurça...
— Vais arruinar minhas calças! — O homem
parecia ter ficado indignado diante da sugestão de
Caroline, e ela endireitou o tronco, para poder
olhar bem para a cara dele.
— Já bastam minhas botas! Olhai o estado das
minhas botas!
Ele parecia, segundo a avaliação de Caroline,
estar a ponto de um ataque histérico.
— Tudo vai dar certo — disse ela, baixinho. —
Podes, por favor dar-me permissão para fazer só
um cortezmho de nada nas tuas calças?
O cavalheiro inspirou profundamente, revirou os
olhos para o e concedeu permissão para Caroline
prosseguir, com uma vénia de quem está
concordando contra a vontade.
— Se não há outro jeito... — disse, resignado.
Caroline, então, depois de assentir, tirou um
pequeno punhal onde o escondia, acima do
tornozelo.
O cavalheiro assistiu à manobra dela e conseguiu
sorrir pela primeira vez.
— Sempre viajas assim bem preparada, madame?
— No lugar de onde viemos, viajar exige que
tomemos todas as precauções — explicou
Caroline.
Foi uma dificuldade imensa meter a ponta da
lâmina sob o couro, de camurça colado no corpo
do homem. As calças pareciam ter sido
perfeitamente moldadas à pele dele, e Caroline
não pôde deixar de pensar que o simples ato de
sentar-se devia ser terrivelmente incómodo para
ele. Ela trabalhou com diligência até finalmente
conseguir cortar o couro da costura entrepernas, e
depois afastou bem o couro, para a carne rósea
ficar bem exposta.
O cavalheiro, percebendo o sotaque diferente da
bela mulher que tinha ajoelhada diante de si,
reconheceu o modo de falar colonial sua voz
rouca.
— Ah, com que então, és das Colónias! Um lugar
um tanto bárbaro, segundo me disseram — e
soltou um gritinho involuntário quando Caroline
começou a examinar as bordas do ferimento,
prosseguindo depois: — Não admira que tragas
contigo um arsenal.
Caroline ergueu os olhos para o estranho,
respondendo, sem conseguir esconder a surpresa:
— Sim, sou das Colónias, não nego, mas não é
por isso que porto armas, senhor. Não, de jeito
nenhum — acrescentou, sacudindo vigorosamente
a cabeça. — Acabo de vir de Londres.
— Londres? — O estranho voltou a mostrar-se
confuso.
— Deveras. Já ouvimos falar dos crimes que
ocorrem por aqui. Ora, inúmeras notícias de
assassinatos e assaltos que ocorrem aqui já
chegaram até Boston. É um covil de decadência e
corrupção, não é? Minhã prima e eu juramos que
tomaríamos todos os cuidados possíveis. O
que, aliás, foi excelente, visto que testemunhamos
esta emboscada logo no primeiro dia após nossa
chegada.
— Ah, mas já ouvi as mesmas histórias sobre as
Colónias - respondeu o cavalheiro, abafando uma
risada. — Londres é um lugar muito mais
civilizado, minha prezada e equivocada senhora!
— O tom do homem pareceu condescendente
demais, na opinião de Caroline. Mas,
estranhamente, ela não se deixou irritar por ele.
— Estás defendendo tua pátria, o que é louvável
da tua parte — respondeu a moça, com um
suspiro. E voltou a atenção para a perna do
homem antes que ele pudesse encontrar uma
resposta adequada, acres-centando: — Podes, por
favor, me dar essa tua gravata?
— Como foi que disse? — respondeu o estranho.
Estava morden¬do o lábio inferior entre cada
palavra cuidadosamente pronunciada, e Caroline
deduziu que a dor estava aumentando.
— Preciso de alguma coisa para estancar essa
hemorragia — ex-plicou Caroline.
— Se alguém te ouvisse falar assim, eu sofreria
uma humilhação acima de qualquer... tomar um
tiro assim, nesse lugar inconveniente, ser
socorrido por uma dama, e ainda por cima dar-lhe
meu próprio plastrão para... Meu Deus, é demais,
demais!
— Não precisas ter receio de que eu vá inutilizar
teu plastrão — acalmou-o Caroline, num tom que
usava para tranquilizar criancinhas, — Olha, vou
usar um pedaço da minha anágua.
O cavalheiro ainda retinha um olhar meio
desvairado e continuou a proteger seu precioso
plastrão das mãos dela. Caroline obrigou-se a
continuar procurando mostrar-se compreensiva:
— E dou-lhe minha palavra de que não revelarei a
ninguém este incidente tão escabroso. Nem
mesmo sei vosso nome, ora! Muito sim¬ples, não
vês? Daqui por diante, eu o chamarei... de Jorge,
como Jorge, o vosso rei. Não é perfeitamente
aceitável?
O olhar desvairado nos olhos do homem
intensificou-se e Caroline entendeu que não era
aceitável coisa nenhuma. Reâetm um momeia(
sobre aquilo e deduziu o motivo dessa nova
irritação dele.
— Naturalmente, como vosso rei não anda bem
de saúde, talvez um outro nome seja mais
adequado. Smith, por exemplo. Que tal Harold
Smith?
O homem concordou e soltou um longo suspiro.
— Otimo — disse Caroline. Deu um tapinha
carinhoso nas rótulas do homem e saiu depressa
da carruagem; depois curvou-se e começou a
rasgar uma faixa da beirada da anágua.
O som de cavalo e cavaleiro aproximando-se
rapidamente assustou Caroline. Ela ficou
paralisada ao ver que o tropel provinha do norte, a
direção oposta àquela da qual Benjamin devia vir
da carruagem alugada Seria um dos bandidos
voltando?
— Dá-me a minha pistola, sr. Smith — exigiu ela,
enquanto recolocava depressa o punhal no seu
esconderijo e jogava a faixa de anágua pela janela
aberta da carruagem.
— Mas está vazia — protestou o homem bem
alto, apavorado.
Caroline sentiu o mesmo pânico tentar
apoderar-se dela. Procurou evitar ceder ao
impulso de apanhar as saias e correr para pedir
ajuda, Não podia obedecer assim a um impulso de
tamanha covardia, deixaria aquele homem ferido
sozinho, sem proteção.
— Pode ser que a pistola esteja vazia, mas só nós
sabemos disso — insistiu Caroline, simulando
valentia. Recebeu a arma pela janela aberta
suspirou profundamente, para acalmar-se e
mentalmente rezou para que Benjamin também
tivesse ouvido essa nova ameaça aproximando-se.
Meu Deus, se ao menos suas mãos parassem de
tremer tanto!
Do outro lado da curva, cavalo e cavaleiro
finalmente surgiram. Caroline concentrou-se no
animal, um gigantesco corcel pelo menos três
mãos mais alto do que seus árabes. Pensou, a
esmo, que o homem ia atropelá-la e que ia morrer
e sentiu a terra tremendo sob os pés. Ergueu a
pistola, segurando-a com firmeza, embora
recuasse um passo, sem sentir, e, não obstante
fosse perigoso, ela precisou fechar os olhos por
causa da poeira levantada bem na sua cara quando
o cavaleiro freou o corcel.
Caroline passou uma das mãos sobre os olhos e
voltou a abri-los. Do outro lado do magnífico
corcel, viu uma pistola reluzente diretamente
apontada para ela. Tanto o animal que bufava
como a pistola intimidaram-na demais, de modo
que Caroline voltou a atenção para o cavaleiro.
Mas arrependeu-se. O homenzarrão que a olhava
intimidou-a mui¬to mais do que o cavalo ou a
pistola. Os cabelos fulvos, caindo-lhe na testa, não
suavizavam as feições austeras e cinzeladas
daquele homem. Seu maxilar era rígido,
nitidamente definido, assim como o nariz e os
olhos, de um castanho dourado que não exprimia
nem uma nesga de bondade ou compreensão, e
agora tentavam atravessá-la como uma lança,
debilitar-lhe as boas intenções. A carranca dele
era tão medonha que chegava a arder.
Ela não permitiria isso, pensou. Retribuiu o olhar
arrogante do homem, tentando não piscar
enquanto o sustentava.
Jered Marcus Benton, o quarto duque de
Bradford, não estava con¬seguindo acreditar no
que via. Tranquilizou o seu garanhão enquanto
contemplava a formosíssima dama diante de si, a
bela de olhos azuis que segurava uma pistola
apontada direto para o seu coração. A situação em
si já era incompreensível.
— O que houve aqui? — quis saber ele, com tal
intensidade que seu corcel começou a empinar-se
ao ouvi-lo. Ele rapidamente controlou o animal,
usando as coxas musculosas para neutralizar o
movimento do animal. — Calma, Confiança —
ordenou asperamente. Mas pareceu contradizer
sua ordem firme acariciando o lado do pescoço do
animal. Aquela manifestação inconsciente de
afeto contrastava totalmente com a expressão
brutal no seu rosto.
Ele não afastava os olhos dela, e Caroline passou
a desejar que um dos salteadores tivesse voltado,
afinal. Já estava desconfiada, achando que o
estranho iria perceber logo, logo que ela estava
blefando.
Onde terá se metido o Bemjamin? Caroline
pensou, um tanto apavorada. Não era possível que
não tivesse ouvido o tropel do cavaleiro se apro-
ximando. O chão ainda estava tremendo, não
estava? Ou seriam suas pernas?
Ela precisava se controlar, meu Deus!
— Diga-me logo o que aconteceu aqui — ordenou
de novo o es¬tranho. A aspereza da voz dele
surpreendeu Caroline, mas mesmo assim ela não
se mexeu. Nem respondeu, temendo que seu medo
se revelasse na sua voz, e ele passasse a ter essa
vantagem sobre ela. Apertou ainda com mais
força a pistola e tentou acalmar o coração, que
batia disparado. Bradford arriscou uma olhadela
rápida em torno de si. Sua carruagem predileta,
emprestada a um amigo durante uma quinzena,
estava a beira da estrada, com vários buracos de
bala horrorosos no seu brasão. Captando um
movimento dentro do veículo, reconheceu a
cabeleira loura do amigo. Bradford quase soltou
um suspiro de alívio. Seu amigo estava são e
salvo.
Entendeu, instintivamente, que a mulher que tinha
de pé orgulhosamente diante de si não havia sido
responsável por todo aquele prejuizo.Viu-a tremer
ligeiramente e aproveitou a oportunidade.
— Larga a tua arma! — Não era um pedido. O
duque de Bradfoi raramente, se é que isso tinha
alguma vez acontecido, solicitava alguma coisa.
Ele mandava, não pedia. E sob circunstâncias
normais, sempre recebia o que queria.
Bradford foi obrigado a reconhecer que as
circunstâncias em que se encontrava não eram
normais quando a sirigaita continuou olhando
para ele sem reagir, fingindo que não tinha ouvido
sua ordem.
Caroline concentrou-se em tentar não tremer
enquanto observava o homem corpulento que
tinha acima de si, como se fosse uma nuva de
tempestade. O poder envolvia-o como uma capa, e
Caroline viu-sei amedrontada pela intensidade da
sua reação. Ele era, afinal, apenas um homem. Ela
sacudiu a cabeça e fez força para organizar os
pensamentos O estranho parecia-lhe arrogante e
pomposo e, pelas roupas que usaiva obviamente
abastado. Seu colete era cor de vinho, de estilo
idêntico, casaca verde-vegetal do sr. Smith. Seus
calções dourados de camurça eram também tão
elegantes quanto os do outro, e igualmente
colados no corpo, pois era possível ver-lhe o
relevo da musculatura através do teci¬do. As
botas de cano alto reluziam de tão bem
engraxadas, e o homen com cara de desconfiado
até usava o mesmo tipo de lenço no pescoço.
Caroline lembrou-se de como o ferido tinha se
preocupado, temendo que um de seus conhecidos
soubesse do acontecido, e lembrou da promessa
que lhe havia feito de não contar a ninguém o
sucedido. O estranho que a fitava de maneira tão
agressiva definitivamente pareceu-
lhe do tipo que espalharia fofocas sem a menor
dor na consciência. Era melhor livrar-se dele o
mais rápido possível.
— Madame, será possível que és surda? Eu já vos
disse para depor¬des a vossa pistola. — Ele não
pretendeu gritar, mas sentia-se aprisio¬nado tanto
pela arma dela apontada para ele como, admitia
agora para si, pelos olhos dela, que o desafiavam.
Eram de uma cor que ele nunca
tinha visto.
— Deponde vós a vossa — Caroline finalmente
respondeu. Ado-rou perceber que sua voz não
tinha tremido demais e achou que pareceu tão
zangada quanto ele. Tinha sido uma pequena
vitória, mas, ainda assim, uma vitória.
As costas de Carohne estavam voltadas para a
carruagem, e ela, portanto, não viu o ferido
acenando para o recém-chegado, que estava
tentando matá-la de medo.
Bradford cumprimentou o passageiro da
carruagem com uma vénia seca. Suas
sobrancelhas arquearam-se interrogativamente
para o amigo, e seu olhar subitamente perdeu a
expressão de desconfiança. Era como se de
repente tivessem apagado todo um quadro-negro
repleto de anota¬ções, e Carohne viu-se
desejando que a sua aura intimidadora de poder
também desaparecesse depressa assim.
Não houve tempo para que ela entendesse a
mudança de compor¬tamento do seu adversário.
— Parece que chegamos a um impasse —
declarou o homem, numa voz grossa e melodiosa.
— Devemos atirar um no outro?
Ela não achou graça. Viu os cantos da boca
contraída dele er-guerem-se ligeiramente e sentiu
a coluna enrijecer, reagindo ao gesto. Como ele
ousava assumir assim um comportamento tão
descontraído e entediado, quando ela estava quase
se borrando de medo?
— Podeis depor vossa arma — insistiu Caroline,
baixinho. — Não vou atirar em vós.
Bradford não quis saber nem da ordem, nem da
promessa dela, e continuou a olhá-la com toda a
tranquilidade, enquanto acariciava o pescoço do
seu corcel. Era evidente que valorizava o animal,
e Caroline de repente entendeu que tinha nas
mãos uma nova arma.

Ele, pelo visto, não ia ceder nunca. Não ia curvar-


se diante mulher alguma. Bradford tinha visto sua
oponente tremer um instar antes e sabia que só
precisaria esperar, que ela iria desmoronar todinf
Relutantemente, admirava sua coragem, uma
qualidade que jamais nhã encontrado em mulheres
antes, mas também achava que, corajosa ou não,
ainda era apenas uma mulher e, portanto, inferior.
Todas mulheres eram basicamente iguais... todas
elas...
— Não vou atirar em vós, mas sim no seu cavalo.
O estratagema dela funcionou. O homem quase
caiu da sela.
— Não terias essa coragem! — urrou ele, de pura
indignação.
A resposta de Caroline a essa reação foi abaixar o
braço para suai pistola vazia apontar direto para a
cabeça do imponente corcel.
— Bem entre os olhos — prometeu ela.
— Bradford!— A voz, vindo do interior da
carruagem, fez o du-que deter-se antes de
obedecer ao desejo irresistível de descer do cavalo
e esganar a mulher que estava à sua frente.
— Sr. Smith? Conhece este homem? — Caroline
gritou. Ela não tirou os olhos do estranho furioso,
que estava agora apeando e recolocan¬do, para
grande satisfação dela, a pistola no coldre. Uma
onda de alívio dominou-a. Não tinha sido tão
difícil assim convencê-lo, afinal. Se esse inglês
era um espécime típico da alta sociedade local,
então Caroline ad¬mitia que suas primas tinham
razão. Talvez todos eles fossem maricas.
Bradford virou-se para Caroline,
interrompendo-lhe os pensamentos.
— Nenhum cavalheiro que se prezasse jamais
ameaçaria...
E aí percebeu, no instante em que fazia aquele
comentário, como ele era completamente absurdo.
— Eu nunca me considerei um cavalheiro, mesmo
— respondeu Caroline, quando percebeu que ele
não ia terminar a frase.
O sr. Smith meteu a cabeça pela janela e soltou
um gemido baixo quando o movimento lhe
causou dor,
— Essa pistola que ela está empunhando está
vazia, rapaz. Não precisa ficar aí todo apoplético.
Teu cavalo não corre risco algum.
Na voz dele era possível perceber um certo tom de
mofa, e Caroline não conseguiu conter um sorriso.
Bradford ficou temporariamente distraído ao ver o
lindo sorriso da moça, o brilho malicioso que
surgiu nos seus olhos.
— Não foi nada difícil convencer-te — comentou
Caroline. E imediatamente desejou não ter dito
nada, pois o homem avançou para cima dela, a
uma velocidade alarmante. E não estava sorrindo.
Obvia-mente padecia de uma horrível falta de
senso de humor, refletiu ela,
recuando um passo.
A carranca dele eliminou qualquer possibilidade
de atração física. Isso e seu tamanho. Ele era alto
demais e espadaúdo demais para o gosto dela. Era
quase tão grandalhão quanto o Benjamin, que,
Caroline verificou aliviada, estava se
aproximando às costas do estranho, sem fazer
ruído.
— Terias atirado no meu cavalo, se tua pistola
estivesse carregada, é? — O estranho exibia agora
um tique bastante acentuado na face direi¬ta, e
Caroline, abaixando a pistola, decidiu que era
melhor responder.
— Claro que não. Ele é lindo demais para alguém
querer matá-lo. Por outro lado, o senhor...
Bradford ouviu alguém pisar no cascalho atrás de
si e virou-se. Deu de cara com Benjamin. Os dois
homens mediram-se, avaliaram-se durante alguns
instantes, e Caroline percebeu que ele não tinha se
deixado intimidar pela presença do seu
acompanhante. Sua reação foi apenas mostrar-se
curioso, uma diferença notável em relação à
reação do sr. Smith.
— Podes me entregar o remédio, Benjamin? Não
te incomodes com esse aí — acrescentou ela,
indicando com a cabeça o homem arro-gante. —
Parece que é amigo do sr. Smith.
— Sr. Smith? — indagou Bradford, lançando um
olhar intrigado ao homem que sorria para ele pela
janela da carruagem.
— Ele hoje se chama Harold Smith — prosseguiu
Caroline. — Não quer que eu saiba o nome
verdadeiro dele, pois está em posição bastante
constrangedora. Sugeri que podia chamá-lo de
Jorge, o mesmo nome do teu rei, mas ele
imediatamente ofendeu-se, de modo que con-
cordamos que seu nome seria Harold.
Charity escolheu justamente esse momento para
vir correndo pela curva da estrada, segurando a
saia cor-de-rosa rodada, que estava erguida bem
acima dos seus tornozelos bem torneados.
Caroline achou ótima a interrupção, enquanto
Bradford, de cenho franzido, olhava para ela,
totalmente desconcertado. Será que todos os
ingleses pareciam assim confusos o tempo todo?
— Caroline! O cocheiro se recusa a sair do mato
— disparou Charity quando conseguiu recuperar o
fôlego. Parou de repente ao lado de Benjamin e
lançou-lhe um rápido sorriso antes de olhar para
Bradford e depois, atrás dele, para o homem que a
olhava encantado da janela da
carruagem. — O perigo já passou? O cavalariço
prometeu que retor-naria à boleia se eu voltasse e
lhe dissesse que tudo estava bem. Ele me mandou
aqui perguntar — explicou. — Caroline.
devíamos voltar para Londres. Sei que fui eu que
insisti em ir para a casa de campo do teu pai,
mas agora vejo como minha sugestão foi tola.
Prima, tinhas razão! Va-mos todos ficar na casa
do teu pai na cidade e mandar-lhe um recado.
Charity, tagarelando sem parar, pareceu um
redemoinho ambu-lante para Bradford. Sua
atenção alternava-se de uma a outra mulher e ele
achou difícil crer que as duas fossem mesmo
primas. Eram completamente diferentes uma da
outra, tanto na aparência como no
compor¬tamento. Charity era de baixa estatura,
mais ou menos com um metro e cinquenta e cinco
de altura, calculou Bradford. com cachos
dourados que não paravam de mover-se e olhos
esverdeados que brilhavam tra¬vessos. Caroline
era uns quatro ou cinco centímetros mais alta que
ela, cabelos negros e cílios espessos circundando-
lhe os deslumbrantes olhos azul-claros. Ambas
eram esbeltas. Chanty era graciosa; sua prima era
belíssima.
As diferenças não paravam na aparência. A
lourinha parecia ser estouvada, e seu olhar não
tinha concentração nem firmeza. Não tinha
conseguido olhar direto nos olhos dele. fazendo-o
deduzir que ela era tímida.
Caroline dava-lhe a impressão de uma
autoconfiança absoluta, tendo um olhar firme e
direto. Seria capaz de olhá-lo nos olhos até fazê-lo
cair de joelhos, e quase tinha conseguido. As duas
primas eram opostos com¬pletos, segundo
Bradford constatou, opostos sedutores e
misteriosos.
— Sr. Smith, esta é Charity — apresentou
Caroline, com um sorriso afetuoso para sua prima.
Deliberadamente fingiu que não via Bradford e
justificou seu deslize dizendo para si mesma que o
tinha cometido porque o homem continuava de
cara fechada.
Charity correu até a janela da carruagem, ficou na
ponta dos pés e tentou espiar o interior.
— Benjamin me disse que vos feriram, não foi?
Pobre homem! Estais vos sentindo melhor agora?
— Ela sorriu e esperou uma resposta, enquanto o
cavalheiro ferido procurava desesperadamente
cobrir a coxa exposta. — Sou prima de Carohne,
mas fomos criadas como irmãs pra¬ticamente
desde que éramos bebés, e temos quase a mesma
idade. Eu sou só seis meses mais velha que ela. —
Depois dessa explicação, Charity voltou-se para
sorrir para Caroline, mostrando duas covinhas
iguais nas faces ao fazer isso. — Onde está o
cavalariço deles? Acha que também foi se
esconder no mato? Alguém devia ir procurá-lo,
não?
— Sim — respondeu Caroline. — Esplêndida
ideia. Por que não tentas encontrá-lo com o
Benjamin, enquanto termino de cuidar da perna
do sr. Smith?
— Ai, meu Deus, perdão pelo mau jeito!
Deveríamos todos nos apresentar, embora as
circunstâncias sejam estranhas e seja difícil saber
exatamente como se deve proceder.
— Não! — O grito tinha saído de dentro da
carruagem, com uma força que quase a fez cair de
lado.
— O sr. Smith prefere continuar incógnito —
respondeu Caro-line, com toda a delicadeza. — E
tu deves prometer, como eu prometi, que
esquecerás este incidente. — Ela puxou a prima
para um canto e cochichou: — O homem está
terrivelmente constrangido. Sabe como são esses
ingleses... — acrescentou.
Bradford, que estava ali por perto, ouviu a
explicação e estava para perguntar o motivo do
último comentário de Caroline, quando Charity
disse:
— Ele está constrangido porque foi ferido? Mas
que estranho. É grave?
— Não — garantiu-lhe Caroline. — A princípio
pensei que fosse isso, mas foi porque ele sangrou
muito, e o ferimento é em um lugar inconveniente
— terminou Caroline.
— Ai, ai, ai, ai, ai! — exclamou Charity, com
pena. Lançou um olhar ao homem dentro da
carruagem, depois se virou para Caroline.
— Inconveniente, é?
— E — respondeu Caroline. Sabia que a prima
queria uma descri¬ção completa, mas, por
respeito ao sr, Smith, não lhe disse mais nada. —
Quanto mais rápido terminarmos aqui e seguirmos
caminho, melhor.
— Por quê?
— Porque ele está fazendo o maior drama por
causa do ferimento — respondeu Caroline,
deixando a prima perceber sua exasperação. Não
estava contando a Charity toda a verdade, admitia
consigo. Desejava ir embora depressa por causa
do amigo ameaçador do sr. Smith. Quanto
mais depressa se afastasse dele, melhor. O homem
a amedrontava em um nível incomum, irritante, e
Caroline não estava gostando nada daquele
sentimento.
— Ele é um peralvilho? — perguntou Charity aos
cochichos, como se isso fosse alguma doença
grave.
Caroline não respondeu. Fez sinal a Benjamin e
depois aceitou a bolsa dos remédios que ele
trouxera. Voltou a entrar na carruagem e disse ao
sr. Smith:
— Não te incomodes com a Charity. Ela está sem
óculos, mal consegue enxergar-te,
Benjamin ouviu a explicação, depois ofereceu a
braço a Charity. Quando viu que ela não se apoiou
nele, Benjamin agarrou-lhe o braço e
vagarosamente levou-a para longe dali. Bradford
ficou ouvindo a dupla, tentando imaginar quem
eles seriam e o que estaria havendo.
— Podes entrar, não tem importância que vejas
minha desgraça— chamou o sr. Smith, dirigindo-
se ao seu amigou Readford concordou
e contornou a carruagem pelo lado oposto.
— Há poucos homens nos quais eu confiaria para
manter segredo sobre esse meu apuro, mas
Bradford certamente é um deles — explicou ele a
Caroline.
Caroline não fez comentários. Viu que o
ferimento havia parado de sangrar.
— O senhor traz consigo alguma bebida
alcoolica?__ indagou ela, sem dar a menor bola
para Bradford quando ele entrou na carruagem e
se sentou diante do sr. Smith.
A carruagem era muito mais ampla do que o
coche de aluguel de Caroline, mas, apesar disso, a
perna esquerda de Bradford encostava no seu
ombro, enquanto ela estava ajoelhada diante do sr.
Smith. Não seria de bom-tom sugerir que ele
aguardasse lá fora até ela terminar de limpar a
ferida e pôr bandagens, uma vez que o sr. Smith
tinha convidado o ho¬mem para entrar; mesmo
assim, Caroline sentiu vontade de expulsá-lo.
— Um pouco de conhaque — respondeu o
homem, voltando os pensamentos de Caroline
para si outra vez. — Acha que uma bebida for¬te
ajudaria? — indagou, ao tirar uma garrafa cinza
do bolso do peito.
— Se restar ainda um pouco — respondeu
Caroline, — vou der-ramar umas gotas no
ferimento antes de atá-lo. Mamãe diz que o álcool
protege contra infecções — explicou. Não
acrescentou que a mãe dela não tinha certeza, se
isso era verdade ou não, decretando que
certamente mal não devia fazer. — Vai arder, de
forma que, se sentires vontade de gritar, podes
gritar, que não me incomodará.
— Não vou dar um pio sequer, madame, e não é
galante de vossa parte insinuar que daria —
declarou o homem com ar pomposo apenas
segundos antes de aquele fogo líquido tocar-lhe a
pele. Ele então deixou escapar um urro de protesto
a plenos pulmões e quase caiu do banco.
Bradford, sentindo-se completamente deslocado,
fez uma careta, solidarizando-se com a dor do
amigo.
Caroline apanhou um pequeno pote de pó amarelo
que cheirava a chuva caída há certo tempo e
folhas úmidas e polvilhou liberalmente o
ferimento com ele. Depois pegou a longa faixa
rasgada da anágua e trabalhou o mais rápido
possível.
— O remédio vai anestesiar o ferimento, e
também cicatrizá-lo — informou com delicadeza.
Bradford sentiu que estava sendo vítima da voz
sensual e rouca da moça. Pegou-se desejando
poder trocar de lugar com o amigo, e precisou
sacudir a cabeça para livrar-se dessa ideia
ridícula. O que estava aconte¬cendo com ele?
Sentia-se enfeitiçado e confuso. Era uma reação
muito estranha a uma mulher, que ele jamais tinha
experimentado antes, e viu que não estava
gostando nada daquilo. Ela o descontrolava
totalmente. Essa reação assim tão intensa àquela
rapariga de cabelos negros quase o amedrontava,
e Bradford sentiu-se de repente como se fosse o
estudante desajeitado que tinha sido muitos anos
antes, sem saber como proceder.
— Eu me comportei como um covarde, berrando
daquele
jeito — murmurou o sr. Smith. Enxugou a testa
com urn lencinho bordado e abaixou os olhos. —
Sua mãe é uma bárbara, usando esses métodos de
tratamento assim tão cruéis.
Bradford, vendo seu amigo assim angustiado,
entendeu que era di¬fícil para ele admitir um
defeito, mas concluiu que, se tentasse dissuadi-lo
de sua opinião, só pioraria as coisas.
— Mas sr. Smith, mal abristes a boca —
contradisse Caroline, com firmeza. Deu-lhe uns
tapinhas no joelho e olhou de relance para ele. —
Fostes um paciente muito valente. — E o modo
como encarastes aqueles salteadores, tanta
bravura! — Caroline viu que seu elogio estava
produzindo o efeito desejado. O ar pomposo do sr.
Smith estava voltan¬do aos poucos. — Fostes
corajoso, e não precisas lamentar-vos de nada. E
vos perdoarei por chamar minha mãezinha de
bárbara — acrescentou com um sorriso bondoso.
— Fui mesmo bastante corajoso diante daqueles
patifes — re-conheceu o sr. Smith. —
Naturalmente, estava sozinho, e eles eram muitos,
a senhora entende.
— Estáveis mesmo — respondeu Caroline. —
Devíeis orgulhar-vos da vossa conduta. Não
concordais, sr. Bradford?
— Concordo — respondeu imediatamente
Bradford. muito satis-feito de ela ter resolvido
afinal dirigir-lhe a palavra.
O sr. Smith soltou um grunhido de prazer.
— O único covarde por aqui é o cocheiro irlandês
que eu contra-tei — comentou Caroline, quando
começou a enrolar a longa faixa de tecido da
anágua em torno da coxa do sr. Smith.
— Não gosta de irlandeses? — perguntou
Bradford com voz ar-rastada. Estava curioso
diante do tom veemente da voz dela. Caroli¬ne
olhou-o de relance, os olhos faíscando de ódio. e
Bradford viu-se perguntando-se se ela amaria com
tanta intensidade quanto odiava. Aí
tratou de afastar da cabeça mais essa ideia
ridícula.
— Todos os irlandeses que já conheci são uns
tratantes — admitiu Caroline. — Mamãe diz que
eu devia ser mais liberal no meu modo de ver o
mundo, mas acho que não consigo.
Ela suspirou e procurou concentrar-se nos seus
deveres.
— Uma vez, três irlandeses me atacaram, quando
eu era bem mais nova, e se o Benjamm não
tivesse me salvado, não sei o que teria acontecido.
Provavelmente não estaria aqui lhes contando
isso.
— Acho difícil crer que alguém possa vencer-vos
— comentou o sr. Smith.
Aquilo parecia um cumprimento, e Caroline
respondeu como se fosse.
— Não sabia como me proteger naquela época.
Meus primos ficaram muito revoltados com esse
incidente e, desse dia em diante, revezaram-se
como meus professores de defesa pessoal.
— Essa mulher é um arsenal ambulante —
comentou o sr. Smith para o amigo. — Diz que
anda com toda essa proteção para defender-se dos
criminosos de Londres.
— Será que devemos discutir as diferenças entre
as sofisticadas Colónias e vossa vergonhosa
Londres uma vez mais, sr. Smith? — A voz de
Caroline saiu com um timbre risonho. Ela estava
provocando o homem, mais para distraí-lo do que
por qualquer outro motivo. Com gestos delicados
e precisos, atou a longa faixa na coxa dele,
formando várias camadas de bandagem.
O sr. Smith aos poucos havia deixado de fazer
caretas de dor.
— Estou me sentindo consideravelmente melhor.
Devo minha vida a vós, minha cara senhora.
Caroline fingiu que não tinha ouvido essa
declaração fervorosa, e rapidamente mudou de
assunto. Cumprimentos a constrangiam,
— Estarás dançando dentro de quinze dias —
garantiu. — Vais aos grandes bailes da alta
sociedade? Como dizem, pertenceis à nata?
Essa pergunta inocente fez o sr. Smith tossir.
Parecia que ele estava sufocando com alguma
coisa presa na garganta. Caroline olhou-o um
segundo, depois passou a olhar para Bradford.
Pelo olhar dele, Bradford estava achando graça, e
ela considerou que sua expressão nesse momento
fazia-o parecer bonito.
Pacientemente, esperou que o sr. Smith
respondesse, enquanto ele, ainda tossindo e
procurando recuperar o fôlego, simplesmente
parecia não ser capaz disso.
Bradford não era nenhum peralvilho, pensou ela,
enquanto espe¬rava a resposta. Era até meio
decepcionante reconhecer isso. Não, ele não agia
como o sr. Smith, de jeito nenhum. Os trajes deles
eram parecidos, sim, mas Caroline seria capaz de
jurar que Bradford não trazia consigo um lencinho
feito de renda. Tampouco achava que a coxa dele
se pareceria tanto com a bunda de um neném.
Não, provavelmente era musculosa... e firme. Ele
era muito mais musculoso do que o sr. Smith,
também. Não tinha nem um pouco de gordura
sobrando no corpo. Ela imaginava que ele poderia
facilmente esmagar um adversário somente com
seu peso. Como se comportaria quando estava
com uma mulher? Caroline sentiu as faces
ruborizarem quando essa fantasia alarmante lhe
passou pela cabeça.. O que estava acontecendo
com ela? Tentar imaginar um homem sem roupa,
ou como seria seu comportamento ao tocar uma
mulher... Meu Deus, era uma coisa impensável!
Bradford viu aquele lindo rosto enrubescendo e
achou que ela estava pensando que o sr. Smith
estava rindo dela. Imediatamente respondeu:
— Pertencemos à alta sociedade, sim, mas o sr.
Smith vai a muito mais bailes do que eu. — Ele
não mencionou que raramente comparecia aos
bailes e que considerava tudo aquilo uma mera
chatice. Em vez de expressar seus verdadeiros
sentimentos, Bradford indagou: — Vós
men¬cionastes que estáveis visitando vosso pai?
Morais então nas Colónias? Com vossa mãe?
Bradford desejava descobrir o máximo que
pudesse sobre Caroli¬ne. Ele se recusou a
reconhecer sua súbita compulsão para obter tantas
informações quanto pudesse e fingiu, até para si
mesmo, que era apenas um interesse passageiro,
nada mais.
Caroline franziu o cenho. Seria falta de educação
deixar de respon¬der a perguntas educadamente
formuladas, mas ela não sentia vontade alguma de
contar àqueles cavalheiros nada sobre sua vida.
Permanece¬ria em Londres durante muito pouco
tempo, se nada atrapalhasse seus planos, e não
queria fazer amizade com ingleses. Mesmo assim,
não lhe pareceu que pudesse deixar de
corresponder à expectativa no rosto dos dois
homens. Ela precisava dizer alguma coisa.
— Mamãe já morreu faz muitos anos —
finalmente revelou. —Mudei-me para Boston
quando era bem pequena. Minha tia e meu tio me
criaram, e eu sempre chamei minha tia de mamãe.
Ela me criou, entendeis? Era mais fácil... para eu
não me sentir diferente dos outros
— acrescentou, encolhendo os ombros de um jeito
negligente.
— Vais ficar muito tempo em Londres? —
indagou Bradford e inclinou-se para a frente,
pousando as mãos enormes nos joelhos, ob-
viamente ansioso para ouvir a resposta.
— Charity gostaria de comparecer a alguns
compromissos en-quanto estamos aqui —
respondeu ela, evitando responder diretamente à
pergunta formulada.
Bradford franziu o cenho diante dessa manobra
para deixar de responder à sua pergunta, mas
depois disse:
— Logo vai começar a temporada de bailes.
Estais ansiosa por dar início a vossa aventura? —
Ele procurou esconder o sarcasmo, admitin¬do
que não queria estragar as expectativas inocentes
da moça. Ela era uma mulher e, portanto, devia
estar morrendo de vontade de participar de todas
aquelas frivolidades.
— Aventura? Não creio que considere esses
bailes uma aventura. Mas tenho certeza de que
Charity vai adorá-los — respondeu.
Estava de cenho franzido para Bradford, e ele se
deixou impressio¬nar com a ideia de que o olhar
dela, quando dirigido com tal intensi¬dade,
poderia fazer qualquer homem gaguejar e perder a
sequência dos pensamentos. Naturalmente,
Bradford procurou recordar-se depressa, enquanto
tentava lembrar-se do que estavam falando antes,
que tinha visto muita coisa nessa vida, que era
muito experiente para se deixar levar pelas
manhas de qualquer rapariga. Mas estava ficando
cada vez mais alarmado diante daquelas suas
reações indisciplinadas. Pelo amor de Deus, nunca
tinha se sentido tão perturbado, tão dominado por
uma mulher antes! O que diabo estaria havendo
com ele? Devia ser o calor, refletiu, enquanto
jurava, naquele mesmo instante, quando o olhar
dos dois se encontrou, que iria descobrir tudo
sobre a mulher ajoelhada diante dele. Ela
irradiava inocência pura e promessas de um
genuíno calor humano para um homem que já
estava no frio fazia bas¬tante tempo.
O feitiço que os olhos de Bradford exerciam sobre
Caroline se quebrou quando o sr. Smith pigarreou
e indagou:
— Não estais empolgada diante da perspectiva da
chegada da temporada de bailes, estais? — Ele
parecia, conforme a forma de pensar de Caroline,
totalmente assombrado com sua própria pergunta.
— Ainda não pensei muito nela — respondeu
Caroline. Ela
sorriu, depois acrescentou: — Já ouvimos tantas
histórias... A nata é um grupo fechado, muito
reprovador, e os seus integrantes precisam
comportar-se de maneira absolutamente correta.
Charity está com medo de cometer algum erro que
envergonhe meu pai na sua primeira noite em uma
festa. Deseja comportar-se conforme as regras,
como podeis compreender.
A voz dela parecia tensa, e Bradford ficou ainda
mais curioso.
O sr. Smith comentou:
— Pois eu prevejo que todos em Londres tecerão
comentários a vosso respeito — disse em tom
esnobe e arrogante.
Ele pretendia fazer um cumprimento e ficou
confuso quando Caroline concordou com uma
vénia e franziu o cenho ao levantar o rosto para
olhá-lo.
— E disso mesmo que Charity tem medo com
relação a mim. Ela teme que eu cometa alguma
gafe terrível e que toda a Londres ve¬nha a tomar
conhecimento dela. Raramente tomo iniciativas
corretas, compreendeis? Minha mãe me chama de
rebelde. Infelizmente, preciso
reconhecer que ela tem razão.
Ela fez esse comentário sobre si mesma de um
jeito perfeitamente natural.
— Não. Não, estais equivocada na vossa
interpretação do meu comentário — declarou o sr.
Smith. Ele então sacudiu o lenço no ar, como se
fosse uma bandeira. — Quis dizer que a elite vai
acolhê-la com prazer. Eu é que estou prevendo
isso.
— Muita bondade a vossa — murmurou Caroline.
— Mas não te¬nho esperança quase nenhuma.
Não importa, como vós ingleses gostais de dizer,
porque estou para regressar a Boston. Se o
Pummer em pessoa me expulsar, isso não vai
fazer diferença alguma.
— Pummer; — Bradford e o sr. Smith
pronunciaram esse nome ao mesmo tempo.
— Plumer, ou Brummer — respondeu Caroline,
dando de om-bros. — sr. Smith, podeis deslocar
vossa perna só um pouquinho para eu pegar essa
ponta solta? Obrigada, agora posso continuar.
— Quereis dizer Brummell? Beau Brummell? —
perguntou Bradford, evidentemente achando
graça.
— Ê, esse provavelmente é o nome correto. A sra.
Maybury nos disse, antes de sairmos de Boston,
que esse Brummell é quem manda na nata, mas
naturalmente sabeis disso. A sra. Maybury havia
acabado de chegar às Colónias antes de partirmos,
portanto cremos que a história que nos contou é
verdadeira.
— E qual foi essa história? — quis saber
Bradford.
— Que se o Brummell resolver vetar uma
senhora, é melhor ela ir procurando um convento.
Não irá encontrar nenhum par nos bailes, e
retornará a casa com sua honra enxovalhada.
Podeis imaginar que uma pessoa tenha tal poder?
— fez essa pergunta a Bradford e olhou de relance
para ele. Imediatamente desejou não ter olhado.
Claro que ele podia imaginar tal poder, disse a si
mesma. O homem provavelmente tinha sido o
inventor dele. Suspirou, frustrada, e abaixou a
cabeça. O fato de Bradford estar ali tão perto
irritava-a. Ela olhou para o sr. Smith e viu que ele
estava de cara amarrada, tenso.
— Perdão, vossa bandagem está apertada demais?
— N-não, está ótima — gaguejou o sr. Smith.
— Deveis compreender que eu pessoalmente não
me importo se Brummell me isolar ou não. Não
creio que Londres seja o lugar certo para mim.
Mesmo assim, preocupo-me por Charity, temendo
que sua reputação sofra a influência do meu
comportamento e ela seja humilhada. Sim, eu me
preocupo muito com isso.
— Tenho a impressão de que Beau Brummell não
irá isolar nem a vós nem a vossa prima — previu
Bradford.
— Vós sois bela demais para serdes rejeitada —
interferiu o sr. Smith.
— Ser atraente não devia interferir no processo de
aceitação. E o que vai por dentro da pessoa que
importa — aconselhou Caroline.
— Além desse nobre fato, ouvi dizer que ele
valoriza os seus cinzentos acima de qualquer outra
coisa — comentou Bradford, em tom seco.
— Os cinzentos? — estranhou Caroline, confusa.
— Seus cavalos — respondeu Bradford. — Sem
dúvida que ten-taríeis atirar neles se ele ousasse
evitar que vós ou vossa prima frequen-tassem os
bailes.
Sua expressão parecia séria, mas seus olhos
tinham um quê cálido e provocador.
— Longe de mim! — respondeu Caroline,
claramente
confusa.
Aí ele sorriu e Caroline sacudiu a cabeça.
— Estais caçoando de mim — afirmou ela. —
Pronto — disse, voltando-se para o sr. Smith. —
Terminei. Levai este remédio convos¬co e
mandai trocar o curativo uma vez por dia. E não
permitais que ninguém vos aplique sanguessugas,
por tudo quanto é mais sagrado. Já
perdestes sangue demais.
— Uma outra prática da vossa mamãe? —
indagou o sr. Smith, bastante desconfiado.
Caroline confirmou, saindo da carruagem.
Quando ficou em pé do lado de fora, voltou-se e
apoiou as pernas do sr. Smith no banco em frente
a ele, ao lado do corpulento Bradford. —
Infelizmente, estais com a razão, sr. Smith.
Vossas lindas botas estragaram-se. E vossas
borlas estão cobertas de sangue. Talvez devais
lavá-las com champanhe, como a sra. Maybury
explicou que Brummell faz, e aí ficarão novas em
folha de novo.
— Mas esse é um segredo muito bem guardado
— replicou o sr. Smith, indignado.
— Não deve ser tão bem guardado assim —
respondeu Caroline, —, pois a sra. Maybury sabia
muito bem dele, e parece que vós também sabeis.
— Ela não esperou uma resposta a sua afirmativa
lógica e virou-se para Bradford. — Agora vais
cuidar do vosso amigo?
— Encontramos o cocheiro — gritou Charity,
assim que Bradford confirmou para Caroline que
iria cuidar do amigo, sim. — Ele está com um
galo na cabeça do tamanho de uma torre de igreja,
mas vem vindo aí.
Caroline confirmou e despediu-se:
— Bom dia para ambos. Benjamin, precisamos ir
agora. O sr. Bradford cuidará do sr. Smith.
O negro respondeu algo a Caroline em uma língua
que Bradford ja¬mais tinha ouvido antes, mas,
pela forma como a jovem sorriu e balançou a
cabeça afirmativamente, viu que ela entendia
perfeitamente.
E aí o trio se foi. Nenhum dos dois nobres disse
uma palavra en-quanto viam a ninfa de cabeleira
negra afastar-se, conduzindo a prima, pela estrada.
O duque de Bradford saltou da carruagem para
olhar mais tempo, enquanto seu amigo metia a
cabeça pela janela e também obser-vava os três se
afastarem.
Bradford pegou-se sorrindo. A priminha de
cabelos louros estava falando com Caroline, e o
preto caladão, de pistola em punho, seguia atrás
das duas, obviamente protegendo-as.
— Meu Deus, acho que contraí a loucura do rei
— declarou o ferido. — Essa rapariga vem das
Colónias — acrescentou, com um certo desprezo
na voz —, e mesmo assim já estou cego de paixão
por ela.
— Pois trata de curar-te — alertou Bradford
bruscamente. — Eu a quero para mim. — Seu tom
não insinuou uma discussão, e o amigo
sabiamente concordou, balançando a cabeça com
vigor várias vezes. —Não importa se ela é das
Colónias ou não.
— Pois vais causar um tremendo rebuliço se a
cortejares. Se o pai dela não tiver títulos... Ora,
simplesmente não é possível. Lembra-te da tua
posição.
— E, portanto, estás condenando nossa união? —
Bradford fez essa pergunta com uma curiosidade
tranquila.
— Não condeno. Eu te apoiaria. Ela salvou-me a
vida.
Bradford ergueu uma das sobrancelhas, e o
seu amigo apressou-se em responder à pergunta
que ele não fez.
— Ela atacou os patifes e arrancou a arma da mão
do líder segun¬dos antes de ele atirar em mim.
— Não tenho a menor dúvida de que ela seria
capaz de fazer exatamente isso — comentou
Bradford.
— Feriu outro dos salteadores no ombro.
— Notaste como ela procurou evitar responder às
minhas perguntas?
O sr. Smith começou a soltar risadinhas juvenis.
— Achei que não seria possível vê-lo sorrir,
Bradford, e mesmo assim, hoje eu o vejo fazendo
isso sem parar. A nata vai fervilhar de tantas
especulações. Não será fácil para ti unir-se a essa
rapariga. Eu até sinto inveja desse teu desafio.
Bradford não respondeu, mas virou-se de novo e
voltou a olhar para longe, para a curva da estrada
na qual os três haviam desaparecido.
— Ela vai causar uma reação e tanto quando as
senhoras elegantes puserem os olhos nela. Notaste
a cor dos olhos dela? Vais ter que lutar pela
atenção dela, Bradford. Meu Deus, rapaz, olha só
as minhas botas!
O duque de Bradford fingiu que não tinha ouvido
esse pedido. Depois, pôs-se a rir.
— E então, Brummell, vais ter a ousadia de vetá-
la?
CAPÍTULO 2
A
carruagem de aluguel percorreu a estrada para
Londres a uma velocidade constante. Benjamin,
desconfiado do desrespeito do cocheiro para com
seus deveres, decidiu viajar ao lado do homem, na
boleia, para ficar de olho em seu comportamento.
Caroline e Charity iam sentadas uma diante da
outra, dentro do veículo, e depois que Charity já
havia se cansado de falar, as duas caíram em um
silêncio reflexivo.
Charity não costumava sentir-se tão nervosa.
Caroline entendia que aquela sua tagarelice era
uma forma de desabafar a insuportável tensão sob
a qual sua prima se encontrava. Enquanto
Caroline procurava raciocinar, Charity contava a
ela tudo o que lhe vinha à cabeça. Não era honra
nenhuma, uma vez que sua prima gostava de falar
de tudo que era assunto com absolutamente todo
mundo. Sua mãe dizia, que Charity es¬palhava as
últimas fofocas mais rapidamente que o Journal
de Boston.
Caroline era o total oposto de Charity; calada,
tímida, já havia aceitado havia muito tempo que
não tinha a menor queda para trocar confidências.
Ao contrário de sua prima, Caroline procurava
carregar seus fardos em silêncio.
— Gostaria que tivéssemos um plano para pôr
imediatamente em ação, agora que chegamos
finalmente à Inglaterra — declarou Chanty,
apressadamente. Estava torcendo as mãos,
amarfanhando as luvas corde-rosa que segurava.
— Estou contando contigo para me dizer como
proceder.
— Charity, já repetimos a mesma coisa um
milhão de vezes. Sei que é difícil para ti, mas
deves parar de preocupar-te assim. Vais ficar
velha e enrugada antes do tempo. — Caroline
falava com bondade, mas com firmeza. — Sabes
que vou ajudar-te. Porém em troca precisas
prometer-me que vais ter cautela.
— Sim. Cautela! Esta é a chave. Se ao menos eu
tivesse um pingo da tua autoconfiança, Lynnie...
— respondeu a prima, usando o apelido de
infância de Caroline. Charity tornou a suspirar,
um suspiro longo e arrastado, certamente
exagerado. — Mas, e se eu descobrir que ele é
casado?
Caroline decidiu que seria melhor não responder.
Não ia ser capaz de evitar que a raiva e a
frustração se revelassem na sua voz, e isso faria
Charity entregar-se a novo ataque de choro.
Depois de uma viagem tão longa, Caroline não
estava nem um pouco disposta a aturar isso.
Os homens eram todos uns tratantes, com exceção
dos seus que-ridos primos, naturalmente. Por que
a adorável e querida Charity tinha entregado seu
coração a um inglês, era uma coisa para a qual
Caroline não conseguia encontrar explicação.
Havia muitos pretendentes à mão de Charity em
Boston mesmo, mas sua prima tinha que ter
escolhido um sujeito lá do outro lado do mundo.
O inglês, Paul Bleachley, estava visitando Boston
quando os dois se conheceram por acaso, e ela
ime-diatamente se apaixonou por ele. A única
parte dessa bobagem em que Caroline acreditou
foi o fato de ela ter se apaixonado. Charity estava
sem óculos, e literalmente tropeçou em Paul
Bleachley quando dobrou a esquina da rua da
Nogueira, na praça da cidade.
O namoro durou seis semanas, e foi dos mais
intensos. Charity jurou seu amor e contou a
Caroline que Bleachley tinha feito o mesmo. Ela
achava que o inglês tinha as melhores intenções,
mesmo depois do seu desaparecimento súbito.
Era insuportavelmente ingénua. Mas
Caroline não se deixava enganar com tanta
facilidade assim. Ela e o resto da família nem
mesmo tinham conhecido o homem, A cada vez
que se marcava um jantar, Paul Bleachley
encontrava, no último minuto, outros
compromissos mais urgentes aos quais
comparecer.
A desconfiança de Caroline de que o inglês estava
apenas enganan¬do sua prima aumentou dez
vezes mais quando ela começou a investigar
discretamente a vida dele, fazendo perguntas pela
cidade. Charity tinha mencionado que Bleachley
estava em Boston para visitar os pais, mas
ninguém na comunidade bastante unida em que
viviam tinha ouvido falar do inglês.
O desaparecimento do inglês coincidiu com a
noite da terrível ex¬plosão no porto de Boston.
Três navios ingleses e dois norte-americanos
tinham sido completamente destruídos. Embora
Caroline não ousasse revelar sua desconfiança, e
não tivesse provas, ficou convencida de que Paul
Bleachley de alguma forma estava envolvido
nessa conspiração.
A família ficou aliviada quando Bleachley sumiu.
Todos presumi¬ram que ele tinha voltado à
Inglaterra, e que Charity logo se esqueceria
daquele romance passageiro. Mas estavam
redondamente enganados. Charity ficou para
morrer de pesar quando finalmente aceitou que
Blea¬chley a tinha abandonado. Jurou vezes sem
conta, até Caroline acreditar nela, que ia descobrir
o que havia acontecido e por quê.
— Sinto vergonha de mim mesma — disse
Charity, interrompen¬do os pensamentos de
Caroline. — Nunca mencionaste uma palavra das
tuas preocupações, enquanto eu tagarelava sem
parar, falando sobre as minhas.
— Eu não tenho preocupações — protestou
Caroline.
Charity sacudiu a cabeça,
demonstrando sua exasperação.
— Faz catorze anos que não vês o teu
pai, e não tens preocupações? Não tentes enganar-
me, Caroline. É natural que estejas preocupada!
Teu pai virou tua vida pelo avesso, e ages como se
isso não tivesse a menor importância..
— Charity, não há nada que eu possa fazer
para resolver isso! — replicou Caroline,
demonstrando sua irritação.
— Desde que aquela carta chegou vens
escondendo-te atrás de uma máscara. Eu sei que
deves estar perturbada! Fiquei morrendo de raiva
do teu pai. Teu lugar é com a minha família, e não
com um homem do qual nem mesmo te lembras.
Caroline concordou, lembrando-se da cena
horrível que tinha ocor¬rido em sua casa de
Boston quando ela e Charity voltavam da
cavalgada matinal. O resto da família estava
esperando as duas, de cara fechada.
A mãe de Charity chorava e gritava algo horrível,
proclamando que Caroline era tão sua filha quanto
Charity. Ela tinha criado a menina desde quatro
anos, não tinha? E Caroline chamava-a de mamãe
desde o início. O pai de Charity mostrava-se mais
contido, mais decidido, enquanto lhe anunciava
com toda a calma que ela teria de voltar para a
Inglaterra.
— Acha que ele realmente viria te buscar, como
ameaçou na carta? — perguntou Charity.
— Acho — respondeu Caroline, com um suspiro.
— Nós não tínhamos mais desculpas —
acrescentou. — Meu pai deve pensar que eu sou
de uma fragilidade terrível. Sabe que cada vez que
ele pedia que eu voltasse sua mãe lhe dizia que eu
tinha contraído alguma doença.
Creio até que a única doença que ela não inventou
foi a peste, e isso só porque não se lembrou dela.
— Mas ele não te quis. Deu-te para nós, para te
criarmos.
— Só ia ser por uns tempos — respondeu
Caroline. — Não en-tendo o que aconteceu, mas
depois que minha mãe morreu, meu pai não podia
tomar conta de mim, e aí ele...
— Ele é um conde — interrompeu Charity. —
Podia ter contra-tado alguém para tomar conta de
ti. E por que ia querer que voltasses agora, depois
de tanto tempo? Nada disso faz sentido.
— Se eu tiver um pouquinho mais de tempo, vou
descobrir a res-posta — afirmou Caroline.
— Caroline, lembras de alguma coisa que tenha
acontecido quan-do eras bem pequena mesmo, um
bebé? Eu só me lembro de coisas que
aconteceram quando tinha seis anos, como aquela
vez em que caí do sótão da casa do Brewster.
— Não, só do que aconteceu em Boston —
Caroline respondeu. Sentiu um nó no estômago e
desejou que a conversa terminasse.
— Ora, não entendo como não detestas esse
homem. Não me
Olhes assim. Sei que é errado odiar as pessoas,
mas teu paizinho obviamente não quis ficar
contigo, e agora, depois de catorze anos, vem
dizer que mudou de ideia. Ele não dá a mínima
para os teus sentimentos.
— Preciso acreditar que o meu pai fez o que
considerou melhor— respondeu Caroline.
— Caimen ficou furioso quando soube que ias
embora — decla¬rou Charity, referindo-se ao seu
irmão mais velho.
— Devo lembrar-me de que tenho para com teus
pais e teus ir¬mãos uma divida, e não devo
zangar-me — respondeu Caroline. Suas palavras
soaram como um juramento. — A raiva e o ódio
são emoções destrutivas, e nenhuma das duas vai
mudar os fatos.
Charity franziu o cenho e sacudiu a cabeça.
— Não entendo como te conformas assim.
Sempre tiveste um plano. Conta-me o que vais
fazer. Não és do tipo que aceita tudo assim. Es
atirada, não sentada.
— Sentada? — Caroline riu da descrição
inventada pela
prima.
— Sabes do que estou falando. Não ficas só
sentada, tu te
atiras às coisas.
— Ora, pensei em dar ao meu pai a oportunidade
de
conviver um ano comigo.
Devo isso a ele. E tentarei gostar dele também.
Depois, é claro, voltarei a Boston.
— E se teu pai não permitir que voltes? — disse
Charity,
torcendo as mãos e amarfanhando as luvas outra
vez, e fazendo Caroline apressar-se a acalmá-la.
— Preciso crer que, se eu me mostrar
devidamente frustrada, ele vai me deixar
regressar a Boston. Não te arrufes assim, Charity.
E minha única esperança. Por favor, não tentes
abalar-me a fé.
— Não consigo evitar. Meu Deus, ele pode até
casar-te com al-guém antes mesmo que te
acostumes aqui.
— Isso seria uma indelicadeza que não creio que
ele vá cometer.
— Ouviste dizer que o Caimen disse ao Luke que
te seguiria e te traria de volta a
Boston, se não voltasses dentro de seis meses?
Caroline confirmou.
— Ouvi — respondeu ela. — E o George, sempre
tão tímido e contido, disse a mesma coisa. Teus
irmãos são muito leais a mim.
Caroline viu-se sorrindo ao rememorar a imagem
dos seus primos. Lembrou-se de novo de
considerar-se sortuda por ter passado tanto tempo
em sua companhia. Achava que sua natureza era
resultado da influência deles. Ela fazia lembrar o
irmão de Chanty, Caimen, tanto na aparência
como no génio impetuoso, imitava a timidez de
George às ve¬zes, tinha a honestidade de Justm e
o senso de humor original de Luke.
— Devíamos ter escrito ao teu pai primeiro e
depois aguardado até termos certeza de que a
carta chegou às mãos dele antes de sair de Boston.
Caroline sorriu.
— Tens uma memória conveniente, Charity.
Assim que tua mamãe te deu permissão para me
acompanhar, insististe que devíamos partir
imediatamente.
— Isso apenas porque o Caimen estava
procurando convencer ma¬mãe de que eu não
devia vir — explicou Chanty. Sua voz tinha o tom
de quem tenta explicar algo complexo a uma
pessoa meio simplória. Ela suspirou,
demonstrando sua irritação com Caroline, depois
indagou:
— Quem era o senhor alto que estava te ajudando
com o cava-lheiro ferido? — A mudança de
assunto confundiu Caroline e Charity continuou,
mesmo assim: -— Ele era mesmo muito formoso.
— Não era formoso coisa nenhuma — Caroline
respondeu na hora, de maus modos,
surpreendendo-se diante da irritação que sentia.
— Eu não senti a menor atração por ele.
— Não pode estar falando sério! Mesmo sem os
meus óculos, vi que ele era um homem bem fora
do comum.
— Fora do comum até demais. Era um arrogante
— Caroline informou à prima. O tom dela saiu
altivo, mas ela não se importou. — Provavelmente
nunca mais o veremos, e, para mim, tudo bem.
Charity lançou um olhar intrigado à prima e
depois disse:
— Um homem assim tão grandalhão como ele,
com uns olhos azuis maravilhosos!
— Eram castanho-escuros, não azuis, com uns
pontinhos dourados — respondeu Caroline, antes
de ter tempo de perceber o que dizia.
Charity riu.
— Tu te deixaste cativar por ele, sim! Eu te
enganei. Eu sabia que os olhos dele não eram
azuis — declarou, mostrando-se satisfeitíssima.
— Mas reparei nos cabelos dele — continuou,
sem deixar transparecer que notava a fisionomia
irritada de Caroline. — Estão precisando de um
bom corte, e são muito encaracolados.
— Não demais — observou Caroline, dando de
ombros.
— Ele me deu um pouco de medo — admitiu
Charity. — Parecia tão...
— Poderoso? — interferiu Caroline. Charity
concordou, e Caroline prosseguiu: — O nome
dele é Bradford, e eu não quero mais falar dele.
Achaste tua lente perdida?
— Sim, eu a dei ao Ben. Ele prometeu consertar
os óculos quando chegarmos à casa de teu pai, na
cidade. Poderoso é justamente a pala¬vra certa,
creio eu. Esse tal Bradford não vai se deixar levar
com muita facilidade — concluiu Charity,
balançando a cabeça como quem sabe
das coisas.
— Como assim?
— Só estou dizendo que não vais poder levá-lo
pela coleira, como fazes com o Clarence.
— Não estou levando o Clarence pela coleira a
lugar nenhum — protestou Caroline. — Somos
apenas amigos.
— O Clarence segue-te como um cachorrinho —
afirmou Charity. — Tu o dominas por completo.
Até o Caimen diz isso. Precisas de um homem
forte, senão o derrubas.
— Mas que besteira estás dizendo! — respondeu
Caroline, cha-teada com os comentários que
Charity fazia com a maior naturalidade sobre sua
personalidade.
— Não perdes por esperar. Vi como o sr.
Bradford estava olhan-do para ti. Acho que vai
tentar te cortejar. Acho, sim — apressou-se em
dizer quando Caroline abriu a boca para protestar.
— Quando te apaixonares por alguém forte, como
o sr. Bradford, esse homem vai
te conquistar o coração, e aí teu comportamento
vai mudar. Não vais querer mais ser tão
independente. Claro que não será conveniente
para ti apaixonar-te por um inglês, uma vez que
juraste voltar para Boston.
Caroline recusou-se terminantemente a responder
àqueles co-mentários absurdos de sua prima. Não
tinha a menor intenção de se apaixonar por
alguém. A falta de sono estava começando a
deixá-la zonza, e os comentários ridículos de
Charity faziam com que perdesse a concentração.
A viagem de Boston ao porto de Londres tinha
levado uma eterni¬dade. Caroline rapidamente
adaptou-se ao balanço do navio, pelo menos foi
esse o cumprimento do capitão da embarcação,
mas Charity e Benja-min não tiveram a mesma
sorte. Caroline passou um bom tempo toman¬do
conta de gente enjoada e contrariada. A tarefa
tinha sido exaustiva.
Eles tinham dormido no navio na noite anterior, e
de manhã en-viado uma mensagem ao conde de
Braxton, informando que haviam chegado. O
mensageiro voltou, dizendo que o conde estava no
momento passando uma temporada no campo, a
três horas de distância de Lon¬dres. Caroline
resolveu ficar na casa da cidade e enviou uma
mensagem a seu pai anunciando sua chegada, mas
Charity, impaciente por natureza, insistiu que
alugassem uma carruagem e fossem para a casa de
campo.
— Afinal chegamos! — gritou Charity, ao
pararem diante do sobrado. A voz dela irradiava
entusiasmo, e ela não parecia nem um pouco
cansada. Isso irritou Caroline quase tanto quanto a
tagarelice chata dela.
Charity estava debruçada à janela da carruagem,
semicerrando os olhos para ver a casa, e Caroline
foi obrigada a puxar-lhe o braço para poder abrir a
porta.
— Eu sabia que a casa era linda — exclamou
Charity. — Teu pai é conde, afinal. Ai, Caroline,
estás muito nervosa?
— Claro que não. Meu pai não está — comentou
ela, ao exami-nar o sobrado de fachada de tijolos
elegante diante de si. Foi obrigada a admitir que
parecia mesmo bem impressionante. As várias
janelas retangulares ficavam todas na fachada, e
todas tinham contornos cor de marfim,
contrastando de forma agradável com os tijolos
vermelhos.
Cortinas também cor de marfim encontravam-se
penduradas do outro lado das vidraças, nos cantos
das janelas, dando à casa uma aparência nobre e
elegante.
Era preciso subir três degraus para alcançar a
porta da frente, que também era cor de marfim. A
aldraba preta enfeitada com detalhes dourados
ficava no meio da porta, mas quando Caroline
ergueu a mão para pegá-la, a porta se abriu.
O homem que Caroline presumiu ser o mordomo
era tão impres¬sionante quanto a casa que
guardava. Vestido de cima abaixo de pre¬to, sem
nem mesmo uma gravata branca para amenizar o
efeito, ele conservou uma expressão totalmente
isenta de emoções até Caroline identificar-se
como filha do conde de Braxton. Sua expressão
mudou nesse momento, e seu rosto, voltado para
cima, sorriu para .ela, pois o homem era apenas
cerca de dois centímetros e meio mais alto do que
a pequena Charity, e, embora Caroline
considerasse o seu sorriso no máximo débil, ele
lhe pareceu sincero.
Ele recebeu os três dentro da casa, apresentou-se
como Deighton. e explicou com ar de importância
que era "o homem" do conde. Disse-lhe que tinha
acabado de chegar a fim de supervisionar os
criados na rea¬bertura da casa para a temporada
de bailes que se aproximava. O conde chegaria à
noitinha. Se eles tivessem prosseguido na direção
da casa de campo, teriam se desencontrado,
percebeu Caroline.
A casa estava que era uma azáfama só, de tanta
atividade. Caroline sentiu-se um estorvo enquanto
os criados corriam de um quarto para outro com
panos de pó e baldes de água nas mãos.
Ela gostou do comportamento sensato de
Deighton. Ele provou ser extremamente eficiente
e mandou duas criadas abrirem as malas e tirarem
tudo de seu interior em minutos. A casa contava
com um amplo estúdio e cinco quartos no andar
de cima, e Caroline e Charity recebe-ram quartos
adjacentes.
Depois de Caroline ter passeado pelos quartos no
segundo andar, acompanhou Benjamin até o
terceiro andar, para ver se o seu quarto era
satisfatório. Ela o deixou desfazendo as malas e
retornou ao segundo andar para ajudar Charity a
localizar seu par de óculos reserva.
Caroline deixou Charity supervisionar as criadas
que desfaziam suas malas. Sentia-se inquieta e
incomodada, e sabia a causa. O pai ia chegar antes
do cair da noite, e ela estava preocupada com a
reação dele. Será que demonstraria a ela em
pessoa o mesmo afeto que demonstrava nas
cartas? Será que ficaria satisfeito ou decepcionado
com sua aparência? Gostaria dela? E tão
importante quanto isso, será que ela gostaria dele?
Ela parou um momento diante da porta da
impressionante biblio¬teca no alto das escadas e
deu uma espiada no aposento. A sala reluzia de
cima até embaixo, impecável. Não era uma sala
que inspirasse conforto.
Será que seu pai era tão impassível quanto sua
biblioteca?
Caroline ficou mais preocupada com o jeito de ser
do pai ao pas¬sear por cada um dos cómodos do
andar principal. Tudo estava tão arrumado!
Arrumado e tão terrivelmente frio! O salão de
recepção formal ficava à esquerda do corredor de
entrada, revestido de azulejos, e era elegantíssimo.
Todo decorado em ouro e marfim, com toques de
amarelo-claro, era belíssimo, mas não parecia
convidativo. Caroline tentou imaginar seus primos
se colocando à vontade naquele aposento e depois
constatou que isso era inútil. A mobília
excessivamente estofa¬da não parecia capaz de
sustentar homens de grande estatura e modos
desajeitados, vestidos com roupas de trabalho e
botas das quais nunca se lembravam de raspar a
terra. Não, Caimen, Justin, Luke e George se
sentiriam tão deslocados ali quanto ela.
À direita do vestíbulo havia uma grande sala de
jantar. A maciça mesa de mogno e doze cadeiras
para complementar o conjunto eram o ponto
central, mas os cálices de cristal fino e bordas
douradas, no centro do bufe, contra a parede
oposta, chamavam igualmente a atenção. Não
havia nada de confortável naquela sala também.
Ela irradiava abastança e luxo.
Caroline seguiu o corredor comprido e encontrou
nova biblioteca logo atrás da sala de recepção.
Ficou profundamente aliviada quando abriu a
porta e viu a bagunça. Aquela sala era obviamente
o lugar onde o seu pai ficava. Ela hesitou à
entrada, preocupada por estar invadindo um
recanto secreto, mas por fim entrou. A linda
escrivaninha chamou-lhe a atenção, assim como
as duas poltronas de couro gasto, e os volu¬mes
de livros que revestiam as prateleiras de duas
paredes. As janelas que davam para um jardim
lateral isolado cobriam a terceira parede, e quando
Caroline se cansou de olhar a linda vista que as
janelas lhe pro¬porcionaram, virou-se para a
última parede. Surpresa, ficou totalmente imóvel
enquanto examinava a bizarra disposição de
elementos que tinha diante de si. Desde cima até
embaixo, a parede estava coberta de dese¬nhos,
todos feitos por ela! Eles iam de primitivos
rabiscos semelhantes a animais que tinha feito
quando era muito pequena, até figuras mais
avançadas de casas e árvores. No meio de todas
aquelas suas obras, estava um desenho que
Caroline lembrava de ter feito. Ela riu quando
o olhou mais de perto, e sacudiu a cabeça. O
desenho tinha sido sua primeira tentativa de fazer
um retrato de família. Todos estavam ali, seus
pais de Boston, Charity, seus primos, e até seu
pai, embora ela o tivesse desenhado afastado do
resto do grupo.
A aparência de seus temas era bastante ridícula.
Caroline tinha usado círculos imensos para fazer
as barrigas de todos, e se concentrado nos dentes,
como o principal foco de atração. Rostos
minúsculos, todos sorrindo, com dentes imensos
saindo deles! Ela devia ter por volta de seis anos
quando desenhou essa família e lembrou-se de
que tinha sen¬tido muito orgulho do seu desenho.
O fato de seu pai ter guardado todos os seus
desenhos deixou Ca-roline espantada e aliviada. A
mãe de Charity devia tê-los enviado para ele, sem
lhe contar nada.
Caroline encostou-se na beirada da escrivaninha e
examinou com atenção aqueles desenhos todos,
durante muito tempo. Notou que os primeiros
desenhos incluíam seu pai, mas à medida que ela
progredia em idade e estilo, ele deixou de
aparecer nos desenhos. Mesmo assim, ele tinha
guardado todos. Percebendo isso, ela o viu menos
como o conde e mais como pai. Era assim que ele
tinha tomado conhecimento da sua in¬fância, a
jovem entendeu subitamente, e esse pensamento
entristeceu-a.
Caroline, uma pessoa de uma lealdade a toda
prova, viu-se com-pletamente confusa. Aquela
exibição dos seus desenhos indicava que ele
gostava mesmo dela. Por que não tinha mandado
buscá-la nas Colónias para morar com ele?
Certamente percebia que, com o tempo, ela iria
começar a chamar seu tio e sua tia de papai e
mamãe. Ela só tinha qua-tro anos quando se
tornou "filhinha" deles. Era perfeitamente natural
que os irmãos de Charity se tornassem seus
irmãos. Ele devia saber que suas primeiras
memórias iriam desaparecer, substituídas pelo seu
novo ambiente e sua nova família.
A culpa invadiu-lhe os pensamentos. Ele tinha
feito um sacrifício por ela. Mamãe tinha lhe
contado isso inúmeras vezes! Tinha explicado que
o conde queria que sua filha fosse criada com uma
família estável e sentia que ela iria ficar mais
feliz, sentir-se mais amada, com seu irmão mais
novo e sua família.
Por que ele não pensou que talvez seu amor fosse
suficiente?
Meu Deus, ela não tinha lhe dado nada como
filha. Lembrava-se de reclamar quando era
obrigada a escrever umas palavras educadas para
enviar a ele! Ela fora egoísta e, por mais que
doesse reconhecer isso agora, desleal! Tinha
tramado e planejado ficar em Boston, chamado de
pai a uma outra pessoa e, o pior de tudo, tinha se
esquecido de amar seu verdadeiro pai.
Desejou jamais ter visto aqueles desenhos. Seus
olhos ficaram cheios de lágrimas e ela saiu
correndo da sala. Desejou voltar a Boston e sentiu
vergonha de si mesma por desejar isso. Aquilo a
fez sentir-se culpada e indigna. Uma covarde.
Será que ela seria capaz de dedicar ao pai pelo
menos uma parte do amor e lealdade que tão
livremente dedi-cara à sua família de Boston?
Caroline subiu até seu quarto e deitou-se na cama
com dossel, de¬cidida a analisar suas emoções. A
parte lógica da sua mente insistia em que ela era
apenas um bebezinho quando mudou de família e,
portanto, o amor e a lealdade não eram
importantes. Mas seu coração continuou a doer.
Como teria sido mais fácil se o conde fosse frio e
destituído de amor!Ela tinha desempenhado o
papel de heroína trágica durante todo o caminho
de Boston até Londres, e agora admitia que, afinal
de contas, era só um papel. A realidade era bem
diferente.
Como iria prosseguir? Não conseguia encontrar
uma resposta, e finalmente deixou o cansaço
vencê-la, caindo em um sono profundo e sem
sonhos.
Caroline dormiu até a manhã seguinte, e só a
interromperam uma vez.
A certa hora da noite, ela acordou ao ouvir a porta
ranger. Instan¬taneamente, ficou alerta, mas
fingiu dormir, enquanto observava um homem
mais velho hesitar à porta e depois vir devagar até
a cama. Ela fechou os olhos, mas não antes de ver
as lágrimas que escorriam pelo rosto do homem.
Ele parecia uma versão mais velha do seu irmão, e
então ela viu que aquele ao lado da cama era seu
pai.
Caroline sentiu a colcha ser levantada e metida
sob seus ombros firmemente, e aquele gesto
comoveu-a até o fundo do seu ser. E aí sentiu a
mão dele, trémula, roçar na sua têmpora, bem de
leve, e o ouviu mur¬murar baixinho, com amor,
"Bem-vinda ao lar, minha filha".
Ele inclinou-se e beijou-a na testa, e aquele toque
suave trouxe alegria ao seu coração. Depois,
endireitou o tronco devagar e voltou para a porta.
O aroma de tabaco e especiarias perfumou o ar
depois que ele se foi, e os olhos de Caroline
abriram-se de repente, arregalando-se. Ela
reconhecia aquele cheiro, lembrava-se dele.
Tentou recordar-se das imagens que o
acompanhavam, das sensações, mas como os
vaga-lumes que tentava capturar quando era
pequena, tudo lhe pareceu fugidio. A memória
parecia estar bem ao seu alcance, porém ela não
conseguia alcançá-la.
A fragrância bastava no momento, pois com ela
vinha uma sen-sação de contentamento e amor
que a cercava como a bruma matinal, abraçando-a
e enchendo-a de paz.
Ela aguardou até a mão do pai pousar na maçaneta
da porta e ele estar a ponto de fechá-la atrás de si.
E não conseguiu mais conter as palavras, que
saíram sem que ela sentisse:
— Boa noite, papai.
Era como se estivesse repetindo um ritual noturno
muito antigo, e, embora não tivesse lembrança
alguma dele, instintivamente viu que ainda não
tinha terminado de dizer tudo. Procurou expressar
os seus sentimentos com palavras, e, sem se dar
conta, falou:
— Eu te amo, paizinho.
O ritual estava encerrado. Caroline fechou os
olhos e deixou as lembranças, como os vaga-
lumes do passado, afastarem-se saltitantes.
Finalmente, tinha regressado ao seu lar.

CAPÍTULO 3
O
duque de Bradford não conseguia tirar aquela
belíssima mulher de olhos azuis da cabeça. A
inocência dela o tentava, seu sorriso deslumbrava-
o, mas, antes de qualquer coisa, seu raciocínio
desenvolto agradava-o totalmente. O duque tinha
inclinação para o ceticismo e, portanto, não se
deixava impressionar por qualquer mulher. No
entanto, toda vez que pensava em como ela o
havia desafiado sem o menor cons¬trangimento,
ameaçando dar um tiro em seu cavalo, pegava-se
sorrindo. Aquela mulher tinha coragem, e
Bradford admirava-a por isso.
Lá pelo fim do dia do acidente, Bradford já havia
transportado Brummell para casa e, após
providenciar para que lhe fosse dado todo tipo de
conforto, deixou-o aos cuidados efusivos de sua
fiel criadagem. Depois foi para sua própria
residência, em Londres, e tratou de dedicar-se à
tarefa de descobrir qual seria a família de
Caroline. A única pista que tinha para descobrir
sua identidade era que ela estava voltando a
Londres para visitar seu pai. Pelo modo como a
jovem havia falado sobre as reuniões sociais da
elite, presumiu que seu pai deveria pertencer à
nata da sociedade. Talvez também fosse um
nobre. A priminha dela havia mencionado que o
grupo se dirigia a um sobrado em Londres, onde
iriam esperar o pai de Caroline. Bradford concluiu
que o homem possuía uma casa de campo e ainda
estava descansando em sua propriedade até
começar a temporada de eventos sociais.
Tinha absoluta certeza de que teria suas respostas
ao anoitecer. Mas no fim do quarto dia, já estava
totalmente desesperado. Nem mes-mo uma única
pista havia surgido, e a frustração que ele estava
sentindo era diferente de tudo o que já havia
experimentado antes.
Ficou mal-humorado, e os sorrisos que os criados
ficaram abso-lutamente surpresos de ver quando o
duque voltou para casa desapare-ceram por
completo. Agora a criadagem, aos cochichos,
comentava que devia ter se enganado
redondamente. O seu patrão tinha voltado a ser
distante e rude. A cozinheira dizia a todos que
estavam ao alcance da sua voz que estava
aliviada, pois não gostava de ninguém nem de
nada que tosse imprevisível. Mas o "braço direito"
de Bradford, Henderson, sabia que alguma coisa
bastante importante tinha acontecido a seu patrão,
e ficou preocupado.
Henderson sentiu-se ao mesmo tempo animado e
aliviado quan-do o melhor amigo do duque,
William Franklin Summers, conde de
Milfordhurst, chegou para uma visita inesperada.
Henderson escoltou o conde escadaria acima, até
a biblioteca, com o maior prazer. Talvez, refletiu
Henderson, enquanto andava ao seu lado, o conde
pudesse ins-pirar seu patrão a voltar a ser
acessível.
Henderson tinha sido criado pelo pai de Bradford
durante dez excelentes anos, e quando uma
tragédia se abateu sobre a família, cau-sando a
morte do pai e do primogénito, Henderson passou
a dedicar-se totalmente ao novo duque de
Bradford. Apenas Henderson e o melhor amigo do
duque, Milford, lembravam-se de como ele era
antes de ser obrigado a herdar o título.
Lançando um olhar de relance a Milford,
Henderson lembrou-se de que os dois amigos
costumavam ser bem parecidos. Houve tempo em
que Bradford era um folgazão do mesmo calibre
que seu amigo mo-reno, e, exatamente como ele,
gostava de iludir as senhoras da elite. No entanto,
durante os cinco anos durante os quais havia sido
seu criado, Henderson desistira de esperar que o
duque voltasse a ser a pessoa des-contraída e
despreocupada que era antes. Aconteceram coisas
demais. Traições demais.
— O Brad está te preocupando, Henderson: Estás
subindo as escadas de cara amarrada — indagou o
conde, com aquele seu sorriso rasgado de
costume, mostrando bem o maroto que Henderson
sabia que ele era.
— Aconteceu alguma coisa para o duque ficar
assim contrariado — respondeu Henderson. —
Eu, é claro, não ouço confidências do meu senhor,
mas creio que vós notareis uma ligeira mudança
no seu modo de ser.
Henderson não quis tecer maiores comentários,
mas suas palavras fizeram Milford franzir o
cenho, pensativo.
Assim que Milford pôde dar uma boa olhada no
seu amigo, dedu¬ziu que Henderson era o rei dos
panos quentes. "Ligeira" seria a última palavra
que ele usaria para descrever a mudança de
disposição do duque, pois ele parecia ter voltado
de uma viagem de carruagem daquelas bem
longas, só que como se tivesse feito a viagem
arrastado debaixo do veí¬culo, em vez de em seu
interior.
Bradford estava sentado de ombros caídos atrás da
sua monstruosa escrivaninha, a cara amarrada,
enquanto escrevia um nome em um dos vários
envelopes amontoados sobre o tampo da mesa.
A escrivaninha de mogno estava uma verdadeira
bagunça, mas Bra¬dford também estava
desarvorado, segundo Milford concluiu. Seu
amigo precisava desesperadamente barbear-se e
colocar um plastrão limpo.
— Milford! Um minuto, por favor, já estou
acabando — disse
Bradford ao amigo. — Serve-te de uma bebida.
Milford recusou a bebida e sentou-se em uma
poltrona confortável diante da escrivaninha.
— Brad, estás escrevendo para todo o povo da
Inglaterra? — in¬dagou, ao colocar os
calcanhares das botas polidas sobre o tampo da
mesa, demonstrando total falta de educação.
— Quase todo — resmungou Bradford, sem tirar
os olhos da correspondência.
— Parece que faz dias que não dormes —
comentou Milford. Continuava sorrindo
rasgadamente, mas os olhos traíam sua preocu-
pação. Bradford não parecia estar nada bem, e
quanto mais Milford examinava o amigo, mais
ficava preocupado.
— Não tenho pregado o olho — finalmente
respondeu Bradford.
Deixou a caneta de lado e recostou-se no estofado
macio de sua poltrona íergère. Suas botas também
se apoiaram junto às do amigo, sobre o tampo da
escrivaninha, e ele soltou um longo suspiro.
Então, sem hesitar mais, ele contou ao amigo
como tinha conhe-cido a linda mulher chamada
Caroline, só omitindo a parte em que Brummell
aparecia, pois ele também havia prometido não
contar nada a ninguém sobre o incidente
humilhante pelo qual o amigo havia passado ao
ser atacado pelos assaltantes. Viu-se elogiando a
beleza da moça, falando durante muito tempo para
descrever adequadamente a cor dos olhos dela,
mas por fim conseguiu controlar-se e passou a
narrar apres-oaJamcjitc u Ciai da história,
declarando revoltado que todas as suas
investigações tinham dado em nada.
— Estás procurando nos lugares errados —
concluiu Milford, com uma voz cheia de empáfia,
assim que conseguiu parar de rir da nar¬rativa de
Bradford sobre o assalto. — Ela acha mesmo que
as Colónias são mais sofisticadas que nossa
Londres?
Bradford fez ouvidos de mercador para a pergunta
e passou a frisar sua afirmativa anterior.
— O que queres dizer, insinuando que estou
procurando nos lu-gares errados? Ela veio visitar
o pai. Vou seguir essa pista! — disse Bradford
com rispidez.
— A maior parte da elite não deve ter ainda
regressado para a temporada de festas — explicou
Milford, pacientemente. — E deve ser unicamente
por isso que não recebeste ainda nenhuma
resposta. Procure controlar-se, mancebo! Ela vai
comparecer à festança dos Ashford. Eu te garanto
isso. Todos comparecem.
— Mas ela não é de frequentar bailes — Bradford
cochichou, ao repetir as declarações de Caroline
acerca das atividades da elite, e sem se dar conta
começou a sacudir a cabeça. — Ela disse
exatamente isso.
— Mas que coisa mais estranha — disse Milford,
esforçando-se para não rir. Fazia tempo que não
via o amigo perplexo daquele jeito. O alívio que
sentiu ao constatar que não havia nada de grave
deu-lhe disposição para fazer troça. Também lhe
deu vontade de gozar com a
cara do amigo, exatamente como costumava fazer
antigamente, quando os dois faziam a ronda por
Londres.
— Não é tão estranho assim — retrucou Bradford
dando de om-bros. — Tu não compareces a
nenhum evento.
— Estás interpretando mal o que eu disse. Quis
dizer que estás te comportando de uma maneira
estranhíssima — respondeu Milford. dando uma
risadinha. — Acho que nunca te vi assim tão
transtornado. E preciso aproveitar a oportunidade!
E a causa é uma senhora que vem
nada mais, nada menos, que das Colónias. —
Milford teria continuado, mas não conseguiu mais
conter o riso e, apesar da cara de desaprovação do
amigo, soltou várias gargalhadas escandalosas.

— Estás te divertindo, não estás? — ralhou


Bradford quando Milford conseguiu controlar-se o
bastante para ouvi-lo.
— Não posso negar — admitiu Milford, com toda
a sinceridade. — Estou me lembrando de uma
promessa ardente que fizeste há uns dois anos —
prosseguiu. — Mais ou menos que todas as
mulheres só serviam para uma coisa, e que dar a
uma delas teu coração seria o

cúmulo da burrice.
— Quem disse que alguém vai dar alguma coisa a
alguém? — ur¬rou Bradford. — Estou só curioso,
só isso — insistiu ele, mais calmo.— Não me
irrites, Milford. Senão vais te dar mal.
— Acalma-te, rapaz — respondeu Milford. — Só
o que quero é ajudar-te. — E obrigou-se a ficar
sério, dizendo: — Deverias consultar os
costureiros. Se ela é das Colónias, deve estar
precisando urgentemente atualizar o guarda-
roupa. A família não vai querer passar vergonha
por
causa das vestimentas antiquadas dela, portanto
irá encomendar novos vestidos.
— Tua lógica me espanta — respondeu Bradford.
Um brilho de esperança surgiu nos olhos dele, e o
duque até sorriu. — Por que não pensei nisso?
— Porque não tens três irmãs mais novas que tu,
como eu —- res¬pondeu Milford.
— Eu tinha me esquecido das tuas irmãs —
confessou Bradford.—Nunca as vejo por aí.
— Elas se escondem de ti — revelou Milford,
prendendo o riso. — Tu as deixas apavoradas. —
E aí encolheu os ombros, dizendo: —Mas eu te
garanto que a moda é o assunto principal da
maioria das mulheres, inclusive minhas irmãs. —
Seu tom de voz tornou-se sério quando ele
perguntou: — E apenas uma paixonite o que
sentes por essa moça, ou é algo mais? Nos últimos
cinco anos só te vi ao lado de cortesãs pela cidade.
Não estás acostumado a senhoras bem-educadas,
Brad. Essa reviravolta vai ser das mais
impressionantes.
Bradford não respondeu na hora. Não
parecia ter nenhuma respos¬ta definida na cabeça,
apenas sentimentos a expressar.
— Creio que é apenas uma insanidade
passageira — finalmente respondeu. — Mas
assim que tornar a vê-la, terei certeza. O que
pre¬tendo é tirá-la da cabeça de uma vez por
todas — terminou Bradford, dando de ombros.
Milford concordou. Não acreditou em uma
palavra do que o ami¬go havia dito, mas Bradford
tinha se expressado com tanta seriedade que
Milford não ousou contradizê-lo. Deixou o amigo
escrevendo suas missivas. Desceu as escadas com
passos leves, tão aliviado que chegou ; dar um
tapa bem forte no ombro de Henderson para
demonstrar afeiçãc antes de sair.
O conde de Milfordhurst de repente sentiu
uma vontade louca de conhecer aquela misteriosa
feiticeira das Colónias, a mulher diferente que
tinha conseguido o que nenhuma outra havia sido
capaz de fazer nos últimos cinco anos. Embora
não soubesse disso, a senhorinha cha¬mada
Caroline estava trazendo o duque de Bradford de
volta ao mundo dos vivos.
Milford sentiu que já gostava dela.
A manhã chegou, e com o sol vieram novos
pensamentos, no¬vos planos. Caroline Richmond,
sempre madrugadora, não importava a hora em
que se recolhia, recebeu o sol espreguiçando-se
devagar de contentamento.
Colocou depressa um vestido cor de violeta e
prendeu os cabelos desgrenhados em um rabo-de-
cavalo, com uma fita branca de renda.
Charity ainda estava dormindo, e Benjamm, pelo
ruído abafado que vinha do andar de cima, parecia
estar acordando naquele instante. Caroline desceu,
pretendendo esperar o pai na sala de jantar.
Encontrou-o já sentado à cabeceira da comprida
mesa envernizada. Tinha uma
xícara de chá em uma das mãos e um jornal na
outra. Não a viu de pé à porta, e Caroline nada fez
para lhe chamar a atenção. Em vez disso esperou,
enquanto o olhava com atenção, e ele parecia
assimilar todas as notícias do jornal.
O rosto dele era corado e cheio, mas as maçãs do
rosto eram sa-lientes, como as dela. Ele era uma
versão mais velha e arredondada do homem que a
criara. Sim, ele se parecia um pouco com o seu
irmão caçula, Henry, e ela de repente percebeu
que podia se considerar uma mulher de sorte.
Mentalmente, era filha de dois pais. O tio Henrv a
criara e ela o amava. Não lhe pareceu deslealdade
dividir esse amor com o homem que tinha lhe
dado a vida. Seu verdadeiro pai. Ele era seu pai de
verdade, tornou a admitir, e era seu dever amá-lo
também.
O conde finalmente percebeu que alguém o estava
observando e desviou os olhos do jornal por um
instante. Estava para tomar um goli-nho do chá,
mas ficou paralisado no meio desse gesto. Seus
olhos esver¬deados demonstraram sua surpresa.
Cintilaram ligeiramente, e Caroline sorriu, na
esperança de que sua expressão fisionómica
demonstrasse o afeto que estava sentindo e nem
um pouco da sensação de incómodo que tentava
combater.
— Bom dia, meu pai. Dormiste bem?
A voz dela tremia. Estava horrivelmente nervosa,
agora que se en¬contrava diante do seu pai.
A xícara dele caiu, produzindo um barulho alto ao
bater contra o tampo da mesa. O chá derramou-se,
molhando tudo ao seu redor, mas ele não pareceu
notar o barulho, nem a sujeira. Tentou ficar de pé,
depois mudou de ideia e voltou a sentar-se
pesadamente. Seus olhos encheram-se de
lágrimas, que ele enxugou com a ponta de um
guarda-napo de linho branco.
Estava tão nervoso e inseguro de si quanto ela.
Percebendo isso, Caroline sentiu alívio. O pai agia
como se estivesse meio atordoado, e a jovem
deduziu que ele simplesmente não sabia como
proceder. Ela, vendo o papel que ele antes
segurava flutuar lentamente até o chão, resolveu
tomar a iniciativa.
Continuou sorrindo, embora estivesse começando
a ficar preocupa¬da com a reação dele à sua
presença, e entrou na sala. Só parou quando já
estava perto do pai, e depressa, antes de poder
pensar melhor no assunto, beijou-lhe o rosto
vermelho como um pimentão.
O contato dos lábios dela tirou-o do transe, e ele
de repente comeou a movimentar-se como um
furacão. Derrubou a cadeira onde estava Sentado
ao levantar-se e agarrou Caroline pelos ombros,
puxando-a para perto de si, para abraçá-la
— Não estás decepcionado; — sussurrou
Caroline, contra o peito do pai. — Sou parecida
com a pessoa em que esperavas que eu tivesse me
transformado?
— Jamais poderias decepcionar-me. Como podes
pensar tal coisa? Fiquei momentaneamente
deslumbrado contigo — explicou, dando-lhe outro
abraço. — Es a réplica perfeita da tua querida
mãe, que Deus a tenha. Não há como eu sentir
mais orgulho de ti do que estou sentindo
agora,
— É mesmo, eu te faço recordar dela, meu pai?
— indagou Caro-line, quando ele finalmente a
soltou.
— Sim, fazes. Deixa-me olhar-te outra vez.
A ordem pareceu um rosnado afetuoso. Caroline
aquiesceu, recu¬ando alguns passos e girando
para que ele a inspecionasse.
— És muito bela, sem dúvida alguma — elogiou-
a o pai. — Senta-te — alertou, franzindo o cenho
depressa. — Não vás exagerar e ficar doente. Não
admito que te canses demasiado.
A culpa, mais do que a ordem dele, a fez sentar-se
na cadeira que ele puxou para ela.
— Meu pai. tenho algo a dizer-te. É difícil para
mim dizê-lo, mas é a única forma, depois que vi
aqueles desenhos que fiz na infância, e portanto...
— Deixou os ombros caírem diante do olhar de
expectativa dele e suspirou em vez de terminar a
frase.
— Estás querendo me dizer que és tão sadia
quanto um cavalo? — perguntou o pai, com um
brilho travesso no olhar.
A cabeça de Caroline levantou-se na mesma hora
e ela percebeu que devia estar com cara de
espantada,
— Estou! — admitiu ela. — Nunca estive doente,
nem um dia na vida. Sinto muito, meu pai.
O pai soltou uma risada sincera.
— Desculpar-te por não teres estado doente ou
por teres tentado me enganar em conluio com tua
tia Mary?
— Sinto tanta vergonha... — admitiu abertamente,
mas não se sentiu melhor por isso. — E que eu era
tão...
— Feliz? — indagou o pai, com um meneio da
cabeça. Levantando sua própria cadeira, tornou a
sentar-se.
— Sim, feliz. Morei com teu irmão e a família
dele durante mui¬to tempo, como sabes. Devo
dizer-te que considerava minha tia Marv como
minha mãe, e a chamava de mamãe. Meus primos
se tornaram meus irmãos, e Charity sempre foi
como uma irmã para mim. Mas
nunca te esqueci, meu pai — apressou-se ela em
dizer. — Coloquei-te em posição indevida,
mentalmente, mas sempre soube que és meu ver-
dadeiro pai. Só que não achava que um dia irias
querer que eu voltasse. Pensei que estavas
perfeitamente satisfeito vivendo como antes.
— Caroline, eu te entendo — anunciou o pai.
Acariciou-lhe a mão e disse-lhe: — Esperei muito
tempo para exigir tua volta. Mas tive meus
motivos. Não vou te dar explicações ainda. Estás
em casa agora, e só isso é importante para mim.
— Achas que vamos nos dar bem um com o
outro?
A pergunta de Caroline deixou o pai
surpreso.
— Creio que sim — disse ele, depois. — Deves
contar-me todas as notícias de meu irmão e sua
família. Sei que Charity também está aqui. Conta-
me, ela realmente é a bolinha que todas as cartas
de Mary deixaram entrever? — Sua voz
transbordava afeto, e Caroline sorriu ao sentir
isso. Isso, e a descrição perfeita da sua prima.
— Se estás perguntando se ela ainda é gorda, a
resposta é não. Agora, em vez de comer, ela só
fala — acrescentou, com um sorriso rasgado. —
Ela está bem magrinha e muito atraente. Acho que
vai cau-sar sensação, meu pai. E loura e mignon, e
ouvimos dizer que são esses os requisitos para que
a elite daqui acolha uma mulher.
— Infelizmente não tenho me atualizado quanto
às últimas modas e requisitos — admitiu o pai.
Seu sorriso evaporou-se, substituído pelo cenho
franzido de preocupação. — Disseste que
precisamos ser francos um com o outro, minha
filha. E eu concordo. Também andei contando
lorotas nas cartas que te enviei.
Os olhos de Caroline arregalaram-se.
— Contaste, foi?
— Sim, mas agora vou contar-te a verdade.
Deixei de comparecer a todos os bailes da elite
desde que partiste com meu irmão e sua família
para Boston. Parece que todos me consideram um
eremita.
— Verdade? — Quando o pai confirmou,
Caroline continuou: — Mas, meu pai, tuas
carras continham todas aquelas descrições de
eventos, e fofocas! Como é que conseguiste
inventar tudo isso assim com tamanha precisão?
— Meu amigo Ludman — respondeu-lhe o pai
com um sorriso envergonhado. — Ele nunca
deixa de comparecer a um só evento, e vem me
contando mais ou menos tudo o que acontece. O
suficiente para eu poder inventar as histórias que
te contei,
— E por quê: — indagou Caroline depois de
refletir sobre esses comentários — não gostas de
festas?
— São muitos os motivos, e agora não desejo
onerar-te relatando-os — desconversou o pai. —
O irmão de tua mãe, o marquês de Aimsmond, e
eu não nos falamos faz catorze anos. Como ele
comparece a alguns desses bailes, eu não
compareço. Esta é uma explicação bem
simplificada,
mas por enquanto vai ter que servir.
Caroline estava curiosa demais para deixar o
assunto de lado.
— Catorze anos? Mas esse foi o tempo em que
estive longe daqui.
— Isso mesmo — concordou o pai. — O marquês
ficou furioso porque partiste e declarou em púbico
que não dirigiria mais nenhuma palavra a mim até
que voltasses à Inglaterra. — E aí seu pai tossiu e
acrescentou: — Ele não entendeu os motivos
pelos quais eu te mandei para Boston e eu não lhe
dei explicação alguma.
— Entendo — comentou Caroline. Ela não
entendia nada, é claro, e quanto mais pensava no
que o pai estava lhe dizendo, mais confusa ficava.
— Só mais uma última pergunta, meu pai, antes
de passarmos a falar de outro assunto, por favor...
— Sim? — O pai estava sorridente, uma vez
mais, e isso tornou a pergunta dela mais difícil de
fazer.
— Por que é que me mandaste para fora do país?
Mamãe,
quero dizer, a tia Mary, me explicou que ficaste
muito pesaroso quando mi¬nha mãe verdadeira
morreu e não podias me criar. Disse que só
estavas pensando no meu bem-estar, e que eu
seria mais feliz com eles. Foi mesmo isso que
aconteceu? E se foi — continuou Caroline antes
que o pai pudesse formular a resposta —, por que
eu fiquei fora tanto tempo? — Ela não externou o
pensamento que estava por trás de todas as suas
perguntas. Os fatos todos indicavam que o pai não
tinha querido ficar com ela. Qual seria a verdade?
Teria ela sido usada em alguma espécie de briga
entre famílias? Teria sido mandada para longe
para punir o marquês de alguma forma? Será que
o pai não a amava... o bastante?
Caroline franziu o cenho ao pensar em todas as
possibilidades e suas ramificações. A explicação
simplificada de sua tia era apenas isso.
Simplificada. Não servia mais, agora que Caroline
era adulta e não a criancinha ingénua do passado.
Mesmo assim, aqueles desenhos con-tradiziam
todas as explicações fáceis. Por que ele tinha
guardado tudo aquilo?
— Precisas ser paciente comigo, Caroline —
declarou o pai. A voz dele saiu incisiva,
encerrando a conversa. — Fiz o que considerei
melhor na época, e te prometo que um dia te
explicarei tudo satisfatoriamen¬te. — Então
pigarreou e mudou de assunto. — Deves estar
esfomeada a ponto de devorar um urso! Marie! —
berrou, virando a cabeça para trás, enquanto
tentava enxugar o chá derramado com seu
guardanapo. — Traz comida e mais chá, por
favor.
— Não estou com fome nenhuma — disse
Caroline. — Essa emoção toda me tirou o apetite
— admitiu.
— Para mim não faz diferença — replicou o pai.
— A Marie é minha nova cozinheira, e a comida
dela deixa muito a desejar. Já é a terceira que
contrato este ano. Administração doméstica por
aqui é um problema sem solução.
Caroline sorriu, pensando em todas as incontáveis
perguntas que estava louca para fazer. Mas não
deu para fazer mais do que concordar ou discordar
balançando ou sacudindo a cabeça, pois o pai
monopoli¬zou a conversa durante todo o
desjejum.
Quando terminaram, Caroline mal havia tocado
nos pratos. A refeição estava mesmo inferior à
comida com a qual ela estava acostumada. Os
pães estavam tão duros que quem os comesse
corria o risco de quebrar um dente, e o peixe
estava queimado. A geléia, cuja camada de poeira
sobre o pote deixava ver que era velha, estava
líquida e azeda. Ela resolveu, ao seguir o pai até a
biblioteca, que perguntaria a Benjamin se ele se
importaria de ajudar na cozinha. Ele adorava
cozinhar e costumava ajudar a preparar as
refeições em Boston.
Depois voltou a atenção para o pai. Ele, de pé
diante de todos os desemhos dela, solrria radiante,
enquanto mostrava a Caroline que tinha anotado a
data de recebimento nas costas de todas as folhas.
Era sua forma de acompanhar o desenvolvimento
dela, explicou.
— Parei de desenhar — disse-lhe Caroline, rindo.
— Como podes constatar, papai, eu não tinha
talento para isso.
— Não importa. Henry me contou por carta que
eras boa aluna e tinhas jeito para línguas.
— E verdade — admitiu Caroline —, mas meu
sotaque é horro-roso. — E sorriu, acrescentando:
— Quando canto, porém, não espanto os ouvintes,
e até que sei tocar a espineta direitinho.
O pai soltou uma risada também.
— Não precisa se preocupar achando que vou
pensar que és arro¬gante e vaidosa, Caroline. Não
deves menosprezar teus talentos — ele completou.
Sentou-se em uma das cadeiras e fez sinal para
Caroline sentar-se na outra. — Conta-me, por que
o Henry permitiu que a Charity te acompanhasse?
Não é que eu tenha me aborrecido com a presença
dela, pelo contrário, mas fiquei surpreso.
Caroline respondeu de imediato, contando ao pai
sobre a paixão de Charity por Paul Bleachley e o
desaparecimento súbito do rapaz. Depois da
narrativa, perguntou:
— Já ouviste falar nesse homem, meu pai?
— Não ouvi, não — respondeu o pai. — Mas não
significa nada, considerando-se que passei tanto
tempo afastado da sociedade.
— Pai, teu mordomo, o Deighton, disse que
estavas regressando para a temporada de eventos
sociais. Planejavas comparecer às festas este ano?
— Não — respondeu o pai. — Sempre volto para
Londres nesta época do ano. Não gosto de ficar na
casa de campo no inverno; muitas
correntes de ar. E o Deighton, teimoso corno uma
mula, como são os mordomos, insiste em preparar
o sobrado todo ano. E por precaução, caso eu
mude de ideia — acrescentou. — Mas sabes que
estou satisfeito por ter vindo para cá? Com minha
linda filha ao meu lado, uma vez mais assumirei
meu lugar na sociedade. E até estou ansioso para
isso. — pai dela riu, genuinamente feliz. — Vais
causar verdadeiro furor nas rodas sociais,
Caroline.
— Por causa do marquês? — indagou Caroline.
— Não. Porque és formosíssima — respondeu o
pai. — O mar-quês, é claro, vai sentir prazer em
receber a filha da irmã de volta a Londres, mas
estou é pensando nos mancebos e na reação deles
a ti. Vai ser divertido assistir à cena. Tua mãe
ficaria orgulhosa.
— Como foi que a conheceste, meu pai? Não me
recordo dela, e isso me entristece. A tia Mary me
disse que era uma senhora de muito bom coração.
O olhar do conde de Braxton ficou distante, e
ele sorriu ternamente.
— E, tinha muito bom coração, sim, era muito
carinhosa, Caro¬line. — Ele pegou a mão da filha
e contou-lhe como tinha conhecido aquela
espirituosa mulher de cabelos negros pela qual se
apaixonou.
— Ela ficou tão contente quando nasceste,
Caroline... Eu queria um menino, e nem mesmo
queria escolher nome para uma possível me-nina.
Quando nasceste, tua mãe riu até as lágrimas
escorrerem-lhe pelo rosto. Ela gostou muito de ter
te dado à luz.
— E tu, ficaste decepcionado? — perguntou
Caroline, sorrindo. Sabia que ele não devia ter
ficado decepcionado pelo modo como ele lhe
contou a história, mas queria ouvi-lo admitir isso.
Sentia-se exatamente como uma menininha
ouvindo histórias antes de dormir, ansiosa para
saber mais sobre seu nascimento e seus primeiros
anos de vida.
— Gostei tanto de ti quanto tua mãe — admitiu
seu pai. Ele lhe apertou a mão e depois procurou o
lenço no bolso. Enxugou os olhos e pigarreou.
Num tom que soou quase ríspido, disse: — Mas,
agora, escuta. Precisamos mandar fazer uns
vestidos novos para ti e para Cha-
rity o mais depressa possível. O baile anual do
duque de Ashford será dentro de apenas duas
semanas, e é lá que vamos fazer nossa entrada
triunfal. Aquele maroto me manda sempre um
convite todo ano, sem falta. Vai ficar pasmo
quanto eu aceitar. — E aí começou a casquinar ao
imaginar a cara de Ashford quando ele entrasse
trazendo sua linda filha pelo braço.
Caroline, vendo o entusiasmo do pai enquanto ele
descrevia as atividades de que participaria, não
teria se surpreendido se ele tivesse começado a
esfregar as mãos uma na outra. Com os olhos
cintilando de expectativa como ele estava, parecia
até o primo dela, o Luke. Era como uma criança
ansiosa para começar uma aventura. Ela desejou
alertá-lo, para que ele não tivesse expectativas
infundadas, mas resolveu não jogar água fria na
fogueira. Jurou, enquanto o escutava, que se
esforçaria ao máximo para não decepcioná-lo. Se
Deus quisesse, talvez pudesse sair-se bem. Talvez,
antes de se passarem as duas semanas, ela pudesse
aprender etiqueta social. Sem dúvida tratava-se de
um desafio, e Caroline resolveu esforçar-se ao
máximo.
Continuou sentada ao lado do pai durante a maior
parte da manhã, escutando-o contar histórias do
passado. Notou que ele falava mais dos problemas
e das questões nacionais cada vez maiores, e
raramente de si mesmo. Percebeu como era
terrivelmente solitário e sentiu dor no cora¬ção.
Tudo aquilo tinha sido opção única e exclusiva
dele, disse consigo mesma, pois podia ter passado
todos esses anos com a filha ao seu lado, mas ela
entendeu que não podia culpá-lo por isso.
Havia algum outro motivo por trás de suas
desculpas para mandá-la para outro continente, ela
tinha certeza disso. Com o tempo, depois que a
elite a tivesse aceitado, ela saberia a verdade.
Caroline entendeu então que precisaria quebrar a
tola promessa que tinha feito a seus parentes em
Boston. Era uma promessa de criança revoltada e
confusa. Agora ela aceitava a verdade. Seu lugar
era ao lado de seu pai. Ela nunca mais poderia
voltar a Boston. Seu futuro seria ali, na Inglaterra.

CAPÍTULO 4
O
senso de humor de Caroline salvou-a de um
desespero certo. Isso e a contínua empolgaçao de
Charity com as atividades que esta-vam por vir.
Sua prima adorou as atenções recebidas e fez
amizade bem depressa com madame Newcott,
uma costureira com tino para escolher tecidos e
valorizar as silhuetas. Charity desfrutou cada
segundo do que Caroline suportou sem reclamar,
por considerar um calvário.
O conde de Braxton não parou em apenas um
vestido, mas insistiu para que ambas as moças sob
seus cuidados recebessem guarda-roupas
completos.
Madame Newcott sugeriu tons de rosa e amarelo-
claro para Cha¬rity e acrescentou rendas aqui e ali
para realçar-lhe a baixa estatura. Recusou-se,
porém, a acrescentar babados, pois segundo sua
opinião iriam abafar e deformar a linda silhueta da
jovem.
Caroline terminou com vários trajes em tons de
azul, lilás e mar¬fim, inclusive um vestido
marfim-claro com um decote indecoroso, justo
demais para seu gosto, mas que lhe realçava os
cabelos e a cor da pele. Ela sentia-se uma devassa
quando o usava, e disse isso a Charity.
— Mamãe te recomendaria que cobrisses o peito
com um xale —recomendou Charity, sorridente.
— E papai não te deixaria sair de casa. Meu tio
vai precisar usar uma bengala para espantar os
pretendentes quando o usares em público.
— Já recebi tantos beliscões e alfinetadas que
devo estar toda roxa — comentou Caroline.
Madame Newcott, ajoelhada diante de Caroline e
determinada a dar os toques finais àquilo que
chamava de criação magnífica, fingiu que não
tinha escutado o comentário.
— Quando o seu pai vai voltar? — perguntou
Charity, mudando de assunto.
— Amanhã — respondeu Caroline. - - O marquês
mora bem distante de Londres, e meu pai vai
passar a noite lá e voltar amanhã.
— O marquês é o irmão mais velho de tua mãe ou
o caçula? — perguntou Charity.
— E o mais velho. Tenho outro tio, chamado
Franklin, que é dois anos mais moço que minha
mãe seria se estivesse viva. Entendes?
— Creio que sim — respondeu Charity, sorrindo.
— Por que teu pai não mandou um recado para o
marquês, dizendo que havias regres-sado a
Londres? Trabalho demais ter que ir até lá dizer
isso, não?
— Meu pai queria contar-lhe pessoalmente. Disse
que desejava dar-lhe explicações — respondeu
Caroline, franzindo o cenho. — Sa-bes, nem
mesmo percebi que tinha dois tios até meu pai me
dizer isso. Estranho ele mostrar tamanha
deferência agora, não é?
Charity pensou nisso um instante e depois deu de
ombros, sem pensar mais no assunto.
- Se ao menos eu tivesse uma silhueta mais ou
menos como a tua... — reclamou ao tirar o vestido
de passeio rosa com todo o cuidado para não
deslocar as agulhas que pregavam os pedaços de
fazenda.
— E melhor ter de menos que de mais —
comentou Caroline. —Tua silhueta é perfeita.
— Madame Newcott, Caroline acha que tem
pernas longas demais e seios grandes demais para
estar na moda, acreditas? — exclamou Caroline.
— Eu nunca disse isso — protestou Caroline. —
E que sou prá¬tica. Pernas compridas são boas
para andar a cavalo, mas não consigo
encontrar nenhuma utilidade prática para... — e.
em vez de terminar a frase, deu uns tapinhas no
peito, indicando os seios. Chanty desatou a rir.
— Caimen iria nos dar um sopapo se nos ouvisse
dizer essas coisas.
— E mesmo — respondeu Caroline, que em
seguida lançou um olhar de relance ao espelho,
dizendo: — Meus cabelos estão totalmente
rebeldes. Achas que eu devia cortá-los?
— Não!
— Está bem — concordou Caroline, de
brincadeira. — Em vez disso, vou andar por aí
feito uma maluca, com os cabelos todos
arrepiados.
— Eu poderia apará-lo um tanto, pois estará
comprido de novo quando for hora de voltarmos
para Boston.
Caroline viu que precisava revelar a Charity sua
decisão, e seu sor¬riso sumiu quando ela balançou
a cabeça.
— Não sei se regressarei a Boston, Charity.
Charity abriu a boca para protestar, mas Caroline,
balançando depressa a cabeça, deteve-a. Não seria
bom falar disso na frente de ma-dame Newcott, e
felizmente Charity entendeu.
Mas assim que a costureira se retirou, Charity
voltou a tocar no assunto:
— Espero que não tomes uma decisão apressada,
Caroline. Só estamos aqui faz duas semanas.
Espera um pouco mais antes de decidi-res o que
fazer. Meu Deus, nossos irmãos terão ataques de
ódio se não voltares para casa.
— Prometo não me precipitar — respondeu
Caroline. — Mas não posso abandonar meu pai,
Charity. Simplesmente não é possível. — E
suspirou de tristeza e aceitação, sussurrando: —
Já estou em casa. Aqui é meu lugar. Enquanto
meu pai viver.
— Dizes que não podes abandonar teu pai, mas
foi exatamente o que ele fez contigo — redarguiu
Charity. Estava corada, e Caroline viu que estava
ficando bastante irritada. — Durante catorze anos
ele fingiu que não existias! Como podes esquecer-
te disso?
— Não me esqueci — respondeu Caroline. —
Mas houve
um motivo para ele fazer isso — explicou. — Um
que está por trás de todas as explicações fáceis, e
um dia ele vai me contar.
— Não discutirei contigo, mana — respondeu
Charity. — Dentro de apenas alguns dias, iremos
ao nosso primeiro baile juntas. Teu pai está
empolgado por nós duas, e não vou jogar água fria
no entusiasmo dele. Só me prometas que vais
esperar para tomares tua decisão. Só vol¬tarei a
tocar no assunto... daqui a duas semanas. Então
terás tido tempo de refletir sobre todas as
possíveis consequências. Por que, Caroline, se
nem mesmo gostas dos ingleses?
— Não conheci tantos assim — respondeu
Caroline.
A conversa subitamente fez Caroline lembrar-se
do cavalheiro feri¬do que ela havia socorrido e da
conversa semelhante entre ambos. Então pensou
no homem chamado Bradford e na reação que ele
causara nela. Viu-se pensando nele mais do que
desejaria, mas não parecia ser capaz de bloquear
seus pensamentos. Ele fazia Caroline sentir-se
ameaçada, não sabia por quê, e quando
reconheceu isso, imediatamente deduziu que
estava fazendo tempestade em copo d'água. Ele,
afinal de contas, era apenas um homem.
A noite do primeiro baile das duas moças
finalmente chegou. A festança dos Ashford, como
seu pai a chamara, abria a temporada de bailes, e
todos aqueles que eram importantes estariam
presentes.
Caroline levou muito tempo vestindo-se para o
acontecimento. Seus cabelos insistiam em soltar-
se dos grampos e fitas com os quais a criada
inutilmente procurava prendê-los, e a jovem
terminou escovando-o todo e deixando-o solto,
em cascatas sobre os ombros.
Seu vestido era cor de gelo violácea, com um
decote que mostrava mais do que só um vislumbre
dos seus fartos seios. Sapatos combinando com o
vestido e luvas de um branco imaculado
completavam-lhe o traje, e quando Caroline parou
diante do espelho de moldura dourada do seu
quarto, considerou-se mais do que aceitável.
Mary Margaret, a dama-de-companhia sardenta
que Deighton ha¬via contratado para ajudar
Caroline, elogiou-a sem parar.
— Vossos olhos adquiriram a cor do vosso
vestido — murmurou, espantada. — É magia
pura, sem dúvida. Ai, se ao menos eu pudesse
transformar-me em um ratinho para poder ir
contigo ao baile.., Vais causar uma comoção e
tanto. Caroline riu.
— Se te transformares em um rato, aí sim é que
vai haver comoção - provocou ela. — Mas se
esperares até eu voltar, prometo contar-te tudo o
que acontecer por lá.
A criada ficou tão radiante que Caroline não se
surpreenderia se ela tivesse caído de joelhos.
Aquela adoração deixou-a sem jeito.
— Estou muito nervosa, Mary Margaret. Este é
meu primeiro lê.
— Mas sois a Lady Caroline! — protestou Mary
Margaret. — Vossa posição é garantida pelo
vosso nascimento! E estais tão bonita! —
acrescentou ela, com um suspiro.
— Não passo de uma caipira — replicou
Caroline. A criada pa¬recia pronta a rebater esse
comentário, e Caroline mais do que depressa
agradeceu ela pela ajuda, e depois foi procurar
seu pai e Charity.
Os dois estavam esperando por ela ao pé das
escadas. Charity eslava linda. Seu penteado
consistia em um aglomerado de cachos en-
tremeados com uma fita rosa. Seu vestido era da
mesma
cor da fita, com um decote baixo bonito que mal
lhe cobria os ombros. O rosa claro e reluzente
realçava-lhe as faces rosadas. Caroline não teve
dúvida de que a elite iria receber sua prima de
braços abertos.
O conde de Braxton assistiu à filha descer as
escadas. Tinha um sorriso orgulhoso no rosto e os
olhos cheios de lágrimas, sinal de que tinha
gostado do que via. Ela esperou até ele tirar um
lenço do bolso do colete e enxugar os olhos, e aí
perguntou se já estava esperando por ela há muito
tempo.
__Catorze anos — respondeu ele, sem poder
conter-se. Caroline sorriu, com genuína ternura,
diante dessa resposta franca. — Es¬tás linda esta
noite — declarou ele. — Vou precisar proteger-te
dos aventureiros.
Quando estavam sentados na carruagem, e a
caminho da festa, -hantv perguntou ao tio:
— Ficas com alguém a maior parte do tempo?
— Como disse? — O pai de Caroline não
compreendia as coisas com rapidez.
— Chanty deseja saber se tu te sentes atraído por
alguma senhora em particular — traduziu
Caroline.
Ela não havia contado a Chanty que o pai vivia
como um eremita.
— Ah, sim, é isso? Não, não há ninguém —
respondeu ele, — Anos atrás, eu acompanhava
Lady Tillman aos bailes.
— Talvez ela esteja lá esta noite — comentou
Caroline.
— O mando dela morreu logo depois de eu ter me
casado com tua mãe, Caroline — comentou o
conde. — Ela teve uma menina. Pergunto-me
como ela estará agora.
— Mas, tio, morar sozinho, como moras, deve ter
sido muito difícil, deves sentir-te muito solitário.
Nem mesmo consigo imaginar isso — Charity
comentou, com o cenho franzido.
— E porque sempre viveste cercada por irmãos —
respondeu ele.
— E pela Caroline — completou Charity. — Ela
vem sendo a minha irmã desde a infância.
Os três ficaram calados enquanto a carruagem
parava diante de uma imensa casa toda feita de
pedra. Caroline achou-a parecida com um
palá¬cio e começou a sentir um frio na boca do
estômago. Estava nervosa.
— Está quente para um dia de outono —
comentou o pai enquan¬to ajudava as moças a
descerem da carruagem. Caminhou entre as duas,
segurando o cotovelo de Caroline com a mão
esquerda, e o de Charity com a direita.
Charity tropeçou em um dos degraus, e Caroline
precisou recor-dar-lhe que devia colocar os
óculos.
— Só enquanto estou aqui fora — replicou
Charity. — Sei que sou irremediavelmente
vaidosa, mas fico horrível de óculos!
— Besteira — protestou o tio. - Ficas linda de
óculos. Dão-te uma aparência de pessoa séria.
Charity não acreditou nele. Assim que eles
entraram no vestíbulo, profusamente iluminado
com centenas de velas. Charity tirou os óculos do
nariz e meteu-os na casaca do tio.
— Não te disse como estás bonito esta noite, meu
tio — comen¬tou ela.
O pai de Caroline respondeu com outro elogio,
mas Caroline mal prestou atenção nele. Estava
tentando contrair o queixo para evitar que caísse
diante do esplendor aristocrático de tudo o que a
cercava.
O conde de Braxton imediatamente apresentou a
filha e a sobrinha ao anfitrião, que estava de pé à
frente de uma longa fila de recepção. O duque de
Ashford era idoso, com uma cabeleira branca
ligeiramente amarelada. Sua voz era forte e
nasalada, como se alguém lhe estivesse apertando
o nariz. Caroline considerou-o uma pessoa
extremamente presunçosa, mas gostou dele assim
mesmo, porque ele abraçou o pai dela
afetuosamente.
O duque não conseguiu tirar os olhos dela, e até
usou o monócu-lo para examiná-la com mais
cuidado. Caroline ficou se perguntando, enquanto
tentava fingir que não via aquele olhar indiscreto,
se tinham brotado nela mais braços ou pernas, e
notou que ele não estava olhando para Charity da
mesma forma. Ela sentiu alívio quando o pai lhe
pegou o braço e acompanhou-a até os degraus que
davam para o salão.
Para Charity, tudo estava lindo e embaçado. Ela
deixou o entusias¬mo da noite apoderar-se dela.
Aquela noite ela iria entrar em contato com a elite
preponderante. Certamente um deles conhecia
Paul Bleach-ley. Aquela noite ela daria o primeiro
passo para descobrir tudo sobre seu amor
desaparecido.
O conde de Braxton, com a filha de um lado e a
sobrinha do outro, penduradas nos seus braços,
parou à porta do salão. Dali, quatro degraus
levavam para a pista de dança, e o trio podia ver
todos os convidados.
O pai e a filha não se tocavam, embora Charity
apertasse muito o braço do tio para não tropeçar
ao descer as escadas. Seus olhos cintila¬vam e o
rosto estava afogueado de expectativa.
Caroline, por outro lado, parecia totalmente
controlada. Orgu-lhosa, comparava-se ao pai em
altura e dignidade, olhando para toda aquela
gente, que a comia com os olhos, com uma
expressão tranquila no rosto.
O conde ficou parado onde estava até ter certeza
de que todos os olhos estavam voltados para sua
bela filha e sua linda sobrinha. Aquele momento,
ali naquele lugar, foi, segundo ele, o apogeu da
sua existência! O salão ficou em silêncio, e
enquanto Charity ficava um pouco nervosa por
causa dessa demora excessiva, o tio desfrutava o
seu momento de orgulho.
A orquestra voltou a tocar, e vários homens de
aparência ousada começaram a aproximar-se do
grupo.
— Aí vêm eles — murmurou o pai de Caroline,
com uma
risadmha.
Então a aventura era essa, pensou Caroline,
enquanto ouvia apre¬sentações vindas de todos os
lados. Quanto mais os pretendentes avanavam,
mais Caroline se retraía. Ela ficou ao lado do pai,
com cara séria e radiante, mas morrendo de medo
por dentro. Não pôde deixar de admirar a forma
pela qual Charity trocava comentários tímidos
com os pretendentes ao seu redor. Parecia estar no
seu lugar, florescendo como uma flor de
primavera em pleno esplendor, e Caroline
perguntou-se o que teria acontecido com a sua
própria autoconfiança. Sentia-se tímida,
desajeitada e completamente fora do seu lugar.
A carteia de danças de Charity já estava cheia, e
ela foi levada para a pista para participar de uma
dança já começada, mas o conde de Braxton
rejeitou um pretendente que estava querendo levar
sua filha para a pista, declarando que ela primeiro
precisava ser apresentada a seus amigos.
Então, o olhar de seu pai desviou-se para o outro
lado do salão, e Caroline voltou a atenção para
aquele lado, para ver quem ele estaria procurando.
Um homem idoso destacou-se de um grupo e
passou a avançar lentamente até a beira da pista.
Seus ombros eram caídos, ele era já bem calvo, e
usava uma bengala para se apoiar.
— Quem é ele, pai? — indagou Caroline.
— O marquês de Aimsmond — respondeu-lhe o
pai. — O irmão mais velho da tua mãe.
— O homem que foste visitar? — indagou
Caroline.
— Sim, Caroline. Eu precisava dar-lhe uma
explicação — declarou o conde. Sorriu e deu
tapinhas afetuosos na mão da filha, acrescentando
depois: — Ele não vai rejeitar-te agora. Já tratei
de tudo.
Caroline ficou intrigada diante daqueles
comentários. O que ele havia explicado? E por
que seu tio a rejeitaria? Ela sabia que não podia
interrogar o pai agora, mas decidiu descobrir do
que ele estava falando, quando voltassem para
casa.
Ela virou-se para olhar o marquês, achando-o
muito frágil.
— Acho que devíamos ir ao encontro dele, pai —
disse Caroline ao pai.
Ela não esperou a resposta do pai, mas, muito
empertigada, co-meçou a caminhar na direção do
homem que não falava com seu pai há catorze
anos. O marquês sorria para Caroline, e ela viu
que eles não es-tavam mais brigados. A visita de
seu pai na semana anterior obviamente tinha
quebrado o gelo.
Ela o alcançou no meio do salão. Sem hesitar um
segundo, endereou-lhe o sorriso mais radiante
de que era capaz e beijou-lhe a face.
O tio reagiu com um sorriso emocionado. Pegou
as duas mãos da sobrinha, mas precisou soltar
uma para voltar a equilibrar-se com a bengala.
Os dois continuaram a encarar-se, sem nada dizei.
Caroline estava sem saber como começar a
conversa.
O marquês finalmente rompeu o silêncio:
— Eu me sentiria honrado se me chamasses de tio
— disse ele. Sua voz saiu rouca, quase áspera.
Estava cheia de emoção. — Só tenho um irmão
mais moço, Frankhn, e sua esposa, Loretta. Desde
a morte de tua mãe, eles são meus únicos
parentes.
— Não — respondeu Caroline, baixinho. — Tens
também meu pai e a mim.
As palavras dela o agradaram. As suas costas,
Caroline ouviu o pai pigarreando.
O marquês olhou para o conde de Braxton com a
testa inegavel-mente franzida.
— Não me disseste que ela era a cara da mãe.
Quase caí para trás quando a vi.
— Mas eu disse — respondeu o conde. — Ê que
estás fraco de-mais para te lembrares.
— Que nada! Meus miolos estão tão aguçados
quanto uma nava-lha nova, Brax!
O pai de Caroline sorriu.
— Franklin e Loretta vieram ao baile? Faz tempo
que não os vejo, e desejo apresentar Caroline a
seu outro tio.
O marquês amarrou a cara.
— Estão aqui, sim, em algum lugar — comentou,
dando de ombros. Depois se virou para Caroline e
acrescentou: — Ela tem os meus olhos, Brax!
Sim, senhor, é a imagem perfeita do meu lado da
família.
Caroline precisou admitir que seus olhos
realmente lembravam o dele e perguntou-se por
que o tio estaria provocando seu pai. Seu olhar
estava repleto de malícia.
— Mas tem meus cabelos, e não podes negar isso,
Aimsmond!
Caroline começou a rir. Os dois estavam brigando
por causa dela era inacreditável.
— Que bom, assim todos saberão que sou parente
dos dois — disse ela. Pegou o braço do tio com
uma das mãos e o do pai com a outra sabendo que
não poderia menosprezar nenhum dos dois. —
Que tal en¬contrarmos um canto para nos
sentarmos e conversar? Embora vós tenhais
recentemente conversado, ainda devem ter muito
a dizer um ao outro.
Os três foram andando até um recanto próximo.
Charity veio até eles, e a conversa rapidamente
passou a versar sobre o baile e os homen-
disponíveis que estavam tentando chamar sua
atenção.
— Posso chamar-vos de tio também? —
perguntou Charity ao marquês. — Gostaria, se
aceitardes. Somos parentes distantes, de certa
forma, não?
O marquês gostou dessa franca demonstração de
afeto de Charity, e concordou.
— Somos parentes, sim, por afinidade, creio eu.
Adoraria que me chamasses de tio. Tio Milo, é
como Caroline me chamava, quando era
pequenimnha.
— Sabe, Aimsmond, estou me perguntando, qual
é a comoção? — indagou Braxton de repente.
Estava de pé ao lado do assento estofado perto da
janela onde o marquês estava sentado. Caroline
estava de pé do outro lado do tio. O marquês
segurava a mão da sobrinha, apertando-
a como se fosse um torno, sua forma de garantir
que ela não sumiria pensou Caroline.
O pai dela estava olhando para a entrada do salão,
e Caroline virou-se. Seus olhos arregalaram-se
quando viu quem estava parado lá, causando tanta
comoção entre os convidados. Era o cavalheiro
que ela tinha ajudado no dia da tentativa de
assalto à carruagem. O sr. Smith!

Mas claro que ele não era sr. Smith coisa


nenhuma, pois esse era apenas o nome que ela
tinha inventado para o homem para ele não
precisar ficar constrangido.
De pé ali, ela o olhava, os cantos da boca
querendo formar um sorriso, e achou-o muito
parecido com um pavão, exibmdo-se todo, ali de
pé, na entrada. Pela forma como os convidados
lançavam-lhe olhares discretos, presumiu que ele
era um almofadinha bastante conhecido. Suas
roupas pretas discretas eram igualzinhas às de
todos os outros homens do salão, mas ele estava
com outro lenço branco no pescoço, o qual lhe
subia até as orelhas. Ela perguntou-se se ele
estaria com difi¬culdade de virar o pescoço sem
amarrotar o plastrão.
— Então o Brummell chegou, afinal — observou
seu tio, satisfei¬to. — O baile do duque agora
recebeu o selo de aprovação.
— Brummell? — disse Caroline, sentindo
alfinetadas nos braços e pernas. — Dissestes
Brummell? — perguntou, sabendo muito bem que
ele tinha dito isso mesmo. Mas que confusão,
pensou, sem nada comentar, lembrando-se de que
tinha falado com o homem a quem chamou de sr.
Smith sobre Brummell. Tentou se lembrar dos
detalhes da conversa, na esperança de não ter dito
nada comprometedor sobre o tal Brummell. Meu
Deus do céu, não é que tinha chamado o homem
de Plummer?
Brummell permaneceu ali parado, sozinho,
olhando o salão em torno de si. Estava
claramente entediado, mesmo ao balançar a
cabeça para cumprimentar alguém do outro lado
do salão. Depois começou a descer os degraus e
continuou, sem pressa, a caminhar entre as
pessoas. Andava com um ar de suprema
importância, e, à medida que a multidão ia se
afastando, Caroline percebeu que ele era mesmo
importante. Tam¬bém caminhava sem mancar.
Seu ferimento devia estar completamente curado,
notou Caroline, satisfeita.
Ela fitava diretamente as costas de Brummell,
curiosa para ver quem ele havia parado para
cumprimentar.
Foi então que viu o outro. Bradford! Ele estava
apoiado com toda a tranquilidade na parede
oposta, cercado por três homens. Charity estava
na frente, e Caroline precisou inclinar a cabeça
para um lado para ver melhor. Os homens que
estavam conversando com Bradford pareciam
estar loucos para lhe atrair a atenção, mas
Bradford fingia que não os via. Estava olhando
para ela!
O pai estava lhe dizendo alguma coisa, e Charity
também estava tentando chamar sua atenção. Tio
Milo estava lhe puxando o braço, mas Carohne
não deu a mínima para ninguém. Não conseguia
tirar os olhos do homem que a estava fitando de
forma tão atenta.
Era mais atraente do que ela tinha pensado, ao
conhecê-lo, e mais alto do que todos os que
estavam ao seu redor, pelo menos uns vinte
centímetros. Seus cabelos estavam penteados,
mas, mesmo assim, pare¬ciam ligeiramente
desalinhados, e isso evitava que ele parecesse
com-pletamente intocável. Quase o faziam
parecer vulnerável. A boca dele, porém, não
parecia nada vulnerável, estava contraída. Ela
perguntou-se com que frequência ele sorriria.
Por que não se lembrava de como ele era alto, de
como seus ombros eram largos? De repente,
recordou-se de um guerreiro espartano, o rei
Leônidas, talvez, e pensou que, em alguma outra
ocasião, em alguma outra vida, Bradford poderia
muito bem ter pertencido à família desse intrépido
guerreiro.
O duque de Bradford passou a noite inteira
olhando para Caroline Richmond. Desde que ela
surgiu, tão nobre e contida, de pé ao lado do
conde de Braxton, ele se sentiu enfeitiçado. Ela
estava deslumbrante, e sua aparência causou um
impacto instantâneo. Ele sabia que não tinha sido
o único a sentir-se atraído por ela e ficou muito
aborrecido com isso. Ora, todos os mancebos do
salão ficaram boquiabertos ao vê-la!
Droga! Ele é que tinha direito a ela. Ela ia
pertencer a ele. Bradford viu-se sacudindo a
cabeça diante dessa necessidade tão intensa de tê-
la, de dominá-la. Seu tédio com a sociedade e toda
a frivolidade da vida da elite sumiu quando ela
passou pela porta do salão. Ele de repente sentiu
vontade de viver, coisa que estava certo de ter
perdido quando o pai e o irmão morreram.
Bradford só havia aceitado o convite para o baile
daquela noite com a esperança de que ela
aparecesse. Todos na elite iam ao baile anual de
Ashford, e Bradford acreditava que o pai de
Garoline não seria exceção.
O olhar insistente do rapaz aqueceu Caroline de
uma forma que ela não entendia completamente.
Sentiu as faces quentes e viu que estava
envergonhada. Bradford estava fazendo-a sentir-
se muito constrangida e extremamente nervosa.
Esse efeito intimidador que ele exercia sobre ela
não era nada bom, porque Caroline sentia que
estava a ponto de explodir em risadinhas
histéricas. E como explicaria isso aos que a
cercavam?, perguntava-se a si mesma.
Passaram-lhe vários pensamentos pela cabeça,
como rajadas de ven¬to varrendo uma campina
vazia. Ela não conseguia fixar-se em nenhum
deles, concentrar-se em nada.
Caroline continuou a retribuir o olhar de desejo
dele enquanto refletia sobre uma forma tortuosa
ou outra de bloquear aquele efeito tão perturbador
que ele exercia sobre ela.
Será que ele tinha alguma ideia do efeito que
produzia sobre ela? Certamente esperava que não!
Suas mãos tremiam, seus sentidos pa-reciam
aguçados ao extremo, e seus pensamentos
descontrolavam-se, perdendo-se em fragmentos
irracionais.
Ela ficou cada vez mais nervosa. Pior, começou a
preocupar-se, achando que tinha cometido alguma
impropriedade muito grave. Isso não a consolava
de jeito nenhum, pensou, pois ele provavelmente
iria desprezá-la por sentir-se perturbada assim. E
se ela se comportasse como uma boba, ele
provavelmente iria gostar de saber que sua
presença tinha causado essa reação.
Caroline concentrou-se, procurando fazer a
fisionomia demonstrar isenção de ânimo e tédio.
Estava tentando imitar a expressão da maioria das
senhoras do salão, e descobriu que, depois de
aprender como era, não conseguia conservá-la.
Começava a sorrir, e aceitou o fato de que, nunca
tendo se entediado de verdade, não conseguiria
fingir que estava entediada. Simplesmente não
sabia como fazer isso.
Bradford viu seu sorriso e retribuiu-o,
surpreendendo-se com a facilidade com que
demonstrou essa emoção. Raramente deixava que
algo lhe transparecesse no rosto, e agora estava
agindo como um jovem mancebo em seu primeiro
baile.
Caroline tentou conservar um pouco da sua
dignidade, e fez um movimento, aceitando o
sorriso do rapaz. Quando finalmente percebeu que
não seria capaz de fazê-lo desviar o olhar,
começou a virar-se para o grupo que a cercava. O
olhar de Bradford adquiriu uma expressão
tra¬vessa, e isso a deteve. Ela ficou prestando
atenção, encantada, enquanto ele lentamente
fechava um olho, lançando-lhe uma piscadela
exagerada e provocante.
Caroline sacudiu a cabeça, desaprovando aquele
galanteio, e tentou fazer cara de irritada, mas
estragou tudo com uma risada. Admitindo sua
derrota, rapidamente deu as costas ao rapaz,
sabendo que ele tinha visto sua reação. Sentmdo-
se uma bobmha que precisava de supervi¬são,
Caroline inspirou profundamente e procurou
prestar atenção na conversa.
O marquês e o conde estavam concentrados em
um debate acirrado sobre a quem apresentar
Caroline e Charity, e, ainda mais importante do
que isso para eles, quem faria as apresentações.
Caroline aproveitou para puxar a prima para um
canto e cochichar-lhe ao ouvido:
— Eles estão aqui, Charity. Lá, naquela parede.
Não olhes agora! — avisou.
— Quem? — perguntou Charity. Semicerrando os
olhos, procu-rou ver quem estava atrás de
Caroline.
— Não olhes! Não ias poder vê-los mesmo! Estão
longe demais.
— Lynnie, controla-te, quem está aqui? —
Charity deixou sua irritação transparecer
colocando uma das mãos nos quadris.
— O homem que ajudamos naquele dia da nossa
chegada — expli¬cou Caroline, percebendo que
Charity tinha razão. Ela precisava mesmo
controlar-se. O que estava havendo com ela?
Sentia-se tão espantada quanto uma das suas
éguas, e não podia, por mais que se esforçasse,
entender por quê. — E Bradford também —
continuou Caroline.
— Estão aqui os dois.
— Ah, mas não é uma maravilha? — sorriu
Charity, satisfeita. — Precisamos ir até lá
cumprimentá-los.
— Não é maravilha nenhuma — retorquiu
Caroline. — Não acho nada maravilhoso.
Charity amarrou a cara.
— Caroline, o que é isso? O que é que está
havendo contigo? Parece até que estás com medo.
— Charity parecia admirada com essa
constatação. Em todos os anos que tinha
convivido com Caroline, nunca tinha visto a
prima com medo.
Charity de repente sentiu-se muito superior a sua
prima, sempre muito racional. Caroline parecia
estar com os nervos à flor da pele, e Charity
precisou fazer força para não ficar de queixo
caído de espanto.
Não houve mais tempo para discutir o assunto,
pois alguém levou Charity para a pista para sua
segunda dança. O visconde de Claymere
apareceu, curvando-se diante de Caroline, todo
alvoroçado, e requisitou sua imediata atenção.
Caroline foi andando ao seu lado para o meio da
pista de dança, notando que a mão dele, que lhe
segurava o cotovelo, estava suada. Ela achou que
o visconde estava nervoso e tentou acalmá-lo.
Deu-lhe um sorriso e depois desejou não ter
tomado essa iniciativa. O homem tro-reçou
sozinho e Caroline foi obrigada a agarrá-lo pelo
cotovelo para que ele não caísse.
Daí por diante teve o cuidado de evitar
demonstrar qualquer emo¬ção e não olhar
diretamente para ele, pois quando se virava e fazia
uma reverência, olhando de relance para seu rosto,
ele voltava a perder ? equilíbrio. A música
começou, e Caroline concentrou-se nos passos
intrincados que precisava dar, grata por Caimen
ter se dado ao trabalho de ensiná-la a dançar.
Sabia que Bradford estava de olho nela, mas jurou
;ue não olharia para o seu lado. Tinha resolvido,
enquanto dançava, fingir que não o via. Ele era,
lembrou-se pela quinta vez, assustador demais.
Parecia mesmo um espartano, pensou de novo, só
disciplina e arestas. Então concluiu que não
gostava mesmo da civilização espartana, afinal de
contas.
Bradford aguardou até a dança terminar, e aí
avançou. Fez um movimento na direção de
Caroline quando Brummell lhe perguntou -uem é
que estava olhando assim tão fascinado.
Brummell virou-se e, procurando esconder suas
emoções com todo o cuidado, também olhou para
a jovem.
A dança finalmente terminou, e Caroline sentiu
vontade de cair de -relhos, tamanho foi seu alívio.
O visconde tinha pisado nos seus pés mais de uma
vez, e agora eles estavam doendo, em protesto.
O pai de Caroline veio reunir-se a ela antes de o
visconde poder machucá-la mais, e o desajeitado
mancebo curvou-se de novo exagerada-mente
antes de se retirar. De repente mudou de ideia,
virou-se e agarrou i não de Caroline. Antes que
ela pudesse recolhê-la, ele inclinou-se e beijou-lhe
o dorso da mão com espalhafato.
Caroline lembrou-se de não sorrir, e o visconde,
depois de prome¬ter que voltaria, finalmente se
afastou.
— Não te ofendas, meu pai, mas os ingleses são
uns sujeitos bastante nervosinhos — disse
Caroline, enquanto olhava o visconde afastar-se,
— Como és inglesa, eu não admitirei exceções —
respondeu o pai, sorrindo.
Depois, de repente, o homem da estrada surgiu
diante dela, com Brummell ao seu lado. Caroline
não ia poder fingir que não estava vendo os dois,
pois eles lhe bloquearam o caminho e a visão. Ela
primeiro olhou para o peito de Bradford, e
finalmente obrigou-se a olhar para cirna.
— Estamos aqui para sermos apresentados —
declarou Bradford, em voz grossa. Suas palavras
dirigiram-se ao pai dela, mas o olhar dele não se
desviava da moça. Caroline notou que ele estava
de olhos pregados na sua boca, e nervosamente
umedeceu os lábios com a ponta da língua.
O conde de Braxton sentiu-se lisonjeado.
— Mas naturalmente. Permita-me apresentar-te
minha filha, Ca¬roline Mary. Caroline, querida, é
meu prazer apresentar-te o duque de Bradford e o
sr. George Brummell.
Bradford virou-se para Brummell e sorriu
largamente.
— Tu primeiro, dessa vez, imagino?
— Naturalmente — respondeu Brummell, voltou
a atenção para Caroline e sorriu. O barulho tinha
diminuído, e ela teve a impressão de que todos no
salão estavam tentando escutar o que eles estavam
falando.
Sentiu-se como se fosse o foco de uma feira
agropecuária.
— E mesmo um grande prazer conhecer-te —
declarou Brummell, com enorme formalidade.
Curvou-se, tanto que a ponta dos seus dedos roçou
o chão, e em seguida endireitou-se. — Es das
Colónias? — in¬dagou, ao pegar a mão da moça e
levá-la vagarosamente até seus lábios.
Ouviram-se gritinhos de empolgação diante desse
gesto de afeição, e os olhos de Caroline faiscaram
de malícia e gratidão; Ela sentiu o calor do prazer
que o pai estava sentindo aquecer-lhe o rosto.
Certamente era esse o motivo para o seu rosto
estar corado como sentia que estava!
— Por favor, pode chamar-me de Beau. Embora
já tenham sugeri¬do que me chamem pelo nome
de batismo, Jorge, adoro meu apelido.
— Teu nome é mesmo Jorge? — indagou
Caroline, tentando desesperadamente prender o
riso. Mas esse era exatamente o nome que ela
havia sugerido quando ele lhe fez sentir que
desejava manter sua identidade secreta. Como
também era o nome do rei da Inglaterra, ela
considerou o fato uma coincidência lógica.
— Sim, é, e recentemente uma linda senhorita
sugeriu que eu vol-tasse a usá-lo. Eu recusei a
oferta — acrescentou com um suspiro.
Ele estava se divertindo à vera com ela,
desafiando-a a não rir de seus comentários.
Caroline achou que devia responder à altura.
— Pelo jeito, temos um amigo em comum, Beau.
Brummell pareceu meio desconcertado, e
Caroline sorriu.
— Sim, o senhor Harold Smith costuma falar
muito de vós. Pode ser que não vos recordeis
desse conhecido, porém, este prezado cava¬lheiro
vendeu tudo o que tinha e mudou-se para as
Colónias, faz muito tempo. Disse que Londres era
muito... bárbara. E, creio que foram essas
as palavras dele.
Brummell e Bradford entreolharam-se e depois
tornaram a olhar para ela. Ambos desataram a rir,
e, antes que terminassem, Brummell precisou
enxugar os cantos dos olhos com o lenço.
— E como vai o sr. Smith? — indagou Bradford,
quando recupe¬rou o fôlego.
Caroline sorriu para Bradford, depois se virou
para Brummell.
— Ora, ele está bastante bem, na minha opinião.
Estava com um probleminha em uma perna, mas
eu tenho certeza, pela forma como se porta agora,
de que deve ter sarado completamente.
— E que problema era esse que afligia o pobre
homem? — inter-rompeu o conde.
— Gota — respondeu Caroline no ato.
Brummell começou a tossir, e Bradford precisou
dar-lhe um tapa nas costas.
— Faz anos que não rio tanto assim — admitiu
Beau. — Senho¬rita, foi um prazer, estou ansioso
para encontrar-vos de novo. — Brum¬mell falou
mais alto no final da conversa, e Caroline
percebeu que era para que os outros ao redor
ouvissem. — Não deixes de apresentar-me
vossa prima antes do final do baile.
Caroline concordou e ficou assistindo à retirada
de Brummell. Finalmente voltou-se para Bradford
e desejou ter coragem de lhe per-guntar se ele
também não tinha que ir a algum outro lugar.
A música começou de novo exatamente quando o
pai de Caroline lhe anunciou que ia pegar uma
taça de champanhe para o marquês. Bradford
solicitou permissão formal do pai de Caroline para
dançar com ela. Estava começando uma valsa, e,
embora o conde desse sua permissão, Caroline
sacudiu a cabeça.
Bradford fingiu que não viu a recusa da moça e
pegou-lhe a mão. Praticamente arrastou-a até
quase a porta do salão que levava para o jardim.
Então, virou-se e tomou-a nos braços.
Caroline manteve o olhar concentrado na casaca
preta dele.
— Não sei dançar valsa — murmurou ela.
Bradford afastou a mão da cintura dela e usou-a
para virar-lhe o rosto para si.
— Meus botões não vão responder aos teus
comentários — disse ele, com voz de quem acha
graça.
— Eu disse que não sei dançar valsa — repetiu
Caroline. Os dedos de Bradford acariciavam uma
área sensível perto do queixo, e ela sentiu um
tremor súbito nas pernas.
— Põe o braço no meu ombro — murmurou
Bradford, de man-sinho. Inclinou-se até que seus
rostos quase se tocassem.
Caroline sacudiu a cabeça. Bradford voltou a
fingir que não tinha percebido e pôs a mão dela no
seu ombro. Se ela movesse a mão uns dois
centímetros, tocaria os cabelos dele. Ambos
começaram a deslocar-se, e ela passou a ser
conduzida pelo salão, e a única coisa em que
conseguia concentrar-se era na sensação de estar
nos braços dele.
Eles não disseram uma palavra durante a dança, e
Caroline ficou aliviada por isso. Sentiu-se mal e
insegura. A mão dele parecia estar ar¬dendo,
passando através do seu vestido, marcando-a
como um ferrete.
Caroline ergueu a mão esquerda e aproveitou a
posição: seus dedos subiram devagar até tocarem
os cabelos castanhos e sedosos dele, na base do
pescoço. Ela surpreendeu-se ao sentir que eram
tão macios. Seus de¬dos recuaram antes que
Bradford pudesse perceber esse gesto ousado.
Mas ele percebeu. Aquele ligeiro toque na pele
sensível da sua nuca deixou-o desnorteado. Ele
sentiu unia vontade súbita e incontrolável de
apertar Caroline e beijá-la até que ela ficasse
dominada pelo desejo, tanto quanto ele estava
naquele exato instante.
Caroline olhou em torno de si e imediatamente
notou que as ou-tras senhoras que estavam
dançando não estavam com as mãos tão perto dos
cabelos dos seus pares. Imediatamente deslocou a
mão, imitando a posição correta, e lançou um
olhar contrariado a Bradford.
— Estamos dançando muito colados um no outro
— avisou Ca¬roline. — Não pretendo
envergonhar meu pai.
Bradford, relutante, soltou-a e deixou-a afastar-se
um pouco. De¬pois deu um sorriso bastante
maroto e perguntou:
— E esse o único motivo pelo qual não queres
ficar perto de mim?
— Mas claro — respondeu Caroline. Suas pernas
estavam bambas e o coração estava batendo
desenfreado, mas ela não iria admitir nenhu¬ma
dessas reações. Recusou-se a voltar a olhar para
ele, e só então notou que muitas mulheres estavam
fitando-o de fora da pista e demonstrando
um desprazer evidente.
— Bradford? Por que essas mulheres todas estão
de cara amarrada para nós? — indagou ela,
ousando olhar para cima rapidamente.
Bradford olhou de relance o salão e voltou-se
outra vez para Caroline.
— Estás fazendo algo incorreto? — quis saber
ela, a voz um tanto desconfiada.
Bradford riu.
— Infelizmente, estamos sendo bastante corretos
— informou-lhe ele. — Algumas das senhoras
mais velhas não gostam desta nova dança. A valsa
ainda não obteve a aprovação das pessoas mais
tradicionais. Caroline balançou a cabeça.
— Entendo. — Voltou a olhar de relance para
cima, encontrou o olhar dele e sorriu. — E tu, és
um radical ou um tradicionalista?
— O que achas? — indagou Bradford.
— Ah, um radical, imagino — respondeu
Caroline, de imediato. — Aposto que és alguém
que está constantemente criando caso na Câmara
dos Lordes. Acertei, não? Bradford deu de
ombros.
— Parece que já me consideraram obstinado em
algumas ocasiões, mas só quando a moção que
estou apoiando corre risco de não ser aprovada,
— Mesmo assim és respeitado — anunciou
Caroline. — É por causa do título que herdaste ou
porque conquistaste teu próprio prestígio?
Bradford riu.
— Estás me perguntando se conquistei algo
valioso? — Fez uma pausa, e depois perguntou:
— E como sabes que sou respeitado?
— Pela forma como olham para ti — respondeu
Caroline. — Meu pai é tradicionalista. Se ele
ainda estivesse atuando na política,
provavel¬mente seria teu oponente em todas as
questões. Bradford, poderíamos, por favor, parar
de girar? Estou ficando bastante tonta.
Bradford imediatamente parou de dançar,
segurando o cotovelo de Caroline, e levou-a para
a varanda.
— Teu pai era mais radical na sua época do que
eu jamais serei — comentou Bradford.
Caroline demonstrou seu espanto.
— E verdade — confirmou Bradford. — Ele era
conhecido como o defensor da causa irlandesa.
— Que causa irlandesa? — perguntou Caroline.
— Independência — explicou Bradford. — Seu
pai não achava que os irlandeses estavam prontos
para ser independentes, mas lutou para conseguir
que eles tivessem representação no governo e
melhorar suas condições de vida.
Caroline ficou espantada de ouvir essas
revelações de Bradford. Tentou imaginar o pai
jovem, lutando pelo que acreditava ser justo.
— Ele é um homem tão comportado, tão calmo
hoje em dia — comentou Caroline. — Difícil crer
no que me dizes. Mas acredito em ti — apressou-
se em asseverar, esperando não ter ofendido o
rapaz insinuando que duvidava das suas palavras.
Bradford não conseguia parar de sorrir. Notou
como ela tinha se apressado em corrigir sua
afirmação de não acreditar nele. Será que ela era
sempre assim tão zelosa com os sentimentos das
pessoas?
Caroline não notou Bradford olhando para ela.
Estava pensando
no pai, perguntando-se o que o teria feito desistir
de lutar pelas suas causas. Por que ele tinha se
retirado assim de tudo... da vida?
Bradford viu que vários pretendentes estavam se
apaixonando, bas¬tante decididos, para onde eles
estavam. A música tinha recomeçado, e Bradford
puxou Caroline para seus braços outra vez. Não
estava ainda preparado para deixá-la dançar com
outros. Lembrou-se do comentário jue tinha feito
ao conversar com Milford, de que queria rever
Caroline rara poder esquecer-se dela, e agora
achava esse comentário absurdo.
Caroline não protestou quando Bradford a
tomou nos braços de novo. Não se importou com
as expressões de desaprovação também.
Sentia-se enfeitiçada nos braços do rapaz e
tremia quando sentia os dedos dele acariciando-
lhe as costas. Caroline nunca tinha reagido a um
homem como estava reagindo a Bradford. Estava
confusa diante dessa intensa atração física. Sabia
que devia comportar-se com decoro, mas percebia
que adoraria ficar nos braços dele o resto da noite.
Quando começou a perguntar-se como devia ser o
beijo dele, viu que era hora de afastar-se da
tentação.
— Não gosto...
Não houve tempo para ela terminar a frase. Estava
para lhe dizer que não gostava de dançar valsa,
mas ele a interrompeu com um comentário
arrogante:
— Não gosta do que está lhe acontecendo?
Os olhos dela arregalaram-se, e ela quase
concordou. Viu-se para¬lisada no tempo e no
espaço e franziu o cenho.
— Como assim?
— Não negues, Caroline, também está
acontecendo o mesmo comigo.
— Não está acontecendo nada — respondeu
Caroline, tensa. —Estás me deixando tonta outra
vez, com os mesmos círculos constantes. Aqui
dentro também está muito quente. Não achas que
já dançamos bastante? — indagou, a voz
esperançosa.
— Sim, ficou mesmo muito quente — respondeu
Bradford. Eles tinham acabado
de completar nova volta pela pista de dança e
estavam diante das portas de novo. Caroline
sorriu, achando que estava para se livrar de
Bradford, mas quando eles pararam de dançar, ele
não a soltou.
Em vez disso, pegou-lhe o braço e obrigou-a a
acompanhá-lo. Antes que ela pudesse protestar,
ele já a havia arrastado pela porta afora e se
dirigido para o ar livre, sob o céu noturno.

CAPÍTULO 5
__Solta o meu braço. Não podemos ficar os
dois aqui sozinhos — cochichou Caroline,
agressiva.
Porém, sua irritação não pareceu causar nenhuma
perturbação na armadura de determinação de
Bradford. O teimoso mancebo continu¬ava
andando e arrastando Caroline consigo, e vários
casais que estavam tomando ar viraram-se para
olhá-los, curiosos.
Assim que Caroline percebeu que outras pessoas
estavam olhando os dois, procurou deixar de
parecer zangada e fazer cara de indiferente. Era
difícil, e ela só sentia vontade de derrubar o duque
de Bradford no chão e pregar-lhe uns pontapés.
Apesar de esses pensamentos não serem nada
comportados, Caroline sentiu muito prazer com
eles. E não duvidava nada de que seria capaz de
conseguir isso, ou pelo menos de lhe tirar uma
boa parte da empáfia, porque seus primos tinham
lhe ensinado todas as formas de causar verdadeira
dor a um homem.
Aquele seu acesso de autoconfiança evaporou-se
quando ela perce¬beu que nem sequer conseguia
puxar a mão, soltando-se dele. Será que tinha
deixado sua autoconfiança em Boston?,
perguntou, enquanto o seguia como se fosse um
carneirinho.
A varanda circundava três lados da casa, e
Bradford continuou até eles estarem
completamente sós, bem no final da balaustrada.
Várias velas encontravam-se ao longo do alto da
balaustrada da varanda, em copos altos, para o
vento não as apagar, dando à noite embalsamada
um ar romântico. Bradford parou quando a grade
da va-randa terminou e virou-se de frente para
Caroline. A vela mais próxima de ambos
projetava um brilho cálido no seu rosto,
suavizando-lhe os traços másculos.
— Agora acredito que terei tua atenção total —
começou Bradford, sem preâmbulos. — Não
pretendo dividir tua atenção com metade de
Londres.
— Ora. agora que tens minha atenção, o que farás
comigo?
Bradford sorriu diante do desafio na voz
dela. Percebeu temor e confusão no seu olhar, mas
a voz suave da moça negava que fossem genuínos.
Aquela sua falsa valentia o agradava. Ela não era
do tipo que se acovardava ou perdia os sentidos.
Era, segundo ele havia deduzido, uma adversária à
sua altura.
Ele quase respondeu que a possuiria, pois
desejava ficar com ela, por mais obstáculos que
ela pusesse em seu caminho. Caroline de-via ter
percebido essa intenção no olhar dele, pois
começou a recuar, devagarinho.
Bradford rapidamente a impediu. Pegou seus
ombros, sentiu a ma¬ciez sedosa sob seus dedos e
quase se esqueceu do que ia fazer até ela procurar
soltar-se dele à força.
— Ah, não vai fugir, não — murmurou ele.
Puxou-a para si e virou-a, e ela sentiu-se uma
marionete, sendo ele o manipulador, presa entre a
parede e a grade. Estava completamente sem
saída, e Bradford sorriu ao perceber isso.
— Podes, por favor, deixar-me passar? —
perguntou Caroline.
— Só depois da nossa conversa — respondeu
Bradford.
Agia como se tivesse todo o tempo do mundo.
Caroline então deixou transparecer sua
exasperação.
— Como és teimoso! Estás fingindo não perceber
que não quero conversar contigo!
— Queres sim — informou-lhe Bradford. — Algo
está acontecendo entre nós. Eu sinto isso, e sei
que também sentes. Creio que devíamos
reconhecer isso, e quanto mais cedo, melhor. Não
tenho tempo para brincadeirinhas de namoro,
Caroline. Quando quero algo, vou e pego.
Caroline não havia mentido. Não queria mesmo
ficar sozinha com ele. Bradford deixava-a
nervosa. Não sentia que era capaz de controlar-se
quando estava ao seu lado. Tinha acabado de falar
com ele de uma forma bastante ríspida, mas ficou
espantada quando ele respondeu com a mesma
rispidez.
— E resolveste que me queres? — Caroline tinha
perdido a voz, e Bradford precisou inclinar-se
para lhe ouvir a pergunta. Ele não respondeu, mas
continuou a olhar para ela, seu olhar dizendo tudo
o que precisava saber.
— Ela tinha achado que ia conseguir obrigá-lo a
desistir, colocá-lo no seu lugar com uma
reprimenda daquelas, mas de repente percebeu
que tinha ficado muda.
— A minha franqueza te amedronta? — disse
Bradford, rompendo o silêncio subitamente, com
a voz cheia de ternura. — Esse senti¬mento me
incomoda — admitiu ele, com um sorriso forçado
— e não é facil de reconhecer.
— O olhar dele era suficiente para transformar
água em vapor. Certa¬mente a aquecia, e ela
descobriu que não sabia como reagir.
— Deixas-me nervosa quando me olhas assim —
admitiu Caroline . Suspirou e sacudiu a cabeça.
— É melhor eu te avisar. Se ficar muito nervosa,
vou começar a rir sem parar, e aí vais te sentir
ofendido.
— Caroline — interrompeu-a Bradford. — Vai,
admite logo que há alguma coisa ocorrendo entre
nós.
— Não nos conhecemos — objetou ela.
— Eu te conheço melhor do que pensas —
respondeu Bradford. Os olhos de Caroline
demonstraram sua descrença, e ele confirmou sua
afirmativa, balançando a cabeça. — És leal, digna
de confiança e tens imenso amor por todos os teus
entes queridos. — Sabia pela forma como ela
corou que a estava deixando constrangida, mas
não se importou nem um pouco com isso. Estava
decidido a fazê-la admitir o que sentia por ele.
Nada mais parecia lhe importar.
— Como é que podes saber disso? — indagou
Caroline.
— Percebi no dia em que a conheci. Tu estavas
assustada na hora, mas me enfrentaste. Tua única
preocupação era proteger um homem
praticamente estranho, evitando que se
machucasse mais do que já estava ferido. A
bravura é uma característica que admiro —
acrescentou ele.
Não estava mais sorrindo, e falava com toda a
seriedade. — Quando conversamos, contaste-me
que temias causar vergonha a teus parentes
fazendo algo errado. Também falastes da tua
família nas Colónias e de tua lealdade a ela. Por
último — concluiu Bradford —, chamaste tua tia
de mamãe, e teus olhos me mostraram a profunda
afeição que sentes por ela.
— Um cachorro é leal, digno de confiança e
dedicado aos seus donos.
A piada de Caroline obrigou o homem a sorrir
relutante, acima dela.
— Esta noite tremeste nos meus braços quando
dançamos. Vais me dizer que foi de frio? — Ele
agora estava provocando-a, e Caroline reagiu com
um sorriso também. — Podes ser franca comigo?
— A franqueza é uma característica que admiro
nos outros — respondeu Caroline — porque é
completamente inexistente na minha
personalidade. — E suspirou com exasperação,
continuando: — Sou desonesta, nas palavras e nos
atos, e não tenho como evitar. Portanto —
acrescentou ela —, se concordar que existe um
sentimento especial entre nós, não terás como
provar se estou dizendo a verdade ou não, terás?
Bradford sorriu e sacudiu a cabeça.
— Então vamos ter que fazer algo que nos dê essa
prova — sugeriu ele. Seu olhar revelou que estava
achando graça, e Caroline percebeu que ele não
tinha acreditado em nada do que ela havia
acabado de dizer. Ela estava mentindo, e ele sabia
disso.
— E exatamente como é que uma pessoa prova o
que sente ou não por ti? — indagou Caroline. Seu
cenho estava franzido de concentração, mas um
brilho súbito surgiu nos seus olhos, e Bradford viu
logo que ela estava preparando alguma armadilha.
Era exatamente igual ao olhar que ele tinha
notado logo antes de ela fazer Brummell cair na
sua armadilha. Ficou ansioso para ver o que ela
faria.
— Talvez exista um jeito, sim! Por que não pulas
da varanda? Se eu não gritar para evitar que te
jogues, saberás que não sinto nada por ti.
— E se me disseres para parar? — disse Bradford.
com uma risadinha de divertimento.
— Ora, então saberás que eu sentia mesmo algo
por ti. Claro que to¬dos os teus ossos terão se
quebrado, mas terás tua resposta, não terás?
Ela estava sorrindo encantadoramente, e Bradford
achou que de¬via mesmo estar se divertindo com
o quadro que tinha acabado de imaginar.
— Há uma alternativa — sugeriu Bradford. —
Uma que não destruirá meu corpo, uma vez que
ele é importante para ti.
— Não acho teu corpo importante — apressou-se
Caroline em dizer — E esta conversa está se
tornando um tanto indecente. Se al-guém nos
escutar...
— Vives preocupada com o que outros vão
escutar, não?
— Nunca me preocupei com isso antes de vir para
a Inglaterra — admitiu Caroline. — É mesmo um
estorvo. Agir corretamente é uma coisa por vezes
extenuante.
Bradford sorriu diante dessa franqueza dela.
— Caroline, gostaria de beijar-te e acabar logo
com isso.
Ela não se moveu. Sentiu-se fascinada como um
animal prestes a ser capturado por uma rede
enorme. Bradford pôs ambas as mãos na parede,
atrás dela, e vagarosamente aproximou-se da
moça.
— Es tão romântico — murmurou Caroline. —
Acabar logo com isso? Será que é tão difícil
assim?
Por que continuava a provocá-lo?, perguntou-se
ela, meio apavora¬da. Só ia deixar as coisas
piores do que já estavam.
— Insistes que não há nada entre nós, evitas
olhar-me nos olhos sempre que possível, e mesmo
assim tremes quando estás em meus bra¬ços. Teu
corpo contradiz tuas palavras de protesto.
Caroline surpreendeu Bradford concordando com
a cabeça.
— Eu sei — sussurrou.
Aquela confissão dela o agradou, quase tanto
quanto os lábios ro¬sados dela o atraíam. Ele não
conseguiu esperar nem mais um segundo, mas
jurou que seria delicado. Sua boca roçou de leve a
dela. Caroline tentou virar a cabeça, contudo
Bradford prendeu-lhe o lábio inferior e
deteve-a. Beijou-a outra vez, pressionando mais
os lábios contra os dela e, embora tivesse
planejado apenas lhe dar um beijo casto, percebeu
que queria mais. Sua boca se abriu sobre a dela, e
quando Caroline tentou resistir à invasão da
quentura úmida pela língua do rapaz, Bradford
usou uma das mãos para obrigá-la a baixar o
queixo. A língua dele possuiu o que seu corpo
desejava incontrolavelmente, golpeando,
explorando e penetrando a doçura que ela lhe
oferecia.
Caroline sentiu-se chocada quando a língua dele a
tocou. Não sabia que os homens beijavam as
mulheres assim! Encolheu-se toda de vergonha,
mas ouviu-se gemendo de puro prazer. Não
conseguiu evitar u Lciju nem refrear sua língua
que, tocada pela dele, timidamente a princípio,
retribuiu o beijo com cada vez mais ardor. Ouviu
o gemido profundo de incentivo de Bradford e
passou os braços ao redor do pes¬coço dele, para
trazê-lo mais para perto de si.
Não imaginou que fosse possível, mas o beijo
aprofundou-se, ficou mais ousado. Ela pendurou-
se nos ombros musculosos de Bradford e sorveu-
lhe a língua, dando-lhe e recebendo dele um
prazer que fluía como vinho suave entre eles.
Quanto mais se beijavam, mais Bradford exigia.
Sua paixão era agressiva, ele segurava o rosto dela
para poder beijá-la mais fundo. Nun¬ca um único
beijo o havia deixado assim tão excitado, tão
empolgado. Ele a queria com um desejo ardente
que nenhuma outra mulher iria poder satisfazer.
Quanto mais sorvia-lhe os lábios, mais a desejava.
Sua língua penetrava, recuava e depois voltava a
mergulhar. Caro¬line, perdida num oceano de
sensações, começou a tremer e sentiu um calor
líquido a fluir pelo seu corpo. A intensidade do
que estava sentindo apavorou-a. Finalmente
afastou-se e precisou apoiar-se na parede. Sua
respiração estava tão irregular quanto seus
pensamentos.
Bradford levou um minuto inteiro para voltar a se
controlar.
Caroline ficou olhando para o chão, para ele não
ver o constran¬gimento nos olhos dela. Tinha se
comportado como uma libertina, e achou que ele
ia pensar que ela era uma mulher imoral, sem
pudor.
— Agora me diga que não há nada entre nós —
exigiu Bradford. Sua voz saiu rouca, e, segundo
ela notou com irritação, horrivelmente vitoriosa.
— Não vou negar que gostei do teu beijo — disse
Caroline. Olhou para ele, e Bradford voltou a
sentir-se enfeitiçado pelo seu olhar.
__Eu te quero, Caroline. — Nada de
palavras açucaradas, pensou Bradford, contrariado
por dentro. Começava a arrepender-se da sua falta
de delicadeza, quando notou a mudança de
expressão da moça.
Fez-se silêncio entre os dois, enquanto Caroline
refletia sobre qual a resposta que lhe daria. Estava
furiosa, mas só podia culpar a si mes¬ma. Tinha
correspondido ao beijo dele como se fosse uma
prostituta, não tinha?
— Tu me queres? — perguntou, a surpresa na
voz. — Como ou¬sas dizer algo assim a mim?
Por que correspondi a teu beijo? — E seus olhos
ficaram marejados de lágrimas, mas ela estava
abalada demais para controlá-las. — Não me
importa que me queiras.
Ela não deu tempo para Bradford responder.
— Achas que, por causa do teu nome e da tua
posição, podes ter tudo o que queres? Ora, estás
enganado se pensas que podes ter-me, meu
senhor. Não sou da alta sociedade, e não me deixo
impressionar por promessas de coisas materiais.
— Todas as mulheres se deixam impressionar por
ofertas materiais — murmurou Bradford,
usando a própria expressão dela para designar
riqueza e poder.
— Estás insinuando que, se ofereceres o preço
certo, podes ter qualquer uma que queiras? —
Caroline empertigou-se, até ficar completamente
ereta, quando Bradford deu de ombros, indicando
que achava completamente natural sua resposta. E
ela enfrentou-lhe o olhar furioso.
— Estás me ofendendo.
— Porque estou sendo franco contigo?
— Não! Porque acreditas mesmo de verdade no
que estás me di¬zendo! — respondeu Caroline. —
Eu não me entregaria a ti nem que fosses o
próprio rei Jorge — acrescentou.
— Só porque eu te disse que te quero, já
concluíste que te quero como amante. Estás
ofendida quando devias sentir-te lisonjeada —
replicou ele. Estava furioso, e deixou-a sentir toda
a força de sua ira. — Mas se eu te cortejar e
depois pedir tua mão em casamento, o que farás?
— Suas mãos estavam apoiadas dos dois lados da
cabeça de Caroline, seu rosto a apenas alguns
centímetros do dela. Ele sabia, sim, o que ela
queria, e por mais que se enfurecesse por admitir
isso, queria-a quase o suficiente para dar tudo o
que ela lhe pedisse. — Mudarias de
comportamento na mesma hora, não?
Caroline concentrou-se na sua resposta anterior. A
audácia dele era inacreditável,
— Lisonjeada? Pois sim! Dizes-me que existe
algo entre nós — redarguiu —, mas é apenas
atração física, nada mais. Achas mesmo que eu
me entregaria a ti por um motivo assim tão torpe?
Eu não me casaria contigo — declarou
enfaticamente Caroline. — Dizes que queres uma
esposa leal, digna de confiança, amorosa —
prosseguiu, precipitadamen¬te —mas não
demonstras ter as mesmas qualidades.
— E como sabes disso? — inquiriu Bradford.
Caroline estava transtornada demais para se
deixar intimidar pelo olhar indignado dele.
__Em primeiro lugar, insinuas que me torne
tua amante. Só por¬ que sentimos atração um pelo
outro.
__Por que outro motivo eu te quereria por
amante? — indagou Bradford, tentando entender
o raciocínio da moça. — E não te pedi para seres
minha amante. — Agora estava berrando a plenos
pulmões, sem se importar com quem pudesse
ouvi-lo.

— Ah, mas ia pedir. Em segundo lugar, és


egocêntrico demais para o meu gosto. Enxergo
além das aparências, meu senhor. Desposarei
alguém que seja atencioso. E não vai ser um
inglês.
— Mas por que é que os ingleses te incomodam?
— rugiu Bradford. Sua fúria de repente sumiu,
como num passe de mágica, e ele começou a rir.
Ela tinha conseguido inverter o desdém! Eram os
ingleses que desde¬nhavam os colonos, não o
contrário. — Tu te esqueceste de que também
és inglesa?
Caroline resolveu fingir que não tinha ouvido a
pergunta.
— A maioria dos membros da elite inglesa é
desleal — respondeu Caroline. Estava tentando
enfurecê-lo, e sabia que estava perdendo de dez a
zero. As risadas dele a incomodaram, e ela não
sentia mais vontade de continuar. A raiva que ele
antes havia demonstrado era muito melhor, e essa
mudança súbita não fazia sentido. Caroline sentiu-
se desnorteada outra vez.
— A maioria voltou-se contra seu próprio rei na
hora em que ele mais precisava de apoio. Seu
próprio filho traiu-o uma vez e, sem dúvi-da,
voltará a traí-lo. Por que estás rindo? Não vês que
estou te ofenden-do? — Caroline terminou sua
invectiva, sentindo-se tão murcha como
uma flor recém-cortada que ficou ao sol durante
muito tempo.
— Agora, imagino que é a minha vez — declarou
Bradford com firmeza. — Primeiro vou dizer-te
que te quero.
— Não me importa que me queiras — objetou
Caroline. Lançou um olhar rápido para trás para
ver se alguém estava prestando atenção na
conversa dos dois, e depois voltou a olhar para o
seu oponente. — Ima¬gino — cochichou —, pela
forma como me beijou, que o que desejas...
o que queres é meu corpo. — Ela corou, mas não
conseguiu conter-se.
— Admito que te quero na minha cama. Tu és
uma mulher belíssima.
— E isso não tem importância — replicou
Caroline. Bradford en¬tendeu, pela forma como
ela fez essa declaração, que não sabia o quanto era
bela. Isso era reconfortante. A maioria das
mulheres usa sua beleza como arma para obter o
que deseja.
— Sabes que me faz rir? — perguntou ele.
Caroline esperou que ele continuasse, mas quando
viu que ele não ia continuar, demonstrou sua
frustração.
— Claro que sei que te faço rir — respondeu ela,
exasperada, deixando isso transparecer em sua
voz. — Acabaste de rir de mim. Não sou surda. E
imagino que a maioria das pessoas lá no salão
também te ouviu rindo — acrescentou, de cara
amarrada.
— Eu não estava rindo de ti — insistiu Bradford,
tentando fazer cara de sério sem conseguir. —
Mas sim contigo.
— Como assim, se eu não estava rindo? —
contestou Caroline. — Não me venha com
diplomacia. Não adianta. Como insistes que
sejamos francos, vou te dar uma informação logo
de cara. Não quero sentir atração por ti. Gosto de
sentir que posso me controlar, e não me agrada ser
dominada nem amedrontada por ninguém.
Portanto, como estás procurando dominar-me e
estás te comportando de maneira arrogante,
intimidadora e autoritária, não nos daríamos nada
bem. Infelizmente vais ter que querer alguma
outra pessoa. Alguém bem mansinha, acho eu,
que não se importe de ser comandada o tempo
todo. Queres que eu te ajude a encontrar a moça
apropriada? Já me forneceste alguns dos teus
requisitos. — Os olhos dela voltaram a apresentar
aquele brilho peculiar, e Bradford sentiu vontade
de ouvir o que ela diria a seguir.
— Queres alguém leal, digna de confiança,
amorosa e... ah, sim! quase me esqueci. Alguém
de quem possas rir.
— Esqueceste da franqueza — interrompeu
Bradford com um sorriso forçado. Estava também
sorrindo por dentro, pois Caroline, soubesse ou
não, tinha lhe dado esperança. Bradford
interpretou que ela sentia medo da sua reação a
ele. Sentiu sua autoconfiança renovar-se
diante dessa informação.
— Mas claro, ela deve ser franca — concordou
Caroline com um meneio de cabeça. — Agora,
preferes uma senhora loura, ou de cabelos
castanhos? Olhos azuis ou esverdeados? Baixa ou
alta? É só me dizeres, que vou entrar e dar uma
olhada no salão.
— Cabelos pretos, olhos violeta, assim bem
furiosos — declarou
Bradford. — E a estatura nem alta, nem baixa.
__ Mas acabaste de me descrever — respondeu
Caroline. — Não sou perfeita, meu senhor. Tenho
defeitos.
— Eu conheço vários — disse-lhe Bradford. E
não pôde resistir nem mais um segundo,
inclinando-se rapidamente para beijá-la outra vez.
Caroline não teve tempo de resistir, pois o beijo
terminou antes que ela pudesse fazer outra coisa
senão piscar. Ela o empurrou para longe de si.
__Conheces meus defeitos? — indagou ela, sem
tomar conheci-mento do beijo.
— Detestas ingleses e irlandeses, ris em
momentos inoportunos, tens um génio impetuoso,
e tiras conclusões apressadas e nem sempre
corretas — respondeu Bradford. — Devo
prosseguir?
— Não deves, não — respondeu Caroline. — Mas
tua lista está incorreta; não detesto todos os
ingleses e irlandeses, só os mal-educados. Tenho
mau génio, sim, e rio em momentos inoportunos,
mas estou pro¬curando melhorar nesses dois
aspectos. Raramente tiro conclusões que
não sejam corretas. Mas tu pareces ser arrogante
demais para admitir quaisquer defeitos e,
portanto, és muito pior do que eu.
— Tua franqueza me espanta — respondeu
Bradford, com um sorriso de orelha a orelha. — E
tua humildade quase me faz cair de joelhos. —
Soltou uma risada espontânea, que sua adversária
detestou. Bradford percebeu que se continuasse a
provocá-la assim certamente
não iria conseguir nada, mas não conseguia se
controlar. Não se divertia assim fazia anos.
— Não creio que ninguém seja capaz de fazer-te
cair de joelhos — comentou Caroline. Depois
sorriu, e Bradford sacudiu a cabeça.
— Mas estás gostando de imaginar isso, não? —
indagou ele.
— Estou sim — respondeu Caroline. —
Precisamos voltar para dentro antes que sintam
nossa falta.
Bradford deixou-a acreditar que havia uma
possibilidade de que não tivessem visto os dois
saírem. Ele, porém, sabia a verdade, que àquela
altura todos no salão deviam estar cochichando,
trocando especulações e espalhando histórias.
Nada importante escapava aos olhos de águia da
maioria das senhoras presentes. E, por sua
experiência anterior, o duque de Bradford sabia
que qualquer coisa que ele fizesse gerava boatos.
A reputação de Caroline não iria ficar manchada
porque ele estava dedicando atenção a ela. Além
do mais, se ele lhe desse informações sobre o
assunto, ela insistiria em voltar a ficar ao lado do
pai. Ele só queria um minuto a mais com ela,
disse a si mesmo, só mais um minuto a sós.
— Não devíamos ter nos beijado, e não devíamos
ter conversado assim com tanta familiaridade um
com o outro. Não nos conhecemos o bastante para
confidenciar tais coisas — declarou Caroline,
Estava para lhe dizer que esperava que ele
esquecesse toda aquela conversa,
mas o comentário seguinte de Bradford deixou-a
sem saber o que dizer de novo.
— Eu sei tudo ao teu respeito — gabou-se ele. —
Moraste com tua tia e teu tio em uma fazenda nos
subúrbios de Boston durante os últimos catorze
anos. Teu tio adotou Boston como seu lar e
rejeitou a Inglaterra. Tua prima, Charity, é como
uma irmã para ti. Embora seja
mais velha seis meses, segue tua liderança em
tudo. Teu pai, o conde de Braxton, agora é
considerado excêntrico, tendo levado vida de
eremita durante muitos anos. Tu sabes manejar
pistolas, embora antes ficasses até doente se
tocasses uma. Consideravas isso um defeito e
procuraste superá-lo até conseguir. É o suficiente?
Estás convencida de que sei tudo sobre ti? Ou
devo prosseguir?
Caroline ficou assombrada diante dos comentários
de Bradford.
— Como descobriste tudo isso? — indagou
— Não importa — respondeu Bradford.
— Por que é que...
— Estou interessado em ti — interrompeu-a
Bradford. Essa decla¬ração foi feita bem
baixinho. A expressão do rapaz ficou séria, e
Caroline começou a sentir-se nervosa de novo. —
Caroline, sempre consigo o que quero. Quando
me conheceres melhor, irás aceitar.
— Não quero saber disso!— Caroline fez esse
protesto em voz baixa, mas agressiva. — Pareces
um menino mimado!
Bradford não se sentiu ofendido por esse
comentário dela. Sacudiu seus ombros
gigantescos e respondeu:
— Vais ter que te acostumar comigo, imagino.
Mas com o tempo, vais te conformar. Não vou me
dar por vencido, Caroline, só vou dar tempo ao
tempo.
— Já ouvi dizer que muitas das senhoras casadas
em Londres têm amantes — disse Caroline. — E
por isso que estás insinuando que eu me torne tua
amante?
— Nunca insinuei que te tornasses minha amante
— respondeu Bradford. — Estás tirando tuas
próprias conclusões, Caroline. Mas, sim, há
aquelas que se deitam com outros depois que se
casam.
— Isso é deplorável — comentou Caroline, com
raiva no tom de voz. — Elas não só traem os
maridos como também desprezam os votos que
trocaram com eles.
Aquela declaração agradou a Bradford, mas ele
não a deixou saber disso. Esperou que ela
continuasse.
— Dizes que me conheces muito bem, mas me
insultas achando que sou como uma das suas
senhoras inglesas. Tu é que tiraste as con¬clusões
erradas.
Bradford teve dificuldade em acompanhar aquele
raciocínio da moça. Caroline notou a confusão
dele e suspirou, irritada.
— Estou esperando teu pedido de desculpas.
Mas Bradford inclinou-se e beijou a testa dela,
em vez de responder.
— Estou te avisando, Caroline. Não vou me
deixar derrotar. Tu vais ser minha.
Caroline começou a replicar, mas percebeu que
seria inútil. O homem tinha enfiado aquela ideia
na cabeça, e ela sabia que não iria conseguir tirá-
la.
— Assim, até parece que estás me desafiando.
— De fato — respondeu ele, sua voz sem deixar a
menor dúvida.
— E se é um desafio — disse Caroline, baixinho
—, então és meu adversário. Aviso-te, meu
senhor, não jogo nada que não possa ganhar.
— Pois já eu, Caroline, acho — respondeu
Bradford, murmu-rando de uma forma que deixou
Caroline emocionada — que ambos sairemos
vencedores. — E selou sua promessa com um
beijo longo e satisfatório.
— Lynnie, o que está fazendo! -- A voz de
Charity meteu-se entre Bradford e a prima no
meio do beijo. — Ah, sois vós, milorde! Eu sabia
que irias procurar cortejar minha prima, mas não
devíeis estar aqui fora assim sozinhos. Não me
parece uma coisa decorosa.
Charity sorriu para Bradford quando ele se afastou
de Caroline.
— Não te falei, Caroline, que ele ficou encantado
contigo?
Bradford sorriu e Caroline soltou urn
gemido. Tinha acabado de ser surpreendida em
uma situação bastante delicada, e não iria
convencer Charity de jeito nenhum de que tudo
aquilo estava acontecendo contra a sua vontade.
Seus braços até continuavam pendurados nos
ombros de Bradford.
— Pára de sorrir e te explica para a minha prima
— exigiu Caro-line, cutucando o braço de
Bradford.
— Mas claro, sem dúvida — respondeu Bradford.
— Primeiro, porém, permita-me que eu me
apresente — disse ele, com uma seriedade fingida.
Caroline, percebendo como ele estava se
divertindo, resolveu intervir.
— Charity, este é Bradford. Ele é duque —
acrescentou, quase como se tivesse se esquecido
antes. — E aquele era um beijo de despedi¬da,
para nunca mais, que nós estávamos nos dando,
não era, milorde?
— Até amanhã, isso sim — Bradford respondeu.
E fingiu que não percebeu o cutucão mais forte de
Caroline, pegando a mão de Charity.
— É um grande prazer conhecê-la, Charity.
Bradford e Charity trocaram amabilidades, depois
ela perguntou:
— Por acaso conheces um homem chamado Paul
Bleachley?
E olhou de relance para Caroline, como que
pedindo sua aprovação, e a prima meneou a
cabeça, incentivando-a com um sorriso suave.
Sabia como isso era importante para Charity e
sentia-se culpada por não ajudar mais.
— Conheço sim.
A resposta de Bradford, em tom baixo, causou
grande comoção. Caroline agarrou-lhe o braço e
tentou virá-lo de frente para si, mas era como
tentar virar um olmo gigantesco. Ele estava
firmemente preso ao chão.
Charity também tentou obter sua atenção total,
puxando com in¬sistência seu outro braço.
— Viste esse homem ultimamente? — indagou
ela, quase sem fôlego.
Bradford pegou a mão de Caroline e puxou-a para
o seu lado. Depois, deu toda a sua atenção a
Charity. O polegar dele acaraciava a palma da
mão de Caroline enquanto ele ouvia Charity
explicar como ela havia conhecido Paul
Bleachley.
— Podes dizer-me se ele é casado? — indagou
Charity. — Ele saiu de Boston tão de repente, sem
dar explicação nenhuma, que...
— Não — respondeu Bradford. — Não é casado.
Voltou das Colónias faz vários meses, e agora
mora na casa dele, nos arredores de Londres.
Havia muito mais coisas a contar, mas Bradford
estava relutante em prosseguir. Pela reação de
Charity à notícia de que Bleachley estava de volta
à Inglaterra, ele percebeu que eles deviam ter
namorado quando Bleachlev esteve em Boston.
Os olhos dela encheram-se de lágrimas, e
Caroline tentou livrar-se da mão de Bradford para
consolar a prima. Bradford não permitiu. Tirou
um lenço do bolso e ofereceu-o a Chari¬ty,
sugerindo que ela voltasse para perto do tio, que
ele e Caroline logo entrariam também.
Caroline sorriu ao ver o lenço. Não havia nem
uma rendinha sequer nele. Não era como o
lencinho fresco de Brummell, de jeito nenhum.
— Ela está apaixonada pelo Paul?
A pergunta de Bradford exigia uma
resposta. Caroline confirmou.
— Ele fez promessas que não cumpriu —
respondeu ela. — Partiu o coração dela.
— Paul também está infeliz — disse Bradford. —
Acho que a ama¬ va, senão não teria feito essas
promessas. Ele é um homem honrado.
— Pois estás enganado — argumentou Caroline.
— Charity me contou que ele a pediu em
casamento, e ela aceitou. Aí ele sumiu.
Bradford continuou a segurar a mão de Caroline
enquanto ambos se dirigiam à porta.
— Vou contar-te o que sei, mas precisas refletir
muito sobre isso antes de decidires que vais contar
a Charity. O que estou para te revelar só vai
causar mais sofrimento a tua prima, e acho que
talvez seja melhor esconder a verdade dela.
Caroline virou-se de frente para Bradford e
bloqueou-lhe o caminho.
— Conta-me, que eu mesma decidirei — exigiu.
— Paul feriu-se em Boston. Houve uma explosão
no navio dele, que destruiu a embarcação. Ele
quase morreu, vai ter que conviver com as
cicatrizes o resto da vida. Mora como um ermitão
em uma casinha mais ou menos a uma hora a
cavalo daqui e não deixa nem os parentes virem
visitá-lo.

— E tu, já o viste? — indagou Caroline.


Condoeu-se diante da história e também se
preocupou com a prima e com Paul Bleachley.
— Sim, logo depois de ele ter voltado de Boston.
Um dos seus braços está inutilizado, e o rosto
ficou desfigurado.
Caroline fechou os olhos e sacudiu a cabeça.
— Pensei o pior dele quando desapareceu daquele
jeito, mas Cha¬rity nunca aceitou o fato de ter
sido abandonada de propósito. — Ela inspirou
profundamente, depois disse: — Descreve o rosto
dele para mim. Não penses que gosto de coisas
fantasmagóricas, Bradford. E que preciso saber,
para poder contar a Charity.
Bradford sacudiu a cabeça.
— Não estás prestando atenção no que estou te
dizendo. Paul nem mesmo deixa que eu o veja
mais. E olha que o conheço desde criança.
Um lado do rosto dele foi totalmente queimado, e
o olho esquerdo está saltando da órbita. Ele não é
mais belo.
— Ela nunca o amou por ser belo — replicou
Caroline, com convicção. — Nós, os Richmonds,
não somos assim tão superficiais, Bradford. Era o
que eu estava tentando dizer-te antes. Querer
alguém só porque ela ou ele é atraente não é
importante. Charity é muito mais profunda do que
pensas.
Ela pegou a mão de Bradford, sem perceber o
gesto de ternura, e sua reação a ele. Ele sabia que
ela não tinha percebido o que estava fazendo,
entendeu que estava só se concentrando no que
ele acabara de lhe dizer, mas mesmo assim sentiu-
se ligeiramente vitorioso ao entrar em contato
com ela. Era um começo, e Bradford reconheceu
o gesto como tal.
Ele podia, sem dúvida, obrigá-la a reagir. Ela
havia reagido ao seu beijo, mas fora preciso tomar
a iniciativa. O gesto dela foi, de certa for¬ma,
simbólico para ele. Bradford viu-se sorrindo por
dentro.
- A família deu um apelido a Charity. Eles a
chamam de Borbo-leta -- disse Caroline. -- Ela
parece flutuar como uma, e é tão linda como uma
também — prosseguiu. — Mas também é forte.
Adora Paul Bleachley. e não creio que suas
queimaduras e ferimentos irão mudar o que sente
por ele.
Então estás planejando contar a ela? — Bradford
perguntou isso em tom preocupado. — Paul é meu
amigo, e não desejo lhe causar mais sofrimento.
Ele já passou por coisas terríveis.
Caroline concordou. Compreendeu sua
preocupação e admitiu que, fosse inversa,
provavelmente agiria de forma tão protetora
quanto Bradford.
__ Vais precisar confiar em mim quanto a isso —
disse a ele.
Teria sido mais fácil se ela tivesse lhe
pedido para lhe entregar toda a sua fortuna, ou até
seu braço direito. Confiar? Não era possível. O
ros¬to de Bradtord voltou a assumir uma
expressão severa e cética. Caroline notou a
mudança abrupta, e a tensão em sua boca e
mandíbula. Depois de ter sido beijada por aquela
mesma boca, ter tocado a maciez por trás daquela
fachada pétrea, Caroline sabia que aquela
aparência granítica era apenas uma forma de
bloquear o que ele estava realmente sentindo.
— Presumo, pelo jeito como estás me olhando,
que minha decla¬ração não te agradou — disse
Caroline. — Queres confiar em mim?
Ele não respondeu à pergunta dela, e Caroline
franziu a testa, intrigada. Resolveu deixar isso de
lado e soltou a mão dele.
— Obrigada por me contar o que houve com
Bleachley — disse.
Antes que ele pudesse detê-la, ela correu para a
porta aberta. E parou à entrada, virando-se para
olhar para ele. — E também por pedir descul¬pas.
Sei que foi difícil para ti.
Bradford a princípio ficou irritado por ver-se
assim dispensado tão despreocupadamente, e
depois viu a graça que tinha aquela situação. Ele
era o duque de Bradford, e percebeu que Caroline
Richmond não havia se deixado impressionar nem
um pouco por isso. Ele foi até onde ela estava e
pegou-lhe o cotovelo.
— Eu não pedi desculpas.
Caroline olhou de relance para ele, sorrindo.
— Mas teria pedido, se eu te concedesse um
pouco mais de tempo. — E virou-se para olhar a
multidão, dispensando-o uma vez mais.
Bradford começou a rir. Fazia tempo que não ria
nem sorria, e sa¬bia que ela estava certa. Se
tivesse tempo suficiente, provavelmente teria
pedido desculpas. Ela tinha razão, e também
adivinhara suas intenções. Ele talvez a
transformasse em sua amante, apesar das
consequências, se ela estivesse disposta a isso. Ele
fora rude, presumindo que ela era como í maioria
das outras mulheres que conhecia, e agora
descobrira que ia ter de reavaliar sua posição e
pensar no que fazer a seguir.
Caroline Richmnd cofundia-o, e ele não gostava
nada de ter que admitir isso. Havia desprezado seu
título e seu dinheiro, e ele qua¬se havia
acreditado nela. Será que ela não sabia o que ele
podia lhe oferecer? Não podia aceitar o fato de
que suas ofertas materiais não fossem importantes
para ela. Ela era uma mulher, afinal. Só que sabia
jogar melhor que as outras. E era mais teimosa.
Ora, ele não se deixaria derrotar. Perguntava-se se
ela percebia o que iria enfrentar. Obviamente não,
concluiu. E viu que agora estava de cara
amarrada, mudando de expressão depressa para
não demonstrar as emoções desencontradas que o
perturbavam.
Caroline havia declarado que queria alguém
atencioso! Em toda a sua vida, Bradford sabia que
nunca o tinham considerado atencioso. Brutal e
insensível eram descrições que ouvia facilmente
as pessoas mur¬murarem contra ele. Mas
atencioso? Ele nem mesmo sabia exatamente o
que isso significava. Descobriria, é claro. Se ela
exigia que ele fosse atencioso, então, ela teria
isso, sem sombra de dúvida.
— Ah, aí estás, minha filha. — A voz do pai de
Caroline inter-rompeu os pensamentos de
Bradford. Ela tinha acabado de chegar à entrada
do salão, quando foi interceptada pelo conde. —
Não fica bem desapareceres assim, meu bem.
— Desculpa-me, papai — respondeu Caroline,
fazendo cara de contrita. E beijou-o rapidamente.
— Eu me deixei levar pela emoção —
acrescentou, olhando para Bradford de relance.
— Sim, é claro — concordou o pai. — Ê
compreensível, na tua primeira festa. Estás te
divertindo? — indagou, com um sorriso de
expectativa.
Caroline viu o que ele esperava dela e
imediatamente respondeu:
— Tudo está uma maravilha, estou conhecendo
muita gente interessante.
A afeição ficou óbvia no seu olhar terno ao sorrir
para o pai, e Bradford viu-se invejando a relação
especial existente entre os dois, ao chegar perto
deles. Julgou isso notável, também, porque sabia
que Braxton tinha mandado a filha para as
Colónias e não a via fazia catorze anos. Parece
que a longa ausência não havia feito o amor dela
por ele diminuir, e Bradford considerou isso uma
coisa bastante rara.
— Eu sabia que te divertirias. E tu, Bradford? —
continuou o pai, sorridente. — Estás divertindo-te
esta noite?
Antes que Bradford pudesse responder, Braxton
prosseguiu:
— Causaste uma comoção e tanto hoje. Não
costumas comparecer a estes bailes, não é?
— Ando meio desleixado ultimamente —
respondeu Bradford. — Mas planejo mudar. Esta
noite terminou por revelar-se bastante estimulante
— continuou, olhando para Caroline de relance.
— Estou me divertindo imensamente.
— Ah! Aí vêm o marquês e Charity. — O duque
esperou até sua sobrinha e seu cunhado terem se
reunido ao grupo, e disse a Bradford: —
Lembras-te do marquês de Aimsmond? —
Caroline notou que a voz do pai agora estava com
uma inflexão bastante formal. Ela ouviu o tom de
deferência e entendeu que Bradford devia ser o
mais importante dos nobres ali presentes. Achou
isso divertido, pois ele era muito mais jovem que
seu pai ou seu tio.
Bradford indicou que se lembrava do marquês,
sim, com uma ex¬pressão seca. Era a mesura de
um duque, o reconhecimento de um ho¬mem
acostumado a sua posição. Ele certamente sabia
comportar-se! Ca-roline sorriu sem conseguir
explicar por quê. O comportamento correto dele a
agradava, acrescentava uma dimensão nova a sua
personalidade.
— É um prazer revê-Io, Aimsmond.
— Também para mim, Bradford — respondeu o
marquês, sorrin¬do. Voltou-se, então, para o pai
de Caroline e disse: — Nosso anfitrião solicitou
que fôssemos trocar umas palavras com ele.
— Mas sem dúvida que iremos — respondeu o
conde. — Estarei de volta num instante, Caroline.
— Com vossa permissão — interrompeu-o
Bradford —, gostaria de apresentar Caroline ao
conde de Milfordhurst e depois trazê-la de volta a
vossa companhia.
O pai de Caroline sorriu e meneou a cabeça,
aprovando. Com Charity pelo braço, seguiu o
marquês.
Bradford conduziu Caroline na direção contrária,
para o lado oposto do salão.
Milford viu Bradford aproximando-se dele com
aquela formosa mulher ao seu lado e
imediatamente pediu licença ao grupo com o qual
estava conversando. Foi ao encontro do casal.
— Caroline, gostaria de lhe apresentar meu
amigo, William Summers, conde de Milfordhurst
— anunciou Bradford. — Milford, esta é Lady
Caroline Mary Richmond, filha do conde de
Braxton.
— É um prazer conhecer-vos — disse Caroline,
com uma rápida mesura, avaliando o homem
atraente que lhe pegou a mão. Ele parecia ser
bastante ladino, pelo sorriso e pelo brilho no
olhar.
— O prazer é todo meu — anunciou Milford, com
uma reveren-cia formal. — Então é esta a
senhora das Colónias — comentou com Bradford.
— E está de vestido novo? — perguntou a
Caroline.
Ela ficou surpresa com essa pergunta, mas
confirmou.
— Sim, é um modelo de madame Newcott —
acrescentou.
Milford lançou um olhar de homem experiente a
Bradford, e riu de leve.
Caroline não entendeu o que estava se passando
entre os dois ho¬mens, mas não teve tempo para
investigar. Charity umu-se ao grupo, sua saia-
balão rodopiando quando ela parou de repente.
Sorriu para Bradford e depois para o seu amigo.
Bradford imediatamente apresentou-a a Milford.
Enquanto Charity confidenciava sua opinião sobre
a festa, Braxton chegou, e Bradford, fingindo que
não via o sorriso cada vez maior do amigo,
imediatamente solicitou uma conversa em
particular.
Assim que Bradford e o conde entraram em um
aposento à parte, Milford tratou de ir buscar
bebidas e canapés para Charity e Caroline.
Charity continuou a controlar a conversa, e
Caroline sorriu pacien¬temente, enquanto ouvia
os comentários animados da prima. Pela forma
como Milford prestava extrema atenção a Charity,
Caroline concluiu que ele era um rapaz simpático,
do qual não era difícil gostar. Ele parecia ter uma
personalidade empática.
— Há quanto tempo vos conheceis um ao outro,
tu e Bradford? — indagou Caroline quando
Charity fez uma pausa nos comentários.
— Desde a infância — respondeu Milford. —
Somos como irmãos.
— E nós duas, como irmãs — intrometeu-se
Charity. — Minha nossa, é o nosso anfitrião que
está fazendo sinal para mim? Estou me lembrando
de que prometi conceder-lhe esta dança. Ele é
certamente lépido para alguém de idade tão
avançada! Com vossa permissão — e
suspirou ao arregaçar ligeiramente a saia e
murmurar para Caroline: — Reza para os meus
pés aguentarem. — E afastou-se, num turbilhão de
seda rosa.
— Devo-te um favor — anunciou Milford quando
se viu a sós com Caroline.
Caroline lançou um olhar intrigado a Milford e
esperou que ele explicasse.
— Brad não sabia mais sorrir. E tu o ajudaste a
lembrar-se.
Caroline sorriu.
— Ele tem uma personalidade difícil, não?
Milford soltou algumas risadinhas, concordando.
— Comentário astuto — disse. — Eu sabia que
gostaria de ti.
Os olhos de Caroline arregalaram-se. Aquela noite
estava mesmo se revelando surpreendente.
Primeiro, Bradford calmamente lhe narrara sua
história, e agora seu amigo indicava que também
sabia quem era ela. Será que havia ali quem não a
conhecesse?
— Já ouvi vários comentários sobre Bradford —
disse Caroline. — Por que para ele é tão difícil
sorrir?
Milford encolheu os ombros.
— Ele simplesmente não tem muito de que sorrir
na vida. — A resposta dele foi genérica demais
para satisfazer a curiosidade de Caroline.
— Es simpático — declarou Caroline.
— Ele é simpático, mas eu não? — A voz de
Bradford veio de al-gum ponto atrás de Caroline,
e ela vírou-se, ao mesmo tempo assustada e
satisfeita.
— Exatamente — respondeu Caroline. — Podias
tomar umas lições do teu amigo aqui.
Bradford franziu a sobrancelha, e Milford,
observando os dois, percebeu que o amigo não
tinha agastado Caroline nem um pouco.
Caroline lembrava-se de ter dito a Bradford que
desejava casar-se com alguém educado e que ele
não era a pessoa certa. Sorriu ao perceber a
irritação dele.
Alguém anunciou que o jantar estava servido, e
Caroline sentiu pena de ter que interromper a
conversa e parar de provocar seu con-trariado
adversário. Tanto Bradford como Milford
ofereceram-lhe o braço, mas Caroline recusou
ambos os convites, declarando que devia ir sentar-
se ao lado do tio e do pai, à mesa deles. Olhando
de relance em torno de si, viu o pai cercado por
um grande grupo de rapazes. Bradford seguiu-lhe
o olhar e franziu a testa ainda mais.
— Eles pretendem obter tua atenção através de
teu pai — anun-ciou Bradford. Sua voz
evidenciou repulsa, e Caroline vírou-se para olhar
para ele.
— Planejas passar o resto da noite ao lado de
Caroline? — indagou Milford, com um largo
sorriso.
— Não — respondeu Bradford. Ele sabia que o
amigo estava brin¬cando, mas sua irritação
continuou. — Porém, terei uma breve conversa
com alguns dos mancebos mais atirados antes do
fim da noite.
Milford soltou risadinhas, fez uma reverência para
Caroline e afastou-se. Bradford pegou o braço da
jovem, no que só se podia inter-pretar como um
gesto de posse, e vagarosamente a conduziu até a
mesa do jantar.
— Não é o conde de Stanton que está ali
conversando com Charity? — perguntou Caroline.
Lembrava-se de ter sido apresentada a ele, no
início do baile.
— Não — respondeu Bradford. — Ele é só um
conde de Stanton.
Caroline olhou para Bradford, para ver se ele
estava brincando com ela, mas sua expressão
tinha mudado, e ela não conseguiu adivinhar-lhe
os pensamentos.
— Não acabei de dizer que era ele? — redarguiu.
Bradford percebeu que Caroline não tinha
entendido seu comen-tário e sorriu. O sorriso foi
terno, e Caroline ficou imaginando o que ele
quereria dizer.
— Quando usamos o artigo "o", é para dar
destaque — explicou. — Se te digo que ele é o
conde de Stanton, saberás que ele é o que detém o
mais alto título de sua família. Mas se te digo que
ele é conde de Stanton, sabes que há um outro na
família dele com um título mais elevado.
— Agradeço-te por instruir-me — disse Caroline.
Sua voz estava cheia de gratidão. — Então te
chamam de "o" duque de Bradford, por¬ tanto tu
tens o título mais elevado da tua família?
— Sim — admitiu Bradford. — Mas também sou
conde de Whelburne, conde de Canton, marquês
de Summertonham e visconde de Benton.
Bradford sorriu diante do espanto de Caroline, ao
ouvi-lo desfiar seus títulos.
— E és cavaleiro também? — perguntou ela,
sacudindo a cabeça.
— Ainda não — respondeu ele. — A honra de
tornar-se cavaleiro deve ser concedida pelo rei,
não é coisa que se possa herdar.
— Entendo — disse Caroline. — Deves pensar
que não tive muito boa educação. Mas morava em
Boston, onde os títulos não têm importância
alguma. Além disso, meu tio Henry não achava
que iria um dia, voltar para a Inglaterra. E não
dava muita importância a títulos, também. Achava
que eram as realizações de um homem que o
definiam como alguém honrado, não o que seus
pais tinham feito antes dele. Por isso não recebi
uma educação própria para a vida na corte —
disse Caroline, com um suspiro. — Meu tio e eu
simplesmente não a consi¬derávamos necessária
nem importante.
O conde de Braxton veio até onde estava o casal,
e Bradford foi obrigado a retirar-se.
— Prosseguiremos nossa conversa amanhã —
declarou, antes de afastar-se. Relutou em largar o
braço da moça, imediatamente sentin-do falta do
contato com ela. — Quando for visitá-la. Teu pai
me deu permissão.
Durante o jantar, Caroline sentou-se ao lado do tio
e em frente ao pai. Quando os dois homens
começaram a recordar-se da mãe de Ca¬roline, a
mulher que ambos amavam, ela viu que a
reconciliação tinha sido completa. Bradford
acompanhou Charity até a mesa deles, e uma vez
mais afastou-se. Sua expressão, quando ele deu
boa-noite a Caroline, era estudada, mas a jovem
percebeu que seus olhos estavam risonhos.
Perguntou-se do que ele estaria achando tanta
graça, e obteve a resposta imediatamente,
— Mas que coisa mais constrangedora! —
murmurou Charity para Caroline quando se
sentou. — Pensei estar conversando com nosso
anfitrião, mas ele deve ter se afastado enquanto eu
estava distraída olhando para outras pessoas ao
meu redor, e quando Bradford veio até prerto de
mim, acho que ele pensou que eu estava tendo
uma discussão bastante filosófica com uma planta
que estava ali por perto.
Caroline quase engasgou enquanto tomava seu
champanhe. Tentou desesperadamente não rir,
sabendo que Charity se ofenderia. Sua prima
estava totalmente passada.
— O que ele disse? — perguntou Caroline.
— Absolutamente nada — respondeu Charity,
ainda aos cochi¬chos. — Só pegou meu cotovelo
e me conduziu até onde tu estavas. Ele é um
cavalheiro — terminou ela, com um suspiro.
Caroline assentiu. Virou-se para o pai e pediu-lhe
os óculos de Charity. Entregou-os à
prima com cara de quem estava sugerindo que ela
os colocasse.
— Ouviste os comentários sobre teu Bradford? —
perguntou Cha¬rity, sussurrando de novo. Não
desejava perturbar a conversa entre o pai e o tio
de Caroline.
— Ele não é meu Bradford — protestou Caroline;
mas sem con-seguir evitar, perguntou: — Que
comentários?
— Ele nunca vai a festa nenhuma. Todos ficaram
pasmos de ele ter vindo ao baile hoje. Ele parece
estar se divertindo muito, aliás. Nosso anfitrião
adorou. Caroline! Sabias que faz anos que teu pai
não aparece em público? Todos acham que tu és a
causa de ambos os milagres.
Caroline lembrou-se do que Milford havia dito a
ela, e que ele lhe devia um favor por fazer seu
amigo sorrir.
— Ele só tinha se esquecido de como era —
murmurou Caroline.
Caroline, olhando de relance para cima, viu
Bradford de pé no meio de uma roda de senhoras
muito bonitas. Estavam todas soltando nsadmhas
discretas, e a moça percebeu-se irritada ao ver
todas aquelas mulheres ali, em volta dele,
bajulando-o. Não podia entender o motivo da
irritação e tentou dizer a si mesma que devia estar
aliviada. O que estava havendo com ela?
Ela não teve tempo para pensar mais no que
estava sentindo, e ficou feliz por isso. A hora
seguinte foi dedicada às apresentações de amigos
e conhecidos de seu pai e de seu tio. Alguns eram
nobres, outros não. Caroline falou o mínimo
possível com cada um que se aproximava, com
medo de cometer alguma gafe ao cumprimentar
alguém importante, e assim demonstrar sua
ignorância.
Caroline sentiu-se uma fazendeira isolada, coisa
que realmente era, e um peixe fora d'água
enquanto fazia reverências após reverências para a
nata da sociedade inglesa.
Apresentaram-lhe Lady Tillman, velha amiga do
seu pai, e ela sou¬be, por um comentário que seu
tio fez para ela em voz baixa, que aquela mulher
almejara casar-se com seu pai.
Lady Tillman parecia-se muito com as outras
convidadas, só que mais velha e mais cheia de
corpo. Devia ter praticado suas expressões na
frente de um espelho, deduziu Caroline, pela
forma como demonstrava encanto, interesse e
prazer cuidadosamente, com bastante lentidão.
Caro¬line considerou-a chata e artificial e ficou
decepcionada ao notar sua fal¬sidade. Já seu pai,
parecia estar verdadeiramente encantado pela
mulher.
Caroline chegou à conclusão de que Laày Tillman
apenas supor-tava as outras pessoas. Então sentiu
culpa ao lembrar-se da solidão do seu pai. Só por
causa dele, procurou gostar daquela mulher de
cabelos grisalhos e olhos castanhos, mas
descobriu em breve que não poderia,
principalmente quando a senhora mais velha se
dissolveu em risadinhas muito bem controladas
por causa de um comentário que não era nem um
pouco engraçado.
A filha de Lady Tillman era uma versão mais
jovem da mãe, tanto na aparência como nas
expressões. Parecia também ser uma pessoa de
personalidade duvidosa,
A mão de Rachel Tillman estava prometida a um
rapaz, informou Lady Tillman a Caroline e
Charity. Depois pediu ao conde para ir pro¬curar
o futuro marido da filha, e assim que ele retornou
e ela lhes apre¬sentou Nigel Crestwall, Caroline
sentiu uma emoção nova por Rachel Tillman.
Sentiu uma pena imensa dela.
Nigel Crestwall tinha os olhos de uma raposa
astuta. Não olhou para Caroline apenas, devorou-a
com os olhos. Ela sentiu-se totalmente
constrangida diante dele e ficou aliviada quando
Rachel o convenceu a dançar com ela, em tom
lamurioso.
O marquês estava começando a parecer cansado, e
Caroline suge¬riu que voltassem à sala de jantar
para a sobremesa. Depois que eles se sentaram, o
visconde de Claymere pediu licença, de um jeito
bastante espalhafatoso, para entrar na roda;
Terrence St. James solicitou que lhe
apresentassem Caroline, e também se sentou com
eles.
Caroline cansou-se depressa da forma competitiva
como o visconde e o ousado St. James procuraram
monopolizar sua atenção. Olhando de relance para
cima, surpreendeu Bradford olhando para ela do
outro lado da sala. Uma mulher que Caroline só
podia descrever como deslum¬brante estava ao
seu lado, com uma expressão de adoração no
olhar.
Bradford segurava uma taça de vinho e inclinou-a
para cumpri-mentar Caroline, e talvez até erguer
um brinde a ela, foi a impressão que a jovem teve.
Ela cumprimentou-o com a cabeça, e estava para
erguer o copo para retribuir o gesto, quando o
visconde se inclinou e derrubou a taça de cristal,
fazendo-a cair da sua mão. A toalha de linho ficou
sa¬turada de champanhe, mas Caroline não deu
importância a isso, tanto se empenhou em acalmar
o visconde. Ele fez uma cena e tanto, pedindo
desculpas, e ela precisou morder a língua e ouvir
tudo.
Quando ele finalmente se tranquilizou, Caroline
tornou a olhar para cima e viu que o duque de
Bradford tinha se divertido muito com o
incidente. Seu sorriso ia de uma orelha a outra.
Caroline sorriu em retribuição ao sorriso dele,
sacudiu a cabeça e voltou a conversar com o
grupo. St. James insistia em pegar na sua mão o
tempo todo, e ela precisava recolhê-la a todo
instante.
A festa finalmente estava terminando. Caroline
abraçou o tio e prometeu, pela décima vez, que
iria visitá-lo depois de amanhã e tomar chá com
ele. Ela e Charity então se despediram e disseram
ao duque de Ashford que tinham adorado o baile.
— Sobre o que o Bradford conversou contigo? —
indagou Caroline quando o pai terminou de ouvir
as descrições de Charity sobre o evento.
— Ele virá visitar-te amanhã — anunciou o pai.
Parecia bastante satisfeito. — Disse-lhe que ele
era o quinto a vir me pedir permissão —
acrescentou, com uma risadinha. — Ele não
gostou nada disso, posso garantir-te.
— Bradford está querendo cortejar Caroline —
comentou Charity.
— E eu lhe afirmo que a maioria dos mancebos de
Londres está querendo a mesma coisa — disse o
conde. — Mas tua prima não é a única que
recebeu convites. Recebi também uma verdadeira
torrente de pedidos para visitar-te, Charity.
— Ah, recebeste, foi? — Charity não pareceu
muito satisfeita com esse comentário do tio.
— Sim, e devemos estudá-los todos juntos
amanhã. Creio que recebereis flores as duas, e
também bilhetes, embora tenham-se passado anos
desde a última vez que cortejei alguém, e por isso
pode ser que os rituais tenham mudado um pouco.
É difícil manter-se a par da moda
vigente, se é que me entendeis.
A expressão alarmada de Charity aumentou ainda
mais diante dos comentários do tio sobre os
pretendentes adequados à sua mão, Caroline
atraiu-lhe o olhar e sacudiu a cabeça, fazendo-lhe
sinal para não dizer nada. Não queria tirar aquele
prazer do pai e teria uma longa conversa com
Charity assim que as duas estivessem a sós.
Charity entendeu a mensagem e balançou a
cabeça afirmativamen¬te. Caroline tentou
concentrar-se na conversa do pai, mas o rosto de
Bradford insistia em surgir a toda hora na sua
cabeça. Ela de repente imaginou Clarence, seu
pretendente de Boston. Clarence e Bradford
rassaram a figurar lado a lado na sua imaginação,
e Caroline soltou um gemido sem sentir. A
comparação entre os dois era risível. Clarence
ainda era um garoto, Bradford era um homem
feito. Clarence sempre recordava a Caroline um
dos potros novos da fazenda, desajeitado e
terrivelmente inseguro de si sempre que estava
perto dela. Bradford, por outro lado, recordava a
Caroline seu garanhão predileto. Ela imaginou se,
como o garanhão, ele também era resistente. Esse
pensamento a fez deter-se. Será que o desejo que
ele sentia por ela resistiria ao teste do tempo e das
tribulações? Era uma comparação maluca, e
Caroline cul¬pou seu cansaço por essas ideias
desencontradas.
Capitulo 6
Caroline havia resolvido falar com Charity sobre
Paul Bleachley de manhã, depois que a prima
estivesse descansada. Entrou no quarto dela para
dizer boa noite e encontrou-a sentada na cama,
apoiada em travesseiros fofos de pena de ganso,
chorando com o rosto contra um deles, que
mantinha apertado contra o peito.
— Tinhas razão, desde o inicio — disse Charity a
Caroline, entre um soluço e outro. — Ele não
prestava mesmo. Estou tendo as ideias mais
negativas do mundo, Caroline. Gostaria que
fosses ao encontro dele comigo e lhe desses um
tiro por mim.
Caroline sorriu e sentou-se na beira da cama da
prima.
— Esta ideia é mesmo negativa — concordou. —
Mas eu é que estava errada, não tu, Charity. De
agora em diante, prestarei atenção ao que disseres,
quando se tratar dos homens. Tua intuição foi
perfeita.
— Estás querendo mangar comigo? — disse
Charity, enxugando os olhos na fronha do
travesseiro e sentando-se com o tronco mais ereto.
— Sabes de algo, não sabes? Conta-me!
— Bleachley foi vitima da explosão de Boston.
Lembras-te daquela noite, Charity? Quando o
porto ardeu em chamas e vimos o clarão da janela
do nosso quarto?
— Sim, é claro que me lembro. Ai, meu Deus,
conta-me o que houve com ele! — E o desespero
de Charity fez Caroline contar o resto da história
rapidamente.
— O que farei? — perguntou Charity quando
Caroline terminou a narrativa. — Bradford
contou-te que nem mesmo deixa os amigos irem
visitá-lo. Coitado do meu Paul! Deve estar
sofrendo muito!
Durante vários minutos, Charity continuou
chorando, até seu tra¬vesseiro ficar ensopado.
Caroline escutou-a até seu coração não
conse¬guir mais aguentar os soluços. Procurou
formular um plano qualquer, descartando uma
ideia absurda após outra. Se ao menos Charity não
fizesse tamanho escândalo ao chorar!
E aí, de repente, tudo se encaixou. Sorriu para a
prima e disse:
— Se já terminaste de chorar, creio que temos
uma saída. Significa que precisarei pedir ao
Bradford um favor, mas não há escapatória.
— Quê? — E Charity pegou as mãos de Caroline
e apertou-as com toda a força. Embora fosse
baixinha, apertava com uma força hercúlea.
— Precisamos falar com Paul a sós e convencê-lo
de que tu o amas, certo?
Charity confirmou, balançando a cabeça com
tanta veemência que seus cabelos se soltaram do
coque no alto da cabeça.
__Bradford vai conseguir que entremos na casa do
Paul — anun¬ciou Caroline, animada com o
plano. Deixa que cuidarei disso. O resto é por tua
conta, Charity. Meu plano exige que desempenhes
um papel muito difícil. Precisas ser malvada.
Porque bancar a boazinha estragaria tudo.
— Não entendi — admitiu Charity, franzindo a
testa.
— Lembras-te da manhã em que eu trouxe o
Benjamin para dentro de casa?
— Lembro, sim. Fiquei tão assustada quando
entrei na cozinha, e o vi ali sentado, com aquela
faca na mão!
— Mas não demonstraste medo. E nem teus
irmãos. Lembras-te de que Caimen apresentou-se
e insistiu em apertar a mão do Benjamin?
— Sim, mas o que isso tem a ver com Paul?
— Deixa-me terminar — insistiu Caroline. — O
Benjamin estava muito ressabiado, mas todos
agiram como se fosse a coisa mais normal do
mundo encontrá-lo ali. Aí a mamãe chegou, deu
uma olhada nele e imediatamente declarou que
iria lhe colocar ataduras nos ferimentos. O coitado
do Ben não teve chance de escapar. Ela pôs
curativos nele, alimentou-o e o pôs para dormir
antes de ele poder dizer uma palavra sequer. Se
me lembro direito, ele nem soltou a faca. Acho até
que dormiu com ela naquele primeiro dia.
Caroline sorriu, lembrando-se de como a sua tia
havia sido cari-dosa, e continuou:
— Bom, segundo a minha ideia, se tu disseres ao
Paul... Quero dizer, se tu demonstrares compaixão
ou piedade para com ele. simples-mente não vais
chegar a lugar nenhum. — Ela continuou a
explicação e, quando terminou, sentiu-se
confiante de que iria mesmo dar certo.
Elas conversaram durante uma hora, e Caroline
finalmente anun¬ciou que precisavam descansar.
— Mas ainda não falamos da tua experiência na
festa. Caroline. Preciso contar-te os elogios que
fizeram a ti! Causaste um alvoroço tre-mendo.
Todas as senhoras ficaram roxas de inveja. E
todos os homens procuraram apresentar-se a ti
através do teu pai, sabias? Ah, tenho tanto
para te contar! Sabias que teu tio Franklin estava
lá e nem mesmo veio cumprimentar-te? Estava
sim — apressou-se Charity a continuar. — Teu
outro tio não, o marquês, ele é um velhote
adorável! Até me mostrou o Franklin e depois
acenou para chamar a atenção do irmão, mas o
Franklin simplesmente nos deu as costas e foi
para outro lado.
— Talvez não vos tenha visto — comentou
Caroline.
— Ora, eu não estava de óculos na hora, mas vi
que ele fechou a cara. Não estava tão longe assim.
Foi estranhíssimo, mas já disseste várias vezes
que os ingleses são esquisitos, portanto vou usar
essa expli¬cação para justificar essa falta de
educação do homem.
— Estranho — respondeu Caroline. — Nem
mesmo o conheço, e parece até que ele...
— Já te contei que ouvi dizer que Bradford nunca
vem aos bailes? Acho que o único motivo pelo
qual ele estava lá hoje é porque sabia que virias.
Não sacudas a cabeça para mim assim — ralhou
Charity. — Avisei-te que ele iria querer cortejar-
te. Antes disseste que irias confiar
nos meus instintos, lembra? Agora precisas
admitir que estás te sentindo atraída por ele. Pelo
amor de Deus, Caroline. Encontrei os dois se
beijando na varanda. Além disso, vi como o
acompanhavas com o olhar, quando pensavas que
ninguém estava notando.
— Dei tanto na vista assim, foi? — perguntou
Caroline, mortificada.
— Só para mim, porque te conheço muitíssimo
bem — respondeu Charity.
— Estou mesmo sentindo atração por ele —
admitiu Caroline. — Mas ele me deixa
nervosíssima.
Charity sorriu e deu tapinhas maternais na mão da
prima.
— Charity, não achas que desde que cheguei na
Inglaterra todas as minhas convicções se
inverteram? Sinto-me como se estivesse
pendurada de cabeça para baixo. Acreditava com
toda a certeza que voltaria para Boston...
Lembras-te de como vivia declarando que voltaria
para lá?
E agora aceito mansamente a ideia de morar por
aqui. E aí conheço Bradford, considero-o um tipo
arrogante e dominador, e agora admito que estou
gostando desse mancebo! O que há comigo?
— Acho, minha irmã, que estás aprendendo a
ceder. Só isso. Nun¬ca gostaste de transigir em
nada. Creio que isso faz parte do processo de se
tornar mulher.
Caroline lançou-lhe um olhar exasperado, e
Charity riu.
- Sei que pareço uma senhora já idosa e experiente
falando assim, mas creio que estás te
apaixonando, Lynnie. Creio mesmo. Não faça
cara de horrorizada. Não é o fim do mundo.
— E discutível — anunciou Caroline. E ficou de
pé, espreguiçan¬do-se. — Dorme bem, Charity.
Eram mais de três horas da madrugada quando
Caroline final-mente conseguiu deitar-se. Sua
cabeça estava repleta de perguntas, todas sobre
Bradford. Por que seria um milagre assim tão
grande o fato de ele sorrir? Ela precisava lembrar-
se de lhe perguntar isso. E aí caiu no sono, com
um sorriso nos lábios.
Caroline despertou ao raiar da aurora, como fazia
sempre, e sentiu-se mal ao olhar-se no espelho.
Mal tinha dormido quatro horas, e pelas olheiras,
não haveria como negar.
Pôs um vestido de passeio bege com decote
arredondado. Depois atou os cabelos, formando
um rabo de cavalo, e desceu as escadas para tomar
uma xícara de chá.
A sala de jantar estava vazia, e não se via sequer
sinal de chá. Caro¬line percorreu o longo corredor
e finalmente encontrou a cozinha. Uma mulher,
que Caroline presumiu ser a cozinheira, estava
sentada em uma cadeira perto da lareira.
Caroline anunciou sua presença e depois olhou a
sala imensa ao seu redor. A poeira e a sujeira que
encardiam as paredes e cobriam o chão deixaram-
na alarmada, e ela sentiu que estava ficando
furiosa com aquela falta de higiene.
— Meu nome é Marie — disse-lhe a cozinheira.
— É minha pri¬meira semana de trabalho aqui na
casa. Estou vendo que está fazendo cara de
desaprovação para a sujeira, mas ainda não tive
tempo de limpar nada...
Caroline lançou-lhe um olhar penetrante, e a
cozinheira, aos pou¬cos, começou a mudar de
comportamento.
— E melhor que saiba logo o meu problema.
Estraguei a comida de novo. — Caroline não
conseguia notar raiva na voz da moça e ela estava
triste.
— Isto aqui está que é um verdadeiro chiqueiro
— respondeu Caroline.
— O pão não está bom — respondeu a cozinheira.
— Vou ser .despedida, e aí, o que farei? — E
começou a chorar, usando a bainha do avental
sujo para enxugar os olhos. Caroline não sabia
como reagir. A mulher pareceu-lhe totalmente
histérica.
— Não lhe explicaram quais eram seus deveres
quando aceitaste o cargo? — indagou Caroline.
A pergunta pareceu causar ainda mais nervosismo
à mulher, que começou a soltar altos soluços.
— Acalme-se! — A voz de Caroline saiu meio
áspera, e a cozi-nheira reagiu procurando
recuperar o fôlego.
— Menti, e o Toby me ajudou a escrever minhas
referências — ad¬mitiu ela. — Foi desonestidade
minha, sim, senhora, mas estava desesperada para
encontrar um emprego, e só consegui pensar em
fazer isso. O Toby não ganha o suficiente para
pagar nossas despesas, entende, e eu preciso
garantir mais uns xelins para alimentar meu
pequenino Kirby.
— Quem são Toby e Kirby? — indagou Caroline.
Agora sua voz havia se suavizado, e demonstrava
preocupação. Marie pareceu-lhe uma mulher
honesta, por confessar seu embuste, e Caroline
sentiu pena dela.
— Meu marido e meu filhinho — respondeu
Marie. — Cozinho para eles, e eles nem
reclamam, e achei que ia ser capaz de agradar ao
conde — continuou. — Agora ele vai me demitir,
e não sei o que será de nós!
Caroline parou para avaliar Marie um instante.
Ela parecia re-sistente, embora fosse magra, mas
Caroline deduziu que era porque provavelmente
não podia comer nada do que preparava.
— Vai contar ao teu pai, senhorinha? — indagou
Marie, enquanto torcia o tecido do avental em
torno dos dedos.
— Quem sabe podemos chegar a algum acordo —
respondeu Caroline. — Ate que ponto irias para
ficar trabalhando aqui como cozinheira?
— Faria qualquer coisa, senhorinha, qualquer
coisa — disse Ma-rie, mais do que depressa. Pela
expressão esperançosa nos seus olhos, Caroline
entendeu que a mulher não era muito mais velha
do que ela. Sua pele ainda não tinha rugas. Só
seus olhos pareciam velhos, velhos
e cansados.
— Conheceste meu amigo Benjamin, não? —
perguntou
ela. Marie confirmou.
— Disseram-me que ele a protegeu —
respondeu Marie.
Obviamente Benjamin ou o pai dela tinham
mencionado o relacio-namento entre os dois, e
Caroline confirmou:
— E verdade — disse ela. — Mas ele também é
muito eficiente na cozinha. Vou pedir a ele para
preparar as refeições, e tu vais observá-lo e
aprender com ele.
Marie voltou a assentir e prometeu fazer tudo que
Benjamin quisesse.
Benjamin sorriu quando Caroline explicou a
situação a ele, a única reação que revelou era ter
gostado de saber que ia poder ajudar. Caroline
jamais teria sugerido que ele assumisse o cargo de
cozinheiro temporaria¬mente se não soubesse o
prazer que ele sentia em criar pratos especiais.
Quando Mare e Benjamin definiram quais seriam
suas posições na cozinha, tudo passou a correr
tranquilamente. Marie parecia muito humilde e
agradecida, e Benjamin fingia que ela nem estava
lá. Caroline deixou os dois trabalhando e foi
tomar uma xícara de chá quentinho na sala de
jantar para esperar o pai.
O conde de Braxton entrou na sala de jantar uma
hora depois. Ca¬roline sentou-se em sua
companhia enquanto ele comia o que chamou de o
desjejum mais fantástico da sua vida. Depois ele
repassou a pilha de recados que tinham chegado
pela manhã. Caroline recebeu um mar de flores, e
pediu uma audiência imediata com o pai.
— Mencionei que o duque de Bradford virá
visitar-te às duas da tarde? — indagou o pai.
— Às duas? — exclamou Caroline, assustada.
Ficou de pé num pulo, passando as mãos nos
cabelos, quase distraidamente. — Mas é daqui a
duas horas! Preciso mudar de roupa neste
instante!
O pai dela concordou, depois avisou, quando ela
ia saindo:
— Esta noite vamos comparecer a um banquete
oferecido pelo visconde de Claymere e sua
família.
Caroline parou à porta de saída da sala.
— Não é aquele cavalheiro meio desajeitado que
conheci ontem à noite?
Quando o pai confirmou, Caroline revirou os
olhos para o teto.
— Então não vou usar o vestido marfim esta
noite. Ele na certa vai derramar alguma coisa nele
e manchá-lo. Uma pena não estar na moda a cor
preta — disse, olhando para trás.
Bradford atrasou-se quinze minutos. Caroline
estava andando de um lado para outro no
vestíbulo principal. Ouviu Deighton cumpri-
mentá-lo como 'Sua Graça', e depois as portas se
abriram e ele surgiu.
Seu corpo másculo pareceu-lhe extremamente
bem torneado na-quele traje de equitação. As
calças de camurça eram tão justas quanto da
última vez em que ela o vira com elas, e ela sorriu
sem querer diante da beleza daquele homem. O
blusão dele era cor de chocolate bem es-curo,
contrastando com o branco imaculado do plastrão.
Suas botas de montaria estavam polidas à
perfeição, e Caroline calculou que, caso se
inclinasse, poderia ver nelas o reflexo de seu
próprio rosto.
Ele obviamente havia se vestido com todo o
cuidado, mas ela também, admitiu Caroline. Ela
usava um vestido de cor lavanda com mangas
engomadas. O decote era quadrado, de cor azul,
mais escura.
Mary Margaret havia lhe enrolado os cabelos,
formando um aglome¬rado de cachos na altura da
nuca, com cachinhos a emoldurar-lhe os lados do
rosto.
Caroline percebeu então que estava olhando
fixamente para Bradford, e ele também estava
olhando para ela, admirado. Ela ergueu a bainha
da saia, mostrando os sapatos de couro azuis, e fez
uma cortesia formal.
— Estás atrasado, milordf, o que o deteve?
Aquela rudeza dela produziu um sorriso.
— E tu estás adiantada. Não sabes que uma
senhora de boa edu-cação deve deixar seu
pretendente esperando pelo menos vinte minutos,
para não dar a impressão de estar excessivamente
ansiosa?
— E tu és meu pretendente? — perguntou
Caroline ao aproximar-se dele.
Bradford viu os olhos dela cintilando, travessos e
belos, e concordou.
— E tu, estás ansiosa demais? — replicou.
— Mas claro — respondeu Caroline. — Sei que
és rico e respeita¬do, portanto naturalmente sinto-
me ansiosa. Não é nisso que acreditas?— E riu da
expressão dele, achando que estava se sentindo
tremenda¬ mente sem jeito.
— Nem mesmo a cumprimentei como se deve, e
já estás aí me espicaçando — disse Bradford,
soltando um forte suspiro.
— Pensei que tivéssemos acabado de nos
cumprimentar — contra¬disse-o Caroline. Ela
começou a deixar de sorrir e de flertar quando o
duque de Bradford começou a avançar em sua
direção a uma velocidade alarmante. Caroline
recuou, e teria evitado que ele a agarrasse se não
fosse por um canapé que bloqueava a passagem.
Bradford pegou Caroline pelos ombros e
vagarosamente a puxou para junto de si. Sua
intenção estava claríssima, e Caroline procurava
desesperadamente afastá-lo, enquanto espiava por
cima do seu ombro. As portas estavam
escancaradas, e o pai podia entrar a qualquer
mo¬mento. Ela sabia que Deighton tinha ido lhe
avisar que Bradford tinha chegado. Certamente
não seria adequado encontrá-la em uma atitude
tão comprometedora.
__Meu pai... — e Caroline interrompeu-se, sem
ter tempo para pensar.
Bradford apossou-se de sua boca, dando-lhe um
beijo ardente e embriagador que imediatamente
afastou da cabeça da moça qualquer boa intenção.
Ela reagiu quase de imediato, segurando o rosto
de Bradford com as duas mãos. O beijo acabou
com qualquer ideia de rebelião da parte dela, e
quando Bradford se afastou dela, Caroline
decepcionou-se. Seu rosto deve ter lhe mostrado
isso, pois ele começou a rir.
— Por que não me beijaste do mesmo modo que
ontem à noite? — indagou Caroline. Percebeu que
ainda estava lhe tocando o rosto e deixou as mãos
caírem.
— Porque depois que eu a beijo daquele modo —
disse ele, usando as mesmas palavras escolhidas
por ela com um sorriso carinhoso — não sinto
vontade de parar. Conheço meus limites —
continuou ele.
— Estás insinuando que eu poderia fazê-lo
descontrolar-se?
Bradford percebeu no olhar cor de violeta dela um
certo ar travesso, e voltou a pensar em como ela
era inocente. Ela queria provocá-lo, e não fazia a
menor ideia de como era verdade o que dizia. Ela
era capaz de fazê-lo perder o controle, sim.
— Como não respondes, só posso concluir que
poderia! — disse Caroline, rindo, unindo as mãos,
e andando a requebrar-se até uma das poltronas
bergère que ladeavam a lareira de mármore. —
Isso me faz muito poderosa, não, milorde? E olha
que minha estatura é só metade
da tua.
Bradford sentou-se na outra bergère e estendeu as
pernas longas e musculosas diante de si. Uma bota
cruzou-se sobre a outra em uma posição relaxada,
enquanto ele pensava que resposta daria a
Caroline. Ficou olhando a moça assim durante um
minuto inteiro, de modo que ela chegou a
considerá-lo melancólico.
— Está bem — disse Caroline, suspirando. —
Não estás com vontade de aceitar provocações, e,
além disso, tenho algo importante a te pedir antes
de meu pai entrar. Preciso de um favorzinho seu,
Bradford, e se concordares, serei para sempre tua
devedora. — Caroline pôs as mãos
uma sobre a outra no colo e esperou a resposta de
Bradford.
— Para sempre? — indagou Bradford, uma das
sobrancelhas erguida. — É muito tempo para
dever algo a alguém.
— Exagerei — admitiu Caroline. — Gostaria que
acompanhasses Charity e eu até a casa de Paul
Bleachley e nos ajudasse a entrar.
Bradford sacudiu a cabeça, com pena de ter que
lhe negar esse favor.
— Paul jamais concordaria.
— Não, não estás entendendo — argumentou
Caroline. Ficando de pé, começou a andar de um
lado para outro. — Aliás, é até impres-cindível
que Paul se recuse a nos deixar entrar! Planejo
surpreendê-lo. — Parou na frente de Bradford e
sorriu. — E um plano muito simples,
sabes? — disse ela. Quando Bradford franziu o
cenho de novo, Caroli-ne viu-se ficando cada vez
mais frustrada. Seu pai chegaria a qualquer
instante, e ela queria ter terminado de combinar o
que seria feito. Pôs as mãos nas cadeiras. — Eu
planejei tudo isso — explicou — só pensando
na minha prima... e no Paul também. Estou
fazendo o que é melhor para ambos.
Essa declaração causou uma reação. Bradford até
começou a rir.
__ E só tu sabes o que é melhor para eles? —
perguntou, quando conseguiu controlar-se.
__ Vives rindo de mim — murmurou Caroline,
deixando que ele percebesse o desespero na sua
voz. E ao ouvir o pai descendo as escadas, tentou
apressá-lo. — Por favor, concorda, Bradford. Sei
mesmo o que estou fazendo. Tudo vai ser feito
com a máxima consideração!
Caroline viu então que parecia estar implorando.
Suas costas rete¬saram-se, e ela lançou a
Bradford o que torcia para ser um olhar firme.
__ Não vais me fazer desistir, só terei paciência
— sussurrou. Tinham sido as mesmas palavras de
Bradford para ela na noite anterior, embora o
assunto fosse bem diferente.
O conde entrou no vestíbulo e sorriu. Bradford
estava rindo, e Caroline parecia bastante satisfeita
consigo mesma.
Durante a hora seguinte os três conversaram
descontraidamente. O pai de Caroline não tinha
intenção de sair antes de Bradford, e Ca-roline
não conseguia pensar em um jeito de conseguir
falar a sós com o duque.
Tanto o pai quanto a filha acompanharam.
Bradford até a porta de entrada.
— Esperarei ansiosa um bilhete teu — disse
Caroline, dando-lhe uma deixa. — Antes de
amanhã à noite — acrescentou — senão serei
obrigada a marcar outros compromissos.
— Vais ao jantar na casa dos Claymere esta
noite? — perguntou o conde a Bradford. — Deve
ser um evento bastante interessante. A pequena
Clarissa vai tocar espineta e a irmã vai cantar.
Bradford não conseguia imaginar nada mais
divertido.
— Vou usar o avental da cozinheira para o
visconde não estragar meu vestido — comentou
Caroline. O pai lançou-lhe um olhar que fez com
que ela sentisse que seu comentário não era
apropriado, e Caroline baixou o olhar,
envergonhada. Realmente precisava aprender a
manter a boca fechada, pensou. Seria possível que
estivesse virando uma taga¬ rela como a Charity,
revelando cada pensamento que lhe passava pela
cabeça?
Bradford gostou da piada dela.
— Tanto Milford quanto eu compareceremos —
prometeu ele, en¬quanto imaginava, ao mesmo
tempo, como iria arrancar um convite dos
Claymere. Sabia que o visconde queria cortejar
Caroline. Naturalmente, não poderia permitir isso.
Caroline Richmond pertenceria apenas a ele, Jered
Marcus Benton, e a mais ninguém.
— Será possível que todas as festas começam
depois da hora de dormir? — perguntou Caroline
ao pai. E bocejou. O balanço da carru-agem
fechada embalava-a, deixando-a sonolenta.
— Tu é que te levantas cedo demais — comentou
Charity. — Dormi até o rneio-dia e estou me
sentindo maravilhosa — acrescentou. — Caroline,
belisca de novo tuas faces. Estás pálida.
Caroline obedeceu, bocejando outra vez,
— Acho que as duas irão se divertir esta noite —
anunciou o conde. — A família Claymere é muito
acolhedora. Eu te contei que as irmãzmhas do
visconde vão tocar e cantar para nós?
Caroline confirmou que tinha ouvido. Fechou os
olhos e cochilou durante o resto da viagem,
ouvindo a conversa que fluía entre o pai e a prima.
Charity estava animada, pois o bilhete de
Bradford chegara no início da noite. Estava
redigido em uma caligrafia rebuscada, e ia dire-to
ao ponto. Ele dizia que chegaria às dez da manhã
e acompanharia Charity e Caroline até a casa de
Bleachley. Na última linha, indagava: "E
consideração suficiente para ti?"
Depois de receber o bilhete de Bradford, Caroline
explicou a situ¬ação ao pai. Ele concordou em
permitir que ela fosse, mas acrescentou que
precisaria estar de volta à uma da tarde para que
fossem tomar chá na casa do tio, à tarde.
Bradford não chegou antes deles à festa dos
Claymere, deixando Caroline decepcionada. O
visconde ocupou-lhe o tempo e despertou-a
totalmente. Pisou nos pés dela mais de uma vez, e
suas desculpas doíam mais do que o machucado.
Ele simplesmente não sabia quando parar, e Sua
delicadeza fazia Caroline perder a paciência e
pensar em outra coisa.
Bradford chegou apenas minutos antes de o recital
começar. Caro-line sentou-se na última fila, com
Charity de um lado e o pai do outro. Não foi por
acaso. Caroline tinha obrigado os dois a se
sentarem dos dois lados dela para o visconde
desistir e ir procurar outro lugar.
A pequena Clarissa devia pesar bem uns 25 quilos
além do que devia. Levou muito tempo se
preparando, depois começou a tocar, sem parar,
até Caroline perder a conta do número de vezes
que ela recome-çou. A coitada estava procurando
dar tudo que tinha, mas tudo que con¬seguiu foi
provar que não tinha o menor talento para a coisa.
Caroline fechou os olhos e tentou escutar. E aí
caiu no sono.
Bradford apoiou-se na parede do outro lado da
sala, tentando não deixar o rosto revelar seus
pensamentos. Estava jurando para si mesmo que,
se aquela menina recomeçasse aquela bendita
música do princípio só mais uma vez, atravessaria
a plateia de um só pulo, agarraria Caroline e iria
até a porta.
Milford entrou, contornou o grupo e veio ficar de
pé ao lado do seu amigo.
— Do que estás rindo? — indagou ao amigo em
voz muito baixa para não perturbar a garotinha
Claymere.
— Do fato de estar aqui. suportando esse
assassinato de uma peça de Mozart, só para poder
estar perto de Caroline — admitiu Bradford.
— E onde está ela? — indagou Milford, olhando
ao seu redor.
Bradford olhou para a última fila, e
começou a rir. Várias pessoas olharam para ele, e
ele as cumprimentou com a cabeça procurando a
todo custo recuperar sua expressão de indiferença.

__Ela está no meio da última fileira,


dormindo.
— Está mesmo — murmurou Milford, soltando
uma risadinha de leve. — Esperta, essa moça.
Caroline dormiu durante todo o recital de
Clarissa. Fez-se uma ligeira agitação, um breve
intervalo, enquanto Clarissa aguardava a irmã se
preparar para seu número.
O conde de Braxton aproveitou a oportunidade
para mudar de lugar, pois estava louco para
escutar Catherme Claymere. O visconde tinha
garantido que Catherine era uma cantora
esplêndida, e tinha uma voz de soprano muito
nítida.
Quando Charity seguiu o tio, tanto Bradford
quanto Milford sentaram-se em seus lugares.
Bradford sentou-se à direita de Caroline e Milford
à esquerda.
— Nós a cutucamos para acordá-la? — indagou
Milford,travesso.
— Só se ela começar a roncar — respondeu
Bradford. — Meu Deus, corno ela fica linda assim
adormecida — disse.
— Ainda estás procurando esquecê-la? —
perguntou Milford, fingindo interesse.
Bradford não respondeu. Tinha pensado, no
início, que iria tirar dela o que queria e depois
deixá-la, passá-la adiante. O plano agora parecia-
lhe desagradável. Ele foi poupado de responder à
pergunta de Milford quando Clarissa começou a
tocar a introdução da música que sua irmã
cantaria.
Quase chegou a ser agradável até Catherine abrir
a boca e começar a cantar. O som era estridente
demais. Bradford, porém, até que gostou, pois
aquele guincho pavoroso acordou Caroline. Ela
pulou visivelmente, agarrou a coxa de Bradford e
soltou um gntinho de susto.
Depois se lembrou de onde estava e do que estava
fazendo. Corou, mais porque tinha adormecido do
que por sua odiosa reação àquela mulher que
guinchava feito um pássaro aprisionado.
Bradford pôs sua mão sobre a dela, e só aí ela
percebeu onde a havia colocado. Recolheu-a,
lançando-lhe um olhar vexado, e virou-se
imediatamente para sorrir para Milford.
— Conta-me o teu segredo, para eu poder dormir
também durante essa sessão de tortura —
sussurrou Milford.
Caroline precisou inclinar-se para o lado dele para
ouvir o que dizia, e viu-se subitamente puxada por
Bradford.
Pondo as mãos uma por cima da outra no colo, ela
fingiu que não o via, olhando direto para frente.
Bradford espichou-se e, antes que ela o detivesse,
já estava com o braço passado em torno de seus
ombros. Ela tentou afastá-lo, mas foi inútil.
— Comporta-te — murmurou para ele. — O que
os outros vão pensar?
— Que és propriedade minha — disse Bradford.
Seus dedos co-meçaram a massagear a nuca de
Caroline e ela viu-se combatendo a sensação
inebriante produzida por esse gesto.
— Teu amigo não tem educação nenhuma mesmo
— disse ela ao sorridente Milford.
— Já lhe disse isso em inúmeras ocasiões —
retrucou Milford, baixinho.
Ela viu. pela expressão abobalhada do rosto do
amigo de Bradford, que daquele mato não sairia
coelho, e suspirou, exasperada. Depois tentou
levantar-se, com a intenção de encontrar outro
lugar para sentar-se. Iria sentar-se na primeira
fileira, e aturar aquela voz estridente de Catherine,
se fosse preciso, com a ajuda de Deus.
Bradford não permitiu que ela se movesse.
Aplicou-lhe uma sutil pressão nos seus ombros.
— Realmente gostaria de me retirar — murmurou
Caroline, e tentou outra vez fazê-lo desviar os
olhos, tentando obrigá-lo a envergo¬nhar-se. Mas
não deu certo, pois Bradford simplesmente lhe
retribuía o olhar, descaradamente, com um sorriso
oblíquo que a deixava toda derretida.
Quando Catherine terminou de cantar, as pessoas
aplaudiram por uma questão de educação. Várias
delas começaram a se levantar, inclusi¬ve
Bradford e Caroline, mas aí Catherine começou
outra canção. Todos se deixaram cair de novo em
seus lugares — menos Caroline, que apro¬veitou
aquela oportunidade para se afastar da fileira onde
estava sentada antes, e sorriu porque Bradford não
pôde fazer nada para detê-la.
Ela subiu as escadas correndo, depois de
perguntar à criada onde poderia encontrar um
espelho para se mirar. Várias pessoas estavam
conversando no térreo, mas o segundo andar
estava curiosamente de¬serto. No final de um
comprido corredor, Caroline encontrou o toalete.
Nele havia um espelho de corpo inteiro, e
Caroline demorou-se por lá um bom tempo,
arrumando-se toda.
Não precisou beliscar as faces para lhes dar cor
agora. Bradford tinha lhe melhorado bastante a
palidez só por estar presente, pensou. Ele a fazia
enrubescer por dentro e por fora!
Caroline abriu a porta e viu o corredor escuro.
Alguém tinha apa¬gado as velas que levavam até
as escadas. Ela achou aquilo esquisito e
cautelosamente percorreu o corredor. Tinha
acabado de chegar ao patamar das escadas quando
pensou ter ouvido um ruído abafado atrás de si.
Começou a virar-se, a mão esquerda pousada
delicadamente no corrimão, quando de repente foi
empurrada para frente.
Nem mesmo houve tempo para ela gritar. Ela
literalmente saiu voando e ficou tentando
desesperadamente agarrar o corrimão.
Fez um esforço para virar o corpo e seu cotovelo
bateu no corri-mão, levando a pancada mais forte.
Ela acabou aterrissando sentada, com grande
estardalhaço. Um de seus sapatos prendeu-se na
bainha do vestido, rasgando-o, mas isso não a
preocupou tanto quanto o fato de que seu decote
também se rasgou todo. Ela tinha causado esse
acidente, percebeu, ao instintivamente agarrar o
cotovelo para aliviar a dor da primeira pancada.
Seus dedos tinham se prendido na fita entrelaçada
nos passadores do corpete.
Caroline ficou sentada no meio das escadas, os
cabelos desgrenha¬dos a lhe rodearem os ombros.
Esfregou o cotovelo, dolorida do alto da cabeça
até as pontas dos artelhos. Suas pernas tremiam,
mas ela fez força para se levantar, agarrando-se ao
corrimão com uma das mãos, enquanto puxava o
pano do corpete do vestido para cima com a outra,
de modo a esconder o peito.
A única salvação para aquele vexame era o fato de
ninguém tê-la visto. A dor foi vagarosamente
passando, embora ela se sentisse como quem tinha
acabado de levar uma surra de mil mãos. E aí a
raiva se ma-nifestou. Caroline virou-se, gemendo
quando esse movimento causou-lhe dor, e olhou
para o alto das escadas. Eram muito longas. Ela
podia ter quebrado o pescoço! E aí tudo se
encaixou na sua cabeça. Alguém tinha tentado lhe
quebrar o pescoço mesmo.
Foi Bradford quem a encontrou. Quando percebeu
que Caroline estava demorando a voltar para o
salão, começou a ficar alarmado, até Milford
lançar-lhe olhares de desaprovação.
- Por que ela está demorando tanto? — murmurou
Bradford. E aí achou que talvez ela tivesse sido
interceptada por algum outro preten¬dente. Ao
pensar isso, levantou-se, pisando nos sapatos do
Milford, sem nem mesmo parar para pedir
desculpas por aquela falta de educação.
Agora curioso, Milford seguiu o amigo, tentando
não dar na vis-ta seu estremecimento quando
Catherine Claymere atingiu uma nota agudíssima.
— O que é que aconteceu, meu Deus... —
Bradford ficou para¬do ao pé das escadas, uma
expressão confusa no rosto. Ela parecia ter
acabado de transar em algum estábulo. A única
coisa que faltava era a palha nos seus cabelos. E,
pensou com ceticismo, o homem para quem ela
tinha dado.
Ele sabia que estava se precipitando, mas ela
estava ali, diante dos seus olhos, com o peito todo
exposto, o vestido rasgado, indicando que tinha se
comportado de forma bastante imprópria. Quanto
mais pensa¬va no assunto, menos sentido aquilo
tudo fazia. E mesmo assim...
Caroline percebeu quais eram as emoções que se
manifestavam naquele momento no rosto de
Bradford. E decidiu que ele e Milford já haviam
ficado ali olhando para ela bastante tempo.
Enxugou as lágrimas dos cantos dos olhos, e
então notou que Milford estava com a mão no
braço de Bradford. Ora essa, até parecia que
Milford estava tentando deter o amigo!
— Cavalheiros de verdade não ficam olhando
embasbacados assim para ninguém. Oferecem a
uma dama em apuros sua ajuda — disse Caroline
com tanta altivez quanta foi capaz de conjurar.
Bradford foi o primeiro a sair do seu estupor.
Empurrou a mão de Milford para o lado e
começou a subir as escadas.
— Deixe-a explicar, Bradford — insistiu Milford,
em um sussurro desesperado, enquanto seguia o
amigo. Parou para pegar um dos sapatos de
Caroline, que estava no meio do caminho.
Bradford tentou fazer uma cara mais calma, mas
estava tão furioso que sabia que não ia conseguir.
Só queria pôr as mãos no homem que
tinha feito aquilo, e já! Tirou a casaca e colocou-a
sobre os ombros de Caroline em questão de
segundos.
— Quem estava lá em cima contigo? — indagou
Bradford. Sua voz saiu enganadoramente calma.
Caroline olhou para Milford, na esperana de
que ele pudesse explicar o estranho
comportamento do seu amigo, e viu que Milford
estava lançando a Bradford um olhar preocupado.
Bradford agarrou os ombros de Caroline. Seu
rosto irradiava fúria pura. A voz de Catherine
Claymere passou pelas portas, penetrante,
aumentando de volume.
— É melhor sairmos daqui antes que essa rapariga
dos Claymere termine. Ali embaixo tem muita
gente desesperada, só querendo uma chance para
escapar. — Milford tentou aliviar a tensão do seu
amigo e achou boa ideia levar ambos para fora
antes de Bradford dar vazão a sua fúria.
Caroline virou-se para Milford, ignorando o
aperto de Bradford.
— O que ele pensa que aconteceu?
Milford deu de ombros enquanto Bradford tomava
Caroline nos braços.
— Diz ao Braxton que Caroline rasgou o vestido
e estou levando-a para casa. — Sua voz era
áspera, sem admitir nenhum argumento. Depois
olhou para Caroline e disse:
— Quando estivermos lá fora, me diga o nome do
homem que fez isso, que eu...
— Achas que eu estava lá em cima com um
homem? — E de repen¬te ela começou a entender
tudo, e seus olhos arregalaram-se. — Ele acha que
eu me encontrei com alguém lá em cima e que
nós... — Bradford começou a descer as escadas a
toda velocidade, e Caroline agarrou-lhe os
ombros. — Bradford — disse ela, ao tentar virar a
face dele para si, __ eu caí da escada. — E
imediatamente ficou furiosa por lhe dar uma
explicação. — Naturalmente, foi depois do meu
encontro secreto. O homem, aliás, era incrível... e
muito rápido — ralhou Caroline. Ouviu Milford
rir atrás de si, mas fingiu que não tinha ouvido
nada, e conti¬nuou a provocar Bradford. —
Também tinha ideias um tanto incomuns. Até
insistiu em rasgar a bainha do meu vestido e
atacar meus pés. Um jeito um tanto estranho de
demonstrar afeto, não concorda?
__ Não podes falar mais baixo? — Bradford
exigiu. Sua voz tinha perdido a aspereza e sua
expressão tinha se suavizado. — Estás
comeando a parecer a senhorita Claymere.
Eles tinham ido até a porta da frente, e Milford
correu para abri-la e fechá-la depois que eles
passassem. Daria o recado de Bradford ao pai da
moça. mas só depois que eles tivessem partido.
Não queria perder nada. Tinha um palpite sobre
esses dois, e queria ver se estava correto.
__ Podias ter te ferido — murmurou
Bradford contra os cabelos Bradford roçou a
mandíbula na cabeça da moça, e Milford ; inchado
de tanta satisfação. Raramente errava nos seus
palpi¬tes, e perguntou-se quando é que Bradford
iria reconhecer o que estava acontecendo com ele.
Bradford ouviu Milford casquinando, e virou-se
para fuzilá-lo com o olhar.
__ Ela podia ter se matado, homem.
— Eu me machuquei, sim — interrompeu-o
Caroline, querendo algun consolo. __
Bati com o cotovelo e caí sentada...
__ O que houve meu amor? Usas óculos,
como a Charity? __Sua voz estava cheia de
ternura e compaixão, e isso para Caroline foi a
aota d água.
__ Foi terrível __ confessou ela, pensando que
estava causando bastante piedade .
Seus olhos encheram-se de lágrimas, enquanto ela
pensava em como tinha ficado aterrorizada, e aí
percebeu que ele tinha usado um termo carinhoso
com ela. — E não te dei permissão para me
chamar de meu amor.
A carruasem de Bradford chegou e Milford
apressou-se a abrir a porta.
__Protege a cabeça dela, Brad — avisou
ele, apenas segundos antes de Caroline abaixar a
cabeça. Ela precisou encostar a face contra o
ombro de Bradford, e gostou dessa sensação de
imediato. O aroma provocante dele era bem
gostoso, pensou ela com um discreto sorriso. Ele
acomodou-a no seu colo, lembrou a Milford como
explicar o caso ao pai dela. e depois inclinou-se
para diante, satisfeito por poder segurá-la bem
perto de si. Inspirou a fragrância especial dela, e
não conseguiu conter um suspiro de satisfação.
Segurá-la assim pareceu-lhe ideal, mas ele estava
ficando cada vez mais insatisfeito. Segurá-la era
bom, mas Brad queria mais, muito mais.
A carruagem partiu, e Caroline, relutante, retesou
o tronco, sentan¬do-se ereta. Bradford olhava-a
com uma expressão que nada escondia, e Caroline
começou a tremer outra vez.
— Este teu jeito de me olhar não é nada bem-
comportado — murmurou Caroline. O rosto dela
estava a apenas alguns centímetros do dele, mas
mesmo assim ela não podia afastar-se mais. Nem
queria, admitiu para si mesma, enquanto
aproximava as lapelas da casaca dele
ainda mais de seu peito.
— Nunca tive fama de ser bem-comportado —
respondeu Bra-dford. A voz dele era doce como o
mel. — E esse é um dos requisitos para ser seu
pretendente, não?
— Também és malicioso — comentou Caroline,
tentando quebrar o feitiço que ele estava lançando
sobre ela.
— E por que chegaste a tal conclusão? —
perguntou Bradford, erguendo uma das
sobrancelhas, curioso.
— Porque concluíste que eu tinha cometido
alguma indecência respondeu Caroline. — Não
faças esta cara de inocente, Bradford!__continuou
ela, quando ele lhe dirigiu um dos seus sorrisos
sonsos.
— Só por um momento, e não achei que tinhas te
comportado mal — explicou ele. E aí afastou os
cabelos dela do rosto, ajeitando-os com
delicadeza. — Imaginei que alguém havia tirado
vantagem da situação e tentado te forçar a ceder
— prosseguiu. Caroline sacudiu a cabeça.
— Sempre pensas o pior das pessoas? —
perguntou ela, franzindo o cenho. — Isso também
é malícia.
Bradford soltou um suspiro fingido.
— Será que há em mim pelo menos uma coisa de
que gostes? — indagou. A ponta de um dedo dele
traçou uma longa linha na lateral do rosto dela.
Caroline sentiu os braços se arrepiarem e
empurrou a mão dele para longe de si.
Queria, mais do que qualquer coisa no mundo,
que Bradford a beijasse.
— Gosto do jeito como me beijas — sussurrou
ela. — Seria in-decência admitir isso?
Bradford não respondeu. Em vez disso, pegou o
rosto dela entre as mãos e puxou-a para si. Sua
boca acariciou a dela, suavemente, e produziu um
suspiro de contentamento.
Caroline abriu seus lábios e comprimiu o corpo
contra Bradford. adorando sentir como ele era
musculoso e resistente, deliciando-se ao sentir as
diferenças entre os dois. Uma das mãos dele foi
até o pescoço dela, e a outra desceu até lhe
apalpar a cintura. Ele abriu sua boca, os lábios
colados aos dela, e o beijo mudou de intensidade
imediatamente. Bradford deixou de ser terno e
passou a ser exigente, tomando o que ela lhe
oferecia de tão boa vontade, tão inocentemente.
O coração de Caroline começou a bater a toda
velocidade, e ela viu que não conseguia respirar
direito. Ele estava sugando dela toda a lucidez,
toda a cautela. A língua dela acariciava a dele,
enquanto os de-dos dele exploravam a textura
macia dos cabelos da moça. Ela sentiu-se
dominada por aquelas carícias, pelo aroma dele.
Não queria que o beijo terminasse, protestou com
um gemido baixo quando Bradford a custo
conseguiu afastar os lábios dos dela.
Ele suspirou fundo, na esperança de que isso
arrefecesse o desejo cada vez mais forte que
estava sentindo de possuí-la. Mas foi em vão. Ela
lhe parecia tão macia, tão incrivelmente gostosa
de apertar contra si... Aí ele resolveu dar uma de
genuíno cavalheiro, colocá-la no banco diante de
si e proteger a inocência dela como qualquer
nobre que se prezasse faria, mas depois fitou os
olhos dela, e o olhar era sequioso, como se ela
tivesse acabado de despertar para os prazeres
físicos que um homem e uma mulher podem
compartilhar.
Bradford foi obrigado a beijá-la de novo, dizendo
a si mesmo que esse beijo seria o último deles
naquela noite, e viu, quando sua língua tocou a
dela, quando a excitação imensa que sentia
transformou-se de repente em uma paixão nua e
crua entre os dois, que não poderia deter-se. Seus
dedos desceram, roçando o pescoço esguio dela,
hesitando uma fração de segundo antes de
continuarem, chegando até a curva suave dos
seios. E aí ele se esqueceu completamente de que
tinha pensado em agir como um cavalheiro.
Caroline tentou protestar contra essa nova forma
de intimidade, lutando contra o que sentia. A boca
de Bradford passou para o lado do pescoço dela, e
o bafo quente e sensual dele aqueceu-lhe a orelha
enquanto sua língua a confundia e deliciava.
Ele foi lhe beijando o pescoço até chegar aos
seios, e Caroline não encontrou forças para
impedi-lo. Sentia-se como se flutuasse nos seus
braços, totalmente segura e protegida, e deixou a
torrente de emoções arrebatar-lhe a atenção. Ela
era totalmente inocente, e cada toque, cada beijo,
abria um novo mundo de sensações.
Instintivamente confiou em Bradford, na certeza
de que ele saberia quando parar. Ele estava lhe
abrindo as portas desse mundo erótico, novo para
ela, e Caroline achava que ele saberia quando era
hora de deter-se. Ele é que era o experiente.
— Caroline, tu és tão saborosa... — sussurrava
Bradford, sua voz agora rouca de desejo.
__ Tão macia, foste feita para o amor. — Sua
língua circundava o mamilo de um dos seios dela,
enquanto a outra mão acariciava o outro seio.
Caroline contorceu-se nos braços dele, tentando
evitar aquela deliciosa tortura, mas ao mesmo
tempo agarrava-se aos seus ombros, numa súplica
muda para que ele não parasse. Bradford
imobilizou-a e finalmente conseguiu prender-lhe o
mamilo, antes em constante movimento, entre
seus lábios. Quando começou a sugá-lo, e sua
língua começou a roçar a pele sensível da
extremidade do bico do seio, Caroline pensou que
fosse enlouquecer de tanto prazer.
Estava começando a sentir uma frustração ardente
bem no fundo de suas entranhas. Sentia uma
necessidade que não conseguia definir, nem
entender. Aquilo a apavorava, a tortura sensual
que ele estava lhe infligindo, e ela começou a
fazer força para se soltar.
— Bradford, não! Agora precisamos parar!
Ele calou-a com um beijo longo e apaixonado, e
virou-lhe o corpo para encostá-la contra seu
membro viril já ereto. Caroline ficou mais
alarmada, percebendo que Bradford não tinha a
menor intenção de encerrar aquela agressão
carinhosa.
— Eu te quero, Caroline, como nunca quis
nenhuma outra mulher...
Então ele lhe ergueu a saia e acariciou-lhe a coxa.
Caroline sentiu-se como se estivesse sendo
marcada com um ferro em brasa, de tão sensual
que era sua carícia, sua sofreguidão. Afastou-se
dele, bruscamente. Sua respiração estava tão
irregular quanto a dele, embora a raiva tivesse
substituído a paixão.
— Devias ter parado antes de chegar a esse ponto
— sussurrou
ela.
Bradford levou uns instantes para entender essa
observação de Caroline, tão consumido pela
paixão estava. Quando conseguiu recobrar um
mínimo de autocontrole, Caroline já estava no
banco diante dele. uma vez mais com a casaca
dele apertada contra o vestido rasgado.
De repente, ela sentiu uma horrível vergonha.
Tremia, e o nó que sentia dentro de si não se
desfazia. Percebeu que sentia mesmo dese¬jo por
Bradford, e isso a deixava absolutamente
horrorizada. Ela era uma dessas mulheres de
taverna, pensou. Tinha esfriado agora, fria por
dentro da vergonha que a penetrava, e por mais
humilhante que fosse, começou a chorar. Meu
Deus, fazia anos que não chorava, e era tudo culpa
dele, droga. Ele é que tinha experiência, e devia
saber o que estava fazendo!
Bradford viu as lágrimas escorrendo pelas faces
de Caroline, mas não sentiu inclinação para
consolá-la. Estava sentindo uma dor terrível, e era
culpa dela. Será que não percebia como era
atraente? Não sabia a tentação que era estar a seu
lado? Que tipo de pessoa tinha criado aque¬la
menina, perguntou-se ele, cada vez mais furioso.
Será que ninguém tinha procurado lhe explicar
quais eram os limites do flerte? Ela tinha reagido
com tanto ardor, que Bradford pensou que ela
estava sentindo tanta necessidade de terminar o
ato quanto ele. Sinceramente esperava que sim,
pensou, irritado. Esperava que ela estivesse se
sentindo tão excitada quanto ele se sentia.
Caroline olhava Bradford com raiva enquanto
enxugava as lágrimas do rosto com a beirada da
casaca dele, torcendo para ele querer criticá-la por
isso, para que então ela pudesse lhe dizer poucas e
boas. Alisou o seu vestido e deslocou-se, soltando
um gemido. Suas costas estavam tão doloridas, e
provavelmente roxas da queda nas escadas, que
ela até achou engraçado não ter sentido nada
quando Bradford a beijou.
A carruagem pulou em um dos buracos das
transversais que leva¬vam até o sobrado do pai de
Caroline, e ela cerrou os dentes, quando sentiu
nova pancada nos quadris. Estava com a
impressão de que não ia poder se levantar nem
que fosse para salvar sua própria vida.
— Por que é que estás gemendo aí, hein? —
Bradford perguntou quase berrando. Espichou as
pernas, tanto quanto a carruagem permitia, e
nisso, empurrou a bainha rasgada do vestido de
Caroline.
— Estou sentindo dor — replicou Caroline.
— Excelente — respondeu Bradford. O tom de
voz dele era áspero, mas ele não estava gritando.
Caroline ficou decepcionada porque estava louca
para brigar com ele. — Eu também.
— E por quê?
— Está falando sério? Está doendo porque tu me
fizeste desejar-te. És mesmo assim tão inocente?
— A voz dele ficou mais alta, e ele inclinou-se
para diante, as mãos nos joelhos, fuzilando-a com
o olhar.
— Era inocente, até tu te aproveitares de mím.
Achava que eras um cavalheiro, e que pararias
antes de tomar essas... liberdades comigo! Um
cavalheiro! — A voz de Caroline saiu carregada
de vergonha. — Tu me queres! Ah! Exatamente o
que planejavas, Bradford? — Agora era ela que
estava gritando, de modo que pensou estar se
comportando como uma criança. Mas não se
importou nem um pouco. A raiva estava
dissolvendo o nó nas suas entranhas, e suas pernas
tinham parado de tremer.
— Dás muito valor a ti mesma — respondeu
Bradford. — Duvido que conseguisses conservar-
me interessado em ti durante muito tempo. Uma
noite seria suficiente para que eu te esquecesse.
Suas palavras ofenderam Caroline, mas ela não
lhe diria isso nem morta.
— Quais exatamente são tuas intenções? —
indagou ela. Sua voz estava baixa e decidida. —
Passar-me na cara, depois procurar outra? Eu
confiava mesmo em ti! Fui uma tola.
Bradford via o sofrimento no olhar de Caroline e
sua raiva evapo¬rou-se. Ele é que estava causando
toda aquela dor Tinha agido como um libertino, e,
pela primeira vez na vida, arrependia-se disso.
— Estava agindo como cavalheiro, até tu me
enfeitiçares, Caroli-ne. — Bradford murmurou, na
esperança de que ela entendesse que ele estava
pedindo desculpas. Mas pararia por ali. Segundo
sua filosofia de vida, era mais do que suficiente.
— Estás me dizendo que fui a culpada? — disse
ela, incrédula.
— Caroline, pára de agir como se eu tivesse
acabado de desvirginar-te — retrucou Bradford.
— Falei no calor da paixão.
— Então não devo prestar atenção ao que dizes?
— perguntou Caroline, franzindo o cenho. — Não
devo confiar em ti?
— Não deve existir confiança entre homem e
mulher — declarou Bradford. E seu tom tinha
voltado a ser áspero.
— Não se pode amar ninguém se não se pode
confiar nessa pessoa — argumentou Caroline.
Agora toda a sua raiva tinha sumido, mas os
comentários dele a estavam deixando confusa.
Ele não respondeu àquele comentário, e Caroline
percebeu que ele realmente acreditava no que
tinha dito. Então a tristeza invadiu-a.
— Jamais poderia casar-me com um homem que
não confiasse em mim.
— E eu te disse que me casaria contigo? —
indagou Bradford.

— Não — respondeu Caroline. — Não vejo


motivo para esta atração continuar, Bradford.
Quero algo que não podes me dar — pros¬seguiu.
— Como acabamos de concordar que não há
futuro para nós, creio que é melhor nos
despedirmos.
— Pois muito bem — comentou Bradford,
imitando-a. E per-cebeu, na hora em que disse
isso, que não tinha a menor intenção de afastar-se
dela. Mas que coisa, ela continuava deixando-o
confuso. — O que queres é um boboca —
comentou Bradford.
Caroline não respondeu. A carruagem parou
diante de sua casa, e ela tentou abrir a porta antes
de Bradford. Os pés dele estavam presos na
bainha do vestido dela, e ele se rasgou ainda mais.
Bradford desvencilhou-se, saiu da carruagem e
depois ergueu Caro¬line nos braços. Ela não
resistiu a esse gesto, mas seu rosto demonstrou
contrariedade.
— Vais estar toda dolorida amanhã — comentou
Bradford.
Caroline pensou em lhe dizer que alguém devia
tê-la empurrado do alto das escadas, mas
imediatamente desistiu dessa ideia. Estava come-
çando a acreditar que só tinha imaginado o
barulho que tinha ouvido atrás de si. Estava
cansada, por causa do dia cheio, e não queria
conversar com Bradford sobre a terrível
possibilidade de que alguém realmente tivesse
querido feri-la.
Deighton abriu a porta ao ouvir os resmungos de
Bradford. Para a idade que tinha, até que era bem
ágil. Saiu da frente exatamente quando Bradford
entrou correndo com Caroline agarrada a ele com
todas as forças.
— Creio que deves ir ao médico para ver se
precisas de óculos o mais breve possível —
comentou Bradfbrd ao seguir Deighton pelas
escadas, segurando Caroline com tamanha força
que ela considerou isso doloroso quanto sua
queda. — Precisas de um protetor, Caroline.
— Fala mais baixo — exigiu Caroline. — E não
preciso de protretor nenhum.
— Precisas, sim. Precisas de alguém para
proteger-te de ti mesma.
— Estás te candidatando para o cargo? __
perguntou Caroline. Bradbrd continuou zangado,
e Caroline apressou-se a comentar: —Preferiria
estar nas garras de uma matilha de lobos que sob
tua proteção. Teria melhor chance de sobreviver
— acrescentou, triunfante.
— Nas garras de lobos? — os olhos de Bradford
revelaram que ele tinha achado graça.
— Sabes o que quero dizer — resmungou
Caroline. — Se essa tua carona até aqui na tua
carruagem foi um exemplo do teu tipo de
proteção...
— Caroline, estás gritando — comentou
Bradford, indicando Deighton com a cabeça.
Caroline fez cara de alarmada, e depois abaixou o
tom de voz.
— Presta bem atenção, Bradford. Não há mais
nada entre nós. Benjamin é que é o meu protetor.
Deighton abriu a porta do quarto dela e postou-se
de pé ao seu lado. Mary Margaret estava em uma
cadeira de balanço ao lado da janela, mas ficou de
pé num pulo e correu para perto da sua patroa ao
vê-la.
— Saia daqui. — A ordem lacónica literalmente
impeliu Mary Margaret porta afora. Ela não
hesitou nem um segundo, e isso deixou Caroline
furiosa.
— Não dá ordens à minha dama de companhia —
ralhou Ca-roline, enquanto via Mary Margaret
fechar a porta. — Se eu chamar Benjamin, ele vai
estar aqui em um piscar dos teus olhos de canalha
e vai te despedaçar sem fazer nem uma pergunta.
— Então chama-o! — O desafio era mais do que
claro, e Caroline imediatamente recuou. Bradford
foi até a cama e pôs Caroline sobre a col¬cha.
Tentou ser delicado, mas ela ainda ricocheteou no
colchão duas vezes antes de ficar totalmente
imóvel na horizontal, — Já te disse, chama-o!
— Não vou chamá-lo — declarou Caroline com
grande ênfase. Tirou a casaca de Bradford de cima
de si, sem ligar para o fato de seu vestido estar
exibindo muito mais do que era considerado
decente. Jogou a casaca para o homem de pé à sua
cabeceira, dizendo: — Retira-te da
minha presença. Espero que nunca mais torne a
ver-te.
Bradford nem ligou para a casaca, debruçando-se
sobre a cama c prendendo Caroline entre seus
braços. Quando seu rosto estava a apenas
centímetros do dela, ele disse:
— Escuta bem, minha pequena adversária. O que
existe entre nós ainda não terminou. Tu vais ser
minha, de uma forma ou de outra. Se precisar me
casar contigo, nós nos casaremos. Mas vamos
obedecer às mi¬nhas regras, Caroline Richmond,
não às tuas. Estás me entendendo?
— Só quando o inferno virar céu, meu senhor —
respondeu Ca-roline, com ênfase. -- Quando as
Colónias anexarem a Inglaterra, e quando o rei
Jorge abdicar, e mais especialmente quando
patifes maleducados virarem cavalheiros, quando
o odioso duque de Bradford
aprender a ter consideração. Em outras palavras,
Jered Marcus Benton, nunca serei tua. Entendeste
o que eu disse?
E aí fechou os olhos e esperou ele ter um ataque
de nervos, retaliar como um desvairado. Mas um
barulho que ouviu deixou-a confusa. Abriu os
olhos e vm Bradford fazendo uma força incrível
para conter o riso.
— Alguém realmente precisa te levar para um
canto e explicar-te quando estás sendo insultado,
senhor. Talvez Milford pudesse te ensinar isso.
Ele certamente parece ser teu oposto —
prosseguiu Caroline. — Não entendo como ele
pode te considerar seu amigo. És um homem tão
inflexível, tão detestável...
— Inflexível? Acabei de quebrar um juramento
que fiz há anos. -;tudo por causa de uma mulher
maluca de olhos cor de violeta que esta me
deixando louco. Em apenas duas semanas tu
viraste minha vida do avesso.
Caroline franziu o cenho ao ouvir essa declaração,
imaginando o que ele estaria querendo dizer com
um juramento que tinha feito fazia muito tempo. E
o que isso teria a ver com ela? Não teve
oportunidade de perguntar. A boca de Bradford de
repente cobriu a dela, em um beijo que exigiu sua
total atenção.
Suspirou de frustração, pegou o vestido que tinha
acabado de tirar e colocou-o sobre a cadeira, e aí
foi para a janela, olhar a noite escura.
Ficou ali durante muito tempo, tentando encontrar
respostas que teimavam em escapar-lhe. Suas
defesas vagarosamente foram aban¬donando-a, e
ela finalmente admitiu a verdade. Ela sempre
tinha se considerado uma pessoa honesta, e sabia
que naquele exato momento não estava sendo
completamente honesta consigo mesma. Fingia
estar indignada, mas estava sorrindo por dentro.
Assim que admitiu esse fato repelente, começou a
rir. Ai, meu Deus, a constatação quase a fez cair
de joelhos. Estava se apaixonando por um inglês
arrogante.'
Que contradição ela havia se tornado desde que
chegara à Inglater¬ra!Até agora continuava rindo,
as lágrimas de melancolia escorrendo-lhe pelas
faces.
Ele não prestava, era um canalha, totalmente
desprezível, admitiu. E ela havia saído da linha
por ter-se deixado atrair por ele. O homem tinha
afirmado, todo convencido, de que ela iria
pertencer a ele, mas jamais tinha mencionado a
palavra amor, e declarado como se fosse a coisa
mais natural do mundo que a confiança não era
necessária entre um homem e uma mulher.
Ela ainda não havia percebido que amar podia
causar tamanha infelicidade, tamanha depressão.
E se amar Jered Marcus Benf-nn era deprimente,
ela jurou que ele sentiria tanta depressão quanto
ela.
Seria necessário um tremendo esforço de sua
parte, mas era um desafio ao qual ela não podia
resistir. A recompensa valia a pena. Exatamente
como ele havia declarado que não ia desistir dela,
ela agora jurava que não iria nunca desistir dele. É
claro que ele só estava querendo possuí-la
fisicamente, mas ela queria muito mais.
Coitado dele! Ela quase sentia pena do homem.
Quase! Mas não iria sentir piedade alguma, não
podia, para que tudo desse certo. Talvez, pensou,
com uma risada que ecoou pelo quarto, com a
ajuda de Deus, ela conseguisse mesmo o que
pretendia.
Ele era um canalha, um imprestável, rnas ela tinha
acabado de acei¬tar que ele era seu canalha, seu
imprestável. Sim, ela amava de verdade aquele
homem arrogante, e por isso, nem que fosse
preciso mover céus e terras, ela encontraria um
jeito de obrigá-lo a amá-la.
Ah, mas ele estava redondamente enganado! Dizia
que tudo aquilo era um jogo, que eles teriam de
jogar segundo as regras dele! Caroline sorriu e
realmente sentiu um pouco de pena dele. Pois se
ele é que era o inocente! E simplesmente não
entendia... ainda. Aquilo esta de ser um mero
jogo.

CAPITULO 7

Precisamente às dez da manhã seguinte, Bradford


apareceu para pegar Charity e Caroline. Não tinha
dormido bem, ainda com os pensaamentos
desencontrados, refletindo sobre Caroline, e
estava quase irritado. Não sabia bem qual era o
plano dela para o Bleachley e estava querendo
desistir.
— Agora precisas me dizer o que pretendes fazer
— anunciou a Caroline, quando ela estava sentada
diante dele na carruagem.
Charity, sentada ao lado de Caroline, respondeu à
pergunta.
— Estou tão nervosa, Bradford! Mas Caroline me
fez repassar tudo de novo, e tenho plena confiança
de que vai funcionar.
Essa não era a resposta que ele estava esperando,
pois o que queria era tomar conhecimento do
plano, com todos os detalhes, não ouvir aquela
avaliação de Charity, dizendo que ia funcionar.
Voltou a atenção para Caroline. Ela sorriu para
ele, e ele viu que sabia como ele estava se
sentindo frustrado.
Bradford considerou-a especialmente tentadora
naquele dia. Esta¬va de vestido de passeio azul-
escuro, com galões brancos. A capa que rinha nos
ombros era do mesmo azul. Mas foi o brilho no
olhar dela que lhe prendeu a atenção. Pelo que
notou, ela se sentia capaz de con¬quistar o
mundo. Ergueu uma sobrancelha, curioso, quando
viu que ela continuava sorrindo para ele. Caroline
imitou essa expressão na mesma hora. Estava
bastante atrevida naquela manhã, e tinha
obviamente se esquecido das palavras furiosas
que haviam trocado na carruagem na noite
anterior.
O humor dela fez o dele melhorar, e ele viu-se
sorrindo rasgada-mente. Que esquisito, refletiu
ele, ela poder influenciá-lo assim com tanta
facilidade, fazê-lo mudar de disposição assim tão
rápido...
Caroline sentiu vontade de rir quando percebeu a
mudança de expressão na fisionomia de Bradford.
Um momento antes ele estava de cenho franzido,
e agora sorria. Ela considerou-o muito atraente, e
bem menos mtimidador do que na festa da noite
anterior. Ainda estava de calças apertadas demais
para sua concepção de decoro, mas a casaca, de
um castanho cálido que a fazia lembrar uma pele
de vison, combinava muito bem com a cor dos
olhos dele.
Quando eles finalmente chegaram à residência de
Bleachley, Bradford ajudou Charity a sair da
carruagem com toda a boa vontade, seus ouvidos
vibrando, porque a moça não parava de falar. Ele
virou-se para ajudar Ca¬roline, fingiu não ver a
mão que ela lhe estendia, pegando-a pela cintura,
e deu-lhe um beijo rápido no alto da testa antes de
a soltar.
— Não podes mais tomar liberdades — anunciou
Caroline. Sua voz era firme, mas ela estava
olhando para a prima, e Bradford não podia ver
sua expressão, Charity já estava parada nos
degraus da varanda do chalé de Bleachley,
aguardando.
Bradford obrigou Caroline a olhar para ele, e viu-
a de testa fran-zida. Estava para dizer que um
beijinho à toa na testa para ele não era tomar
liberdade, quando ela disse:
— Creio que seria melhor se ficasses aqui fora,
Bradford, Senão
podes tentar interferir, e vais atrapalhar tudo.
— O quê...'? — perguntou Bradford, sem
conseguir terminar, temporariamente mudo.
— Não faças essa cara indignada — disse
Caroline, Falou em tom irritado, não houve como
conter-se. Agora'que tinha chegado o mo¬mento,
estava ficando tão nervosa quanto Charity. Se o
tiro saísse pela culatra, Charity ficaria arrasada,
Bleachley provavelmente ficaria furioso e tudo
seria culpa dela, Caroline. Ela é que havia
concebido o plano,
— Exatamente qual é esse teu plano, podes me
dizer, pelo amor de Deus? — indagou Bradford.
Tinha agarrado os ombros de Caroline, e agora
apertava-os de leve,
Caroline soltou-se e disse:
— Agora é tarde demais para explicar-te, e
prometeste que con¬fiarias em mim.
Ela saiu correndo pelo caminho que levava à casa,
pegou a mão de Charity e bateu à porta. Sentiu
Bradford de pé atrás dela, ouviu seu comentário
em voz baixa.
— Eu nunca disse que confiaria em ti.
Caroline sorriu e virou a cabeça.
— Mas terias dito — comentou.
A porta se abriu, e apareceu uma mulher com cara
de poucos amigos, um avental de um branco
imaculado atado ao redor da cintura imensa.
— Estais atrasado — comentou ela, baixinho.
Olhou para Bradford, fingindo que não via as duas
moças em frente dele. — Ele está na biblioteca —
acrescentou. E ai se virou e afastou-se correndo.
Charity e Caroline entreolharam-se confusas.
Bradford foi obri-gado a empurrar Caroline para
frente e ela, por sua vez, puxou Charity pela mão
consigo.
Bradford viu a porta fechar-se atrás deles e
apontou para a porta à esquerda da entrada.
— Ele está ali, Charity, vou entrar contigo. —
Disse isso com mui¬ta delicadeza, e Caroline viu
que Charity quase perdeu o controle com isso.
Seus olhos encheram-se de lágrimas, e ela
continuou segurando a mão de Caroline com toda
a força.
— Não podes agir assim — sussurrou Caroline.
— Controla-te agora mesmo, e faz o que
combinamos. E agora ou nunca, Charity. Com
essas palavras de incentivo, Caroline abriu a porta
da biblioteca, empurrou a prima de um jeito bem
impróprio para uma dama, e depois
fechou a porta.
Bradford fez menção de entrar com Charity, mas
Caroline deteve-o. Encostando-se à porta de
carvalho, sorriu para ele.
— Agora é com a Charity. E deixa de fazer essa
cara amarrada, Bradford. Estás me deixando
nervosa.
— Caroline, sinceramente, creio que eu deveria
ser o mediador. O Paul está mudado.
— Vais ter que confiar em mim nesse assunto
— exigiu Caroline.
Bradford não respondeu nada. Estremeceu ao
ouvir o grito indigna¬do de Bleachley, sentindo
seus ombros caírem. E ouviu a voz agradável de
Charity, ficando estupefato. A primmha parecia
uma megera, falando aos gritos com o homem que
Bradford pensava que ela na verdade amasse.
Bradford amarrou ainda mais a cara e abriu a boca
para dizer a Caroline exatamente o que estava
pensando, mas ela sacudiu a cabeça e avisou-o
para ficar calado.
— Como ousas estar vivo! — berrou Charity,
enunciando essa acusação alto o bastante para
Caroline e Bradford entreouvirem. — Acreditei
que eras honrado, seu salafrário!
Bradford não ouviu a resposta do Paul. Mas
Charity estava dando tamanha bronca nele que
Bradford surpreendeu-se de ver que a porta não
estava tremendo.
— Não vou me retirar coisa nenhuma. Só depois
de lhe dizer como és abominável. Prometeste-me
casar-se comigo, sr. Bleachley! Não levaste a
sério meus sentimentos. Disseste que me amavas!
— Olha bem para mim! — Essa ordem,
parecendo o rugido de um leão furioso, saiu de
Paul Bleachley.
— Estou olhando! — gritou Charity. — Até que
enfim, aliás. Faz meses que te vi pela última vez,
e cada um desses dias foi repleto de lágrimas e
sofrimento, Paul. Pensei que tivesses morrido. Ai,
que tola fui. Não tens um mínimo de dignidade,
tens?
Bradford esperou a resposta de Paul, mas em vez
disso, ouviu-se o barulho de vidro quebrando.
— O que está havendo lá dentro? — gritou ele,
quando tentou afastar Caroline da porta.
Caroline procurou evitar que ele entrasse, e
percebendo que ele era bem mais forte, resolveu
improvisar, passando os braços sobre os ombros
dele e puxando sua cabeça para si. E aí o beijou,
com tanta força e paixão quanto ele lhe havia
ensinado. Aquele truque funcionou para distrai-lo,
e Bradford rapidamente começou a reagir e
participar do beijo de boa vontade. Seu único
pensamento coerente foi o de que afastaria
Caroline da porta e arrastaria Charity para longe
da biblioteca assim que terminasse de beijar a
mulher que realmente acreditava que podia lhe
sabotar as intenções.
Dentro da biblioteca, Charity continuava a fazer
papel de mulher sprezada. Pegou outro vaso e
atirou perto da mesa do Paul. No fundo estava
literalmente horrorizada pelo seu procedimento,
sentia vontade de chorar de pura tristeza, cada vez
que olhava para seu amor e via o sofrimento em
seus olhos.
Paul foi obrigado a desviar-se quando o segundo
vaso quase acertou alto da sua cabeça. Então se
agarrou à beirada da escrivaninha, incli-nando-se
para frente. Não tentou mais esconder o rosto com
as mãos.
— Pelo amor de Deus! Não consegue enxergar
minhas lesões? Põe os óculos, Charity, e olha bem
para o meu rosto.
Charity não discutiu. Abriu a bolsa, jogou tudo
que ela continha na mesa mais próxima de si, e
rapidamente colocou os óculos de arma-ção de
arame. Depois, virou-se, as mãos nas cadeiras, e
deu uma boa olhada em Paul.
— E o que tem? — quis saber ela, depois.
— Será possível que és cega, é? — A raiva
subitamente dominou Paul Bleachley. Ele estava
extremamente confuso diante da reação dela. —
Não sou mais atraente como era, Charity. Será
que preciso mostrar-te cada cicatriz?
Sua voz saiu cheia de desespero, mas Charity não
demonstrou o mínimo sinal de estar
impressionada.
— Seu vaidoso! Então é isso que vais usar como
desculpa, é? Ten¬tar convencer-me de que
algumas cicatrizes são o motivo pelo qual me
rejeitaste? Mas imagina só. Não sou imbecil, Paul.
Certamente podias encontrar alguma desculpa
melhor que essa. Eu te entediava? Encontraste
outra? Conta-me qual foi o verdadeiro motivo,
que talvez eu te perdoe.
— Não há nenhuma outra — respondeu Paul, a
plenos pulmões outra vez. — Só que perdi uma
das vistas, Charity, Só um dos meus olhos
funciona agora. Estás vendo como o outro está
saltado? Vais dizer que achas isso atraente?
Charity foi obrigada a agarrar um arranjo de flores
bastante intrin¬cado e jogá-lo em cima do Paul.
— Usa um tapa-olho, se isso te incomoda —
sugeriu ela.
— E as cicatrizes, Charity? O que faço para
disfarçar as cicatrizes?
— Por tudo que é mais sagrado, Paul, usa barba, e
vê se pára de mudar de assunto. Estamos falando
de como quebraste tua promessa de te casares
comigo. Vaidade não vem ao caso.
Charity ajeitou os cabelos ao parar para respirar,
depois virou-se e recolocou o conteúdo da bolsa
dentro dela outra vez. Demorou a fazer isso,
sabendo que Paul observava cada gesto dela.
— Estou de penteado novo, e nem mesmo
comentaste nada — disse ela, enquanto puxava o
barbante da bolsinha. — Só consegues pensar em
ti mesmo. Só estou contente de saber que descobri
como és vaidoso agora, antes do casamento. Vou
precisar te modificar, Paul. Entendes isso, não?
Ou és tão tapado quanto és vaidoso?
— Modificar-me?
Charity entendeu o sussurro e olhou de novo para
Paul. Viu o brilho de esperança no olhar dele e
entendeu, naquele instante em que seus olhares se
cruzaram, que tinha vencido a parada.
— E agora, antes de eu sair, vou te dar um
ultimato — disse Charity. Sua voz saiu clara e
desembaraçada, e ela ficou satisfeita. Cui-
dadosamente calçou as luvas brancas e começou a
andar de um lado para outro na frente da
escrivaninha do Paul. — Vais te apresentar diante
do meu tio e declarar a ele tuas intenções, dentro
de uma quinzena, ou presumirei que não me amas
mais.
— Nunca deixei de te amar, Charity, mas...
— E eu jamais deixei de te amar, Paul —
interrompeu ela. Sua expressão era solene quando
ela vagarosamente foi até a lateral da mesa. Paul
virou-se para ela, e ela suavemente acariciou suas
faces. Ficou na ponta dos pés e começou a dar
beijinhos no rosto coberto de cicatrizes do homem
que amava. — Por favor, não me entendas mal,
Paul. Fiquei
consternada por saber que te feriste, mas águas
passadas não movem moinhos, e precisamos tratar
do nosso futuro.
Ela permitiu um beijo longo e satisfatório, que
Paul instigou, e depois se afastou dele. Seu
comportamento ficou subitamente enérgico outra
vez.
— Nem tente fugir de novo, hein? Eu te
encontraria em qualquer lugar onde tentasses te
esconder. E se não te vir na casa do meu tio em
breve, creio que irei me comportar de forma bem
violenta. E a culpa será somente tua, Sr.
Bleachley.
E com essa advertência, Charity, de ombros bem
aprumados, abriu a porta. Passou direto por
Bradford e Caroline, fingindo que não via a
expressão assustada da prima, afastando-se de
Bradford, e continuou até sair.
Caroline ficou mais abalada pelos beijos que tinha
dado em Bradford do que gostaria de admitir.
Corou e saiu correndo atrás da prima,
resmun¬gando que tinha certeza de que tinha dito
a Bradford que ele não podia tomar mais
liberdades com ela.
Bradford ficou ali parado de boca aberta,
enquanto ouvia os res-mungos de Caroline. Virou-
se ao ouvir Paul chegar perto dele, e
surpre¬endeu-se ao ver o amigo sorrindo.
Perguntou-se o que tinha acontecido enquanto ele
estava distraído, beijando Caroline. E viu Paul
subir até o segundo andar.
— Aonde vais? — exigiu saber ele, frustrado por
não estar mais beijando Caroline e por não fazer a
menor ideia do que tinha ficado decidido entre
Bleachley e Charity.
— Vou deixar a barba crescer — gritou Paul,
olhando para trás, soltando uma gargalhada de
felicidade.

Charity ficou rindo e chorando durante a maior


parte da viagem de volta para casa. Caroline
acariciava-lhe a mão, enquanto a escutava dizer
como amava Paul e como ele tinha sofrido.
Bradford ficou tentando dar opinião, descobrir
exatamente o que tinha ocorrido, e finalmente
Caroline sentiu pena dele e explicou:
— Eu sabia que se a Charity demonstrasse nem
que fosse um _pouquinho de dó, Paul iria se
revoltar contra ela. Foste tu que me deste esta
ideia, Bradford — comentou.
— Ah, fui eu, é? — Bradford revirou os miolos,
sem conseguir lembrar-se de ter dito nada que
desse a Caroline uma ideia assim.
— Mas certamente — respondeu Caroline. —
Piedade seria a última coisa que Paul aceitaria. A
forma como ele se fechou em copas indicava isso
— acrescentou. Sua voz parecia a de uma mestra
instruin-do uma pessoa muito simplória.
Virou-se para Charity e disse:
— Disseste a ele que atirarias nele se ele tentasse
fugir, minha prima?
— Acho que disse — respondeu Charity,
balançando a cabeça. — Ou acho que disse a ele
que o processaria na justiça por quebrar sua
promessa. Posso fazer isso, não posso?
— Não vai haver necessidade — previu Caroline.
— Acabou de me dizer que ele te beijou e disse
que ainda te amava. Não creio que vás ter que
atirar nele.
Bradford revirou os olhos de pura exasperação.
— Pelo amor de Deus! Charity não teria coragem
de atirar em ninguém!
— Sei que não teria — imediatamente respondeu
Charity. E sor-rindo radiante acrescentou: — Mas
a Caroline seria capaz de abrir um rombo em uma
partícula de pó, se quisesse. E ela atiraria no Paul
se eu pedisse a ela.
Bradford fez cara de assustado, e tanto Charity
quanto Caroline começaram a rir.
— Caroline, farei o que disseres, prometo.
Salvaste-me a vida com teu plano. Jamais me
esquecerei dessa tua ajuda.
— Então o plano dela funcionou muito bem, não
foi? — indagou ele a Charity. — Entendo a
complexidade dele agora — acrescentou, com um
sorriso irónico na direção de Caroline. — Ela
mandou que desses um sermão no Paul, para ele
abaixar a cabeça e te obedecer.
Caroline fez cara de vexada, mas Charity soltou
urna risada.
— Disseste-me que ele não tinha senso de humor
— comentou ela com Caroline. — E agora parece
que está querendo fazer piada.
— Aliás, Caroline — continuou Bradford, — a
Charity pode ter prometido não contar ao teu pai
sobre nosso beijo, mas eu não prometi.
— O que exatamente estás querendo dizer? —
indagou Caroline, os olhos arregalados de pânico.
— Vais descobrir em breve — disse Bradford,
com uma risadinha. — Não fiques tão preocupada
assim — acrescentou, sem o mínimo sinal de
remorso na voz. — Só precisas confiar em mim.
— Confio em ti tanto quanto mostraste que
confias em mim — respondeu Caroline, irritada.
Virando-se para Chanty, comentou: — Para sua
informação, isso quer dizer que não confio de
jeito nenhum. Bradford não confia em mulher
alguma.
Charity não disse absolutamente nada, só olhou
para Carohne e para Bradford e novamente para
Caroline, perguntando-se o que teria ocorrido. De
repente, o clima tinha mudado de forma drástica,
e aquela mudança deixou-a confusa.
— Não contarás ao meu pai, — A voz de Caroline
não estava indicando uma discussão.
— Contarei, sim. — A voz de Bradford saiu com
a mesma inten¬sidade da de Caroline.
— A conversa não vai dar em nada — previu
Caroline.
— Aí é que te enganas — anunciou Bradford. —
Eu vou...

— Não digas nada! — quase gritou Caroline,


certa de que ele estava para dizer que faria de tudo
para que ela fosse sua. Seria possível que não
tinha dito o suficiente? E agora estava para dizer
tudo na frente da sua delicada prima...
— Dizer o quê? — indagou Charity.
Nem Caroline nem Bradford responderam.
Ambos viraram-se e olharam para Charity com
raiva, e Charity recostou-se ainda com mais força
contra o banco da carruagem. Perguntava-se o que
teria feito de errado. E decidiu não expressar seus
pensamentos nem fazer perguntas, para variar.
CAPITULO 8

A
s semanas seguintes foram repletas de jantares e
bailes, e os dias cheios de visitas intermináveis.
Caroline visitava o tio Milo, que era o nome pelo
qual o marquês insistia que ela o chamasse, uma
tarde sim outra não, e ficou gostando muito dele.
O tio Franklin, irmão caçula do marquês e mais
novo que ele cerca de dez anos, em geral estava
lá. Lembrava oirmão na aparência, .mas seu olhar
não era tão acolhedor quando o dele. Ele era mais
contido no seu comportamento. Caroline sentia
certa tensão entre os seus dois tios e não
conseguia definir com precisão por que ela
existia. Eram muito educados um com o outro,
mas havia também uma distância entre eles.
Franklin era bem-apanhado, com cabelos
castanho-escuros e olhos esverdeados, mas havia
nele uma frieza que Caroline considerava um
tanto desanimadora. Sua esposa, Loretta,
raramente visitava o marquês, e Franklin explicou
mais de uma vez"que sua esposa tinha muitos
com¬promissos sociais. Sua presença era muito
requisitada pela elite, gabava-se Franklin.
Caroline não podia deixar de imaginar quem
seriam os que a requisitavam, pois ela não tinha
visto Loretta em nenhuma reunião dal às quais
comparecera.
O conde de Braxton começou a acompanhar Lady
Tillman a al-gumas das festas especiais e Caroline
gostou disso. Muito embora não gostasse nada da
mulher, era bom ver seu pai se divertir. Ele
merecia ser feliz, e se Lady Tillman era o que ele
queria, que assim fosse. Ela não interferiria.
O incidente na residência dos Claymere perdeu a
importância à medida que o tempo foi passando.
Caroline ficou grata por não ter reve¬lado a
ninguém a impressão de que alguém podia tê-la
empurrado, pois agora aceitava que tudo tinha
sido fruto de sua imaginação exacerbada. Ela só
estava exausta e tinha perdido o equilíbrio.
Embora não se considerasse mais uma dama em
risco de ser ata-cada por algum desconhecido,
sentia-se extremamente ameaçada pelo duque de
Bradford. O homem a estava levando à beira do
desespero.
Sentia-se constantemente desequilibrada.
Bradford acompanhava-a a todos os eventos e
nunca se afastava dela, deixando bem claro para
todos os homens que se aproximassem à distância
de uni grito que ela pertencia a ele, Bradford. Ela
não se importava com essa possessividade, nem
com a forma arrogante como ele a arrastava para
os cantos e a bei¬java até que ficasse louca de
desejo. O que a confundia completamente era sua
vontade cada vez maior de ficar perto dele. Sua
reação física a alarmava, pois bastava um olhar do
homem para que Caroline sentisse as pernas
bambas.
Bradford disse-lhe que a queria, e ela tinha
zombado dele. No entanto, depois de passar tanto
tempo assim com ele, tinha passado a desejá-lo
também. Sentia-se arrasada toda vez que se
separavam, e ficava furiosa consigo por isso. O
que tinha acontecido com seu autocontrole, sua
independência?
Pelo menos ela tinha admitido para si mesma que
o amava. Ele, por outro lado, nunca tinha
mencionado essa palavra. O desejo era apenas
uma parte do motivo pelo qual ela sentia saudades
dele quando não estavam juntos. O homem
certamente tinha defeitos, sim, mas tinha também
qualidades. Era bondoso e generoso ao extremo, e
tinha uma força de caráter que Caroline
considerava inflexível.
Só que também era diabólico! Ela sabia o que ele
tinha em mente, qual era seu 'jogo'. Toda vez que
a beijava seu olhar deixava transparecer
sua sensação de vitória. Ela se derretia em seus
braços e tinha certeza de que ele gostava de ver
isso. Será que estava esperando que ela admitisse
que o desejava:
Só de pensar em sua situação ela já sentia os
nervos à flor da pele. Jamais lhe diria que o amava
antes que ele lhe dissesse que a amava. E se o
duque de Bradford queria jogar, Caroline usaria
sua própria estratégia de jogo.
Charity, por outro lado, estava nas nuvens. Paul
Bleachley tinha vindo, conforme o combinado,
apresentar-se diante do conde de Brax-ton e agora
era oficialmente o noivo de Charity. Ia a toda
parte com um tapa-olhos de cetim preto que o
fazia parecer intrépido, e também havia deixado a
barba crescer.
Caroline gostava de Paul. Era um homem
sossegado, com sorriso fácil, e pela forma como
olhava para Charity, Caroline podia ver que ele a
amava, e sentia grande ternura por ela. Por que ela
não tinha en¬contrado alguém assim tão
simpático e terno como Paul: Sentia inveja do
relacionamento da prima com aquele inglês
pacato, e desejava que Bradford olhasse para ela
como Paul olhava para Charity. Ai, Bradford
olhava muito para ela, sim, mas com sensualidade
demais, dando a Ca¬roline a impressão de que
não sentia ternura alguma por ela.
Braxton tinha decidido dar um jantar, e
convidaria vinte pessoas. Na lista estavam os tios
de Caroline, o marquês, Franklin e sua esposa,
Loretta, Lady Tillman e a filha, Rachel, e para
grande desagrado de Caoline, o noivo repelente de
Rachel, Nigel Crestwall. Bradford e Milford
também foram convidados, assim como Paul
Bleachley. Seria um jantar no início da noite, em
deferência ao marquês, que ficava cansado com
facilidade, e quem fosse mais resistente poderia,
depois do jantar, ir à ópera.
Benjamin adorou a oportunidade de
preparar uma refeição à altura e já havia recheado
pombos, tirado as espinhas do peixe, e posto os
francos no espeto sobre o braseiro bem antes do
meio-dia. Deighton mostrou-se terrivelmente
autoritário ao organizar os detalhes de última
hora. Caroline e Chanty faziam ambas tudo que
Deighton sugeria, uma vez que ele sabia muito
melhor o que era adequado do que elas, e Charity
até pediu seu conselho sobre que vestido deveria
usar.
Caroline já tinha decidido usar o vestido cor de
marfim com decote ousado. Era bastante
escandaloso, e, segundo ela esperava,
extremamente sedutor. Planejava fazer o papel de
tentadora, achando que estava na hora de ficar por
cima na sua relação com Bradford. Se ele gostava
de tirá-la do sério o tempo todo, ela podia muito
bem lhe retribuir o favor.
Ela vestiu-se com todo o cuidado, ficando cada
vez mais nervosa à medida que transcorriam os
minutos. Jurou que seria uma noite perfei¬ta. Seu
plano era bem simples. Ia deixar Bradford para
morrer de tanto desejo, fazendo-o ir até o limite, e
depois obrigá-lo a dizer-lhe o que
verdadeiramente sentia por ela.
Charity encontrou Caroline de pé diante do
espelho e ficou bo-quiaberta ao dar uma boa
olhada na prima.
— O Bradford vai perder a fala quando te vir —
previu Charity. — Pareces até Vénus, a deusa do
amor — murmurou.
— E tu estás tão linda quanto eu — retribuiu
Caroline com um sorriso.
Charity girou, mostrando-lhe o vestido verde-
limão que usava.
— Sinto-me imensamente feliz, Caroline. O amor
é que causa isso, sabe? Faz a pessoa sentir-se
extremamente animada.
Caroline não concordava, mas ficou calada.
Puxou o corpete do vestido, tentando levantá-lo só
um tantinho, até Charity comentar que ela ia
rasgar a peça e precisar mudar de roupa.
Caroline deu um suspiro e acompanhou a prima
até o andar de baixo, aguardando no vestíbulo
para cumprimentar os primeiros convidados.
— Paul e eu decidimos nos casar na Inglaterra —
revelou Charity a Caroline,
— Mas claro que sim — respondeu Caroline. —
Onde mais se casariam'?
— Em Boston — respondeu Charity, franzindo o
cenho. — Mas não queremos esperar, e não
ficaria bem viajarmos juntos, se não fôsse-mos
casados.
Os olhos de Caroline arregalaram-se, revelando
sua confusão.
— Mas vão morar aqui, Charity. Aqui é o
país do Paul. Vai só visitar a família, não?
Charity estava ocupada assistindo ao trabalho de
Deighton, que andava de um lado para
outro diante da porta, de modo que não viu a
expressão no rosto de Caroline.
__O Paul quer recomeçar a vida. Não tem
títulos de nobreza, portanto não vai deixar nada de
importante aqui. Mas também não épobre, e tem
planos grandiosos. Papai vai ajudá-lo a criar
raízes — ter¬minou Charity.
— Sim, claro — comentou Caroline. — O que ele
pretende fazer — E tentou parecer interessada,
mas de repente sentiu uma tristeza fenomenal.
Não achava que estivesse pronta para perder a
companhia de Charity. Sua prima era o único
vínculo entre ela e sua família de
Boston.
— Ele já conversou muito com o Benjamm —
disse Charity. — Paul quer comprar umas terras e
se tornar criador de gado. Benjamin já concordou
em ajudá-lo.
— Criador de gado? Charity, isso não vai dar
certo — previu Caroline, irritada. — Nas
colónias, pelo menos, não. Dá um trabalho
danado, ponto final. Trabalhar em uma fazenda é
serviço de tempo integral, todos os dias da
semana.
— O Paul está disposto a trabalhar com afinco —
respondeu Cha¬rity. — Está vagarosamente
recuperando o uso da mão que ficou ferida, e sabe
que meus irmãos também vão dar uma mãozinha.
— Sei — disse Caroline, com um suspiro. Ainda
estava refletindo sobre o comentário de Charity de
que Benjamin ia ajudar. Ela não tinha o direito de
pensar que ele permaneceria na Inglaterra com
ela. Por que então sentia que estava sendo
abandonada?
 campainha tocou, indicando que estavam
chegando os primeiros convidados, e Caroline deu
um sorriso forçado. Deighton parou à porta, virou-
se e lançou a Charity e a Caroline uma última
olhada, a título de inspeção. Demonstrando
aprovação com uma vénia, fez cara de
indife¬rente, e virou-se para abrir a porta. A festa
estava para começar.
Bradford foi um dos últimos a chegar. Caroline
resmungou, recla¬mando daquele atraso, assim
que o cumprimentou, e depois refletiu que esse
não era um começo muito bom para sua noite
perfeita. E as reações dele ao seu vestido não
foram muito positivas também. Em vez de lhe
dizer que ela estava lindíssima, ele cochichou para
ela uma agressiva in¬sinuação de que ela devia
voltar para o quarto e terminar de se vestir.
— Mas já estou pronta — argumentou Caroline.
Eles estavam parados à entrada do vestíbulo.
Milford veio unir-se aos dois, e também se virou
para ouvir a resposta de Bradford.
— Ela está muitíssimo bem, a meu ver, Brad —
anunciou Milford em tom aprovador, sem tirar os
olhos de Caroline.
— Não tem corpete nesse vestido — declarou
Bradford. — Suba e vista algo menos ousado.
— Não vou subir nada — respondeu Caroline,
enfaticamente.
— Estás indecente — ralhou Bradford. Milford
começou a soltar risadinhas disfarçadas, e tanto
Caroline como Bradford viraram-se e lançaram
um olhar furioso a ele, até fazê-lo parar.
Aí Caroline virou-se para enfrentar Bradford.
— Estou tão decente quanto tu, com essas tuas
calças.
— O que há de errado com minhas calças? —
indagou Bradford revoltado. O comentário dela
tinha-o pego desprevenido.
— São apertadas demais. Até fico admirada de
ver que não o te machucas ao sentar-te —
respondeu Caroline. E vagarosamente olhou o da
cabeça aos pés, admirando-lhe o corpo
secretamente. Ele era um homem e tanto, sim,
senhor! E também parecia muito distinto, assim
de traje formal de noite, refletiu Caroline,
Milford começou a rir de novo.
— Posso acompanhar-te até a mesa do jantar? —
perguntou a Caroline, oferecendo-lhe o braço.
— Eicaria encantada — respondeu ela. E pôs a
mão no braço de Milford, lançando um olhar
enregelado a Bradford. — Quando te lembrares de
tua educação, podes vir reunir-te a nós.
Bradford ficou parado ali, perplexo diante daquela
conversa. Come é que ela havia conseguido
colocá-lo assim na defensiva tão rapidamente.
sem esforço nenhum? E será que não fazia a
menor ideia de como e? sedutora com aquele
vestido? Duvidava que houvesse um homem ali
que não se sentisse tão excitado quanto ele ao vê-
la.
Caroline fingiu que não via Bradford durante todo
o jantar. Sen-tou-se à direita de Paul Bleachley e
conversou com ele e Milford, que estava sentado à
sua frente. Bradford sentou-se à direita de
Caroline. Ela nem mesmo olhou na sua direção.
Bradford não gostava de ser desprezado. Mal
tocou no seu prato, embora os comentários sobre a
comida fossem bastante favoráveis. Notou com
certa satisfação que Caroline também não estava
comendo muito.
Combateu a vontade de tirar a casaca e cobrir os
ombros de Caro¬line com ela e prometeu a si
mesmo que iria acabar com a raça do Nigel
Crestwall se ele continuasse a comer Caroline
com os olhos.
No meio da sobremesa, Bradford concluiu que já
tinha suportado demais. No início tinha
pretendido ir com calma, dar a ela tempo para
aceitá-lo, aceitar o fato de que ela pertenceria a
ele. Agora admitia que não tinha mais paciência
para esperar. Era hora de ter uma conversmha
com Caroline, e quanto antes melhor.
Caroline tentou concentrar-se nos comentários de
Milford sobre a ópera à qual todos iriam depois do
jantar, mas sua atenção ficou toda hora voltando-
se para Loretta Kendal, a esposa de Franklin. A
mulher de cabelos castanho-avermelhados não
escondia de ninguém que estava tentando jogar
charme para Bradford, e Caroline sentiu que iria
come-ter alguma loucura se Loretta não parasse
de flertar com ele em breve. Pensou em jogar uns
barquilhos de framboesa no vestido da mulher.
Aquele decote dela era amplo o suficiente para
que um bom número de barquilhos coubessem
dentro dele.
O jantar finalmente terminou, e as senhoras
ficaram de pé para sair. Os homens ficariam
tomando um drinque juntos, mas Bradford
rompeu essa tradição. Não estava disposto a falar
com ninguém a não ser com Caroline. Seguiu-a
depois que ela passou pela porta, agarrou-a pelo
cotovelo, e solicitou-lhe uma conversa em
particular. Fez a solici-tação de maneira muito
formal, porque Lady Tillman e Loretta Kendall
estavam de olho nele.
Caroline concordou com um gesto seco, por
educação, e respondeu:
— Se for importante... — Só para as senhoras que
estavam pre¬sentes escutarem. Conduziu
Bradford até o escritório do pai no térreo,
Irada com a fornia como Loretta devorava
Bradford com os olhos.
— Deixa a porta aberta, por favor — pediu
Caroline, em voz altiva.
— Não é conveniente que outros escutem nossa
conversa — anunciou Bradford. Sua voz parecia
tensa. Ele bateu a porta, encostou-se nela e olhou
fixamente para Caroline. — Venha aqui.
Caroline franziu o cenho ao ouvir aquela ordem
áspera. Ele estava querendo mandar nela! Será
que aos seus olhos ela era o mesmo que uma
criada? Obviamente não! Caroline procurou
controlar-se, achando c^; tinha acabado de atingir
o limite de sua tolerância.
E antes esperava que a noite fosse perfeita.
Perfeitamente horrive era uma descrição muito
melhor, e a noite nem tinha terminado. Ela ain¬da
ia ter que aturar a ópera. Se ela se descontrolasse,
Bradford é que sena o culpado. Primeiro aquele
arrogante tinha chegado uma hora depa do horário
marcado, depois tinha criticado seu lindo vestido,
flertado escandalosamente com uma mulher
casada, e agora tinha a audácia de exigir que ela o
obedecesse.
Respondendo a essa ordem, Caroline encostou-se
contra a escriva¬ninha de seu pai, cruzou os
braços sobre o peito e disse:
— Não sinto vontade, obrigada.
Bradford inspirou profundamente. Sorriu, mas
isso não lhe abran¬dou o olhar nem um pouco.
— Caroline, meu amor. Lembra-te de que me
disseste que eu não percebia quando alguém
estava me insultando?
Caroline confirmou que se lembrava. A pergunta
pegou-a no contrapé, e a brandura na voz dele a
enganou.
— Lembro-me, sim — respondeu, com um
sorriso.
— Pois agora devo avisar-te de que tu não sabes
quando sentir medo.
Caroline parou de sorrir. Seus olhos arregalaram-
se, demonstran¬do um pavor genuíno quando
Bradford avançou para ela.
— Não estou com medo — mentiu.
— Ah, mas devia estar — declarou Bradford,
baixinho.
Ela não teve saída. Antes mesmo de poder decidir
em que direçic correria, Bradford já lhe havia
agarrado pela cintura e estava puxando-a para si.
Não tirou os olhos dela nem um instante. Quando
ela já estava colada contra o seu peito, o rosto
erguido para olhar o dele, falou:
— Tu exibiste teus encantos, permitiste que todos
os homens da casa vissem teu corpo por completo,
me ignoraste, e agora procuras furtar-te a
obedecer a uma ordem minha. Sim, meu amor,
creio que este é um daqueles momentos em que
devias sentir medo.
Estava furioso. O músculo na lateral de sua
mandíbula denunciava isso, com um tique
nervoso, um sinal certo de que ele estava sentindo
uma dificuldade extrema de controlar-se.
Caroline ficou espantada diante daquelas
declarações dele. Inacreditável como ele tentava
inverter a situação, quando ele é que tinha se
comportado muito mal.
— Não exibi meus encantos — começou
Caroline. — O vestido da Loretta é bem mais...
ousado do que o meu. E tu é que flertaste,
Bradford, não eu. Não ouses olhar para mim desse
jeito furioso, flertaste com uma mulher casada, ou
te esqueceste de que ela é casada? Não esperou a
resposta dele, e prosseguiu:
— Eu te ignorei, sim, mas só depois que insultaste
meu vestido. Provavelmente foi um
comportamento infantil da minha parte, mas eu
queria que a noite fosse perfeita, e me irritei com
teus comentários Arrasadores.
— Por quê? — A expressão de Bradford era
indefinível, e Caroline conseguiu entender como
ele estava reagindo a esse argumento dela. —
Por que estava esperando que a noite fosse
perfeita?
Caroline voltou o olhar intencionalmente para a
gravata dele.
— Esperava que... tu... ou seja, acreditava que...
— Caroline suspirou. Não conseguiu continuar.
Bradford deixou-se amenizar pelo nervosismo na
voz dela. Parou de apertá-la e começou a
acanciar-lhe as costas.
— Vamos ficar aqui a noite inteira, se necessário
— avisou Bradford — até me dizeres o
que está se passando pela tua cabeça.
Caroline sabia que ele estava falando sério. Ela
concordou, depois disse:
— Esperava que me dissesses alguma coisa... boa!
Pronto, disse a verdade, e te agradeço por não rir.
Queria que me dissesses alguma coisa diferente de
'eu te quero'. E pedir muito, isso, Bradford?
Bradford sacudiu a cabeça. Obrigou-a a olhar para
o rosto dele, levantando-lhe o queixo com uma
das mãos.
— Não estou me lembrando de nenhuma palavra
gentil agora. Acho que seria melhor te esganar. Tu
vens me levando no bico faz me-ses. Pior ainda
— acrescentou, com um olhar que fez Caroline
tremer de medo — eu permiti isso, — E aí fez
uma pausa, decidido a falar baixo. — O caos
terminou, Caroline, e o jogo também; minha
paciência esgotou-se.
— Tens sido paciente porque esperaste que eu
admitisse que te
quero? — Cochichou essa pergunta, um recuo
proposital, para acalmá-
lo. A expressão de Caroline demonstrava-lhe a
tensão. — Eu te quero
sim. Pronto, gostaste que eu admitisse isso? Antes
de te gabares disso,
Bradford, compreende que no meu coração isso
não é suficiente. Tam¬
bém acontece que te amo. Portanto, mentalmente,
é aceitável querer-te
porque te amo.
A irritação de Bradford esvaiu-se com essa
declaração da moça. Ele viu-se sorrindo, radiante,
sentindo uma satisfação que quase o fez perder os
sentidos. Estava contente. Inclmando-se, tentou
beijar Caroline, mas ela desviou-se, sacudindo a
cabeça bruscamente.
— Não faças essa cara de pretensioso, Bradford.
Não queria me apaixonar por ti. Não és um
homem apropriado para se amar. Por que não
escolhi alguém como o Paul Bleachley, jamais
saberei. Acho que a afeição por ti brotou
espontaneamente em mim — continuou Caroline,
— mas as verrugas também aparecem
espontaneamente, portanto essa não é uma
explicação satisfatória, é? — E suspirou de novo,
dessa vez resignada. — E agora, vais me beijar até
me fazer perder os sentidos, não vais?
Bradford sorriu e depôs um beijo casto no alto da
cabeça de Caro¬line. Inspirou sua doce fragrância
e sentiu-se embriagado por ela.
— Eu realmente desejaria que não fizesses isso,
Bradford.
— Achavas mesmo que poderias usar esse vestido
e não ser beijada?
— Achava. — Foi um mero sussurro contra a
boca de Bradford. E aí ele a beijou, e ela retribuiu
o beijo, a boca dele tão cálida, sua língua como
um calor sedoso penetrando-lhe entre os lábios e
acariciando a língua dela. Caroline passou os
braços em torno da cintura de Bradford,
exatamente como os braços dele circundavam a
dela, e permitiu que ele a enredasse na sua teia
mágica de paixão.
O beijo finalmente terminou e Bradford precisou
segurar Caroline para ela não cair. Ela descansou
a face contra a face dele, esperando que ele lhe
dissesse o que tinha no coração.
— E assim tão doloroso me amar? — indagou
Bradford. Ela só per¬cebeu na voz dele um certo
divertimento, e ficou irritada ao percebê-lo.
— Exatamente como uma dor de estômago —
disse-lhe Caroline. — Passei tanto tempo te
detestando, acostumada com esse sentimento, e de
repente, isso bateu em mim.
— A dor de estômago ou a constatação do teu
amor por mim? —disse Bradford, rindo da
comparação dela. — E ainda me acusas de não ser
romântico!
Uma batida discreta na porta interrompeu a
conversa. Caroline ficou frustrada, pois estava
certa de que Bradford estava para lhe con-fessar
que a amava.
— Brad? Aimsmond gostaria de trocar uma
palavra contigo — era a voz de Milford, e parecia
contrariada.
— Provavelmente deixaste meu tio zangado por
me arrastar até aqui — disse Caroline. — Vou
procurá-lo e trago-o para falar contigo —
acrescentou ela, ao dirigir-se para a porta. — E
não penses que nossa conversa terminou,
Bradford. — Com essas palavras de advertência,
Caroline fechou a porta e saiu.
Caroline esperava ver Milford esperando do outro
lado, mas ele tinha ido embora. Parou um
momento para ajeitar os cabelos e arrumar a saia,
depois se apressou a voltar para o salão. Nigel
Crestwall, oculto pelas sombras, agarrou-a quando
ela estava para contornar a esquina. Aquele
homem revoltante prendeu-a contra a parede antes
que ela pu-desse soltar uma única palavra de
protesto. Começou a depositar beijos molhados e
gosmentos no seu pescoço e a sussurrar sugestões
obsce¬nas nos seus ouvidos. Caroline ficou tão
indignada que não conseguiu empurrá-lo
imediatamente para longe de si.
Finalmente começou a reagir, exatamente quanto
Bradford dobrou a esquina e os viu.
Nigel nem percebeu o que o atingiu. De repente,
já estava voando pelo espaço e aterrissando contra
a porta dos fundos, produzindo um ruído abafado.
O vaso sobre a mesa ao lado do corpo de Nigel
balançou e caiu sobre sua cabeça.
Caroline olhou para Crestwall durante um minuto
inteiro, tre-mendo de nojo.
— Isso foi culpa sua — resmungou Bradford, e
Caroline ficou tão surpresa pela veemência dessa
afirmação que olhou espantada para ele.
Ficou verdadeiramente assustada então, pois
nunca tinha visto tanta raiva no rosto dele antes. A
prepotência estava de volta, tanto na sua postura
intimidadora quanto na sua expressão, e Caroline
sentiu medo dele.
Sacudiu a cabeça, tentando afastar o medo, e
procurou continuar olhando para ele.
— O homem me atacou, e a culpa é minha? —
indagou ela, baixinho.
Nigel estava tentando ficar de pé, olhando para
um lado e outro, e Caroline viu que ele estava
procurando por onde escapar. Bradford ficou de
olho nele enquanto dizia para Caroline:
— Se não te vestisses como uma rameira, não te
tratariam como se fosses uma.
Essa declaração ficou no ar entre eles. Caroline
deixou de sentir medo e ficou indignada.
— E essa a desculpa que dás a ti mesmo quando
me tocas? Que sou uma mulher da vida, e,
portanto, é aceitável?
Bradford não respondeu a essa acusação dela.
Nigel estava procu¬rando sair de fininho, os olhos
demonstrando pavor. Bradford estendeu um
braço, agarrou-o pelo colarinho, e empurrou-o
com violência contra a parede, deixando os pés do
homem pendurados sem apoio. — Se voltares a
encostar um só dedo nela, eu te mato. Estamos
entendidos?
Nigel não podia responder, pois Bradford,
pressionando-lhe o pes¬coço, evitava que ele
emitisse qualquer som, mas conseguiu concordar
com a cabeça. Bradford soltou-o e continuou de
olhos pregados nele até ele correr até a porta da
frente, abri-la e sumir na noite. Caroline
perguntou-se se Rachel teria notado o súbito
desaparecimento do noivo, e depois deixou aquele
assunto de lado.
Bradford então voltou sua fúria contra Caroline.
Colocou-se à sua frente, bloqueando-lhe o
caminho. Caroline endireitou os ombros e disse:
— Nada fiz para provocá-lo. E deves confiar em
mim nesse parti¬cular. Não viste o que aconteceu.
— Não menciones a palavra confiança para mim
outra vez! Senão eu te dou uma surra! Ê hora de
nos entendermos, Caroline.
— Ah aí estás, Bradford — e a voz do marquês
rompeu a tensão. Caroline foi a primeira a mover-
se. Virou-se, fez força para sorrir, e assistiu ao tio
Milo aproximando-se lentamente deles.
— Vou para casa agora — explicou o marquês.
Pegou a mão de Caroline e sorriu. — Vais vir me
visitar de novo amanhã? — pediu ele à sobrinha,
num tom de voz ansioso.
— Claro, como não — concordou Caroline com
um sinal afirmativo.
— Excelente! Bradford, espero vê-lo à minha
porta em breve, meu rapaz — declarou o marquês.
— Eu o visitarei em breve — respondeu
Bradford. Caroline notou que em seu tom havia
certa deferência, sem qualquer nuance de raiva.
Ela deduziu então que ele era mais sofisticado do
que ela quando se tratava de controlar emoções.
Ainda sentia vontade de gritar, e rezou para que
essa vontade não lhe transparecesse no rosto!
— Estão se preparando para sair agora —
informou o marquês. — A Loretta vai deixar-me
em casa no caminho para outro compro-misso. —
E virou-se, Caroline segurando-lhe o braço, para
ir até a porta. — Não sei para onde foi o Franklin
— continuou. — Assim
que o Brax anunciou com quem iria, Franklin
simplesmente se levantou e saiu sozinho.
Caroline sentiu que Bradford estava atrás dela.
— Vou com meu pai — anunciou ela.
— Não — comentou o tio. — Ele vai acompanhar
a Lady Tillman e a Rachelzinha. Não sei onde se
meteu o Nigel, mas imagino que vai aparecer mais
cedo ou mais tarde. Milford sugeriu que fosses
com ele e o sr. Bradford.
Caroline sentiu seus ombros caírem. Não queria ir
com Bradford a lugar nenhum. Precisava de um
tempo longe dele para examinar me-lhor seus
sentimentos. A única maneira de ela se hvrar de
sua raiva era encontrar um canto tranquilo onde
refletir. Não era possível pensar muito quando
Bradford estava por perto. Além do mais, ela
disse a si mesma, precisava estar em plena forma
quando encetasse sua esgrima com Bradford. E
agora se sentia decididamente... sem forças.
Caroline pensou em inventar uma enxaqueca.
Levou o dorso da mão à cabeça em um gesto
dramático, pensando ao mesmo tempo na covardia
com que estava agindo.
— Não estou me sentindo... — e não terminou a
frase. A porta tinha acabado de fechar-se atrás do
marquês, e alguém virou Caroline bruscamente
para si. Colocaram-lhe a capa sobre os ombros, de
um jeito um tanto brusco.
— Que foi? Está sentindo dor de estômago? —
perguntou Bradford com um tom preguiçoso,
enquanto ajeitava a gola da capa da moça.
Caroline procurou fingir que não tinha entendido
sua pergunta. Sabia que ele estava se referindo a
seus comentários anteriores de que o amava, e não
considerou aquilo nem um pouco engraçado.
Arriscou-se a olhar para cima, viu que a expressão
de Bradford ainda era séria, e percebeu que ele
não considerava aquilo engraçado também.
Milford chegou, permitiu que Deighton abrisse a
porta para ele, depois os seguiu até a rua.
Conversou sobre a ópera, comentando que a
soprano italiana era considerada espetacular, mas
Caroline não pres¬tou lá muita atenção. Subiu na
carruagem e acomodou-se no meio do banco
acolchoado revestido de couro. Milford seguiu-a e
sentou-se no banco em frente a ela. Bradford se
sentaria ao lado do amigo, pensou Caroline.
Mas Bradford não tinha a menor intenção de
sentar-se longe dela. E também entrou na
carruagem feito um touro em loja de louças.
Ca¬roline saiu de baixo dele bem a tempo,
agarrando a saia do vestido, para ele não pisar em
cima dela, encostando-se contra a parede lateral
da carruagem.
Caroline passou a viagem toda para o teatro
calada. Sabia que Mil¬ford devia ter sentido a
tensão no ar e não se importava nem um pouco
com o mal-estar dele. Não tinha sido ideia dele,
viajarem os três ]untos?
Bradford pareceu descontrair-se um pouco ao
conversar com o amigo. Ignorou Caroline
exatamente como ela fizera com ele. Mas sentou-
se tão perto dela que seu braço roçava
continuamente contra o corpo dela, e sua
musculosa perna estava colada à dela.
— Caroline, estás muito calada — comentou
finalmente Milford. — Não estás te sentindo
bem?
— Está com dor de estômago — anunciou
Bradford, em voz entrecortada. — Uma dor que
não vai passar. Assim que ela se conformar, vai se
sentir bem melhor.
Milford demonstrou sua perplexidade diante dos
comentários do amigo. Olhou de relance de um
para outro, várias vezes.
__Existem remédios específicos para uma dor de
estômago odiosa, insuportável e avassaladora —
respondeu Caroline. E seu tom de voz denotava
tensão.
Bradford não respondeu. Milford fez cara de
quem estava ouvindo Caroline falar em um
idioma estrangeiro, que ele não conhecia.
Caroline então sorriu para Milford. Bradford
estava conseguin-do de novo tirá-la do sério.
Também estava deixando-a decididamente
nervosa. Começou a rir, e só balançou a cabeça
quando Milford ergueu uma sobrancelha
interrogativamente.
A ópera foi magnífica, e Caroline divertiu-se de
verdade. Bradford ficou ao seu lado e apresentou-
a a várias pessoas. Brummell também veio e
piscou para Caroline bem na frente de um grupo
imenso.
Bradford e Caroline mal trocaram uma palavra.
Diante do teatro, enquanto todos aguardavam a
carruagem, uma multidão se acotovelava. Tinha
começado a chover, e várias senhoras soltavam
gritinhos, contra¬riadas. Caroline ficou entre
Milford e Bradford, sem nem sequer notar a
chuva, e esperou até a carruagem de Bradford
chegar.
Quando o veículo parou diante deles, Bradford
abriu a porta e ajudou Caroline a entrar. Parecia
preocupado e de repente voltou-se e andou até a
frente da carruagem. Quando voltou e reuniu-se a
Milford e a Caroline, estava de cara fechada.
— Correm boatos de que teu pai vai casar-se com
Lady Tillman — Milford comentava com
Caroline quando a carruagem partiu.
Caroline estava olhando pela janela, pensando que
estavam certa¬mente voltando, pois a carruagem
devia ter dobrado à esquerda, descen¬do a rua
príncipal, e não ir na direção em que iam agora.
Franziu o cenho quando pediu a Milford para
repetir o seu co-mentário e, lançou um rápido
olhar a Bradford. Ele estava olhando para algum
ponto ao longe, obviamente perdido em
pensamentos.
— Meu pai parece que está interessado na Lady
Tillman, sim — respondeu Caroline. Voltou a
olhar pela janela, procurando evitar o assunto, e
de imediato notou a abrupta mudança de
localidade.
— Baixa a cortina! — Essa ordem súbita, dada
por Bradford, abalou Caroline. Ele parecia
furioso. — Droga, minha intuição falhou — disse
a Milford.
Caroline não entendeu o que ele estava dizendo a
Milford. Os dois homens entreolharam-se e depois
sacaram suas pistolas.
A carruagem tinha acelerado, e Caroline
preparou-se para o pior. Bradford passou-lhe o
braço ao redor dos ombros e puxou-a para perto
de si, dando-lhe o apoio de que ela precisava.
— Mas para onde está indo o Harry? — indagou o
Milford, referindo-se ao cocheiro da carruagem.
— Não é o Harry — respondeu Bradford. — Sua
voz agora estava mais calma, e Caroline pensou
que ele estava tentando se controlar por causa
dela, de forma que ela não se alarmasse.
Uma série de emoções entrechocavam-se dentro
de Bradford. Ele estava furioso consigo mesmo
por não prestar mais atenção, por aceitar a
explicação do cocheiro de que Harry tinha ficado
doente e tinha-o mandado substituí-lo, mas acima
de tudo, preocupava-se por Caroline, por medo
que ela se ferisse. Caroline tinha se envolvido
naquilo contra a sua vontade. Alguém estava
querendo matá-lo, provavelmente por seu
envolvimento com o esforço de guerra, mas quem
quer que fosse tinha cometido um erro. Tinha
envolvido Caroline, e morreria por isso.
Milford ergueu a pontinha da cortina, exatamente
quando o co-cheiro pulou da boleia.
— O cocheiro pulou — disse ele, com
naturalidade. Bradford apertou Caroline com mais
força exatamente quando uma das rodas soltou-se
do veículo.
O barulho foi ensurdecedor! A cortina caiu, e
Caroline viu as fa-gulhas que o metal soltou ao
entrar em atrito com as pedras da rua. Milford
apoiou os pés no banco em frente a si, e Bradford
fez o mesmo. Comprimiu os ombros largos contra
um dos cantos da carruagem, e puxou Caroline
bruscamente para o seu colo, a cabeça protegida
contra o seu peito.
A carruagem caiu de lado, com tamanha violência
que Caroline perdeu o fôlego. Ouviu os cavalos
correndo, sabia que os arreios deviam ter se
rompido, libertando-os, e ficou aliviada por não
ter sido arrastada para baixo pelo peso da
carruagem.
Bradford foi quem recebeu a maior parte do
impacto. Acabou em baixo daquele amontoado de
gente, com Caroline sobre si e Milford caído em
cima dos dois.
Caroline abriu os olhos devagar e viu a pistola de
Milford a apenas uns dois centímetros do seu
nariz. Empurrou-a com toda a delicadeza com a
mão até a pistola apontar para outro lado,
enquanto continuava a tentar recuperar o fôlego.
Soltou um gemido, mais pelo peso de Milford do
que pela posição bizarra na qual estavam suas
pernas, e Milford imediatamente rolou para baixo,
saindo de cima dela. Caroline começou a sentar-
se, e perce¬beu que suas pernas estavam uma de
cada lado dos quadris de Bradford. Na mesma
hora procurou rapidamente comprimir-se de
encontro a ele. Procurou erguer uma das pernas,
perdeu o equilíbrio, e o seu joelho enfiou-se entre
os joelhos dele.
Bradford soltou um gemido e agarrou Caroline
pelos quadris.
— Pelo jeito não estás ferida — comentou ele
com uma careta que alarmou Caroline. Ela
estendeu a mão e afagou um lado da cabeça dele.
— Estás bem? — perguntou. O medo
transpareceu em sua voz, e Bradford percebeu que
ela tinha ficado mais assustada pelas lesões que
ele poderia ter sofrido do que pelo que tinha
acabado de acontecer.
Ele precisou afastar os cabelos dela do seu rosto
para vê-lo.
— Se não tirares logo teu joelho daí, serei para
sempre um eunuco — disse-lhe baixinho.
Milford ouviu o comentário e riu baixinho.
Caroline corou e de-pois voltou a gemer, quando a
bota de Milford a acertou.
Milford pediu desculpas enquanto segurava a
porta e depois saiu. Bradford protegeu a cabeça de
Caroline das botas de Milford enquanto o amigo
tomava impulso e passava pela porta. Depois
puxou Caroline pela abertura.
A carruagem estava caída de lado, e Caroline
contornou-a para avaliar seu estado, enquanto
Bradford saía de dentro dela.
Bastou um olhar para Bradford ver que tinham
vindo parar bem no meio do bairro mais pobre de
Londres. Uma multidão já havia se formado, mas
eles todos estavam olhando embasbacados para
Caroline, em vez de olharem para a carruagem.
Bradford resmungou alguma coisa bem baixo para
Milford e depois contornou o veículo, puxando
Caroline para perto de si.
Caroline notou então que tanto Milford quanto
Bradford ainda estavam de arma em punho.
Percebeu que o perigo ainda não tinha passado de
todo.
Bradford viu a placa que indicava uma notória
taverna no meio da rua e disse a Milford:
— Leva Caroline para dentro enquanto encontro
alguém que quei¬ra ir buscar socorro.
Milford concordou e Caroline viu-se subitamente
arrastada para perto dele e levada pela mão. Olhou
de relance para Bradford lá atrás e estava para
avisá-lo para tomar cuidado, só que mudou de
ideia. Ela não queria que as pessoas pobres que os
olhavam pensassem que ela podia estar
preocupada com a segurança deles naquele lugar.
Só isso já podia lhes dar alguma ideia indesejável.
— 'O Diabrete' — anunciou Caroline ao ler a
placa pendurada meio torta sobre a porta da
taverna. — Nome mais estranho. Vamos entrar e
cometer diabruras aí dentro, é? — perguntou a
Milford. Sua voz estava trémula e as pernas
tinham começado a tremer, e ela sabia
que estava finalmente reagindo ao acidente.
Milford revelou-se uma influência
tranquilizadora. Sorriu, apertou-lhe o ombro para
acalmá-la, e depois abriu a porta para eles
entrarem.
— Senhora Caroline — disse Milford, em voz
muito formal, — estou para apresentar-lhe a arte
de frequentar os bairros pobres. Estás ansiosa para
tomar a primeira lição? — indagou, dando aquele
sorriso de velhaco do qual Caroline tinha passado
a gostar.
— Imensamente — respondeu Caroline,
retribuindo o sorriso. Ela entrou na sala repleta de
fumaça e logo de cara sentiu-se totalmente
deslocada. Seu vestido elegante e capa de peles
eram um contraste ex-tremo com as roupas
marrons e cinzentas de camponês que os fregueses
da taverna usavam.
O salão estava apenas pela metade, e Caroline
estimou que não havia mais de cinquenta
fregueses olhando embasbacados para ela.
Mil¬ford cutucou-a, instigando-a a prosseguir, até
que eles chegaram no final do balcão do bar. Ela
percebeu então qual era a intenção dele. Ele a fez
sentar-se a um canto, para suas costas ficarem
protegidas, e depois assumiu seu lugar, de pé
diante dela.
O dono daquele estabelecimento desprezível
finalmente deixou de olhar para os dois
maliciosamente e perguntou-lhes o que iam pedir.
Milford disse ao homem que por enquanto dois
conhaques seriam mais do que suficientes. E
como estava muito bem-humorado, gostaria de
pagar uma rodada para todos.
O silêncio antes da declaração de Milford de que
pagaria uma rodada de bebidas foi desalentador.
Um grito de aceitação se fez ouvir e depois se
ouviram pedidos de cerveja e uísque ecoando ao
redor de Caroline.
— Boa jogada, Milford — elogiou Caroline. —
Transformaste possíveis inimigos em amigos em
apenas alguns minutos. Mereces os meus
parabéns. — Caroline viu-se obrigada a dirigir seu
cumprimento ao ombro de Milford, pois ele se
recusou a virar-se e olhar para ela.
Tinha colocado a pistola no coldre outra vez, mas
sua posição sugeria que ele ainda estava
preparado para qualquer eventualidade.
— Estou quase sentindo saudade — admitiu
Milford, deixando perceber que estava achando
graça. — Faz anos desde que me meti na minha
última briga de bar, meu Deus.
Caroline sorriu, mas o sorriso sumiu quando a
porta da taverna abriu-se com estrondo e um
grupo heterogéneo de homens mal-enca-rados
entrou.
— Pode ser que ainda possas realizar teu desejo
— cochichou Caroline, enquanto observava os
homens que a olhavam cobiçosos.
Fez-se silêncio, e um dos homens, um homem
alto, com uma pança imensa, que parecia não ter
tomado banho nos últimos dez anos,
vaga¬rosamente começou a avançar na direção
deles.
— Deixa eu dar uma olhada nessa pombinha que
está escondendo aí — exigiu ele. E estendeu a
mão para empurrar Milford para um lado assim
que terminou sua ordem, mas Milford ficou firme
onde estava.
— Fique quietinha aí — recomendou Milford a
Caroline com um suspiro de resignação. E em
seguida, deu início à pancadaria. O punho de
Milford atingiu a mandíbula do homem imundo, e
ele foi rodopiando para trás. Os amigos dele
imediatamente entraram na briga.
Caroline assistiu, horrorizada, enquanto desviava-
se de copos e corpos. Era uma briga totalmente
desigual, e ela ficou preocupada por Milford,
achando que ia sair muito ferido.
O dono da taverna então decidiu aproveitar o
momento e estendeu a mão, puxando Caroline
pelos cabelos, procurando arrastá-la para si, em
torno da esquina do balcão do bar. Ela soltou um
grito e imediata¬mente se arrependeu, pois sua
voz interrompeu Milford. Ele se virou para olhá-
la, ficando imediatamente vulnerável.
— Preste atenção! — gritou Caroline ao pegar
uma garrafa cheia de uísque no balcão do bar e
dar uma pancada com ela no dono da taverna. A
criatura odiosa caiu no chão com grande
estardalhaço, e Caroline correu a pegar mais
garrafas atrás do balcão. Percebeu que Milford
precisava de ajuda, e começou a jogar garrafas
nos homens que tentavam derrubá-lo.
Sua mira não era tão boa assim, e um homem foi
até o bar, quase conseguindo pular o balcão antes
que ela pudesse deixá-lo desacordado para deter
seu avanço. Ele caiu com um gemido alto,
pendurado sobre o balcão.
Vários outros fregueses tinham entrado na briga, e
agora Caroline não sabia mais exatamente quem
estava do lado de quem. Como todas as garrafas
da prateleira atrás dela tinham desaparecido,
Caroline pre¬cisou procurar mais munição e
armas embaixo do balcão. Empurrou a caixa de
dinheiro para um lado, para tirá-la do caminho, e
encontrou novo arsenal. O dono devia ter
precisado enfrentar muitas brigas antes, porque
Caroline encontrou ali várias facas compridas e
curvas, duas pistolas carregadas e um porrete
pesado demais para ela levantar, muito menos
usar.
Caroline escolheu as pistolas. Pôs uma sobre o
balcão do bar e segurou a outra. As chances agora
estavam do lado de Milford, concluiu ela, embora
achasse que ele, ocupado em tentar derrubar três
homens de uma vez só, não devia estar
percebendo isso.
Um brilho de aço chamou a atenção de Caroline.
Um homem de pé no canto oposto ergueu o braço
e estava para lançar uma faca nas costas de
Milford. Caroline disparou imediatamente. A faca
caiu e o homem gritou, indignado.
A briga parou, e todos, inclusive Milford,
viraram-se para olhar para o homem, que estava
apertando a mão ferida com a mão sã.
E depois todos se viraram para olhar para
Caroline, e ela sentiu que devia dar algum tipo de
explicação.
— Nada de facas na briga — anunciou ela em tom
afetado e auto¬ritário. Sua intenção era clara. Ela
pegou a segunda pistola e olhou para Milford. —
E então? — perguntou, quando viu que ele estava
parado, olhando-a boquiaberto. — Vai continuar,
ou devemos sair?
Milford soltou um urro, agarrou dois homens pelo
pescoço e bateu as cabeças deles uma contra a
outra. Ambos caíram exatamente na hora ern que
um terceiro atacou. E o tempo todo Caroline
aguardou pacien¬temente a briga terminar.
Terminou antes do que ela imaginava. A porta da
taverna bateu contra a parede, soltando-se das
dobradiças. O som podia não ter sido suficiente
para distrair os homens e interromper a briga, mas
o urro emitido pelo homem que surgiu à entrada
certamente foi.
Bradford parecia mesmo pronto a matar alguém.
Caroline sentiu alívio por ele estar ao lado dela.
— Você demorou demais! — berrou Milford,
entre um soco e outro.
Bradford encontrou Caroline. Ela lançou-lhe um
sorriso, mostran¬do-lhe logo que estava bem, e a
expressão dele imediatamente passou de fúria
para interesse casual. Caroline viu-o tirando a
casaca, dobrando-a cuidadosamente, e colocando-
a sobre o encosto de uma cadeira de ma¬deira.
Ele estava demorando de propósito! Milford
voltou a chamá-lo, e Bradford finalmente entrou
na briga.
E encerrou-a bem depressa, por sinal. Caroline,
muito embora sou¬besse que ele era forte, agora
estava admirada diante de tanto vigor. Ele nem
mesmo demonstrou estar fazendo esforço, mesmo
quando levantou um homem que pesava o dobro
do peso dele e jogou-o porta afora. De¬pois dele,
jogou outro, depois mais outro, até a calçada ficar
juncada de gente caída gemendo. Bradford
agarrou o último que estava em cima do Milford, t
chutou-o porta afora sem perda de tempo.
Ainda parecia impecável, embora seus cabelos
estivessem meio re¬voltos. Milford, por outro
lado, estava lamentável. Sua casaca estava
rasgada, as calças imundas. Caroline viu-o
flexionar as mãos e ajeitar a gravata.
— Bebidas por conta da casa — anunciou
Caroline, fazendo ambos virarem-se para ela. —
Isto é, se eu puder encontrar alguma garrafa.
— Pois eu creio, minha cara, que todas foram
quebradas — co¬mentou Milford.
— Tu estavas encarregado de defendê-la —
resmungou Bradford, exasperado. — Caroline, sai
de trás desse balcão. O carro de aluguel está à
nossa espera.
Caroline concordou e vagarosamente foi passando
por cima dos corpos que estavam caídos no
caminho. Bradford foi até lá ver o que estava
impedindo Caroline de sair e sacudiu a cabeça.
— Não vou perguntar nada — comentou com
Milford, que tinha vindo até o seu lado.
— Ê melhor mesmo — respondeu Caroline. —
No seu modo de ver, eu devia estar desmaiada ou
desfeita em lágrimas agora, não? Mil¬ford?
Visitar o bairro pobre é mesmo muito divertido —
prosseguiu. — E briga de bar é uma coisa
sensacional. Por que parou?
Milford riu e Bradford franziu o cenho. Pegou a
mão de Caroline e puxou-a para fora da taverna.
O veículo de aluguel era apertado, e Caroline foi
obrigada a sentar-se no colo de Bradford. Ele
estava de cara amarrada, e Caroline achou que ele
nem mesmo estava prestando atenção à conversa.
Sabia que não estava zangado com ela, pois lhe
acariciava uma face distraidamente enquanto
espiava pela janela.
Quando a carruagem parou diante da casa de
Caroline ela sorriu para Milford e disse:
— Mas que noite fantástica, cavalheiro! Primeiro
uma ópera, de¬pois uma briga de bar! E nunca
tinha visto nenhuma das duas antes!
Bradford saiu do carro de aluguel corn dificuldade
e ficou para¬do esperando para ajudar Caroline.
Milford deteve-a um pouco mais, segurando-lhe a
mão e beijando-lhe a palma.
— Até nossa próxima aventura, Lady Caroline. —
Seus olhos cin¬tilavam travessos, e Caroline riu
agradecida.
— Não vai haver mais aventura nenhuma —
declarou Bradford em um tom que soou bastante
decidido.
Caroline permitiu que ele a ajudasse a descer do
veículo, e mansa¬mente seguiu-o até a porta.
— Bradford, estás mesmo zangado comigo? —
perguntou baixinho.
— Não permitirei que corras nenhum risco —
Bradford respondeu. Pegou os seus ombros e
puxou-a para perto de si para abraçá-la. — Não
quero que aconteça nada a ti. — E inclinando-se,
beijou-a no rosto.
Deighton abriu a porta, e Caroline, relutante,
entrou na casa. Ficou decepcionada por Bradford
não segui-la.
A conversa deles teria que esperar até o dia
seguinte, pensou ela. Aí ele admitiria que a
amava. E tudo seria maravilhoso.
CAPITULO 9

— Alguém soltou a roda da carruagem de


propósito — disse Bradford a Milford assim que
eles seguiram caminho. — Foi por isso que ela
saiu.
— Estás fazendo inimigos de novo, Brad? --
indagou Milford. Agora não estava sorrindo.
Caroline estava segura dentro de casa, e ele podia
demonstrar sua preocupação e raiva. — Podíamos
ter morrido.
— Quem está atrás de mim não é de perder tempo
com detalhes —comentou Bradford. — Caroline
não tem nada a ver com isso, e não vou mais
permitir que corra perigo algum.
— Que planejas fazer: — indagou Milford. Estava
com a testa franzida de preocupação, exatamente
como Bradford.
— Vou descobrir quem está por trás disso e
acabar com ele — previu Bradford. — Mas até
conseguir, vou parar de visitar Caroline. Para
todos os efeitos, rompemos o namoro.
— Explicarás tudo a ela, não; — perguntou
Milford. Concordava que Bradford evitasse sair
com Caroline até a ameaça passar. Mas tam¬bém
pensava nos sentimentos de Caroline e em como a
separação iria fazê-la sofrer.
— Não. É melhor ela também achar que não
estamos mais um com o outro. Perdi o interesse.
Senão ela não vai se portar de maneira muito
convincente. E imprescindível que todos
acreditem, senão ela pode ser usada como arma
contra mim.
— E Braxton? Vais falar com ele?
Bradford sacudiu a cabeça.
— Não. Ele pode não resistir e contar tudo a
Caroline.
— E por onde começamos? — perguntou Milford.
— Quanto
mais cedo encontrarmos o homem, melhor. Pelo
Harry, que tal?
Bradford concordou.
— E também vou falar com meus amigos do
Ministério da
Guerra.
— Quando tudo isso terminar, vais ter uma outra
guerra nas
mãos... — decretou Milford.
E ambos disseram o nome dela juntos.
As duas semanas seguintes foram insuportáveis
para Caroline. A princípio, ela simplesmente se
recusava a crer que Bradford a tivesse
abandonado. Usava todas as desculpas, todos os
argumentos imaginá-veis, até a noite em que deu
de cara com ele na residência dos Almacks e
Bradford agiu como se ela fosse invisível. Nessa
hora, Caroline precisou aceitar a verdade. Estava
tudo terminado.
Charity ficou ainda mais nervosa do que Caroline.
Resmungava sem parar, revoltada, dizendo que
Bradford merecia uma boa surra de chicote. E
inadvertidamente fazia Caroline sofrer mais,
contando to¬das as fofocas que corriam sobre as
atividades notórias de Bradford. O duque de
Bradford tinha voltado à pândega, supostamente
levando para a cama a maioria das mulheres de
Londres. Viam-no todas as noites, cada vez com
uma mulher diferente pelo braço. Tinha voltado a
ser como antes, participando de jogos de azar e
bebendo em excesso. Todos, inclusive Charity,
acreditaram que Bradford estava se divertindo
como nunca.
Depois de dar de cara com Bradford na casa dos
Almacks, Caroli¬ne resolveu recusar todos os
outros convites. Ficava em casa noite após noite.
Escreveu uma longa carta para Caimen,
desabafando sua mágoa, mas depois de Deighton
a. remeter, arrependeu-se desse impulso. A carta
só levaria preocupação ao primo, e não havia nada
que ele pudesse fazer para ajudá-la.
O conde de Braxton não fazia a menor ideia da
tensão que Caroline estava enfrentando. Ela
sempre o cumprimentava com um sorriso
pron¬to, e a seus olhos parecia inteiramente
contente. Ele aceitou sua desculpa de que ela
estava cansada de ir sempre a tantas festas e
queria ficar em casa para concentrar-se no
planejamento do casamento de Charity.
Caroline fingia assim para o pai ter paz de
espírito. Percebia que sua relação com o conde era
no máximo superficial, mas só desejava evitar que
se preocupasse com ela. Ele perguntou por que
Bradford não aparecia, e toda vez Caroline lhe
dizia que eles haviam decidido terminar o
namoro.
Na segunda de manhã chegou uma carta de
Boston. Trazia as últimas notícias, e uma lista
imensa de perguntas sobre as atividades de
Charity e Caroline. O tio Henrv deu a aprovação
para o casamento de sua filha, e incluía um pedido
para Benjamin voltar a Boston assim que possível.
Todos precisavam muito de suas orientações
sobre os novos cavalos recentemente adquiridos e
os sete potros nascidos na primavera anterior.
Benjamin estava ansioso para voltar. Caroline
podia ver essa ânsia em seus olhos.
— Estás com saudades de casa, não? — provocou
ela.
— Não sei como vamos nos sair sem ti —
comentou o pai de Ca-roline. — Vamos voltar a
passar fome — acrescentou. Deixou os dois a sós,
para tratar dos preparativos para a viagem.
Caroline também não sabia como iria ficar sem o
Benjamin, em-bora não revelasse a ninguém essa
preocupação.
— Nós passamos por tudo juntos, não? —
indagou
Caroline.
Ela sorriu e disse:
— Ê verdade. — E não pôde resistir à vontade de
lhe dar um abraço. — Jamais te esquecerei, meu
amigo. Tu sempre me ajudaste quando precisei de
ti.
Na segunda-feira seguinte, Caroline acompanhou-
o ao cais do porto. O conde tinha providenciado
um guarda-roupa muito elegante para Benjamin,
incluído um sobretudo grosso.
— Lembras-te de quando me encontraste no
estábulo? — pergun¬tou Benjamin, quando eles
se despediram.
— Parece que foi há um século — respondeu
Caroline.
— Agora estás por tua conta, menina. Fico, se me
pedires — acres¬centou. — Devo-te a minha
vida.
— Assim como eu te devo a minha — respondeu
Caroline. — Teu futuro é em Boston, Benjamin.
Não te preocupes comigo.
— Se um dia precisares de mim... — começou
Benjamin.
— Eu sei. — interrompeu Caroline. — Tudo vai
correr bem co-migo, juro.
Naturalmente, ela não estava bem, e chorou
durante toda a viagem para casa.
Era difícil não se entregar à autopiedade. Caroline
fez tudo que podia para conservar-se animada. A
primeira nevasca cobriu Londres, e ela ainda não
tinha tido notícias de Bradford.
Ela aceitou um convite de Thomas Ives e
acompanhou-o a um jantar oferecido por Lady
Tillman. Foi uma festa chatíssima, mas ao ir,
Caroline agradou seu pai.
No dia seguinte, foi visitar o seu tio Milo.
Frankhn ainda não tinha chegado, e ela e o
marquês tiveram uma conversa agradável. Ele
tinha ouvido falar que Benjamin tinha partido para
Boston, e lhe pediu para explicar-lhe sua relação
com ele.
— Eu o encontrei no estábulo um dia — disse
Caroline. — Era um escravo fugido, e tinha vindo
de muito longe, das Virgínias. — Ca-roline não
lhe deu maiores detalhes, e o tio foi obrigado a
provocá-la a lhe contar um pouco mais.
— Seu pai disse que ele se tornou seu protetor.
Boston é assim um lugar tão selvagem e sem lei,
é?
Caroline riu.
— Creio que acabaste de me descrever, não de
descrever Boston. Eu vivia me metendo em
encrenca, e Benjamin estava sempre presente,
procurando garantir a minha segurança. Salvou
minha vida mais de uma vez.
O tio Milo soltou uma risadinha sardónica.
— Pareces mesmo muito com tua mãe,
então — comentou. — Mas e o Benjamin? Não
podem obrigá-lo a voltar para o Sul? Não há
nin¬guém procurando escravos fugidos em troca
de alguma recompensa? Caroline franziu o cenho.
— É verdade, há homens que ganham a vida
caçando escravos, mas Benjamin agora é livre.
Papai, quero dizer, tio Henry, mandou Caimen
pagar pela alforria dele.
Franklm chegou e imediatamente mencionou o
nome de Bradford. Carolíne procurou manter-se
impassível e informou ao tio que não tinha mais
nada que ver com o duque. Aquele
relacionamento tinha terminado.
— E agora, pretendes voltar a Boston? — indagou
Franklin.
Caroline surpreendeu-se ligeiramente
quando o tio perguntou isso, imaginando como ele
teria chegado a uma conclusão dessas. O tio Milo
ficou furioso com o comentário do irmão. Ela
nunca o tinha visto tão irritado! Levou quase uma
hora para convencê-lo de que não tinha a me¬nor
intenção de sair da Inglaterra, e finalmente
conseguiu acalmá-lo.
Franklin aí explicou que tinha ouvido boatos de
que ela ia voltar para Boston, e que o pai dela
tinha decidido se casar com â Lady Tillman. De
acordo com a fofoca, o conde ia levar sua noiva
em viagem por toda a Europa antes de voltar ao
país para iniciar sua vida de casado com ela.
Caroline tinha acabado de passar um bom tempo
acalmando o tio Milo. Franklin, dizendo isso.
deixou-a furiosa. Ela lhe disse que seus
comentários eram ridículos. Com a situação na
França começando a complicar-se de novo, seu
pai não se arriscaria a sair da Inglaterra.
— Meu pai não vai a lugar algum.
— E se for, tu te mudas para cá, vens morar
comigo — anunciou tio Milo. E lançou um olhar
furioso ao irmão, obviamente esperando algum
tipo de briga.
— Ideia esplêndida - - replicou Franklin. E ai
mudou de assunto.
Quando Caroline voltou para casa. encontrou uma
carta endereça¬da a ela. Pegou-a em cima da
mesa do vestíbulo e foi para a sala de estar. Ficou
aliviada por estar só, pois quando leu a terrível
mensagem que o envelope continha, soltou um
grito de indignação. O primeiro parágrafo tinha
comentários odiosos e maliciosos sobre sua
personalidade em gêral. No segundo, havia coisas
mais específicas. O empurrão das escadas na casa
dos Claymere não tinha sido com o objetivo de
matá-la, só de assustá-la. E também o acidente de
carruagem. Ela morreria, prometia o autor da
carta, mas no seu devido tempo. O destino se
cumpriria, e o dia da vingança finalmente
chegaria! A carta terminava com várias
des¬crições aterronzantes da precisa forma pela
qual ela seria assassinada.
Caroline ficou sem saber o que fazer. Pôs a carta
de volta no enve¬lope e escondeu-a no seu
guarda-roupas. Desejou de todo o coração que
Benjamm não tivesse ido embora! E aí procurou
controlar-se e pergun¬tou a Deighton como era a
pessoa que tinha deixado aquela carta.
Nem Deighton nem o resto da criadagem sabiam
nada sobre a car¬ta. Caroline escondeu seu
espanto e seus motivos, dizendo apenas que tinha
achado a carta na mesa do corredor e ficado
imaginando quem a teria mandado. Explicou que
tinham se esquecido de assinar a carta.
Deighton ficou preocupado com essa falta sua.
Era seu dever abrir a porta, e alguém tinha ousado
aventurar-se no seu território! Insistiu que a porta
estava sempre trancada, e ficou suspeitando que
uma das criadas teria aberto a porta sem sua
permissão. E agora o culpado estava com medo de
confessar seu crime.
Caroline deixou Deighton resmungando e subiu as
escadas outra vez.
— Aposto que a Marie recebeu esta carta e está
morrendo de medo de admitir isso. Vive
perambulando pela casa — resmungou Mary
Margaret. — A comida agora piorou de novo, só
porque o Benjamin foi embora. Essa burra não
aprendeu nada! Acho que o Deighton devia
demiti-la.
— Não sejas tão severa assim — admoestou-a
Caroline. Ela agora pensava na família de Marie,
Toby e Kirby, e sabia que a cozinheira estava
fazendo o máximo que podia. — Tem só um
pouco mais de pa¬ciência, Mary Margaret. A
Marie precisa deste emprego. Vou conversar
de novo com ela em breve — prometeu, quando
teve a impressão de que a criada ia voltar a
protestar.
Caroline sentia-se exasperada diante da
mesquinhez dos problemas que era obrigada a
resolver. Alguém estava querendo matá-la, e ela
não fazia a menor ideia de qual era o motivo, mas
a rotina diária da admi¬nistração do lar parecia vir
em primeiro lugar.
Ela decidiu não contar ao pai sobre a carta ainda.
Se eJe percebesse o perigo que ela estava
correndo, podia mandá-la de volta para Boston, e
embora essa ideia realmente não fosse tão
desagradável assim, Caroline percebeu que seria
como fugir da situação. Também significaria
deixar Bradford, nunca mais tornar a vê-lo. Isso
não era exatamente importan¬te, disse consigo
mesma, porque Bradford tinha deixado
perfeitamente claro que tudo entre eles estava
terminado.
Não podia conversar com ninguém. Charity não
poderia ser sua confidente, porque contaria a
todos que quisessem escutá-la. E também ficaria
assustada, exatamente como aconteceria ao pai de
Caroline. Seus comentários anteriores, referentes
aos motivos pelos quais tinha manda¬do chamar
seu irmão quatorze anos antes, faziam-na crer que
ele tinha tendência a isso. Ele havia dito que
queria que ela estivesse protegida, e Caroline
tinha deduzido que, sem saber como, tinha se
envolvido no jogo político em que o pai estava
envolvido. Bradford tinha lhe dito que o conde era
antes considerado radical, e Caroline sentia que
sem querer tinha acabado sendo incluída em
alguma conspiração. Era a única con¬clusão que
fazia algum sentido para ela.
Durante uma semana interminável ela ficou
calada. Tinha insónia e comportava-se de forma
retraída..
Rejeitou uma infinidade de convites e pulava ao
menor ruído. A única vez que se arriscou a sair de
casa foi para suas visitas ritualísticas ao seu tio
Milo.
O conde veio perguntar a Caroline o porquê de
seu estranho com¬portamento, e aceitou em seu
nome um convite de Milford para ir ao teatro.
Discutiu com sua teimosa filha até ela concordar
em ir.
Caroline decidiu ir ao teatro para satisfazer o pai.
Sentia-se ao mesmo tempo ansiosa e triste diante
da possibilidade de ver Milford. Gostava dele e
apreciava sua sagacidade, mas toda vez que
pensava nele, lembrava-se de Bradford.
Pôs um vestido verde-água, e arrumou-se com
todo o esmero. Mary Margaret encaracolou seus
cabelos e trançou uma fita por todo o pesado
penteado. A falta de sono deixava Caroline
irritadiça, e os grampos a incomodavam até ela
sentir vontade de gritar.
— Mary Margaret, temos mais de uma hora até o
Milford chegar. Vai buscar tua tesoura — ordenou
Caroline, num tom que não admitia
resposta. — Já vi como cortaste os cabelos da
Charity e gostaria que cortasses os meus. Agora,
Caroline falou enquanto tirava o vestido
atabalhoadamente e ar-rancava os grampos do
cabelo, tudo ao mesmo tempo.
— Corre, Mary Margaret. A decisão está tomada.
Já estou cansada de andar com esse peso todo na
minha cabeça por aí.
Mary Margaret arregaçou a saia e saiu correndo
do quarto. Ca-roline fingiu que não tinha escutado
os resmungos da moça e deu uma boa olhada em
si mesma no espelho. Endireitou os ombros e
lançou um olhar decidido ao seu reflexo.
— Já te lamentaste demais, Caroline Richmond.
Charity entrou e ouviu Caroline falando consigo
mesma.
— O que estás fazendo aí? — indagou.
— A partir deste instante, estou assumindo o
controle — anun¬ciou Caroline. — Lembras-te de
que me disseste que não sou de ficar sentada?
Charity confirmou, com um sorriso radiante.
— Então vais procurar o Bradford?
Caroline sacudiu a cabeça.
— Não. Mas já resolvi o que vou fazer em vários
outros casos — esquivou-se Caroline. — Explico
tudo semana que vem — prometeu. — Vais ter de
confiar em mim, lembrar que não perdi o juízo.
Charity confirmou, embora parecesse estar
confusa. Mary Marga¬ret entrou correndo no
quarto outra vez, enquanto Caroline empurrava
Charity para fora.
— Mary Margaret e eu precisamos trabalhar.
Desço dentro de pouco tempo.
A criada recusou-se terminantemente a cortar
mais do que dois dedos do cabelo de Caroline e
fincou pé até Caroline lhe tirar a tesoura das mãos
e começar a cortar os seus próprios cabelos.
A criada soltou um grito de susto, mas logo
entendeu o que Caro¬line esperava dela. E aí,
quando terminou, sorriu encabulada e admitiu que
Caroline estava com uma aparência sensacional.
Aquela pesada mas¬sa de ondas tinha sido
substituída por cachos suaves e encaracolados que
terminavam logo abaixo das orelhas da moça.
Quando Caroline mexeu a cabeça, sentia tamanha
liberdade que chegou a rir.
— Sabe, estou me sentindo fantástica — disse
Caroline à criada.
— E estás fantástica — disse Mary Margaret. —
Teus olhos pare¬cem ter o dobro do tamanho de
antes, e estás mais feminina, senhorinha —
continuou. — Vais causar uma comoção e tanto.
O corte de cabelo fez Caroline sentir-se melhor.
— Agora, se eu conseguir enfrentar só esta noite,
acho que serei capaz de enfrentar qualquer coisa.
Mary Margaret franziu o cenho ao ouvir aquele
comentário, mas Caroline não lhe deu maiores
explicações. Milford chegou cedo, e quan-do
Caroline tornou a vestir-se e beliscou as faces
para ficar mais corada, ele já estava esperando
fazia algum tempo.
Milford estava de pé no centro do vestíbulo e
ficou olhando Caro¬line descer as escadas.
Imediatamente notou os cabelos dela e fez vários
elogios a sua aparência. Achou-a mais linda do
que nunca, mas também notou sua fadiga. Ela
obviamente não andava dormindo bem.
Quando eles se sentaram na carruagem de Milford
no caminho para o Teatro Drury Lane, ele sorriu
para a moça.
— Faz algum tempo, não, chuchuzinho?
— Chuchuzinho? Tu nunca me chamastes assim
— respondeu Caroline,
Milford deu de ombros.
— Estás passando bem? — perguntou. Seu olhar
estava cheio de compaixão, e Caroline ficou toda
abespinhada. Será que estava com pena dela?,
perguntou-se. Ficou exasperada só em pensar
nisso.
— Ninguém morreu, Milford. Não precisas fazer
esse drama todo. E estou muito bem, sim,
obrigada.

— Bradford não anda dormindo bem também —


comentou Milford.
— Não toques no nome dele na minha frente! —
exigiu Caroline. E percebeu que tinha gritado,
imediatamente abaixando o tom de voz. —
Prometa, Milford, senão saio desta carruagem e
volto a pé para casa.
— Prometo — respondeu ele, mais que depressa.
— Não direi ne¬nhuma palavra mais sobre...
aquele sujeito. Só pensei que devias tomar
conhecimento de algumas...
— Milford! — avisou Caroline, com voz trémula.
— Não quero saber de nada sobre ele. Terminou.
E agora — continuou, com um suspiro fatigado —
conta-me o que andas fazendo. Andas te metendo
em alguma briga de bar?
Foi muito difícil manter a conversa descontraída.
Os nervos de Caroline estavam praticamente em
frangalhos, e na hora do intervalo no teatro ela já
estava exausta de tentar parecer feliz. A peça foi
no máximo medíocre, e entre os atos via-se uma
verdadeira multidão nos corredores.
Caroline ficou sorrindo até seu rosto parecer um
espelho a ponto de estilhaçar-se em mil
fragmentos. Quando pensou ter visto Bradford do
outro lado do saguão, seu coração quase saiu pela
boca. O homem virou-se, e não era Bradford, mas
o coração de Caroline continuou a bater
desenfreado, e ficou mais difícil do que nunca
manter a compostura.
Ela e Milford estavam no meio de uma roda de
gente, e então Caroline percebeu que não devia
estar se expondo assim em público. Era um alvo
fácil. Voltou a pensar naquela carta assustadora e
sentiu um arrepio. Exatamente nessa hora alguém
acidentalmente empurrou Caroline, e ela girou nos
calcanhares, com um olhar de puro terror. Mudou
rapidamente de expressão e sorriu.
Mas não foi rápida o bastante. Milford observou a
mudan¬ça de expressão dela e claramente ficou
impressionado com seu comportamento.
— O que é que há contigo? — indagou, puxando-
a para um canto.
Caroline estava de costas para a parede e
acalmou-se visivelmente. Sacudiu a cabeça,
admitindo para si mesma que não era capaz de
supor¬tar nem a multidão nem o barulho um
minuto sequer a mais.
— Não me sinto segura — murmurou. — Acho
que gostaria de voltar para casa agora.
Milford escondeu seu alarme. O rosto de Caroline
perdeu toda a cor e ela parecia prestes a desmaiar.
Ele esperou até eles estarem de novo na
carruagem, a caminho para o sobrado do pai dela,
antes de tocar no assunto outra vez. Caroline,
sentada diante dele, tinha as mãos cruzadas no
colo.
— Caroline, explica-me por que não te sentias
segura.
— Não é nada — respondeu Caroiine. Ela olhou
pela janela, es-condendo sua expressão. —
Planejas comparecer ao baile dos Stanton na
semana que vem? — indagou, torcendo para
conseguir mudar de assunto.
Mas sua tentativa não deu em nada. Milford
pegou as mãos dela e apertou-as ligeiramente.
— Olha para mim, Caroline.
Ela foi obrigada a obedecer, pois Milford estava
lhe puxando as mãos com insistência.
— Por que não te sentiste segura?
Ele não ia desistir. Caroiine suspirou e sentiu os
ombros caírem.
— Alguém está querendo me matar — murmurou.
O queixo de Milford caiu e ele perdeu a fala.
Soltou as mãos dela e recostou-se no assento.
— Conta-me — disse finalmente. E seu tom
parecia tão inflexível quanto o de Bradford dando
uma ordem.
— Só se me deres tua palavra de que guardarás
sigilo — exigiu Caroline.
Milford concordou, e Caroline prosseguiu:
— Eu não caí da escada na casa dos Claymere.
Alguém me empur¬rou. E o acidente da
carruagem não foi acidente coisa nenhuma.
Milford fez uma cara tão espantada que Caroline
começou a con¬tar tudo depressa, para convencê-
lo de que não tinha enlouquecido.
— Na semana passada recebi uma carta terrível,
Milford. Alguém me odeia e jurou me matar. Não
entendo quem é, nem o motivo.
Milford soltou uma exclamação. Perguntas e
ideias passaram-lhe pela cabeça como um
relâmpago.
— Ainda tens esta carta? A quem contaste isso?
— E não esperou Caroline responder a nenhuma
das duas perguntas, fazendo uma ter¬ceira. — O
que acha disso o teu pai? E por que é que ele te
deixou sair de casa, meu Deus?
Estava a ponto de ter um acesso de cólera.
Caroline resolveu res¬ponder a última pergunta.
— Meu pai não sabe da ameaça.
Milford lançou-lhe um olhar de descrença e
Caroline apressou-se a explicar.
— Creio que ele me mandou para outro lugar
tantos anos atrás porque estava com medo. Não
vou permitir que isso aconteça de novo, Milford!
Ultimamente ele vem se sentindo tranquilo e feliz.
E direito dele!
— Não acredito nisso — resmungou Milford. —
Alguém queren-do te matar e tu me dizes que não
queres perturbar a paz de espírito do teu pai! Meu
Deus, Caroline, devias estar pensando em ti
mesma agora.
— Por favor, Milford, acalma-te — disse
Caroline. — Já tomei uma decisão, não precisas te
preocupar comigo. Sou perfeitamente capaz de
tomar conta de mim mesma.
— E que pretendes fazer? — indagou Milford
quase distraidamente. Estava louco para deixá-la
em casa e encontrar Bradford, para lhe contar o
que tinha descoberto. Não iria cumprir a promessa
de guardar segredo que tinha feito a Caroline.
Pelo amor de Deus! E os
dois achando que o atentado tinha sido contra
Bradford. Milford ficou sacudindo a cabeça,
pasmo e cada vez mais irado. Percebeu como ela
estava sozinha e desprotegida, e sabia que
Bradford iria ficar arrasado ao saber da verdade.
Certamente iria!
— Ora, eu tinha pensado em contratar
investigadores — disse Caroline, começando a
expor seu plano. Só dizer isso já a fazia sentir-se
mais dona da situação. — Vou enviar mensagens
convocando entrevistas sem perda de tempo, logo
amanhã bem cedo, e depois...
— Pois podes ir parando aí mesmo —
interrompeu Milford. Ago¬ra estavam passando
pela sua cabeça mil possibilidades, e ele desejava
um momento de tranquilidade para estudá-las.
Caroline logo ficou decepcionada diante do
comentário dele. Per¬cebeu que estava jogando
seus problemas em cima do amigo, e não tinha
direito de fazer isso.
— Entendo — disse ela. — Não te culpo, Milford.
Quanto menos souberes, melhor. Desculpa-me por
deixar-te assim transtornado. Seria até melhor te
afastares de mim, até tudo isso passar.
Os olhos de Milford arregalaram-se, e ele quase
riu.
— E por quê?
— Bem — disse Caroline — porque é possível
que saias ferido. Por que estás olhando para mim
desse jeito?
— Não sei por quê, mas tenho a impressão de que
acabaste de me ofender — anunciou Milford.
Ele não parecia estar nada chateado, e agora sorria
para Caroline.
— Ah, afinal, chegamos a tua casa. Amanhã virei
visitar-te, Caroline.
— E por quê? — perguntou Caroline. — Acabei
de explicar-te que devias ficar longe de mim.
Milford revirou os olhos para o céu, acompanhou
Caroline até dentro de casa, e retirou-se.
Levou uma hora para localizar Bradford. Milford
mal conseguiu conter-se ao entrar na sala de jogos
de azar e ver o amigo sentado a uma das mesas
com uma quantia de dinheiro imensa diante de si.
Bradford parecia entediado com o jogo e com os
homens que o cercavam.
Milford abriu caminho até a mesa e inclinou-se
para dizer ao ou-vido de Bradford algo que
ninguém mais ouviu. A expressão entediada de
Bradford desapareceu na hora. Para assombro de
todos, ele soltou um urro de fúria, levantou-se
com tal rapidez que jogou a mesa e a cadeira ao
chão e aí, sem uma palavra de explicação e sem
deter-se um instante para recolher seu dinheiro,
seguiu Milford para fora do salão.
Ouviu Milford repetir a história de Caroline e
depois declarou que ia visitá-la.
—Já passa da meia-noite. Brad. Vai ter de esperar
até amanhã.
Bradford sacudiu a cabeça.
— Agora — exigiu. — Deixa-me na porta da casa
de Caroline, e vai para casa.
Milford sabia quando era inútil discutir com o
amigo. Concordou e prometeu que mandaria sua
carruagem de volta para levar Bradford para casa.
Deighton abriu a porta, diante das pancadas
insistentes de Bradford.
— Ê um prazer revê-lo. Sua Graça —
cumprimentou o mordomo, com uma reverência
formal.
— Diz à Caroline que desejo falar com ela —
disse Bradford.
Deighton abriu a boca na intenção de negar e
dizer que Caroline estava ferrada no sono, mas a
cara que o duque estava fazendo fê-lo mudar de
ideia.
Concordou, e subiu as escadas rapidamente.
Caroline estava na cama, mas ainda totalmente
acordada. Quando Deighton anunciou quem
estava esperando por ela no térreo, Caroline
imediatamente adivinhou por quê. Só podia ter
sido o Milfordl Ele obviamente tinha ido direto
contar ao Bradford a história sobre a qual ela tinha
lhe pedido sigilo.
— Por favor, informa a Sua Graça que não desejo
falar com ele — disse Caroline a Deighton. —
Deighton? — chamou ela, quando ele começou a
percorrer o corredor. — Meu pai já chegou em
casa?
— Sim — respondeu Deighton. — Ele se
recolheu faz mais de uma hora. Desejas que eu vá
chamá-lo?
— Mas claro que não, imagina — disse Caroline.
— Não deves perturbar meu pai por motivo
nenhum, Deighton.
Deighton concordou e continuou andando.
Caroline fechou a porta e andou devagarinho até a
janela. Seus pés sentiram frio ao pisar no piso de
madeira de lei. Previa que Deighton não ia
conseguir se livrar de Bradford com facilidade, e
que ele obrigaria o mordomo a convencê-la a sair
do seu quarto pelo menos uma vez mais.
Quando a batida soou à sua porta, Caroline já
sabia que era isso que ocorreria.
— Diz-lhe que vá embora, Deighton.
A porta abriu-se, e Bradford apareceu,
preenchendo o espaço entre os batentes.
— Não vou a lugar algum. — E ficou ali parado,
incrivelmente belo, e Caroline sentiu uma reação
imediata. Suas pernas começaram a tremer, e ela
começou a sentir falta de ar. Seus olhos
encheram-se de lágrimas, e ela disse a si mesma
que era só por causa do cansaço extremo
que estava sentindo.
Bradford ficou contemplando emocionado a
beleza extrema que tinha diante de si, enquanto
tentava resistir à tentação de trancar a porta e
toma-la em seus braços.
Caroline finalmente conseguiu falar.
— Não devias estar aqui, Bradford. E uma
transgressão da moral. — Sua voz saiu rouca.
Bradford sorriu.
— Vais ter que aceitar o fato de que nem sempre
ligo para a moral — disse. Sua voz parecia uma
carícia suave. Caroline ficou hipnotizada por ela e
pelo olíiar dele. que percorria ardentemente seu
corpo, dos artelhos até o alto da cabeça,
Bradford vagarosamente entrou no quarto. Fechou
a porta, e Caro-line ouviu o estalido da fechadura.
Estavam sozinhos e trancados no seu quarto. O
coração de Caroline quase parou, e ela tentou
sentir um pouco de raiva e indignação. NTão
conseguiu sentir nenhuma das duas coisas, e ficou
parada como se fosse uma estátua, esperando o
que Bradford faria a seguir.
— Ou isso é algum pesadelo, ou perdeste
completamente o juí¬zo — finalmente disse
Caroline. - - Destranca essa porta e sai daqui,
Bradford.
— Ainda não, querida — disse ele, com uma voz
cheia de ternura. Começou a aproximar-se dela. e
Caroline imediatamente recuou. Bradford viu-a
agarrar o roupão e vesti-lo.
Ficou ligeiramente surpreso por ela não gritar com
ele. Tinha-a tratado como um crápula, e embora
seus motivos tivessem sido bastante respeitáveis,
Caroline não tinha como conhecê-los. Ele a havia
repudiado publicamente. Por que ela não estava
atirando nada em cima dele?
Caroline continuou com o olhar pregado nele. Mil
pensamentos lhe passavam pela cabeça, mas ela
não conseguia concentrar-se ern ne-nhum. Estava,
pela primeira vez na vida, completamente
indefesa.
Bradford parou de avançar quando se viu
diretamente diante de Caroline. Estendeu a mão e
acariciou delicadamente a face dela.
— Pára. — Foi um murmúrio sofrido. Bradford
notou que sua mão tremia quando a deixou cair de
novo ao lado do corpo.
Ela deu mais um passo para trás enquanto
Bradford procurava uma forma de fazê-la reagir a
sua carícia.
— Senti saudades tuas, Caroline.
Caroline não podia acreditar no que tinha
escutado. Sacudiu a cabeça e começou a chorar.
Bradford pegou Caroline e puxou-a para perto de
si.
—Desculpa, meu amor, pelo amor de Deus, me
perdoa — sussurrava, sem parar, a boca encostada
nos cabelos dela, as mãos sern parar de acariciá-
la, afagá-la, apertá-la contra si. Caroline
continuou chorando, aceitando o consolo que ele
lhe oferecia.
Bradford ergueu-lhe o queixo e usou seu lenço
para enxugar-lhe as lágrimas das faces.
— Também sofri muito — admitiu baixinho.
Depositou beijos suaves na testa da moça e no
nariz dela, depois fi¬nalmente na boca. Caroline
terminou por controlar-se e afastou-se dele.
— Por que sofreste?
Bradford suspirou, desejando poder continuar
beijando-a em vez de explicar. Viu a cadeira de
balanço e foi até ela, puxando Caroline consigo.
Quando já havia se acomodado nela, Caroline
firmemente se-gura no seu colo, sorriu de
contentamento e então começou:
— Jura que não vais me interromper até eu
terminar.
Caroline concordou, com uma cara solene.
— Pensei que alguém queria me matar. Quando a
carruagem virou e vi depois que alguém tinha
soltado a roda, entendi que quem queria me matar
não se importava com quem estivesse comigo.
Então decidi...
— Por que foi que achastes que alguém queria
matar-te? — in-terrompeu Caroline.
— Prometeste que esperarias até que eu
terminasse — recordou-lhe Bradford. — Foi
minha carruagem que foi sabotada, Caroline, e
meu co¬cheiro que recebeu uma porretada na
cabeça. Foi uma conclusão lógica.
— Conclusão mais egocêntrica — comentou
Caroline.
Bradford deu de ombros, pensando consigo
mesmo que ela prova-velmente estava certa.
— Bom, não importa, decidi fingir que tinha
terminado tudo entre nós, para todos pensarem
que eu não estava mais interessado em ti. E assim
— disse ele, falando mais alto quando Caroline
abriu a boca para protestar — eu poderia ter
certeza de que tu não serias usada contra
mim, nem atacada.
— Mas por que não me disseste? — protestou
Caroline. Tinha finalmente conseguido se irritar.
Só de pensar na agonia que tinha pas-sado por
causa dele, já ficava furiosa.
Bradford viu a mudança tomar conta de Caroline
e preparou-se para sua fúria.
— Não precisas responder — disse Caroline,
baixinho, exaspera¬da. — Sei o motivo. Foi
porque não confias em MIm. — E saiu do colo
dele, ficando de pé na sua frente. — Admite,
Bradford.
— Caroline, eu só queria proteger-te. Se eu
tivesse feito confidências a ti, poderias ter contado
a alguém e te exposto ao perigo. — Bradford
achou que era bastante lógico o seu raciocínio.
Seu argumento fazia sen¬tido perfeito para ele.
Caroline obviamente não concordou. Olhou de
relance para o quarto ao seu redor, e Bradford
achou que ela podia estar procurando uma arma.
— Ocorreu-te, nem que fosse por um instante, que
eu podia ter guardado teu segredo? — argumentou
Caroline.
— Não — admitiu Bradford. — E mesmo que eu
confiasse em ti, não teria funcionado. Mostras nas
tuas expressões fisionómicas tudo que sentes,
amor, e todos teriam percebido que não eras uma
mulher rejeitada.
Bradford estendeu a mão e tentou puxar Caroline
de volta para seu colo. Mas ela esquivou-se.
— Caroline, fiz isso para o teu bem.
— Estás interpretando mal minha raiva, Bradford.
— E a voz de Caroline soou fria. — Quando vais
aprender que não sou como as outras? E quando
vais decidir que podes confiar em mim? Não
podes formar um vínculo permanente sem
confiança.
Ela continuava de pé diante dele, com cara de
repulsa.
— Estás sempre me comparando às mulheres que
já tiveste antes. E já estou farta disso.
— Meu coração, estás gritando. — E o
comentário de Bradford deixou Caroline louca de
raiva. — Se acordares teu pai e ele me encon-trar
aqui, vai exigir que me case contigo na mesma
hora.
Caroíine soltou um grito de surpresa, e Bradford
concordou.
— Excelente — comentou ele. — Não tenho a
menor intenção de me casar amanhã. Sábado para
mim está ótimo, para dar tempo de tratar de todos
os preparativos.
Caroline não conseguiu esconder seu assombro.
— Não ouviste uma só palavra do que te disse?
— Ouvi, sim — respondeu Bradfbrd. — E
imagino que a casa
inteira tenha ouvido também, cada palavra. Agora
me dá a carta, por
favor, como uma menina comportada. A cama
está perto demais, e tu
és uma tentação irresistível.
— Meu Deus, por que fui confiar no Milford —
resmungou Caroline, baixinho, revoltada. —
Devia ter previsto isso. Se ele te chama de amigo,
é porque não presta também.
— A carta, Caroline — insistiu Bradford. E
levantou-se, espreguiando-se, chegando perto
dela. — Dá-me a carta, e deixa-me decidir o que
se deve fazer a respeito disso.
— Não vais decidir nada — anunciou Caroline.
— E não me casa¬rei contigo, nem neste sábado,
nem um ano depois dele. Não sabes o que
significa a palavra amor — declarou ela. — Se
soubesses, respeitarias meus sentimentos. E
confiarias em mim.
— Caroline, se disseres a palavra confiança uma
vez mais, acho que irei te estrangular.
E o olhar de Bradford disse a Caroline que ele era
mais do que capaz de fazer exatamente isso. Ela
recuou, afastando-se dele.
— Vá embora agora. Já conversamos bastante.
— Concordo plenamente — replicou Bradford.
Estava de cara fechada, e Caroline pensou que ele
ia mesmo embora, até ele voltar a sentar-se, dessa
vez na beira da cama, tirando metodicamente a
casaca e depois as botas. Aí Caroline foi obrigada
a repensar suas conclusões.
— O que pretendes fazer? — disse Caroline,
correndo até a cama e tentando evitar que ele
tirasse as meias. — Precisas sair daqui!
— Já estou cansado de tanto falar — disse-lhe
Bradford. E deixan¬do a segunda bota cair,
agarrou Caroline, Ela de repente viu que estava
deitada de costas na cama, com Bradford por cima
dela. — Senti falta dos teus beijos, Caroline. — E
aí os lábios dele colaram-se aos dela, obrigando-a
a abrir a boca. Caroline tentou detê-lo, e sua luta
ficou mais insistente quando os quadris dele
encostaram-se aos dela e ela sentiu o membro viril
dele, rijo, contra seu corpo.
Bradford continuou a beijar-lhe a boca,
removendo-lhe todas as resistências. Ela sentia-se
tão macia contra ele, tão incrivelmente bem. A
mão dele lhe acariciou os seios sob o tecido fino
da camisola, e ele soltou um gemido de puro
prazer.
Caroline não sabia bem como tinha acontecido,
mas não estava mais de roupão, e os botões de sua
camisola estavam abertos, antes que ela pudesse
reunir forças suficientes para deter Bradford.
Ela pressionou seus quadris contra o corpo dele,
ouviu-o gemer, e percebeu que devia estar lhe
dando prazer em vez de dor. Bradford prendeu-lhe
as pernas usando sua coxa pesada para evitar que
se mexes¬se, e depois beijou devagarinho o seu
pescoço, de cima até embaixo.
Ela procurou evitar que ele continuasse, com as
mãos, mas Bradford não parou. Sua boca
continuou aquela tortura suave com uma
insistência ardente. Ele chegou aos seios dela. e
não hesitou, sugando-lhe um dos mamilos eretos.
Caroline voltou a mexer os quadris contra o corpo
dele, mas a reação foi um movimento sensual e
primitivo, que ela mal conseguiu perceber.
Suspirou, entregando-se, e arqueou as costas,
pedindo mais.
A boca dele continuou reverenciando-lhe um dos
seios enquanto com a mão ele acariciava o outro.
— Bradford! — sussurrava Caroline. tão perdida
naquelas sensa¬ções eróticas que ele lhe
proporcionava que mal conseguia falar.
Sua camisola estava abaixada até a altura dos
joelhos, e Bradford empurrou-a mais para cima.
para acariciar a pele sensível das pernas dela.
Quando a mão dele inseriu-se entre as pernas de
Caroline, ela instintiva¬mente tentou impedir o
avanço, Bradford usou o joelho para obrigá-la a
afastar as pernas e lhe calou os protestos com
outro beijo apaixonado.
Seus dedos então encontraram o centro de seu
prazer e Caroline pensou que fosse morrer, tal foi
a sensação que ele lhe causou. Ele agora estava
ofegante de tão excitado.
— Nunca vou conseguir te esquecer, Caroline.
Estou sentindo-te tremer, meu amor. — E tornou
a beijá-la de novo. enquanto seus dedos
acariciavam a maciez molhada que o atraía.
Ele pretendia apenas dar-lhe prazer, dar-lhe uma
demonstração da excitação e do prazer que eles
teriam juntos, e sabia que tinha de parar. Estava se
descontrolando.
Bradford gemeu e deitou-se de costas. Com as
mãos atrás da cabeça, respirou profundamente
várias vezes e pensou em outra coisa,
procuran¬do não lembrar do corpo momo dela ao
seu lado.
— Nós nos casaremos este sábado. — Disse isso
rispidamente, sem conseguir evitar. Estava
zangado, mas só consigo mesmo.
Caroline sentiu-se como se tivesse acabado de ser
jogada em um monte de neve. Ela só queria
envolver Bradford com os braços e suplicar que
ele continuasse a fazer amor com ela.
Sabia que tinha de afastar-se da tentação, e saiu da
cama. Suas pernas estavam trémulas, e ela
precisou segurar-se em um dos postes da cama.
— Não entendo como consegues fazer isso
comigo — admitiu ela. Sua voz soou fraca.
Bradford contemplou-a, viu a confusão no seu
olhar, e sorriu.
— É que sentes tanta paixão por mim quanto eu
por ti — disse a ela. Sua voz soou suave e rouca.
— E não tens sofisticação suficiente para te
controlares, nem usar essa paixão como arma
contra mim.
— Como tuas outras mulheres? — A voz de
Caroline estava enganadoramente calma. Bradford
não ia se deixar levar por isso, viu que os olhos
dela cintilavam como brasas. Estava pensando em
matá-lo de novo, deduziu ele com um suspiro. Ele
se sentou bem a tempo de pe-gar as botas que
Caroline atirou em cima dele, e tentou uma vez
mais aplacá-la, pensando consigo mesmo que ela
se deixava irritar pelas coisas mais ridículas.
— Não tenho outras mulheres — declarou
Bradford. E pretendia continuar, dizer-lhe que não
tinha tocado mais nenhuma mulher desde seu
encontro predestinado naquela estrada rural. Mas
Caroline deu-lhe as costas enquanto vestia o
roupão. — A carta, por favor — insistiu ele.
Ela foi até o guarda-roupas e pegou a carta, onde a
tinha escondi¬do. Depois vagarosamente foi até
Bradford e entregou-a a ele.
Ouviu-se uma batida à porta. Os olhos de Caroline
arregalaram-se.
— Sai da minha cama — sussurrou ela, meio
apavorada. E passou os dedos nos cabelos,
tirando-os do rosto, correndo para a porta, os de¬
dos trémulos impedindo-a de destrancá-la com
desenvoltura. Finalmenteconseguiu abri-la, e viu o
conde de Braxton, de camisa de dormir, roupão e
chinelos, ali de pé, com uma expressão
desnorteada estampada no rosto.
— Ai, papai, nós te acordamos? — A voz de
Caroline estava tré¬mula, e ela achou que fosse
perder os sentidos de vergonha. Virou-se e viu
Bradford logo atrás de si. Ele estava de botas e
casaca outra vez, e Caroline deu graças a Deus
por isso,
— Boa-noite — cumprimentou Bradford. Sua
expressão era cal-ma, e Caroline percebeu que ele
não estava nem um pouco preocupado com o fato
de ter sido surpreendido trancado no quarto com a
filha do conde. O homem devia estar bem
acostumado com esse tipo de coisa,
pensou ela, cada vez mais furiosa.
— Boa-noite? — repetiu Caroline incrédula. —
Bradford, isso é tudo que consegues dizer? — E
lançou-lhe um olhar raivoso, virando-se depois
para seu pai. — Papai, não é nada do que pensas.
Sabes, eu não queria descer, e ele.., — Parou para
lançar um olhar indignado ao
Bradford — insistiu, teimou tanto que...
Bradford interrompeu-lhe os comentários
puxando-a para perto de si.
— Deixa que eu falo — disse, em tom arrogante,
Caroline olhou para ele, e depois para o pai.
Coitado do seu pai!Sua expressão tinha ido de
transtornada para furiosa, e agora estava
decididamente confusa de novo. — Eu gostaria de
ter uma palavra contigo, Braxton, se não for
inconveniência a esta hora da noite.
O conde concordou com uma vénia.
— Dá-me um instante, para me vestir — pediu.
— Encontro-me contigo lá embaixo dentro de
alguns minutos.
— Perfeitamente — disse Bradford, quando o pai
de Caroline continuou parado ali. Aguardou,
aplicando uma pressão suave no ombro de
Caroline, uma sutil recomendação de que ficasse
calada.. O conde começou a percorrer o corredor e
Bradford fechou a porta.
Caroline estava tão transtornada com a reação do
pai, sua cara de decepção, que só queria chorar.
— Bradford! — exclamou, parecendo uma
histérica.
— O que fizeste com teus cabelos, caramba? —
disse Bradford, abraçando-a e beijando-a.
— Ah, não vais fazer isso, não — disse Caroline,
empurrando-lhe o peito. — Estás querendo me
tirar do sério de novo, e não vou deixar. Ainda
não combinamos nada!Não te disse como és
desprezível! Somos completamente diferentes, e
tu és...
Ele tornou a beijá-la-, e os esforços insignificantes
dela não o detive¬ram nem um pouco. Só quando
ela parou de resistir ele passou a beijá-la com
mais suavidade, abraçá-la com mais ternura.
— Caroline, estás horrível. Andaste com insónia?
Vai para a cama agora, precisas descansar.
— Mas nem que caias morto aqui e agora —
replicou ela. Ele estava com ela firmemente presa
contra o peito, e ela estava falando com a boca
encostada na sua casaca. — Vou lá embaixo
contigo. Só Deus sabe o que vais dizer para
aplacar meu pai. Preciso estar lá para defender-
me.
A resposta de Bradford a essa exigência dela foi
erguê-la nos braços e levá-la até a cama. Ele a
largou no meio do colchão e empurrou-a até ela
estar com a cabeça sobre os travesseiros.
— Deixa que eu cuido de tudo — tranqúilizou-a.
Seus olhos cintilaram quando ele acrescentou: —
Confia em mim.
E tornou a beijá-la, rapidamente na face,
dirigindo-se depois à porta.
— Bradford, isso ainda não terminou — gritou
Caroline às suas costas.
Bradford abriu a porta. Estava dando as costas
para ela, mas ela ouviu o tom de riso na sua voz.
— Eu sei, querida. Já era hora de en¬tenderes
isso.
Caroline saiu da cama e correu antes que Bradford
fechasse a porta.
— Não vais contar a ele que recebi a tal carta,
vais? Ele vai me mandar de volta a Boston se
contares. Não quero que se preocupe!— declarou
Caroline, enfaticamente.
Bradford sacudiu a cabeça e deixou a sua
exasperação transparecer. Começou a andar peio
corredor quando Caroline teve uma lembrança
súbita, terrível. Agarrou Bradford pela beira da
casaca.
— Se ele exigir um duelo, não concordes.
Bradford não respondeu. Continuou andando,
seguido por Caroline.
— E exatamente o que eu devo fazer? — indagou
ela. Percebeu que estava ainda agarrada à casaca
do moço, e imediatamente a soltou. Ele a fazia
mesmo agir como uma imbecil.
Simplesmente precisava se controlar, pensou,
enquanto se ouvia re¬petir sempre a mesma
pergunta: "O que devo fazer?". Estava se
referindo à carta e à ira do seu pai, mas não
conseguia formular uma explicação para lhe dar.
Bradford estava descendo os degraus de dois em
dois sob o olhar de Caroline, que ficou agarrada à
balaustrada.
— Quem sabe deixas o cabelo crescer um
pouquinho até sábado — gritou Bradford, olhando
para ela.
Caroline perdeu toda a bazófia com aquele
comentário ridículo do Bradford. Sentou-se no
último degrau e apoiou a cabeça nas mãos. O que
estava acontecendo com ela, meu Deus? Precisava
controlar-se, disse a si mesma. Precisava pôr sua
vida em ordem. Ia pôr tudo em seus devidos
lugares, disse a si mesma ao voltar para seu
quarto.
Então ele tinha voltado para ela, pensou com um
suspiro. Tê-lo por perto, perseguindo-a de novo,
era um alívio e ao mesmo tempo um tormento.
Seu coração estava em festa, mas a parte lógica,
isenta de ânimo da sua personalidade, sabia que os
problemas entre eles continu-ariam a existir. Se
ela não conseguisse ensiná-lo a amar, a confiar
nela o suficiente para lhe dar seu amor, eles não
teriam futuro juntos.
Ela achava que não passava de um mero trofeu
para Bradford. Quanto tempo duraria sua atração
por ela? Quanto tempo se passaria antes que ele se
entediasse e voltasse suas atenções para outra? Ele
tinha chamado de jogo a relação amorosa, e
Caroline estava começando a achar que não
passava mesmo de um jogo para ele.
Ela ainda não podia casar-se com ele. Queria
dividir sua vida com um homem que a amasse
quando a beleza dela já não existisse mais, quando
as rugas do tempo lhe marcassem o rosto.
Não era um sonho impossível. Seu tio Henry e a
tia Mary ama¬vam-se ainda mais agora, depois de
muitos anos juntos. E Charity e Paul Bleachley
amavam-se da mesma forma. Caroline lembrou-se
de que Bradford tinha achado que Charity iria
rejeitar Paul porque ele não era mais belo.
Ela não sabia se seria capaz de mudar a forma
dele de ver o mundo. Ele tinha sido criado em
uma sociedade superficial, onde a aparência
parecia ser o mais importante.
Que tipo de casamento seria o deles? Será que ela
ia começar a se preocupar corn sua aparência,
com seu corpo, suas roupas? Será que tudo que
ela sempre tinha considerado sem importância iria
passar a ser preponderante em sua vida? Ela iria
mudar tanto que iria começar a rir
descontroladamente e extasiar-se diante de
qualquer besteira, feito a Lady Tillman?
Caroline sacudiu a cabeça, tentando deter a
torrente de ideias ri-dículas que estavam lhe
passando pela cabeça. Foi para a cama e tentou
conciliar o sono. Pelo menos, consolou-se, tinha
admitido que não iria poder se casar com ele.
"Pelo menos até ele tomar jeito", jurou ela, bai-
xinho, no escuro. E aí chorou até adormecer.
CAPITULO 10

F
oi um lindo casamento. Pelo menos foi o que
todos ficaram dizendo a Caroline, enquanto ela
estava recebendo os cumprimentos, ao lado do
homem com o qual tinha acabado de trocar votos,
jurado amar e respeitar até que a morte os
separasse.
Caroline ficou aliviada por aquele sacrifício
finalmente chegar ao fim. Tinha parado de lutar
contra o inevitável no dia anterior, quando ela,
Charity e o pai viajaram até Bradford Hills.
Decidiu-se que o ca-samento ia ser ali, para
respeitar a tradição. O pai. o avô e o bisavô de
Bradford tinham todos se casado naquela mansão.
Bradford tinha cuidado de todos os preparativos,
ao passo que Charity e o conde trataram dos
proclamas e dos convites. Agora, en-quanto
olhava discretamente o lindo salão de baile em
torno de si, Caroline espantava-se por tudo ter se
passado sem incidentes. Todos pareciam
imensamente felizes. Todos menos Caroline. Ela
ainda estava tendo dificuldade para aceitar.
Bradford tinha aplacado o pai dela na noite em
que ele os sur-preendera, e na manhã seguinte o
conde tinha anunciado que estava felicíssimo com
o enlace. Caroline tentou fazê-lo ver que não ia
dar certo, mas o pai recusou-se terminantemente a
ouvir a voz da razão. Ela lembrou-se de que ele
havia lhe perguntado se ela amava Bradford, e ela
caiu na besteira de admitir que sim. Desse
momento em diante, ele passou a fazer ouvidos de
mercador a todos os seus argumentos.
Ela ficou sem ter ninguém a quem pedir auxílio. E
Charity fazia de tudo para lhe desviar a atenção.
Caroline não podia sair de casa, portanto, não
podia escapar das atenções dela.
Madame Newcott e três costureirinhas
nervosíssimas trabalha-ram dia e noite no seu
vestido de casamento, ali mesmo na sua casa, e
Bradford contratou dois guarda-costas para
proteger sua noiva. O pai de Caroline não fez
comentário algum sobre isso, e ela se perguntou o
que ele estaria pensando. Além do mais, não
estava convencida de jeito nenhum de que os
brutamontes estavam ali só para garantir sua
proteção. Achava que Bradford seria capaz de
tudo, até de instruí-los a evitar que ela fugisse.
Essa ideia lhe passou pela cabeça, e ela pensou
em voltar a Boston mais de uma vez. A vida
certamente seria bem menos complicada por lá.
Caroline só foi conhecer a mãe de Bradford
quando já estava hos¬pedada na mansão
magnífica chamada Bradford Hills. Estava no
quarto destinado a ela, trocando de roupa para o
jantar, quando entrou uma senhora muito distinta.
Era mais alta do que Caroline, muitíssimo bem
vestida, e caminhava como se fosse uma rainha.
Caroline tirou depressa um roupão do armário,
vestiu-o e depois tentou fazer uma reverência
decente enquanto a duquesa a examinava.
— Estás esperando um filho dele? — perguntou a
duquesa, com um tom tão agressivo que Caroline
ficou abalada.
— Não. — E não deu maiores explicações. Se a
mãe de Bradford era mal-educada a ponto de
perguntar isso, ela a trataria exatamente da mesma
forma.
As duas ficaram entreolhando-se durante um
minuto interminável. Caroline notou que os olhos
da mulher eram da mesma cor que os de Bradford.
Havia rugas profundas nos cantos deles, o que
deixou evidente para Caroline que ela sorria
frequentemente.
— Não o deixes intimidar-te — recomendou a
duquesa. Sentou-se em uma das cadeiras
estofadas, e fez sinal para Caroline sentar-se na
outra.
— Eu nunca me deixei intimidar na minha vida
— comentou Caroline enquanto se sentava diante
daquela que logo seria sua sogra. — Nem
mesmo saberia como fazer isso.
— Ele sempre foi impaciente. Quando cisma com
alguma coisa,
quer que aconteça imediatamente.
Caroline concordou. Aquela agressividade na voz
da mulher não lhe parecia mais ofensiva, e ela
percebeu que estava sorrindo.
— Ele não só é impaciente, como também
dominador e arrogante. Creio que devias saber
que não nascemos um para o outro.
A duquesa sorriu, aparentemente sem se sentir
intimidada pela franqueza de Caroline.
— No fundo, não queres casar-te com ele, queres?
— perguntou.
— Ele não me ama — admitiu Caroline, com toda
a naturalidade.— E não confia em mim. Início
nada promissor, não concorda? Quem sabe, se
falares com ele, ele reconsidera essa decisão...
— Bobagem, minha filha. Ele obviamente te quer
como sua mu-lher, senão não se casaria contigo.
Meu filho jamais faz nada que não queira fazer.
Tu é que tens de ensiná-lo a te amar, coisa que,
contudo, não é exatamente necessária.
— Não é necessário o amor? — indagou Caroline,
deixando trans¬parecer sua confusão.
— O mais importante é um ser a pessoa certa para
o outro — respondeu a duquesa.
Ela levantou-se e foi até a porta.
— Creio que meu filho escolheu bem. — E depois
desse veredicto, ela saiu da sala.
— Caroline! Estás divagando no dia do teu
casamento? — Charity puxava o braço dela para
lhe chamar a atenção. — Pensa só nisso, agora és
duquesa.
Caroline não tinha percebido que Bradford tinha
se virado para ouvir aquele comentário
entusiasmado de Charity. Ela sacudiu a cabeça e
replicou:
— Não, antes de qualquer coisa sou a esposa de
Bradford. Isso para mim, por enquanto, já é
bastante complicado.
Bradford sorriu, contente com o comentário dela.
Milford apareceu, fazendo uma reverência diante
de Caroline, e pegou a mão dela. O anel de safira
que Bradford lhe pusera no dedo cintilou à luz das
velas, cha¬mando a atenção de Bradford, e ele
sentiu uma onda de satisfação tomar conta de todo
o seu ser. O anel era prova de que ela pertencia a
ele.
Quando Milford terminou de dar-lhes os parabéns,
disse:
— Vais perdoar-me por quebrar minha promessa?
Caroline sacudiu a cabeça.
— Não. Foi uma patifaria da tua parte, e por causa
dela, vê só onde vim parar.
Milford não demonstrou nenhum sinal de
remorso.
— Conta-me, o que achaste tão engraçado quando
estavas recitan¬do teus votos matrimoniais? —
indagou.
— Se te referes ao fato de que minha esposa riu
enquanto os pronunciava, posso lhe garantir que
foi de felicidade suprema. — O comentário de
Bradford obrigou Caroline a dar um sorriso
relutante.
— É que sou muito bem-humorada — disse
Caroline a Milford. Virou-se para o marido e
acrescentou: — A menos, é claro, que seja
empurrada contra a parede, e não possa fazer nada
para me livrar da situação. Aí pode ser que eu me
transforme num bicho.
Bradford não reagiu ao seu comentário.
Meramente pegou sua mão e levou-a até o centro
do salão. Era hora de começar o baile.
O resto da noite, para Caroline, foi insuportável.
Ela desejava pas¬sar nem que fossem apenas
alguns minutos a sós, só o suficiente para ter um
único pensamento coerente, recuperar o fôlego,
mas Bradford não saía do lado dela. E depois,
chegou a hora de subir as escadas para o quarto.
Charity ajudou-a. Tinha resolvido ficar calada, t
Caroline ficou aliviada por isso. Só depois do
banho, e depois de estar vestida com uma
camisola transparente, foi que Charity fez a
pergunta que a estava deixando preocupada.
— Entendes o que vai acontecer, Caroline?
Mamãe te explicou o que um marido e uma
esposa fazem quando estão a sós?
Caroline sacudiu a cabeça.
—Mamãe teria desfalecido depois da primeira
frase — disse.
Charity ficou desanimada
__ Ah, então preciso esperar até a próxima vez
em que nos encon¬trarmos para descobrir
exatamente...
— Charity! Não me «deixa mais nervosa ainda!
Por que é que temos
que passar a noite aqui. hein: __ reclamou. Pensou
no que ia acontecer,
e aí imaginou como ia encarar todos na manhã
seguinte. — Todos eles
vão saber — murmurou.
— Não fica nervosa — recomendou Charity. —
Se rires enquan-to. .. bom, tu sabes, então acho
que Bradford se zangará.
Antes que Caroline pudesse fazer um comentário
qualquer, Cha-rity abraçou-a e retirou-se.
— Rezarei por ti — sussurrou antes de fechar a
porta.
Caroline ficou parada no meio do quarto,
esperando. Pensou em deitar-se, mas decidiu que
se esconder sob as cobertas não seria nada bom.
Bradford podia achar isso engraçado e ela
morreria se ele risse dela.
A porta de comunicação com o quarto de
Bradford abriu-se e ele de repente apareceu.
Bradford encostou-se no umbral e ficou
admirando a esposa. Es¬tava tão
deslumbrantemente bela que ele sentiu a
respiração presa na garganta. A camisola sedutora
que Caroline usava mostrava pratica-mente tudo,
e Bradford passou muito tempo lhe admirando as
longas e torneadas pernas, os quadris esguios e os
seios grandes.
Caroline retribuiu o olhar do marido. Ele tinha
tirado a casaca, o plastrão e os cabelos estavam
caídos para a frente, o que lhe abrandava as
feições. Sua expressão era cautelosa, e Caroline
considerou-o ao mesmo tempo irresistivelmente
belo e assustador. Não estava mais nervosa, só
apavorada. Desejava não ter cortado os cabelos,
achando que, compri¬dos, eles poderiam ter
coberto em parte os seus seios. Seria infantil de
sua parte agarrar o acolchoado que cobria a cama
e enrolar-se nele?
Tremia, e não sabia ao certo se era por causa do
quarto frio ou do escrutínio indisfarçado que
estava sofrendo da parte do marido.
—Charity vai rezar por mim — disse. Sua voz
saiu bastante fraca, mas ela sabia que ele tinha
ouvido, porque uma de suas sobrancelhas ergueu-
se ligeiramente. E aí ele sorriu, e Caroline deixou
de sentir-se apavorada.

Virou-se, tentando lembrar-se de onde tinha


deixado o roupão, e Bradford finalmente
conseguiu articular algumas palavras.
— Não tenhas medo, Caroline.
Ele começou a andar na direção dela, cheio de
ternura no olhar.
— Não estou com medo, só gelada — respondeu
ela. E tentou sorrir enquanto esfregava os braços.
Agora estava tremendo e não con-seguia parar.
Bradford abraçou-a e perguntou, a voz rouca:
— Estás te sentindo melhor?
Caroline confirmou.
— Tens uma casa linda, Bradford, mas é muito
frio aqui — sus¬surrou ela, de encontro ao peito
dele. — E cheia de correntes de ar — acrescentou,
quando Bradford ergueu-a nos braços e começou
a levá-la para o seu quarto. — As lareiras não
aquecem os aposentos como
deveriam. — Meu Deus, pensou ela, enquanto
dizia aquelas palavras, desejava poder se
controlar. O que havia com ela? Caroline fechou a
boca e decidiu não dizer mais nenhuma palavra.
Bradford fechou a porta, trancou-a e depois levou
Caroline para a cama. As cobertas da gigantesca
cama de quatro colunas com dossel estavam
afastadas, e Bradford colocou-a bem no meio do
colchão. Assim que ele a soltou Caroline começou
a tremer de novo.
— Vais estar quentmha dentro de urn minuto,
meu amor — pro¬meteu Bradford. Havia certo
humor em seu olhar e sua voz, e Caroline
entendeu que ele estava sorrindo porque achava
que ela estava tremendo por causa do que estava
para acontecer. Ela lhe lançou o que esperava
ser um olhar de enfado. Ele definitivamente
estava por cima agora, e Caroline sentia-se
completamente perdida. Pensou, enquanto olhava
o marido tirar os sapatos e a camisa, que se
pudesse ao menos parar de olhar para ele, podia
ser capaz de achar urn jeito de recuperar um
pouco que fosse do controle. Ele estava sentado
na beira da cama, e Caroline sentiu vontade de
estender o braço e tocá-lo.
Lembrou-se de como os beijos dele a haviam
incendiado antes, e como ela não queria que as
carícias terminassem, e só esses pensamentos já
afastaram parte do medo que ela sentia.
Bradford levantou-se, começou a tirar as calças, e
depois hesitou.
Virou-se, deixando Caroline ver seu peito
musculoso. Pêlos negros e encaracolados cobriam
toda aquela massa de músculos. Caroline sabia
que estava de olhos arregalados, mas não deu para
evitar.
— Tu me lembras um pouco um guerreiro
espartano, sabias? — disse Caroline, sem
conseguir evitar. Notou a cicatriz logo acima da
cintura dele e perguntou: — Foi em alguma
batalha que te feriste?
— Em uma briga de bar — corrigiu Bradford.
Sorriu e sentou-se de novo na cama. Decidiu ficar
de calções por enquanto, por respeito à inocência
da mulher. Era tão espantadiça quanto uma
potrinha nova, e ele não queria amedrontá-la
ainda mais. — Milford tem uma cicatriz
igualzinha, só que do lado esquerdo. Lembranças
da nossa primeira noite do outro lado da cidade.
— Vou ter que pedir a ele que me mostre —
comentou Caroline com um brilho nos olhos.
Estava se descontraindo com aquela troca de
gracejos. Bradford agia como se tivesse todo o
tempo do mundo, e o pânico inicial que tinha
dominado Caroline agora estava passando. Ela
sentia-se quase como se tivesse recuperado o
controle sobre a situação.
— Não vais, não — respondeu Bradford, num
grunhido baixo. — Mesmo sendo meu melhor
amigo, ele provavelmente rasgaria as roupas se tu
apenas insinuasses isso.
— Não confias no Milford? — disse Caroline em
tom
incrédulo.
Bradford não respondeu a essa pergunta.
Estava tendo dificuldade de tentar acompanhar
aquela conversa. Estava sentindo um tesão louco,
e só conseguia pensar em tomar a sua mulher nos
braços.
— Creio que devia alertar-te, Bradford... —
começou Caroline. Não conseguiu olhar para ele,
e abaixou os olhos, olhando para suas próprias
mãos.
Bradford franziu o cenho, perguntando-se o
porquê da seriedade na voz dela. Ele estendeu as
mãos, emoldurando-lhe o rosto com elas, e
obrigou-a a olhá-lo,
— Não tenho plena certeza de como proceder,..
Não sei bem o que devo fazer.
Bradford indicou com um gesto de cabeça que
compreendia, ten¬tando continuar sério com todas
as forças.
— Não esperava que tu tivesses experiência —
disse.
Caroline continuou olhando para ele, sua
expressão muito séria, mas Bradford notou que
aquele brilho especial tinha voltado aos olhos
dela.
— Presumo que tu saibas o que fazer, não?
Bradford vagarosamente assentiu, os cantos da
boca esticando-se, num sorriso, e Caroline
acrescentou:
— Achava que sabias, mas estás só aí sentado,
ainda de calções, e até mesmo eu sei que é preciso
que os tires.
Ele não respondeu, mas tomou-a nos braços.
Deitou-se, levando-a consigo, e levou as mãos até
os quadris dela, puxando-a firmemente contra si.
— Considerei melhor ficar de calções por respeito
a teus senti-mentos de virgem.
— Só que creio que tu assim não vais chegar a
lugar algum — sussurrou Caroline, com os lábios
encostados à sua face.
Bradford começou a acariciar as costas de
Caroline e empurrou sua cabeça para um lado
com a mandíbula para poder beijar-lhe delica-
damente o pescoço.
— Assim, como? Tendo respeito ou ficando de
calções?
Caroline começou a responder, mas o bafo quente
dele contra seu ouvido fê-la distrair-se.
— Estás me aquecendo — murmurou ela em vez
disso.
— Não é suficiente — disse-lhe Bradford. E rolou
com ela, até ela ficar deitada com as costas na
cama, deixando que ele a cobrisse com seu corpo.
— Quero que estejas fervendo, Caroline, tão
quente que teu corpo sue por causa do calor. —
Sua boca cobriu a dela, em um beijo que prometia
o cumprimento daquele seu requisito.
Os lábios de Caroline abriram-se sob os
dele, e a língua de Bradford invadiu-lhe a boca,
penetrando no interior delicioso e macio. Ela
suspi¬rou, ao desfrutar das sensações eróticas que
ele lhe oferecia, e começou a acariciar-lhe
vagarosamente os ombros. A pele dele lhe
pareceu muito rija e incrivelmente cálida, muito
musculosa.
Bradford continuou atacando com ternura a boca
de Caroline até ela não conseguir mais formular
um único pensamento. Ela permitiu que as ondas
sensuais de prazer a consumissem, ouviu-se
gemendo em protesto quando ele se afastou dela.
Ele ficou de pé e tirou rapidamente o resto das
roupas, e Caroline considerou-o o mais belo
homem vivo da face da terra. Ele portava-se de
forma tão desinibida assim nu, tão natural, que
Caroline não ficou tão encabulada quanto
imaginou que ficaria. Naturalmente, não
conseguiu olhar diretamente para aquilo, parando
um pouco acima de suas coxas musculosas.
Bradford continuou ali de pé, ao lado da cama, até
Caroline fi-nalmente olhar para o seu rosto. Sabia
que estava vermelha da cabeça aos pés, e desejou
ser um pouco mais sofisticada para poder levar
tudo aquilo com mais tranquilidade. Afinal, tinha
sido criada em uma fa-zenda, e sabia muito bem
como era a ordem natural das coisas!E tinha
quatro primos homens, que se vestiam de maneira
bastante confortável e não disfarçavam os
comentários que trocavam entre si... quando não
percebiam que ela podia escutá-los. Mas,
recordou-se, aquilo jamais tinha acontecido com
ela. Essa, deduziu ela, ao contemplar o homem
que lhe tiraria a virgindade, era a grande
diferença.
— Olha para mim, querida — a voz de Bradford
soou tão pos-sante quanto sua postura.
Caroline pensou em responder que já estava
olhando, mas sabia o que ele queria dizer. Não
disse nada, mas abaixou lentamente o olhar,
seguindo a trilha de pelos que cobria seu peito
musculoso, parando no ventre perfeito e depois
continuando, até estar olhando para a prova rija de
que ele estava excitado. Ficou apavorada de novo,
pensando que o casamento não poderia ser
consumado, e que por ela, tudo bem, porque eles
não combinavam mesmo...
Bradford viu o pânico no olhar de Caroline, e
suspirou, sôfrego, porém paciente. Voltou a
deitar-se depressa ao lado dela, puxou-a para os
seus braços. Ela sentiu o pênis duro dele
encostado ao seu corpo, sentiu aquele calor rígido
através da camisola, e tentou, sem conseguir,
afastar-se nem que fosse um pouquinho. Bradford
não permitiu que ela se movesse, murmurando
palavras ternas para acalmá-la quando come-çou a
tirar-lhe a camisola devagar.
Caroline sabia que devia tirá-la, que
provavelmente era outro requisi¬to indispensável.
Mas mesmo assim tentou deter as mãos de
Bradford. O tecido fino rasgou-se durante aquele
cabo-de-guerra amoroso, e Bradford conseguiu
desnudá-la. Dentro de segundos, ela estava nua.
— Foi a Charity que me deu essa camisola —
disse Caroline, ofegante. — Se ela descobrir que a
destruíste...
Ele rolou, colocando-se por cima de Caroline, e
fazendo-a ofegar de novo ao sentir seu corpo
inteiramente em contato com o dela de for-ma tão
íntima, e ver o olhar apaixonado dele. Ele não era
pesado, e ela entendeu que estava se apoiando nos
cotovelos, para não esmagá-la.
— Não vamos contar a ela, amor — murmurou
Bradford. Sua voz parecia uma carícia suave, um
roçar calmante no medo cada vez maior de
Caroline.
Ele sabia que ela ainda não estava preparada, e
procurou controlar-se. Seu corpo estava louco por
terminar o ato, e ele sentiu o suor bro¬tando na
testa. Beijou-a novamente, um beijo intenso e
descontrolado. Tinham terminado os gracejos.
Caroline sentiu a mudança em Bradford, a tensão
no seu abraço, nas suas carícias. Preparou-se para
sentir dor, mas Bradford não a obrigou a abrir as
pernas. Em vez disso, abaixou a cabeça até a boca
estar roçando-lhe o pescoço, e depois desceu
mais, até o vale entre os seios dela.
Caroline suspirou de prazer. O nó quente dentro
do ventre dela começou a expandir-se, e Caroline
sentiu-se como se o sol estivesse fluindo pelas
suas veias.
Bradford excitou-lhe os mamilos, circundando
cada um várias ve¬zes, até Caroline começar a
arquear-se contra ele. Quando finalmente
começou a sugá-los, Caroline gemeu de satisfação
e sentiu uma inquieta¬ção cada vez maior. A mão
dele acariciou-lhe os quadris, e quanto mais ele se
aproximava do ponto entre suas pernas, mais
indócil ela ficava. Não conseguia respirar direito,
e começou a movimentar os quadris, inquieta.
Quando ele finalmente começou a acariciar a
quentura úmida entre suas pernas, Caroline gemeu
de prazer.
Estava mais do que preparada para ele. As pétalas
macias, lisas e molhadas, os movimentos
vagarosos e eróticos dos quadris contra a mão
dele, quase fizeram Bradford perder o controle de
vez. Ele vagarosamente enfiou os dedos na vagina
dela, sentiu aquela resistência quente e apertada,
ouviu-a gemer seu nome e viu então que não iria
mais poder esperar.
Olhou para cima, para os olhos dela, observando-
a, ao colocar-se entre suas pernas.
— Não vou te machucar — murmurou. — Só que
não consigo
esperar mais. — Sua voz estava rouca de tanto
tesão.
Bradford segurou os quadris da esposa,
imobilizando-a contra si, e inclinou-se para beijá-
la.
— Abraça-me, meu amor — sussurrou. E aí sua
boca cobriu a dela. Ele a penetrou vigorosamente,
tão vigorosamente quanto sua lín¬ gua invadiu-
lhe a boca.
Caroline arqueou-se contra ele, gritando de dor, e
aí tentou afastar-se. Foi inútil, porque o marido
não permitiu que se movesse. Usou seu peso para
aprisioná-la. A ardência que ela sentiu terminou
imediatamen¬te, mas depois ela sentiu um
latejamento incómodo. Afastou a boca da de
Bradford e procurou afastá-lo outra vez.
— Não te movas, Caroline. Ainda não. Espera
até... — e ele não conseguiu terminar a frase,
concentrando-se em vez disso em beijá-la de
novo. Suas mãos subiram dos quadris dela para os
lados do rosto molhado de lágrimas de sua esposa.
Caroline sentiu-o tremer quando
o envolveu com os braços, e aí achou que a dor
não era assim tão insu¬ portável. Então Bradford
começou a mexer-se, a princípio devagar, com
paciência, e a dor imediatamente recomeçou.
Não deixou que ela o detivesse, continuando o
ataque amoroso contra seus lábios até ela perder o
fôlego. A dor foi logo esquecida em meio ao
prazer sonolento que estava lhe invadindo os
membros. Ela sentiu-o colocar as pernas dela em
torno de seus quadris, e depois ele afastou a boca
dos lábios dela, e olhou para ela. Caroline
estendeu a mão e tocou-lhe o maxilar de leve,
desenhando a boca firme do marido com um dedo.
Bradford virou-se, abocanhou o dedo da mulher,
acariciou-lhe um lado com a língua. Caroline
arqueou-se contra ele, pegou-lhe o rosto entre as
mãos, e puxou-o para si. Foi a última coisa que se
lembrou de fazer.
Então Bradford perdeu completamente o controle,
permitindo que a paixão fluísse entre ambos. Um
prazer primitivo dominou Caroline, puxando-a
para junto do sol. Ela agarrou-se a Bradford,
instintivamente confiando nele para mante-la
segura, e recebeu o calor de braços abertos.
A respiração de Bradford estava acelerada. Ele
deixou de tentar ser delicado, passou a acariciá-la
com força, e o prazer aumentou. Quando Caroline
contraiu-se toda debaixo dele e gritou seu nome,
num sussurro amedrontado, ele percebeu que ela
estava para gozar, libertando-se do tormento
prazeroso que eles estavam se proporcionando.
Ela se arqueou contra ele com tal força, tal
intensidade, que Bradford gozou, sentiu os
tremores até o fundo da alma. Pensou em acalmá-
la, dizer-lhe que estava tudo bem, mas o tremor
foi tão avassalador que ele só conseguiu abraçá-la
com força.
Bradford levou vários minutos para fazer seu
coração bater mais devagar, acalmar sua
respiração irregular. Sentia-se plenamente
satisfei¬to, completamente saciado. Ainda dentro
dela, apoiou-se nos cotovelos e olhou para
Caroline. Seu olhar estava sonolento de
satisfação. Uma gatinha de olhos cor de violeta,
decidiu Bradford, com um sorriso. E era sua
gatinha.
Caroline tentou retardar sua pulsação. Também
estava assombrada pelo que tinha acabado de
acontecer com ela. Seus lábios estavam in¬chados
dos beijos dele, e ela ainda estava latejando do
prazer escaldante que Bradford tinha-a obrigado a
sentir. Não tinha permitido que ela se recolhesse,
nem que se desse pela metade, e quando ela
pensou na sua reação intensa, sentiu-se corar.
Bradford sorriu abertamente ao ver o
constrangimento e a timidez na expressão de sua
esposa. Ele a beijou demoradamente, sorrindo por
dentro pela reação recatada dela. Apenas minutos
antes ela tinha se comportado como uma
verdadeira pantera em seus braços. Ele ainda
po¬dia sentir a ardência causada pelas unhas dela
lhe penetrando os ombros, lembrar de suas
súplicas desesperadas para que não parasse
enquanto ele estava arremetendo sem parar,
penetrando-a vezes sem conta.
— Bradford, estás me esmagando — informou
Caroline, contra o lado da boca dele.
Ele suspirou e relutantemente rolou para o lado. A
separação não durou muito, pois Bradford
imediatamente puxou Caroline para seus braços,
aninhando-a junto a si. Ternamente empurrou um
cacho de cabelos molhados da testa dela.
— Eu te machuquei, amor?
Caroline estava observando o pescoço dele, mas
concordou com a cabeça para responder à
pergunta do marido. Bradford tentou afastá-la o
suficiente para olhar nos seus olhos.
— A princípio. O resto não doeu nada — admitiu
ela. A voz saiu abafada contra o pescoço do rapaz,
mas Bradford percebeu a timidez em seu tom.
— O resto? — indagou ele, em tom de quem
provoca. Relaxou a cabeça contra o alto da cabeça
dela, apertando-a carinhosamente.
Caroline não respondeu. Sorriu de contentamento
e suspirou.
— Vais querer repetir tudo que fizemos agora
com frequência? — perguntou, fingindo
inocência.
Sentiu um tremor dentro do peito dele segundos
antes de ele soltar a gargalhada. E aí se viu
subitamente presa embaixo dele de novo, fitan¬do
seus olhos castanhos cheios de fagulhas douradas.
— A toda hora — grunhiu.
Caroline sorriu, imensamente satisfeita consigo
mesma. Seus olhos arregalaram-se de assombro
quando sentiu contra si a dureza do desejo de
Bradford.
— Bradford? Nós podemos...
— Mas sem dúvida alguma. — Sua boca apossou-
se da de Caro-line, calando-lhe o resto das
perguntas. Ela passou os braços ao redor dele, e
apertou-o contra si. adorando a sensação causada
pelo seu peito encostado contra seus seios, a
rigidez dele contra sua maciez. Um pen-samento
súbito interferiu naquela sensação erótica, e ela
afastou a boca dos lábios dele.
— Vai doer outra vez? — indagou ela, meio
nervosa.
— Provavelmente sim — disse Bradford. E
recostou-se, fitando o rosto de Caroline durante
um bom tempo, perguntando depois: — E te
importarás com isso? — Ele sabia que pararia se
ela lhe desse o mínimo sinal de que estava
sentindo ardência.
— Provavelmente — respondeu Caroline. E aí
puxou a cabeça dele para perto de si, e eles
beijaram-se perdidamente, esquecendo toda a
pre¬caução. Os 'provavelmentes' logo se
perderam no fogo de sua paixão.
Depois de Bradford ter caído em um sono
profundo, Caroline passou a alternar-se entre
devaneios e lucidez. Não estava acostumada a
dormir com ninguém, e aceitou isso como
desculpa para ter um sono inquieto. Isso e o fato
de que estava se sentindo ao mesmo tempo do-
lorida e machucada.
O sol estava apenas começando o ritual de erguer-
se no horizonte quando Caroline saiu da cama e
foi para o quarto ao lado. Tomou um banho
completo, esfregando-se da cabeça aos pés, e
vestiu um roupão macio e quente quando
terminou. O perfume de rosas aromatizava seu
corpo quando ela voltou para perto do corpo
inerte de Bradford. Estava inteiramente acordada
agora, e perguntava-se quanto tempo o marido
continuaria a dormir. Seu roupão ficou enrolado
nos lençóis e finalmente ela o removeu.
Estava nevando, e Caroline, da cama, olhando
pela janela, ficou as¬sistindo à leve cascata de
flocos durante vários minutos. Sentou-se, com os
braços em torno dos joelhos, pensando em
Benjamin, perguntando-se como ele estaria
enfrentando o frio ao voltar para Boston.
Preocupava-se com sua segurança e orou por ele.
E aí sentiu a mão de Bradford subindo devagar
pelas suas costas. Virou-se para olhá-lo e sorriu.
— Eu te despertei? — sussurrou, como quem
pede desculpas. Ele parecia intimidador para ela
por causa da forma como a contemplava. Ela
estendeu a mão para lhe tocar o rosto, sentiu a
barba que tinha despontado durante a noite em
suas faces.
— No que estavas pensando? — indagou
Bradford. Espreguiçou-se e depois ergueu os
braços, entrelaçando as mãos atrás da cabeça e
dando um bocejo enorme.
A intimidação aumentou com aquele
espreguíçamento dele, e Ca¬roline achou-o
parecido com um urso monstruoso.
— Estava pensando em Benjamin — respondeu
ela. — Deve estar congelado agora.
— Entre outras coisas — respondeu Bradford. —
Ele queria voltar, e precisavam dele em Boston,
amor. Ele não tinha mais o que fazer aqui.
— Como sabes disso? — indagou Caroline.
— Tive uma longa conversa com teu protetor
antes de ele ir em-bora — contou-lhe Bradford.
Caroline sorriu ao ouvir aquele comentário de que
Benjamin era seu protetor.
— Nós nos protegemos mutuamente — disse ela.
— Ele é meu amigo.
— Ele me contou como tu o conheceste —
admitiu Bradford. E sorriu, daquele jeito meio
torto que Caroline tanto gostava, fazendo seu
coração dar um pulo.
— Benjamin não fala facilmente com qualquer
um. Estou surpresa de ele ter trocado confidências
contigo. — E franziu a testa, perguntan¬do-se
exatamente corno Bradford o teria convencido a
isso.
— Eu lhe disse que íamos nos casar, e que de
agora em diante eu é que cuidaria da tua proteção
— respondeu Bradford, respondendo sem querer à
pergunta que ela estava pensando em formular.
— Mas que arrogância a tua — disse Caroline.
Bradford não se deixou intimidar pelo seu
comentário. Rolou para o lado, chutando as
cobertas de cima de si, e começou a mordiscar o
quadril de Caroline.
Caroline pulou e tentou lhe dar um tapa na cara.
Riu quando lhe disse que ele não estava se
comportando como um cavalheiro, mas o riso
parou quando ela viu o membro viril dele rijo de
novo.
— Bradford, estou muito ardida, ainda. Tu vais
ter que...
—Te amar de um jeito diferente — terminou
Bradford. Caroline virou-se até estar de joelhos e
franziu o cenho para o marido. Ele a fitava de um
jeito extremamente sensual e concupiscente.
Passou muito tempo contemplando os seios dela,
os mamilos eretos, já instintivamente se
preparando, a cintura fina e os quadris esguios da
sua mulher, apreciando sua nudez com um olhar
cheio de promessas. Ela sacudiu a cabeça quando
ele a chamou com o dedo.
— Vem aqui, Caroline. Dessa vez não te
machucarei, juro.
— Foi isso que disseste da última vez —
murmurou Caroline quando ele estendeu o braço e
a puxou para cima de si. — Bradford, estou
mesmo dolorida, juro.
O tom de voz dela era temeroso, e Bradford tratou
de acalmá-la.
— Existem inúmeras formas de se fazer amor,
Caroline. Relaxa — murmurou, acariciando-lhe as
costas.
Caroline não estava entendendo muito bem o que
Bradford lhe dizia. Afastou-se dele, apoiada nos
cotovelos, e lançou-lhe um olhar incrédulo
proposital. Ele a beijou para tranquilizá-la,
enquanto lhe aca-riciava as nádegas.
Os beijos leves logo ficaram insatisfatórios, e a
intensidade, o ca¬lor da fome escaldante dele
explodiram, transformando-se em paixão pura. A
boca de Bradford violou o corpo de sua esposa
impiedosamente, forçando-a a esquecer de sua
resistência vacilante. Ele empurrou-a, fazendo-a
deitar de costas, e depois, aproximando dela a
cabeça, sugou-Ihe os seios palpitantes.
Os dedos de Caroline desceram pelos cabelos
macios e sedosos de Bradford. Ela tentou rolar,
para se aproximar mais do corpo do marido, mas a
perna dele estava prendendo-a contra a cama, sem
permitir que se movesse. E aí ele passou a descer
mais ainda, formando uma trilha escaldante com
seus beijos quentes, sua língua aveludada.
Ela só percebeu o que ele pretendia quando o
joelho dele a obri-gou a afastar as pernas uma da
outra e as mãos dele lhe seguraram os quadris.
Seus dedos penetraram-lhe entre as pétalas
acetinadas do sexo, acariciando-o e bolinando-o
até ela estar molhada e escorregadia, de tanta
excitação. A boca substituiu os dedos de
Bradford, e ele fingiu que não ouvia as súplicas
amedrontadas de Caroline para que ele parasse.
Aquele tipo de prazer era uma delícia torturante.
Os quadris de Carohne passaram a movimentar-se
de modo vagaroso e letárgico. Ela agarrou os
lençóis, e sua cabeça mexia-se para um lado e
outro no tra-vesseiro, inquieta, enquanto os
quadris rebolavam em consequência da magia de
Bradford.
Quando ela pensou que não seria mais capaz de
suportar aquele êxtase cada vez mais intenso, o
calor no seu interior explodiu em mil fragmentos.
Ela arqueou o corpo, entregando-se a ele, e ouviu-
se cha-mando o nome do marido.
Bradford tinha pensado apenas no prazer dela,
mostrar-lhe a que alturas ele era capaz de elevá-la.
E aí precisou combater a necessidade imperiosa
de penetrar-lhe a quentura tentadora. Estava tão
apertadinha, tão quente, e a reação impetuosa dela
a suas carícias quase o fez perder a cabeça e
esquecer suas boas intenções.
Ele suspirou fundo, acalmando seu corpo trémulo,
e afastou-se dela. Obngou-se a pensar em outra
coisa que não fosse a criatura sensual ao seu lado,
jurando, com um grunhido selvagem, não possuí-
la.
Caroline sentou-se, seu olhar ainda sonolento de
paixão. Sua mão acariciou a coxa de Bradford em
círculos lentos e ela ficou surpresa quando ele
agarrou sua mão e a fez parar.
— Dá-me um minuto para esfriar — pediu
Bradford. Sua voz es¬tava rouca, mas não havia
como evitar isso. Sentia uma palpitação forte no
sexo, pedindo que ele se satisfizesse. — Senão
vou quebrar minha promessa, minha querida, e
vais andar mancando uma semana.
Caroline sorriu.
— Uma semana, Bradford: Certamente deves
estar exagerando. — Ela soltou a mão e passou o
dedo pelo meio do peito do marido. — Parece que
estás sentindo dor, meu marido — comentou ela,
a voz baixa e provocante. A mão dela hesitou um
instante, e Caroline notou que
o marido tinha prendido a respiração. E de repente
ela se sentiu pode-rosíssima, e muito sedutora. A
mão continuou até ela tocar o membro rijo de
Bradford.
Bradford estremeceu visivelmente e depois soltou
um gemido alto. Caroline sorriu ao ver isso, e
murmurou:
— Tu me destes prazer. Bradford... Não há uma
forma de eu também te dar prazer?
— Caroline, tu és mesmo uma criança inocente...
— O resto da explicação ficou presa na garganta
dele, perdeu-se no grunhido baixo que ele soltou
quando Caroline lentamente abaixou a cabeça e
depositou beijos provocantes e levíssimos como
plumas no umbigo do mando.
— Vais ter de me dizer o que fazer — murmurou
ela.
O duque de Bradford imediatamente passou a
explicar tudo tintim por tintim.
CAPITULO II

A
preocupação de Caroline com o constrangimento
que sentiria quando encarasse seus convidados
não se realizou. No final do fim de semana,
quando ela e o marido finalmente saíram do
quarto, todos os convidados já haviam partido.
— Uma falta de educação terrível essa nossa —
disse Caroline ao marido durante o jantar, naquela
noite. O sorriso malicioso dela revelou ao rapaz
que ela não tinha se importado muito com sua
gafe, e ele não pôde evitar o riso.
Bradford tinha planejado uma viagem de lua-de-
mel como manda o figurino, mas ele e sua esposa
jamais passaram pela porta da frente, naqueles
dias e noites cheios de urna felicidade perfeita.
Caroline adaptou-se rapidamente a sua nova vida,
e assumiu as responsabilidades de administrar
aquela imensa mansão com relativa facilidade.
Henderson, o mordomo de Bradford, e a sra.
Lindenbowe, a governanta, ensinaram-lhe tudo.
Caroline veio a descobrir que Bradford não era
tão fácil assim de controlar. Aliás, conforme disse
a si mesma em várias ocasiões, também não era
um homem fácil de se amar. Seu mau génio
comparava-se ao do monte Vesúvio quando ele se
zangava., mas suas explosões logo pas¬savam.
Caroline sempre o enfrentava, replicando palavra
por palavra, e devagar passou a aceitar o fato de
que o relacionamento deles seria sempre
imprevisível.
Esperava com frustração cada vez maior que o
marido lhe dissesse que a amava. Achava que,
com o tempo, os muros que Bradford tinha erigido
em torno de seu coração iriam dissolver-se e ele
lhe permitiria ver sua vulnerabilidade.
Ele, sem dúvida, era o homem mais teimoso do
mundo. Ela apren¬deu, durante as semanas
seguintes, que havia certos assuntos que ele não
queria discutir de jeito nenhum. E sua família era
o primeiro tópico da lista.
Caroline nunca tinha sido muito paciente na vida,
mas conseguia se controlar bem, achando que no
fim a recompensa valeria o esforço. Bradford
terminaria por confiar nela do fundo do coração.
Caroline sentiu pena quando eles precisaram
voltar a Londres. Foi para o casamento de
Charity, que certamente seria festivo, mas ela
detestou encerrar a lua-de-mel. Disse exatamente
isso a Bradford, e ele riu, apertando-a contra si
dentro da carruagem na viagem de volta à cidade.
— Também se pode fazer amor em Londres,
querida. Meu Deus, acho que fiz de ti uma mulher
extremamente lasciva.
— E te arrependes disso? — perguntou Caroline,
com um sorriso.
A resposta de Bradford foi levantá-la e colocá-la
em seu colo, e lhe mostrar que não se arrependia
nem um pouco.
Caroline nunca tinha visto o sobrado de Bradford
na cidade e considerou-o bastante confortável. Era
espaçoso e masculino, atravan¬cado de mobília
pesada, antiga e forrada de couro, indicando que
aquele espaço pertencia a um homem.
A cama imensa de baldaquino no quarto de
Bradford tinha cor¬tinas espessas que ficavam
atadas nas colunas durante o dia. Caroline testou o
colchão enquanto Bradford preparava-se para o
jantar. Ele a observou de soslaio enquanto ela
desamarrava ambas as cortinas. Esta¬va oculta
por elas quando suas gargalhadas indicaram a
Bradford que estava se divertindo.
— Essa cama deve ser bem quente — gritou ela
para ele. — Bem
confortável e morninha.
Bradford foi até a cama e afastou a cortina. Seu
peito nu cintilava depois do banho. Caroline
sorriu para ele, deitada sobre a colcha.
Entre¬laçou as mãos atrás da cabeça, imitando o
jeito do marido, e lançou-lhe uma piscadela
vagarosa e sedutora.
— Alguma vez já sentiste frio na minha cama? —
perguntou Bradford, fazendo-se de zangado, mas
com um riso na voz que con-trastava com a cara
de mau.
Caroline estava apenas de roupão e com uma coxa
à mostra para o marido ver. O olhar de Bradford
percorreu todo o caminho entre a cabeça dela e
seus artelhos, e quando ele voltou a olhá-la nos
olhos, não estava mais achando graça.
— Tu me provocas, Caroline — disse Bradford.
Sua voz estava roufenha agora.
— Temos tempo? — perguntou Caroline,
sussurrando ofegante, uma reação ao olhar
cobiçoso de Bradford. Desamarrou a faixa que
atava seu roupão com um sorriso sedutor que
apenas intensificou o desejo de Bradford, tirou a
peça de roupa que a restringia, e estendeu os
braços ao marido.
Bradford não recusou o convite. Tirou os calções
que tinha acaba¬do de vestir e deitou-se ao lado
da esposa. Caroline aguardou até ele a erguer nos
braços e depois de um longo minuto percebeu que
ele estava esperando que ela virasse para ele. Ela
riu, uma risada alegre, sem inibi¬ções, que fez
Bradford sorrir, e subiu em cima do marido.
E aí começou a exercer sua magia sobre o corpo
dele, transfor-mando-o de duque de Bradford
controlado e disciplinado no guerreiro indomável
que se ocultava imediatamente sob sua pele.
Bradford permitiu que a deliciosa agonia que
estava sentindo con¬tinuasse até estar pronto a
explodir. Sua voz ficou rouca nessa hora, e ele
pediu que ela parasse de atormentá-lo e
terminasse logo com aquilo.
Caroline fingiu que não tinha escutado e
continuou a levá-lo até o ponto de êxtase
completo.
Bradford soltou um grito de batalha e Caroline de
repente se viu deitada de costas.
— Não vou ter piedade — grunhiu ele, com o
rosto encostado no da esposa, E embriagou-a de
prazer até ela suplicar que ele terminasse logo. Ele
fez uma careta de satisfação e de dor devido à
tensão acumu¬lada nas suas entranhas, puxou-a
para cima de si de novo e penetrou-a
com força, pondo fim a todas as carícias
preliminares.
Caroline jogou a cabeça para trás e soltou um
gemido baixo que Bradford respondeu com outra
estocada, e depois mais outra. Ambos gozaram
exatamente no mesmo instante.
Caroline sentiu-se como se estivesse no centro do
céu, e Bradford a segurasse para mante-la
protegida. Vagarosamente flutuou de volta à
realidade, com um sorriso satisfeito.
Sua cabeça descansou no peito de Bradford, e ela
ficou escutando o coração dele bater contra o seu.
Esperou até a respiração dele ficar mais vagarosa
e depois murmurou:
— Eu te amo.
Tinha se tornado um ritual, dizer-lhe que o amava
assim que ter-minavam o ato sexual, e, como
sempre, ela o esperava dizer o mesmo. Sabia que
podia exigir isso, e provavelmente conseguiria
que ele respon¬desse o que ela queria, mas
desejava que ele fizesse essa declaração do fundo
do coração.
Bradford apertou Caroline contra si e suspirou de
satisfação. Foi esse o único sinal que deu de que
tinha sequer ouvido a declaração da esposa, e
Caroline voltou a aceitar que ele ainda não estava
pronto.
Ela se esforçou por não demonstrar tristeza e
apoiou-se nos coto¬velos para olhá-lo nos olhos.
— Vamos ficar aqui o resto da noite.
— Sugestão interessante — respondeu Bradford
com um sorriso malicioso. — Mas tua família
provavelmente exigirá uma explicação. Vais dizer
a eles por que ficamos aqui, ou será que eu é que
devo explicar?
Caroline ficou vermelha na mesma hora.
— Um cavalheiro não falaria nesses assuntos —
disse ela. — Creio, então, que é melhor nos
vestirmos.
E tentou sair de cima de Bradford, mas ele a
prendeu nos seus braços.
— Ainda não, Caroline, acho que devíamos
repassar o combinado uma vez mais.
Caroline revirou os olhos e suspirou exasperada,
— Já sei tudo de cor e salteado, Bradford. Não
vou sair do seu lado durante o baile, não vou fugir
para canto nenhum com Charity, e se acontecer
alguma coisa, e precisares sair de perto de rmm,
devo ficar perto do Milford até voltares.
Bradford confirmou, com uma expressão solene.
Caroline alisou-lhe as rugas da testa com a mão.
— Por favor, não te preocupes, Bradford. Os
homens que contra¬taste não encontraram
nenhuma pista sequer. Além disso, eu te disse que
provavelmente foi alguma mulher vingativa que
queria que tu per¬tencesses a ela e achou que
fazendo aquilo me assustaria.

Agora Bradford é que demonstrou exasperação.


— Então essa dama te empurrou do alto de uma
escada, serrou o eixo da roda da minha
carruagem, depois te enviou aquela carta? E isso
que pensas?
— Não foi uma dama, Bradford, foi uma mulher.
Há uma dife-rença considerável. E faz sentido
para mim. Ela podia ter contratado alguém para
fazer o serviço na tua carruagem.
Bradford evitou expressar o que lhe passava pela
cabeça. Sua esposa era tão inocente que ele não
desejou alarmá-la com as informações que tinha
reunido. Era seu dever protegê-la de qualquer
atentado e ele não queria que ela se assustasse,
apenas que tivesse cautela. Até a armadilha ter se
fechado, a prova ser cabaí, ela não iria sair do
alcance de sua visão. Ela agora pertencia a ele, e
quem ousasse tocá-la não iria sair vivo.
Bradford vestiu-se calado. Caroline ficou o tempo
todo se metendo no seu caminho, e quando ele fez
uma pausa para lhe dizer que o quarto dela era
bem ao lado, e que ela podia vestir-se com
facilidade lá, sua esposa riu na cara dele e disse-
lhe, com toda a clareza, que não gostava de ter um
quarto à parte para si.
— Não posso permitir que Henderson venha aqui
me ajudar con¬tigo despida assim, sassaricando
pelo quarto — resmungou Bradford.
Caroline parou diante do espelho oval, penteando
os cabelos, sem se deixar incomodar pelo
comentário dele.
— Então, como é?
— Não és mais um garoto, Bradford. Podes
vestir-te sozinho ago¬ra. Eu faço isso há anos.
— Tua dama de companhia reclama disso.
— Mary Margaret já tem bastante serviço, não
precisa ficar ban-cando minha babá.
Bradford desistiu da discussão e desceu as escadas
para esperar. Ficou andando de um lado para
outro no vestíbulo, com um copo de conhaque na
mão, refletindo sobre a festa. Quase rejeitou o
convite para ir à Clavenhurst, a grandiosa mansão
do marquês de Aimsmond, por causa da
dificuldade que seria manter Caroline a salvo no
meio de tantas pessoas. Ele não podia recusar, é
claro, pois o marquês era tio de Caroline, e ficaria
ofendido se ela não comparecesse.
O baile tinha dois objetivos. Charity e Paul iam
casar-se dentro de dois dias, e era uma
comemoração pré-nupcial. Também era uma festa
em homenagem ao duque e à duquesa de
Bradford, o primeiro evento onde ele e Caroline
apareceriam como marido e mulher.
Caroline surgiu à porta, com um vestido brilhante
de seda azul-metálica, e viu o marido encostado
no consolo da lareira. Sua expressão furiosa
vagarosamente abrandou-se, substituída por uma
expressão ar¬rogante que intrigou Caroline.
Ela fez uma reverência exagerada, com os olhos
cor de violeta bri¬lhando, da cor do seu vestido, e
sorriu quando Bradford ergueu o copo, para
saudá-la.
— Estavas de cara amarrada um instante atrás, e
agora pareces muito convencido — comentou
Caroline. E belíssimo, pensou consigo. Estava de
casaca preta, e quando se afastou da lareira,
parecia incrivel¬ mente poderoso e musculoso
outra vez. Caroline perguntou-se quando
sua aparência deixaria fazer sua pulsação se
acelerar. Só de olhar para ele ela já sentia os
músculos contraírem-se de desejo de ser abraçada
pelo marido.
Caroline nunca tinha conseguido esconder seus
sentimentos muito bem, e Bradford viu
claramente o que ela estava pensando:
— Se continuares a me olhar assim, não vamos a
lugar algum — comentou Bradford. Ele colocou a
taça de conhaque sobre o consolo da lareira e
vagarosamente aproximou-se de onde estava a
esposa, parando diante dela. Seu sangue tinha
começado a ficar desconfortavelmente
quente, e tudo porque sua linda esposa lançara-lhe
aquele olhar especial.
Ele não estava conseguindo resistir à tentação de
toma-la nos braços e beijá-la apaixonadamente.
Com um suspiro de relutância, ajudou-a a colocar
a capa de peles, e chamou a carruagem. Eles já
estavam atrasados, e quanto mais cedo terminasse
a festa, mais rápido poderiam ficar a sós de novo.
O conde de Barton estava esperando logo à
entrada da casa do marquês, e abraçou Caroline
antes mesmo de ela tirar a capa.
— Senti saudades suas. filha — anunciou o pai.
Ele a puxou para um canto e murmurou, embora
não tão baixo que Bradford não pudesse ouvir: —
Estás feliz. Caroline? Ele está cuidando de ti
direitinho?
Caroline sorriu.
— Estou muito feliz. sim. meu pai. — E parou de
falar, saben-do muito bem que Bradfbrd podia
entreouvi-los. Se dissesse ao pai o quanto era
verdadeiramente feliz, como estava satisfeita, o
marido se transformaria no sujeito mais
insuportável do mundo, a ponto de ser impossível
conviver com ele. A humildade não era um dos
seus fortes, e ele iria ficar insuportavelmente
presunçoso.
Charity e Paul desviaram-lhe a atenção, e depois o
tio Franklin, com a esposa ao seu lado. entraram
na conversa.
O duque e a duquesa de Bradford entraram no
salão em grande estilo, e imediatamente foram até
o seu anfitrião. O tio Milo estava sentado perto da
entrada, e Caroline viu perfeitamente que ele já
estava fatigado. Começou a levantar-se, mas
Caroline sacudiu a cabeça e ime-diatamente
sentou-se ao seu lado.
Bradford deixou Caroline na companhia de seu
tio, depois de lhe lançar um olhar de advertência
para ela não desaparecer. O marquês admitiu que
estava cansado, sim. mas apenas de toda a
empolgação. Piscou para Caroline e cochichou-
lhe que não tinha trabalhado nem um pouco na
preparação da festa. Franklin e Loretta tinham
cuidado de todos os preparativos.
Caroline segurou-lhe a mão e escutou-o explicar
suas atividades durante as últimas semanas.
Contentar-se-ia em ficar ali sentada o resto da
noite, se isso lhe desse prazer, e recusou vários
convites para dançar.
Quando o tio Milo perguntou-lhe, daquele seu
jeito sem rodeios, exatamente quando ele poderia
esperar que a família aumentasse, Ca-roline riu.
— Ainda não conversamos sobre isso — admitiu
ela para ele. — Quando isso acontecer —
acrescentou — nem mesmo sei quantos filhos o
Bradford quer ter.
— Eu gostaria de ainda estar vivo para segurar
seu primeiro filho no colo — disse-lhe o marquês.
— Gostaria que o senhor nunca morresse —
murmurou Caroline, em resposta. Aquele seu
comentário agradou seu tio e ele apertou-lhe a
mão com muita afeição.
Bradford estava conversando com Milford do
outro lado do sa-lão, sem conseguir tirar os olhos
de Caroline. Milford tentou atrair a atenção do
amigo puxando conversa sobre os mais diversos
tópicos, e finalmente, quando viu que não obteria
lá grande reação, permitiu que sua exasperação se
manifestasse.
— O rei vai divorciar-se de sua esposa e se mudar
para a França na semana que vem — comentou,
para ver se ele se assustava.
Bradford fez sinal de que tinha ouvido e
continuou olhando para sua mulher.
— Ela não vai sumir, Brad. Pelo amor de Deus,
homem, controle-se. — Milford começou a soltar
risadinhas disfarçadas e deu um tapa nas costas de
Bradford, fazendo-o distrair-se de sua
preocupação por um momento.
— Ela não colocou jóia nenhuma.
Milford demonstrou sua confusão diante desse
comentário, virou-se para olhar para Caroline e
depois voltou a olhar o amigo.
— Ela está com seu anel na mão — comentou.
— Ela jamais tiraria esse anel do dedo. — Esse
comentário arro-gante fez Milford sorrir.
— Bradford, por que é que estamos conversando
sobre jóias? — indagou ele.
Bradford deu de ombros e finalmente deu sua
total atenção a Milford.
— Já soubeste de alguma coisa sobre o meu
problema? — indagou ele. Estava se referindo à
investigação sobre o inimigo de Caroline, mas
havia gente demais ali por perto que podia
escutar.
— Nosso problema, e sim, descobri uma coisa
que acho importante.
Bradford mostrou que tinha entendido com uma
vénia comportada.
— Mais tarde, depois do jantar, conversaremos
sobre isso, então.
Do outro lado do salão. Caroline ajudou o tio a
levantar-se e entre¬gou-lhe a bengala. Tinha
passado mais de uma hora com ele, e ele agora
estava satisfeito. Beijou-a para se despedir, depois
que ela prometeu três vezes visitá-lo na tarde
seguinte, depois foi até o vestíbulo. Caroline
acom¬panhou-o, cumprimentando com a cabeça
quem chamasse seu nome.
— Vais ser capaz de dormir com todo esse
barulho? — indagou-lhe Caroline,
— Tenho dormido feito um bebezinho
ultimamente — declarou o tio Milo. — Agora vá
aproveitar a festa, querida. Vou descansar, e
amanhã estarei novinho em folha, esperando
ansioso a tua visita.
Caroline ficou parada, com as mãos entrelaçadas,
olhando o tio subir as escadas vagarosamente.
Quando ele desapareceu de vista, ela virou-se,
pensando em procurar Bradford, mas Rachel
Tillman, com o noivo, Nigel Crestwall. a
interceptaram.
Rachel chamou a atenção de Caroline de forma
bastante agressiva. Agarrou-a pelo braço,
apertando-o até fazê-lo doer.
— Deves estar te sentindo a maioral — disse
Rachel. Caroline ficou tão surpresa diante dessa
veemência em sua voz, e do apertão do-loroso do
seu braço, que só conseguiu olhar para a mulher,
espantada.
— Veja só como ela finge inocência — disse
Rachel a Nigel. O tom de sua voz era de
zombaria, e Caroline ficou horrorizada ao notar
isso.
— De que estás falando. Rachel? — perguntou
Caroline, enfeza-da. Puxou o braço, para soltá-lo,
e procurou o marido em torno de si, meio
assustada.
Rachel interpretou mal seu olhar e disse:
— Ah, não se preocupe, não vou estragar sua
linda festa. Foi uma grande honra ser convidada.
Eu só queria que soubesses que não me enganas.
Estragaste tudo! Tudo! — Rachel agarrou o braço
de Caroline de novo, enterrando as unhas em sua
pele. — Vais pagar por isso, sua vagabunda. Não
perdes por esperar.
— Eu nunca bati em uma mulher antes, bati,
Milford? — Bradford fez esse comentário em tom
bastante descontraído atrás de Rachel, e, portanto,
não viu a cara de indignação que ela fez. — Mas
se não soltares o braço da minha esposa
imediatamente, srta. Tíllman, serás infelizmen¬te
a primeira.
Rachel recolheu a mão com um gesto brusco que
fez Caroline re-cuar um passo. Olhou para Nigel
furiosa, como se o censurasse por não avisá-la de
que Bradford estava se aproximando, e depois
virou-se e foi até o salão de baile. Nigel precisou
correr para alcançá-la.
Caroline ficou assistindo à retirada dos dois com
uma raiva cada vez maior. Milford foi o primeiro
a comentar a mudança de expressão dela. Pegou o
braço de Caroline e começou a esfregar as marcas
das unhas de Rachel para removê-las.
— Deves reagir na hora se alguém te agredir, não
depois — disse ele, com um sorriso irónico.
Caroline olhou Milford, que estava sorridente, e
para o marido, de cara amarrada.
— Eu sempre reajo devagar — disse ela. —
Bradford, a Rachel me odeia. Disse que foi tudo
culpa minha.
— O quê? — perguntou Milford.
Caroline deu de ombros. Notou que várias pessoas
estavam olhan¬do para ela espantadas, e
rapidamente fez desaparecer a expressão de raiva.
— Não faço a menor ideia.
— Vamos para casa. Milford, toma conta dela
enquanto vou cha¬mar a carruagem.
— Não vamos para casa coisa nenhuma —
declarou Caroline. — Não vou fugir de gente
como Rachel Tillman. E já prometi que me
encontraria com...
— Não vais te encontrar com ninguém — a voz
de Bradford fi-cou mais irritada., e Caroline tratou
de calar-se, toda abespinhada por dentro.
Não ia embora. O pai ia ficar decepcionado, pois
ela não tinha passado nem um minuto ao lado
dele, e depois do jantar ela iria ter uma conversa
confidencial com Charity. Não explicou nada
disso ao Bradford, só murmurou:
— Ainda não dançaste comigo.
— Ê verdade, Brad — interferiu Milford. E
continuou a sorrir, mesmo quando o duque e a
duquesa lançaram-lhe olhares de censura.
— Está bem! Vamos dançar, depois saímos. —
Bradford pegou o cotovelo de Caroline e puxou-a
para o salão de baile.
Caroline sorriu, percebendo que tinha acabado de
vencer uma batalha.
— Obrigada, meu mando — disse, tentando não
parecer muito convencida.
— Uma dança — insistiu Bradford, quando
ambos entraram na pista, com os casais que iriam
dar início a uma nova dança.
— Sim, Bradford.
Aquela aceitação branda da parte dela não o
enganou nem um mi¬nuto. Assim que terminou a
dança, Milford apareceu do nada, e exigiu dançar
com Caroline.
Bradford concordou, relutante. Seu humor
melhorou muito quan¬do ele viu Rachel e Nigel
saindo da casa. Ele não queria mais nenhuma
briga naquela noite. No dia seguinte teria uma
breve conversa com aque¬la bruxa e exigiria
saber o motivo de todo aquele ódio.
Caroline dançou com a maioria dos homens de
Londres, e já estava exausta quando terminou a
ceia e as danças recomeçaram. Bradford
contentou-se em assistir à esposa. Até se pegou
sorrindo algumas vezes ao perceber o rebuliço que
sua esposa estava causando. Ela comportava-se
com uma dignidade e uma autoconfiança que o
agradavam. E duas vezes, quando ele menos
esperava, ela virou-se no meio da dança e sorriu
para ele.
Bradford notou que Terrence St. James estava
sempre por perto de sua esposa. E também um
mancebo chamado Stanton. Ficou de¬monstrando
toda a paciência do mundo e acrescentou os
nomes deles à sua lista cada vez maior de dândis
com os quais iria precisar ter uma conversinha
amigável.
— Estás de cara amarrada de novo, Brad. Ainda
pensando na Rachel?
Bradford sacudiu a cabeça.
— Não, só de olho nos sujeitos que estão dando
em cima da mi¬nha mulher — comentou ele. O
tom de voz dele saiu entediado, mas Milford viu,
pelo olhar do amigo, que estava irritado. — Vou
ter uma conversinha com alguns deles antes da
festa terminar.
Milford sacudiu a cabeça.
— Vais ter que falar com todos os homens da
festa — comen-tou. — Olha, Caroline está
seguindo o pai dela até a pista. Vai passar alguns
minutos em segurança. Seria uma hora boa para
termos a nossa conversa, não concordas?
Bradford concordou, e seguiu Milford até outra
sala. Parou um segundo, o bastante para ver
Stanton ficar constrangido, e depois conti-nuou.
Milford agia de maneira totalmente natural, mas o
fato de ele ter falado na informação que tinha
obtido duas vezes até aquele momento indicou a
Bradford que não era mais uma pista furada. Eles
encontraram o escritório do marquês, encararam o
casal que tinha procurado aquele aposento para
ficar a sós um instante até o homem e a mulher
saírem da sala, sem trocarem com eles uma só
palavra, depois fecharam a porta.
Caroline terminou a dança com o pai quando
Charity veio corren¬do até ela sem fôlego de tanta
expectativa.
— Tio, dá-me licença um instante, Caroline e eu
precisamos con¬versar — pediu Charity.
Caroline seguiu a prima feito um cordeirinho até o
outro lado da sala.
— Esta alcova aqui vai nos dar a privacidade
necessária — de-clarou Charity. Ela segurava os
óculos nas mãos e colocou-os no nariz quando
estava sentada ao lado de Caroline. — Eu achava
que íamos po¬der conversar na varanda, mas
naturalmente iríamos ficar congeladas.
Caroline sorriu e deu tapmhas amistosos na mão
da prima:
— Não fique nervosa, Charity. Em dois dias vais
estar casada com o homem que amas e tudo será
maravilhoso.
— E é maravilhoso? — cochichou Charity,
franzindo o cenho. — Gostaria que mamãe
estivesse aqui. Estou assustada por causa do...
bom, tu já sabes por causa do quê, tenho grandes
apreensões.
— Charity, vai dar tudo certo. — Caroline sentiu-
se bem mais experiente, e depois se lembrou de
como estava assustada na noite depois do
casamento. Sentiu-se corar. — O Paul sabe que és
inexperiente — explicou com um
constrangimento cada vez maior ao falar sobre
aquele
assunto. — E no fim, vais até gostar.
Charity sorriu.
— Gosto quando ele me beija, sim — admitiu. —
E sei que não mentirias para mím. Se dizes que é
maravilhoso, então é porque deve ser.
Caroline sorriu, na esperança de que Charity não
fizesse perguntas mais específicas, e ficou
aliviada quando a prima se levantou e tirou os
óculos.
— Tu me fizeste sentir muito melhor.
Charity desapareceu, num turbilhão de seda rosa,
sem dúvida à procura do seu amado, e Caroline
tinha acabado de se levantar quando o alto e
magncela Terrence St. James surgiu e suplicou
que ela lhe con-cedesse um minuto de sua
atenção.
Caroline recusou o convite. Não era de bom-tom,
porque a alcova os ocultava completamente do
resto dos convidados. Além disso, Caro¬line não
queria conversar com o dândi. Ele não estava
fazendo a menor questão de esconder a atração
que sentia por ela, e ela ficou enfezada ao notar
isso. Afinal de contas, era casada!
— Só queria pedir-te permissão para encontrar-
me contigo en-quanto estás em Londres —
declarou St. James. — Só como distração, agora
que já te casaste... — Deu de ombros, deixando
que a imaginação dela completasse o resto da
frase.
Caroline ficou escandalizada ao ver a audácia
daquele cafajeste.
— Desta vez, passa — disse ela. Sua voz saiu tão
gelada quanto o olhar que ela dirigiu a ele, depois
ela procurou afastá-lo para passar, com um
estremecimento de repulsa.
— Mas não entendes — murmurou
Terrence, atrás dela.
Caroline fingiu não ter ouvido. Viu o pai em
um grupo do outro lado do salão, e imediatamente
tratou de abrir caminho até ele.
Reprimiu a raiva, achando que compreendia
exatamente o que aquele inglês odioso tinha em
mente. Estava resolvida a denunciar a Bradford o
descaramento de alguns dos homens que tinha
conhecido, depois resolveu deixar para lá.
Caroline passou vários minutos procurando
Bradford, depois de uma dança curta com Paul, o
qual sugeriu que ela procurasse o marido na
biblioteca. Caroline foi naquela direção, depois de
dizer ao pai que estava cansada e ia voltar para
casa logo. Agora só precisava encontrar o marido
e ir embora. Rachel Tillman e Terrence St. James
tinham-na feito
cair na defensiva, e ela só queria sair do meio de
todo aquele barulho e frivolidade. Acima de tudo,
queria que Bradford a abraçasse,
Caroline não percebeu que Terrence a seguiu até
bater à porta da biblioteca e espiar por ela. A sala
estava vazia, e Caroline estava para voltar, quando
Terrence empurrou-a para dentro e fechou a porta.
— Sai da minha frente — exigiu Caroline. Estava
zangada a pon-to de não se importar por fazê-lo
suplicar, e ficou mais furiosa ainda quando St.
James sacudiu a cabeça.
— Sou extremamente rico — começou. —
Poderia dar-te...
A paciência de Caroline estava se esgotando. Ela
empurrou-o para um lado e começou a dirigir-se à
porta. Ele aí falou, ofendido:
— Não tenho um tostão furado — confessou,
metendo-se en¬tre ela e a porta. — E estão me
pagando uma quantia altíssima para te colocar em
uma situação comprometedora. Seu marido é
ciumento, minha cara.
— E sim — respondeu Caroline. Recuou,
pensando em ir até a escrivaninha e apanhar o
candelabro para usá-lo como arma. — Ele pode
até te matar.
— Nunca aqui, no meio de todos esses
convidados — respondeu ele.
— Por quê? — indagou Caroline. — Por que estás
fazendo isso?
— Pelo dinheiro, é claro — respondeu Terrence,
dando de om-bros, indiferente. — Rachel vai me
pagar amanhã. Ela quer mesmo te ver pelas
costas, querida.
Caroline chegou à mesa e virou-se, mas não
logrou seu intento. Terrence St. James pulou em
cima dela, torcendo-lhe o corpo até seus braços
ficarem presos contra os lados do corpo. Ele a
segurou com toda a força, decidido a ir até o fim.
— Não vai ser assim tão ruim eu te beijar. Tu és
uma mulher muito atraente. Vai até valer a pena
levar uns socos do teu marido revoltado.
Caroline ficou parada, toda contraída, nos braços
dele. Parou de contorcer-se, mas esperou uma
oportunidade de se livrar. As pernas de Terrence
estavam afastadas o suficiente para ela fazer o que
planejava, e, assim que ele bobeasse, ela faria
justamente o que seu primo Caimen tinha-a
instruído a fazer para poder se livrar de um
homem.
— Meu marido só vai acreditar no que eu lhe
disser — gabou-se Caroline.
Terrence moveu as pernas e Caroline
imediatamente colocou seu pé direito entre os pés
dele. O som de vozes chegou até eles nesse
mesmo instante. Carolíne abriu a boca para gritar,
e Terrence tratou de silenciá-la com a boca.
A porta abriu-se exatamente quanto Caroline
estava para levantar o joelho da perna direita e
causar ao seu agressor uma dor excruciante.
Só que não teve oportunidade de fazer isso. A ira
de Bradford foi mais fulminante que um raio. Ele
arrancou Terrence St. James de cima da sua
esposa, jogando-o sobre a escrivaninha com tal
velocidade que Caroline ficou pasma. Saiu do
caminho exatamente no momento em que os pés
de Terrence passaram voando diante do seu rosto.
Caroline não podia ver o rosto do marido, pois ele
estava de costas para ela. Estava de olho em St.
James, esperando ele tentar ficar de pé outra vez.
Virou-se para a porta, onde estava Milford,
obviamente para evitar que qualquer outra pessoa
passasse.
St. James finalmente se levantou, mas caiu de
novo na mesma hora, depois de levar um soco
violento na barriga.
Caroline correu para o lado de Bradford e
finalmente viu-lhe a expressão. Um arrepio de
apreensão percorreu-lhe a espinha. Ele olhou para
ela, e no seu rosto via-se indignação, nojo e
desdém.
— O que estás pensando? — murmurou Carolíne,
esperando a resposta.
— Cala-te.'
Aquela ordem fria deixou Caroline espantada.
Ficou tão desacor-çoada pela fúria na voz dele e
pela expressão em sua fisionomia que começou a
chorar. Meu Deus do céu, será que ele acreditava
mesmo que ela tinha aceitado de boa vontade que
aquele homem horrível a beijasse? Ela sacudiu a
cabeça, sem querer acreditar que fosse verdade.
Negou que ele pudesse pensar tão mal assim dela.
Terrence parecia uma marionete, procurando
debater-se para sol¬tar-se das mãos de Bradford
enquanto seu rosto ia ficando cada vez mais
vermelho. Caroline tentou afastar a mão do
marido do pescoço do rapaz, mas não conseguiu.
Virou-se para Milford e lhe suplicou que
interferisse.
— Não o deixes matá-lo — implorou.
A resposta de Milford foi dar de ombros,
indiferente. Caroline enxugou as lágrimas dos
olhos e virou-se para o mando.
— Bradford, vão te enfocar se matares o homem.
E ele ainda nem te contou o que estava fazendo —
argumentou ela.
— Sei perfeitamente o que vós estáveis fazendo
— replicou Bradford, furioso.
Milford, então, resolveu interferir.
— Não vale a pena, Bradford. Joga-o no olho da
rua, com o resto do lixo.
— E exatamente o quê estávamos fazendo? —
indagou Caroline. — Diz-me, Bradford, diz-me o
que estás pensando.
A expressão de Bradford mudou lentamente até
ele parecer quase entediado. Soltou sua presa e
viu-o cair no chão.
St. James não tinha morrido. Caroline ficou
escutando-o ten¬tar recuperar o fôlego enquanto
esperava o marido responder a sua pergunta.
— Brad, escuta tua esposa. Caroline, explica o
que houve aqui — suplicou Milford, tentando
desempenhar o papel de mediador.
— Não vou explicar nada — declarou Caroline.
Sua voz saiu sem expressão, sem qualquer
emoção. Suas mãos estavam crispadas, os
pu¬nhos cerrados, única prova de sua fúria. —
Viste o que ocorreu. Tira tuas próprias
conclusões. Meu marido já tirou. Não tirou,
Bradford?
— E dirigiu-se à porta, mas Bradford a deteve
segurando-lhe o braço de leve.
— Creio que não tiveste culpa — disse Bradford,
por fim. Sua voz saiu entrecortada, terrivelmente
fria. — Fica aqui até estarmos prontos para partir.
Milford, por favor, vai buscar a carruagem.
— Vai tu — respondeu Milford. Não ia deixar
Bradford sozinho com St. James. Sabia, pelo jeito
como ele estava, todo retesado como uma vara,
que o amigo não tinha ainda conseguido dominar
toda a sua fúria.
Bradford praguejou e saiu da sala.
Milford foi até Terence e cutucou-o com a bota.
— Ê melhor saíres daqui, mesmo te arrastando,
antes que Bradford volte.
Caroline estava no meio da sala, o olhar
baixo, e St. James procu¬rou ficar bem longe
dela.
Milford viu-o sair. e aí se aproximou de Caroline.
Pôs a mão no ombro dela para consolá-la, e
depois franziu a testa quando ela encolheu o
ombro.
— Conta-me o que houve — implorou ele. Sua
voz era carinhosa, ele queria acalmá-la.
Caroline sacudiu a cabeça.
— Você contaria a Bradford — murmurou ela.
— E será que é assim tão terrível?
Sua voz, tão terna e afetuosa, fez Caroline ceder.
Ela tremia, e torceu as mãos, esforçando-se para
parar. Não ia permitir que Milford lhe oferecesse
aquele consolo, sabendo instintivamente que
qualquer demonstração de bondade acabaria com
sua compostura.

— Gostaria de ir para casa agora — disse, e foi


para outro canto da sala quando Milford tentou
voltar a tocá-la.
A angústia na voz dela deixou-o envergonhado.
Ela procurou manter-se ereta, a cabeça erguida
com dignidade, e sua expressão estava controlada,
mas a dor ainda se fazia notar no seu tom de voz.
— Bradford vai voltar dentro de um minuto —
disse Milford. — Caroline, ele acabou de te dizer
que sabe que és inocente. Só está furioso com o
St. James.
Caroline sacudiu a cabeça, interrompendo a
explicação de Milford.
— Não me considerou inocente na hora —
contradisse ela. — Pensou o pior...
— Quando ele se acalmar...
— Não quero ir para casa com Bradford — a
declaração de Caro¬line interrompeu a resposta
sincera de Milford.
— Vou mesmo achar isso uma pena tremenda,
minha cara. — Esse comentário ofensivo veio da
porta, onde estava o duque de Bradford.
Caroline recusou-se a olhar para ele. Sentiu sua
capa ser coloca-da sobre seus ombros e depois
Bradford puxá-la contra o lado do seu corpo.
Eles não disseram uma única palavra um ao outro
na volta para casa. Caroline procurou acalmar-se
durante esse tempo. Sentia como Bradford a
olhava furioso, e procurou não olhar para ele.
Seu coração estava partido, e ela não podia culpar
ninguém a não ser a si mesma. Chegou à
conclusão de que era mesmo uma ingénua. Ele
não poderia magoá-la assim se ela não tivesse se
apaixonado por ele. Ti¬nha confiado nele,
entregado a ele seu coração, e agora estava se
sentindo praticamente arrasada por causa dele.
Aquele seu ciúme sem sentido e sua falta de
confiança nela eram ambos infundados, e tão
ilógicos, que Caroline nem sabia como combater
esses sentimentos, como se proteger. Lembrou-se
de que ele tinha se voltado contra ela quando
Claymere lhe roubara os beijos contra a sua
vontade na noite do jantar dado por seu pai. Sua
ira tinha se dirigido a ela tanto quanto a Claymere.
Esta noite ela tinha testemunhado a mesma
atitude, durante uma fração de segundo. A fúria
tinha sido dirigida a ela.
Na hora em que chegaram à casa de Bradford,
Caroline só desejava trancar-se no seu quarto e
chorar. Sentia-se como um animal ferido, em
busca de um abrigo seguro.
Bradford viu Caroline começar a subir os degraus
que iam até os quartos de dormir, e exigiu que ela
o seguisse até a biblioteca para con¬versarem
sobre o acontecido.
Caroline, porém, fingiu que não tinha ouvido a
ordem do marido, e continuou a subir. Conseguiu
ir até a porta do seu quarto, e nessa hora Bradford
virou-a de frente para si, violentamente.
— Não me ouviste? Vamos à biblioteca!
— Não. — Caroline virou-se, entrou no quarto e
depois fechou a porta na cara do seu espantado
marido.
A porta abriu-se e bateu na parede, com força.
Bradford entrou no quarto dela e seguiu Caroline
até a cama. Sua esposa sentou-se na beirada dela,
torcendo as mãos no colo.
Ele ficou diante dela, as pernas abertas, as mãos
nos quadris. Ca¬roline olhou para o seu rosto, viu
sua expressão furiosa, e aí deu vazão a sua própria
raiva.
—Depois desta noite, provavelmente nunca mais
saiarei contigo.
A veemência na voz dela deixou-o furioso.
— Vais explicar por que estavas na biblioteca
com o St. James, senão vou espancar-te até me
contares.
— Não ousarias encostar sequer um dedo em
mim. — Essa de-claração tranquila de Caroline
surpreendeu Bradford, fazendo-o perder um
pouco a empáfia.
— E como sabes disso? — gritou ele, em voz
mais baixa agora.
— Não precisas usar teus punhos quando tua
aparência e pensa¬mentos já causam tamanho
dano. E jamais serias capaz de bater em uma
mulher; não é do teu feitio.
Bradford admitiu para si mesmo que ela estava
certa-. Ameaças falsas não iriam ter efeito algum.
Ele então resolveu usar o raciocínio tranquilo:
— Conta-me o que aconteceu.
— Se responderes a minha pergunta, eu te conto
tudo — replicou Caroline. — Já sei a verdade,
mas quero que admitas. — Então ficou de pé de
frente para o marido. — Quando me viste com o
St. James, achaste que eu estava te traindo, não?
— Sei que não foste culpada dessa...
— Não foi isso que perguntei — afirmou
Caroline. — Responde a minha pergunta agora.
Bradford. Diz a verdade!
Ele franziu a testa e depois sacudiu os ombros.
— Foi uma conclusão natural, e sim, por um ou
dois segundos, achei que tinhas me traído.
Disseste antes, durante a festa, que ias te
encontrar com alguém. Entendi que estava
reagindo de modo exagerado, porém, e sei que
nunca serias capaz de me enganar.
Os ombros de Caroline caíram, e ela sacudiu a
cabeça.
— Eu ia ter uma conversa em particular com a
Charity — res-pondeu. — Era com ela que eu ia
me encontrar. Agora vou te dizer o que ocorreu.
Fui procurar por ti. Paul sugeriu que talvez
estivesses na biblioteca. Terrence St. James me
seguiu. Rachel vai pagar a ele para me
colocar em uma situação comprometedora. Como
estás vendo, todos sabem como és ciumento,
todos menos esta tua esposa ingénua! E St. James
precisa de dinheiro. Até me gabei para ele,
dizendo que acredita-rias em mim, não no que
visses. Mas estava enganada. — Essa última
frase foi sussurrada com um soluço.
— Não procura inverter os papéis — respondeu
Bradford, de maus modos. — Tu me juraste que
ias ficar o tempo todo ao meu lado esta noite. Da
primeira vez que viro as costas, tu terminas...
— Estava te procurando — defendeu-se Caroline.
— Cometi um erro.
— Nisso tens razão — respondeu Bradford.
— Meu erro foi casar contigo. Meu erro foi
confiar em ti de todo o coração. Mas o amor e o
ódio são muito parecidos, e neste exato minuto
acho que quase te odeio. E tudo por tua própria
culpa — desabafou Caroline. — Estás pouco a
pouco me sufocando e extraindo de mim
todo o amor que sinto por ti.
E deu as costas para ele, começando a despir-se,
para procurar tirar da mente até a presença dele.
Quando ela tinha tirado tudo, menos a anágua,
tentou passar por Bradford para ir ao quarto dele
pegar o roupão, mas ele se colocou na sua frente.
— Por que estás de cara amarrada, Bradford?
Devias estar feliz agora, todo convencido —
comentou Caroline, em tom gelado. — Des-de o
dia em que nos conhecemos, estás esperando que
eu te engane. Tinhas plena certeza, de que sou
igualzinha a todas as outras com quem já
estiveste, e acabei de provar que estás certo. Não
passo de uma mulher da vida, não é?
— Do que estás falando? — respondeu Bradford,
confuso.
— Achas que é teu dever proteger-me para que
não me comportei mal, não achas? Nós, pobres
mulheres, somos tão fraquinhas, natural¬mente
nenhuma tem nenhum senso de moral. Não
podemos evitai ir para a cama com o primeiro que
se oferecer, podemos? Então me diz,
Bradford, como é que consegui chegar virgem ao
nosso casamento?
— Mas que droga, não estás dizendo coisa com
coisa. — Ele não tinha a intenção de gritar, mas
ela estava perto demais da verdade para que ele se
sentisse à vontade.
— A Inglaterra é uma terra amaldiçoada —
sussurrou Caroline. — Durante todos os anos em
Boston, só me deixei envolver com patifes uma
vez! Eram três bêbados, eu estava num bairro de
segunda categoria. Mas aqui, para todos os lados
onde me volto, sou atacada e ameaçada...
E não só por estranhos, meu Deus, mas pelo meu
próprio marido, que me agride com seus
pensamentos revoltantes. Quero voltar para casa.
Quero voltar para Boston.
Caroline começou a chorar.
— Caroline. nunca escondi o fato de que tenho
um temperamento violento.
— Não adianta gritar com um surdo nem exigir
que um cego enxergue. Esta noite entendi que
acreditas tanto nas tuas crenças que nada vai
mudar o que pensas. Nunca vais confiar em mini
de todo o coração. Não és capaz — disse
Caroline. — Nunca devia ter me casado contigo
— repetiu.
— Mas não tiveste escolha — comentou
Bradford. E sentiu que estava ficando zangado
outra vez com aquelas acusações dela. Detestava
ouvi-la falar com tanta aspereza assim com ele.
Viu Caroline deitar-se na cama e puxou as
cobertas para aconche¬gá-la. Ela virou de lado.
dando-lhe as costas.
— Faz o favor de sair do meu quarto — ordenou
Caroline. Tremia de frio e desespero, e sabia que
dentro de poucos instantes iria começar a soluçar
sem parar. Só queria que a deixassem sozinha
com sua tristeza. Só depois que ela terminasse de
chorar poderia decidir racionalmente
o que fazer.
— Entendeste tudo ao contrário, minha esposa.
Vives entendendo tudo mal, meu Deus —
resmungou Bradford. — Não tens motivo para
estares com raiva de mim. Fui eu que te encontrei
na biblioteca com aquele canalha. Depois que me
deste tua palavra de que não irias sair de perto de
mim — continuou Bradford. — Tu tens confiança
demais nas pessoas, Caroline. E por isso estás
sempre te metendo em situações que não podes
controlar.
— Não entendi nada ao contrário — respondeu
Caroline. Rolou para o lado de Bradford, olhando
furiosa para as costas dele. — Final-mente estou
começando a entender tudo muito bem, isso sim.
Tu é que explicaste que temos quartos separados.
E este é meu quarto, portanto vai saindo. Não
quero que durmas ao meu lado — ralhou
Caroline. Lágrimas quentes começaram a arder
nos seus olhos quando ela acres-centou, em tom
de desafio: — Não vou permitir.
— Permitir: Não vais permitir? — O urro dele
calou Caroline. Ele virou-se, deixando que ela
visse sua fúria sem véus, mas Caroline agora não
se importava mais. — Ninguém jamais ousou
falar assim comigo!
Ninguém!Compreende de uma vez por todas,
Caroline, eu sou o único que permite neste
casamento. Tu, não.
Bradford foi até a carna, tirando a camisa no
caminho. Caroline rolou, ficando de barriga para
baixo. Sentiu que ele arrancava as cober¬tas de
cima dela, ouviu a cama ranger com o peso de
Bradford quando ele se deitou ao seu lado. Depois
ele começou a tirar-lhe a camisola, passando as
alças sobre os ombros dela, puxando-a para baixo
até a cintura, e depois retirando-a sobre as pernas
dela. Ela não se mexeu, e apenas a ligeira
contração de seus músculos sob a pele lisa das
costas demonstrava uma reação.
Esperou pelo ataque dele, prendendo a respiração,
até pensar que seus pulmões iriam explodir, mas o
ataque não veio. Em vez disso ela sentiu os lábios
de Bradford roçando-lhe a nuca.
— Não quero que me toques — murmurou
Caroline, contra o travesseiro.
— Não é bem assim, minha esposa. O que queres
não importa — a voz de Bradford era áspera,
inflexível.
Caroline virou-se com tal força que Bradford caiu
de lado na cama. O rosto dela estava apenas a
alguns centímetros do dele. Ficaram olhan¬do-se
durante um longo momento de silêncio, deixando
a raiva que cada um estava sentindo fluir entre
eles, sem barreiras. Caroline, contra a vontade,
falou baixo:
— Talvez, para o duque de Bradford, meus
desejos não sejam importantes, mas neste leito
matrimonial, teu poder e teu dinheiro não
significam nada. Neste leito, és meu marido. O
público pode ser sub¬serviente diante do duque
de Bradford, mas eu jamais serei subserviente
ao meu marido. Jamais! Aprende a separar teu
título do homem, pois o voto matrimonial é a
única coisa que nos prende um ao outro.
A expressão dele demonstrou a confusão que
sentiu diante dessas palavras. Caroline sentiu
vontade de gritar para fazê-lo entender.
— Deixa teu ciúme e raiva do lado de fora da
porta, junto com a tua arrogância. Vem ao meu
encontro como Jered Marcus Benton.
Ela murmurou esse desejo e rolou de volta,
ficando de barriga para baixo, dispensando-o.
Sabia que ele ainda não tinha entendido, e seu
coração doía de arrependimento.
Ele achava que ela estava lhe pedindo algo
impossível. Falava com ele de um jeito
enigmático, e ele não tinha paciência para decifrar
esses enigmas. Ele era o duque de Bradford, afinal
de contas! E não era pos¬sível separar o título do
homem. Porcaria, será que ela não entendia que
aquele título era o que o distinguia? Estaria ela
querendo lhe tirar todo o seu valor, sua dignidade?
Uma incerteza teimosa apossou-se dele. Ou será
que ela estava querendo fazê-lo desistir de suas
defesas? E se conseguisse, o que acon-teceria?
Será que sobraria alguma coisa dele?
Exigia demais dele. E não entendia como ela
mesma pensava. Ne¬gava o poder, a riqueza e a
posição, mas era por isso que tinha se casado com
ele. Ou seria por outro motivo? Será que ela
realmente amava Jered Marcus Benton. o homem,
não o título?
Bradford sacudiu a cabeça, tentou livrar-se do
turbilhão de dúvidas que ela estava lhe causando.
Meu Deus, como ela fazia sua cabeça girar, com
todas as dúvidas que levantava. Pela primeira vez,
desde a morte de seu irmão e de seu pai, ele se
sentia vulnerável. E protestou contra esse
sentimento.
Ela o confundia, e ele não estava preparado para
enfrentar as crenas que ela desafiava, as
mudanças que exigia. O que sabia era que sentia
vontade de possui-ía, naquele exato momento...
mas queria que ela se entregasse a ele por sua
própria vontade... carinhosamente,.. e com uma
paixão equivalente à que sentia.
Caroline apertou os olhos fechados, um esforço
inútil para conter as lágrimas. Sentiu Bradford
mover-se ao seu lado, quando sua coxa pe¬sada
tocou a parte de trás de suas pernas. A mão dele
passou a acariciar-lhe as costas de cima até
embaixo. Era uma carícia tão suave que ela
sentiu-se confusa de novo. O bafo dele contra suas
costas lhe causava arrepios na pele. Os dedos dele
vagarosamente traçaram uma linha eró¬tica da
nuca dela até o alto das nádegas, hesitaram por
uma fração de segundo, depois penetraram entre
as coxas dela para acariciar o calor cada vez mais
intenso dentro dela.
Ela sentiu a mudança no mando, viu que a raiva
tinha passado, e re¬agiu àquela terna sedução.
Pensou em rejeitar as carícias dele, dizendo a si
mesma que detestaria o prazer sensual que ele a
obrigasse a sentir, mas aí admitiu que não estava
sendo obrigada a reagir de jeito nenhum.
A boca dele lhe dava beijos ardentes nas costas
enquanto seus dedos realizavam sua mágica,
deixando-a molhada e quente de tanto desejo. Ela
agarrou os lençóis enquanto ele aumentava a
pressão que se intensificava dentro dela, sentiu os
músculos contraindo-se contra os dedos dele, e
não teve como evitar os tremores.
Os dedos dele entraram e saíram dela diversas
vezes, até ela achar que certamente morreria por
causa daquela deliciosa agonia. Arqueou o corpo
contra o dele, tentando livrar-se daquele tormento,
gemeu o nome dele de um jeito sensual, que
exigia e suplicava.
Bradford, então, deslocou-se e ajoelhou entre suas
pernas.
— Diz-me o quanto queres esse prazer — exigiu.
Sua voz saiu rouca, trémula de excitação. Ele
queria que ela dissesse que o desejava tanto
quanto ele a desejava.
— Eu quero é a ti, Jered — sussurrou Caroline. —
Por favor, agora.
— E eu te quero, Carolíne — gemeu ele. Suas
mãos seguraram-lhe os quadris e ele penetrou nela
com vigor.
Ele gritava para ela, chamava-a através do
mormaço do prazer inexprimível, palavras
carinhosas, gentis, de um amante para outro,
suplicando-lhe que ela recebesse o que ele lhe
oferecia. Esperou que ela se entregasse por
completo e quando ela voltou a chamar seu nome,
penetrou com ela no calor do sol, atingindo um
êxtase ardente.
Deixou-se cair ao lado da esposa com um
grunhido baixo de satis¬fação, e quando deixou
de tremer, rolou, deitando-se de lado, e abraçou-a,
apertando-a contra si. A cabeça dele descansou
sobre a dela, e a sua mão acariciou-lhe
suavemente a face. Ele sentiu as lágrimas dela nas
pontas dos dedos, e murmurou:
— Não chores, amor, não chores — vezes sem
conta, até Caroline finalmente controlar-se e
permitir que ele a consolasse.
— Sempre me fazes querer-te — sussurrou
Caroline. Sua voz era de quem estava confessando
um pecado grave.
Bradford não respondeu de imediato. Puxou os
cobertores sobre ambos e estreitou-a contra si,
aninhando-a com tamanha ternura que Caroline
voltou a chorar.
— Caroline. queres ouvir-me pedir desculpas? Eu
estaria mentin¬do — admitiu, com um suspiro. —
Não te possuí à força. Tu querias tanto quanto eu.
Ela estava sacudindo a cabeça antes de ele ter
terminado de falar.
— Não querias? - perguntou ele, assombrado
por ela mentir para ele. Ela sempre dizia a
verdade, às vezes de um jeito meio honesto
demais, e ele tinha passado a acreditar que ela era
sincera.
— Eu te queria, sim — respondeu Caroline —,
mas queria ouvir-te pedir desculpas por teu
comportamento rude hoje no baile. — ex-plicou.
Sua voz foi abafada pelo travesseiro, e Bradford
foi obrigado a apoiar-se no cotovelo para ouvi-la
claramente.
Depositou um beijo na têmpora dela e disse:
— Estás exagerando.
— Eu, exagerando? — Caroline estava pasma
diante desse comen¬tário tão tranquilo da parte
dele. — Quase mataste um homem esta noite e
estavas com uma cara infernal ao me olhares!
Querias acreditar que eu era culpada, não querias?
— Pelo amor de Deus, estás fazendo tempestade
em copo d'água — argumentou Bradford. Parecia
exasperado, e Caroline também ficou irritada. Ele
não tinha a menor ideia de quanto a havia
magoado. — Eu logo entendi — argumentou ele.
— Mas demorou um pouco — replicou Caroline.
Ela procurou sentar-se e virou-se para olhar para
ele. — Nosso casamento vai estar ameaçado até
teres confiança completa em mim. Quero
confiança cega, e não vou aceitar menos que isso.
Quero uma fé incondicional, tanta
que se me encontrares na cama com dois homens,
faças uma pausa para pedir uma explicação antes
de me condenares.
— Não te casaste com um tolo, Caroline —
resmungou Bradford.
— Não tenho tanta certeza assim — respondeu
ela. Viu o brilho de fúria nos olhos do marido,
mas prosseguiu assim mesmo. — Um tolo não
fica querendo encontrar desculpas para o
comportamento do seu adversário. Tu tiraste
conclusões apressadas sobre o meu caráter e
atacaste aquilo que mais valorizo.
— E o que seria isso? — quis saber Bradford. O
tom de voz dele era mais suave, muito controlado.
— Minha honra.
— Nosso casamento, a teus olhos, é um campo de
batalha? —zombou Bradford. — Somos marido e
mulher, Caroline, não inimigos de guerra.
— Não vejo a diferença, neste exato instante —
declarou Caroline. — Nosso casamento pode
muito bem ser um campo de batalha até a hora em
que admitires que eu...
— Não vou admitir nada — replicou Bradford.
Não estava en-tendendo mais nada daquela
conversa. Alguma coisa que ela havia dito antes
lhe voltou à lembrança, e ele tentou se lembrar
exatamente o que tinha sido. Ia se lembrar em
breve, fosse o que fosse, decidiu ele bocejando.
Pois agora só queria dormir abraçado à esposa.
Com isso em mente, procurou encerrar a
discussão: — Tu é que vais ceder à minha força,
minha liderança. Ousas sugerir que deve ser o
contrário?
— Tu estás sendo deliberadamente obtuso —
respondeu Caroli-ne. — Sabes exatamente o que
estou te pedindo. Ou confias em mim, ou...
— Talvez com o tempo, quando tiveres provado
que és mesmo digna da minha confiança —
respondeu Bradford. Voltou a bocejar, deixando o
assunto de lado, e tentou puxar Caroline de volta
para os seus braços.
Caroline empurrou-o e foi ficar de pé diante da
cama. Apanhou a colcha e envolveu-se nela,
tremendo de cólera.
— Já cansei de tentar provar a ti quem sou. Se
fosse como queres, eu tremeria de medo toda vez
que um homem abrisse a boca para falar comigo,
com medo de tirares conclusões apressadas de
novo. Quan¬do perceberes que não sou uma
mulher superficial que só quer lucros materiais,
nem uma piranha matreira que quer conquistar
metade da população londrina, então talvez nosso
futuro seja tranquilo. Até lá, podes dormir
sozinho, que não me importo. Deixa que tuas
suspeitas te aqueçam.
Ela saiu do quarto. Sentiu satisfação ao bater a
porta depois de passar, mas logo parou de senti-la,
e quando se deitou na cama de Bradford, estava
tremendo de raiva de novo. Esperava que ele a
arrastasse de volta para o seu lado, e ficou
surpresa quando viu que ele não tinha vindo atrás
dela.
Ele abriu a porta de comunicação entre os quartos,
e ficou ali, de pé, olhando-a, sacudindo a cabeça.
— Que seja — anunciou, num tom de voz que a
deixou gelada por dentro. — Este quarto é meu.
Tens minha permissão para dormir no teu próprio
quarto, esposa. Quando perceberes como teu
comportamen¬to está sendo tolo. estarei disposto
a ouvir teu pedido de desculpas.
Caroline não respondeu nada. Saiu da cama dele e
voltou para o seu quarto. Deitou-se em sua cama,
tremendo de frio, e chorou até dormir.
Seu último pensamento foi que Bradford era o
homem mais tei-moso da face da terra.
Bradford ouviu o choro de sua mulher. Começou
a levantar-se para ir até lá consolá-la, depois se
deteve. Ela tinha sido a culpada por tudo isso, e
agora teria de tomar a iniciativa.
Fechou os olhos, e tez torça para eliminar todos os
pensamentos da mente. E exatamente quando já
estava adormecendo, lembrou-se do que o estava
incomodando, persistindo insistentemente, lá no
fundinho. Ela o chamara por seu nome de
batismo. Enquanto estavam se amando, ela o
chamara de Jered. Ele franziu o cenho,
perguntando-se por que isso seria tão importante.
CAPITULO 12

C
aroline não entedeu bem como conseguiu passar
os dois dias se¬guintes. O casamento de Charity
foi quase doloroso para ela. Sua prima estava tão
feliz, delirantemente apaixonada, que Caroline
sentiu verdadeiras pontadas de inveja. Escondeu
seus sentimentos e fez papel de esposa dócil
sempre que era forçada a posar de pé ao lado do
marido.
Alternou-se entre ataques de saudades da sua casa
em Boston e de seus parentes de lá e ondas de
melancolia sempre que pensava em sua situação
com Bradford. Sentia-se aprisionada por seu amor
por ele, e desejou, mais de uma vez, que pudesse
deixar de sentir a dor que vinha junto com o
sentimento amoroso por um libertino daqueles.
A cerimónia de núpcias foi lindíssima, fazendo
Caroline chorar durante toda a troca de votos
entre noivo e noiva, enquanto o marido franzia a
testa, contrariado. Ele meteu um lenço nas mãos
dela, dando um alto suspiro de irritação, que ela
teve certeza de que todos na igreja escutaram.
Embora Caroline pensasse que estava
conseguindo esconder bem sua infelicidade por
ter Bradford como marido, ficou irritada por ele
não tentar esconder sua repulsa por ela. Franzia, o
cenho como um estudante infeliz. Ah, sim, foi
muito simpático na recepção depois da cerimónia,
até mesmo riu uma ou duas vezes, mas só com os
outros, não com ela. Fingiu não vê-la durante a
maior parte do tempo, a não ser quando era
necessário dar alguma ordem.
Rachel e a mãe vieram ao casamento e à recepção.
Caroline ficou surpresa ao ver a aparência delas e
esperou até ela e Bradford voltarem para casa em
companhia de Milford, que pegou carona com
eles, antes de fazer comentários sobre o assunto.
— Não entendo porque a Rachel veio ao
casamento — começou Caroline. — Ela não
esconde que me odeia, e sabia que eu ia estar
presente.
— Foram ambas convidadas — informou
Milford. — Tanto a mãe quanto a filha.
— Mas ela disse coisas horríveis para mim —
Caroline argumen¬tou, sacudindo a cabeça.
— Sim, mas só tu, o Bradford, o Nigel e eu
sabemos disso — respondeu Milford. — A mãe
dela ainda está interessada em casar-se com seu
pai.
— Tentei chamá-la de lado para conversar com
ela — admitiu Ca¬roline. — Mas ela se
comportou como um camundongo. Toda vez que
eu chegava perto dela, ela corria para outro canto
para fugir de mirn.
Milford deu um sorriso triunfante.
— Ela até se parece com um camundongo
mesmo.
Bradford não achou graça.
— Não quero que te aproximes daquela mulher —
declarou ele, asperamente.
— Eu só queria descobrir por que ela me odeia
tanto. Ela disse que tudo era culpa minha. Acho
que é meu direito saber o que fiz para causar tanto
ódio assim, Bradford. Ela podia ter me matado
quando me empurrou das escadas na casa dos
Claymere.
— Por que achas que foi ela? — Milford estava
olhando para Bradford quando perguntou isso, e
quando o amigo fez uma vénia ele entendeu que
era hora de mudar de assunto. Milford ergueu
uma das sobrancelhas, confuso, e depois mudou
de assunto mesmo.
— Vais sentir falta de Charity quando ela partir
para as Colónias?
— uma pergunta ridícula, mas ele só conseguiu se
lembrar de perguntar isso para distrair Caroline.
— O quê? Ah. sim, claro que sentirei —
respondeu Caroline, demonstrando surpresa ao
ouvir a pergunta. — Andei pensando em ir visitar
minha família. — E lançou um olhar de esguelha
a Bradford para ver como ele reagia a essa ideia,
mas ele estava olhando pela janela,
ignorando-a de novo. — Talvez na primavera eu
pudesse ir até lá e passar uma temporada —
acrescentou.
— Não vais a lugar algum — interferiu Bradford.
Seu tom de voz não deu a Caroline oportunidade
de argumentar, e Caroline estava cansada demais
de todos os acontecimentos daquele dia para
brigar com ele naquele momento.
Milford revirou as ideias, procurando outro
assunto mais seguro. A tensão dentro da
carruagem era quase palpável, fazendo-o sentir-se
extremamente desconfortável.
— E seu tio. como vai? — disse de repente. —
Ouvi dizer que ele não anda muito bem de saúde.
— Só pegou um resfriado — respondeu Caroline.
— Bradford e eu o visitamos ontem, e ele está
com o nariz bem brilhante e vermelho e os olhos
lacrimejanres. mas o médico diz que dentro de
apenas alguns dias vai estar plenamente
recuperado. Ficou muito contrariado de perder
o casamento da Charity.
Chegaram a casa neste momento, e Caroline
imediatamente subiu para o seu quarto. Bradford e
Milford retiraram-se para a biblioteca, para
conversarem.
Caroline ficou andando de um lado para outro
entre as quatro paredes do seu quarto antes de
deitar-se. Detestava aquele colchão, ba-tendo com
seus punhos nos calombos para desabafar parte da
sua frus-tração. Estava se sentindo arrasada com o
abismo que aumentava cada vez mais entre o
marido e ela e começando a achar que era um
problema sem solução.
A porta de comunicação com o quarto de
Bradford estava aberta, e Caroline ficou de pé à
entrada, olhando para a cama imensa e
convida¬tiva. Seria errado ela exigir o amor dele?
Seria ele o teimoso? Bradford havia-a acusado de
tecer fantasias. Talvez ele estivesse certo, refletiu
Caroline. Talvez ela estivesse exigindo demais
dele.
— Não vou aceitar prazer pela metade —
murmurou. No fundo do coração ela sabia que
Bradford não pensava corretamente. Não podia
permitir que seu desejo de estar em seus braços
lhe abalasse a decisão.
Caroline rezou para ter forças de continuar a
evitá-lo, fechou a porta que se comunicava com o
quarto do marido, e vagarosamente voltou para
sua cama fria e vazia.
Na manhã seguinte, Bradford declarou que era
hora de voltar a Bradford Hills. Caroline não
discutiu, mantendo uma distância que refletia o
humor do marido.
Bradford já estava ficando cansado daquele clima
de hostilidade. Tinha passado a apreciar o senso
de humor mordaz da esposa, e gosta¬va de
esgrimar verbalmente com ela. Era uma mulher
inteligente, que compreendia os fatos políticos
tanto nas Colónias como na Inglaterra, e ele sentia
falta dos seus debates acirrados sobre as
diferenças entre os dois países.
Eles se acostumaram depressa na casa de campo.
Bradford tinha certeza de que Caroline ia se sentir
solitária por ser forçada a isolar-se e iria procurar
sua companhia. Sentia falta da relação física entre
eles, também, e esperava que ela pedisse
desculpas para que pudessem reto¬mar seu
relacionamento conjugal.
No fim da semana, precisou reavaliar seu modo de
pensar. Caroli¬ne não parecia estar se sentindo
nem um pouco solitária, e se ele não a conhecesse
muito bem, teria achado que ela preferia a vida no
campo à vida social que Londres oferecia.
O pai de Caroline tinha insistido que ela ficasse
com os dois cava¬los árabes, e toda manhã ela
montava em um deles, sempre acompanhada por
seus guarda-costas.
Os negócios obrigaram Bradford a voltar para
Londres, e, enquan¬to esteve na cidade, comprou
várias jóias caras. Sua preferida era um co¬lar de
diamantes e rubis. Ele o enviou por um
mensageiro especial para a esposa, com a intenção
de voltar para Bradford Hills no dia seguinte e
receber os humildes agradecimentos da esposa.
O colar foi devolvido pelo mesmo mensageiro, no
fim daquela tar¬de. Não veio com bilhete
nenhum, mas o mensageiro exausto declarou que
a duquesa tinha lhe pedido para levar o colar de
volta ao marido o mais depressa possível.
Bradford ficou irritado com a recusa do seu
presente por parte dela, e depois concluiu que
talvez ela não tivesse gostado da jóia. Por via das
dúvidas, ele tinha adquirido várias pedras
preciosas magníficas que ainda não tinham sido
montadas, e ia levá-las consigo, ao voltar para
casa. Sua carruagem continha também um
sortimento dos mais recentes tecidos, oferendas de
paz a Caroline. Nenhuma mulher poderia resistir a
um vestido, e Bradford estava convencido de que
ela iria cair de joelhos perante aquele seu assalto
vigoroso de generosidade.
Mas verificou que estava errado, e ficou ainda
mais furioso consigo mesmo do que com a
rejeição de sua mulher. Ela recusou-se a aceitar
qualquer dos presentes e até pareceu ofender-se
com eles. Eram oferen¬das de paz, e ela era
teimosa demais para reconhecer isso! Claro que
ele não tinha explicado seus motivos, mas
qualquer mulher com um pingo de inteligência
entenderia o que ele estava querendo dizer.
Já era noite alta quando Bradford foi tirar
satisfações com a mulher no escritório. Admitiu
que estava confuso diante do comportamento dela,
e isso pareceu enfurecer Caroline ainda mais. Ela
estava com um vestido azulão de corte simples e
um xale grosso em torno dos ombros para se
aquecer.
— Quando vais aceitar que não sou como as
outras? — perguntou Caroline. E postou-se diante
do fogo crepitante, aquecendo as mãos, dando as
costas para o mando. — Não quero tuas jóias
caras.
— Então as coisas mais requintadas da vida não te
atraem? — indagou Bradford. Sua voz estava
enganadoramente calma. Caroline
virou-se e viu o brilho de raiva em seus olhos,
— Há outras coisas bem mais tentadoras de se
possuir — replicou Caroline. E aí hesitou,
tentando formular um jeito de dizer a ele que
aceitaria seu amor. e sua confiança acima de tudo.
Sabia que assim que começasse a tocar no assunto
o marido deixaria de escutar tudo que ela
dissesse, e ficou desesperada para encontrar um
caminho de chegar ao coração dele.
— Cometi um grave erro no meu relacionamento
contigo — de-clarou Bradford. A arrogância tinha
voltado a sua voz, quando ele pros¬seguiu: —
Amanhã farás tuas malas e te mudarás para o
outro lado da propriedade. Há ali uma casa, a
primeira construída por um Bradford. Diz-me que
não te atrai o luxo. Então vais me provar isso,
esposa! Va¬mos ver quanto tempo aguentas até
admitires a verdade.
Caroline concordou, tentando esconder sua
frustração. Como eles poderiam resolver suas
diferenças, se morassem em casas diferentes. — E
tu, vais para lá comigo? — perguntou ela,
baixinho.
Bradford viu o alarme nos seus olhos e quase
sorriu. Achava que finalmente havia descoberto
uma forma de fazê-la recobrar o juízo.
— Não — respondeu. — Os homens que contratei
para proteger-te irão contigo e eu voltarei a
Londres. Quando terminar de tratar dos meus
negócios lá, voltarei para esta casa. Ao contrário
de ti, minha cara esposa, admito que gosto dos
confortos que minha fortuna me proporciona.
— E vais dormir com outras mulheres enquanto
estiveres em Lon¬dres? — perguntou Caroline,
em tom muito suave. Estava com as costas
voltadas para o marido, e ele não podia ver sua
expressão.
Ele ficou claramente espantado ao ouvir essa
pergunta. Desde que tinha conhecido Caroline não
tinha pensado em tocar nenhuma outra mulher, e
agora, só de pensar nisso já sentia nojo.
Reconhecia que essa era outra arma com a qual
podia magoá-la, mas não teve coragem de usá-la.
— Não.
E não deu mais nenhuma outra explicação,
aguardando que Caro¬line fizesse um comentário.
— Obrigada. — Essa resposta simples
desconcertou-o outra vez.
— Por quê? — indagou Bradford. — Por que isso
te importaria?
Caroline foi andando devagar e parou bem em
frente ao marido.
Ele estava apoiado contra a beirada da
escrivaninha.
— Porque eu te amo, Jered Marcus Benton —
disse ela, olhando-o direto nos olhos, sem
esconder seus sentimentos.
— Tens uma forma bem estranha de demonstrar
esse teu amor — comentou ele. Ele estendeu os
braços e tomou a nuca dela entre as mãos,
puxando-a para perto de si. — Não te obriguei a
sair da minha cama, Caroline. Saíste porque
quiseste.
Caroline não respondeu a esse comentário. Só
continuou a olhar para ele, até que ele não
pudesse resistir à tentação nem mais um segun-do.
Seus lábios roçaram os dela, e quando viu que ela
não lhe recusava os beijos, voltou a beijá-la
novamente. E depois uma vez mais.
A boca de Caroline abriu-se sob esse assalto de
ternura dele, e as mãos dela lhe envolveram a
cintura. Ela entregou-se totalmente, deixan¬do-o
sentir que ela o desejava, o amava.
A língua de Bradford acariciou a doce quentura
que a boca de Caroline oferecia, acendendo-lhe as
brasas do desejo a cada toque eró-tico. O beijo
mudou, ficou mais forte e insistente. O xale caiu
no chão quando Bradford puxou-a abruptamente
contra seus quadris.
Ela não queria que aquele beijo terminasse nunca
mais, e quando Bradford conseguiu separar seus
lábios dos dela e começou a provocá-la e
atormentá-la beijando-lhe um lado do pescoço,
Caroline soltou um suspiro que era uma mistura
de prazer e de frustração cada vez maior.
— Esta noite vou te possuir — disse Bradford,
com a voz tão macia quanto veludo Beijou-a de
novo, um beijo demorado, quente, embriagador,
destinado a afastar qualquer pensamento de
resistência. Depois ergueu-a no braços e levou-a
até seu quarto.
__ Não vais te opor, mulher? — perguntou
Bradford depois de ter
fechado a porta e virado para ela.
Caroline sacudiu a cabeça. Bradford voltou a
beijá-la, e depois, metodicamente, despiu-a,
tirando a seguir suas roupas, surpreso quando
Caroline ajoelhou-s diante dele e ajudou-o a tirar
as botas.
Ela estava cedendo aos seus desejos naquela
noite, e Bradford viu-se franzindo o cenho diainte
daquela mudança súbita.
Caroline ficou de pé e foi até a cama. Bradford
contemplava-a, considerando-a a mais graciosa
das mulheres, e a mais inocentemente sensual. E
aí parou de pensar.
Duas velas ardiam, uma de cada lado da cama, e
Bradford não as apagou, desejando ver a paixão
de Caroline enquanto também a sentia.
Jogou as cobertas para um lado e deitou-se de
lado. Queria sabore¬ar aquele momento, fazer
suspense, mas assim que a tomou nos braços e
sentiu a maciez de sua pele contra si, não
conseguiu mais controlar-se. Beijou-a de um jeito
quase selvagem, consumido por uma fome intensa
que só ela podia satisfazer.
Não conseguiu ser delicado naquela noite, e
Caroline, tão excitada quanto o marido, não quis o
tormento provocante que sempre vinha antes.
Suas unhas arranharam-lhe os ombros enquanto
seus quadris rebolavam contra os dele, procurando
satisfazer sua ânsia de prazer.
Bradford penetrou-a de uma estocada só. Caroline
soltou um gri-tinho e ele imediatamente parou,
contraindo-se contra ela.
— Meu Deus, Caroline, não quero te machucar —
sussurrou.
E começou a afastar-se, mas Caroline arqueou-se
contra ele, deten-do-o, com as unhas enterradas
nos seus quadris.
— Não pára, Bradford, por favor — suplicou.
E Bradford segurou seu rosto, prestando atenção
ao prazer que causava na esposa cada vez que
arremetia. Os olhos dela tinham adqui-rido um
tom azul-escuro, e quando ele acelerou o ritmo,
ela gemeu, de um jeito primitivo que o
emocionava, incentivando-o a prosseguir rumo ao
olho do furacão.
Ele se entregou ao esplendor do prazer máximo
quando sentiu Caroline contraindo-se ao redor do
seu membro e viu que ela tinha atin-gido o
clímax. E aí deixou-se cair em cima dela, exausto
e satisfeito.
Caroline ouviu a respiração ofegante de Bradford,
sentiu seu co-ração batendo contra o dela, e
fechou os olhos, com um suspiro de
contentamento.
E aí esperou que ele lhe dissesse que a amava. A
cada segundo que passava, seu contentamento
diminuía.
Bradford rolou, ficando de lado, e abraçou
Caroline.
— Parece que este é o único lugar onde não
discutimos — mur-murou ele.
— As camas de Bradford Place são confortáveis?
— indagou ela. Aquela pergunta, feita assim com
tanta naturalidade, mostrou a Bradford que nada
havia mudado.
Ele recusou-se a deixar que ela o irritasse.
— Parte da casa não está mobiliada. Meu Deus,
como és teimosa, Caroline. Ê só admitires que
pertences a mim, que podes ficar aqui.
— Eu nunca disse que não pertencia a ti —
respondeu Caroline, surpresa por esse argumento
dele. — Sabes exatamente por que discu-timos. E
até perceberes que não vou me conformar só
com...
— Podes levar tudo que quiseres desta casa —
interrompeu-a Bradford. Não ia recuar na sua
decisão, e essa afirmação informou a Caroline
como ele era inflexível.
— Por que vais mandar os guarda-costas comigo?
— indagou ela, mudando de assunto. - Sei que
conversaste com Rachel — acrescen¬tou,
tentando ver-lhe o rosto.
Bradford mantinha o rosto dela preso contra seu
peito, sem se dar conta de que ela estava querendo
mover-se.
— Rachel não foi a responsável — anunciou ele.
— Não estava por trás dos atentados.
— Tem certeza? - - E aí Caroline conseguiu
livrar-se dos braços de Bradford. Sentou-se e
franziu o cenho, confusa.
Bradford admirou o belo corpo da mulher. Seus
cabelos enca-racolados emolduravam-lhe o rosto,
realçando-lhe a coluna esguia do pescoço. A parte
superior dos seios dela aparecia ligeiramente por
cima das cobertas que ela estava segurando contra
si, e isso o excitou.
— Bradford eu te perguntei se tinhas certeza —
insistiu Caroline.
Bradford. relutante, procurou voltar ao assunto.
— Tenho, sim.
Caroline suspirou.
— Sabes, acho que estás encarando tudo isso com
calma demais — resmungou. - alguém tivesse
tentado te matar, eu poria Lon¬dres inteira abaixo
para descobrir quem foi. Tu ages como se
estivesses entediado com o assunto.
— Prometi que iria tratar disso — declarou
Bradford. — Não precisas saber mais. Eu é que
tenho de me preocupar, não tu.
__Não, Bradford nós dois precisamos nos
preocupar com isso juntos.
Bradford suspirou ao ouvir esse comentário, e
depois observou:
— Rachel acha que conseguiste convencer o teu
pai a não se casar com a mãe dela. Ela estava
fazendo planos grandiosos do ponto de vista
financeiro, e aí tu vais e jogas água fria na
fervura.
— Por que é que ela pensaria uma besteira
dessas? — indagou Caroline, demonstrando seu
assombro.
Bradford ficou pensando durante um minuto
inteiro e depois to-mou a decisão de contar a ela.
— Porque teu pai lhe disse isso.
— E por que ele faria uma coisa dessas?
— Caroline, teu pai estava sendo pressionado e te
usou como des¬culpa. Era difícil demais dizer à
mãe da Rachel a verdade, que ele não queria se
casar com ela. E aí usou essa saída, que julgou
mais fácil, de usar-te como seu bode expiatório.
Caroline sacudiu a cabeça, negando que fosse
verdade,
— Mas isso seria uma covardia — murmurou.
— Na maioria dos casos, sim — concordou
Bradford. E estendeu o braço, puxando Caroline
de volta para perto de si, para abraçá-la. — Mas
com teu pai é diferente. Ele morou sozinho no seu
próprio mundo durante tanto tempo...
— Catorze anos — informou Caroline.
— Sim, e não é sofisticado o suficiente para
conviver com mulheres como Tillman. As garras
dela estavam prontas para prendê-lo numa
ar¬madilha, e ele usou a única saída que
conseguiu imaginar para escapar.
— Estava com medo de ser franco com ela? —
indagou Caroline. — E o que estás insinuando?
Bradford voltou a suspirar.
— Ele já é idoso, Caroline, já não quer mudar
muito seu modo de viver. Deves compreender que
ele estava desnorteado, não com medo.
— Estava com medo há quatorze anos, quando
me mandou morar com o irmão dele em Boston.
Tenho certeza.
— Ele tinha acabado de perder a esposa e o filho
recém-nascido, Caroline, estava transtornado pelo
pesar.
Ela mal estava escutando o que ele dizia,
enquanto ele continuava apresentando argumentos
a favor do seu pai. Ela percebeu que ele estava
defendendo o comportamento de seu pai. Em vez
de tirar a conclusão rígida e inflexível de que o
pai dela tinha agido como um covarde,
argu¬mentava que na verdade era o contrário.
Estava sendo ao mesmo tempo compreensivo e
compassivo.
Por que não podia ser mais compreensivo com
ela?, perguntou-se. Por que não podia dobrar-se
nem que fosse um pouquinho só, diante dela?
Ha¬via um escudo em torno do seu coração
protegendo-lhe a vulnerabilidade, Caroline tinha
certeza, mas não sabia como eliminar esse escudo.
Bradford parou de falar, e sua respiração profunda
e regular indi¬cou a ela que ele tinha caído no
sono. Ela tentou afastar-se, mas ele a abraçou com
mais força.
Caroline fechou os olhos, porém levou muito
tempo para adorme¬cer. Tinha milhares de
dúvidas e decisões a tomar na cabeça. Sabia que o
marido gostava dela. mais do que ela podia
perceber. Talvez fosse só uma questão de tempo
até ele admitir o seu amor. E será que a confiança
viria com essa confissão?
Caroline francamente não sabia. Tinha chamado o
marido de adversário na batalha de compreensão
mútua que estavam travando. Lembrava-se de lhe
ter dito que ele não a conhecia bem. Bradford
ti¬nha provado a verdade de suas convicções
quando tentou comprar seu perdão com jóias
caras. Talvez as mulheres que ele tinha conhecido
antes na vida o perdoassem por esse preço, mas
Caroline exigia ainda mais. Queria que e
eliminasse aquele escudo que protegia seu
coração. Queria tudo sem restrições.
A surpresa de ouvir Bradford defendendo seu pai
revelou que ela também tinha cometido um grave
erro. Nunca tinha procurado des-cobrir quais eram
os motivos de seu ceticismo, só protestado contra
os resultados de sua amargura no tocante às
mulheres. Também não conhecia seu adversário.
Ela então resolver atacar de novo, na tentativa de
destituir seu adversário de sua armadura, e viu-se
rezando, com determinação. Podia não ser capaz
de demolir suas defesas, mas iria conseguir
penetrar nelas, ah, isso ia!
Caroline tinha se levantado, se vestido, e já
estava fazendo as ma¬las quando Bradford
acordou. Assim que a viu fazendo aquilo, ele se
irritou.
— Isso é uma bobagem — resmungou.
Caroline parou de dobrar o vestido e deixou-o cair
na cama.
— Eu concordo.
Ela foi até a porta de comunicação, onde o marido
estava, e ficou na ponta dos pés para beijar-lhe a
face.
— Não quero sair daqui — disse a ele. — E se me
prometeres que vais confiar completamente em
mim daqui por diante, tiro tudo das malas.
— Caroline, não estou ainda completamente
acordado para esgrimar contigo. E meu dever
proteger-te de qualquer ameaça, tanto de forças
externas quanto internas. Não preciso fazer
promessas, quando eu mesmo providenciarei para
que não tenhas oportunidade de sair por aí sem
proteção.
— Estás me ofendendo com as tuas convicções,
Bradford — anun¬ciou Caroline. — Mas te
perdoarei por isso. Não tens como evitar. — Ela,
então, deu-lhe as costas e voltou a colocar suas
coisas na mala, com os olhos ardendo, marejados
de lágrimas.
Bradford já estava cansado daquela mania dela de
tentar manipulá-lo o tempo todo. Teria exigido
que ela parasse se não tivesse dois motivos para
mandá-la sair da casa. O principal era para
proteção de Caroline. Queria que sua mulher
estivesse segura quando ele começasse a pôr em
prática seu plano de tentar fazer seu inimigo agir,
e Bradford Place, uma fortaleza construída
durante a Idade Média, seria perfeita para esse
fim. A residência era toda de pedra, situada no
alto de um morro sem nenhuma vegetação.
Qualquer pessoa que se aproximasse podia ser
vista a mais ou menos uns oitocentos metros de
distância. Ele enviaria dois guardas com Caroline,
e três outros já estavam na fortaleza.
O outro motivo, embora fosse torpe em
comparação à segurança de sua mulher, tinha a
ver com o método de conseguir controle. Estava
decidido a ensinar a Caroline uma lição merecida,
e quando aquela se¬mana de isolamento
terminasse, tinha certeza de que ela estaria mais
do que disposta a retornar ao luxo que ele podia
lhe proporcionar.
Ela teve a audácia de dar-lhe um beijo de
despedida! Parados frente a frente nos degraus de
mármore de Bradford Hills, eles se despediram.
Bradford pensou que estava com uma fisionomia
austera devido à sua deter¬minação, e refletiu que
sua esposa parecia pronta a conquistar o mundo.
Pensou em contar a ela que não era uma aventura,
mas uma pe-nitência, mas decidiu ficar calado.
Quando ela visse Bradford Place, entenderia qual
era a verdadeira finalidade daquela separação.
— Caroline, precisas ficar uma semana inteira,
por mais que te¬nhas inclinações de partir.
Compreendeste?
Caroline concordou, e virou-se para sair, mas
Bradford deteve-a com a mão.
— Primeiro precisas me dar tua palavra. Não vais
sair da proprie¬dade uma semana, por qualquer
motivo que seja, não importa qual seja a razão...
— Por quê?
— Não preciso dar-te explicações — resmungou
Bradford. —Quero tua palavra, Caroline.
Estava apertando os ombros dela com tamanha
firmeza que Caroline pensou que ficaria com
marcas roxas durante uns dois dias. Franziu o
cenho diante da exigência dele.
— Tens minha palavra, Bradford.
— E quando decidires, depois dessa semana
inteira, voltar para o meu lado, que é o teu lugar,
vou estar esperando tuas desculpas.
Caroline soltou-se das mãos dele e começou a
descer os degraus.
— Bradford, não fica assim tão preocupado —
gritou ela, olhan¬do para trás. — Eu já te dei
minha palavra. — E começou a entrar na
carruagem, mas voltou-se de repente para ele. —
Naturalmente tu vais ter de confiar em mim, senão
como sabes que vou cumpri-la?
Não pôde resistir a soltar essa insinuação, e
sentiu-se muito con¬vencida ao ver a reação de
susto do marido.
O convencimento sumiu num instante, com a
distância que a se-parou do marido. Foram
necessárias quase quatro horas para chegar a
Bradford Place. A imensa propriedade do mando
era repleta de morros, e Caroline contou três no
caminho para sua residência temporária. Ela rezou
para que fosse temporária e o marido sentisse falta
dela. Talvez essa separação valesse a pena. Talvez
ele sentisse falta dela o bastante para perceber que
a amava.
E talvez um dia o sertão vire mar, pensou
Caroline quando fi-nalmente viu a casa. Aquela
monstruosidade parecia fria e deprimente.
Situava-se no alto de um morro sem uma única
árvore para amenizar a austeridade. Um regato
largo circundava o pé do morro. Uma ponte de
madeira com aparência decrépita levava ao
castelo, passando sobre as águas turvas, mas os
guardas que a acompanhavam insistiram que ela
passasse pela ponte a pé, por via das dúvidas, pois
a madeira talvez não suportasse o peso da
carruagem.
Quando viu sua nova casa de perto, Caroline não
sentiu nenhum alívio. O edifício de dois andares
era feito de pedra cinzenta, e Caroline refletiu que
devia ser esse o único motivo pelo qual aquele
pardieiro continuava de pé.
— Deus Todo-Poderoso, a única coisa que falta é
um fosso e um pouco de musgo — resmungou
Caroline.
Mary Margaret caminhava ao lado da sua senhora
até a porta da frente sem fazer sequer um
comentário.
— Não precisas ficar aqui comigo — disse
Caroline a sua criada pessoal. — Eu entendo se
quiseres voltar a Bradford Hills.
— Tudo está planejado — respondeu Mary
Margaret. Caroline virou-se e viu seu sorriso com
covinhas, — Não sei por que precisas exilar-te,
mas minha lealdade é para convosco, assim como
para com vosso marido. E prometi a ele que
cuidaria de vós.
— Bom, então é melhor entrarmos e levarmos
logo o susto que te¬mos de levar com essa feiúra
toda — disse Caroline com um suspiro.
A porta estava trancada, e Huggins, um dos
guardas, precisou usar de certa força para abri-la.
A porta, empenada pelo tempo e pelas
in¬tempéries, gemeu, protestando, quando o
guarda finalmente conseguiu empurrá-la.
O saguão era austero, e consistia de um piso de
pedra e paredes revestidas de reboco, ambos
marrons de tanta sujeira. Escadas levavam ao
segundo andar, mas o corrimão destacava-se de
um lado e parecia prestes a despencar.
À direita estava a sala de jantar. Caroline foi até a
mesa que estava no meio da sala escura e passou
os dedos sobre a camada de poeira. Olhou depois
para as janelas. As cortinas cor de vinho,
denotando o peso da idade, arrastavam-se no chão
de tão compridas,
Caroline vagarosamente voltou à entrada. O salão
principal ficava em frente à sala de jantar, e
embora a planta baixa da casa fosse seme¬lhante
a casa de seu pai na cidade, tal semelhança parava
por aí,
A sala principal era isolada por portas de vidro
que alguém devia ter acrescentado depois de a
casa ter sido construída. Ela as abriu e desceu os
três degraus que levavam ao salão.
— Estou tentando visualizar como vai ficar este
lugar quando esti¬ver limpo — comentou
Caroline com sua criada, que vinha atrás dela.
A sala era bastante espaçosa. Havia uma enorme
lareira de pedra na parede à direita, duas enormes
janelas na parede diante dela, e portas que
levavam para o exterior no meio da parede em
frente.
Caroline foi até as portas, mas não conseguiu ver
através das vidraças. Abriu-as e encontrou um
caminho de pedras.
__ Na primavera, esta sala deve ser linda __
comentou com a criada. — Se houvesse plantas
no jardim, e. . .
— Não planejas ficar aqui tanto tempo assim,
planejas? — Mary Margaret não conseguiu
esconder a preocupação que estava sentindo ao
dizer isso.
Caroline não respondeu nada. Estremeceu por
causa do vento que penetrou pela porta aberta e
fechou-a depressa. A poeira levantou-se ao seu
redor enquanto ela voltava até os degraus.
Ela se sentou, os ombros caídos, sentindo-se
derrotada. Meu Deus, levaria meses para deixar o
lugar habitável. Bradford esperava mesmo que ela
voltasse depois daquela semana de penitência, e
agora entendia porque ele tinha tanta certeza!
— Queres votar para casa? — perguntou Mary
Margaret.
Caroline sacudiu a cabeça.
__ Vamos começar pelos quartos. Isto é, se não
morrermos ao tentar subir a escada.
O segundo guarda, um gigante chamado Tom,
entreouviu o comen¬tário de Carol
aediatamente foi verificar se a escada era
segura.
— Está tão firme quanto no dia em que foi
construída — anun¬ciou. — Só é preciso
consertar o corrimão com uns preguinhos aqui e
ali.
Uma súbita inspiração ocorreu a Caroline.
— Vamos deixar este lugar um brinco num
piscar de olhos — previu ela, com um: onda de
entusiasmo.
Mary Margareti revirou os olhos ao ouvir quais
eram as expecta¬tivas da sua senhora.
— Vai levar uma semana só para limpar um
desses cômodos.
— Não se arranjarmos ajuda! Vá até a aldeia pela
qual passamos a caminho daqui e contrata alguns
empregados — explicou Caroline. — E também
uma cozinheira, Mary Margaret.
Caroline tez sua lista e Mary Margaret partiu na
carruagem da sua senhora. Mas aquele acesso de
otimismo segundo o qual não levaria muito tempo
para limpar a casa foi desmentido da mesma
forma. Foi preciso o resto da semana inteira,
trabalhando do nascer ao pôr do sol, para que a
limpeza terminasse.
A transformação foi extraordinária. As paredes
não eram mais marrons e sombrias, mas agora
brilhavam, recém-pintadas com uma camada de
tinta branca. Os pisos de madeira da sala de jantar
e do salão principal reluziam de tão polidos.
A mobília encontrada na área de armazenagem do
sótão tornou a sala de estar, antes vazia,
confortável e convidativa. Caroline comprou uma
estufa redonda de ferro e mandou colocá-la no
canto oposto da sala principal, e quando se
fechavam as portas do vestíbulo, a sala ficava
quentmha e aconchegante.
Mas depois que aquela semana terminou, Caroline
viu-se inquieta. Tinha esperado ver Bradford à sua
porta no fim da semana, mas ele tardou a
aparecer. E ela esperou. Passou-se mais uma
semana inteira, até ela finalmente aceitar a
verdade.
Caroline chorava até dormir toda noite,
amaldiçoando-se, amaldi¬çoando o marido e as
injustiças da vida em geral. Finalmente tomou a
decisão de desistir e aceitar a situação. Informou a
Mary Margaret que iria voltar a Bradford Hills no
dia seguinte.
Caroline parou diante da lareira do vestíbulo
enquanto pensava no que diria a Bradford. Não
tinha a menor intenção de pedir que ele a
perdoasse, e sentia que se simplesmente voltasse
para junto dele, ele concluiria que tinha vencido.
Ela ia ter que encontrar uma forma de fazê-lo
entender o que lhe passava pelo coração.
Sacudiu a cabeça, sabendo que ele iria tirar
conclusões totalmente erradas, que ia achar que
ela tinha sentido falta do luxo, sem dúvida
nenhuma. E isso lhe feria o orgulho, fazendo-a
sentir-se toda eriçada. Mas de que adiantavam
esses seus ideais e motivos, se ficasse completa-
mente só? Ela tinha se gabado de que não
aceitaria nada pela metade, e agora admitia que
metade era melhor do que absolutamente nada.
Mary Margaret abriu a porta e anunciou que o
conde de Milfordhurst tinha chegado para visitá-
la.
— Pode mandá-lo entrar — disse Caroline,
sorrindo.
Milford apareceu à porta, sorrindo radiante. Mary
Margaret aju¬dou-o a tirar a sobrecasaca pesada
de inverno e depois fechou a porta.
— Es meu primeiro visitante, Milford — disse-lhe
Caroline. Cor¬reu e apertou-lhe as mãos nas suas,
e impulsivamente beijou-lhe a face.
—Minha nossa, estás gelado — comentou. —
Vem aqui para perto da lareira, para aquecer-te.
Por que vieste até aqui? — indagou.
— Só quis passar para ver como ias — esquivou-
se Milford.
— Vieste lá de Londres para me visitar? —
perguntou Caroline.
Milford fez cara de meio encabulado. Pegou a
mão de Caroline e levou-a até um canapé, depois
sentou-se ao seu lado.
— Tu emagreceste — comentou ele. — Caroline,
vou interferir de novo. Que que me escutes. Brad
não vai recuar. O orgulho dele é importantíssimo
para ele. e quanto mais cedo aceitares isso, melhor
será para ti.
— Eu sei.
— Tu sabes? Então por que... — Milford tinha
sido pego no contrapé pela sua admissão imediata.
— Ora, mas até que foi fácil. Então vamos,
Caroline. Vamos voltar agora para Bradford Hills.
— Bradford está lá? Pensei que ele estivesse em
Londres — disse Caroline.
— Não está na cidade, não, parei lá para visitá-lo
primeiro — disse-lhe Milford __Mas ele planeja
voltar a Londres amanhã. Tu não precisas fazer as
malas, só vir comigo.
Caroline soem e sacudiu a cabeça.
— Milford. gostas desta sala?
Milford estava pronto para discutir com Caroline,
mas essa pergunta educada confundiu-o.
__ De quê? Da sala?- e olhou em torno de si,
voltando a olhar para Caroline depois,__Gosto,
sim. Por quê?
__ Gostaria que Bradford viesse até aqui e
visse a sala também —explicou Caroline, __É
pequena para os padrões dele, mas agora está
quente e confortável... E virou um lar. Talvez ele
entendesse, se ao menos pudess ver...
— Caroline, do que estás falando? Acabei de te
explicar que o Brad não vai vir aqui.
___ Mas não é preciso __ acalmou-o Caroline. —
Vou mandar-lhe um bilhete, e pedir que ele
venha me buscar.
— Estás querendo adiar as coisas? — perguntou
Milford, franzindo o cenho.
Caroline sacudiu a cabeça e Milford olhou
para ela durante um minuto inteiro. Depois
decidiu que ela estava falando sério, e disse:
— Então escreve logo esse bilhete. Como és
teimosa, meu Deus! Não admira que Bradford
tenha se casado contigo. São farinha do mes-mo
saco. Sois muito parecidos, sabias?
— Não somos nada parecidos — replicou
Caroline. — Sou calada e tímida, e ele só sabe
gritar. Sou uma pessoa simpática, meu marido é
teimoso e cético.
— Es a santa e ele o pecador? — indagou
Milford, com uma risadinha.
Caroline não respondeu nada a ele.
— Queres passar a noite aqui antes de voltares a
Londres? — per¬guntou ela. — Ficarias bem?
— Ficaria sim — respondeu Milford, com um
sorriso. — Tens guardas suficientes para te
garantir a privacidade.
Milford jantou com Caroline e conversaram sobre
vários assuntos. A conversa acabou girando em
torno de Bradford de novo, e Milford contou-lhe
como eles tinham se conhecido. Descreveu
algumas das peas absolutamente horrorosas que
eles costumavam pregar nos mais velhos, e
Caroline riu, encantada.
— E o que o fez mudar tanto, Milford? —
indagou Caroline. — O que o deixou tão cético?
— As responsabilidades o obrigaram a
amadurecer antes da hora — comentou Milford.
Ele voltou a encher as taças de vinho dos dois, e
tomou um trago caprichado. — Quando seu pai e
seu irmão mais velho eram ainda vivos, Brad era
um memnão descuidado. Seus pais pareciam
apenas gostar do herdeiro. Bradford era um garoto
de maus modos, indisciplinado. Apaixonou-se por
uma mulher chamada Víctoria. Na¬ quela época,
nada conhecia acerca do fingimento feminino.
Caroline quase deixou cair a taça.
— Ele nunca me disse nada disso. Apaixonou-se
mesmo? Victoria quem? Ela ainda está viva? O
que houve? Mas que homem miserável, não me
conta nada! — Suas perguntas e comentários
saíram-lhe da boca sem pensar. Apenas pensar em
Bradford, o seu Bradford, apaixonado por outra
era uma coisa difícil demais de encarar.
Milford fez sinal para ela se calar.
— Como eu estava explicando, ele era muito
jovem, e Victoria jurou que era tão pura quanto
qualquer virgem devia ser. Era uma bruxa
manipuladora. e todos que a conheciam bem
sabiam disso. Brad disse ao seu irmão e aos seus
pais que ia se casar com ela, e que reação isso
causou! O irmão de Brad era tão ladino quanto
Victoria, e achou que seria interessante mostrar ao
seu irmão caçula como Victoria era, na verdade,
experiente, foi tudo uma encenação, é claro, e o
Brad entrou justamente na hora certa.
__Por que foi que ele simplesmente não contou ao
Bradford que ela estava fingindo? __ perguntou
Caroline. — Por que teve de ser tão cruel? —
Ficou horrorizada com aquela história, e seu
coração ficou pequenmino de pena do marido.
__Ele queria que Brad fizesse papel de bobo —
declarou Mil-ford. — A Victoria recebeu uma boa
compensação pelo inconveniente. Caroline, já
conh este a mãe do Brad. Ela se abrandou com a
idade e a solidão, mas mesmo assim, sempre foi
insensível, como também o pai do Bradford. Duas
semanas depois da humilhação de Bradford, seu
pai e seu irmão morreram. A carruagem deles
virou. De repente a duquesa ficou só com o
Bradford, mas a essa altura já era tarde demais.
Ele a trata como uma estranha e ela sabe que é a
única culpada disso.
__ Desde essa época o Brad só passava o
tempo com... senhoras profissionais, vamos dizer
assim. E aí conheceu uma certa mocinha inocente
de olhos de cor violeta vinda das Colónias, que
virou o mundo seguro dele de pernas para o ar. —
E Milford ergueu a taça, fazendo um brinde a
Caroline, e sorriu.
__ O que foi feito da Victoria? — perguntou
Caroline.
__Ela provavelmente está sofrendo de sífilis
a esta altura. Não faças essa cara de alarmada.
Caroline. Brad nunca a levou para a cama. —
disse, com uma risadinha. — Faz anos que
ninguém ouve falar nessa mulher.
—Está me contando tudo isso porque quer que eu
tenha paciên-cia com o meu marido - Esse
comentário tranquilo de Caroline fez Milford
sorrir radiante. __ Tu és um bom amigo, Milford
— anunciou Caroline. —Bradrord, como bem
sabes. Mas não é fácil. Os

motivos não importam — acrescentou. — Águas


passadas não movem moinhos. O Bradford quis se
casar comigo, e não vou desistir.
— Desistir de quê? — perguntou Milford.
— De combater seu ceticismo — respondeu
Caroline. Levantou-se e deu um suspiro. — Já é
tarde, e provavelmente estás muito cansado, mas
se quiseres, podemos jogar cartas.
Milford seguiu Caroline até o vestíbulo. Estava
cansado, e um jogo de uíste ou faraó não o atraía,
mas como Caroline já estava sozinha ali fazia
mais de duas semanas, ele achou que seria capaz
de aturar uma partida.
— O que tinhas em mente? — indagou.
— Pôquer, é claro — respondeu Caroline. — Não
conto a nin-guém, se não contares também. — E
foi conduzindo-o até à sala de estar. — Andei
tentando ensinar a Mary Margaret a jogar, mas ela
não gosta de jogar cartas.
Ouviu o Milford casquinar atrás de si e
acrescentou:
—Ê claro que, se isso te ofende, não jogaremos a
dinheiro.
Caroline sentou-se à mesa quadrada atrás do
canapé, pegou o bara¬lho que estava no meio
dela, e começou a embaralhá-lo com tanta perícia
quanto qualquer homem.
Milford soltou uma gargalhada e tirou a casaca.
Enrolou as man¬gas da camisa e sentou-se diante
de Caroline.
— Eu não me sentiria bem ganhando teu dinheiro
— admitiu, torcendo para ela discutir com ele.
— Mas não vou perder — replicou Caroline. —
Além do mais, o dinheiro é do Bradford, não meu.
E depois que perderes as primeiras partidas, pode
até ser que mudes de ideia.
Eles jogaram até tarde da noite. Quando Caroline
finalmente anun¬ciou que estava cansada demais
para continuar, Milford reclamou.
— Precisas me dar uma oportunidade de
recuperar meu prejuízo — protestou.
— Mas foi esse o argumento que usaste faz uma
hora — respon¬ deu Caroline. Ela lhe deu boa
noite e subiu para seu quarto.
A solidão pareceu pior ainda quando ela se deitou
na sua cama fria. Depois sentiu mais falta de
Bradford do que jamais sentira antes. Aquele
colchão velho era todo encaroçado, cheio de palha
dura, e suas costas doíam toda vez que ela se
virava.
Pensou no passado de Bradford e sentiu-se meio
envergonhada de não ter se mostrado mais
paciente com ele. E depois finalmente
ador¬meceu, segurando o travesseiro contra o
peito, e fingindo que ele era seu marido.
O mensageiro que Caroline tinha enviado à casa
de Bradford vol¬tou no fim da manhã seguinte,
dizendo que o duque de Bradford tinha sido
convocado paia ir a Londres no dia anterior.
Milford resmungou. pensando como seria
inconveniente ter de
ir procurar o amigo, e preocupou-se achando que
Caroline teimaria e mudaria de idéia, e aí
deu-lhe um beijo de despedida e começou sua
viagem de volta a cidade.
Caroline tambem ficou decepcionada. Passeou
pelos cómodos de Bradford Place, pensando no
marido, e em como procederia quando eles
voltassem a se encontrar.
Voltou para o seu quarto, sentou-se na cama e
pensou em que vestido iria usar quando ele
finalmente viesse buscá-la. Queria passar uma
noite ali em Bradford Place com ele, pois gostava
daquele ambiente acolhedor, e aí refletiu que o
marido não dormiria mais de dois minu¬tos
naquele colchão horroroso. Esse pensamento
levou a outro, depois esse a mais outro, e Caroline
teve uma ideia das mais bizarras. Riu de
felicidade e correu de volta ao térreo para
executá-la.
Um golpe final contra a armadura dele, justificou-
se Caroline. de¬pois de completar sua obra-prima.
Só um último ataque final. Depois ela se
conformaria, e aprenderia a aceitar as coisas como
eram.

CAPITULO 13
B
radford estava em pânico. Quando o mensageiro
chegou a Bradford Hills e anunciou que Franklm
Kendall tinha despistado os espiões que seguiam
todos os seus movimentos, o impulso imediato de
Bradford foi ir até onde estava Caroline.
Depois que se acalmou um pouco, desistiu dessa
ideia, sabendo que ela estava segura com os cinco
guardas que tinha contratado para protegê-la. Era
possível, além disso, que estivessem vigiando
Bradford, também, e que se ele viajasse para
Bradford Place levaria o inimigo di-reto até a
porta da frente dela.
Ele saiu para ir a Londres jurando que vasculharia
a cidade até encontrar o homem. Duas vezes tinha
tentado capturá-lo, e nas duas seu adversário
ladino tinha se negado a cair na sua armadilha.
Agora não queria mais saber de armadilhas. Sabia
que o irmão caçula do mar-quês era o culpado, e
se ele precisasse desafiá-lo para um duelo, faria
exatamente isso.
Tinha tido a ideia de fazer Caroline prometer que
não iria se cor-responder com nenhum de seus
parentes, e sabia que ela achava que tinha sido por
causa da falta de consideração com a qual ele a
estava tratando. Mas não era esse o motivo, de
jeito nenhum. Ele nem tinha se incomodado de
explicar a ela. Não queria que ninguém soubesse
onde ela estava, e tinha confidenciado qual era o
local apenas a Milford. Seu amigo, é claro,
manteria sigilo.
Sentia-se culpado por não compartilhar suas
preocupações com Caroline, mas argumentou que
quanto menos ela soubesse, menos se preocuparia.
Bradford chegou à sua casa da cidade tarde da
noite. Um dos de-tetives que ele havia contratado
estava esperando na frente da casa e informou-o
rapidamente que Franklin tinha voltado a
aparecer. Ele tinha ido se encontrar às escondidas
com uma nova amante, e passado o fim de semana
inteiro com ela.
Os agentes receberam novas instruções, e
Bradford entrou em casa. Estava andando de um
lado para outro na biblioteca, quando o conde de
Braxton chegou e solicitou uma audiência
imediata.
Braxton olhou-o cansado e meio descontrolado, e
foi direto ao ponto.
— Eu arrisquei e vim até aqui, na esperança de
encontrar-te. Ca-roline não está contigo, está?
— Não. — Bradford não teceu maiores
comentários, mas ofereceu uma bebida ao sogro,
sentando-se depois diante dele.
— Estais brigados? Não pretendo meter o bedelho
na vossa vida, mas o marquês está desesperado.
Franklin vive fazendo insinuações maldosas, e
Milo está muito preocupado. Ela não veio mais
visitá-lo nem escreveu mais nem uma palavra, e
ele está se sentindo abandonado.
Não acredita nas sórdidas mentiras que aquele seu
irmão imprestável vive pregando. Mas está
convencido de que ela está adoentada, e estás
escondendo a verdade dele. Sempre se preocupou
com tudo, o Milo. Naturalmente, ela está bem de
saúde, não está?
Seu olhar denunciava como estava alarmado, e
Bradford confirmou rapidamente com a cabeça.
— Está bem, sim — respondeu. — Temos uma
diferença de opi¬niões, mas nada com que
precises te preocupar. Que comentários foram
esses que o Franklin fez?
— Não vou repeti-los — replicou o conde. — Ele
pretende acabar com a reputação da minha amada
filha. Sente antipatia por ela, e não consigo
imaginar por quê.
Bradford não fez nenhum comentário. Ficou
fervendo de raiva por dentro, sabendo muito bem
porque Franklm estava contando aquelas
mentiras.
— Ora, meu rapaz, ela precisa voltar para Londres
para fazer uma visita ao meu irmão! O Milo está
que não se aguenta. Vais providenciar isso
imediatamente não vais?
— Sei que vou decepcioná-lo, mas infelizmente
este não é o momento.
— Põe o orgulho de lado, Bradford! Tenha um
pouco de compai¬xão. Tens uma vida inteira pela
frente, para conviver com minha filha. Faz uma
trégua agora. Milo não é forte e jovem como tu és.
Tem pouco tempo de vida, e já esperou quatorze
anos para que Caroline voltasse
para ele. Ele a ama tanto quanto eu.
O conde parecia estar pronto a agarrar Bradford e
sacudi-lo para lhe meter um pouco de juízo na
cabeça. Bradford hesitou durante um minuto
inteiro, aturando o olhar de raiva do seu sogro,
depois final-mente tomou uma decisão.
— Caroline e eu tivemos uma diferença de
opiniões, mas não é esse o motivo pelo qual ela
não está aqui comigo.
Devagar, sem ser interrompido, Bradford explicou
o verdadeiro motivo da ausência de sua esposa.
Disse que alguém a tinha empurrado das escadas
na casa dos Claymere, descreveu com detalhes o
'acidente' com a carruagem, citou partes da carta
ameaçadora que Caroline tinha recebido e
terminou essa narrativa sórdida com suas
conclusões de que Franklin é que estava por trás
de tudo aquilo.
— Ele é quem tem mais a ganhar — explicou
Bradford. — De várias fontes, já descobri que o
marquês vai deixar um bocado de dinhei¬ro de
herança para Caroline. As terras e o título, é claro,
ficarão com o Franklin, mas sem o dinheiro ele
vai ter que se virar para manter seu
atual estilo de vida. Loretta tem dívidas de jogos
de azar que chegam a uma fortuna bastante
respeitável, e o único motivo pelo qual os abutres
ainda não caíram em cima da mulher é que ela
assinou promissórias, nas quais consta que vai
pagar as dívidas assim que o marquês morrer.
— Quando Caroline voltou para Londres —
prosseguiu o duque
— o marquês alterou seu testamento, e disse ao
Franklin e à Loretta que
tinha feito isso depois que todos os papéis já
haviam sido assinados.
Braxton foi encolhendo-se cada vez mais na
poltrona durante a explicação de Bradford, e
depois escondeu a cabeça entre as mãos.
— O marquês está decepcionado com o seu irmão
e seu séquito de
amantes, e está perfeitamente a par do vício de
Loretta.
O conde sacudiu a cabeça e começou a chorar.
Bradford preocupou-se com a reação do sogro e
correu para acalmá-lo.
— Não é tão ruim quanto parece, senhor —
prometeu ele. —
Caroline está bem protegida, e Franklin não pode
fazer nada sem que
eu tome conhecimento. Não tenho provas
suficientes para condená-lo,
por isso pensei em ir ao seu encontro t duelar com
ele, para acabar logo
com tudo.
Braxton continuou sacudindo a cabeça.
— Não estás entendendo. Por que ela não me
contou nada? Eu
podia tê-la mandado de volta antes de te casares
com ela. — E aí sua
voz demonstrou sua angústia e seu desespero: —
Eu podia...
— Mandá-la de volta? Para Boston? — Bradford
estava com di-ficuldade de entender aquele
desabafo meio confuso. Uma sensação de
pavor começou a dominar seu coração, e ele
puxou o seu sogro, pondo-o
de pé. — Conta-me! Sabes de alguma coisa, não
sabes? Pelo amor de
Deus, conta-me o que estás pensando.
— Foi há muito tempo, e eu esperei até ele morrer
antes de ela
voltar. Faz tanto tempo, e, no entanto, para mím,
parece que foi ontem.
Minha esposa tinha morrido, e o bebé também, e
Caroline e eu fomos
para nossa casa de campo. Eu tinha causado certo
tumulto por expressar
meus pontos de vista radicais sobre a Irlanda, e
Perkins, um dos líderes
que se opôs a mim, não gostou muito da minha
interferência. Ele tinha
terras na Irlanda, muito mais do que qualquer
nobre, e a medida que
eu apoiava tinha acabado de ser aprovada,
permitindo aos irlandeses
católicos serem donos das suas próprias terras. Eu
sabia que Perkins me
detestava, mas não sabia como ele era mau. Para o
mundo inteiro, ele
era um cidadão irrepreensível.
O conde voltou a afundar na poltrona, e a
esconder a cabeça entre as mãos. Bradford
procurou ser paciente. Serviu mais uma bebida
para o sogro e entregou-lhe o copo.
O conde tomou um gole caprichado e depois
continuou sua narrativa.
— O Perkins mandou uns capangas atrás de mim,
porque queria me silenciar de uma vez por todas.
As terras que possuía não corriam
risco, mas ele queria expandir suas propriedades,
e eu estava conseguin¬
do muita popularidade para o seu gosto. Ele
achava que eu encontraria
uma forma de tirar as terras dele. A ironia foi que
eu já tinha perdido a
coragem de batalhar por essas causas. Meu mundo
tinha caído depois da
morte da minha mulher, e. eu só queria viver em
paz e em tranquilidade
com a minha garotmha.
— Caroline tinha só quatro anos. Era muito vivaz,
muito traqui-nas — o conde suspirou fundo e
depois endireitou a coluna. -
vieram durante a noite. Só dois. Caroline estava
no andar de cima dor¬
mindo, mas os gritos devem tê-la despertado. Ela
desceu as escadas. Um
dos homens estava empunhando uma pistola, e eu
o fiz soltá-la. Caroline
pegou-a e conseguiu atirar no homem. Ele morreu
três dias depois.
Bradford recostou-se na sua poltrona, claramente
espantado com a narrativa.
— Foi um acidente — disse o conde. Ela estava
querendo me
entregar a arma. Estava só querendo ajudar. O
homem tinha me esfa-queado, e tudo estava
salpicado de sangue. Caroline começou a correr
na minha direção e tropeçou, disparando a pistola.
Bradford fechou os olhos,
— Meu Deus, ela era uma criancinha mal saída
das fraldas. —
Sacudiu a cabeça. — Nunca me disse nada.
— Ela não se lembra.
Bradford mal o escutou. Estava só tentando
imaginar a pequena Caroline, como ela devia ter
se sentido horrorizada.
Finalmente, conseguiu entender o que o sogro lhe
declarou.
— O que sei é que ela morria de medo de pistolas,
quando era
menor. Considerava isso um defeito, e procurou
corrigi-lo. — A voz de
Bradford tremia, ele não conseguia controlá-la.
— Sim — respondeu Braxton. — Henry me
escreveu uma carta
contando isso. Meu irmão caçula era o único da
família que sabia o
motivo pelo qual Caroline tinha ido morar com
ele. Não contou nem
à esposa.
— E o que houve com os homens em questão?
Disse que um deles
morreu três dias depois, não?
— Sim, o tiro foi no estômago — respondeu o
conde. — Seu
nome era Dugan.
— E a família dele?
— Ele não tinha família,
— E os outros?
— Perkins morreu no ano passado. O terceiro era
um sujeito cha¬mado McDonald. Não tinha
família também, que eu soubesse. Fazia só dois
meses que estava em Londres. Admitiu que tinha
recebido dinheiro do Perkins, mas teve medo de
dar testemunho se eu desse queixa. Como se eu
tivesse coragem!Minha hlhinha, exposta a um
escândalo desses! Nunca! E eu não sabia se o
Perkins tinha enviado outros ou não. Não podia
confiar nele, entende?
— Então preparei as malas da Caroline, mandei-a
para a América
com dois dos meus amigos mais confiáveis e fui
atrás do Perkins eu
mesmo.
— Como? Como é que foi atrás dele? — indagou
Bradford.
Suas mãos apertavam os braços da poltrona, de
modo que ele procurou acalmar-se.
— Fui à casa dele com a minha pistola. Ele tinha
dois filhos, e
quando encontrei o Perkins sozinho lhe disse que
tinha contratado
gente para matá-lo e matar os dois garotos se
acontecesse alguma coisa
comigo ou com a minha filha. Ele entendeu o
recado. Era capaz de jurar
que eu estava falando sério.
Esperou que Bradford confirmasse que tinha
entendido, e depois continuou:
— Achei que a ameaça tinha terminado, mas
mesmo assim não
podia arriscar-me. Caroline era tudo que restava
da minha família! Pro¬
curei afastar-me do cenário político e jurei que
minha filha só voltaria
quando todos eles tivessem morrido.
Bradford subitamente sofreu uma transformação,
portando-se de maneira mais brusca, mais neutra.
A proteção de sua esposa, do seu ponto de vista,
era imprescindível, e não havia tempo para
permitir que outras emoções interferissem. A hora
da compaixão chegaria depois, quando ele
contasse a Caroline.
— Muito bem. Então Perkins e os assassinos de
aluguel dele mor¬reram todos. E agora, como
ficamos? — esfregou a mandíbula, pensa¬tivo,
olhando fixamente as chamas da lareira.
O som do relógio dando as horas era o único ruído
na sala enquan¬to ambos os homens refletiam
sobre aquele enigma.
— Tens certeza de que ninguém mais tomou
conhecimento do que
houve? Será que Perkins não poderia ter contado a
mais alguém?
Braxton sacudiu a cabeça.
— Ele não teria ousado fazer isso — comentou.
— E eu não
contei a ninguém, a não ser o meu irmão.
Bradford levantou-se e começou a andar de um
lado para outro na sala.
— O que vão fazer? — indagou o conde. Agora
estava torcendo as
mãos, e Bradford achou-o tão velho e frágil
quanto o marquês.
— Não sei ainda. Mas agora a carta faz sentido.
Quem a escreveu
prometeu vingança, mas também havia nela outras
tantas obscenidades
sem sentido às quais não prestei a menor atenção.
— Ai. meu Deus, ela não está segura! Ela...
Bradford interrompeu o sogro com um tom
subitamente áspero que não conseguiu conter.
— Nada vai lhe acontecer. Droga., só agora é que
fui entender o
quanto ela significa para mim. Não vou deixar
ninguém encostar a mão
nela. Eu...
— Sim? __ incentivou o conde, quando Bradford
parou.
— Eu a amo. — Bradford soltou um suspiro alto.
— E não preten¬do perdê-la agora —
acrescentou, fazendo essa declaração como se
fosse
um juramento. — Olha, tenta o melhor que
puderes não te preocupar.
Diz ao marquês que Caroline está resfriada ou
coisa assim. Convence-o de
que ela está convalescendo, e pretende continuar
escrevendo para ele. Isso
deve abrandar o homem até eu conseguir formular
outro plano de ação.
O conde sentiu-se como se um peso que vinha
carregando desde o início dos tempos finalmente
tivesse sido retirado de seus ombros. Concordou
com tudo e foi até a porta.
— Não vais contar a Caroline que troquei
confidências contigo,
vais? Não há motivo para ela saber disso —
declarou ele. — Minha
filhinha entrou nessa história como uma inocente.
Bradford concordou.
— Vou guardar segredo por enquanto, mas
depois, quando tudo
passar, vou ter de lhe contar.
E acompanhou o sogro até a porta, fazendo o
seguinte comentário:
— Caroline não te contou sobre a ameaça porque
não queria te
preocupar. E eu disse muito pouco a ela sobre
meus pensamentos re¬
ferentes ao inimigo, porque não queria que ela se
preocupasse. Ambos
estávamos tão preocupados em proteger um ao
outro que acho que
todos perdemos um pouco a noção da realidade.
Sempre insisti na con-fiança cega... — E Bradford
parou assim que essas palavras saíram da
sua boca. Sacudiu a cabeça. — Confiança cega.
Exatamente o que ela
exigiu de mim — admitiu.
— O que é? — O conde de Braxton parecia
confuso.
— Ela me deu seu amor e sua confiança —
comentou Bradford.
Sua voz parecia áspera, mas era a única maneira
pela qual ele podia
controlar o tremor que sentia por dentro. —
Sabias que ela às vezes me
chama de Jered?
O sogro sacudiu a cabeça e franziu o cenho,
obviamente perplexo diante da mudança de
assunto.
Bradford tossiu e agarrou a maçaneta da porta.
— Olha, prometo te manter informado. Agora vai
para casa e
descansa um pouco.
O conde já estava no meio das escadas quando
Bradford deteve-o com uma pergunta.
— Quando exatamente aconteceu tudo isso?
— Quê?
A data, senhor, em que esses homens o
procuraram?
— Faz quase quinze anos — respondeu o conde.
— Não, estou querendo saber a data exata. O dia,
o mês... vós
vos lembrais?
— Fevereiro, na noite do dia 20, 1788. É tão
importante assim?
Bradford não permitiu que seu rosto traísse
nenhuma reacão.
— Pode ser que sim. Enviarei notícias —
prometeu, sem dizer
mais nada sobre suas suspeitas.
Mas assim que a porta se fechou, sua expressão
mudou, e sua preocupação ficou claramente
visível. Ele rezou para estar errado, tre-mendo de
ódio. Se suas suspeitas se confirmassem, ele não
tinha muito tempo. Apenas seis dias para
encontrar aquele salafrário! Seis dias até o dia 20
de fevereiro...
As mãos de Bradford estavam trémulas enquanto
ele fazia a lista do que precisava ser feito. Só foi
para a cama bem depois de meia-noite. No dia
seguinte, depois de ter colocado em ação seu
plano, voltaria para o lado da mulher. Essa ideia
acalmou-o, e ele entendeu que estava louco para
confessar-lhe seu amor e suplicar seu perdão. Ele
ma ao seu encontro como duque de Bradford e
como Jered Marcus Benton. Ele sabia no fundo de
seu coração que ela o amava. E se o poder, a
riqueza e o título desaparecessem no futuro, ela
continuaria ao seu lado.
Bradford sentiu imenso contentamento, imensa
paz de espírito ao pensar no futuro e em como
abraçaria sua esposa. Começou a pensar em todas
as formas diferentes como iria amá-la, e
adormeceu com um sorriso nos lábios.
Milford chegou à casa de Bradford em Londres
exatamente quan¬do seu amigo estava se
preparando para partir.
Bradford explicou rapidamente que achava que
quem estava que¬rendo matar Caroline atacaria
dentro de apenas seis dias. mas não expli¬cou por
quê. Sentia que a esposa devia saber primeiro, e
seria sua decisão contar a Milford ou não, ou a
qualquer outra pessoa, sobre o que tinha ocorrido
tantos anos antes.
— Agradeceria se viesses comigo até Bradford
Place. Pode ser que
possas me ajudar. Quanto mais gente de confiança
perto da Caroline,
melhor — disse ele.
— Meu Deus, minhas costas ainda estão doloridas
da viagem de ontem, mas sabes que irei contigo
— respondeu Mllford. — Além de querer te
ajudar, também quero ouvir quem pede desculpas
primeiro.
— E vendo a exasperação do amigo, riu.
— O que é que te faz pensar que vou pedir
perdão? — indagou
Bradford, sorrindo abertamente.
— O fato de que és teimoso, meu amigo, mas não
és burro —
retrucou Milford.
Bradford surpreendeu o amigo ao concordar com
ele.
— Então vais mesmo pedir perdão? — indagou
Milford.
— Se for preciso, de joelhos — anunciou
Bradford.
E aí riu da cara que o amigo fez.
— Que foi? Pensei que já estavas cansado de
bancar o mediador
— comentou, ao dar um tapa nas costas do amigo.
— Foi por isso que
foste falar com a Caroline. não foi? Para que ela
enxergasse a razão?
Milford fez cara de encabulado.
— Foi, eu confesso — respondeu. — Mas Brad,
não exagera, hein?
Se caíres de joelhos só uma vez. Caroline vai
mandar e desmandar em
ti pelo resto da vida. Além do mais, está decidida
a voltar para casa. Só
Deus sabe o quanto a adoro, mas ela...
— Eu também — interrompeu-o Bradford.
— Eu também o quê?
— Adoro-a — explicou Bradford.
— Não diz isso a mim. rapaz, diz à Caroline.
Bradford sacudiu a cabeça.
— E eu diria, meu amigo, se tu começasses a se
mexer para
partirmos.
Os dois mal disseram uma palavra durante a
viagem, pegando vários atalhos que diminuíram a
distância de Londres até Bradford Hílls em quase
uma hora. A cada quilómetro que passava, o
humor de Bradford melhorava um pouco mais.
Ele entrou na sala de estar da sua mansão
chamando Henderson aos berros para poder lhe
dar novas instruções, e depois para servir-se de
conhaque. Depois de tomar um trago caprichado,
virou-se para sentar-se alguns minutos. Sua
poltrona de couro preferida não estava ali, e ele
franziu o cenho ao sentar-se na cadeira de encosto
baixo. Tomou mais um gole do copo que
segurava, e depois virou-se para colocá-lo na
mesa de três pés que sempre estava ao lado de sua
poltrona. Só que a mesinha não estava mais lá, e
Bradford só foi notar isso quando seu copo quase
caiu no chão.
Ele franziu o cenho diante dessa ligeira
inconveniência e aí Milford entrou na sala e
chamou-o.
— Brad, já esteve na sua biblioteca?
Bradford sacudiu a cabeça. Estava só pensando na
esposa e ten-tando formular como lhe diria o
quanto tinha sido idiota sem parecer um. Viu que
estava ficando nervoso e entendeu que ainda não
se sentia bem com a ideia de abrir o coração e a
alma para a mulher que amava. O problema,
enquanto ele estava sentado ali, analisando tudo,
era que não tinha muita prática nisso.
Milford não quis permitir um momento de
privacidade e insis-tiu, entre mordidas no pão que
segurava, que Bradford fosse com ele à biblioteca.
— Acho que deixaram um recado lá para ti, mas
não entendi a
mensagem — murmurou, de boca cheia.
Bradford cedeu, seguindo Milford até a porta da
sua biblioteca.
— Mas que raio é que... Henderson? — Bradford
gritou, receben¬do um eco como resposta.
Entrou devagar em seu santuário, olhando em
torno de si, assom¬brado. A sala estava
completamente vazia. A escrivaninha, as cadeiras,
os livros, os papéis e até mesmo as cortinas
haviam sido retiradas.
Bradford virou-se para Milford e sacudiu a
cabeça, atordoado.
— O Henderson deve estar escondido em algum
lugar — disse
Milford. — O que é que está havendo, hein?
Bradford deu de ombros, ainda de cara amarrada.
— Vou ter que descobrir o motivo mais tarde.
Agora nesse momento eu só quero partir para
Bradford Place. — E começou a subir as
escadas, de dois em dois degraus, gritando
enquanto isso para o amigo:
— Podes vestir uma das minhas camisas, se
quiseres mudar de
roupa.
Bradford parou ao chegar à porta do quarto de
Caroline. Abriu-a num impulso e deu uma olhada
rápida dentro dele. Tudo estava exatamente
onde devia estar, e mesmo assim ele não desfez a
carranca. Fechou a porta e continuou até o seu
quarto. Assim que abriu a porta, começou a rir. O
quarto estava tão vazio quanto a biblioteca.
Henderson apareceu correndo com Milford ao seu
lado.
— Não será possível mudar de roupas, Sua Graça
— anunciou
Henderson, com altivez. Seu rosto estava
vermelho como uma brasa,
como se ele tivesse ficado parado no frio a manhã
inteira.
— E por quê, pode-se saber? — perguntou
Bradford. E continuou
rindo até as lágrimas brotarem nos seus olhos.
— Vossa esposa solicitou que todos os vossos
pertences fossem
transferidos. Creio, senhor, que por ordem vossa.
Bradford assentiu.
— Naturalmente acreditaste. Henderson. — E
virou-se para seu
amigo, que estava atônito, dizendo: — Ela levou
só minhas coisas, Mil-ford. É um recado sim, e
nada sutil.
— E qual é o teor da mensagem? — indagou
Milford, descobrindo
que o riso de Bradford era contagioso. Começou a
casquinar sem fazer
idéia do motivo.
Bradford demonstrou sua exasperação.
— Levaram minhas coisas todas para Bradford
Place. Está na cara
que está pretendendo me mostrar qual é o meu
lugar — concluiu, dando
um tapa forte no amigo meio lento de
compreensão, começando a per-
rorrer o corredor. — Como é que eles
conseguiram levar minha cama,
hein, Henderson? Devem ter sido pelo menos uns
quatro homens...
Henderson ficou imensamente aliviado por seu
patrão ter achado iquilo engraçado.
— Na verdade foram cinco — confessou.
Pigarreou e depois
acrescentou: — Eles tentaram rne recrutar
também, Sua Graça. Estou
encabulado de admitir que fui obrigado a me
esconder na copa até eles
saírem.
— Esconder-se não vai adiantar, Henderson —
anunciou Bradford
quando conseguiu controlar-se. — Ela vai te
encontrar, mais cedo ou
mais tarde. Se estiver decidida a levar-te para
Bradford Place, é melhor
ir aceitando logo.
— E vós, onde estareis, posso lhe perguntar? —
indagou Henderson.
— Com minha esposa — disse Bradford,
sorrindo.
Milford e Bradford partiram de novo, com outros
cavalos, mas levaram quatro horas para chegar a
Bradford Place, pois os morros que existiam no
caminho não lhes permitiram pegar atalho algum.
Era quase hora do jantar quando eles entraram na
fortaleza som¬bria. Só que lá dentro não era mais
uma fortaleza. Era uma casa.
Bradford ficou deslumbrado, parando no meio do
vestíbulo.
— Ela transformou a fera em uma coisa bela.
— Estás te referindo a ti mesmo ou a nossa casa?
— A pergunta
reboou vinda de cima, e Bradford virou-se para
olhar para o alto das
escadas.
Sua esposa estava parada ali, esperando a resposta
dele. O peito de Bradford contraiu-se, e ele não
conseguiu articular nenhuma palavra.
Caroline não queria mais nada senão descer
correndo as escadas e jogar-se nos braços do
marido. Esperou, desejando ver se ele estava
zangado ou feliz por vê-la, primeiro. O marido
continuou olhando para ela e quanto mais durava
aquele silêncio, mais mal ela se sentia. Tinha
acabado de pôr um vestido simples, amarelo, que
lhe fazia a pele pi doentia. Se ao menos tivesse
escolhido o azul, censurou-se ela. Se ao me¬nos
soubesse que ele vinha! Meu Deus, mas os
cabelos dela nem mesmo estavam bem penteados,
e ela sabia que estava com cara de intrigada.
— Tu demoraste muito para chegar, hein? —
disse ela. deixando
de lado o problema de sua aparência. Se ela estava
toda desarrumada, a
culpa era dele, não dela.
Ela desceu as escadas e parou bem na frente do
marido. Ele estava com uma expressão muito
séria, muito bem-comportada, mas havia ternura
nos seus olhos também. Aquilo a surpreendeu, e
ela decidiu que ele obviamente não tinha parado
em Bradford Hills no caminho para a fortaleza.
Senão estaria gritando com ela agora.
Caroline fez uma reverência e sorriu para o
marido.
— Bem-vindo ao seu lar — disse.
E não ousou encostar o dedo nele. Sabia que
depois que estivesse em seus braços esqueceria
completamente o discurso que tinha prepa¬rado, e
estava decidida a terminar isso primeiro.
Ficou olhando o marido enquanto cumprimentava
Milford.
— E tu, trouxeste o dinheiro que me deves? —
indagou.
Bradford ouviu a pergunta de Caroline, mas teve
dificuldade de compreender exatamente do que
ela estava falando. Ele só conseguia concentrar-se
na proximidade dela. Estava tão linda! E
percebeu, ao dar o primeiro sorriso, que ela
parecia estar um tanto nervosa. Ele se perguntou o
que estaria passando naquela cabecinha
complicada dela.
Não precisou esperar muito pela resposta.
__ Vieste direto de Londres para cá? Não paraste
em Bradford Hills? — perguntou Caroline,
olhando fixamente para um dos botões da sua
casaca.
— Paramos lá. sim.
— Ah. pararam? E não estás zangado comigo? —
Ela achou essa
uma pergunta tola, assim que acabou de fazê-la.
Era óbvio que ele não
estava zangado, porque estava sorrindo para ela.
Portanto, concluiu que
ele não tinha ficado por lá tempo suficiente para
saber o que ela havia
feito. Ah, sim, pensou ela, com uma risada
nervosa, vai descobrir logo,
logo. Aí então sim, é que as coisas iam esquentar.
Melhor terminar logo o discurso, antes de
Bradford subir, decidiu Caroline.
— Eu preciso mesmo falar contigo, Bradford.
— Diz boa-noite para o Milford, amor.
— O quê? Mas ele acabou de chegar. Certamente
não vai embora
agora, vai?
— Não é o Milford, é a Caroline — contradisse
Bradford.
— Milford não vai embora?
O convidado em questão foi bem mais rápido em
entender o que Bradford estava dizendo à esposa.
Pegou a capa sobre a mesa do vestíbu¬lo e foi
percorrendo o corredor, procurando a sala de
jantar e assobiando uma musiquinha atrevida.
— Hora de ir para a cama, Caroline.
— Mas ainda não estou cansada.
— Otimo.
— Ainda é dia, Bradford. Não vou conseguir
dormir.
— Espero que não.
Caroline enrubesceu quando Bradford ergueu-a
nos braços e levou-a para cima. Ela finalmente
tinha entendido qual era sua intenção.
— Não podemos fazer isso — protestou ela. —
Milford vai ficar sabendo!
Bradford já havia alcançado o topo da escada e
perguntado:
— No seu quarto ou no meu?
— No nosso — corrigiu Caroline, desistindo de
argumentar. Apontou para a primeira porta à
direita. Quando o marido estava para abri-la,
agarrou-lhe a mão, lembrando-se da mobília.
— Há uma coisa que gostaria de te explicar sobre
esse quarto — apressou-se a dizer.
Bradford fingiu que não tinha ouvido e abriu a
porta. A mobília do seu quarto estava onde ele
esperava que estivesse, e ele procurou manter sua
expressão neutra ao entrar e fechar a porta.
Caroline esperou o comentário dele, mas Bradford
pareceu satis¬feito ali encostado à porta,
segurando-a nos braços.
Viu a banheira vazia a um canto do quarto e
lembrou-se de que ele estava coberto de pó da
estrada. Relutante, deixou Caroline deslizar para o
chão e deu-lhe apenas um beijo casto no alto da
cabeça. Sabia que se a beijasse como ela gostava
de ser beijada não tomaria banho.
— Primeiro o dever, querida — murmurou, com
um suspiro re-lutante. Virou-se e abriu a porta,
pedindo água com um grito alto o bastante para
todos os guardas ouvirem.
— Bradford, quer, por favor, me dar tua atenção
agora? — perguntou Caroline. Foi até a cama e
sentou-se na beirada dela. — Notou alguma coisa
diferente? — perguntou.
— Notei tudo — respondeu Bradford. — Seu
cabelo está todo despenteado, e com esse teu
vestido horrível pareces até um cadáver. Tira o
vestido assim que o banho estiver preparado.
Caroline não se ofendeu nem um pouco com seus
comentários, admitindo consigo mesma que ele
tinha razão. Estava sorrindo para ela e sua
expressão aqueceu-a. Ele a desejava.
— Nunca te vi de tão bom humor — confessou
ela, baixinho. — Pensei que ficarias zangado por
eu ter trazido a mobília para cá, mas nem mesmo
notaste. Aliás, teu escritório fica no fim do
corredor.
— Notei — disse Bradford, com uma risadmha.
— Tem só uma cama desse tamanho na Inglaterra
inteira, imagino eu.
— Bradford, tenta falar sério só um minuto. Tem
uma coisa que eu
gostaria de discutir contigo. E estás me deixando
nervosa assim sorrindo
o tempo todo para mim.
Uma batida à porta interrompeu-a. Bradford
abriu-a, viu que eram u» gudidds cum baldes de
água e permitiu que entrassem. Arrastou a
banheira para perto da lareira e acendeu o fogo
enquanto enchiam a banheira.
A espera durou uma eternidade para Caroline. Ela
queria terminar logo o seu discurso. Bradford
certamente ficaria para arrebentar de tão
convencido. E aí tudo fez sentido. Tinha sido o
Milford! Ele devia ter contado ao Bradford. Era
esse o motivo pelo qual seu marido estava tão
despreocupado agora.
— O que o Milford lhe contou? — perguntou
Caroline. — Quan¬do ele me visitou, ele...
Ela não conseguiu terminar a frase. Bradford
estava se despindo, o que a distraiu. Passou a
camisa sobre a cabeça e deixou-a cair no chão,
de¬pois foi até a mesa onde estavam a jarra e a
bacia. Caroline ficou olhando, hipnotizada, o
marido lavando o rosto e as mãos na bacia de
porcelana.
— Estás te lavando antes de tomar banho? —
indagou ela, meio
desorientada. —Um exagero, isso, não achas?
Bradford sorriu. Foi até a cama e sentou-se ao
lado da esposa. — Ajoelha, mocinha — grunhiu.
Caroline ficou surpresa com essa ordem.
— Agora vais querer também que eu me ajoelhe
diante de ti? —
Sentiu a coluna começando a enrijecer-se. —
Olha aqui, Bradford, não
sei o que o Milford lhe disse, mas...
— Ajuda-me a tirar as botas, sim, Caroline?
— Ah, sim. — Caroline demonstrou sua
exasperação. Não se ajo¬elhou, mas em vez disso
sentou-se sobre as pernas dele, proporcionando
a Bradford uma visão deliciosa de suas nádegas.
Quando ela terminou
de tirar-lhe as botas, virou-se com as mãos nos
quadris. — Queres me
ouvir, por favor?
— Depois do nosso banho.
— Nosso banho?
Bradford confirmou, rindo do jeito como Caroline
corou. E então passou a tirar-lhe as roupas bem
devagar. Caroline notou que suas mãos tremiam, e
ficou surpresa com essa demonstração de
sentimentos, pois o rosto do marido não traía nada
do que ele estava pensando naquele instante.
Ele ergueu-a nos braços, lutando contra as
sensações que a maciez da pele da esposa
despertavam nele, e tratou de meter-se na
banheira com Caroline no colo.
— Estás corada como uma virgem, minha esposa
— comentou Bradford com um olhar malicioso
proposital. — Começa a banhar-me — ordenou.
Ele lhe entregou uma barra de sabão e Caroline
começou a lavar o peito do marido.
Nenhum deles disse nada durante os minutos
ofegantes que se se¬guiram. Caroline perdeu o
sabão quando começou a enxaguar a espuma para
removê-la do peito dele. Não conseguia
concentrar-se em nada, ouvindo-se murmurar que
ele ia ter de se levantar para que pudesse esfregar
suas pernas, e achou que sua voz parecia tão
áspera quanto o vento que circundava as paredes
lá fora.
— Acho que não vou conseguir me levantar —
disse-lhe Bradford. Sua esposa estava admirando-
lhe abertamente o peito, sem disfarçar, e ele
obrigou-a a olhar para o seu rosto. — Também
despertas em mim as mesmas emoções, e sabes
muito bem disso — disse, em voz rouca.
Desperto o quê? — murmurou Caroline,
timidamente.
__ Tiras as minhas forças, tamanho
é o desejo que sinto por ti. Queria ir devagar,
saborear os momentos antes de tocar-te, criar um
clima de expectativa...
__ Se não me beijares logo, morrerei — sussurrou
Caroline. pen¬durando-se no pescoço dele e
puxando sua cabeça na direcão da sua.
Ele lhe deu um beijo provocante, mais uma
mordiscada, mas Caroli¬ne estava impaciente
demais. Mordeu-lhe o lábio ínfcuui, puxando-o.
Bradford não foi mais capaz de provocá-la.
Beijou-a ardentemente, e sua boca estava tão
quente, tão exigente, que Caroline reagiu com seu
próprio ardor, sua própria necessidade.
A língua dela enleou-se na dele, e Bradford virou-
a até ela estar de frente para ele, com uma perna
de cada lado dos seus quadris. Os seios dela o
enlouqueciam, roçando tentadoramente contra seu
peito, e ele não conseguia parar de beijá-la, de
acariciá-la.
Caroline pendurou-se no pescoço dele, assaltada
pela paixão que se acendeu entre os dois. A língua
dele a atormentava; ela não parecia sentir que
estava perto dele o suficiente, sentia um ardor
incontrolável tomar conta de si.
Ele murmurava palavras de amor, eróticas,
provocantes, mas os vapores da paixão eram tão
espessos, tão consumidores, que ela só
con¬seguia concentrar-se naquele fogo que
crescia a cada momento.
As mãos dele acariciaram-lhe as costas,
aumentando a chama do desejo, e aí ele passou a
acariciar o centro dela, e ela ouviu seu próprio
grito de agonia e de êxtase cada vez maior.
— Jered: — Era uma exigência.
Então Bradford penetrou-a várias vezes seguidas.
Caroline ar-queou-se contra ele. apertando-o
ainda mais, e recebeu, aliviada, o clí-max dos
dois.
Caiu contra o seu peito, exausta, do prazer
resultante do amor impaciente dele, da sua reação
impaciente.
O coração de Bradford parecia estar para explodir,
e Caroline aguardou até o ritmo cardíaco do rapaz
reduzir-se antes de se mexer.
— Eu tinha me esquecido de que estávamos em
uma banheira —
disse ela, com uma risada trémula. Suspirou,
aninhando-se contra o lado
do pescoço do marido, e fechou os olhos. — Eu te
amo, Bradford
— Nunca vou me cansar de ouvir-te dizer isso —
murmurou
Bradford.
Caroline concordou, sua única reação a suas
palavras. E aí ela co-meçou a chorar, e por sinal,
mais alto que Charity.
Bradford deixou-a soluçar contra o seu peito,
ternamente lhe aca-riciando os ombros, e quando
ela começou a parar e conseguiu ouvi-lo ele disse:
— Caroline presta atenção no que vou te dizer.
— Não — disse Caroline. — Precisas prestar
atenção ao que vou te dizer primeiro. Entendo que
não podes me amar ainda. Fui muito
impaciente e exigente — continuou, soltando
outro soluço alto. — Não
tiveste tempo suficiente para conheceres mulheres
que prestassem, e eu
exigi de ti o que não poderias me dar de jeito
nenhum. Vou te suportar e aceitar-te como és.
Se ela acreditou que seu discurso fervente
acalmaria o marido, estava enganada. Bradford
amarrou a cara.
— É muita generosidade tua, cara esposa. Estás
desistindo, então ?
Caroline lançou-lhe um olhar de soslaio e viu pelo
seu olhar que ele estava achando graça.
— Que foi? Não, só aceitando, Bradford —
respondeu ela.
— E exatamente quanto tempo planejas ter
paciência, meu amor?
— Estás me confundindo, Bradford —
comentou Caroline. —
Pensei que estavas comovido com minha decisão,
e em vez disso cons¬
tato que achas isso engraçado. E exatamente o que
devo achar disso?
Ela ficou de pé, usando a barriga dele como
degrau para sair da banheira, satisfeita quando
ouviu seu gemido alto de protesto.
— Bem feito, por seres tão arrogante — anunciou
Caroline. —
Milford lhe disse que eu queria voltar para casa,
não foi? Por isso é que
estás tão contente, não é?
— Estou feliz porque acabei de fazer amor com
minha obediente esposa — replicou Bradford,
com um sorriso descarado.
— De obediente não tenho nada — contradisse
Caroline. E ela se ajoelhou ao lado da banheira,
pescou o sabão dentro d'água, e começou a
esfregar o marido. — A menos que eu te dê minha
palavra, claro. Então
acho que podes contar que vou obedecer-te e
cumpri-la. — Suspirou e
disse: — Acho que venceste, não foi?
Bradford não sabia se ela estava percebendo o que
estava fazendo. Parecia que estava acumulando
tanto nervosismo quanto acumulava espuma na
sua perna direita, e ele começou a rir de novo.
— Acho que vais arrancar minha pele —
comentou Bradford. — Não fica assim tão
perplexa, amor. E então, terminaste de me pedir
desculpas ou ainda tem mais alguma coisa a me
dizer? — indagou, com
um interesse preguiçoso.
— Não pedi desculpas, mas não vou discutir
sobre isso.
— Então acho que chegou a minha vez —
anunciou Bradford.
Perdoa-me, Caroline. Sei que não vem sendo fácil
me amar, e te causei um bocado de sofrimento.
Minha única desculpa é que te amo tanto que me
comportei como um tolo. Eu...
Caroline tinha deixado cair o sabão, e ficado de pé
durante o dis-curso dele.
— Não te atrevas a brincar com meus
sentimentos, Bradford. —
Lágrimas escorriam-lhe pelo rosto, e ela as
enxugou com o dorso da
mão. — Estás me dizendo a verdade? Tu me amas
de verdade?
Bradford tinha saído da banheira, e já estava
abraçando Caroline antes que ela pudesse fazer
sequer um gesto.
— Fui eu que causei isso? — indagou ele, a voz
deixando trans-parecer o sofrimento. — Meu
Deus, Caroline, eu te amo! Acho que
sempre te amei. E agora que finalmente consigo
dizer isso, tu choras!
Nunca menti para ti, Caroline. nunca! — Disse
isso em tom agressivo,
e Caroline percebeu sua angústia.
Ela chorou de encontro ao peito dele, e Bradford
ficou parado ali, sentindo-se completamente
apático. Pingava água no chão todo enquan¬to ela
derramava lágrimas quentes sobre todo o seu ser.
— Não podes mais retirar o que disseste.
A voz de Caroline foi abafada, e ele precisou
pedir que repetisse o que tinha acabado de dizer.
Estava fungando e soluçando, mas final-mente
conseguiu repetir.
— Eu disse que não vais mais poder retirar o que
disseste.
Bradford começou a rir, e certamente foi esse o
motivo para as lá-grimas nos seus próprios olhos.
Ele arrastou a sua esposa trémula para a cama e
abraçou-a sob as cobertas. Beijou-a, um beijo
longo e satisfatório, e voltou a repetir várias vezes
que a amava muito até ela ter certeza de que podia
acreditar nele.
— Estou querendo ouvir o resto — disse-lhe
Caroline. E tambori¬lou com os dedos no peito
dele durante um minuto inteiro até perceber que
Bradford não ia dizer mais nada. E aí começou a
rir. — Meu Deus, mas que homem mais teimoso
que és! Claro que me amas. Eu já sei disso faz
tempo — mentiu descaradamente. — Agora
admite que confiarás em mim, não importa quais
sejam as circunstâncias.
— Pode enumerar todas antes que eu me
comprometa — respondeu Bradford com uni
sorriso franco. E empurrou sua cabeça para
debaixo do seu queixo, inspirando sua fragrância
especial. — Estás cheirando a rosas — murmurou.
— E tu também — disse-lhe Caroline. — Usamos
meu sabão. Ê
perfumado.
Bradford resmungou qualquer coisa consigo
mesmo.
— Pelo menos não estás mais cheirando como o
teu cavalo — dis¬se Caroline, com uma risadinha
zombeteira. — Sabes, Bradford, o nome do teu
cavalo foi uma pista definitiva, só agora estou
percebendo.
— Do que estás falando? — indagou Bradford,
confuso.
— Confiança! Foi uma pista para o que valorizas,
o que faltava em tua vida — explicou Caroline.
— Eu confio em ti, sim, Caroline — admitiu
Bradford. — Mas
quanto ao ciúme, não posso prometer nada. Vou
tentar — jurou. E
disse-lhe que a amava de novo, encontrando uma
liberdade e uma alegria
que não sabia que fossem possíveis apenas com
essa admissão, e fizeram
amor de novo, bem devagar dessa vez. Ele
preparou a fogueira da paixão
de forma bem calculada, sabendo exatamente o
que tocar, como dar
a ela o prazer que tinha imaginado durante todas
as noites que tinha
passado longe dela.
Amou-a com uma intensidade que a fez chorar
outra vez,
— Eu te amo, Caroline — disse, apertando-a
contra si.
— Nunca vou me cansar de ouvir isso.
Passou-se um instante antes que Bradford se
lembrasse de que aquelas tinham sido exatamente
as palavras que ele tinha dito a ela. Ele sorriu,
gostando daquele toque humorístico da esposa.
— Bradford? Quando foi que descobriu? Quando
foi que entendeu que me amava?
— Não foi de uma hora para outra — disse-lhe
Bradford. Caroli¬ne estava deitada de costas, e
Bradford apoiou-se em um cotovelo para olhar
para ela.
Sorriu do olhar decepcionado dela, e foi obrigado
a beijar-lhe as rugas da testa para alisá-la, antes de
continuar.
— Eras como uma farpa na minha pele — disse-
lhe Bradford.
Uma chateação constante.
Caroline deu uma risada.
— Nossa, mas como és romântico!
— Tão romântico quanto tu és. Parece que estou
me lembrando de que tu me disseste que me amar
era como ter uma dor de estômago.
— Eu estava irritada naquela hora — confessou
Caroline.
— Senti-me imediatamente atraído por ti —
continuou Bradford.
— Teria feito de ti minha amante sem pensar nas
consequências, se
tivesses permitido — admitiu.
— Eu sabia.
— Mas não eras como qualquer outra mulher. Na
noite em que
fomos ao baile dos Aimsmond, não estavas
coberta de jóias.
— E o que tem o pé a ver com a mão? —
perguntou Caroline.
— Jóias não eram importantes para ti — explicou
Bradford. E riu,
pensando na sua burrice, confessando: — Tentei
comprar teu afeto, sim,
com presentes, não tentei?
— Tentaste — disse-lhe Caroline. feliz por ele ter
reconhecido. —
E também me trataste muito mal. Sabias como
estava este lugar quando
me mandaste para cá?
Bradford fez uma careta e relutantemente
confessou que sim.
— Estava zangado, Caroline. Estavas rejeitando
tudo que eu tinha a oferecer — acrescentou ele,
dando de ombros.
— Nem tudo — murmurou Caroline. E agora sua
voz tinha fi¬cado séria, tão séria quanto seu rosto.
— Eu só queria teu amor e tua
confiança.
— Agora entendo isso — respondeu Bradford. —
Ficarás satisfei¬ta em viver comigo no campo o
resto da vida?
— Eu moraria contigo até em um cortiço
londrino, contanto que me amasses — respondeu
Caroline. — Adoro a vida rural. Fui criada numa
fazenda, afinal de contas.
— E achas que vais aprender a considerar a
Inglaterra a tua
pátria?
— Preciso admitir que vem sendo difícil adaptar-
me. Em Boston
a vida era bem mais sossegada, Bradford. E eu
acho que ninguém me
odiava a ponto de querer matar-me. E alguns dos
cavalheiros daqui não
têm vergonha nenhuma na cara! Já notaste isso?
Claro — prosseguiu
ela, a tagarelar —, também existem patifes nas
Colónias, mas eles não se disfarçam de nobres.
Bradford sorriu.
— Já tiveste que passar por muitas dificuldades na
vida — admi¬tiu. — Mas agora vou tomar conta
de ti.
— Sei que vais — respondeu Caroline. — E
conheci pessoas mui¬to simpáticas. A Inglaterra
agora é minha terra. — Caroline suspirou e
aninhou-se junto ao marido, numa felicidade
imensa. — A vida aqui não é nada monótona, isso
eu posso lhe afirmar.
— Minha amada, a vida nunca te aborrece —
respondeu Bradford.
— Teu pai devia pôr as mãos para o céu por que o
irmão dele precisou
cuidar de ti enquanto estavas crescendo. Tu dás
um trabalho danado,
acho eu.
— Sempre fui calada e tímida — anunciou
Caroline com con¬vicção. Percebeu que o marido
não concordava com sua avaliação, pois soltou
uma gargalhada. — Ora, tentei me comportar
como uma pessoa calada e tímida — confessou.
— E acho que meu pai passou esses ca¬torze anos
desejando que eu estivesse com ele.
— Tenho certeza que sim — disse Bradford. Sua
fisionomia então ficou resoluta, e ele acrescentou:
— Ele se sacrificou por ti, Caroline.
Ela confirmou que entendia.
— Tenho certeza de que sim, mas não entendo
por quê. Achas que
um dia ele me contará?
Bradford lembrou-se então de que o pai de
Caroline tinha lhe suplicado para não mencionar a
Caroline o acidente com a pistola, e que ele tinha
prometido lhe contar depois que o perigo tivesse
passa-do. Percebia agora que seria um erro
esconder a verdade dela. Era sua esposa, seu
amor, e deviam dividir suas preocupações, assim
como suas alegrias.
__ Seu pai me fez uma visita enquanto eu estava
em Londres. Ele me contou um incidente que
aconteceu quase quinze anos atrás. Certa noite,
dois homens vieram à casa do teu pai, à casa de
campo dele —
especificou. __ Estavas dormindo, e deves ter
ouvido o barulho e descido as escadas. Os homens
tentaram matar teu pai, e tu acidental-mente
mataste um deles.
O rosto de Caroline revelou-lhe o espanto.
— Eu matei?
Bradford confirmou.
— Não te lembras de nada, lembras?
E Bradford explicou a história do jeito que tinha
sido narrada a ele. Quando terminou, esperou
Caroline assimilar tudo. Ela passou toda a
narrativa sentada com as costas bem eretas,
olhando o marido com uma expressão
compenetrada no rosto.
— Graças a Deus que não matei meu pai —
murmurou, por fim.
—Não era possível que eu soubesse o que estava
fazendo.
Bradford concordou na mesma hora.
— Eras apenas uma menininha. — E aí ele notou
que ela parecia
apenas ligeiramente transtornada, mas mesmo
assim procurou consolá-
la. — Foi um acidente. Caroline.
— Coitado do meu pai! O que ele deve ter
passado! — disse Ca-roline. — Tudo agora está
fazendo sentido para mim. Por que ele me
mandou para a casa do tio Henrv e por que
esperou tanto tempo para me trazer de volta. Ai,
coitado do meu papaizinho! — Lágrimas de
angústia escorreram-lhe pelo rosto.
Bradford puxou-a para os seus braços e abraçou-a,
enxugando-lhe as lágrimas. Caroline aceitou-lhe o
calor e pensou muito tempo sobre aquela história
bizarra. Não conseguia se lembrar nem mesmo de
um detalhe, por mais que tentasse, e finalmente
desistiu.
— Achas que algum dia vou me lembrar
daquela noite?
— perguntou,
— Não sei, querida — respondeu Bradford. —
Teu pai disse que
depois que atiraste no homem, tu perdeste os
sentidos. E só acordaste
na manhã seguinte. Depois agiste como se nada
tivesse acontecido. Ê
como se tivesse apagado a lembrança do que
aconteceu da memória —
foi o palpite dele.
— Perdi os sentidos? — Caroline ficou assustada
e meio ofendida,
e Bradford sorriu sem querer.
— Só tinhas quatro anos — recordou-lhe ele.
— Bradford! A carta! — gritou Caroline. Ela
afastou-se dele, os
olhos arregalados, entendendo tudo. — Tem algo
a ver com o que acon-teceu há tantos anos atrás,
não? Alguém quer se vingar de mim! Era isso que
dizia a carta.
A expressão de Bradford ficou sombria.
— Eu já tinha tirado urna conclusão muito
diferente antes do
seu pai me contar essa história sobre ti —
declarou ele, admitindo sua
confusão.
— Então achas que é algum parente de um dos
homens? E o ho¬mem no qual atirei? Ele tem um
filho ou filha?
Bradford sacudiu a cabeça.
— Ainda não encontrei ninguém. Caroline, se
meu palpite estiver
correto, não ternos muito tempo.
— Por quê? — indagou ela, preocupada com a
frustração na voz do marido.
— Dentro de seis dias vai ser o aniversário... Vai
fazer quinze anos que o acidente aconteceu.
— Então só há uma coisa a fazer — anunciou
Caroline. E no seu
olhar havia um brilho de determinação. — Vamos
armar uma armadi-lha, e eu serei a isca.
— Espera aí, mocinha! Já decidi que vamos fazer
uma arapuca, sim, mas não te meterás nisso.
Entendeu? — Sua voz não permitia ar-gumentos.
Caroline beijou-o e aninhou-se junto a ele de
novo. Estava tão feliz por ele estar
confidenciando-lhe coisas que nem queria lhe
causar mais irritação neste momento. Além disso,
disse a si mesma com um sorriso, tinha seis dias
para fazê-lo mudar de ideia. Tinha todas as
intenções de ajudar a prender o homem que estava
querendo matá-la.
Uma ideia súbita chamou-lhe a atenção.
— Bradford, quem sabe o que aconteceu naquela
noite?
— Vamos ver... — respondeu Bradford. — Ele
contou ao teu tio Henry, mas o resto da tua família
de Boston não sabe. E contou a mim. Então
apenas nós quatro sabemos o que aconteceu.
— Não — respondeu Caroline, quase
distraidamente. Estava pensando no seu tio Henry
e como ele a havia ajudado a superar seu medo de
pistolas. Ele tinha sido tão paciente e
compreensivo quando ela foi até ele pedir ajuda.
Lembrou-se de que tinha querido sair para caçar
com Caimen e Luke, e sentia-se uma covarde
diante do terror que sentia ao ver qualquer tipo de
arma. Tinha levado mais de um ano para superar
esse medo, mas com a ajuda do tio, ela tinha
conseguido.
— Não o quê? — perguntou ele, intrigado. — Só
quatro pessoas
sabem o que ocorreu. Se excluir os três
envolvidos na tramóia. Estão mortos, e isso só
deixa teu pai, teu tio Henry, tu e eu.
— E tio Milo — respondeu Caroline.
Bradford sacudiu a cabeça.
— Não, amor. Teu pai foi bastante específico.
Disse que só con¬tou ao seu irmão caçula. A
ninguém mais — declarou ele. — Tenho certeza.
Caroline concordou.
— Sim, entendo o que disseste — respondeu. —
Ele não contou
naquela época, quando tudo aconteceu, mas
depois que eu voltei para
casa, ele foi até a casa do marquês e lhe contou
tudo. Tenho quase
certeza, porque ele disse que devia a ele uma
explicação completa para
ele não me rejeitar. Eu não entendi o que ele
queria dizer na hora, mas
agora acho que... Bradford. por que está me
olhando assim? Qual é o
problema?
— Por que ele não me disse isso? — gritou
Bradford, e vendo o
alarme da esposa, rapidamente abaixou a voz. —
Não, está tudo bem.
Tudo está começando a fazer sentido, só isso.
Droga, eu sabia, eu sabia
que o Franklin estava por trás de tudo isso!
— Franklin? Bradford. tem certeza? — disse
Caroline, em tom
incrédulo. — Mas que canalha, aquele homem!
Não se entende com o
irmão, e vive tentando irritá-lo, mas não pensei
que fosse capaz de...
meu próprio tio!
E de repente ficou muda. o rosto rosado de raiva.
— Sou capaz de apostar que é isso — declarou
Bradford. — Ele
tem um motivo bastante forte. Caroline. Cobiça.
O marquês vai te dei-xar de herança uma boa
quantia. Ele mudou seu testamento e só depois
contou ao irmão o que tinha feito. Graças a Deus
por isso — murmurou. — Seu tio Franklin teria
matado o homem, se o testamento não tivesse sido
alterado.
— E a Loretta? — indagou Caroline. — Achas
que ela está en-volvida? — Estava horrorizada só
de pensar naquela dupla maligna, lembrando-se
como Loretta tinha flertado com Bradford na noite
do jantar dado pelo seu pai.
— Ela acumulou uma alta quantia em dívidas de
jogos de azar, e está desesperada para conseguir
dinheiro. Assinou promissórias para os credores,
que estão esperando o marquês morrer.
— Está querendo dizer que ela prometeu a eles o
dinheiro do meu tio Milo? — disse Caroline,
indignada. — Mas já respondeste à minha
pergunta! Claro que ela está metida nisso. Essa
mulher é uma depravada mesmo!
— Franklin deve ter ouvido seu pai conversando
com o marquês e lhe contando o que houve, e está
usando essa informação para desviar as suspeitas.
Caroline sacudiu a cabeça.
— Não entendi.
— Tu mostraste a carta ao Milford, e eu e teu pai
ainda estamos
vivos para revelar o que realmente ocorreu na
época, mas o Franklin
resolveu fazer de conta que tua morte vai ser uma
vingança. Por isso é
que a data é importante. Se alguma coisa te
acontecer no dia 20, vai ser
ideal para o Franklin.
O tom de voz de Bradford era tranquilo, mas seus
olhos deixavam transparecer sua raiva. Caroline
tremia e sentia sua pele arrepiando-se toda. Ele
percebeu a reação dela e puxou-a para cima de si.
— Meu Deus. espero que eu esteja certo, e que
seja mesmo o
Franklin. Nunca gostei daquele safado mesmo!
— Vamos descobrir logo, logo — murmurou
Caroline.
— Não fica assustada, meu amor. Esperei minha
vida inteira por ti. Não vou deixar ninguém te
fazer mal.
— Sei que vais proteger-me — respondeu
Caroline. Ela beijou o
queixo do mando. — Sempre me sinto segura
contigo. Menos quando
gritas comigo, quero dizer.
— Nunca grito contigo — respondeu Bradford,
sorrindo, sabendo
muito bem que estava mentindo.
Caroline retribuiu o sorriso. E aí ouviu o
estômago roncar.
— Estou com fome — disse ao marido.
Bradford resolveu entender mal de propósito o
que ela estava que-rendo dizer. Disse-lhe que
também estava com fome, e beijou-a apai-
xonadamente. E aí rolou com ela, colocando-a
deitada de costas, e começou a fazer amor com
ela. Caroline pensou em explicar que estava
querendo jantar, mas a explicação se perdeu em
algum ponto no fundo de
sua mente. O jantar podia esperar um pouco mais.
Além disso, Caroline
pensou, como esposa, ela era sempre obediente.

CAPITULO 14

A disposição de Bradford mudou da noite para o


dia. Sua voz agora era brusca, seus modos
abruptos. Caroline entendeu que ele estava se
concentrando no seu plano de armar uma arapuca
para o Franklin e não ficou nada preocupada.
Nem Bradford nem Milford a excluíram de suas
conversas.
Milford certamente ficou assombrado quando
Carolinbe lhe contou o que tinha acontecido com
ela quinze anos antes, mas não estava
inteiramente convencido de que Franklin estivesse
usando essa informação corno forma de despistar
as pessoas no seu intento de assassinar Caroline.
Acautelou o amigo, declarando que podia ser
mesmo um parente que¬rendo vingar-se.
— Acho que o Franklin sabia tudo sobre o
passado da Caroline
quando a empurrou das escadas. Também penso
que ele tramou o aci-dente de carruagem antes de
sua mente doentia conceber esse plano de
simulação de uma vingança.
— Mas se isso for verdade, então o tio Milo teria
contado ao
Franklin — argumentou Caroline, sacudindo a
cabeça.
— Caroline, teu tio Franklin vivia querendo
depreciá-la aos olhos
do irmão mais velho. O marquês bem podia estar
tentando defendê-la quando contou a história ao
irmão.
Bradford deu de ombros, concentrando-se em suas
teorias, e continuou:
— O Franklin não queria que você morresse na
hora em que te empurrou do alto das escadas,
querida, mas queria te assustar, pois presu¬miu
que contarias ao teu pai. A maioria das filhas
contaria — acrescen¬tou. — Tu não contaste
nada, e aí ele tramou o acidente da carruagem.
Sabia que estavas comigo e com Milford no
veículo, lembras-te?
Caroline confirmou.
— Lembro sim! O tio Milo nos contou que meu
pai tinha resolvi¬do que ia com a... e aí o Franklin
sumiu — acrescentou ela. — Fiquei tão zangada
contigo, Bradford. que não pensei nesse súbito
desapare-cimento dele.
— Por que ficaste tão furiosa com o Brad? —
perguntou Milford,
tentando entender tudo que eles estavam dizendo.
— O Nigel Crestwall estava em cima dela,
querendo um beijo, e eu me descontrolei um
pouco — admitiu Bradford.
— Um pouco? — indagou Caroline ao marido.
Bradford deu de ombros, e mudou de assunto.
— Acho que o Franklin estava certo de que um de
nós iria contar o incidente ao seu pai. Ele só
queria que tu voltasses para Boston naquele
momento. Teu pai ficaria furioso de novo, e
pediria que Milo te remo-vesse do testamento.
Estás vendo como tudo isso é simples?
Milford assentiu, vendo a lógica no raciocínio do
amigo.
— Deves ter sido outra frustração para o Franklin
— comentou
ele. — Todos sabiam que tu querias ter Caroline
por esposa.
Bradford estava para responder ao comentário do
amigo, quando Caroline interrompeu-o.
— Isso tudo não passa de especulação. Mas se for
verdade, então
o tio Milo também não estará correndo um risco?
Bradford concordou. Estava se perguntando
quanto tempo levaria para a sua esposa chegar a
essa conclusão, e previu muito bem qual seria o
próximo pensamento dela.
— Precisamos voltar a Londres — declarou
Caroline.
— Não é seguro — respondeu Milford, de cenho
franzido. —
Além do mais, se o Brad estiver certo, o marquês
precisa continuar vivo
até tu... — E aí interrompeu-se, percebendo que
não estava se expres-sando lá de forma muito
delicada.
Caroline concordou.
— Até eles me matarem, certo? — E virou-se
para o marido, di¬zendo: — Podes pensar em
uma forma para garantir minha segurança em
Londres.
Ficou surpresa quando o marido concordou.
— Vais ficar perfeitamente segura — anunciou
ele. — Vamos
partir ao romper da aurora.
— Brad, use a cabeça!Agora só faltam quatro
dias, e independente do que digas, não tens
absoluta certeza de que é o Franklin o culpado.
— Como é que sabes que ele não tern certeza? —
perguntou Ca-roline a Milford.
— Simples — replicou Milford. — Se tivesse,
Franklin já estaria morto.
Caroline espantou-se ao seguir a linha de
raciocínio de Milford.
— Tu realmente acreditas que teu marido
permitiria que ele con-tinuasse vivo? — agora
quem parecia espantado era Milford,
— Não a faças preocupar-se — interrompeu
Bradford. E tomou a
esposa nos braços, beijando-lhe o alto da cabeça.
— Precisamos voltar
a Londres para armar nossa arapuca.
Assim que Caroline estava em segurança,
escondida na sua casa de Londres, Bradford
enviou uma mensagem ao pai dela, solicitando
imediatamente uma entrevista.
Caroline estava tão fatigada da longa viagem que
adormeceu no canapé, e Bradford levou-a para
cima e deitou-a na cama. Só foi saber o que o pai
tinha dito ao marido na manhã seguinte. Aí
confirmou que o pai tinha revelado ao marquês o
verdadeiro motivo pelo qual ele tinha mandado a
filha para Boston.
— Podemos ir visitar o tio Milo? — perguntou
Caroline.
— Mas eu ia justamente insistir nisso __
respondeu Bradford.Vendo a cara de surpresa da
esposa, sorriu. — O Franklin está entocado em
algum canto com uma de suas amantes, mas a
Loretta está lá. Vou mencionar que voltaremos a
Bradford Hills na manhã do dia 20.
— Como sabes que Franklin está com uma
amante e a
Loretta...
— Caroline, queres, por favor, reconhecer de uma
vez por todas que eu tenho um mínimo que seja
de bom senso? — respondeu ele. — Já faz algum
tempo que mando homens espionarem os dois.
— Tens certeza, de que Loretta está envolvida?
— indagou Caroline, ficando decididamente
nervosa.
Bradford suspirou e vagarosamente balançou
positivamente a cabeça.
— Vai aprontar-te.
Caroline subiu as escadas, correndo, mas
Bradford deteve-a com o seguinte comentário:
— Coração, procura não ficar surpresa quando
vires a mais recente
empregada do teu tio.
— E quem poderia ser essa pessoa? — perguntou
Caroline, intri-gada por essa recomendação.
— A ex-cozinheira do teu pai.
— Marie? Estás falando sério? — E Caroline
agarrou o corrimão,
os olhos inquietos, a olhar para todas as direções,
diante das possíveis
implicações do que Bradford estava insinuando.
— Meu Deus do céu!
Ela podia ter nos envenenado... por que não fez
isso?
— Provavelmente teria, se o Franklin não tivesse
bolado o seu
planozinho funesto. Mas acontece que seu dever
era apenas vigiar-te e
passar informações.
— Ela é que pôs aquela carta repelente na mesa,
para eu encontrá-la!
Bradford confirmou, e ficou chocado quando a
esposa repetiu uma
das suas imprecações preferidas.
Não achou que seria justo criticá-la por isso.
Caroline virou-se e correu para o seu quarto,
resmungando que confiaria na intuição da Mary
Margaret dali por diante.
A partida dos dois para a casa do marquês
atrasou-se quando Charity e Paul chegaram para
visitá-los.
Caroline ficou tão encantada por ver a prima, que
Bradford foi
paciente e ouviu aquela tagarelice até seus nervos
atingirem o ponto de resistência máxima. Queria
que a visita terminasse, preocupado com a volta
de Franklin. Não achava que Caroline fosse se
ferir, mas preo-cupava-se com a possibilidade de
sentir vontade de esganá-lo bem na frente do
irmão. Tinha todas as intenções de cuidar do
Franklin como ele merecia, mas torcia que
Caroline não fosse obrigada a testemunhar o ato.
Sua esposa ficou tão contente em descobrir que
Charity e Paul só iriam para Boston em meados
do verão que estava animadíssima quando eles
finalmente foram visitar o marquês.
Bradford tinha ensinado à esposa direitinho o que
devia dizer e pensar, de modo que ela se
comportou extremamente bem. Nem mesmo
piscou ao ver Marie, mas sua voz saiu meio tensa
quando conversou com Loretta.
O marquês estava sentado diante da lareira, no
salão principal, parecendo muito bem disposto.
Caroline sentou-se ao lado dele, se-gurando-lhe a
mão. Ela já havia mencionado que eles iam voltar
para Bradford Hills no dia 20, usando a desculpa
de que o marido tinha deveres a cumprir e ela não
queria sair do lado dele.
Seu tio Milo provocou-a, dizendo que isso era
porque ela era recém-casada, e Caroline ficou
corada, e com isso ainda mais bela. Loretta
finalmente saiu, e Bradford ficou de pé, seu sinal
para a esposa de que era hora de irem embora.
— Tio Milo, tenho um favor a pedir-vos —
anunciou Caroline. Olhou para o marido e fez
sinal para ele se sentar.
Bradford franziu o cenho, mas Caroline fingiu que
não o tinha visto e virou-se para o tio.
— Sabes que eu faria qualquer coisa por ti —
respondeu o tio Milo.
— Estou preocupada com meu pai — disse
Caroline. — Ele não anda se sentindo muito bem,
e mora sozinho, não quer vir morar conosco em
Bradford Hills.
— Brax está adoentado? — indagou Milo. Seus
olhos mostraram
a sua preocupação e ele pegou a mão de Caroline.
Ela apressou-se em acalmá-lo.
— O médico diz que ele está muito bem, não há
muito com que
se preocupar. — Caroline olhou de relance para o
marido. Ele estava
olhando-a fixamente, com uma cara que insinuava
que ela tinha perdido
o juízo. — É coisa da cabeça dele, sabes? Ele
agora está totalmente só,
muito solitário. Eu tive a ideia de pedir-vos para
vos mudares para a casa
dele durante algum tempo. Até ele se acostumar
com a ideia de eu não
estar mais com ele.
Tio Milo ficou encantado com a sugestão.
— Esplêndida ideia — anunciou. — Terei imenso
prazer em
ajudar-te.
— Bradford vai ajudá-lo a levar teus pertences
para lá — ofereceu
Caroline. Sorriu para o marido, depois
acrescentou: — Eu só pararei de preocupar-me
quando estiveres com meu pai, tio Milo. Achas
que poderias mudar-te para a casa dele hoje?
Bradford apoiou o plano, achando que seria um
excelente método de proteger o tio. Ele também
notou o brilho de sofreguidão nos olhos do
homem, e percebeu que ele devia estar mesmo
muito solitário.
Mas sua bondosa esposa tinha compreendido.
Combateu a vontade de abraçá-la e beijá-la,
percebendo de novo que possuía a mais bela de
todas as mulheres. E a beleza vinha do seu
coração.
Esperou até estar a sós com ela na carruagem e
então tomou-a nos braços e beijou-a
apaixonadamente.
— Por que fizeste isso; — indagou Caroline. Sua
voz tremia, tão
intenso havia sido o beijo, e aquela sensação
especial de fraqueza lhe
invadiu o estômago.
— Por seres bela — disse-lhe Bradford.
Caroline suspirou.
— Estou contente de pensares que sou bela,
Bradford. Mas o que
acontecerá quando eu envelhecer e ficar
enrugada? — Sua voz saiu te-merosa, e ela
procurou adivinhar a resposta observando-lhe o
rosto.
Eu te amo, minha adorada, mas não por causa da
tua aparência. E o que vai por dentro de ti, e isso
jamais mudará. Pensas que eu poderia ser fútil a
ponto de dizer-te que te amo por tua aparência?
Caroline sacudiu a cabeça, negando essa verdade,
e Bradford tor-nou a beijá-la de novo. Ele puxou a
cabeça dela, encostando-a no ombro, para ela não
poder ver a malícia em seus olhos, e acrescentou:
— Se fosse esse o caso, eu teria te abandonado
quando cortaste
o cabelo.
Caroline não mordeu a isca. Riu, encantada com a
sagacidade do marido, e disse-lhe que o único
motivo pelo qual ela havia se casado com ele
tinha sido o dinheiro.
Foi a última vez que os dois se provocaram
durante os dois dias seguintes.
Os homens que seguiam Franklin avisaram que
ele estava para agir novamente.
E na manhã do dia 20, a carruagem do duque de
Bradford partiu para Bradford Hills.
Caroline estava encarando a armadilha como algo
bastante prático, até chegar a hora de ela
funcionar, e foi aí que pediu ao marido para ficar
com ela e mandar os homens cuidarem do
Franklin.
Quando percebeu que não conseguiria convencê-
lo, ela exigiu que ele tornasse todas as precauções
possíveis.
— Não precisas deixar tantos guardas comigo —
argumentou.
— Vais ficar no quarto até eu voltar — respondeu
Bradford, sem dar atenção ao argumento dela.
— Veja se contas bem o número de homens antes
de atacares no
meio de uma emboscada — avisou ela.
— Pelo amor de Deus, Caroline! Tem um pouco
de confiança na
capacidade do teu marido! — berrou Bradford.
Ele a beijou nesse mo-mento, sua forma de
mostrar-lhe que havia gritado sem querer.
Caroline seguiu-o até a porta do quarto, onde
Milford se encon-trava, aguardando, e sussurrou:
— Toma bem conta dele, hein, Milford.
Bradford ouviu-a e sacudiu a cabeça, exasperado.
Deu-lhe um rá-pido abraço e depois fechou a
porta ao sair, deixando a esposa a andar
exasperada de um lado para outro, até a sua volta,
Bradford colocou dois homens para dirigir a
carruagem vazia. Ele e Milford, com seis bons
homens, tomaram outro caminho, e quando
chegaram aos subúrbios de Londres, saíram da
estrada e foram para os morros.
Havia diversos lugares ideais para uma
emboscada, segundo Bradford calculava, e eles
levaram bem umas duas horas de cavalgada, sem
parar, para encontrarem os capangas de Franklm.
Havia quatro homens de cada lado de uma
encosta, agachados contra a densa vegetação, com
as armas preparadas para atirar. Bradford viu
outro homem, destacado desses grupos, vigiando
do topo do morro. Não dava para ver o rosto dele.
mas ele estava convencido de que era o Franklin.
Ele indicou-o para o Milford, que se virou e
também viu a silhueta do homem solitário.
— É o Franklin?
— Deixa ele comigo — avisou Bradford, num
tom agressivo.
Os homens que estavam aguardando não tiveram
como escapar. O ataque de surpresa terminou
rapidamente. E aí Bradford correu para o seu
garanhão, na intenção de chegar até onde estava o
homem que, sozinho, observava tudo lá de cima.
Bradford, montado no seu cavalo, já estava no
encalço da sua presa antes de o homem ter
chegado ao cume do morro.
A floresta era densa, mas a neve tornava fácil
seguir os rastros, e Bradford alcançou o inimigo
antes de ele ter acabado de descer o morro
seguinte. Os dois corriam numa velocidade
estonteante, e quando Bradford alcançou o
homem, pulou em cima dele. Os dois caíram
rolando no chão. Bradford rolou e levantou-se. O
outro ficou de bruços, sem mexer-se, e pelo
ângulo esquisito da cabeça. Bradfõrd viu que
tinha quebrado o pescoço na queda. Ficou furioso
diante da rapidez com que ele tinha morrido,
ainda com uma tremenda necessidade de vingar-
se. O miserável tinha morrido com muita
facilidade.
Bradford foi até o homem de bruços e usou a bota
para virar o cadáver de barriga para cima. Uma
estola de lã escondia a parte de bai-xo do rosto do
morto, mas Bradford reconheceu-o assim mesmo.
Era mesmo o Franklin, como ele tinha deduzido.
Não perdeu tempo remoendo o que fazer do
corpo. Franklin devia ser enterrado como tinha
vivido. Sem homenagens. Seu corpo agora
pertencia aos predadores.
E esse foi o fim da história. Loretta e Marie
foram detidas pelos homens de Bradford. Não
seriam entregues à justiça. Bradford tinha
prometido à mulher que Loretta ia ser expulsa do
país. E ele entendia por quê. Ela estava pensando
no tio Milo e em como ele reagiria se soubesse da
verdade.
A ameaça tinha passado, e apenas o futuro
preocupava Bradford agora. O seu futuro com a
mulher que ele amava.
EPILOGO

O duque de Bradford concluiu alguns


negócios necessários em Lon¬dres e voltou para
casa, em Bradford Hills, já no fim de uma tarde,
louco para rever a esposa. Só tinha estado longe
da mulher três dias, mas para ele pareceu uma
eternidade, e ele queria mais do que tudo no
mundo toma-la nos braços.
Ficou surpreso quando Henderson informou-lhe
que a esposa es-tava no andar de cima, com dois
rapazes que tinham vindo visitá-la. Contra suas
objeções, a sua dócil esposa tinha convidado a
mãe para visitá-la, e, na semana passada, Paul e
Charity tinham passado quatro dias na casa dos
Bradford.
Ele suspirou, exasperado, e subiu, com toda a
intenção de dizer a Caroline que já estava cansado
de ser hospitaleiro. O som de risadas vindas do
quarto fê-lo parar, e ele hesitou antes de abrir a
porta.
A visão diante de seus olhos realmente quase o
fez perder a paciên-cia. Havia dois homens no seu
quarto. Um deles estava todo à vontade, na sua
espreguiçadeira, e o outro estava sentado na
beirada da cama, com os braços pendurados nos
ombros de Caroline.
— Se não parares de torcer e contorcer o corpo
assim, não conse-
guirei tirar tuas botas — disse Caroline ao
estranho.
Bradford ergueu uma sobrancelha ao ouvir essa
ameaça, e aí a esposa olhou de relance para o seu
lado e o viu.
— Tu bem que poderias me ajudar— gritou para
ele.
Ele não argumentou, mas foi até o homem que
estava se segurando nos ombros da sua esposa, e
devagar tirou seus braços de cima dela.
— Agora me diz, o que tens em mente? —
perguntou, com toda a tranquilidade.
O homem caiu para trás quando seus braços não
puderam mais se segurar em nada. Seus olhos
estavam fechados, e assim que ele tocou o
colchão, começou a roncar.
— Acho que é melhor me dar um beijo primeiro
— disse Caroline,
sorrindo. — Bem-vindo ao lar— murmurou.
Colocando-se na ponta dos pés, depositou um
beijo casto na face do marido.
__ Mas que recepção mais sem graça — reclamou
Bradford.
— Essa foi para o duque de Bradford — disse-lhe
Caroline. — E
esta aqui __ prosseguiu, puxando a cabeça dele
para perto de si — é
para o meu marido. __E aí beijou-o, pendurada
no pescoço dele, um
beijo demorado e apaixonado, extremamente
provocante.
— Já descobri que só me chamas de Jered quando
queres que eu te leve para a cama — murmurou
Bradford.
— Mas que esperteza, a sua — respondeu
Caroline. Seus olhos,
cálidos, eram convidativos, seu amor por ele
claramente expresso para
ele ver.
Um dos estranhos resmungou alguma coisa
enquanto dormia, e a atenção de Bradford voltou-
se para eles.
— Quem são esses dois. Caroline?
Caroline já tinha dado as costas para o homem
que estava deitado na cama, e ficou tentando
remover-lhe uma das botas.
— Ajuda-me a despi-lo — ordenou.
Bradford suspirou, exasperado e agarrou-a.
Obrigou-a a olhar para ele, e perguntou de novo:
— Quem são?
— O Henderson não te avisou? __ E os olhos de
Caroline arre-galaram-se de repente. Ela olhou
para o homem que roncava na cama
e depois para o marido. E aí se jogou nos seus
braços, abraçando-o e beijando-o até ele quase
nem querer mais se importar com quem eram
aqueles homens nem com o que estaria
acontecendo.
— Por que eles estão aqui no nosso quarto? —
indagou.
— Estes dois são o Caimen e o Luke, meus
primos — explicou ela, sorrindo. — O Caimen é o
que está na cadeira — identificou. — Ah, eu
queria tanto que eles deixassem em você uma
primeira impressão impe-cável, mas meus primos
começaram a comemorar assim que chegaram a
Londres, e agora estão na maior água. O máximo
que consegui foi trazê-los até nosso quarto, não
pude levá-los mais longe — desculpou-se. —
Bradford, percebes que não estás gritando
comigo? Não tiraste nenhuma conclusão
apressada.
Bradford fingiu exasperar-se outra vez, mas por
dentro estava sor-rindo. Não tinha mesmo
imaginado nenhuma sordidez.
— Confio em ti — declarou.
— Eu sempre soube disso — respondeu Caroline.
Seus olhos en-cheram-se de lágrimas e ela
precisou abraçá-lo de novo. — Acho que amo
Jered Marcus Benton e o duque de Bradford
também — murmurou.
— Eu sempre soube disso — respondeu o marido,
nurn tom ar-rogante... e terrivelmente terno. Ele
ergueu a esposa nos braços e foi saindo do quarto,
exigindo saber onde é que eles poderiam ir para
po-derem ter um pouco de privacidade. Caroline
beijou o marido, e foi lhe indicando para onde
devia levá-la, aos cochichos.

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