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Julie Garwood
Tradução:
Celina Falck Cook
Editora Landscape
DISPONIBILIZAÇÃO, DIGITALIZAÇÃO E REVISÃO: MARISA H
REVISÃO:
Monalisa Neves
Cláudia Cantarin
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Garwood. Julie
Desejo rebelde / Julie Garwood; tradução Ceíma Falck-Cook — São Paulo: Editora Landscape,
2008.
INGLATERRA, 1788
CAPÍTULO 3
O
duque de Bradford não conseguia tirar aquela
belíssima mulher de olhos azuis da cabeça. A
inocência dela o tentava, seu sorriso deslumbrava-
o, mas, antes de qualquer coisa, seu raciocínio
desenvolto agradava-o totalmente. O duque tinha
inclinação para o ceticismo e, portanto, não se
deixava impressionar por qualquer mulher. No
entanto, toda vez que pensava em como ela o
havia desafiado sem o menor cons¬trangimento,
ameaçando dar um tiro em seu cavalo, pegava-se
sorrindo. Aquela mulher tinha coragem, e
Bradford admirava-a por isso.
Lá pelo fim do dia do acidente, Bradford já havia
transportado Brummell para casa e, após
providenciar para que lhe fosse dado todo tipo de
conforto, deixou-o aos cuidados efusivos de sua
fiel criadagem. Depois foi para sua própria
residência, em Londres, e tratou de dedicar-se à
tarefa de descobrir qual seria a família de
Caroline. A única pista que tinha para descobrir
sua identidade era que ela estava voltando a
Londres para visitar seu pai. Pelo modo como a
jovem havia falado sobre as reuniões sociais da
elite, presumiu que seu pai deveria pertencer à
nata da sociedade. Talvez também fosse um
nobre. A priminha dela havia mencionado que o
grupo se dirigia a um sobrado em Londres, onde
iriam esperar o pai de Caroline. Bradford concluiu
que o homem possuía uma casa de campo e ainda
estava descansando em sua propriedade até
começar a temporada de eventos sociais.
Tinha absoluta certeza de que teria suas respostas
ao anoitecer. Mas no fim do quarto dia, já estava
totalmente desesperado. Nem mes-mo uma única
pista havia surgido, e a frustração que ele estava
sentindo era diferente de tudo o que já havia
experimentado antes.
Ficou mal-humorado, e os sorrisos que os criados
ficaram abso-lutamente surpresos de ver quando o
duque voltou para casa desapare-ceram por
completo. Agora a criadagem, aos cochichos,
comentava que devia ter se enganado
redondamente. O seu patrão tinha voltado a ser
distante e rude. A cozinheira dizia a todos que
estavam ao alcance da sua voz que estava
aliviada, pois não gostava de ninguém nem de
nada que tosse imprevisível. Mas o "braço direito"
de Bradford, Henderson, sabia que alguma coisa
bastante importante tinha acontecido a seu patrão,
e ficou preocupado.
Henderson sentiu-se ao mesmo tempo animado e
aliviado quan-do o melhor amigo do duque,
William Franklin Summers, conde de
Milfordhurst, chegou para uma visita inesperada.
Henderson escoltou o conde escadaria acima, até
a biblioteca, com o maior prazer. Talvez, refletiu
Henderson, enquanto andava ao seu lado, o conde
pudesse ins-pirar seu patrão a voltar a ser
acessível.
Henderson tinha sido criado pelo pai de Bradford
durante dez excelentes anos, e quando uma
tragédia se abateu sobre a família, cau-sando a
morte do pai e do primogénito, Henderson passou
a dedicar-se totalmente ao novo duque de
Bradford. Apenas Henderson e o melhor amigo do
duque, Milford, lembravam-se de como ele era
antes de ser obrigado a herdar o título.
Lançando um olhar de relance a Milford,
Henderson lembrou-se de que os dois amigos
costumavam ser bem parecidos. Houve tempo em
que Bradford era um folgazão do mesmo calibre
que seu amigo mo-reno, e, exatamente como ele,
gostava de iludir as senhoras da elite. No entanto,
durante os cinco anos durante os quais havia sido
seu criado, Henderson desistira de esperar que o
duque voltasse a ser a pessoa des-contraída e
despreocupada que era antes. Aconteceram coisas
demais. Traições demais.
— O Brad está te preocupando, Henderson: Estás
subindo as escadas de cara amarrada — indagou o
conde, com aquele seu sorriso rasgado de
costume, mostrando bem o maroto que Henderson
sabia que ele era.
— Aconteceu alguma coisa para o duque ficar
assim contrariado — respondeu Henderson. —
Eu, é claro, não ouço confidências do meu senhor,
mas creio que vós notareis uma ligeira mudança
no seu modo de ser.
Henderson não quis tecer maiores comentários,
mas suas palavras fizeram Milford franzir o
cenho, pensativo.
Assim que Milford pôde dar uma boa olhada no
seu amigo, dedu¬ziu que Henderson era o rei dos
panos quentes. "Ligeira" seria a última palavra
que ele usaria para descrever a mudança de
disposição do duque, pois ele parecia ter voltado
de uma viagem de carruagem daquelas bem
longas, só que como se tivesse feito a viagem
arrastado debaixo do veí¬culo, em vez de em seu
interior.
Bradford estava sentado de ombros caídos atrás da
sua monstruosa escrivaninha, a cara amarrada,
enquanto escrevia um nome em um dos vários
envelopes amontoados sobre o tampo da mesa.
A escrivaninha de mogno estava uma verdadeira
bagunça, mas Bra¬dford também estava
desarvorado, segundo Milford concluiu. Seu
amigo precisava desesperadamente barbear-se e
colocar um plastrão limpo.
— Milford! Um minuto, por favor, já estou
acabando — disse
Bradford ao amigo. — Serve-te de uma bebida.
Milford recusou a bebida e sentou-se em uma
poltrona confortável diante da escrivaninha.
— Brad, estás escrevendo para todo o povo da
Inglaterra? — in¬dagou, ao colocar os
calcanhares das botas polidas sobre o tampo da
mesa, demonstrando total falta de educação.
— Quase todo — resmungou Bradford, sem tirar
os olhos da correspondência.
— Parece que faz dias que não dormes —
comentou Milford. Continuava sorrindo
rasgadamente, mas os olhos traíam sua preocu-
pação. Bradford não parecia estar nada bem, e
quanto mais Milford examinava o amigo, mais
ficava preocupado.
— Não tenho pregado o olho — finalmente
respondeu Bradford.
Deixou a caneta de lado e recostou-se no estofado
macio de sua poltrona íergère. Suas botas também
se apoiaram junto às do amigo, sobre o tampo da
escrivaninha, e ele soltou um longo suspiro.
Então, sem hesitar mais, ele contou ao amigo
como tinha conhe-cido a linda mulher chamada
Caroline, só omitindo a parte em que Brummell
aparecia, pois ele também havia prometido não
contar nada a ninguém sobre o incidente
humilhante pelo qual o amigo havia passado ao
ser atacado pelos assaltantes. Viu-se elogiando a
beleza da moça, falando durante muito tempo para
descrever adequadamente a cor dos olhos dela,
mas por fim conseguiu controlar-se e passou a
narrar apres-oaJamcjitc u Ciai da história,
declarando revoltado que todas as suas
investigações tinham dado em nada.
— Estás procurando nos lugares errados —
concluiu Milford, com uma voz cheia de empáfia,
assim que conseguiu parar de rir da nar¬rativa de
Bradford sobre o assalto. — Ela acha mesmo que
as Colónias são mais sofisticadas que nossa
Londres?
Bradford fez ouvidos de mercador para a pergunta
e passou a frisar sua afirmativa anterior.
— O que queres dizer, insinuando que estou
procurando nos lu-gares errados? Ela veio visitar
o pai. Vou seguir essa pista! — disse Bradford
com rispidez.
— A maior parte da elite não deve ter ainda
regressado para a temporada de festas — explicou
Milford, pacientemente. — E deve ser unicamente
por isso que não recebeste ainda nenhuma
resposta. Procure controlar-se, mancebo! Ela vai
comparecer à festança dos Ashford. Eu te garanto
isso. Todos comparecem.
— Mas ela não é de frequentar bailes — Bradford
cochichou, ao repetir as declarações de Caroline
acerca das atividades da elite, e sem se dar conta
começou a sacudir a cabeça. — Ela disse
exatamente isso.
— Mas que coisa mais estranha — disse Milford,
esforçando-se para não rir. Fazia tempo que não
via o amigo perplexo daquele jeito. O alívio que
sentiu ao constatar que não havia nada de grave
deu-lhe disposição para fazer troça. Também lhe
deu vontade de gozar com a
cara do amigo, exatamente como costumava fazer
antigamente, quando os dois faziam a ronda por
Londres.
— Não é tão estranho assim — retrucou Bradford
dando de om-bros. — Tu não compareces a
nenhum evento.
— Estás interpretando mal o que eu disse. Quis
dizer que estás te comportando de uma maneira
estranhíssima — respondeu Milford. dando uma
risadinha. — Acho que nunca te vi assim tão
transtornado. E preciso aproveitar a oportunidade!
E a causa é uma senhora que vem
nada mais, nada menos, que das Colónias. —
Milford teria continuado, mas não conseguiu mais
conter o riso e, apesar da cara de desaprovação do
amigo, soltou várias gargalhadas escandalosas.
cúmulo da burrice.
— Quem disse que alguém vai dar alguma coisa a
alguém? — ur¬rou Bradford. — Estou só curioso,
só isso — insistiu ele, mais calmo.— Não me
irrites, Milford. Senão vais te dar mal.
— Acalma-te, rapaz — respondeu Milford. — Só
o que quero é ajudar-te. — E obrigou-se a ficar
sério, dizendo: — Deverias consultar os
costureiros. Se ela é das Colónias, deve estar
precisando urgentemente atualizar o guarda-
roupa. A família não vai querer passar vergonha
por
causa das vestimentas antiquadas dela, portanto
irá encomendar novos vestidos.
— Tua lógica me espanta — respondeu Bradford.
Um brilho de esperança surgiu nos olhos dele, e o
duque até sorriu. — Por que não pensei nisso?
— Porque não tens três irmãs mais novas que tu,
como eu —- res¬pondeu Milford.
— Eu tinha me esquecido das tuas irmãs —
confessou Bradford.—Nunca as vejo por aí.
— Elas se escondem de ti — revelou Milford,
prendendo o riso. — Tu as deixas apavoradas. —
E aí encolheu os ombros, dizendo: —Mas eu te
garanto que a moda é o assunto principal da
maioria das mulheres, inclusive minhas irmãs. —
Seu tom de voz tornou-se sério quando ele
perguntou: — E apenas uma paixonite o que
sentes por essa moça, ou é algo mais? Nos últimos
cinco anos só te vi ao lado de cortesãs pela cidade.
Não estás acostumado a senhoras bem-educadas,
Brad. Essa reviravolta vai ser das mais
impressionantes.
Bradford não respondeu na hora. Não
parecia ter nenhuma respos¬ta definida na cabeça,
apenas sentimentos a expressar.
— Creio que é apenas uma insanidade
passageira — finalmente respondeu. — Mas
assim que tornar a vê-la, terei certeza. O que
pre¬tendo é tirá-la da cabeça de uma vez por
todas — terminou Bradford, dando de ombros.
Milford concordou. Não acreditou em uma
palavra do que o ami¬go havia dito, mas Bradford
tinha se expressado com tanta seriedade que
Milford não ousou contradizê-lo. Deixou o amigo
escrevendo suas missivas. Desceu as escadas com
passos leves, tão aliviado que chegou ; dar um
tapa bem forte no ombro de Henderson para
demonstrar afeiçãc antes de sair.
O conde de Milfordhurst de repente sentiu
uma vontade louca de conhecer aquela misteriosa
feiticeira das Colónias, a mulher diferente que
tinha conseguido o que nenhuma outra havia sido
capaz de fazer nos últimos cinco anos. Embora
não soubesse disso, a senhorinha cha¬mada
Caroline estava trazendo o duque de Bradford de
volta ao mundo dos vivos.
Milford sentiu que já gostava dela.
A manhã chegou, e com o sol vieram novos
pensamentos, no¬vos planos. Caroline Richmond,
sempre madrugadora, não importava a hora em
que se recolhia, recebeu o sol espreguiçando-se
devagar de contentamento.
Colocou depressa um vestido cor de violeta e
prendeu os cabelos desgrenhados em um rabo-de-
cavalo, com uma fita branca de renda.
Charity ainda estava dormindo, e Benjamm, pelo
ruído abafado que vinha do andar de cima, parecia
estar acordando naquele instante. Caroline desceu,
pretendendo esperar o pai na sala de jantar.
Encontrou-o já sentado à cabeceira da comprida
mesa envernizada. Tinha uma
xícara de chá em uma das mãos e um jornal na
outra. Não a viu de pé à porta, e Caroline nada fez
para lhe chamar a atenção. Em vez disso esperou,
enquanto o olhava com atenção, e ele parecia
assimilar todas as notícias do jornal.
O rosto dele era corado e cheio, mas as maçãs do
rosto eram sa-lientes, como as dela. Ele era uma
versão mais velha e arredondada do homem que a
criara. Sim, ele se parecia um pouco com o seu
irmão caçula, Henry, e ela de repente percebeu
que podia se considerar uma mulher de sorte.
Mentalmente, era filha de dois pais. O tio Henrv a
criara e ela o amava. Não lhe pareceu deslealdade
dividir esse amor com o homem que tinha lhe
dado a vida. Seu verdadeiro pai. Ele era seu pai de
verdade, tornou a admitir, e era seu dever amá-lo
também.
O conde finalmente percebeu que alguém o estava
observando e desviou os olhos do jornal por um
instante. Estava para tomar um goli-nho do chá,
mas ficou paralisado no meio desse gesto. Seus
olhos esver¬deados demonstraram sua surpresa.
Cintilaram ligeiramente, e Caroline sorriu, na
esperança de que sua expressão fisionómica
demonstrasse o afeto que estava sentindo e nem
um pouco da sensação de incómodo que tentava
combater.
— Bom dia, meu pai. Dormiste bem?
A voz dela tremia. Estava horrivelmente nervosa,
agora que se en¬contrava diante do seu pai.
A xícara dele caiu, produzindo um barulho alto ao
bater contra o tampo da mesa. O chá derramou-se,
molhando tudo ao seu redor, mas ele não pareceu
notar o barulho, nem a sujeira. Tentou ficar de pé,
depois mudou de ideia e voltou a sentar-se
pesadamente. Seus olhos encheram-se de
lágrimas, que ele enxugou com a ponta de um
guarda-napo de linho branco.
Estava tão nervoso e inseguro de si quanto ela.
Percebendo isso, Caroline sentiu alívio. O pai agia
como se estivesse meio atordoado, e a jovem
deduziu que ele simplesmente não sabia como
proceder. Ela, vendo o papel que ele antes
segurava flutuar lentamente até o chão, resolveu
tomar a iniciativa.
Continuou sorrindo, embora estivesse começando
a ficar preocupa¬da com a reação dele à sua
presença, e entrou na sala. Só parou quando já
estava perto do pai, e depressa, antes de poder
pensar melhor no assunto, beijou-lhe o rosto
vermelho como um pimentão.
O contato dos lábios dela tirou-o do transe, e ele
de repente comeou a movimentar-se como um
furacão. Derrubou a cadeira onde estava Sentado
ao levantar-se e agarrou Caroline pelos ombros,
puxando-a para perto de si, para abraçá-la
— Não estás decepcionado; — sussurrou
Caroline, contra o peito do pai. — Sou parecida
com a pessoa em que esperavas que eu tivesse me
transformado?
— Jamais poderias decepcionar-me. Como podes
pensar tal coisa? Fiquei momentaneamente
deslumbrado contigo — explicou, dando-lhe outro
abraço. — Es a réplica perfeita da tua querida
mãe, que Deus a tenha. Não há como eu sentir
mais orgulho de ti do que estou sentindo
agora,
— É mesmo, eu te faço recordar dela, meu pai?
— indagou Caro-line, quando ele finalmente a
soltou.
— Sim, fazes. Deixa-me olhar-te outra vez.
A ordem pareceu um rosnado afetuoso. Caroline
aquiesceu, recu¬ando alguns passos e girando
para que ele a inspecionasse.
— És muito bela, sem dúvida alguma — elogiou-
a o pai. — Senta-te — alertou, franzindo o cenho
depressa. — Não vás exagerar e ficar doente. Não
admito que te canses demasiado.
A culpa, mais do que a ordem dele, a fez sentar-se
na cadeira que ele puxou para ela.
— Meu pai. tenho algo a dizer-te. É difícil para
mim dizê-lo, mas é a única forma, depois que vi
aqueles desenhos que fiz na infância, e portanto...
— Deixou os ombros caírem diante do olhar de
expectativa dele e suspirou em vez de terminar a
frase.
— Estás querendo me dizer que és tão sadia
quanto um cavalo? — perguntou o pai, com um
brilho travesso no olhar.
A cabeça de Caroline levantou-se na mesma hora
e ela percebeu que devia estar com cara de
espantada,
— Estou! — admitiu ela. — Nunca estive doente,
nem um dia na vida. Sinto muito, meu pai.
O pai soltou uma risada sincera.
— Desculpar-te por não teres estado doente ou
por teres tentado me enganar em conluio com tua
tia Mary?
— Sinto tanta vergonha... — admitiu abertamente,
mas não se sentiu melhor por isso. — E que eu era
tão...
— Feliz? — indagou o pai, com um meneio da
cabeça. Levantando sua própria cadeira, tornou a
sentar-se.
— Sim, feliz. Morei com teu irmão e a família
dele durante mui¬to tempo, como sabes. Devo
dizer-te que considerava minha tia Marv como
minha mãe, e a chamava de mamãe. Meus primos
se tornaram meus irmãos, e Charity sempre foi
como uma irmã para mim. Mas
nunca te esqueci, meu pai — apressou-se ela em
dizer. — Coloquei-te em posição indevida,
mentalmente, mas sempre soube que és meu ver-
dadeiro pai. Só que não achava que um dia irias
querer que eu voltasse. Pensei que estavas
perfeitamente satisfeito vivendo como antes.
— Caroline, eu te entendo — anunciou o pai.
Acariciou-lhe a mão e disse-lhe: — Esperei muito
tempo para exigir tua volta. Mas tive meus
motivos. Não vou te dar explicações ainda. Estás
em casa agora, e só isso é importante para mim.
— Achas que vamos nos dar bem um com o
outro?
A pergunta de Caroline deixou o pai
surpreso.
— Creio que sim — disse ele, depois. — Deves
contar-me todas as notícias de meu irmão e sua
família. Sei que Charity também está aqui. Conta-
me, ela realmente é a bolinha que todas as cartas
de Mary deixaram entrever? — Sua voz
transbordava afeto, e Caroline sorriu ao sentir
isso. Isso, e a descrição perfeita da sua prima.
— Se estás perguntando se ela ainda é gorda, a
resposta é não. Agora, em vez de comer, ela só
fala — acrescentou, com um sorriso rasgado. —
Ela está bem magrinha e muito atraente. Acho que
vai cau-sar sensação, meu pai. E loura e mignon, e
ouvimos dizer que são esses os requisitos para que
a elite daqui acolha uma mulher.
— Infelizmente não tenho me atualizado quanto
às últimas modas e requisitos — admitiu o pai.
Seu sorriso evaporou-se, substituído pelo cenho
franzido de preocupação. — Disseste que
precisamos ser francos um com o outro, minha
filha. E eu concordo. Também andei contando
lorotas nas cartas que te enviei.
Os olhos de Caroline arregalaram-se.
— Contaste, foi?
— Sim, mas agora vou contar-te a verdade.
Deixei de comparecer a todos os bailes da elite
desde que partiste com meu irmão e sua família
para Boston. Parece que todos me consideram um
eremita.
— Verdade? — Quando o pai confirmou,
Caroline continuou: — Mas, meu pai, tuas
carras continham todas aquelas descrições de
eventos, e fofocas! Como é que conseguiste
inventar tudo isso assim com tamanha precisão?
— Meu amigo Ludman — respondeu-lhe o pai
com um sorriso envergonhado. — Ele nunca
deixa de comparecer a um só evento, e vem me
contando mais ou menos tudo o que acontece. O
suficiente para eu poder inventar as histórias que
te contei,
— E por quê: — indagou Caroline depois de
refletir sobre esses comentários — não gostas de
festas?
— São muitos os motivos, e agora não desejo
onerar-te relatando-os — desconversou o pai. —
O irmão de tua mãe, o marquês de Aimsmond, e
eu não nos falamos faz catorze anos. Como ele
comparece a alguns desses bailes, eu não
compareço. Esta é uma explicação bem
simplificada,
mas por enquanto vai ter que servir.
Caroline estava curiosa demais para deixar o
assunto de lado.
— Catorze anos? Mas esse foi o tempo em que
estive longe daqui.
— Isso mesmo — concordou o pai. — O marquês
ficou furioso porque partiste e declarou em púbico
que não dirigiria mais nenhuma palavra a mim até
que voltasses à Inglaterra. — E aí seu pai tossiu e
acrescentou: — Ele não entendeu os motivos
pelos quais eu te mandei para Boston e eu não lhe
dei explicação alguma.
— Entendo — comentou Caroline. Ela não
entendia nada, é claro, e quanto mais pensava no
que o pai estava lhe dizendo, mais confusa ficava.
— Só mais uma última pergunta, meu pai, antes
de passarmos a falar de outro assunto, por favor...
— Sim? — O pai estava sorridente, uma vez
mais, e isso tornou a pergunta dela mais difícil de
fazer.
— Por que é que me mandaste para fora do país?
Mamãe,
quero dizer, a tia Mary, me explicou que ficaste
muito pesaroso quando mi¬nha mãe verdadeira
morreu e não podias me criar. Disse que só
estavas pensando no meu bem-estar, e que eu
seria mais feliz com eles. Foi mesmo isso que
aconteceu? E se foi — continuou Caroline antes
que o pai pudesse formular a resposta —, por que
eu fiquei fora tanto tempo? — Ela não externou o
pensamento que estava por trás de todas as suas
perguntas. Os fatos todos indicavam que o pai não
tinha querido ficar com ela. Qual seria a verdade?
Teria ela sido usada em alguma espécie de briga
entre famílias? Teria sido mandada para longe
para punir o marquês de alguma forma? Será que
o pai não a amava... o bastante?
Caroline franziu o cenho ao pensar em todas as
possibilidades e suas ramificações. A explicação
simplificada de sua tia era apenas isso.
Simplificada. Não servia mais, agora que Caroline
era adulta e não a criancinha ingénua do passado.
Mesmo assim, aqueles desenhos con-tradiziam
todas as explicações fáceis. Por que ele tinha
guardado tudo aquilo?
— Precisas ser paciente comigo, Caroline —
declarou o pai. A voz dele saiu incisiva,
encerrando a conversa. — Fiz o que considerei
melhor na época, e te prometo que um dia te
explicarei tudo satisfatoriamen¬te. — Então
pigarreou e mudou de assunto. — Deves estar
esfomeada a ponto de devorar um urso! Marie! —
berrou, virando a cabeça para trás, enquanto
tentava enxugar o chá derramado com seu
guardanapo. — Traz comida e mais chá, por
favor.
— Não estou com fome nenhuma — disse
Caroline. — Essa emoção toda me tirou o apetite
— admitiu.
— Para mim não faz diferença — replicou o pai.
— A Marie é minha nova cozinheira, e a comida
dela deixa muito a desejar. Já é a terceira que
contrato este ano. Administração doméstica por
aqui é um problema sem solução.
Caroline sorriu, pensando em todas as incontáveis
perguntas que estava louca para fazer. Mas não
deu para fazer mais do que concordar ou discordar
balançando ou sacudindo a cabeça, pois o pai
monopoli¬zou a conversa durante todo o
desjejum.
Quando terminaram, Caroline mal havia tocado
nos pratos. A refeição estava mesmo inferior à
comida com a qual ela estava acostumada. Os
pães estavam tão duros que quem os comesse
corria o risco de quebrar um dente, e o peixe
estava queimado. A geléia, cuja camada de poeira
sobre o pote deixava ver que era velha, estava
líquida e azeda. Ela resolveu, ao seguir o pai até a
biblioteca, que perguntaria a Benjamin se ele se
importaria de ajudar na cozinha. Ele adorava
cozinhar e costumava ajudar a preparar as
refeições em Boston.
Depois voltou a atenção para o pai. Ele, de pé
diante de todos os desemhos dela, solrria radiante,
enquanto mostrava a Caroline que tinha anotado a
data de recebimento nas costas de todas as folhas.
Era sua forma de acompanhar o desenvolvimento
dela, explicou.
— Parei de desenhar — disse-lhe Caroline, rindo.
— Como podes constatar, papai, eu não tinha
talento para isso.
— Não importa. Henry me contou por carta que
eras boa aluna e tinhas jeito para línguas.
— E verdade — admitiu Caroline —, mas meu
sotaque é horro-roso. — E sorriu, acrescentando:
— Quando canto, porém, não espanto os ouvintes,
e até que sei tocar a espineta direitinho.
O pai soltou uma risada também.
— Não precisa se preocupar achando que vou
pensar que és arro¬gante e vaidosa, Caroline. Não
deves menosprezar teus talentos — ele completou.
Sentou-se em uma das cadeiras e fez sinal para
Caroline sentar-se na outra. — Conta-me, por que
o Henry permitiu que a Charity te acompanhasse?
Não é que eu tenha me aborrecido com a presença
dela, pelo contrário, mas fiquei surpreso.
Caroline respondeu de imediato, contando ao pai
sobre a paixão de Charity por Paul Bleachley e o
desaparecimento súbito do rapaz. Depois da
narrativa, perguntou:
— Já ouviste falar nesse homem, meu pai?
— Não ouvi, não — respondeu o pai. — Mas não
significa nada, considerando-se que passei tanto
tempo afastado da sociedade.
— Pai, teu mordomo, o Deighton, disse que
estavas regressando para a temporada de eventos
sociais. Planejavas comparecer às festas este ano?
— Não — respondeu o pai. — Sempre volto para
Londres nesta época do ano. Não gosto de ficar na
casa de campo no inverno; muitas
correntes de ar. E o Deighton, teimoso corno uma
mula, como são os mordomos, insiste em preparar
o sobrado todo ano. E por precaução, caso eu
mude de ideia — acrescentou. — Mas sabes que
estou satisfeito por ter vindo para cá? Com minha
linda filha ao meu lado, uma vez mais assumirei
meu lugar na sociedade. E até estou ansioso para
isso. — pai dela riu, genuinamente feliz. — Vais
causar verdadeiro furor nas rodas sociais,
Caroline.
— Por causa do marquês? — indagou Caroline.
— Não. Porque és formosíssima — respondeu o
pai. — O mar-quês, é claro, vai sentir prazer em
receber a filha da irmã de volta a Londres, mas
estou é pensando nos mancebos e na reação deles
a ti. Vai ser divertido assistir à cena. Tua mãe
ficaria orgulhosa.
— Como foi que a conheceste, meu pai? Não me
recordo dela, e isso me entristece. A tia Mary me
disse que era uma senhora de muito bom coração.
O olhar do conde de Braxton ficou distante, e
ele sorriu ternamente.
— E, tinha muito bom coração, sim, era muito
carinhosa, Caro¬line. — Ele pegou a mão da filha
e contou-lhe como tinha conhecido aquela
espirituosa mulher de cabelos negros pela qual se
apaixonou.
— Ela ficou tão contente quando nasceste,
Caroline... Eu queria um menino, e nem mesmo
queria escolher nome para uma possível me-nina.
Quando nasceste, tua mãe riu até as lágrimas
escorrerem-lhe pelo rosto. Ela gostou muito de ter
te dado à luz.
— E tu, ficaste decepcionado? — perguntou
Caroline, sorrindo. Sabia que ele não devia ter
ficado decepcionado pelo modo como ele lhe
contou a história, mas queria ouvi-lo admitir isso.
Sentia-se exatamente como uma menininha
ouvindo histórias antes de dormir, ansiosa para
saber mais sobre seu nascimento e seus primeiros
anos de vida.
— Gostei tanto de ti quanto tua mãe — admitiu
seu pai. Ele lhe apertou a mão e depois procurou o
lenço no bolso. Enxugou os olhos e pigarreou.
Num tom que soou quase ríspido, disse: — Mas,
agora, escuta. Precisamos mandar fazer uns
vestidos novos para ti e para Cha-
rity o mais depressa possível. O baile anual do
duque de Ashford será dentro de apenas duas
semanas, e é lá que vamos fazer nossa entrada
triunfal. Aquele maroto me manda sempre um
convite todo ano, sem falta. Vai ficar pasmo
quanto eu aceitar. — E aí começou a casquinar ao
imaginar a cara de Ashford quando ele entrasse
trazendo sua linda filha pelo braço.
Caroline, vendo o entusiasmo do pai enquanto ele
descrevia as atividades de que participaria, não
teria se surpreendido se ele tivesse começado a
esfregar as mãos uma na outra. Com os olhos
cintilando de expectativa como ele estava, parecia
até o primo dela, o Luke. Era como uma criança
ansiosa para começar uma aventura. Ela desejou
alertá-lo, para que ele não tivesse expectativas
infundadas, mas resolveu não jogar água fria na
fogueira. Jurou, enquanto o escutava, que se
esforçaria ao máximo para não decepcioná-lo. Se
Deus quisesse, talvez pudesse sair-se bem. Talvez,
antes de se passarem as duas semanas, ela pudesse
aprender etiqueta social. Sem dúvida tratava-se de
um desafio, e Caroline resolveu esforçar-se ao
máximo.
Continuou sentada ao lado do pai durante a maior
parte da manhã, escutando-o contar histórias do
passado. Notou que ele falava mais dos problemas
e das questões nacionais cada vez maiores, e
raramente de si mesmo. Percebeu como era
terrivelmente solitário e sentiu dor no cora¬ção.
Tudo aquilo tinha sido opção única e exclusiva
dele, disse consigo mesma, pois podia ter passado
todos esses anos com a filha ao seu lado, mas ela
entendeu que não podia culpá-lo por isso.
Havia algum outro motivo por trás de suas
desculpas para mandá-la para outro continente, ela
tinha certeza disso. Com o tempo, depois que a
elite a tivesse aceitado, ela saberia a verdade.
Caroline entendeu então que precisaria quebrar a
tola promessa que tinha feito a seus parentes em
Boston. Era uma promessa de criança revoltada e
confusa. Agora ela aceitava a verdade. Seu lugar
era ao lado de seu pai. Ela nunca mais poderia
voltar a Boston. Seu futuro seria ali, na Inglaterra.
CAPÍTULO 4
O
senso de humor de Caroline salvou-a de um
desespero certo. Isso e a contínua empolgaçao de
Charity com as atividades que esta-vam por vir.
Sua prima adorou as atenções recebidas e fez
amizade bem depressa com madame Newcott,
uma costureira com tino para escolher tecidos e
valorizar as silhuetas. Charity desfrutou cada
segundo do que Caroline suportou sem reclamar,
por considerar um calvário.
O conde de Braxton não parou em apenas um
vestido, mas insistiu para que ambas as moças sob
seus cuidados recebessem guarda-roupas
completos.
Madame Newcott sugeriu tons de rosa e amarelo-
claro para Cha¬rity e acrescentou rendas aqui e ali
para realçar-lhe a baixa estatura. Recusou-se,
porém, a acrescentar babados, pois segundo sua
opinião iriam abafar e deformar a linda silhueta da
jovem.
Caroline terminou com vários trajes em tons de
azul, lilás e mar¬fim, inclusive um vestido
marfim-claro com um decote indecoroso, justo
demais para seu gosto, mas que lhe realçava os
cabelos e a cor da pele. Ela sentia-se uma devassa
quando o usava, e disse isso a Charity.
— Mamãe te recomendaria que cobrisses o peito
com um xale —recomendou Charity, sorridente.
— E papai não te deixaria sair de casa. Meu tio
vai precisar usar uma bengala para espantar os
pretendentes quando o usares em público.
— Já recebi tantos beliscões e alfinetadas que
devo estar toda roxa — comentou Caroline.
Madame Newcott, ajoelhada diante de Caroline e
determinada a dar os toques finais àquilo que
chamava de criação magnífica, fingiu que não
tinha escutado o comentário.
— Quando o seu pai vai voltar? — perguntou
Charity, mudando de assunto.
— Amanhã — respondeu Caroline. - - O marquês
mora bem distante de Londres, e meu pai vai
passar a noite lá e voltar amanhã.
— O marquês é o irmão mais velho de tua mãe ou
o caçula? — perguntou Charity.
— E o mais velho. Tenho outro tio, chamado
Franklin, que é dois anos mais moço que minha
mãe seria se estivesse viva. Entendes?
— Creio que sim — respondeu Charity, sorrindo.
— Por que teu pai não mandou um recado para o
marquês, dizendo que havias regres-sado a
Londres? Trabalho demais ter que ir até lá dizer
isso, não?
— Meu pai queria contar-lhe pessoalmente. Disse
que desejava dar-lhe explicações — respondeu
Caroline, franzindo o cenho. — Sa-bes, nem
mesmo percebi que tinha dois tios até meu pai me
dizer isso. Estranho ele mostrar tamanha
deferência agora, não é?
Charity pensou nisso um instante e depois deu de
ombros, sem pensar mais no assunto.
- Se ao menos eu tivesse uma silhueta mais ou
menos como a tua... — reclamou ao tirar o vestido
de passeio rosa com todo o cuidado para não
deslocar as agulhas que pregavam os pedaços de
fazenda.
— E melhor ter de menos que de mais —
comentou Caroline. —Tua silhueta é perfeita.
— Madame Newcott, Caroline acha que tem
pernas longas demais e seios grandes demais para
estar na moda, acreditas? — exclamou Caroline.
— Eu nunca disse isso — protestou Caroline. —
E que sou prá¬tica. Pernas compridas são boas
para andar a cavalo, mas não consigo
encontrar nenhuma utilidade prática para... — e.
em vez de terminar a frase, deu uns tapinhas no
peito, indicando os seios. Chanty desatou a rir.
— Caimen iria nos dar um sopapo se nos ouvisse
dizer essas coisas.
— E mesmo — respondeu Caroline, que em
seguida lançou um olhar de relance ao espelho,
dizendo: — Meus cabelos estão totalmente
rebeldes. Achas que eu devia cortá-los?
— Não!
— Está bem — concordou Caroline, de
brincadeira. — Em vez disso, vou andar por aí
feito uma maluca, com os cabelos todos
arrepiados.
— Eu poderia apará-lo um tanto, pois estará
comprido de novo quando for hora de voltarmos
para Boston.
Caroline viu que precisava revelar a Charity sua
decisão, e seu sor¬riso sumiu quando ela balançou
a cabeça.
— Não sei se regressarei a Boston, Charity.
Charity abriu a boca para protestar, mas Caroline,
balançando depressa a cabeça, deteve-a. Não seria
bom falar disso na frente de ma-dame Newcott, e
felizmente Charity entendeu.
Mas assim que a costureira se retirou, Charity
voltou a tocar no assunto:
— Espero que não tomes uma decisão apressada,
Caroline. Só estamos aqui faz duas semanas.
Espera um pouco mais antes de decidi-res o que
fazer. Meu Deus, nossos irmãos terão ataques de
ódio se não voltares para casa.
— Prometo não me precipitar — respondeu
Caroline. — Mas não posso abandonar meu pai,
Charity. Simplesmente não é possível. — E
suspirou de tristeza e aceitação, sussurrando: —
Já estou em casa. Aqui é meu lugar. Enquanto
meu pai viver.
— Dizes que não podes abandonar teu pai, mas
foi exatamente o que ele fez contigo — redarguiu
Charity. Estava corada, e Caroline viu que estava
ficando bastante irritada. — Durante catorze anos
ele fingiu que não existias! Como podes esquecer-
te disso?
— Não me esqueci — respondeu Caroline. —
Mas houve
um motivo para ele fazer isso — explicou. — Um
que está por trás de todas as explicações fáceis, e
um dia ele vai me contar.
— Não discutirei contigo, mana — respondeu
Charity. — Dentro de apenas alguns dias, iremos
ao nosso primeiro baile juntas. Teu pai está
empolgado por nós duas, e não vou jogar água fria
no entusiasmo dele. Só me prometas que vais
esperar para tomares tua decisão. Só vol¬tarei a
tocar no assunto... daqui a duas semanas. Então
terás tido tempo de refletir sobre todas as
possíveis consequências. Por que, Caroline, se
nem mesmo gostas dos ingleses?
— Não conheci tantos assim — respondeu
Caroline.
A conversa subitamente fez Caroline lembrar-se
do cavalheiro feri¬do que ela havia socorrido e da
conversa semelhante entre ambos. Então pensou
no homem chamado Bradford e na reação que ele
causara nela. Viu-se pensando nele mais do que
desejaria, mas não parecia ser capaz de bloquear
seus pensamentos. Ele fazia Caroline sentir-se
ameaçada, não sabia por quê, e quando
reconheceu isso, imediatamente deduziu que
estava fazendo tempestade em copo d'água. Ele,
afinal de contas, era apenas um homem.
A noite do primeiro baile das duas moças
finalmente chegou. A festança dos Ashford, como
seu pai a chamara, abria a temporada de bailes, e
todos aqueles que eram importantes estariam
presentes.
Caroline levou muito tempo vestindo-se para o
acontecimento. Seus cabelos insistiam em soltar-
se dos grampos e fitas com os quais a criada
inutilmente procurava prendê-los, e a jovem
terminou escovando-o todo e deixando-o solto,
em cascatas sobre os ombros.
Seu vestido era cor de gelo violácea, com um
decote que mostrava mais do que só um vislumbre
dos seus fartos seios. Sapatos combinando com o
vestido e luvas de um branco imaculado
completavam-lhe o traje, e quando Caroline parou
diante do espelho de moldura dourada do seu
quarto, considerou-se mais do que aceitável.
Mary Margaret, a dama-de-companhia sardenta
que Deighton ha¬via contratado para ajudar
Caroline, elogiou-a sem parar.
— Vossos olhos adquiriram a cor do vosso
vestido — murmurou, espantada. — É magia
pura, sem dúvida. Ai, se ao menos eu pudesse
transformar-me em um ratinho para poder ir
contigo ao baile.., Vais causar uma comoção e
tanto. Caroline riu.
— Se te transformares em um rato, aí sim é que
vai haver comoção - provocou ela. — Mas se
esperares até eu voltar, prometo contar-te tudo o
que acontecer por lá.
A criada ficou tão radiante que Caroline não se
surpreenderia se ela tivesse caído de joelhos.
Aquela adoração deixou-a sem jeito.
— Estou muito nervosa, Mary Margaret. Este é
meu primeiro lê.
— Mas sois a Lady Caroline! — protestou Mary
Margaret. — Vossa posição é garantida pelo
vosso nascimento! E estais tão bonita! —
acrescentou ela, com um suspiro.
— Não passo de uma caipira — replicou
Caroline. A criada pa¬recia pronta a rebater esse
comentário, e Caroline mais do que depressa
agradeceu ela pela ajuda, e depois foi procurar
seu pai e Charity.
Os dois estavam esperando por ela ao pé das
escadas. Charity eslava linda. Seu penteado
consistia em um aglomerado de cachos en-
tremeados com uma fita rosa. Seu vestido era da
mesma
cor da fita, com um decote baixo bonito que mal
lhe cobria os ombros. O rosa claro e reluzente
realçava-lhe as faces rosadas. Caroline não teve
dúvida de que a elite iria receber sua prima de
braços abertos.
O conde de Braxton assistiu à filha descer as
escadas. Tinha um sorriso orgulhoso no rosto e os
olhos cheios de lágrimas, sinal de que tinha
gostado do que via. Ela esperou até ele tirar um
lenço do bolso do colete e enxugar os olhos, e aí
perguntou se já estava esperando por ela há muito
tempo.
__Catorze anos — respondeu ele, sem poder
conter-se. Caroline sorriu, com genuína ternura,
diante dessa resposta franca. — Es¬tás linda esta
noite — declarou ele. — Vou precisar proteger-te
dos aventureiros.
Quando estavam sentados na carruagem, e a
caminho da festa, -hantv perguntou ao tio:
— Ficas com alguém a maior parte do tempo?
— Como disse? — O pai de Caroline não
compreendia as coisas com rapidez.
— Chanty deseja saber se tu te sentes atraído por
alguma senhora em particular — traduziu
Caroline.
Ela não havia contado a Chanty que o pai vivia
como um eremita.
— Ah, sim, é isso? Não, não há ninguém —
respondeu ele, — Anos atrás, eu acompanhava
Lady Tillman aos bailes.
— Talvez ela esteja lá esta noite — comentou
Caroline.
— O mando dela morreu logo depois de eu ter me
casado com tua mãe, Caroline — comentou o
conde. — Ela teve uma menina. Pergunto-me
como ela estará agora.
— Mas, tio, morar sozinho, como moras, deve ter
sido muito difícil, deves sentir-te muito solitário.
Nem mesmo consigo imaginar isso — Charity
comentou, com o cenho franzido.
— E porque sempre viveste cercada por irmãos —
respondeu ele.
— E pela Caroline — completou Charity. — Ela
vem sendo a minha irmã desde a infância.
Os três ficaram calados enquanto a carruagem
parava diante de uma imensa casa toda feita de
pedra. Caroline achou-a parecida com um
palá¬cio e começou a sentir um frio na boca do
estômago. Estava nervosa.
— Está quente para um dia de outono —
comentou o pai enquan¬to ajudava as moças a
descerem da carruagem. Caminhou entre as duas,
segurando o cotovelo de Caroline com a mão
esquerda, e o de Charity com a direita.
Charity tropeçou em um dos degraus, e Caroline
precisou recor-dar-lhe que devia colocar os
óculos.
— Só enquanto estou aqui fora — replicou
Charity. — Sei que sou irremediavelmente
vaidosa, mas fico horrível de óculos!
— Besteira — protestou o tio. - Ficas linda de
óculos. Dão-te uma aparência de pessoa séria.
Charity não acreditou nele. Assim que eles
entraram no vestíbulo, profusamente iluminado
com centenas de velas. Charity tirou os óculos do
nariz e meteu-os na casaca do tio.
— Não te disse como estás bonito esta noite, meu
tio — comen¬tou ela.
O pai de Caroline respondeu com outro elogio,
mas Caroline mal prestou atenção nele. Estava
tentando contrair o queixo para evitar que caísse
diante do esplendor aristocrático de tudo o que a
cercava.
O conde de Braxton imediatamente apresentou a
filha e a sobrinha ao anfitrião, que estava de pé à
frente de uma longa fila de recepção. O duque de
Ashford era idoso, com uma cabeleira branca
ligeiramente amarelada. Sua voz era forte e
nasalada, como se alguém lhe estivesse apertando
o nariz. Caroline considerou-o uma pessoa
extremamente presunçosa, mas gostou dele assim
mesmo, porque ele abraçou o pai dela
afetuosamente.
O duque não conseguiu tirar os olhos dela, e até
usou o monócu-lo para examiná-la com mais
cuidado. Caroline ficou se perguntando, enquanto
tentava fingir que não via aquele olhar indiscreto,
se tinham brotado nela mais braços ou pernas, e
notou que ele não estava olhando para Charity da
mesma forma. Ela sentiu alívio quando o pai lhe
pegou o braço e acompanhou-a até os degraus que
davam para o salão.
Para Charity, tudo estava lindo e embaçado. Ela
deixou o entusias¬mo da noite apoderar-se dela.
Aquela noite ela iria entrar em contato com a elite
preponderante. Certamente um deles conhecia
Paul Bleach-ley. Aquela noite ela daria o primeiro
passo para descobrir tudo sobre seu amor
desaparecido.
O conde de Braxton, com a filha de um lado e a
sobrinha do outro, penduradas nos seus braços,
parou à porta do salão. Dali, quatro degraus
levavam para a pista de dança, e o trio podia ver
todos os convidados.
O pai e a filha não se tocavam, embora Charity
apertasse muito o braço do tio para não tropeçar
ao descer as escadas. Seus olhos cintila¬vam e o
rosto estava afogueado de expectativa.
Caroline, por outro lado, parecia totalmente
controlada. Orgu-lhosa, comparava-se ao pai em
altura e dignidade, olhando para toda aquela
gente, que a comia com os olhos, com uma
expressão tranquila no rosto.
O conde ficou parado onde estava até ter certeza
de que todos os olhos estavam voltados para sua
bela filha e sua linda sobrinha. Aquele momento,
ali naquele lugar, foi, segundo ele, o apogeu da
sua existência! O salão ficou em silêncio, e
enquanto Charity ficava um pouco nervosa por
causa dessa demora excessiva, o tio desfrutava o
seu momento de orgulho.
A orquestra voltou a tocar, e vários homens de
aparência ousada começaram a aproximar-se do
grupo.
— Aí vêm eles — murmurou o pai de Caroline,
com uma
risadmha.
Então a aventura era essa, pensou Caroline,
enquanto ouvia apre¬sentações vindas de todos os
lados. Quanto mais os pretendentes avanavam,
mais Caroline se retraía. Ela ficou ao lado do pai,
com cara séria e radiante, mas morrendo de medo
por dentro. Não pôde deixar de admirar a forma
pela qual Charity trocava comentários tímidos
com os pretendentes ao seu redor. Parecia estar no
seu lugar, florescendo como uma flor de
primavera em pleno esplendor, e Caroline
perguntou-se o que teria acontecido com a sua
própria autoconfiança. Sentia-se tímida,
desajeitada e completamente fora do seu lugar.
A carteia de danças de Charity já estava cheia, e
ela foi levada para a pista para participar de uma
dança já começada, mas o conde de Braxton
rejeitou um pretendente que estava querendo levar
sua filha para a pista, declarando que ela primeiro
precisava ser apresentada a seus amigos.
Então, o olhar de seu pai desviou-se para o outro
lado do salão, e Caroline voltou a atenção para
aquele lado, para ver quem ele estaria procurando.
Um homem idoso destacou-se de um grupo e
passou a avançar lentamente até a beira da pista.
Seus ombros eram caídos, ele era já bem calvo, e
usava uma bengala para se apoiar.
— Quem é ele, pai? — indagou Caroline.
— O marquês de Aimsmond — respondeu-lhe o
pai. — O irmão mais velho da tua mãe.
— O homem que foste visitar? — indagou
Caroline.
— Sim, Caroline. Eu precisava dar-lhe uma
explicação — declarou o conde. Sorriu e deu
tapinhas afetuosos na mão da filha, acrescentando
depois: — Ele não vai rejeitar-te agora. Já tratei
de tudo.
Caroline ficou intrigada diante daqueles
comentários. O que ele havia explicado? E por
que seu tio a rejeitaria? Ela sabia que não podia
interrogar o pai agora, mas decidiu descobrir do
que ele estava falando, quando voltassem para
casa.
Ela virou-se para olhar o marquês, achando-o
muito frágil.
— Acho que devíamos ir ao encontro dele, pai —
disse Caroline ao pai.
Ela não esperou a resposta do pai, mas, muito
empertigada, co-meçou a caminhar na direção do
homem que não falava com seu pai há catorze
anos. O marquês sorria para Caroline, e ela viu
que eles não es-tavam mais brigados. A visita de
seu pai na semana anterior obviamente tinha
quebrado o gelo.
Ela o alcançou no meio do salão. Sem hesitar um
segundo, endereou-lhe o sorriso mais radiante
de que era capaz e beijou-lhe a face.
O tio reagiu com um sorriso emocionado. Pegou
as duas mãos da sobrinha, mas precisou soltar
uma para voltar a equilibrar-se com a bengala.
Os dois continuaram a encarar-se, sem nada dizei.
Caroline estava sem saber como começar a
conversa.
O marquês finalmente rompeu o silêncio:
— Eu me sentiria honrado se me chamasses de tio
— disse ele. Sua voz saiu rouca, quase áspera.
Estava cheia de emoção. — Só tenho um irmão
mais moço, Frankhn, e sua esposa, Loretta. Desde
a morte de tua mãe, eles são meus únicos
parentes.
— Não — respondeu Caroline, baixinho. — Tens
também meu pai e a mim.
As palavras dela o agradaram. As suas costas,
Caroline ouviu o pai pigarreando.
O marquês olhou para o conde de Braxton com a
testa inegavel-mente franzida.
— Não me disseste que ela era a cara da mãe.
Quase caí para trás quando a vi.
— Mas eu disse — respondeu o conde. — Ê que
estás fraco de-mais para te lembrares.
— Que nada! Meus miolos estão tão aguçados
quanto uma nava-lha nova, Brax!
O pai de Caroline sorriu.
— Franklin e Loretta vieram ao baile? Faz tempo
que não os vejo, e desejo apresentar Caroline a
seu outro tio.
O marquês amarrou a cara.
— Estão aqui, sim, em algum lugar — comentou,
dando de ombros. Depois se virou para Caroline e
acrescentou: — Ela tem os meus olhos, Brax!
Sim, senhor, é a imagem perfeita do meu lado da
família.
Caroline precisou admitir que seus olhos
realmente lembravam o dele e perguntou-se por
que o tio estaria provocando seu pai. Seu olhar
estava repleto de malícia.
— Mas tem meus cabelos, e não podes negar isso,
Aimsmond!
Caroline começou a rir. Os dois estavam brigando
por causa dela era inacreditável.
— Que bom, assim todos saberão que sou parente
dos dois — disse ela. Pegou o braço do tio com
uma das mãos e o do pai com a outra sabendo que
não poderia menosprezar nenhum dos dois. —
Que tal en¬contrarmos um canto para nos
sentarmos e conversar? Embora vós tenhais
recentemente conversado, ainda devem ter muito
a dizer um ao outro.
Os três foram andando até um recanto próximo.
Charity veio até eles, e a conversa rapidamente
passou a versar sobre o baile e os homen-
disponíveis que estavam tentando chamar sua
atenção.
— Posso chamar-vos de tio também? —
perguntou Charity ao marquês. — Gostaria, se
aceitardes. Somos parentes distantes, de certa
forma, não?
O marquês gostou dessa franca demonstração de
afeto de Charity, e concordou.
— Somos parentes, sim, por afinidade, creio eu.
Adoraria que me chamasses de tio. Tio Milo, é
como Caroline me chamava, quando era
pequenimnha.
— Sabe, Aimsmond, estou me perguntando, qual
é a comoção? — indagou Braxton de repente.
Estava de pé ao lado do assento estofado perto da
janela onde o marquês estava sentado. Caroline
estava de pé do outro lado do tio. O marquês
segurava a mão da sobrinha, apertando-
a como se fosse um torno, sua forma de garantir
que ela não sumiria pensou Caroline.
O pai dela estava olhando para a entrada do salão,
e Caroline virou-se. Seus olhos arregalaram-se
quando viu quem estava parado lá, causando tanta
comoção entre os convidados. Era o cavalheiro
que ela tinha ajudado no dia da tentativa de
assalto à carruagem. O sr. Smith!
CAPÍTULO 5
__Solta o meu braço. Não podemos ficar os
dois aqui sozinhos — cochichou Caroline,
agressiva.
Porém, sua irritação não pareceu causar nenhuma
perturbação na armadura de determinação de
Bradford. O teimoso mancebo continu¬ava
andando e arrastando Caroline consigo, e vários
casais que estavam tomando ar viraram-se para
olhá-los, curiosos.
Assim que Caroline percebeu que outras pessoas
estavam olhando os dois, procurou deixar de
parecer zangada e fazer cara de indiferente. Era
difícil, e ela só sentia vontade de derrubar o duque
de Bradford no chão e pregar-lhe uns pontapés.
Apesar de esses pensamentos não serem nada
comportados, Caroline sentiu muito prazer com
eles. E não duvidava nada de que seria capaz de
conseguir isso, ou pelo menos de lhe tirar uma
boa parte da empáfia, porque seus primos tinham
lhe ensinado todas as formas de causar verdadeira
dor a um homem.
Aquele seu acesso de autoconfiança evaporou-se
quando ela perce¬beu que nem sequer conseguia
puxar a mão, soltando-se dele. Será que tinha
deixado sua autoconfiança em Boston?,
perguntou, enquanto o seguia como se fosse um
carneirinho.
A varanda circundava três lados da casa, e
Bradford continuou até eles estarem
completamente sós, bem no final da balaustrada.
Várias velas encontravam-se ao longo do alto da
balaustrada da varanda, em copos altos, para o
vento não as apagar, dando à noite embalsamada
um ar romântico. Bradford parou quando a grade
da va-randa terminou e virou-se de frente para
Caroline. A vela mais próxima de ambos
projetava um brilho cálido no seu rosto,
suavizando-lhe os traços másculos.
— Agora acredito que terei tua atenção total —
começou Bradford, sem preâmbulos. — Não
pretendo dividir tua atenção com metade de
Londres.
— Ora. agora que tens minha atenção, o que farás
comigo?
Bradford sorriu diante do desafio na voz
dela. Percebeu temor e confusão no seu olhar, mas
a voz suave da moça negava que fossem genuínos.
Aquela sua falsa valentia o agradava. Ela não era
do tipo que se acovardava ou perdia os sentidos.
Era, segundo ele havia deduzido, uma adversária à
sua altura.
Ele quase respondeu que a possuiria, pois
desejava ficar com ela, por mais obstáculos que
ela pusesse em seu caminho. Caroline de-via ter
percebido essa intenção no olhar dele, pois
começou a recuar, devagarinho.
Bradford rapidamente a impediu. Pegou seus
ombros, sentiu a ma¬ciez sedosa sob seus dedos e
quase se esqueceu do que ia fazer até ela procurar
soltar-se dele à força.
— Ah, não vai fugir, não — murmurou ele.
Puxou-a para si e virou-a, e ela sentiu-se uma
marionete, sendo ele o manipulador, presa entre a
parede e a grade. Estava completamente sem
saída, e Bradford sorriu ao perceber isso.
— Podes, por favor, deixar-me passar? —
perguntou Caroline.
— Só depois da nossa conversa — respondeu
Bradford.
Agia como se tivesse todo o tempo do mundo.
Caroline então deixou transparecer sua
exasperação.
— Como és teimoso! Estás fingindo não perceber
que não quero conversar contigo!
— Queres sim — informou-lhe Bradford. — Algo
está acontecendo entre nós. Eu sinto isso, e sei
que também sentes. Creio que devíamos
reconhecer isso, e quanto mais cedo, melhor. Não
tenho tempo para brincadeirinhas de namoro,
Caroline. Quando quero algo, vou e pego.
Caroline não havia mentido. Não queria mesmo
ficar sozinha com ele. Bradford deixava-a
nervosa. Não sentia que era capaz de controlar-se
quando estava ao seu lado. Tinha acabado de falar
com ele de uma forma bastante ríspida, mas ficou
espantada quando ele respondeu com a mesma
rispidez.
— E resolveste que me queres? — Caroline tinha
perdido a voz, e Bradford precisou inclinar-se
para lhe ouvir a pergunta. Ele não respondeu, mas
continuou a olhar para ela, seu olhar dizendo tudo
o que precisava saber.
— Ela tinha achado que ia conseguir obrigá-lo a
desistir, colocá-lo no seu lugar com uma
reprimenda daquelas, mas de repente percebeu
que tinha ficado muda.
— A minha franqueza te amedronta? — disse
Bradford, rompendo o silêncio subitamente, com
a voz cheia de ternura. — Esse senti¬mento me
incomoda — admitiu ele, com um sorriso forçado
— e não é facil de reconhecer.
— O olhar dele era suficiente para transformar
água em vapor. Certa¬mente a aquecia, e ela
descobriu que não sabia como reagir.
— Deixas-me nervosa quando me olhas assim —
admitiu Caroline . Suspirou e sacudiu a cabeça.
— É melhor eu te avisar. Se ficar muito nervosa,
vou começar a rir sem parar, e aí vais te sentir
ofendido.
— Caroline — interrompeu-a Bradford. — Vai,
admite logo que há alguma coisa ocorrendo entre
nós.
— Não nos conhecemos — objetou ela.
— Eu te conheço melhor do que pensas —
respondeu Bradford. Os olhos de Caroline
demonstraram sua descrença, e ele confirmou sua
afirmativa, balançando a cabeça. — És leal, digna
de confiança e tens imenso amor por todos os teus
entes queridos. — Sabia pela forma como ela
corou que a estava deixando constrangida, mas
não se importou nem um pouco com isso. Estava
decidido a fazê-la admitir o que sentia por ele.
Nada mais parecia lhe importar.
— Como é que podes saber disso? — indagou
Caroline.
— Percebi no dia em que a conheci. Tu estavas
assustada na hora, mas me enfrentaste. Tua única
preocupação era proteger um homem
praticamente estranho, evitando que se
machucasse mais do que já estava ferido. A
bravura é uma característica que admiro —
acrescentou ele.
Não estava mais sorrindo, e falava com toda a
seriedade. — Quando conversamos, contaste-me
que temias causar vergonha a teus parentes
fazendo algo errado. Também falastes da tua
família nas Colónias e de tua lealdade a ela. Por
último — concluiu Bradford —, chamaste tua tia
de mamãe, e teus olhos me mostraram a profunda
afeição que sentes por ela.
— Um cachorro é leal, digno de confiança e
dedicado aos seus donos.
A piada de Caroline obrigou o homem a sorrir
relutante, acima dela.
— Esta noite tremeste nos meus braços quando
dançamos. Vais me dizer que foi de frio? — Ele
agora estava provocando-a, e Caroline reagiu com
um sorriso também. — Podes ser franca comigo?
— A franqueza é uma característica que admiro
nos outros — respondeu Caroline — porque é
completamente inexistente na minha
personalidade. — E suspirou com exasperação,
continuando: — Sou desonesta, nas palavras e nos
atos, e não tenho como evitar. Portanto —
acrescentou ela —, se concordar que existe um
sentimento especial entre nós, não terás como
provar se estou dizendo a verdade ou não, terás?
Bradford sorriu e sacudiu a cabeça.
— Então vamos ter que fazer algo que nos dê essa
prova — sugeriu ele. Seu olhar revelou que estava
achando graça, e Caroline percebeu que ele não
tinha acreditado em nada do que ela havia
acabado de dizer. Ela estava mentindo, e ele sabia
disso.
— E exatamente como é que uma pessoa prova o
que sente ou não por ti? — indagou Caroline. Seu
cenho estava franzido de concentração, mas um
brilho súbito surgiu nos seus olhos, e Bradford viu
logo que ela estava preparando alguma armadilha.
Era exatamente igual ao olhar que ele tinha
notado logo antes de ela fazer Brummell cair na
sua armadilha. Ficou ansioso para ver o que ela
faria.
— Talvez exista um jeito, sim! Por que não pulas
da varanda? Se eu não gritar para evitar que te
jogues, saberás que não sinto nada por ti.
— E se me disseres para parar? — disse Bradford.
com uma risadinha de divertimento.
— Ora, então saberás que eu sentia mesmo algo
por ti. Claro que to¬dos os teus ossos terão se
quebrado, mas terás tua resposta, não terás?
Ela estava sorrindo encantadoramente, e Bradford
achou que de¬via mesmo estar se divertindo com
o quadro que tinha acabado de imaginar.
— Há uma alternativa — sugeriu Bradford. —
Uma que não destruirá meu corpo, uma vez que
ele é importante para ti.
— Não acho teu corpo importante — apressou-se
Caroline em dizer — E esta conversa está se
tornando um tanto indecente. Se al-guém nos
escutar...
— Vives preocupada com o que outros vão
escutar, não?
— Nunca me preocupei com isso antes de vir para
a Inglaterra — admitiu Caroline. — É mesmo um
estorvo. Agir corretamente é uma coisa por vezes
extenuante.
Bradford sorriu diante dessa franqueza dela.
— Caroline, gostaria de beijar-te e acabar logo
com isso.
Ela não se moveu. Sentiu-se fascinada como um
animal prestes a ser capturado por uma rede
enorme. Bradford pôs ambas as mãos na parede,
atrás dela, e vagarosamente aproximou-se da
moça.
— Es tão romântico — murmurou Caroline. —
Acabar logo com isso? Será que é tão difícil
assim?
Por que continuava a provocá-lo?, perguntou-se
ela, meio apavora¬da. Só ia deixar as coisas
piores do que já estavam.
— Insistes que não há nada entre nós, evitas
olhar-me nos olhos sempre que possível, e mesmo
assim tremes quando estás em meus bra¬ços. Teu
corpo contradiz tuas palavras de protesto.
Caroline surpreendeu Bradford concordando com
a cabeça.
— Eu sei — sussurrou.
Aquela confissão dela o agradou, quase tanto
quanto os lábios ro¬sados dela o atraíam. Ele não
conseguiu esperar nem mais um segundo, mas
jurou que seria delicado. Sua boca roçou de leve a
dela. Caroline tentou virar a cabeça, contudo
Bradford prendeu-lhe o lábio inferior e
deteve-a. Beijou-a outra vez, pressionando mais
os lábios contra os dela e, embora tivesse
planejado apenas lhe dar um beijo casto, percebeu
que queria mais. Sua boca se abriu sobre a dela, e
quando Caroline tentou resistir à invasão da
quentura úmida pela língua do rapaz, Bradford
usou uma das mãos para obrigá-la a baixar o
queixo. A língua dele possuiu o que seu corpo
desejava incontrolavelmente, golpeando,
explorando e penetrando a doçura que ela lhe
oferecia.
Caroline sentiu-se chocada quando a língua dele a
tocou. Não sabia que os homens beijavam as
mulheres assim! Encolheu-se toda de vergonha,
mas ouviu-se gemendo de puro prazer. Não
conseguiu evitar u Lciju nem refrear sua língua
que, tocada pela dele, timidamente a princípio,
retribuiu o beijo com cada vez mais ardor. Ouviu
o gemido profundo de incentivo de Bradford e
passou os braços ao redor do pes¬coço dele, para
trazê-lo mais para perto de si.
Não imaginou que fosse possível, mas o beijo
aprofundou-se, ficou mais ousado. Ela pendurou-
se nos ombros musculosos de Bradford e sorveu-
lhe a língua, dando-lhe e recebendo dele um
prazer que fluía como vinho suave entre eles.
Quanto mais se beijavam, mais Bradford exigia.
Sua paixão era agressiva, ele segurava o rosto dela
para poder beijá-la mais fundo. Nun¬ca um único
beijo o havia deixado assim tão excitado, tão
empolgado. Ele a queria com um desejo ardente
que nenhuma outra mulher iria poder satisfazer.
Quanto mais sorvia-lhe os lábios, mais a desejava.
Sua língua penetrava, recuava e depois voltava a
mergulhar. Caro¬line, perdida num oceano de
sensações, começou a tremer e sentiu um calor
líquido a fluir pelo seu corpo. A intensidade do
que estava sentindo apavorou-a. Finalmente
afastou-se e precisou apoiar-se na parede. Sua
respiração estava tão irregular quanto seus
pensamentos.
Bradford levou um minuto inteiro para voltar a se
controlar.
Caroline ficou olhando para o chão, para ele não
ver o constran¬gimento nos olhos dela. Tinha se
comportado como uma libertina, e achou que ele
ia pensar que ela era uma mulher imoral, sem
pudor.
— Agora me diga que não há nada entre nós —
exigiu Bradford. Sua voz saiu rouca, e, segundo
ela notou com irritação, horrivelmente vitoriosa.
— Não vou negar que gostei do teu beijo — disse
Caroline. Olhou para ele, e Bradford voltou a
sentir-se enfeitiçado pelo seu olhar.
__Eu te quero, Caroline. — Nada de
palavras açucaradas, pensou Bradford, contrariado
por dentro. Começava a arrepender-se da sua falta
de delicadeza, quando notou a mudança de
expressão da moça.
Fez-se silêncio entre os dois, enquanto Caroline
refletia sobre qual a resposta que lhe daria. Estava
furiosa, mas só podia culpar a si mes¬ma. Tinha
correspondido ao beijo dele como se fosse uma
prostituta, não tinha?
— Tu me queres? — perguntou, a surpresa na
voz. — Como ou¬sas dizer algo assim a mim?
Por que correspondi a teu beijo? — E seus olhos
ficaram marejados de lágrimas, mas ela estava
abalada demais para controlá-las. — Não me
importa que me queiras.
Ela não deu tempo para Bradford responder.
— Achas que, por causa do teu nome e da tua
posição, podes ter tudo o que queres? Ora, estás
enganado se pensas que podes ter-me, meu
senhor. Não sou da alta sociedade, e não me deixo
impressionar por promessas de coisas materiais.
— Todas as mulheres se deixam impressionar por
ofertas materiais — murmurou Bradford,
usando a própria expressão dela para designar
riqueza e poder.
— Estás insinuando que, se ofereceres o preço
certo, podes ter qualquer uma que queiras? —
Caroline empertigou-se, até ficar completamente
ereta, quando Bradford deu de ombros, indicando
que achava completamente natural sua resposta. E
ela enfrentou-lhe o olhar furioso.
— Estás me ofendendo.
— Porque estou sendo franco contigo?
— Não! Porque acreditas mesmo de verdade no
que estás me di¬zendo! — respondeu Caroline. —
Eu não me entregaria a ti nem que fosses o
próprio rei Jorge — acrescentou.
— Só porque eu te disse que te quero, já
concluíste que te quero como amante. Estás
ofendida quando devias sentir-te lisonjeada —
replicou ele. Estava furioso, e deixou-a sentir toda
a força de sua ira. — Mas se eu te cortejar e
depois pedir tua mão em casamento, o que farás?
— Suas mãos estavam apoiadas dos dois lados da
cabeça de Caroline, seu rosto a apenas alguns
centímetros do dela. Ele sabia, sim, o que ela
queria, e por mais que se enfurecesse por admitir
isso, queria-a quase o suficiente para dar tudo o
que ela lhe pedisse. — Mudarias de
comportamento na mesma hora, não?
Caroline concentrou-se na sua resposta anterior. A
audácia dele era inacreditável,
— Lisonjeada? Pois sim! Dizes-me que existe
algo entre nós — redarguiu —, mas é apenas
atração física, nada mais. Achas mesmo que eu
me entregaria a ti por um motivo assim tão torpe?
Eu não me casaria contigo — declarou
enfaticamente Caroline. — Dizes que queres uma
esposa leal, digna de confiança, amorosa —
prosseguiu, precipitadamen¬te —mas não
demonstras ter as mesmas qualidades.
— E como sabes disso? — inquiriu Bradford.
Caroline estava transtornada demais para se
deixar intimidar pelo olhar indignado dele.
__Em primeiro lugar, insinuas que me torne
tua amante. Só por¬ que sentimos atração um pelo
outro.
__Por que outro motivo eu te quereria por
amante? — indagou Bradford, tentando entender
o raciocínio da moça. — E não te pedi para seres
minha amante. — Agora estava berrando a plenos
pulmões, sem se importar com quem pudesse
ouvi-lo.
CAPITULO 7
A
s semanas seguintes foram repletas de jantares e
bailes, e os dias cheios de visitas intermináveis.
Caroline visitava o tio Milo, que era o nome pelo
qual o marquês insistia que ela o chamasse, uma
tarde sim outra não, e ficou gostando muito dele.
O tio Franklin, irmão caçula do marquês e mais
novo que ele cerca de dez anos, em geral estava
lá. Lembrava oirmão na aparência, .mas seu olhar
não era tão acolhedor quando o dele. Ele era mais
contido no seu comportamento. Caroline sentia
certa tensão entre os seus dois tios e não
conseguia definir com precisão por que ela
existia. Eram muito educados um com o outro,
mas havia também uma distância entre eles.
Franklin era bem-apanhado, com cabelos
castanho-escuros e olhos esverdeados, mas havia
nele uma frieza que Caroline considerava um
tanto desanimadora. Sua esposa, Loretta,
raramente visitava o marquês, e Franklin explicou
mais de uma vez"que sua esposa tinha muitos
com¬promissos sociais. Sua presença era muito
requisitada pela elite, gabava-se Franklin.
Caroline não podia deixar de imaginar quem
seriam os que a requisitavam, pois ela não tinha
visto Loretta em nenhuma reunião dal às quais
comparecera.
O conde de Braxton começou a acompanhar Lady
Tillman a al-gumas das festas especiais e Caroline
gostou disso. Muito embora não gostasse nada da
mulher, era bom ver seu pai se divertir. Ele
merecia ser feliz, e se Lady Tillman era o que ele
queria, que assim fosse. Ela não interferiria.
O incidente na residência dos Claymere perdeu a
importância à medida que o tempo foi passando.
Caroline ficou grata por não ter reve¬lado a
ninguém a impressão de que alguém podia tê-la
empurrado, pois agora aceitava que tudo tinha
sido fruto de sua imaginação exacerbada. Ela só
estava exausta e tinha perdido o equilíbrio.
Embora não se considerasse mais uma dama em
risco de ser ata-cada por algum desconhecido,
sentia-se extremamente ameaçada pelo duque de
Bradford. O homem a estava levando à beira do
desespero.
Sentia-se constantemente desequilibrada.
Bradford acompanhava-a a todos os eventos e
nunca se afastava dela, deixando bem claro para
todos os homens que se aproximassem à distância
de uni grito que ela pertencia a ele, Bradford. Ela
não se importava com essa possessividade, nem
com a forma arrogante como ele a arrastava para
os cantos e a bei¬java até que ficasse louca de
desejo. O que a confundia completamente era sua
vontade cada vez maior de ficar perto dele. Sua
reação física a alarmava, pois bastava um olhar do
homem para que Caroline sentisse as pernas
bambas.
Bradford disse-lhe que a queria, e ela tinha
zombado dele. No entanto, depois de passar tanto
tempo assim com ele, tinha passado a desejá-lo
também. Sentia-se arrasada toda vez que se
separavam, e ficava furiosa consigo por isso. O
que tinha acontecido com seu autocontrole, sua
independência?
Pelo menos ela tinha admitido para si mesma que
o amava. Ele, por outro lado, nunca tinha
mencionado essa palavra. O desejo era apenas
uma parte do motivo pelo qual ela sentia saudades
dele quando não estavam juntos. O homem
certamente tinha defeitos, sim, mas tinha também
qualidades. Era bondoso e generoso ao extremo, e
tinha uma força de caráter que Caroline
considerava inflexível.
Só que também era diabólico! Ela sabia o que ele
tinha em mente, qual era seu 'jogo'. Toda vez que
a beijava seu olhar deixava transparecer
sua sensação de vitória. Ela se derretia em seus
braços e tinha certeza de que ele gostava de ver
isso. Será que estava esperando que ela admitisse
que o desejava:
Só de pensar em sua situação ela já sentia os
nervos à flor da pele. Jamais lhe diria que o amava
antes que ele lhe dissesse que a amava. E se o
duque de Bradford queria jogar, Caroline usaria
sua própria estratégia de jogo.
Charity, por outro lado, estava nas nuvens. Paul
Bleachley tinha vindo, conforme o combinado,
apresentar-se diante do conde de Brax-ton e agora
era oficialmente o noivo de Charity. Ia a toda
parte com um tapa-olhos de cetim preto que o
fazia parecer intrépido, e também havia deixado a
barba crescer.
Caroline gostava de Paul. Era um homem
sossegado, com sorriso fácil, e pela forma como
olhava para Charity, Caroline podia ver que ele a
amava, e sentia grande ternura por ela. Por que ela
não tinha en¬contrado alguém assim tão
simpático e terno como Paul: Sentia inveja do
relacionamento da prima com aquele inglês
pacato, e desejava que Bradford olhasse para ela
como Paul olhava para Charity. Ai, Bradford
olhava muito para ela, sim, mas com sensualidade
demais, dando a Ca¬roline a impressão de que
não sentia ternura alguma por ela.
Braxton tinha decidido dar um jantar, e
convidaria vinte pessoas. Na lista estavam os tios
de Caroline, o marquês, Franklin e sua esposa,
Loretta, Lady Tillman e a filha, Rachel, e para
grande desagrado de Caoline, o noivo repelente de
Rachel, Nigel Crestwall. Bradford e Milford
também foram convidados, assim como Paul
Bleachley. Seria um jantar no início da noite, em
deferência ao marquês, que ficava cansado com
facilidade, e quem fosse mais resistente poderia,
depois do jantar, ir à ópera.
Benjamin adorou a oportunidade de
preparar uma refeição à altura e já havia recheado
pombos, tirado as espinhas do peixe, e posto os
francos no espeto sobre o braseiro bem antes do
meio-dia. Deighton mostrou-se terrivelmente
autoritário ao organizar os detalhes de última
hora. Caroline e Chanty faziam ambas tudo que
Deighton sugeria, uma vez que ele sabia muito
melhor o que era adequado do que elas, e Charity
até pediu seu conselho sobre que vestido deveria
usar.
Caroline já tinha decidido usar o vestido cor de
marfim com decote ousado. Era bastante
escandaloso, e, segundo ela esperava,
extremamente sedutor. Planejava fazer o papel de
tentadora, achando que estava na hora de ficar por
cima na sua relação com Bradford. Se ele gostava
de tirá-la do sério o tempo todo, ela podia muito
bem lhe retribuir o favor.
Ela vestiu-se com todo o cuidado, ficando cada
vez mais nervosa à medida que transcorriam os
minutos. Jurou que seria uma noite perfei¬ta. Seu
plano era bem simples. Ia deixar Bradford para
morrer de tanto desejo, fazendo-o ir até o limite, e
depois obrigá-lo a dizer-lhe o que
verdadeiramente sentia por ela.
Charity encontrou Caroline de pé diante do
espelho e ficou bo-quiaberta ao dar uma boa
olhada na prima.
— O Bradford vai perder a fala quando te vir —
previu Charity. — Pareces até Vénus, a deusa do
amor — murmurou.
— E tu estás tão linda quanto eu — retribuiu
Caroline com um sorriso.
Charity girou, mostrando-lhe o vestido verde-
limão que usava.
— Sinto-me imensamente feliz, Caroline. O amor
é que causa isso, sabe? Faz a pessoa sentir-se
extremamente animada.
Caroline não concordava, mas ficou calada.
Puxou o corpete do vestido, tentando levantá-lo só
um tantinho, até Charity comentar que ela ia
rasgar a peça e precisar mudar de roupa.
Caroline deu um suspiro e acompanhou a prima
até o andar de baixo, aguardando no vestíbulo
para cumprimentar os primeiros convidados.
— Paul e eu decidimos nos casar na Inglaterra —
revelou Charity a Caroline,
— Mas claro que sim — respondeu Caroline. —
Onde mais se casariam'?
— Em Boston — respondeu Charity, franzindo o
cenho. — Mas não queremos esperar, e não
ficaria bem viajarmos juntos, se não fôsse-mos
casados.
Os olhos de Caroline arregalaram-se, revelando
sua confusão.
— Mas vão morar aqui, Charity. Aqui é o
país do Paul. Vai só visitar a família, não?
Charity estava ocupada assistindo ao trabalho de
Deighton, que andava de um lado para
outro diante da porta, de modo que não viu a
expressão no rosto de Caroline.
__O Paul quer recomeçar a vida. Não tem
títulos de nobreza, portanto não vai deixar nada de
importante aqui. Mas também não épobre, e tem
planos grandiosos. Papai vai ajudá-lo a criar
raízes — ter¬minou Charity.
— Sim, claro — comentou Caroline. — O que ele
pretende fazer — E tentou parecer interessada,
mas de repente sentiu uma tristeza fenomenal.
Não achava que estivesse pronta para perder a
companhia de Charity. Sua prima era o único
vínculo entre ela e sua família de
Boston.
— Ele já conversou muito com o Benjamm —
disse Charity. — Paul quer comprar umas terras e
se tornar criador de gado. Benjamin já concordou
em ajudá-lo.
— Criador de gado? Charity, isso não vai dar
certo — previu Caroline, irritada. — Nas
colónias, pelo menos, não. Dá um trabalho
danado, ponto final. Trabalhar em uma fazenda é
serviço de tempo integral, todos os dias da
semana.
— O Paul está disposto a trabalhar com afinco —
respondeu Cha¬rity. — Está vagarosamente
recuperando o uso da mão que ficou ferida, e sabe
que meus irmãos também vão dar uma mãozinha.
— Sei — disse Caroline, com um suspiro. Ainda
estava refletindo sobre o comentário de Charity de
que Benjamin ia ajudar. Ela não tinha o direito de
pensar que ele permaneceria na Inglaterra com
ela. Por que então sentia que estava sendo
abandonada?
 campainha tocou, indicando que estavam
chegando os primeiros convidados, e Caroline deu
um sorriso forçado. Deighton parou à porta, virou-
se e lançou a Charity e a Caroline uma última
olhada, a título de inspeção. Demonstrando
aprovação com uma vénia, fez cara de
indife¬rente, e virou-se para abrir a porta. A festa
estava para começar.
Bradford foi um dos últimos a chegar. Caroline
resmungou, recla¬mando daquele atraso, assim
que o cumprimentou, e depois refletiu que esse
não era um começo muito bom para sua noite
perfeita. E as reações dele ao seu vestido não
foram muito positivas também. Em vez de lhe
dizer que ela estava lindíssima, ele cochichou para
ela uma agressiva in¬sinuação de que ela devia
voltar para o quarto e terminar de se vestir.
— Mas já estou pronta — argumentou Caroline.
Eles estavam parados à entrada do vestíbulo.
Milford veio unir-se aos dois, e também se virou
para ouvir a resposta de Bradford.
— Ela está muitíssimo bem, a meu ver, Brad —
anunciou Milford em tom aprovador, sem tirar os
olhos de Caroline.
— Não tem corpete nesse vestido — declarou
Bradford. — Suba e vista algo menos ousado.
— Não vou subir nada — respondeu Caroline,
enfaticamente.
— Estás indecente — ralhou Bradford. Milford
começou a soltar risadinhas disfarçadas, e tanto
Caroline como Bradford viraram-se e lançaram
um olhar furioso a ele, até fazê-lo parar.
Aí Caroline virou-se para enfrentar Bradford.
— Estou tão decente quanto tu, com essas tuas
calças.
— O que há de errado com minhas calças? —
indagou Bradford revoltado. O comentário dela
tinha-o pego desprevenido.
— São apertadas demais. Até fico admirada de
ver que não o te machucas ao sentar-te —
respondeu Caroline. E vagarosamente olhou o da
cabeça aos pés, admirando-lhe o corpo
secretamente. Ele era um homem e tanto, sim,
senhor! E também parecia muito distinto, assim
de traje formal de noite, refletiu Caroline,
Milford começou a rir de novo.
— Posso acompanhar-te até a mesa do jantar? —
perguntou a Caroline, oferecendo-lhe o braço.
— Eicaria encantada — respondeu ela. E pôs a
mão no braço de Milford, lançando um olhar
enregelado a Bradford. — Quando te lembrares de
tua educação, podes vir reunir-te a nós.
Bradford ficou parado ali, perplexo diante daquela
conversa. Come é que ela havia conseguido
colocá-lo assim na defensiva tão rapidamente.
sem esforço nenhum? E será que não fazia a
menor ideia de como e? sedutora com aquele
vestido? Duvidava que houvesse um homem ali
que não se sentisse tão excitado quanto ele ao vê-
la.
Caroline fingiu que não via Bradford durante todo
o jantar. Sen-tou-se à direita de Paul Bleachley e
conversou com ele e Milford, que estava sentado à
sua frente. Bradford sentou-se à direita de
Caroline. Ela nem mesmo olhou na sua direção.
Bradford não gostava de ser desprezado. Mal
tocou no seu prato, embora os comentários sobre a
comida fossem bastante favoráveis. Notou com
certa satisfação que Caroline também não estava
comendo muito.
Combateu a vontade de tirar a casaca e cobrir os
ombros de Caro¬line com ela e prometeu a si
mesmo que iria acabar com a raça do Nigel
Crestwall se ele continuasse a comer Caroline
com os olhos.
No meio da sobremesa, Bradford concluiu que já
tinha suportado demais. No início tinha
pretendido ir com calma, dar a ela tempo para
aceitá-lo, aceitar o fato de que ela pertenceria a
ele. Agora admitia que não tinha mais paciência
para esperar. Era hora de ter uma conversmha
com Caroline, e quanto antes melhor.
Caroline tentou concentrar-se nos comentários de
Milford sobre a ópera à qual todos iriam depois do
jantar, mas sua atenção ficou toda hora voltando-
se para Loretta Kendal, a esposa de Franklin. A
mulher de cabelos castanho-avermelhados não
escondia de ninguém que estava tentando jogar
charme para Bradford, e Caroline sentiu que iria
come-ter alguma loucura se Loretta não parasse
de flertar com ele em breve. Pensou em jogar uns
barquilhos de framboesa no vestido da mulher.
Aquele decote dela era amplo o suficiente para
que um bom número de barquilhos coubessem
dentro dele.
O jantar finalmente terminou, e as senhoras
ficaram de pé para sair. Os homens ficariam
tomando um drinque juntos, mas Bradford
rompeu essa tradição. Não estava disposto a falar
com ninguém a não ser com Caroline. Seguiu-a
depois que ela passou pela porta, agarrou-a pelo
cotovelo, e solicitou-lhe uma conversa em
particular. Fez a solici-tação de maneira muito
formal, porque Lady Tillman e Loretta Kendall
estavam de olho nele.
Caroline concordou com um gesto seco, por
educação, e respondeu:
— Se for importante... — Só para as senhoras que
estavam pre¬sentes escutarem. Conduziu
Bradford até o escritório do pai no térreo,
Irada com a fornia como Loretta devorava
Bradford com os olhos.
— Deixa a porta aberta, por favor — pediu
Caroline, em voz altiva.
— Não é conveniente que outros escutem nossa
conversa — anunciou Bradford. Sua voz parecia
tensa. Ele bateu a porta, encostou-se nela e olhou
fixamente para Caroline. — Venha aqui.
Caroline franziu o cenho ao ouvir aquela ordem
áspera. Ele estava querendo mandar nela! Será
que aos seus olhos ela era o mesmo que uma
criada? Obviamente não! Caroline procurou
controlar-se, achando c^; tinha acabado de atingir
o limite de sua tolerância.
E antes esperava que a noite fosse perfeita.
Perfeitamente horrive era uma descrição muito
melhor, e a noite nem tinha terminado. Ela ain¬da
ia ter que aturar a ópera. Se ela se descontrolasse,
Bradford é que sena o culpado. Primeiro aquele
arrogante tinha chegado uma hora depa do horário
marcado, depois tinha criticado seu lindo vestido,
flertado escandalosamente com uma mulher
casada, e agora tinha a audácia de exigir que ela o
obedecesse.
Respondendo a essa ordem, Caroline encostou-se
contra a escriva¬ninha de seu pai, cruzou os
braços sobre o peito e disse:
— Não sinto vontade, obrigada.
Bradford inspirou profundamente. Sorriu, mas
isso não lhe abran¬dou o olhar nem um pouco.
— Caroline, meu amor. Lembra-te de que me
disseste que eu não percebia quando alguém
estava me insultando?
Caroline confirmou que se lembrava. A pergunta
pegou-a no contrapé, e a brandura na voz dele a
enganou.
— Lembro-me, sim — respondeu, com um
sorriso.
— Pois agora devo avisar-te de que tu não sabes
quando sentir medo.
Caroline parou de sorrir. Seus olhos arregalaram-
se, demonstran¬do um pavor genuíno quando
Bradford avançou para ela.
— Não estou com medo — mentiu.
— Ah, mas devia estar — declarou Bradford,
baixinho.
Ela não teve saída. Antes mesmo de poder decidir
em que direçic correria, Bradford já lhe havia
agarrado pela cintura e estava puxando-a para si.
Não tirou os olhos dela nem um instante. Quando
ela já estava colada contra o seu peito, o rosto
erguido para olhar o dele, falou:
— Tu exibiste teus encantos, permitiste que todos
os homens da casa vissem teu corpo por completo,
me ignoraste, e agora procuras furtar-te a
obedecer a uma ordem minha. Sim, meu amor,
creio que este é um daqueles momentos em que
devias sentir medo.
Estava furioso. O músculo na lateral de sua
mandíbula denunciava isso, com um tique
nervoso, um sinal certo de que ele estava sentindo
uma dificuldade extrema de controlar-se.
Caroline ficou espantada diante daquelas
declarações dele. Inacreditável como ele tentava
inverter a situação, quando ele é que tinha se
comportado muito mal.
— Não exibi meus encantos — começou
Caroline. — O vestido da Loretta é bem mais...
ousado do que o meu. E tu é que flertaste,
Bradford, não eu. Não ouses olhar para mim desse
jeito furioso, flertaste com uma mulher casada, ou
te esqueceste de que ela é casada? Não esperou a
resposta dele, e prosseguiu:
— Eu te ignorei, sim, mas só depois que insultaste
meu vestido. Provavelmente foi um
comportamento infantil da minha parte, mas eu
queria que a noite fosse perfeita, e me irritei com
teus comentários Arrasadores.
— Por quê? — A expressão de Bradford era
indefinível, e Caroline conseguiu entender como
ele estava reagindo a esse argumento dela. —
Por que estava esperando que a noite fosse
perfeita?
Caroline voltou o olhar intencionalmente para a
gravata dele.
— Esperava que... tu... ou seja, acreditava que...
— Caroline suspirou. Não conseguiu continuar.
Bradford deixou-se amenizar pelo nervosismo na
voz dela. Parou de apertá-la e começou a
acanciar-lhe as costas.
— Vamos ficar aqui a noite inteira, se necessário
— avisou Bradford — até me dizeres o
que está se passando pela tua cabeça.
Caroline sabia que ele estava falando sério. Ela
concordou, depois disse:
— Esperava que me dissesses alguma coisa... boa!
Pronto, disse a verdade, e te agradeço por não rir.
Queria que me dissesses alguma coisa diferente de
'eu te quero'. E pedir muito, isso, Bradford?
Bradford sacudiu a cabeça. Obrigou-a a olhar para
o rosto dele, levantando-lhe o queixo com uma
das mãos.
— Não estou me lembrando de nenhuma palavra
gentil agora. Acho que seria melhor te esganar. Tu
vens me levando no bico faz me-ses. Pior ainda
— acrescentou, com um olhar que fez Caroline
tremer de medo — eu permiti isso, — E aí fez
uma pausa, decidido a falar baixo. — O caos
terminou, Caroline, e o jogo também; minha
paciência esgotou-se.
— Tens sido paciente porque esperaste que eu
admitisse que te
quero? — Cochichou essa pergunta, um recuo
proposital, para acalmá-
lo. A expressão de Caroline demonstrava-lhe a
tensão. — Eu te quero
sim. Pronto, gostaste que eu admitisse isso? Antes
de te gabares disso,
Bradford, compreende que no meu coração isso
não é suficiente. Tam¬
bém acontece que te amo. Portanto, mentalmente,
é aceitável querer-te
porque te amo.
A irritação de Bradford esvaiu-se com essa
declaração da moça. Ele viu-se sorrindo, radiante,
sentindo uma satisfação que quase o fez perder os
sentidos. Estava contente. Inclmando-se, tentou
beijar Caroline, mas ela desviou-se, sacudindo a
cabeça bruscamente.
— Não faças essa cara de pretensioso, Bradford.
Não queria me apaixonar por ti. Não és um
homem apropriado para se amar. Por que não
escolhi alguém como o Paul Bleachley, jamais
saberei. Acho que a afeição por ti brotou
espontaneamente em mim — continuou Caroline,
— mas as verrugas também aparecem
espontaneamente, portanto essa não é uma
explicação satisfatória, é? — E suspirou de novo,
dessa vez resignada. — E agora, vais me beijar até
me fazer perder os sentidos, não vais?
Bradford sorriu e depôs um beijo casto no alto da
cabeça de Caro¬line. Inspirou sua doce fragrância
e sentiu-se embriagado por ela.
— Eu realmente desejaria que não fizesses isso,
Bradford.
— Achavas mesmo que poderias usar esse vestido
e não ser beijada?
— Achava. — Foi um mero sussurro contra a
boca de Bradford. E aí ele a beijou, e ela retribuiu
o beijo, a boca dele tão cálida, sua língua como
um calor sedoso penetrando-lhe entre os lábios e
acariciando a língua dela. Caroline passou os
braços em torno da cintura de Bradford,
exatamente como os braços dele circundavam a
dela, e permitiu que ele a enredasse na sua teia
mágica de paixão.
O beijo finalmente terminou e Bradford precisou
segurar Caroline para ela não cair. Ela descansou
a face contra a face dele, esperando que ele lhe
dissesse o que tinha no coração.
— E assim tão doloroso me amar? — indagou
Bradford. Ela só per¬cebeu na voz dele um certo
divertimento, e ficou irritada ao percebê-lo.
— Exatamente como uma dor de estômago —
disse-lhe Caroline. — Passei tanto tempo te
detestando, acostumada com esse sentimento, e de
repente, isso bateu em mim.
— A dor de estômago ou a constatação do teu
amor por mim? —disse Bradford, rindo da
comparação dela. — E ainda me acusas de não ser
romântico!
Uma batida discreta na porta interrompeu a
conversa. Caroline ficou frustrada, pois estava
certa de que Bradford estava para lhe con-fessar
que a amava.
— Brad? Aimsmond gostaria de trocar uma
palavra contigo — era a voz de Milford, e parecia
contrariada.
— Provavelmente deixaste meu tio zangado por
me arrastar até aqui — disse Caroline. — Vou
procurá-lo e trago-o para falar contigo —
acrescentou ela, ao dirigir-se para a porta. — E
não penses que nossa conversa terminou,
Bradford. — Com essas palavras de advertência,
Caroline fechou a porta e saiu.
Caroline esperava ver Milford esperando do outro
lado, mas ele tinha ido embora. Parou um
momento para ajeitar os cabelos e arrumar a saia,
depois se apressou a voltar para o salão. Nigel
Crestwall, oculto pelas sombras, agarrou-a quando
ela estava para contornar a esquina. Aquele
homem revoltante prendeu-a contra a parede antes
que ela pu-desse soltar uma única palavra de
protesto. Começou a depositar beijos molhados e
gosmentos no seu pescoço e a sussurrar sugestões
obsce¬nas nos seus ouvidos. Caroline ficou tão
indignada que não conseguiu empurrá-lo
imediatamente para longe de si.
Finalmente começou a reagir, exatamente quanto
Bradford dobrou a esquina e os viu.
Nigel nem percebeu o que o atingiu. De repente,
já estava voando pelo espaço e aterrissando contra
a porta dos fundos, produzindo um ruído abafado.
O vaso sobre a mesa ao lado do corpo de Nigel
balançou e caiu sobre sua cabeça.
Caroline olhou para Crestwall durante um minuto
inteiro, tre-mendo de nojo.
— Isso foi culpa sua — resmungou Bradford, e
Caroline ficou tão surpresa pela veemência dessa
afirmação que olhou espantada para ele.
Ficou verdadeiramente assustada então, pois
nunca tinha visto tanta raiva no rosto dele antes. A
prepotência estava de volta, tanto na sua postura
intimidadora quanto na sua expressão, e Caroline
sentiu medo dele.
Sacudiu a cabeça, tentando afastar o medo, e
procurou continuar olhando para ele.
— O homem me atacou, e a culpa é minha? —
indagou ela, baixinho.
Nigel estava tentando ficar de pé, olhando para
um lado e outro, e Caroline viu que ele estava
procurando por onde escapar. Bradford ficou de
olho nele enquanto dizia para Caroline:
— Se não te vestisses como uma rameira, não te
tratariam como se fosses uma.
Essa declaração ficou no ar entre eles. Caroline
deixou de sentir medo e ficou indignada.
— E essa a desculpa que dás a ti mesmo quando
me tocas? Que sou uma mulher da vida, e,
portanto, é aceitável?
Bradford não respondeu a essa acusação dela.
Nigel estava procu¬rando sair de fininho, os olhos
demonstrando pavor. Bradford estendeu um
braço, agarrou-o pelo colarinho, e empurrou-o
com violência contra a parede, deixando os pés do
homem pendurados sem apoio. — Se voltares a
encostar um só dedo nela, eu te mato. Estamos
entendidos?
Nigel não podia responder, pois Bradford,
pressionando-lhe o pes¬coço, evitava que ele
emitisse qualquer som, mas conseguiu concordar
com a cabeça. Bradford soltou-o e continuou de
olhos pregados nele até ele correr até a porta da
frente, abri-la e sumir na noite. Caroline
perguntou-se se Rachel teria notado o súbito
desaparecimento do noivo, e depois deixou aquele
assunto de lado.
Bradford então voltou sua fúria contra Caroline.
Colocou-se à sua frente, bloqueando-lhe o
caminho. Caroline endireitou os ombros e disse:
— Nada fiz para provocá-lo. E deves confiar em
mim nesse parti¬cular. Não viste o que aconteceu.
— Não menciones a palavra confiança para mim
outra vez! Senão eu te dou uma surra! Ê hora de
nos entendermos, Caroline.
— Ah aí estás, Bradford — e a voz do marquês
rompeu a tensão. Caroline foi a primeira a mover-
se. Virou-se, fez força para sorrir, e assistiu ao tio
Milo aproximando-se lentamente deles.
— Vou para casa agora — explicou o marquês.
Pegou a mão de Caroline e sorriu. — Vais vir me
visitar de novo amanhã? — pediu ele à sobrinha,
num tom de voz ansioso.
— Claro, como não — concordou Caroline com
um sinal afirmativo.
— Excelente! Bradford, espero vê-lo à minha
porta em breve, meu rapaz — declarou o marquês.
— Eu o visitarei em breve — respondeu
Bradford. Caroline notou que em seu tom havia
certa deferência, sem qualquer nuance de raiva.
Ela deduziu então que ele era mais sofisticado do
que ela quando se tratava de controlar emoções.
Ainda sentia vontade de gritar, e rezou para que
essa vontade não lhe transparecesse no rosto!
— Estão se preparando para sair agora —
informou o marquês. — A Loretta vai deixar-me
em casa no caminho para outro compro-misso. —
E virou-se, Caroline segurando-lhe o braço, para
ir até a porta. — Não sei para onde foi o Franklin
— continuou. — Assim
que o Brax anunciou com quem iria, Franklin
simplesmente se levantou e saiu sozinho.
Caroline sentiu que Bradford estava atrás dela.
— Vou com meu pai — anunciou ela.
— Não — comentou o tio. — Ele vai acompanhar
a Lady Tillman e a Rachelzinha. Não sei onde se
meteu o Nigel, mas imagino que vai aparecer mais
cedo ou mais tarde. Milford sugeriu que fosses
com ele e o sr. Bradford.
Caroline sentiu seus ombros caírem. Não queria ir
com Bradford a lugar nenhum. Precisava de um
tempo longe dele para examinar me-lhor seus
sentimentos. A única maneira de ela se hvrar de
sua raiva era encontrar um canto tranquilo onde
refletir. Não era possível pensar muito quando
Bradford estava por perto. Além do mais, ela
disse a si mesma, precisava estar em plena forma
quando encetasse sua esgrima com Bradford. E
agora se sentia decididamente... sem forças.
Caroline pensou em inventar uma enxaqueca.
Levou o dorso da mão à cabeça em um gesto
dramático, pensando ao mesmo tempo na covardia
com que estava agindo.
— Não estou me sentindo... — e não terminou a
frase. A porta tinha acabado de fechar-se atrás do
marquês, e alguém virou Caroline bruscamente
para si. Colocaram-lhe a capa sobre os ombros, de
um jeito um tanto brusco.
— Que foi? Está sentindo dor de estômago? —
perguntou Bradford com um tom preguiçoso,
enquanto ajeitava a gola da capa da moça.
Caroline procurou fingir que não tinha entendido
sua pergunta. Sabia que ele estava se referindo a
seus comentários anteriores de que o amava, e não
considerou aquilo nem um pouco engraçado.
Arriscou-se a olhar para cima, viu que a expressão
de Bradford ainda era séria, e percebeu que ele
não considerava aquilo engraçado também.
Milford chegou, permitiu que Deighton abrisse a
porta para ele, depois os seguiu até a rua.
Conversou sobre a ópera, comentando que a
soprano italiana era considerada espetacular, mas
Caroline não pres¬tou lá muita atenção. Subiu na
carruagem e acomodou-se no meio do banco
acolchoado revestido de couro. Milford seguiu-a e
sentou-se no banco em frente a ela. Bradford se
sentaria ao lado do amigo, pensou Caroline.
Mas Bradford não tinha a menor intenção de
sentar-se longe dela. E também entrou na
carruagem feito um touro em loja de louças.
Ca¬roline saiu de baixo dele bem a tempo,
agarrando a saia do vestido, para ele não pisar em
cima dela, encostando-se contra a parede lateral
da carruagem.
Caroline passou a viagem toda para o teatro
calada. Sabia que Mil¬ford devia ter sentido a
tensão no ar e não se importava nem um pouco
com o mal-estar dele. Não tinha sido ideia dele,
viajarem os três ]untos?
Bradford pareceu descontrair-se um pouco ao
conversar com o amigo. Ignorou Caroline
exatamente como ela fizera com ele. Mas sentou-
se tão perto dela que seu braço roçava
continuamente contra o corpo dela, e sua
musculosa perna estava colada à dela.
— Caroline, estás muito calada — comentou
finalmente Milford. — Não estás te sentindo
bem?
— Está com dor de estômago — anunciou
Bradford, em voz entrecortada. — Uma dor que
não vai passar. Assim que ela se conformar, vai se
sentir bem melhor.
Milford demonstrou sua perplexidade diante dos
comentários do amigo. Olhou de relance de um
para outro, várias vezes.
__Existem remédios específicos para uma dor de
estômago odiosa, insuportável e avassaladora —
respondeu Caroline. E seu tom de voz denotava
tensão.
Bradford não respondeu. Milford fez cara de
quem estava ouvindo Caroline falar em um
idioma estrangeiro, que ele não conhecia.
Caroline então sorriu para Milford. Bradford
estava conseguin-do de novo tirá-la do sério.
Também estava deixando-a decididamente
nervosa. Começou a rir, e só balançou a cabeça
quando Milford ergueu uma sobrancelha
interrogativamente.
A ópera foi magnífica, e Caroline divertiu-se de
verdade. Bradford ficou ao seu lado e apresentou-
a a várias pessoas. Brummell também veio e
piscou para Caroline bem na frente de um grupo
imenso.
Bradford e Caroline mal trocaram uma palavra.
Diante do teatro, enquanto todos aguardavam a
carruagem, uma multidão se acotovelava. Tinha
começado a chover, e várias senhoras soltavam
gritinhos, contra¬riadas. Caroline ficou entre
Milford e Bradford, sem nem sequer notar a
chuva, e esperou até a carruagem de Bradford
chegar.
Quando o veículo parou diante deles, Bradford
abriu a porta e ajudou Caroline a entrar. Parecia
preocupado e de repente voltou-se e andou até a
frente da carruagem. Quando voltou e reuniu-se a
Milford e a Caroline, estava de cara fechada.
— Correm boatos de que teu pai vai casar-se com
Lady Tillman — Milford comentava com
Caroline quando a carruagem partiu.
Caroline estava olhando pela janela, pensando que
estavam certa¬mente voltando, pois a carruagem
devia ter dobrado à esquerda, descen¬do a rua
príncipal, e não ir na direção em que iam agora.
Franziu o cenho quando pediu a Milford para
repetir o seu co-mentário e, lançou um rápido
olhar a Bradford. Ele estava olhando para algum
ponto ao longe, obviamente perdido em
pensamentos.
— Meu pai parece que está interessado na Lady
Tillman, sim — respondeu Caroline. Voltou a
olhar pela janela, procurando evitar o assunto, e
de imediato notou a abrupta mudança de
localidade.
— Baixa a cortina! — Essa ordem súbita, dada
por Bradford, abalou Caroline. Ele parecia
furioso. — Droga, minha intuição falhou — disse
a Milford.
Caroline não entendeu o que ele estava dizendo a
Milford. Os dois homens entreolharam-se e depois
sacaram suas pistolas.
A carruagem tinha acelerado, e Caroline
preparou-se para o pior. Bradford passou-lhe o
braço ao redor dos ombros e puxou-a para perto
de si, dando-lhe o apoio de que ela precisava.
— Mas para onde está indo o Harry? — indagou o
Milford, referindo-se ao cocheiro da carruagem.
— Não é o Harry — respondeu Bradford. — Sua
voz agora estava mais calma, e Caroline pensou
que ele estava tentando se controlar por causa
dela, de forma que ela não se alarmasse.
Uma série de emoções entrechocavam-se dentro
de Bradford. Ele estava furioso consigo mesmo
por não prestar mais atenção, por aceitar a
explicação do cocheiro de que Harry tinha ficado
doente e tinha-o mandado substituí-lo, mas acima
de tudo, preocupava-se por Caroline, por medo
que ela se ferisse. Caroline tinha se envolvido
naquilo contra a sua vontade. Alguém estava
querendo matá-lo, provavelmente por seu
envolvimento com o esforço de guerra, mas quem
quer que fosse tinha cometido um erro. Tinha
envolvido Caroline, e morreria por isso.
Milford ergueu a pontinha da cortina, exatamente
quando o co-cheiro pulou da boleia.
— O cocheiro pulou — disse ele, com
naturalidade. Bradford apertou Caroline com mais
força exatamente quando uma das rodas soltou-se
do veículo.
O barulho foi ensurdecedor! A cortina caiu, e
Caroline viu as fa-gulhas que o metal soltou ao
entrar em atrito com as pedras da rua. Milford
apoiou os pés no banco em frente a si, e Bradford
fez o mesmo. Comprimiu os ombros largos contra
um dos cantos da carruagem, e puxou Caroline
bruscamente para o seu colo, a cabeça protegida
contra o seu peito.
A carruagem caiu de lado, com tamanha violência
que Caroline perdeu o fôlego. Ouviu os cavalos
correndo, sabia que os arreios deviam ter se
rompido, libertando-os, e ficou aliviada por não
ter sido arrastada para baixo pelo peso da
carruagem.
Bradford foi quem recebeu a maior parte do
impacto. Acabou em baixo daquele amontoado de
gente, com Caroline sobre si e Milford caído em
cima dos dois.
Caroline abriu os olhos devagar e viu a pistola de
Milford a apenas uns dois centímetros do seu
nariz. Empurrou-a com toda a delicadeza com a
mão até a pistola apontar para outro lado,
enquanto continuava a tentar recuperar o fôlego.
Soltou um gemido, mais pelo peso de Milford do
que pela posição bizarra na qual estavam suas
pernas, e Milford imediatamente rolou para baixo,
saindo de cima dela. Caroline começou a sentar-
se, e perce¬beu que suas pernas estavam uma de
cada lado dos quadris de Bradford. Na mesma
hora procurou rapidamente comprimir-se de
encontro a ele. Procurou erguer uma das pernas,
perdeu o equilíbrio, e o seu joelho enfiou-se entre
os joelhos dele.
Bradford soltou um gemido e agarrou Caroline
pelos quadris.
— Pelo jeito não estás ferida — comentou ele
com uma careta que alarmou Caroline. Ela
estendeu a mão e afagou um lado da cabeça dele.
— Estás bem? — perguntou. O medo
transpareceu em sua voz, e Bradford percebeu que
ela tinha ficado mais assustada pelas lesões que
ele poderia ter sofrido do que pelo que tinha
acabado de acontecer.
Ele precisou afastar os cabelos dela do seu rosto
para vê-lo.
— Se não tirares logo teu joelho daí, serei para
sempre um eunuco — disse-lhe baixinho.
Milford ouviu o comentário e riu baixinho.
Caroline corou e de-pois voltou a gemer, quando a
bota de Milford a acertou.
Milford pediu desculpas enquanto segurava a
porta e depois saiu. Bradford protegeu a cabeça de
Caroline das botas de Milford enquanto o amigo
tomava impulso e passava pela porta. Depois
puxou Caroline pela abertura.
A carruagem estava caída de lado, e Caroline
contornou-a para avaliar seu estado, enquanto
Bradford saía de dentro dela.
Bastou um olhar para Bradford ver que tinham
vindo parar bem no meio do bairro mais pobre de
Londres. Uma multidão já havia se formado, mas
eles todos estavam olhando embasbacados para
Caroline, em vez de olharem para a carruagem.
Bradford resmungou alguma coisa bem baixo para
Milford e depois contornou o veículo, puxando
Caroline para perto de si.
Caroline notou então que tanto Milford quanto
Bradford ainda estavam de arma em punho.
Percebeu que o perigo ainda não tinha passado de
todo.
Bradford viu a placa que indicava uma notória
taverna no meio da rua e disse a Milford:
— Leva Caroline para dentro enquanto encontro
alguém que quei¬ra ir buscar socorro.
Milford concordou e Caroline viu-se subitamente
arrastada para perto dele e levada pela mão. Olhou
de relance para Bradford lá atrás e estava para
avisá-lo para tomar cuidado, só que mudou de
ideia. Ela não queria que as pessoas pobres que os
olhavam pensassem que ela podia estar
preocupada com a segurança deles naquele lugar.
Só isso já podia lhes dar alguma ideia indesejável.
— 'O Diabrete' — anunciou Caroline ao ler a
placa pendurada meio torta sobre a porta da
taverna. — Nome mais estranho. Vamos entrar e
cometer diabruras aí dentro, é? — perguntou a
Milford. Sua voz estava trémula e as pernas
tinham começado a tremer, e ela sabia
que estava finalmente reagindo ao acidente.
Milford revelou-se uma influência
tranquilizadora. Sorriu, apertou-lhe o ombro para
acalmá-la, e depois abriu a porta para eles
entrarem.
— Senhora Caroline — disse Milford, em voz
muito formal, — estou para apresentar-lhe a arte
de frequentar os bairros pobres. Estás ansiosa para
tomar a primeira lição? — indagou, dando aquele
sorriso de velhaco do qual Caroline tinha passado
a gostar.
— Imensamente — respondeu Caroline,
retribuindo o sorriso. Ela entrou na sala repleta de
fumaça e logo de cara sentiu-se totalmente
deslocada. Seu vestido elegante e capa de peles
eram um contraste ex-tremo com as roupas
marrons e cinzentas de camponês que os fregueses
da taverna usavam.
O salão estava apenas pela metade, e Caroline
estimou que não havia mais de cinquenta
fregueses olhando embasbacados para ela.
Mil¬ford cutucou-a, instigando-a a prosseguir, até
que eles chegaram no final do balcão do bar. Ela
percebeu então qual era a intenção dele. Ele a fez
sentar-se a um canto, para suas costas ficarem
protegidas, e depois assumiu seu lugar, de pé
diante dela.
O dono daquele estabelecimento desprezível
finalmente deixou de olhar para os dois
maliciosamente e perguntou-lhes o que iam pedir.
Milford disse ao homem que por enquanto dois
conhaques seriam mais do que suficientes. E
como estava muito bem-humorado, gostaria de
pagar uma rodada para todos.
O silêncio antes da declaração de Milford de que
pagaria uma rodada de bebidas foi desalentador.
Um grito de aceitação se fez ouvir e depois se
ouviram pedidos de cerveja e uísque ecoando ao
redor de Caroline.
— Boa jogada, Milford — elogiou Caroline. —
Transformaste possíveis inimigos em amigos em
apenas alguns minutos. Mereces os meus
parabéns. — Caroline viu-se obrigada a dirigir seu
cumprimento ao ombro de Milford, pois ele se
recusou a virar-se e olhar para ela.
Tinha colocado a pistola no coldre outra vez, mas
sua posição sugeria que ele ainda estava
preparado para qualquer eventualidade.
— Estou quase sentindo saudade — admitiu
Milford, deixando perceber que estava achando
graça. — Faz anos desde que me meti na minha
última briga de bar, meu Deus.
Caroline sorriu, mas o sorriso sumiu quando a
porta da taverna abriu-se com estrondo e um
grupo heterogéneo de homens mal-enca-rados
entrou.
— Pode ser que ainda possas realizar teu desejo
— cochichou Caroline, enquanto observava os
homens que a olhavam cobiçosos.
Fez-se silêncio, e um dos homens, um homem
alto, com uma pança imensa, que parecia não ter
tomado banho nos últimos dez anos,
vaga¬rosamente começou a avançar na direção
deles.
— Deixa eu dar uma olhada nessa pombinha que
está escondendo aí — exigiu ele. E estendeu a
mão para empurrar Milford para um lado assim
que terminou sua ordem, mas Milford ficou firme
onde estava.
— Fique quietinha aí — recomendou Milford a
Caroline com um suspiro de resignação. E em
seguida, deu início à pancadaria. O punho de
Milford atingiu a mandíbula do homem imundo, e
ele foi rodopiando para trás. Os amigos dele
imediatamente entraram na briga.
Caroline assistiu, horrorizada, enquanto desviava-
se de copos e corpos. Era uma briga totalmente
desigual, e ela ficou preocupada por Milford,
achando que ia sair muito ferido.
O dono da taverna então decidiu aproveitar o
momento e estendeu a mão, puxando Caroline
pelos cabelos, procurando arrastá-la para si, em
torno da esquina do balcão do bar. Ela soltou um
grito e imediata¬mente se arrependeu, pois sua
voz interrompeu Milford. Ele se virou para olhá-
la, ficando imediatamente vulnerável.
— Preste atenção! — gritou Caroline ao pegar
uma garrafa cheia de uísque no balcão do bar e
dar uma pancada com ela no dono da taverna. A
criatura odiosa caiu no chão com grande
estardalhaço, e Caroline correu a pegar mais
garrafas atrás do balcão. Percebeu que Milford
precisava de ajuda, e começou a jogar garrafas
nos homens que tentavam derrubá-lo.
Sua mira não era tão boa assim, e um homem foi
até o bar, quase conseguindo pular o balcão antes
que ela pudesse deixá-lo desacordado para deter
seu avanço. Ele caiu com um gemido alto,
pendurado sobre o balcão.
Vários outros fregueses tinham entrado na briga, e
agora Caroline não sabia mais exatamente quem
estava do lado de quem. Como todas as garrafas
da prateleira atrás dela tinham desaparecido,
Caroline pre¬cisou procurar mais munição e
armas embaixo do balcão. Empurrou a caixa de
dinheiro para um lado, para tirá-la do caminho, e
encontrou novo arsenal. O dono devia ter
precisado enfrentar muitas brigas antes, porque
Caroline encontrou ali várias facas compridas e
curvas, duas pistolas carregadas e um porrete
pesado demais para ela levantar, muito menos
usar.
Caroline escolheu as pistolas. Pôs uma sobre o
balcão do bar e segurou a outra. As chances agora
estavam do lado de Milford, concluiu ela, embora
achasse que ele, ocupado em tentar derrubar três
homens de uma vez só, não devia estar
percebendo isso.
Um brilho de aço chamou a atenção de Caroline.
Um homem de pé no canto oposto ergueu o braço
e estava para lançar uma faca nas costas de
Milford. Caroline disparou imediatamente. A faca
caiu e o homem gritou, indignado.
A briga parou, e todos, inclusive Milford,
viraram-se para olhar para o homem, que estava
apertando a mão ferida com a mão sã.
E depois todos se viraram para olhar para
Caroline, e ela sentiu que devia dar algum tipo de
explicação.
— Nada de facas na briga — anunciou ela em tom
afetado e auto¬ritário. Sua intenção era clara. Ela
pegou a segunda pistola e olhou para Milford. —
E então? — perguntou, quando viu que ele estava
parado, olhando-a boquiaberto. — Vai continuar,
ou devemos sair?
Milford soltou um urro, agarrou dois homens pelo
pescoço e bateu as cabeças deles uma contra a
outra. Ambos caíram exatamente na hora ern que
um terceiro atacou. E o tempo todo Caroline
aguardou pacien¬temente a briga terminar.
Terminou antes do que ela imaginava. A porta da
taverna bateu contra a parede, soltando-se das
dobradiças. O som podia não ter sido suficiente
para distrair os homens e interromper a briga, mas
o urro emitido pelo homem que surgiu à entrada
certamente foi.
Bradford parecia mesmo pronto a matar alguém.
Caroline sentiu alívio por ele estar ao lado dela.
— Você demorou demais! — berrou Milford,
entre um soco e outro.
Bradford encontrou Caroline. Ela lançou-lhe um
sorriso, mostran¬do-lhe logo que estava bem, e a
expressão dele imediatamente passou de fúria
para interesse casual. Caroline viu-o tirando a
casaca, dobrando-a cuidadosamente, e colocando-
a sobre o encosto de uma cadeira de ma¬deira.
Ele estava demorando de propósito! Milford
voltou a chamá-lo, e Bradford finalmente entrou
na briga.
E encerrou-a bem depressa, por sinal. Caroline,
muito embora sou¬besse que ele era forte, agora
estava admirada diante de tanto vigor. Ele nem
mesmo demonstrou estar fazendo esforço, mesmo
quando levantou um homem que pesava o dobro
do peso dele e jogou-o porta afora. De¬pois dele,
jogou outro, depois mais outro, até a calçada ficar
juncada de gente caída gemendo. Bradford
agarrou o último que estava em cima do Milford, t
chutou-o porta afora sem perda de tempo.
Ainda parecia impecável, embora seus cabelos
estivessem meio re¬voltos. Milford, por outro
lado, estava lamentável. Sua casaca estava
rasgada, as calças imundas. Caroline viu-o
flexionar as mãos e ajeitar a gravata.
— Bebidas por conta da casa — anunciou
Caroline, fazendo ambos virarem-se para ela. —
Isto é, se eu puder encontrar alguma garrafa.
— Pois eu creio, minha cara, que todas foram
quebradas — co¬mentou Milford.
— Tu estavas encarregado de defendê-la —
resmungou Bradford, exasperado. — Caroline, sai
de trás desse balcão. O carro de aluguel está à
nossa espera.
Caroline concordou e vagarosamente foi passando
por cima dos corpos que estavam caídos no
caminho. Bradford foi até lá ver o que estava
impedindo Caroline de sair e sacudiu a cabeça.
— Não vou perguntar nada — comentou com
Milford, que tinha vindo até o seu lado.
— Ê melhor mesmo — respondeu Caroline. —
No seu modo de ver, eu devia estar desmaiada ou
desfeita em lágrimas agora, não? Mil¬ford?
Visitar o bairro pobre é mesmo muito divertido —
prosseguiu. — E briga de bar é uma coisa
sensacional. Por que parou?
Milford riu e Bradford franziu o cenho. Pegou a
mão de Caroline e puxou-a para fora da taverna.
O veículo de aluguel era apertado, e Caroline foi
obrigada a sentar-se no colo de Bradford. Ele
estava de cara amarrada, e Caroline achou que ele
nem mesmo estava prestando atenção à conversa.
Sabia que não estava zangado com ela, pois lhe
acariciava uma face distraidamente enquanto
espiava pela janela.
Quando a carruagem parou diante da casa de
Caroline ela sorriu para Milford e disse:
— Mas que noite fantástica, cavalheiro! Primeiro
uma ópera, de¬pois uma briga de bar! E nunca
tinha visto nenhuma das duas antes!
Bradford saiu do carro de aluguel corn dificuldade
e ficou para¬do esperando para ajudar Caroline.
Milford deteve-a um pouco mais, segurando-lhe a
mão e beijando-lhe a palma.
— Até nossa próxima aventura, Lady Caroline. —
Seus olhos cin¬tilavam travessos, e Caroline riu
agradecida.
— Não vai haver mais aventura nenhuma —
declarou Bradford em um tom que soou bastante
decidido.
Caroline permitiu que ele a ajudasse a descer do
veículo, e mansa¬mente seguiu-o até a porta.
— Bradford, estás mesmo zangado comigo? —
perguntou baixinho.
— Não permitirei que corras nenhum risco —
Bradford respondeu. Pegou os seus ombros e
puxou-a para perto de si para abraçá-la. — Não
quero que aconteça nada a ti. — E inclinando-se,
beijou-a no rosto.
Deighton abriu a porta, e Caroline, relutante,
entrou na casa. Ficou decepcionada por Bradford
não segui-la.
A conversa deles teria que esperar até o dia
seguinte, pensou ela. Aí ele admitiria que a
amava. E tudo seria maravilhoso.
CAPITULO 9
F
oi um lindo casamento. Pelo menos foi o que
todos ficaram dizendo a Caroline, enquanto ela
estava recebendo os cumprimentos, ao lado do
homem com o qual tinha acabado de trocar votos,
jurado amar e respeitar até que a morte os
separasse.
Caroline ficou aliviada por aquele sacrifício
finalmente chegar ao fim. Tinha parado de lutar
contra o inevitável no dia anterior, quando ela,
Charity e o pai viajaram até Bradford Hills.
Decidiu-se que o ca-samento ia ser ali, para
respeitar a tradição. O pai. o avô e o bisavô de
Bradford tinham todos se casado naquela mansão.
Bradford tinha cuidado de todos os preparativos,
ao passo que Charity e o conde trataram dos
proclamas e dos convites. Agora, en-quanto
olhava discretamente o lindo salão de baile em
torno de si, Caroline espantava-se por tudo ter se
passado sem incidentes. Todos pareciam
imensamente felizes. Todos menos Caroline. Ela
ainda estava tendo dificuldade para aceitar.
Bradford tinha aplacado o pai dela na noite em
que ele os sur-preendera, e na manhã seguinte o
conde tinha anunciado que estava felicíssimo com
o enlace. Caroline tentou fazê-lo ver que não ia
dar certo, mas o pai recusou-se terminantemente a
ouvir a voz da razão. Ela lembrou-se de que ele
havia lhe perguntado se ela amava Bradford, e ela
caiu na besteira de admitir que sim. Desse
momento em diante, ele passou a fazer ouvidos de
mercador a todos os seus argumentos.
Ela ficou sem ter ninguém a quem pedir auxílio. E
Charity fazia de tudo para lhe desviar a atenção.
Caroline não podia sair de casa, portanto, não
podia escapar das atenções dela.
Madame Newcott e três costureirinhas
nervosíssimas trabalha-ram dia e noite no seu
vestido de casamento, ali mesmo na sua casa, e
Bradford contratou dois guarda-costas para
proteger sua noiva. O pai de Caroline não fez
comentário algum sobre isso, e ela se perguntou o
que ele estaria pensando. Além do mais, não
estava convencida de jeito nenhum de que os
brutamontes estavam ali só para garantir sua
proteção. Achava que Bradford seria capaz de
tudo, até de instruí-los a evitar que ela fugisse.
Essa ideia lhe passou pela cabeça, e ela pensou
em voltar a Boston mais de uma vez. A vida
certamente seria bem menos complicada por lá.
Caroline só foi conhecer a mãe de Bradford
quando já estava hos¬pedada na mansão
magnífica chamada Bradford Hills. Estava no
quarto destinado a ela, trocando de roupa para o
jantar, quando entrou uma senhora muito distinta.
Era mais alta do que Caroline, muitíssimo bem
vestida, e caminhava como se fosse uma rainha.
Caroline tirou depressa um roupão do armário,
vestiu-o e depois tentou fazer uma reverência
decente enquanto a duquesa a examinava.
— Estás esperando um filho dele? — perguntou a
duquesa, com um tom tão agressivo que Caroline
ficou abalada.
— Não. — E não deu maiores explicações. Se a
mãe de Bradford era mal-educada a ponto de
perguntar isso, ela a trataria exatamente da mesma
forma.
As duas ficaram entreolhando-se durante um
minuto interminável. Caroline notou que os olhos
da mulher eram da mesma cor que os de Bradford.
Havia rugas profundas nos cantos deles, o que
deixou evidente para Caroline que ela sorria
frequentemente.
— Não o deixes intimidar-te — recomendou a
duquesa. Sentou-se em uma das cadeiras
estofadas, e fez sinal para Caroline sentar-se na
outra.
— Eu nunca me deixei intimidar na minha vida
— comentou Caroline enquanto se sentava diante
daquela que logo seria sua sogra. — Nem
mesmo saberia como fazer isso.
— Ele sempre foi impaciente. Quando cisma com
alguma coisa,
quer que aconteça imediatamente.
Caroline concordou. Aquela agressividade na voz
da mulher não lhe parecia mais ofensiva, e ela
percebeu que estava sorrindo.
— Ele não só é impaciente, como também
dominador e arrogante. Creio que devias saber
que não nascemos um para o outro.
A duquesa sorriu, aparentemente sem se sentir
intimidada pela franqueza de Caroline.
— No fundo, não queres casar-te com ele, queres?
— perguntou.
— Ele não me ama — admitiu Caroline, com toda
a naturalidade.— E não confia em mim. Início
nada promissor, não concorda? Quem sabe, se
falares com ele, ele reconsidera essa decisão...
— Bobagem, minha filha. Ele obviamente te quer
como sua mu-lher, senão não se casaria contigo.
Meu filho jamais faz nada que não queira fazer.
Tu é que tens de ensiná-lo a te amar, coisa que,
contudo, não é exatamente necessária.
— Não é necessário o amor? — indagou Caroline,
deixando trans¬parecer sua confusão.
— O mais importante é um ser a pessoa certa para
o outro — respondeu a duquesa.
Ela levantou-se e foi até a porta.
— Creio que meu filho escolheu bem. — E depois
desse veredicto, ela saiu da sala.
— Caroline! Estás divagando no dia do teu
casamento? — Charity puxava o braço dela para
lhe chamar a atenção. — Pensa só nisso, agora és
duquesa.
Caroline não tinha percebido que Bradford tinha
se virado para ouvir aquele comentário
entusiasmado de Charity. Ela sacudiu a cabeça e
replicou:
— Não, antes de qualquer coisa sou a esposa de
Bradford. Isso para mim, por enquanto, já é
bastante complicado.
Bradford sorriu, contente com o comentário dela.
Milford apareceu, fazendo uma reverência diante
de Caroline, e pegou a mão dela. O anel de safira
que Bradford lhe pusera no dedo cintilou à luz das
velas, cha¬mando a atenção de Bradford, e ele
sentiu uma onda de satisfação tomar conta de todo
o seu ser. O anel era prova de que ela pertencia a
ele.
Quando Milford terminou de dar-lhes os parabéns,
disse:
— Vais perdoar-me por quebrar minha promessa?
Caroline sacudiu a cabeça.
— Não. Foi uma patifaria da tua parte, e por causa
dela, vê só onde vim parar.
Milford não demonstrou nenhum sinal de
remorso.
— Conta-me, o que achaste tão engraçado quando
estavas recitan¬do teus votos matrimoniais? —
indagou.
— Se te referes ao fato de que minha esposa riu
enquanto os pronunciava, posso lhe garantir que
foi de felicidade suprema. — O comentário de
Bradford obrigou Caroline a dar um sorriso
relutante.
— É que sou muito bem-humorada — disse
Caroline a Milford. Virou-se para o marido e
acrescentou: — A menos, é claro, que seja
empurrada contra a parede, e não possa fazer nada
para me livrar da situação. Aí pode ser que eu me
transforme num bicho.
Bradford não reagiu ao seu comentário.
Meramente pegou sua mão e levou-a até o centro
do salão. Era hora de começar o baile.
O resto da noite, para Caroline, foi insuportável.
Ela desejava pas¬sar nem que fossem apenas
alguns minutos a sós, só o suficiente para ter um
único pensamento coerente, recuperar o fôlego,
mas Bradford não saía do lado dela. E depois,
chegou a hora de subir as escadas para o quarto.
Charity ajudou-a. Tinha resolvido ficar calada, t
Caroline ficou aliviada por isso. Só depois do
banho, e depois de estar vestida com uma
camisola transparente, foi que Charity fez a
pergunta que a estava deixando preocupada.
— Entendes o que vai acontecer, Caroline?
Mamãe te explicou o que um marido e uma
esposa fazem quando estão a sós?
Caroline sacudiu a cabeça.
—Mamãe teria desfalecido depois da primeira
frase — disse.
Charity ficou desanimada
__ Ah, então preciso esperar até a próxima vez
em que nos encon¬trarmos para descobrir
exatamente...
— Charity! Não me «deixa mais nervosa ainda!
Por que é que temos
que passar a noite aqui. hein: __ reclamou. Pensou
no que ia acontecer,
e aí imaginou como ia encarar todos na manhã
seguinte. — Todos eles
vão saber — murmurou.
— Não fica nervosa — recomendou Charity. —
Se rires enquan-to. .. bom, tu sabes, então acho
que Bradford se zangará.
Antes que Caroline pudesse fazer um comentário
qualquer, Cha-rity abraçou-a e retirou-se.
— Rezarei por ti — sussurrou antes de fechar a
porta.
Caroline ficou parada no meio do quarto,
esperando. Pensou em deitar-se, mas decidiu que
se esconder sob as cobertas não seria nada bom.
Bradford podia achar isso engraçado e ela
morreria se ele risse dela.
A porta de comunicação com o quarto de
Bradford abriu-se e ele de repente apareceu.
Bradford encostou-se no umbral e ficou
admirando a esposa. Es¬tava tão
deslumbrantemente bela que ele sentiu a
respiração presa na garganta. A camisola sedutora
que Caroline usava mostrava pratica-mente tudo,
e Bradford passou muito tempo lhe admirando as
longas e torneadas pernas, os quadris esguios e os
seios grandes.
Caroline retribuiu o olhar do marido. Ele tinha
tirado a casaca, o plastrão e os cabelos estavam
caídos para a frente, o que lhe abrandava as
feições. Sua expressão era cautelosa, e Caroline
considerou-o ao mesmo tempo irresistivelmente
belo e assustador. Não estava mais nervosa, só
apavorada. Desejava não ter cortado os cabelos,
achando que, compri¬dos, eles poderiam ter
coberto em parte os seus seios. Seria infantil de
sua parte agarrar o acolchoado que cobria a cama
e enrolar-se nele?
Tremia, e não sabia ao certo se era por causa do
quarto frio ou do escrutínio indisfarçado que
estava sofrendo da parte do marido.
—Charity vai rezar por mim — disse. Sua voz
saiu bastante fraca, mas ela sabia que ele tinha
ouvido, porque uma de suas sobrancelhas ergueu-
se ligeiramente. E aí ele sorriu, e Caroline deixou
de sentir-se apavorada.
A
preocupação de Caroline com o constrangimento
que sentiria quando encarasse seus convidados
não se realizou. No final do fim de semana,
quando ela e o marido finalmente saíram do
quarto, todos os convidados já haviam partido.
— Uma falta de educação terrível essa nossa —
disse Caroline ao marido durante o jantar, naquela
noite. O sorriso malicioso dela revelou ao rapaz
que ela não tinha se importado muito com sua
gafe, e ele não pôde evitar o riso.
Bradford tinha planejado uma viagem de lua-de-
mel como manda o figurino, mas ele e sua esposa
jamais passaram pela porta da frente, naqueles
dias e noites cheios de urna felicidade perfeita.
Caroline adaptou-se rapidamente a sua nova vida,
e assumiu as responsabilidades de administrar
aquela imensa mansão com relativa facilidade.
Henderson, o mordomo de Bradford, e a sra.
Lindenbowe, a governanta, ensinaram-lhe tudo.
Caroline veio a descobrir que Bradford não era
tão fácil assim de controlar. Aliás, conforme disse
a si mesma em várias ocasiões, também não era
um homem fácil de se amar. Seu mau génio
comparava-se ao do monte Vesúvio quando ele se
zangava., mas suas explosões logo pas¬savam.
Caroline sempre o enfrentava, replicando palavra
por palavra, e devagar passou a aceitar o fato de
que o relacionamento deles seria sempre
imprevisível.
Esperava com frustração cada vez maior que o
marido lhe dissesse que a amava. Achava que,
com o tempo, os muros que Bradford tinha erigido
em torno de seu coração iriam dissolver-se e ele
lhe permitiria ver sua vulnerabilidade.
Ele, sem dúvida, era o homem mais teimoso do
mundo. Ela apren¬deu, durante as semanas
seguintes, que havia certos assuntos que ele não
queria discutir de jeito nenhum. E sua família era
o primeiro tópico da lista.
Caroline nunca tinha sido muito paciente na vida,
mas conseguia se controlar bem, achando que no
fim a recompensa valeria o esforço. Bradford
terminaria por confiar nela do fundo do coração.
Caroline sentiu pena quando eles precisaram
voltar a Londres. Foi para o casamento de
Charity, que certamente seria festivo, mas ela
detestou encerrar a lua-de-mel. Disse exatamente
isso a Bradford, e ele riu, apertando-a contra si
dentro da carruagem na viagem de volta à cidade.
— Também se pode fazer amor em Londres,
querida. Meu Deus, acho que fiz de ti uma mulher
extremamente lasciva.
— E te arrependes disso? — perguntou Caroline,
com um sorriso.
A resposta de Bradford foi levantá-la e colocá-la
em seu colo, e lhe mostrar que não se arrependia
nem um pouco.
Caroline nunca tinha visto o sobrado de Bradford
na cidade e considerou-o bastante confortável. Era
espaçoso e masculino, atravan¬cado de mobília
pesada, antiga e forrada de couro, indicando que
aquele espaço pertencia a um homem.
A cama imensa de baldaquino no quarto de
Bradford tinha cor¬tinas espessas que ficavam
atadas nas colunas durante o dia. Caroline testou o
colchão enquanto Bradford preparava-se para o
jantar. Ele a observou de soslaio enquanto ela
desamarrava ambas as cortinas. Esta¬va oculta
por elas quando suas gargalhadas indicaram a
Bradford que estava se divertindo.
— Essa cama deve ser bem quente — gritou ela
para ele. — Bem
confortável e morninha.
Bradford foi até a cama e afastou a cortina. Seu
peito nu cintilava depois do banho. Caroline
sorriu para ele, deitada sobre a colcha.
Entre¬laçou as mãos atrás da cabeça, imitando o
jeito do marido, e lançou-lhe uma piscadela
vagarosa e sedutora.
— Alguma vez já sentiste frio na minha cama? —
perguntou Bradford, fazendo-se de zangado, mas
com um riso na voz que con-trastava com a cara
de mau.
Caroline estava apenas de roupão e com uma coxa
à mostra para o marido ver. O olhar de Bradford
percorreu todo o caminho entre a cabeça dela e
seus artelhos, e quando ele voltou a olhá-la nos
olhos, não estava mais achando graça.
— Tu me provocas, Caroline — disse Bradford.
Sua voz estava roufenha agora.
— Temos tempo? — perguntou Caroline,
sussurrando ofegante, uma reação ao olhar
cobiçoso de Bradford. Desamarrou a faixa que
atava seu roupão com um sorriso sedutor que
apenas intensificou o desejo de Bradford, tirou a
peça de roupa que a restringia, e estendeu os
braços ao marido.
Bradford não recusou o convite. Tirou os calções
que tinha acaba¬do de vestir e deitou-se ao lado
da esposa. Caroline aguardou até ele a erguer nos
braços e depois de um longo minuto percebeu que
ele estava esperando que ela virasse para ele. Ela
riu, uma risada alegre, sem inibi¬ções, que fez
Bradford sorrir, e subiu em cima do marido.
E aí começou a exercer sua magia sobre o corpo
dele, transfor-mando-o de duque de Bradford
controlado e disciplinado no guerreiro indomável
que se ocultava imediatamente sob sua pele.
Bradford permitiu que a deliciosa agonia que
estava sentindo con¬tinuasse até estar pronto a
explodir. Sua voz ficou rouca nessa hora, e ele
pediu que ela parasse de atormentá-lo e
terminasse logo com aquilo.
Caroline fingiu que não tinha escutado e
continuou a levá-lo até o ponto de êxtase
completo.
Bradford soltou um grito de batalha e Caroline de
repente se viu deitada de costas.
— Não vou ter piedade — grunhiu ele, com o
rosto encostado no da esposa, E embriagou-a de
prazer até ela suplicar que ele terminasse logo. Ele
fez uma careta de satisfação e de dor devido à
tensão acumu¬lada nas suas entranhas, puxou-a
para cima de si de novo e penetrou-a
com força, pondo fim a todas as carícias
preliminares.
Caroline jogou a cabeça para trás e soltou um
gemido baixo que Bradford respondeu com outra
estocada, e depois mais outra. Ambos gozaram
exatamente no mesmo instante.
Caroline sentiu-se como se estivesse no centro do
céu, e Bradford a segurasse para mante-la
protegida. Vagarosamente flutuou de volta à
realidade, com um sorriso satisfeito.
Sua cabeça descansou no peito de Bradford, e ela
ficou escutando o coração dele bater contra o seu.
Esperou até a respiração dele ficar mais vagarosa
e depois murmurou:
— Eu te amo.
Tinha se tornado um ritual, dizer-lhe que o amava
assim que ter-minavam o ato sexual, e, como
sempre, ela o esperava dizer o mesmo. Sabia que
podia exigir isso, e provavelmente conseguiria
que ele respon¬desse o que ela queria, mas
desejava que ele fizesse essa declaração do fundo
do coração.
Bradford apertou Caroline contra si e suspirou de
satisfação. Foi esse o único sinal que deu de que
tinha sequer ouvido a declaração da esposa, e
Caroline voltou a aceitar que ele ainda não estava
pronto.
Ela se esforçou por não demonstrar tristeza e
apoiou-se nos coto¬velos para olhá-lo nos olhos.
— Vamos ficar aqui o resto da noite.
— Sugestão interessante — respondeu Bradford
com um sorriso malicioso. — Mas tua família
provavelmente exigirá uma explicação. Vais dizer
a eles por que ficamos aqui, ou será que eu é que
devo explicar?
Caroline ficou vermelha na mesma hora.
— Um cavalheiro não falaria nesses assuntos —
disse ela. — Creio, então, que é melhor nos
vestirmos.
E tentou sair de cima de Bradford, mas ele a
prendeu nos seus braços.
— Ainda não, Caroline, acho que devíamos
repassar o combinado uma vez mais.
Caroline revirou os olhos e suspirou exasperada,
— Já sei tudo de cor e salteado, Bradford. Não
vou sair do seu lado durante o baile, não vou fugir
para canto nenhum com Charity, e se acontecer
alguma coisa, e precisares sair de perto de rmm,
devo ficar perto do Milford até voltares.
Bradford confirmou, com uma expressão solene.
Caroline alisou-lhe as rugas da testa com a mão.
— Por favor, não te preocupes, Bradford. Os
homens que contra¬taste não encontraram
nenhuma pista sequer. Além disso, eu te disse que
provavelmente foi alguma mulher vingativa que
queria que tu per¬tencesses a ela e achou que
fazendo aquilo me assustaria.
C
aroline não entedeu bem como conseguiu passar
os dois dias se¬guintes. O casamento de Charity
foi quase doloroso para ela. Sua prima estava tão
feliz, delirantemente apaixonada, que Caroline
sentiu verdadeiras pontadas de inveja. Escondeu
seus sentimentos e fez papel de esposa dócil
sempre que era forçada a posar de pé ao lado do
marido.
Alternou-se entre ataques de saudades da sua casa
em Boston e de seus parentes de lá e ondas de
melancolia sempre que pensava em sua situação
com Bradford. Sentia-se aprisionada por seu amor
por ele, e desejou, mais de uma vez, que pudesse
deixar de sentir a dor que vinha junto com o
sentimento amoroso por um libertino daqueles.
A cerimónia de núpcias foi lindíssima, fazendo
Caroline chorar durante toda a troca de votos
entre noivo e noiva, enquanto o marido franzia a
testa, contrariado. Ele meteu um lenço nas mãos
dela, dando um alto suspiro de irritação, que ela
teve certeza de que todos na igreja escutaram.
Embora Caroline pensasse que estava
conseguindo esconder bem sua infelicidade por
ter Bradford como marido, ficou irritada por ele
não tentar esconder sua repulsa por ela. Franzia, o
cenho como um estudante infeliz. Ah, sim, foi
muito simpático na recepção depois da cerimónia,
até mesmo riu uma ou duas vezes, mas só com os
outros, não com ela. Fingiu não vê-la durante a
maior parte do tempo, a não ser quando era
necessário dar alguma ordem.
Rachel e a mãe vieram ao casamento e à recepção.
Caroline ficou surpresa ao ver a aparência delas e
esperou até ela e Bradford voltarem para casa em
companhia de Milford, que pegou carona com
eles, antes de fazer comentários sobre o assunto.
— Não entendo porque a Rachel veio ao
casamento — começou Caroline. — Ela não
esconde que me odeia, e sabia que eu ia estar
presente.
— Foram ambas convidadas — informou
Milford. — Tanto a mãe quanto a filha.
— Mas ela disse coisas horríveis para mim —
Caroline argumen¬tou, sacudindo a cabeça.
— Sim, mas só tu, o Bradford, o Nigel e eu
sabemos disso — respondeu Milford. — A mãe
dela ainda está interessada em casar-se com seu
pai.
— Tentei chamá-la de lado para conversar com
ela — admitiu Ca¬roline. — Mas ela se
comportou como um camundongo. Toda vez que
eu chegava perto dela, ela corria para outro canto
para fugir de mirn.
Milford deu um sorriso triunfante.
— Ela até se parece com um camundongo
mesmo.
Bradford não achou graça.
— Não quero que te aproximes daquela mulher —
declarou ele, asperamente.
— Eu só queria descobrir por que ela me odeia
tanto. Ela disse que tudo era culpa minha. Acho
que é meu direito saber o que fiz para causar tanto
ódio assim, Bradford. Ela podia ter me matado
quando me empurrou das escadas na casa dos
Claymere.
— Por que achas que foi ela? — Milford estava
olhando para Bradford quando perguntou isso, e
quando o amigo fez uma vénia ele entendeu que
era hora de mudar de assunto. Milford ergueu
uma das sobrancelhas, confuso, e depois mudou
de assunto mesmo.
— Vais sentir falta de Charity quando ela partir
para as Colónias?
— uma pergunta ridícula, mas ele só conseguiu se
lembrar de perguntar isso para distrair Caroline.
— O quê? Ah. sim, claro que sentirei —
respondeu Caroline, demonstrando surpresa ao
ouvir a pergunta. — Andei pensando em ir visitar
minha família. — E lançou um olhar de esguelha
a Bradford para ver como ele reagia a essa ideia,
mas ele estava olhando pela janela,
ignorando-a de novo. — Talvez na primavera eu
pudesse ir até lá e passar uma temporada —
acrescentou.
— Não vais a lugar algum — interferiu Bradford.
Seu tom de voz não deu a Caroline oportunidade
de argumentar, e Caroline estava cansada demais
de todos os acontecimentos daquele dia para
brigar com ele naquele momento.
Milford revirou as ideias, procurando outro
assunto mais seguro. A tensão dentro da
carruagem era quase palpável, fazendo-o sentir-se
extremamente desconfortável.
— E seu tio. como vai? — disse de repente. —
Ouvi dizer que ele não anda muito bem de saúde.
— Só pegou um resfriado — respondeu Caroline.
— Bradford e eu o visitamos ontem, e ele está
com o nariz bem brilhante e vermelho e os olhos
lacrimejanres. mas o médico diz que dentro de
apenas alguns dias vai estar plenamente
recuperado. Ficou muito contrariado de perder
o casamento da Charity.
Chegaram a casa neste momento, e Caroline
imediatamente subiu para o seu quarto. Bradford e
Milford retiraram-se para a biblioteca, para
conversarem.
Caroline ficou andando de um lado para outro
entre as quatro paredes do seu quarto antes de
deitar-se. Detestava aquele colchão, ba-tendo com
seus punhos nos calombos para desabafar parte da
sua frus-tração. Estava se sentindo arrasada com o
abismo que aumentava cada vez mais entre o
marido e ela e começando a achar que era um
problema sem solução.
A porta de comunicação com o quarto de
Bradford estava aberta, e Caroline ficou de pé à
entrada, olhando para a cama imensa e
convida¬tiva. Seria errado ela exigir o amor dele?
Seria ele o teimoso? Bradford havia-a acusado de
tecer fantasias. Talvez ele estivesse certo, refletiu
Caroline. Talvez ela estivesse exigindo demais
dele.
— Não vou aceitar prazer pela metade —
murmurou. No fundo do coração ela sabia que
Bradford não pensava corretamente. Não podia
permitir que seu desejo de estar em seus braços
lhe abalasse a decisão.
Caroline rezou para ter forças de continuar a
evitá-lo, fechou a porta que se comunicava com o
quarto do marido, e vagarosamente voltou para
sua cama fria e vazia.
Na manhã seguinte, Bradford declarou que era
hora de voltar a Bradford Hills. Caroline não
discutiu, mantendo uma distância que refletia o
humor do marido.
Bradford já estava ficando cansado daquele clima
de hostilidade. Tinha passado a apreciar o senso
de humor mordaz da esposa, e gosta¬va de
esgrimar verbalmente com ela. Era uma mulher
inteligente, que compreendia os fatos políticos
tanto nas Colónias como na Inglaterra, e ele sentia
falta dos seus debates acirrados sobre as
diferenças entre os dois países.
Eles se acostumaram depressa na casa de campo.
Bradford tinha certeza de que Caroline ia se sentir
solitária por ser forçada a isolar-se e iria procurar
sua companhia. Sentia falta da relação física entre
eles, também, e esperava que ela pedisse
desculpas para que pudessem reto¬mar seu
relacionamento conjugal.
No fim da semana, precisou reavaliar seu modo de
pensar. Caroli¬ne não parecia estar se sentindo
nem um pouco solitária, e se ele não a conhecesse
muito bem, teria achado que ela preferia a vida no
campo à vida social que Londres oferecia.
O pai de Caroline tinha insistido que ela ficasse
com os dois cava¬los árabes, e toda manhã ela
montava em um deles, sempre acompanhada por
seus guarda-costas.
Os negócios obrigaram Bradford a voltar para
Londres, e, enquan¬to esteve na cidade, comprou
várias jóias caras. Sua preferida era um co¬lar de
diamantes e rubis. Ele o enviou por um
mensageiro especial para a esposa, com a intenção
de voltar para Bradford Hills no dia seguinte e
receber os humildes agradecimentos da esposa.
O colar foi devolvido pelo mesmo mensageiro, no
fim daquela tar¬de. Não veio com bilhete
nenhum, mas o mensageiro exausto declarou que
a duquesa tinha lhe pedido para levar o colar de
volta ao marido o mais depressa possível.
Bradford ficou irritado com a recusa do seu
presente por parte dela, e depois concluiu que
talvez ela não tivesse gostado da jóia. Por via das
dúvidas, ele tinha adquirido várias pedras
preciosas magníficas que ainda não tinham sido
montadas, e ia levá-las consigo, ao voltar para
casa. Sua carruagem continha também um
sortimento dos mais recentes tecidos, oferendas de
paz a Caroline. Nenhuma mulher poderia resistir a
um vestido, e Bradford estava convencido de que
ela iria cair de joelhos perante aquele seu assalto
vigoroso de generosidade.
Mas verificou que estava errado, e ficou ainda
mais furioso consigo mesmo do que com a
rejeição de sua mulher. Ela recusou-se a aceitar
qualquer dos presentes e até pareceu ofender-se
com eles. Eram oferen¬das de paz, e ela era
teimosa demais para reconhecer isso! Claro que
ele não tinha explicado seus motivos, mas
qualquer mulher com um pingo de inteligência
entenderia o que ele estava querendo dizer.
Já era noite alta quando Bradford foi tirar
satisfações com a mulher no escritório. Admitiu
que estava confuso diante do comportamento dela,
e isso pareceu enfurecer Caroline ainda mais. Ela
estava com um vestido azulão de corte simples e
um xale grosso em torno dos ombros para se
aquecer.
— Quando vais aceitar que não sou como as
outras? — perguntou Caroline. E postou-se diante
do fogo crepitante, aquecendo as mãos, dando as
costas para o mando. — Não quero tuas jóias
caras.
— Então as coisas mais requintadas da vida não te
atraem? — indagou Bradford. Sua voz estava
enganadoramente calma. Caroline
virou-se e viu o brilho de raiva em seus olhos,
— Há outras coisas bem mais tentadoras de se
possuir — replicou Caroline. E aí hesitou,
tentando formular um jeito de dizer a ele que
aceitaria seu amor. e sua confiança acima de tudo.
Sabia que assim que começasse a tocar no assunto
o marido deixaria de escutar tudo que ela
dissesse, e ficou desesperada para encontrar um
caminho de chegar ao coração dele.
— Cometi um grave erro no meu relacionamento
contigo — de-clarou Bradford. A arrogância tinha
voltado a sua voz, quando ele pros¬seguiu: —
Amanhã farás tuas malas e te mudarás para o
outro lado da propriedade. Há ali uma casa, a
primeira construída por um Bradford. Diz-me que
não te atrai o luxo. Então vais me provar isso,
esposa! Va¬mos ver quanto tempo aguentas até
admitires a verdade.
Caroline concordou, tentando esconder sua
frustração. Como eles poderiam resolver suas
diferenças, se morassem em casas diferentes. — E
tu, vais para lá comigo? — perguntou ela,
baixinho.
Bradford viu o alarme nos seus olhos e quase
sorriu. Achava que finalmente havia descoberto
uma forma de fazê-la recobrar o juízo.
— Não — respondeu. — Os homens que contratei
para proteger-te irão contigo e eu voltarei a
Londres. Quando terminar de tratar dos meus
negócios lá, voltarei para esta casa. Ao contrário
de ti, minha cara esposa, admito que gosto dos
confortos que minha fortuna me proporciona.
— E vais dormir com outras mulheres enquanto
estiveres em Lon¬dres? — perguntou Caroline,
em tom muito suave. Estava com as costas
voltadas para o marido, e ele não podia ver sua
expressão.
Ele ficou claramente espantado ao ouvir essa
pergunta. Desde que tinha conhecido Caroline não
tinha pensado em tocar nenhuma outra mulher, e
agora, só de pensar nisso já sentia nojo.
Reconhecia que essa era outra arma com a qual
podia magoá-la, mas não teve coragem de usá-la.
— Não.
E não deu mais nenhuma outra explicação,
aguardando que Caro¬line fizesse um comentário.
— Obrigada. — Essa resposta simples
desconcertou-o outra vez.
— Por quê? — indagou Bradford. — Por que isso
te importaria?
Caroline foi andando devagar e parou bem em
frente ao marido.
Ele estava apoiado contra a beirada da
escrivaninha.
— Porque eu te amo, Jered Marcus Benton —
disse ela, olhando-o direto nos olhos, sem
esconder seus sentimentos.
— Tens uma forma bem estranha de demonstrar
esse teu amor — comentou ele. Ele estendeu os
braços e tomou a nuca dela entre as mãos,
puxando-a para perto de si. — Não te obriguei a
sair da minha cama, Caroline. Saíste porque
quiseste.
Caroline não respondeu a esse comentário. Só
continuou a olhar para ele, até que ele não
pudesse resistir à tentação nem mais um segun-do.
Seus lábios roçaram os dela, e quando viu que ela
não lhe recusava os beijos, voltou a beijá-la
novamente. E depois uma vez mais.
A boca de Caroline abriu-se sob esse assalto de
ternura dele, e as mãos dela lhe envolveram a
cintura. Ela entregou-se totalmente, deixan¬do-o
sentir que ela o desejava, o amava.
A língua de Bradford acariciou a doce quentura
que a boca de Caroline oferecia, acendendo-lhe as
brasas do desejo a cada toque eró-tico. O beijo
mudou, ficou mais forte e insistente. O xale caiu
no chão quando Bradford puxou-a abruptamente
contra seus quadris.
Ela não queria que aquele beijo terminasse nunca
mais, e quando Bradford conseguiu separar seus
lábios dos dela e começou a provocá-la e
atormentá-la beijando-lhe um lado do pescoço,
Caroline soltou um suspiro que era uma mistura
de prazer e de frustração cada vez maior.
— Esta noite vou te possuir — disse Bradford,
com a voz tão macia quanto veludo Beijou-a de
novo, um beijo demorado, quente, embriagador,
destinado a afastar qualquer pensamento de
resistência. Depois ergueu-a no braços e levou-a
até seu quarto.
__ Não vais te opor, mulher? — perguntou
Bradford depois de ter
fechado a porta e virado para ela.
Caroline sacudiu a cabeça. Bradford voltou a
beijá-la, e depois, metodicamente, despiu-a,
tirando a seguir suas roupas, surpreso quando
Caroline ajoelhou-s diante dele e ajudou-o a tirar
as botas.
Ela estava cedendo aos seus desejos naquela
noite, e Bradford viu-se franzindo o cenho diainte
daquela mudança súbita.
Caroline ficou de pé e foi até a cama. Bradford
contemplava-a, considerando-a a mais graciosa
das mulheres, e a mais inocentemente sensual. E
aí parou de pensar.
Duas velas ardiam, uma de cada lado da cama, e
Bradford não as apagou, desejando ver a paixão
de Caroline enquanto também a sentia.
Jogou as cobertas para um lado e deitou-se de
lado. Queria sabore¬ar aquele momento, fazer
suspense, mas assim que a tomou nos braços e
sentiu a maciez de sua pele contra si, não
conseguiu mais controlar-se. Beijou-a de um jeito
quase selvagem, consumido por uma fome intensa
que só ela podia satisfazer.
Não conseguiu ser delicado naquela noite, e
Caroline, tão excitada quanto o marido, não quis o
tormento provocante que sempre vinha antes.
Suas unhas arranharam-lhe os ombros enquanto
seus quadris rebolavam contra os dele, procurando
satisfazer sua ânsia de prazer.
Bradford penetrou-a de uma estocada só. Caroline
soltou um gri-tinho e ele imediatamente parou,
contraindo-se contra ela.
— Meu Deus, Caroline, não quero te machucar —
sussurrou.
E começou a afastar-se, mas Caroline arqueou-se
contra ele, deten-do-o, com as unhas enterradas
nos seus quadris.
— Não pára, Bradford, por favor — suplicou.
E Bradford segurou seu rosto, prestando atenção
ao prazer que causava na esposa cada vez que
arremetia. Os olhos dela tinham adqui-rido um
tom azul-escuro, e quando ele acelerou o ritmo,
ela gemeu, de um jeito primitivo que o
emocionava, incentivando-o a prosseguir rumo ao
olho do furacão.
Ele se entregou ao esplendor do prazer máximo
quando sentiu Caroline contraindo-se ao redor do
seu membro e viu que ela tinha atin-gido o
clímax. E aí deixou-se cair em cima dela, exausto
e satisfeito.
Caroline ouviu a respiração ofegante de Bradford,
sentiu seu co-ração batendo contra o dela, e
fechou os olhos, com um suspiro de
contentamento.
E aí esperou que ele lhe dissesse que a amava. A
cada segundo que passava, seu contentamento
diminuía.
Bradford rolou, ficando de lado, e abraçou
Caroline.
— Parece que este é o único lugar onde não
discutimos — mur-murou ele.
— As camas de Bradford Place são confortáveis?
— indagou ela. Aquela pergunta, feita assim com
tanta naturalidade, mostrou a Bradford que nada
havia mudado.
Ele recusou-se a deixar que ela o irritasse.
— Parte da casa não está mobiliada. Meu Deus,
como és teimosa, Caroline. Ê só admitires que
pertences a mim, que podes ficar aqui.
— Eu nunca disse que não pertencia a ti —
respondeu Caroline, surpresa por esse argumento
dele. — Sabes exatamente por que discu-timos. E
até perceberes que não vou me conformar só
com...
— Podes levar tudo que quiseres desta casa —
interrompeu-a Bradford. Não ia recuar na sua
decisão, e essa afirmação informou a Caroline
como ele era inflexível.
— Por que vais mandar os guarda-costas comigo?
— indagou ela, mudando de assunto. - Sei que
conversaste com Rachel — acrescen¬tou,
tentando ver-lhe o rosto.
Bradford mantinha o rosto dela preso contra seu
peito, sem se dar conta de que ela estava querendo
mover-se.
— Rachel não foi a responsável — anunciou ele.
— Não estava por trás dos atentados.
— Tem certeza? - - E aí Caroline conseguiu
livrar-se dos braços de Bradford. Sentou-se e
franziu o cenho, confusa.
Bradford admirou o belo corpo da mulher. Seus
cabelos enca-racolados emolduravam-lhe o rosto,
realçando-lhe a coluna esguia do pescoço. A parte
superior dos seios dela aparecia ligeiramente por
cima das cobertas que ela estava segurando contra
si, e isso o excitou.
— Bradford eu te perguntei se tinhas certeza —
insistiu Caroline.
Bradford. relutante, procurou voltar ao assunto.
— Tenho, sim.
Caroline suspirou.
— Sabes, acho que estás encarando tudo isso com
calma demais — resmungou. - alguém tivesse
tentado te matar, eu poria Lon¬dres inteira abaixo
para descobrir quem foi. Tu ages como se
estivesses entediado com o assunto.
— Prometi que iria tratar disso — declarou
Bradford. — Não precisas saber mais. Eu é que
tenho de me preocupar, não tu.
__Não, Bradford nós dois precisamos nos
preocupar com isso juntos.
Bradford suspirou ao ouvir esse comentário, e
depois observou:
— Rachel acha que conseguiste convencer o teu
pai a não se casar com a mãe dela. Ela estava
fazendo planos grandiosos do ponto de vista
financeiro, e aí tu vais e jogas água fria na
fervura.
— Por que é que ela pensaria uma besteira
dessas? — indagou Caroline, demonstrando seu
assombro.
Bradford ficou pensando durante um minuto
inteiro e depois to-mou a decisão de contar a ela.
— Porque teu pai lhe disse isso.
— E por que ele faria uma coisa dessas?
— Caroline, teu pai estava sendo pressionado e te
usou como des¬culpa. Era difícil demais dizer à
mãe da Rachel a verdade, que ele não queria se
casar com ela. E aí usou essa saída, que julgou
mais fácil, de usar-te como seu bode expiatório.
Caroline sacudiu a cabeça, negando que fosse
verdade,
— Mas isso seria uma covardia — murmurou.
— Na maioria dos casos, sim — concordou
Bradford. E estendeu o braço, puxando Caroline
de volta para perto de si, para abraçá-la. — Mas
com teu pai é diferente. Ele morou sozinho no seu
próprio mundo durante tanto tempo...
— Catorze anos — informou Caroline.
— Sim, e não é sofisticado o suficiente para
conviver com mulheres como Tillman. As garras
dela estavam prontas para prendê-lo numa
ar¬madilha, e ele usou a única saída que
conseguiu imaginar para escapar.
— Estava com medo de ser franco com ela? —
indagou Caroline. — E o que estás insinuando?
Bradford voltou a suspirar.
— Ele já é idoso, Caroline, já não quer mudar
muito seu modo de viver. Deves compreender que
ele estava desnorteado, não com medo.
— Estava com medo há quatorze anos, quando
me mandou morar com o irmão dele em Boston.
Tenho certeza.
— Ele tinha acabado de perder a esposa e o filho
recém-nascido, Caroline, estava transtornado pelo
pesar.
Ela mal estava escutando o que ele dizia,
enquanto ele continuava apresentando argumentos
a favor do seu pai. Ela percebeu que ele estava
defendendo o comportamento de seu pai. Em vez
de tirar a conclusão rígida e inflexível de que o
pai dela tinha agido como um covarde,
argu¬mentava que na verdade era o contrário.
Estava sendo ao mesmo tempo compreensivo e
compassivo.
Por que não podia ser mais compreensivo com
ela?, perguntou-se. Por que não podia dobrar-se
nem que fosse um pouquinho só, diante dela?
Ha¬via um escudo em torno do seu coração
protegendo-lhe a vulnerabilidade, Caroline tinha
certeza, mas não sabia como eliminar esse escudo.
Bradford parou de falar, e sua respiração profunda
e regular indi¬cou a ela que ele tinha caído no
sono. Ela tentou afastar-se, mas ele a abraçou com
mais força.
Caroline fechou os olhos, porém levou muito
tempo para adorme¬cer. Tinha milhares de
dúvidas e decisões a tomar na cabeça. Sabia que o
marido gostava dela. mais do que ela podia
perceber. Talvez fosse só uma questão de tempo
até ele admitir o seu amor. E será que a confiança
viria com essa confissão?
Caroline francamente não sabia. Tinha chamado o
marido de adversário na batalha de compreensão
mútua que estavam travando. Lembrava-se de lhe
ter dito que ele não a conhecia bem. Bradford
ti¬nha provado a verdade de suas convicções
quando tentou comprar seu perdão com jóias
caras. Talvez as mulheres que ele tinha conhecido
antes na vida o perdoassem por esse preço, mas
Caroline exigia ainda mais. Queria que e
eliminasse aquele escudo que protegia seu
coração. Queria tudo sem restrições.
A surpresa de ouvir Bradford defendendo seu pai
revelou que ela também tinha cometido um grave
erro. Nunca tinha procurado des-cobrir quais eram
os motivos de seu ceticismo, só protestado contra
os resultados de sua amargura no tocante às
mulheres. Também não conhecia seu adversário.
Ela então resolver atacar de novo, na tentativa de
destituir seu adversário de sua armadura, e viu-se
rezando, com determinação. Podia não ser capaz
de demolir suas defesas, mas iria conseguir
penetrar nelas, ah, isso ia!
Caroline tinha se levantado, se vestido, e já
estava fazendo as ma¬las quando Bradford
acordou. Assim que a viu fazendo aquilo, ele se
irritou.
— Isso é uma bobagem — resmungou.
Caroline parou de dobrar o vestido e deixou-o cair
na cama.
— Eu concordo.
Ela foi até a porta de comunicação, onde o marido
estava, e ficou na ponta dos pés para beijar-lhe a
face.
— Não quero sair daqui — disse a ele. — E se me
prometeres que vais confiar completamente em
mim daqui por diante, tiro tudo das malas.
— Caroline, não estou ainda completamente
acordado para esgrimar contigo. E meu dever
proteger-te de qualquer ameaça, tanto de forças
externas quanto internas. Não preciso fazer
promessas, quando eu mesmo providenciarei para
que não tenhas oportunidade de sair por aí sem
proteção.
— Estás me ofendendo com as tuas convicções,
Bradford — anun¬ciou Caroline. — Mas te
perdoarei por isso. Não tens como evitar. — Ela,
então, deu-lhe as costas e voltou a colocar suas
coisas na mala, com os olhos ardendo, marejados
de lágrimas.
Bradford já estava cansado daquela mania dela de
tentar manipulá-lo o tempo todo. Teria exigido
que ela parasse se não tivesse dois motivos para
mandá-la sair da casa. O principal era para
proteção de Caroline. Queria que sua mulher
estivesse segura quando ele começasse a pôr em
prática seu plano de tentar fazer seu inimigo agir,
e Bradford Place, uma fortaleza construída
durante a Idade Média, seria perfeita para esse
fim. A residência era toda de pedra, situada no
alto de um morro sem nenhuma vegetação.
Qualquer pessoa que se aproximasse podia ser
vista a mais ou menos uns oitocentos metros de
distância. Ele enviaria dois guardas com Caroline,
e três outros já estavam na fortaleza.
O outro motivo, embora fosse torpe em
comparação à segurança de sua mulher, tinha a
ver com o método de conseguir controle. Estava
decidido a ensinar a Caroline uma lição merecida,
e quando aquela se¬mana de isolamento
terminasse, tinha certeza de que ela estaria mais
do que disposta a retornar ao luxo que ele podia
lhe proporcionar.
Ela teve a audácia de dar-lhe um beijo de
despedida! Parados frente a frente nos degraus de
mármore de Bradford Hills, eles se despediram.
Bradford pensou que estava com uma fisionomia
austera devido à sua deter¬minação, e refletiu que
sua esposa parecia pronta a conquistar o mundo.
Pensou em contar a ela que não era uma aventura,
mas uma pe-nitência, mas decidiu ficar calado.
Quando ela visse Bradford Place, entenderia qual
era a verdadeira finalidade daquela separação.
— Caroline, precisas ficar uma semana inteira,
por mais que te¬nhas inclinações de partir.
Compreendeste?
Caroline concordou, e virou-se para sair, mas
Bradford deteve-a com a mão.
— Primeiro precisas me dar tua palavra. Não vais
sair da proprie¬dade uma semana, por qualquer
motivo que seja, não importa qual seja a razão...
— Por quê?
— Não preciso dar-te explicações — resmungou
Bradford. —Quero tua palavra, Caroline.
Estava apertando os ombros dela com tamanha
firmeza que Caroline pensou que ficaria com
marcas roxas durante uns dois dias. Franziu o
cenho diante da exigência dele.
— Tens minha palavra, Bradford.
— E quando decidires, depois dessa semana
inteira, voltar para o meu lado, que é o teu lugar,
vou estar esperando tuas desculpas.
Caroline soltou-se das mãos dele e começou a
descer os degraus.
— Bradford, não fica assim tão preocupado —
gritou ela, olhan¬do para trás. — Eu já te dei
minha palavra. — E começou a entrar na
carruagem, mas voltou-se de repente para ele. —
Naturalmente tu vais ter de confiar em mim, senão
como sabes que vou cumpri-la?
Não pôde resistir a soltar essa insinuação, e
sentiu-se muito con¬vencida ao ver a reação de
susto do marido.
O convencimento sumiu num instante, com a
distância que a se-parou do marido. Foram
necessárias quase quatro horas para chegar a
Bradford Place. A imensa propriedade do mando
era repleta de morros, e Caroline contou três no
caminho para sua residência temporária. Ela rezou
para que fosse temporária e o marido sentisse falta
dela. Talvez essa separação valesse a pena. Talvez
ele sentisse falta dela o bastante para perceber que
a amava.
E talvez um dia o sertão vire mar, pensou
Caroline quando fi-nalmente viu a casa. Aquela
monstruosidade parecia fria e deprimente.
Situava-se no alto de um morro sem uma única
árvore para amenizar a austeridade. Um regato
largo circundava o pé do morro. Uma ponte de
madeira com aparência decrépita levava ao
castelo, passando sobre as águas turvas, mas os
guardas que a acompanhavam insistiram que ela
passasse pela ponte a pé, por via das dúvidas, pois
a madeira talvez não suportasse o peso da
carruagem.
Quando viu sua nova casa de perto, Caroline não
sentiu nenhum alívio. O edifício de dois andares
era feito de pedra cinzenta, e Caroline refletiu que
devia ser esse o único motivo pelo qual aquele
pardieiro continuava de pé.
— Deus Todo-Poderoso, a única coisa que falta é
um fosso e um pouco de musgo — resmungou
Caroline.
Mary Margaret caminhava ao lado da sua senhora
até a porta da frente sem fazer sequer um
comentário.
— Não precisas ficar aqui comigo — disse
Caroline a sua criada pessoal. — Eu entendo se
quiseres voltar a Bradford Hills.
— Tudo está planejado — respondeu Mary
Margaret. Caroline virou-se e viu seu sorriso com
covinhas, — Não sei por que precisas exilar-te,
mas minha lealdade é para convosco, assim como
para com vosso marido. E prometi a ele que
cuidaria de vós.
— Bom, então é melhor entrarmos e levarmos
logo o susto que te¬mos de levar com essa feiúra
toda — disse Caroline com um suspiro.
A porta estava trancada, e Huggins, um dos
guardas, precisou usar de certa força para abri-la.
A porta, empenada pelo tempo e pelas
in¬tempéries, gemeu, protestando, quando o
guarda finalmente conseguiu empurrá-la.
O saguão era austero, e consistia de um piso de
pedra e paredes revestidas de reboco, ambos
marrons de tanta sujeira. Escadas levavam ao
segundo andar, mas o corrimão destacava-se de
um lado e parecia prestes a despencar.
À direita estava a sala de jantar. Caroline foi até a
mesa que estava no meio da sala escura e passou
os dedos sobre a camada de poeira. Olhou depois
para as janelas. As cortinas cor de vinho,
denotando o peso da idade, arrastavam-se no chão
de tão compridas,
Caroline vagarosamente voltou à entrada. O salão
principal ficava em frente à sala de jantar, e
embora a planta baixa da casa fosse seme¬lhante
a casa de seu pai na cidade, tal semelhança parava
por aí,
A sala principal era isolada por portas de vidro
que alguém devia ter acrescentado depois de a
casa ter sido construída. Ela as abriu e desceu os
três degraus que levavam ao salão.
— Estou tentando visualizar como vai ficar este
lugar quando esti¬ver limpo — comentou
Caroline com sua criada, que vinha atrás dela.
A sala era bastante espaçosa. Havia uma enorme
lareira de pedra na parede à direita, duas enormes
janelas na parede diante dela, e portas que
levavam para o exterior no meio da parede em
frente.
Caroline foi até as portas, mas não conseguiu ver
através das vidraças. Abriu-as e encontrou um
caminho de pedras.
__ Na primavera, esta sala deve ser linda __
comentou com a criada. — Se houvesse plantas
no jardim, e. . .
— Não planejas ficar aqui tanto tempo assim,
planejas? — Mary Margaret não conseguiu
esconder a preocupação que estava sentindo ao
dizer isso.
Caroline não respondeu nada. Estremeceu por
causa do vento que penetrou pela porta aberta e
fechou-a depressa. A poeira levantou-se ao seu
redor enquanto ela voltava até os degraus.
Ela se sentou, os ombros caídos, sentindo-se
derrotada. Meu Deus, levaria meses para deixar o
lugar habitável. Bradford esperava mesmo que ela
voltasse depois daquela semana de penitência, e
agora entendia porque ele tinha tanta certeza!
— Queres votar para casa? — perguntou Mary
Margaret.
Caroline sacudiu a cabeça.
__ Vamos começar pelos quartos. Isto é, se não
morrermos ao tentar subir a escada.
O segundo guarda, um gigante chamado Tom,
entreouviu o comen¬tário de Carol
aediatamente foi verificar se a escada era
segura.
— Está tão firme quanto no dia em que foi
construída — anun¬ciou. — Só é preciso
consertar o corrimão com uns preguinhos aqui e
ali.
Uma súbita inspiração ocorreu a Caroline.
— Vamos deixar este lugar um brinco num
piscar de olhos — previu ela, com um: onda de
entusiasmo.
Mary Margareti revirou os olhos ao ouvir quais
eram as expecta¬tivas da sua senhora.
— Vai levar uma semana só para limpar um
desses cômodos.
— Não se arranjarmos ajuda! Vá até a aldeia pela
qual passamos a caminho daqui e contrata alguns
empregados — explicou Caroline. — E também
uma cozinheira, Mary Margaret.
Caroline tez sua lista e Mary Margaret partiu na
carruagem da sua senhora. Mas aquele acesso de
otimismo segundo o qual não levaria muito tempo
para limpar a casa foi desmentido da mesma
forma. Foi preciso o resto da semana inteira,
trabalhando do nascer ao pôr do sol, para que a
limpeza terminasse.
A transformação foi extraordinária. As paredes
não eram mais marrons e sombrias, mas agora
brilhavam, recém-pintadas com uma camada de
tinta branca. Os pisos de madeira da sala de jantar
e do salão principal reluziam de tão polidos.
A mobília encontrada na área de armazenagem do
sótão tornou a sala de estar, antes vazia,
confortável e convidativa. Caroline comprou uma
estufa redonda de ferro e mandou colocá-la no
canto oposto da sala principal, e quando se
fechavam as portas do vestíbulo, a sala ficava
quentmha e aconchegante.
Mas depois que aquela semana terminou, Caroline
viu-se inquieta. Tinha esperado ver Bradford à sua
porta no fim da semana, mas ele tardou a
aparecer. E ela esperou. Passou-se mais uma
semana inteira, até ela finalmente aceitar a
verdade.
Caroline chorava até dormir toda noite,
amaldiçoando-se, amaldi¬çoando o marido e as
injustiças da vida em geral. Finalmente tomou a
decisão de desistir e aceitar a situação. Informou a
Mary Margaret que iria voltar a Bradford Hills no
dia seguinte.
Caroline parou diante da lareira do vestíbulo
enquanto pensava no que diria a Bradford. Não
tinha a menor intenção de pedir que ele a
perdoasse, e sentia que se simplesmente voltasse
para junto dele, ele concluiria que tinha vencido.
Ela ia ter que encontrar uma forma de fazê-lo
entender o que lhe passava pelo coração.
Sacudiu a cabeça, sabendo que ele iria tirar
conclusões totalmente erradas, que ia achar que
ela tinha sentido falta do luxo, sem dúvida
nenhuma. E isso lhe feria o orgulho, fazendo-a
sentir-se toda eriçada. Mas de que adiantavam
esses seus ideais e motivos, se ficasse completa-
mente só? Ela tinha se gabado de que não
aceitaria nada pela metade, e agora admitia que
metade era melhor do que absolutamente nada.
Mary Margaret abriu a porta e anunciou que o
conde de Milfordhurst tinha chegado para visitá-
la.
— Pode mandá-lo entrar — disse Caroline,
sorrindo.
Milford apareceu à porta, sorrindo radiante. Mary
Margaret aju¬dou-o a tirar a sobrecasaca pesada
de inverno e depois fechou a porta.
— Es meu primeiro visitante, Milford — disse-lhe
Caroline. Cor¬reu e apertou-lhe as mãos nas suas,
e impulsivamente beijou-lhe a face.
—Minha nossa, estás gelado — comentou. —
Vem aqui para perto da lareira, para aquecer-te.
Por que vieste até aqui? — indagou.
— Só quis passar para ver como ias — esquivou-
se Milford.
— Vieste lá de Londres para me visitar? —
perguntou Caroline.
Milford fez cara de meio encabulado. Pegou a
mão de Caroline e levou-a até um canapé, depois
sentou-se ao seu lado.
— Tu emagreceste — comentou ele. — Caroline,
vou interferir de novo. Que que me escutes. Brad
não vai recuar. O orgulho dele é importantíssimo
para ele. e quanto mais cedo aceitares isso, melhor
será para ti.
— Eu sei.
— Tu sabes? Então por que... — Milford tinha
sido pego no contrapé pela sua admissão imediata.
— Ora, mas até que foi fácil. Então vamos,
Caroline. Vamos voltar agora para Bradford Hills.
— Bradford está lá? Pensei que ele estivesse em
Londres — disse Caroline.
— Não está na cidade, não, parei lá para visitá-lo
primeiro — disse-lhe Milford __Mas ele planeja
voltar a Londres amanhã. Tu não precisas fazer as
malas, só vir comigo.
Caroline soem e sacudiu a cabeça.
— Milford. gostas desta sala?
Milford estava pronto para discutir com Caroline,
mas essa pergunta educada confundiu-o.
__ De quê? Da sala?- e olhou em torno de si,
voltando a olhar para Caroline depois,__Gosto,
sim. Por quê?
__ Gostaria que Bradford viesse até aqui e
visse a sala também —explicou Caroline, __É
pequena para os padrões dele, mas agora está
quente e confortável... E virou um lar. Talvez ele
entendesse, se ao menos pudess ver...
— Caroline, do que estás falando? Acabei de te
explicar que o Brad não vai vir aqui.
___ Mas não é preciso __ acalmou-o Caroline. —
Vou mandar-lhe um bilhete, e pedir que ele
venha me buscar.
— Estás querendo adiar as coisas? — perguntou
Milford, franzindo o cenho.
Caroline sacudiu a cabeça e Milford olhou
para ela durante um minuto inteiro. Depois
decidiu que ela estava falando sério, e disse:
— Então escreve logo esse bilhete. Como és
teimosa, meu Deus! Não admira que Bradford
tenha se casado contigo. São farinha do mes-mo
saco. Sois muito parecidos, sabias?
— Não somos nada parecidos — replicou
Caroline. — Sou calada e tímida, e ele só sabe
gritar. Sou uma pessoa simpática, meu marido é
teimoso e cético.
— Es a santa e ele o pecador? — indagou
Milford, com uma risadinha.
Caroline não respondeu nada a ele.
— Queres passar a noite aqui antes de voltares a
Londres? — per¬guntou ela. — Ficarias bem?
— Ficaria sim — respondeu Milford, com um
sorriso. — Tens guardas suficientes para te
garantir a privacidade.
Milford jantou com Caroline e conversaram sobre
vários assuntos. A conversa acabou girando em
torno de Bradford de novo, e Milford contou-lhe
como eles tinham se conhecido. Descreveu
algumas das peas absolutamente horrorosas que
eles costumavam pregar nos mais velhos, e
Caroline riu, encantada.
— E o que o fez mudar tanto, Milford? —
indagou Caroline. — O que o deixou tão cético?
— As responsabilidades o obrigaram a
amadurecer antes da hora — comentou Milford.
Ele voltou a encher as taças de vinho dos dois, e
tomou um trago caprichado. — Quando seu pai e
seu irmão mais velho eram ainda vivos, Brad era
um memnão descuidado. Seus pais pareciam
apenas gostar do herdeiro. Bradford era um garoto
de maus modos, indisciplinado. Apaixonou-se por
uma mulher chamada Víctoria. Na¬ quela época,
nada conhecia acerca do fingimento feminino.
Caroline quase deixou cair a taça.
— Ele nunca me disse nada disso. Apaixonou-se
mesmo? Victoria quem? Ela ainda está viva? O
que houve? Mas que homem miserável, não me
conta nada! — Suas perguntas e comentários
saíram-lhe da boca sem pensar. Apenas pensar em
Bradford, o seu Bradford, apaixonado por outra
era uma coisa difícil demais de encarar.
Milford fez sinal para ela se calar.
— Como eu estava explicando, ele era muito
jovem, e Victoria jurou que era tão pura quanto
qualquer virgem devia ser. Era uma bruxa
manipuladora. e todos que a conheciam bem
sabiam disso. Brad disse ao seu irmão e aos seus
pais que ia se casar com ela, e que reação isso
causou! O irmão de Brad era tão ladino quanto
Victoria, e achou que seria interessante mostrar ao
seu irmão caçula como Victoria era, na verdade,
experiente, foi tudo uma encenação, é claro, e o
Brad entrou justamente na hora certa.
__Por que foi que ele simplesmente não contou ao
Bradford que ela estava fingindo? __ perguntou
Caroline. — Por que teve de ser tão cruel? —
Ficou horrorizada com aquela história, e seu
coração ficou pequenmino de pena do marido.
__Ele queria que Brad fizesse papel de bobo —
declarou Mil-ford. — A Victoria recebeu uma boa
compensação pelo inconveniente. Caroline, já
conh este a mãe do Brad. Ela se abrandou com a
idade e a solidão, mas mesmo assim, sempre foi
insensível, como também o pai do Bradford. Duas
semanas depois da humilhação de Bradford, seu
pai e seu irmão morreram. A carruagem deles
virou. De repente a duquesa ficou só com o
Bradford, mas a essa altura já era tarde demais.
Ele a trata como uma estranha e ela sabe que é a
única culpada disso.
__ Desde essa época o Brad só passava o
tempo com... senhoras profissionais, vamos dizer
assim. E aí conheceu uma certa mocinha inocente
de olhos de cor violeta vinda das Colónias, que
virou o mundo seguro dele de pernas para o ar. —
E Milford ergueu a taça, fazendo um brinde a
Caroline, e sorriu.
__ O que foi feito da Victoria? — perguntou
Caroline.
__Ela provavelmente está sofrendo de sífilis
a esta altura. Não faças essa cara de alarmada.
Caroline. Brad nunca a levou para a cama. —
disse, com uma risadinha. — Faz anos que
ninguém ouve falar nessa mulher.
—Está me contando tudo isso porque quer que eu
tenha paciên-cia com o meu marido - Esse
comentário tranquilo de Caroline fez Milford
sorrir radiante. __ Tu és um bom amigo, Milford
— anunciou Caroline. —Bradrord, como bem
sabes. Mas não é fácil. Os
CAPITULO 13
B
radford estava em pânico. Quando o mensageiro
chegou a Bradford Hills e anunciou que Franklm
Kendall tinha despistado os espiões que seguiam
todos os seus movimentos, o impulso imediato de
Bradford foi ir até onde estava Caroline.
Depois que se acalmou um pouco, desistiu dessa
ideia, sabendo que ela estava segura com os cinco
guardas que tinha contratado para protegê-la. Era
possível, além disso, que estivessem vigiando
Bradford, também, e que se ele viajasse para
Bradford Place levaria o inimigo di-reto até a
porta da frente dela.
Ele saiu para ir a Londres jurando que vasculharia
a cidade até encontrar o homem. Duas vezes tinha
tentado capturá-lo, e nas duas seu adversário
ladino tinha se negado a cair na sua armadilha.
Agora não queria mais saber de armadilhas. Sabia
que o irmão caçula do mar-quês era o culpado, e
se ele precisasse desafiá-lo para um duelo, faria
exatamente isso.
Tinha tido a ideia de fazer Caroline prometer que
não iria se cor-responder com nenhum de seus
parentes, e sabia que ela achava que tinha sido por
causa da falta de consideração com a qual ele a
estava tratando. Mas não era esse o motivo, de
jeito nenhum. Ele nem tinha se incomodado de
explicar a ela. Não queria que ninguém soubesse
onde ela estava, e tinha confidenciado qual era o
local apenas a Milford. Seu amigo, é claro,
manteria sigilo.
Sentia-se culpado por não compartilhar suas
preocupações com Caroline, mas argumentou que
quanto menos ela soubesse, menos se preocuparia.
Bradford chegou à sua casa da cidade tarde da
noite. Um dos de-tetives que ele havia contratado
estava esperando na frente da casa e informou-o
rapidamente que Franklin tinha voltado a
aparecer. Ele tinha ido se encontrar às escondidas
com uma nova amante, e passado o fim de semana
inteiro com ela.
Os agentes receberam novas instruções, e
Bradford entrou em casa. Estava andando de um
lado para outro na biblioteca, quando o conde de
Braxton chegou e solicitou uma audiência
imediata.
Braxton olhou-o cansado e meio descontrolado, e
foi direto ao ponto.
— Eu arrisquei e vim até aqui, na esperança de
encontrar-te. Ca-roline não está contigo, está?
— Não. — Bradford não teceu maiores
comentários, mas ofereceu uma bebida ao sogro,
sentando-se depois diante dele.
— Estais brigados? Não pretendo meter o bedelho
na vossa vida, mas o marquês está desesperado.
Franklin vive fazendo insinuações maldosas, e
Milo está muito preocupado. Ela não veio mais
visitá-lo nem escreveu mais nem uma palavra, e
ele está se sentindo abandonado.
Não acredita nas sórdidas mentiras que aquele seu
irmão imprestável vive pregando. Mas está
convencido de que ela está adoentada, e estás
escondendo a verdade dele. Sempre se preocupou
com tudo, o Milo. Naturalmente, ela está bem de
saúde, não está?
Seu olhar denunciava como estava alarmado, e
Bradford confirmou rapidamente com a cabeça.
— Está bem, sim — respondeu. — Temos uma
diferença de opi¬niões, mas nada com que
precises te preocupar. Que comentários foram
esses que o Franklin fez?
— Não vou repeti-los — replicou o conde. — Ele
pretende acabar com a reputação da minha amada
filha. Sente antipatia por ela, e não consigo
imaginar por quê.
Bradford não fez nenhum comentário. Ficou
fervendo de raiva por dentro, sabendo muito bem
porque Franklm estava contando aquelas
mentiras.
— Ora, meu rapaz, ela precisa voltar para Londres
para fazer uma visita ao meu irmão! O Milo está
que não se aguenta. Vais providenciar isso
imediatamente não vais?
— Sei que vou decepcioná-lo, mas infelizmente
este não é o momento.
— Põe o orgulho de lado, Bradford! Tenha um
pouco de compai¬xão. Tens uma vida inteira pela
frente, para conviver com minha filha. Faz uma
trégua agora. Milo não é forte e jovem como tu és.
Tem pouco tempo de vida, e já esperou quatorze
anos para que Caroline voltasse
para ele. Ele a ama tanto quanto eu.
O conde parecia estar pronto a agarrar Bradford e
sacudi-lo para lhe meter um pouco de juízo na
cabeça. Bradford hesitou durante um minuto
inteiro, aturando o olhar de raiva do seu sogro,
depois final-mente tomou uma decisão.
— Caroline e eu tivemos uma diferença de
opiniões, mas não é esse o motivo pelo qual ela
não está aqui comigo.
Devagar, sem ser interrompido, Bradford explicou
o verdadeiro motivo da ausência de sua esposa.
Disse que alguém a tinha empurrado das escadas
na casa dos Claymere, descreveu com detalhes o
'acidente' com a carruagem, citou partes da carta
ameaçadora que Caroline tinha recebido e
terminou essa narrativa sórdida com suas
conclusões de que Franklin é que estava por trás
de tudo aquilo.
— Ele é quem tem mais a ganhar — explicou
Bradford. — De várias fontes, já descobri que o
marquês vai deixar um bocado de dinhei¬ro de
herança para Caroline. As terras e o título, é claro,
ficarão com o Franklin, mas sem o dinheiro ele
vai ter que se virar para manter seu
atual estilo de vida. Loretta tem dívidas de jogos
de azar que chegam a uma fortuna bastante
respeitável, e o único motivo pelo qual os abutres
ainda não caíram em cima da mulher é que ela
assinou promissórias, nas quais consta que vai
pagar as dívidas assim que o marquês morrer.
— Quando Caroline voltou para Londres —
prosseguiu o duque
— o marquês alterou seu testamento, e disse ao
Franklin e à Loretta que
tinha feito isso depois que todos os papéis já
haviam sido assinados.
Braxton foi encolhendo-se cada vez mais na
poltrona durante a explicação de Bradford, e
depois escondeu a cabeça entre as mãos.
— O marquês está decepcionado com o seu irmão
e seu séquito de
amantes, e está perfeitamente a par do vício de
Loretta.
O conde sacudiu a cabeça e começou a chorar.
Bradford preocupou-se com a reação do sogro e
correu para acalmá-lo.
— Não é tão ruim quanto parece, senhor —
prometeu ele. —
Caroline está bem protegida, e Franklin não pode
fazer nada sem que
eu tome conhecimento. Não tenho provas
suficientes para condená-lo,
por isso pensei em ir ao seu encontro t duelar com
ele, para acabar logo
com tudo.
Braxton continuou sacudindo a cabeça.
— Não estás entendendo. Por que ela não me
contou nada? Eu
podia tê-la mandado de volta antes de te casares
com ela. — E aí sua
voz demonstrou sua angústia e seu desespero: —
Eu podia...
— Mandá-la de volta? Para Boston? — Bradford
estava com di-ficuldade de entender aquele
desabafo meio confuso. Uma sensação de
pavor começou a dominar seu coração, e ele
puxou o seu sogro, pondo-o
de pé. — Conta-me! Sabes de alguma coisa, não
sabes? Pelo amor de
Deus, conta-me o que estás pensando.
— Foi há muito tempo, e eu esperei até ele morrer
antes de ela
voltar. Faz tanto tempo, e, no entanto, para mím,
parece que foi ontem.
Minha esposa tinha morrido, e o bebé também, e
Caroline e eu fomos
para nossa casa de campo. Eu tinha causado certo
tumulto por expressar
meus pontos de vista radicais sobre a Irlanda, e
Perkins, um dos líderes
que se opôs a mim, não gostou muito da minha
interferência. Ele tinha
terras na Irlanda, muito mais do que qualquer
nobre, e a medida que
eu apoiava tinha acabado de ser aprovada,
permitindo aos irlandeses
católicos serem donos das suas próprias terras. Eu
sabia que Perkins me
detestava, mas não sabia como ele era mau. Para o
mundo inteiro, ele
era um cidadão irrepreensível.
O conde voltou a afundar na poltrona, e a
esconder a cabeça entre as mãos. Bradford
procurou ser paciente. Serviu mais uma bebida
para o sogro e entregou-lhe o copo.
O conde tomou um gole caprichado e depois
continuou sua narrativa.
— O Perkins mandou uns capangas atrás de mim,
porque queria me silenciar de uma vez por todas.
As terras que possuía não corriam
risco, mas ele queria expandir suas propriedades,
e eu estava conseguin¬
do muita popularidade para o seu gosto. Ele
achava que eu encontraria
uma forma de tirar as terras dele. A ironia foi que
eu já tinha perdido a
coragem de batalhar por essas causas. Meu mundo
tinha caído depois da
morte da minha mulher, e. eu só queria viver em
paz e em tranquilidade
com a minha garotmha.
— Caroline tinha só quatro anos. Era muito vivaz,
muito traqui-nas — o conde suspirou fundo e
depois endireitou a coluna. -
vieram durante a noite. Só dois. Caroline estava
no andar de cima dor¬
mindo, mas os gritos devem tê-la despertado. Ela
desceu as escadas. Um
dos homens estava empunhando uma pistola, e eu
o fiz soltá-la. Caroline
pegou-a e conseguiu atirar no homem. Ele morreu
três dias depois.
Bradford recostou-se na sua poltrona, claramente
espantado com a narrativa.
— Foi um acidente — disse o conde. Ela estava
querendo me
entregar a arma. Estava só querendo ajudar. O
homem tinha me esfa-queado, e tudo estava
salpicado de sangue. Caroline começou a correr
na minha direção e tropeçou, disparando a pistola.
Bradford fechou os olhos,
— Meu Deus, ela era uma criancinha mal saída
das fraldas. —
Sacudiu a cabeça. — Nunca me disse nada.
— Ela não se lembra.
Bradford mal o escutou. Estava só tentando
imaginar a pequena Caroline, como ela devia ter
se sentido horrorizada.
Finalmente, conseguiu entender o que o sogro lhe
declarou.
— O que sei é que ela morria de medo de pistolas,
quando era
menor. Considerava isso um defeito, e procurou
corrigi-lo. — A voz de
Bradford tremia, ele não conseguia controlá-la.
— Sim — respondeu Braxton. — Henry me
escreveu uma carta
contando isso. Meu irmão caçula era o único da
família que sabia o
motivo pelo qual Caroline tinha ido morar com
ele. Não contou nem
à esposa.
— E o que houve com os homens em questão?
Disse que um deles
morreu três dias depois, não?
— Sim, o tiro foi no estômago — respondeu o
conde. — Seu
nome era Dugan.
— E a família dele?
— Ele não tinha família,
— E os outros?
— Perkins morreu no ano passado. O terceiro era
um sujeito cha¬mado McDonald. Não tinha
família também, que eu soubesse. Fazia só dois
meses que estava em Londres. Admitiu que tinha
recebido dinheiro do Perkins, mas teve medo de
dar testemunho se eu desse queixa. Como se eu
tivesse coragem!Minha hlhinha, exposta a um
escândalo desses! Nunca! E eu não sabia se o
Perkins tinha enviado outros ou não. Não podia
confiar nele, entende?
— Então preparei as malas da Caroline, mandei-a
para a América
com dois dos meus amigos mais confiáveis e fui
atrás do Perkins eu
mesmo.
— Como? Como é que foi atrás dele? — indagou
Bradford.
Suas mãos apertavam os braços da poltrona, de
modo que ele procurou acalmar-se.
— Fui à casa dele com a minha pistola. Ele tinha
dois filhos, e
quando encontrei o Perkins sozinho lhe disse que
tinha contratado
gente para matá-lo e matar os dois garotos se
acontecesse alguma coisa
comigo ou com a minha filha. Ele entendeu o
recado. Era capaz de jurar
que eu estava falando sério.
Esperou que Bradford confirmasse que tinha
entendido, e depois continuou:
— Achei que a ameaça tinha terminado, mas
mesmo assim não
podia arriscar-me. Caroline era tudo que restava
da minha família! Pro¬
curei afastar-me do cenário político e jurei que
minha filha só voltaria
quando todos eles tivessem morrido.
Bradford subitamente sofreu uma transformação,
portando-se de maneira mais brusca, mais neutra.
A proteção de sua esposa, do seu ponto de vista,
era imprescindível, e não havia tempo para
permitir que outras emoções interferissem. A hora
da compaixão chegaria depois, quando ele
contasse a Caroline.
— Muito bem. Então Perkins e os assassinos de
aluguel dele mor¬reram todos. E agora, como
ficamos? — esfregou a mandíbula, pensa¬tivo,
olhando fixamente as chamas da lareira.
O som do relógio dando as horas era o único ruído
na sala enquan¬to ambos os homens refletiam
sobre aquele enigma.
— Tens certeza de que ninguém mais tomou
conhecimento do que
houve? Será que Perkins não poderia ter contado a
mais alguém?
Braxton sacudiu a cabeça.
— Ele não teria ousado fazer isso — comentou.
— E eu não
contei a ninguém, a não ser o meu irmão.
Bradford levantou-se e começou a andar de um
lado para outro na sala.
— O que vão fazer? — indagou o conde. Agora
estava torcendo as
mãos, e Bradford achou-o tão velho e frágil
quanto o marquês.
— Não sei ainda. Mas agora a carta faz sentido.
Quem a escreveu
prometeu vingança, mas também havia nela outras
tantas obscenidades
sem sentido às quais não prestei a menor atenção.
— Ai. meu Deus, ela não está segura! Ela...
Bradford interrompeu o sogro com um tom
subitamente áspero que não conseguiu conter.
— Nada vai lhe acontecer. Droga., só agora é que
fui entender o
quanto ela significa para mim. Não vou deixar
ninguém encostar a mão
nela. Eu...
— Sim? __ incentivou o conde, quando Bradford
parou.
— Eu a amo. — Bradford soltou um suspiro alto.
— E não preten¬do perdê-la agora —
acrescentou, fazendo essa declaração como se
fosse
um juramento. — Olha, tenta o melhor que
puderes não te preocupar.
Diz ao marquês que Caroline está resfriada ou
coisa assim. Convence-o de
que ela está convalescendo, e pretende continuar
escrevendo para ele. Isso
deve abrandar o homem até eu conseguir formular
outro plano de ação.
O conde sentiu-se como se um peso que vinha
carregando desde o início dos tempos finalmente
tivesse sido retirado de seus ombros. Concordou
com tudo e foi até a porta.
— Não vais contar a Caroline que troquei
confidências contigo,
vais? Não há motivo para ela saber disso —
declarou ele. — Minha
filhinha entrou nessa história como uma inocente.
Bradford concordou.
— Vou guardar segredo por enquanto, mas
depois, quando tudo
passar, vou ter de lhe contar.
E acompanhou o sogro até a porta, fazendo o
seguinte comentário:
— Caroline não te contou sobre a ameaça porque
não queria te
preocupar. E eu disse muito pouco a ela sobre
meus pensamentos re¬
ferentes ao inimigo, porque não queria que ela se
preocupasse. Ambos
estávamos tão preocupados em proteger um ao
outro que acho que
todos perdemos um pouco a noção da realidade.
Sempre insisti na con-fiança cega... — E Bradford
parou assim que essas palavras saíram da
sua boca. Sacudiu a cabeça. — Confiança cega.
Exatamente o que ela
exigiu de mim — admitiu.
— O que é? — O conde de Braxton parecia
confuso.
— Ela me deu seu amor e sua confiança —
comentou Bradford.
Sua voz parecia áspera, mas era a única maneira
pela qual ele podia
controlar o tremor que sentia por dentro. —
Sabias que ela às vezes me
chama de Jered?
O sogro sacudiu a cabeça e franziu o cenho,
obviamente perplexo diante da mudança de
assunto.
Bradford tossiu e agarrou a maçaneta da porta.
— Olha, prometo te manter informado. Agora vai
para casa e
descansa um pouco.
O conde já estava no meio das escadas quando
Bradford deteve-o com uma pergunta.
— Quando exatamente aconteceu tudo isso?
— Quê?
A data, senhor, em que esses homens o
procuraram?
— Faz quase quinze anos — respondeu o conde.
— Não, estou querendo saber a data exata. O dia,
o mês... vós
vos lembrais?
— Fevereiro, na noite do dia 20, 1788. É tão
importante assim?
Bradford não permitiu que seu rosto traísse
nenhuma reacão.
— Pode ser que sim. Enviarei notícias —
prometeu, sem dizer
mais nada sobre suas suspeitas.
Mas assim que a porta se fechou, sua expressão
mudou, e sua preocupação ficou claramente
visível. Ele rezou para estar errado, tre-mendo de
ódio. Se suas suspeitas se confirmassem, ele não
tinha muito tempo. Apenas seis dias para
encontrar aquele salafrário! Seis dias até o dia 20
de fevereiro...
As mãos de Bradford estavam trémulas enquanto
ele fazia a lista do que precisava ser feito. Só foi
para a cama bem depois de meia-noite. No dia
seguinte, depois de ter colocado em ação seu
plano, voltaria para o lado da mulher. Essa ideia
acalmou-o, e ele entendeu que estava louco para
confessar-lhe seu amor e suplicar seu perdão. Ele
ma ao seu encontro como duque de Bradford e
como Jered Marcus Benton. Ele sabia no fundo de
seu coração que ela o amava. E se o poder, a
riqueza e o título desaparecessem no futuro, ela
continuaria ao seu lado.
Bradford sentiu imenso contentamento, imensa
paz de espírito ao pensar no futuro e em como
abraçaria sua esposa. Começou a pensar em todas
as formas diferentes como iria amá-la, e
adormeceu com um sorriso nos lábios.
Milford chegou à casa de Bradford em Londres
exatamente quan¬do seu amigo estava se
preparando para partir.
Bradford explicou rapidamente que achava que
quem estava que¬rendo matar Caroline atacaria
dentro de apenas seis dias. mas não expli¬cou por
quê. Sentia que a esposa devia saber primeiro, e
seria sua decisão contar a Milford ou não, ou a
qualquer outra pessoa, sobre o que tinha ocorrido
tantos anos antes.
— Agradeceria se viesses comigo até Bradford
Place. Pode ser que
possas me ajudar. Quanto mais gente de confiança
perto da Caroline,
melhor — disse ele.
— Meu Deus, minhas costas ainda estão doloridas
da viagem de ontem, mas sabes que irei contigo
— respondeu Mllford. — Além de querer te
ajudar, também quero ouvir quem pede desculpas
primeiro.
— E vendo a exasperação do amigo, riu.
— O que é que te faz pensar que vou pedir
perdão? — indagou
Bradford, sorrindo abertamente.
— O fato de que és teimoso, meu amigo, mas não
és burro —
retrucou Milford.
Bradford surpreendeu o amigo ao concordar com
ele.
— Então vais mesmo pedir perdão? — indagou
Milford.
— Se for preciso, de joelhos — anunciou
Bradford.
E aí riu da cara que o amigo fez.
— Que foi? Pensei que já estavas cansado de
bancar o mediador
— comentou, ao dar um tapa nas costas do amigo.
— Foi por isso que
foste falar com a Caroline. não foi? Para que ela
enxergasse a razão?
Milford fez cara de encabulado.
— Foi, eu confesso — respondeu. — Mas Brad,
não exagera, hein?
Se caíres de joelhos só uma vez. Caroline vai
mandar e desmandar em
ti pelo resto da vida. Além do mais, está decidida
a voltar para casa. Só
Deus sabe o quanto a adoro, mas ela...
— Eu também — interrompeu-o Bradford.
— Eu também o quê?
— Adoro-a — explicou Bradford.
— Não diz isso a mim. rapaz, diz à Caroline.
Bradford sacudiu a cabeça.
— E eu diria, meu amigo, se tu começasses a se
mexer para
partirmos.
Os dois mal disseram uma palavra durante a
viagem, pegando vários atalhos que diminuíram a
distância de Londres até Bradford Hílls em quase
uma hora. A cada quilómetro que passava, o
humor de Bradford melhorava um pouco mais.
Ele entrou na sala de estar da sua mansão
chamando Henderson aos berros para poder lhe
dar novas instruções, e depois para servir-se de
conhaque. Depois de tomar um trago caprichado,
virou-se para sentar-se alguns minutos. Sua
poltrona de couro preferida não estava ali, e ele
franziu o cenho ao sentar-se na cadeira de encosto
baixo. Tomou mais um gole do copo que
segurava, e depois virou-se para colocá-lo na
mesa de três pés que sempre estava ao lado de sua
poltrona. Só que a mesinha não estava mais lá, e
Bradford só foi notar isso quando seu copo quase
caiu no chão.
Ele franziu o cenho diante dessa ligeira
inconveniência e aí Milford entrou na sala e
chamou-o.
— Brad, já esteve na sua biblioteca?
Bradford sacudiu a cabeça. Estava só pensando na
esposa e ten-tando formular como lhe diria o
quanto tinha sido idiota sem parecer um. Viu que
estava ficando nervoso e entendeu que ainda não
se sentia bem com a ideia de abrir o coração e a
alma para a mulher que amava. O problema,
enquanto ele estava sentado ali, analisando tudo,
era que não tinha muita prática nisso.
Milford não quis permitir um momento de
privacidade e insis-tiu, entre mordidas no pão que
segurava, que Bradford fosse com ele à biblioteca.
— Acho que deixaram um recado lá para ti, mas
não entendi a
mensagem — murmurou, de boca cheia.
Bradford cedeu, seguindo Milford até a porta da
sua biblioteca.
— Mas que raio é que... Henderson? — Bradford
gritou, receben¬do um eco como resposta.
Entrou devagar em seu santuário, olhando em
torno de si, assom¬brado. A sala estava
completamente vazia. A escrivaninha, as cadeiras,
os livros, os papéis e até mesmo as cortinas
haviam sido retiradas.
Bradford virou-se para Milford e sacudiu a
cabeça, atordoado.
— O Henderson deve estar escondido em algum
lugar — disse
Milford. — O que é que está havendo, hein?
Bradford deu de ombros, ainda de cara amarrada.
— Vou ter que descobrir o motivo mais tarde.
Agora nesse momento eu só quero partir para
Bradford Place. — E começou a subir as
escadas, de dois em dois degraus, gritando
enquanto isso para o amigo:
— Podes vestir uma das minhas camisas, se
quiseres mudar de
roupa.
Bradford parou ao chegar à porta do quarto de
Caroline. Abriu-a num impulso e deu uma olhada
rápida dentro dele. Tudo estava exatamente
onde devia estar, e mesmo assim ele não desfez a
carranca. Fechou a porta e continuou até o seu
quarto. Assim que abriu a porta, começou a rir. O
quarto estava tão vazio quanto a biblioteca.
Henderson apareceu correndo com Milford ao seu
lado.
— Não será possível mudar de roupas, Sua Graça
— anunciou
Henderson, com altivez. Seu rosto estava
vermelho como uma brasa,
como se ele tivesse ficado parado no frio a manhã
inteira.
— E por quê, pode-se saber? — perguntou
Bradford. E continuou
rindo até as lágrimas brotarem nos seus olhos.
— Vossa esposa solicitou que todos os vossos
pertences fossem
transferidos. Creio, senhor, que por ordem vossa.
Bradford assentiu.
— Naturalmente acreditaste. Henderson. — E
virou-se para seu
amigo, que estava atônito, dizendo: — Ela levou
só minhas coisas, Mil-ford. É um recado sim, e
nada sutil.
— E qual é o teor da mensagem? — indagou
Milford, descobrindo
que o riso de Bradford era contagioso. Começou a
casquinar sem fazer
idéia do motivo.
Bradford demonstrou sua exasperação.
— Levaram minhas coisas todas para Bradford
Place. Está na cara
que está pretendendo me mostrar qual é o meu
lugar — concluiu, dando
um tapa forte no amigo meio lento de
compreensão, começando a per-
rorrer o corredor. — Como é que eles
conseguiram levar minha cama,
hein, Henderson? Devem ter sido pelo menos uns
quatro homens...
Henderson ficou imensamente aliviado por seu
patrão ter achado iquilo engraçado.
— Na verdade foram cinco — confessou.
Pigarreou e depois
acrescentou: — Eles tentaram rne recrutar
também, Sua Graça. Estou
encabulado de admitir que fui obrigado a me
esconder na copa até eles
saírem.
— Esconder-se não vai adiantar, Henderson —
anunciou Bradford
quando conseguiu controlar-se. — Ela vai te
encontrar, mais cedo ou
mais tarde. Se estiver decidida a levar-te para
Bradford Place, é melhor
ir aceitando logo.
— E vós, onde estareis, posso lhe perguntar? —
indagou Henderson.
— Com minha esposa — disse Bradford,
sorrindo.
Milford e Bradford partiram de novo, com outros
cavalos, mas levaram quatro horas para chegar a
Bradford Place, pois os morros que existiam no
caminho não lhes permitiram pegar atalho algum.
Era quase hora do jantar quando eles entraram na
fortaleza som¬bria. Só que lá dentro não era mais
uma fortaleza. Era uma casa.
Bradford ficou deslumbrado, parando no meio do
vestíbulo.
— Ela transformou a fera em uma coisa bela.
— Estás te referindo a ti mesmo ou a nossa casa?
— A pergunta
reboou vinda de cima, e Bradford virou-se para
olhar para o alto das
escadas.
Sua esposa estava parada ali, esperando a resposta
dele. O peito de Bradford contraiu-se, e ele não
conseguiu articular nenhuma palavra.
Caroline não queria mais nada senão descer
correndo as escadas e jogar-se nos braços do
marido. Esperou, desejando ver se ele estava
zangado ou feliz por vê-la, primeiro. O marido
continuou olhando para ela e quanto mais durava
aquele silêncio, mais mal ela se sentia. Tinha
acabado de pôr um vestido simples, amarelo, que
lhe fazia a pele pi doentia. Se ao menos tivesse
escolhido o azul, censurou-se ela. Se ao me¬nos
soubesse que ele vinha! Meu Deus, mas os
cabelos dela nem mesmo estavam bem penteados,
e ela sabia que estava com cara de intrigada.
— Tu demoraste muito para chegar, hein? —
disse ela. deixando
de lado o problema de sua aparência. Se ela estava
toda desarrumada, a
culpa era dele, não dela.
Ela desceu as escadas e parou bem na frente do
marido. Ele estava com uma expressão muito
séria, muito bem-comportada, mas havia ternura
nos seus olhos também. Aquilo a surpreendeu, e
ela decidiu que ele obviamente não tinha parado
em Bradford Hills no caminho para a fortaleza.
Senão estaria gritando com ela agora.
Caroline fez uma reverência e sorriu para o
marido.
— Bem-vindo ao seu lar — disse.
E não ousou encostar o dedo nele. Sabia que
depois que estivesse em seus braços esqueceria
completamente o discurso que tinha prepa¬rado, e
estava decidida a terminar isso primeiro.
Ficou olhando o marido enquanto cumprimentava
Milford.
— E tu, trouxeste o dinheiro que me deves? —
indagou.
Bradford ouviu a pergunta de Caroline, mas teve
dificuldade de compreender exatamente do que
ela estava falando. Ele só conseguia concentrar-se
na proximidade dela. Estava tão linda! E
percebeu, ao dar o primeiro sorriso, que ela
parecia estar um tanto nervosa. Ele se perguntou o
que estaria passando naquela cabecinha
complicada dela.
Não precisou esperar muito pela resposta.
__ Vieste direto de Londres para cá? Não paraste
em Bradford Hills? — perguntou Caroline,
olhando fixamente para um dos botões da sua
casaca.
— Paramos lá. sim.
— Ah. pararam? E não estás zangado comigo? —
Ela achou essa
uma pergunta tola, assim que acabou de fazê-la.
Era óbvio que ele não
estava zangado, porque estava sorrindo para ela.
Portanto, concluiu que
ele não tinha ficado por lá tempo suficiente para
saber o que ela havia
feito. Ah, sim, pensou ela, com uma risada
nervosa, vai descobrir logo,
logo. Aí então sim, é que as coisas iam esquentar.
Melhor terminar logo o discurso, antes de
Bradford subir, decidiu Caroline.
— Eu preciso mesmo falar contigo, Bradford.
— Diz boa-noite para o Milford, amor.
— O quê? Mas ele acabou de chegar. Certamente
não vai embora
agora, vai?
— Não é o Milford, é a Caroline — contradisse
Bradford.
— Milford não vai embora?
O convidado em questão foi bem mais rápido em
entender o que Bradford estava dizendo à esposa.
Pegou a capa sobre a mesa do vestíbu¬lo e foi
percorrendo o corredor, procurando a sala de
jantar e assobiando uma musiquinha atrevida.
— Hora de ir para a cama, Caroline.
— Mas ainda não estou cansada.
— Otimo.
— Ainda é dia, Bradford. Não vou conseguir
dormir.
— Espero que não.
Caroline enrubesceu quando Bradford ergueu-a
nos braços e levou-a para cima. Ela finalmente
tinha entendido qual era sua intenção.
— Não podemos fazer isso — protestou ela. —
Milford vai ficar sabendo!
Bradford já havia alcançado o topo da escada e
perguntado:
— No seu quarto ou no meu?
— No nosso — corrigiu Caroline, desistindo de
argumentar. Apontou para a primeira porta à
direita. Quando o marido estava para abri-la,
agarrou-lhe a mão, lembrando-se da mobília.
— Há uma coisa que gostaria de te explicar sobre
esse quarto — apressou-se a dizer.
Bradford fingiu que não tinha ouvido e abriu a
porta. A mobília do seu quarto estava onde ele
esperava que estivesse, e ele procurou manter sua
expressão neutra ao entrar e fechar a porta.
Caroline esperou o comentário dele, mas Bradford
pareceu satis¬feito ali encostado à porta,
segurando-a nos braços.
Viu a banheira vazia a um canto do quarto e
lembrou-se de que ele estava coberto de pó da
estrada. Relutante, deixou Caroline deslizar para o
chão e deu-lhe apenas um beijo casto no alto da
cabeça. Sabia que se a beijasse como ela gostava
de ser beijada não tomaria banho.
— Primeiro o dever, querida — murmurou, com
um suspiro re-lutante. Virou-se e abriu a porta,
pedindo água com um grito alto o bastante para
todos os guardas ouvirem.
— Bradford, quer, por favor, me dar tua atenção
agora? — perguntou Caroline. Foi até a cama e
sentou-se na beirada dela. — Notou alguma coisa
diferente? — perguntou.
— Notei tudo — respondeu Bradford. — Seu
cabelo está todo despenteado, e com esse teu
vestido horrível pareces até um cadáver. Tira o
vestido assim que o banho estiver preparado.
Caroline não se ofendeu nem um pouco com seus
comentários, admitindo consigo mesma que ele
tinha razão. Estava sorrindo para ela e sua
expressão aqueceu-a. Ele a desejava.
— Nunca te vi de tão bom humor — confessou
ela, baixinho. — Pensei que ficarias zangado por
eu ter trazido a mobília para cá, mas nem mesmo
notaste. Aliás, teu escritório fica no fim do
corredor.
— Notei — disse Bradford, com uma risadmha.
— Tem só uma cama desse tamanho na Inglaterra
inteira, imagino eu.
— Bradford, tenta falar sério só um minuto. Tem
uma coisa que eu
gostaria de discutir contigo. E estás me deixando
nervosa assim sorrindo
o tempo todo para mim.
Uma batida à porta interrompeu-a. Bradford
abriu-a, viu que eram u» gudidds cum baldes de
água e permitiu que entrassem. Arrastou a
banheira para perto da lareira e acendeu o fogo
enquanto enchiam a banheira.
A espera durou uma eternidade para Caroline. Ela
queria terminar logo o seu discurso. Bradford
certamente ficaria para arrebentar de tão
convencido. E aí tudo fez sentido. Tinha sido o
Milford! Ele devia ter contado ao Bradford. Era
esse o motivo pelo qual seu marido estava tão
despreocupado agora.
— O que o Milford lhe contou? — perguntou
Caroline. — Quan¬do ele me visitou, ele...
Ela não conseguiu terminar a frase. Bradford
estava se despindo, o que a distraiu. Passou a
camisa sobre a cabeça e deixou-a cair no chão,
de¬pois foi até a mesa onde estavam a jarra e a
bacia. Caroline ficou olhando, hipnotizada, o
marido lavando o rosto e as mãos na bacia de
porcelana.
— Estás te lavando antes de tomar banho? —
indagou ela, meio
desorientada. —Um exagero, isso, não achas?
Bradford sorriu. Foi até a cama e sentou-se ao
lado da esposa. — Ajoelha, mocinha — grunhiu.
Caroline ficou surpresa com essa ordem.
— Agora vais querer também que eu me ajoelhe
diante de ti? —
Sentiu a coluna começando a enrijecer-se. —
Olha aqui, Bradford, não
sei o que o Milford lhe disse, mas...
— Ajuda-me a tirar as botas, sim, Caroline?
— Ah, sim. — Caroline demonstrou sua
exasperação. Não se ajo¬elhou, mas em vez disso
sentou-se sobre as pernas dele, proporcionando
a Bradford uma visão deliciosa de suas nádegas.
Quando ela terminou
de tirar-lhe as botas, virou-se com as mãos nos
quadris. — Queres me
ouvir, por favor?
— Depois do nosso banho.
— Nosso banho?
Bradford confirmou, rindo do jeito como Caroline
corou. E então passou a tirar-lhe as roupas bem
devagar. Caroline notou que suas mãos tremiam, e
ficou surpresa com essa demonstração de
sentimentos, pois o rosto do marido não traía nada
do que ele estava pensando naquele instante.
Ele ergueu-a nos braços, lutando contra as
sensações que a maciez da pele da esposa
despertavam nele, e tratou de meter-se na
banheira com Caroline no colo.
— Estás corada como uma virgem, minha esposa
— comentou Bradford com um olhar malicioso
proposital. — Começa a banhar-me — ordenou.
Ele lhe entregou uma barra de sabão e Caroline
começou a lavar o peito do marido.
Nenhum deles disse nada durante os minutos
ofegantes que se se¬guiram. Caroline perdeu o
sabão quando começou a enxaguar a espuma para
removê-la do peito dele. Não conseguia
concentrar-se em nada, ouvindo-se murmurar que
ele ia ter de se levantar para que pudesse esfregar
suas pernas, e achou que sua voz parecia tão
áspera quanto o vento que circundava as paredes
lá fora.
— Acho que não vou conseguir me levantar —
disse-lhe Bradford. Sua esposa estava admirando-
lhe abertamente o peito, sem disfarçar, e ele
obrigou-a a olhar para o seu rosto. — Também
despertas em mim as mesmas emoções, e sabes
muito bem disso — disse, em voz rouca.
Desperto o quê? — murmurou Caroline,
timidamente.
__ Tiras as minhas forças, tamanho
é o desejo que sinto por ti. Queria ir devagar,
saborear os momentos antes de tocar-te, criar um
clima de expectativa...
__ Se não me beijares logo, morrerei — sussurrou
Caroline. pen¬durando-se no pescoço dele e
puxando sua cabeça na direcão da sua.
Ele lhe deu um beijo provocante, mais uma
mordiscada, mas Caroli¬ne estava impaciente
demais. Mordeu-lhe o lábio ínfcuui, puxando-o.
Bradford não foi mais capaz de provocá-la.
Beijou-a ardentemente, e sua boca estava tão
quente, tão exigente, que Caroline reagiu com seu
próprio ardor, sua própria necessidade.
A língua dela enleou-se na dele, e Bradford virou-
a até ela estar de frente para ele, com uma perna
de cada lado dos seus quadris. Os seios dela o
enlouqueciam, roçando tentadoramente contra seu
peito, e ele não conseguia parar de beijá-la, de
acariciá-la.
Caroline pendurou-se no pescoço dele, assaltada
pela paixão que se acendeu entre os dois. A língua
dele a atormentava; ela não parecia sentir que
estava perto dele o suficiente, sentia um ardor
incontrolável tomar conta de si.
Ele murmurava palavras de amor, eróticas,
provocantes, mas os vapores da paixão eram tão
espessos, tão consumidores, que ela só
con¬seguia concentrar-se naquele fogo que
crescia a cada momento.
As mãos dele acariciaram-lhe as costas,
aumentando a chama do desejo, e aí ele passou a
acariciar o centro dela, e ela ouviu seu próprio
grito de agonia e de êxtase cada vez maior.
— Jered: — Era uma exigência.
Então Bradford penetrou-a várias vezes seguidas.
Caroline ar-queou-se contra ele. apertando-o
ainda mais, e recebeu, aliviada, o clí-max dos
dois.
Caiu contra o seu peito, exausta, do prazer
resultante do amor impaciente dele, da sua reação
impaciente.
O coração de Bradford parecia estar para explodir,
e Caroline aguardou até o ritmo cardíaco do rapaz
reduzir-se antes de se mexer.
— Eu tinha me esquecido de que estávamos em
uma banheira —
disse ela, com uma risada trémula. Suspirou,
aninhando-se contra o lado
do pescoço do marido, e fechou os olhos. — Eu te
amo, Bradford
— Nunca vou me cansar de ouvir-te dizer isso —
murmurou
Bradford.
Caroline concordou, sua única reação a suas
palavras. E aí ela co-meçou a chorar, e por sinal,
mais alto que Charity.
Bradford deixou-a soluçar contra o seu peito,
ternamente lhe aca-riciando os ombros, e quando
ela começou a parar e conseguiu ouvi-lo ele disse:
— Caroline presta atenção no que vou te dizer.
— Não — disse Caroline. — Precisas prestar
atenção ao que vou te dizer primeiro. Entendo que
não podes me amar ainda. Fui muito
impaciente e exigente — continuou, soltando
outro soluço alto. — Não
tiveste tempo suficiente para conheceres mulheres
que prestassem, e eu
exigi de ti o que não poderias me dar de jeito
nenhum. Vou te suportar e aceitar-te como és.
Se ela acreditou que seu discurso fervente
acalmaria o marido, estava enganada. Bradford
amarrou a cara.
— É muita generosidade tua, cara esposa. Estás
desistindo, então ?
Caroline lançou-lhe um olhar de soslaio e viu pelo
seu olhar que ele estava achando graça.
— Que foi? Não, só aceitando, Bradford —
respondeu ela.
— E exatamente quanto tempo planejas ter
paciência, meu amor?
— Estás me confundindo, Bradford —
comentou Caroline. —
Pensei que estavas comovido com minha decisão,
e em vez disso cons¬
tato que achas isso engraçado. E exatamente o que
devo achar disso?
Ela ficou de pé, usando a barriga dele como
degrau para sair da banheira, satisfeita quando
ouviu seu gemido alto de protesto.
— Bem feito, por seres tão arrogante — anunciou
Caroline. —
Milford lhe disse que eu queria voltar para casa,
não foi? Por isso é que
estás tão contente, não é?
— Estou feliz porque acabei de fazer amor com
minha obediente esposa — replicou Bradford,
com um sorriso descarado.
— De obediente não tenho nada — contradisse
Caroline. E ela se ajoelhou ao lado da banheira,
pescou o sabão dentro d'água, e começou a
esfregar o marido. — A menos que eu te dê minha
palavra, claro. Então
acho que podes contar que vou obedecer-te e
cumpri-la. — Suspirou e
disse: — Acho que venceste, não foi?
Bradford não sabia se ela estava percebendo o que
estava fazendo. Parecia que estava acumulando
tanto nervosismo quanto acumulava espuma na
sua perna direita, e ele começou a rir de novo.
— Acho que vais arrancar minha pele —
comentou Bradford. — Não fica assim tão
perplexa, amor. E então, terminaste de me pedir
desculpas ou ainda tem mais alguma coisa a me
dizer? — indagou, com
um interesse preguiçoso.
— Não pedi desculpas, mas não vou discutir
sobre isso.
— Então acho que chegou a minha vez —
anunciou Bradford.
Perdoa-me, Caroline. Sei que não vem sendo fácil
me amar, e te causei um bocado de sofrimento.
Minha única desculpa é que te amo tanto que me
comportei como um tolo. Eu...
Caroline tinha deixado cair o sabão, e ficado de pé
durante o dis-curso dele.
— Não te atrevas a brincar com meus
sentimentos, Bradford. —
Lágrimas escorriam-lhe pelo rosto, e ela as
enxugou com o dorso da
mão. — Estás me dizendo a verdade? Tu me amas
de verdade?
Bradford tinha saído da banheira, e já estava
abraçando Caroline antes que ela pudesse fazer
sequer um gesto.
— Fui eu que causei isso? — indagou ele, a voz
deixando trans-parecer o sofrimento. — Meu
Deus, Caroline, eu te amo! Acho que
sempre te amei. E agora que finalmente consigo
dizer isso, tu choras!
Nunca menti para ti, Caroline. nunca! — Disse
isso em tom agressivo,
e Caroline percebeu sua angústia.
Ela chorou de encontro ao peito dele, e Bradford
ficou parado ali, sentindo-se completamente
apático. Pingava água no chão todo enquan¬to ela
derramava lágrimas quentes sobre todo o seu ser.
— Não podes mais retirar o que disseste.
A voz de Caroline foi abafada, e ele precisou
pedir que repetisse o que tinha acabado de dizer.
Estava fungando e soluçando, mas final-mente
conseguiu repetir.
— Eu disse que não vais mais poder retirar o que
disseste.
Bradford começou a rir, e certamente foi esse o
motivo para as lá-grimas nos seus próprios olhos.
Ele arrastou a sua esposa trémula para a cama e
abraçou-a sob as cobertas. Beijou-a, um beijo
longo e satisfatório, e voltou a repetir várias vezes
que a amava muito até ela ter certeza de que podia
acreditar nele.
— Estou querendo ouvir o resto — disse-lhe
Caroline. E tambori¬lou com os dedos no peito
dele durante um minuto inteiro até perceber que
Bradford não ia dizer mais nada. E aí começou a
rir. — Meu Deus, mas que homem mais teimoso
que és! Claro que me amas. Eu já sei disso faz
tempo — mentiu descaradamente. — Agora
admite que confiarás em mim, não importa quais
sejam as circunstâncias.
— Pode enumerar todas antes que eu me
comprometa — respondeu Bradford com uni
sorriso franco. E empurrou sua cabeça para
debaixo do seu queixo, inspirando sua fragrância
especial. — Estás cheirando a rosas — murmurou.
— E tu também — disse-lhe Caroline. — Usamos
meu sabão. Ê
perfumado.
Bradford resmungou qualquer coisa consigo
mesmo.
— Pelo menos não estás mais cheirando como o
teu cavalo — dis¬se Caroline, com uma risadinha
zombeteira. — Sabes, Bradford, o nome do teu
cavalo foi uma pista definitiva, só agora estou
percebendo.
— Do que estás falando? — indagou Bradford,
confuso.
— Confiança! Foi uma pista para o que valorizas,
o que faltava em tua vida — explicou Caroline.
— Eu confio em ti, sim, Caroline — admitiu
Bradford. — Mas
quanto ao ciúme, não posso prometer nada. Vou
tentar — jurou. E
disse-lhe que a amava de novo, encontrando uma
liberdade e uma alegria
que não sabia que fossem possíveis apenas com
essa admissão, e fizeram
amor de novo, bem devagar dessa vez. Ele
preparou a fogueira da paixão
de forma bem calculada, sabendo exatamente o
que tocar, como dar
a ela o prazer que tinha imaginado durante todas
as noites que tinha
passado longe dela.
Amou-a com uma intensidade que a fez chorar
outra vez,
— Eu te amo, Caroline — disse, apertando-a
contra si.
— Nunca vou me cansar de ouvir isso.
Passou-se um instante antes que Bradford se
lembrasse de que aquelas tinham sido exatamente
as palavras que ele tinha dito a ela. Ele sorriu,
gostando daquele toque humorístico da esposa.
— Bradford? Quando foi que descobriu? Quando
foi que entendeu que me amava?
— Não foi de uma hora para outra — disse-lhe
Bradford. Caroli¬ne estava deitada de costas, e
Bradford apoiou-se em um cotovelo para olhar
para ela.
Sorriu do olhar decepcionado dela, e foi obrigado
a beijar-lhe as rugas da testa para alisá-la, antes de
continuar.
— Eras como uma farpa na minha pele — disse-
lhe Bradford.
Uma chateação constante.
Caroline deu uma risada.
— Nossa, mas como és romântico!
— Tão romântico quanto tu és. Parece que estou
me lembrando de que tu me disseste que me amar
era como ter uma dor de estômago.
— Eu estava irritada naquela hora — confessou
Caroline.
— Senti-me imediatamente atraído por ti —
continuou Bradford.
— Teria feito de ti minha amante sem pensar nas
consequências, se
tivesses permitido — admitiu.
— Eu sabia.
— Mas não eras como qualquer outra mulher. Na
noite em que
fomos ao baile dos Aimsmond, não estavas
coberta de jóias.
— E o que tem o pé a ver com a mão? —
perguntou Caroline.
— Jóias não eram importantes para ti — explicou
Bradford. E riu,
pensando na sua burrice, confessando: — Tentei
comprar teu afeto, sim,
com presentes, não tentei?
— Tentaste — disse-lhe Caroline. feliz por ele ter
reconhecido. —
E também me trataste muito mal. Sabias como
estava este lugar quando
me mandaste para cá?
Bradford fez uma careta e relutantemente
confessou que sim.
— Estava zangado, Caroline. Estavas rejeitando
tudo que eu tinha a oferecer — acrescentou ele,
dando de ombros.
— Nem tudo — murmurou Caroline. E agora sua
voz tinha fi¬cado séria, tão séria quanto seu rosto.
— Eu só queria teu amor e tua
confiança.
— Agora entendo isso — respondeu Bradford. —
Ficarás satisfei¬ta em viver comigo no campo o
resto da vida?
— Eu moraria contigo até em um cortiço
londrino, contanto que me amasses — respondeu
Caroline. — Adoro a vida rural. Fui criada numa
fazenda, afinal de contas.
— E achas que vais aprender a considerar a
Inglaterra a tua
pátria?
— Preciso admitir que vem sendo difícil adaptar-
me. Em Boston
a vida era bem mais sossegada, Bradford. E eu
acho que ninguém me
odiava a ponto de querer matar-me. E alguns dos
cavalheiros daqui não
têm vergonha nenhuma na cara! Já notaste isso?
Claro — prosseguiu
ela, a tagarelar —, também existem patifes nas
Colónias, mas eles não se disfarçam de nobres.
Bradford sorriu.
— Já tiveste que passar por muitas dificuldades na
vida — admi¬tiu. — Mas agora vou tomar conta
de ti.
— Sei que vais — respondeu Caroline. — E
conheci pessoas mui¬to simpáticas. A Inglaterra
agora é minha terra. — Caroline suspirou e
aninhou-se junto ao marido, numa felicidade
imensa. — A vida aqui não é nada monótona, isso
eu posso lhe afirmar.
— Minha amada, a vida nunca te aborrece —
respondeu Bradford.
— Teu pai devia pôr as mãos para o céu por que o
irmão dele precisou
cuidar de ti enquanto estavas crescendo. Tu dás
um trabalho danado,
acho eu.
— Sempre fui calada e tímida — anunciou
Caroline com con¬vicção. Percebeu que o marido
não concordava com sua avaliação, pois soltou
uma gargalhada. — Ora, tentei me comportar
como uma pessoa calada e tímida — confessou.
— E acho que meu pai passou esses ca¬torze anos
desejando que eu estivesse com ele.
— Tenho certeza que sim — disse Bradford. Sua
fisionomia então ficou resoluta, e ele acrescentou:
— Ele se sacrificou por ti, Caroline.
Ela confirmou que entendia.
— Tenho certeza de que sim, mas não entendo
por quê. Achas que
um dia ele me contará?
Bradford lembrou-se então de que o pai de
Caroline tinha lhe suplicado para não mencionar a
Caroline o acidente com a pistola, e que ele tinha
prometido lhe contar depois que o perigo tivesse
passa-do. Percebia agora que seria um erro
esconder a verdade dela. Era sua esposa, seu
amor, e deviam dividir suas preocupações, assim
como suas alegrias.
__ Seu pai me fez uma visita enquanto eu estava
em Londres. Ele me contou um incidente que
aconteceu quase quinze anos atrás. Certa noite,
dois homens vieram à casa do teu pai, à casa de
campo dele —
especificou. __ Estavas dormindo, e deves ter
ouvido o barulho e descido as escadas. Os homens
tentaram matar teu pai, e tu acidental-mente
mataste um deles.
O rosto de Caroline revelou-lhe o espanto.
— Eu matei?
Bradford confirmou.
— Não te lembras de nada, lembras?
E Bradford explicou a história do jeito que tinha
sido narrada a ele. Quando terminou, esperou
Caroline assimilar tudo. Ela passou toda a
narrativa sentada com as costas bem eretas,
olhando o marido com uma expressão
compenetrada no rosto.
— Graças a Deus que não matei meu pai —
murmurou, por fim.
—Não era possível que eu soubesse o que estava
fazendo.
Bradford concordou na mesma hora.
— Eras apenas uma menininha. — E aí ele notou
que ela parecia
apenas ligeiramente transtornada, mas mesmo
assim procurou consolá-
la. — Foi um acidente. Caroline.
— Coitado do meu pai! O que ele deve ter
passado! — disse Ca-roline. — Tudo agora está
fazendo sentido para mim. Por que ele me
mandou para a casa do tio Henrv e por que
esperou tanto tempo para me trazer de volta. Ai,
coitado do meu papaizinho! — Lágrimas de
angústia escorreram-lhe pelo rosto.
Bradford puxou-a para os seus braços e abraçou-a,
enxugando-lhe as lágrimas. Caroline aceitou-lhe o
calor e pensou muito tempo sobre aquela história
bizarra. Não conseguia se lembrar nem mesmo de
um detalhe, por mais que tentasse, e finalmente
desistiu.
— Achas que algum dia vou me lembrar
daquela noite?
— perguntou,
— Não sei, querida — respondeu Bradford. —
Teu pai disse que
depois que atiraste no homem, tu perdeste os
sentidos. E só acordaste
na manhã seguinte. Depois agiste como se nada
tivesse acontecido. Ê
como se tivesse apagado a lembrança do que
aconteceu da memória —
foi o palpite dele.
— Perdi os sentidos? — Caroline ficou assustada
e meio ofendida,
e Bradford sorriu sem querer.
— Só tinhas quatro anos — recordou-lhe ele.
— Bradford! A carta! — gritou Caroline. Ela
afastou-se dele, os
olhos arregalados, entendendo tudo. — Tem algo
a ver com o que acon-teceu há tantos anos atrás,
não? Alguém quer se vingar de mim! Era isso que
dizia a carta.
A expressão de Bradford ficou sombria.
— Eu já tinha tirado urna conclusão muito
diferente antes do
seu pai me contar essa história sobre ti —
declarou ele, admitindo sua
confusão.
— Então achas que é algum parente de um dos
homens? E o ho¬mem no qual atirei? Ele tem um
filho ou filha?
Bradford sacudiu a cabeça.
— Ainda não encontrei ninguém. Caroline, se
meu palpite estiver
correto, não ternos muito tempo.
— Por quê? — indagou ela, preocupada com a
frustração na voz do marido.
— Dentro de seis dias vai ser o aniversário... Vai
fazer quinze anos que o acidente aconteceu.
— Então só há uma coisa a fazer — anunciou
Caroline. E no seu
olhar havia um brilho de determinação. — Vamos
armar uma armadi-lha, e eu serei a isca.
— Espera aí, mocinha! Já decidi que vamos fazer
uma arapuca, sim, mas não te meterás nisso.
Entendeu? — Sua voz não permitia ar-gumentos.
Caroline beijou-o e aninhou-se junto a ele de
novo. Estava tão feliz por ele estar
confidenciando-lhe coisas que nem queria lhe
causar mais irritação neste momento. Além disso,
disse a si mesma com um sorriso, tinha seis dias
para fazê-lo mudar de ideia. Tinha todas as
intenções de ajudar a prender o homem que estava
querendo matá-la.
Uma ideia súbita chamou-lhe a atenção.
— Bradford, quem sabe o que aconteceu naquela
noite?
— Vamos ver... — respondeu Bradford. — Ele
contou ao teu tio Henry, mas o resto da tua família
de Boston não sabe. E contou a mim. Então
apenas nós quatro sabemos o que aconteceu.
— Não — respondeu Caroline, quase
distraidamente. Estava pensando no seu tio Henry
e como ele a havia ajudado a superar seu medo de
pistolas. Ele tinha sido tão paciente e
compreensivo quando ela foi até ele pedir ajuda.
Lembrou-se de que tinha querido sair para caçar
com Caimen e Luke, e sentia-se uma covarde
diante do terror que sentia ao ver qualquer tipo de
arma. Tinha levado mais de um ano para superar
esse medo, mas com a ajuda do tio, ela tinha
conseguido.
— Não o quê? — perguntou ele, intrigado. — Só
quatro pessoas
sabem o que ocorreu. Se excluir os três
envolvidos na tramóia. Estão mortos, e isso só
deixa teu pai, teu tio Henry, tu e eu.
— E tio Milo — respondeu Caroline.
Bradford sacudiu a cabeça.
— Não, amor. Teu pai foi bastante específico.
Disse que só con¬tou ao seu irmão caçula. A
ninguém mais — declarou ele. — Tenho certeza.
Caroline concordou.
— Sim, entendo o que disseste — respondeu. —
Ele não contou
naquela época, quando tudo aconteceu, mas
depois que eu voltei para
casa, ele foi até a casa do marquês e lhe contou
tudo. Tenho quase
certeza, porque ele disse que devia a ele uma
explicação completa para
ele não me rejeitar. Eu não entendi o que ele
queria dizer na hora, mas
agora acho que... Bradford. por que está me
olhando assim? Qual é o
problema?
— Por que ele não me disse isso? — gritou
Bradford, e vendo o
alarme da esposa, rapidamente abaixou a voz. —
Não, está tudo bem.
Tudo está começando a fazer sentido, só isso.
Droga, eu sabia, eu sabia
que o Franklin estava por trás de tudo isso!
— Franklin? Bradford. tem certeza? — disse
Caroline, em tom
incrédulo. — Mas que canalha, aquele homem!
Não se entende com o
irmão, e vive tentando irritá-lo, mas não pensei
que fosse capaz de...
meu próprio tio!
E de repente ficou muda. o rosto rosado de raiva.
— Sou capaz de apostar que é isso — declarou
Bradford. — Ele
tem um motivo bastante forte. Caroline. Cobiça.
O marquês vai te dei-xar de herança uma boa
quantia. Ele mudou seu testamento e só depois
contou ao irmão o que tinha feito. Graças a Deus
por isso — murmurou. — Seu tio Franklin teria
matado o homem, se o testamento não tivesse sido
alterado.
— E a Loretta? — indagou Caroline. — Achas
que ela está en-volvida? — Estava horrorizada só
de pensar naquela dupla maligna, lembrando-se
como Loretta tinha flertado com Bradford na noite
do jantar dado pelo seu pai.
— Ela acumulou uma alta quantia em dívidas de
jogos de azar, e está desesperada para conseguir
dinheiro. Assinou promissórias para os credores,
que estão esperando o marquês morrer.
— Está querendo dizer que ela prometeu a eles o
dinheiro do meu tio Milo? — disse Caroline,
indignada. — Mas já respondeste à minha
pergunta! Claro que ela está metida nisso. Essa
mulher é uma depravada mesmo!
— Franklin deve ter ouvido seu pai conversando
com o marquês e lhe contando o que houve, e está
usando essa informação para desviar as suspeitas.
Caroline sacudiu a cabeça.
— Não entendi.
— Tu mostraste a carta ao Milford, e eu e teu pai
ainda estamos
vivos para revelar o que realmente ocorreu na
época, mas o Franklin
resolveu fazer de conta que tua morte vai ser uma
vingança. Por isso é
que a data é importante. Se alguma coisa te
acontecer no dia 20, vai ser
ideal para o Franklin.
O tom de voz de Bradford era tranquilo, mas seus
olhos deixavam transparecer sua raiva. Caroline
tremia e sentia sua pele arrepiando-se toda. Ele
percebeu a reação dela e puxou-a para cima de si.
— Meu Deus. espero que eu esteja certo, e que
seja mesmo o
Franklin. Nunca gostei daquele safado mesmo!
— Vamos descobrir logo, logo — murmurou
Caroline.
— Não fica assustada, meu amor. Esperei minha
vida inteira por ti. Não vou deixar ninguém te
fazer mal.
— Sei que vais proteger-me — respondeu
Caroline. Ela beijou o
queixo do mando. — Sempre me sinto segura
contigo. Menos quando
gritas comigo, quero dizer.
— Nunca grito contigo — respondeu Bradford,
sorrindo, sabendo
muito bem que estava mentindo.
Caroline retribuiu o sorriso. E aí ouviu o
estômago roncar.
— Estou com fome — disse ao marido.
Bradford resolveu entender mal de propósito o
que ela estava que-rendo dizer. Disse-lhe que
também estava com fome, e beijou-a apai-
xonadamente. E aí rolou com ela, colocando-a
deitada de costas, e começou a fazer amor com
ela. Caroline pensou em explicar que estava
querendo jantar, mas a explicação se perdeu em
algum ponto no fundo de
sua mente. O jantar podia esperar um pouco mais.
Além disso, Caroline
pensou, como esposa, ela era sempre obediente.
CAPITULO 14