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CONTROL, wizard world

O vento tardio passava pelos campos e montanhas, cruzando o interior da Inglaterra. Os


uivos dos lobos eram a sonoridade do clima naquele fim de tarde do ano de 1945. Notícias
sobre a segunda guerra mundial eram o assunto carimbado nas rádios de todo o mundo.

Os discursos de Adolf Hittler atravessavam os limites da Alemanha e isso não era algo nada
bom ou promissor para qualquer um que ouvisse sua voz e não fizesse parte do exército
nazista. A Sra. McGregor tentava a todo custo encontrar uma estação radialista diferente,
que não falasse sobre os bárbaros acontecimentos do conflito sangrento; julgava que a
menina de apenas 10 anos sentada no chão mexendo em algumas miniatura de tanques de
guerra - sinceramente, que péssimo brinquedo para crianças! - não deveria ouvir algo assim.

‘Stars are a glow and tonight how their light sets me dreaming, my love, do you know that
your eyes are like stars brightly beaming? I bring you..’ Alora murmurava a canção que,
finalmente, tocava na rádio. Sua mãe sentiu um grande alívio, nada de violência naquela
música, ela mesma gostava. A mulher com um pequeno livro em seu colo observava a
garotinha com um sorriso mínimo em seus lábios, não notou quando a porta da frente foi
aberta e as reclamações e resmungos começaram. Alora apenas apertou seus olhos azuis
como o oceano e suspirou baixinho.

— Tudo me acontece! — exclamou o recém-chegado na casa antes de bater a porta atrás de


si com força — Um moleque quase tromba comigo na estrada, com certeza era um apoiador
de Hittler, o safado! — Stephen declarava enquanto afrouxa a gravata no curto caminho até a
sala de estar, ele bufa e joga sua mala pesada no chão, deixando-se cair em uma poltrona
gasta.

A jovem ruiva levantou-se, pondo cautelosamente os carrinhos em cima do móvel da sala. Ela
sabia que não era bom estar perto - totalmente propensa a fazer alguma besteira não
proposital - quando seu pai chegava do trabalho de mal humor, ou melhor, qualquer
momento que seu pai estivesse a menos de 15 metros.

Porém, antes que a menina pudesse se retirar o homem, após se queixar sobre como o seu
colega de trabalho era estúpido, a chamou — E onde está aquele imprestável do seu irmão,
Alora?

— Não sei, papai.

— Não sei, não sei.. Nunca sabe de nada, garota! — reclamou o pai, que dirigiu um olhar nada
agradável para a mãe da menina.
A mulher desviou o olhar e logo declarou de forma apressada:
— E-ele saiu com os filhos do vizinho faz pouco tempo, foram apenas caminhar pelo bairro,
Stephen.

— Ele não deveria sair a essa hora quando tem serviço em casa para ser feito. — disse,
ajeitando-se na velha poltrona, logo voltando a olhar sua esposa — E isso é culpa sua.

Amber piscou duas vezes — O menino precisa viver um pouco — respondeu com a voz baixa,
contudo fora sobreposta por uma risada esguichada.

— Viver! Que ridículo, quem vive no meio de uma guerra, mulher? — e virando-se para a filha
ordenou: — Alora, vá buscar Dougal e traga-o para casa agora mesmo.

— Eu? — a menina engoliu em seco — M-mas está ficando escuro lá fora e ele sabe muito bem
o caminho de volta. — tentou argumentar, em vão.

— Não discuta comigo, menina. — o homem a direcionou um olhar rígido — Está com medo do
escuro? Leve uma lanterna, oras! Apenas vá logo atrás do seu irmão!

Alora olhou para sua mãe, um olhar suplicante para que ela interferisse.

Nada.

— Sim, senhor.

A ruiva apenas concordou, logo indo atrás de uma lanterna e um terço. Os olhinhos quase
fechados enquanto a McGregor avançava pela estrada de terra não enxergavam quase nada,
como encontraria Dougal naquelas conduções?

Não muito longe dali, já perto da casa do reverendo McGonnagall, Alora passou por uma
carroça onde se era possível ver a silhueta de duas pessoas.

— Por Deus, aí está você! — Alora disse assim que notou que uma daquelas pessoas era seu
irmão mais velho.

Os dois quase deram um pulo quando ouviram a McGregor e ela pode perceber que seu
irmão estava acompanhado por uma garota que deveria ter aproximadamente a sua idade.

— Alora, o que faz aqui?! — exclamou Dougal, seu rosto mudando para o vermelho, a moça ao
seu lado encarava Alora de um jeito esquisito.
A garota moveu a luz da lanterna diretamente para o rosto do irmão.

— Papai está atrás de você — ela disse logo —, mandou eu vir te procurar e levar para casa.
Prepare-se, hoje ele está daquele jeito porque quase foi atropelado por um suposto nazista.

Dougal se levantou de supetão, sabia por experiência própria que não deveria demorar mais,
pois não receberia apenas um castigo — Ah, droga.. — porém, antes de saltar da carroça o
garoto fez algo intrigante, olhou para a menina que o acompanhava, se inclinou e depositou
um beijo em sua bochecha — Te vejo outra hora. — E então sim, saltou da pequena carroça.

Alora franziu o rosto ao ver aquela cena, porém se manteve quieta. Ela mordeu os lábios e
acenou de levinho para a outra garota, tentando lembrar-se de onde a conhecia, até que um
click soou em sua cabeça.

— Aquela menina, a filha do pastor — a ruiva começou quando ela e o irmão se puseram a
andar pela estrada de terra. —, é sua namorada?

O irmão continuou andando, sem tirar os olhos da estradinha — Bem, não.. Ou sim.. Quase
isso. — disse, virando-se para a mais nova com temor — Não vai contar ao papai, vai?

Ela balançou a cabeça, negando. — Ela parece ser legal. — disse sem pensar, aquecendo as
mãos nos bolsos da frente de seu vestido. — Como ela se chama mesmo?

— Minerva. — Dougal falou, sorrindo levemente — Mas eu chamo ela de ‘Minnie’, para
provocar. As mulheres adoram quando nós provocamos.

Alora franziu o cenho e encarou o garoto. — Irmão, você não sabe nada sobre mulheres.

As tardes de Maio eram ensolaradas e floridos, a primavera despedia-se com os mais lindos
brotos coloridos pelo gramado. Alora não tinha a mínima noção de tempo quando se
embrenhava na clareira um tanto longe de casa, as borboletas mostravam-se afeiçoadas pela
menina de cabelos avermelhados, pousavam em seu nariz enquanto as pontas da grama
verde faziam cócegas em sua pele.

O sol já havia passado - até bastante - do centro do céu quando a jovem McGregor girou a
maçaneta de casa. O som distorcido da televisão chegou aos ouvidos da menina suada, seu
vestido um tanto amarrotado e sujo por pedacinhos de grama e suas tranças ruivas um
pouco desgrenhadas.
Alora sentiu seu coração acelerar por alguns breves instantes quando ela notou que seu pai
estava sentado em sua poltrona habitual de frente para a TV. “droga, hoje é sábado, sua
idiota!” ela xingou a si mesma ao perceber a confusão inevitável que havia criado por pura
falta de atenção.

Após segundos parada para tomar coragem, a jovem ruiva fechou a porta atrás de si e
caminhou para dentro de casa, tentando passar direto para seu quarto, porém não aconteceu
exatamente assim.

— O que estava fazendo na rua até uma hora dessas? — Seu pai, que antes olhava fixamente
o aparelho televisor a sua frente agora encarava Alora de forma que assustava a menina.

Alora virou-se no mesmo lugar em que estava, com as mãos atrás das costas.

— Estava despedindo-me da primavera. — Ela respondeu. — Os campos ficam abarrotados de


borboletas, gosto de observa-las.

— Borboletas? — o homem começou com ceticismo — Acha que seu pai tem cara de palhaço?
— continuou, aumentando seu tom — Por onde você andava até essa hora?!

— E-eu acabei de dizer, papai. — a ruiva gaguejou. — Não estou mentindo para o senhor.

— Está me dizendo que realmente saiu para ver borboletas? — o pai indagou com sarcasmo,
afinal não fazia sentido uma jovem garota se interessar por tão pouco, a menos.. — Você
estava com mais alguém? Fale a verdade, Elizabeth! — o uso do segundo nome da menina
mostrava que Stephen estava ficando irritado e aquela situação só pioraria.

A ruiva fechou sua expressão. Naturalmente ela ficaria assustada com aquela situação,
porém agora, uma raiva crescia dentro dela.

— Não, eu estava completamente sozinha, mas do que adiantaria lhe dizer? — Sua voz
carregada de sarcasmo. — Como se minha palavra valesse de alguma coisa para o senhor.

O homem agora estava de pé, a respiração acelerada e Alora sentia um leve cheiro de álcool
vindo dele — O que está querendo dizer, garota?

— Oh, nada. — Alora respondeu, movendo suas mãos. — O que eu, uma menina, poderia estar
querendo dizer, não é? O senhor não entenderia nada do que eu um dia gostaria de lhe dizer.

— Tá' me chamando de burro?! — o pai gritou, chegando perto o suficiente da garota para
apertar seu braço — Me respeite que eu sou seu pai, sua pirralha!
— Infelizmente é. — Alora rebateu. O que estava acontecendo? De onde vinham aquelas
palavras tão ousadas? Palavras que ela mesma nunca ousadia falar. — Eu odeio que você seja
meu pai, odeio, odeio, odeio!

Quando o último “odeio” foi proferido, sons altos invadiram a casa. Um vento esquisito
levantou os cabelos ruivos de Alora ao mesmo tempo que ela se esgueirou de algo por puro
reflexo. Quando deu por si, notou que as janelas estavam estilhaçadas, assim como todo e
qualquer vidro daquela casa, até o da televisão.

Alora estava mais do que apavorada.

Quando houve o fim dos sons de peças minúsculas caindo no chão da casa a ruiva notou que
seu braço sangrava, pois um dos cacos de vidro se cravado lá e para piorar uma sombra se
formou a sua frente, uma sombra raivosa e agitada.

— Sua aberração! — começou, o seu pai — Você fez isso! O que é você, seu monstro?! — as
palavras eram cuspidas sobre a menina como as chamas eram jogadas sobre as fogueiras
que queimaram suas ancestrais.

— Eu não fiz nada.. — Alora dizia com sua voz falha e trêmula. — Eu juro que não fiz nada.. —
Aquilo seria uma mentira? Contada para ela mesma? O calor havia tomado conta de seu
corpo no momento que os vidros quebraram.

Ela havia feito aquilo?

Cada vez mais as perguntas na cabeça da McGregor aumentavam e nenhuma delas tinham
respostas agradáveis.

— Claro que fez! — Stephen gritava mais e mais alto — Só pode ter sido você, sua peste!

— E-eu.. — a ruiva gaguejava, ela não sabia o que dizer, como reagir ou o que fazer.

Antes que alguma decisão fosse tomada as mãos de Alora foram pegas com brutalidade, a
ruiva agora era puxada pela casa enquanto xingamentos e palavras muito feias eram ditas
para ela.

— Papai, por favor! — Alora implorava, seus olhos estavam confusos e atordoados demais
para se encherem d’água. O que diabos estava acontecendo?! Tudo que ela realmente
entendia era que estava com dor e que com certeza seu pai não ajudaria a fazê-la passar.
Ao chegar e determinado cômodo - o qual ela já não conseguia raciocinar qual era - o pai
finalmente soltou seus pulsos a empurrando, Alora sentiu o baque ao atingir o chão gelado.

A próxima coisa que a McGregor viu fora o seu pai retirando o cinto.

Alora ia dizer algo quando a dor ardente começou a tomar conta de sua pele por todos os
lados de seu corpo. Ela gritava, implorando para que Stephen parasse, mas ele não parou. A
ruiva questionava-se se o homem apenas a ignorava ou se a dor a impedia de emitir qualquer
suplica ou som que fosse.

Aproximadamente quatro minutos depois Stephen continuava a deferir golpes, agora, menos
violentos em Alora e ele provavelmente continuaria por quanto tempo seu corpo aguentasse
se a mãe de Alora não tivesse chegado naquele momento e impedido que a ruiva sofresse
mais do que já havia.

Amber começou a gritar com o marido, mas a ruiva não conseguia distinguir mais as palavras
e sons, toda e cada parte de seu pequeno corpo doía; e fora até meio difícil de saber que era
seu irmão Dougal quem a segurava no colo quando se sentiu ser levantada.

A respiração da menina falhava e ela soluçava, mas não chorava. Pelos céus, o que havia
acontecido? O que ela havia feito para merecer aquilo? Ela jurava por tudo que não havia feito
nada! Ou havia? Alora não sabia.

— Mamãe.. — em meio aos gritos estridentes, a voz trêmula de Alora conseguiu chamar a
atenção de Amber. — ‘Tá doendo, pode fazer parar, por favor?

A mulher rapidamente foi até a ruiva, ignorando a raiva de seus marido — Meu amor.. Calma,
meu anjo, mamãe voltou — Amber falava com lágrimas nos olhos, não ousando tocar no
corpo machucado da filha —, mamãe está aqui com você.

Alora piscou algumas vezes e fungou, ela provavelmente estava chorando ou querendo
chorar mas era difícil saber naquele momento.

— Eu.. eu não quebrei os vidros, não quero apanhar mais, por favor, me perdoa.. — engolindo
quase em seco a pouca quantidade de saliva que se acumulava pelos lados de sua língua, a
mais nova disse, em um tom mais alto e centrado do que achou que conseguiria.

— Tudo bem, eu acredito em você, Lora, vai ficar tudo bem — sua mãe continuava repetindo
palavras de incentivo, mas a verdade era que não estava tudo bem e provavelmente não iria
ficar bem se Alora continuasse ali e, talvez, lendo os pensamentos da menina, Amber
direcionou-se para o filho mais velho — Dougal, por favor, me ajude a levar sua irmã para o
quarto dela?

O irmão logo concordou, fungando em seguida e apenas assim Alora notou que ele também
chorava, oh céus..estava tudo tão confuso.

— Não está me ouvindo, Amber? Você a defende porque não viu o que essa menina fez! Ela é
um problema, uma aberração! — repentinamente a voz de Stephen voltou a tona, porém,
diferente do que acontecia na maioria das brigas de seus pais, Amber não abaixou a cabeça
ou se calou.

A mãe olhou para o homem que chamava de marido com repulsa e disse: — Depois falo com
você, Stephen, agora.. Se ainda resta um pouco de juízo na sua cabeça saia da frente, pois
eu pretendo cuidar da minha filha.

Se foi por choque ou cansaço Alora não saberia responder o porquê de seu pai ter se mantido
quieto, mesmo que isso fosse um alívio para ela. Assim, quando deu por si, estava em seu
quarto, sentia menos dor e sua visão clareava aos poucos.

O corpo da ruiva estava exausto, como se um trem a tivesse atropelado e doía como tal, não
em um lugar específico mas sim em todo. Alora sentia-se culpada, Stephan perdeu a cabeça
por sua causa - ou ele achava que havia sido - e Amber acariciava seus fios escarlate
controlando ao máximo suas lágrimas. Ela havia estragado tudo e precisava fazer alguma
coisa.

— Eu posso refazer e colocar os vidros, mamãe. — ela disse, repentinamente. — Assim o


papai ficaria menos bravo comigo, não é?

Com a fala da filha, Amber foi incapaz de continuar segurando o choro — Lora, querida, por
favor não se preocupe com isso agora. — ela disse com a respiração desregulada — Mamãe
vai cuidar de tudo, eu te prometo, meu amor

— Não, não! — Alora endireitou-se na cama, se ajoelhando na frente da mulher de cabelos


iguais aos seus. — Não chore, mamãe, por favor, eu imploro.

— Alora, não se mexa — a mãe pediu, envolvendo o rosto da menina com suas mãos trêmulas
— Você está tão machucada, minha filha! — exclamou com sofrimento.

A menina apertou seus olhos. — Desculpe.. A culpa é toda minha, prometo que vou ser uma
boa menina, mas não chore mais, por favor.

Amber negou, logo puxando Lora para seu peito a abraçando como se fosse de cristal — Não
diga isso, você é tudo para mim, minha menina.. Você já é tão boa, filha.

Alora suspirou, será que Amber estava mentindo? Não, ela nunca mentia e nunca mentiria!

A menina apenas concordou, fechando seus olhinhos.

A jovem McGregor havia desmanchado-se em lágrimas por vários minutos consecutivos dos
quais ela realmente não sabia a quantidade exata. Tudo que acontecera naquele dia passava
por sua cabeça, cada cena horrível daquele maldito cinto a acertando. Ela não queria passar
por aquilo outra vez, nunca mais.

“Preciso sair daqui”.

Alora não se importava em cortar mais ainda sua pele com os restantes de cacos de vidro
pontudos em sua janela, qualquer dor seria suportável se nunca mais precisasse estar
naquela casa novamente.

Apenas com a roupa no corpo, a ruiva pulou a janela e escorregou pelo telhado, um grande
milagre não ter sido notada quando caiu no chão em um baque surdo um pouco afastada da
varanda.

Alora levantou-se e se pôs a andar. Andar sem rumo. Para onde ela iria? Não tinha amigos na
região dos quais pudesse confiar no nível que ela precisava naquele momento. Ela estava
sozinha. Sozinha com o céu.

McGregor nem olhava por onde ia, seus pensamentos quase impediam sua visão de ser
nítida. Quando deu por si, estava no campo aberto, as borboletas ainda encontravam-se ali.

“Obrigada, céu” ela agradeceu mentalmente.

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