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AO JUÍZO DA ... VARA CRIMINAL DA COMARCA DE ... – MG .

Autos n° ....

FERDINANDO, já qualificado nos autos em epígrafe da Ação Penal que lhe


move o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, pela suposta prática do furto,
tipificado no Art. 155 do Código de Processo Penal, vem, respeitosamente, a presença
de Vossa Excelência, por seu procurador que esta subscreve, conforme procuração já
acostada nos autos, com fulcro no Art. 403, §3° do CPP, oferecer a presente RAZÕES
FINAIS POR MEMORIAIS.

I) BREVE SÍNTESE FÁTICA:


Acusado de ter praticado o crime de furto, o Ministério Público apresentou
acusação contra o réu por ter subtraído para si duas peças de carne bovina. Conforme
apuração, por diversas vezes o réu tevew passagens pela polícia neste mesmo sentido.

Citado aos .../.../.... para audiência de instrução, foram ouvidas 02 (duas)


testemunhas da defesa que alegam ter presenciado o ocorrido, onde o réu fora flagrado
subtraindo o pacote de carne de um caminhão que estava sozinho, bem como foram
ouvidas 02 (duas) testemunhas da defesa que comprovam que o réu se encontra
desempregado e possui família para cuidar, fato este que tem ocasionado muitas
dificuldades para sustentar os filhos, ainda, afirmam que tamanha necessidade já tivera
impulsionado o réu a furtar um pacote de bolacha.

Ainda em audiência, o réu confessou que devido a dificuldade para prover o


sustento de sua família, furtou o pacote para tal fim, uma vez que não possui condições
de arcar com a subsistência de sua casa, tendo em vista estar desempregado por 02
(dois) anos o qual inclusive pediu ajuda para diversas pessoas. A perícia comprovou que
o valor de mercado comprova que o furto totaliza o montante de R$ 70,00 (setenta
reais).
Finalizada a instrução e aberta vistas às partes para se manifestarem, faz-se
necessário ressaltar os seguintes fatos e fundamentos demonstrados a seguir para
embasar a sentença, de maneira que o réu seja absolvido pelo suporto crime que outrora
está sendo acusado.

II) DOS FUNDAMENTOS E DO DIREITO:


II.a) Da atipicidade do caso – Insignificância. (Art. 147, “caput”, CPP).
Como se sabe, para os casos em que haja uma mínima ofensividade ao bem
jurídico que outrora era tutelado, frente ao ilícito ocorrido, se comprovada a mínima
lesão, o fato será atípico. O Ilmo. Pensador Claus Roxin descreve que a atipicidade do
fato é preenchida pela ideia de tipicidade formal e material, sendo aquela a expressão do
fato na lei, e esta, o grau de dano gerado no bem jurídico.

Neste sentido, se o delito não ocasionar tamanha lesão de forma a prejudicar


significativamente, mas, ocasionando um prejuízo ínfimo a vítima que não denota a
atuação do Estado em perseguir o crime, posto que insignificante a lesão, não se
justifica a perseguição da lei sob o indivíduo.

Sendo este viés, tem-se por certo esta defesa que deverá ser aplicado o princípio
da insignificância, o qual conduz à atipicidade material em caso da irrelevância penal do
fato. Ainda, o STJ possui o seguinte entendimento:
A admissão da ocorrência de um crime de bagatela reflete o entendimento de
que o Direito Penal deve intervir somente nos casos em que a conduta
ocasione lesão jurídica de certa gravidade, devendo ser reconhecida a
atipicidade material de perturbações jurídicas mínimas ou leves, estas
consideradas não só no seu sentido econômico, mas também em função do
grau de afetação da ordem social que ocasionem.
(STJ, 5ª Turma, AgRg no HC 480.413/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da
Fonseca, julgado em 21/02/2019, publicado 01/03/2019)

Ainda, o Plenário do Supremo Tribunal Federal já assinalou que esse princípio


tem aplicabilidade no Direito pátrio, desde que sejam preenchidos certos requisitos no
próprio caso. Como disposto pelo Pretório Excelso, para que a bagatela tenha a
aplicação é necessário que sejam preenchidas condições essenciais, sendo elas:  a
mínima ofensividade da conduta, a inexistência de periculosidade social do ato, o
reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão
provocada.

Neste diapasão, as palavras de Carlos Vico Mañas corroboram para o entendido


acima, vejamos “ipsis litteris”:

O juízo de tipicidade, para que tenha efetiva significância e não atinja


fatos que devem ser estranhos ao direito penal, por sua aceitação pela
sociedade ou dano social irrelevante, deve entender o tipo na sua concepção
material, como algo dotado de conteúdo valorativo, e não apenas sob seu
aspecto formal, de cunho eminentemente diretivo.
Para dar validade sistemática à irrefutável conclusão político-criminal
de que o direito penal só deve ir até onde seja necessário, não se ocupando de
bagatelas, é preciso considerar materialmente atípicas as condutas lesivas de
inequívoca insignificância para a vida em sociedade.
A concepção material do tipo, em consequência, é o caminho
cientificamente correto para que se possa obter a necessária
descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não são
mais objeto de reprovação social, nem produzem danos significativos aos
bens jurídicos protegidos pelo direito penal (MAÑAS, 1994, p. 53-54).

Ademais, é clara a aplicabilidade de tal instituto principiológico, uma vez que o


réu preenche todos os requisitos definidos pela Corte Suprema (acima citados), uma vez
que o delito cometido é de mínima ofensividade. Deste modo, sendo o fato atípico pela
insignificância, não resta uma alternativa, se não este juízo promover a absolvição do
réu, com fundamento no Art. 386, III do CPP, pois o fato em si não constitui, pela
insignificância e atipicidade, infração penal.

II.b) Exclusão de ilicitude por estado de necessidade – Furto famélico.


Como entendimento acima, não há óbice que frente ao caso ora debatido, deve-
se aplicar o princípio da bagatela, uma vez que tal crime é de mínima ofensividade, cujo
motivo deste ter acontecido foa meramente como “furto famélico”, entendido este como
sendo aquele estritamente necessário para saciar a fome, é entendimento pelo Tribunais
Superiores que se constitui de situação configuradora de estado de necessidade.

Segundo a jurisprudência, para que o furto famélico assim seja entendido, é


necessário que sejam constados o preenchimento de quatro situações que configurarão o
estado de necessidade. Nesse sentido estabeleceu-se que é necessário: 1) O fato ter sido
praticado apenas para mitigar a fome; 2) que tal conduta tenha sido o único e derradeiro
recurso do agente; 3) que a coisa seja somente para saciar a fome; 4) que o agente não
possua por seu trabalho condições de sustentar a si ou sua família.
Nesse contexto, ao se encaixar em estado de necessidade, sendo entendido como
quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem
podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias,
não era razoável exigir-se, o furto famélico terá a condição de excluir a ilicitude do fato,
que embora seja típico, não será ilícito nos termos do Art 24 do CP.

Nesse sentido entende a jurisprudência:


EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - FURTO - ESTADO DE
NECESSIDADE - EXCLUDENTE DE ILICITUDE - CONFIGURAÇÃO -
"FURTO FAMÉLICO" - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA -
INCIDÊNCIA - ABSOLVIÇÃO.
- Evidenciado que a subtração do objeto decorreu da fome e da inadiável
necessidade de o agente se alimentar, vez que não possuía outros meios para
fazê-lo, acolhe-se a excludente de ilicitude do estado de necessidade ("furto
famélico").
- O valor da res furtiva (trinta reais), aliado às peculiaridades do caso
concreto, justificam a aplicação do princípio da insignificância para fins de
absolvição, ainda que reincidente o réu.  (TJMG -  Apelação Criminal
1.0024.16.145244-6/001, Relator(a): Des.(a) Luziene Barbosa Lima (JD
Convocada) , 8ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 21/05/2020,
publicação da súmula em 25/05/2020)

Assim, é clara e notória a comprovação de que o réu, ora acusado por furto,
praticou tal delito tão somente para saciar sua fome e de sua família, uma vez que não
possuía outros recursos ou alternativas para satisfazer a necessidade premente que
colocava em perigo sua própria vida.

Ademais, na audiência de instrução, embora o acusado tenha confessado o furto,


assinalou também que somente agiu de tal foorma para matar a fome de sua família, o
que por lógica, se amolda perfeitamente ao estado de necessidade pelo furto famélico.

Frente a todo exposto, requer que Vossa Excelência considere o fato como furto
famélico, aplicando-se as regras atinentes ao estado de necessidade, conforme Art. 24
do CP, excluindo a ilicitude da conduta e absolvendo o réu nos termos do Art. 386, III
do CP

II.c) Da fixação da pena:


Caso Vossa Excelência entenda que o réu seja culpado pelo ilícito aqui rebatido,
o que desde já espera não prosperar frente as nulidades do processo, a defesa entende
que a pena privativa de liberdade e de multa a ser fixadas no presente caso devem ser as
mínimas possíveis.

Na condenação e ao fazer o trabalho reflexivo da dosimetria da pena, deverá


Vossa Excelência considerar, na primeira fase do sistema trifásico, que as circunstâncias
do Art. 59 do CP são favoráveis ao réu, logo, deverá fixar a pena base no mínimo legal
para o delito. Assim, a pena base da condenação pelo crime de furto será de 01 (um) ano
e a multa e 10 (dez) dias multa.

Em sequência, considerando a pena intermediária a inexistência de


circunstâncias agravantes, e a circunstância atenuante da confissão prevista no Art. 65,
II, “d” do CP, não é suficiente para reduzir a pena au´qm do mínimo legal. Logo, a pena
intermediária permanecerá dentro do patamar de 01 (um) ano.

Enfim, na terceira fase, a pena final deverá ser mantida também um 01 (um) ano,
pois, a se compulsar os autos, não se verifica nenhuma causa de aumento ou diminuição
da pena. Portanto, a pena fina será de 01 (um) ano de reclusão.

Neste caso, considerando a pena nesse patamar mínimo, nos termos do Art. 33,
§2° do CP, o regime e pena cabível quantum de pena aplicado será o regime aberto.

II.d) do regime de cumprimento de pena:


Quanto ao regime de pena, considerando as circunstâncias da dosimetria da pena
que lhe são favoráveis, deverá o acusado ser submetido a pena mínima ao delito, como
se expos no tópico anterior, logo, a pena deverá ser fixada em 01 (um) ano, conforme
Art. 155, “caput” do CP.

Nesse diapasão, nos termos do Art. 33, §2°, “c”, quando as penas forem fixadas
em montante não superior a 04 (quatro) anos edvem iniciar no regime aberto, o que é o
caso.

Portanto, requer que, eventualmente haja condenação, seja o regime de


cumprimento de pena fixado no aberto.

II.e) Da conversão para pena de multa ou restritiva de direito.


As penas restritivas de direito são, conforme disposto no Art. 44 do CP,
autônomas e substitutas às penas privativas de liberdade quando a condenação não for
superior a quatro anos; o delito não for cometido com violência ou grave ameaça;
quando o réu não for reincidente em crimes dolosos; e quando as circunstâncias
judiciais indicarem. Ainda, insta salientar que a situação do réu é completamente
delicada, uma vez que este figura como pessoa hipossuficiente, uma vez que não possui
condições de manter sua própria subsistência.

Ainda, no decorrer dos autos, tem-se claro que não há qualquer indicio que vá
contra a possibilidade de conversão da pena privativa de liberdade eventualmente
aplicada ao acusado em pena restritiva de direito ou mesmo multa, posto que a
condenação é inferior a 04 (quatro) anos, o delito não foi cometido com violência ou
grave ameaça, o réu não é reincidente e todas as condições do Art. 59 do CP são
favoráveis.

Verificada, portanto, esta hipótese, discorre o Art. 44, §2° do CP, que quando a
pena da condenação for igual ou inferior a um ano, pode o juiz substituí-la por uma
restritiva de direito ou uma multa.

Considerando que o réu não possui qualquer valor financeiro, haja vista que o
próprio delito indica tal situação econômica, requer que seja substituída a pena privativa
de liberdade por uma pena restritiva de direito, especialmente se for prestação de
serviços à comunidade na forma do Art. 43, IV do CP.

Ainda, se eventualmente Vossa Excelência preferir aplicar multa, requer que, na


forma do Art. 49 do CP, seja a multa fixada no mínimo legal, ou seja 10 (dez) dias
multa, valorador cada dia multa 1/30 avos do salário mínimo vigente.

III) DOS PEDIDOS:


Ante todo o exposto, requer a Vossa Excelência que se digne a:
a) Absolver o réu com base no princípio da insignificância da lesão ao bem
jurídico, nos moldes do Art. 386, III do CPP, motivo este que enseja a atipicidade do
fato;
b) Absolver o réu frente ao estado de necessidade, motivo este que gerou o furto
famélico, conforme constatado nos autos, nos moldes de Art. 386, III do CPP, o qual
exclui a ilicitude da conduta, nos termos do Art. 24 do CP;
c) Caso não seja entendido por Vossa Excelência a improcedência da ação, e frente
a condenação do réu, que seja este julgado:
c.1) Pelo sistema trifásico, devendo ter a redução da aplicação da pena, sendo ele
condenada à pena mínima fixada para o delito de furto, qual seja, 01 (um) ano de
reclusão, em regime aberto, nos moldes do Art. 333, §2° do CP;
c.2) Que seja a pena privativa de liberdade substituída por uma restritiva de direito ou
multa, conforme Art. 44, §2° do CP.

d) Caso haja arbitramento da pena de multa, seja ela fixada no mínimo legal, nos
termos do Art. 49 do CP, sendo este de 10 (dez) dias multas, valorados em 1/30 avos do
salário mínimo vigente.

Nestes Termos,
Pede deferimento.

Local, data.

_________________________
Advogado(a)
OAB/__ n° ______

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