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“ Ou a moral não tem sentido nenhum ou então é isto que ela quer dizer, ela não tem nada

alem disso a dizer: não ser indigno daquilo que nos acontece. Ao contrario, captar o que
acontece como injusto e não merecido (á sempre culpa de alguém), eis o que torna nossas
chagas repugnantes, o ressentimento em pessoa, o ressentimento contra o acontecimento.
Não há outra vontade má. O que e verdadeiramente imoral é toda utilização das noções
morais, justo, injusto, faltas. Que quer dizer então querer o acontecimento? Será que e aceitar
a guerra quando ela chega, o ferimento e a morte quando chegam? É muito provável que a
resignação seja ainda uma figura do ressentimento, ele que, em verdade, tantas figuras possui.
Se querer o acontecimento significa primeiro captar-lhe a verdade eterna, que é como o fogo
no qual se alimenta, este querer atinge o ponto em que a guerra é travada contra a guerra, o
ferimento, travado vivo como a cicatriz de todas as feridas, a morte que retorna querida
contra todas as mortes. Intuição volitiva ou transmutação. "A meu gosto da morte, diz
Bousquet, que era falência da vontade eu substituirei um desejo de morrer que seja a
apoteose da vontade". Deste gosto a este desejo, nada muda de uma certa maneira, salvo uma
mudança de vontade, uma espécie de salto no próprio lugar de todo o corpo que troca sua
vontade orgânica por uma vontade espiritual, que quer agora não exatamente o que acontece,
mas alguma coisa no que acontece, alguma coisa a vir de conformidade ao que acontece,
segundo as leis de uma obscura conformidade humorística: o Acontecimento. É neste sentido
que o Amor Fati não faz senão um com o combate dos homens livres. Que haja em todo
acontecimento minha infelicidade, mas também um esplendor e um brilho que seca a
infelicidade e que faz com que, desejado, o acontecimento se efetue em sua ponta mais
estreitada, sob o corte de uma operação, tal e o efeito da gênese estática ou da imaculada
concepção. O brilho, o esplendor do acontecimento, é o sentido. “

Gilles Deleuze, “Lógica do Sentido”

Cap. “Do Acontecimento”, Pag. 151-152.

Sobre Poder, Democracia e Mulheres ou Quando Spinoza (assim com Hegel) Mostra a
Diferença de Natureza entre os Sexos e sua Expressão:

“ Talvez haja quem pergunte se é por natureza ou por instituição que as mulheres devem estar
sob o poder dos homens. Com efeito, se for só por instituição que tal acontece, então
nenhuma razão nos obriga a excluir as mulheres do governo. Porém, se consultarmos a própria
experiência, veremos que isto deriva da sua fraqueza. Em parte nenhuma aconteceu, com
efeito, os homens e as mulheres governarem juntos, mas em qualquer parte da terra onde se
encontrem homens e mulheres vemos os homens reinarem e as mulheres serem governadas,
vivendo assim ambos os sexos em concórdia. Pelo contrário, as amazonas, de quem se
espalhou a fama de terem outrora reinado, não toleravam homens a morar no solo pátrio:
amamentavam só as fêmeas e, se parissem machos, matavam nos. Se as mulheres fossem por
natureza iguais aos homens e sobressaíssem igualmente pela fortaleza de ânimo e pelo
engenho, que são aquilo em que acima de tudo consiste a potência humana e, por
conseguinte, o direito, sem dúvida que, entre tantas e tão diversas nações, se encontrariam
algumas onde os dois sexos governassem em paridade e outras onde os homens fossem
governados pelas mulheres e educados de modo a terem, pelo engenho, menos poder. Como
isto não aconteceu em parte nenhuma, é totalmente lícito afirmar que as mulheres, por
natureza, não têm o mesmo direito que os homens e estão lhes necessariamente submetidas,
de tal modo que não é possível acontecer que ambos os sexos governem de igual modo e,
muito menos, que os homens sejam governados pelas mulheres. Se, além disso,
considerarmos os afetos humanos, ou seja, que os homens a maioria das vezes amam as
mulheres só pelo afeto libidinoso e apreciam o seu engenho e a sua sabedoria só na medida
em que elas sobressaem pela beleza, suportam com muita dificuldade que aquelas a quem
amam se interessem de algum modo por outros, e coisas do mesmo gênero, facilmente
veremos que não é possível, sem prejuízo grave da paz, homens e mulheres governarem de
igual modo. Mas, sobre isto, já chega.”

Spinoza

Tratado Político

(O último aforismo deste livro sem fim)

Sobre o Estéril Comércio das Opiniõ es

Nos tempos contemporâ neos, há uma tendência forte a nã o querer ir além da informaçã o
tocada e trocada, em pleno momento de pó s-verdade, ainda se é ingênuo o suficiente para
se acreditar que associaçã o de dados (acoplamento de informaçã o) é já uma evidência,
assim pula se do dado à conclusã o, apoiado exclusivamente em uma impressã o, isto é,
senso comum. Podemos sugerir a grossa distinçã o entre Informaçã o, Comunicaçã o e
Reflexã o, e que a filosofia começa depois desta ultima. Dada uma informaçã o, esta tem que
encarar o confronto da dú vida no outro, isto é, réplica expressa em pergunta, constituindo
a ida e volta da informaçã o exposta, o resto desta ida e volta sã o os elementos da Reflexã o.
É o princípio dialó gico e dialético que Platã o tanto insiste, e que hoje pode ser aplicado (e
deve) em toda tentativa de transmissã o de conhecimento. O problema é que hoje se pensa
poder atingir o Pensamento sentado em uma informaçã o nã o verificada, e mesmo que seja
verdadeira nunca confrontada, e se confrontada é conservada intacta, numa fuga acéfala
das objeçõ es de outrem. Mas o pior nã o é isso, é a confusã o entre Ontologia e
Epistemologia, algo “É ” por que acho que é, mas nã o verifico, e se duvidarem somente rio
querendo fazer o outro parecer ridículo em sua pergunta que racha a associaçã o
meramente somató ria da qual se estava assentado. A dissoluçã o do ego acontece pela
dú vida que vem de fora, quando evitada gera somente o conservadorismo de senso
comum. Pensar é algo mais exigente do que expor opiniã o associativa, isso o cérebro já o
faz sem que tenhamos que se esforçar, fazemos mesmo sem querer. No entanto, o
raciocínio rá pido apegado ao dado, e nada além do dado (empirismo vulgar) exclui logo de
saída, o Exame, a Reflexã o, a Investigaçã o e a Verificaçã o de como o dado é dado, a troco de
uma associaçã o apressada, rasa e com a pré-potencia de querer deter o que É a coisa, neste
caso a filosofia, sem nunca nem saber dos pré-supostos que sustentam a mesma, e os da
religiã o e do mito, no jogo de comparaçã o com alguma crença ou cultura, é justamente isso
a nã o filosofia que Platã o criticava nos sofistas, tã o combatida pelo pró prio Platã o quando
o mesmo nos fala dos pretendentes a verdade, lembrando que sã o somente pretendentes,
isto é, pretensã o somente e por tal motivo, Platã o sugere verificar as pretensõ es e até os
pré-supostos, antes de afirmarmos o que algo É . Dado que a filosofia é justamente a
tentativa racional de superaçã o do mito, e evidentemente partes destes, porém só parte,
indo além dessa partida, inclusive a filosofia platô nica. Assim, surgi a sugestã o de reduzir
Platã o à um plagiador do budismo, pelo simples dado de que Platã o viveu no mesmo
período que Buda e que "Evidentemente só pode ter partido do "pensamento" budista a
reflexã o platonica sobre a reminiscência", como se Platã o nã o conhecesse outras religiõ es,
como a dos egípcios, africanos e persas, e nã o estivesse propondo a superaçã o dos mitos
via Razã o, nos faz achar que uma informaçã o é o suficiente para uma conclusã o. Platã o ri
destes! E muito! De todas as associaçõ es fundadas em impressõ es inverificadas pelo
raciocinio, e apegadas dependentemente à dados histó ricos, que com muito custo nã o
ultrapassam a informaçã o, joga fora toda a exposiçã o precedente lançada pelo pró prio
Platã o, A pergunta exclusivamente platonica, "o Que é?", é completamente ignorada no
mesmo momento em que é reclamada: a falta de sentido histó rico, o apego a informaçã o
sem reflexã o, a associaçã o pela impressã o, o descompromisso com o conteú do posto, e
apego conservador a dados, e somente dados, nos faz ficar presos no grau mais baixo de
entendimento; a informaçã o, o dado. Mas o pedantismo, fruto da pressa, da pretensã o, e do
conservadorismo da opiniã o, nã o vai nada além do senso comum, com muito custo atinge
o bom senso. Senso comum e bom senso, sempre prontos para abortar o Pensamento.
Sobre a filosofia, quem sabe desta, é o filó sofo, o ú nico que tenta ir além da pró pria
filosofia, “Se devo ou nã o filosofar é uma questã o que só responderei filosofando”, Mas a
pretensã o do bom senso religioso ou do senso comum imediatista, abortam o paradoxo
tã o amado por Platã o, pois é no paradoxo que o pensamento começa, é ele o Pathos do
pensamento, tã o evitado pelo senso comum e pelo bom senso, por terem suas afirmaçõ es
apressadas dissolvidas pela dú vida posta. O medo da dú vida nos faz agarrar um dado que
justifica uma opiniã o, porém há uma distâ ncia gritante entre isto e a Verdade, a distancia é
tã o grande que talvez este caminho nunca tenha nos levado a alguma verdade. Se o
pensamento é o caminho da verdade, o pensar só pode ser um movimento, e é este
movimento que hoje se foge como o diabo foge da cruz e foge se quando se assenta numa
opiniã o nã o verificada, ou em um dado tratado como evidencia que nã o pode ser
contestada. O fascismo cristã o de extrema direita de hoje ou o budismo de classe média da
pseudo-esquerda, tem a mesma fonte: a fuga sedentá ria do movimento de pensamento,
com toda a pretensã o de dizer o que as coisas Sã o, mas apegados a impressã o causada pela
informaçã o. Se seguirmos essa perplexidade ao invés de nos assentarmos no meio do
caminho, talvez um dia se pense. A ignorâ ncia informada de hoje é incapaz de um
pensamento comunicante, que cause perplexidade suficiente para nos forçar a reflexã o;
pensamos porque somos forçados pela violência que se passa entre uma faculdade e outra
e todo intento estéril de evitar essa violência do pensamento, faz gerar uma pretensiosa
desinformaçã o informada, que acha um absurdo citarmos filó sofos numa aula de filosofia.

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