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18362014 3495
ARTIGO ARTICLE
contra transtornos alimentares em adolescentes
Abstract The purpose of this study is to provide Resumo O objetivo desse estudo foi revisar a li-
a review of the literature on the relationship be- teratura a cerca da relação entre transtornos ali-
tween eating disorders and social skills in adoles- mentares e habilidades sociais em adolescentes.
cents. A search was made on the Medline, Sci- Pesquisou-se as bases de dados Medline, SciELO
ELO and Lilacs databases, for items combining e Lilacs, cruzando os descritores “transtornos ali-
the terms ‘eating disorders’, ‘anorexia nervosa’, mentares”, “anorexia nervosa”, “bulimia nervosa”
‘bulimia nervosa’ and ‘food behavior’, with the e “comportamento alimentar”, com os descritores
terms ‘social psychology’ and ‘social isolation’, and “psicologia social” e “isolamento social”, e com as
with the keywords ‘social competence’, ‘social skill’ palavras chave “competência social”, “habilidade
and ‘interpersonal relations’. The following were social” e “relação interpessoal”. Incluiu-se estudos
included: studies on adolescents; in Portuguese, com adolescentes, nos idiomas português, inglês e
English and Spanish; published in the years 2007 espanhol, e publicações realizadas entre os anos
through 2012. The search resulted in 63 articles, de 2007 a 2012. A busca resultou em 63 artigos,
and 50 were included in this review. The majority sendo incluídos 50 nesta revisão. A maioria dos
of the studies were made in Brazil and the United estudos foi conduzido no Brasil e nos Estados
States. Of the total, 43 were original articles. The Unidos. Do total, 43 eram artigos originais. Os
studies aimed to understand how emotional state estudos visavam compreender como o estado emo-
could influence the establishment of eating disor- cional poderia influenciar no estabelecimento dos
ders, interpersonal relationships and peer rela- transtornos alimentares, assim como as relações
tionship. The articles also discussed the influence interpessoais e a relação entre os pares. Os arti-
of the media and of society in this process. Based gos também discutiram a influência da mídia e da
on the analysis of the studies, it was observed sociedade neste processo. A partir da análise dos
that the greater an adolescent’s repertory of social estudos, observou-se que quanto maior o repertó-
1
Programa de Pós-
Graduação em Educação
skills, the greater his or her factor of protection rio de habilidades sociais dos adolescentes, maior
e Saúde na Infância e against the development of eating disorders. será o fator de proteção contra o desenvolvimento
Adolescência, Setor de Key words Social psychology, Social skill, Eating de transtornos alimentares.
Medicina do Adolescente,
Universidade Federal de São
disorders, Adolescent health, Adolescent behavior Palavras-chave Psicologia social, Habilidade so-
Paulo. R. Botucatu 715, Vila cial, Transtornos da alimentação, Saúde do ado-
Clementino. 04023-062 São lescente, Comportamento do adolescente
Paulo SP Brasil.
laura_uzunian@
hotmail.com
3496
Uzunian LG, Vitalle MSS
foram encontrados
cados, 13 artigos foram excluídos durante a ve- 50 artigos incluídos na íntegra
rificação da elegibilidade dos estudos: sete não
condiziam com o tema da pesquisa, apesar da
metodologia de busca descrita acima; quatro es- Figura 1. Fluxograma de seleção de artigos.
tudos possuíam duplicidade nas bases de dados Fonte: Autoras, 2013.
3498
Uzunian LG, Vitalle MSS
Quadro 1. Características dos estudos publicados entre 2007 e 2012 sobre transtornos alimentares e habilidades
sociais.
continua
3499
continua
3500
Uzunian LG, Vitalle MSS
Quadro 1. continuação
Scoffier et al., 201057 Avaliar a influência do meio Artigo Atletas competitivos, TAS e
França esportivo e TAs em atletas original influência do meio esportivo
Bailey; Ricciardelli, 201027 Examinar comparações Artigo Comparações sociais,
Austrália sociais, imagem corporal, original autoestima, imagem corporal
autoestima e TAs e TAs
continua
3501
Connan et al., 200749 Relacionar a baixa posição Artigo Baixa posição social e AN1
Londres social com AN original
Harrison et al., 201038 Avaliar processos Artigo Regulação das emoções, TAs
Londres interpessoais, ansiedade e original
regulação emocional nos
TAs
McEwen; Flouri, 200939 Investigar a regulação Artigo Emoções, relação entre pais e
Londres das emoções entre pais e original adolescentes com TAs
adolescentes com TAs
Bodell et al., 201160 Relacionar apoio social, Artigo Apoio social, ocorrência de
Estados Unidos eventos negativos e TAs original eventos negativos e os TAs
Scime; Cook-Cottone, 200861 Avaliar a eficácia de um Artigo Grupo de prevenção, imagem
Estados Unidos grupo de prevenção de TAs original corporal e TAs
Convém ressaltar que foi encontrado apenas mente incompetentes, estão em alto risco para
um artigo39 que, além de discutir sobre as variá distúrbios psicossociais na adolescência24,25,59.
veis no comportamento de risco para TA em ado- Assim como o comportamento social, o com-
lescentes, relatou a proposta sobre um grupo de portamento alimentar diz respeito à atitudes re-
prevenção contra os transtornos, abordando às lacionadas às práticas alimentares associadas a
questões relacionadas à emoção, pares e influên- atributos socioculturais, como os aspectos sub-
cia da mídia e sociedade. jetivos intrínsecos do indivíduo ou próprios de
Não há dados definitivos sobre como e quan- uma coletividade, que estejam envolvidos com
do se aprendem as HSs, mas a infância é sem dú- o ato de se alimentar ou com o alimento em si.
vida um período considerado crítico19,23. Os com- Na formação do comportamento alimentar, há
portamentos sociais inicialmente são formados influência de fatores nutricionais, demográficos,
no ambiente familiar e depois nos outros am- sociais, culturais, ambientais e psicológicos50.
bientes em que o indivíduo vive, como a escola, a Nestes contexto, as HSs parecem funcionar
igreja, os clubes, entre outros29. Crianças que não como fatores de proteção, condições que redu-
conseguem progresso no aprendizado escolar ou zem impactos negativos na infância e prognosti-
que se mantêm impulsivas, agressivas ou social- cam resultados positivos no desenvolvimento, no
3502
Uzunian LG, Vitalle MSS
sentido de promoverem ampliação de repertório, crianças e adolescentes, sendo 898 meninas e 945
inibindo possíveis problemas advindos de com- meninos com idade média de 14 anos. Observou-
portamentos não adaptativos22,24,25,29. se que um terço das meninas e 15% dos meni-
Acredita-se que crianças frequentemente nos apresentaram alterações no comportamento
pressionadas com relação ao seu peso e forma alimentar, sugestivas de TAs e que os acometidos
corporal, tendem a desenvolver distúrbios ali- pelo transtorno tinham alteração em três facetas
mentares, depressão, ansiedade e maior ocorrên- da sua vida: física, emocional e social9.
cia de pensamentos negativos na adolescência ou
na fase adulta15,40,50. Emoções
Durante a adolescência, há uma série de mu-
danças físicas, cognitivas, emocionais e sociais, Muitas pesquisas estão sendo realizadas para
que podem ser entendidas pelos adolescentes melhor compreensão de como os distúrbios ali-
como fatores estressantes13,51. Neste período, os mentares são afetados pelas emoções. Cerca de
recursos internos de que o adolescente dispõe e 20% dos pacientes acometidos com TCAs desen-
são utilizados para resolver as tarefas de desenvol- volvem a forma crônica da doença, podendo ge-
vimento importantes dessa fase, dependerão sig- rar deficiências orgânicas, psicológicas e sociais.
nificativamente da qualidade da resolução das ta- Muitas vezes, somam-se desordens psiquiátricas
refas relevantes da infância, como o ajustamento como ansiedade, depressão, transtorno obsessivo
e o desempenho escolar, a competência nas rela- compulsivo e transtorno de personalidade31,41,55.
ções com os companheiros e a conduta governada A fase de transição expõe o adolescente a fa-
por regras. Este processo culminará na aceitação tores de risco que podem ser entendidos como
das normas da sociedade para um comportamen- variáveis pessoais ou ambientais, aumentando a
to moral e uma conduta pró-social 24,25,40. possibilidade de efeitos negativos sobre a saúde,
Parece claro que indivíduos socialmente há- o bem-estar e o comportamento. Problemas so-
beis e não hábeis possuem diferenças comporta- cioemocionais – incluindo repertório limitado
mentais, cognitivas ou fisiológicas. Porém, como de habilidades sociais apropriadas – desempe-
ainda não se estabeleceram os componentes bási- nho acadêmico insatisfatório, conflitos no rela-
cos de um comportamento hábil, há uma dificul- cionamento com os pais e períodos de transição
dade de pesquisas nesta área. Sujeitos não hábeis conturbados no processo de desenvolvimento,
mantém menor contato visual, maiores índices tornam-se fatores de risco para uma gama de
de ansiedade, pouca variação de expressão facial, problemas sociais e emocionais21,40,52,55.
dificuldade em conversar e sorrir, maior autover- Os TAs são acompanhados de alterações psi-
balização negativa, ideias irracionais, menor con- cossociais, pois os indivíduos acometidos muitas
fiança em si mesmo, tendem a considerar maior vezes apresentam dificuldades cognitivas, dificul-
probabilidade de ocorrerem situações desfavorá- dades de estabelecer relações, problemas inter-
veis, padrões de atuações excessivos, padrões pa- pessoais e psicológicos, como baixa autoestima
tológicos de atribuição dos sucessos e fracassos e perfeccionismo40,42. Pessoas acometidas pela
sociais, entre outros19,29. AN apresentam altos níveis de ansiedade, consi-
Uma pesquisa realizada envolvendo pacientes deram-se incapazes de se socializar e frequente-
acometidos por AN após 16 anos de terem sido mente apresentam comportamento de submis-
diagnosticados, procurou elucidar quais os moti- são aos outros32,42,43. Pacientes com BN possuem
vos, na percepção dos participantes, que os leva- sentimentos de depressão, raiva e desgosto, além
ram a desenvolver a doença. Ao final do estudo, de apresentarem dificuldade de estabelecer rela-
os pesquisadores dividiram as respostas obtidas ções sociais saudáveis26,33,34,42,52.
em três categorias: a. características individuais: Estudo envolvendo 652 adolescentes do sexo
demandas individuais, perfeccionismo, crises in- feminino do Nordeste do Brasil, com a finalidade
ternas, problemas físicos e emocionais, insatisfa- de caracterizar o comportamento alimentar, veri-
ção corporal, dietas restritivas, baixa autoestima; ficou que 31,2% (n = 644) relataram que quando
b. problemas familiares: dificuldades de interação se sentiam ansiosas, comiam muito. Indagou-se
e comunicação com a família, eventos familia- se elas procuravam a comida com a finalidade de
res estressantes e alta demanda familiar; c. sócio aliviar algum tipo de desconforto e 17,9% afir-
culturais: problemas com os pares, problemas na maram que sim (n = 642)44.
escola e prática esportiva30. É importante ressaltar que, apesar da maioria
Categorizações semelhantes foram encontra- dos estudos enfatizar os TAs no sexo feminino,
das em estudo realizado na Alemanha, com 1843 na última década muito tem se pesquisado sobre
3503
podem influenciar nos amigos9,34. Outra fonte de mídia nos transmite uma infinidade de critérios,
pesquisa que vem sendo fortemente explorada é proibições, padrões e prescrições alimentares,
conhecer a qualidade desta amizade e não apenas que conduzirá as escolhas e práticas alimentares
as crenças e as atitudes35. Relações de amizade da população48.
saudáveis e com boa qualidade, predizem a con- Adolescentes que praticam esporte possuem
fiança que se tem no amigo, a boa comunicação mais um fator agravante para o desenvolvimen-
e a aceitação entre os pares, são fatores positivos to de TAs, visto que em determinados esportes o
e altamente relacionados com a construção favo- peso e a forma corporal são preditivos para esta-
rável da autoestima e da satisfação com a vida. belecer a categoria do atleta. A influência exerci-
Estas características fornecem aceitação sobre a da pelos treinadores e os outros adolescentes da
imagem corporal do adolescente, reduzindo a modalidade, são influências negativas para o de-
probabilidade do desenvolvimento de TCAs37,54. senvolvimento de TCAs enquanto os pais podem
Meyer e Gast11, realizaram um estudo com desempenhar fator de proteção57.
200 adolescentes sendo 83 meninos e 117 meni- É importante esclarecer que a família e os
nas, com o objetivo de avaliar se os pares influen- amigos podem tanto fornecer fatores de proteção
ciariam no comportamento alimentar. Ao final, contra o desenvolvimento de distúrbios alimen-
os pesquisadores concluíram que, na população tares, quanto favorecer o seu estabelecimento,
estudada, houve influência dos pares sobre o pa- dependendo do tipo de relacionamento que pos-
drão alimentar dos adolescentes e que as meninas suem com o indivíduo predisposto a desenvolver
estavam mais vulneráveis a esta influência, com- o TAs22,46. Os acometidos por AN tendem a per-
paradas aos meninos. tencer a famílias com bom relacionamento, que
Outro aspecto da relação entre pares que evitam conflitos e que, quando há necessidade de
pode entrar em conflito com a satisfação corpo- internação para tratar do distúrbio, esta é uma
ral e os padrões alimentares, é a percepção de que situação dolorosa e complicada; já pessoas aco-
a magreza é importante para a realização pessoal metidas com BN tendem a ter relações familiares
e relações interpessoais11,56. Crianças e adolescen- conflituosas, frequentemente apresentando rejei-
tes acreditam que seriam mais aceitos pelos pares ção dos pais com os filhos34.
se fossem magros37. Atribuições sobre a impor- Indivíduos com habilidades sociais mais ela-
tância da magreza refletem maior popularidade boradas podem apresentar fatores de proteção
e facilidade de conseguir namorado(a), sendo para o ajustamento social, o desempenho aca-
preditor para a estima corporal17. Adolescentes dêmico e o seu auto-desenvolvimento20,21. Em
que relatam níveis mais elevados de preocupa- contrapartida, sentimentos de incompetência,
ções com o corpo e alterações no comportamen- menor valia e pouco suporte, estão associados a
to alimentar, também apresentam preocupações sentimentos de vergonha e dúvida, desinteresse e
relacionadas ao peso e à imagem corporal de seus isolamento social25.
amigos. O desenvolvimento das habilidades sociais
pode prevenir comportamentos de risco à saúde,
Mídia e Sociedade visto que torna o adolescente capaz de decidir
por si mesmo, de recusar convites danosos à sua
Fatores socioculturais como a pressão exer- saúde e de discordar do grupo ou da sociedade
cida pela sociedade, familiares e amigos para ter em momentos de pressão, como por exemplo, as
um corpo magro, somado às influências nega- influências exercidas na imagem corporal consi-
tivas exercidas pela mídia6,27,28,55,57,59, aumentam derada ideal24.
as chances de se estabelecerem distúrbios de Muitas dificuldades têm sido identificadas
imagem corporal e transtornos alimentares em em indivíduos com TAs, como por exemplo: ele-
adolescentes, pois diante disso nesta fase estes vado nível de insegurança e dificuldade de se re-
indivíduos atribuem significativa importância lacionar; redes sociais limitadas; comportamento
às atitudes, crenças e comportamentos de seus submisso, além de comparações sociais desfavo-
pares, além de estarem predispostos a apresentar ráveis, que contribuem para autoavaliação nega-
uma insatisfação corporal característica, até que tiva37,38,49.
o desenvolvimento termine17,22,47,54,58. Formas de ansiedade infantil desempenham
A sociedade atual, que vive em um grande um papel importante na etiologia dos TAs. Desta
centro urbano, passa a ser alvo direto ou indireto forma, a ansiedade social relacionada à avaliação
do assédio dos meios de comunicação, interes- corporal de crianças, tem sido associada a pre-
sado em mediar seus produtos e informações. A ocupações excessivas com alimentação, forma e
3505
igreja ou no clube, estão aptos a lidar com situ- Desta maneira, postula-se que todos aqueles
ações estressantes ou emocionalmente influen- envolvidos no trato com crianças e adolescentes,
ciáveis de maneira mais adequada, comparados particularmente os profissionais da saúde e da
àqueles que não receberam este tratamento. É educação, estejam capacitados a desenvolver tais
possível inferir que quanto maior o repertório habilidades, auxiliando na formação de indivíduos
de habilidades sociais do adolescente, maior é a saudáveis e, portanto, capazes de se integrar efeti-
proteção contra comportamentos de risco para vamente à sociedade e à cultura a qual pertencem,
transtornos alimentares. cooperando assim com o seu desenvolvimento.
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