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C o m e n t á r io B íb l ic o

Ex p o s it iv o

Antigo Testamento
Volume II — Histórico

W arren W. W iersbe

T r a d u z id o p o r
S u sa n a E. K la ssen

Ia Edição
5a Impressão

Geográfica
Santo André, SP - Brasil
2010
S u m á r io

Jo su é ................................................................................................................ 0 7

J u íz e s ................................................................................................................8 9

R u t e ............................................................................................................ 1 72

1 S a m u e l ...................................................................................................... 1 9 9

2 S am uel / 1 C r ô n ic a s ............................................................................2 9 3

1 Reis............................................................................................................. 391

2 R eis / 2 C r ô n ic a s .................................................................................. 491

E s d r a s ........................................................................................................ 5 8 6

N eem ia s ......................................................................................................6 1 4

Es t e r , 689
JU ÍZ ES

ESB O Ç O 3. Guerra civil - 20 - 21

Tem a-chave: A o b e d iên cia redunda em CO N TEÚ DO


bênçãos de Deus; a desobe­ 1. O fundo do poço
diência redunda na disciplina (Jz 1 - 2 ) .....................................................90
de Deus. 2. As armas de nossa guerra
Versículo-chave: juizes 21:25 (ver também 1/3;........................................................... 97
17:6; 18:1; 19:1) 3. "Dois são melhor que um e três
são melhor ainda"
I. D E S O B E D IÊ N C IA : IS R A E L SE (Jz 4 - 5 ) .................................................. 104
AFASTA DE DEUS - 1 - 2 4. O homem de Deus em Manassés
1. Vitórias iniciais - 1:1-26 (Jz6 )..........................................................111
2. Derrotas repetidas - 1:27-36 5. Crer é a vitória
3. Apostasia nacional - 2:1-15 (jz 7)......................................................... 118
4. Misericórdia divina - 2:16-23 6. Vença a guerra, perca a vitória
(Jz 8)......................................................... 124
II. D ISCIPLIN A : O SEN H O R 7. Venha o meu reino
C O R R IG E ISRAEL - 3 - 16 (Jz 9)......................................................... 130
1. Otniel, Eúde e Sangar - 3 8. Um desprezado que se destacou
2. Débora e Baraque - 4 - 5 (jz 1 0 -1 2 )...............................................136
3. Gideão - 6 - 8 9. Um brilho tremeluzente
4. Abimeleque - 9 (Jz 1 3 - 1 4 ) .............................................. 143
5. Tola e Jair - 10 10. A luz que se apagou
6. Jefté -1 1 :1 - 12:7 (Jz 15 - 16)..............................................149
7. Ibsã, Elom e Abdom - 12:8-15 11. Colapso interno
8. Sansão - 13 - 16 (Jz 1 7 - 18)..............................................156
12. Guerra e paz
III. DESORDEM : ISRAEL SUCUM BE (Jz 19 - 21).............................................. 162
À A N A R Q U IA - 17 - 21 13. Olhando para trás e olhando ao
1. Confusão religiosa - 17 - 18 redor (Algumas lições do Livro de
2. Imoralidade - 19 Juizes)...................................................... 168
eles se levantou, que não conhecia o S e n h o r,
1 nem tampouco as obras que fizera a Israel"
(Jz 2:7, 10; ver Js 24:31). Em vez de demons­
trar fervor espiritual, Israel afundou-se em
O Fu n do do Po ço apatia; em vez de obedecer ao Senhor, o
povo entregou-se à apostasia, e em vez de
J u ízes 1 - 2 Israel desfrutar a lei e a ordem, a terra en­
cheu-se de anarquia. Sem dúvida, Israel ha­
via chegado ao fundo do poço.
Um dos versículos-chave do Livro de
Juízes é 21:25: "Naqueles dias, não havia
rei em Israel; cada um fazia o que achava
BRIG A DE FAM ÍLIA DEIXA 69 IRM AO S mais reto" (ver 1 7:6; 18:1; 19:1 ).2 No monte
M O RTO S! Sinai, o Senhor havia tomado Israel para si a
fim de fazer dele seu "reino de sacerdotes",
P O LÍT IC O FAM O SO E N C O N T R A D O declarando que somente ele reinaria sobre
C O M AM ANTE. o povo (Êx 19:1-8). Moisés reafirmou a so­
berania de Jeová quando explicou a aliança
VÍTIM A É M O RTA E D ESM EM BRADA à nova geração antes de entrarem em Canaã
D EPO IS DE ESTU PRA DA PO R G A N G U E. (Dt 29ss). Depois da conquista de jericó e
de Ai, Josué declarou a Israei suas responsa­
M O Ç A S SÃ O SEQ Ü ESTRA D A S DE UM A bilidades como reino (Js 8:30-35) e, pouco
FESTA E FO R Ç A D A S A C A SA R C O M antes de falecer, o líder de Israel voltou a
D E S C O N H E C ID O S . lembrar o povo dessas responsabilidades (Js
24). Até mesmo Gideão, possivelmente o
JU ÍZ A D IZ Q U E ESTRADAS N Ã O SÃ O maior de todos os juízes, recusou-se a insti­
MAIS SEG U R A S PARA VIAJANTES. tuir uma dinastia real. "Não dominarei sobre
vós", disse ele, "nem tampouco meu filho

E
fácil encontrar manchetes sensacionalis­ dominará sobre vós; o S e n h o r vos domina­
tas como essas na primeira página de rá" (Jz 8:23).
tablóides, mas as reproduzidas acima, na Em Deuteronômio 6 vê-se uma descri­
verdade, descrevem alguns dos aconteci­ ção das responsabilidades fundamentais de
mentos relatados no Livro de Juizes.1 Que Israel: amar e obedecer a Jeová como único
contraste gritante com os últimos capítulos Deus verdadeiro (vv. 1-5); ensinar aos filhos
do Livro de Josué, em que se vê uma nação as leis de Deus (vv. 6-9); demonstrar grati­
descansando da guerra e desfrutando as ri­ dão pelas bênçãos de Deus (vv. 10-15); se­
quezas que Deus lhes havia dado na Terra parar-se da adoração dos deuses pagãos na
Prometida! O Livro de Juízes retrata Israel terra de Canaã (vv. 16-25). Infelizmente, a
sofrendo invasões, escravidão, pobreza e nova geração fracassou em todas essas res­
uma guerra civil. O que aconteceu? ponsabilidades. O s israelitas não quiseram
A nação de Israel degenerou-se rapida­ "[buscar], pois, em primeiro lugar, o seu rei­
mente depois que uma nova geração assu­ no e a sua justiça" (Mt 6:33) e preferiram
miu a liderança, a qual não conhecia Josué experimentar a idolatria das nações ímpias
nem o Deus de Josué. "Serviu o povo ao ao seu redor. Em decorrência disso, Israel
S e n h o r todos os dias de Josué e todos os mergulhou na calamidade moral, espiritual
dias dos anciãos que ainda sobreviveram por e política.
muito tempo depois de Josué e que viram Das duas uma: ou a geração mais velha
todas as grandes obras feitas pelo S e n h o r a deixou de instruir seus filhos e netos nos
Israel [...] Foi também congregada a seus pais caminhos do Senhor ou os ensinou, mas a
toda aquela geração; e outra geração após nova geração recusou-se a obedecer às leis
JUÍZES 1 - 2 91

de Deus e a seguir seus caminhos. "A justi­ situação da Igreja hoje. Infelizmente, o povo
ça exalta as nações, mas o pecado é o opró- de Deus não trabalha em união para derro­
orio dos povos" (Pv 14:34). O Livro de Juizes tar o inimigo. No entanto, Deus levanta, aqui
é um registro desse opróbrio, e os dois pri­ e ali, homens e mulheres de fé que experi­
meiros capítulos descrevem quatro estágios mentam as bênçãos e o poder do Senhor e
do declínio e queda de Israel. conduzem seu povo à vitória.
Com a ajuda de Deus, as duas tribos
t. C o m b a t e n d o o in i m i g o (Jz 1:1-21) conquistaram os cananeus em Bezeque (Jz
juizes começa com uma série de vitórias e 1:4-7), capturaram, humilharam e mutilaram
derrotas ocorridas depois da morte de Josué. um dos reis inimigos, cortando seus polega­
\s demarcações das fronteiras das doze tri­ res das mãos e dos pés (ver Jz 16:21; 1 Sm
bos haviam sido determinadas havia anos 11:2; e 2 Rs 25:7 para outros casos de muti­
Js 13 —22), mas o povo ainda não se apro­ lação). O rei não conseguia mais correr com
priara inteiramente de sua herança, derro­ facilidade nem empunhar suas armas com
tando e expulsando os habitantes da terra destreza. Desse modo, o "senhor de Beze­
que continuavam arraigados no meio deles. que" recebeu a retribuição por aquilo que
Quando Josué já era de idade, o Senhor lhe havia feito com outros setenta reis, apesar
disse: "Já estás velho, entrado em dias, e ain­ de ser possível que estivesse exagerando
da muitíssima terra ficou para se possuir" (Js quando relatou sua façanha.
13:1). O povo de Israel tinha o direito de Esses setenta reis ilustram a situação difí­
o'opriedade sobre toda a terra, mas ainda cil de todos aqueles que se entregam ao ini­
não havia tomado posse da extensão total migo: ficam incapazes de correr e de lutar
de seus territórios e, portanto, não podia devidamente; não conseguem usar uma es­
cestrutar plenamente sua herança. pada com eficiência; não ocupam mais o
As vitórias de Judá (vv. 1-20). No início, trono, mas sim uma posição humilhante e,
o povo de Israel mostrou-se prudente e bus­ em vez de se banquetear à mesa, vivem de
cou a orientação de Deus, perguntando ao restos e de migalhas. Que grande diferença
Senhor qual tribo deveria enfrentar o inimi­ faz viver pela fé e reinar na vida por inter­
go primeiro. Talvez Deus tenha dito para Judá médio de Jesus Cristo (Rm 10:1 7)1
iniciar os confrontos, pois era a tribo dos Jerusalém (v. 8) foi o prêmio seguinte
reis (Gn 49:8, 9). Judá creu nas promessas de Israel, mas, apesar de os israelitas terem
de Deus, seguiu seu plano e até convidou o conquistado a cidade, não a ocuparam (v.
povo da tribo de Simeão para acompanhá- 21). Essa ocupação só ocorreu no tempo
lo. Uma vez que Lia havia dado à luz tanto de Davi (2 Sm 5:7). Judá e Benjamim eram
Judá quanto Simeão, os dois eram irmãos tribos vizinhas e, uma vez que a cidade fica­
de sangue (Gn 35:23). Incidentemente, a va na fronteira entre as duas tribos, ambas
herança de Simeão ficava dentro da tribo participaram do ataque (Js 15:63). Muito tem­
de Judá (Js 19:1). po depois, Jerusalém tornou-se a "cidade de
Quando Josué era líder de Israel, todas Davi" e a capital de Israel.
as tribos trabalharam em conjunto e em obe­ Em seguida, atacaram a região ao sul e a
diência à vontade de Deus. No Livro de Jui­ oeste de Jerusalém, que incluía Hebrom (Jz
zes, porém, não encontramos mais a nação 1:9, 10, 20). Com isso, tiveram de lutar na
trabalhando unida. Quando Deus precisava região montanhosa, no Sul (Neguebe) e nos
de alguém para livrar seu povo, chamava essa contrafortes. Josué havia prometido Hebrom
pessoa de uma das tribos e lhe dizia o que a Calebe por ele haver sido fiel ao Senhor
fazer. Em obediência ao Senhor, M oisés em Cades-Barnéia (Nm 13 -14; Js 14:6-15;
nomeou Josué seu sucessor, porém, mais Dt 1:34-36). Sesai, Aimã e Talmai eram des­
tarde, D eus não ordenou que Josué no­ cendentes do gigante Anaque, cujo povo
measse alguém para sucedê-lo. De certa atemorizou dez dos doze espias israelitas
forma, essas circunstâncias são paralelas à enviados para explorar a terra (Nm 13:22,
92 JUÍZES 1 - 2

28). Apesar de os outros dois espias - Josué tomaram a cidade de Betei. Essa cidade era
e Calebe - terem a fé necessária para ven­ importante para os israelitas por sua relação
cer o inimigo, o povo não lhes deu ouvidos. com os patriarcas (Gn 12:8; 13:3; 28:10-12;
Ao que parece, a fé corria no sangue da 35:1-7). Ao que parece, a cidade não havia
família de Calebe, pois a cidade de Debir sido tomada durante a conquista sob o co­
(Jz 1:11-1 6)3 foi tomada por Otniel, sobri­ mando de Josué, ou, se isso havia ocorrido,
nho de Calebe (Jz 3:9; Js 15:17). Com o re­ os israelitas perderam o controle sobre o lo­
com pensa, O tniel recebeu Acsa, filha de cal. A salvação da família do informante faz
Calebe, como esposa. Posteriormente, foi lembrar como a família de Raabe foi pou­
chamado a servir como o primeiro juiz de pada na destruição de Jericó (Js 2, 6). Essas
Israel (Jz 3:7-11). Uma vez que a água era pessoas resgatadas m ostraram -se extre­
um bem precioso e a terra era praticamente mamente insensatas ao não ficar com os
inútil sem irrigação adequada, Acsa insistiu israelitas, com quem estariam seguras e
que o marido pedisse a Calebe as terras em poderiam aprender sobre o verdadeiro
que ficavam as nascentes de que precisa­ Deus vivo.
vam. Ao que parece, Otniel tinha mais faci­
lidade de tomar cidades do que de pedir 2. P o u p a n d o o in i m i g o
favores a seu sogro, de modo que a própria (Jz 1:21, 27-36)
Acsa fez o pedido. Seu pai lhe deu, assim, Benjamim, Efraim, Manassés, Zebulom, Aser,
as fontes superiores e as fontes inferiores. Naftali e Dã não conseguiram vencer o ini­
Talvez esse presente adicional estivesse re­ migo e foram obrigados a permitir que es­
lacionado, de alguma forma, a seu dote. sas nações ímpias continuassem vivendo nos
O s queneus (Jz 1:16) eram um povo an­ territórios de suas tribos. O inimigo chegou
tigo (Gn 15:19). Acredita-se que fossem nô­ a expulsar a tribo de Dã das planícies para
m ades dedicados à metalurgia (o termo as montanhas! O s jebuseus permaneceram
hebraico qayin significa "metalúrgico, ferrei­ em Jerusalém (v. 21), e os cananeus que
ro"). De acordo com Juizes 4:11, os queneus restaram foram, por fim, sujeitados a fazer
eram descendentes de Hobabe, cunhado4 "trabalhos forçados" quando os israelitas ga­
de Moisés e, portanto, aliados de Israel. A nharem mais força (v. 28). Salomão acabou
cidade das Palmeiras era Jericó, uma cidade recrutando esses povos cananeus para cons­
deserta e condenada (Js 6:26), de modo que truir o templo (1 Rs 9:20-22; 2 Cr 8:7, 8),
os queneus se mudaram para outra parte da mas isso não valeu a pena, pelos problemas
terra sob a proteção da tribo de Judá. que causaram aos israelitas. Essa série de
Depois que Judá e Simeão destruíram derrotas das tribos foi o primeiro sinal de
Horma (Jz 1:1 7), o exército de Judá voltou que Israel não estava mais caminhando pela
sua atenção para as cidades filistéias: Gaza, fé nem confiando em Deus para lhe dar a
Asquelom e Ecrom (vv. 18,19). Uma vez que vitória.
os filisteus possuíam carros de ferro, os O s sacerdotes possuíam uma cópia do
israelitas não tinham como derrotá-los facil­ Livro de Deuteronôm io e deveriam fazer
mente em terreno plano, mas, ainda assim, um a leitura p ú b lica à nação todo ano
tomaram as regiões montanhosas. sabático durante a Festa dos Tabernáculos
O importante sobre a história militar de (Dt 31:9-13). Se tivessem realizado seu tra­
Israel é que "esteve o S e n h o r com Judá" (Jz balho fielmente, os líderes espirituais teriam
1:1 9), e foi isso o que lhes deu a vitória (ver lido Deuteronômio 7 e advertido os israelitas
Nm 14:42, 43; Js 1:5 e 6:27; e Jz 6:16). "Se a não poupar os vizinhos pagãos. Também
Deus é por nós, quem será contra nós?" (Rm teriam lembrado os israelitas das promessas
8:31). de Deus de ajudá-los a derrotar os inimigos
A vitória de josé (vv. 22-26). A tribo de (Dt 31:1 -8). Foi pela leitura e obediência ao
Efraim juntou-se à parte ocidental da tribo Livro da Lei que Josué cresceu em fé e co­
de Manassés e, com a ajuda do Senhor, ragem (Js 1:1-9; Rm 10:17), e essa mesma
JUÍZES 1 - 2 93

Palavra havia capacitado a nova geração a Sagradas Escrituras e o Salvador. A fim de


vencer os inimigos e a se apropriar de sua cumprir os propósitos de Deus, a nação de
herança. Israel deveria permanecer separada de to­
O primeiro passo da nova geração para das as outras nações, pois se Israel fosse
a derrota e a escravidão foi deixar a Palavra contaminada, de que modo o Filho de Deus,
de Deus de lado; desde então, as outras em sua santidade, poderia vir ao mundo?
eerações cometeram o mesmo erro. "Pois "Deus está perpetuamente em guerra com
haserá tempo em que não suportarão a sã o pecado", escreveu G. Campbell Morgan.
doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de "Isso explica inteiramente o extermínio dos
Tvestres segundo as suas próprias cobiças, cananeus."5
como que sentindo coceira nos ouvidos; e A principal divindade de Canaã era Baal,
se recusarão a dar ouvidos à verdade, en­ o deus da chuva6 e da fertilidade, juntamen­
tregando-se às fábulas" (2 Tm 4:3, 4). Infe- te com sua esposa, Astarote. Se alguém
Izm ente, minha impressão é a de que os desejava ter vinhas e pomares frutuosos,
cristãos, hoje, tentam viver à base de fast- lavouras produtivas e rebanhos cada vez
'bods religiosos, de fácil consumo (nem é maiores, adorava Baal ao visitar uma prosti­
necessário mastigar a comida!), ao manter tuta cultual. A combinação de idolatria com
Tiestres que dão ao povo o que quer não o imoralidade e sucesso no cultivo da terra era
que precisa. Não é de se admirar que as quase irresistível aos homens, o que explica
igrejas não experimentem o poder de Deus por que Deus ordenou que Israel extermi­
operando em seus ministérios. nasse completamente a religião cananéia
Mas não foi cruel nem injusto da parte (Nm 33:51-56; Dt 7:1-5).
de Deus ordenar que Israel exterminasse as
nações de Canaã? Nem um pouco! Em pri- 3 . I m it a n d o o in im ig o (Jz 2 : 1 - 1 3 )
T>eiro lugar, Deus havia sido paciente com O perigo. Nestes tempos de "pluralismo",
essas nações durante séculos e, em sua mi­ em que a sociedade abriga pessoas com
sericórdia, reteve seu julgamento (Cn 1 5:1 6; estilos de vida e crenças diferentes, é fácil
2 Pe 3:9). Aquela sociedade e, em particular, ficar confuso e começar a pensar que tole­
sua religião, eram indescritivelmente per­ rância é o mesmo que aprovação, o que não
versas (Rm 1:18ss) e deveriam ter sido exter- é verdade. Numa democracia, a lei confere
-ninadas muito tempo antes de Israel entrar às pessoas a liberdade de adorar como pre­
em cena. ferir, e devemos exercitar paciência e tole­
Uma coisa é certa: essas nações haviam rância com aqueles que possuem crenças e
sido advertidas pelo julgamento que Deus práticas que, a nosso ver, Deus condena em
Havia executado contra outros, especialmen­ sua Palavra. A Igreja de hoje não empunha
te o Egito e as nações a leste do Jordão (Js a espada (Rm 13) e, portanto, não tem auto­
2:8-13). Raabe e sua família possuíam in- ridade alguma para eliminar os que discor­
íormações suficientes para se arrepender e dam da fé cristã. Porém, temos a obrigação,
crer. de modo que Deus os salvou (Js 2; 6:22­ diante de Deus, de manter um modo de vida
25 . Assim, temos todo o direito de concluir separado, a fim de não sermos contamina­
Que Deus teria salvo qualquer um que se dos pelos que discordam de nós (2 C o 6:14
«oítasse para ele. Essas nações pecavam de- - 7:1). Mediante a oração, o testemunho e
ifoerada e propositadamente, rejeitando a a persuasão em amor, devemos ganhar para
■«erdade de Deus e seguindo seus caminhos. Cristo os que ainda não crêem nele.
Deus não queria que a im undície da Os israelitas acabaram habituando-se aos
sociedade e da religião de Canaã contami­ costumes depravados dos vizinhos pagãos
nasse seu povo. Israel era o povo especial a ponto de não lhes parecerem mais peca­
de Deus, escolhido para cumprir propósitos minosos. Passaram a interessar-se pela for­
£§\inos neste mundo. Israel daria ao mundo ma como esses vizinhos adoravam e, por
o conhecim ento do Deus verdadeiro, as fim, começaram a viver como eles e a imitar
94 JUÍZES 1 - 2

seus hábitos. Para os cristãos de hoje, o pri­ Em sua aliança, Deus prometeu aben­
meiro passo fora dos caminhos do Senhor é çoar Israel se ele lhe obedecesse e discipli­
a "amizade com o mundo" (Tg 4:4), que ná-lo se lhe desobedecesse (ver Dt 27 - 28).
conduz ao passo seguinte: ser "maculado Deus é sempre fiel à sua Palavra, quer seja
pelo mundo" (Tg 1:27). Depois disso, vem para nos abençoar quer para nos discipli­
"amar o mundo" (1 Jo 2:15) e, aos poucos, nar, pois em ambos os casos ele demonstra
"[conformar-se] com este século" (Rm 12:2). sua integridade e seu amor (Hb 12:1-11).
Isso pode levar indivíduos que assim pro­ Deus prefere nos conceder as bênçãos da
cedem a ser "condenados com o mundo" vida que nos dão prazer, mas não hesita
(1 Co 11:32), o tipo de julgamento que so­ em remover essas bênçãos, caso nosso so­
breveio a Ló (Gn 19), Sansão (jz 16) e Saul frimento nos conduza de volta para ele em
(1 Sm 15, 31). arrependimento.
A desobediência (vv. 1-5). O "Anjo do Por meio de sua desobediência, a na­
S e n h o r " , no Antigo Testamento, costuma ser ção de Israel deixou claro seu desejo de que
interpretado como o próprio Senhor que, por os cananeus permanecessem na terra. Deus
vezes, vinha à terra (como uma teofania), a permitiu que fizessem as coisas a sua ma­
fim de transmitir uma mensagem importan­ neira (SI 106:15), mas advertiu-os das con­
te. É provável que fosse o Senhor Jesus Cris­ seqüências trágicas. As nações na terra de
to, a segunda pessoa da Trindade, numa Canaã se tornariam adversários que afligi­
aparição pré-encarnada e temporária (ver riam Israel e laços que os prenderiam. Israel
Gn 16:9; 22:11; 48:16; Êx 3:2; Jz 6:11 e 13:3; buscaria prazeres nos cananeus, mas só en­
2 Rs 19:35.) O fato de o próprio Deus vir contraria dor; iria regozijar-se com sua liber­
transmitir a mensagem mostra como as coi­ dade só para, depois, vê-la transformar-se em
sas haviam ficado sérias em Israel. escravidão.7
O tabernáculo foi, inicialmente, coloca­ Não é de se admirar que o povo cho­
do em Gilgal (Js 4:19, 20), e, nessa mesma rasse quando ouviu essa mensagem! (O
cidade, os homens de Israel foram circunci­ termo hebraico bochim significa "prantea-
dados, sendo removido deles o opróbrio do dores".) Porém, essa tristeza decorreu das
Egito (Js 5:2-9). Também foi em Gilgal que o conseqüências de seus pecados e não da
Senhor apareceu a Josué e assegurou-o da convicção de sua culpa. Foi uma tristeza
vitória, quando iniciou sua campanha para superficial e temporária que, em momento
conquistar Canaã (Js 5:13-15). Para Josué, o algum, levou ao verdadeiro arrependimen­
Anjo do S e n h o r trouxe uma mensagem de to (2 C o 7:8-11).
encorajamento, mas para a nova geração
descrita no Livro de Juizes, trouxe uma men­ 4. O b e d e c e n d o a o in i m i g o (Jz 2:6-23)
sagem de castigo. Mais cedo ou mais tarde, somos subjuga­
O Senhor havia mantido sua aliança com dos pelos pecados que não conquistamos
Israel, e nenhuma das palavras de suas pro­ em nossa vida. O povo de Israel viu-se
messas falhara (Js 23:5, 10, 15; 1 Rs 8:56). escravo de uma nação pagã após a outra,
Pedira-lhes que guardassem a aliança feita enquanto o Senhor cumpria sua Palavra e
com ele, obedecendo à lei e destruindo o disciplinava o povo. Observe os pecados da
sistema religioso cananeu - seus altares, tem­ nova geração.
plos e ídolos. (Observe em Êx 23:20-25 a Esqueceram-se do que o Senhor havia
relação entre o Anjo do S e n h o r e a ordem feito por eles (vv. 6-10). Nesse ponto da
para destruir a falsa religião; ver também Êx história de Israel, Josué estava lado a lado
34:10-17 e Dt 7:1-11.) No entanto, israel com Moisés como grande herói e, no entan­
desobedeceu ao Senhor e não apenas pou­ to, a nova geração não reconheceu quem
pou os cananeus e seu sistema religioso ele era nem o que havia feito. Em seu co­
ímpio, como também começou a seguir o nhecido romance 1984, George Orwell es­
modo de vida dos inimigos. creveu: "Aquele que controla o passado
JUÍZES 1 - 2 95

controla o futuro; aquele que controla o pre­ confortável, os israelitas entregavam-se no­
sente controla o passado". Uma vez que as­ vamente aos mesmos pecados de sempre.
sumiram o controle do presente, tanto Hitler "Então, fizeram os filhos de Israel o que era
ouanto Stalin reescreveram a história, ou seja, mau perante o Senhor [...]. Pelo que a ira do
o passado, a fim de que pudessem contro- Senhor se acendeu contra Israel e os deu
hr os acontecimentos futuros, e, por algum na mão dos..." Essas palavras que se repe­
aempo, foram bem-sucedidos. Com o é im­ tem com freqüência registram a natureza
portante as novas gerações reconhecerem deplorável e impudente dos pecados de Is­
e valorizarem os grandes homens e mulhe- rael (3:7, 8, ver também v. 12; 4:1-4; 6:1;
ires que ajudaram a construir e a proteger 10:6, 7; 13:1). O povo sofria sem necessida­
sua nação! E terrível quando historiadores de, pois não aprendeu as lições que Deus
'revisionistas" ridicularizam heróis e heroí­ queria lhes ensinar nem se beneficiou de
nas do passado a ponto de transformá-los sua disciplina.
quase em criminosos. Deus livrou seu povo levantando juizes
Abandonaram o que o Senhor havia que derrotaram os inimigos e que liberta­
dito (vv. 11-13). Se tivessem se lembrado ram Israel. A palavra hebraica traduzida por
de Josué, teriam conhecimento de seus "dis­ "julgar" significa "salvar, resgatar". O s juizes
cursos de despedida" aos líderes e ao povo foram libertadores que conquistaram gran­
de Israel (Js 23 - 24). Se conhecessem tais des vitórias militares com a ajuda do Senhor.
discursos, saberiam da lei de Moisés, pois Porém, também foram líderes que ajudaram
em seu últim o p ro n u n cia m e n to , Josué o povo a resolver suas disputas (Jz 4:4, 5).
enfatizou a aliança que Deus havia feito com O s juizes vieram de tribos diferentes e atua­
ísrael e a responsabilidade que a nação ti­ ram em nível local, não nacional, sendo que,
nha de guardá-la. Quando nos esquecemos em alguns casos, o mandado de um juiz foi
da Palavra de Deus, corremos o risco de concom itante com o de outro. A palavra
deixar o Deus da Palavra, o que explica por "juiz" é usada para apenas oito das doze
que Israel voltou-se para a adoração despre­ p e sso a s que co stu m a m o s ch a m a r de
zível e depravada de Baal. "juizes", mas todos atuaram como conse­
Perderam o direito de desfrutar o que o lheiros e libertadores. O s oito homens são:
Senhor havia prometido (w. 14, 15). Quan­ Otniel (3:9), Tola (10:1, 2), Jair (10:3-5), Jefté
do saíram a combater os inimigos, os israe­ (11), Ibsã (12:8-10), Elom (12:11,12), Abdom
litas foram derrotados, pois o Senhor não (12:13-15) e Sansão (15:20; 16:31).
estava com seu povo. Moisés avisou que isso O ciclo de desobediência, disciplina,
aconteceria (Dt 28:25, 26). Mas não foi só: desespero e libertação pode ser visto nos
os inimigos de Israel acabaram tornando-se dias de hoje sempre que o povo de Deus se
seus senhores! Deus permitiu que uma nação afasta da Palavra e segue seus próprios ca­
após a outra invadisse a Terra Prometida e minhos. Se a desobediência não é seguida
escravizasse o povo, tornando a vida dos de correção divina, então o indivíduo não é,
israelitas tão sofrida a ponto de suplicarem verdadeiramente, filho de Deus, pois Deus
por ajuda. Se o povo de Israel tivesse obe­ disciplina todos os seus filhos (Hb 12:3-13).
decido ao Senhor, seus exércitos teriam sido Deus tem imensa com paixão por seu
vitoriosos; mas quando lutaram com as pró­ povo, mas sua ira se acende contra seus
prias forças, foram derrotados e humilhados. pecados.
Deixaram de aprender com o que o O Livro de Juizes é o registro inspirado
Senhor havia feito (vv. 16-23). Sempre que dos fracassos de Israel e da fidelidade de
israel se afastava do Senhor para adorar ído- Deus. Porém, se estudarmos esse livro ape­
tos. a nação era disciplinada com severida­ nas como uma história antiga, perderemos
de. E quando, em meio a seu sofrimento, toda a mensagem. Trata-se de um relato
voltavam-se para Deus, ele os libertava. Mas sobre o povo de Deus nos dias de hoje.
assim que se viam livres e numa situação Quando o salmista fez uma retrospectiva do
96 JUIZES 1

período dos juizes (SI 106:40-46), encerrou- e congrega-nos de entre as nações, para
a com uma oração que também precisa­ que demos graças ao teu santo nome e nos
mos fazer: "Salva-nos, S e n h o r , nosso Deus, gloriemos no teu louvor" (SI 106:47).

1. As referências são de Juizes 9, 16, 19, 21 e 5:6 (nessa ordem).


2. Juizes é o livro de Israel “sem rei", 1 Samuel é o livro do "rei escolhido pelos homens" (Saul) e 2 Samuel é o livro do "rei
escolhido por Deus" (Davi). O mundo de hoje vive no Livro de Juizes, pois não há rei em Israel. Quando seu verdadeiro Rei
lhes foi apresentado, os judeus responderam: "Não temos rei, senão César!" De acordo com o cronograma, em seguida virá
o tempo do "rei escolhido pelos homens" (o Anticristo), que trará consigo o domínio mundial e o caos. Então virá o "Rei
escolhido por Deus" para derrotar seus inimigos e estabelecer seu reino de justiça. Observe que a história do Livro de Rute
se passa durante o tempo dos juizes (Rt 1:1) e que é uma história sobre o amor e sobre a ceifa. O povo de Deus está vivendo
no Livro de Rute, partilhando a ceifa e esperando pelo casamento.
3. O nome original desse local era Quiriate-Sefer, que significa "cidade dos livros". Talvez a cidade tivesse uma biblioteca
importante ou fosse a "capita! do território", onde eram guardados os registros oficiais.
4. Em hebraico, as palavras "cunhado" e "sogro" usam as mesmas letras, o que ajuda a explicar o problema relacionado aos
nomes Reuel, Jetro e Hobabe (Êx 2:18; 3:1; Nm 10:29; Jz 4:11). Alguns estudiosos acreditam que o sogro de Moisés era
chamado por dois nomes, Hobabe e Jetro, e que Reuel era um parente distante.
5. M o r g a n , G. Campbell. Living Messages ofthe Books of the Bible. Old Tappan, N. J.: Fleming H. Revell, 1912, vol. 1, p. 104.

6. Isso explica por que Elias desafiou Baal a mandar chuva (1 Rs 18).
7. Deus também usaria essas nações para testar Israel (Jz 2:22) e treinar a nova geração para a guerra (3:1-3). Quando Deus não
tem permissão de governar, ele prevalece e realiza propósitos que jamais poderíamos imaginar.
1 . O tn ie l: D eus (Jz 3:1 -11)
2 o po d er de
Neste capítulo, vemos "cinco príncipes dos
filisteus" (v. 3) e o rei de Moabe, chamado
de "senhor" (v. 25); porém, o mais impor­
A s A rm as de tante é que "o S e n h o r " , ou seja, o Deus
Jeová, é mencionado quinze vezes nesses
N o s s a G u erra trinta versículos. Sabemos, assim, quem está,
J u ízes 3 de fato, no controle. O missionário presbite­
riano A. T. Pierson costumava 'dizer, com
razão, que "a história humana é a história
de Deus". Ao executar seus preceitos divi­
nos, em momento algum Deus passa por
// A s armas com as quais lutamos não são cima da responsabilidade humana. No entan­
/ \ humanas." Essa declaração poderia to, governa sobre os assuntos de indivíduos
muito bem ter sido feita por um alienígena e nações, a fim de cumprir seus grandes pro­
num livro de ficção científica, mas não foi. pósitos para este mundo.
O apóstolo Paulo escreveu essas palavras A Igreja primitiva orava ao "Soberano
para os cristãos em Corinto (2 Co 10:4, NVI), Senhor" e confessava de bom grado que
tembrando-os de um princípio que todo cris­ seus inimigos só podiam fazer "tudo o que
tão deve levar a sério: quando Deus vai a tua mão e o teu propósito predetermina­
guerrear, costuma escoiher os soldados que ram" (At 4:24, 28). Nas palavras do poeta T.
parecem mais improváveis, dá-lhes as armas S. Eliot: "O destino encontra-se nas mãos de
mais incomuns e, por intermédio deles, ob­ Deus e não dos estadistas".
tem os resultados mais imprevisíveis. A misericórdia de Deus para com seu
Deus deu a Sangar, por exemplo, uma povo (vv. 1-4). A tribo de Judá não conse­
vara de tanger bois, com a qual matou seis­ guiu manter o controle sobre as cidades
centos homens (Jz 3:31). Jael usou um mar­ filistéias mais importantes que havia toma­
telo e a estaca de uma tenda para matar do (Jz 1:18; 3:3), e, como vimos no capítulo
um capitão (Jz 4:21). G ideão derrotou o 1, as outras tribos não foram capazes de con­
exército midianita inteiro armado apenas quistar as nações cananéias. Essas nações
com cântaros e tochas (Jz 7:20). Sansão ex­ que sobreviveram adotaram uma "política de
terminou mil filisteus com a queixada de boa vizinhança" com relação a Israel e aca­
um jumento (Jz 15:15). O jovem Davi ma­ baram derrotando Israel de dentro para fora.
tou o gigante G olias com uma funda de Por vezes, Satanás vem com o um leão
pastor (1 Sm 1 7). É pouco provável que as devorador, mas, com freqüência, aparece
academias militares ofereçam cursos sobre como uma serpente enganadora (1 Pe 5:8;
o uso dessas armas. 1 C o 11:3).
Apesar de nosso mundo ter mudado Deus poderia ter julgado Israel por ha­
drasticamente desde os tempos dos juízes, ver poupado as nações cananéias perver­
seu sistema ainda é o mesmo, pois a natu­ sas, mas, em sua misericórdia, poupou os
reza humana não mudou (1 Jo 2:15-1 7). En­ israelitas, pois tinha propósitos a cumprir por
quanto se encontra neste mundo, o povo meio deles. Israel cometeu um erro grave
de Deus está dentro de uma batalha espi­ ao não confiar que Deus lhe daria a vitória,
ritual contra Satanás e seus exércitos (Ef mas o Senhor usou esse erro para o bem de
6:10-19), e Deus ainda procura homens e seu povo. Romanos 8:28 era válido já nos
mulheres capacitados a vencer, que tenham tempos do Antigo Testamento.
poder, estratégia e coragem. Esses três ele- Deus usaria o inimigo para treinar Israel
Tientos essenciais para a vitória são ilustra­ e para ajudar a nova geração a aprender o
dos neste capítulo sobre a vida dos três significado das guerras (Jz 3:1,2; ver Êx
primeiros juízes. 13:1 7). A vida havia sido relativamente fácil
98 JUÍZES 3

para os israelitas na Terra Prometida, e pre­ altar e sacrifícios verdadeiros que D eus
cisavam do desafio de um perigo constante aceitaria (Rm 9:4,5). Somente por intermé­
para mantê-los alertas e disciplinados. Isso dio de Israel é que todas as nações da terra
não significa que Deus aprove as guerras seriam abençoadas (Cn 12:1-3).
ou que participar de um conflito sempre Quando Israel obedecia ao Senhor, ele
fortalece o caráter. As experiências de com­ o abençoava ricamente, e tanto sua condu­
bate podem fazer justamente o contrário. A ta quanto as bênçãos de Deus eram um tes­
questão é que os israelitas precisavam man­ temunho aos vizinhos incrédulos (ver Gn
ter um exército efetivo, do contrário, seus 23:6; 26:26-33; 30:27; 39:5). O s povos pa­
inimigos poderiam unir-se em pouco tempo gãos diriam: "O s israelitas são diferentes. O
e subjugar Israel, especialmente consideran­ Deus a quem adoram e a quem servem é
do-se que, em termos espirituais, o povo de grande!" Assim, o povo de Israel teria a opor­
Deus estava no fundo do poço. Posterior­ tunidade de mostrar aos vizinhos como crer
mente, tanto Saul quanto Davi precisaram em Jeová e receber seu perdão e bênção
de exércitos eficazes para vencer seus mui­ (ver Dt 4:1-13).
tos inimigos e estabelecer o reino. Infelizmente, em vez de confiarem que
D eus tam bém usou as nações cana- Deus transformaria os povos a seu redor,
néias para testar Israel e revelar se seu povo foram os deuses desses povos que transfor­
o b e d e c e ria ou não às leis d a d as por maram os israelitas, levando-os a fazer tudo
Moisés da parte do Senhor (Jz 3:4). Deus o que Moisés os havia advertido a não fa­
havia deixado claro aos israelitas que não zer. Derrubaram o muro de separação entre
deveriam realizar "estudos comparativos" eles e os vizinhos ímpios, e os resultados
com as religiões a seu redor, interessan­ foram trágicos. Contrariando a lei de Deus,
do-se pelas práticas pagãs dos cananeus homens israelitas tomaram para si esposas
(Dt 7:1-11). Esse tipo de curiosidade havia pagãs e mulheres israelitas casaram-se com
trazido o julgam ento divino sobre Israel na homens pagãos (Gn 24:3; 26:34, 35; 27:46;
terra de M oabe (ver Nm 25), pois a curiosi­ Êx 34:15, 16; Dt 7:3, 4; Js 23:12). Aos pou­
dade, com freqüência, é o primeiro passo cos, os idólatras roubaram o coração de seus
em direção à conformidade. cônjuges, de modo que estes pararam de
E claro que Israel deveria ter sido um tes­ adorar Jeová e passaram a adorar falsos deu­
temunho para as nações pagãs que sobre­ ses. O rei Salomão cometeu o mesmo erro.
viveram e ter procurado ganhá-las para a fé Afinal, quando uma pessoa se casa fora da
no verdadeiro Deus vivo, mas também fra­ vontade de Deus, deve fazer alguma coisa
cassaram nessa responsabilidade. Q ue dife­ para manter a paz dentro do lar! (Ver 1 Rs
rença teria feito na história subseqüente de 11:1-13; 2 Co 6:14 - 7:1.)
sua nação se os israelitas tivessem condu­ Não é de causar espanto que Deus te­
zido os cananeus ao Senhor em vez de os nha ficado irado.1Também não devemos nos
cananeus levarem os israelitas a Baal! admirar de que tenha humilhado os israelitas
A ira de Deus contra seu povo (vv. 5-8). ao usar nações pagãs para disciplinar seu
Deus havia colocado uma separação entre povo. Um a vez que Israel estava agindo
Israel e seus vizinhos, não porque Israel fos­ como os pagãos, Deus teve de tratá-los como
se melhor do que qualquer outra nação, mas pagãos! "Para com o benigno, benigno te
porque era diferente. Em lugar de adorar mostras; com o íntegro, também íntegro.
ídolos, os judeus adoravam o único Deus Com o puro, puro te mostras; com o perver­
verdadeiro, que fez os céus e a terra. Não so, inflexível" (SI 18:25, 26).
foram seres humanos que criaram as leis e a Jeová é o Deus de todas as nações: "Pois
aliança de Israel; elas vieram do Senhor. So­ do S e n h o r é o reino, é ele quem governa as
mente Israel possuía o verdadeiro santuário nações" (S I 22:27, 28). O rei Nabucodo-
onde Deus habitava em sua glória, o ver­ nosor, com todo seu orgulho, teve de apren­
dadeiro sacerdócio ordenado por Deus e o der da maneira mais difícil que "o Altíssimo
JUÍZES 3 99

(em domínio sobre o reino dos homens e o casou-se com a filha de Calebe (Jz 1:10-13).
dá a quem quer" (Dn 4:25). Não há consenso entre os estudiosos quan­
Em quatro ocasiões, o texto do Livro de to ao parentesco exato entre O tn ie l e
luízes diz que Deus "entregou" seu povo Calebe. Otniel era sobrinho de Calebe - ou
a»js inimigos (Jz 2:14; 3:8; 4:2; 10:7; ver tam-seja, filho de Quenaz, o irmão mais novo de
r>ém 1 Sm 12:9; 1 Rs 21:20, 25; SI 44:12). Calebe - ou simplesmente o irmão mais
O s israelitas agiram como escravos, de modo novo de Calebe? No que se refere ao texto,
□ue Deus os entregou aos inimigos como as duas interpretações são possíveis.
escravos. Se os israelitas tivessem sido fiéis Se era irmão de Calebe, por qüe o nome
?o Senhor, ele teria entregue os inimigos nas de seu pai é Q uenaz e não Jefoné? (1 Cr
nãos de Israel (Dt 32:30). 4:13; Js 14:6). Talvez Jefoné tivesse falecido
O nome do rei da Mesopotâmia signifi­ e a mãe de Calebe tivesse se casado com
ca "Cusã duplamente perverso", podendo Q uenaz, dando à luz Otniel. Otniel seria,
ser um apelido que recebeu dos inimigos. então, meio-irmão de Calebe. D e acordo
O texto não diz que parte de Israel ele inva­ com 1 Crônicas 4:13, Otniel era filho de
diu, mas pela lógica, seu ataque deve ter vin­ Q uenaz, mas nas genealogias israelitas, o
do do Norte; também não sabemos que termo "filho" é usado de maneira um tanto
c arte da terra ele subjugou durante esses oito ampla e nem sempre significa uma relação
anos de sofrimento. Uma vez que o liberta­ direta de pai e filho.
dor que Deus levantou era de Judá, é possí- Felizmente, não precisamos desemara­
*el que o exército invasor tivesse chegado nhar os galhos da árvore genealógica de
né esse território no Sul de Israel, quando o Otniel para nos beneficiar do exemplo de
Sennor decidiu intervir em favor de seu povo sua vida e ministério. Por laços consangüí-
sofredor. neos e matrimoniais, pertencia a uma famí­
Charles Spurgeon dizia que Deus nunca lia conhecida por sua fé corajosa e por sua
oermite que seu povo peque com sucesso. disposição de encarar o inim igo, depen­
Seu pecado irá sempre destruí-lo ou trazer dendo de Deus para conquistar a vitória.
so D re ele a mão disciplinadora de Deus. Se Quando Deus chamou Otniel, ele estava à
rã uma coisa que a história de Israel ensina à disposição do Senhor, e, então, o Espírito
>greja contemporânea é a lição óbvia segun­ do Senhor veio sobre ele e lhe deu poder
do a qual: "a justiça exalta as nações, mas o para lutar (Jz 3:10).
tv.ado é o opróbrio dos povos" (Pv 14:34). "Não por força nem por poder, mas pelo
A salvação de Deus para seu povo (vv. meu Espírito, diz o S e n h o r dos Exércitos" (Zc
9- 11). Não há evidência alguma de que o 4:6). Esse foi o segredo da força de Otniel,
povo tenha se arrependido de seus peca- como também foi para Gideão (Jz 6:34), Jefté
I k quando clamou a Deus pedindo ajuda, (11:29) e Sansão (14:6, 19; 15:14) e como
-_is o Senhor atentou para sua triste situa­ deve ser para o cristão de hoje (At 1:8; 2:4;
ção e deu-lhes um libertador. Foi uma repe- 4:8, 31; Ef 5:18). T. J. Bach, um dos ex-direto­
fcção da experiência do êxodo: "Ouvindo res da Evangelical Alliance Mission, disse: "O
Deus o seu gemido, lembrou-se da sua alian­ Espírito Santo anseia revelar-te as coisas mais
ça com Abraão, com Isaque e com Jacó. E profundas de Deus. Anseia amar por teu in­
■ iu Deus os filhos de Israel e atentou para a termédio. Anseia operar através de ti. Pelo
aja condição" (Êx 2:24, 25). O verbo "aten- bendito Espírito Santo podes ter: força para
tar significa muito mais do que dar atenção toda tarefa, sabedoria para todo problema,
e n nivel intelectual, pois Deus conhece to­ consolo para toda tristeza, alegria no servi­
das as coisas. Antes, quer dizer que Deus ço superabundante do Senhor".
wentificou-se com as provações deles e preo- Otniel não apenas resgatou sua nação
cuc jü-se com seu bem-estar. da escravidão, com o também serviu seu
O libertador que D eus levantou foi povo como juiz durante quarenta anos. Isso
Omiel, o homem que capturou Hebrom e significa que exerceu autoridade cuidando
100 JUÍZES 3

dos assuntos de Israel e que foi sua lideran­ filhos os cam inhos do Senhor (Dt 6:6-25;
ça espiritual e civil que trouxe descanso à 11:18-21; ver também Gn 18:1 7-19 e Jó 1:5)
terra. Nunca subestime o bem que uma pes­ e de ser bons exemplos para eles. Ao longo
soa pode fazer quando está cheia do Espírito do período dos juizes, porém, tudo indica
de Deus e é obediente à vontade do Senhor. que a geração mais velha deixou de lado o
ministério fundamental de ensinar o temor
2. E ú d e : a e st r a t ég ia efic a z do Senhor à nova geração (SI 34:11).
(Jz 3:12-30) Eglom, o opressor (vv. 12-14). O s exér­
Ao contrário de Moisés, que nomeou Josué citos da Mesopotâmia percorreram um lon­
para liderar Israel, os juizes não receberam go cam inho para invadir Israel, mas os
autoridade para nomear um sucessor. Quan­ moabitas, amonitas e amalequitas não eram
do Deus chamou homens e mulheres para apenas vizinhos, mas também parentes dos
servirem como juizes, eles obedeceram, rea­ israelitas. Ló, sobrinho de Abraão, era pai
lizaram a obra do Senhor e depois saíram das nações de M oabe e de Am om (Gn
de cena. A esperança era de que sua influên­ 1 9 :3 0 -3 8 ), e Esaú, irm ão de Ja có , era
cia piedosa influenciasse de forma duradou­ antepassado de Amaleque (Gn 36:12,16; Dt
ra a vida espiritual de Israel, mas não foi o 25:17, 19).
que aconteceu. Assim que um juiz saía de Eglom, rei de Moabe, organizou a coa­
cena, os israelitas voltavam a deixar o Se­ lizão e instalou seu quartel general em
nhor e se dedicavam a adorar a Baal. Jericó, "a cidade das Palmeiras" (Dt 34:3).
Seria de se esperar que só a gratidão já Jericó encontrava-se sob uma maldição (Js
serviria de motivo suficiente para o povo de 6:26), e não há evidência alguma de que a
Israel obedecer ao Senhor e ser fiel a sua cidade tivesse sido reconstruída. No entanto,
aliança, especialmente depois de oito sofri­ sua localização era ideal para dirigir ope­
dos anos de servidão. Isso sem falar em tudo rações militares e oferecia água em abun­
0 que Deus havia feito por Israel no passa­ dância. Durante dezoito anos, Eglom e seus
do! Se Deus não os tivesse amado e esco­ aliados perturbaram os israelitas. Para o
lhido para si, os israelitas teriam sido apenas povo de Israel, o mais difícil deve ter sido
um pequeno povo esquecido (Dt 7:1-11). ficar sob o jugo opressor de parentes con-
Se Deus não os tivesse libertado e cuidado sangüíneos que, havia muito, também eram
deles, teriam perecido no Egito ou no deser­ seus adversários.
to. Se o Senhor não tivesse lhes dado vitória Eúde, o libertador (vv. 15-30). Otniel, o
sobre os inimigos, teriam morrido nos cam­ primeiro juiz, era originário da tribo de Judá.
pos de batalha de Canaã. Se o Senhor não Eúde, o segundo juiz, um homem canhoto,
tivesse lhes dado sua lei e os sacerdotes para era de Benjamim, a tribo vizinha de Judá. O
ensiná-los, estariam chafurdando num lama­ nome "Benjamim" quer dizer "filho da mi­
çal de imoralidade. O povo de Israel tinha a nha destra" (os benjamitas eram conhecidos
presença de Deus no tabernáculo e as pro­ por serem ambidestros: ver Jz 20:1 6 e 1 Cr
messas de Deus na aliança, o que mais pode­ 12:2). No entanto, o texto de Juizes 3:15
riam querer? pode ser traduzido por "homem com defi­
De algum modo, o sistema entrou em ciência na mão direita", o que indica que
colapso e, a meu ver, deixou de funcionar não era ambidestro, mas que podia usar
com os sacerdotes e os pais. As incumbên­ apenas a mão esquerda. Se esse é, de fato,
cias dos sacerdotes e dos levitas não se limi­ o sentido do texto, o plano de Eúde para
tavam apenas aos ritos do tabernáculo, uma matar Eglom foi uma obra-prima de estraté­
vez que incluíam, ainda, a tarefa de ensinar gia. Além disso, serve de ânimo para porta­
a lei ao povo e de encorajar os israelitas a dores de deficiências físicas que pensam que
lhe obedecer (Lv 10:11; Dt 33:8-10; 1 7:8, 9; Deus não os usa para seu serviço.
1 Sm 2:12-17; Ml 2:1-9). O s pais israelitas Eúde tinha vários problemas a resolver e
tinham a responsabilidade de ensinar aos o fez com sucesso. No topo da lista, estava
JUÍZES 3 101

a questão de como obter acesso ao rei Eglom ter sido um golpe e tanto, considerando-se
sem levantar suspeitas. Eúde conseguiu apro- que a adaga atravessou Eglom e que a pon­
i:mar-se do rei colocando-se como líder de ta da arma saiu em suas costas, causando a
.•ma comissão que levava ao monarca seu morte instantânea do rei.3
Tibuto anual. O pagamento de tributo não O problema seguinte foi fugir do palá­
aDenas aumentava a riqueza do rei, o que cio sem ser pego, o que Eúde conseguiu
:ara ele era extremamente aprazível, como ao trancar a porta do aposento particular
'ambém reconhecida a autoridade dele so- do rei, retardando a descoberta do corpo
□re Israel, o que também o agradava. O bvia­ do monarca assassinado. Ao ver Eúde par­
mente, Eglom não sabia que Eúde era o líder tindo apressadamente, os servos concluíram
escolhido por Deus para libertar Israel; de que sua entrevista havia terminado e foram
«■Litro modo, teria executado o israelita de ver se o rei precisava de alguma coisa. As
•■nediato. três declarações com "e eis", nos versículos
O segundo problema era conseguir uma 24 e 25, indicam as três surpresas que tive­
audiência particular com o rei sem causar ram: as portas estavam trancadas; o rei não
desconfiança em seus servos e guardas. respondeu a suas batidas e chamados; e o
Eúde fez isso saindo da presença do rei jun- rei estava morto. Tudo isso levou tempo e
ID com outros homens que prestaram sua deu a Eúde a chance de escapar.
.■•Dmenagem a Eglom e, mais tarde, voltando Seu último problema era reunir soldados
sozinho, como se tivesse uma mensagem para atacar o inimigo. O sinal da trombeta
•_rgente para o rei. Um homem solitário e convocou os homens, e ele os conduziu
com uma deficiência na mão direita não até os vaus do Jordão, assegurando-os de
representava grande am eaça para um rei que Deus havia entregue Moabe nas mãos
□oderoso, e talvez o israelita desprezível tí- de Israel. A vitória seria alcançada se con­
.esse mesmo uma mensagem de seu Deus. fiassem no Senhor e não dependessem de
Talvez Eglom tenha se enchido de orgulho suas forças. Ao guardar os vaus do rio, os
2 elo fato de o Deus de Israel ter uma mensa­ israelitas impediram os moabitas de esca­
gem para ele, e uma vez que, sem dúvida, par ou de trazer mais soldados. Uma vez
r.ão estava com medo de ouvi-la, dispen­ que Efraim era uma das tribos mais podero­
sou seus guardas e servos e concedeu a sas de Israel, Eúde possuía guerreiros da
Eude uma audiência pessoal em seus apo­ melhor qualidade sob seu comando. Assim,
sentos particulares. os israelitas mataram dez mil dos melhores
Tendo em vista que Eúde precisava ma- soldados moabitas. Moabe não apenas foi
iar Eglom de modo rápido, silencioso e que derrotado, com o também Israel virou a
negasse o rei de surpresa,2 usou de sua de­ mesa, e os moabitas tornaram-se súditos dos
ficiência física. C onfeccionou uma adaga israelitas. Podemos supor que a derrota de
arada e escondeu-a sob as roupas do lado M oabe foi um sinal para seus aliados -
nireito. Mesmo que os guardas o revistassem, Am om e Am aleque - deixarem o campo
•: mais provável seria que examinassem o de batalha.
lado esquerdo, onde a maioria dos homens Se alguém tivesse pedido aos israelitas
carregava as armas. Vendo que era porta- que elegessem um líder, é bem provável que
:-:r de deficiência física, é bem possível que Eúde teria perdido a eleição já no primeiro
os guardas sequer o tenham revistado. turno. No entanto, ele foi o homem que
Até mesmo um rei deve se levantar para Deus escolheu e usou para libertar a nação.
•eceber a m ensagem de Deus. Q u and o Moisés tinha dificuldade de falar e Paulo não
Eã om colocou-se em pé, talvez Eúde tenha era um tipo bem -apessoado, mas assim
jsesticulado com a mão direita para distraí-lo como Eúde, Moisés e Paulo foram homens
e mostrar-lhe que não segurava nada com de fé que conduziram outros à vitória. Eúde
ela; em seguida, desembainhou sua adaga transformou uma deficiência numa possibi­
e enterrou-a no corpo obeso do rei. Deve lidade, pois dependeu do Senhor.
102 JUÍZES 3

3 . S angar: c o r a g e m p e r sisten te possível que esse número expresse um total


(Jz 3:31) cumulativo. Teria sido difícil Sangar manu­
Apenas um versículo é dedicado a Sangar e sear a aguilhada se os seiscentos homens o
sequer afirma que foi juiz. Juizes 5:6, 7 indi­ tivessem atacado simultaneamente. Uma vez
ca que foi contemporâneo de Débora e de que não temos conhecimento dos detalhes,
Baraque. A designação "filho de Anate" tal­ também não devemos especular. No entan­
vez signifique sua procedência da cidade de to, é animador saber que Deus o capacitou
Bete-Anate, na tribo de Naftali (1:33), tribo para vencer o inimigo, ainda que seus re­
de origem também de Baraque (4:6; ver cursos fossem limitados.
5:18). Uma vez que Anate era o nome da Para mim, as poucas palavras registradas
deusa cananéia da guerra, talvez "filho de sobre Sangar dão a impressão de que ele
Anate" fosse um apelido significando "filho era um homem de coragem persistente, sem
da batalha", ou seja, um guerreiro poderoso. dúvida alguma nascida de sua fé no Senhor.
O importante sobre Sangar foi a arma Sua firmeza contra o inimigo empunhando
que usou. Uma "aguilhada de bois" era uma apenas a ferramenta de um agricultor no
vara forte, com cerca de dois metros e meio lugar do equipamento militar completo de
de comprimento. Tinha numa das extremi­ um soldado é o que distingue Sangar como
dades uma ponta afiada de metal para tan­ um homem valente, de coragem inabalável.
ger o gado e, na outra, uma pá para /impar Certa vez, Char/es Spurgeon deu uma
o barro do arado. Foi a coisa mais parecida palestra num seminário e a chamou de "Para
com uma lança que Sangar pôde encontrar, os Obreiros com Equipamentos Escassos".
pois os inimigos haviam confiscado as armas Sangar não ouviu essa palestra, mas tenho
dos israelitas (Jz 5:8; ver 1 Sm 13:19-22). certeza de que poderia ter dado uma aula
Vem os um homem que o bedeceu a sobre esse assunto! Suspeito, ainda, que te­
Deus e que derrotou o inimigo apesar de ria encerrado a aula dizendo: "entregue ao
seus limitados recursos. Em vez de se quei­ Senhor as ferramentas que tem, quaisquer
xar por não ter uma espada nem uma lança, que sejam elas; mantenha-se firme e cheio
Sangar dedicou aquilo que possuía ao Senhor, de coragem, crendo que Deus usará o que
o qual usou esse instrumento. Nas palavras tem em mãos a fim de realizar grandes coi­
de Joseph Parker: "aquilo que é um instru­ sas para glória dele".
mento frágil nas mãos de um homem pode Parafraseando E. M. Bounds, o mundo
ser um instrumento poderoso nas mãos de procura métodos mais eficientes, mas Deus
outro, pelo simples fato de o espírito deste procura homens e mulheres mais eficientes,
outro arder com a santa determinação de que compreendem os princípios fundamen­
completar a tarefa que precisa ser realizada".4 tais: o poder do Espírito Santo, uma estraté­
Pode ser que Sangar tenha matado todos gia inteligente e uma coragem inabalável.
os seiscentos filisteus num só lugar e na mes­ Otniel, Eúde e Sangar nos deram o exem­
ma ocasião (ver 2 Sm 8:8-12), mas também é plo. Agora, cabe a nós segui-lo.

1. Não devemos jamais pensar que a ira de Deus é como um ataque de birra de uma criança. Um Deus santo deve não apenas
abominar o pecado como também abominar aquilo que o pecado faz com as pessoas. Se a polícia prende pais que abusam
dos filhos, o que Deus deveria ter feito quando seu povo sacrificava os filhos em altares pagãos? O poeta inglês Thomas
Traherne (c. 1636-1674) disse: "O Amor pode suportar e o Amor pode perdoar [...], mas em momento algum o Amor pode ser
reconciliado com um objeto odioso. Portanto, jamais pode ser reconciJiado com seu pecado, pois é impossível alterar o
pecado. Porém, pode ser reconciliado com as pessoas, pois estas podem ser restauradas". Isso explica como é possível Deus
ao mesmo tempo abominar o pecado e amar o pecador; mesmo quando está irado com nossos pecados, ele nos disciplina
em amor, "a fim de sermos participantes da sua santidade" (Hb 72:10).
2. O fato de Eúde ter assassinado um governante incomodou algumas pessoas que (por algum motivo) não se abalaram
quando, posteriormente, Eúde e seus homens exterminam dez mil jovens moabitas saudáveis (Jz 3:29). Se as guerras pela
JUlZES 3 103

libertação podem ser consideradas justificadas, então não importa quantos inimigos morrem, desde que o ideal da liberdade
seja alcançado. No entanto, a despeito de quantas pessoas sejam mortas, cada uma dessas mortes consiste numa vida que
é tirada.
O nome do rei Eglom significa "pequeno bezerro". Eúde havia matado o "bezerro cevado".
Parker , Joseph. The People's Bible. Londres: Hazell, Watson, and Viney, Ltd., 1896, vol. 5, p. 345.
limpou a casa e acabou possuído por sete
3 dem ônios ainda piores (Mt 12:43-45). O
coração vazio é a vítima perfeita para todo
tipo de mal.
"Dois São M elh o r Canaã era constituída de várias cidades-
Q ue Um e Três São estados, cada uma delas governada por um
rei (ver Js 12). "Jabim" era o título oficial ou
M e lh o r A in d a " o nome do rei de H azor (Js 11:1). Também
era chamado de "rei de Canaã". Esse título
J u ízes 4 - 5 provavelmente significa que ele era líder de
uma confederação de reis. Josué havia in­
cendiado Hazor (Js 11:1 3), mas os cananeus

O
s personagens do drama que se de­ reconstruíram a cidade e voltaram a ocupá-
senrola a seguir são: la. Com seu grande exército e novecentos
Jabim: rei de Hazor em Canaã; um tirano. carros de ferro, o controle de Jabim sobre a
Débora: juíza israelita; uma mulher de terra era invulnerável. Ao ler a narrativa, po­
fé e coragem. rém, tem-se a impressão de que Sísera, capi­
Baraque: general israelita hesitante. tão do exército de Jabim, era quem, de fato,
Sísera: capitão do exército de Jabim. controlava a terra. Jabim sequer é mencio­
Héber: um vizinho queneu em paz com nado no cântico de Débora em Juízes 5!
Jabim. Mais uma vez, o povo de Israel clamou
Jae l: esposa de Héber; hábil com um a Deus, não para que perdoasse seus peca­
martelo. dos, mas para que aliviasse seu sofrimento
O Deus Jeová: no controle da guerra e (ver os vv. 6-8 para ter uma idéia de como
das condições do tempo. era a vida naquele tempo). Se houvessem
Que se levantem as cortinas! verdadeiramente se arrependido, Deus teria
feito muito mais do que libertá-los da escra­
1 . P r im e ir o a t o : u m a s it u a ç ã o vidão física. Também os teria libertado da
t r á g ic a (Jz 4:1-3) escravidão espiritual. Pedir a Deus conforto
Jabim é o personagem-chave do primeiro ato, e não purificação é apenas lançar sementes
pois Deus o levantou para disciplinar o povo de egoísmo que, um dia, produzirão outra
de Israel. Durante oitenta anos, os israelitas colheita amarga. O que Israel precisava era
haviam desfrutado o descanso sob a lide­ fazer uma oração como a de Davi: "Cria em
rança de Eúde, no período mais longo de mim, ó Deus, um coração puro e renova
paz registrado no Livro de Juízes.1 Mas as­ dentro de mim um espírito inabalável" (SI
sim que esse juiz piedoso deixou o cargo, o 51:10).
povo recaiu na idolatria, levando Deus a
castigá-los (Jz 2:10-1 9). 2 . S egundo a t o : u m a rev ela çã o
O retrato de Israel no Livro de Juízes ilus­ d iv in a (Jz 4:4-7)
tra a diferença entre uma "reforma religiosa" Deus havia levantado uma mulher corajosa
e um "reavivamento espiritual". A reforma chamada Débora ("abelha") para ser juíza
altera de modo temporário a conduta exte­ na terra. Foi um ato da graça divina, mas
rior, enquanto o reavivamento transforma também uma humilhação para os israelitas,
para sempre o caráter interior. Quando Eúde pois viviam numa sociedade de domínio
removeu os ídolos e ordenou que o povo masculino e que desejava apenas a lideran­
adorasse somente a Jeová, os israelitas obe­ ça de homens maduros. "O s opressores do
deceram, mas quando se viram livres dessa meu povo são crianças, e mulheres estão à
obrigação, seguiram os próprios desejos. A testa do seu governo" (Is 3:12). Ao dar-lhes
nação de Israel era como o homem da pará­ uma mulher para julgá-los, Deus estava tra­
bola de Jesus que se livrou de um demônio, tando seu povo como crianças - exatamente
JUÍZES 4 - 5 105

»auilo que eram com referência às coisas fazemos! A reação de Baraque foi uma de­
espirituais.2 monstração de incredulidade ou um sinal de
Débora era tanto juíza quanto profetisa. humildade? Ele não acusou Deus de ter er­
Viriã, a irmã de Moisés, era profetisa (Ex rado; apenas pediu que Débora o acompa­
15:20) e, mais adiante, a história bíblica nhasse na batalha. Seu pedido deveu-se ao
i^vesenta Hulda (2 Rs 22:14), Noadia (Ne fato de ela ser profetisa e de ele precisar da
* 1 4 ), Ana (Lc 2:36) e as quatro filhas de orientação do Senhor? O u foi para ajudá-lo
fiiipe (At 2 1 :9). Deus chamou Débora para a alistar mais voluntários para o exército? O
5er profetisa e juíza, mas ela se considera­ fato de Débora concordar em acompanhar
da uma mãe para o seu povo. "Eu, Débora, Baraque indica que seu pedido não estava
~ie levantei, levantei-me por mãe em Israel" fora dos planos de Deus, ainda que, ao con­
i|z 5:7). O s israelitas rebeldes eram seus fi- ceder o que Baraque pediu, Deus tenha tira­
•nos. e ela os recebia de braços abertos e do a honra dos homens para conferi-la às
os aconselhava. mulheres.
Deus revelou a Débora que Baraque ("re- Baraque alistou dez mil homens de sua
ampago") deveria reunir e conduzir um exér­ própria tribo, Naftali, bem como da tribo
cito de israelitas e atrair os soldados de Sísera vizinha, Zebulom (Jz 4:6,10; 5:14,18). Poste­
cara uma cilada nas proximidades do mon- riormente, voluntários das tribos de Benja­
:e Tabor, onde o Senhor iria derrotá-los. O mim, Efraim e da parte ocidental de Manassés
monte Tabor ficava na junção das fronteiras (v. 14) e também de Issacar (v. 15), junta­
de Zebulom, Naftali e Issacar, perto do ri­ ram-se a esses homens de modo a constituir
beiro de Quisom. Se Baraque conduzisse o um exército com quarenta mil soldados (v.
exército israelita até o monte Tabor, Deus 8). É possível que os primeiros dez mil ho­
■ trairia Sísera e seus soldados na direção mens tenham iniciado a cam panha que
do ribeiro e, ali, o Senhor daria a vitória a atraiu Sísera para a cilada e que os outros
Baraque. trinta mil tenham se juntado a eles para a
Quando Deus deseja glorificar a si mes- batalha propriamente dita e para a operação
a»o por intermédio de seu povo, sempre tem de "limpeza". As tribos convocadas que se
«»ti plano perfeito para seguirmos. Deus es­ recusaram a participar foram Rúben, Dã, Aser
colheu o líder de seu exército, o local da e a parte oriental de Manassés (vv. 15-17).
aatalha e o plano a ser seguido pelos seus Quando levamos em consideração que
sedados. Além disso, garantiu a vitória. O s as armas eram escassas em Israel (Jz 5:8;3
'oons tempos" de Josué estavam de volta! 1 Sm 13:19-22) e que não havia um exér­
cito efetivo, o que Débora e Baraque reali­
3 . T er c e ir o a t o : u m pa r t ic ipa n t e zaram foi, sem dúvida, um ato de fé. No
u r e so lu t o (Jz 4:8-10) entanto, Deus havia prometido dar-lhes a
O texto não diz que Baraque era juiz, o que vitória e eles se firmaram em suas promes­
explica o fato de ele receber suas ordens de sas (Rm 10:1 7).
Débora, a líder escolhida por Deus para Is­
rael. Baraque era de Naftali, uma das tribos 4. Q uarto ato : um c o n fr o n to
eue enviou voluntários para o cam po de v it o r io so (Jz 4:11-23)
batalha (v. 6). Assim como Moisés (Êx 3 - O Senhor é o ator principal dessa cena. Não
í Cideão (Jz 6) e Jeremias (Jr 1), Baraque apenas controlou o exército inimigo e o
-esitou quando descobriu o que Deus de­ conduziu até a cilada, como também con­
sejava que fizesse. trolou as condições do tempo e usou uma
Sabemos que Deus dá as ordens e tam- tempestade para derrotar as tropas de Sísera.
□em a capacidade de cumpri-las, e deve- Sísera é advertido (vv. 11, 12). O versí­
- k > s obedecer a suas prescrições, quaisquer culo 12 indica que foram Héber e seus fa­
sue sejam as circunstâncias, sentimentos ou miliares que deram o primeiro aviso a Sísera
conseqüências. Mas nem sempre é o que de que os israelitas estavam prestes a se
106 JUÍZES 4 - 5

revoltar, contando também que o exército Uma das coisas que contribuiu para a
de Israel estava se reunindo. V im o s os confusão dos cananeus assustados foi a chu­
queneus em Juizes 1:16 e descobrimos que va torrencial repentina bem no meio do
eram parentes distantes dos israelitas por tempo de estiagem. Uma vez que Sísera não
parte de M oisés. É estranho pensar que teria levado seus carros para o campo caso
Héber, o queneu, se separaria de seu povo suspeitasse que iria chover, podemos supor
que adorava Jeová para associar-se a tiranos com segurança que essa batalha ocorreu na
idólatras, como Jabim e Sísera (4:1 7). Talvez estação seca, que vai de junho a setembro.
precisasse da proteção e dos negócios que Quando lembramos que o deus cananeu
fazia com os cananeus ao trabalhar como Baal era o deus da tempestade, vemos como
um metalúrgico itinerante. Ao que parece, a súbita mudança do tempo pode ter afeta­
os queneus eram ligados à tribo de Judá do os cananeus supersticiosos. Será que seu
(1:16), mas os homens de Judá não se junta­ próprio deus Baal havia se voltado contra
ram ao exército de Baraque. eles? Será que o Deus de Israel era mais
No entanto, podemos ver Héber de ou­ poderoso que Baal? Se isso era verdade,
tro ponto de vista e considerá-lo parte do então a batalha já estava perdida, e a me­
plano de Deus para atrair Sísera até a cila­ lhor coisa a fazer era fugir.
da. Héber não era um aliado de Jabim e, Sísera é morto (vv. 17-23). Enquanto
na verdade, simplesmente tentava manter Baraque e seus homens perseguiam e mata­
uma postura neutra numa sociedade divi­ vam os cananeus que batiam em retirada,
dida. Porém, uma vez que o exército israe­ alguns deles em seus carros e outros a pé,
lita posicionou-se no monte Tabor, Héber Sísera - capitão cananeu - corria para sal­
correu e deu a notícia a Sísera, que, por var a própria vida, provavelmente se dirigin­
sua vez, não tinha motivo algum para duvi­ do a Hazor, onde estaria seguro. Vencido
dar do relato. Sísera com eçou a deslocar pelo cansaço, porém, Sísera viu-se providen-
seu exército e caiu na cilada. cialmente próximo às tendas de Héber no
Sísera é derrotado (vv. 13-16). O s cana­ carvalho de Zaananim (v. 11). Esse carvalho
neus dependiam de seus novecentos carros fam oso ficava na fronteira de Naftali (Js
de ferro para lhes dar a vantagem no con­ 19:33), cerca de dez quilômetros a leste do
fronto com o exército israelita (1:19; ver Js monte Tabor. Uma vez que Sísera sabia que
1 7:18). O que não sabiam era que o Senhor Héber e seu povo tinham uma disposição
enviaria uma terrível tempestade, fazendo o amigável para com o rei Jabim, o assenta­
ribeiro de Quisom transbordar, transforman­ mento lhe pareceu um bom lugar para fazer
do o campo de batalha num mar de lama uma parada e descansar. Q uando Jael, a
(Jz 5:20-22). A água e a lama foram um impe­ esposa de Héber, saiu ao encontro de Sísera
dimento sério para a mobilidade dos carros e o convidou para entrar em sua tenda, o
e cavalos cananeus, situação que facilitou o capitão cananeu teve certeza de que, en­
ataque dos soldados israelitas e a destrui­ fim, estava a salvo. Afinal, naquela cultura,
ção do inimigo. A cilada funcionou e o exér­ ninguém ousava entrar na tenda de uma
cito adversário foi exterminado. mulher exceto o marido. Jael deu-lhe leite
Juntamente com a tempestade dos céus em vez de água e o cobriu. Certo de ter
e a enchente causada pelo ribeiro, Deus encontrado uma aliada confiável, o capitão
confundiu a mente dos soldados inimigos. descansou tranqüilo.
O termo traduzido por "derrotou" (4:1 5) sig­ Porém, Sísera cometera o erro de dizer
nifica "confundiu, deixou em pânico". Era o a Jael para mentir, caso alguém perguntasse
que Deus havia feito com os soldados que se ele estava lá. Sendo uma mulher sábia,
conduziam os carros egípcios no mar Ver­ Jael concluiu que Sísera estava fugindo do
melho (Ex 14:24) e a mesma coisa que faria campo de batalha, o que significava que os
posteriormente com os filisteus nos dias de israelitas haviam vencido o combate e que
Samuel (1 Sm 7:10). os cananeus perderam o domínio sobre a
JUÍZES 4 - 5 107

•ETT3. Caso protegesse Sísera, ela se coloca­ cananeu tivesse vencido a batalha, cente­
ria numa situação difícil com os israelitas, nas de moças israelitas teriam sido captura­
seus próprios parentes. Por certo, alguém das e violentadas (v. 30). Jael não apenas
esiava atrás de Sísera e não sossegaria até ajudou a livrar a nação da escravidão, como
que o capitão morresse. também ajudou a proteger mulheres da
No entanto, Sísera não tinha motivos mais odiosa brutalidade. Não foi uma "Lady
para suspeitar que corresse perigo. Afinal, o Macbeth" semita que matou seu hóspede
:iã de Héber mantinha relações amigáveis visando o benefício próprio. H avia uma
corn os cananeus, e Jael havia demonstrado guerra em andamento, e essa mulher cora­
hospitalidade e bondade; era pouco prová­ josa deixou, por fim, de ser neutra e assu­
vel que algum soldado israelita em seu en­ miu uma posição firme ao lado do povo de
calço entrasse sem permissão na tenda de Deus.
.m a mulher. O que Sísera não sabia era que
Deus havia prometido que uma mulher tira­ 5. Q u in t o a t o : u m a c e l e b r a ç ã o
ria a vida do comandante (4:9). g l o r io sa (Jz 5:1-31)
Quando Sísera caiu em sono profundo, Quando desejavam celebrar ocasiões espe­
lael o matou fincando a estaca de uma ten­ ciais, os israelitas costumavam expressar-se
da em sua cabeça. Nas tribos nômades do por meio de cânticos, de modo que o escri­
Dnente, eram as mulheres que armavam e tor passa da prosa narrativa à poesia jubilosa.
aesarmavam as tendas, de modo que Jael As gerações futuras poderiam se esquecer
sabia usar um martelo. Q uando Baraque do que se encontrava nos livros de história,
íhegou ao local, descobriu que seu inimigo mas dificilm ente se esqueceriam de um
estava morto e que a previsão de Débora cântico de celebração (para outros exem­
fcavia se cumprido. Um capitão fugir da ba­ plos, ver Êx 15; Dt 32; 2 Sm 1:17-27; SI 18).
ralha era vergonhoso; ser morto enquanto O s pronomes pessoais em Juizes 5:7, 9
•ugia era humilhante; ser morto por uma e 13 indicam que esse foi o cântico de vitó­
—.ulher, porém, era o fim mais indigno de ria de Débora; mas, assim como Baraque a
:odos (9:54). acompanhou na batalha, também participou
Devemos abençoar ou condenar Jael por da comemoração pela vitória.
aquilo que fez? Convidou Sísera para sua Não é fácil esquematizar um poema ou
:enda e o tratou com bondade, dizendo-lhe um cântico, pois se trata de uma expressão
=ara não temer, de modo que foi dissimula­ emocional espontânea que, muitas vezes,
da. O s queneus estavam em paz com Jabim, desafia qualquer análise. A poesia hebraica
e portanto, Jael quebrou um tratado. Ma­ contém temas repetitivos expressos de dife­
tou um homem indefeso sob sua proteção, rentes maneiras e, por vezes, irrompe em
o que fez dela uma assassina.4 E, no entan­ louvor e oração. O esboço a seguir é ape­
to Débora cantou: "Bendita seja sobre as nas uma sugestão de abordagem para esse
“íulheres Jael, mulher de Héber, o queneu; magnífico cântico de vitória.
□endita seja sobre as mulheres que vivem Todos do povo louvem ao Senhor (vv.
em tendas" (Jz 5:24). 1-12). Nos versículos 1 a 9, Débora e Bara­
Em primeiro lugar, não devemos avaliar que louvam ao Senhor por tudo o que ele
c tempo dos juizes com base nos padrões fez em favor de seu povo. Deu união aos
espirituais ensinados por Jesus e seus após- líderes para que Baraque formasse um exér­
• d Io s . Além disso, é preciso lembrar que, cito (v. 2; ver também v. 9). O mesmo Deus
aor causa de Jabim e de Sísera, os israelitas que concedeu a vitória a Israel no passado
■aviam sofrido sob o jugo terrível da escra- os levaria a vencer outra vez (vv. 4, 5). Israel
. idão, e era da vontade de Deus que a na­ havia feito uma aliança com o Senhor no
ção fosse libertada. Tanto Jabim quanto monte Sinai, e ele cumpriria suas promes­
irsera eram culpados de haver maltratado sas a seu povo especial. A situação da terra
« israelitas durante anos, e se o exército era tão terrível que algo precisava ser feito.
108 JUÍZES 4 - 5

Assim, Deus levantou Débora para ser mãe A tribo de Rúben considerou o chamado para
em Israel (vv. 6-9). O inimigo assumiu o con­ a guerra, mas acabou ficando em casa. E
trole, pois Israel havia deixado Jeová de lado provável que estivessem refletindo sobre
para ad orar fa lso s de u ses. D é b o ra se Deuteronômio 20:1-9 - a lei das guerras de
preocupava com a vida espiritual do povo e Israel - e examinando o coração, a fim de
também com seu bem-estar físico e político. determinar se estavam aptos para ir à luta.
Observe que a primeira seção (vv. 2-9) co­ Uma vez que a parte oriental de Manassés
meça e termina com as palavras "Bendizei (Gileade) estava segura do outro lado do rio
ao S e n h o r " . Jordão, seu povo também ficou em casa (Jz
De acordo com os versículos 10 e 11, 5:17). Dã e Aser, perto do litoral, também
Débora e Baraque chamaram a nobreza rica decidiram não responder ao chamado para
("os que cavalgais jumentas brancas") e os lutar. Ao contrário desses irresponsáveis, as
viajantes do povo para se juntarem aos can­ tribos de Zebulom e de Naftali receberam
tores junto aos poços e louvarem ao Senhor louvores por seus homens terem arriscado
por aquilo que havia feito ao exército de a vida a serviço do Senhor e de sua pátria
Jabim. Era seguro outra v e z andar pelas (v. 18).
estradas, tirar água dos poços e conversar Não se esqueça de que, durante esse
tranqüilamente. O s israelitas podiam sair das período da história, "cada um fazia o que
cidades muradas onde tinham sido obriga­ achava mais reto" (21:25). Quando Josué
dos a buscar refúgio e voltar em paz para comandou os exércitos de Israel, todas as
suas vilas. Era tempo de todo Israel louvar tribos participaram; mas quando Baraque
ao Senhor por suas misericórdias. convocou as tropas, somente metade dos
Essa estrofe de louvor encerra com um homens foi lutar contra Jabim.5
chamado à ação (v. 12). Deus ordenou a Em se tratando do chamado para o ser­
Débora que despertasse e cantasse e a viço do Senhor, o povo de Deus hoje não
Baraque que despertasse e atacasse o ini­ é muito diferente do povo de Israel daque­
migo. Pela fé, Débora pôde cantar antes le tempo: alguns se oferecem de imediato
mesmo de a batalha haver começado e, tam­ e seguem o Senhor; alguns arriscam a vida;
bém, depois de haver terminado. alguns refletem seriamente sobre o cha­
Louvem a Deus pelos voluntários (vv. mado, mas dizem não; outros ficam em seu
13-18). Débora estava agradecida por o povo canto, como se nunca houvessem sido cha­
haver se oferecido de bom grado para servir mados.
ao Senhor (vv. 2, 9) e por os nobres terem Louvem ao Senhor por sua vitória (vv.
feito sua parte recrutando soldados das tri­ 19-23). Uma coisa é se alistar no exército e
bos (v. 13). Seis tribos uniram-se para man­ outra bem diferente é entrar na batalha. O s
dar voluntários. Com exceção do povo da reis cananeus e suas forças com binadas
cidade de M eroz (v. 23), os hom ens de (com novecentos carros) encontraram o
Naftali responderam, bem como os homens exército israelita em Megido, na planície de
de Zebulom, Issacar, Benjamim, Efraim e da Jezreel.6 Uma vez que era a estação das se­
parte ocidental de Manassés (Maquir). No cas, os soldados com seus carros esperavam
versículo 14, a oração "os que levam a vara aniquilar o exército de Israel, mas Deus ti­
de comando" (literalmente, "a vara de um nha outros planos. Enviou uma tempestade
escriba") pode ser uma referência aos oficiais forte que transformou o ribeiro Q uisom
de recrutamento que anotaram os nomes numa torrente violenta e o campo de ba­
dos soldados. Aqueles homens não estavam talha num pântano. Uma gota de chuva é
"brincando de soldado"; antes, eram guer­ extremamente frágil, mas quando milhões de
reiros valentes que levavam a sério os com ­ gotas se reúnem, podem derrotar um exér­
bates em nome do Senhor. cito! O exército de Israel creu que o Senhor
Porém, houve quatro tribos que não se ofe­ lhes daria a vitória, pois era o que ele havia
receram para fazer sua parte nessa batalha. prometido (Jz 4:6-9).
JUÍZES 4 - 5 109

Não foram Débora nem Baraque que também que, em sua agonia, Sísera tenha
isr.aldiçoaram o povo de Meroz; a maldição se levantado e depois caído aos pés de Jael
»«o do Anjo do S e n h o r. Baraque deve ter e morrido.
t t envergonhado ao saber que uma cidade O cantor passa da descrição da morte
3e sua própria tribo, Naftali, recusou-se a de Sísera para um retrato da mãe do capitão
■=»t. iar voluntários para ajudar nessa batalha esperando pela volta do filho (vv. 28-30). Que
*^portante. "Meroz representa o irrespon­ figura patética de esperança onde não há
s á v e l", disse Philips Brooks num de seus ser­ esperança alguma! Quantas pessoas, hoje
mões famosos, "aquele que está disposto a em dia, olham pela janela das suposições
•er outros lutarem as batalhas da vida, en­ falsas e esperam algo que jamais acontece­
quanto simplesmente chega depois e toma rá. Sísera estava morto e jamais voltaria para
os despojos".7 Observe que o pecado deles a casa, onde a mãe amorosa o esperava. A
.-.ão foi apenas deixar de ajudar Israel; o povo mãe e as servas repetiam para si mesmas e
oe Meroz se negou a ajudar o S e n h o rI umas para as outras que tudo estava bem,
Louvem a Deus por uma mulher valen- quando na verdade não estava.
■r (w. 24-31). A bênção de Débora sobre A oração de encerramento (v. 31) faz um
lael nos faz lembrar as palavras do anjo contraste entre os inimigos do Senhor -
G a b r ie l a Maria (Lc 1:42). Pelo fato de Ba- aqueles que, com o Sísera, perecem nas
-a-aue haver hesitado, Débora anunciou que trevas - e o povo que ama ao Senhor e que
•jna mulher receberia o crédito pela morte brilha como o Sol do meio-dia.9 A batalha
:d capitão do exército inimigo (Jz 4:8, 9). A em M egido foi mais do que apenas um
• w a ção "rachou-lhe a cabeça", no versículo conflito entre exércitos adversários. Foi um
26. não significa que ela o decapitou com conflito entre as forças das trevas e as forças
■jm martelo e a estaca de uma tenda. O ter­ da luz.
mo quer dizer "esmagou" ou "despedaçou". O u nós amamos a Cristo e andamos na
Com um só golpe, ela enfiou a estaca na luz, ou somos seus inimigos e perecemos
«émpora no capitão, despedaçou sua cabe- nas trevas.
a e o matou.8 Descem as cortinas e nosso drama se
A descrição da morte de Sísera, no ver­ encerra, mas posso prever que o elenco ain­
síc u lo 27, dá a impressão de que ele estava da voltará ao palco muitas vezes, enquanto
em pé na tenda quando Jael o atingiu e que as pessoas lerem e estudarem a Bíblia. "Pois
ca iu morto aos pés dela. No entanto, ele tudo quanto, outrora, foi escrito para o nos­
estava deitado e dormindo quando foi mor­ so ensino foi escrito, a fim de que, pela
to ' v. 18). Pode-se tratar de um caso de licen­ paciência e pela consolação das Escrituras,
ç a poética hebraica ou, então, é possível tenhamos esperança" (Rm 15:4).

t Seria de se esperar que Juizes 4:1 dissesse: "depois de falecer Sangar", uma vez que Sangar é o último juiz citado nessa
passagem. No entanto, Sangar exerceu seu ministério em nível local e contemporâneo com o de Débora (Jz 5:6, 7). Eúde, por
sua vez, exerceu autoridade sobre toda a terra e foi quem arquitetou os oitenta anos de descanso.
.1 O fato de Débora ter sido escolhida também pode indicar que, naquela época, não havia homens dispostos nem capazes de
realizar esse trabalho. Até mesmo Baraque, um homem de fé, teve medo de enfrentar o inimigo sem a ajuda de Débora (Hb
11:32). Para um relato inspirativo das mulheres de Deus que marcaram o mundo e a Igreja, verTucKER, Ruth A. e L iefeld , Walter,
Daughters ofthe Church, Zondervan, 1987; e H am a ck , Mary L. A Dictionary ofWomen in Church History, Moody Press, 1984.
£ possível que esse versículo esteja se referindo à dissimulação e não ao desarmamento. Pode ser que Israel tivesse armas,
porém as mantivesse escondidas do inimigo. Quando foi declarada a guerra, os homens tiraram essas armas de seus esconderijos.
• Se você fosse hóspede de um xeque árabe, estaria sob a proteção dele, de modo que ele não o entregaria a seus inimigos.
Além disso, exigiria que os membros de sua família e acampamento também o protegessem.
r |udá e Simeão não são mencionados em momento algum em Juizes 4 - 5 . Alguns estudiosos acreditam na possibilidade de
que essas duas tribos estivessem envolvidas em guerras contra os cananeus.
110 JUÍZES 4 - 5

6. Os líderes militares consideram essa região um dos maiores campos de batalha do mundo. Não só Baraque derrotou Sísera
nesse local, mas também Gideão derrotou ali os midianitas (Jz 6 - 7), e é nesse local que será travada a "batalha do Armagedom"
(Ap 16:12-16; 1 7:14). O roi Saul mormu ali 11 Sm 31). e o rei losias foi morto nesse r^mpo de batalha num conflito no qual
jamais deveria ier lutado (2 Rs 23:28-3u).
S> ^lett , William (Ed.l. The Curse of Meroz. Selectpd Sermons of Phillips Brooks. Nova York: E. P. Dutton, 1950, p. 127.
8. Sisera foi morto por Ja^i, que lhe navia dado leite, ^ seu exército foi derrotado por <_ausa de Débora, cujo nome significa
abelha . Sisera descobriu qup a "terr? que mana leite e mel" poderia ser um lugar perigoso!
9. Davi comparou um líder piedoso com o Sol que se levanta e o Sol que brilha depois da chuva (2 Sm 23:3, 4). Quando os"
líderes obedecem a Deu<\ como fizeram Débora e Baraque, para seu povo sempre há o amanhecer de um. novo dia l
se m p rf ha calmaria e luz depois da iempectade. O s xércitos de Israel haviam passado por uma tempestaoe, maâ Deus lhes
deu a vitória.
1. " D
4 e u s se p r e o c u p a m e s m o
c o n o sc o ?" (Jz 6:1-13)
"O S e n h o r nos desamparou." Essa foi a res­
posta de Gideão à mensagem do Senhor (Jz
O H o m em de D eus 6:13) e, no entanto, o Senhor havia dado
EM MANASSÉS provas a Israel de sua preocupação pessoal
com os israelitas.
J uízes 6 Ele havia disciplinado seu povo (vv. 1-
6). "Filho meu, não rejeites a ’disciplina do
nem te enfades da sua repreensão.
S e n h o r,
Porque o S e n h o r repreende a quem ama,
assim como o pai, ao filho a quem quer bem"
magine que tem uma horta e, durante (Pv 3:11,12; ver também Hb 12:5-11). Com o
toda a primavera e o verão, trabalha ar­ Charles Spurgeon disse: "Deus nunca per­
duamente para que a plantação produza em mite que seu povo peque com sucesso".
lòundância. Mas todos os anos, quando está Deus não é um "pai permissivo" que deixa
crestes a colher os frutos de seu trabalho, seus filhos fazerem o que quiserem, pois seu
seus vizinhos invadem a horta e tomam à propósito maior é que se tornem "confor­
»orça o que encontram lá. Essa história se mes à imagem do seu Filho" (Rm 8:29). O
-epete ano após ano e não há nada que pos­ desejo do Pai é poder olhar para cada mem­
sa fazer. bro de sua família espiritual e dizer: "Este é
Se consegue im aginar essa situação, o meu Filho amado, em quem me com ­
□ode ter uma idéia do sofrimento pelo qual prazo" (ver Mt 3:1 7; 12:18; 1 7:5).
os israelitas passavam na época da colheita A disciplina é a prova de que Deus abo­
□ lian do os m id ian itas re aliza vam seus mina o pecado e ama seu povo. Não pode­
ataques anuais. Durante sete anos, Deus per- mos imaginar um Deus santo que deseje
nítiu que os midianitas e seus aliados de- qualquer coisa aquém do melhor para seus
-.astassem a "terra que mana leite e mel", filhos, e o melhor que ele pode nos dar é
deixando o povo na mais extrema pobreza. um caráter santo como o de Jesus Cristo. A
Perto da oitava invasão midianita, Deus obediência ao Senhor constrói o caráter, mas
tramou um lavrador chamado Cideão, da a desobediência o destrói, e Deus não pode
cribo de Manassés, para tornar-se o liberta­ permanecer indiferente enquanto vê seus
dor de seu povo. Quando Gideão começou filhos se destruindo.
s ja carreira, era um tanto covarde (Jz 6), mas Israel já havia passado por quarenta e
se tornou um conquistador (7:1 - 8:21) e três anos de sofrimento sob o domínio opres­
'erminou a carreira como condescendente sor das nações vizinhas, mas ainda não ha­
'8:22-35). No entanto, o Livro de Juízes de­ via aprendido sua lição deixando os ídolos
dica mais espaço (cem versículos) a Gideão pagãos. A menos que nosso sofrimento nos
do que a qualquer outro juiz;1 ele é o único leve ao arrependimento, não proporciona
•uiz cujas lutas pessoais com sua fé encon- qualquer benefício duradouro; a menos que
•ram-se registradas no livro. Gideão serve de nosso arrependimento seja a evidência de
:-ande ânimo para os que têm dificuldade um desejo santo de deixar o pecado, não
em aceitar a si mesmos e em crer que Deus apenas de escapar da dor, não passará de
[>ode fazer deles aquilo que desejar ou usá- remorso. A disciplina nos garante que so­
los para aquilo que quiser. mos, verdadeiramente, filhos de Deus, que
Antes que o Senhor usasse Gideão para nosso Pai nos ama e que é impossível ficar
seu serviço, teve de tratar de quatro dúvidas incólumes em meio a nossa rebelião.
□ue perturbavam o futuro juiz e que eram O s midianitas organizaram uma coali­
Empecilhos a sua fé. Esses dilemas de Gideão zão de nações para invadir a terra (Jz 6:3),
Dodem ser expressos em quatro perguntas. e tudo o que Israel pôde fazer foi fugir para
112 JUIZES 6

os montes e se esconder do inimigo. Quan­ é de costume quando surgem as dificulda­


do os israelitas voltaram para casa, en­ des. O s israelitas não deram qualquer sinal
contraram apenas devastação e tiveram de de arrependimento, mas sua aflição tocou o
enfrentar outro ano sem alimento suficiente. coração amoroso de Deus. "Em toda a an­
Ele havia repreendido seu povo (vv. 7- gústia deles, foi ele angustiado" (Is 63:9).
10). Antes disso, o Anjo do S e n h o r, prova­ "Não nos trata segundo os nossos pecados,
velmente o Filho de Deus, havia se dirigido nem nos retribui consoante as nossas iniqüi-
a Boquim para censurar Israel por seus pe­ dades" (SI 103:10). Em sua misericórdia,
cados (2:1-5) e, agora, um profeta anônimo Deus não nos dá aquilo que merecemos e,
volta para transmitir a mesma mensagem.2 em sua graça, concede-nos aquilo que não
No Antigo Testamento, muitas vezes quan­ merecemos.
do Deus condenava o povo de Israel pos Ao considerar o tipo de homem que Gi-
sua desobediência, ele os lembrava do modo deão era na época, perguntamo-nos por
maravilhoso como os havia livrado do Egito. que Deus o escolheu, mas Deus, com fre­
Também os lembrava de sua generosidade qüência, escolhe "as coisas fracas do mun­
ao dar-lhes a Terra Prometida e ao ajudá-los do" a fim de realizar grandes coisas para
a vencer os inimigos. S e os israelitas esta­ sua glória (1 C o 1:26-29).3 A fam ília de
vam sofrendo sob o jugo de escravidão dos Gideão adorava Baal (Jz 6:25-32), apesar
gentios, Deus não era culpado! Havia dado de não termos motivo algum para crer que
ao povo tudo de que precisavam. Gideão também participasse dessa adora­
Ao ler as epístolas do Novo Testamento, ção. Quando Gideão referiu-se a si mesmo
não podemos evitar de observar que os após­ com o "o menor na casa de meu pai" (Jz
tolos usaram a mesma abordagem ao admo­ 6:15), talvez estivesse dando a entender que
estar os cristãos para os quais escreveram. era rejeitado por sua família por não se jun­
O s apóstolos lembraram os cristãos repeti­ tar a eles em sua idolatria. Gideão não era
damente de que Deus os havia salvo para um homem de grande fé e coragem, e Deus
que vivessem em obediência e servissem teve de trabalhar com paciência na vida dele
fielmente ao Senhor. Com o filhos de Deus, a fim de prepará-lo para exercer a liderança.
deveriam andar de modo digno de sua vo­ Deus está sempre pronto a nos transformar
cação elevada (Ef 4:1) e viver como quem naquilo que devemos ser se estivermos dis­
está assentado com Cristo em glória (Cl postos a nos submeter a sua vontade (Ef
3:1 ss). A motivação da vida cristã não deve 2:10; Fp 2:12, 13).
ser a possibilidade de ganhar alguma coisa A reação negativa de Gideão indica sua
que não temos, mas sim a possibilidade de falta de fé e de percepção espiritual. Diante
viver à altura daquilo que já possuímos em dele se encontrava o Deus Todo-Poderoso
Cristo. dizendo-lhe que estaria com ele e que o tor­
O propósito da disciplina é levar os fi­ naria um conquistador, e Gideão respondeu
lhos de Deus a uma disposição para ouvir com a negação de tudo o que Deus havia
sua Palavra. Muitas vezes, depois de dar dito! Deus teria de gastar tempo com Gideão
umas palmadas nos filhos, os pais reafirmam transformando seus pontos de interrogação
seu amor por eles e, em seguida, os adver­ em pontos de exclamação. Gideão estava
tem com carinho para que ouçam o que di­ vivendo pelas aparências e não pela fé, e se
zem e obedeçam. Deus fala a seus filhos pela tivesse continuado nesse caminho, não te­
voz am orosa das Escrituras ou pela mão ria sido citado como um dos heróis da fé
pesada da disciplina, e, se ignorarmos a pri­ em Hebreus 11.
meira, teremos de suportar a segunda. De
uma forma ou de outra, o Senhor consegui­ 2. " D e u s sa b e m e s m o o q u e está
rá nossa atenção e lidará conosco. fa z en d o ? " (Jz 6:14-24)
Então, veio ajudá-los (vv. 11-13). O povo A primeira reação de Gideão foi questionar
clamava ao Senhor por socorro (6:7), como a preocupação de Deus por seu povo, mas
JU ÍZES6 113

■c-go em seguida questionou a sabedoria de número de pessoas pelo maior período


D?us ao escolhê-lo para ser o libertador de viável".4 Portanto, quem somos nós para
Israel. As declarações do Senhor registradas questioná-lo?
■•os versículos 1 2 e 14 deveriam ter dado a Ao rever as promessas que Deus, em sua
Gideão toda a garantia de que precisava, graça, fez a Gideão, nos perguntamos por
~ias, ainda assim, ele não creu na Palavra que esse homem vacilou em sua fé. Deus
ne Deus. Nesse sentido, era parecido com prometeu estar com ele. Deus o chamou de
Moisés (Êx 3:7-12), cuja biografia Cideão, "homem valente" e prometeu que salvaria
sem dúvida, conhecia, uma vez que estava Israel dos midianitas e que feriria os inimi­
i par da história dos hebreus (Jz 6:13). gos "como se fossem um só homem". A Pa­
Diz-se que Deus dá as ordens e também lavra de Deus é a "palavra da fé" (Rm 10:8),
a capacidade para cumpri-las. Uma vez que "E, assim, a fé vem pela pregação, e a prega­
Deus nos chama e nos dá uma missão, tudo ção, pela palavra de Cristo" (Rm 10:1 7). No
o que precisamos fazer é obedecer a ele entanto, Gideão não aceitou essa Palavra e
pela fé, e ele cuidará do resto. Deus não precisou de outras confirm ações além do
ocde mentir e nunca falha. Ter fé significa caráter do Deus Todo-Poderoso.
úDedecer a Deus apesar do que vemos, de Gideão pediu um sinal para assegurá-lo
como nos sentimentos ou das possíveis con- de que era, de fato, o Senhor quem estava
*qüências. Nosso mundo "prático" moder- falando com ele (1 Co 1:22), e o Senhor,
m faz pouco da fé, sem perceber que as em sua bondade, concordou em atender
n-essoas vivem pela fé o dia inteiro. "Se não esse pedido incrédulo. Gideão preparou um
existisse fé, não haveria como viver neste sacrifício, algo caro de fazer naquele tem­
>*Tundo", escreveu o humorista John Billings po em que a comida era escassa. Um efa
njase um século atrás. "Não nos sentiríamos de farinha equivalia a cerca de vinte e três
seguros nem comendo arroz com feijão." litros de cereal, o suficiente para alimentar
A declaração de Gideão sobre a pobre­ uma família com pão durante vários dias. E
za de sua família causa certa perplexidade bem provável que tenha levado horas para
niante do fato de ele ter dez servos que o preparar a carne e os bolos asmos, mas
s jdavam (v. 27). É possível que o clã de Deus esperou até que voltasse e, em segui­
V>iezer, ao qual a família de Gideão perten­ da, consumiu a oferta fazendo subir fogo
cia. não fosse importante em Manassés ou da rocha.
□ue talvez essa afirmação de Gideão fosse A aparição repentina do fogo e o desa­
a maneira habitual de responder a um elo- parecim ento do visitante co nven ceram
e ío , como quando as pessoas escreviam "De Gideão de que ele havia, de fato, visto Deus
seu criado" antes de assinar uma carta. De e falado com ele, o que o assustou ainda
□ualquer modo, ao que parece, Gideão pen­ mais. Uma vez que os israelitas acreditavam
s a i que Deus não podia fazer nada, pois que homem algum poderia ver Deus e vi­
ele e a família dele não eram nada. ver, Gideão estava certo de que morreria. O
Uma vez que Deus nos revelou sua von- coração humano é, verdadeiramente, enga­
*ade, não devemos jamais questionar sua sa- noso: Gideão pediu um sinal e, depois de
□edoria nem discutir seus planos. "Quem, recebê-lo de Deus, teve certeza de que o
nois, conheceu a mente do Senhor? O u sinal causaria sua morte! Há sempre "gozo
□•»em foi o seu conselheiro?" (Rm 11:34; ver e paz no vosso crer" (Rm 15:13), mas a in­
s 40:13 e 1 C o 2:16). "Porventura, desven- credulidade gera medo e preocupação.
niarás os arcanos de Deus ou penetrarás até Deus havia dado a Gideão uma mensa­
à oerfeição do Todo-Poderoso?" (Jó 11:7). gem de paz, a fim de prepará-lo para guer­
Com o escreveu A. W. Tozer: "Todos os atos rear. A menos que estejamos em paz com
de Deus são realizados na mais perfeita Deus, não poderemos enfrentar o inimigo
isDedoria, primeiramente para sua glória com segurança nem lutar as batalhas do Se­
e. depois, para o bem supremo do maior nhor. O s israelitas costumavam identificar
114 JUÍZES 6

acontecimentos e lugares especiais erguen­ Antes de Deus dar a seus servos gran­
do m onum entos,5 de modo que C id e ão des vitórias em público, ele às vezes os
construiu um altar e chamou-o de "O S e n h o r prepara dando-lhes vitórias menores em casa.
E Paz". O termo hebraico para "paz" (shalom) Antes de Davi matar o gigante Golias diante
significa muito mais do que uma cessação de dois exércitos, aprendeu a confiar em
das h o stilid a d e s, tendo tam bém uma Deus ao matar um leão e um urso no cam­
acepção de bem-estar, saúde e prosperida­ po, onde ninguém além de Deus viu o que
de. Gideão passou a crer que o Senhor po­ ele havia feito (1 Sm 17:32-37). Quando pro­
dia usá-lo, não em função de quem ele era, vamos ser fiéis com coisas menores, Deus
mas em função de quem Deus era. nos confiará coisas maiores (Mt 25:21).
Sempre que Deus nos chama para reali­ A tarefa que Gideão deveria cumprir não
zar uma tarefa que parece grande demais, era nada fácil. Deus lhe ordenou que des­
devemos ter o cuidado de olhar para o Se­ truísse o altar consagrado a Baal, construís­
nhor e não para nós mesmos. "Acaso, para se um altar ao Senhor e sacrificasse um dos
o S e n h o r há coisa demasiadamente difícil?", valiosos bois de seu pai, usando como le­
Deus perguntou a Abraão (Gn 18:14), e a nha a madeira de um poste-ídolo de Aserá.
resposta é: "Porque para Deus não haverá O s altares israelitas eram feitos de pedras
im possíveis" (Lc 1:37). Jó descobriu que não-lavradas e eram simples, mas os altares
Deus podia fazer tudo (Jó 42:2). Jeremias a Baal eram elaborados e tinham a seu lado
reconheceu que não há coisa alguma difícil um pilar de madeira (v. 26) consagrado à
demais para Deus (Jr 32:17). Jesus disse a deusa Aserá, cuja adoração envolvia práti­
seus discípulos: "para Deus tudo é possível" cas de uma perversidade indescritível. Uma
(Mt 19:26). Paulo deu seu testemunho de­ vez que os altares a Baal eram construídos
clarando: "tudo posso naquele que me for­ em lugares altos, seria difícil obedecer às
talece" (Fp 4:13). ordens de Deus sem chamar a atenção.
Gideão tinha todo o direito de destruir a
3. " D e u s vai m e s m o c u id a r d e m i m ? " adoração a Baal, pois era isso o que Deus
(Jz 6:25-32) havia ordenado em sua lei (Êx 34:12,13; Dt
Com o foi o dia de Gideão depois de seu 7:5). Aliás, tinha o direito de apedrejar to­
encontro extraordinário com o Senhor? Lem- dos aqueles que estavam adorando Baal (Dt
bre-se de que ele era de uma família que 13), mas Deus não incluiu nada disso em
adorava a Baal e, se desafiasse os midiani- suas instruções.
tas em nome do Senhor, estaria afrontando G id eão decidiu obedecer ao Senhor
o pai, a família, os vizinhos e uma verdadei­ naquela noite, quando todos na vila estives­
ra multidão de adoradores de Baal em Is­ sem dormindo. Foi mais uma demonstração
rael. Imagino que, ao longo daquele dia, as de seu medo (Jz 6:27); não estava certo de
emoções de Gideão tiveram altos e baixos, que Deus poderia ou de que iria acompanhá-
enquanto se regozijava por Deus estar pla­ lo até o fim. "Por que sois assim tímidos?!
nejando livrar Israel, mas também tremia com Com o é que não tendes fé?" (Mc 4:40). "Eis
a idéia de que ele havia sido designado para que Deus é a minha salvação; confiarei e
liderar o exército. não temerei" (Is 12:2). Depois de todo âni­
Sabendo que Gideão ainda estava com mo que Deus havia lhe dado, Gideão deve­
medo, Deus lhe deu uma tarefa em sua pró­ ria ter mostrado uma fé mais forte. Porém,
pria casa para mostrar que estaria sempre antes de julgar, devemos fazer uma instros-
com ele. Afinal, se não praticarmos nossa fé pecção e avaliar quanto nós confiamos no
em casa, como poderemos fazê-lo com sin­ Senhor.
ceridade em qualquer outro lugar? Gideão Vale a pena observar que os verdadei­
precisava assumir uma posição firme em sua ros cristãos não podem construir um altar
própria vila antes de ter a ousadia de en­ ao Senhor sem antes destruir os altares que
frentar o inimigo no campo de batalha. construíram para a adoração a seus falsos
JUÍZES 6 115

oeuses. Nosso Deus é um Deus zeloso (Êx Naquele dia, Gideão aprendeu uma li­
20:5) e não divide sua glória nem nosso ção de grande valor: se ele obedecesse ao
j-nor com outros. Gideão havia construído Senhor, mesmo com medo em seu coração,
o próprio altar ao Senhor em particular (Jz o Senhor o protegeria e receberia a glória.
? 24), mas era chegada a hora de assumir Gideão teve de se lembrar disso ao reunir
• n a posição em público sem fazer qualquer seu exército e preparar-se para atacar o
concessão. Antes de declarar guerra a Midiã, inimigo.
•:e-. eria declarar guerra a Baal.
Quando há outros dez homens partici- 4. "D eus c u m pr e su a s p r o m e ssa s? "
sando de um plano, é difícil mantê-lo em (Jz 6:33-40)
segredo, de modo que não demorou para o Não tardou para os midianitas e seus alia­
«àarejo todo saber que era Gideão quem dos realizarem seu ataque anual, enquanto
•"•a-, ia destruído os ídolos de seu pai. O s ho- mais de 135 mil homens (Jz 8:10; 7:12) se
nens da cidade consideraram isso um cri­ deslocavam para o vale de Jezreel. Era hora
me capital e quiseram matar Gideão. (De de Gideão entrar em ação, e o Espírito de
abordo com a lei de Deus, eram os idólatras Deus lhe deu a sabedoria e o poder de que
cue deviam ser executados! Ver Dt 13:6-9.) precisava (ver Jz 3:10; 11:29; 13:25; 14:6,
Sem dúvida, Gideão ficou imaginando o que 19; 15:14). Quando procuramos fazer a von­
aconteceria com ele, mas Deus mostrou-se tade de Deus, sua Palavra para nós será sem­
■capaz de resolver a situação. pre: "Não por força nem por poder, mas pelo
Joás, pai de Gideão, tinha motivos de meu Espírito, diz o S e n h o r dos Exércitos" (Zc
sobra para se irar contra seu filho. Gideão 4:6).
fcr. ia despedaçado o altar de Baal onde seu Quando um grupo de pastores ingleses
h í adorava, colocando em seu lugar um altar estava discutindo se era uma boa idéia convi­
a leová. Havia sacrificado um dos melhores dar D. L. Moody para uma cruzada evange-
bois do pai ao Senhor e usado o poste sa- lística em sua cidade, um deles perguntou:
zrado de Aserá como lenha (ver Is 44:13- "Por que precisa ser Moody? Por acaso ele
Mas Deus trabalhou no coração de Joás tem direitos exclusivos sobre o Espírito San­
òe tal modo que ele defendeu Gideão dian­ to?" Calmamente, outro pastor respondeu:
te do povo da cidade, chegando até a insul­ "Não, mas é evidente que o Espírito Santo
tar Baal! "Que tipo de deus é Baal que não tem direitos exclusivos sobre Moody".
consegue sequer defender sua própria cau­ Gideão tocou a trombeta primeiro em
sa?", perguntou Joás. (Anos depois, Elias usou sua cidade natal e foi seguido pelos homens
-•ma abordagem semelhante; ver 1 Rs 18:27.) de Abiezer. A reforma de Gideão na cida­
Por causa dessa pergunta, os homens da vila de havia, de fato, tido algum efeito! Em se­
aeram a Gideão o apelido de "Jerubaal", que guida, enviou m ensageiros para todas as
sgnifica "Baal contenda contra ele" ou "ad­ partes de sua tribo, Manassés, bem como
versário de Baal".6 para as tribos vizinhas de Aser, Zebulom e
Muitas vezes, o mundo dá apelidos ofen­ Naftali. Essas quatro tribos ficavam próxi­
s a s a servos fiéis de Deus. Quando estava mas ao vale de Jezreel e, portanto, eram as
construindo sua famosa escola dominical mais afetadas pelo exército invasor. Assim,
em Chicago, D. L. M oody ficou conheci­ 32 mil homens responderam à convocação
do como "Moody, o M aluco", mas, hoje de Gideão.
em dia, ninguém diria isso dele. Charles Mas que chance 32 mil homens teriam
scurgeon foi, com freqüência, satirizado contra 135 mil, além de inúmeros camelos
e caricaturado na imprensa inglesa. Se re- (Jz 7:12)? Essa é a primeira vez que Bíblia
:eDermos apelidos por honrar o nome de menciona camelos sendo usadas em comba­
■esus, então usemos esses epítetos como te e, sem dúvida, aqueles que os montavam
se fossem medalhas e continuemos a glorifi­ tinham rapidez e mobilidade no campo de
car o Senhor! batalha. O s israelitas estavam em menor
116 JUÍZES 6

número, de modo que a derrota era certa, Senhor que reafirmasse suas promessas de
exceto por uma coisa: o Deus Jeová estava fazer um milagre. O fato de Deus ter anuído
do lado deles e havia lhes prometido a vitória. voluntariamente à fraqueza de Gideão ser­
Ainda assim, Gideão duvidou da promes­ ve apenas para provar que ele é um Deus
sa de Deus. O Senhor queria mesmo que cheio de graça que nos conhece bem (SI
e/e comandasse o exército de Israel? O que 103:1 4).7 Q uem som os nós para dizer a
entendia de guerra? Afinal, era apenas um Deus as condições que ele deve preencher,
lavrador qualquer e havia outros em sua tri­ especialmente quando já nos falou algo em
bo muito mais capacitados para essa incum­ sua Palavra? Esse tipo de prova não é ape­
bência. Assim, antes de liderar o ataque, nas uma demonstração de incredulidade,
Gideão pediu a Deus que lhe desse mais mas também uma prova de orgulho. Deus
dois sinais. deve obedecer a minhas ordens, do contrá­
Esse gesto de "pôr a lã ao relento" é co­ rio não obedecerei às ordens dele!
nhecido nos meios religiosos e expressa um G ideão passou dois dias fazendo "o
pedido para que Deus nos guie numa de­ jogo da lã ao relento" com Deus no chão
cisão cumprindo certas condições que es­ da eira. Na primeira noite, pediu a Deus
tabelecemos. Em meu ministério pastoral, que molhasse a lã, mas que deixasse o chão
encontrei pessoas de todo o tipo que se me­ seco (nesse caso, a Bíblia usa os termos
teram em dificuldades por terem "posto a lã "terra" e "chão" de maneira intercambiável),
ao relento". Se recebessem um telefonema e Deus atendeu seu pedido. Na segundo
em certo momento, seria indicação de que noite, o teste foi bem mais difícil, pois o
Deus desejava que fizessem uma certa coi­ chão da eira deveria estar molhado, mas a
sa ou, se o tempo mudasse num determi­ lã deveria permanecer seca. O chão de uma
nado horário, seria um sinal de que Deus eira normalmente é bem duro e não costu­
queria que fizessem outra coisa. ma ser afetado de maneira expressiva pela
Provas assim não são um método bíblico ação do orvalho. Porém, na manhã seguin­
de determinar a vontade de Deus. Antes, essa te, G ideão viu que a lã estava seca, e o
é uma abordagem usada por pessoas como chão, molhado.
Gideão, sem fé para confiar que Deus cum­ Para Gideão, não restava outra coisa a
prirá suas promessas. Em duas ocasiões, fazer senão confrontar o inimigo e confiar
Gideão lembrou Deus do que ele havia dito em Deus para ser vitorioso. "E esta é a vitória
(Jz 6:36, 37) e, por duas vezes, pediu ao que vence o mundo: a nossa fé" (1 Jo 5:4).

1. Noventa e seis versículos são dedicados a Sansão, o último juiz. O s quatro primeiros juizes foram tementes a Deus, mas do
tempo de Gideão em diante, os líderes começaram a entrar em declínio até chegar a Sansão, o menos espiritual de todos.
Israel não merecia líderes tementes ao Senhor, pois desejava ser libertado de seus inimigos sem se consagrar a Deus. Por
vezes, Deus dá a seu povo exatamente aquilo que merece.
2. É comum considerar Samuel o primeiro profeta (At 3:24), mas houve outros profetas anônimos antes de seu tempo.
3. A imagem mais comum da igreja local é aquela de uma corporação, tendo o pastor como seu diretor presidente. Fico imaginando
quantas igrejas gostariam de ter um diretor presidente com um currículo como aquele de algumas pessoas que Deus usou na
Bíblia. Quando começou seu ministério, Moisés estava com 80 anos de idade e era procurado por assassinato no Egito. Jacó era
um intriguista. Tanto Elias quanto Jeremias sofriam de depressão. Oséias não conseguia manter o casamento em ordem. Amós
era um agricultor sem qualquer preparo para o ministério. Pedro tentou matar um homem com sua espada. João Marcos desistiu
de suas responsabilidades e Paulo não se entendia com Barnabé. Essas características não são desculpas para líderes pecarem
nem para as igrejas baixarem seus padrões, mas nos lembram de que os caminhos de Deus são diferentes dos nossos. O homem
ou a mulher que consideramos menos qualificados para a obra de Deus podem acabar se tornando poderosos servos do Senhor.
4. T o z e r , A. W. The Knowledge of tbe Holy. Nova York: Harper, 1961, p. 66.

5. Onde quer que fosse, Abraão construía um altar (Cn 12:7, 8; 13:4, 18; 22:9), e Josué deixou vários monumentos da marcha
de conquista realizada por Israel na Terra Prometida.
JUÍZES 6 117

De acordo com Joseph Parker: "O mínimo que se pode fazer é dar um apelido a um reformador. Se não podemos fustigá-lo,
então podemos pelo menos lhe dar uma alcunha, na esperança de que será adotada pelo inimigo e usada como um aguilhão
ou açoite. (The People's Bible, v. 6, p. 16). Porém, as realizações de Gideão transformaram um apelido desprezível num título
-onroso do qual se orgulhava. Afinal, Jeová provou ser mais poderoso do que Baal!
Joseph Parker defende Gideão ao escrever: "Os homens não podem ser corajosos de uma vez só" (The People's Bible, vol. 6,
o. 14). Porém, a coragem vem da fé, e a fé não se fortalece quando pedimos a Deus que abençoe nossa incredulidade
operando milagres. A maneira de crescer em fé e em coragem é ouvir a Palavra de Deus, crer em suas promessas e obedecer
a suas ordens. Deus pode ceder a nossas fraquezas em uma ou duas ocasiões, mas não permite que passemos a vida toda
nesse nível de infantilidade.
O relato tão conhecido e empolgante
5 da vitória de Gideão sobre os midianitas é,
na verdade, uma história de fé prática e nos
A
revela três princípios importantes sobre essa
C rer E a V itó r ia fé. Precisamos compreendê-los e aplicá-los,
se desejamos ser vencedores e não vencidos.
J uízes 7
1. D e u s p r o v a n o s s a fé (Jz 7 :1 - 8 )
Não se pode confiar numa fé não testada.
Costuma-se pensar que a fé não passa de
um "sentimento cheio de calor e de acon­
chego" ou, quem sabe, há os que simples­

L
embro-me de poucas m ensagens que mente "acreditam na fé". Lembro-me de uma
ouvi na capela quando era seminarista, ocasião em que participava de uma reunião
mas nunca me esqueci de uma pregação de conselho de um ministério internacional
de Vance Havner que me deu ânimo em quando um dos membros do grupo disse
muitas ocasiões. Ao falar sobre Hebreus 1 1, com grande entusiasmos: "Precisamos dar
disse que, pelo fato de Moisés ser um ho­ um passo de fé!", ao que outro membro
mem de fé, podia "ver o invisível, escolher o perguntou em voz baixa: "E quem terá essa
imperecível e fazer o impossível". Eu preci­ fé?" A resposta a sua pergunta foi o silêncio
sava ouvir essa mensagem naquele tempo e de uma introspecção geral.
ainda preciso nos dias de hoje. De acordo com J. G. Stipe, a fé é como
O que valia para Moisés séculos atrás uma escova de dente: todo mundo deve ter
ainda é válido para o povo de Deus no pre­ uma e usá-la com freqüência, mas não é re­
sente, mas homens e mulheres de fé pare­ com endável usar a de outra pessoa. Po­
cem estar em falta hoje. Seja lá o que torne demos cantar em alta voz sobre a fé dos
nossas igrejas conhecidas na atualidade, antigos, mas não podemos exercitar a fé de
não são especialmente notáveis por glorifi­ nossos pais. Podemos seguir homens e mu­
car a Deus por meio de grandes atos de fé. lheres de fé e participar de seus grandes
Segundo um com entário espirituoso: "A feitos, mas não teremos sucesso em nossa
igreja costum ava ser conhecida por suas vida pessoal dependendo apenas da fé de
obras de bondade, mas hoje só é conheci­ outrem.
da por suas obras de engenharia". "Porque Há pelo menos dois motivos pelos quais
todo o que é nascido de D eus vence o Deus prova a nossa fé: em primeiro lugar, a
mundo; e esta é a vitória que vence o mun­ fim de nos mostrar se nossa fé é verdadeira
do: a nossa fé" (1 Jo 5:4). O u os cristãos ou se não passa de uma imitação e, em se­
são vencidos por sua incredulidade ou são gundo lugar, a fim de fortalecer nossa fé para
vencedores pela fé. Lembre-se de que a fé as tarefas que colocou diante de nós. Tenho
não depende de como nos sentimos, da­ observado, em minha própria vida e minis­
quilo que vemos nem do que pode aconte­ tério, que Deus, muitas vezes, nos faz pas­
cer. O poeta quacre John Greenleaf Whittier sar pelo vale da provação antes de permitir
expressou-se da seguinte maneira em "Mi­ que alcancemos o ápice da vitória. Spurgeon
nha Alma e Eu": estava certo quando disse que as promes­
sas de Deus brilham mais forte na fornalha
Nada atrás e, adiante, o ar; da aflição, e é ao nos apropriarmos dessas
Passos que, com fé, são dados promessas que alcançamos a vitória.
E que o vazio parecem tocar, A primeira peneirada (vv. 1-3). Deus tes­
São, em verdade, na rocha firmados. tou a fé de Gideão ao peneirar os 32 mil
voluntários até que restaram apenas trezen­
Essa rocha é a Palavra de Deus. tos homens. Se a fé de Gideão tivesse sido
JUÍZES 7 119

áo tamanho de seu exército, então não te- durante a batalha toma dos soldados do
na sobrado muita coisa depois das peneira- Senhor a coragem e o poder. O medo cos­
oas de Deus! Menos de 1% do contingente tuma se espalhar, e um único soldado teme­
•■vcial acabou seguindo Gideão até o campo roso é capaz de causar mais estrago do que
de Datalha. As palavras de Wisnton Churchill um regimento inteiro de soldados inimigos.
ancre a Força Aérea Britânica na Segunda O medo e a fé não podem conviver por
Guerra Mundial certamente se aplicam aos muito tempo no mesmo coração. O u o me­
• ezentos homens de Gideão: "No campo do vence a fé e desistimos, ou a fé conquis­
dos conflitos humanos, nunca tanta gente ta o medo e triunfamos. É possível que John
ie .e u tanto a tão poucos". Wesley estivesse pensando no exército de
Deus explicou a G ideão o motivo de Gideão quando disse: "Dê-me um exército
estar diminuindo seu exército: não queria de cem homens que não temem coisa algu­
aiie os soldados se vangloriassem de que ma a não ser o pecado e que não amam
^a\iam vencido os midianitas. As vitórias coisa alguma a não ser Deus e farei estre­
ícan çadas pela fé glorificam a Deus, pois mecer as portas do inferno!".2
-•mguém é capaz de explicar como ocorre­ A segunda peneirada (w. 4-8). Deus fez
ram. "Se você é capaz de explicar o que os dez mil homens que haviam restado do
está acontecendo em seu ministério, então exército de Gideão passarem por mais um
é porque não foi Deus quem fez", disse o teste ao pedir-lhes que bebessem água de
Dr. Bob Cook. Quando trabalhava no mi- um rio. Nunca sabemos quando Deus está
srstério M ocidade para Cristo, costumava nos testando com alguma experiência comum
•>j\ir os líderes pedirem em suas orações: da vida. Ouvi falar de um pastor titular de
'Senhor, mantenha sempre o trabalho de uma igreja que sempre andava de carro com
Mocidade para Cristo funcionando à base os candidatos à vaga de pastor assistente no
de milagres". Isso era viver pela fé. carro deles, só para ver se o carro estava
C om freqüência, som os com o o rei bem cuidado e se o candidato dirigia com
_zias, que "foi maravilhosamente ajudado, cuidado. É discutível se o asseio e o cuida­
aié que se tornou forte. Mas, havendo-se já do ao dirigir garantem que alguém seja bem-
•Drtificado, exaltou-se o seu coração para a sucedido em seu ministério, mas se trata de
=ua própria ruína" (2 Cr 26:15, 16). As pes­ uma lição que vale a pena considerar. Mais
soas que vivem pela fé conhecem suas fra- de um candidato a emprego já acabou com
□jezas e, cada vez mais, dependem de Deus suas chances de ser contratado durante um
□ara lhes dar forças. "Porque, quando sou almoço com o possível chefe por não per­
- a c o , então, é que sou forte" (2 Co 12:10). ceber que estava sendo avaliado. "Faça de
Ao ordenar que os soldados temerosos toda ocasião uma grande ocasião, pois nun­
«cJtassem para casa, Gideão estava apenas ca sabe quando alguém o está avaliando para
□Dedecendo à lei que Moisés havia dado: algo mais elevado." Quem disse isso foi um
■Qual o homem medroso e de coração tí­ homem cham ado M arsden e, há muitos
mido? Vá, torne-se para casa, para que o anos, tenho sua citação - agora amarelada
ctração de seus irmãos se não derreta como pelo tempo - debaixo do vidro de minha
o s e u coração" (Dt 20:8). "Deus não pode mesa de trabalho. Sempre me fez bem refle­
t;sar homens trêmulos e temerosos", disse tir sobre essa frase.
C . Campbell Morgan. "O problema hoje em Qual era a relevância das duas formas
dia é que os homens trêmulos e temerosos de os homens beberem água do rio? Uma
r s i s t e m em permanecer no exército. Uma vez que as Escrituras não dizem, não seria
Tedução de membros que peneira da igreja sábio inserir no texto uma grande lição espi­
os amedrontados e vacilantes é um ganho ritual que Deus não colocou nessas palavras.
i-Tienso e glorioso".1 A m aioria dos com entaristas diz que os
O orgulho depois da batalha toma do homens que se abaixaram para beber coloca­
5enhor a glória que lhe é devida, e o medo ram-se numa posição vulnerável ao inimigo,
120 JUÍZES 7

enquanto os trezentos que beberam água "Com estes trezentos homens que lam­
da mão permaneceram atentos. Porém, o beram a água eu vos livrarei" (v. 7). Gideão,
inimigo encontrava-se a mais de seis quilô­ ao apropriar-se dessa promessa e seguir as
metros de distância (v. 1), esperando para instruções do Senhor, derrotou o exército
ver o que os israelitas fariam, e Gideão não inimigo e trouxe à terra uma paz que durou
teria colocado seus homens em perigo dessa quarenta anos (8:28).
forma. Um pregador conhecido afirma que O s soldados que voltaram para casa dei­
os trezentos homens beberam água daque­ xaram parte de seu equipamento com os
la maneira para manter os olhos fixos em trezentos homens, de modo que cada um
Gideão, mas o texto também não diz isso. tivesse uma tocha, uma trombeta e um cânta­
A meu ver, Deus escolheu esse método ro - armas indiscutivelmente estranhas para
para peneirar o exército, pois era simples, um combate.
despretensioso (nenhum soldado sabia que
estava sendo testado) e fácil de ser aplica­ 2. D e u s e s t im u l a n o s s a fé
do. Não devemos pensar que os dez mil (Jz 7:9-1 5 a )
homens beberam ao mesmo tempo, pois isso O Senhor queria que Gideão e seus trezen­
teria feito o exército espalhar-se ao longo tos hom ens atacassem o acam pam ento
de alguns quilômetros à beira da água. Uma midianita durante a noite, mas primeiro teve
vez que os homens certamente foram be­ de tratar do medo que persistia no coração
ber em grupos, Gideão pôde observá-los e de Gideão. Deus já havia dito três vezes a
identificar os trezentos. Só depois dessa iden­ Gideão que daria a vitória a Israel (Jz 6:14,
tificação é que os homens descobriram que 16; 7:7) e o havia tranqüilizado com três si­
haviam sido testados. nais especiais: o fogo de uma rocha (6:19-
"Porque para o S e n h o r nenhum impedi­ 21), a lã molhada (6:36-38) e a lã seca (6:39,
mento há de livrar com muitos ou com pou­ 40). D epo is de toda essa ajuda divina,
cos" (1 S m 14:6). Algum as igrejas hoje se Gideão deveria ter se fortalecido em sua fé,
encantam com as estatísticas e acreditam mas não foi o que aconteceu.
que são fortes por terem muitos membros Com o devemos ser gratos por Deus nos
e recursos, mas os números não são garan­ entender e não nos condenar por nossos
tia da bênção de Deus. Moisés assegurou medos e dúvidas! Ele sempre nos dá sabe­
os israelitas de que, se obedecessem ao Se­ doria e não nos repreende quando continua­
nhor, um soldado perseguiria mil e "dois mos pedindo (Tg 1:5). Nosso grande Sumo
[fariam] fugir dez mil" (Dt 32:30). Assim, Sacerdote no céu identifica-se conosco em
Gideão só precisava de 27 soldados para nossas fraquezas (Hb 4:14-16) e continua a
derrotar todo o exército midianita com seus dar mais graça (Tg 4:6). Deus se lembra de
135 mil homens (Jz 8:10), mas Deus lhe que somos apenas pó (SI 103:14) e carne
deu trezentos. (SI 78:39).
Juizes 7:14 deixa claro que os midianitas Deus estimulou a fé de Gideão de duas
conheciam Gideão e, sem dúvida, estavam maneiras.
observando todos os seus m ovim entos. Por meio de mais uma promessa (v. 9).
Muitas vezes me pergunto o que os espias O Senhor disse a Gideão pela quarta vez
inimigos pensaram quando viram o exército que havia entregue o exército midianita em
israelita aparentemente se desfazer. Isso dei­ suas mãos. (Observar o tempo verbal; ver
xou os midianitas ainda mais confiantes e, também Js 6:2.) Ainda que precisassem lu­
portanto, descuidados? O u será que seus tar na batalha, os israelitas já haviam venci
líderes ficaram ainda mais alertas, imaginan­ do! O s trezentos homens poderiam atacai
do se Gideão estava armando uma estraté­ o exército inimigo certos de que Israel serie
gia complicada para pegá-los? vitorioso.
Em sua graça, Deus deu a Gideão mais Algumas pessoas pensam que a fé co­
uma promessa de vitória: rajosa e confiante é um tipo de arrogância
JUÍZES 7 121

^•eiosa, mas na verdade é justamente o A melhor maneira de obter a orientação


«nntrario. de Deus é pela sua Palavra, pela oração e
O s cristãos que crêem nas promessas de pela sensibilidade ao Espírito, enquanto ob­
Deus e que o vêem fazer grandes coisas são servamos as circunstâncias.
w íiduzid os à humildade por saberem que Uma vez que a cevada era um cereal
• Deus do universo cuida deles e está a seu usado principalmente pelos pobres, a ima­
bdo. Não tomam para si mérito algum por gem do pão de cevada com relação a
■ a fé nem a honra por suas vitórias. Toda a Gideão e seu exército referia-se a sua condi­
glória vai para Deus, pois foi ele quem fez ção fraca e humilde. Trata-se de um pão seco
u a o ! É o filho incrédulo de Deus que entris- e duro que podia girar feito uma roda - uma
fcce o Senhor e o faz mentiroso (1 Jo 5:10). comparação nada elogiosa! O homem que
A esperança e o amor são virtudes cristãs interpretou o sonho não fazia idéia que es­
«oortantes, mas o Espírito Santo dedicou tava proferindo a verdade de Deus e enco­
■ n capítulo inteiro do Novo Testamento - rajando o servo do Senhor. Gideão não se
Hebreus 11 - às vitórias conquistadas pela importou de ser comparado com um pão
fe Dor pessoas comuns que ousaram acredi- seco, pois soube com certeza que Israel
B r em Deus e agir em função de suas pro­ derrotaria os midianitas e livraria a terra da
cessas. Pode soar como um chavão para servidão.
»guns, mas o velho ditado é verdadeiro: "Se É relevante o fato de Gideão ter se deti­
Deus diz, eu creio e ponto final!" do para adorar ao Senhor antes de fazer
Através de mais um sinal (vv. 10-14). qualquer coisa. Estava tão sobrepujado pela
G*òeão e seu servo precisaram de coragem bondade e m isericórdia de Deus que se
p*a'a entrar no território inimigo e aproximar- curvou com o rosto em terra em sinal de
k do acampamento midianita o suficiente submissão e de gratidão. Josué fez a mesma
►ara ouvir a conversa dos dois soldados. coisa antes de tomar a cidade de Jericó (Js
Deus havia dado um sonho a um dos solda­ 5:1 3-1 5), e se trata de uma boa prática a ser
dos, e esse sonho informou Gideão de que seguida hoje. Antes de ser guerreiros vito­
Deus entregaria os midianitas em suas mãos. riosos, precisam os nos tornar adoradores
•D Senhor já havia comunicado esse fato a sinceros.
C»deão, mas dessa vez o comandante de
terael ouviu-o da boca do inimigo! 3 . D eus h o n r a n o s s a fé
No registro bíblico, é comum encontrar (Jz 7 : 1 5 b - 2 5 )
Deus comunicando sua verdade por meio "De fato, sem fé é impossível agradar a Deus,
•■e sonhos. Dentre os fiéis com os quais fa­ porquanto é necessário que aquele que se
lou em sonhos, podemos citar Jacó (Gn 28, aproxima de Deus creia que ele existe e que
31 , José (Gn 37), Salomão (1 Rs 3), Daniel se torna galardoador dos que o buscam" (Hb
D n 7) e José, marido de Maria (Mt 1:20, 11:6). Ter fé significa mais do que simples­
21- 2:13-22). Mas Deus também usou dessa mente confiar em Deus; também significa
sorma para comunicar-se com incrédulos, buscar a Deus e querer agradá-lo. Não cre­
•ciwno Abimeleque (Gn 20), Nabucodonosor mos em Deus apenas para conseguir que
| > i 1, 4), os companheiros de prisão de José ele faça alguma coisa por nós. Cremos nele
,Gn 40), o Faraó (Gn 41 )e a mulher de Pilatos porque o coração do Senhor se alegra quan­
>Mt 27:19). No entanto, não devemos con- do seus filhos confiam nele, buscam sua pre­
du<r por esses exemplos que esse é o méto- sença e o agradam.
4o normal de comunicação do Senhor com De que maneira Deus recompensou a
k oessoas ou que devemos buscar a orien- fé de Gideão?
■»cão divina em nossos sonhos hoje em dia. Deus lhe deu sabedoria para preparar
•Os sonhos podem ser enganosos (Jr 23:32; o exército (7:15b-18). Quando Gideão e seu
2c 10:2) e, sem a instrução divina, não te- servo voltaram para o acampamento israelita,
^ o s como saber a interpretação correta. Gideão era um novo homem. Seus medos e
122 JUÍZES 7

dúvidas se dissiparam, enquanto eie mobi­ como Simão e fazer dele uma rocha! Deus
lizava s e u pequeno exército e enchia de pode pegar um homem cheio de dúvidas
coragem o coração dos soldados com suas como Gideão e fazer dele um general!
palavras e ações. " O S e n h o r entregou o Deus lhe deu coragem para comandar
arraial dos m idianitas nas vossas mãos", o exército (vv. 19-22). Gideão conduziu seu
anunciou aos homens (Jz 7:1 5). Com o Vance pequeno exército da fonte de Harode ("es­
Havner disse, a fé vê o invisível (vitória numa tremecimento") para o vale de Jezreel, onde
batalha que ainda não havia ocorrido) e faz todos se colocaram a postos ao redor do
o impossível (vence a batalha com poucos acampamento. Quando Gideão deu o sinal,
homens e com armas incomuns). todos tocaram os chofares, quebraram os
O plano de Gideão era simples porém cântaros e bradaram: "Espada pelo S e n h o r e
eficaz. Deu a cada um de seus homens uma por Gideão!" Vendo-se cercados pela luz re­
trombeta para tocar, um cântaro para que­ pentina e por todo aquele barulho, os
brar e uma tocha para acender. O s israelitas midianitas concluíram que estavam sendo
iriam rodear o acampamento inimigo com atacados por um exército enorme e, portan­
as tochas dentro dos cântaros e segurando to, entraram em pânico. O Senhor interveio
as trombetas. Essas trombetas eram, na ver­ e colocou um espírito de confusão no acam­
dade, chifres de carneiro (o shofar), como pamento, de modo que os midianitas co­
os que Josué usou em Jericó, e essa relação meçaram a matar uns aos outros. Então,
com aquela grande vitória talvez tenha aju­ perceberam que a coisa mais segura a fazer
dado a animar Gideão e seus homens ao era fugir. Assim, tomaram o caminho das
enfrentar a batalha. Quando Gideão desse caravanas para o sudeste e foram persegui­
o sinal, os homens tocariam as trombetas, dos pelo exército israelita.
quebrariam os cântaros, revelariam as to­ Deus lhe deu a oportunidade de aumen­
chas e gritariam: "Espada pelo S e n h o r e por tar seu exército (vv. 23-25). Era evidente que
Gideão!", e Deus faria o resto. trezentos homens não poderiam perseguir
G ideão era o exem plo que deveriam um exército de milhares de soldados inimi­
seguir. "Olhai para mim [...] fazei como eu gos, de modo que G ideão chamou mais
fizer [...] como fizer eu, assim fareis" (Jz 7:1 7). voluntários. Tenho certeza de que muitos dos
Gideão havia feito um bocado de progresso homens do primeiro exército de 32 mil res­
desde que Deus o havia encontrado escon­ ponderam ao chamado de Gideão; até mes­
dido no lagar! Não o ouvim os mais per­ mo a tribo orgulhosa de Efraim foi ajudá-lo.
guntando: "Se [...] por que [...] onde?" (Jz Esses homens tiveram a honra de capturar e
6:13). Não o vemos mais buscando um si­ matar Orebe ("corvo") e Zeebe ("lobo"), os
nal. Antes, deu as ordens a seus homens com dois príncipes de Midiã. A história de Gideão
segurança, sabendo que o Senhor lhes da­ com eça com um homem se escondendo
ria a vitória. num lagar (6:11), mas termina com o prínci­
Alguém disse bem que as Boas Novas pe inimigo sendo morto num lagar.
do evangelho são estas: não precisam os A grande vitória de G ideão sobre os
continuar do jeito que somos. Pela fé em midianitas tornou-se um marco na história
Jesus Cristo, qualquer um pode ser transfor­ de Israel, não muito diferente da Batalha de
mado. "E, assim, se alguém está em Cristo, é Waterloo para a Grã-Bretanha, pois lembrou
nova criatura; as coisas antigas já passaram; os israelitas do poder de Deus de livrá-los
eis que se fizeram novas" (2 Co 5:17). de seus inimigos. O dia de Midiã foi um gran­
Jesus disse ao irmão de André: "Tu és de dia do qual Israel jamais se esqueceria
Simão ["um ouvinte"...] tu serás chamado (SI 83:11; Is 9:4; 10:26).
Cefas ["uma pedra"]" (Jo 1:42). "Tu és - tu A Igreja de hoje também pode aprender
serás!" Por certo essas são boas novas para com esse acontecimento e ser encorajada
qualquer um que deseja recomeçar a vida. por ele. Deus não precisa de um grande nú­
Deus pode pegar um pedaço frágil de argila mero de pessoas para realizar seus propósitos,
JUÍZES 7 123

romo também não precisa de líderes com líderes dependem de seu currículo acadê­
.■atentos especiais. Gideão e seus trezentos mico, aptidões e experiência em vez de
•wnens colocaram-se a serviço do Senhor, Deus, então Deus os abandona e sai em
e ele os capacitou para que conquistassem busca de um Gideão.
• »“ imigo e trouxessem paz à terra de Israel, O importante é que estejamos à dispo­
'^-•ando a igreja com eça a depender da sição de Deus para ele nos usar como lhe
B_andiosidade" - grandes construções, aprover. Podemos não entender inteiramen­
p^andes multidões, grandes orçamentos -, te seus planos, mas devemos confiar intei­
a» ása a depositar sua fé no lugar errado, e ramente em suas promessas. E a fé que dá
□leus não pode dar sua bênção. Quando os a vitória.

M o rgan, G. Campbell. The Westminster Pulpit, vol. 4, p. 209.


Meu amigo, Dr. J. Vernon McCee, costumava perguntar: "Se estava com tanto medo, por que Gideão não voltou para casa?"
A coragem não consiste necessariamente na ausência de medo; trata-se de superar o medo, transtormando-o em poder. Certa
vez, perguntei a um jogador cristão de futebol americano como ele conseguia correr distâncias tão longas com a bola, ao que
ele me respondeu: "Corro assim porque fico com tanto medo que não paro de jeito nenhum!" Existe um medo que paralisa
e um medo que energiza, e o medo de Gideão era este último.
reis (vv. 4-12); Gideão disciplina os israeli­
6 tas rebeldes no caminho para casa (vv. 13-
1 7); o protesto dos efraimitas uma vez de
volta em casa (vv. 1-3); a execução dos reis
V en ç a a G u erra , P erca (vv. 18-21) e a "aposentadoria" de Gideão
a V itó ria (vv. 22-35). Cada um desses acontecimen­
tos apresentou um novo desafio para G i­
deão, e ele respondeu a cada um de maneira
J u ízes 8
diferente.

1. U m a r e s p o st a b r a n d a a s e u s
c r ít ic o s (Jz 8:1-3)
preciso ter cuidado ao viajar a negócios
E ou em férias. Pode acabar escolhendo
um lugar perigoso.
A presença desse parágrafo aqui é, de certo
modo, um mistério. É pouco provável que
os homens de Efraim tenham se queixado a
De acordo com um artigo de 25 de ju­ G id e ã o enqu anto estavam cap turando
nho de 1993 da revista Pulse, cinqüenta e Orebe e Zeebe (7:24, 25) e perseguindo
seis nações têm problemas sérios com mi­ Zeba e Salmuna (8:12). Lutar contra o inimi­
nas terrestres. Angola possui vinte milhões go consumia toda sua energia e atenção, e
de minas à espera de vítimas para mutilar a resposta de Gideão no versículo 3 indica
ou matar; o Afeganistão tem dez milhões e o que os homens de Efraim já haviam captura­
Camboja, quatro milhões e meio. O s custos do e morto Orebe e Zeebe. Talvez uma de­
para remover as minas são altos demais para legação da tribo tenha ajudado Gideão na
esses países bancarem. Pode ser que suas distribuição dos espólios quando o exército
guerras tenham terminado, mas os perigos voltou para casa e, nessa ocasião, apresen­
não desapareceram. tou sua queixa.
O pastor Andrew Bonar, um escocês Sabendo que eram uma tribo grande e
presbiteriano, não estava pensando especi­ importante, ficando atrás apenas de Judá,
ficamente em minas terrestres quando disse os efraim itas eram um povo orgulhoso.
essas palavras, mas ainda assim elas são um Gideão era de Manassés, o "irmão" tribal
bom conselho para todos nós: "Permaneça­ de Efraim,1 e os efraimitas ofenderam-se por
mos tão vigilantes depois da vitória quanto Gideão não os haver convocado para a ba­
antes da batalha". Gideão precisava desse talha. Mas por que uma tribo tão impor­
conselho depois de ter vencido os midiani- tante iria querer seguir um agricultor para
tas, pois seus problemas ainda não haviam o combate? Haviam ajudado Eúde (3:26-
terminado. Descobriu algumas "minas" pron­ 29), Débora e Baraque (5:13, 14), mas isso
tas a explodir. não era garantia alguma de que ajudariam
Até esta altura de nosso estudo sobre a Gideão.
vida de Gideão, vimos suas reações ao cha­ Ao refletir sobre o modo como o ataque
mado de Deus para derrotar o inimigo. A a Midiã foi realizado, vê-se que foi sábio da
princípio, Gideão estava cheio de pergun­ parte de Gideão não pedir voluntários de
tas e de dúvidas, mas depois cresceu em Efraim. Essa tribo orgulhosa teria se enfure­
sua fé, creu nas promessas de Deus e con­ cido se G ideão tivesse dito aos homens
duziu seu exército à vitória. Em Juízes 8, o am edrontados que deveriam voltar para
relato concentra-se nas respostas de Gideão casa, e seus voluntários não teriam tolerado
a várias pessoas depois de ter vencido a ba­ a redução do exército até chegar a apenas
talha e mostra como lidar com algumas situa­ trezentos soldados! Se Gideão os chamasse
ções difíceis. e, depois, mandasse a maior parte deles de
Ao que parece, a cronologia do capítu­ volta, teriam criado um problema ainda maior
lo 8 é a seguinte: Gideão persegue os dois antes da batalha do que fizeram depois.
JUÍZES 8 125

E^a'Ti dispôs-se a ajudar nas operações de Atente para o que Richard, pobre e im­
1:n-peza", e era isso o que importava. perfeito que seja, lhe diz:
\ o entanto, Efraim perdeu a chance de O que começa com ira, na vergonha
i f e r alguns despojos valiosos de mais de encontra um final infeliz.
cer- mil soldados, e talvez esse tenha sido o
* avo de sua exasperação. (Normalmente, E nas palavras do rei Salomão: "Com o o abrir-
•it_ando os outros criticam alguma coisa que se da represa, assim é o com eço da conten­
Micê fez, há um motivo pessoal por trás das da; desiste, pois, antes que haja rixas'' (Pv
c x a s , e talvez você nunca descubra o ver- 17:14).
M-deiro motivo da censura.) Visto que a lei
■—uísta de Davi para determinar a divisão 2. U m a a d v e r t ê n c ia se v e r a pa ra o s
áos despojos ainda não havia sido instituída c é t ic o s (Jz 8:4-17)
(1 Sm 30:21-25), aqueles que não participa- Gideão e seus homens estavam perseguin­
da batalha não recebiam uma parte dos do dois reis midianitas, Z eb a e Salmuna,
HDÓlios. O s homens de Efraim deveriam sabendo que, se os capturassem e matas­
tsfar agradecendo Gideão por haver liberta- sem, o poder do inimigo seria enfraquecido
■D a nação, mas em vez disso, estavam criti­ e, por fim, subjugado. O exército atraves­
cando e colocando fardos ainda maiores sou o rio Jordão e dirigiu-se a Sucote, em
a n re ele. Gade, na esperança de encontrar algum
Com o general vitorioso, herói nacional alimento, mas os homens de Sucote se re­
E o primeiro a ser escolhido pelo povo para cusaram a ajudar os irmãos. As duas e meia
w rei, Gideão poderia ter usado sua autori- tribos que ocupavam a terra a leste do Jordão
■ i d e e popularidade para colocar a tribo de não se sentiam tão próximas das outras tri­
l » a i m em seu devido lugar, mas escolheu bos quanto deveriam, e Gade não enviou
■~ia abordagem melhor. "A resposta bran- soldados para ajudar Débora e Baraque
= Jesvia o furor, mas a palavra dura suscita (5:17) nem Gideão. Enquanto outros arris­
i --a" (Pv 15:1). Talvez, de imediato, os sen- cavam a vida, o povo de Gade ficou de bra­
» —entos de Gideão não tenham sido tão ços cruzados.
ca-diais, mas ele se controlou e tratou seus O s parentes amonitas e moabitas dos
»— ãos com bondade. "Melhor é o longâni- israelitas por parte de Ló recusaram-se a aju­
-•c do que o herói da guerra, e o que domi- dar Israel dando alimentos, de modo que
o seu espírito, do que o que toma uma Deus declarou guerra contra eles (Dt 23:3-
c ia a d e " (Pv 16:32). Gideão provou que po­ 6). A hospitalidade é uma das leis funda­
d a controlar não apenas um exército, mas mentais do Oriente e, pelos costumes dessa
H .~ ib é m seu temperamento e sua língua. região, as pessoas devem suprir as necessi­
É triste quando os irmãos declaram guer­ dades tanto de desconhecidos quanto de
ra L.ns contra os outros depois de terem lu- parentes. A hospitalidade também era um
^»□o juntos para derrotar o inimigo. "Oh! ministério importante na Igreja Primitiva, pois
Cam o é bom e agradável viverem unidos os não havia hotéis onde os hóspedes pudes­
■-ã o s!" (SI 133:1). Não foi tão difícil para sem ficar e, em tempos de perseguição,
C dleão colocar de lado seu orgulho e eio- muitos visitantes eram fugitivos (ver Rm
c a r os homens de Efraim. O comandante 12:13; 1 Tm 5:10; Hb 13:2; 1 Pe 4:9). Na
he; disse que sua captura de Orebe e Zeebe verdade, ajudar um irmão faminto é uma
.•a-, ia sido um feito maior do que qualquer oportunidade de ajudar o Senhor Jesus (Mt
■r sa que os homens de sua cidade natal, 25:34-40).
■rr?zer, haviam realizado. A paz foi restau- O s homens de Sucote não acreditaram
r w a , e Gideão voltou-se novamente para as na capacidade de G ideão de derrotar o
Bretãs mais importantes que tinha a cumprir.- exército dos midianitas - que havia batido
üm seu almanaque [Poor Richard's Alma­ em retirada - e de capturar os dois reis. Se
nack} M734), Benjamin Franklin escreveu: Sucote ajudasse Gideão e ele fracassasse,
126 JUÍZES 8

a cidade sofreria retaliações dos midianitas. 3. U m a p e r g u n t a s é r ia a s e u s in i m i g o s


O s homens de Sucote não pensaram que (Jz 8:18-21)
alimentar um irmão faminto era uma opor­ Quando Gideão voltou para sua casa em
tunidade de mostrar amor, mas sim um ris­ Ofra, levando cativos Zeba e Salmuna, deve
co que não desejavam correr, sendo até um ter sido um desfile e tanto. Gideão era um
tanto imprudentes em sua forma de falar com verdadeiro herói. Com apenas trezentos
Gideão. Uma vez que Gideão havia recebi­ homens, havia marchado sobre o acampa­
do a mesma reposta dos homens de Peniel mento inimigo e perseguido os soldados
(Penuel), advertiu as duas cidades de que fugidos atravessando o Jordão e rumando
voltaria para discipliná-las. para o Sul até Carcor. Havia trazido os pri­
Deus deu a Gideão e a seus soldados sioneiros reais de volta, além dos despojos
vitória sobre o exército fugitivo dos midiani­ que os homens haviam juntado ao longo do
tas e permitiu que capturassem os dois reis caminho.
inimigos. Em triunfo, o comandante voltou Gideão tinha contas pessoais a acertar
pelo mesmo caminho e cumpriu a promes­ com esses dois reis, pois haviam matado seus
sa que havia feito aos homens de Sucote e irmãos em Tabor. O texto não diz quando
Peniel. Providencialmente, encontrou um esse ato perverso ocorreu, mas deve ter sido
jovem que pôde lhe dar os nomes dos se­ durante um dos ataques anuais anteriores
tenta e sete líderes de Sucote que haviam se dos midianitas. Não há qualquer explicação
recusado a ajudá-lo e a seu exército. Mos­ sobre como os irmãos de Gideão acabaram
trou-lhes os dois reis que, de acordo com os envolvendo-se no conflito nem sobre o mo­
anciãos, Gideão jamais seria capaz de cap­ tivo de terem sido mortos, mas tudo indica
turar e, em seguida, os castigou, ao que pa­ que foi um ato absolutamente irracional.
rece com galhos de arbustos espinhosos.3 De acordo com a lei mosaica, a família
Em seguida, foi a Peniel, destruiu a torre da deveria vingar os crimes ao matar os homi­
cidade e matou os homens que se opuse­ cidas. Israel não possuía uma força policial,
ram a ele. e era esperado que cada família encontras­
Por que Gideão não usou de bondade se e castigasse os que haviam assassinado
com o povo de Sucote e Peniel, com o ha­ seus parentes, desde que se tratasse, verda­
via feito com os efraimitas. e simplesmente deiramente, de um caso de homicídio doloso
perdoou suas ofensas? Em primeiro lugar, (ver Nm 35:9-34). No caso de Zeba e de
porque suas ofensas foram diferentes. O or­ Salmuna, os culpados não eram apenas ho­
gulho de Efraim não era nada grave compa­ micidas, mas também inimigos de Israel.
rado com a rebelião de Sucote e Peniel. O s dois reis mostraram perspicácia em
Efraim estava protegendo seu orgulho tribal, sua reposta a Gideão, usando de lisonja ao
um pecado sem conseqüências muito seve­ compará-lo e a seus irmãos com príncipes.
ras. No caso de Sucote e de Peniel, porém, Alguém disse que a lisonja é algo delicioso
as cidades se rebelaram contra o líder es­ de se degustar, mas horrível de se engolir, e
colhido de Deus e, ao mesmo tempo, ajuda­ Gideão não engoliu a bajulação dos reis.
ram o inimigo. Seu pecado era a dureza de Com o poderia poupar dois homens perver­
coração para com os irmãos e a traição con­ sos que haviam tirado o alimento da boca
tra o D e u s'do céu. De que adiantava Gideão de mulheres e de crianças israelitas e assas­
e seus homens arriscarem a vida para liber­ sinado brutalmente homens de Israel?
tar Israel se havia traidores dentro da pró­ Naquele tempo, a forma de um solda­
pria nação? do morrer era importante para sua reputa­
É preciso que os líderes tenham discer­ ção. Abimeleque não queria morrer pelas
nimento a fim de tomar a decisão certa ao mãos de uma mulher (Jz 9:53, 54), e o rei
tratar com situações diferentes. Insultos pes­ Saul não desejava cair nas mãos dos filisteus
soais são uma coisa, mas rebelião contra o (1 Sm 31:1-6). Uma criança matar um rei se­
Senhor e seu povo é outra bem diferente. ria a maior humilhação imaginável, de modo
JUÍZES 8 127

ju e Cideão disse a seu filho, Jéter, ainda teológicos: não tomaria o lugar do Deus
a*^;o jovem, para executar os dois crimino- Jeová. Deveria estar mais do que claro para
K s Ao fazê-lo, Jéter não apenas estaria guar- todo israelita que o propiciatório no taber­
B n d o a lei da terra e humilhando os dois náculo era o trono de Deus, de onde ele
mas também trazendo honra para si. reinava no meio de seu povo. "Tu que estás
M o resto de sua vida, seria conhecido como entronizado acima dos querubins, mostra o
■ "íenino que havia executado Z e b a e teu esplendor" (S I 80:1). "Reina o S e n h o r ;
&s "iuna. tremam os povos. Ele está entronizado aci­
\ o entanto, o jovem Jéter não estava ma dos querubins; abale-se a terra" (S I 99:1).
Mecarado nem para a responsabilidade nem Instituir um trono rival seria o mesmo que
9ora a honra. Mesmo quando as pessoas são destronar o Senhor.5
Cocadas, executar a justiça não é tarefa sim- Moisés advertiu que, um dia, Israel iria
c -« e não deve ser colocada nas mãos de querer um rei como as outras nações e se
c w ç a s . Por causa de seu medo, Jéter vaci- esqueceria de que era uma nação sem igual,
kw diante da tarefa de vingar os tios, de diferente dos gentios (Dt 4:5-8; 14:2; 17:14-
■ o d o que os dois reis pediram a Gideão 20; Êx 19:4, 5).
• u r os executasse. As palavras de Gideão foram louváveis,
Parece haver certo sarcasmo nas pala- mas fica difícil entender o que ele fez em
•*as dos reis, que podem ser assim parafra- seguida. Depois de rejeitar o trono, passou
« a 'as: "Então, nos mate você mesmo, a viver como um rei! Juizes 8:29-32 descre­
C«deão. Vejamos se você é, de fato, um ho- ve o estilo de vida de um monarca e não o
Tem , ou se não passa de um menino". Zeba de um juiz ou o de um oficial militar refor­
m Salmuna não queriam que Jéter, o jovem mado. Gideão tornou-se um homem rico,
•■e »periente, os executasse, pois sabiam que em parte pelos despojos de guerra, em par­
■ e não o faria com muita competência e te pelos presentes que recebeu do povo;
lhes causaria uma morte bem mais do- teve muitas esposas e, pelo menos, uma
~>sa. O s reis suscitaram de propósito a ira concubina. Suas esposas lhe deram setenta
*e Cideão, sabendo que ele era hábil com filhos e sua concubina lhe deu um filho. Aliás,
• espada e que acabaria com eles num ins- G ideão chamou o filho da concubina de
Sríe ... e foi exatamente o que Gideão fez. Abimeleque, que significa "meu pai é um
rei" e, posteriormente, esse filho tentou fa­
J . Um a r e s p o st a e n ig m á t ic a pa ra o s zer jus a seu nome e tornar-se rei de Israel.
— i c o s (Jz 8:22-32) Além disso, tudo indica que Gideão tentou
A "arrativa concentra-se em dois pedidos: assumir funções sacerdotais, pois fez sua
wn deles do povo para Gideão e o outro de própria estola, a qual provavelmente ele con­
C«[teão para o povo. sultava em nome do povo.
O povo pede um rei (vv. 22, 23, 29-32). É inegável que esse soldado e juiz cora­
O deão se tornou tão benquisto que o povo joso merecia honras e recompensas, mas,
he pediu para instituir uma dinastia, algo ao que parece, seu "plano de aposentado­
■leiramente novo para a nação de Israel, ria" foi um tanto extravagante.
ie n a uma forma de recompensar Gideão Cideão pede ouro (vv. 24-28). O povo
peio que havia feito por eles. No entanto, estava ansioso por dividir seus despojos com
o n b é m seria, de certo modo, uma garantia Gideão. Afinal, ele havia trazido paz à terra
K união entre as tribos, bem como um tipo (v. 28)6 e recusado tornar-se seu rei. Assim,
«e derança que poderia mobilizá-las con- era justo que recebesse algo em troca de
■a possíveis invasores no futuro. todo seu trabalho. O s midianitas usavam
O pedido foi uma confissão de incredu- jóias de ouro em forma de crescentes na
Zaje, pois, como lembrou Gideão, Deus orelha ou no nariz (Gn 24:47), e os solda­
era seu rei.4 G ideão rejeitou a oferta ge- dos israelitas certamente se apropriaram logo
HB-osa com base em princípios puramente dessas peças valiosas quando juntaram os
128 JUÍZES 8

despojos. Gideão acabou recebendo mais a glória de Deus, usou-a para proveito pes­
de vinte quilos de ouro, além da riqueza que soal, e, por fim, a nação voltou a cair em
tomou de Z eb a e Salmuna. Não é de se pecado.
admirar que tenha conseguido viver como Com sua grande riqueza e reputação
um rei! nacional, é provável que Gideão tenha pen­
Foi assim que o homem de fé conduziu sado que os filhos estavam bem providos,
o povo à idolatria, pois Gideão fez uma es- mas foi justamente o contrário. Sessenta e
tola sacerdotal, e o povo "se prostituiu ali nove dos setenta filhos foram mortos por seu
após ela" (v. 27). Isso significa que deixaram meio-irmão, sendo que este foi executado
de dedicar sua devoção verdadeira ao Se­ por uma mulher, a qual jogou uma pedra
nhor e usaram a estola como ídolo. Nas Escri­ sobre sua cabeça. Fora da vontade de Deus
turas, a idolatria é considerada prostituição não há segurança alguma. Se Gideão tivesse
(is 50:1-3; 54:6-8; Jr 2:1-3; 3:1 ss; O s 2; Tg colocado em prática Mateus 6:33, os acon­
4:4; Ap 2:4). É possível que Gideão tenha tecimentos subseqüentes teriam sido intei­
confeccionado a estola como uma represen­ ramente diferentes.
tação de Jeová para "ajudar" o povo em sua O que causou o declínio espiritual de
adoração, mas um bom motivo não compen­ Gideão? Creio que foi o orgulho. Antes da
sa um ato ofensivo. Sabia que era errado batalha contra Midiã, Gideão demonstrou
fazer um ídolo (Êx 20:4-6). uma dependência humilde do Senhor. Du­
Não há como determinar se essa estola rante as operações de "lim peza", porém
era uma versão mais adornada da veste usa­ tornou-se autoritário e até mesmo vingativo.
da pelo sumo sacerdote (Êx 28:6) ou um tipo Quando recusou o reinado, pareceu piedo­
de estátua (ver Jz 1 7:5; 18:14,1 7), porém se so ("o S e n h o r v o s dominará"), mas suspeito
sabe que foi usada para a adoração e tor­ que tinha os próprios planos no coração. Não
nou-se um laço para Gideão e para o povo vem os G ideão honrando ao Senhor nem
(Sl 106:36). Talvez G ideão a usasse para conclamando o povo a renovar a aliança e a
determinar a vontade de Deus e para ajudar obedecer ao Senhor. Gideão começou como
o povo com seus problemas. Se a estola era, servo, mas tornou-se uma celebridade. O re­
de fato, uma réplica da veste do sumo sacer­ sultado disso foi o declínio dele, de sua famí­
dote, Gideão, sem dúvida alguma, estava fora lia e de sua nação.
da vontade de Deus ao confeccioná-la e usá- É interessante e instrutivo fazer um con­
la, pois não era sacerdote. Se era um ídolo traste entre Abraão e Gideão nas decisões
em forma de estátua, Gideão estava desobe­ de ambos depois de suas respectivas vitó­
decendo à lei de Deus (Êx 20:4-6) e também rias (Gn 14). Abraão não tomou coisa alguma
corrompendo o povo. Da adoração da esto­ para si, mas se certificou de que os outros
la, foi apenas um pequeno passo para que o recebessem sua parte dos despojos (Gn
povo começasse a adorar Baal (jz 8:33). 14:22-24). Recusou especialmente qualquer
Gideão perdeu uma grande oportunida­ coisa vinda do rei de Sodoma (Gn 14:17
de de realizar uma reforma e, talvez, até de 21-23). Em vez disso, Abraão teve comunhão
trazer um reavivamento sobre Israel. Havia com Melquisedeque, rei de Salém, um tipi
destruído os ídolos do pai, mas ainda exis­ do Senhor Jesus Cristo (Hb 7 - 8), e em tudo
tiam muitas casas em Israel que se dedicavam o que disse e fez, Abraão deu glória ao Se
a Baal, e esses ídolos também precisavam nhor dos céus e da terra.
ser destruídos. A grande vitória sobre Midiã Andrew Bonar estava certo: "Permane­
deu a Gideão bons motivos para chamar a çamos tão vigilantes depois da vitória quan­
nação de volta ao Senhor e à obediência à to antes da batalha". Afinal, pode ser que
lei. Porém, em vez de usar essa ocasião para ainda haja algumas minas espalhadas por aí!
JUÍZES 8 129

Manassés e Efraim eram filhos de José e netos de Jacó. Manassés era o primogênito, mas Jacó inverteu a ordem de nascimento
quando os abençoou (Gn 41:50-52; 48:1 ss). Na verdade, "adotou" os dois filhos de José no lugar de Rúben e de Simeão
(Gn 48:5; 49:4), o que deu a Efraim uma posição de proeminência em Israel.
Posteriormenle, o orgulho de Efraim criou problemas para Jefté (Jz 12:1-6), cuja abordagem não foi tão diplomática quanto a
de Gideão!
Alguns comentaristas acreditam que Gideão fez os homens se deitarem despidos no chão, cobriu-os com galhos espinhosos
e depois passou por cima deles com uma debulhadora até morrerem. Parece uma forma cruel de tratar os próprios irmãos, por
mais maltratados que ele e seus homens tenham sido por eles, mas o texto afirma claramente que Gideão matou os rebeldes
em Peniel que o haviam tratado da mesma forma. Devemos nos lembrar, porém, de que eram tempos cruéis, e "cada qual
fazia o que achava mais reto".
Ver Salmos 47; 68:24; 74:12; 89:18; 98:6; 145:1; Isaías 6:5; 33:22; 44:6. Em seu cântico de louvor depois de atravessar o
mar Vermelho no êxodo, os israelitas reconheceram a soberania de Jeová ao cantar: " O S e n h o r reinará por todo o sempre"
(Êx 15:18).
Lembre-se de que um dos temas-chave do Livro de Juizes é expresso na frase: "Naqueles dias, não havia rei em Israel" (Jz 17:6;
18.1; 19:1; 21:25). Ao que parece, o escritor desejava enfatizar a necessidade de um rei para corrigir a divisão política e a
decadência espiritual de sua nação. Posteriormente, o povo pediu a Samuel que ungisse um rei (1 Sm 8), e Deus lhe ordenou
que atendesse o pedido. Todas as advertências que Moisés e Samuel haviam dado ao povo sobre aquilo que os reis fariam
com eles se cumpriram, mas a natureza humana decaída preferiu líderes humanos visíveis ao Deus invisível e imortal, soberano
nos céus e na terra.
Essa é a última vez que o Livro de Juizes faz menção de um período de paz. Em sua maior parte, os outros juizes atuaram em
nível local e durante pouco tempo.
Abimeleque transgrediu várias leis de Deus
7 e, como resultado, causou a própria destrui­
ção e grandes dificuldades para o povo.2
Uma am bição egoísta (vv. 1, 2). O
V en h a o M eu R eino último dos dez mandamentos diz: "Não co­
biçarás" (Ex 20:1 7), mas quebrar esse man­
J u ízes 9 damento é o primeiro passo para quebrar
os outros nove. A ambição em si não é algo
pecam inoso, desde que seja com binada
com humildade sincera e controlada pela
vontade de Deus. Se é o vento de Deus
que o levanta e se você está se elevando

Q
uando o exército de George Washing­ em asas concedidas por ele, então voe tão
ton derrotou o general inglês Charles alto quanto o Senhor o levar. Mas se é você
Cornwallis em Yorktown, foi o começo do quem está criando tanto o vento quanto as
fim da Guerra Revolucionária. Vencer a guer­ asas, então está a caminho de uma queda
ra não acabou autom aticam ente com os monumental.
problemas enfrentados pelas colônias. Em "É impossível conformar-se em rastejar
termos financeiros, as coisas ficaram tão di­ quando se tem o desejo de voar", afirmou
fíceis que um dos coronéis de George Wa­ Helen Keller. Esse é um bom conselho, des­
shington escreveu uma carta sigilosa para de que o impulso de voar venha do Senhor.
Washington instando-o a usar o exército para A am bição egoísta co nduz à destruição.
declarar-se rei ou ditador. Para o coronel, Com as palavras "Eu subirei ao céu", um anjo
essa era a única maneira de controlar a situa­ transformou-se no diabo (Is 14:13), e a de­
ção da jovem nação. Washington rejeitou o claração: "É esta a grande Babilônia que eu
plano, mas com sua popularidade e poder, edifiquei" transformou um rei em um ani­
é provável que teria sido capaz de tornar-se mal (Dn 4:28-37). Deus tem várias formas
rei, se assim o desejasse. de nos humilhar, se nos exaltarm os (Mt
O caso de Abimeleque foi exatamente 23:12).
o oposto. Seu desejo de ser rei era tal que O s israelitas conheciam o povo de Si­
não permitiu coisa alguma em seu caminho, quém desde os tempos dos patriarcas (Gn
nem mesmo a vida de centenas de pessoas 12:6; 33:18-20, 34ss). Nos dias de Abime­
inocentes. Esse é o capítulo mais longo do leque, a população de Siquém era compos­
Livro de Juízes, e também um dos mais de­ ta de israelitas e de cananeus, o que explica
primentes.1 Registra três estágios da carreira por que ele começou sua campanha nessa
política de Abimeleque. cidade. Sua mãe era siquemita e seu pai,
israelita. Assim, se Abimeleque se tornasse
1. A POSSE DO r e in o (Jz 9:1-21) rei, poderia ser um representante de dois
Abimeleque era filho de Gideão com uma povos! Abimeleque possuía mais um ponto
mulher escrava que vivia com a família de favorável em sua plataforma política: os
seu pai em Siquém (Jz 8:30, 31; 9:18). Seu cananeus de Siquém não tinham compro­
nome significa "meu pai é um rei". Apesar misso algum com os filhos de Gideão, en­
de Gideão, sem dúvida, ter vivido como um quanto Abimeleque era, sem dúvida, alguém
rei, ainda assim se recusou a fundar uma com quem se identificavam. Além disso, qual
dinastia em Israel. Na opinião de Abim ele­ dos setenta filhos de Gideão deveria ser es­
que, porém, seu pai havia com etido um colhido rei e como seria feita a escolha? Ou
erro. Depois da morte de Gideão, Abim e­ será que todos os setenta tentariam gover­
leque decidiu que e/e deveria ser rei e, as­ nar juntos sobre a terra? Seguindo essa li­
sim, mudou-se de Ofra para Siquém, onde nha de raciocínio, Abimeleque conseguiu o
com eçou sua campanha. Nesse processo, apoio tanto de seus parentes quanto dos
JUIZES 9 131

' Dmens da cidade e, por fim, viu-se pronto esquecido tanto da benevolência de Deus
a entrar em ação. quanto da bondade de Gideão (Jz 8:33-35).
Idolatria (v. 4). O primeiro e o segundo Não tinham convicção suficiente para se
aos dez mandamentos dizem: "Não terás preocupar nem coragem suficiente para in­
outros deuses diante de mim" e "Não farás tervir. Não demora muito para a sociedade
aara ti imagem de escultura" (Êx 20:3, 4). transformar o herói de ontem no vilão de
-Dimeleque cometeu essas duas transgres­ hoje. O que o poeta irlandês William Butler
sões. Fica claro que ele era seu próprio deus Veats descreveu em seu famoso poema "A
e que não tinha interesse algum na vontade Segunda Vinda" era o que ocdrria em Israel:
üe Deus para a nação. O fato de aceitar di-
nreiro dos adoradores de Baal para financiar Quanto aos melhores, falta-lhes qualquer
sua campanha foi uma declaração pública convicção; quanto aos piores,
3e que havia renunciado o Deus de Israel e sobra-lhes a mais ardente violência.
estava do lado de Baal.
No entanto, além de adorar a própria "Ai daquele que edifica a cidade com san­
ambição e o deus Baal, Abim eleque pos- gue e a fundamenta com iniqüidade!" (Hc
s iia ainda, outro deus: a força. Com o di- 2:12). Apocalipse 21:8 e 22:15 deixa claro
«*reiro sujo do templo pagão, contratou um que o lugar reservado para os homicidas é
i'L.po de mercenários que o ajudaram a o inferno. É evidente que um homicida pode
la n te r o controle sobre o povo. Esses terro- clamar ao Senhor e ser salvo como qualquer
«5*as também colaboraram em sua conspi- outro pecador, mas não há evidência algu­
'ação perversa para assassinar seus setenta ma de que Abimeleque e seus homens te­
_ eios-irmãos e acabar com qualquer con­ nham se arrependido de seus pecados. Seus
corrente ao trono. pés eram "velozes para derramar sangue"
Platão, o filósofo grego, disse: "Quem (Rm 3:15; Is 59:7), e o sangue que derrama­
'•em força tem direito", e três séculos depois, ram acabou voltando-se contra eles.
«■ filósofo romano Sêneca escreveu: "Quem O homicídio é grave o suficiente, mas
lem força impõe seu direito".3 Dezessete quando um irmão mata outro, o pecado é
séculos mais tarde, o romancista francês ainda mais hediondo. Ao assassinar seus
*:seph Joubert escreveu: "Tudo o que há no meios-irmãos, Abim eleque juntou-se aos
- _ndo é governado pela força e pelo direito; muitos outros homens da Bíblia que come­
a -orça é exercida até que o direito esteja teram fratricídio, inclusive Caim (Gn 4),
C‘onto a governar". Porém, quando a força Absalão (2 Sm 13:23ss) e Jeorão (2 Cr 21:4)
está nas mãos de ditadores egoístas, rara- -grupo que não pode ser considerado exa­
«>erte o direito do povo tem a chance de se tamente simpático...
=esenvolver ou de assumir o governo. A for­ Desonestidade (v. 6). O terceiro man­
ca assume o controle e não abre mão dele, damento diz: "Não tomarás o nome do S e­
a menos que um poder maior a sobrepuje e n h o r , teu Deus, em vão" (Êx 20:7), e o nono

- aga a liberdade. O profeta Habacuque des­ mandamento nos proíbe de dar falso teste­
creveu assim as pessoas desse tipo: "fazem- munho (Êx 20:16). Abimeleque transgrediu
se culpados estes cujo poder é o seu deus" os dois mandamentos quando foi coroado
Hc 1:11). rei. Se, ao assumir o cargo, jurou pelo nome
Homicídio (v. 5). O sexto mandamento do Senhor, foi a mais pura blasfêmia, e se
- 'Não matarás" (Êx 20:13) - foi transgredi­ prometeu proteger o povo e obedecer à lei,
do inúmeras vezes por Abimeleque e seus também foi dissimulação (ver Dt 17:14-20).
■;e'cenários, a começar pelo massacre rea­ Não importa o que prometeu na coroação,
t a d o em Ofra dos sessenta e nove meios- pois Abimeleque visava apenas os próprios
- ãos de Gideão. Por que ninguém deteve planos e estava determinado a levá-los a cabo.
« s a matança nem defendeu a família de Com seu cinismo habitual, o jornalista
G-aeão? Porque o povo de Israel havia se Am brose Bierce definiu "política" com o
132 JUÍZES 9

"uma briga de interesses disfarçada de con­ encontradas apenas nos quatro Evangelhos,
trovérsia de princípios; a gestão dos assun­ mas nem uma coisa nem outra é verdade.
tos públicos visando o benefício particular". Além dessa "Parábola das Árvores", o Anti­
Sem dúvida, a história possui, em seus regis­ go Testamento também traz a "Parábola da
tros, os nomes de homens e de mulheres Cordeirinha", contada por Natã (2 Sm 12:1-
que colocaram o bem de seu país à frente 4), a parábola contada pela mulher de Tecoa
dos interesses de seus partidos políticos e (2 Sm 14:5-20), a "Parábola do Cardo" (2 Rs
deles próprios, mas no caso de Abimeleque, 14:8-14) e a "Parábola da Vinha" (Is 5:1-7).
a definição de Bierce aplica-se perfeitamente. As profecias de Jeremias e Ezequiel contêm
A "coroação" de Abim eleque foi uma tanto parábolas faladas quanto parábolas
farsa, um ritual sem nexo que jamais foi acei­ "dramatizadas" (Jr 13, 18 - 19, 27 - 28;
to nem abençoado por Deus. O novo "rei" Ezequiel 4 - 5, 16, 31 etc.).
não apenas blasfemou contra o Senhor por Jotão descreveu as árvores procurando
meio das promessas que fez, como também um rei.5 Abordaram a oliveira com seu óleo
profanou um lugar sagrado da história de valioso e a figueira com seus frutos doces
Israel. A coração foi realizada "junto ao car­ bem como a vinha com seus cachos de fru­
valho memorial que está perto de Siquém" tas das quais se podia fazer o vinho, mas
(Jz 9:6). É provável que essa árvore seja o todas recusaram a honra. Cada uma delas
"carvalho de Moré", onde o Senhor apare­ precisaria fazer algum sacrifício a fim de rei­
ceu a Abraão e prometeu dar a terra ao pa­ nar e não estavam preparadas para isso.
triarca e a seus descendentes (Cn 12:6). Foi Tudo o que restou foi um espinheiro, ar­
próximo a esse local que a nação de Israel busto cheio de espinhos e considerado uma
ouviu a leitura, no texto da lei, das bênçãos praga na terra e que servia apenas de lenha.
e maldições da aliança e prometeu obede­ E evidente que o espinheiro simbolizava o
cer ao Senhor (Dt 11:26-32; Js 8:30-35). Jacó novo rei, Abimeleque. Sem dúvida, a idéia
enterrou seus ídolos junto a esse carvalho e de o espinheiro convidar as outras árvores a
conduziu a família de volta a Deus (Cn 35:1- confiarem em sua sombra é, no mínimo,
5). Também foi nesse local que Josué fez cômica! No verão, era comum haver incên­
seu último discurso e dirigiu o povo numa dios no meio dos espinheiros, e quando esse
reafirmação de sua obediência ao Senhor fogo se espalhava, ameaçava as outras árvo­
(Js 24:25, 26). Toda essa história sagrada foi res (ver o uso que Davi faz dessa imagem
aviltada e desonrada pelos atos egoístas de em 2 Sm 23:6, 7; ver também Is 9:18, 19).
um homem ímpio. O argumento de Jotão era claro: Abime­
Orgulho (Vv. 7-21). O único irmão a es­ leque, o "rei-espinheiro", não seria capaz de
capar do massacre foi Jotão (v. 5).4 É pos­ proteger seu povo, mas faria com que o jul­
sível que as com em orações da coroação gamento viesse sobre a nação e destruiria
ainda estivessem em andamento quando os que confiavam nele. O s hom ens de
Jotão interrompeu com sua parábola profe­ Siquém deveriam envergonhar-se da manei­
rida do monte Gerizim, próximo a Siquém e ra como haviam rejeitado a casa de Gideão
ao carvalho de Moré. As bênçãos da alian­ e honrado um oportunista desprezível como
ça deviam, ser lidas do monte Gerizim fDt Abimeleque. Mais cedo ou mais tarde, o
27:12, 28), mas a história de Jotão era tudo novo rei e seus seguidores acabariam se
menos uma bênção. Vale a pena observar destruindo.
que a tribo de José (Efraim e Manasses) de­ Abimeleque considerava-se uma árvore
veria ficar no monte da bênção, mas Abime­ majestosa de grande valor, mas Jotão decla­
leque certamente não havia trazido bênção rou que ele não passava de uma erva dani­
alguma a Manassés, a tribo de Gideão. nha imprestável, um golpe e tanto contra o
Essa é primeira parábola registrada nas Es­ orgulho do novo rei! Quando escolheram
crituras. Muitos acreditam que foi Jesus quem Abimeleque para ser seu rei, os homens de
inventou as parábolas e que elas podem ser Siquém não obtiveram azeite de oliva, que
JUÍZES 9 133

i-de ser usado para tantas coisas, nem fi­ tarifas que costumavam incidir sobre suas
as saborosos ou vinho que alegra o cora- caravanas em Siquém. Mais séria, porém, foi
só o que conseguiram foi um monte a not'cia que se espalhou: o novo rei não
e i soinhos, que serviam apenas para ser conseguia controlar seu povo nem proteger
■L-e.mados. o comércio da região.
\ d verdade, era de Deus que Abime- E nesse cenário instave' que entra um
saue estava tentando usurpar o reino (Jz recém -chegado cham ado G aal, filho de
>13), e o Senhor permitiu que ele fosse re- Ebede, um homem com faro apurado para
ímente bem-sucedido. Mas Deus ainda boas oportunidades. Em pouco tempo, con­
s a . a assentado no trono e providenciaria quistou a confiança dos homens de Siquem,
a v que os propósitos humanos egoístas já descontentes com seu rei, e quando uma
-■ ~s^m frustrados. multidão se reuniu para comemorar a festa
É perigoso considerar-se maior do que o da colheita, Gaal criticou publicamente a
»nveniente (Rm 12:3). Todos precisamos administração de Abimeleque. Lem brou o
ítsco brir os dons que Deus nos deu e usá- povo de que o pai de seu rei era israelita,
cs no lugar onde ele nos colocar. Cada um enquanto eles eram filhos de Hamor e não
■os membros do corpo de Cristo é impor- de Jacó (Gn 34). Aquilo que Abimeleque
T-?e (1 Co 12:12-31), e precisamos todos considerava o ponto mais forte de sua plata­
•ji"S dos outros, como também necessitamos forma política (v. 9) acabou sendo seu espi­
- nistrar uns aos outros. Não precisamos nos nho na carne.
ii mover, uma vez que, no serviço do Se- Sua abordagem, no versículo 29, mos­
■hor, não há competição (Jo 4:34-38; 1 Co trou-se bastante eficaz. Gaal estava vivendo
3:5-9). O importante é que Deus receba a em Siquém, enquanto Abimeleque vivia em
por.a. Arumá. O povo podia contar seus proble­
mas a Gaal, e ele podia lhes dar o auxílio de
2. A d e fe sa d o r e in o (Jz 9:22-29) que precisavam, mas como iriam a Arumá
Depois de três anos de relativo sucesso, para pedir ajuda? Anos depois, Absalão usou
» ■neleque viu-se em dificuldades. Uma essa mesma abordagem para obter a simpa­
a s d é conseguir um trono, outra bem dife- tia dos israelitas (2 Sm 15:1-6). Gaal encer­
«nte e defendê-lo e mantê-lo. O s cidadãos rou seu discurso na festa declarando: "e eu
4e Siquém que haviam ajudado a coroá-lo e expulsaria Abimeleque e lhe diria: Multipli­
»rm intruso cham ado Gaal com eçaram a ca o teu exército e sai" (Jz 9:29), um verda­
i sar problemas ao novo rei. Tudo isso veio deiro desafio ao rei.
ienhor, prestes a castigar Abimeleque e Mais que depressa, Zebul, o represen­
as homens de Siquém pela matança dos fi­ tante de Abimeleque em Siquém, levou as
tos de Gideão. "Ainda que as moendas de informações sobre Gaal ao rei. Não apenas
3eus trabalhem devagar, trituram completa- transmitiu ao rei o teor do discurso como tam­
-tente" (Longfellow, Retribution). bém ofereceu uma estratégia para tratar des­
Primeiro dia - a jactância de Gaal (vv. se intruso presunçoso. Zebul trabalharia para
25-33). O Senhor criou tamanha discórdia o rei dentro de Siquém, enquanto este reu­
c *re o rei e seus seguidores que os sique- niria suas tropas do lado de fora da cidade.
-'ta s começaram a trabalhar contra o rei. Segundo dia - a derrota de Gaal (vv.
-i asaram a assaltar as caravanas que usa- 34-41). Apesar de não ter a fé nem as ar­
-at as rotas comerciais próximas à cidade, mas que Gideão e seus homens usaram,
— neleque estava morando em Arumá (v. Abimeleque empregou algumas das estra­
e os assaltos levavam embora não ape­ tégias de seu pai (v. 34). O relato dá a im­
nas seu dinheiro, mas também sua repu­ pressão de que Zebul convenceu Gaal de
x ã o . O s com erciantes ficavam sabendo que era seu amigo, pois Gaal acreditou na
perigo, tomavam outro caminho e, com mentira de Zebul. Enquanto os dois homens
iso nao precisavam pagar a Abimeleque as se encontravam na porta da cidade logo
134 JUÍZES 9

cedo, Abimeleque preparava a armadilha, e seguros numa construção dedicada a um de


Zebul estava prestes a jogar a isca. seus deuses, na esperança de que Abimele­
Quando ficou claro que um exército es­ que respeitaria o lugar sagrado e de que os
tava atacando Siquém, Gaal teve de tomar deixaria em paz. Abimeleque, porém, trans­
uma providência. Se fosse hoje, Gaal prova­ formou o templo numa fornalha e matou
velmente teria dito: "O u vai ou racha". Caso todos os que se encontravam lá dentro.
se escondesse na cidade, perderia seus se­
guidores e cairia em desgraça, sendo apa­ 3. A PERDA DO r e in o (Jz 9:50-57)
nhado e executado. Se tentasse fugir, os Para Deus, o derramamento de sangue ino­
homens de Abim eleque o perseguiriam e cente é algo muito sério e, no tempo certo,
matariam. Só lhe restava reunir seus segui­ ele executa sua vingança (Dt 19:10, 13; 21:9;
dores e sair para enfrentar Abimeleque. Seu 1 Rs 2:31; Pv 6:1 7; Is 59:7; Jr 7:6; 22:3, 1 7;
exército foi derrotado, e seus soldados aca­ Jl 3:19). O número de homicídios nos Esta­
baram expulsos da cidade. dos Unidos alcançou o recorde de 23.438
Terceiro dia - o castigo de Siquém (vv. em 1 990, uma média de três pessoas assas­
42-49). Abimeleque ainda tinha mais con­ sinadas por hora ao longo de um ano. Acres­
tas a acertar, agora com os cidadãos de centando a essa estatística os milhares de
Siquém que o haviam amaldiçoado (v. 27) e bebês inocentes mortos no ventre das mães,
que atacavam as caravanas, roubando o di­ não é difícil ver como a "terra de um povo
nheiro do rei e acabando com sua reputa­ livre" está manchada de sangue inocente e,
ção. Na manhã seguinte, quando o povo de um dia, pagará por isso.
Siquém saiu da cidade para trabalhar nos Abimeleque pagou por toda essa matan­
campos, Abimeleque armou uma embosca­ ça quando estava tentando proteger seu tro­
da, bloqueou a porta da cidade e extermi­ no. Ao que parece, o povo de Tebes, uma
nou os habitantes presos lá dentro. Assim, o cidade a cerca de dezesseis quilômetros de
Senho r vingo u o sangue dos filh o s de Siquém, havia se juntado à rebelião contra
Gideão. De fato, "[saiu] do espinheiro fogo Abimeleque, de modo que ele foi até essa
que [consumiu] os cedros do Líbano" (v. 1 5). cidade com seu exército e também castigou
A expressão "cedros do Líbano" representa seus habitantes. Assim como o povo de Bete-
os líderes da cidade que haviam apoiado o Milo, os moradores de Tebes fugiram para
governo de Abimeleque (v. 20). sua torre, e Abimeleque tentou usar o mes­
A fim de se certificar de que a cidade mo método de ataque que havia funciona­
não voltaria a rebelar-se contra ele, Abime­ do em Siquém.
leque destruiu Siquém e semeou sal sobre No entanto, cometeu o erro de aproxi­
ela. Jogar sal sobre uma cidade conquistada mar-se demais da torre, e uma mulher jogou
era um gesto simbólico que condenava o lá do alto uma pedra superior de moinho na
local à desolação, de modo que ninguém cabeça do rei e o matou. A desgraça de
mais iria querer morar lá. "Dai asas a Moabe Abimeleque foi tripla: (1) Ele foi morto fora
[semeai sal sobre Moabe], porque, voando, de combate; (2) foi morto por uma mulher,
sairá [será desolada]; as suas cidades se tor­ o que para um soldado era grande desonra;
narão em ruínas, e ninguém morará nelas" e (3) foi morto com uma pedra de moinho e
(Jr 48:9; e ver Jr' 1 7:6). não com uma espada. O fato de seu es­
E possível que a "Torre de Siquém" fosse cudeiro ter dado o golpe de misericórdia
a "Bete-Milo" [casa de Milo] citada em Juizes com uma espada não muda coisa alguma.
9:6. Era o lugar onde viviam os aristocratas Séculos depois, a morte vergonhosa de
de Siquém, apesar de não sabermos sua loca­ Abimeleque ainda era lembrada como ten­
lização exata em relação à cidade principal. do sido infligida por uma mulher (2 Sm
O povo fugiu de Bete-Milo para o templo de 1 1 :2 1 ).
El-Berite ("deus da aliança"; Baal-Berite, v. 4 Abimeleque perdeu o reino e a vida. A
e ver 8:33). Ao que parece, sentiram-se mais m aldição proferida por seu meio-irmão.
JUÍZES 9 135

□tão, cum priu-se tanto em Abim eleque justo serão condenados" (SI 34:21). "O Justo
'3uanto no povo de Siquém (Jz 9:20). "O in- considera a casa dos perversos e os arrasta
iortúnio matará o ímpio, e os que odeiam o para o mal" (Pv 21:12).

Se você se sente incomodado pela matança terrível registrada neste capítulo, lembre-se de que ditadores como Idi Amim,
Joseph Stalin e Adolph Hitler fizeram coisas muito piores. Norman Cousins calculou que, para cada palavra do livro Mein
Kampf [Minha Luta] de Hitler, morreram 1 25 pessoas na Segunda Guerra Mundial.
Não devemos pensar que Abimeleque reinou com soberania absoluta sobre a nação toda. No tempo'dos juizes não havia
esse tipo de solidariedade nacional. A situação era mais parecida com o período da história dos Estados Unidos depois da
Revolução, quando as colônias funcionavam sob os Artigos da Confederação. Abimeleque controlava Siquém e Bete-Milo
!“casa de Milo; Jz 9:6), Arumá {v. 41), e Tebes (v. 50), o que indica que governava diretamente sobre a parte ocidental de
Manassés. Juizes 9:22 afirma que Abimeleque "[dominou] três anos sobre Israel", dando a entender que ele reinou durante
esse tempo e que toda Israel se sujeitou a ele. Porém, "reinar" é um termo forte demais, sendo preferível usarmos o verbo
“governar". "Todo Israel" (pelo menos todos os que sabiam o que havia acontecido) teve de reconhecer Abimeleque como
seu governante, mas é de se duvidar que sua influência tenha alcançado todas as tribos.
Devemos fazer justiça a Platão e a Sêneca e dizer que não estavam defendendo a brutalidade política, na qual os fins
justificam os meios, mas sim discutindo como fazer justiça na sociedade. As declarações: "Quem tem força tem direito"
e "Quem tem força impõe seu direito" só são válidas quando há interesse genuíno em defender corretamente os direitos
de todos.
Em duas ocasiões, o texto diz que Abimeleque matou setenta homens {Jz 9:18,56), mas se Jotão escapou, somente sessenta
e nove foram mortos. Porém, não se trata de um erro, assim como o fato de João 20:24 e 1 Coríntios 15:5, chamarem o grupo
de discípulos de "os doze" quando havia somente onze apóstolos é apenas uma força de expressão.
Tanto Ezequiel 31 quanto Daniel 4 usam árvores para representar lideres ou nações.
ao Senhor e à nação. Tola era da tribo de
8 Issacar e Jair das tribos da Transjordânia, de
uma região conhecida como Gileade.
Se Jair teve trinta filhos, devia ter várias
U m D esprezad o Q ue mulheres e muita riqueza. Naquele tempo,
se D estaco u somente as pessoas mais abastadas tinham
condições de dar um jumento a cada um
J u íz e s 10-12 dos filhos (Jz 5:10; 12:9,14). Além disso, cada
filho governava uma cidade. Mesmo que, a
nosso ver, essa forma de organização não
passe de nepotismo, pelo menos ajudou a
manter a paz.
vida e a literatura encontram-se reple­ No entanto, o povo de Israel não apro­
A tas de "contos de Cinderela", histórias
de pessoas rejeitadas que acabaram "des­
veitou esses anos de paz para desenvolver
seu relacionamento com o Senhor. Depois
cobertas" e elevadas a posições de honra e da mor te de Jair, a nação entregou-se aber­
de autoridade. Horatio Alger escreveu mais tamente à idolatria e, mais uma vez, atraiu
de cem romances para meninos girando em sobre si a disciplina do Senhor. Desfrutaram
torno do tema "da pobreza à riqueza" e tor­ quarenta e cin co anos de paz e de prosperi­
nou-se um dos escritores norte-americanos dade, mas não pararam para agradecer ao
mais influentes da segunda metade do sé­ Senhor p o r aquilo que havia feito p o r eles. A
culo xix. Seja a trajetória de Abraham Lincoln essência da idolatria é desfrutar as dádivas
"de uma choupana à Casa Branca", seja a de Deus sem ser grato ao Doador, exata­
de José da prisão ao trono do Egito, a histó­ mente o que Israel fez.
ria do pobre infeliz que alcança sucesso sem­ Um de meus tios-avôs era pastor e, de
pre agradou o povo. Gostam os de ver os tempos em tempos, jantava em nossa casa
vencidos se transformando em vencedores. no domingo quando pregava na igreja que
O relato sobre Jefté, o personagem prin­ freqüentávamos. Q uando eu era menino,
cipal destes capítulos, é uma história desse ficava impressionado com ele, especialmen­
tipo, com a diferença de que, no final, o he­ te pela maneira como orava depois da re­
rói não vive "feliz para sempre". Depois da feição. Orar antes da refeição era lógico e
grande vitória de Jefté sobre os amonitas e bíblico, mas por que orar depois de haver
filisteus, a última coisa que sentiu foi felici­ terminado o café e a sobremesa? Então, des­
dade, e a narrativa encerra com um tom cobri Deuteronômio 8:10: "Comerás, e te
trágico. Pode-se dividir essa história em fartarás, e louvarás o S e n h o r , teu Deus, pela
quatro cenas. boa terra que te deu". Meu tio Simon levava
essa admoestação a sério e, talvez, devamos
1. U m a n a ç ã o em d e c a d ê n c i a seguir seu exemplo. Se o fizermos, é possí­
(Jz 10:1-18) vel que nos ajude a não ignorar o Senhor,
Israel apresentava três deficiências que dei­ enquanto desfrutam os suas bênçãos. As
xavam clar-o como a nação encontrava-se em ações de graças glorificam a Deus (SI 69:30
declínio espiritual. e são uma defesa eficaz contra o egoísmo e
A falta de gratidão de Israel para com o a idolatria.
Senhor (vv. 1-5). D urante quarenta e cinco A falta de submissão de Israel para com
anos, o povo de Israel desfrutou paz e segu­ o Senhor (vv. 6-16). Se ao menos o povo
rança, graças à liderança de Lola e de Jair. tivesse feito uma retrospectiva da própria
Sabemos pouco sobre esses dois juízes, mas história e aprendido com ela, jamais teria
o fato de terem mantido os inimigos de Is­ deixado o Deus Jeová a fim de adorar os
rael afastados por quase meio século indica falsos deuses de seus vizinhos. Desde o tem­
que eram homens fiéis, que serviram bem po de Otniel até o de Gideão, os judeus
JUÍZES 1 0 - 1 2 137

sn.iam passado por mais de cinqüenta anos um mensageiro, que os repreendeu por não
■r sofrimento sob a opressão do inimigo. A darem o devido valor ao que Deus havia feito
essa altura, deveriam saber que Deus os por eles no passado. Então, Deus anunciou
■sençoava quando eram obedientes e que que não os ajudaria mais. Eles que pedis­
» disciplinava quando eram rebeldes (ver sem socorro a seus novos deuses! (ver Dt
l.~ 12; 4:1; 6:1). Não eram esses, afinal, os 32:36-38).
• ^n os da aliança que Deus havia feito com Uma coisa era o povo abandonar a Deus,
■srael, uma a lia n ça que a nação havia mas outra bem diferente era Deus abando­
deitado ao entrar na terra? (Js 8:30-35). nar seu povo. O m aior julgamento que Deus
Quando Deus nos disciplina em amor e p o d e enviar sobre o povo é não interferir e
-i--em os em decorrência de nossos peca- deixar que as coisas aconteçam com o as pes­
■ DSr é fácil clamar por livramento e fazer as soas querem . "Deus entregou [...] os entre­
—ais variadas promessas. Porém, quando nos gou Deus [...] o próprio Deus os entregou"
■i-.contramos numa situação confortável, (Rm 1:24, 26, 28). O castigo foi duro, e os
3rtrutando as bênçãos divinas, nossa ten- israelitas se arrependeram, se livraram de
lin c ia é nos esquecermos de Deus e supor seus deuses e disseram a Deus que poderia
Que podemos pecar e sair incólumes. Uma fazer a Israel como bem lhe aprouvesse (Jz
confortável muitas vezes p ro d u z um ca- 10:15, 16).
-ater fraco. Nas palavras de Henry Ward A esperança do povo não se encontrava
leecher: "O objetivo final da vida não é ter em seu arrependimento nem na oração, mas
■■»cidade, mas sim ter caráter". No entanto, no caráter de Deus. "Então, já não pôde ele
: caráter é construído quando tomamos as reter a sua compaixão por causa da desgra­
secisões certas na vida, e essas decisões são ça de Israel" (v. 16). "Em toda a angústia
k as com base naquilo que mais valoriza- deles, foi ele angustiado" (Is 63:9). "Mas, pela
—os. Uma vez que Israel não valorizava as tua grande misericórdia, não acabaste com
- sas de Deus, acabou destruindo o pró- eles nem os desamparaste; porque tu és
urio caráter nacional. Deus clemente e misericordioso" (Ne 9:31).
O Senhor havia dado a Israel vitória so- "Ele, porém, que é misericordioso, perdoa a
► e sete nações (Jz 10:11, 12), mas Israel iniqüidade e não destrói; antes, muitas ve­
K o rava sete deuses pagãos diferentes (v. 6). zes desvia a sua ira e não dá largas a toda a
Nào é de se admirar que se tenha acendido sua indignação" (SI 78:38).
*» ira do S e n h o r contra Israel" (v. 7). Quanta A falta de liderança adequada em Is­
rsensatez adorar o deus dos inimigos der- rael (vv. 17, 18). O povo estava preparado
-ctados! Novamente, Israel teve de ser disci- para agir, mas não havia, em todas as tribos
Bi iad o, e, dessa vez, Deus usou os filisteus de Israel, alguém que tomasse a frente. Seja
e os amonitas como instrumentos de disci- numa nação, seja numa igreja local, a ausên­
cl:na. Com o descendentes de Ló, sobrinho cia de líderes qualificados é, com freqüência,
se Abraão, os amonitas eram parentes dis­ um julgamento de Deus e uma evidência
tantes dos israelitas (Cn 19:38). O s líderes do estado precário da vida espiritual de seu
ae Amom e da Filístia devem ter se alegrado povo. Quando o Espírito está atuando no
—íensamente ao subjugar e oprimir Israel, meio daqueles que crêem em Deus, ele os
-ua nação inimiga de longa data. Seus exér- prepara e chama servos para fazer sua von­
:os invadiram a região de Gileade, do lado tade e abençoar seu povo (At 13:1-4).
este do rio Jordão, e depois atravessaram o Em seu livro Profiles in Courage, John F.
•-•o e atacaram Judá, Efraim e Benjamim. Foi Kennedy escreveu: "Nós, o povo, somos os
_ma derrota devastadora e humilhante. chefes e receberemos o tipo de liderança
A história se repetiu, e os israelitas cla­ que exigirmos e merecermos, seja ela boa
maram a Deus pedindo livramento (Jz 10:10; ou ruim".1 O que se aplica à liderança po­
.. ’ 1-19). Porém, o Senhor não os socorreu lítica muitas vezes também vale para a
ne imediato. Em vez disso, enviou ao povo liderança espiritual: recebemos aquilo que
138 JUÍZES 1 0 - 1 2

merecemos. Quando o povo de Deus se su­ faleceu e chegou a hora de dividir a heran­
jeita a ele e o serve, Deus envia servos re­ ça, os filhos legítimos mandaram Jefté em­
pletos de talentos para instruí-los e liderá-los. bora. O que eles não sabiam é que estavam
Porém, quando o apetite de seu povo volta- expulsando o futuro juiz de Israel.
se para as coisas do mundo e da carne, ele Jefté deixou o território de seu pai e diri­
o julga privando-o de líderes competentes e giu-se rumo ao norte, para a terra de Tobe,
tementes ao Senhor. "Perece o justo, e não numa região próxima à Síria. Lá se tornou
há quem se impressione com isso" (Is 57:1). chefe de um bando de aventureiros ("ho­
Depois de dezoito anos de sofrimento, mens levianos"; Jz 11:3). O termo hebraico
os israelitas se reuniram para enfrentar seus usado para descrevê-los significa "esvaziar"
opressores (Jz 10:11). Há vários lugares nas e refere-se a pessoas desocupadas à procura
Escrituras chamados "Mispa", sendo que este de algo para fazer (ver Jz 9:4, os "homens
ficava em Gileade (11:29; ver Js 13:26). Is­ levianos e atrevidos" que seguiram Abimele-
rael tinha um exército, mas não tinha um que. Em outras palavras, o termo significa
general. A fim de conseguirem um volun­ "ser indolente, indiferente"). Jefté já era co­
tário para comandar o exército, os líderes nhecido como um "homem valente" (v. 1).
de Israel prometeram que seu novo coman­ Assim, não teve dificuldade alguma em for­
dante seria nom eado governante sobre mar um grupo de aventureiros.
Gileade. O s príncipes de Israel poderiam ter O líder sem oposição (vv. 4-11). O s ir­
sido muito mais bem-sucedidos se tivessem mãos de Jefté não o queriam, mas os anciãos
feito uma reunião de oração em vez de um de Israel precisavam dele e enviaram uma
plebiscito político. delegação que percorreu mais de cento e
Quando era jovem, ouvi um evangelista vinte quilômetros até a terra de Tobe, a fim
pregar um sermão marcante sobre o texto: de pedir-lhe que assumisse o comando. A
"Onde está o S e n h o r , Deus de Elias?" (2 Rs resposta de Jefté se parece bastante com o
2:14). "Sabemos onde está o S e n h o r , Deus que o Senhor havia dito ao povo quando
de Elias", disse ele. "Está no trono dos céus pediram seu socorro (10:13,14). Tudo indi­
e é tão poderoso hoje quanto era nos tem­ ca que os líderes israelitas haviam ajudado
pos de Elias." E, depois de uma pausa, acres­ os filhos de Gileade a expulsar seu irmão
centou: "A pergunta não é tanto: 'onde está indesejado da terra. Ainda assim, Jefté ou­
o S e n h o r Deus de Elias?', mas sim: 'onde viu a proposta desses líderes, certificando-
estão os fiéis como Elias?'" se de que era verdadeira. Estava disposto a
De fato, onde estão os fiéis com o Eliasï liderá-los no combate ao inimigo, desde que
O nde estão os líderes espirituais capazes de os anciãos o nom eassem para governar
ajuntar o povo de Deus e de confrontar as Gileade.
forças do mal? É impossível não admirar a maneira de
Jefté dar ênfase ao Senhor em todas as nego­
2. P r e c is a - se d e u m líd er ciações com os líderes de Israel. O Senhor
(Jz 11:1-29, 32, 33) daria a vitória (11:9), e não Jefté; e o acordo
O texto nos apresenta Jefté, o homem que entre o novo comandante e os líderes deve­
Deus escolheu para conduzir Israel à vitória. ria ser ratificado na presença do Senhor em
Que tipo de homem ele era? Mispa (v. 11; ver 1 Sm 11:15). Jefté não en­
O irmão indesejado (vv. 1-3). Jefté não carou esse desafio como uma oportunida­
tinha culpa de seu nascim ento. Seu pai, de política para si mesmo, mas como uma
Gileade, tinha apenas uma esposa, mas aca­ ocasião para confiar no Senhor e servi-lo.
bou gerando um filho de seu relacionamen­ Além disso, o escritor de Hebreus deixa cla­
to com uma prostituta. Pelo menos Gileade ro que Jefté era um homem de fé e não sim­
reconheceu o menino e o levou para casa, plesmente um oportunista (Hb 11:32).
mas os outros filhos não aceitaram o meio- Imagine como seus irmãos se sentiram
irmão, "filho doutra mulher". Quando Gileade quando o homem que haviam desprezado
JUIZES 1 0 - 1 2 139

•oitou para casa como capitão do exército outras nações tomavam territórios inimigos,
e der da terra! As Escrituras trazem vários declaravam que era a "vontade de seu deus"
eiemplos de vítimas que passaram por ex- que se apropriassem daquela terra e davam
lerièncias semelhantes. José foi rejeitado crédito a seus ídolos pela vitória. Jefté decla­
s>eos irmãos e, posteriormente, tornou-se seu rou que o Deus de Israel era o Deus verda­
MÍ-.ador. O rei Davi também precisou de sete deiro e que sua vontade havia se cumprido
■-os para conseguir o apoio total das doze ao permitir que Israel tomasse aquele ter­
~ ."o s de Israel. Nesse mesmo sentido, o ritório. A terra pertencia a Jeová, que deu
5<=nhor Jesus Cristo foi rejeitado por seu vitória a Israel.
pC'.o, mas será recebido por Israel quando O terceiro argumento de Jefté foi o fato
'ta r. de Israel ter vivido naquele território du­
O diplomata frustrado (vv. 12-28). An­ rante séculos (vv. 25, 26). "Trezentos anos"
tes de declarar guerra, Jefté tentou realizar é um número arredondado, mas aproxima-
-esociações de paz com os amonitas, mas se do total de anos apresentados no Livro
estas não deram certo. Ainda assim, desco- de Juizes como os períodos de opressão e
□"'Tios aqui duas coisas sobre Jefté: (1) co- de paz. Israel havia habitado na região da
~ «cia as Escrituras e a história de seu povo; Transjordânia durante três séculos, motivo
e 2 1 não era um homem colérico que dese- suficiente para reivindicar seus direitos sobre
a .a apenas lutar. Sendo um militar, sabia que a terra. Por que o rei de Amom havia demo­
_ma guerra resultaria na morte de milhares rado tanto para fazer as próprias reivindi­
lie israelitas e desejava evitar a todo custo cações? Ao longo daqueles três séculos, o
que as coisas chegassem a esse ponto. povo de Amom não havia tentado se apro­
O rei de Amom declarou que ele e seus priar do território em questão. Na verdade,
■-omens estavam apenas tomando posse nos tempos de Moisés, nem mesmo os reis
aaquilo que lhes pertencia e que os israe- de Moabe tentaram readquirir a posse de
éias haviam roubado deles no tempo de suas terras! Se os amonitas possuíam direi­
jisés. Se Israel devolvesse as terras, manda­ tos legítimos sobre o território, deveriam ter
ria retirar suas tropas. Mas Jefté apresentou tomado uma providência séculos antes!
cjatro provas irrefutáveis que deveriam ter De acordo com o argumento final de
convencido os amonitas de que estavam Jefté, os amonitas, na verdade, estavam lu­
errados. tando contra o Senhor (vv. 27, 28). Jefté
Em primeiro lugar, apresentou os fatos não havia declarado guerra contra Amom;
kistóricos (vv. 14-22). Moisés e seu povo antes, os amonitas é que haviam declarado
ha\ iam pedido aos amonitas permissão para guerra contra os israelitas. Porém, se Deus
siissar por seu território em segurança, pe- havia dado aquelas terras a Israel, então os
nído que foi negado. Essa recusa levou à amonitas estavam declarando guerra contra
uerra, e Deus deu a vitória aos israelitas, o Senhor Deus, o que só poderia terminar
aael não roubou as terras, mas sim as to- em tragédia e em derrota para Amom. Jefté
_'cu legitim am ente dos am onitas e dos tentou arrazoar com o rei de Amom, mas
»•-"orreus (Nm 21:21-35). Além disso, os ele se recusou a dar ouvidos.
■“ orreus haviam tomado aquelas terras dos O guerreiro invicto (vv. 29-33). Tendo
—aabitas (Nm 21:29); de modo que, se a recebido o poder do Espírito de Deus (ver
indicação do direito de posse sobre ter- Jz 3:10; 6:34), Jefté pediu voluntários (12:1,
-(órios conquistados não valia para Israel, 2) e reuniu seu exército. A fim de certificar-
"i -íbém não valia para os amorreus! se da vitória, cometeu a insensatez de fa­
Seu segundo argum ento fo i que o zer uma barganha com Deus, assunto do
itnh or dera as terras a Israel (vv. 23, 24). qual trataremos posteriormente. O Senhor
ie tté sem pre teve o cuid ado de dar ao lhe deu a vitória sobre os amonitas, e ele
Senhor a glória por todas as vitórias conquis­ capturou vinte de seus fortes e perseguiu o
tadas por Israel (vv. 9, 21, 23, 24). Quando exército inim igo, que bateu em retirada.
140 JUÍZES 1 0 - 1 2

Com isso, garantiu a liberdade e a segurança seu compromisso. Com o ele sabia o que ou
dos israelitas ao se deslocarem dentro do quem sairia pela porta de sua casa? E se a
território de Gileade. primeira coisa a sair para recebê-lo fosse um
De acordo com o escritor de Hebreus, animal impuro, inaceitável como sacrifício a
Jefté foi um homem de fé, e sua vitória foi Deus? Nesse caso, não poderia cumprir seu
uma vitória de fé (Hb 11:32). As circunstân­ voto!
cias e a família de uma pessoa não são um O s term os hebraicos traduzidos por
em pecilho quando se vive pela fé. Em sua "quem" se encontram no gênero masculino
mensagem ao rei de Amom, Jefté mostrou e indicam que esperava encontrar uma pes­
seu conhecimento da Palavra de Deus, e essa soa, mas e se essa pessoa fosse o filho de
Palavra foi sua fonte de fé. "E, assim, a fé algum vizinho ou um desconhecido? Que
vem pela pregação, e a pregação, pela pala­ direito Jefté possuía de tirar a vida de uma
vra de Cristo" (Rm 10:1 7). "E esta é a vitória dessas pessoas e, portanto, oferecer a Deus
que vence o mundo, a nossa fé" (1 Jo 5:4). um sacrifício que não havia lhe custado coi­
Graças à fé e coragem de Jefté, os amonitas sa alguma (ver 2 Sm 24:24)?
não ameaçaram os israelitas por mais cin­ Além disso, por certo Jefté sabia que
qüenta anos (1 Sm 11:1 ss). Jeová não aprovava nem aceitava sacrifícios
humanos. Jefté mostrou ter conhecimento
3. Um pai d e s e s p e r a d o das Escrituras do Antigo Testa mento e de­
(Jz 11:30, 31, 34-40) veria saber do que havia acontecido com
Ao sair para a batalha, Jefté fez um voto ao Abraão e Isaque (Gn 22) e estar a par da Le
Senhor. Sem dúvida, Deus aceitava que os (Lv 18:21 e 20:1-5; D t 12:31 e 18:10).
israelitas fizessem votos, desde que obede­ Mesmo levando em consideração que o pe­
cessem às leis dadas por interm édio de ríodo dos Juizes foi uma era de trevas espi­
Moisés para regulamentar tais votos (Lv 27; rituais na história de Israel e que os israelitas
Nm 30; Dt 23:21-25). O s votos eram inteira­ cometeram inúmeros erros, é de se duvidar
mente voluntários, mas o Senhor esperava que os amigos e os vizinhos de Jefté tives­
que fossem cumpridos (Ec 5:1-6). sem permitido que ele matasse a própria fi­
Na verdade, o voto de Jefté foi uma bar­ lha para cumprir um voto imprudente.2 Os
ganha com o Senhor: se Deus desse aos soldados de Saul não permitiram que matas­
israelitas a vitória sobre os amonitas, Jefté se seu filho, Jônatas, que havia quebrado o
sacrificaria ao Senhor aquilo que saísse pri­ voto insensato do pai (1 Sm 14:24-46).
meiro de sua casa quando voltasse a Mispa. Ademais, onde Jefté poderia oferecer a
De fato, Deus lhe deu a vitória, e Jefté cum­ filha como sacrifício? Sem dúvida, sabia que
priu sua promessa. Mas qual foi sua promes­ Deus aceitava somente os sacrifícios reali­
sa e como ele a cumpriu? zados no altar do tabernáculo (Lv 17:1-9).
O voto. O texto diz: "Se, com efeito, os quais deveriam ser oferecidos pelos sa­
me entregares os filhos de Amom nas mi­ cerdotes levíticos. Jefté teria de viajar até
nhas mãos, quem primeiro da porta da minha Siló para cumprir seu voto (Dt 16:2, 6, 11.
casa me sair ao encontro, voltando eu vi­ 16) e é de se duvidar que, com ou sem vi­
torioso dos filhos de Amom, esse será do tória, até mesmo o menos inspirado dos sa­
S e n h o r , e eu o oferecerei em holocausto" cerdotes realizasse um sacrifício humano
(Jz 11:30, 31). sobre o altar santificado de Deus.3 Na reali­
As perguntas. Quanto mais estudamos dade, se o povo descobrisse que Jefté estava
o voto de Jefté, mais enigmático ele parece. indo a Siló sacrificar sua filha, é bem possível
Jefté poderia ter dito simplesmente: "Deus, que o tivessem impedido ao longo do cami­
se o Senhor me ajudar a derrotar os inimi­ nho e raptado a menina! Era impossível urn
gos, prometo oferecer-lhe um grande ho­ herói nacional co m o ele esconder facilmen­
locausto quando voltar para casa". Porém, te o que estava fazendo e, sem dúvida, a
Jefté usou termos ambíguos para expressar história teria se espalhado sem demora pela
JUÍZES 1 0 - 1 2 141

d o .o durante o período de dois meses de a filha ter permanecido virgem. É difícil crer
— □era (Jz 1 1:37-39). que as "filhas de Israel" instituiriam o costu­
Mesmo que Jefté tivesse conseguido me de celebrar (e não de "lamentar", como
cregar a Siló, teria descoberto, por meio de diz a tradução em nossa língua) o terrível
j_alquer um dos sacerdotes, que poderia sacrifício de um ser humano, mas é inteira­
.-enirnir a filha mediante o pagamento de um mente compreensível que comemorassem
kalor apropriado em dinheiro (Lv 27:1-8). a dedicação e a obediência da filha de Jefté
_*na vez que era um soldado bem-sucedido ao ajudar o pai a cumprir seu voto. Ela me­
n je havia acabado de despojar o inimigo, rece ser colocada ao lado de Isaque como
Jerte poderia ter pago sem problema algum filha fiel, disposta a obedecer tanto ao pai
: nreço do resgate. quanto a Deus a qualquer preço."
Surgem ainda outras perguntas pertinen­
tes. Apesar de Números 30:1, 2, será que 4. Um g o v e r n a n t e se d e f e n d e
Deus teria considerado seriamente um voto (Jz 12:1-15)
□ ue transgredia tanto os direitos humanos Acusação (v. 1). O s líderes da tribo de Efraim
Quanto a lei divina? Um homem que havia demonstraram a Jefté o mesmo orgulho e
■ecebido o poder do Espírito (Jz 11:29) e ira que haviam expressado no caso de Gi-
u e possuía um compromisso sério com o deão (8:1). Com o antes, desejavam parti­
Senhor (Jz 11:11) teria mesmo chegado a cipar da glória do triunfo sem, no entanto,
■azer tal voto? Quanto mais penso nessas terem se mostrado desejosos de arriscar a
cerguntas, mais misterioso esse voto me vida na batalha. A fúria dos homens de Efraim
□•arece e mais convencido fico de que Jefté foi tanta que ameaçaram atear fogo à casa
-ão prometeu oferecer sacrifício humano de Jefté. Não possuíam respeito algum pelo
a-lgum ao Senhor nem matou a própria filha. novo governante das tribos da Transjordânia.
Soluções. Vários comentaristas mostra- Explicação (vv. 2, 3). Gideão havia apa­
-am que a pequena co n ju n çã o "e" (Jz ziguado os efraimitas com palavras lisonjei­
1 1:31) pode ser traduzida como "ou". (No ras, mas Jefté preferiu uma abordagem mais
■ebraico, é a letra vav que costuma signifi­ direta. Em primeiro lugar, lembrou-os de que
car "e". Ver o início do Salmo 11 9:41 [NVl] sua preocupação maior era derrotar os amo-
sara um exemplo do vav hebraico.) Se usar- nitas, não agradar os vizinhos. Em segundo
t o s essa abordagem , então o voto tem lugar, durante os dezo ito anos em que
nuas partes: aquilo que fosse ao encontro Amom havia oprimido o povo de Gileade
nele seria consagrado ao benhor (se fosse ninguém em Efraim havia se oferecido para
.m a pessoa) ou sacrificado ao Senhor (se salvar o povo. Em terceiro lugar, Jefté havia
■&sse um animal). convocado as tribos para ajudá-lo no ataque
Uma fez que foi recebido pela filha, Jefté ao inimigo, mas Efraim não havia respondi­
a consagrou ao Senhor para servi-lo no do. O Senhor havia dado a vitória ao exército
-.abernáculo (Èx 38:8; 1 Sm 2:22). Ela perma­ de Jefté sem a ajuda dos efraimitas, de modo
neceu virgem, o que significa que não teve que não havia motivo algum para o povo
a alegria de tornar-se mãe nem de dar conti­ orgulhoso de Efraim (que não gostava de fi­
nuidade à herança do pai em Israel. Esse fato car de fora) se queixar.
seria motivo suficiente para que ela e as Confrontação (vv. 4-7). Talvez Jefté de­
amigas passassem dois meses se lamentan- vesse ter colocado em prática Provérbios
□o, pois toda filha desejava ter uma família, 15:1 e 1 7:14 e evitado uma guerra, mas, por
e todo pai desejava netos para dar continui- outro lado, talvez fosse hora de alguém con­
nade à herança da família. frontar Efraim e de ensinar-lhe uma lição. O s
Em momento algum o texto diz que Jefté homens de Efraim recorreram a insultos e
-íaío u a filha; também não encontramos escarneceram dos gileaditas chamando-os
■ nguém pranteando a morte da menina. A de "Fugitivos [...] de Efraim e Manassés" (Jz
ênfase em Juizes 11:37-40 é sobre o fato de 12:4). Na verdade, as tribos a leste do Jordão
142 JUÍZES 1 0 - 1 2

- Rúben, Gade e a meia tribo de Manassés shibboleth passou a fazer parte do vocabu­
- haviam recebido suas terras de Moisés e lário da língua inglesa e foi incorporado aos
de Josué (Nm 32; Js 22). Assim, as palavras dicionários desse idioma. Nesse caso, o ter­
dos efraimitas foram um insulto ao Senhor e mo significa um teste que um conjunto de
a seus servos. pessoas propõe a outros de fora para verifi­
Q uando as pessoas estão erradas, re­ car se pertencem ou não a seu grupo, uma
cusando-se a aceitar a lógica da situação e palavra de verificação . Norm alm ente, o
a confessar seus erros, é comum recorrerem shibboleth é uma idéia ou doutrina antiga,
à violência a fim de protegerem sua reputa­ amplamente conhecida e sem grande rele­
ção. Essa é a causa de grande parte das desa­ vância. No caso de Efraim, porém, custou a
venças entre familiares, das brigas na igreja vida de 42 mil pessoas.
e dos conflitos internacionais (Tg 4:1-12). Depois da derrota de Amom e do castigo
Porém, Jefté prevaleceu sobre os homens de aplicado aos efraimitas, os israelitas tiveram
Efraim e matou 42 mil soldados dessa tribo. trinta e um anos de paz e de segurança sob
O s próprios efraimitas tornaram-se "fugiti­ a liderança de Jefté e de seus três sucesso­
vos", sendo que esse mesmo termo usado res. Q ue paradoxo Jefté, o vencedor, não
em Juizes 12:5 aparece no versículo 4. O s ter família, enquanto Ibsã teve trinta filhos
efraimitas tiveram de engolir suas palavras e e trinta filhas e Abdom teve quarenta filhos e
de fugir para salvar a vida! trinta netos.
O povo de Efraim tinha uma forma pe­ No entanto, o mais paradoxal desses
culiar de pronunciar a palavra chibolete homens foi Sansão, o último juiz enviado
(shibboleth), que significa "corrente" ou por Deus a seu povo: um libertador que não
"cheias". Eles pronunciavam o termo como pôde libertar a si mesmo, um conquistador
"sibolete" ("sibboleth"), denunciando, assim, incapaz de conquistar a si mesmo e um ho­
sua origem (Mt 26:73). Era um teste simples, mem forte que não soube reconhecer os
mas funcionava. Por causa dessa história, próprios momentos de fraqueza.

1. K ennedy , John F. Profiles in Courage. Nova York: Harper, 1955, p. 245.

2. A adoração a Baal era a principal religião entre os cananeus e não incluía o sacrifício de crianças. Os amonitas faziam os filhos
passarem pelo fogo como parte de sua adoração a Moloque. Dezoito anos depois, o povo de Israel voltou-se aos deuses
pagãos e, em decorrência disso, o Senhor teve de discipliná-los severamente (Jz 10:6-9). É impensável que Jefté tenha adotado
um costume pagão a fim de obter a ajuda de Deus, quando a nação já havia sofrido tanto por adotar tais práticas! Se Deus
honrasse tal coisa, o povo seria levado a perguntar: "Se os costumes pagãos são tão terríveis, então por que o Senhor enviou
tanto sofrimento?".
3. Mesmo que um sacerdote tivesse oferecido a filha de Jefté como holocausto, o sacrifício não seria aceitável, pois o animal
oferecido no holocausto deveria ser macho {Lv 1:3, 10).
4. Se Jefté pretendia matar a filha, iria querer a moça em casa com ele e não correndo pelas montanhas com as amigas. Além
disso, por que uma jovem lamentaria a virgindade se estava prestes a morrer? Nesse caso, seria bem mais provável que
lamentasse a morte iminente. Talvez estivesse lamentando o fato de não haver se casado e, portanto, de não ter deixado netos
para o pai. Mas se esse fosse o caso, então o pai é que deveria estar se lamentando, pois os casamentos eram arranjados pela
família e não pelo próprio casal.
se apaga e Sansão morre como mártir sob
9 as ruínas de um templo pagão, um triste fim
para uma vida promissora.
Vam os abrir o álbum de fam ília de
U m B r ilh o Sansão e estudar três retratos do começo
T rem elu zen te da carreira desse juiz.

J u ízes 1 3 - 1 4 1. A CRIANÇA INCRIVELMENTE


p r o m isso r a (Jz 13:1-23)
Observe quão promissora era a vida desse
menino chamado Sansão.
s Ele tinha diante de si uma nação a pro­
// r uma charada envolta em mistério den- teger (v. 1). A frase inicial desse versículo
L_ tro de um enigma." Foi assim que Sir aparece no Livro de Juízes com uma regula­
«Vinston Churchill descreveu, em seu discur­ ridade monótona (3:7, 12; 4:1, 2; 6:1; 10:6,
so transmitido por rádio em 1e de outubro 7) e pode ser vista aqui pela última vez. Apre­
de 1939, o comportamento dos russos de senta o período mais longo de opressão que
sua época. Porém, o que ele disse sobre os Deus permitiu que seu povo sofresse: qua­
•ussos poderia muito bem descrever Sansão, renta anos sob o domínio dos filisteus.
o último juiz, pois seu comportamento é O s filisteus1 faziam parte dos "povos do
'uma charada envolta em mistério dentro mar" que, no século doze a.C., migraram de
de um enigma". uma região da Grécia para a planície cos­
Sansão não era previsível nem confiável, teira de Canaã. Durante a conquista, os is­
oois possuía ânimo dobre, e um "homem raelitas não conseguiram tomar essa região
de ânimo dobre [é] inconstante em todos (Js 13:1, 2). Ao estudar o mapa da Terra Pro­
os seus caminhos" (Tg 1:8). Alguém disse metida, vê-se que a existência dessa nação
oem que "a maior habilidade é a confiabi­ concentrava-se em torno de cinco cidades
lidade", e no caso de Sansão, era preciso principais: Asdode, Gaza, Asquelom, Gate
confiar desconfiando. e Ecrom (1 Sm 6:1 7). A terra entre a região
Corajoso diante de outros homens, San­ montanhosa de Israel e a planície costeira
são não resistia aos encantos femininos e era chamada de "Sefelá", que significa "ter­
contava às mulheres todos os seus segredos. ras baixas" e que separava a Filístia de Israel.
Tendo recebido o poder do Espírito de Deus, Sansão nasceu em Zorá, cidade na tribo de
entregou o corpo aos desejos da carne. Dã próxima à fronteira com a Filístia, e, em
Chamado a declarar guerra aos filisteus, con- várias ocasiões, atravessou essa fronteira para
;'aternizou com o inimigo e tentou até se servir a Deus ou para satisfazer os próprios
casar com uma filistéia. Combatia as bata- apetites.
has do Senhor durante o dia e transgredia Sansão julgou Israel "nos dias dos filis­
os mandamentos do Senhor à noite. Con­ teus" (Jz 15:20), o que significa que seus
siderando-se que o nome "Sansão" quer vinte anos como juiz transcorreram durante
dizer "ensolarado", é uma ironia esse juiz os quarenta anos de dom ínio filisteu. De
rer encontrado seu fim na escuridão, ce- acordo com o Dr. Leon Wood, o começo
jado pelo mesmo inimigo que deveria ter da opressão filistéia pode ser datado de ca.
conquistado. 1095 a.C., estendendo-se até 1055 a.C.,
Quatro capítulos do Livro de Juízes são quando Israel conquistou sua vitória em
medicados ao relato da história de Sansão. Mispa (1 Sm 7). Mais ou menos no meio
iuízes 1 3 - 1 4 nos apresentam esse meni- desse período ocorreu a batalha de Afeca,
-•o "ensolarado" e seus pais, e vemos seu na qual Israel foi vergonhosamente derro­
afilho tremeluzir enquanto Sansão brinca tado pelos filisteus, perdeu a arca da aliança
:om o pecado. Em Juízes 15 - 16, o brilho e três sacerdotes (1 Sm 4). A sugestão de
144 J U Í Z E S 13 - 14

Wood é que o mandato de Sansão como exército, mas sim um anjo. Vemos, em di­
juiz teve início por volta da mesma época versas ocasiões, um anjo visitando um casal
da tragédia de Afeca e que sua principal e prometendo enviar-lhes uma criança. O
função foi perturbar os filisteus e impedir plano tremendo de salvação divina foi pos­
que conseguissem invadir a terra e amea­ to em andamento quando o Senhor chamou
çar o povo.2 Abraão e Sara e deu-lhes Isaque. Quando
É interessante observar que o texto não chegou a hora de livrar Israel da escravidão
apresenta qualquer evidência de que Israel no Egito, Deus enviou Moisés a Anrão e
tenha clamado a Deus pedindo libertação Joquebede (Êx 6:20) e quando, muitos anos
em algum momento do dom ínio filisteu. depois, Israel precisou de um reavivamento,
Uma vez que haviam desarmado os israelitas Deus enviou a Ana o bebê Samuel (1 Sm 1).
(1 Sm 13:19-23), os filisteus não se preo­ Uma vez alcançada a plenitude do tempo,
cupavam com a possibilidade de uma rebe­ Deus deu o Menino Jesus a Maria, e essa
lião. Juizes 15:9-13 indica que os israelitas criança cresceu para morrer na cruz pelos
pareciam estar acomodados a sua situação pecados do mundo.
e não queriam que Sansão causasse qualquer O s bebês são criaturas frágeis, mas Deus
tumulto. E assustador como nos acostuma­ usa as coisas fracas do mundo para confun­
mos rapidamente à servidão e aprendemos dir as fortes (1 Co 1:26-28). O s bebês preci­
a aceitar essa condição. Se os filisteus ti­ sam de tempo para crescer, mas Deus é
vessem sido mais severos com os israelitas, paciente e nunca se atrasa no cumprimento
talvez o povo tivesse clamado a Jeová pe­ de sua vontade. C ada bebé enviado por
dindo socorro. Deus é um presente seu, um novo começo,
Ao contrário da maioria dos juizes ante­ e traz consigo imenso potencial. Com o é
riores, Sansão não livrou seu povo da domina­ triste viver numa sociedade que considera
ção estrangeira, mas começou um processo bebês ainda não nascidos como uma amea­
de libertação que seria concluído por ou­ ça em vez de um milagre e como uma intro­
tros (13:5). Uma vez que era um herói po­ missão em vez de uma herança!
deroso e imprevisível, Sansão causou medo Temos motivos de sobra para crer que o
e perturbação nos filisteus (16:24), impedin­ "Anjo do S e n h o r " que visitou a esposa de
do que destruíssem Israel como as outras Manoá era Jesus Cristo, o Filho de Deus (ver
nações invasoras haviam feito. Seriam neces­ Gn 22:1-18; 31:11-13; Êx 3:1-6; Jz 6:11-24).
sárias as orações de Samuel (1 Sm 7) e as Com o Sara (Gn 18:9-15), Ana (1 Sm 1) e
conquistas de Davi (2 Sm 5:1 7-25) para con­ Isabel (Lc 1:5-25), a esposa de Manoá era
cluir o trabalho que Sansão havia com eça­ estéril e não esperava mais ter um filho. Uma
do, dando a Israel a vitória absoluta sobre vez que a mãe teria maior influência sobre
os filisteus. a criança tanto antes quanto depois do nasci­
Ele tinha um Deus para servir (vv. 2-5). mento, o anjo descreveu com grande serie­
A tribo de Dã recebeu, inicialmente, as ter­ dade quais seriam suas incumbências.
ras adjacentes a Judá e a Benjamim, que se Assim como João Batista, Sansão seria
estendiam até o mar Mediterrâneo (Js 19:40- um nazireu desde o ventre da mãe (Lc 1:13-
48). No entanto, uma vez que os danitas 15).3 O termo nazireu vem de uma palavra
não foram capazes de expulsar os habitan­ hebraica que significa "separar, consagrar".
tes da região costeira, mudaram-se para o O s nazireus eram indivíduos que, durante
Norte (Jz 18 - 19), apesar de algumas famí­ um determinado tempo, consagravam-se de
lias da tribo terem permanecido no local an­ maneira especial ao Senhor. Abstinham-se
terior. Zorá ficava a cerca de vinte e cinco de vinho e de bebidas fortes, evitavam tocar
quilômetros de Jerusalém, na região dos con­ em cadáveres e, como sinal de sua consa­
trafortes, próxima à fronteira com a Filístia. gração, deixavam o cabelo crescer. O s esta­
Quando Deus quer fazer algo verdadei­ tutos acerca da lei do nazireado podem ser
ramente grandioso no mundo, não envia um encontrados em Números 6.4
JUIZES 1 3 - 1 4 145

A esposa de Manoá deveria ter cuidado e imundos para os nazireus como também
' o que comia e bebia, pois sua dieta dizia aos pais como deveriam criar os tílhos
iuenciaria o filho nazireu mesmo antes do (Dt 6). Não havia necessidade de o Senhor
■nento e poderia contaminá4o. Infe­ dar mais instruções a Manoá e à esposa
c t ente, nem todas as gestantes são cuida- quando a Palavra de Deus já lhes dizia o
i as. Isso fica ev'dente pelas notícias que que fazer. O mensageiro simplesmente re­
tfthemos da mídia e que mostram as tris- petiu a advertência que já havia dado à es­
c< inseqüências que os bebês sotrem posa de Manoá.
r .a id o as mães usam tabaco, álcool e en- Em seu desejo de ser um anfitrião gentil
ecentes durante a gestação. O voto de e atencioso, Manoá pediu ao convidado que
■azreado de Sansão não foi voluntário: foi esperasse enquanto ele e a espora lhe pre­
■îdo por Deus, e a mãe do menino fazia paravam uma refeição (6:18, 19; C n 18:1-8).
:arte desse voto de consagração. Não ape- O visitante deu uma resposta enigmática:
~as deveria evitar qualquer coisa relacionada não comeria dos alimentos deles, mas per­
uvas, mas também comidas consideradas mitiria que oferecessem um holocausto ao
•Tipuras segundo a lei mosaica (Lv 11; Dt Senhor. Afinal, o filho que lhes havia sido
-:3-20). prometido era uma dádiva de Deus, e deve­
O voto nazireu costumava durar um tern­ riam dar louvores e graças ao Senhor.
ie determinado, mas no caso de Sansão, se Manoá, porém, pensou consigo mesmo:
estenderia por toda a sua vida (Jz 13:7). Era 5e não posso honrar esse hom em de D eus
que Manoá e a esposa teriam de ensi- dgora, então talvez possa fazê-lo no futuro,
ao filho; também teriam de explicar o depois que suas palavras se cum prirem e o
“ Dtivo de ele não poder cortar o cabelo. m enino nascer. (Observe que Manoá creu
□ eus havia tomado essa criança para si, e na mensagem e usou o termo "quando em
era obrigação dos pais prepará-la para o tra- vez de "se".) Manoá teria de saber o nome
Bi ,ho do qual o Senhor a havia incumbido. do homem para poder encontrá-lo nove
Ele tinha um lar para honrar (vv. 6-23). meses depois, mas o visitante não lhe res­
■ esposa de Manod foi, imediatamente, con- pondeu, dizendo apenas que seu nome era
! ,ío marido sobre a visita e a mensagem "maravilhoso" (ver Gn 32:29). Essa é a mes­
■naquele desconhecido, apesar de o casal ma palavra usada para o Messias em Isaías
iind a não saber que o visitante era o Se- 9:6 e traduzida por "maravilhosamente" em
■nor (v. 16). Manoá imaginou que se trata- Juizes 13:19.
de um "homem de Deus" - talvez um Normalmente, os adoradores israelitas
ci ifeta itinerante - e orou ao Senhor para levavam suas ofertas ao altar do tabernáculo
enviar esse homem outra vez. E impossível em Siló, mas uma vez que o "homem de
■-•ão ficar im pressionado com a devoção Deus" ordenou a Manoá que oferecesse um
ai .-.se marido e de sua esposa um ao outro holocausto, ele poderia fazê-lo ali mesmo
e ao Senhor. O tempo dos juizes foi domi­ onde se encontrava, usando uma rocha
nado pela apostasia e a anarquia, mas ainda como altar. De repente, o visitante subiu aos
fw ia lares israelitas consagrados ao Senhor céus na chama do altar! Só então Manoá e
|ue criam na oração, e Deus continuava a esposa descobriram que aquele era o Anjo
„□erando por meio deles. do S e n h o r . Manoá encheu-se de temor, pois
Deus respondeu às orações de Manoá os israelitas criam que ninguém poderia ver
e deu-lhe a oportunidade de fazer uma Deus e sobreviver (ver Jz 6:19-23). Usando
□i rgunta importante, mas que o Anjo do de bom senso, a esposa de Manoá o con­
Sem or não respondeu: "Q uando se cum- venceu de que não era possível morrerem
h-irem as tuas palavras, qual será o modo e, ao mesmo tempo cumprirem as promes­
de viver do menino e o seu serviço?" (v. sas de Deus.
_ . A lei do Antigo Testamento não apenas Todo bebê nascido num lar temente a
lava instruções sobre os alimentos limpos Deus tem a responsabilidade de honrar o
146 J U I Z E S 13 - 14

nome de sua família. A vida incoerente de edifício filisteu (Jz 16:30). Juizes 16:24 dá a
Sansão trouxe vergonha à casa de seu pai, entender que ele realizou muitos outros fei­
da m esm a form a com o envergonhou o tos além desses citados acima, o que irritou
nome do Senhor. O s parentes de Sansão ti­ ainda mais o povo filisteu.
veram de extrair seu corpo dos escombros Ao refletir sobre o relato da vida de
de um templo filisteu e levá-lo para casa a Sansão, tem-se a impressão de que ele era
fim de que fosse sepultado (16:31). De cer­ um sujeito que gostava de diversão, com um
ta forma, foi um dia de vitória sobre os ini­ bom senso de humor e que, por vezes, não
migo de Deus, mas também foi um dia de levava muito a sério os dons que havia rece­
derrota para a família de Sansão. bido de Deus. Ter senso de humor é positivo,
mas deve ser equilibrado com uma dedi­
2. O DEFENSOR COM UM PODER cação séria às coisas do Senhor. "Servi ao
in v e n c ív e l (Jz 13:24, 25) S e n h o r com temor e alegrai-vos nele com
O bebê nasceu e recebeu o nome de San­ tremor" (SI 2:11). O poder de Sansão era
são, que significa "ensolarado" ou "brilho". uma arma para lutar e um instrumento para
Sem dúvida, trouxe luz e alegria para Manoá edificar, não um brinquedo para se divertir.
e a esposa, um casal que acreditava que ja­ Observe ainda outra coisa: Sansão tra­
mais teria uma família. Também começou a balhou sozinho. Em momento algum "juntou
trazer luz para Israel durante os dias de tre­ as tropas" e tentou unir Israel para livrar-se
vas da opressão filistéia. Enquanto o texto do jugo filisteu. Durante vinte anos, foi um
diz que o Espírito de Deus "veio sobre" ou­ defensor de seu povo, mas não conseguiu
tros juizes (Jz 3:10; 6:34; 11:29), somente agir como seu líder. De acordo com Joseph
no caso de Sansão diz-se que "o S e n h o r o Parker, Sansão foi "um elefante quanto 3
abençoou" (Jz 13:24; ver Lc 1:80 e 2:52). A força, mas um bebê quanto à fraqueza
mão de Deus estava sobre ele de maneira Podemos acrescentar que, em se tratando
especial. da lid e ra n ça n a cio n a l, foi um a ovelha
O segredo da força extraordinária de perdida!
Sansão era seu voto nazireu, simbolizado
pelos cabelos que nunca haviam sido cor­ 3. O HOMEM DE CARÁTER INCONSTANTE
tados (16:17), e a fonte dessa força era o (Jz 14:1-20)
Espírito Santo de Deus (13:25; 14:6, 19, De acordo com Hebreus 11:32, Sansão foi
15:14). A narrativa não diz se a constitui­ um homem de fé, mas certamente não foi
ção física de Sansão era, de algum modo, fiel nem aos ensinam entos de seus pais.
diferente daquela de outros homens, ape­ nem a seu voto nazireu, nem às leis do Se­
sar de ser possível que se parecesse com nhor. Não tardou para que Sansão perdes­
os homens fortes retratados nos livros in­ se quase tudo o que Deus havia lhe dado,
fantis de histórias da Bíblia. Talvez no início exceto sua grande força, o que também aca­
de sua adolescência, quando os meninos bou perdendo.
israelitas tornavam-se "filhos da lei", Sansão Ele perdeu o respeito pelos pais (vv. 1-
tenha com eçado a demonstrar suas incrí­ 4). O Senhor havia dado a Sansão uma he­
veis habilidades. rança piedosa, e ele havia sido educado para
O Livro de Juizes registra apenas alguns honrar a Deus. Porém, quando se apaixonou,
dos grandes feitos de Sansão: matar um leão Sansão não deu ouvidos às advertências dos
só com as mãos (14:5, 6); exterminar trinta pais. Havia entrado em território inimigo e
filisteus (v. 19); apanhar trezentas raposas (ou percorrido mais de sete quilômetros quan­
chacais) e amarrar tochas na cauda desses do encontrou uma filistéia que cativou seu
animais (15:3-5); romper cadeias (15:14; coração e com a qual resolveu se casar. É
16:9, 12, 14); matar mil homens com a quei­ evidente que esse casamento transgredia a
xada de um jumento (1 5:15); carregar a porta lei de Deus (Êx 34:12-16; Dt 7:1-3; ver tam­
da cidade de G aza (16:3); e derrubar um bém 2 Co 6:14-18).
J U I Z E S 13 - 14 147

Sansão estava vivendo pelas aparências Quando Sansão comeu o mel da carcaça
e - ão pela fé. Era controlado pela "con- do leão, foi contaminado pelo corpo de um
<ojD;scência dos olhos" (1 Jo 2:1 6) e não pela animal morto, destruindo, assim, parte da
h de Deus. A questão mais séria era que consagração de seu voto nazireu. Na ver­
i-i-são não estava agradando nem ao Se- dade, já havia perdido dois terços de seu
*» cr e nem aos pais, mas apenas a si mes­ voto, uma vez que havia se contaminado
mo Jz 14:3, 7, ver 2 C o 5:14, 15).5 ao entrar na vinha.6
Q uando Deus não tem permissão de Ele perdeu o controle sobre a língua
■D-.ernar nossa vida, ainda assim ele preva­ (vv. 10-18). Uma vez que Sansão não havia
lece e faz cumprir sua vontade, a despeito trazido amigos para servir como "padrinhos"
de nossas decisões. Por certo, nós é que (ver Mt 9:1 5), os filisteus juntaram trinta ho­
saímos perdendo ao nos rebelarmos contra mens para fazerem as vezes de amigos do
eie. mas Deus cumpre seus propósitos por noivo. É possível que esses homens também
■neio de nós ou apesar de nós (Ed 4:10-14). tivessem a função de guardar Sansão, pois
áansão deveria estar começando uma guer­ sua reputação o havia precedido e ninguém
ra e não um casamento, mas Deus usou esse sabia ao certo o que ele poderia fazer em
acontecimento para oferecer a Sansão a seguida. É bem provável que o ambiente es­
•DDrtunidade de atacar o inimigo. Em de- tivesse tenso no começo da festa, de modo
Ec-iencia disso, Sansão matou trinta homens que Sansão procurou alegrar um pouco as
J z 14:19), queimou as plantações do inimi- com em orações propondo um enigma. O
bü .Jz 15:1-5), exterminou grande número mais triste é que criou esse enigma com base
ne filisteus (vv. 7, 8) e deu cabo de mil ho­ em seu pecado! Não levou a sério o fato de
mens (v. 1 5). Sansão não havia planejado haver transgredido os votos nazireus. Deso­
Tudo isso, mas, mesmo assim, Deus permi- bedecer a Deus é horrível o suficiente, mas
» j que os acontecimentos se desenrolassem fazer disso uma piada é sinal de insensibili­
:essa forma. dade espiritual ainda mais grave.
Ele perdeu sua separação como nazireu Sairia caro os trinta convidados fornece­
fiv. 5-9). Ao que parece, quando Sansão e rem sessenta roupas de festa para Sansão,
«■eus pais desceram a Timna a fim de fazer de modo que ficaram desesperados para
os preparativos para o casamento, Sansão descobrir a resposta do enigma. A única saí­
h í u da estrada principal (separando-se de da foi conseguir a ajuda da esposa de San­
seus pais) e fez um desvio, passando por são. Assim, ameaçaram matá-la e atear fogo
ligum as vinhas, onde foi atacado por um à casa de seu pai se ela não lhes desse a
-?ão. Uma vinha era um lugar perigoso para resposta até o fim da semana. Sansão re­
-■m homem que se abstém de uvas (Nm 6:1- cusou-se firmemente a contar-lhe o segre­
- . Será que Deus enviou o leão como adver- do, mas acabou cedendo no sétimo dia.
'ència para Sansão de que estava trilhando Talvez haja alguma relação com o fato de
o caminho errado? O Espírito Santo deu a que o casamento deveria ser consumado no
Sansão o poder de derrotar o inimigo, mas sétimo dia. Primeiro a mulher filistéia o se­
Sansão persistiu em seu caminho de deso- duziu (Jz 14:1), depois o dominou (v. 17) e,
nediência rumo ao interior do território ini- por fim, ela o traiu (v. 1 7). E assim que o mun­
nigo e a um casamento ilícito. do trata os cristãos que fazem concessões.
Algumas semanas depois, quando San­ Sansão poderia matar leões e romper cor­
são voltou para buscar sua noiva, passou das, mas não era capaz de resistir ao poder
“ovamente pela vinha, dessa vez provavel- das lágrimas de uma mulher.
rrente para ver seu troféu e talvez contar Com o sua esposa se sentiu ao ser com­
■ antagem sobre ele. Seu pecado começou parada a uma novilha? O provérbio significa
crm "a concupiscência da carne" e "a con­ simplesmente: "Vocês só conseguiram acer­
cupiscência dos olhos" para, depois, incluir tar porque quebraram as regras do jogo",
a n d a "a soberba da vida" (1 Jo 2:16). uma vez que as novilhas não eram usadas
148 JUlZES 1 3 - 1 4

para lavrar. Tendo em vista que os convida­ lutar contra os filisteus, em vez de oferecer-
dos haviam usado de desonestidade, teori­ lhes festas.
camente, Sansão poderia, também, ter se Se Sansão tivesse conseguido fazer as
recusado a pagar o prêmio; porém, em sua coisas a sua maneira e consumado o casa­
generosidade, concordou em cumprir a pro­ mento com a filistéia, teria dificultado ainda
messa. É possível que tenha descoberto que mais o trabalho para o qual Deus o havia cha­
a esposa havia sido ameaçada e não deseja­ mado. Além de pecar, os cristãos de hoje que
va colocar a mulher e sua família em perigo entram em alianças ilícitas servem de estorve
outra vez. à obra do Senhor (2 Co 6:14-18). Se Sansão
Aqueles que não conseguem controlar tivesse buscado a orientação de Deus, o Se­
a língua não são capazes de controlar o res­ nhor o teria dirigido. Em vez disso, resolveu
to do corpo (Tg 3:2), e no caso de Sansào, seguir seu próprio caminho, e o Senhor pre­
as conseqüências dessa falta de controle valeceu sobre suas decisões egoístas.
foram trágicas. "Instruir-te-ei e te ensinarei o caminho
Sansão perdeu a calma (vv. 19, 20). Ele que deves seguir; e, sob as minhas vistas, te
foi até Asquelom, que ficava a pouco mais darei conselho. Não sejais como o cavalo
de trinta quilômetros de Timna, para que a ou a mula, sem entendimento, os quais co n
notícia da matança demorasse a chegar na freios e cabrestos são dominados; de outra
cidade onde se casou. Sua brincadeira so­ sorte não te obedecem" (SI 32:8, 9). Se olhar­
bre o leão e o mel se transformou em um mos para o Senhor pela fé, ele pode nos
assunto da maior seriedade, pois causou a conduzir com o os pais guiam seus filhos.
morte de trinta homens, cujos trajes Sansão Mas se dermos as costas a ele, não lhe resta
tomou para si. Sua raiva toi tanta que ne m outra coisa a fazer s^não nos tratar como
sequer consumou o casamento, voltando di­ animais e colocar em nós freios e cabrestos.
retamente para a casa dos pais em Zorá.~ Sansão estava sempre se precipitando im­
Enquanto estava fora de Timna, a esposa to> petuosamente feito um cavalo ou empa­
entregue ao padrinho de honra. O Senhor cando feito uma mula, de modo que Deus
usou essa reviravolta para motivar Sansão a precisou discipliná-lo.

1. O termo ' Palestina" em nossa língua vem do nome "Filístia".


2. W o o d , Leon. The Distressing Days ofthe Judges. Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1975, pp. 302-305.

3. Dentre outros servos de Deus escolhidos desde antes de seu nascimento, podemos citar Jeremias (Jr 1:4, 5) e Paulo (Gl 1:15*
apesar de o Salmo 139:15, 16 ensinar que o Senhor participa da concepção de toda criança.
4. O termo "nazireu" não deve ser confundido com "nazareno" (Mt 2:23; 26:71). Uma vez que Jesus bebia vinho (Mt 11:19: Mc
11:25) e tocou o corpo de pessoas mortas (Lc 7:14; 8:54), fica evidente que não era nazireu.
5. As palavras "só dela me agrado" e "dela se agradou' significam, literalmente, "parece certa a meus olho". Essas declarações
nos fazem lembrar de que, no tempo dos juizes, "cada qual fazia o que achava mais reto" (Jz 17:6; 21:25). Em vez de segui
ao Senhor, Sansão estava seguindo o resto do povo e fazendo o que "estava na moda".
6. Sem dúvida, o banquete de sete dias para comemorar as núpcias (Jz 14:17) incluía vinho, e é bem provável que Sansão tenha
bebido_. Era o noivo e esperava-se que incentivasse os convidados a se divertir. A palavra traduzida por "bodas", no original
tem o sentido de "festa com bebedeira".
7. Havia uma forma de casamento na qual a esposa ficava com os pais e o marido a visitava de tempos em tempos. Mas, ainda
que esse fosse o caso, a esposa esperaria que o marido consumasse o casamento antes de partir. Talvez Sansão planejasse
fazê-lo quando a visitasse na colheita do trigo {Jz 15:1-3), mas, então, descobriu que não era mais sua esposa!
considerou-os inimigos do Senhor e honrou
10 o nome de Deus com sua vitória (1 Sm 1 7).
Com o cristãos, precisamos estar atentos
para não encobrir motivações egoístas com
A Luz Q ue se A pa g o u uma capa de zelo religioso, chamando isso
de "indignação santa". A vingança pessoal
J u ízes 1 5 - 1 6 e o benefício próprio, em lugar da glória ao
Senhor, já foram a força motriz de inúmeros
"defensores" dentro das igrejas. Aquilo que
alguns consideram zelo piedoso pode, na
verdade, ser fúria pecaminosa que brota do
egoísmo e que se alimenta do orgulho. Exis­

A
vida de Sansão ilustra como nem sem­ te uma ira santa que devemos sentir quan­
pre um bom com eço é garantia de um do vemos o crescimento da perversidade e
fim.1 O poeta norte-americano Henry a opressão dos indefesos (Ef 4:26), mas a
lAadsworth Longfellow disse que: "A arte linha que separa a indignação justa de uma
áe começar é algo formidável, porém mais "birra religiosa" é extremamente tênue.
-.rm idável ainda é a arte de terminar". Por A vingança por seu casamento arrui­
esse motivo, Salomão escreveu: "Melhor é nado (vv. 1-5). Apesar de não haver consu­
• fim das coisas do que o seu princípio" mado seu casamento, Sansão considerou-se
iEc 7:8). legalmente casado com a mulher de Timna.
No começo de sua carreira, Sansão ser- Assim, levou consigo um presente ao visitá-
Mu ao Senhor como um brilho radiante, mas la na casa do pai. Qual não foi seu choque
sua luz começou a enfraquecer, à medida ao descobrir que não apenas não estava ca­
nue se entregou a suas paixões. Nas últimas sado, como também a mulher que amava
cenas de sua vida, vemos a luz de Sansão encontrava-se casada com o padrinho de
iDagar e o defensor cego de seu povo ser honra!2 Sansão havia pago o "preço da noi­
soterrado pelos montões de escombros de va" para ter a esposa e, agora, estava sem
*#n templo pagão. Mesmo considerando que seu dinheiro e sem mulher.
ele matou mais filisteus em seu martírio do A fúria de Sansão foi tanta que nem mes­
aue ao longo de sua carreira como juiz, as mo a oferta de uma noiva mais nova e ainda
•Misas poderiam ter sido muito diferentes se mais bela foi suficiente para acalmá-lo. Se
Sansão tivesse conquistado primeiro a si alguém deveria ser castigado era seu sogro,
“lesmo, antes de tentar conquistar os inimi­ o verdadeiro culpado. Afinal, tomou o di­
gos do Senhor. De acordo com Spurgeon: nheiro de Sansão e entregou a noiva para o
*sua vida toda foi uma série de milagres e homem errado! No entanto, Sansão resol­
ae desatinos". veu extravasar sua ira contra os filisteus, quei­
Observe as cenas finais da vida Sansão mando suas plantações de cereais.
o*ra saber por que ele não terminou bem. A palavra traduzida por "raposas" tam­
bém pode significar "chacais", e é bem pro­
1. S a n s ã o se v i n g a (J z 15:1-8) vável que Sansão tenha usado estes últimos.
O desejo impetuoso de Sansão de ir à forra As raposas são animais solitários, enquanto
narecia controlar sua vida. Seu lema era: os chacais andam em grandes alcatéias. Por
^ssim como me fizeram a mim, eu lhes fiz isso, seria muito mais fácil Sansão capturar
a eles" (Jz 15:11). Entendo que, como de- trezentos chacais, sendo que, para isso, cer­
ae~sor de Israel, Sansão havia sido chamado tamente contou com a ajuda de outros ho­
o.ara derrotar o inimigo, mas nosso maior mens. Se tivesse colocado uma tocha na
aesejo é vê-lo lutando nas "batalhas do Se- cauda de cada animal, cada um teria fugido
-rsor" e não apenas em seus conflitos pes­ imediatamente para sua toca. Porém, ao co­
soais. Quando Davi enfrentou os filisteus, locar dois animais juntos e depois soltá-los,
150 JUÍZES 1 5 - 1 6

Sansão teria certeza quase absoluta de que elevado em Judá, próximo a Lei, de onde
o medo do fogo faria com que entrassem Sansão podia observar os inimigos com fa­
em pânico. Assim, correriam freneticamen­ cilidade e segurança.
te de um lado para o outro nos cam pos e
ateariam fogo nos cereais. Em seguida, o 2. S a n s ã o se d e fe n d e (J z 15:9-20)
fogo se espalharia para as vinhas e os oli­ Com o Sansão atacou os filisteus, os filisteus
vais, causando devastação que causaria foram à forra e atacaram Israel; afinal, os
enormes prejuízos. israelitas não tinham armas nem exército. A
Não sabemos ao certo por que escolheu invasão de Judá não ajudou a tornar Sansão
destruir as plantações dos filisteus de ma­ benquisto pelo povo, que infelizmente se
neira tão estranha. Se havia outros homens contentava em sujeitar-se a seus vizinhos e
ajudando Sansão, com esse método ele em fazer o que podia naquela situação. Em
poderia atacar vários campos ao mesmo tem­ vez de encarar Sansão como seu libertador,
po; por não conseguirem ver os animais os homens de Judá consideraram-no um
correndo no meio da plantação, os filisteus agitador.
ficariam assustados e confusos sem saber o E difícil ser líder quando não há seguido­
que estava causando os incêndios. Sem dú­ res, mas parte da culpa foi do próprio Sansão.
vida, os chacais fariam um barulho terrível, Ele não desafiou o povo, não organizou os
especialmente quando fossem envoltos pe­ israelitas nem confiou que Deus lhes daria a
las chamas ou pela fumaça. Seu enigma e vitória. Preferiu trabalhar sozinho, lutando
sua rima (Jz 15:16) mostram que Sansão ti­ as batalhas do Senhor como se fossem suas
nha um senso de humor infantil e, talvez, rixas pessoais. Vemos que Sansão foi cha­
essa forma de provocar o incêndio das plan­ mado para começar a libertar a nação (13:5),
tações tenha sido apenas mais uma diver­ mas me parece que se "pontapé inicial"
são para ele. Não devemos nos esquecer, poderia ter sido mais enérgico. Quando o
porém, de que Deus usava as façanhas de povo de Deus acomoda-se na situação pre­
Sansão para perturbar os filisteus e prepará- sente e seus líderes não os estimulam a agir,
los para a derrota certa que viria alguns anos as coisas não vão nada bem.
depois. Quando os homens de Judá descobri­
A vingança pela morte da esposa (vv. 6- ram que os filisteus desejavam capturar e
8). A violência gera mais violência, e os amarrar som ente Sansão, ofereceram -se
filisteus não ficaram de braços cruzados en­ para ajudar. Em que triste estado encontra-
quanto seus alimentos e sua riqueza se con­ se uma nação cujos cidadãos colaboram
sumiam em chamas. Imaginaram que Sansão com o inimigo e entregam o próprio líder
estava por trás dos incêndios e não hesita­ escolhido por Deus! Enquanto Sansão exer­
ram em revidar. Uma vez que não tinham ceu sua função de juiz, esse foi o único mo­
esperanças de vencer Sansão, atacaram mento em que Israel reuniu um exército e,
quem estava mais perto e despejaram sua ainda assim, com o propósito de capturar um
ira sobre a esposa e o sogro de Sansão. Na de seus próprios homens! N o entanto,
realidade, de nada adiantou aquela mulher Sansão percebeu que, se não se entregasse,
filistéia ter traído Sansão (Jz 14:15). "Se as­ o exército filisteu causaria grande sofrimen­
sim procedeis, não desistirei enquanto não to em sua terra, de modo que se rendeu
me vingar" (Jz 15:7). Não sabemos quantos voluntariamente. A fim de se defender, teria
filisteus ele matou ou quantas armas usou, sido obrigado a lutar contra o próprio povo.
mas foi uma "grande matança". Depois do Para escapar, o que poderia ter feito com
ataque, Sansão retirou-se para uma caverna facilidade, teria sido forçado a deixar três mil
na "rocha de Etã". Essa não é a mesma Etã homens de Judá nas mãos do exército filisteu.
citada em 1 Crônicas 4:32 (muito distante) Essa decisão de Sansão teve um toque de
e nem em 2 Crônicas 11:6 (ainda não havia heroísmo que passou despercebido pelos
sido construída). Tratava-se de um lugar homens de Judá.
JUÍZES 1 5 - 1 6 151

Pelo poder do Espírito Santo, Sansão rom- terminar a vida nas mãos dos pagãos filisteus.
□eu facilmente as amarras com as quais os Infelizmente, foi exatamente isso o que acon­
r.omens de Judá haviam atado seus braços, teceu. Porém, Deus foi m isericordioso e
□■egou a queixada nova de um jumento (uma abriu uma fonte de água numa cavidade.
njeixada mais velha seria quebradiça demais) Sansão saciou a sede e chamou o lugar de
e matou mil filisteus. Só nos resta imaginar o "A fonte do Que Clama" (ARC). O lugar onde
nje os homens de Judá pensaram ao ver seu Sansão exterminou os filisteus foi chamado
Drisioneiro, seu próprio irmão, matar sozinho de "Monte da Queixada". Alguns traduto­
os invasores. Será que algum deles teve von­ res dão a entender que a água veio da quei­
tade de pegar as armas dos filisteus mortos e xada, pois o nome do lugar em hebraico é
de participar da batalha? Será que os israelitas Lei, que significa "queixada, de modo que
sabiam usar essas armas? Juizes 15:19 diz: "Então, o S e n h o r fendeu a
Sansão sabia se expressar. Em seu ban- cavidade que estava em Lei".
□ uete de casamento havia criado um enig­
ma astuto (14:14). D epois dessa grande 3 . S a n s ã o exp õ e-se à t e n t a ç ã o
■ itória, escreveu um poema baseado na se­ (Jz 16:1-3)
melhança dos sons das palavras hebraicas G aza era uma cidade portuária importante,
■amor ("jumento") e homer ("monte"). James situada a cerca de sessenta e cinco quilô­
Moffatt apresenta a seguinte tradução: "Com metros de Zorá, cidade natal de Sansão. O
a queixada de um jumento empilhei-os num texto não diz o motivo de Sansão ter ido
montão. Com a queixada de um jumento para lá, mas é pouco provável que estivesse
ataquei quem me atacou".3 em busca de prazeres sensuais. Havia pros­
Porém, sua comemoração de vitória não titutas em abundância na terra de Israel, ape­
durou muito tempo, pois Deus o lembrou sar de essa prática ser condenada pela lei
ae que era apenas um homem e precisava (Lv 19:29; Dt 22:21). Foi depois de sua che­
de água para sobreviver. Nas Escrituras, é gada a G aza que Sansão viu uma prostituta
comum o triunfo ser seguido de uma prova­ e decidiu visitá-la. Mais uma vez, a con­
ção. Assim que os israelitas terminaram de cupiscência dos olhos e a concupiscência
atravessar o mar Vermelho, viram-se seden- da carne juntaram-se para exercer domínio
:os (Êx 15:22-27) e famintos (Êx 16). A vitó­ sobre Sansão e fazer dele um escravo de
ria de Elias no monte Carmelo foi seguida suas paixões.
de sua fuga humilhante para o monte Horebe Para nós, parece inacreditável que um
1 Rs 18 - 19). Se os triunfos não forem con­ servo de Deus (Jz 15:18), que fez grandes
trabalançados pelas provações, há sempre coisas pelo poder do Espírito, visitasse uma
o perigo de nos enchermos de orgulho e de prostituta, mas o relato bíblico é claro. Sem
confiança própria. dúvida, o Senhor não aprovava esse tipo de
Se ao menos Sansão tivesse dado ouvi­ com p ortam en to, e sp e cialm e n te de um
dos a essa advertência de Deus e se não nazireu, e esse episódio foi mais um passo
tivesse suplicado apenas por água, mas tam- na jornada de Sansão rumo às trevas e à
Dém por orientação! As palavras: "Não nos destruição. Nos últimos anos, temos visto
deixes cair em tentação" teriam constituído nos Estados Unidos escândalos suficientes
jm a oração perfeita para aquele momento. ocorrerem no ministério para nos manter
Com o somos rápidos em clamar por ajuda sempre alertas. "Aquele, pois, que pensa
Dara o corpo quando, talvez, nossas maiores estar em pé veja que não caia" (1 Co 10:12).
necessidades encontram-se no ser interior. Não é nossa culpa se Satanás e seus
É quando somos fracos que somos fortes dem ônios nos tentam, mas quando nós
,2 Co 12:10), e ao depender em tudo do mesmos nos expomos à tentação, passamos
Senhor, estaremos absolutamente seguros. a ser nosso próprio inimigo. Deus não nos
A oração de Sansão mostra que se consi­ tenta (Tg 1:12-15). Quando oramos: "Não
derava um servo de Deus e que não desejava nos deixes cair em tentação" (Mt 6:13),
152 JUÍZES 1 5 - 1 6

estamos pedindo que não tentemos a nós "descia" tanto em termos geográficos quan­
mesmos e que não nos coloquem os em situa­ to espirituais (14:1, 5, 7, 10). Dessa vez, apai­
ções que nos levem a tentar a Deus. Nós o xonou-se por uma mulher que encontrou no
tentamos ao forçá-lo a intervir e nos salvar vale, não muito longe de casa. E perigoso
ou ao desafiar o Senhor a nos impedir. Pode demorar-se na fronteira com o território ini­
acontecer de o caráter do ser humano se migo, pois quem faz isso pode acabar sen­
deteriorar a ponto de não precisar mais ser do pego.
tentado a pecar. Tudo o que pessoas assim Assim como Davi e Bate-Seba, Sansão
precisam é de uma oportunidade para pe­ e Dalila estimularam a imaginação de inú­
car, e elas próprias se encarregarão de ten­ meros escritores, artistas, compositores e
tar a si mesmas. Uma aventura sexual ilícita dramaturgos. Handel incluiu Dalila em seu
começa doce como o mel, mas termina tão oratório Sansão, e Saint-Saens escreveu uma
amarga quanto o absinto (Pv 5:1-14). Sansão, ópera sobre Sansão e Dalila. (A peça Ba c-
o ser humano, transformou-se em Sansão o chanale ainda é uma com posição musical
animal, enquanto a prostituta o conduzia bastante tocada em concertos.) Q uando
para o matadouro (Pv 7:6-23). Sansão envolveu-se com Dalila no vale de
A notícia de que Sansão estava em G aza Soreque, jamais sonhou que seu relaciona­
espalhou-se, e o povo colocou guardas na mento com ela se transformaria num filme
porta da cidade para capturar e matar Sansão de Hollywood, apresentado em telas enor­
pela manhã. Porém, Sansão decidiu sair da mes e cores vívidas.
cidade no meio da noite, enquanto os guar­ Não há consenso entre os estudiosos
das estavam dormindo. O fato de as portas quanto ao significado do nome de Dalila.
estarem cerradas não o assustou. Pegou as Alguns acreditam que quer dizer "devota'
portas, as ombreiras e as trancas e levou-as indicando que talvez fosse uma prostituta
embora! Dependendo da tradução de Juizes cultual. No entanto, Dalila não é chamada
16:3, entende-se que ele carregou tudo até de prostituta como a mulher em Gaza, ape­
de Hebrom, cerca de sessenta e quatro qui­ sar de ser bem provável que essa fosse sua
lômetros de lá, ou até uma colina defronte o cu p a çã o . A liá s, D a lila nem se qu er é
de Hebrom. No entanto, as duas interpreta­ identificada como filistéia. Porém, pela for­
ções são possíveis. ma como tratou com os líderes filisteus, tem-
A porta da cidade não servia apenas se a impressão de que fazia parte de seu
como proteção, mas também como lugar povo. Outros estudiosos acreditam que seu
onde os oficiais se encontravam para rea­ nome vem do termo hebraico da/a/, que sig­
lizar suas transações (Dt 25:7; Rt 4:1, 2). nifica "enfraquecer, empobrecer". Quer essa
"Possuir as portas dos inimigos" era uma me­ derivação seja correta quer não, ela certa­
táfora para "derrotar os inimigos" (Gn 22:1 7; mente enfraqueceu e empobreceu Sansão!
24:60). Quando Jesus falou de as portas do Cada um dos líderes filisteus prometeu
inferno (hades) não prevalecerem contra a pagar a Dalila uma quantia considerável em
Igreja (Mt 16:18), estava descrevendo a vi­ dinheiro se ela seduzisse Sansão e desco­
tória da Igreja sobre as forças de Satanás brisse a fonte de sua força extraordinária.4 A
e do mal. Por meio de sua morte e ressur­ intenção deles não era matar Sansão, mas
reição, Cristo havia "atacado as portas do sim neutralizar seu poder, capturá-lo, torturá-
inferno", levando-as embora num gesto de lo e, em seguida, usá-lo para seus propósi­
triunfo! tos. A capacidade de exibir e de controlar o
grande defensor de Israel daria aos filisteus
4 . S a n sã o t r a i a si m e s m o (Jz 1 6 :4 -2 2 ) tanto segurança quanto grandeza entre as
O vale de Soreque ficava entre Zorá e Timna, nações e, sem dúvida alguma, satisfaria o
na fronteira de Judá com a Filístia. A cidade ego do povo ao humilhar os israelitas.
de Bete-Semes situava-se nesse local. Sempre Sansão deveria ter percebido o perigo
que Sansão entrava em território inimigo, quando Dalila começou a interrogá-lo sobre
JUÍZES 1 5 - 1 6 153

■o- segredo de sua força e, como José (Gn cabeleira longa era um sinal de seu voto
39:12; 2 Tm 2:22), deveria ter fugido o mais nazireu. O Espírito que havia sido colocado
■aDÍdo possível. Porém, estava preso a ela sobre Sansão não estava mais com ele.
□ela paixão e anestesiado pelo pecado, de Números 6:7 diz, literalmente: "pois a
—odo que não foi capaz de agir de modo consagração (nezer) de Deus está sobre sua
■acionai. Qualquer um poderia ter lhe dito cabeça". O significado básico da palavra
u e Dalila o estava fazendo de bobo, mas nezer é "separação" ou "consagração", mas
Sansão não teria acreditado. também é usado para coroa real (2 Sm 1:10;
É pouco provável que os filisteus que se SI 89:39; Z c 9:16). O s cabelos longos de
esconderam em seus aposentos tenham se Sansão eram sua "coroa real", que ele per­
■p.elado cada vez que Sansão escapou de deu em função do pecado. "Venho sem
«.ias amarras, pois desse modo teria desco­ demora. Conserva o que tens, para que nin­
berto que Dalila havia preparado uma arma- guém tome a tua coroa" (Ap 3:11). Uma vez
■éiha para ele. Ao gritar "O s filisteus vêm que Sansão não disciplinou seu corpo, per­
tB-ore ti!", Dalila dava um sinal para os es- deu tanto a coroa quanto o prêmio (1 Co
n*as ficarem alertas, mas quando estes viam 9:24-27).6
• ue Sansão estava livre, permaneciam em O s filisteus subjugaram Sansão sem qual­
esconderijo. Todas as mentiras de Sansão quer dificuldade e, por fim, conseguiram fa­
•nduíam ser amarrado por Dalila de alguma zer com ele o que desejavam. Perfuraram
»Tna, mas os filisteus deveriam saber que seus olhos,7 amarram-no e levaram-no para
e*e não poderia ser amarrado (Jz 15:13). Gaza, onde trabalhou num moinho de grãos,
Dalila foi obrigada a persistir em sua mis­ fazendo o trabalho que costumava ser dado
são, do contrário teria perdido todo o di- a escravos, mulheres e jumentos. Alguém
”*ieiro e talvez até mesmo a vida. Afinal, é disse que Juizes 16:21 serve para nos lem­
so nos lembrarmos do que os filisteus fize- brar daquilo que o pecado faz em nossa vida:
-a m à primeira esposa de Sansão! Se Sansão cegar, amarrar e moer. Em seu poema épico
K.esse parado de se encontrar com Dalila, Samson Agonistes, o Sansão retratado por
leria mantido o cabelo e o poder,5 mas ele John Milton diz:
ínntinuou a visitá-la e, a cada vez, ela im-
;*orava que ele lhe revelasse seu segredo. O cegueira, não há outra coisa da qual
Sansão não conhecia o próprio coração e mais me lamente!
-íaginou que sua força moral fosse suficien- Sem ver, em meio aos inimigos, és pior
w para dizer não a sua tentadora. Mas esta- que qualquer corrente,
■a enganado. calabouço ou mendicidade,
Conhecedora hábil dos cam inhos do pior até do que a mais avançada idade!
necado (Lc 16:8; Pv 7:21), durante a quarta
■»sita de Sansão, Dalila teve certeza de que Sansão é um dos três homens das Escrituras
ia lhe revelado a verdade. Uma vez que identificados especificamente com a escuri­
« 'grupo de ataque" havia parado de ir à dão. O s outros dois são o rei Saul, que saiu
tasa de Dalila depois do terceiro fiasco, ela na escuridão para buscar o socorro emer-
k apressou em chamá-los e, mais uma vez, gencial de uma feiticeira (1 Sm 28), e Judas,
os espias esconderam-se nos aposentos dela. que "saiu logo. E era noite" (Jo 13:30). Saul
Q u and o o grito de D alila despertou viveu para o mundo, Sansão sucum biu à
Sansão, ele pensou que era mais um de seus carne e Judas entregou-se ao diabo (Jo 13:2,
'■uques e que poderia tratar da situação 27), e os três acabaram tirando a própria vida.
c jm o antes. Mas se enganou. Q u an d o No entanto, há um raio de esperança na
1-e'deu os longos cabelos, o Senhor o dei- escuridão, pois os cabelos de Sansão come­
■ou. e ele se tornou tão fraco quanto qual- çaram a crescer outra vez. Seu poder não
■ ie r outro homem. Seu poder não vinha dos estava na cabeleira, mas naquilo que ela repre­
aoelos, mas sim do Senhor. No entanto, a sentava: sua consagração a Deus. Se Sansão
154 JUÍZES 1 5 - 1 6

renovasse essa consagração, Deus poderia mais de três mil pessoas. Durante um inter­
lhe restaurar as forças. Creio que, enquanto valo na diversão toda daquele dia, Sansão
girava a pedra do moinho, Sansão conversa­ pediu a seu ajudante que o colocasse pró­
va com o Senhor, confessando seus pecados ximo aos pilares, e foi lá que proferiu sua
e pedindo a Deus uma última oportunidade última oração.'0 O fato de Deus haver res­
de derrotar o inimigo e de glorificar o nome pondido indica que o relacionamento entre
de Jeová.8 Sansão e o Senhor estava em ordem ÍSI
66:18, 19).
5 . S a n s ã o c a u s a a p r ó p r ia d e s t r u iç ã o E bem provável que, a essa altura, os pais
(Jz 16:23-31) de Sansão já tivessem falecido, mas seus
Q ue tristeza um servo do Senhor, criado num parentes por parte de pai foram buscar o
lar piedoso, acabar como escravo humilha­ corpo dele e o sepultaram. No hebraico, a
do de seu inimigo! Pior ainda foi os filisteus expressão "seus irmãos", em Juizes 16:31,
darem glória a seu deus, Dagom, por ajudá- possui o significado mais amplo de "paren­
los a capturar seu grande inimigo. Em vez tes". Tanto quanto sabemos, Sansão era filho
de glorificar o nome do Deus de Israel, San­ único. A oração "entre Zorá e Estaol", no versí­
são deu ao inimigo a oportunidade de hon­ culo 31, remete-nos a 13:25. Sansão voltara
rar seus falsos deuses. Dagom era o deus ao ponto em que havia começado, só que
dos cereais e, sem dúvida, os filisteus não agora estava morto. A luz havia apagado.
haviam esquecido daquilo que Sansão ha­ Com o avaliar a vida e o ministério de
via feito em seus campos (Jz 15:1-5). um homem como Sansão? Creio que Alexar»-
O povo que participava de um festival der Maclaren expressou-se bem ao dizer
religioso pediu que trouxessem Sansão para "Em vez de tentar transformá-lo num nobre
diverti-los. Estavam cheios de orgulho, pois herói, é muito melhor reconhecer franca­
o inimigo encontrava-se sob seu poder, e mente as limitações de seu caráter e as im­
Dagom havia triunfado sobre Jeová. Pensa­ perfeições de sua religião [...]. Se era o ma:s
ram que a cegueira de Sansão o havia tor­ puro desejo de vingança que impelia co n
nado inofensivo. Não sabiam que havia fúria as orações de Sansão, é porque ele não
parecido por bem ao Senhor perdoar seu havia escutado as palavras 'Amai os vossos
servo e restaurar sua força. inimigos' e, nos seus dias, destruir os inimi­
Em Juizes 16:25, o verbo "divertir", na gos de Deus e de Israel era um dever''.'1
realidade, é a tradução de dois termos dife­ Seu declínio teve início quando discor­
rentes. O primeiro significa festejar, folgar, dou dos pais quanto ao casamento com uma
zombar e gracejar, enquanto o segundo quer moça filistéia. Depois disso, desprezou seu
dizer entreter, zombar e rir.9 O texto não diz voto nazireu e contaminou-se. Desconside­
exatamente como Sansão divertiu a multi­ rou as advertências de Deus, desobedeceu
dão no templo de Dagom, mas uma coisa é à Palavra de Deus e derrotou os inimigos de
certa: ele fez com que acreditassem que ele Deus. E provável que pensasse ter direito de
era inofensivo e que estava sob seu contro­ entregar-se ao pecado, uma vez que carre­
le. Tanto que, em sua cegueira, encontrava- gava consigo a marca de um nazireu e que
se nas mãos de um menino que o conduzia havia conquistado tantas vitórias para o Se­
de um lugar para outro. Em episódios ante­ nhor. Mas se enganou.
riores, vimos sinais de que Sansão era um "Com o cidade derribada, que não tem
homem astuto com um bom senso de hu­ muros, assim é o homem que não tem do­
mor. Assim, por certo, deu ao público aqui­ mínio próprio" (Pv 25:28).
lo que desejava. "Melhor é o longânimo do que o herói
Em visitas passadas a Gaza, sem dúvida, da guerra, e o que domina o seu espírito,
Sansão havia visto esse templo e observado do que o que toma uma cidade" (Pv 16:32,.
sua construção. Afinal, dificilmente teria dei­ Imagino se Salomão estava pensado em
xado de notar um local com espaço para Sansão quando escreveu essas palavras.
JUÍZES 1 5 - 1 6 155

Sem dúvida, podemos pensar em vários outros exemplos das Escrituras. Ló teve o privilégio de andar com Abraão e, no
entanto, acabou numa caverna, embriagado e cometendo incesto com as filhas. O rei Saul começou como um homem
humilde, mas terminou os dias como suicida, destruído por seu orgulho obstinado. O rei Uzias foi um homem piedoso até que
se fortaleceu. Quando tentou usurpar o lugar dos sacerdotes, Deus o julgou, ferindo-o com lepra. Aitofel íoi o conselheiro
mais fiel de Davi, mas acabou se enforcando. Demas, ajudante de Paulo, abandonou o ministério, pois amava "o presente
século" (2 Tm 4:10). Que o Senhor nos ajude a terminar bem!
A Bíblia mostra vários noivos surpresos. Quando Adão adormeceu, era um homem solteiro, mas quando acordou, descobriu
■para sua felicidade) que estava casado (Cn 2:21-25). ]acó d e sp e rto u e descobriu que estava casado com a mulher errada
iGn 29:21-30). Boaz acordou e encontrou sua futura esposa deitada a seus pés no chão da eira {Rt 3:1-13"). A vida é cheia de
despertares abruptos.
M o f fa t t , James. A New Translation ofthe Bible. Londres: Hodder and Stoughton, 1934, p. 291.
Mica ofereceu pagar a seu sacerdote domiciliar dez siclos de prata por ano, além de hospedagem e de alimentação (Jz 17:10);
de modo que a recompensa de Dalila era a mais generosa. Se cada um desses príncipes das cinco cidades filistéias estava
envolvido no plano, como provavelmente foi o caso, Dalila receberia cinco mil e quinhentos siclos. Isso mostra como era
importante para os líderes filisteus que Sansão fosse capturado.
luízes 16:16 indica que Sansão via Dalila "todos os dias". O texto não diz se ele ia todos os dias à casa dela ou se simplesmente
roi morar com ela. Estava fazendo papel de bobo, mas não havia quem o convencesse disso.
O Espírito Santo deixou o rei Saul por causa de seus pecados (1 Sm 16:14), e o rei também perdeu a coroa (2 Sm 1:10). Deus
quer que "[reinemos] em vida" (Rm 5:17), e é o que faremos se andarmos no Espírito e nos entregarmos inteiramente ao
Senhor. O pecado transforma reis em escravos; a graça transforma pecadores em reis.
Seus olhos haviam lhe causado problemas {Jz 14:1, 2; 16:1), e a "concupiscência dos olhos" o havia levado a pecar. Se Sansão
tivesse vivido pela fé, teria terminado a carreira com honras e glorificado ao Senhor.
Uma vez que os filisteus sabiam que o cabelo longo de Sansão tinha alguma relação com seu poder, por que permitiram que
soltasse a crescer? Provavelmente por dois motivos: (1) queriam que voltasse a ficar forte para que pudessem usar seu poder
e exibir suas façanhas; e (2) tinham certeza de que, por estar cego, não representaria mais um perigo para eles. No entanto,
não foi o comprimento de seu cabelo, mas sim a força de sua dedicação a Deus que causou a mudança. Os filisteus não
tinham como saber que Deus havia devolvido a Sansão suas forças.
O segundo termo - sahaq - dá origem ao nome "Isaque", que significa "riso". As duas palavras hebraicas têm o sentido de
entreter as pessoas fazendo-as rir. O grande defensor havia se tornado um comediante.
O texto só registra duas orações de Sansão, uma delas pedindo água (Jz 1 5: \ 8) e esta pedindo forças para derrubar as
colunas. Minha sugestão é que Sansão transformou sua prisão num santuário e conversou com o Senhor, mas suas "orações
do cárcere" não se encontram registradas. É triste que suas últimas palavras ainda demonstrem espirito de vingança e não o
desejo de glorificar a Deus, mas não sejamos severos demais com esse homem que se dispôs a entregar a vida numa última
tentativa de servir ao Senhor.
M a c la re n , Alexander. Expositions of Holy Scripture. Grand Rapids: Baker Book House, 1975, vol. 2 , p. 2 5 6 .
relevância, é o lar, pois constitui a base da
11 sociedade. Quando Deus uniu Adão a Eva
no jardim, lançou os alicerces para as insti­
tuições sociais que a humanidade viria a
C o l a p s o I n ter n o construir. Quando esses alicerces desmoro­
nam, a sociedade com eça a desintegrar.
J u ízes 1 7 - 1 8 "Ora, destruídos os fundamentos, que po­
derá fazer o justo?" (SI 11:3).
O nome Mica quer dizer "quem é como
Jeová?'', mas por certo o homem não viveu
de modo a honrar o Senhor. Era um homem
de família (Jz 17:5), apesar de o texto não
dizer coisa alguma sobre sua esposa e de
E m seu conhecido poema "A Segunda Vin­
da", o poeta irlandês William Butler Yeats
descreve o colapso da civilização com uma
termos a impressão de que sua mãe vivia
com ele e era rica. Em Israel, era comum a
imagem vfvida e assustadora. Cada vez que "parentela" viver junta.
leio esse poema, sinto calafrios e dou gra­ Alguém roubou 1.100 ciclos de prata da
ças, pois conheço Aquele que há de vir. mãe de Mica, e ela proferiu uma maldição
Nas palavras de Yeats: "As coisas se de­ sobre o ladrão sem saber que estava amaldi­
sintegram e o colapso é interno". çoando o próprio filho. Foi o medo da mal­
Os capítulos de encerramento do Livro dição, não o temor do Senhor, que levou o
de Juízes são uma repetição desse tema: "o filho a confessar o crime e devolver o dinhei­
colapso interno". A nação que, outrora, ha­ ro. Satisfeita, a mãe neutralizou a maldição
via marchado em triunfo pela terra de Canaã ao abençoar o filho. Num gesto de gratidão
e para a glória de Deus, desintegra-se moral pela devolução do dinheiro, ela consagrou
e politicamente e envergonha o nome do parte da prata ao Senhor e mandou confec­
Senhor. Porem, o que mais poderia se espe­ cionar um ídolo. Seu filho acrescentou a
rar quando "Israel não tem rei" e o povo imagem à "coleção de ídolos" em sua casa.
despreza as leis de Deus? um "santuário" sob os cuidados de um dos
O s acontecimentos descritos nos capí­ filhos de Mica, o qual ele havia consagrado
tulos 1 7 - 2 1 ocorreram num momento an­ como sacerdote.
terior ao período dos juízes, provavelmente Você já viu família mais espiritual e mo­
antes dos quarenta anos de domínio dos ralmente confusa do que essa? Conseguiram
filisteus. O s movimentos da tribo de Dã te­ quebrar quase todos os dez mandamentos
riam sido difíceis, e a guerra com o povo de (Êx 20:1-1 7) sem, no entanto, sentir qualquer
Benjamim seria inviável se os filisteus já esti­ culpa perante o Senhor! Na verdade, acredi­
vessem controlando a terra. O escritor saiu tavam que, com todas essas coisas estranhas
da cronologia histórica e colocou esses acon­ que faziam, estavam servindo ao Senhor!
tecimentos como um "anexo" ao livro para O filho não honrou a mãe; em vez disso,
mostrar como o povo havia se tornado per­ roubou dela e mentiu sobre o que havia fei­
verso. A desintegração de Israel deu-se em to. Primeiro, cobiçou a prata e depois a to­
três áreas principais da vida: o lar, o ministé­ mou para si. (De acordo com Cl 3:5, a cobiça
rio e a sociedade. é idolatria.)
Em seguida, mentiu sobre tudo o que
1. C o n f u s ã o n o l a r (J z 17:1-6) havia feito até que seu medo da maldição
Deus estabeleceu três instituições na socie­ o levou a confessar. Com isso, quebrou o
dade: o lar, o governo humano e a comunida­ quinto, o oitavo, o nono e o décimo manda­
de de adoração - Israel, sob a antiga aliança, mentos. Quebrou também o primeiro e o
e a igreja, sob a nova aliança. A primeira segundo mandamentos ao ter em casa um
delas, tanto em ordem de criação quanto em santuário para falsos deuses. De acordo com
JUÍZES 1 7 - 1 8 157

■oi erbios 30:8, 9, quando roubou a prata, Cristo como o Cabeça de seu lar. podería­
i-ca transgrediu o terceiro mandamento e mos tratar alguns crimes de nosso país desde
■rnou o nome do Senhor em vão. Conse- as raízes. O s lares piedosos são os alicerces
■_ 'quebrar sefe dos dez mandamentos sem de uma sociedade justa e feliz.
« ju e r sair de casa é uma façanha e tanto!
\ mãe de Mica quebrou os dois primei- 2. C o n f u s ã o n o m in is t é r io (J z 1 7 : 7 - 1 3
K mandamentos ao confeccionar um ído- Deus não apenas instituiu o lar e instruiu
■ii e incentivar o filho a manter em casa um os pais sobre como educar os filhos (Dt 6)
'sartuário" particular. De acordo com Deu- como também instituiu a liderança espiri­
B'onômio 12:1-14, deveria haver somente tual da com unidade de adoração. Sob a
cai lugar de adoração em Israel, e o povo antiga aliança, o tabernáculo e, posterior­
•-ão tinha permissão de possuir os próprios mente, o templo eram o centro da comunida­
H tuários particulares. Além disso, na ver- de, e o sacerdócio arônico era responsável
'.jde, a mãe de Mica não tratou dos peca- pela supervisão de ambos. Sob a nova alian­
□i s do filho e, por certo, o caráter dele não ça a Igreja de Jesus Cristo é o templo de
n jd o u para melhor depois que ela lidou Deus ÍEf 2:1 9-22), e o Espírito Santo chama
c i m a situação. Mas o que poderia se espe- e prepara ministros para servirem ao Senhor
sar uma vez que ela mesma também era uma e a seu povo (1 Co 12 - 14; Ef 4:1-1 6). Em
ssoa corrupta? sua Palavta, Deus dizia aos sacerdotes do
Mica não apenas possuía um santuário Antigo Testamento o que deviam fazer, e,
Diirticular, como também nomeou o próprio nos dias de hoje, por meio de sua palavra,
'o para servir de sacerdote. Sem dúvida, 0 Espírito Santo guia a Igreja e explica sua
^a sabia que o Senhor havia escolhido a ordem e seu ministério.
■ nriília de Arão para constituir o único sa- Um jovem levita chamado Jônatas (Jz
;e 'dócio de Israel e, se alguém fora dessa 18 :30 )1 vivia em Belém de Judá, que não
_a lília fizesse as vezes de sacerdote, deve- era uma das cidades designadas para os sa­
-, ser morto (Nm 3:10). cerdotes e levitas (Js 21; Nm 35). É provável
Pelo fato de Mica e de sua família não que se encontrasse naquela cidade porque
st sujeitarem à autoridade da Palavra de o povo de Israel não estava sustentando o
D eus, seu lar era um lugar de confusão reli- tabernáculo e seus ministros com os dízimos
i isa e moral. No entanto, não era muito e ofertas como Deus havia ordenado que
uiierente de muitos lares de hoje, onde o fizessem (Nm 18:21-32; Dt 14:28, 29; 26:12-
'heiro é o deus ao qual a família dedica 15). Por que viver numa cidade levítica só
sua devoção os filhos roubam dos pais e para passar fome? Quando povo de Deus
— ;ntem sobre o que fizeram, onde a honra torna-se indiferente às coisas espirituais, uma
aa família é um conceito desconhecido e das primeiras evidências dessa apatia é o
.rd e não há espaço para o Deus verdadei­ declínio em sua contribuição ao Senhor, e,
ro. \ televisão fornece todas as "imagens" em decorrência disso todos sofrem.
;L e uma família poderia desejar "adorar", e Em vez de buscar a vontade do Senhor,
ciiucos se preocupam com as declarações Jônatas foi procurar um lugar onde viver e
cue iniciam com "assim diz o Senhor". trabalhar, mesmo que isso significasse aban­
Lembro-me de ouvir Vance Havner di- donar seu chamado como servo de Deus. A
ier: "Não devemos nos preocupar com o nação encontrava-se num ponto baixo de
‘ato de o governo não permitir que as crian- sua espiritualidade, e ele poderia ter feito
:as tenham Bíblias na escola. Elas recebe- algo a fim de ajudar a trazer o povo de volta
■ão Bíblias de graça quando forem para a a Deus. Era apenas um homem, mas Deus
"nsão". não precisa de mais do que isso para come­
Porém, hoje em dia, nossas prisões encon- çar uma grande obra e fazer diferença na
_ .m-se tão superlotadas que o governo não história de uma nação. Em vez de colocar-se
s;.be o que fazer. Se cada família colocasse à disposição de Deus, Jônatas mostrou-se
158 JUÍZES 1 7 - 1 8

disposto a servir apenas aos homens e aca­ coração do Senhor ver as pessoas adorando
bou encontrando um trabalho confortável ídolos ministeriais do "sucesso": as estatísti­
com Mica. cas, as construções e a reputação. Na "socie­
Se Jônatas é um exemplo típico dos ser­ dade de consumo" de hoje, pregadores e
vos de Deus nesse período da história, en­ "profetas" auto-ordenados não têm dificul­
tão não é de se admirar que a nação de dade alguma em encontrar seguidores e em
Israel estivesse confusa e corrompida. Esse vender seus artigos religiosos a uma igreja
homem não deu valor algum a seu chama­ que age mais como um fã clube de Holly­
do como levita, servo escolhido de Deus. wood do que como povo santo de Deus. E,
O s levitas eram encarregados não apenas para piorar, esses mercenários chamam aqui­
de ajudar os sacerdotes em seus ministérios lo que está ocorrendo de "bênção de Deus".
(Nm 3:6-13; 8:1 7, 18) como também de en­ O s Jônatas e os Micas sempre vão se en­
sinar a lei ao povo (Ne 8:7-9; 2 Cr 17:7-9; contrar, pois precisam um do outro.
35:3) e de participar da música sagrada e A parte triste da história é que Mica acre­
dos louvores de Israel (1 C r 23:28-32; Ed ditava que possuía o favor de Deus, pois um
3:10). Jônatas abriu mão de tudo isso em sacerdote levítico de verdade servia como
troca do conforto e da segurança no lar de seu capelão pessoal. M ica praticava uma
um idólatra. religião falsa e adorava falsos deuses (acres­
No entanto, o ministério de Jônatas não centando Jeová à mistura, só para garantir)
era, de maneira alguma, de caráter espiri­ e, enquanto isso, se fiava numa falsa segu­
tual. Em primeiro lugar, ele era um sacerdo­ rança de que Deus o estava abençoando!
te contratado e não um pastor de verdade Mal sabia que viria um tempo em que seu
(Jz 18:4; Jo 10:12,13). Não servia ao verda­ sacerdote e seus deuses lhe seriam toma­
deiro Deus vivo, mas trabalhava para Mica e dos e que não restaria coisa alguma de sua
para seus ídolos. Jônatas não era um porta- religião.
voz do Senhor; antes, transmitia ás pessoas
apenas a mensagem que desejavam ouvir 3 . C o n fu sã o n a s o c ie d a d e
(Jz 18:6). Quando recebeu a oferta de um (Jz 1 8 :1 - 3 1 )
lugar em que haveria mais dinheiro, mais Deus deveria ser o rei de Israel, e sua Pala­
pessoas e mais prestígio, aceitou-a imedia­ vra a lei para governar a sociedade, mas o
tamente e se alegrou com ela (v. 20). Em povo preferiu fazer as coisas "a sua manea­
seguida, ajudou seu novo empregador a rou­ ra". Se os israelitas tivessem deixado seus
bar os deuses de seu antigo empregador! ídolos e se os anciãos de Israel tivessen
Sempre que a igreja possui "ministros consultado e obedecido à lei de Deus para
contratados", não tem como desfrutar as a glória do Senhor, Israel poderia ter sido
bênçãos de Deus. A igreja necessita de pas­ governada com sucesso. Em vez disso, po­
tores autênticos e fiéis que trabalhem para rém, "cada um fazia o que achava mais reto
Deus, não visando o benefício próprio, mas (Jz 21 :25), resultando numa sociedade cheia
alimentando e protegendo o rebanho. O s de competição e de confusão.
verdadeiros pastores não vêem seu trabalho Veja os pecados da tribo de Dã quando
como uma 'carreira" nem correm atrás de seus membros tentaram melhorar sua situa­
um "emprego melhor" quando surge uma ção dentro de Israel.
oportunidade. Antes, ficam onde Deus os Cobiça (vv. 1, 2). A tribo de Dã era des­
colocou e não saem de lá até que o Senhor cendente do quinto filho de Jacó, nascido
os envie a outro lugar. de Bila, serva de Raquel (Gn 30:1-6). Apesar
O s verdadeiros pastores recebem seu de não ser uma tribo grande (Nm 1:39), re­
chamado e autoridade de Deus, não das cebeu um excelente território quando a ter-
pessoas (Cl 1:6ss), e honram o Deus verda­ ra foi dividida (Js 19:40-48). No entanto, os
deiro, não ídolos feitos por mãos humanas. danitas não conseguiram derrotar nem ex­
Nos dias de hoje, deve causar tristeza ao pulsar o inimigo de seu território (Jz 1:34) e.
JUÍZES 1 7 - 1 8 159

■esse modo, decidiram mudar para o Norte. aliás era boa pergunta (1 Rs 19:9, 13) -, ele
* naioria das tribos havia conseguido con- lhes disse a verdade: havia sido contratado
gu-:ar o inimigo, desapossá-lo e apropriar-se para aquele emprego! Tendo em vista que
fle- sua herança, mas os danitas cobiçaram outra pessoa pagava a conta, os espias pen­
* [erras de outros e tomaram-nas usando saram ser admissível obter o "conselho es­
Êt .lolência. piritual" de Jônatas, e ele lhes disse o que
O Senhor havia conduzido a divisão dos queriam ouvir.3
• H íó rio s tribais usando a direção de Josué Se a tribo de Dã desejasse, verdadeira­
com a ajuda do sumo sacerdote, Eleazar, e mente, receber a orientação de Deus, pode­
• p s anciãos das tribos (Js 19:5 1). Assim como ria ter consultado o sumo sacerdote. Mas, na
fcz com as nações (At 1 7:26), Deus colo­ realidade, rejeitaram o conselho de Deus ao
cou cada tribo exatamente onde desejava se recusar a manter a terra que havia separa­
a»e ficasse. Ao rejeitar o território que o do para os danitas. Assim, é pouco provável
S e n h o r havia separado para ela, a tribo de que Deus lhes revelaria alguma coisa (Jo 7:17).
Ou estava opondo-se à vontade de Deus. Arrombamento, invasão, roubo e inti­
Mas não é justamente essa a causa da midação (vv. 14-26). Quando estava a ca­
^ » c r ia dos problemas em nossa socieda­ minho de tomar a terra de Laís, o povo de
de- Em vez de se sujeitarem à vontade de Dã parou na casa de Mica em Efraim. O s
Deus, as pessoas querem aquilo que outro espias danitas contaram aos outros que Mica
®c*íui e estão dispostas a fazer praticamen- possuía uma coleção maravilhosa de deu­
* qualquer coisa para conseguir o objeto ses, dando a entender, evidentemente, que
Ée seu desejo (Tg 4:1-3). A perversão deste a coleção seria de grande valor para eles
=-.ndo é alimentada pela "corrupção das enquanto viajavam, guerreavam e se assen­
i xões" (2 Pe 1:4). Seja pela produção de tavam em seu novo lar. Enquanto os homens
>>-nografia, pela venda de drogas ou pela armados estavam na porta da cidade, os cin­
: r 'm oção de jogos de azar, pessoas ávidas co espias que conheciam Jônatas invadiram
por riqueza atendem os desejos humanos e o santuário e roubaram os deuses.
ijabam ganhando dinheiro e destruindo vi­ Quando os cinco homens com seus des­
sas. Graças ao poder da mídia moderna, pojos religiosos chegaram à porta da cida­
HDecialmente da televisão, a indústria da de, o sacerdote ficou chocado ao descobrir
sropaganda cria nas pessoas um anseio por o que haviam feito.4 No entanto, os danitas
d o tipo de produtos, serviços e experiên­ compraram seu silêncio oferecendo-lhe um
cias emocionantes. Assim, as pessoas gastam novo contrato, e, uma vez que Jônatas não
■t.-neiro com coisas de que não precisam, a passava de um mercenário, estava sempre
•m de impressionar outros com as quais na pronto a aceitar a melhor oferta. O s danitas
■e-dade não se importam, mas é esse ciclo não apenas invadiram o santuário de Mica
._e sustenta os negócios e a economia.2 e roubaram seus deuses como também le­
O s anciãos de Israel deveriam ter impe- varam embora seu capelão. Foi um dia pro­
tido os danitas de deixar o lugar onde Deus dutivo para os homens de Dã!
x havia colocado e de rumar para o norte, O s danitas colocaram as mulheres e as
■ rd e mataram pessoas inocentes e rou- crianças na frente, o lugar mais seguro, uma
w a m suas terras. Porém, a cobiça possui vez que os ataques viriam da retaguarda.
->_,a força extraordinária, e é difícil contro- Quando o povo de Dã havia viajado certa
a quem desenvolve apetite por "algo mais". distância, Mica descobriu que seu santuário
Um conselho pecaminoso (vv. 3-6). Foi havia sido depenado e que ele não tinha mais
□ialeto de Jônatas que chamou a atenção deuses nem sacerdote. Assim, reuniu os vizi­
éos cinco espias, pois ele não falava exata- nhos e, juntos, foram atrás dos invasores. Afi­
—-ente como um homem efraimita. Quando nal, um homem deve proteger seus deuses!
►■e perguntaram o que um sacerdote levita D e nada adiantou. Um a vez que os
* ■ za numa residência em Efraim - o que danitas estavam em maior número e eram
160 JUÍZES 1 7 - 1 8

fortes demais para ele, Mica e os vizinhos centenas de pessoas é um crime de propor­
tiveram de bater em retirada e voltar para ções absurdas. Infelizmente, creio que tomos
casa derrotados. A triste pergunta de Mica: expostos a tanto crime e violência na mídia
"Q ue mais me resta?" (Jz 1 8:24) revela a in­ que esse tipo de notícia já não nos pertur­
sensatez e a infelicidade de uma religião sem ba. "Testemunhamos um novo tipo de vio­
o verdadeiro Deus vivo. O s idólatras ado­ lência", escreveu Arthur Beissner na revista
ram deuses que podem carregar consigo, Sports lllustrated (1Q de março de 1976). "É
mas os cristãos adoram um Deus que os a violência que não serve de meio para al­
carrega (Is 46:1-7). cançar algo, mas sim com fins recreativos,
Violência e homicídio (vv. 7-13, 27-29). para o prazer." Podemos acrescentar que a
O s cinco espias viajaram mais de cento e violência também é um meio de ganhar di­
cinqüenta quilômetros para o norte, de seu nheiro, fato que tanto os cineastas quanto
acampamento em Zorá até Laís ("Lesém", os produtores de televisão já mostraram cla­
Js 19:47), cidade habitada por sidônios a ramente.
cerca de cinqüenta quilômetros do mar Me­ Idolatria (vv. 30, 31). Dã foi a primeira
diterrâneo. O s sidônios eram pacíficos, não tribo de Israel a adotar oficialmente um sis­
se metiam nos negócios alheios e não pos­ tema religioso idólatra. Apesar de haver uma
suíam tratados com nenhuma outra gente. casa de Deus em Siló, os danitas preferiram
Eram um povo "seguro [...] em paz e con­ suas imagens e ídolos. Muitos anos depois,
fiado" (Jz 18:7), que vivia isolado, um alvo quando o reino se dividiu, Jeroboão I de Is­
perfeito para a tribo guerreira de Dã. rael colocou bezerros de ouro em D ã e
Com seiscentos homens armados, além Berseba e incentivou a nação toda a abando­
de suas mulheres e crianças (v. 21), os da- nar o verdadeiro Deus vivo (1 Rs 12:25-33).-’
nitas marcharam para o norte e tomaram O relato de Mica, Jônatas e os danitas é
Laís, matando todos os habitantes e incen­ mais do que uma parte da história antiga. E
diando a cidade. Depois disso, reconstruí- uma revelação da perversidade que mora
ram-na e, cheios de orgulho, chamaram-na no coração humano e da falta de esperança
de Dã, segundo o nome do fundador de de uma sociedade sem Deus. Nosso mundo
sua tribo. Infelizmente, aquilo que Jacó pro­ moderno colocou ídolos no lugar do verda­
fetizou sobre a tribo de Dá se cumpriu ÍGn deiro Deus vivo e criou sua própria religião
49:17). humanista completa, até com "sacerdotes'
Alguem disse que, no mundo de hoje, - os especialistas que dizem que a Bíblia
há somente três filosofias de vida: (1) "o que está errada e que as idéias deles estão cer­
é meu é meu e de mim ninguém toma"; (2) tas. Porém, nem seus ídolos nem seus sacer­
"o que é seu é meu e vou tomar para mim; dotes têm poder algum contra a violência
e (3) "o que é meu é seu e vou compartilhar do coração humano.
com você". O s danitas seguiam a segunda Quando Dwight D. Eisenhower era pre­
filosofia, como fazem os inúmeros ambicio­ sidente dos Estados Unidos, organizou o
sos deste mundo. Um dos negócios de maior "Simpósio da Casa Branc? sobre Crianças e
crescimento nos Estados Unidos é o setor Jovens" na esperança de encontrar soluções
de instalação de sistemas de segurança do­ para o problema da delinqüência juvenil que
mésticos. O numero de tiroteios em shop­ naquele tempo, ja assolava a nação. Eu esti­
ping centers e em restaurantes fast-fooo tem va inscrito nesse simpósio, mas não pude :r
assustado tanta gente a ponto de muitos fa­ por motivos familiares.
zerem suas compras por telefone. A capa No entanto, um amigo meu que trabalhr-
da revisia Time de 23 de agosto de 1993 va com o ministério internacional Mocid i-
chamou os Estados Unidos de "A Aménca de para Cristo participou do tal simpósio s
da Violência". me deu o seguinte relatório (paráfrase mi­
Não sabemos quantos habitantes havia nha): "Fiquei sentado naquela sala durante
em Laís mas o extermínio cruel de algumas horas, ouvindo psicólogos, educadores e
JUÍZES 1 7 - 1 8 161

«Kvr.inologistas falando sobre os adolescen­ William Butler Yeats estava certo: trata-se
tes e sobre como ajudá-los e fui me cansari­ de um "colapso interno". O lar, o ministério
as- daquilo tudo. Por fim, pedi a palavra e e a sociedade estão se desintegrando diante
contei de nossa experiência no ministério de nossos olhos, e as pessoas não querem
V.Qcidade para Cristo sobre com o delin­ ouvir a verdade! Porém, quer esteja interessa­
qüentes haviam sido transformados pelo do quer não, o mundo precisa ouvir que Jesus
poder do evangelho. A sala toda se calou e, Cristo morreu pelos pecadores e que o po­
k«eo depois, alguns dos participantes come- der de Cristo pode transformar corações, la­
pram a ficar sem graça, a limpar a garganta res, igrejas e a sociedade, se o povo crer nele.
e 3 mexer com seus papéis. Quem presidia Nas palavras do pregador e poeta inglês
» -eunião agradeceu minhas palavras e pas­ John Donne (falecido em 1631): "Cristo toca
sou. imediatamente, ao item seguinte da seu tambor, mas não usa de coação com os
líe nda. Só então percebi que e/es não que- homens. Cristo é servido por voluntários".
■ m ouvir!" Você está disponível?

t Em Juizes 18:30, Jônatas é identificado como "filho de Gérson, o filho de Manasses", o que é impossível, uma vez que Gérson
era um dos filhos de Moisés e não pertencia à tribo de Manassés (Êx 2:22; 1 Cr 23:14,15). Como levita, deveria ser da tribo
òe Levi. O acréscimo da letra n (em hebraico, nun) ao nome "Moisés" mudaria essa designação para "Manassés". No original
hebraico, o nun encontra-se acima da linha, mostrando que a letra foi acrescentada ao texto posteriormente. Estudiosos do
'-■ebraico acreditam que, em seu zelo de proteger o bom nome de Moisés, um escriba alterou o texto para que não houvesse
um idólatra na família de Moisés. Aparentemente, o escriba se esqueceu de Arao.
I Com isso, não tenho intenção alguma de condenar o setor publicitário. A publicidade e a propaganda realizam um serviço de
wande valor ao nos dizer onde encontrar produtos e serviços de que precisamos de fato. É quando os publicitários promovem
desejos prejudiciais criando "imagens" que apelam para os instintos mais baixos do coração humano que discordo inteiramente
deles. O orgulho, a cobiça e a competição por status não são as motivações mais saudáveis para quem deseja construir lares
«jrtes ou uma sociedade segura e justa. É bom ter coisas que o dinheiro pode comprar se, com isso, não perdermos aquilo que
o dinheiro não pode comprar.
I O fato de as palavras de Jônatas terem se cumprido não absolve nem o levita e nem os espias de seu envolvimento com
atividades fora da vontade de Deus. A profecia de Jônatas se cumpriu porque os danitas eram fortes e o povo de Laís era fraco
e desprotegido.
* Por mais sérios que sejam esses crimes, confesso que não posso evitar de sorrir ao imaginar cinco homens valentes roubando
deuses que não podiam proteger nem a si mesmos! As passagens que me vêm à mente são Isaías 40:18-31 e 44:9-20, bem
como o Salmo 115.
ft Por mais crítica que seja a atual taxa de criminalidade nos Estados Unidos, devemos cuidar para não idealizar o passado nem
dstorcer as proporções. Ver S lo a n , Irving J. Our Violent Past. Nova York: Random House, 1970. A violência encontra-se
arraigada no coração humano (Gn 6:5,11,12) e somente a graça de Deus pode removê-la.
fc O s estudiosos não apresentam um consenso quanto ao significado do termo "cativeiro" em Juizes 18:30. Caso se trate do
cativeiro do reino do Norte na Assíria em 722 a.C., então essas palavras foram acrescentadas ao texto por um editor em data
oosterior. No entanto, a frase que se repete com freqüência: "não havia rei em Israel" indica que o Livro de Juizes foi escrito
flurante os primeiros anos da monarquia, séculos antes da invasão assíria. É possível que esse cativeiro fosse uma referência
a invasão dos filisteus ou, talvez, a algum conflito local sobre o qual não temos qualquer informação. Jônatas provavelmente
se casou com uma moça de Dã, e seus filhos deram continuidade ao falso sacerdócio que ele havia iniciado, mas não sabemos
aual foi sua duração. Se tivéssemos essa informação, poderíamos determinar a data do "cativeiro".
que chegue à conclusão de que este levita,
12 cujo nome não é citado, era um desavergo­
nhado do pior tipo. Passou a maior parte do
tempo se divertindo (19:4, 6, 8, 22); ca­
G u erra e Pa z minhou em trevas e colocou em risco a
própria vida e a daqueles que o acom pa­
J u ízes 1 9 - 2 1 nhavam (vv. 9-14); tratou a concubina de
modo revoltante tanto quando ela estava
viva quanto depois que morreu, e foram seus
atos que desencadearam uma guerra civil
em Israel.
Uma concubina era uma esposa com
e folheássemos um jornal ou revista se
S manai depois de ler esses três capítulos,
teríamos de admitir que os tempos não mu­
direito apenas a comida, roupas e privilégios
conjugais (Êx 21 :7-11; Dt 21 :10-1 4). Seus fi­
lhos eram considerados legítimos, mas pelo
daram muito. Isso porque, nessas últimas fato de a mãe ser vista como esposa de se­
páginas do Livro de Juízes, encontramos rela­ gunda categoria, não tinham, necessariamen­
tos de violência conjugal, de homossexuali­ te, direito a uma participação na herança da
dade ostensiva, de estupro múltiplo seguido família (Cn 25:1-6). Se a esposa de um ho­
de homicídio, de injustiça, de fratricídio e mem era estéril, às vezes ele tomava para si
de rapto. E o tipo de narrativa que quase nos uma concubina a fim de estabelecer a famí­
faz concordar com o que disse, em 1 783, o lia. Apesar de o concubinato ser regulamen­
ensaísta inglês Samuel Johnson: "Vivi o sufi­ tado por lei, o Senhor não o aprovava nem
ciente para ver o que há de mais horrível". o encorajava e, no entanto, encontramos
O que ele diria em nosso tempo? vários homens do Antigo Testamento que
E claro que acontecimentos desse tipo tiveram concubinas, inclusive Abraão, Jacór
são o alimento diário de gente que gosta de Gideão, Saul, Davi e Salomão.
ver violência na T V e, de acordo com os A concubina desse relato foi infiel ao
pesquisadores, aquilo que acontece nas te­ marido e fugiu em busca de proteção para
las é imitado nas ruas. Segundo um estudo a casa de seu pai em Belém (Lv 20:10). C o r-
da American Psychological Association, os o passar do tempo, o marido da concubina
programas de horário nobre da T V mostram começou a sentir sua falta, de modo que
cerca de cinco atos violentos por hora, e, viajou até Belém, perdoou-a e os dois se re­
nas manhãs de sábado, quando as crianças conciliaram. O marido e o sogro descobr
assistem a desenhos animados, esses atos ram que gostavam da com panhia um do
violentos por hora se multiplicam cinco ve­ outro e passaram cinco dias comendo, be­
ze s (USA loday, 2 de agosto de 1993). bendo e se divertindo. O que o levita não
Quanta esperança há para uma nação que suspeitava é que não havia motivo algurr
se entretém com a violência? para se alegrar, pois seu casamento estavzi
O mal tem uma tendência a crescer prestes a terminar em tragédia.
quando não é devidamente tratado. O pe­ Para mim, esse levita ilustra o caráte-
cado na cidade de Cibeá acabou contami­ de muitos cristãos de nosso tempo. São fi­
nando a tribo de Benjamim e causando uma lhos da luz, mas agem como filhos das tre­
guerra em Israel. vas (1 Ts 5:1-8). O julgamento está prestes zi
ser executado, mas não pensam em outra
1. A PERVERSIDADE DE UMA CIDADE coisa senão em gozar a vida. Num m om er
(Jz 19:1-28) to em que a nação estava tão afastada de
Hospitalidade em Belém (vv. 1-9). Se você Deus, com o era possível esse levita des­
pensou que Jônatas, o levita (caps. 1 7 - 1 8 ) , perdiçar o tempo comendo, bebendo e se
era um homem depravado, então é provável divertindo? "Afligi-vos, lamentai e chorai.
JUIZES 1 9 - 2 1 163

O r •erta-se o vosso riso em pranto, e a vos- O povo de Deus é ordenado a praticar a


w i egria, em tristeza" (Tg 4:9). hospitalidade. Trata-se de um dos elemen­
sem dúvida há um "tempo para rir" (Ec tos da qualificação pastoral (1 Tm 3:2; Tt 1:8).
1 * e Deus quer que desfrutemos suas dá- "Não negligencieis a hospitalidade, pois al­
11 Tm 6:1 7); mas, para muitos cristãos, guns, praticando-a, sem o saber acolheram
• le~ipo para rir é o tem po todo! Em um nú- anjos" (Hb 13:2).
«■ero demasiado de igrejas, o riso do "entre- A iniqüidade em Gibeá (vv. 22-28).
•rw nento religioso" substituiu a quietude Gibeá havia se tornado como Sodoma, uma
WKrada da adoração. O santuário transfor- cidade tão perversa que o Senhor a apagou
«Cu-se num teatro. Quando os fiéis se reú- da face da terra (Gn 19). O s homens da ci­
•e'- a coisa mais importante é "se divertir". dade entregavam-se a práticas imorais, con­
» ^ t i de enganar nossa consciência, temos trárias à natureza (Rm 1:24-27) e às leis (Lv
"devocional curta" antes de terminar a 18:22; 20:13; ver 1 Co 6:9, 10). Em Juizes
*e«a e agradecemos piedosamente a Deus 19:22, o original traz o termo "conhecer"
f t ' ter nos dado tanto divertimento. ou "ter relações sexuais com alguém", tradu­
Gosto tanto de bom humor e de riso quan­ zido para nossa língua pelo verbo "abusar".
to nualquer outra pessoa, mas creio que, Esses pecadores se empolgaram ao saber
^ t.izm e n te , a igreja está perdendo a no- que havia um homem novo na cidade e
ic de tem or e precisa aprender a chorar. quiseram aproveitar a ocasião.
S r esse levita risonho estivesse andando na O anfitrião mostrou-se corajoso ao des­
orando e buscando a vontade de Deus, crever corretamente os desejos desses ho­
■ r a feito outros planos e salvo a esposa da mens como "mal" e "loucura" (vv. 23, 24)
•p:gonha, do abuso, da dor e da morte. e tentou evitar que violentassem seu hós­
A hospitalidade em Gibeá (vv. 10-21). pede. Assim como Ló em Sodoma, o anfi­
S c tempo dos juizes, era perigoso viajar trião lhes ofereceu a filha, o que mostra
Amante o dia (5:6) e ainda mais arriscado como era pouca a consideração que alguns
«m ar à noite. O levita não queria ficar em homens reservavam às mulheres e à pure­
íe-_L iS a lé m , pois a cidade encontrava-se nas za sexual naquele tempo. É difícil entender
■vi is de jebuseus pagãos. Assim, avançou com o um pai poderia oferecer a própria
cinco quilôm etros até Gibeá, onde filha para ser sacrificada à lascívia de uma
3 i»deria ficar com o próprio povo. Mas, no turba. No entanto, muitos pais hoje permi­
das contas, os hom ens de C ib e á mos- tem que a mente e o coração de seus fi­
se tão perversos quanto os pagãos a seu lhos e filhas sejam violados por aquilo que
-r! vêem e ouvem no cinema, na televisão e
Para começar, ninguém em Gibeá rece­ em show s de rock. A castidade da mente e
beu os visitantes nem abriu as portas de sua do coração é essencial para a castidade do
•casa para hospedá-los. Uma vez que o levita corpo.
•«■regava consigo suprimentos em quan- Com medo de que a multidão o matas­
w de suficiente para seu grupo e seus ani- se (20:5), o levita os acalmou entregando-
—-ais, não seria incôm odo para ninguém, lhes sua concubina, que teve de suportar
- w , ainda assim, não houve quem os rece- múltiplos estupros durante toda a noite (v.
Sesse. A hospitalidade é uma das leis sagra- 25). Nosso coração se enche de revolta com
■ s do Oriente, e nenhum desconhecido a idéia de que um homem seja tão insensí­
=ria ser tratado com negligência. Porém, vel aos sentim entos de um ser humano
■Diente um homem daquela cidade - na criado à imagem de Deus, tão indiferente à
«ta idade, um efraimita - demonstrou algu­ santidade do sexo e à responsabilidade do
m a preocupação. Não apenas acolheu os casamento e tão despreocupado com as leis
■ Si antes em sua casa, como usou de suas de Deus a ponto de sacrificar a esposa para
rorias provisões para alimentar os convi- salvar a própria pele. Seria possível que ele
datios e seus animais. a estivesse castigando por ter sido infiel?
164 JUÍZES 1 9 - 2 1

Se esse foi o caso, então o castigo provou O apelo (vv. 12-17). As onze tribos con­
ser muito maior que o pecado. cordaram "como um só homem" em atacar
Mas as coisas ficaram ainda piores. O le­ Gibeá, mas primeiro enviaram representan­
vita não apenas entregou a esposa às perver­ tes por toda a tribo de Benjamim, instando
sões daquela turba impiedosa, como também o povo a confessar sua perversidade e a en­
conseguiu deitar-se e dormir enquanto abu­ tregar os culpados. De acordo com Levítico
savam da mulher na rua! Qual é o limite da 20:13, os homossexuais devem ser mortos
dureza do coração de um homem? E como mas não era esse o crime que as tribos esta­
foi tão ingênuo de esperar que a concubina vam julgando. Uma vez que o levita havia
ainda estivesse viva na manhã seguinte? entregue a concubina voluntariamente aos
Ao encontrá-la morta no degrau da por­ homens de Gibeá, dificilmente seu pecado
ta, mas sem sentir qualquer culpa, colocou poderia ser chamado de adultério (Dt 22:22).
o corpo da mulher sobre um dos jumentos A pena por estupro era a morte, e estupros
e rumou para casa. Então, fez algo terrivel­ múltiplos provavelmente eram considerados
mente desprezível: profanou e mutilou o ainda mais graves (Dt 22:25, 26). Talvez as
corpo da concubina cortando-o em doze tribos estivessem citando a lei a respeito dos
partes e enviando uma parte para cada uma homens perversos de uma cidade (Dt 13:12-
das doze tribos de Israel. É evidente que 18) e usando-a como base para suas medi­
desejava mobilizar o apoio das tribos e cas­ das práticas.
tigar os homens de Gibeá que haviam mata­ Qualquer que fosse a lei a que estives­
do a esposa, mas, na verdade, era ele quem sem obedecendo, as tribos se preocuparam
havia permitido que a matassem! Sem dúvi­ em "tirar de Israel o mal", frase encontrada
da, havia outras formas de chamar a aten­ pelo menos nove vezes em Deuteronômio.
ção para o crime de Gibeá.1 O s homens de Gibeá eram perversos e de­
Se o levita tivesse ido a Siló, onde ficava veriam ser castigados para que o Senho'
o tabernáculo (18:31), e tivesse consultado pudesse, assim, se agradar de seu povo e
o sumo sacerdote, poderia ter tratado da purificar a terra. Porém, o povo de Benjamim
questão de acordo com a lei de Deus e evi­ recusava-se a admitir que Gibeá havia pe­
tado uma porção de problemas. No entan­ cado e a entregar os homens que havian
to, uma vez que os ânimos se inflamaram cometido a perversidade.
em Israel, foi difícil impedir que o fogo se E possível que alguns tenham interpreta­
espalhasse. do a obstinação de Benjamim como um ato
de patriotismo: estavam apenas tentando
2. A OBSTINAÇÃO DE UMA TRIBO proteger seus cidadãos. Porém, sua recusa
(Jz 20:1-48) em cooperar foi, sem dúvida, um ato de re­
A assembléia (vv. 1-11). A notícia repulsiva belião contra o Senhor. Quando o pecado
do levita gerou os resultados que ele deseja­ não é trazido à tona, confessado e castiga­
va: líderes e soldados de todo Israel, com do, contamina a sociedade e profana a ter­
exceção de Benjamim (v. 3) e de Jabes- ra. O s homens perversos de G ibeá eran
Gileade (21:8, 9), se reuniram em Mispa a como tumores cancerosos que precisavam
fim de determinar o que fazer.2 Depois de ser extirpados do corpo. "Não é boa a vos­
ouvir a acusação do levita contra os homens sa jactância. Não sabeis que um pouco de
de Gibeá, o povo de Israel deu o veredicto fermento leveda a massa toda?" (1 Co 5:6.,
e fez um voto. De acordo com o veredicto, E qual foi o resultado? A tribo de Ben­
os homens de Gibeá eram culpados e de­ jamim declarou guerra às outras tribos de
veriam ser entregues às autoridades para que Israel! As onze tribos possuíam quatrocen­
fossem executados (Dt 13:12-18). O voto era tos mil homens em seu exército (Jz 20:2
de que nenhuma das tribos ali representadas enquanto os beniamitas possuíam apenas
daria suas filhas em casamento aos homens vinte e seis mil homens que manejavam a
de Benjamim (Jz 21:1-7). espada e setecentos "homens escolhidos .
J U I Z E S 19 - 21 165

ta ecializados no uso de fundas (vv. 15, 16). de Cibeá e caíram numa emboscada. Mais
*>orém, apesar dessa terrível disparidade, de vinte e cinco mil benjamitas morreram
am irmãos lutando contra irmãos! no campo de batalha, nas estradas ou en­
Quando o povo de Deus se recusa a quanto fugiam para o deserto. Gibeá foi cap­
«»edecer à Palavra, os resultados são sem­ turada, seus habitantes foram mortos e a
p re trágicos. A vida espiritual da igreja é cidade foi queimada. O exército de Israel
^ • .iq u e cid a e, por fim, destruída quando a destruiu, ainda, várias outras cidades, reali­
• r ç / e gação faz vistas grossas para o peca­ zando uma operação de limpeza.
do e deixa de disciplinar os transgressores. No primeiro censo depois do êxodo,
í •"'possível haver união no meio do povo havia 35.400 homens de guerra em Benja­
®e Deus enquanto alguns acobertam o pe­ mim (Nm 1:37), número que aumentou para
cado e permitem que contamine o corpo. 45.600 no tempo do segundo censo (Nm
O ataque (vv. 18-40). O s representantes 26:41). O extermínio nessa guerra de três
onze tribos dirigiram-se ao tabernáculo dias foi tal que restaram apenas seiscentos
• r Siló (Jz 18:31; 1 Sm 1:9)3 e procuraram homens, os quais foram para a pedra de
«r<er a vontade de Deus lançando sortes Rimom, formação rochosa semelhante a um
tz 20:9) ou através do uso de Urim e Tumim forte próxima a Gibeá. Que alto preço a tri­
sacerdote (Êx 28:30). Deus lhes deu bo de Benjamim pagou por se recusar a
»e*~nissão de lutar, e o ataque deveria ser obedecer à lei do Senhor!
to ca d o pela tribo de Judá. No primeiro dia,
Deus permitiu que os benjamitas vences­ 3. O QUEBRANTAMENTO DE UMA NAÇÃO
se" e matassem vinte e dois mil soldados (Jz 21:1-25)
«fá-litas. Uma vez arrefecida sua fúria, as onze tribos
\s onze tribos prantearam diante do deram-se conta de que haviam praticamen­
í»"*ior e buscaram sua vontade. Observe te exterminado uma tribo de Israel e caíram
os "filhos de Benjam im ", em Juizes em pranto (vv. 2,15). Ofereceram sacrifícios
3 18, tornam-se "Benjamim, nosso irmão" ao Senhor, mas não há registro algum de
Juizes 20:23. Talvez esse tenha sido o que o povo tenha se humilhado, confessa­
«x t:vo pelo qual Deus permitiu que os israe- do seus pecados e buscado a ajuda do Se­
• as perdessem a primeira batalha. Essa nhor. Deus havia lhes revelado sua vontade
ai Tota deu-lhes a oportunidade de refletir anteriormente (20:18, 23, 28), mas não há
wore o fato de que estavam lutando contra qualquer evidência de que receberam sua
wr>gue de seu sangue. Porém, no segundo Palavra depois do final da batalha.
ta Ja guerra, Benjamim venceu novamen- Posso estar errado, mas imagino que o
« i'essa vez matando dezoito mil homens. Senhor não estava satisfeito com o povo de
Se"" dúvida a situação era sombria. Benjamim, pois os benjamitas ainda não
Mais uma vez, as onze tribos buscaram haviam confessado seu pecado nem admiti­
a ce do Senhor, dessa vez com jejum, do seu erro. O s seiscentos soldados encur­
Hc-ifícios e lágrimas. O Senhor respondeu ralados na pedra de Rimom continuavam
i >_as orações não apenas para dizer-lhes não buscando a Deus. Estavam apenas fu­
Que deveriam atacar novamente, mas tam- gindo do exército vencedor. Se alguém ti­
fcérr’ para garantir-lhes que, dessa vez, se- vesse sugerido que fossem todos a Siló para
-iar vitoriosos. encontrar-se com Deus e colocar em ordem
A estratégia empregada no terceiro dia o relacionamento com ele, talvez tivesse fei­
iemelhante àquela que Josué usou em to alguma diferença.
* is 8). Seguros de si depois de dois dias Em vez de obter orientação do Senhor,
Or ■ tórias (Jz 20:30, 31; ver também 16:20), as onze tribos se estribaram em sua própria
benjamitas confrontaram o exército israe- sabedoria a fim de resolver o problema (Tg
ita e mataram cerca de trinta homens, mas, 3:13-18). O s seiscentos homens que resta­
te 'esmo tempo, foram atraídos para fora ram de Benjamim precisavam de esposas
166 JUÍZES 1 9 - 2 1

para restabelecer a tribo, mas as onze tri­ lição e as doze tribos de Israel foram sal
bos haviam jurado que não lhes dariam as vas. O s seiscentos homens de Benjamim
filhas em casamento. De onde viriam essas juntamente com suas respectivas esposas
esposas? voltaram para sua herança, limparam os es­
O s israelitas resolveram o problema ma­ combros, restauraram as cidades e recome­
tando mais gente de seu próprio povo! Nin­ çaram a vida.
guém de Jabes-Gileade havia se apresentado No entanto, todo esse massacre e des­
para lutar, o que significava duas coisas: não truição ocorreu por causa de um levita que
haviam participado do juram ento e me­ não teve a coragem de fazer o que era cer­
reciam ser castigados. E possível que, quando to e de tratar com dignidade sua concubina
as doze partes da concubina foram envia­ Mais uma vez, como nos casos de Jônatas
das para todo Israel, também tenha sido fei­ Mica e dos danitas (Jz 1 7 - 18), o problema
ta uma advertência segundo a qual a tribo havia começado em casa. O andamento de
ou cidade que se recusasse a ajudar na luta uma nação reflete o andamento de seus lares
contra Benjamim seria tratada da mesma Pela quarta vez (Jz 17:6; 18:1; 19:1'. o
forma que os benjamitas. Foi esse tipo de escritor nos diz que "não havia rei em Is­
aviso que o rei Saul deu quando usou uma rael" e, pela segunda vez (1 7:6), acrescenta
abordagem semelhante (1 Sm 11:7). que "cada qual fazia o que achava mais
Se esse é o caso, os homens de Jabes- reto". Hoje em dia, não há rei em Israel, poa
Gileade sabiam o que estava em jogo quan­ a nação escolheu Barrabás em lugar de
do não foram à luta, e eles próprios foram sus (Lc 23:13-25), e os judeus disseram: ' Nã»
responsáveis pela destruição subseqüente de queremos que este reine sobre nós" l c
sua cidade. O s executores encontraram na 19:14). Pelo fato de não haver rei em Isrwet
cidade quatrocentas virgens, mulheres que o povo está se rebelando contra Deus e i»-
podiam tornar-se esposas de dois terços dos zendo o que lhe parece melhor, uma situa­
soldados que estavam em Rimom. Haviam ção que só mudará quando o Rei voltar e
passado quatro meses vivendo na rocha (Jz assentar-se em seu trono na Terra.
20:47), mas poderiam pegar suas noivas e Porém, o povo de Deus hoje não vi\e
voltar para casa. Que alto preço foi pago no Livro de Juizes, mas sim no Livro de Ruíê.
por essas esposas! Mas esse é "o salário do É difícil crer que a história narrada no Livn
pecado". (Para casos precedentes, ver Nm de Rute ocorreu no tempo dos juizes IRi
31:17 e Dt 20:13, 14.) 1:1). A narrativa de Rute é uma história de
O s anciãos se reuniram novamente para am or sobre um homem à procura de uma
discutir como poderiam encontrar esposas noiva; é uma história de redenção, sobre um
para os duzentos homens que haviam resta­ homem rico disposto a pagar o preço por
do. Alguém se lembrou de que muitas das sua noiva amada e tomá-la para si. É uma
virgens das tribos participavam de uma festa história de colheita, sobre o Senhor da ceta
anual em Siló. Se os duzentos homens restan­ juntando seus feixes.
tes de Benjamim se escondessem próximo Em nosso tempo, todo o povo de Deus
àquele local, cada um deles poderia raptar compartilha do amor divino. Pertencemos
uma m oça e levá-la para casa como esposa. exclusivam ente ao Senhor, pois ele noi
As tribos não estariam quebrando seu voto, redimiu por seu sangue quando morreu ;x*
pois não estariam en tregand o as m oças nós na cruz. Trabalhamos juntos em sua ce-
como noivas. Elas seriam tomadas. Apesar fa. Q ue vida maravilhosa em meio a u r »
de se tratar de uma questão de semântica, mundo despedaçado pelo pecado e peb
as tribos concordaram com o plano. egoísmo! E que privilégio extraordinário po<
Assim, os seiscentos homens consegui­ dermos compartilhar com outros as Boa*
ram suas noivas, as onze tribos cum priram Novas!
seu voto, os cidadãos de Gibeá foram casti­ Em qual dos livros você está vivendo, no
gados, a tribo de Benjamim aprendeu sua Livro de Juizes ou no de Rute?
J U Í Z E S 19 - 21 167

O rei Saul usou abordagem semelhante para incitar o povo a lutar contra os amonitas, mas cortou em pedaços uma junta de
bois {1 Sm 11:1-7). A transgressão de Gibeá foi tão terrível que o profeta Oséias referiu-se a ela séculos depois como um
exemplo de grande pecado (Os 9:9 e 10:9).
\ã o se esqueça de que esse acontecimento ocorreu no começo do período dos Juizes, um tempo em que a nação não se
encontrava sob a opressão estrangeira. Apesar de não haver um governo central, as tribos ainda estavam unidas e conseguiam
reunir soldados e combater em conjunto.
Alguns comentaristas acreditam que foram à cidade de Betei, uma vez que em hebraico "casa de Deus" é beth-elohim e não
bethel. Ver também Juizes 20:26.0 tabernáculo era transferido de um lugar para outro. Primeiro ficou em Siquém (Js 8:30-35)
e depois foi para Siló (Js 18:1 e 22:12; Jz 18:31). Ficou algum tempo em Nobe (1 Sm 21) e também em Gibeào (1 Cr 16:39;
21:29), cidade esta que não deve ser confundida com Gibeá.
geografia. Pode usar as nações gentias para
13 disciplinar seu povo, Israel. Pode elevar urr
governante e derrubar outro.
Apesar de parecer que a história não
O l h a n d o P a r a T rás e possui determinado padrão, apesar de os
O l h a n d o a o R ed o r historiadores o procurarem, sem dúvida
história possui um plano definido, pois Deus
(A lg u m a s L iç õ e s do L iv r o d e J u íz e s )
está no controle. Com o o Dr. A. T. Piersor
costumava dizer: "A história humana é a his­
tória de Deus". Acontecimentos que, para
nós, parecem acidentais, na verdade sác
programados por Deus (Rm 8:28). Por mais

A
o olhar para trás, numa retrospectiva de sombrios que tenham sido os dias nos tem­
nossos estudos, e ao olhar ao redor pos dos juizes, Deus ainda estava assenta­
para o nosso mundo e para a Igreja de Cristo, do em seu trono, realizando seus propósitos
podemos tirar algumas conclusões acerca Esse fato deve servir de encorajamento pa-i
da vida e do serviço cristão e fazer algumas confiarmos no Senhor e continuarmos a ser­
aplicações ao nosso ministério nos dias de vi-lo, mesmo que as perspectivas neste mu--
hoje. do perverso não sejam as melhores.

1. D e u s está à p r o c u r a d e s e r v o s 3. D e u s d á à s n a ç õ e s o s l íd e r e s q u e
Deus está à procura de pessoas disponíveis m erecem
para ouvir sua Palavra, receber seu poder e Ao longo destes estudos, ressaltei, em diver
fazer sua vontade. Deus pode usar homens sas ocasiões, que as qualidades do caráte'
e mulheres de todo tipo. Assim como Gi- dos juizes sofreram um processo de deterio­
deão, alguns servos de Deus não têm força ração, com eçando com Gideão. Quandc-
em si mesmos, mas são fortes no Senhor. chegamos a Sansão, vemos uma grande fo'
Assim como Baraque, algumas pessoas não ça física combinada com o tipo mais frac
querem lutar sozinhas contra o inimigo. Cada de caráter. Gideão, Jefté e Sansão levaram a
um de nós é diferente do outro, mas todos cabo a incu m b ên cia que receberam de
podemos servir ao Senhor para sua glória. Deus, mas em termos espirituais, não ofere­
Se Deus nos chama para servi-lo, não é ceram ao povo liderança alguma.
primeiramente em função de nossas apti­ Filósofos têm discutido através dos sé­
dões e talentos. Com freqüência, chama culos se um indivíduo mau pode ser um bo~
pessoas que parecem não ter quaisquer líder. Talvez a pergunta mais essencial sei^:
qualidades necessárias para a liderança. Ele "A que tipo de liderança estamos nos reíe
as chama porque se entregaram a ele e se rindo?" Se um general que usa linguage—
colocaram à sua disposição para fazer sua vulgar, intimida seus subalternos, mente e
vontade. Não olhe para si mesmo, não olhe ignora a Palavra de Deus é um soldado ex­
para o desafio, olhe para o Senhor. periente, ele pode, sem dúvida, ofere^-r
uma liderança eficaz para um exército, rr.**
2. D e u s g o v e r n a e prev a lec e s o b r e a não dará o tipo de exemplo que constró- 9
h is t ó r ia caráter.
O Livro de Juizes deixa claro que Deus pode De uma forma ou outra, todos os se' .c*
trabalhar dentro de todas as nações e por de Deus têm seus defeitos, mas isso nãa
intermédio delas, quer se trate de seu povo, deve servir de desculpa para pecarmos ne>»
quer de povos gentios. Deus determinou os para deixarmos de fazer nosso melhor. D e­
tempos "previamente estabelecidos e os li­ vemos todos lutar para construir um cará’er
mites da sua habitação" (At 1 7:26). Ele é o cristão e desenvolver nossas aptidões p><
Deus que opera tanto na história quanto na a glória de Deus. A dedicação não substiíi»
JUÍZES 169

í “ aoalho feito com desleixo, e o sucesso 5 . A pesa r d a in f id e l id a d e d a s p e s s o a s ,


olhos dos homens não substitui a se- a P a la v r a de D eu s perm anece
-•^nança a Jesus Cristo. Assim como Davi, As realizações dos juizes se deveram a sua
«r*. emos servir ao Senhor tanto com inte- fé na Palavra de Deus (Hb 11:32-34). Por
£-dade quanto com aptidão (SI 78:72). vezes, sua fé foi fraca e imperfeita, mas Deus
honrou a confiança nele e o nome do Se­
4 . Em su a b o n d a d e , D eus n o s perd o a nhor foi glorificado por intermédio desses
e so s a ju d a a r e c o m e ç a r indivíduos. Porém, mesmo quando os líde­
Ü ciclo histórico do Livro de Juizes garante res de Israel e o povo desobedeceram ao
í»je Deus nos disciplina quando desobe­ Senhor, sua incredulidade e desobediência
decemos e que nos perdoa quando nos ar­ não anularam a Palavra de Deus.
r e n d e m o s e confessamos nossos pecados, A Palavra de Deus nunca falha. Se lhe
•r.-elizmente, não aprendemos com os erros obedecerm os, ele é fiel em nos abençoar,
ce outros nem com os próprios fracassos cumprir suas promessas e realizar seus pro­
passado, mas esse é um dos ossos do pósitos. Se desobedecerm os à vontade de
*A:io de sermos humanos. Deus, ele é fiel em nos disciplinar e em
Devemos nos lembrar de que a nação de nos levar de volta a uma posição de sub­
to~ael possuía uma relação especial de alian- missão. A Palavra não muda, nem o caráter
Ç3 com Deus. Ele prometeu abençoá-los se de Deus.
•snedecessem à sua lei e discipliná-los se de- Com o seus filhos, vivemos de promessas
»■■nedecessem. Em lugar algum do Novo Tes- e não de explicações. Deus não precisa nos
orrento, Deus prometeu dar a seu povo de explicar o que faz ou por que está operando
et:*e uma vida fácil e confortável se obede- de determinada forma. O Senhor sempre
r-Kem ao Senhor. Somos chamados para ser dará a seus servos exatamente as promes­
romo Jesus e devemos nos lembrar de que sas de que precisam para fazer seu trabalho.
viveu de maneira perfeita na terra e so-
como nenhum outro ser humano. Paulo 6. D e u s u s a o g o v e r n o h u m a n o para
»:» um homem consagrado ao Senhor e, no CUMPRIR SEUS PROPÓSITOS
■“-;anto, passou por inúmeras provações. Não havia rei em Israel, mas Deus ainda
Se obedecerm os a Deus apenas para podia operar. Mesmo quando Israel estava
• :nseguir algo dele ou para escapar das sendo governado por um rei, isso não era
> -:\açõ e s, não estaremos buscando um garantia de que o povo obedeceria a Deus.
«»»acionamento de amor com ele, mas sim O governo é importante e foi instituído por
*»- contrato": daremos a ele nossa obe- Deus, mas os reis, presidentes, senadores e
e-êr-cia se ele nos der aquilo que deseja- parlamentares não têm como impor limites
~-?s. Jesus tratou dessa atitude egoísta em à operação de Deus.
parábola dos trabalhadores (Mt 20:1-16), De acordo com Romanos 13, Deus ins­
« ie foi uma resposta à pergunta de Pedro: tituiu o governo humano para nosso próprio
X > je será, pois, de nós?" (Mt 19:27). bem, e temos a responsabilidade de respei­
Devemos obedecer ao Senhor porque tar e de obedecer a esse governo. Podemos
* amamos. Por vezes, essa obediência nos não respeitar quem ocupa o cargo, mas de­
'e. ará a passar por provações, mas Deus es- vemos respeitar o cargo. Deus já realizou
**f j conosco e nos conduzirá até o fim. Pre- seus propósitos para seu povo em diferen­
« f-a^os ser como os três judeus na fornalha tes tipos de sistemas políticos, inclusive mo­
■> r>go: "Se o nosso Deus, a quem servimos, narquias e ditaduras. Não devemos pensar
« te' livrar-nos, ele nos livrará da fornalha de que ele precisa de uma democracia ou de
v -;s ardente e das tuas mãos, ó rei. Se não, uma monarquia constitucional para fazer sua
sabendo, ó rei, que não serviremos a vontade. Deus é soberano!
trjs deuses, nem adoraremos a imagem de Qualquer que seja a forma de governo
que levantaste" (Dn 3:17, 18). de uma nação, as palavras de Provérbios
170 JUÍZES

14:34 ainda valem: "A justiça exalta as na­ não é outras pessoas verem o que você faz
ções, mas o pecado é o opróbrio dos povos". e elogiarem seu trabalho, mas sim servir ao
Senhor e procurar lhe agradar.
7. AS NAÇÕES SE DESINTEGRAM Q UANDO Isso inclui uma advertência: não se apres­
o p o v o de D e u s n ã o é e sp ir it u a l se em julgar o que os outros estão fazendo
A apostasia e a anarquia andam juntas. So­ e não pense que você é o único servo fiel
mos a luz do mundo e o sal da terra (Mt 5:13- do Senhor. No tempo dos juizes, havia di­
16), e Deus quer que exerçamos influência versas pessoas servindo a Deus em vários
positiva sobre a sociedade. Quando a Igreja lugares, mas nem todos sabiam de tudo o
deixa de ser constituída por um povo santo que estava acontecendo. O mesmo vale para
e obediente ao Senhor, o sal perde o sabor a obra do Senhor em nosso tempo. Apesar
e a luz é toldada. Para G. Campbell Morgan, de haver um sistema eficiente de notícias
a Igreja realizou mais coisas para o mundo no mundo cristão, nem sempre sabemos o
quando foi menos parecida com ele. Hoje que Deus está fazendo em seus servos e
em dia, muitas igrejas acreditam que devem por meio deles pelo mundo afora. Quando
imitar o mundo a fim de alcançá-lo. Que perdemos o alento, talvez seria animador
grande erro! saber da história toda.
Quando Israel adotou o estilo de vida "Portanto, nada julgueis antes do tem­
das nações pagãs a seu redor, enfraqueceu po, até que venha o Senhor, o qual não
a própria nação. Quando os israelitas passa­ somente trará à plena luz as coisas ocultas
ram a adorar os ídolos, Deus reteve suas das trevas, mas tam bém m anifestará os
bênçãos. As nações não se desintegram e desígnios dos corações; e, então, cada um
caem por causa daqueles que vendem por­ receberá o seu louvor da parte de D eu s'
nografia ou drogas, mas por causa dos cris­ (1 C o 4:5).
tãos que deixam de ser sal e luz. Apesar de
não aprovar o que fazem, Deus espera que 9. D e u s a in d a a b e n ç o a a q u e l e s q u e
os pecadores se comportem com o peca­ v iv em pela fé
dores, mas não espera que os santos se Alguém disse bem que ter fé não é crer ape­
comportem como pecadores. Cristãos que sar das evidências (isso é superstição), mas
sempre fazem concessões não só prejudi­ sim obedecer apesar das conseqüências.
cam a si mesmos, sua família e sua igreja, Poderia acrescentar que também significa
mas também contribuem para a degenera­ obedecer a Deus apesar de tudo o que ve­
ção de sua nação como um todo. mos a nosso redor ou adiante de nós ou de
como nos sentimos por dentro. A fé não
8 . D e u s n ã o c o n t a a h is t ó r i a t o d a d e depende de nossas emoções (Gideão esta­
UMA SÓ VEZ va quase sempre com medo e Sansão sen­
Sabemos um bocado sobre Débora, Gideão, tia que ainda possuía seu antigo poder), nem
Jefté e Sansão, mas não temos muitas infor­ de nossa interpretação da situação. A fé
m ações sobre Sangar, Tola e Jair. N ão confia na Palavra de Deus e faz o que ele
aprouve ao Senhor colocar em sua Palavra ordena.
todas-as obras de todos os seus servos e, no Não se pode servir a Deus sem fé, pois
entanto, essas pessoas tiveram papel im­ "Sem fé é impossível agradar a Deus" (H o
portante no cumprimento dos propósitos ' 11 -.è). "Tudo o que não provém de fé é pe­
divinos. cado" (Rm 14:23). Se esperarmos até termo-i
Pode ser que o povo de Deus jamais uma fé perfeita, jamais faremos muita cois»
reconheça o valor do trabalho que você faz pelo Senhor. Ele honra até mesma a fé q_e
para o Senhor. Talvez você seja como Tola, é fraca e procura fortalecê-la. Exercitar a ^
Ibsã ou Elom, mas não se desanime! Deus é como exercitar os músculos: quanto m a i
tem todos os registros e, um dia, lhe dará a você se exercita, mais fortes os músculm
recompensa por seu serviço fiel. O importante se tornam.
JUÍZES 171

1 0 . A h is t ó r ia de D e u s a in d a n ã o trono e traz ordem e paz à terra. Quando as


CHECOU AO FIM perspectivas são sombrias, lembre-se de que
“ reciso confessar que, ao escrever este livro, Deus ainda não terminou sua história.
"Mjve ocasiões em que me senti deprimi- Um amigo meu que trabalha com bas­
Ao. Um dia disse a minha esposa que ficaria quete profissional gosta de assistir a vídeos
► x quando tivesse terminado esta parte, com as vitórias do time pelo qual torce.
pr-s o Livro de Juizes não tem muitas notícias Mesmo no momento mais tenso do jogo ele
joas. pode relaxar em frente à TV, pois já sabe
Mas o Livro de Juizes não é o fim da his- como o jogo vai terminar.
ia! Na verdade, no original, o livro come- Certos dias, o povo de Deus olha para
r,-t com as palavras: "E sucedeu que". Se eu um mundo caótico, uma nação entregue à
[■p-neçasse um livro com essa expressão, ganância e à violência e uma igreja fraca e
■'eu editor enviaria o original de volta e me dividida e se pergunta se vale a pena andar
“landaria estudar um pouco mais a sintaxe com Deus e fazer sua vontade. Quando isso
íe nossa língua. acontecer, lembre-se de que o povo de Deus
No entanto, em sua forma original, oito sabe como a história termina! O último epi­
fc "os do Antigo Testamento com eçam com sódio dessa história não é o Livro de Juizes,
"E sucedeu que": Josué, Juizes, Rute, 1 e mas sim o Livro de Apocalipse! E Deus nos
2 Samuel, Ester, Ezequiel e Jonas. Por quê? garante que a justiça triunfará, que o mal
^ 'que todos são parte de uma história con- será julgado e que a fé será recompensada.
t r ja que Deus está escrevendo! O final do Nenhum cristão pode fazer tudo, mas
*j. 'o de Juizes não é o final da obra de Deus todo cristão pode fazer alguma coisa, e Deus
“■este mundo, pois esse livro começa com reúne essa "alguma coisa" de todos para
ts palavras "E sucedeu que". A história con- realizar sua vontade neste mundo.
-iu a ! Deus ainda está trabalhando! Nunca se sabe o que Deus tem planeja­
Se Juizes trata de uma nação sem rei, do para você, por isso esteja disponível!
■embre-se de que 2 Samuel é o relato sobre Afinal, um dia desses você precisará pres­
o rei de Deus ; nesse livro, Davi sobe ao tar contas e desejará estar pronto.

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