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Curadoria Científica e Projeto de Conteúdo para o Museu de Território –

Centro de Interpretação do Valongo (Produto 4)

Lugar de memória 4: Escola José Bonifácio MUHCAB/JB


Tema central: A luta pela escolarização da população negra
Trata-se do Centro Cultural José Bonifácio, sede do Museu de História e
Cultura Afro-brasileira – MUHCAB, onde funcionava a antiga Escola de
Santa Rita, posteriormente denominada Escola José Bonifácio. Com
recursos da Coroa Imperial e do Ministério do Império, o elegante prédio 1
foi inaugurado em 1877 para abrigar a primeira escola pública da
freguesia de Santa Rita. A construção do palacete representava,
simbólica e materialmente, a tendência da época de se privilegiar uma
política de escolarização da população urbana, próxima ao centro do
poder, que garantisse visibilidade às ações educativas promovidas pelo
Estado Imperial. Se a escolarização estava longe de ser para todos, a
escola de Santa Rita oferecia ensino primário diurno para crianças que
moravam na região, entre 7 e 14 anos, e aulas noturnas para os jovens e
adultos trabalhadores que não podiam frequentar o período regular.
Consta que, em 1911, havia 483 alunos matriculados no chamado ensino
primário. A instituição manteve sua função pedagógica ao longo de toda
a primeira República, funcionando como uma das Escolas-Modelo do
Distrito Federal.
A presença de crianças e de jovens negros nas escolas, ao longo do século
XIX e primeiras décadas do século XX, foi, até pouco tempo, pouco
valorizada. A tendência dos pesquisadores de associarem a vivência da
população escravizada à totalidade da população negra cegou por muito
tempo os estudos de história da educação. Se é possível a localização de
impedimentos, até mesmo legislativos, para africanos e escravizados, não
se pode dizer o mesmo para o acesso de libertos e livres de cor, apesar de
muitas opiniões contrárias a sua incorporação no sistema educacional
formal. Existiam inúmeros constrangimentos, mas é inquestionável que
através do letramento - em escolas, associações religiosas e de
trabalhadores, ou ainda em iniciativas de professores negros – os
descendentes de africanos conseguiram afirmar seu talento, liberdade e
igualdade. Os vários jornais publicados ao longo dos séculos XIX e XX
são exemplos contundentes da atuação de intelectuais negros.
Complementarmente, o acesso à instrução, em escolas particulares ou
públicas, foi recorrentemente uma demanda da população negra,
escrava, liberta e livre.
Alguns exemplos podem ser destacados: Entre 1853 e 1873, o professor
negro Pretextato dos Passos Silva dirigiu uma escola particular para
instrução primária de crianças pardas e pretas, a pedido de seus pais, na
Rua da Alfândega. Na década de 1880, José do Patrocínio foi professor
de uma escola gratuita noturna em São Cristovão, num sobrado doo largo
da cancela, que recebia alunos “de cor” e “escravos fugidos”, tendo ficado
conhecida como “Quilombo da Cancela”. Ali também funcionava a Caixa
Emancipadora José do Patrocínio, que ajudava financeiramente a luta
pela liberdade, através de alforrias, ações contra a escravização ou
mesmo fugas. Em 1878, temos o registro de que Libertina de Andrade,

Martha Abreu e Monica Lima


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preta livre matriculou sua filha, Felismina de Andrade, com 5 anos de


idade na 3ª Escola Pública de Meninas de Santa Rita. Escolas noturnas,
que recebiam pobres e trabalhadores jovens, foram registradas em
freguesias do centro da cidade do Rio de Janeiro entre o final do século
XIX e primeiras décadas do XX. Um dos grande defensores destas escolas
noturnas foi o professor negro da Escola Normal do Distrito Federal e do
Colégio Militar, Hemetério dos Santos (1858-1039). As associações dos 2
movimentos negros, ao longo do século XX, sempre investiram na criação
de cursos de alfabetização e na ampliação dos índices de escolarização.

Personagens principais: Maria Reis Santos, Hemetério dos Santos,


lideranças do movimento negro nos anos 1980.
Na escola José Bonifácio certamente estudaram muitas crianças e jovens
negros. Também uma de suas professoras, diretora em 1908, era negra:
Maria Reis Santos.
Hemetério dos Santos, sua esposa, Rufina Vaz Carvalho dos Santos, e
filhas, Coema e Gulnare Hemetério dos Santos, todas professoras, devem
ter conhecido a escola ou mesmo a frequentado. Hemetério, além de
professor no ensino público e privado, foi gramático e filólogo, escreveu
artigos, livros didáticos e poesias. Candidatou-se também a cargos de
vereador e deputado federal. Em toda sua trajetória enfrentou atitudes
racistas, desenvolveu estratégias pedagógicas antirracistas em seus
livros e conferências, denunciando, por exemplo, a não aceitação de
estudantes negros em determinadas escolas. Entre seus livros,
destacam-se, Pretidão do Amor (1905) e Etymologias Preto (1907).
A Escola José Bonifácio pertenceu à rede de escolas municipais até o ano
de 1966, quando foi extinta. Muitos moradores das imediações lembram-
se, com emoção, da antiga escola. O prédio ficou vazio até 1977, ano que
recebeu a Biblioteca Regional da Gamboa. Em 1986, foi transformado em
Centro Cultural José Bonifácio, com a função de constituir um centro de
referência da cultura negra. Nas décadas seguintes, o espaço sediou
importantes eventos da cultura negra, entre exposições, reuniões,
apresentações artísticas e performáticas, além de funcionar como espaço
de formação – com minicursos, palestras e aulas de capoeira para
crianças da região. Pelo CCJB certamente passaram as principais
lideranças do movimento negro carioca da década de 1980, como Joel
Rufino dos Santos, Hilton Cobra, Wanda Ferreira, Luiz Eduardo Negro
Ogum, Januário Barbosa, Filó (Asfilófio de Oliveira Filho) e, podemos
imaginar, Beatriz Nascimento, Lélia Gonzales, Zózimo Bulbul, Carlos
Nobre, entre outros.

SCHUELER, Alessandra de. Felismina e Libertina vão à escola: Notas


sobre a escolarização nas freguesias de Santa Rita e Santana (Rio de
Janeiro, 1888-1906). Revista História Educ. Vol. 19, no. 46. Santa Maria,
2015. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2236-34592015000200145

Martha Abreu e Monica Lima


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_____________________ . A história da Educação dos negros no Brasil.


https://www.academia.edu/33553284/A_Historia_dos_negros_na_educ
ao_no_Brasil_.pdf
SANTOS, Aderaldo Pereira. A Arma da Educação: Cultura política,
cidadania, antirracismo nas experiências do professor Hemetério José
dos Santos (1870 – 1930). Tese de Doutorado. Faculdade de Educação,
UFRJ, 2018. 3

PINTO, Ana Flavia Magalhães. “De Pele escura e tinta preta: A imprensa
negra no século XIX (1833-1899). Dissertação de mestrado. PPGH,
Universidade de Brasília, 2006.
SILVA, Luara. “O negro nunca foi estúpido, fraco, imoral ou ladrão”:
Hemetério José dos Santos, identidade negra e as questões raciais no
pós-Abolição carioca (1888-1920). In: ABREU, XAVIER, BRASIL,
MONTEIRO, Cultura Negra, Novos Desafios para os Historiadores (vol. 2
– Trajetórias e Lutas de Intelectuais Negros). Niterói: Eduff, 2018, p. 266-
196.

Imagens indicadas:
Grupo de professoras da escola em 1908: Foto Revista O Malho, Edição
0297 (ver banco de imagens)
Hemetério dos Santos. Foto publicada no livro “Pretidão de amor” (1905),
Acervo da Biblioteca Nacional. (ver banco de imagens)
Capas de jornais dos movimentos negros: “O Brasileiro Pardo” (1833)
https://bndigital.bn.gov.br/artigos/brasileiro-pardo/ e “O Homem de
cor” (1833) https://bndigital.bn.gov.br/artigos/o-homem-de-cor/, no
Rio de Janeiro; “A Pátria” e o “Progresso, órgão dos homens de cor” (São
Paulo, 1889 e 1899), “Treze de Maio” (Rio de Janeiro, 1888), “O Exemplo”
(Porto Alegre, 1892-1930), “O Menelick, órgão mensal, noticioso, literário
e crítico dedicado aos homens de cor” (São Paulo, 1916)
http://www.omenelick2ato.com/imprensa-negra-paulista; “O Clarim da
Alvorada” (São Paulo, 1924-1932), “A Voz da Raça” (1933-1937)
http://biton.uspnet.usp.br/imprensanegra/index.php/a-voz-da-raca/,
“O Quilombo” (Rio de Janeiro, 1948-1950) https://ipeafro.org.br/acervo-
digital/leituras/ten-publicacoes/jornal-quilombo-no-01/

Fotos das lideranças do movimento negro nos anos 1980.


Fotos dos diretores do CCJB

Martha Abreu e Monica Lima

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