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volume 9
número 1
2005
Raul Landim Filho
UFRJ/CNPq
Tendo sido assumidas essas proposições, como é possível que certos juízos
categóricos, que “formam a base de todos os outros juízos”3 , possam desempenhar a
função exercida pelos juízos existenciais que seria a de correlacionar conceitos,
não a outros conceitos, mas a objetos efetivamente dados? Nesse artigo nós pre-
tendemos analisar essa questão.
“Se eu digo ‘Deus é uma coisa existente’, parece que estou exprimindo a relação de um
predicado com o sujeito. Mas há uma impropriedade nessa expressão. Falando estrita-
mente, ela deveria ser assim formulada: ‘algo de existente é Deus’, isto é, pertencem a uma
coisa existente aqueles predicados que, tomados conjuntamente, nós designamos através
da expressão ‘Deus’. Estes predicados são colocados relativamente ao sujeito, enquanto
que a coisa nela mesma, com todos os seus predicados, é colocada absolutamente”5 .
(4) Der Einzig Mögliche Beweisgrund Zu Einer Demonstration des Daseins Gottes, in Kant Werke in zehn
Bänden, org. W. Weischedel, Darmstadt, v. 2, 1983.
(5) Der Einzig...,1ª parte, primeira consideração, 2, p. 634.
(6) Nessa parte do artigo, reproduzimos parcialmente trechos do nosso artigo “Juízos Predicativos e
Juízos de Existência” publicado em Analytica, v. 5, nº 1-2, 2000, p. 83-108.
(7) Essa caracterização de juízos categóricos assume de uma maneira implícita a definição de juízo
como subordinação de conceitos. (Ver Lógica Dohna-Wundlacken, Judgments in Lectures on Logic, p.
495), Juízos categóricos podem também ser definidos a partir de condições que justificariam a atribui-
ção do predicado ao sujeito: se o que permite a atribuição do predicado ao sujeito do juízo é o próprio
conceito-sujeito, o juízo é dito categórico. (Ver Lógica, trad. Guido Antônio de Almeida, Tempo Brasi-
leiro, Rio, 1992, #25). Assim, no juízo categórico “não há condição fixada” (The Vienna Logic in Lectures
on Logic, p. 374). A definição que apresentamos de juízos categóricos mostra que esses juízos subordi-
nam conceitos na medida em que são considerados como conexões de conceitos. Sobre a noção de
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juízo em Kant, ver B. Longuenesse Kant and the Capacity to Judge, trad. C. Wolfe, Princeton. Un. Press,
1998, cap. 4, Logical Definitions of Judgment, p. 81-106.
RAUL LANDIM FILHO
Juízos hipotéticos e disjuntivos têm como matéria outros juízos9 , o que torna
plausível a tese de que os juízos categóricos, que se decompõem em conceitos,
podem ser definidos como conexões de conceitos, enquanto que os juízos hipoté-
ticos ou disjuntivos, que se decompõem em juízos, seriam ligações de juízos.
Embora a lógica de Kant não apresente um método de decomposição de juízos
complexos em juízos simples10 , parece evidente que os juízos categóricos, por não se-
rem decompostos em outros juízos, mas apenas em conceitos, são os juízos simples
(elementares) da lógica kantiana. Obviamente, o termo “simples” nesse caso não sig-
nifica atômico (no sentido da lógica contemporânea), pois o juízo “Todo homem é
branco” é um juízo categórico e é também um juízo simples no sentido de não poder
ser decomposto em outros juízos. Assim, juízos categóricos conectam o conceito-su-
jeito ao conceito-predicado mediante a cópula judicativa. Eles são ligações de concei-
tos. Juízos hipotéticos ou disjuntivos são ligações de juízos.
(8) The Vienna Logic, Of Judgments, p. 373. Ver também na página 372 da mesma obra a seguinte afir-
mação: “A matéria de todas as proposições categóricas consiste em conceitos nos quais o conceito sujeito perten-
ce ao conceito predicado”.
(9) “Os juízos categóricos constituem, é verdade, a matéria dos demais juízos”, Lógica, #24.
(10) A Lógica Medieval denominava de simples os juízos predicativos e os opunha aos juízos hipoté-
ticos, disjuntivos etc. Segundo N. K. Smith (Commentary to Kant’s “Critique of Pure Reason”, 2ª edição,
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Humanities Paperback Library, 1993, Atlantic, p. 193), Wolff, Meier, Baumgarten, Baumeister e outros
consideravam os juízos categóricos (com um só sujeito lógico) como os juízos simples da Lógica.
KANT: PREDICAÇÃO E EXISTÊNCIA
Os juízos existenciais parecem ter uma função diferente da dos juízos cate-
volume 9 góricos, que são conexões de conceitos. Um juízo existencial exprime que um ob-
número 1 jeto efetivamente existente satisfaz às notas características contidas no conceito
2005
que no juízo existencial exerce a função de sujeito.
Se essa análise é correta, um juízo existencial não é um juízo categórico, isto
é, não é uma conexão de conceitos. Um juízo categórico pode pressupor um juízo
existencial. Mas uma conexão de conceitos não exprime a posição absoluta de uma
coisa. Essa é a função do juízo existencial que a exerce na medida em que não rela-
ciona conceitos, mas põe o objeto com suas próprias determinações. Assim, o ter-
mo “existência” num juízo existencial não tem função atributiva, isto é, não acres-
centa uma nova determinação aos objetos significados pelo conceito-sujeito.
(11) Para uma discussão detalhada dessa interpretação, remetemos o leitor ao nosso artigo “Juízo,
Conceito e Existência na Crítica da Razão Pura de Kant” in Cadernos de Filosofia, Publicação Semestral
do Instituto de Filosofia da Linguagem, Edições Colibri, nº 14, 2003, Lisboa, p.7-34.
(12) “Assim, todos os juízos são funções de unidade entre (unter) nossas representações, pois para o conheci-
mento de objetos é usada, ao invés de uma representação imediata, uma mais alta, que compreende sob si (unter)
essa (representação imediata) e muitas outras e através disso muitos possíveis conhecimentos são reunidos num
só”[A, 69; B, 94] 189
KANT: PREDICAÇÃO E EXISTÊNCIA
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juízos, ao menos os juízos simples da lógica kantiana (juízos predicativos/cate-
góricos afirmativos), conectam conceitos mediante a relação de subordinação.
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192 (13) Ver A. Arnauld e P. Nicole, La Logique ou L’Art de Penser, Vrin, Paris, 1993, p.109-110 ; 114.
RAUL LANDIM FILHO
(14) Não é evidente que se um conceito não é vazio, a instância desse conceito deva ser considerada
como existente. Para Frege a expressão existe um x tal que Fx significa que o conceito F tem uma
instância. Assim, se o quantificador existencial exprimir a noção de existência, existir é ser instância
de um conceito.
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KANT: PREDICAÇÃO E EXISTÊNCIA
194 inferência imediata conversão por acidente (Nenhum homem é filósofo segue-se que Algum filósofo não é
homem) supõe não só que o conceito homem, mas também que o conceito filósofo não sejam vazios.
RAUL LANDIM FILHO
(20) Sobre essa questão, ver o nosso artigo citado: “Juízos Predicativos e Juízos de Existência”,
Analytica, vol 5 nº 1-2, 2000, p. 83-108. 195
KANT: PREDICAÇÃO E EXISTÊNCIA
(21) Os juízos sintéticos a priori, que envolvem apenas uma intuição (pura) da forma do objeto, po-
dem ser verdadeiros sem que um objeto empírico seja efetivamente dado ou empiricamente percebido.
196 Os juízos analíticos são verdadeiros em razão do Princípio de Contradição e têm sua verdade
estabelecida através da análise do seu conceito-sujeito.
RAUL LANDIM FILHO
RESUMO
Assumindo a verdade de três afirmações ou suposições kantianas na CRP, a saber, [1] existência não é um
predicado real, [2] do ponto de vista da Lógica Geral, os juízos categóricos são conexões de conceitos; [3] a forma
lógica dos juízos de existência não pertence à Tábua Lógica dos Juízos, o artigo pretende analisar e apresentar uma
solução para a seguinte questão: como é possível que certos juízos categóricos, que “formam a base de todos os
outros juízos”, possam desempenhar a função exercida pelos juízos existenciais que seria a de correlacionar
conceitos, não a outros conceitos, mas a objetos efetivamente dados?
Palavras-chave: Kant, Existência, Juízos Categóricos, Juízos Existenciais. 197
KANT: PREDICAÇÃO E EXISTÊNCIA
ABSTRACT
volume 9 Taking to be true these three Kantian suppositions or claims in CPR: [1] existence is not a real predicate, [2] from
número 1 the General Logic perspective, categorical judgments are connections of concepts; [3] the logical form of judgments
2005 of existence does not belong to the Logical Table of Judgments, in this article I intend to analyze and to present a
solution to the following question: how is it possible that certain categorical judgments, those that “constitute the
basis for all other judgments”, should have the function carried out by the existential judgment which is that of
correlating concepts not to other concepts, but rather to objects actually given.
Keywords: Kant, Existence, Categorical Judgements, Existencial Judgements.
Recebido em 10/2005
Aprovado em 11/2005
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