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Philosophia est scientia.

Questões Disputadas Sobre


A Justiça Divina

Lian Freitas
Introdução
Destino este texto a todos aqueles que encontram-se em dúvidas sobre a justiça divina,
pois o Cristianismo vem a muito, ironicamente, sendo acusado injustamente de injustiça.
Destino-o também a meu fiel amigo e cordial mestre Allan Magalhães e a todos os
integrantes do Philosophia est scientia. Ademais, também ressalto a crítica, revisão e os
comentários dados por Allan em meu texto que se encontram nas notas de rodapé e na
resposta à segunda objeção da questão 3ª e às objeções da 4ª questão.

1. Se o Inferno é injusto
A primeira se discute assim: parece que o Inferno é injusto.

PRIMEIRA OBJEÇÃO - Deus é ato puro, sendo por conseguinte, Bem e Amor puro. Ora,
que Pai deixaria o filho sofrer para a eternidade no Inferno?

SOLUÇÃO - Como é sabido, Deus não envia ninguém ao Inferno. Ora, para ir ao Inferno
basta seguir a estrada do Mal. Deus não obriga-te a seguir essa estrada - na verdade, pelo
contrário, Ele estimula-te a ir pela estrada do Bem. É sabido que Deus, por sua
onipresença, está presente em todos os lugares, incluindo o Inferno. É sabido também que,
embora ele esteja lá, aqueles que se encontram no Inferno não podem senti-lo em respeito
a sua escolha em vida de negá-lo. Por conseguinte, também dever-se-ia afirmar que, pelo
fato dos habitantes do fogo infernal não terem a presença de Deus, nenhum Bem pode
provir deles, pois como demonstra o Doutor da Graça 1 em De libero arbitrio, todo Bem
provém de Deus. Logo, a eternidade no Inferno não é injusta.

RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO - Como foi demonstrado, nenhum Bem pode ser
provido na ausência de Deus. Sendo o Inferno a "ausência de Deus" para seus habitantes,
seria impossível que o arrependimento - que é um Bem - ocorresse. Logo, é impossível
arrepender-se no Inferno, e por consequência, o Inferno não é injusto.

2. Se é possível se afastar totalmente de Deus


A segunda se discute assim: parece que é impossível se afastar totalmente de Deus.

PRIMEIRA OBJEÇÃO - Sendo Deus ato puro, e por consequência, amor puro, Ele não
poderia deixar que seus filhos se afastassem totalmente d'Ele.

SEGUNDA OBJEÇÃO - Embora o Inferno seja a ausência de Deus, é sabido que embora o
pior dos humanos em vida, não é totalmente ausente de Deus. Portanto, é impossível
afastar-se totalmente de Deus.

1
Ao dizer ‘Doutor da Graça’, denomina-se Santo Agostinho.
TERCEIRA OBJEÇÃO - Deus é onipresente, e portanto, está em todos lugares. Portanto,
está até mesmo no Inferno, e portanto é impossível ausentar-se totalmente d'Ele.

SOLUÇÃO - O Genial Teólogo 2 certa vez disse: "Não se preocupe. Só há duas espécies de
pessoas no final: os que dizem a Deus, 'seja feito a Sua vontade', e aqueles a quem Deus
diz: 'a tua vontade seja feita". Portanto, parece que nossa vida é uma grande demonstração
de resposta para Deus: se o queremos ou se não o queremos. Portanto, todas nossas
ações pesam nesta resposta final que será dada com nossa morte e ressurreição. A vida é
uma grande resposta a Deus se o queremos ou o dispensamos.3

RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO - Se Deus não permitisse que seus filhos


afastassem-se d'Ele, Deus estaria quebrando o princípio de Livre-Arbítrio, do mesmo modo
como permite que os maus morais ocorram. Ademais, O Genial Teólogo certa vez disse:
"Se você está à procura de uma religião que o deixe confortável, definitivamente eu não lhe
aconselharia o cristianismo".

RESPOSTA À SEGUNDA OBJEÇÃO - É sabido que em vida é impossível se ausentar ou


negar totalmente a Deus. Porém, é sabido também que isto já é programado por Nosso
Senhor. Ora, o sentido mínimo da vida cristã significa responder a Deus se o queremos ou
não o queremos e a partir de nossa resposta sofreremos os efeitos. Portanto, é possível se
afastar totalmente de Deus.

RESPOSTA À TERCEIRA OBJEÇÃO - Como anteriormente supracitado, Deus está no


Inferno, mas aqueles que estão no Inferno não podem senti-lo, em respeito a sua escolha
de negar a Deus.

3. Se os bebês batizados que morrem


prematuramente são privilegiados
O terceiro se discute assim: parece que os bebês batizados que morrem
prematuramente são privilegiados.

PRIMEIRA OBJEÇÃO - Os bebês que são batizados e morrem prematuramente são


privilegiados pois alcançam a salvação sem necessidade de passar pelos desafios da vida e
do mal. Logo, Deus é injusto.

SEGUNDA OBJEÇÃO - Diz-se que Deus não poderia impor a salvação a nenhum de seus
filhos, pois assim, quebraria o Livre-Arbítrio. Mas ao salvar os bebês batizados
prematuramente, Deus impede a livre escolha destes.

2
Ao dizer ‘Genial Teólogo’, denomina-se C. S. Lewis.
3
Comentário de Allan Magalhães à leitura em 26/07/2021:
“O pecado é uma ofensa à dignidade infinita de Deus, logo, a pena justíssima seria uma punição
infinita, tal punição é o inferno, o pecado e a pena são proporcionais, logo, Deus é justo e a punição
infernal é igualmente justa.”
SOLUÇÃO - Parece a muitos que o sentido da vida cristã é apenas buscar a própria
salvação, mas esquecem-se da verdadeira ressurreição e crucificação de Cristo. Ora pois,
Jesus Cristo Nosso Senhor não morreu por um Homem, mas morreu por cada um dos
Homens. Nosso Senhor não morreu para salvar um Homem, mas morreu para salvar a
todos os Homens. O mesmo dever-se-ia aplicar a nós: o sentido da vida cristã não é apenas
buscar a própria salvação. Na verdade, parece que ao buscar apenas a própria salvação,
distancia-se da própria salvação. Pois é sabido que a caridade, tal qual Jesus o fez ao
morrer por todos Homens, é um dos fundamentos da doutrina católica. Ora, parece portanto
que o sentido da nossa vida é além de buscar a Salvação, mas também buscar a Salvação
de todos aqueles que acompanham-nos nesta jornada. Logo, Deus não é injusto.

RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO - Sendo o sentido da vida cristã a caridade em si,


parece que morrer prematuramente, embora salvasse a si mesmo não atingiria o propósito
principal, uma vez que este não teve o potencial para o fazê-lo. Ora, peguemos Santo
Tomás, Aristóteles e todos os grandes filósofos e substituamos apenas por bebês mortos
prematuramente e então veremos que todo o Bem feito por este seria esquecido. Embora
alcançassem a salvação, toda sua caridade em prol da humanidade seria apagada.
Ademais, é sabido que o plano de Deus para todos é que vivamos, para que assim
possamos responder sinceramente a ele se o queremos ou o recusamos, e portanto, a
morte prematura trata-se de um acidente. Logo, Deus não é injusto.

RESPOSTA DE ALLAN MAGALHÃES À SEGUNDA OBJEÇÃO - Os bebês não possuem


a faculdade de eleição e deliberação denominada vontade, portanto, ainda não possuem
livre-arbítrio. Ademais, eles ainda não possuem pecados atuais, portanto, é justo salvá-los.
Logo, Deus não é injusto.

4. Se há injustiça espiritual
O quarto se discute assim: parece que há injustiça espiritual.

PRIMEIRA OBJEÇÃO - Alguns nascem ricos, outros pobres. Ora, os ricos tem vantagem
de salvarem-se. Logo, Deus é injusto.

SEGUNDA OBJEÇÃO - Alguns nascem em ambientes onde a revelação é maior e, por


isso, a chance de se salvarem é maior. Logo, Deus é injusto.

TERCEIRA OBJEÇÃO - Alguns vivem mais enquanto outros vivem menos. Logo, alguns
possuem mais tempo para se salvarem enquanto outros menos. Por conseguinte, Deus é
injusto.

QUARTA OBJEÇÃO - Alguns nascem em ambientes donde a educação ética-moral é


melhor, outros nascem em ambientes donde a educação ética-moral é inferior. Desta forma,
alguns possuem a ética mais educada de forma que sua salvação se propicie. Logo, Deus é
injusto.

SOLUÇÃO - Tais objeções parecem não entender o que disse Nosso Senhor Jesus Cristo
em Mateus XXV:14-30. Ora pois, através de tal parábola é possível tirar-se alguns
ensinamentos a respeito de Nosso Senhor: 1º) que não há injustiça espiritual; 2º) que todo
Bem que recebemos não nos pertence e não os merecemos. Há de se notar que na
parábola o Senhor emprestou os talentos para seus servos. Ao dizê-lo, Cristo queria
ensinar-nos que todos os bens que recebemos não nos pertencem e de mesmo modo não
os merecemos. Percebe-se também que tal Senhor emprestou uma quantia diferente a
cada um de seus servos, pois cada um recebeu <a cada qual segundo a sua capacidade>. Ao
dizê-lo, Jesus queria ensinar-nos que Deus, sabendo do passado e do futuro e sendo
infinitamente onibenevolente, sabe o que é melhor para cada um de nós. Ele sabe qual a melhor
quantia deve nos dar para que salvemo-nos. Por fim, se bem analisarmos perceberemos que
embora alguns recebam menos que outros, todos recebem muito. Ora pois, é sabido que o
talento era uma grande quantia monetária na época de Nosso Senhor. Ao fazê-lo Jesus queria
ensinar-nos que mesmo o que aparenta pouco é, em verdade, muito.

RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO - Como foi demonstrado anteriormente, não há


verdadeiramente ricos e pobres. Todo Bem pertence, em verdade, a Deus. Ademais, já foi
demonstrado que Deus em sua infinita benevolência e presciência sabe e predispõe de todos
modos para que nos salvemos. Se alguns nascem ricos e outros pobres, quer dizer que tais
condições favorecem cada um em sua devida individualidade para a Salvação, pois como a
tradição da Igreja nos ensina, nenhum Mal é permitido sem que deste possa tirar-se um Bem
maior e mais profundo. Por fim, há de se comentar também que tal diferença é material e não
espiritual. Ora, pois como afirma Levítico 25:23, os bens materiais são apenas temporários ao
passe do que realmente nos importa que é a eternidade. Portanto, Deus não é injusto.

RESPOSTA À SEGUNDA OBJEÇÃO - Já vimos que Deus conhece a tudo e todos, do futuro ao
passado e, sendo infinitamente bom, propícia de melhor forma para que alcance a Salvação.
Afinal de contas, o melhor é aquilo que nós menos entendemos. Logo, Deus não é injusto.

RESPOSTA À TERCEIRA OBJEÇÃO - A morte de uma pessoa não pertence apenas ao juízo
de Deus, mas também pertence ao livre-arbítrio do indivíduo. Quanto às mortes que pertencem
ao juízo d’Ele sabemos que sempre será propiciada ao melhor. Ademais, há também de se notar
que quanto mais tempo de vida uma pessoa possui para se salvar ela também tem para se
perder. Ora, a única diferença será a forma pela qual tal pessoa aproveitará seu tempo.

RESPOSTA À QUARTA OBJEÇÃO - Embora alguns realmente nasçam e tenham sua lei
natural deturpada pela deseducação de seu ambiente ético-moral há de saber que o pecado só
pode ser considerado mortal quando tal pessoa consente em seu ato. Aqueles que fazem o mal
porque assim os foi ensinado, tal como uma criança que nasce no Islã deturpa-se com a
poligamia, não podem ser punidos pois tal ato não convém de seu juízo mas origina-se
verdadeiramente na concupiscência da deseducação e da deturpação da educação ética de seu
ambiente. Logo, Deus não é injusto.

5. Se somos livres para sermos o que quisermos


O quinto se discute assim: parece que não somos livres para ser o que quisermos.

PRIMEIRA OBJEÇÃO - Deus não nos deu completo livre-arbítrio para sermos o que
quisermos, pois não permite que sejamos o não-ser.
SOLUÇÃO - Deus nos deu o livre-arbítrio para sermos o que quisermos ser; exceto, sermos
o não-ser. Pois, em verdade, o Não-ser não existe.

RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO - Deus não permite que sejamos o não-ser, porque se
assim o fosse Deus não poderia nos amar. Ora, um escritor quando escreve uma história
apaga as piores partes de sua história e as corrige. Deus é perfeito, e tudo que cria, por
essência também o é. Portanto, isso significa que nada n’A História de Deus pode ser
apagado. Se Deus permitisse que algo fosse o não-ser, isso seria em si contra sua própria
perfeição. Por fim, se Deus permitisse que fossemos o Nada, Ele não poderia nos amar.
Ora, Deus ama os seus filhos no Céu tal qual ama os seus filhos no Inferno. Deus ama os
filhos que estão em sua casa, tal qual ama os filhos que optaram por abandoná-lo. Mas
Deus não pode amar o que não existe. Deus não pode amar o Nada. Logo, se Deus
permitisse que transformasse-mos no Nada, Deus não seria amor. E se Deus não for amor,
Deus não é.

6. Se Deus deveria apagar as pessoas do Inferno


O sexto se discute assim: parece que Deus deveria apagar as pessoas do Inferno.

PRIMEIRA OBJEÇÃO - Deus é onibenevolente e amor e, por isso, deveria apagar as


pessoas que sofrem no Inferno a fim de interromper o sofrimento eterno deles. Ora, quando
as pessoas sofrem por muito tempo, em verdade anseiam pela morte para cessarem sua
dor: a morte surge-lhes como um descanso do sofrimento. Ora, parece portanto que Deus
seria mais amoroso e justo se apagasse tais entes para evitar seu sofrimento.

SOLUÇÃO - Há de saber-se que todas as obras de Deus tem alguma finalidade. Ora, se
Deus a tudo criou e também permite que certas coisas aconteçam, significa que tais
acontecimentos possuem alguma finalidade, tal como permite o Mal para que dele possa
tirar-nos um Bem maior. Ora, pela revelação nos é conhecido que o Inferno é eterno e as
pessoas que estão lá não serão aniquiladas. Conclui-se por conseguinte que, de alguma
forma - que não nos convém saber ainda - as pessoas que sofrem no Inferno ainda
possuem alguma finalidade. Tal finalidade não pode ser a punição pois, como vimos, Deus
estaria disposto a perdoar seus filhos. Mediante tais conclusões, supre-se que, mesmo para
as pessoas que sofrem no Inferno, há alguma finalidade divina que ainda não conhecemos.
Não nos convém nesta vida supor ou imaginar qual seja esta finalidade, mas nos convém
que tal existe; ora pois, Deus é tão bondoso que preparou algo mesmo para aqueles que
optaram por abandoná-lo totalmente.

RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO - Ademais, todos entes são perfeitos por essência.
Como discutido na quinta questão deste tratado, um bom Criador não apaga suas obras e
sempre tem um bom motivo ou finalidade para tais.
Conclusão
Neste tratado analisamos a questão da justiça divina por meio de diversos e diferentes
ângulos, desde se a punição eterna no Inferno é eterna até se há alguma injustiça espiritual.
Tal tomo é de suma importância para mim, pois marca as questões que por muito tempo
impediram-me de converter sinceramente a Igreja de Cristo. Tais questões partiram
primeiramente de debates que presenciei de espíritas e cristão e percebi que em sua
maioria tais argumentos eram sempre debatidos com afinco e que, aparentemente,
nenhuma resposta abateria tais objeções. Durante mais de 3 anos venho pensando
seriamente sobre tais questões que tanto me intrigaram. Por muito tempo pareceu-me que
eram irrefutáveis e irrespondíveis para a fé cristã. Espero aqui ter arrematado estas seis
questões. A primeira questão surgiu de minha própria indagação, a segunda, terceira e
quarta questões surgiram em diversos debates que participei com meu irmão. A quinta
provém após uma reflexão da obra Death Note e a sexta provém após uma rápida e
passageira discussão com meu amigo judeu André Rodrigues, ex-integrante da
Philosophia est Scientia e da Academia. Por fim, gostaria de agradecer a Deus, por ter
ajudado e instigar-me a escrever tal tomo, e a meu amigo e mestre Allan Magalhães por
analisar e ajudar-me na resposta de algumas destas questões. Gostaria também de dedicar
tal texto para todos integrantes da Academia, desde André, João e o Lucas, que
participaram das discussões e fizeram-me pensar melhor. Penso que desta forma podemos
compreender melhor a beleza de Deus e, desta forma, caminhar para o Bem e a Verdade.

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