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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DA PARAÍBA

5ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA CAPITAL

Processo Nº : 2002012107347-8
Natureza : Ação Ordinária
Autor(a) : PEDRO LUIZ DE PONTES
Réu : MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA

SENTENÇA

ANULAÇÃO. Negó cio jurídico. Acordo sobre


benfeitorias. Imó vel urbano. Arremataçã o. Inscriçã o na
Prefeitura. Pagamento de tributos. Nã o transferência
da propriedade. Ausência de registro imobiliá rio. Bem
de uso comum. Impossibilidade de aquisiçã o. Erro
substancial. Inexistência. Improcedência.

Vistos, etc.
Trata-se de açã o ordiná ria ajuizada por Pedro Luiz de
Pontes, qualificado nos autos, em face do Município de Joã o Pessoa, objetivando a
anulaçã o de negó cio jurídico.
Alega, em síntese, que é legítimo proprietá rio de um
imó vel localizado na rua Otacílio Coutinho, n. 1001, Geisel, obtido em uma
reclamaçã o trabalhista. Relata que investiu no imó vel e passou a desempenhar
suas atividades profissionais naquele local. Pagou o ITBI quando o adquiriu e vem
pagando os tributos anuais.
No entanto, em 18/07/2012 foi surpreendido por
funcioná rios da prefeitura que afirmaram que o autor deveria desocupar o imó vel,
em funçã o de ser á rea pú blica. Em funçã o da pressã o que sofreu e da falta de
informaçã o, assinou “termo de compromisso e acordo com indenizaçã o”,
recebendo a aquantia de R$ 8.784,00, quando o imó vel na época da arremataçã o
foi avaliado em R$ 22.000,00.
Ao final, a anulaçã o do negó cio jurídico
consubstanciado no “termo de compromisso e acordo com indenizaçã o “.
Juntou documentos de fls. 09/23.
Apó s a devida citaçã o (fl.), o Município apresentou
contestaçã o (fls. 29/34).
Em seguida foi apresentada réplica (fls. retro).

É o relatório. PASSO AO JULGAMENTO.

1
Do julgamento antecipado da lide

Apesar de a causa nã o ser exclusivamente de direito,


nã o observo a necessidade de produçã o de provas em audiência.
Deste modo, apresenta-se como dever o julgamento
antecipado da lide, conforme previsto no Có digo de Processo Civil, expressamente:

Art. 330 do CPC. O juiz conhecerá diretamente do pedido,


proferindo sentença:

I - quando a questã o de mérito for unicamente de direito,


ou, sendo de direito e de fato, nã o houver necessidade de
produzir prova em audiência;(...)

DO MÉRITO

O autor pretende a anulaçã o do negó cio jurídico


consubstanciado em acordo celebrado sobre benfeitorias feitas em imó vel pú blico,
sob o argumento de erro substancial (art. 138 do CC), na premissa de que o terreno
ocupado nã o seria pú blico, mas, na realidade (segundo ele), de sua propriedade.
A propriedade imó vel é transmitida pela transcriçã o no
registro imobiliá rio (art. 1.245, CC)1. Para tanto, é preciso que haja registro
anterior, o que nã o existe no caso em aná lise, como demonstra a certidã o de fl. 12.
Nã o obstante, existem outras formas de adquirir a
propriedade originalmente, sendo a mais comum a usucapiã o (art. 1.238 e ss., CC).
Ocorre que bens pú blicos nã o estã o sujeitos à
usucapiã o, nos termos do art. 102 do Có digo Civil.2
No caso em apreço, percebe-se pelas plantas
apresentadas (fls. 43, 53) e observaçã o do google maps3 (art. 334, I, CPC) que o
imó vel em litígio encontra-se fora da implantaçã o dos lotes destinados à edificaçã o,
ou seja, em á rea destinada ao uso comum da populaçã o.
Trata-se, claramente, de bem de uso comum, nã o
pertencente ao patrimô nio da edilidade (dominical), mas também insuscetível de
ser adquirido por usucapiã o, nos moldes do art. 99, I4 c/c art. 102, ambos do
Có digo Civil e art. 183, § 3º, da CF/88.
Percebe-se, deste modo, que nã o há como o autor
adquirir a propriedade do imó vel, seja por meio de transferência de propriedade,
1
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro
de Imóveis.
2
Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião.
3
https://www.google.com.br/maps/@-7.1769831,-34.8637709,167m/data=!3m1!1e3
4
Art. 99. São bens públicos:
I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

2
pois nã o existe registro anterior; ou pela via da usucapiã o, pois o imó vel em
questã o é bem de uso comum.

Em sentido semelhante, veja-se:

CIVIL E ADMINISTRATIVO. INTERDITO POSSESSÓ RIO.


IMÓ VEL SITUADO EM FAIXA DE DOMÍNIO DE RODOVIA
FEDERAL. IMPROCEDÊ NCIA. 1. As vias federais de
comunicaçã o sã o bens da Uniã o (CF, art. 20, II), de uso
comum do povo (CC, art. 99, I) e insuscetíveis de usucapiã o
(CF, art. 183, § 3º). 2. Hipó tese em que o autor busca ser
manutenido na posse de á rea situada na faixa de domínio de
rodovia federal (Km 70 da BR-101), cuja ocupaçã o sequer
pode ser regularizada, em face da vedaçã o ínsita ao art. 9º,
II, Lei nº 9.636/98. 3. Patente precariedade da posse, ao
ente pú blico cabe reclamar o bem a qualquer tempo, sem
conferir ao possuidor direito de nele permanecer ou mesmo
de postular indenizaçã o por pretensas benfeitorias.
Precedentes. 4. Apelaçã o improvida. (AC nº 492223/PE, 3ª
Turma do TRF da 5ª Regiã o, Rel. Luiz Alberto Gurgel. j.
14.07.2011, unâ nime, DJe 21.07.2011).
USUCAPIÃ O. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. Apuraçã o
de que o imó vel usucapiendo configura á rea pú blica em sua
inteireza. Bem de uso comum do povo, insuscetível de
usucapiã o. Decisã o mantida. Recurso nã o provido.
(Apelaçã o nº 0617699-15.2008.8.26.0053, 7ª Câmara de
Direito Privado do TJSP, Rel. Mendes Pereira. j. 14.12.2011,
DJe 09.02.2012).

A inscriçã o do imó vel no cadastro da Prefeitura e a


cobrança dos tributos nã o possuem legalmente a capacidade de transferir a
propriedade do imó vel para o autor. Apenas demonstram a desorganizaçã o do
cadastro municipal e a avidez da edilidade em cobrar tributos, sem apurar se há , de
fato, um direito de propriedade.
Com efeito, a cobrança de tributos e os eventuais
prejuízos advindos da aquisiçã o do imó vel, podem ser objeto de demanda
autô noma de apuraçã o de responsabilidade civil, mas nã o têm como legitimar a
posse de á rea pú blica e convertê-la em direito de propriedade.
Outrossim, nã o existe o erro apontado no acordo
celebrado, pois realizado sob premissas corretas.
ANTE O EXPOSTO, atento ao que mais dos autos
consta e aos princípios de Direito aplicá veis à espécie, JULGO IMPROCEDENTE O
PEDIDO.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas e
demais despesas processuais; bem como, honorá rios advocatícios, que arbitro,
com arrimo no art. 20, do CPC, em 10% (dez por cento) do valor atribuído à causa,

3
mas com observâ ncia do art. 12 da Lei n. 1.060/50 (suspensã o condicional do
pagamento), devido à gratuidade processual deferida.

P. R. I.

Apó s o trâ nsito em julgado, arquive-se.

Joã o Pessoa, 17/12/21.

JOSÉ GUTEMBERG GOMES LACERDA


Juiz de Direito Auxiliar

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