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O Direito à Educação das Crianças: A Questão da

Educação Ambiental em Angola


Bruno Júlio Kambundo


RESUMO

No presente artigo, pretendemos trazer um olhar em torno de uma temática que nos parece
ser um dos grandes desafios para os direitos humanos na actualidade que é o Direito à
Educação para a Criança de uma forma geral e de forma particular a Educação Ambiental.
Tal como se pode observar na Declaração dos Direitos Humanos, bem como na
Convenção Sobre os Direitos da Criança, o Direito à Educação é um princípio
fundamental para as crianças. Além deste aspecto, é importante destacar que a Educação
é, e deve ser acompanhada de outros atributos necessários, para que se possa garantir à
Criança um desenvolvimento que vise a plena expansão da dignidade humana. Para que
tal desiderato seja possível, é necessário que aspectos como a saúde, a qualidade da
educação e outros, que também se encontram descritos quer na Declaração Universal dos
Direitos Humanos, quanto na Convenção sobre os Direitos da Criança e em outros
documentos orientadores das Nações Unidas sejam sempre levados em consideração.
Assim, nesta pesquisa, o nosso interesse é antes de mais compreender o seguinte: quais
são os principais artigos que salvaguardam o direito à educação das Crianças, e como
estes se articulam com a questão relacionada com a Educação Ambiental? Também
pretendemos constatar, quais os esforços que o Estado Angolano tem efectuado para a
garantia dos direitos da criança, no caso a educação ambiental? Por fim procuramos
apresentar o nosso contributo no sentido de o Estado tornar efectivos e visíveis os seus
esforços?

Palavras-chaves; Educação Ambiental; Educação; Direito à informação; Crianças; Meio


Ambiente.


Índice

Introdução-----------------------------------------------------------------------------------------3
1-O Direito à Educação e meio ambiente à luz da Declaração Universal dos Direitos
Humanos-------------------------------------------------------------------------------------------6
2-África e a sua leitura, sobre o Direito à Educação das Crianças--------------------------13

3-Um olhar sobre a questão do Direito à Educação em Angola /Educação ambiental à


luz da Legislação Angolana---------------------------------------------------------------------17

Considerações Finais ----------------------------------------------------------------------------29


Recomendações-----------------------------------------------------------------------------------30
Referência bibliográfica -------------------------------------------------------------------------31


Introdução

No presente artigo cujo tema central é “O Direito à Educação,” pretendemos compreender


até que ponto existe um casamento entre o direito à educação para as crianças em Angola
e a educação ambiental. O tema é de bastante importância quer pela actualidade da
temática, quanto pela sua pertinência. Numa altura em que a afirmação da Cidadania
enfrenta novos desafios, fundamentalmente na criação de bases seguras para o
desenvolvimento sustentável da humanidade, buscando novos espaços de actuação e
abrindo novas áreas de transformação, pelas quais o mundo se vê obrigado a passar. Na
defesa do estatuído na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), bem como
da Convenção dos Direitos das Crianças (CDC), no que concerne ao Direito à Educação,
é importante que os cidadãos tenham acesso ao conhecimento que possa assegurar além
de um desenvolvimento sustentável a garantia da continuidade mundial no capítulo
ambiental, e isto apenas se torna possível com uma educação de qualidade. Assim, é
necessário, a existência de um espaço que permita e facilite a articulação deste elemento,
o direito à educação escolar é um desses espaços que não perdeu e nem perderá a sua
actualidade para permitir e facilitar aos cidadãos ferramentas necessárias e suficientes
para a alteração dos principais problemas que afectam a humanidade.

Desta forma o nosso estudo apresenta 3 questões fundamentais a saber: quais são os
principais artigos que salvaguardam o direito à educação das Crianças, e como estes se
articulam com a questão relacionada com a Educação Ambiental? Também pretendemos
constatar, quais os esforços que o Estado Angolano tem efectuado para a garantia dos
direitos da criança no caso à educação ambiental? Que estratégia poderá o Estado adoptar
no sentido de cumprir na íntegra com os pressupostos estipulados na lei?

Para a elaboração do presente trabalho recorremos aos métodos seguintes: análise


documental que se baseou na análise dos principais documentos orientadores partindo das
convenções internacionais até ao nível mais baixo com as nacionais, este método foi
auxiliado com o método silogismo para a sua abordagem onde procuramos analisar a
questão com um olhar do geral para o particular, também contamos com o método
descritivo para a apresentação dos diferentes assuntos ao longo da nossa pesquisa.

Quanto à organização do trabalho, o mesmo encontra-se repartido em 3 partes: na


primeira procuramos fazer uma breve apresentação sobre os principais artigos a nível
4


internacional que consagram o direito à educação para as crianças por um lado, e por
outro, a discussão sobre a educação ambiental no mundo. Já no segundo, trouxemos um
pouco o tratamento da educação para a criança em África com destaque para os principais
artigos que se referem ao assunto na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos
(CADHP) e na Carta Africana sobre o Direito e Bem-Estar das Crianças, chamando
sempre atenção para a questão ambiental e as particularidades da Carta Africana. Por fim
no último ponto apresentamos o caso de Angola, partindo da evolução da constituição e
o tratamento da questão da Educação por um lado, e do Ambiente por outro, também
discutimos a questão da qualidade, bem como os projectos que o Estado tem no activo.

Em linhas gerais o artigo, levou-nos a constatar que, tem havido um esforço do Estado
Angolano em procurar dar resposta aos compromissos assumidos ao longo das assinaturas
dos diferentes tratados internacionais e regionais, só assim se entender que o mesmo
(Estado), neste capítulo, ratificou quase todos os tratados. Existe também uma vontade
do Estado em materializar os projectos e compromissos assumidos, como se pode
constatar quer na constituição quanto nas leis de bases, a nível internacional existem os
artigos, 26° da DUDH, 13° e 14° do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais
e Culturais (PIDESC), 28° e 29° da CDC, enquanto que a nível regional os artigos 17° da
CADHP e o artigo 11° da Carta Africana sobre o Direito e Bem-Estar das crianças. A
nível de Angola, os documentos são antes de mais a constituição da República em seus
artigos 16° e 39°, no entanto, encontramos a materialização dos mesmos nas leis de bases
do sistema de educação e do ambiente. Também foi possível constatar que existem alguns
projectos do Estado para dar solução aos problemas apresentados, no entanto estes são
pouco eficazes. Por fim pensamos que há uma necessidade do Estado em continuar a
trabalhar na identificação dos pontos de estrangulamento e mitigar estes problemas em
tempo recorde.


1- O Direito à Educação e meio ambiente à luz da Declaração Universal dos
Direitos Humanos

A educação é um direito fundamental nas sociedades actuais, e constitui um elemento


essencial para a garantia de um desenvolvimento eficaz e a salvaguarda da dignidade da
pessoa humana.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos1 é o principal documento no contexto das


Nações Unidas que surgiu para consagrar a educação como um dever obrigatório. No
entanto, este documento não constitui um factor vinculativo, na medida em que o seu
contexto de surgimento exigia que se tomassem outras medidas no sentido de se fazer
vinculações por parte dos diferentes Estados do mundo.

De acordo com, a DUDH, em seu artigo 26° considera que;

“Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita,


pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O
ensino elementar é obrigatório (…)
2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana
e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e
deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as
nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o
desenvolvimento das actividades das Nações Unidas para a
manutenção da paz.
3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de
educação a dar aos filhos.2”

Este artigo remete-nos a dois princípios que devem ser respeitados no direito à educação.
O primeiro tem a ver com o princípio da gratuidade e o segundo, o da não discriminação.
Interessa-nos abordar aqui o princípio da gratuidade do ensino, pois é este que abarca o
direito à educação das crianças e que vem também enunciado e salvaguardado, já de


1
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi aprovada pela Resolução 217 – A, 3.ª Sessão
Ordinária da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, no dia 10 de Dezembro de 1948, trata-se de
um documento onde estão esboçados os Direitos Humanos Básicos, e que teve como um dos principais
articuladores o Canadense John Peters Humphrey, contando, também, com a ajuda de várias pessoas de
todo o mundo. No entanto a República de Angola apenas iria adoptar a presente carta a 1 de Dezembro de
1976
2
DUDH, 1948. p.6
6


forma vinculativa, a partir do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e
Culturais (PIDESC), em seu artigo 13°, onde os Estados reconhecem:

“…o direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá


visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua
dignidade e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades
fundamentais. Concordam ainda em que a educação deverá capacitar todas as
pessoas a participar efectivamente de uma sociedade livre, favorecer a
compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os
grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as actividades das Nações
Unidas em prol da manutenção da paz3.”

O artigo 13° do PIDESC, é reforçado, ainda, pelo artigo 14°, referindo que;

“parte do presente pacto que, no momento em que se tornar Parte, ainda não
tenha garantido em seu próprio território ou territórios sob sua jurisdição a
obrigatoriedade e a gratuidade da educação primária, se compromete a
elaborar e a adoptar, dentro de um prazo de dois anos, um plano de acção
detalhado destinado à implementação progressiva, dentro de um número
razoável de anos estabelecidos no próprio plano, do princípio da educação
primária obrigatória e gratuita para todos4”.

O cruzamento possível de se efectuar é que, enquanto a Declaração Universal dos Direitos


Humanos (DUDH), é tão somente um documento que define princípios e aponta para uma
ordem mundial, o PIDESC5 acaba sendo um documento que vincula os países e Estados
a se comprometerem com os problemas ligados à educação no caso muito particular aqui
a educação fundamental. Apesar de o Pacto ter sido adoptado em 16 de Dezembro de
1966, o mesmo só entraria em vigor na ordem internacional em 3 de Janeiro de 19766.

Cerca de uma década depois da elaboração da DUDH, isto no mês de Dezembro de 1960,
iria realizar-se, sob os auspícios da Conferencia Geral da Organização das Nações Unidas,


3
PIDESC,1966, p.5
4
Idem, p.6
5
O Estado Angolano aderiu ao Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturas, cerca de
26 anos após a sua implementação, ou seja, desde o dia 10 de Janeiro de 1992. Nos dias de hoje mais de
160 países revogaram o presente documento

6
PIDESC, 1966, p.1
7


uma Convenção Sobre a Luta Contra a Discriminação no Campo do Ensino, enquadrado
no princípio da igualdade e direito à educação, como direitos inalienáveis, condenando
toda a forma de discriminação. Das decisões saídas deste encontro, destacam-se duas,
quer pela proximidade em termos de objectivo final, que era fazer chegar a educação a
todos, quer pelo contexto. O artigo 1°, da Convenção sobre a Luta contra a Discriminação
no Campo do Ensino, define discriminação como sendo;

“A qualquer distinção, exclusão, limitação ou preferência que por


motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião pública ou qualquer
outra opinião, origem nacional ou social, condição económica ou
nascimento, tenha por objecto ou efeito destruir ou alterar a igualdade
de tratamento em matéria de ensino, e principalmente: a) Privar
qualquer pessoa ou grupo de pessoas do acesso ao ensino; b) Limitar
a nível inferior a educação de qualquer pessoa ou grupo; c) Instituir
ou manter sistemas ou estabelecimento de ensino separado para
pessoas ou grupos de pessoas; d) Impor a qualquer pessoa ou grupo de
pessoas condições inapropriadas com a dignidade da pessoa humana7”

É possível, diante do presente artigo, ver a vontade de se garantir e assegurar o direito ao


ensino, que, apesar de o termo não ser educação, é possível estabelecer o nexo com os
artigos que defendem a questão da educação.

O mesmo documento vem ainda reiterar o direito à educação e a intenção de ela ter como
elemento final o desenvolvimento da personalidade humana. Apesar de Angola não ter
ratificado este documento, o Estado tem feito um esforço no sentido de estar alinhado aos
princípios que o norteiam.

Com vista a dar, sustentabilidade e, salvaguardar os direitos da criança, no ano de 1989,


no mês de Novembro, adoptou-se a Convenção dos Direitos da Criança (CDC),
convenção esta assinada e ratificada por Angola no dia 14 de Fevereiro de 1990. Esta
convenção vinha, uma vez mais, reafirmar o direito à educação que a criança deve ter.

Este documento aponta nos seus principais artigos 1° (sobre o conceito de criança), 2°
(respeito e garantia sobre os direitos da criança), 28° (direito da criança à educação), e
29° (que consagra os objectivos da educação da Criança), o seguinte:


7
UNESCO, 1960, p. 1.
8


Em relação ao artigo primeiro, o conceito de Criança adoptado é “todo o ser humano
menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade
mais cedo8”.

Por esta via e entendimento, a convenção, entre outros aspectos, defende, acima de tudo,
a melhoria de vida de todas as crianças no mundo e, particularmente, nos países em
desenvolvimento. Assim, os Estados, a nível mundial, vêm-se comprometidos pelo artigo
2°9 da CDC, cujo teor remete-os a respeitar e garantir que estes direitos cheguem às
crianças, assim como não permitir qualquer tipo de discriminação a elas seja feito. A
Convenção atribui aos Estados todas as responsabilidades, no intuito de os Estados
criarem medidas para que esses direitos sejam aplicados na prática.

Por sua vez, o artigo 28°, considera que o direito à educação fundamental é um direito
básico e que deve ser assegurado pelo Estado com a participação dos pais:
“1 – Os Estados Partes reconhecem o direito da criança à educação e
tendo, nomeadamente, em vista assegurar progressivamente o
exercício desse direito na base da igualdade de oportunidades:
a) Tornam o ensino primário obrigatório e gratuito para todos;
(...); c) Tornam o ensino superior acessível a todos, em função das
capacidades de cada um, por todos os meios adequados;
d) Tornam a informação e a orientação escolar e profissional
públicas e acessíveis a todas as crianças;
e) Tomam medidas para encorajar a frequência escolar regular e a
redução das taxas de abandono escolar.


8
Convenção dos Direitos da Criança (CDC),1989, p.6

9
1. Os Estados Partes comprometem-se, a respeitar e a garantir os direitos previstos na presente Convenção
a todas as crianças que se encontrem sujeitas à sua jurisdição, sem discriminação alguma,
independentemente de qualquer consideração de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra
da criança, de seus pais ou representantes legais, ou da sua origem nacional, étnica ou social, fortuna,
incapacidade, nascimento ou de qualquer outra situação.

2. Os Estados Partes tomam todas as medidas adequadas para que a criança seja efectivamente protegida
contra todas as formas de discriminação ou de sanção decorrentes da situação jurídica, de actividades,
opiniões expressas ou convicções de seus pais, representantes legais ou outros membros da sua familia.
9


2 – Os Estados Partes tomam todas as medidas adequadas para velar
por que a disciplina escolar seja assegurada de forma compatível com
a dignidade humana da criança e nos termos da presente Convenção.
3 – Os Estados Partes promovem e encorajam a cooperação
internacional no domínio da educação, nomeadamente de forma a
contribuir para a eliminação da ignorância e do analfabetismo no
mundo e a facilitar o acesso aos conhecimentos científicos e técnicos e
aos modernos métodos de ensino. A este respeito atender-se-á de forma
particular às necessidades dos países em desenvolvimento.10”
Agostinho Monteiro, citando Kiss, afirma que o direito à educação, pela sua natureza
transversal, é geralmente considerado pelos especialistas como um dos direitos mais
complexos, sobretudo quando se trata da criança, porque “as crianças são realmente os seus
titulares e beneficiários, mas é o Estado que deve assegurar a sua realização e são os pais que
escolhem as modalidades do seu exercício11“. Sendo assim,
a educação é objecto de várias pretensões de direito: dos pais, desde
sempre, porque os filhos são seus; dos Estados, sobretudo desde o
aparecimento do Estado-Nação, porque os cidadãos são também seus
e, em todo o caso, porque na educação está em jogo o Bem Comum;
sem esquecer os interesses das religiões, [...] e o interesse dos próprios
educandos, que começam por estar na mais absoluta dependência dos
adultos12.

Apesar de ser o Estado o autor principal na intervenção em resposta aos problemas da


educação da criança, esta educação não deve ser feita sem se levar em consideração os
tratados que o Estado tenha assinado e ratificado. Por esta razão e a este nível é que se
considera que a educação deva ser integrada e deva abarcar todas as formas possíveis de
conhecimento que possam ir de encontro com a garantia e estabilidade da personalidade
humana. Assim, a educação ambiental neste quesito é imprescindível para a criança
poder, além de respeitar o ambiente, ter a possibilidade de crescer com saúde e a
dignidade que merece. Por isso mesmo é que se considera que a educação deve ver a
criança como o principal sujeito de todo um processo.


10
CDC, 1989, p. 20
11
MONTEIRO, 2003, p. 769

12
Idem, p. 768

10


O artigo 29°, da CDC, nas suas diferentes interpretações, procura transmitir, entre outras
informações sobre diferentes aspectos, a ideia de que:

1 – Os Estados Partes acordam em que a educação da criança deve


destinar-se a:
a) Promover o desenvolvimento da personalidade da criança, dos seus
dons e aptidões mentais e físicos na medida das suas potencialidades;
b) Inculcar na criança o respeito pelos direitos do homem e liberdades
fundamentais e pelos princípios consagrados na Carta das Nações
Unidas;
(...); e) Promover o respeito da criança pelo meio ambiente.
2 – Nenhuma disposição deste artigo ou do artigo 28.º pode ser
interpretada de forma a ofender a liberdade dos indivíduos ou das
pessoas colectivas de criar e dirigir estabelecimentos de ensino, desde
que sejam respeitados os princípios enunciados no n.º 1 do presente
artigo e que a educação ministrada nesses estabelecimentos seja
conforme às regras mínimas prescritas pelo Estado.13”
A CDC, no presente artigo, chama atenção, em primeiro lugar, para o reconhecimento
dos Estados em conceder o direito à educação às crianças. Por sua vez, na alínea e), a
educação da criança deve, antes de tudo, promover o respeito da criança pelo meio
ambiente. No entanto, é dever do Estado criar e colocar à disposição das crianças todas
as condições necessárias para que tal direito seja materializado na prática. O não
cumprimento por parte dos Estados acaba chocando com dois artigos fundamentais da
CDC, nomeadamente os artigos 3° e o 6°. O artigo 3°, consagra o princípio do superior
interesse da criança. Entenda-se que todas as políticas devem visar atingir a criança em
seu benefício e a dar solução às suas preocupações. Quando assim não o for, o Estado,
deverá por todas as formas, procurar dar resposta a esta situação. O segundo artigo que
nos parece ser muito importante é, sem sombras para dúvidas, o artigo 6° (sobre o direito
à vida e ao desenvolvimento). Por este artigo, defende-se que, como todos têm o direito
à vida, e ao desenvolvimento, deve ser dirigida no intuito de permitir uma inserção
facilitada da criança no meio que estiver à sua volta.
Para que a criança possa ter um crescimento saudável e eficaz, é necessário que o seu
meio ambiente lhe ofereça condições suficientes para que a mesma possa integrar-se.
Assim o meio ambiente e a Educação para a Criança devem andar de mãos dadas.


13
CDC, 1989, p. 21
11


Desta forma é possível mesmo afirmar que a discussão e tratamento das questões ligadas
ao direito à educação para as Crianças é um assunto que já remonta desde há muitos anos
(1919, altura em que se discutiu o primeiro documento sobre os direitos da criança), mas
que, no entanto, há sempre a necessidade de se fazerem, concertações e algumas pressões
diante dos Estados que têm assinado e ratificado os tratados fundamentais para que
possam aplicar na prática todos os seus princípios com vista a respeitar cada vez mais a
Criança.

A materialização dos princípios que norteiam os tratados internacionais, são visíveis,


mediante o envolvimento das organizações regionais que servem de pressão aos Estados
membros, a darem uma aplicação local, mediante os seus contextos, procurando sempre
respeitar os princípios gerais. Os tratados acima descritos, nas suas mais variadas
asserções, demonstram uma grande preocupação em alinhar os principais debates aos
pilares que fazem menção a:

Princípio da não discriminação – ao garantir-se a educação fundamental como um direito


à Criança em seus artigos, está ao mesmo tempo, a responder com a não discriminação
por parte destas, ao nível dos diferentes sistemas da educação e garantindo uma atenção,
maior aos mesmos. Os mesmos artigos enunciados, também apelam ao princípio do
Acesso Universal à Educação, bem como, o da solidariedade em que se pode ainda
destacar o respeito ao meio ambiente que além de ser uma questão de Educação não deixa
de ser um factor de solidariedade.

A utilização dos recursos naturais tem sido desde os primórdios, o principal problema,
devido ao uso danoso dos mesmos, pois não tem conseguido assegurar a sua
sobrevivência e das gerações futuras. Assim comportamento Humano tem corroborado
para o surgimento de inúmeras catástrofes mundias originando desta forma efeitos
danosos na humanidade. Diante deste mal que o mundo tem vivido, houve a necessidade
de se adjectivar a educação e por esta razão surge a educação ambiental14.

Se no passado o problema ambiental, não era visto como uma ameaça, desde os finais dos
anos 60, o mesmo passou a ser visto como uma ameaça à continuidade da vida ao longo


14
REIGOTA, 2009, p.19
12


dos tempos. Assim na linha da questão em abordagem, falar de educação ambiental15,
torna-se além de complexo, bastante diversificado em função da sua caminhada em volta
de conferências e acordos internacionais, por um lado, por herdar um pouco do debate
ecológico iniciado por volta dos anos 60, por outro pela sua afirmação nas diferentes
formas de actuação.

Compreender o percurso ambiental, é sem sombra de dúvida um exercício, que nos leva
inicialmente ao ano de 1968, com a criação do Clube de Roma16, que no seu relatório17
identificava que os principais problemas da humanidade eram: Industrialização
acelerada; Rápido crescimento demográfico; Esgotamento de recursos não renováveis18.

Deste período para diante, assistiu-se a uma preocupação cada vez maior em relação ao
ambiente e assim se realizou em 1972 a Primeira Conferência Mundial do Meio Ambiente
Humano, em Estocolmo (Suécia)19, onde pela primeira vez em fórum oficial a nível
mundial se discutiu a necessidade de uma educação aos cidadãos para a resolução dos
problemas ambientais. Na prática podemos afirmar que a longa caminhada da luta
ambiental vê neste encontro como o grande impulso para a realização de outros como os
que se seguiram.

No ano de 1975, realizou-se em Belgrado (Jugoslávia), o Seminário Internacional sobre


Educação Ambiental, que resultou na elaboração da Carta de Belgrado, a mesma fazia
referência à necessidade já na altura de uma Educação ambiental voltada essencialmente
para os interesses nacionais e integrando as diferenças e multidisciplinar.

A Carta de Belgrado, veio a dar origem ao Congresso Mundial de Educação de Tiblisi


(1977), na Geórgia (ex. União Soviética), o primeiro Congresso Mundial de Educação
Ambiental, também conhecido como a conferência de Tiblisi que trouxe um debate mais


15
Entende-se por educação ambiental o conjunto de acções pedagógicas formais e não formais, que podem
conduzir a capacidade crítica dos cidadãos, de uma forma geral, a escolhas ambientalmente responsáveis.
16
Fundado pelo industrial Aurélio Peccei e o cientista Escocês Alexander King
17
Relatório denominado os Limites do Crescimento
18
Clube de Roma e o relatório “Os limites do Crescimento” (1972), 2014
19
TANNOUS, 2008, p17

13


acérrimo sobre a educação ambiental nas suas diferentes formas de ver a situação
ambiental a nível mundial.

A par destas conferências, foram elaborados também diversos protocolos com vista a dar
respostas práticas aos diferentes problemas ambientais que assolam o mundo, entre estas
conferências, destaque é dado aos seguintes, Relatório de Brundtland (1987); Rio92; COP
8 (em Nova Deli); Rio 20.

Relatório Brundtland20 (Noruega 1987), por exemplo no conjunto destes tratados ou


conferências defendia acima de tudo que: as acções presentes não devem comprometer a
capacidade das gerações futuras e satisfazer suas necessidades, com base em que o valor
total dos bens disponíveis, tanto os produzidos pelo homem como aqueles encontrados
na natureza devem permanecer constantes de uma geração para outra21.

Neste relatório que ainda hoje se encontra bastante enquadrado no tempo devido à sua
actualidade, os participantes reiteraram a necessidade de se fazer um desenvolvimento
sustentável no mundo, sendo o homem o principal interventor com o objectivo de
deixarmos a humanidade um pouco melhor do que a que encontramos, para que as outras
gerações possam usufruir da mesma.

Deixar o mundo um pouco melhor do que o encontrado implica esforço de todos, desde
os Estados aos cidadãos, e tal exercício apenas se tornará num facto consumado se os seus
executores, tiverem seus direitos, como educação e informação garantidos, e estes devem
ser garantidos pelos estados que ao assumirem os compromissos diante das convenções
internacionais comprometeram-se em promover e fazer cumprir aqueles princípios.
Assim, só se torna possível a consecução deste projecto com uma educação de qualidade
onde o direito à educação esteja alinhado à educação ambiental.


20
Relatório de Brundtland é também conhecido com o nome de Nosso Futuro Comum
21
Relatório de Brundtland, 1987, p. 28-29
14


2 - África e a sua leitura, sobre o Direito à Educação das Crianças

De acordo com as informações obtidas, a nível dos documentos oficiais que fazem
abordagem em relação ao Direito à Educação das Crianças, da mesma forma que existe
um conjunto de convenções internacionais para o regulamento e orientação, do direito à
educação para as Crianças, e de formas a responsabilizar os Estados das diferentes partes
do Mundo, o continente africano, também adoptou uma série de documentos que visam
salvaguardar tais direitos, dentre os quais o destaque vai para a Carta Africana dos
Direitos Humanos e dos Povos22 (CADHP), que chama logo atenção no artigo 17° que;

1. Toda pessoa tem direito à Educação.


2. Toda pessoa pode tomar parte livremente na vida cultural da
comunidade.
3. A promoção e a proteção da moral e dos valores tradicionais
reconhecidos pela comunidade constituem um dever do Estado no
quadro da salvaguarda dos direitos humanos23.
Por este artigo, a CADHP, reconhece e demonstra a vontade expressa em cumprir e
aplicar nos Estados continentais o direito à Educação para as Crianças de acordo com os
tratados acima referenciados como é o caso da DUDH, da CDC e outros que possam
surgir, bem como o respeito aos mesmos. No entanto, além de fazer menção no ponto 1
sobre o direito à educação, o mesmo no seu ponto 3, refere-se à promoção e protecção


22
A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP) foi adoptada pela 18ª Conferência dos
Chefes de Estado e de Governo, membros da Organização da Unidade Africana, a Junho de 1981, em
Nairobi – Quénia. A CADHP, constituiu-se em duas fases, a primeira etapa constituiu-se da aceitação da
Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, de 1981, também chamada de “Banjul-Charter”, pela
Organização da Unidade Africana (Organization of African Unity — OAU), substituída em 2002 pela
União Africana (African Union — AU). A AU conta hoje com 54 Países-Membros. A segunda etapa
seguiu-se em 2004 com a criação do Tribunal Africano de Direitos Humanos e dos Povos (African Court
on Human and Peoples’ Rights — ACHPR) pela União Africana. O Tribunal foi oficialmente inaugurado
em 2006. HEINTZA, 2010, p.80
23
Organização da Unidade Africana. Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, 1981, p.8
15


moral dos valores tradicionais reconhecidos pela comunidade/povo…, apesar de não ter
sido muito expressiva, entre os valores que se sobressaem entre os africanos, um deles e
muito importante é o respeito pelo meio ambiente, dai a necessidade uma vez mais, de se
confirmar o papel da educação e do meio ambiente, para um desenvolvimento sustentável
dos povos (comunidades da região).
Um aspecto interessante que achamos necessário, chamar à atenção é o facto de que, entre
outros aspectos a CADHP, apresentar num único documento, o conjunto de Direitos
estabelecidos por dois documentos vinculativos, como é o caso do PIDESC e do Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e a própria DUDH, talvez, seja por
este facto que, se entenda que em alguns aspectos a compreensão da carta seja bastante
complexa, como é o caso por exemplo dos valores tradicionais que não são mencionados
com exactidão, deixando assim uma imensidão de valores em aberto.
Ainda na Carta, o artigo 25°, faz menção à Promoção e asseguramento da Educação.
Neste ponto, podemos concluir que, os Estados além de garantirem o direito à educação
devem acima de tudo, promover e assegurar a mesma. No caso de Angola, o
reconhecimento da Carta ocorreu apenas, a 2 de Março de 1990, por diversas razões de
carácter interno24 e externo25, no entanto ao ratificar a presente carta, assumia como os
demais Estados Africanos que a ratificaram a promoção e asseguramento do direito à
educação às crianças e não só neste capítulo.
O direito dos povos, é um dos elementos fundamentais na Carta Africana, que a diferencia
das demais convenções, pelo facto de trazer aqui aspectos que dizem respeito à sua
realidade interna e à própria história do continente.
Todavia, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos não reflecte sobre a questão
do direito à educação básica, gratuita e compulsória, o que pode revelar uma falta de
aceitação do seu conteúdo original reconhecido pelo Direito Internacional dos Direitos
Humanos. Porém, a OUA, adoptou em 1990, a Carta Africana sobre os Direitos e Bem-
Estar da Criança, na qual, o ensino básico é salvaguardado como obrigatório e gratuito
para todas as crianças africanas.


24
A guerra civil que assolou o país, bem como o facto de as atenções a nível do regime no poder
(Monopartidário), não ver esta questão como uma das suas principais prioridades.
25
O contexto de guerra fria que se vivia no mundo durante o período, também veio fazer com que Angola
retardasse na sua posição.
16


No âmbito estritamente ligado ao Direito da Criança, a Carta Africana sobre os Direitos
e Bem-Estar das Crianças de 199026, é um instrumento importante, por este documento
no artigo 2°, considerar Criança, “todo o ser humano com uma idade inferior a 18 anos de
idade”. Por sua vez no 11°, referindo-se à educação argumenta que:
1. Toda a criança deve ter o direito à educação.
2. A educação da criança deve ser orientada para:
(a) a promoção e desenvolvimento da personalidade da criança, talentos e
habilidades físicas e mentais para o desempenho total das suas potencialidades;
(b) criação de condições favoráveis para o respeito dos direitos humanos e
liberdade fundamentais com particular referência ao conjunto do
aprovisionamento de vários instrumentos africanos sobre os direitos humanos e
dos povos e da declaração e convenção internacional sobre os direitos
humanos;
(...)(g) o desenvolvimento do respeito pelo meio ambiente e dos recursos
naturais; (...)
3. Os Estados Partes na presente Carta, devem tomar em consideração todas as
medidas apropriadas com vista a alcançar a realização completa destes direitos
e devem em particular:
(a) garantir o acesso à educação básica gratuita e compulsiva.27
Neste artigo, realce é dado além de outros temas à questão que tem a ver com o ponto 1,
por ser nele em que consta o compromisso do direito à educação que as crianças devem
ter e por sua vez, o ponto 2, que na alínea G, destaca o respeito pelo meio ambiente e dos
recursos, este elemento é de extrema importância por estar subjacente aqui, e mais
importante ainda, vem procurar casar o direito à educação, a preservação e conservação
do meio, para que os cidadãos, tenham um meio ambiente saudável, precisam cuidar dele
e para isso precisam ser educados. Logo a educação que é capaz de oferecer estes
conhecimentos é a Educação Ambiental28.


26
Embora a presente Carta tenha sido adoptada, apenas em 1990, é importante dizer, que ela é fruto do
encontro realizado em Julho de 1979, em Monróvia (Libéria), em 1979, na 16ª sessão ordinária da
Organização de Unidade Africana, cujo objectivo central era o de tomar medidas para a promoção e
protecção dos direitos e bem-estar das crianças em África, no entanto este documento apenas entrará em
vigor a 29 de Novembro de 1999.
27
Carta Africana sobre os Direitos e Bem-Estar das Crianças, 1990, p. 3
28
Segundo REIGOTA, é o conjunto de acções pedagógicas formais e não formais, que podem conduzir a
capacidade crítica dos cidadãos, de uma forma geral, a escolhas ambientalmente responsáveis.
17


Se, são os homens que, criam os problemas ambientais, devem ser os mesmos a darem
soluções e respostas aos seus problemas, e nada melhor do que educá-los correctamente
para que os seus objectivos sejam facilmente alcançados.
Portanto, Angola ratificou a Carta Africana sobre os Direitos e Bem-Estar da Criança no
dia 11 de Abril de 1992 e, submetendo-se desde já a todos os princípios orientadores da
mesma.

De acordo com Francisco, a garantia deste direito pressupõe, no mínimo, o acesso à


educação que consiste em dois aspectos: por um lado, a educação básica que deve ser
gratuita e até compulsória e qualificada, no sentido de alfabetizar as crianças, ensinar a
língua portuguesa e as nacionais, matemática, ciências da natureza fundamental e a
cidadania29. Embora este direito não seja explicitamente reconhecido pelo Sistema
Africano, sobretudo a Carta Africana para os Direitos Humanos e dos Povos, Angola, em
razão da adesão aos acordos universais, é obrigada a garanti-lo. Por outro lado, deve ser
respeitado o princípio da não discriminação no ensino, por exemplo, os grupos
vulneráveis como crianças de sexo feminino, crianças oriundas de famílias pobres e
pessoas deficientes ou com necessidades educativas especiais30.

3- Um olhar sobre a questão do Direito à Educação em Angola /Educação


ambiental à luz da legislação Angolana

A legislação Angolana, tem um percurso bastante novo no que diz respeito aos problemas
ambientais, ao contrário da educação que sempre foi uma preocupação de Estado se
levarmos em conta que quando da proclamação da independência de Angola cerca de
85% 31da população Angolana era analfabeta. Daí notar-se uma preocupação do Estado
Angolano no que à educação diz respeito, embora que de forma muito tímida, uma vez
que de acordo com a primeira Constituição32 e a revisão elaborada em 1978, ressalta à
vista o facto de que no seu artigo 13° o Estado apresentava-se da seguinte forma: A

29
FRANCISCO, 2013, p. 23
30
Idem, 2013, p. 25

31
MAKULO,2015, p. 1
32
Apesar de a Constituição de Angola ter sido, muitas vezes revista no período da primeira república, em
quase todas as revisões, foram poucas vezes em que a sua revisão esteve em volta dos problemas ambientais.
18


República Popular de Angola combate energicamente o analfabetismo e o obscurantismo
e promove o desenvolvimento de uma educação ao serviço do Povo e de uma verdadeira
cultura nacional, enriquecida pelas conquistas culturais revolucionárias dos outros
povos33.

Aqui, é importante aclarar, que o contexto em, que se elaborou a presente constituição,
ao que se sabe, o Estado Angolano, ainda não havia assinado nem tão pouco ratificado, a
CDC, só por este motivo, se pode em parte admitir, o facto de não ter sido o
suficientemente claro, ou não ter considerado a educação como um direito obrigatório e
gratuito, pelo menos até ao nível básico. No entanto, apesar disto o Estado garantia pelo
menos a gratuidade do ensino no nível primário.

Um aspecto curioso pode ser visto, ainda na Constituição de 1978, que no conjunto dos
seus princípios fundamentais a questão da educação, não constituía um aspecto de
destaque, e tal situação acabava contrariando a orientação maior que era acima de tudo
erradicar o analfabetismo que atingia números alarmantes, assim os princípios
fundamentais que regiam o país e as questões básicas sobre a cidadania angolana, como
por exemplo: a igualdade perante a lei e o gozo dos mesmos direitos e deveres sem
distinção da cor, raça, etnia, sexo, lugar de nascimento, religião, grau de instrução,
condição económica ou social (artigo 18°); a participação na defesa da integridade do país
e defesa das conquistas revolucionárias (artigo 19°); o trabalho como um direito e dever
para todos os cidadãos, devendo cada um produzir segundo a sua capacidade e ser
remunerado de acordo com a sua tarefa (artigo 26°); o respeito e a protecção da dignidade
da pessoa humana, a protecção da vida, liberdade, integridade pessoal, bem como do bom
nome e reputação de cada cidadão pelo Estado (artigo 17°); o cidadão tinha “assegurado”
na lei a liberdade de expressão, reunião e associação (artigo 22°)34.

De acordo com a Constituição da primeira república, o estado assumia que a educação


era um dever individual em prol da nação, assim é que nos manuais de ensino, dos
diferentes níveis da época, na sua capa constava que “Estudar é um dever
Revolucionário”, no entanto, no capítulo legal defendia que as características da educação
e instrução socialista eram;

1 – (…) a educação e a instrução devem tornar-se preocupação dos próprios


cidadãos, devem passar para as mãos dos órgãos democráticos da


33
ANGOLA – DIÁRIO DA REPÚBLICA, 7/02/1978, p. 85


34
ANGOLA – DIÁRIO DA REPÚBLICA, 7/02/1978, pp. 86-87
19


administração local[...].


2 - Na sociedade socialista, toda discriminação radical, nacional ou de classe é


abolida na instrução e educação [...].

3 - No entanto, como a sociedade socialista não é uma sociedade sem classe,


mas antes uma fase transitória da sociedade de classe, também a educação e a
instrução no socialismo mantêm por certo tempo o carácter de classe, mas esse
carácter muda pela base [...].

4 - Uma das características da educação e da instrução na sociedade socialista


consiste em que pela sua base, elas mudam o seu fim ou objetivo, servindo assim
o desenvolvimento integral das pessoas, a edificação da personalidade humana
na sua totalidade [...].

5 - Na sociedade socialista, o conteúdo e as tarefas da educação e instrução


mudam [...].


6 - A educação e a instrução na sociedade socialista diferenciam-se também por


outros novos métodos [...].

7 - Uma importante característica da educação e da instrução na sociedade


socialista constitui a sua união com o trabalho produtivo e socialmente útil
[...]35.

Esta posição acompanhada da opção politíca do regime no poder, não permitiu a que o
Estado, levasse a cabo, todas as pol´ticas com vista a que o Direito à Educação fosse um
direito alcançado por todos.

Do percurso feito da 1ª Constituição de 1975, até à actual é preciso fazer uma


demonstração em relação aos dois problemas, se por um lado a educação aparece sempre
como um elemento “central e prioritário36”, já a questão ambiental não. Não se conhece
da parte dos legisladores da primeira constituição Angolana informações e ou vontade de
se dar um enfoque a questão ambiental e tal facto é visível na mesma constituição com a


35
ANGOLA – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1978, pp. 16-18

36
A ideia de central e prioritário aqui, é apenas na visão do Estado olhando para a importância que de
alguma forma davam a questão da erradicação do analfabetismo e que para tal muita atenção era dada ao
sector da Educação.
20


ausência de artigos37 que sobre este assunto tratassem. A ausência desta temática nesta
legislação pode ter sido devido a diversos factores como; a forma como o país alcançou
a independência, ou seja, sem preparo algum, a própria conjuntura interna e a inexistência
de pactos que comprometessem já o Estado ora surgido, e ou o facto de nesta altura não
ter revogado ainda qualquer acordo e a pertinência do próprio debate em África.

Aqui, é preciso que se diga que o Estado deu um grande input no sector educacional a
todos os níveis tendo conseguido alcançar alguns números no que diz respeito à evolução
dos números de alfabetizados que foi o desafio que se havia proposto o então presidente
da Republica, tal facto só foi bem-sucedido porque o Estado puxou a si a responsabilidade
da educação neste período.

O contexto sócio político marcado, pelo regime de partido único em Angola38, iria de
alguma forma influenciar em todo a dinâmica dos acontecimentos quer a nível da
educação quanto no sector ambiental.

Com o fim do regime de partido único e a entrada para o regime democrático, várias
foram as alterações a que se assistiram, no capítulo da educação o Estado continuava a
assumir a obrigatoriedade do ensino tendo, logo após a passagem para o regime
democrático dado a abertura às parcerias privadas, para com o Estado, assegurarem o
direito à educação, fazendo com que as instituições religiosas retomassem aqui as suas
actividades que haviam sido relegadas para um segundo plano aquando da proclamação
da independência.


37
Sabe-se por exemplo que de acordo com Carla Gomes, houve neste período a elaboração de alguns
regulamentos, para dar resposta aos problemas relacionados com a caça e a gestão florestal, que, no entanto,
não era algo que absorvesse a questão ambiental no seu todo.
38
De acordo com o relatório Final do Censo realizado em 2014, em relação ao numero de habitantes o País
conta com cerca de 25.789.024hb subdivididos entre 62,4% Urbana e 37,6% Rural, sendo que deste número
a mesma conta com aproximadamente com cerca de 14 087 428 crianças e destas um total de mais ou
menos 3 289 559 encontram-se no sistema de ensino. Aqui importa dizer que umas ainda não estão em
idade escolar e outras tantas estão fora do sistema.
21


Com a transição política, houve a necessidade de se elaborar uma revisão à constituição,
e foi nesta altura em 199239, que a protecção do ambiente é acolhida numa dupla vertente,
através do artigo 9° e 24° (direito ao ambiente) de todos os cidadãos nos seus números 1;
2; 3.

Para um cumprimento cabal do artigo 9°, em que o Estado,

“...orienta o desenvolvimento da economia nacional, com vista a garantir o


crescimento harmonioso e equilibrado de todos os sectores e regiões do País, a
utilização racional e eficiente de todas as capacidades produtivas e recursos
nacionais, bem como a elevação do bem-estar e da qualidade de vida dos
cidadãos40.”

o Estado precisava levar em consideração os recursos que gere no seu habitat natural daí
que a necessidade de estar atento ao meio ambiente ser de grande importância, por esta
razão é que os legisladores chamam o artigo 24° e seus pontos 1, 2, e 3, para garantir
que:

1 - Todos os Cidadãos têm o direito de viver num meio ambiente sadio


e não poluído.

2 - O Estado adopta as medidas necessárias à protecção do meio


ambiente e das espécies da flora e fauna nacionais em todo o
território nacional e à manutenção do equilíbrio ecológico.

3 - A Lei pune os actos que lesem directa ou indirectamente ou


ponham em perigo a preservação do meio ambiente41.


39
Apesar de a Legislação ter sido revista apenas em 1992, é importante considerar aqui o esforço de alguns
agentes da sociedade civil que ainda nos finais da década de 80 e início dos anos 90, foram criando
movimentos e Associações de carácter ambiental como é o caso da Associação Angolana do Ambiente e a
Juventude Ecológica de Angola, num clima em que a criação de Associações, sindicatos e grupos de pressão
eram proibidos por lei.

40
CRA LEI N° 23/92 DE 16 DE SETEMBRO, p. 6

41
Idem, p. 8
22


Por este artigo se pode perceber o valor que o Estado vem dando ao meio ambiente, e
desta forma entende-se que se os cidadãos tem direito a viver em um ambiente sadio e
não poluído, então este direito deve fazer parte dos direitos que a criança deve ter, por ela
ser também um cidadão. Assim, de acordo com os protocolos assinados o Estado
compromete-se, a criar e a fazer com que a educação que for dada à crianca seja inclusiva
e abarque também a educação ambiental como um dos direitos à informação que ela
merece.

O tímido enquadramento da questão ambiental, na legislação de 1992, ajudou e de que


maneira auxiliado pelos movimentos de pressão, associações e grupos ambientais a que
no ano de 1998, fosse aprovada a primeira Lei de Bases do Ambiente em Angola, (LBA)
de 19 de Junho de 1998.

Nesta Lei de Bases pela primeira vez aparece o conceito de educação ambiental na nossa
realidade e este facto vai permitir com que surjam vários debates acompanhados de
campanhas sobre os problemas ambientais e a necessidade de preservar a natureza para o
bem social de todos. Nos princípios gerais da mesma lei, no art.º 3°, considera-se que;

Todos os cidadãos têm direito a viver num ambiente sadio e aos benefícios da
utilização racional dos recursos naturais do país, decorrendo daí as obrigações
em participar na sua defesa e uso sustentado, respectivamente.
É devido o respeito aos princípios do bem-estar de toda a população, à
protecção, preservação e conservação do ambiente e ao uso racional dos
recursos naturais.

Ao Estado compete implantar um Programa Nacional de Gestão Ambiental para


atingir os objectivos preconizados anteriormente, criando para o efeito as
necessárias estruturas e organismos especializados e fazendo publicar
legislação que permita a sua exequibilidade42.

Da mesma forma que se dá a todos os cidadãos o Direito à Educação, aqui também a Lei
de Bases do Ambiente consagra a todos, o direito a viverem num ambiente sadio e aos
benefícios a que o ambiente é capaz de oferecer e caberá ao Estado criar as condições
necessários para a sua materialização.


42
LBA, 1998, p. 5
23


No artigo 4°, de acordo com o princípio específico e com base nos princípios gerais
previstos no artigo 3°, destaca logo na alínea a) o princípio da formação e educação
ambiental — todos os cidadãos têm o direito e o dever de receberem educação ambiental
de forma a melhor compreenderem os fenómenos do equilíbrio ambiental, base essencial
para uma actuação consciente na defesa da Política Ambiental Nacional43.

O interesse do Estado está aqui expresso e reforçado no seu artigo 20°, ao abordar de
forma clara sobre a Educação Ambiental;

1. A educação ambiental é a medida de protecção ambiental que deve


acelerar e facilitar a implantação do Programa Nacional de Gestão
Ambiental, através do aumento progressivo de conhecimentos da
população sobre os fenómenos ecológicos, sociais e económicos que
regem a sociedade humana.
2. A educação ambiental deve ser organizada de forma permanente e
em campanhas sucessivas, dirigidas principalmente em duas vertentes.
a) Através do sistema formal de ensino;
b) Através do sistema de comunicação social.
3. As campanhas de educação ambiental devem atingir todas as
camadas da população sendo de considerar a organização de projectos
especiais, nomeadamente para as Forças Armadas, dirigentes e
responsáveis do aparelho do Estado44.
Apesar de se notar já um esforço do Estado no sentido de cumprir com o articulado, na
Lei de Bases do Ambiente em relação ao direito à informação no artigo 21°, em que
reconhece este direito a todos os cidadãos, relacionado com a gestão do ambiente do País
sem prejuízo dos direitos de terceiros legalmente protegidos. Por esta via o Estado
reconhece ainda no artº 22°, o Direito à Educação Ambiental, considerando que “Todas
as pessoas têm direito de acesso à educação ambiental com vista a assegurar uma eficaz
participação na gestão do ambiente.45”
No entanto, é possível notar em todos os programas de Estado, um esfoço pelo menos no
capítulo legal, em tentar articular ao nível das diferentes instituições ou ministérios como
é o caso concreto do Ambiente e Educação de um conjunto de leis de bases capazes de
dar resposta aos problemas que se colocam. No entanto, o grande problema tem sido a


43
Idem, p. 6
44
Ibid
45
Ibid
24


falta de cruzamento em algumas destas políticas o que dificulta por exemplo a sua fácil
realização, a título de exemplo: Se é vontade do Estado proporcionar o Direito à Educação
às Crianças e consequentemente um meio ambiente saudável conforme consta na sua
Magna Carta, logo o cumprimento deste objectivo deverá passar fundamentalmente pelas
instituições que lidão directamente com a Educação, com o Ambiente e com a Criança,
assim estes não devem elaborar o seu quadro legal orientador pensando em alcançarem
por si só, os seus objectivos, por isso em relação a esta articulação, se pode perceber que
dificulta grandemente a materialização de uma educação de qualidade em que os intentos
do direito à educação da criança ligado à educação ambiental saiam comprometidos,
como prova, é só vermos, que em nenhum momento por exemplo a nível do ensino
primário se levou em consideração, nos seus objectivos gerais46 a questão Ambiental, mas
a nível da execução nota-se a introdução de disciplinas com esta finalidade como é o caso
do “Estudo do Meio”
Se todas as Crianças têm de facto o Direito salvaguardado pelos artigos acima
apresentados, o Estado deverá fazer de tudo para que estes e outros direitos da Criança,
sejam de fácil acesso, e , apesar de o Estado estar a fazer algum esforço no que diz respeito
ao ensino primário por exemplo, na elaboração dos planos curriculares como se pode
assistir na introdução da disciplina do estudo do meio no ensino primário, o mesmo
Estado não é suficientemente claro na apresentação dos objectivos gerais neste nível de
ensino que em nenhum momento, se refere à questão do ambiente, este facto nota-se por
exemplo quer na Lei de Bases do Sistema de Educação de 1991, quanto na de 2001, por


46
Os objectivos gerais Decreto-lei nº 40, de 14 de Maio de 1980 (40/80) Reformulação do sistema educativo
de 1978. Consagra para o ensino primário os seguintes objectivos: Massificação do sistema de educação
para todo o país; A luta contra o analfabetismo para todo o País; A formação de quadros; A formação do
homem novo. Objectivos gerais Decreto-lei nº 13, de 31 de Dezembro de 2001 (13/01) Reforma do sistema
educativo de 2001. Prepara o indivíduo para as exigências da vida política, económica e social;
Construção de uma sociedade livre e democrática, de paz e progresso social; Elevar o nível científico,
técnico e tecnológico para contribuir para o desenvolvimento socioeconómico dos pais; Formar um
indivíduo capaz de compreender os problemas nacionais regionais e internacionais de uma forma crítica
e construtiva para a sua participação activa na vida social; Promover a consciência pessoal e social da
dignidade humana, da tolerância, da cultura de paz e de uma unidade nacional; Promover o respeito e
direito à vida, à liberdade e à integridade pessoal; Desenvolver o espírito de solidariedade entre os povos
em atitudes de respeito pela diferença de outrem, permitindo uma saudável integração no mundo”.
25


este facto achamos necessário o Estado procurar aclarar este elemento para que a nível
dos objectivos específicos se possa materializar os objectivos na íntegra. Sente-se aqui, a
necessidade de articular nos objectivos gerais do ensino primário a questão da protecção
e preservação do ambiente de forma a tornar-se, mais clara a compreensão e a aplicação
na prática desta orientação.
Como se pode ver na Constituição da República Angolana o artigo 16° e 39°, o Estado
demonstra o seu compromisso com as temáticas aqui abordadas, faltando, no entanto, a
aplicação destes elementos nas leis de bases subjacentes, por exemplo o Estado no seu
artigo 16°, em relação aos recursos naturais, considera como propriedade sua obedecendo
aos termos da Constituição e do Direito internacional como se vê:

“Os recursos naturais, sólidos, líquidos ou gasosos existentes no solo, subsolo,


no mar territorial, na zona económica exclusiva e na plataforma continental sob
jurisdição de Angola são propriedade do Estado, que determina as condições
para a sua concessão, pesquisa e exploração, nos termos da Constituição, da lei
e do Direito Internacional47.”

Desta forma o Estado tem o direito e dever de garantir a eficácia no cumprimento dos
pressupostos reconhecidos pela lei e a nível internacional de acordo com os tratados por
si revogados.
De acordo com o artigo 39°, e ainda relacionado com o ambiente o Estado considera que:

“1-Todos têm o direito de viver num ambiente sadio e não poluído, bem como o
dever de o defender e preservar.
2-O Estado adopta as medidas necessárias à protecção do ambiente e das
espécies da flora e da fauna em todo o território nacional, à manutenção do
equilíbrio ecológico, à correcta localização das actividades económicas e à
exploração e utilização racional de todos os recursos naturais, no quadro de um
desenvolvimento sustentável e do respeito pelos direitos das gerações futuras e
da preservação das diferentes espécies.
3-A lei pune os actos que ponham em perigo ou lesem a preservação do
ambiente48.”


47
CRA, p. 8
48
CRA, p. 16
26


Por este artigo, o Estado Angolano vem uma vez mais garantir a todos o direito a viverem
num ambiente sadio e não poluído, comprometendo-se em criar medidas para que este
direito seja cabalmente garantido, punindo os actos que coloquem em perigo o seu
cumprimento.
De acordo com as observações gerais do PIDESC, no seu artigo 13° parágrafo sexto,
considera que a educação em todas as suas formas e níveis deve ter as seguintes
características de forma interligadas.
A) Disponibilidade, neste capítulo e de acordo com os critérios apresentados pelas
observações gerais, podemos dizer que ainda há muito a fazer em Angola de forma a que
por esta via se concretize o ideal que é garantir o direito à educação de qualidade às
crianças.
B) Acessibilidade, neste ponto, é preciso dizer que da parte do Estado ter feito os possíveis
para colocar todos os pilares para que o mesmo funcione, ainda existem inúmeras
assimetrias regionais que vem de alguma maneira dificultar a consumação do mesmo por
um lado, por outro a falta de fiscalização faz com que por exemplo os materiais de ensino
e apoio ao nível básico sejam levados no mercado informal inviabilizando o acesso aos
destinatários directos.
De acordo com o Exame Nacional 2015 da Educação para Todos em Angola:
“calcula-se que pelo menos 23,7% da população em idade escolar
encontra-se fora da escola. O acesso à escola é mais baixo nas zonas
rurais, aonde a taxa líquida de frequência ao ensino primário alcança
apenas 66,8%. Não existe muita diferença entre o acesso de meninas e
de rapazes, mas um maior número de rapazes é que tem acesso à escola
primária.49”
Apesar de se tratar de um estudo elaborado em 2015, é possível identificar nele o percurso
que ainda está por se fazer no que diz respeito à acessibilidade em Angola conforme
demonstram os números.
C) Aceitabilidade, este parece ser um dos principais desafios do Estado, o de capacitar
técnicos capazes de adaptar os programas de ensino e métodos pedagógicos à realidade
de cada área ou região de ensino, fazendo com que os principais beneficiários aceitem os
programas em sua própria realidade.


49
Exame nacional 2015 da Educação para Todos: 2015, p. 19
27


D) Adaptabilidade, por esta característica podemos dizer que é preciso que haja
flexibilidade no ensino de forma a adaptar-se às necessidades e comunidades em
transformação e por isso achamos que como os problemas ambientais se constituem em
um problema da humanidade é necessário que os programas e o ensino possam além de
resolver os problemas dos alunos nos seus contextos culturais e sociais, ajude-os a
preservar para que outras gerações possam tomar contacto com a mesma.
Por estes factos acima mencionados podemos afirmar que o direito à educação da criança
em Angola é ainda um desafio que só se fará caminhando, tais dados podem ser
conferidos no “Exame nacional 2015 da Educação para Todos: Angola”, que embora
haja muito boa vontade no que está expresso em inúmeros documentos jurídicos bem
como programas, o Estado ainda tem feito muito pouco se levarmos em conta que, por
exemplo, em relação ao financiamento da educação relacionado com o orçamento da
Educação em percentagem do Orçamento Geral do Estado (OGE):
“Uma breve análise das tendências, permite-nos inferir que, para além
da média não satisfazer as necessidades educativas do país, verifica-se
uma oscilação na sua alocação, como se observa no Orçamento
atribuído à Educação para o ano de 2014 (6, 16%), muito abaixo da
média da SADC e aquém da proposta mundial, 20%. No entanto, nos
últimos 14 anos, 2014 foi de maior bonança50.”
Por esta via sente-se que há necessidade de o Estado apostar cada vez mais no sistema de
educação, dando a ele inputs para que o mesmo possa crescer com a qualidade que se
deseja.
Segundo o professor, Dr. José Manuel Moran, especialista em mudança na educação
presencial e à distância, aponta, pelo menos, cinco inegáveis variáveis para a garantia de
uma educação de qualidade, resumidamente:

“i) Organização inovadora, aberta, dinâmica, projecto pedagógico


participativo; ii) Docentes bem preparados intelectual, emocional,
comunicacional e éticamente. Bem remunerados, motivados e com boas
condições profissionais; iii) Relação efectiva entre professores e alunos
que permita conhecê-los, acompanhá-los, orientá-
los; iv) Infraestruturas adequadas, actualizadas, confortáveis.
Tecnologias acessíveis, rápidas e renovadas; v) Alunos motivados,


50
Idem, p. 15
28


preparados intelectual e emocionalmente, com capacidades de
gerenciamento pessoal e grupal51”.

Olhando para este cenário e diante da realidade que se vive em Angola é facil concluir
que a qualidade do ensino está muito comprometida.

Por esta e outras razões o Estado Angolano reconhecendo a necessidade de melhoria no


seu sistema de ensino, está a implementar programas e iniciativas para garantir o acesso e
retenção de crianças no ensino primário. Assim dos programas em exercício assinalam-se os
seguintes:

“- Programa de Apoio ao Ensino Primário (PAEP) implementado pelo


MED e financiado pela União Europeia para o reforço de capacidade
dos professores do Ensino Primário no âmbito da melhoria da gestão
pedagógica.
- Iniciativa Escolas Amigas da Criança (EAC) uma iniciativa da
UNICEF em parceria com o MED, baseado em estratégias
internacionais (Dakar) e nacionais visa promover a melhoria de uma
educação de qualidade em respeito aos princípios relacionadas com o
direito, a protecção e segurança, a higiene e saúde, o ensino e
aprendizagem de qualidade e a participação comunidade, tendo como
pressuposto a implementação do Projecto Educativo de Escola (PEE).
- Programa de Merenda Escolar (PME) implementado a nível
multissectorial com o envolvimento dos Ministérios da Educação,
Comércio e Indústria, visa garantir a retenção dos alunos na escola.
- Programa de Escolas Móveis – Programa em fase inicial a ser
desenvolvido em parceria com o MED, a UNICEF e a Aldeia Global
tem como foco garantir o acesso e retenção das crianças pertencentes
aos grupos nómadas e agro-pastoris.
- Educação em Situação de Emergência – Uma iniciativa do Executivo
em parceria com a UNICEF, visa dar respostas a situação de desastres
naturais que afectam o direito à educação das crianças nas zonas
afectadas52.
A existência de numerosos projectos em funcionamento não garantem, contudo, a
materialização dos objectivos desejados, no caso concreto por exemplo, alguns dos


51
A Educação em Angola desde 2000 a 2013, Luanda, 2015
52
Exame Nacional 2015 da Educação para Todos:2015, p. 21
29


projectos não se enquadram na dinâmica de vida das diferentes regiões e outras vezes não
chegam aos beneficiários. “O programa Merenda Escolar” é um exemplo típico que por
falta de fiscalização e ou a devida prestação de contas, muitas vezes não se sabe muito
sobre o seu andamento.
Uma outra situação que deve ser levada em consideração tem a ver com a falta de
divulgação e a devida informação sobre o andamento dos diferentes projectos em
diferentes áreas, o que retira de alguma forma uma maior participação da sociedade civil
diante dos mesmos. Por fim um elemento que não nos parece ser menos importante é sem
sombra de dúvida envolver as comunidades directamente ligadas aos diferentes projectos
no sentido de serem elas as principais avaliadoras dos projectos em andamento.

Considerações Finais

A Declaração Universal dos Direitos Humanos salvaguarda claramente o direito à


educação no seu Artigo 26º, no entanto, este artigo é sustentado pelos artigos 13° e 14°
do PIDESC, já com um carácter vinculativo no contexto mundial, e especificado pela
CDC nos seus artigos 28° e 29°, enquanto que no contexto regional, ou seja, em África a
CADHP, concede o direito à educação a toda pessoa e tal direito é defendido e justificado
na Carta Africana sobre os Direitos e Bem-Estar da Crianca no artigo 11°.
Angola, como membro subscritor da DUDH, comprometeu-se em reconhecer a
importância de garantir o acesso a uma educação, gratuita, de qualidade e sem qualquer
discriminação à criança, como um recurso para a promoção da paz, justiça social e da
dignidade humana. Apesar de o Governo Angolano reafirmar o seu compromisso com o
direito à Educaçao diante da Constituição de 2010, como se pode assistir no artigo 79°, o
mesmo ainda enfrenta inúmeros desafios que tem a ver com a aplicabilidade prática do
que está regulado. Existe um conjunto de documentos legais para que se possa aliar o
direito à educacão das crianças à educaçao ambiental, desde a Constituição da República,
as diferentes Leis de Bases, como a Lei de Bases do Sistema de Ensino nº 13°, de 31 de
Dezembro de 2001 e a Lei de Bases do Ambiente, com destaque para os seus principais
artigos.

30


Foi possível perceber que são vários os projectos do Estado cujo objectivo é dar resposta
aos diferentes problemas aqui levantados, entre eles o Projecto Merenda Escolar, o
Programa de Apoio ao Ensino Primário, o Programa de Escolas Móveis, a Educação em
Situação de Emergência, entre outros, no entanto estes ou são pouco divulgados ou não
existe uma transparência a nivel da prestação de contas à sociedade civil.
O estudo constatou que existe uma vontade do Estado, mas que a sua funcionabilidade
não carece apenas de vontade é necessario que se façam actividades concretas e práticas
e a existência de muitos projectos, não são garantia de que os resultados hão-de ser
alcançados. Por esta razão incentivamos o Estado a continuar com o trabalho que tem
feito, procurando sempre identifcar possíveis erros e ou falhas para corrigi-los, para que
o direito à educacão à criança seja extensivo e de qualidade.

Recomendações

A nossa pesquisa identificou alguns constrangimentos que nos levaram a elaborar um


conjunto de recomendações e ou sugestões que pensamos poderem servir de elemento
essencial para ajudar na materialização dos projectos do Estado:

Existe uma necessidade de o Estado fazer com que as diferentes leis de bases existentes
no país se articulem em relação a questões genéricas como é o caso da educação da criança
que pode envolver por exemplo os ministérios da Educação, Ambiente e Assistência e
Reinserção Social, para que os objectivos almejados e desenhados pela Constituição
sejam alcançados na íntegra e possam ser mensurados.

Necessidade do Estado não só aumentar o número de salas de aulas, mas potencializar


sempre os docentes de ferramentas suficientes para o exercício das suas funções.

O Estado deve antes de mais privilegiar o diálogo para a implementação das políticas,
para que haja uma maior participação da sociedade civil pois é a ela que se dirigem todos
os projectos e ou políticas.

Fiscalizar sempre que possível os projectos em andamento e divulgar os resultados de


forma a obter o feedback dos beneficiários.

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Referência bibliográfica

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do Sistema de Educação (2001-2015) (2001), Nzila, Luanda, 2001. Disponível em:
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Agosto de 2010. Disponível em:
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