Você está na página 1de 4

RESENHA do capítulo IV do livro “O Brasil Imperial”: “O Primeiro Reinado em

Revisão”, de Gladys Sabina Ribeiro e Vantuil Pereira, publicado pela editora


Civilização Brasileira em 2009

A Revolução Liberal do Porto em 1820 resultou no retorno de D. João VI a


Portugal, na elaboração da primeira Constituição portuguesa e no fim do estado
absolutista em Portugal. A articulação da elite brasileira em torno de D. Pedro I no Brasil
gerou momentos tensos que acabaram por levar à independência.

A separação de Portugal deveu-se mais às divergências entre os próprios


portugueses do que à vontade dos brasileiros. No contexto do constitucionalismo a classe
dominante estabelecida no Rio de Janeiro tinha interesse que o Brasil continuasse livre e
em igualdade de direitos com a antiga metrópole, embora muitas vezes as cortes
quisessem tratar o Brasil como província.

Depois do movimento vitorioso do Porto, ideias constitucionalistas surgiram,


definindo os papéis de Portugal e do Brasil. Assim, em 1820 formou-se uma Constituinte
com o intuito de definir o império luso-brasileiro.

Havia profunda discrepância entre as formas antiga e moderna de pensar e de agir,


envolvendo interpretações de diferentes teorias da época, quando se sobrepunham ideias
liberais e antidemocráticas, além do surgimento dos princípios que mais tarde deram
origem ao que hoje chamamos de direitos civis.

O arcabouço legal e político do Império data desta época, quando foram criados
os principais dispositivos legais do Estado, aqueles que envolviam o Estado, os cidadãos
e seus direitos, como a Constituição de 1824, que seria a fiadora de um novo “pacto
social”, com temas e reivindicações novas, como liberdade religiosa e de pensamento,
direitos individuais e de propriedade, e os Códigos Criminal e Penal. Entendia-se que os
direitos civis eram válidos para todos os membros da sociedade, inclusive os estrangeiros,
enquanto os direitos políticos contemplavam apenas um grupo considerado mais
qualificado. Alguns dos critérios para ser membro da Assembleia Constituinte eram ser
proprietário de terra e saber ler e escrever, sendo que a taxa de analfabetismo então era
de cerca de 99%.

O povo exerceu um papel fundamental no Primeiro Reinado, tanto por meio de


revoltas e conflitos de rua como por meio de petições e representações formais, conforme
noticiado pelo jornal O Alfaiate Português. Segundo analistas da época, o
constitucionalismo preconizava um Estado como comunidade legal e, devido a conflito
de interesses com Portugal, a descolonização permanente.

O Brasil conseguiu se separar de Portugal sem romper a ordem social vigente,


com a economia brasileira dependendo completamente da mão de obra escravizada. A
classe dominante do sudeste brasileiro pretendia preservar seus privilégios afirmando o
centro do governo no Rio de Janeiro e protegendo a “causa da liberdade” por medo de
uma revolução iminente. Liberdade era sinônimo de direito de propriedade, e os direitos
de cidadãos não contemplavam escravos nem libertos. Ao longo do século XIX, o direito
positivo foi ganhando importância.

Debatiam-se assuntos como cidadania, formas de governo e um projeto da futura


nação. Havia disputas de classes, de etnia e no mercado de trabalho. A liberdade e o pacto
social passavam a ser vistos de forma mais democrática.

O espaço público era palco de manifestações populares como a de abril de 1821


na Praça do Comércio, que pressionavam as autoridades. Eram comuns panfletos com
ideias de autonomia e liberdade, visando à construção do império brasileiro democrático
e à aclamação de D. Pedro imperador constitucional.

O ano de 1822 foi pródigo em acontecimentos: primeiro o Fico, em janeiro. Ainda


em janeiro, hostilidades entre as tropas portuguesas, tentativa de prender D. Pedro e forçá-
lo a sair do Brasil. Some-se a isso as tentativas de limitar os marujos em circulação pela
cidade, já que estes punham em risco a ordem, além dos “capoeiras” que queriam atacar
os brancos. Havia ainda boatos de que religiosos incitavam a população negra a se rebelar,
sob a alegação de que as cortes teriam decretado a liberdade dos escravizados.
No ano de 1822 o Correio do Rio de Janeiro estabeleceu critérios para a definição
de cidadania. A discussão abrangia a condição de homens livres pobres, de escravos e
libertos. Os escravizados não tinham direitos à cidadania. Mesmo quando eram brasileiros
e não estrangeiros, não tinham direito algum, apenas o dever de trabalhar e servir.
Ninguém era dono do escravo, mas sim de seus serviços, razão pela qual era proibido
matá-los. Enquanto isso os portugueses pobres, mesmo sem direitos políticos, eram
considerados brasileiros, já que moravam no país por ocasião da independência.

A população “de cor” lutava pela liberdade, pela separação definitiva do Brasil da
metrópole, alistando-se para lutar e construir fortes contra uma eventual invasão
portuguesa. Entre 1822 e 1824, as fugas de escravos aumentaram consideravelmente,
resultando na proliferação de quilombos.

Assim, D. Pedro proclama a independência para evitar o risco de uma rebelião no


Brasil, com a consequente convocação da Assembleia Constituinte visando adequar a
Constituição portuguesa à realidade brasileira, sendo a corte do Rio de Janeiro o novo
centro do Império.

Os debates, entretanto, limitavam os direitos e não os estendiam à totalidade da


população, conforme logo foi percebido pelos populares. Segundo a Constituinte,
escravos e estrangeiros seriam no máximo brasileiros, não fariam parte do pacto social;
viveriam na sociedade civil, sem, no entanto, fazer parte dela.

Os Constituintes, inspirados por Benjamin Constant e pela Constituição francesa


de 1791, estabeleceram na Constituição de 1824 um Poder Moderador, exercido pelo
imperador, com o direito de intervir nos demais três poderes.

Causava preocupação aos parlamentares a possibilidade de se conferir direitos de


cidadãos a homens recém-saídos do cativeiro, mas havia o entendimento de que o tráfico
de escravos devia ser interrompido, em nome da boa política, o que de fato foi ratificado
por um tratado entre Brasil e Inglaterra, em 1826. Por volta de 1825, a onda de revoltas
exigia o controle de estabelecimentos como tavernas e outros que promoviam
aglomeração, bem como de tipografias e impressos.
Com a função de conciliadores políticos, juízes de paz foram distribuídos pelas
localidades que, dessa maneira, ficavam menos sujeitas às decisões centrais, o que acabou
por resultar numa reforma que deu origem aos Códigos Criminal (1830) e Penal (1832).

Além do Rio, outras províncias como Pernambuco e Bahia também eram


sacudidas por revoltas populares e ataques de quilombolas. Outro sentimento crescente
era a xenofobia, manifesta nas relações ressentidas entre brasileiros e estrangeiros, e que
envolviam questões raciais e de classe.

Entre 1830 e 1831 havia-se formado na corte do Rio uma oposição unificada do
povo ao Parlamento, traduzida na certeza de que o imperador não representava a ideia de
autonomia concebida em 1822.

A Câmara dos Deputados tornara-se uma instituição robusta e representativa,


capaz de fazer frente ao Poder Executivo, ao mesmo tempo em que se tinha uma
sociedade civil e uma população politicamente mais madura, que interpretava à sua
maneira e intervinha no processo político.

O império vivia severa instabilidade política e econômica. Após conflitos


envolvendo brasileiros e portugueses, como a Noite das Garrafadas, o crescente
sentimento de antilusitanismo, a insatisfação de militares e extrema pressão, D. Pedro I
se vê forçado a renunciar ao império em 1831, abdicando em favor de seu filho.

Nádia S. Lamas

Você também pode gostar