Você está na página 1de 3

RESENHA do artigo “D.

João e a história dos Brasis”, de José Murilo de


Carvalho, publicado na Revista Brasileira de História vol. 28 no. 56 em
dezembro de 2008

Embora não se reconheça como um “especialista no período joanino”, o autor


foi convidado pela RBH a escrever o artigo acima por ocasião da comemoração dos
200 anos da chegada da corte portuguesa ao Brasil. Carvalho destaca como pontos
positivos a despretensão e a autonomia do texto, o qual, no entanto, ele classifica como
subjetivo.

Ressalta o autor a escolha da cidade do Rio de Janeiro como palco das


comemorações nacionais, além da escolha de um historiador especialista em história da
África para coordenar os trabalhos, que envolveram, entre outras, instituições de
ensino, a ABL, a FGV, grande cobertura dos meios de comunicação nacionais e até a
visita de historiadores portugueses.

No quesito publicações, o destaque vai para os catálogos de luxo com


reproduções de obras de Debret e Taunay, além de relatos históricos e jornalísticos cuja
publicação já se vinha antecipando nos anos anteriores àquele do bicentenário.

Segundo Carvalho, as publicações, bem como os eventos, de maneira geral


enfatizaram aspectos positivos da vinda da família real, em detrimento de obras como o
filme Carlota Joaquina, no qual os membros da corte adquiriam um caráter caricatural.

Para o autor, o estabelecimento da corte na colônia foi decisivo para a formação


do nosso país e para a definição dos rumos que ele haveria de tomar, distintos daqueles
das colônias espanholas na América.

Muitas das capitanias-gerais do início do século XIX não teriam condições de se


manter, originando países independentes. Assim, as afinidades históricas e as condições
econômicas é que definiriam quantos e quais seriam os países resultantes, mas é certo
que a configuração geoespacial não seria a mesma de hoje.
Em face de tal constatação, Carvalho passa a questionar se foi melhor manter-se
a unidade, como de fato ocorreu, ou se melhor teria sido fragmentar-se o território com
a formação de vários países.

O autor prossegue relatando a entrevista que em 2008 o historiador


pernambucano Evaldo Cabral de Mello concedeu a um jornal. Na ocasião, Mello
denunciou a comemoração e a vinda da corte como algo que só trouxera dividendos ao
Rio de Janeiro, uma vez que, para as outras regiões do país (à exceção de Minas Gerais,
que também logrou algum ganho), ela significara apenas aumento de tributos. Mello
acrescentou que o convívio com a corte deu origem a uma elite de portugueses e
brasileiros que acabou por decretar a independência a fim de defender seus privilégios.
Na opinião do pernambucano, a valorização exacerbada da unidade nacional em
detrimento de outras mazelas, como a manutenção da escravidão, caracteriza uma
corrente historiográfica regional.

Diante de tal acusação, o autor do presente artigo defende-se reiterando que a


vinda da corte foi, de fato, decisiva para a manutenção da unidade nacional, mas que
ele no entanto não atribui a essa unidade nenhum juízo de valor.

Em outra ocasião já a historiadora gaúcha Helga Piccolo declarara-se irritada


com a história do Brasil escrita no Sudeste rico em detrimento das outras regiões, o que
confirma serem múltiplas, por conseguinte, as narrativas históricas do nosso país.

À medida que o artigo segue, Carvalho critica a prática nacional de apreciar o


passado com os valores do presente, ainda que inconscientemente, e reafirma que a
narrativa do Brasil só poderia mesmo ser feita a partir de sua capital, o Rio de Janeiro,
centro político de onde se enxergava o todo sem o viés do olhar do estrangeiro, e de
onde se podia escrever sobre a história nacional.

Mesmo após a proclamação da República, os historiadores republicanos,


embora críticos ao Império, valorizavam não só a unidade nacional, mas também o
papel que a monarquia e a vinda da corte representaram para a preservação dessa
unidade.
Carvalho enfatiza que a história do Brasil, pelo fato de ser escrita a partir da
cidade do Rio de Janeiro, contribuía para reforçar a centralidade do Rio de Janeiro.
Dito isso, destaca o papel do IHGB e em seguida passa a elencar outras abordagens
como as de universidades estaduais, entre elas a USP, já no século XX. Com
professores estrangeiros e visão cosmopolita, a USP foi a primeira a produzir textos de
história do Brasil fora do Rio, textos esses com nítida inspiração marxista. Segundo o
autor, a produção da USP também se distinguia da carioca pelo fato de serem seus
textos primordialmente nacionais ao invés de regionais. Autores de outros estados
produziram basicamente história regional, com exceções como Gilberto Freyre, cujo
alcance nacional o autor credita à vivência no exterior.

O autor conclui que, com efeito, até 1930 a história nacional foi praticamente
toda escrita a partir do Rio de Janeiro, tendo o mesmo ocorrido em outros países onde
houvesse uma cidade com perfil semelhante, de centro político e cultural. E, por fim,
questiona se não é hora de a história romper os limites do regional e do nacional para
priorizar o lado humano, inaugurando o que ele chama de “pós-nacional”.

Nádia Salviano Lamas

Você também pode gostar