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Resumo: A proposta deste trabalho é resultado da dissertação defendida em agosto de 2005, com o titulo:
História e Memória: Constituição social da informação em relatos orais, ECI/UFMG. Este estudo teve como
objetivo identificar, caracterizar e analisar os processos de construção social da informação e do conhecimento
em relatos orais, sob o olhar da Metodologia de História Oral e da Ciência da Informação, tendo em vista
potencializar as informações contidas nos acervos dos Programas de História Oral, bem como verificar suas
políticas de disseminação. Assim, sob o âmbito da Ciência da Informação concluiu-se que o potencial
informacional e do conhecimento constituído nos acervos dos Programas de História Oral são de extrema
relevância na compreensão da realidade contemporânea, desde que as políticas de disseminação e restituição
destas informações e conhecimentos possam alcançar não apenas o universo acadêmico, mas toda sociedade,
estimulando a reflexão sobre fenômenos sociais, econômicos, políticos e culturais. Sobre a função da oralidade,
pode-se concluir que sua universalidade e caráter democrático permitem e propiciam a inclusão do homem como
ser constitutivo de sua história e trajetória.
Palavras-chave: Informação. Conhecimento. História-memória. Metodologia de História oral.
Abstract: The proposal for the presentation of this work is the result of the dissertation defended in August of
2005, with the title: History and memory: the social constitution of the information in oral narration,
ECI/UFMG. The objective of this study was to identify, characterize and analyze the social construction
processes of information and the knowledge in oral narration, overlooked by the Oral History Methodology and
the information science, with the purpose of making potential the information found in the research centers of
Oral History Programs, as well as verifying their dissemination policies. Therefore, under the ambit of the
information science, it was concluded that the knowledge and the information potential constituted in the
research centers of Oral History Programs are of extreme relevance in the comprehension of the contemporary
reality, as long as the dissemination and restitution policies of these information and knowledge can not only
reach the academic universe, but also the entire society, and therefore, stimulate the reflection about social,
economical, political and cultural phenomena. Regarding the orality role, we can conclude that it is the
foundation of all the informational process. Its universality and democratic character allow and propitiate the
inclusion of man as a being Who constitutes his own history and trajectory.
Keywords: Information. Knowledge. History – memory. Methodology of the Oral History.
1. Introdução
Este estudo teve por objetivo compreender o lugar social da oralidade e sua função nos
processos de construção e constituição da informação e do conhecimento. Para tanto,
partimos do pressuposto de que conhecer as tradições orais e seus engedramentos na
organização e no fazer social é, de fato, compreender, valorizar e evidenciar as
experiências humanas. A partir das vivências, reflexões, elaborações, formas de
produção de sentido através da palavra – aquela que sai da boca e voa aos ouvidos –
(Brandão, 1999) que a humanidade, ao longo dos séculos, vem construindo
conhecimento e constituindo o homem como sujeito histórico.
Em um primeiro momento faremos uma breve análise do papel da oralidade nas
sociedades ágrafas, sua função como suporte da história-memória - lembranças do já
vivido - e seu uso presente; no qual os relatos orais conformados pela memória social
cumprem o objetivo de serem portadores das memórias coletivas. Discutiremos então as
narrativas orais, permeadas de informações que auxiliam o homem em seus processos
identitários e coletivos. Processos estes, fundamentais na construção social do
conhecimento.
Serão reflexões que pretendem contribuir e abrir caminhos para novas discussões de um
entendimento no uso presente de fragmentos do passado e dos espaços que as narrativas
ocupam nas sociedades de outrora e contemporâneas
Em um segundo momento, trataremos da informação que perpassa os relatos orais,
história e memória. Proporemos algumas reflexões a respeito do papel das narrativas
orais no fazer histórico e cotidiano do homem e a sua função nos engedramentos sociais
e suas formas de organização. Por fim, buscaremos uma maior compreensão de como as
narrativas orais levam aos processos informacionais e proporcionam a construção social
do conhecimento.
"A oralidade possibilita olhar para o movimento (...) entender que existe este
movimento. Não pode ser captado o tempo todo, mas está vivo, podemos entender
que ele existe (...) você dá um outro status para conhecimento (...) ele sai do lugar e
é possível na sociedade, possível no mundo (...)".
(Regina Helena Alves da Silva)4
Desta forma é que a memória - e suas várias possibilidades de guardar o passado - passa
a ser um saber constituído de vários povos. Saber estilizado, saber criado, saber
reflexivo, saber socialmente construído.
Alves (2005) em seu depoimento nos relata uma de suas experiências com a tradição
oral e os danos que os cortes dos acordos silenciosos feitos nos fazeres sociais e
reiterados pelas tradições orais podem causar:
"É exatamente a compreensão cada vez maior neste mundo de mudanças rápidas de
que a oralidade é um meio ao qual se pode recorrer para registrar aquilo que de
outra maneira se perderia. Portanto a oralidade confere um estado de perenidade,
àquilo que está em plena mutação".
(Lígia Maria Leite Pereira)6
Em meio à dinâmica da vida social, as perdas são ameaçadas pelas narrativas que
sobrevivem como atividade social, fazendo e dando sentido para o homem, na medida
em que toda narrativa depende fundamentalmente de sua finalidade social. Quando se
reconhece o papel dos sujeitos no processo cumulativo de transformação, a mensagem
socialmente transmitida ganha status de memória.
O contar e ouvir histórias tem uma função que vai além do entretenimento, embora
possa utilizar desse recurso. A sua função tem um forte caráter de engendramento
social, onde os homens e suas subjetividades são colocados no centro de toda
historicidade tornando-o sujeito criador-criatura de suas práticas sociais.
O conhecimento deve servir para mover a sociedade e não apenas para aumentar e
reforçar os abismos e as distâncias sociais entre os homens. A Internet é um bom
exemplo, pois é um grande banco de dados informacionais que possibilita e favorece o
conhecimento, mas não o garante. Assim também se faz nos acervos que acolhem,
tratam e produzem conhecimento a partir dos relatos orais. O simples fato de se ter um
número expressivo de relatos orais não garante absolutamente a construção e a
constituição do saber, este é o papel do pesquisador.
É tarefa do pesquisador, percorrer a trajetória do teórico - pensar; prático - agir;
produtivo – fazer, em busca da inserção social. O que se busca nas produções científicas
dos acervos dos Programas de História Oral10 perpassa por este caminho, cabendo ao
pesquisador oral contextualizar e colocar os discursos e as informações por ele
encontradas dentro de um quadro explicativo, a partir de uma dada realidade do objeto a
ser investigado. O objeto a ser pesquisado não se dá a conhecer de imediato, ele é
construído e nós não podemos nos isentar deste papel.
“Eu tenho uma preocupação sobre os acervos, há uma enorme dificuldade dos
Centros de Pesquisa, das Universidades cuidarem daquilo que está sendo produzido
em termos de documento. A história oral tem uma coisa muito interessante; ela tem
um glamour, toda essa discussão sobre memória, subjetividade, interação...
entrevistas, entrevistado. É uma maravilha, todo mundo fica embevecido com esse
lado glamouroso da história oral; agora a análise da entrevista que é uma coisa para
você buscar; análise sobre o que você constrói a preservação do que é produzido,
os instrumentos de auxílio à consulta do que é produzido é absolutamente carente”.
(Verena Alberti)14
Os Programas de História Oral – PHO - possuem em relação ao sistema de coletas das
informações e sistematização das mesmas, um rigoroso critério metodológico e
científico, que obedece a padrões internacionais. Por outro lado, o sistema de
representação é simplificado, muitas vezes baseado no senso comum, desenvolvido
pelos pesquisadores envolvidos nos processos reflexivos e partem das políticas
específicas de cada Programa. Os Programas de História Oral como fim em si mesmo,
estão bem sustentados e em todo o país dispõem de um imenso e rico acervo, todavia
considerando-se as possibilidades de acesso a estas informações, os sistemas de
representação não alcançam toda a sua potencialidade.
A reunião, o tratamento e a recuperação da informação são etapas do conhecimento que
vem sendo construído na Ciência da Informação por seus profissionais. Neste aspecto,
acreditamos ser possível e necessário o diálogo entre os Programas de História Oral –
PHO - e a Ciência da Informação – CI - com o objetivo de aperfeiçoar o acesso ao
conhecimento gerado, levando-o a outras áreas do saber. Ambas as áreas podem se
beneficiar das riquezas conceituais de cada uma delas e das possíveis construções de
novos conceitos e metodologias que refletiriam primeiramente nas práticas acadêmicas,
objetivando reflexos também nas práticas sociais.
Assim, cabe salientar que há uma necessidade de maior compreensão e articulação entre
a organização, tratamento e disseminação, no intuito de que os processos informacionais
presentes nos relatos orais possam não apenas alcançar um dinamismo real, como para
que conquistem a acessibilidade como fontes documentais importantes, relevantes e
fundamentais na compreensão da sociedade contemporânea, em seus mais simples ou
complexos aspectos.
"É preciso ouvir mais essas narrativas, elas teriam que circular e não estamos
falando de oralidade. Isso viria da Ciência da Informação, do processo informativo,
formativo, o que seria a meu ver um grande avanço.”
(Michel Marie Le Ven)15
Neste sentido é fundamental uma melhor compreensão das propostas de cada programa,
pois possibilita a interlocução entre eles. O conhecimento adequado do perfil dos
usuários, para que até mesmo no momento da entrevista seja direcionado para esses
objetivos, ou seja, para que haja um melhor entendimento das dinâmicas da produção
social do conhecimento desses acervos e que favoreçam o surgimento de novas
ferramentas de acesso aos conteúdos informacionais que ali se encontram. Sem isto, são
acervos silenciosos que servem a poucos.
O que se objetivou discutir no âmbito deste trabalho é a importância do acesso e a
democratização da informação para a "construção social do conhecimento",
especificamente nos acervos dos Programas de História Oral e a importância da
narrativa oral na sociedade contemporânea. O que importa é reconhecer as informações
estabelecidas ali e efetivar ferramentas de acesso que possibilitem e favoreçam a
construção do saber. A interlocução entre a produção científica da Ciência da
Informação e dos Programas de História Oral poderá fazer com que a intencionalidade
dos acervos deixe de ser projetos e passem a ser gestos.
Neste espaço de reflexão é importante pensar sobre o fato de a Ciência da Informação
ter como objetivo trabalhar a informação e a construção do conhecimento, abrangendo
esferas do tempo e do espaço, no processo voltado para o saber constituído, recuperado,
tratado e disseminado na sociedade.
“A ciência da informação é um campo devotado à investigação científica e à prática
profissional, dedicando-se a problemas de comunicação efetivos do conhecimento
e de seus registros entre humanos, no que se refere às necessidades e ao uso da
informação nos níveis individual e social".
(Saracevic: 1996: p.52)
“Desde lá de trás quando a gente veio para cá... quem veio para cá contava a
história uns para os outros para a gente se lembrar o porquê é que a gente veio para
cá, então a gente tinha que saber o jeito de cada um para saber o que era nossa
história e a gente ia contando, e contando, e contando. Vocês vieram aqui e
ouviram as histórias da gente e aí vocês fizeram um livro. Nossa história ficou lá
escrita no papel. Agora não tem mais história diferente da outra, só tem uma
história... Esses meninos aprendem isso lá na escola e a gente se esqueceu da
história, a gente não fala mais uns com os outros sobre a nossa história, porque
agora está no papel. [silêncio] (...)”
(Regina Helena Alves da Silva)16
Notas
1
É importante chamar atenção para o fato de que todo espaço social é também um espaço de conflitos e negociações.
Bauman (2003) argumenta que a unidade, o consenso comunitário é alcançado a partir de exaustivos acordos, sempre
ameaçados por novas demandas coletivas e questionamentos individuais.
2
Poetas – Contadores de histórias ambulantes. Recitavam suas composições se fazendo acompanhar por liras (Cunha,
1986, p.15).
3
No entanto é preciso ressaltar que todo esse processo depende essencialmente do homem como portador e
conhecedor desse saber.
4
Depoimento cedido a Aparecida Maciel da Silva Shikida e ao Programa de História Oral/ Centro de Estudos
Mineiros – FAFICH/UFMG em 23 de fevereiro de2005 – Belo Horizonte.
5
Idem 4
6
Depoimento cedido a Aparecida Maciel da Silva Shikida e ao Programa de História Oral/ Centro de Estudo Mineiro
– FAFICH/UFMG em 19 de janeiro de 2005 – Belo Horizonte.
7
Depoimento cedido a Aparecida Maciel da Silva Shikida e ao Programa de História Oral/ Centro de Estudo Mineiro
– FAFICH/UFMG em 20 de janeiro de 2005 – Belo Horizonte.
8
Depoimento cedido a Aparecida Maciel da Silva Shikida e ao Programa de História Oral/ Centro de Estudo Mineiro
– FAFICH/UFMG em 22 de dezembro de 2004 – Belo Horizonte.
9
Idem 4
10
Ver SHIKIDA, Aparecida Maciel da Silva Shikida. Informação, História e Memória: Constituição social da
Informação em Relatos Orais. ECI/UFMG, 2005.
11
Idem 6
12
Idem 8
13
Idem 8
14
Depoimento cedido a Aparecida Maciel da Silva Shikida e ao Programa de História Oral/ Centro de Estudo Mineiro
– FAFICH/UFMG em 27 de abril de 2005 – Rio de Janeiro – CPDOC.
15
Idem 8
16
Idem 8
5. Referências Bibliográficas
1. ALBERTI, Verena. Depoimento. Rio de Janeiro: CPDOC, 2005. Entrevista concedida à
Aparecida Maciel da Silva Shikida e ao Programa de História Oral da UFMG.
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Estudos Mineiros da UFMG.
22. PEREIRA, Lígia Maria Leite. Depoimento. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2005. Entrevista
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Entrevista concedida à Aparecida Maciel da Silva Shikida e ao Programa de História
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de conhecimento. Rio de Janeiro, Campus, [s.d.].
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