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AULA 1

ANTROPOSOFIA
APLICADA À SAÚDE

Prof.ª Iracema de Almeida Benevides


CONVERSA INICIAL

O presente curso é dirigido a profissionais de saúde, e tem como objetivo


apresentar uma visão global da Medicina Antroposófica como um sistema
médico complexo, que integra o panorama das Práticas Integrativas e
Complementares em Saúde (PICS).
Nessas cinco aulas interativas, o aluno irá:

 conhecer as principais características do sistema da Medicina


Antroposófica, com histórico e pioneiros no mundo e no Brasil;
 conhecer os conceitos básicos que orientam o sistema e os conceitos de
saúde e doença nessa perspectiva;
 compreender o escopo de atuação das diferentes profissões da saúde
orientadas pela Antroposofia, com doferentes formações;
 compreender como a Medicina Antroposófica pode complementar a
abordagem convencional em algumas situações de saúde;
 conhecer os princípios da Medicina Antroposófica para o bem-estar e a
melhoria da qualidade de vida.

O sistema médico-terapêutico que será apresentado nesse curso foi


desenvolvido na Europa no início do século XX, como uma ampliação da abordagem
convencional em saúde, tendo como pilares a abordagem individualizada de cada
paciente, considerando sua totalidade: constituição física, história de vida,
desenvolvimento e saúde emocional e mental, relação com religiosidade e
espiritualidade, além da sua relação com a natureza. Ou seja, é uma abordagem
cuja visão considera o ser humano em sua integralidade, como corpo, alma e
espírito.
O termo Medicina e Terapias Antroposóficas (MTA) refere-se a profissões
da saúde e abordagens terapêuticas que foram desenvolvidas com base na
Antroposofia. Desde o seu surgimento, esse sistema adota um modelo de
atuação multiprofissional. Além da medicina, outras profissões da saúde que
foram ampliadas são: enfermagem, odontologia, nutrição e psicologia. A terapia
artística antroposófica, a massagem rítmica, a euritmia, a quirofonética, a
reorganização neurofuncional e o aconselhamento biográfico são exemplos de

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abordagens novas, inspiradas nesse conhecimento. A nomenclatura PICS
corresponde, no Brasil, ao termo, recorrente na literatura internacional,
Traditional Medicine/Complementar and Alternative Medicine (TM/CAM), que
recentemente foi alterado para Traditional Complementary and Integrative
Medicine (TCIM), pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Sobre as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), é
importante ressaltar que abrangem os sistemas médicos complexos e os
recursos terapêuticos. A sociológica Madel Luz (2000; 2005), desenvolveu o
conceito de Racionalidades Médicas, e descreveu o fenômeno da “crise da
saúde”, como um dos fatores relacionados ao aumento da demanda pelas
medicinas integrativas e complementares. Por considerarem o indivíduo em sua
totalidade, as abordagens integrativas e complementares são consideradas mais
eficientes, gerando satisfação e bem-estar.
Barros (2000; 2008) pesquisou os referenciais que compõem o modelo
integrativo de cuidados em saúde, destacando que são fundamentados no
vínculo e na empatia, no conceito de que o paciente deve estar no centro do
cuidado, em uma visão ampliada do processo de saúde e doença, com base em
evidências científicas. As profissões da saúde estão construídas sobre o modelo
biomédico, que valoriza a dimensão biológica dos fenômonos, a fragmentação e
a especialização do conhecimento.

TEMA 1 – ORIGENS DA MEDICINA ANTROPOSÓFICA

A palavra antroposofia tem origem no idioma grego e significa “sabedoria


sobre o ser humano”. Esse nome foi atribuído por Rudolf Steiner (1861-1925),
filósofo e professor austríaco que desenvolveu as bases desse conhecimento e
movimento cultural e científico do século XX, que busca integrar ciência, arte e
espiritualidade. Ele propôs iniciativas para vários campos de atuação, entre eles
educação, medicina, arquitetura e agricultura. Steiner conferiu ênfase especial
ao desenvolvimento de um novo olhar para as ciências, propondo um paradigma
que revitalizasse o racionalismo dominante no pensamento europeu a partir do
século XVI.
Um importante capítulo nessa trajetória de estudos do filósofo, que
acompanha o método de pensamento da Antroposofia até os dias de hoje, é a

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fenomenologia proposta por Goethe (Johann Wolfgang von Goethe, 1749-1832).
Além de poeta e escritor, Goethe era também cientista natural, e seus estudos
sobre a natureza apontavam para as metamorfoses presentes nas espécies
vegetais e animais. Observar a natureza com o olhar desenvolvido por Goethe é
um recurso muito utilizado para o estudo das plantas medicinais, por exemplo.
Na filosofia, Steiner destacava a riqueza de possibilidades presentes no
pensamento humano, e sobretudo a liberdade humana. Os seres humanos são
parte integrante da natureza, porém estão em uma condição diferente de
minerais, vegetais e animais, por seu pensar, sentir e agir. Essa qualidade do
pensar sobre si e sobre o mundo é resultado da presença, em nós, de uma
essência (espiritual) denominada “Eu” humano, responsável também pela nossa
individualidade.
Em relação ao sentir, outro aspecto de grande relevância para a
Antroposofia é a inclusão das diferentes formas de arte na vida humana:
desenho, pintura, música, canto, teatro, movimentos. A arte fala diretamente à
nossa alma, nosso sentir, nossas emoções. Uma forma artística especialmente
desenvolvida no âmbito da Antroposofia é a Euritmia. Em relação ao “agir”,
Steiner ressaltou que o mais importante é que o conhecimento pudesse
influenciar áreas práticas e campos do conhecimento. Assim, diversos saberes
foram influenciados pela Antroposofia: a Pedagogia Waldorf, a Agricultura
Biodinâmica e a Medicina Antroposófica são apenas algumas dessas áreas.

Figura 1 – Steiner e Wegman

Crédito: CC/PD.

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Na Medicina, o desenvolvimento da “arte médica ampliada pela
Antroposofia” ou Medicina Antroposófica, origina-se do trabalho conjunto da
médica holandesa Ita Wegman (1876 – 1943) com o doutor Rudulf Steiner. Os
conceitos e princípios da Medicina Antroposófica serão desenvolvidos mais
adiante.
Ita Wegman foi a médica responsável pelo desenvolvimento das bases da
Medicina Antroposófica em conjunto com Steiner. Escreveram juntos o livro
Elementos fundamentais para uma ampliação da arte de curar. Propôs
aplicações para enfermagem, massagem e diversas terapias antroposóficas.

Saiba mais

Para conhecer um resumo das biografias de Rudolf Steiner e Ita Wegman,


acesse:

HISTÓRIA e fundadores. ABMA – Associação Brasileira de Medicina


Antroposófica. Disponível em: <http://abmanacional.com.br/institucional/a-
medicina-antroposofica/historia-e-%20fundadores/>. Acesso em: 1 ago. 2019.

TEMA 2 – A TRAJETÓRIA DA MEDICINA ANTROPOSÓFICA NO BRASIL

A medicina antroposófica teve seu início, no Brasil, em 1956, na cidade


de São Paulo (SP), pelas mãos de Gudrun Kröekel Burkhard, médica brasileira
formada pela Universidade de São Paulo (USP). Ela conheceu a Antroposofia
por meio de seu pai, Walter Kröekel, que era terapeuta naturista.
Gudrun realizou sua formação nessa abordagem em uma instituição de
medicina antroposófica pioneira, e posicionada entre as mais prestigiosas da
Europa, a Clínica Ita Wegman (atualmente Clínica Arlesheim), situada na Suiça.
Ela é autora de vários livros, dentre eles Novos Rumos da Alimentação, Tomar
a vida nas próprias mãos e Bases Antroposóficas da Metodologia Biográfica.

Nos primeiros anos, a Dra. Gudrun atendia seus pacientes no Instituto


Weka, fundado e dirigido por seu pai, Walter Krökel. Atuava como
médica generalista, ampliando com a prática da Medicina
Antroposófica. Em paralelo, atuou como médica escolar na escola
Waldorf Higienópolis (atualmente Escola Waldorf Rudolf Steiner).
Nesse período os medicamentos antroposóficos ainda não eram
produzidos no país e os pacientes os importavam da Alemanha ou
Suíça. Atendia também pacientes oncológicos que desejavam utilizar
o Viscum album como tratamento complementar do câncer. Algumas

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vezes viajou para outros estados como no Rio Grande do Sul, Santa
Catarina e, também, outros países como o Chile, para tratar de
pacientes com câncer. (Benevides, 2017)

Em 1969, com o apoio da Associação Beneficente Tobias, a Dra. Gudrun


inaugura a primeira clínica de Medicina Antroposófica no Brasil, a Clínica Tobias,
situada no bairro Alto da Boa Vista, na capital de São Paulo, com oito leitos para
internação. A Clínica Tobias passa a congregar um significativo número de
médicos antroposóficos, além de profissionais das terapias antroposóficas
(terapia artística, massagem rítmica, euritmia e outras):

Cresce o anseio pela expansão do trabalho multidisciplinar e, em 1967,


após esforços para aquisição do terreno no Alto da Boa Vista, em São
Paulo, é colocada a Pedra Fundamental da Clínica Tobias. Esse
impulso é concomitante com a criação da Associação Beneficente
Tobias, que vem a ser a proprietária e mantenedora do patrimônio. A
inauguração da clínica acontece na época de Pentecostes de 1969.
(Benevides, 2017)

Os cursos para médicos, no país, começaram a abordar a prática clínica


antroposófica no final dos anos 1980, com a vinda do Dr. Otto Wolff, médico
antroposófico alemão. Houve então a criação da Associação Brasileira de
Médicos Antroposóficos (ABMA), incentivada pela também médica alemã Dra.
Rita Leroi, durante sua segunda visita a São Paulo, em 1982.
Nos anos 1990, houve ampliação com a instituição de cursos livres, porém
com carga horária compatível com cursos de pós-graduação lato sensu em
diferentes regiões. Conforme podemos ler no capítulo em Luz e Afonso (2014),
a formação médica é a primeira formação a ser estruturada no Brasil, tendo a
ABMA como entidade responsável por esse processo. Além da formação
médica, outras formações são impulsionadas, como é o caso da Terapia Artística
Antroposófica, da Massagem Rítmica, além de Psicologia e Odontologia, para
citar alguns exemplos.
Futuramente vamos abordar a formação nas Terapias Antroposóficas e
demais profissões da saúde ampliadas pela Antroposofia.

TEMA 3 – TRAJETÓRIA DA MEDICINA ANTROPOSÓFICA NO CONTEXTO


SOCIAL

A trajetória da MA no âmbito social e comunitário está descrita por


Benevides (2018), que situa seu início nos anos 1970, na favela Monte Azul em

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São Paulo (SP), com ações de atenção primária a saúde (APS) realizadas por
profissionais com perfil generalista:

O ambulatório médico terapêutico da Associação Comunitária Monte


Azul contribuiu para inspirar e formar muitos profissionais de saúde,
médicos e terapeutas, adaptando a MTA ao público com poucos
recursos financeiros. O Ambulatório passou por muitos processos de
aprimoramento e mantém-se ativo como espaço de formação prática,
acolhendo profissionais das diversas formações antroposóficas na
área da saúde e também profissionais das PICS da Secretaria
Municipal de Saúde do município.
Um marco histórico no processo de institucionalização da MA foi a
realização de concursos públicos para médicos antroposóficos no
município de Belo Horizonte, nos anos de 1994 e 1996 no PRHOAMA
– Programa de Homeopatia, Acupuntura e Medicina Antroposófica,
sendo criadas quatro vagas para médicos antroposóficos.
A experiência no município de São João Del Rei, em Minas Gerais,
iniciada também na década de 1990 tem sido um importante destaque
da MA no âmbito da APS no SUS, tendo alcançado a criação do Centro
de Referência de Medicina Antroposófica, desenvolvido e
implementado um modelo próprio de aplicação de terapias externas
antroposóficas, viabilizado a assistência farmacêutica e atividades de
plantio das espécies medicinais, além de um marcante trabalho de
envolvimento comunitário através da Associação Comunitária
Yochanan.

Outro importante espaço pioneiro de prática da Medicina Antroposófica


com caráter iminentemente público e social é a iniciativa mantida pela
Associação Antroposófica Estada Real (AAER), fundada em 2005 no município
de Matias Barbosa (MG): o Ambulatório de Práticas Integrativas e
Complementares em Saúde (APICS).

TEMA 4 – A MEDICINA ANTROPOSÓFICA NA PNPIC E NO SUS

Em 2006, a Medicina Antroposófica foi incluída na Política Nacional de


Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), publicada por meio da Portaria
n. 971/2006, no formato de Observatório das experiências de MA no SUS, após
aprovação da Portaria n. 1.600/2006, que posteriormente passou a ser
considerada como parte integrante da PNPIC.
Citando Benevides (2018):

A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares


(PNPIC) foi criada por meio da Portaria nº 971 em maio de 2006
contemplando a Fitoterapia, a Homeopatia e a Medicina Tradicional
Chinesa/Acupuntura. O Termalismo e a Crenoterapia foram incluídos
em um segundo momento, da mesma forma que a MA, contemplada
na forma de Observatório das experiências de MA no SUS em uma
portaria específica, nº 1.600/2006, passando a ser considerada como
parte integrante da PNPIC. [...]

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Entre os códigos que a Portaria nº 85/2006 criou, o código 134-007
possibilita a identificação de serviços com PICS orientadas pela
Antroposofia no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde
(CNES). Isso representou um avanço quanto ao registro da presença
desse tipo de serviço e dos profissionais em atuação nos mesmos.

Após doze anos de PNPIC, em março de 2018 houve um avanço normativo


com a publicação da portaria GM 702 de 21 de março de 2018, que
institucionalizou dez novas abordagens de PICS no SUS, alterando a inserção
original do Termalismo Social / Crenoterapia e da Medicina Antroposófica /
Antroposofia Aplicada à Saúde. A condição de Observatório definida na Portaria
n. 1600 de 2006 foi substituída por uma inserção plena, que descreve diversas
modalidades e abodagens incluídas no sistema da Medicina Antroposófica:
terapia medicamentosa, Terapias Externas Antroposóficas, Banhos
Terapêuticos (esses dois últimos são parte da Enfermagem Antroposófica),
Massagem Rítmica, Terapia Artística Antroposófica, Euritmia, Quirofonética,
Cantoterapia e Aconselhamento Biográfico.
Atualmente, é possível registrar as ações do sistema da Medicina
Antroposófica nos sistemas de informação do SUS.

TEMA 5 – REGULAMENTAÇÃO DOS MEDICAMENTOS ANTROPOSÓFICOS

O sistema da Medicina Antroposófica desenvolveu um conceito para a


criação de medicamentos, campo da farmácia antroposófica. As substâncias
minerais, vegetais e animais são transformadas em medicamento, seguindo
protocolos específicos descritos em farmacopeias.
A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n. 26/2007, pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), contempla o registro de medicamentos
dinamizados industrializados homeopáticos, antroposóficos e anti-homotóxicos.
Em 2018, a Anvisa atualizou e ampliou a descrição e normatização para
os medicamentos antroposóficos por meio dos seguintes instrumentos: RDC
238/18; IN 25/18, IN 26/18 e 27/18.

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REFERÊNCIAS

BARROS, N. F. A Construção da Medicina Integrativa: um desafio para o


campo da saúde. São Paulo: Hucitec, 2008.

_____. A Construção de novos paradigmas na medicina: a medicina alternativa


e a medicina complementar. . In: CANESQUI, A. M. (Org.). Ciências sociais e
Saúde para o Ensino Médico. São Paulo: Fapesp, 2000. p. 201-213.

BENEVIDES, I. Histórico da Medicina Antroposófica no Brasil: dos primeiros


anos até a fundação da ABMA. ABMA – Associação Brasileira de Medicina
Antroposófica, 3 out. 2017. Disponível em:
<http://abmanacional.com.br/memoria-abma/historico-da-medicina-
antroposofica-no-brasil-dos-primeiros-anos-ate-a-fundacao-da-abma/>. Acesso
em: 1 ago. 2019.

_____. Medicina e terapias antroposóficas em 12 anos da Política Nacional de


Práticas Integrativas e Complementares: Conceitos, normativas e resultados.
Arte Médica Ampliada, v, 1, p. 30-34, 2018.

BRASIL. Ministério da saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de


Atenção Básica. Revista Brasileira de Saúde da Família, ano IX, ed. especial,
2008.

CANÇADO M. R. R.; GONÇALVES, C. G.; SOARES I. A. Atendimentos em


Medicina Antroposófica no SUS (Sistema Único de Saúde) em Belo Horizonte.
Revista Arte Médica Ampliada, 2000.

DE SIMONE et al. Observatório dos serviços de medicina antroposófica no SUS


resulatdos parciais do monitoramento no período 2009-2011. LUZ, M. T;
AFONSO, V. W. (Orgs). Medicina Antroposófica como Racionalidade Médica
e prática integral de cuidado à saúde. Juiz de Fora: UFJF, 2014.

FOLLADOR, E. C. R. Medicina Antroposófica: um novo paradigma para as


questões da medicina moderna. Rev. Med., v. 92, n. 3, p. 166-72, 2013.

IBAÑEZ, N.; MARSIGLIA, R. Medicina e Saúde: um enfoque histórico. In:


CANESQUI, A. M. (Org.). Ciências sociais e Saúde para o Ensino Médico.
São Paulo: Fapesp, 2000. p. 49-73.

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IVAA – International Federation of Anthroposophic Medical Associations. The
System of Anthroposophic Medicine. Brussels: IVAA, 2014.

KIENLE, G. S. et al. Anthroposophic Medicine: An Integrative Medical System


Originating in Europe. Global Advances in Health and Medicine, v. 2, n. 6, p.
20-31, 2013.

LUZ, M. T. Cultura contemporânea e medicinas alternativas: novos paradigmas


de saúde no fim do século XX. Physis (Rev. Saúde Coletiva), supl. 15, p. 145-
176, 2005.

_____. Medicina e Racionalidades Médicas: estudo comparativo da Medicina


Ocidental Contemporânea, Homeopática, Tradicional Chinesa e Ayurvédica. In:
CANESQUI, A. M. (Org.). Ciências sociais e Saúde para o Ensino Médico.
São Paulo: Fapesp, 2000. p.181-200.

LUZ, M. T; AFONSO, V. W. (Orgs). Medicina Antroposófica como


Racionalidade Médica e prática integral de cuidado à saúde. Juiz de Fora:
UFJF, 2014.

WHO – World Health Organization. Global strategy on traditional and alternative


medicine. Public Health Reports, v. 117, n. 3, p. 300-1, 2002.

_____. Traditional Medicine Strategy: 2014-2023. Hong Kong: WHO, 2013.

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AULA 2

ANTROPOSOFIA APLICADA À
SAÚDE

Profª Iracema de Almeida Benevides


TEMA 1 – OS QUATRO MEMBROS ESSENCIAIS OU QUADRIMEMBRAÇÃO

O objetivo desta aula é apresentar os conceitos básicos que orientam o


sistema e explorar a compreensão sobre saúde e doença nessa perspectiva.
A Medicina Antroposófica, em sentido amplo, é reconhecida como um
sistema médico terapêutico integrativo e complementar, de caráter
multiprofissional (ou “multimodal”), desenvolvido na Europa, no início do século
XX, que amplia o conhecimento acadêmico na área da saúde com os
conhecimentos inspirados na Antroposofia. Atualmente, está presente em mais de
sessenta países, nos diferentes níveis do sistema: ambulatórios, consultórios e
clínicas (atenção primária em saúde), hospitais de pequeno, médio e grande
portes (secundário e terciário), sejam públicos ou privados. Está presente também
no currículo acadêmico de algumas universidades e acumula um extenso número
de investigações científicas.
Em sentido mais específico, a expressão Medicina Antroposófica também é
utilizada para conceituar a atuação de profissionais médicos que integram os
recursos dessa abordagem em sua prática clínica, possibilidade aberta tanto a
médicos generalistas quanto a especialistas. Conforme descrito anteriormente,
além da medicina, outras profissões foram ampliadas ou mesmo desenvolvidas
com base na Antroposofia: Enfermagem Antroposófica, Massagem Rítmica,
Terapias Corporais Antroposóficas, Terapia Artística Antroposófica, Euritmia
Terapêutica, Psicoterapia e Psicologia Antroposófica, Aconselhamento Biográfico,
Odontologia, entre outras.
Um dos princípios norteadores do cuidado ampliado pela Antroposofia é
considerar o paciente o centro do cuidado e um agente de sua própria saúde. As
diferentes profissões da saúde e as terapias antroposóficas oferecem muitas
possibilidades de cuidado que podem ser integradas aos tratamentos
convencionais, com resultados benéficos. Elas têm em comum a imagem do ser
humano proposta pela Antroposofia, e que será apresentada a seguir.
Assim como outros sistemas complexos tradicionais, a Medicina
Antroposófica tem um conjunto de definições e conceitos que compõe as bases
de sua epistemologia. Luz (2014) definiu Medicina Antroposófica como uma
racionalidade médica. O conceito de um ser humano com quatro membros
essenciais ou quadrimembração é um dos pilares fundamentais dessa
racionalidade.

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A Antroposofia resgata alguns conceitos desenvolvidos na Grécia Antiga
para descrever uma imagem ampliada do ser humano e de sua relação com a
natureza e o universo: um microcosmo em relação com o macrocosmo. Um
desses conceitos, muito conhecido e presente na obra de Hipócrates (460 – 370
ac), é o dos quatro elementos constituintes do universo e de todas as criaturas:

• Terra: elemento físico, inorgânico. Estrutura. Dimensão espacial.


• Água: elemento líquido, fluidez. Vida. Dimensão temporal.
• Ar: elemento gasoso, difusão, movimento. Dimensão do movimento.
• Fogo: elemento calor, permeação pelo calor (condução). Dimensão da
identidade.

Cada um dos elementos constitui “um reino” da natureza: mineral (minerais,


metais), vegetal (plantas), animal e humano. O ser humano apresenta-se, nessa
perspectiva, como o quarto reino da natureza, apresentando características de
todos os três anteriores, mas formando um reino com qualidades diferenciadas,
como será explicado a seguir.
Com base no conceito de quatro elementos e quatro reinos, podemos
vislumbrar o ser humano como sendo composto de quatro diferentes
organizações ou “corpos”:

• Organização física ou corpo físico: formada por substâncias físicas,


minerais, inorgânicas. Responsável por dar estrutura e sustentação. Ocupa
o espaço (Dimensão espacial). Os minerais e metais são os representantes
desse reino.
• Organização vital ou corpo elétrico: formada por líquidos. Possui fluidez e
é capaz de “dissolver” os minerais. Responsável pela vida e pelos
processos de crescimento e regeneração. Organismo biológico. Esses
processos acontecem em uma dimensão temporal. Os vegetais são os
representantes desse reino.
• Organização anímina ou corpo astral: formada pelo elemento gasoso.
Permeia as dimensões física e vital e cria espaço interno. Representa
movimento e consciência. Interior e Exterior. Simpatia e antipatia.
Responsável pela vida sensorial, psíquica e emocional. A comunicação
entre o espaço interno e externo cria movimento. Os animais são
representantes desse reino.
• Organização calórica ou organização do Eu: formada pelo elemento do

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calor, é responsável pela individualização de cada ser humano, pela
dimensão da identidade e da autoconsciência. Representa o pensar lógico,
a criatividade e a dimensão da espiritualidade. Os seres humanos são
representantes desse reino.

Esses conceitos podem ser vistos esquematicamente no quadro abaixo:

Quadro 1 – Quatro reinos

Reino mineral Reino vegetal Reino animal Ser humano

Individualidade ou
organização do “Eu”
Organização anímica ou
corpo astral
Organização vital ou corpo
etérico
Corpo físico, mineral

Kienle et al. (2013) apresentam esse tema como forças formativas:


O organismo humano não é apenas formado por forças físicas
(celulares, moleculares), mas por um total de quatro níveis de forças
formativas: (1) forças formativas físicas; (2) forças formativas de
crescimento que interagem com as forças físicas e produzem e mantêm
a forma viva, como nas plantas; (3) uma classe adicional de forças
formativas (anima, alma) que interage com as forças de crescimento e
com as forças físicas, criando a dualidade do interno-externo e dos
sistemas sensitivos, motores, nervosos e circulatórios como é visto nos
animais; (4) uma classe adicional de forças formativas (Geist, espírito)
que interage com as três outras e apoia a expressão da mente individual
e a capacidade de pensamento reflexivo, que é exclusiva dos seres
humanos.

A organização do Eu pode ser comparada a um maestro que rege a si


mesmo e a outras três organizações, criando uma unidade. É próprio da natureza
do calor permear e integrar tudo ao seu redor, assim como o Sol aquece a Terra
e possibilita que os processos de vida se desenvolvam. Assim também atua o “Eu”
humano em relação a alma, corpo vital (ou etérico) e corpo físico: aquece,
permeia, integra, modera e coordena.

TEMA 2 – TRÊS GRANDES SISTEMAS FUNCIONAIS OU TRIMEMBRAÇÃO

Tendo compreendido os quatro membros essenciais do ser humano, é


necessário abordar um segundo conceito fundamental na perspectiva da
Antroposofia: a natureza ternária do ser humano. A Antroposofia identifica três
grandes sistemas funcionais, que coincidem com três grandes regiões corporais:
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1. Cabeça;
2. Tronco (tórax);
3. Abdome e membros.

Cada uma dessas partes tem características anatômicas e funcionais


bastante diversas.
Essas três regiões corporais constituem-se “sistemas” e apresentam
denominação específica:

2.1 Região da cabeça – sistema neurossensorial

Predomínio da forma esférica. Configura o polo “frio” do organismo


humano. No âmbito anatômico, o crânio possui forma esférica e é formado por
ossos largos e achatados, abrigando o sistema nervoso central. Esse órgão
responsável pelos processos de consciência é muito especializado e tem baixo
índice de regeneração. Esse é um indicador de que os processos metabólicos e
vitais são reduzidos nessa região. Por meio dos órgãos dos sentidos e das
transmissões nervosas, o mundo externo é assimilado. As percepções marcam a
direção das forças nessa região: de dentro para fora. No âmbito da alma, essa é
a região que possibilita a existência do pensar.

Na região cefálica, as forças são


centrípetas. Nesse sentido, há
predomínio das forças de
contração.

2. Região do tórax – sistema rítmico

Alternância entre forma esférica e radiada. Alternância entre contração e


expansão. Equilíbrio entre “quente” e “frio”. O tórax humano é formado pelas
costelas e pela coluna torácica. Essa estrutura óssea “em grade” forma uma
verdadeira caixa de proteção que abriga dois órgãos vitais: coração e pulmão. A
estrutura óssea é móvel e permite que o pulmão realize plenamente o processo
da respiração por meio da inspiração e expiração. O coração também é um órgão
em permanente motilidade, com ritmo, contração e expansão, sístole ediástole.
No âmbito da alma, ou anímico, essa é a região responsável pelo sentir. A
literatura consagrou o coração como o órgão do sentir, dando origem a diversas

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expressões linguísticas (ex: O amor não se vê com os olhos mas com o coração
– Willian Shakespeare).

Na região torácica as forças


são equilibradas: centrífugas
e centrípetas. Contração e
expansão estão em
permanente alternância.
Quente e frio.

3. Região do abdome e membros – sistema metabólico-motor

Predomínio das forças centrífugas e da forma radiada (membros). Polo


“quente”. As regiões do abdome e da pelve concentram os órgãos digestivos e
reprodutivos. Os órgãos do aparelho digestivo estão em permanente movimento.
Os órgãos reprodutivos estão entre aqueles de maior vitalidade. Os membros são
estruturas longilíneas e radiadas que se caracterizam por ter ossos no interior,
recobertos por músculos e outras estruturas. Por meio dos membros, o ser
humano atua no mundo externo. Esse é o polo da ação (volição, querer). Embora
as diferenças anatômicas sejam marcantes, essas regiões apresentam
características comuns: constituem o polo “quente” do organismo, com
predomínio da vitalidade.

Na região abdominal e dos


membros as forças são
centrífugas. Esse é o polo
da expansão, do
metabolismo e da vitalidade.
É o polo” quente”.

Kienle et al. descrevem a integração dos conceitos de quatro organizações


e três sistemas:

Quando os quatro níveis de forças formativas são integrados com a


polaridade humana do movimento motor ativo e da percepção sensória
passiva, entra em vigor a trimembração do ser humano. Ela abarca três
sistemas principais: dois polares um ao outro (sistema neurossensorial
e sistema metabólico-motor) e um intermediário (sistema rítmico). Esses
subsistemas estão espalhados por todo o organismo, mas predominam
em determinadas regiões: o sistema neurossensorial na região da
cabeça, o sistema metabólico-motor nos membros, e o sistema rítmico
nos órgãos respiratórios e circulatórios, na região do “meio”. Considera-

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se que os quatro níveis de forças formativas se inter-relacionam
diferentemente nesses três subsistemas. No sistema neurossensorial,
os dois níveis superiores de forças (alma, espírito) estão relativamente
separados dos dois outros níveis inferiores, e isso provê as condições
que originam os processos de autoconsciência, de percepções
conscientes, e de pensamento consciente. No sistema metabólico-
motor, a interpenetração é mais próxima, provendo assim as condições
à execução dos movimentos corpóreos intencionais. No sistema rítmico,
as inter-relações entre os níveis superior e inferior flutuam em relação
ao aumento ou à diminuição da conexão e isso se associa à origem das
emoções; a interpenetração aumenta durante os processos rítmicos
pulmonares da inspiração e diminui durante a expiração. O modelo da
constituição humana trimembrada leva a reinterpretações distintas dos
ensinamentos da fisiologia convencional.

Essa configuração pode ser melhor vista na imagem abaixo:

TEMA 3 – PRINCÍPIOS DA BIOGRAFIA HUMANA

Um terceiro pilar para a compreensão do ser humano à luz da Antroposofia


consiste no conhecimento das leis biográficas. Já alcançamos um mapa bastante
complexo: o ser humano, com quatro níveis de organizações (ou corpos) que
funcionam de forma diferenciada em três regiões ou sistemas: neurossensorial,
rítmico e metabólico. O próximo passo é compreender como esses processos
acontecem no tempo, de acordo com as leis biográficas. Para compreender o
panorama biográfico humano, é importante considerar três curvas:

1. Curva do desenvolvimento físico-vital (corpo físico e etérico);


2. Curva do desenvolvimento anímico (alma);
3. Curva do desenvolvimento espiritual (Eu).

O diagrama abaixo busca representar essas três curvas por meio de


semicírculos invertidos, com pontos de intercessão. O semicírculo convexo está
abaixo e representa a curva do desenvolvimento físico-vital (corpo físico e etérico).
O semicírculo côncavo está acima e representa a curva da organização do Eu. A
curva do desenvolvimento anímico (ou da alma, psiquê), a princípio, deve ser
representada como uma curva, com fase em platô, que pode ter diferentes
caminhos de desenvolvimento ao longo da vida.

7
Figura 1 – Curvas dos desenvolvimentos

Curva do EU “a”

Curva anímica

Curva físico-biológica “c”

“b”
0 7 14 21 28 35 49 56 63
42

Linha do tempo

Cada setênio cria oportunidade para o desenvolvimento de determinadas


qualidades humanas. Os três primeiros setênios são voltados para o
desenvolvimento do corpo (0 a 7 anos), da estrutura para a vida psíquica e
emocional (7 a 14 anos) e da identidade (14 a 21 anos). A partir dos 21 anos, com
a finalização do amadurecimento biológico, com relativo amadurecimento psico-
emocinal e com a chegada do “Eu”, inicia-se a fase adulta propriamente dita.
Entre os 21 e os 42 anos, de maneira geral, os processos vitais estão
estáveis. A representação ideal para as forças do corpo físico e vital seria, em
verdade, um platô. Esses setênios são marcados por algumas realizações:
viagens, estudos, profissão, relacionamentos, filhos. A alma passa por diversas
experiências e transformações, adquirindo maior conhecimento de si própria e dos
processos humanos. Ao final do sexto setênio, as forças vitais começam a se
desligar do corpo físico e tornam-se mais disponíveis para “vitalizarem” os
processos de desenvolvimento no âmbito da alma. Ela segue a curva físico vital
por algumas décadas (platô). Com o declínio das forças vitais na maturidade, as
forças da alma podem seguir três caminhos: ela pode acompanhar organização do
Eu (”a”) e conectar-se mais aos aspectos espirituais, pode ficar neutra (“b”), não
se desenvolvendo, ou pode ligar-se demasiado ao desenvolvimento físico-vital e
acompanhar o semicírculo inferior (“c”). Nesse caso, a alma fica aprisionada pela
percepção do envelhecimento físico.

8
Por volta do nono setênio, a alma sofre o desafio de superar a identificação
com o início do envelhecimento na organização biológica e pode abrir-se a um
maior desenvolvimento espiritual. Todas essas situações estão colocadas como
possibilidades e cada individualidade terá o seu próprio percurso biográfico.

TEMA 4 – SAÚDE E DOENÇA NA PERSPECTIVA DA MEDICINA


ANTROPOSÓFICA

Uma visão global do ser humano à luz da Antroposofia foi apresentada nos
temas um, dois e três: quatro membros essenciais (quatro corpos, quatro
elementos), três sistemas funcionais (neurossensorial, rítmico e metabólico),
desenvolvimento integrado de corpo, alma e espírito que acontece no tempo, em
períodos de setênios.
A compreensão do processo saúde e doença na perspectiva desse sistema
médico-terapêutico passa pela identificação de desequilíbrios que afetam tais
processos.

a. Desequilíbrio na relação entre os quatro membros essenciais: entre as


forças que configuram as organizações física, vital, anímica e organização
do Eu.
b. Desequilíbrio nas forças que predominam em cada polo dos sistemas da
trimembração: deslocamento das forças para polos opostos, processos de
calor e frio deslocados, excesso de contração ou expansão, ausência de
ritmo.
c. Desarmonia no desenvolvimento biográfico: fases biográficas são
suprimidas, saltadas ou adiantadas. O indivíduo fica estagnado. As forças
vitais não estão disponíveis ou não são metamorfoseadas.

Em breve esses processos serão apresentados em maior profundidade.

TEMA 5 – ESTUDOS E PESQUISAS EM MEDICINA E TERAPIAS


ANTROPOSÓFICAS

As primeiras pesquisas em Medicina Antroposófica foram iniciadas pela


própria Dra. Ita Wegman e pioneiros, nos anos 1920. Ao longo de cem anos de
existência, foi possível reunir um conjunto consistente de estudos e pesquisas no
campo da Medicina Antroposófica, com diferentes perspectivas e metodologias.

9
Ainda segundo Kienle, 2014:

Nos últimos trinta anos, as atividades de pesquisa têm crescido de modo


consistente, incluindo a pesquisa laboratorial, os estudos pré-clínicos, os
estudos clínicos e observacionais, a pesquisa epidemiológica, a
avaliação de segurança, a análise econômica, a avaliação da
perspectiva do paciente, as revisões sistemáticas, as meta-análises e os
relatos de avaliação de tecnologia de saúde (HTA, Health-Technology
Assessment Report). Um trabalho intenso tem sido realizado no campo
da metodologia, com ênfase na avaliação da terapia individualizada,
incluindo a melhora sistemática da avaliação dos relatos de caso.13
Foram estabelecidos centros de pesquisa em hospitais e em centros
universitários antroposóficos.

Esses estudos, que estão publicados em revistas indexadas, foram


reunidos e organizados tematicamente no site da Seção Médica do Goetheanum,
disponível em: <https://medsektion-goetheanum.org/en/research/>

10
REFERÊNCIAS

GIRKE, M. Medicina interna: fundamentos e conceitos terapêuticos da medicina


antroposófica. São Paulo: João de Barro, 2014.

JUSTO, A. A.; BURKHARD, G. K. Biografia e doença: abordagem biográfica de


pacientes com doenças crônicas. São Paulo: Antroposófica, 2014.

KIENLE, G.S.; ALBONICO, H. U.; BAARS, E.; HAMRE, H.J.; ZIMMERMANN, P.;
KIENE, H. Anthroposophic Medicine: An Integrative Medical System Originating in
Europe. Global Advances in Health and Medicine, 2013, v. 6, n. 2, p. 20-31.

MORAES, W. A. Medicina antroposófica: um paradigma para o século XII. Belo


Horizonte: Associação Brasileira de Medicina Antroposófica, 2015.

VALE MCC. Anexo 2. A fisiologia na Medicina Antroposófica: contribuição ao


Projeto Medicina Antroposófica, Racionalidade Médica. In: LUZ, M. T.; AFONSO,
V. W. (Org.). Medicina antroposófica como racionalidade médica e prática
integral de cuidado à saúde. Juiz de Fora: UFJF, 2014.

11
AULA 3

ANTROPOSOFIA
APLICADA À SAÚDE

Profª Iracema de Almeida Benevides


INTRODUÇÃO

O objetivo desta aula é apresentar as diferentes formas de atuação e como


as profissões da saúde podem desenvolver seu trabalho a partir de uma formação
específica.
Desde seu surgimento na Europa, no início do século XX, a Medicina
Antroposófica realiza suas ações numa perspectiva multiprofissional. Fizeram
parte do impulso inicial a criação de uma farmácia ampliada pela Antroposofia e a
produção de medicamentos antroposóficos. A dra. Ita Wegman impulsionou
pessoalmente o desenvolvimento da massagem rítmica e da enfermagem
orientada pela Antroposofia, como abordagens terapêuticas que partem da
dimensão corporal (organização física e vital) para o bem-estar do todo.
Atuando a partir do âmbito do sentir, foi desenvolvida, inicialmente, a
Terapia Artística Antroposófica relacionada às artes plásticas. Posteriormente
vieram outras abordagens artísticas baseadas em conceitos da antroposofia –
cantoterapia, musicoterapia e terapia da fala. Somam-se a isso também uma
Psicoterapia Antroposófica, compreendendo aspectos da psicologia e da
medicina. A Euritmia Terapêutica integrou o escopo das primeiras profissões
desenvolvidas e apresenta uma abordagem mente-corpo que integra a arte do
movimento e da fala.
Ao longo de 100 anos de existência, o sistema da Medicina Antroposófica
vem se ampliado, e novas profissões, especialidades e abordagens em saúde
orientadas pela Antroposofia, passaram a fazer parte dele.

TEMA 1 – A MEDICINA E A FARMÁCIA ANTROPOSÓFICAS

O surgimento de uma medicina orientada pela Antroposofia um século atrás


trouxe a necessidade, quase que simultânea, de desenvolver medicamentos que
servissem a essa nova proposta, tendo como orientação os mesmos conceitos
sobre o ser humano e a natureza. Assim, desde os primeiros anos, a medicina e
a farmácia andam sempre próximas e continuam o trabalho de aprimoramento da
terapêutica medicamentosa.

2
1.1 A Medicina Antroposófica e os médicos

Os médicos que orientam sua prática clínica com base na Medicina


Antroposófica – tanto os generalistas quanto os especialistas – realizaram
inicialmente a formação médica convencional e, posteriormente, ampliaram seu
conhecimento com a imagem antroposófica do ser humano e do mundo. Essa
formação consiste em uma pós-graduação que pode durar entre dois e cinco anos,
dependendo do país e do modelo pedagógico. As recomendações internacionais
mais recentes estabelecem um currículo de 1.000 horas/aula, distribuídas em
diferentes atividades teóricas e práticas. No Brasil, a formação é realizada pela
Associação Brasileira de Medicina Antroposófica, por meio de suas Regionais, e
seguem as orientações internacionais.
Os médicos que optam por essa área o fazem, em geral, por encontrar na
Antroposofia algumas respostas para os limites da terapêutica na medicina
convencional, para a humanização da medicina e o sentido do ser médico, da
própria existência pessoal e também por uma busca por realizar uma medicina
que considera o ser humano de forma integral, como corpo, alma e espírito.
Na realidade, a Medicina Antroposófica apresenta uma possibilidade única
de encontro médico-paciente, que pode ser extremamente gratificante para
ambos, por considerar a individualidade de cada paciente (e de cada médico).
Outro aspecto é a compreensão de que os seres humanos estão em processo
contínuo de desenvolvimento. Assim, cada encontro é um novo encontro para
ambos.
Com vistas a aperfeiçoar os sentidos e a percepção dessas nuances, a
formação em Medicina Antroposófica inclui atividades artísticas (artes plásticas,
canto, modelagem) e aprendizagem de um método específico de observação
baseado nos estudos do escritor, poeta e naturalista alemão, Goethe. Tal método
permite compreender o “todo” do objeto ou ser vivo em estudo.
Com relação à terapêutica, as possibilidades são muito diversificadas.
Segundo a Associação Brasileira de Medicina Antroposófica (ABMA):

A abordagem terapêutica pode incluir medidas não medicamentosas


gerais ou específicas e indicação de tratamentos complementares pelas
terapias antroposóficas, como também a combinação de medicamentos
antroposóficos, homeopáticos, fitoterápicos ou convencionais. A
salutogênese é um componente muito relevante da Medicina
Antroposófica.
Os medicamentos antroposóficos podem ser utilizados sob a forma de
medicação oral, injeções subcutâneas ou intravenosas. Alguns

3
tratamentos externos consistem em envoltórios, compressas e banhos
com o uso de calor, movimentos e ou óleos essenciais de algumas
plantas.
Atuando de forma interdisciplinar com outras áreas da saúde e terapias
ampliadas pela Antroposofia, a abordagem do paciente pode ser
realizada em conjunto com profissionais que atuam por meio da
Odontologia Ampliada pela Antroposofia, Psicologia Antroposófica,
Euritmia Terapêutica, Massagem Rítmica, Terapia Artística
Antroposófica, Aconselhamento Biográfico, entre outras. (ABMA, [s.d.])

Saiba mais
Se você deseja conhecer mais a respeito da Associação Brasileira de
Medicina Antroposófica (ABMA), sua atuação e sua história, bem como os
princípios que baseiam a Medicina Antroposófica, vale conhecer o site da
organização. Ele está disponível em: <http://abmanacional.com.br/>. Contatos
também com a ABMA podem ser feitos por meio do seguinte e-mail:
abma@abmanacional.com.br.

1.2 A Farmácia, o farmacêutico e os medicamentos antroposóficos

Os primeiros medicamentos produzidos de acordo com a concepção


antroposófica do ser humano e da natureza vieram ao mundo quase que
concomitante com o surgimento da Medicina Antroposófica pelas mãos de
farmacêuticos e químicos. Estes, seguindo recomendações de Rudolf Steiner,
colocaram-se a serviço desse desenvolvimento, trabalhando em conjunto com a
dra. Ita Wegman e outros médicos antroposóficos. “A maneira pela qual
transformamos as substâncias é o essencial. Por isso é necessário deixar de
pensar na busca do medicamento somente centrando a atenção na própria
substância” (Steiner).
Os princípios da Farmácia Antroposófica foram descritos pela Associação
Internacional de Farmacêuticos Antroposóficos e consideram alguns aspectos
essenciais, entre eles:

• O ser humano e a natureza estão estreitamente relacionados em sua


origem, por isso substâncias e forças dos reinos da natureza podem vir a
ser remédio para o ser humano;
• A Farmácia Antroposófica dedica-se à compreensão destas substâncias e
forças naturais e do desenvolvimento de processos farmacêuticos
específicos que possibilitem a confecção de medicamentos que auxiliem o
ser humano na recuperação da saúde e manutenção do bem-estar.

4
No Brasil, a Associação que congrega e representa a Farmácia
Antroposófica é a Farmantropo, responsável também pela formação e certificação
dos profissionais.

Os medicamentos antroposóficos são produzidos de forma industrial ou


magistral, devendo obedecer a critérios de qualidade condizentes com
as farmacopeias. Os medicamentos não são desenvolvidos e produzidos
segundo o interesse das instituições produtoras, mas resultam do
trabalho científico conjunto entre médicos e farmacêuticos, sendo o
relacionamento entre as entidades médico-antroposóficas e as
instituições produtoras de cunho puramente científico e não de natureza
econômica. Os profissionais farmacêuticos capazes de exercer a
farmácia antroposófica devem ser formados por faculdades de farmácia
oficialmente reconhecidas e terem participado de cursos de
especialização e formação em farmácia antroposófica. (Farmantropo,
[s.d.], p. 3)

No Brasil, a especialidade foi reconhecida pelo Conselho Federal de


Farmácia (CFF) por meio da Resolução n. 465, de 24 de julho de 2007.
Conforme descrito anteriormente, os medicamentos antroposóficos foram
inicialmente regulamentados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), por meio da RDC n. 26/2007 e, em 2018, foram revisados e detalhados
nos documentos regulatórios RDC 238/2018, IN 25/2018, IN 26/18 e 27/2018.

Saiba mais
Para descobrir um pouco mais sobre a Farmácia Antroposófica, uma boa
sugestão é conhecer o site da Associação Brasileira de Farmácia Antroposófica.
O link está disponível em: <www.farmantropo.com.br>. Contatos com a
organização podem ser feitos por meio do seguinte endereço eletrônico:
farmantropo@farmantropo.com.br.

TEMA 2 – PROFISSÕES DA SAÚDE AMPLIADAS PELA ANTROPOSOFIA

A princípio, todas as profissões da saúde podem ser ampliadas pela


compreensão antroposófica da saúde e da doença – isso que vem acontecendo
ao longo do tempo. Algumas profissões, no entanto, já estão mais desenvolvidas
e reconhecidas, ao passo que outras estão em processo para alcançar tal
condição.

2.1 Enfermagem Ampliada pela Antroposofia

O profissional da enfermagem que orienta seu trabalho pela Antroposofia


deve estar regularmente registrado no órgão profissional competente e atua

5
ampliando a prática da enfermagem convencional com técnicas, processos e
atitudes da Enfermagem Antroposófica. Esta foi assim descrita por Rolf Heine
(2018, tradução da autora):

Os cuidados de enfermagem apoiam pessoas saudáveis e doentes no


atendimento de suas necessidades físicas, mentais, espirituais e sociais,
como elas fariam se pudessem fazê-lo por si mesmas. A intenção é que
aqueles que dependem de cuidados externos possam (re) obter a maior
independência possível. A enfermagem profissional utiliza conhecimento
especializado para identificar e antecipar as necessidades de
enfermagem. As medidas de enfermagem são aplicadas com vistas a
seus efeitos e interações físicas, mentais, sociais e espirituais, e são
adaptadas à situação individual da pessoa carente. A preferência do
paciente é dada ênfase especial ao selecionar e planejar o que deve ser
feito.

A Enfermagem Antroposófica está em vias de desenvolver sua associação


profissional no Brasil.

2.2 Odontologia Integral Antroposófica

A Associação de Odontologia Integral Antroposófica é o órgão, no Brasil,


responsável pelo treinamento, reconhecimento e certificação dos dentistas
antroposóficos. Esses profissionais são registrados nos respectivos conselhos e
treinados para expandir os recursos clínicos e terapêuticos da odontologia
convencional com o conhecimento antroposófico do ser humano, das ciências da
saúde e da natureza.
O treinamento de pós-graduação é composto por 500 horas e visa à
aquisição de competências para realizar o diagnóstico e gerenciar o tratamento
de distúrbios e patologias bucais utilizando conceitos-chave e recursos
terapêuticos desenvolvidos no âmbito da Medicina Antroposófica e da
Odontologia.
A Odontologia Integral Antroposófica foi reconhecida pelo Conselho
Federal de Odontologia como habilitação em Odontologia
Antroposófica, publicado no Diário Oficial da União por meio da Resolução n.
165/CFO-2015.

Saiba mais
Dentistas interessados em aprofundar informações podem entrar em
contato com a Associação Brasileira de Cirurgiões-Dentistas Integrais
Antroposóficos (Ideia) por meio do e-mail. Quem deseja conhecer um pouco mais
a respeito da Odontologia Antroposófica pode conferir o seguinte link:

6
<http://www.odontologiaantroposofica.com.br/apresentacao.html>. Acesso em:
20 fev. 2020.

2.3 Psicologia Antroposófica

No Brasil, a Associação Brasileira de Psicólogos Antroposóficos (ABPA) é


a entidade que representa e apoia os psicólogos que orientam sua prática
profissional de acordo com a Antroposofia, considerando as diversas áreas de
atuação como psicologia clínica, hospitalar, escolar, social e do trabalho e outras.

A Psicologia Antroposófica pressupõe a compreensão e o estudo da


alma (anima ou psique) e dos fenômenos psíquicos do comportamento
e relacionamento humano, compreendidos em sua dinâmica relação
com os âmbitos físico, ou seja, potencialidades e vulnerabilidades que
se manifestam fisicamente e influenciam o ritmo de vida e a vitalidade; e
espiritual, os referenciais filosóficos e culturais, que oferecem a base
para a visão pessoal de mundo, definindo escolhas e valores pessoais
que determinam a singularidade da individualidade.
[...]
A Psicologia Antroposófica tem como cerne da sua atuação profissional,
a relação terapeuta-paciente, o encontro humano. Este encontro de
profundo respeito, aceitação e devoção pelo processo de
desenvolvimento do paciente será construído através de ciência,
referenciais teórico-técnicos da Psicologia; arte, recursos artísticos e
expressivos; e espiritualidade, trabalho com valores, princípios, crenças
e referenciais culturais, assumindo diferentes formas e dinâmicas, de
acordo com a idade, diagnóstico e o grau de comprometimento psíquico
do paciente, sempre buscando o desenvolvimento integral do ser
humano. (Cima, [s.d.])

Saiba mais
Psicólogos interessados em conhecer mais a respeito da Psicologia
Antroposófica podem entrar em contato com a Associação Brasileira de
Psicólogos Antroposóficos (ABPA). O e-mail da organização é:
contato@abpapsi.com.br. O site está disponível em: <www.abpapsi.com.br>.
Acesso em: 20 fev. 2020.

2.4 Psicoterapia Antroposófica

A Psicoterapia Antroposófica é uma área terapêutica para médicos e


psicólogos que inspiram sua atuação clínica nesse sistema integrativo. O Instituto
Brasileiro de Psicoterapia Antroposófica (IBPA), em Curitiba, coordena uma
formação profissional.

7
Saiba mais
Para quem deseja conhecer o trabalho de Psicoterapia Antroposófica, vale
a pena visitar a página do Instituto Brasileiro e Psicoterapia Antroposófica (IBPA)
no Facebook. Contatos também podem ser feitos por meio do e-mail:
contato@ibpanacional.org.br.

TEMA 3 – TERAPIAS CORPORAIS ANTROPOSÓFICAS

Terapias corporais antroposóficas compreendem um conjunto de


massagens terapêuticas (como massagem rítmica, massagem de acordo com a
dra. Ita Wegman, massagem de acordo com o dr. Simeon Pressel); aplicações
externas como hidroterapia (banhos de dispersão de óleo, de acordo com Werner
Junge, banhos de movimento rítmico); e terapias de movimento (como dinâmica
espacial).
Quem atua nessa área deve ser um profissional de saúde que amplie seus
conhecimentos e habilidades com treinamento em uma ou mais modalidades de
Terapia Corporal Antroposófica.

3.1 Massagem rítmica

A massagem rítmica no Brasil é representada e desenvolvida pela


Associação Asklépios, responsável também pela formação e certificação de
profissionais.

Desenvolvida a partir da massagem clássica, a massagem rítmica


incorpora princípios da antroposofia e traz em sua prática manipulações
próprias para fins distintos. Na massagem rítmica surgem toques que se
aplicam em torno de três qualidades básicas: a de sucção, do ritmo e da
leveza – a partir da compreensão do ser humano em quatro aspectos –
corpo físico (terra), etérico ou vital (água), anímico ou astral (gasoso) e
a Individualidade ou o Eu. (Massagem Rítmica, [s.d.])

Saiba mais
Para maiores informações sobre a massagem rítmica, confira o seguinte
endereço eletrônico: <https://www.massagemritmica.com.br/massagemritmica>.
Profissionais interessados devem procurar: Associação Asklépios – Rua Regina
Badra, 576, Alto da Boa Vista, São Paulo, SP, contato@massagemritmica.com.br.

8
TEMA 4 – TERAPIAS ARTÍSTICAS BASEADAS NA ANTROPOSOFIA

As terapias artísticas baseadas na Antroposofia utilizam pintura, desenho,


escultura, música, canto, fala e teatro como processos terapêuticos baseados no
conhecimento antroposófico do ser humano, ampliando esses recursos com
conceitos e técnicas antroposóficas.
Essas terapias são uma parte importante da Medicina Antroposófica e se
fundamentam na percepção integral do indivíduo e na abordagem terapêutica por
métodos e processos artísticos que respeitam o indivíduo e se alicerçam em um
relacionamento terapêutico.
A atividade artística criativa e “ativa” têm como princípio leis que atuam no
organismo humano como um todo e que compreendem elementos regenerativos
ou degenerativos, endurecedores ou dissolutivos, estimulantes ou calmantes.
Os pacientes são apoiados e incentivados pelos terapeutas a intervirem
ativamente no processo patológico de forma criativa e a abrir para si seus recursos
de cura. Essa maneira de trabalhar criativamente no próprio destino por meio do
desafio da doença é um motivo central durante o curso da arte-terapia como base
para a cura. Mediante o conhecimento da compreensão antroposófica do ser
humano, as abordagens da terapia artística antroposófica podem ser usadas para
benefício das funções físicas, vitais, fisiológicas, mentais e espirituais.
Os fundamentos das terapias artísticas antroposóficas foram
desenvolvidos desde 1921 até os dias atuais e continuam a sê-los no contexto da
Medicina Antroposófica, educação curativa e terapia social. São utilizados em
colaboração com médicos em tratamento ambulatorial e hospitalar, reabilitação e
prevenção de doenças físicas, psicossomáticas e psiquiátricas agudas e crônicas,
distúrbios do desenvolvimento e em crises biográficas, incluindo arte-terapia em
medicina intensiva e paliativa.
No Brasil existem algumas associações e formações na área:

• Terapia Artística Antroposófica: AURORA (<http://aurora.abtaa.org.br>)


e Associação Brasileira de Terapeutas Artísticos Antroposóficos (ABTAA)
(<contato@aurora.abtaa.org.br>).
• Cantoterapia – Escola Raphael de Canto e Cantoterapia e Associação
Sagres (<www.asssagres.org.br>).

9
TEMA 5 – EURITMIA TERAPÊUTICA

A euritmia terapêutica é uma terapia de movimento exclusiva do sistema


da Medicina Antroposófica. Foi descrita pela primeira vez em 1921 e tem sido
praticada por euritmistas e médicos em todo o mundo que vêm buscando
aprimorar e documentar cientificamente sua efetividade. Seus movimentos –
derivados da euritmia artística (desenvolvida em 1912) e desenvolvidos como
movimento terapêutico – estão relacionados a processos formativos no corpo. A
terapia é utilizada para apoiar a atividade funcional do organismo e seus
processos formativos.
A euritmia terapêutica é amplamente utilizada para várias doenças em
crianças e adultos, em algumas especialidades médicas (como oftalmologia) e
também na odontologia. A literatura científica sobre essa abordagem faz
referência, entre outros aspectos, a comparações com outros métodos de terapia
de movimento (como ioga), indicações cardiológicas (hipertensão, variabilidade
da frequência cardíaca), oncologia (fadiga relacionada ao câncer), estresse e
ansiedade.

Saiba mais
Conheça mais sobre a euritmia terapêutica por meio da Associação
Brasileira dos Euritmistas (Abre). O e-mail de contato com ela é:
abre.euritmia@gmail.com.

FINALIZANDO

Concluindo, podemos compreender que o sistema da Medicina


Antroposófica se constitui de maneira multidisciplinar e integrativa, apresentando
um amplo leque de possibilidades terapêuticas. Para os profissionais da área de
saúde, oferece muitos caminhos de desenvolvimento e atuação. Esta aula
considerou apenas algumas abordagens, centrando-se principalmente naquelas
que são reconhecidas pela Seção Médica no Goetheanum e que já estão
institucionalizadas por meio de associações profissionais ou escolas de formação.

Saiba mais
Para saber mais sobre as diversas possibilidades relacionadas à
Antroposofia, sugerimos que você visite o site da Sociedade Antroposófica no

10
Brasil, que está disponível em: <http://www.sab.org.br/portal/>. Acesso em: 20 fev.
2020.

11
REFERÊNCIAS
ABMA – Associação Brasileira de Medicina Antroposófica. Uma medicina
integrativa. [S.d.]. Disponível em: <http://abmanacional.com.br/institucional/a-
medicina-antroposofica/uma-medicina-integrativa/>. Acesso em: 03 fev. 2020.

ABPA – Associação Brasileira de Psicólogos Antroposóficos. Disponível em:


<www.abpapsi.com.br>. Acesso em: 03 fev. 2020.

BOTT, V. Medicina Ampliada. Princípios da Antroposofia nos cuidados


integrativos em saúde. São Paulo: Editora AAER/Ad Verbum, 2018.

CIMA – Comitê Ibero Americano Multidisciplinar Antroposófico. Psicologia


Antroposófica. [S.d.]. Disponível em:
<https://cimabrasil.blogspot.com/search/label/Psicologia%20Antropos%C3%B3fi
ca>. Acesso em: 03 fev. 2020.

FARMANTROPO – Associação Brasileira de Farmácia Antroposófica. Farmácia


Antroposófica. [S.d.]. Disponível em:
<http://www.farmantropo.com.br/farmacia_antroposofica/Farmacia_Antroposofic
a.pdf>. Acesso em: 03 fev. 2020.

GIRKE, M. Medicina Interna. Fundamentos e conceitos terapêuticos da Medicina


Antroposófica. São Paulo: Editora João de Barro, 2014.

HEINE, R. Anthroposophic nursing. Anthromedics, 18 jul. 2018. Disponível em:


<https://www.anthromedics.org/PRA-0415-EN>. Acesso em: 03 fev. 2020.

IDEIA – Associação Brasileira de Cirurgiões-Dentistas Antroposóficos.


Apresentação. [S.d.]. Disponível em:
<http://www.odontologiaantroposofica.com.br/apresentacao.html>. Acesso em:
03 fev. 2020.

KIENLE, G. S. et al. Anthroposophic Medicine: An Integrative Medical System


Originating in Europe. Global Advances in Health and Medicine, v. 2, n. 6, p.
20-31, 2013.

MASSAGEM RÍTMICA. Curso de Formação Massagem Rítmica. [S.d.].


Disponível em: <https://www.massagemritmica.com.br/massagemritmica>.
Acesso em: 03 fev. 2020.

MORAES, W. A. Medicina Antroposófica: um paradigma para o século XII. Belo


Horizonte: Associação Brasileira de Medicina Antroposófica, 2015.

12
SAB – Sociedade Antroposófica do Brasil. [S.d.]. Disponível em:
<http://www.sab.org.br/portal/>. Acesso em: 03 fev. 2020.

13
AULA 4

ANTROPOSOFIA
APLICADA À SAÚDE

Profª Iracema de Almeida Benevides


CONVERSA INICIAL

O objetivo da quarta aula deste curso de introdução à Medicina e Terapias


Antroposóficas é apresentar como esse sistema de caráter multiprofissional pode
contribuir para o cuidado em saúde, de forma integrada e complementar à
abordagem convencional em saúde.
Ao longo de um século de existência, a Medicina antroposófica alcançou
ser desenvolvida em todas as áreas da saúde e da medicina, compreendendo os
níveis de atenção à saúde primário, secundário e terciário, conquistando bons
resultados e reconhecimento. Essa situação é possível exatamente pelo fato de
tratar-se de uma ampliação da própria medicina convencional e ser praticada por
profissionais com formação acadêmica prévia.
Recentemente, a Seção Médica no Goetheanum, órgão responsável pela
coordenação, desenvolvimento e aperfeiçoamento da Medicina Antroposófica em
âmbito mundial, vem buscando identificar as maiores necessidades dos nossos
tempos e áreas em que essa abordagem possa contribuir de forma mais relevante
e oportuna, com seu olhar ampliado para o ser humano e os temas de saúde e
doença.
Foi então desenvolvido o conceito de áreas “CARE”, que na língua inglesa
significa “cuidado”. Cinco áreas foram consideradas como aquelas em que a
Medicina e Terapias Antroposóficas possuem uma compreensão clara e
estratégias de abordagem bem definidas e validadas, podendo contribuir de
maneira decisiva e com recursos acessíveis, para um resultado melhor.
São elas:

• CARE 1: Gravidez, nascimento e primeira infância. Pessoas com


deficiência;
• CARE 2: Tratamento de febres e infecções febris, tendo em vista a
resistência a antibióticos;
• CARE 3: Distúrbios do sono, formas comuns de ansiedade e depressão,
distúrbios de estresse pós-traumático;
• CARE 4: Oncologia;
• CARE 5: Cuidados paliativos, terapia da dor, acompanhamento de
pacientes que estão morrendo.

Esta aula contemplará uma introdução aos tópicos CARE.

2
TEMA 1 – CARE 1: GRAVIDEZ, NASCIMENTO E PRIMEIRA INFÂNCIA.
PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Esse tema tem relação com o começo da vida, considerando a vida


intrauterina e os primeiros anos, em especial os primeiros sete anos. Considera
ainda o cuidado e apoio ao desenvolvimento das crianças e pessoas com
deficiência.

1.1 Gestação e nascimento

As contribuições da Medicina e Terapias Antroposóficas nessa fase da vida


da mãe e do bebê são muito amplas. Trata-se de uma fase em que o corpo físico
da criança está sendo formado, abrigado no interior do corpo materno.
A primeira perspectiva apresentada aqui será a da criança que está sendo
gerada. A partir da Antroposofia pode-se compreender que o ser humano, com
sua dimensão espiritual, é o artista e autor que vai moldar sua própria casa futura,
usando o “material” genético dos pais, o aconchego e a nutrição maternos.
Na Aula 2, foi apresentado como o ser humano é constituído por quatro
dimensões ou elementos constituintes: corpo físico, corpo vital ou etérico, corpo
astral e “Eu”.
Estes quatro elementos constituintes estão presentes desde a gestação:

• O saco vitelino está intimamente ligado ao aspecto físico do corpo (nutrição,


hereditariedade).
• O âmnio e o líquido amniótico representam uma proteção vital para o feto,
criando uma atmosfera “antigravitacional”. O relacionamento do âmnio com
a organização da vida humana, o corpo etérico, é uma conclusão óbvia.
• O alantoide e as estruturas derivadas deste – vasos umbilicais e bexiga
urinária - estão claramente conectados à organização chamada corpo
astral.
• O córion e a placenta realizam a conexão com a mãe, formando uma
unidade ‘materno-fetal”. A relação com o calor pode ser observada
facilmente e, nesse sentido, é um envoltório relacionado com o Eu humano.

A segunda perspectiva a ser apresentada é a materna, da mulher que vai


vivenciar essa condição especial da gravidez por 9 meses e depois, a
maternidade, que se estende até a vida adulta dos filhos.

3
De maneira resumida, a Medicina Antroposófica vai buscar incentivar,
nesse período:

1. Que a mãe, e idealmente, o casal, procure desenvolver uma relação


amorosa e espiritual com o ser da criança que está a caminho, dentro de
sua compreensão e prática religiosa, caso tenham;
2. Que o casal e, em especial, a mãe, procure compreender o máximo
possível os benefícios do parto natural, vaginal. E que busquem preparar-
se emocional e fisicamente para isso;
3. Que os pais e familiares compreendam o melhor possível como cuidar de
crianças pequenas, auxiliando-os na obtenção de informações e
preparação interna e também prática para essa fase. Que esse ambiente
de chegada seja sereno e silencioso, adequado a quem chega em condição
bastante frágil e que está ainda sendo formado;
4. Incentivo ao aleitamento materno – além de todos os aspectos já
conhecidos e enfatizados pela medicina convencional, destacamos a
relevância do calor e do contato da criança com o sistema rítmico da mãe
– sentir o pulsar do coração e o balanço da respiração – essas percepções
conectam o bebê com seu próprio sistema rítmico e contribuem para o seu
amadurecimento funcional;
5. Alguns recursos medicamentosos e terapias antroposóficas podem ser
muito benéficos no apoio à gestante com relação às náuseas, refluxo
gastresofágico, lombalgias, sensação de peso nas pernas, obstipação
intestinal etc. Também na fase de lactação, existem recursos que
possibilitam obter um melhor desempenho. O mesmo é válido para as
cólicas do lactente e outras situações comuns nessa fase.

Em resumo, o momento da chegada é bastante delicado e exige uma


educação dos pais e familiares. Os principais aspectos são o calor (físico, anímico
e espiritual), a proteção (sentidos abertos ao mundo), a nutrição (aleitamento
materno sempre que possível), a educação dos ritmos dia e noite e demais ritmos
do organismo.
Médicos e enfermeiros com formação em Antroposofia aplicada à Saúde
vão saber avaliar cada caso individualmente e definir, em conjunto com o casal,
ou a mãe, a conduta e as informações mais adequadas.

4
1.2 Primeira Infância – “O mundo é bom”

O olhar da Antroposofia para a primeira infância é bastante especial,


considerando que nos primeiros sete anos o sistema nervoso e também alguns
outros órgãos da criança ainda estão em fase de desenvolvimento.
Até o final dos primeiros três anos de vida a criança vai conquistar três
habilidades essencialmente humanas, e que serão decisivas para a sua biografia:
Andar – a marcha, conquista geralmente ao final do primeiro ano, está
relacionada ao sistema metabólico motor;
Falar – a fala, conquistada geralmente durante o segundo ano, ou antes,
está relacionada com o âmbito do sistema rítmico;
Pensar – o pensar de forma mais conexa começa a manifestar-se
geralmente ao terceiro ano e a criança começa a perceber a si mesma como
separada de seus pais.
Conforme apresentado anteriormente, o sistema rítmico é o sistema da
saúde e da recuperação, que equilibra as polaridades dos sistemas
neurossensorial e metabólico-motor.
A educação da criança pequena acontece principalmente pela imitação. As
crianças são totalmente abertas ao mundo e esse imprime-se em sua constituição.

Se atentarmos para como criança, em essência, é um ser imitador, ela,


em certa medida, é um órgão sensorial anímico que, de uma maneira
corpórea, está entregue ao ambiente que a circunda. Teremos então de
atentar essencialmente para que, nesta fase da vida, portanto, até à
troca de dentes, tudo atue verdadeiramente, no ambiente que a circunda,
de modo que a criança possa assimilar sensorialmente e elaborar em si.
Teremos como que preparado, na criança, até a troca de dentes, em
verdade tudo o que se relaciona com os mais importantes impulsos da
vida. (Rudolf Steiner)

Assim, todo o ambiente da criança contribui para o seu desenvolvimento


nesses primeiros sete anos.
Segundo a Antroposofia, o brincar é tão importante para as crianças quanto
a alimentação saudável e a proteção afetuosa dos pais. No brincar, a criança vai
desenvolver sua relação com o mundo e construir as bases para uma vida adulta
saudável.
As forças de crescimento (corpo etérico) ligadas à cabeça da criança, ao
completarem a formação do sistema nervoso, metamorfoseiam-se em
capacidades para o pensar. Esse processo acontece quase que
contemporaneamente ao nascimento da dentição definitiva. Assim é que, na

5
pedagogia Waldorf, inspirada nos ensinamentos de Rudolf Steiner, procura-se
alfabetizar a criança, preferencialmente após essa fase.

O brincar da criança é a manifestação mais profunda do impulso que


conduz ao fazer, sendo que nesse fazer o homem tem a sua verdadeira
essência humana. Não seria possível imaginar uma criança que não
desejasse ser mais ativa, como o é quando brinca, pois o brincar
representa a liberdade de uma atividade que deseja se libertar do cerne
do ser humano. (Rudolf Steiner)

1.3 Vivendo com deficiência

A visão materialista e utilitarista conduziu a humanidade a cometer erros


graves ao lidar com as pessoas com deficiência, aquelas que possuem alguma
forma de limitações em sua estrutura física, suas funções corpóreas ou cognitivas.
A Antroposofia desenvolveu uma abordagem única para lidar com essas
crianças e adultos, denominada Pedagogia Curativa ou, como mais recentemente
passou a ser chamada no Brasil, Educação terapêutica. Com o apoio de cuidadores
e de uma comunidade, esses indivíduos são acolhidos e estimulados a
desenvolverem-se ao ponto máximo que conseguirem. Cada pequena conquista
significa uma grande transformação e é comemorada com alegria.
A diferença nessa abordagem é a compreensão das dimensões humanas,
ou seus elementos constituintes – mesmo que esse indivíduo, criança ou adulto,
manifeste limitações que o impeçam de atuar com autonomia física ou psíquica, a
dimensão humana está sempre presente. Trata-se de um ser humano completo e
íntegro, que temporariamente não apresenta uma manifestação física habitual.
Compreende-se como uma etapa no desenvolvimento dessa individualidade, que
nessa encarnação precisará de mais apoio e por mais tempo que o habitual.
No Brasil, existem algumas iniciativas que trabalham com essa orientação e
que realizam também a formação de profissionais em Educação Terapêutica:

• Associação Beneficente Parcifal (São Paulo - SP): Disponível em:


<http://parsifal.org.br/>. Acesso em: 18 dez. 2019.
• Associação Solar Ita Wegman (Curitiba-PR): Disponível em:
<http://www.itawegman.org.br/>. Acesso em: 18 dez. 2019.
• Associação Ita Wegman (Belo Horizonte-MG): Disponível em:
<https://www.facebook.com/associação-ita-wegman-mg-
188611028604003/>. Acesso em: 18 dez. 2019.

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1.4 Medicina Escolar

Esse cuidado especial que a Antroposofia tem para com a primeira infância
estende-se também à escola. A Medicina Escolar ou Pedagógica compreende
uma formação para médicos que os habilita a acompanharem o desenvolvimento
das crianças de maneira mais individualizada e em conjunto com professores, no
âmbito escolar.

A função do médico escolar abrange o diagnóstico evolutivo,


acompanhamento, aconselhamento, estímulo desde a primeira infância
até o final do período escolar, bem como conhecimentos básicos de
prevenção e salutogênese. Uma parte integrante essencial dessa
atividade é a disponibilidade para adquirir os fundamentos da Pedagogia
Waldorf e trabalhar junto aos pedagogos e pais. A formação tem duração
mínima de três anos, em módulos com duração de dois dias e um um
módulo intensivo mais longo anual, bem como o trabalho prático numa
escola ou jardim de infância Waldorf, com acompanhamento de um
mentor. Curso de formação em Medicina Pedagógica Sociedade
Antroposófica no Brasil. Disponível em: <http://www.sab.org.br/portal/>.
Acesso em: 13 dez. 2019.
1.5 Medicina
A Pedagogia Waldorf foi desenvolvida por Rudolf Steiner, juntamente com
professores, em 1919, visando uma educação para a liberdade e, considerando a
dimensão espiritual do ser humano. De maneira resumida, a Pedagogia Waldorf
vai considerar a globalidade do desenvolvimento da criança e dos jovens,
desenhando um currículo que acompanhe cada fase do pensar, sentir e agir
(querer).

Saiba mais
Para saber mais, acesse:
<http://www.sab.org.br/portal/pedagogiawaldorf>. Acesso em: 13 dez. 2019.

TEMA 2 – CARE 2: TRATAMENTO DE FEBRES E INFECÇÕES FEBRIS, TENDO


EM VISTA A RESISTÊNCIA A ANTIBIÓTICOS

As doenças infecciosas e inflamatórias são mais características do início


da vida, em especial da infância e, a maturidade é caracterizada pelas doenças
crônicas, “frias”. Na perspectiva da Medicina Antroposófica, uma das
interpretações para esse processo é fato de o corpo vital ser mais abundante na
infância e juventude, possibilitando reações de caráter mais inflamatório, ao passo
que seu declínio com o envelhecimento conduz a processos de enrijecimento,
desgaste, cristalização.

7
2.1 Abordagem da febre

A abordagem da febre na medicina convencional considera seu papel como


imunomoduladora, ou seja, responsável pelo funcionamento adequado do sistema
imunológico. A febre é gerada, comumente, no organismo por delicados e
complexos mecanismos fisiológicos, em resposta a situações de estresse ou
infecção, que desencadeiam a elevação da temperatura e concomitante aumento
da atividade do sistema imunológico. A literatura aponta que a febre é um
mecanismo benéfico e salutar. No caso das doenças infecciosas, vírus e bactérias
atuam como agentes estranhos, que precisam ser combatidos.
É importante também que os pais e adultos consigam medir
adequadamente a temperatura das crianças.
Na abordagem pela Medicina Antroposófica a febre ganha uma valorização
ainda maior. Em todas as aulas anteriores o tema do calor vem sendo apresentado
como um elemento vinculado ao Eu humano, à individualidade. Assim, a elevação
da temperatura é uma manifestação do Eu que assume a liderança no
reestabelecimento da condição de saúde.
Frente às febres, médicos com formação em Medicina Antroposófica vão
avaliar uma série de fatores, como idade, condição geral da criança ou adulto,
diagnóstico provável e recursos de cuidado e autocuidado disponíveis, além da
avaliação de risco de vida. Vão buscar, dentro do possível, controlar a elevação
da temperatura com recursos sem medicamentos (compressas) e também com
alguns medicamentos específicos (apis, beladona).
Na primeira fase da febre recomenda-se ingestão de bebidas aquecidas e
aplicações externas também aquecidas. No caso de temperatura corporal alta e
com grande desconforto, as compressas na temperatura corporal podem ajudar.
Não aplicar frias pois podem dar reação rebote.
Remédios domésticos simples podem ser usados para melhorar o bem-
estar sem diminuir a febre usando medicamentos:

• Recomenda-se fatias de limão nas panturrilhas e solas dos pés para reduzir
a dor de cabeça, especialmente quando as pernas estão frias;
• Em febre alta com desconforto: compressas mornas na panturrilha (nunca
frias), de preferência com rodelas finas de limão;

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• As compressas na testa (com algumas gotas de suco de limão ou essência
de Arnica) podem aliviar a dor de cabeça. Cuidado com os olhos.
(Anthromedics).

Na Alemanha, o pediatra e professor David Martin da Universidade de


Tübingen está aprofundando bastante o tema e está desenvolvendo a campanha
“Warm up to fever” (Aquecer até ter febre), debatendo com pais e com a
comunidade os medos e mitos sobre a febre. Com essa campanha, ele espera
conseguir mobilizar para que menos antitérmicos venham a ser usados
precocemente, limitando o potencial de amadurecimento do sistema imunológico
das crianças.

2.2 Abordagem das doenças infecciosas

A resistência aos antibióticos é um problema de saúde pública internacional


muito complexo e em contínuo crescimento. A Organização Mundial de Saúde
estabeleceu essa questão como prioritária e emitiu um alerta para o risco de
grande aumento de mortalidade por resistência aos antibióticos. Os números são
alarmantes: potencialmente 10 milhões de mortes por ano até 2050 caso a
situação não receba abordagem adequada. Entre as estratégias que vêm sendo
desenvolvidas, considera-se a prescrição “atrasada” – ou seja, aguardar 24 ou 48
horas, monitorando o paciente, para observar a necessidade concreta do
antibiótico, combinado com uso de sintomáticos eficazes.
Esse é um campo com grande potencial para a atuação a partir da Medicina
Antroposófica e também outras abordagens integrativas como a Homeopatia,
Medicina Chinesa e Fitoterapia, como alguns estudos já vem demonstrando, que
apresentam recursos consistentes e eficazes para evitar o uso desnecessário de
antibióticos.
Na Medicina Antroposófica existe um leque muito amplo de recursos
terapêuticos não medicamentosos, em especial as compressas.

Saiba mais
O vade-mécum de aplicações externas da Enfermagem Antroposófica, que
está sendo traduzido para o espanhol, traz orientações muito detalhadas sobre
diversas compressas e usos de substâncias em aplicações externas: Disponível
em: <http://www.pflege-vademecum.de/anwendungsformen.php>. Acesso em: 18
dez. 2019.

9
Igualmente amplas são as possibilidades de utilização de medicamentos
antroposóficos e homeopáticos pelos médicos para o controle dos sintomas,
melhora do bem-estar e estímulo da imunidade.
E para concluir esta aula sobre os Temas CARE 1 e CARE 2, que estão
muito relacionados com a infância, é importante acrescentar a orientação que a
Medicina Antroposófica faz aos pais de redução do uso das telas digitais por
crianças, especialmente as mais pequenas. Existem já estudos consistentes
apontando que esses recursos hiper-estimulam as crianças e contribuem
negativamente para o desenvolvimento neurológico e emocional saudável das
crianças.

TEMA 3 – CARE 3: DISTÚRBIOS DO SONO, FORMAS COMUNS DE


ANSIEDADE E DEPRESSÃO, DISTÚRBIOS DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO

A área temática CARE 3 contempla, de maneira geral, processos


relacionados à saúde mental. Para facilitar a compreensão da perspectiva
antroposófica a respeito desses aspectos, faz-se necessário revisar alguns
conceitos básicos.
A Aula 2 apresentou os conceitos dos quatro elementos constituintes ou
quatro organizações que formam uma unidade:

• Organização física ou corpo físico;


• Organização vital ou corpo etérico;
• Organização anímica ou corpo astral;
• Organização calórica ou Organização do Eu.

De forma resumida, a compreensão do processo saúde e doença na


perspectiva desse sistema médico-terapêutico compreende um ou mais desses
processos abaixo:

a. Desequilíbrio na relação entre os quatro membros essenciais;


b. Desequilíbrio nas forças que predominam em cada polo dos sistemas da
trimembração;
c. Obstáculos no desenvolvimento biográfico: fases biográficas são
suprimidas, saltadas ou adiantadas.

10
Crédito: Thyago Macson.

3.1 Distúrbio do sono

O sono é uma necessidade vital para a saúde humana e compreende, de


forma geral, um terço da vida. Diversos processos de regeneração e homeostase
acontecem durante o sono, permitindo que a pessoa possa sentir a sensação de
frescor e renovação após algumas horas. Na perspectiva da Medicina
Antroposófica, durante o dia as quatro organizações estão interligadas e o ser
humano vivencia os processos relacionados ao estado de vigília: consciência e
autoconsciência. Essa ligação das organizações anímica e do Eu às organizações
física e vital promovem desgaste, processos de ‘morte’.
O sono representa o desligamento dessas organizações ou ‘corpos’.
Organização do Eu e organização astral distanciam-se do físico-vital permitindo
que processos regenerativos aconteçam. Os distúrbios do sono podem ter
diferentes origens e a abordagem de investigação dos mesmos deverá ser sempre
individualizada. Podem compreender aspectos constitucionais, comportamentais,
crises biográficas ou desequilíbrio de órgãos específicos. Entretanto, um elemento
comum é o prolongamento do estado de vigília provocado pelo não desligamento
ou religamento precoce do Astral e do Eu.
A abordagem dos distúrbios de sono segundo esse sistema contempla
muitas possiblidades e vão buscar alcançar um equilíbrio:
11
1) Abordagens não medicamentosas principais:

• Aconselhamento e autoeducação em relação aos ritmos;


• Estímulo a mudanças em relação a alimentação e atividade física;
• Euritmia terapêutica;
• Escalda-pés e aplicações externas com óleos e pomadas específicos;
• Abordagem por meio de modalidades de terapias artísticas;
• Abordagem biográfica.

2) Abordagem medicamentosa: algumas medicações antroposóficas ajudam


a organizar o ritmo de ‘liga-desliga’ das quatro organizações e também a
revitalizar o organismo que sofre cronicamente de insônia. O médico
antroposófico fará uma escolha de acordo com o diagnóstico ampliado e
individualizado sobre as origens do problema. Frequentemente, o
tratamento deverá combinar medidas medicamentosas e não
medicamentosas.

3.2 Ansiedade, Depressão e estresse pós-traumático

A abordagem desses temas deverá ocorrer, idealmente, de forma


multiprofissional e pressupõe a realização de uma anamnese detalhada pelos
profissionais de saúde habilitados e estabelecimento do diagnóstico clínico. A
atuação do médico antroposófico vai dirigir-se à diferenciação do tipo de distúrbio
e sua gravidade, avaliando a possibilidade de ocorrências de complicações
psiquiátricas concomitantes ou necessidade de intervenção específica desse
campo. Contemplará também o diagnóstico constitucional e a participação de
disfunção de órgãos específicos. Esses aspectos vão orientar quanto ao
estabelecimento da terapêutica.
A atuação do psicólogo vai dirigir-se à avaliação das condições emocionais
e do desenvolvimento anímico e biográfico. Atuando em conjunto, podem formar
uma imagem comum sobre a condição do paciente, sobre os elementos
envolvidos e estabelecerem, com a participação do paciente, um plano
terapêutico. Esse plano terapêutico poderá contemplar, além da abordagem de
psicoterapia antroposófica, outras modalidades terapêuticas e, também
medicamentos antroposóficos, fitoterápicos, homeopáticos. Quando necessário,
medicamentos alopáticos prescritos também.

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TEMA 4 – CARE 4: ONCOLOGIA

A atuação da Medicina Antroposófica na abordagem complementar do


câncer remonta aos tempos da médica pioneira, Dra. Ita Wegman, que delineou
as primeiras estratégias quando a medicina convencional oferecia ainda muito
poucas possibilidades terapêuticas.
Ao longo do Século XX e, também XXI, ampliou-se consideravelmente a
compreensão sobre os mecanismos moleculares envolvidos no câncer, da
participação dos componentes genéticos e dos fatores ambientais e de estilo de
vida. Em paralelo, observou-se o desenvolvimento de sofisticados recursos
terapêuticos, tanto cirúrgicos quanto medicamentosos e de radioterapia que
contribuíram muito para mudanças no prognóstico da doença, possibilitando a
reabilitação à vida normal de muitos indivíduos. Concomitante com esses
avanços, as estatísticas apontam um aumento crescente dos casos
diagnosticados e da incidência de diferentes tipos de câncer, acompanhando
diversas mudanças na vida humana. A compreensão molecular foi
complementada pela visão sistêmica, chegando a uma imagem do papel do
sistema imunológico como um dos fatores determinantes do desenvolvimento e
do prognóstico da doença. Essa visão sistêmica e ampliada aponta também as
relações entre a saúde emocional e o equilíbrio imunológico, o papel da
alimentação e da atividade física balanceados para a preservação da vitalidade,
além de outros componentes protetores relacionados a estilo de vida.
A abordagem da Medicina Antroposófica em forma complementar e
integrada às medidas convencionais, de forma multidisciplinar, pode contribuir:

• Para o fortalecimento dos mecanismos intrínsecos de conservação da


saúde e melhoria da vitalidade;
• Orientação de processos terapêuticos que abarquem a esfera emocional e
biográfica;
• Incentivo à compreensão da doença como oportunidade para o
desenvolvimento anímico e espiritual.
No campo dos medicamentos, a terapia com viscum album apresenta uma
trajetória de 100 anos de documentação científica.

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TEMA 5 – CARE 5: CUIDADOS PALIATIVOS, TERAPIA DA DOR,
ACOMPANHAMENTO DE PACIENTES QUE ESTÃO MORRENDO

Com base em uma visão ampliada do ser humano, que aborda as questões
de saúde considerando as dimensões física, emocional e espiritual, a Medicina
Antroposófica acumula experiências relevantes em cada uma dessas temáticas
CARE 5.
A abordagem da dor compreende medidas que são dirigidas aos sintomas
físicos, destacando-se o papel de medicamentos e das aplicações externas e,
também, recursos para melhoria da qualidade de vida e desenvolvimento de
forças internas que permitam a convivência com quadros de dor crônica por meio
de diversas abordagens.

• Dimensão físico-vital: reforço global dos processos vitais e de calor, terapia


com viscum album, uso de outros medicamentos antroposóficos,
homeopáticos e fitoterápicos de forma individualizada e uso de aplicações
externas (Disponível em: <http://www.pflege-
vademecum.de/anwendungsformen.php>. Acesso em: 18 dez. 2019).
• Dimensão anímica-espiritual: as terapias artísticas (artes plásticas ou canto
e música) e o Aconselhamento Biográfico e exercícios meditativos podem
contribuir de maneira significativa nos quadros de dor crônica.

No âmbito dos cuidados paliativos e acompanhamento de pacientes que


estão morrendo, além de todos os recursos terapêuticos que podem ser usados
para dar conforto e qualidade nos momentos finais da vida, a relação profissional-
paciente e família ganha uma luz renovada a partir da compreensão desse
momento como um nascimento da individualidade para a vida espiritual.

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REFERÊNCIAS

BAARS, E. et al. The Contribution of Complementary and Alternative Medicine to


Reduce Antibiotic Use: A Narrative Review of Health Concepts, Prevention, and
Treatment Strategies. Evidence-Based Complementary and Alternative Medicine
Volume 2019, Article ID 5365608, 29 pages. Disponível em:
<https://doi.org/10.1155/2019/5365608>. Acesso em: 18 dez. 2019.

GIRKE, M. Medicina Interna. Fundamentos e conceitos terapêuticos da Medicina


Antroposófica. São Paulo: João de Barro, 2014.

GOEBEL, W.; GLÖECKER, M. Consultório Pediátrico: um conselheiro médico


pedagógico. São Paulo: Antroposófica, 2016.

KIENLE, G.S.; ALBONICO, H-U.; BAARS, E.; HAMRE, H. J.; ZIMMERMANN, P.;
KIENE, H. Anthroposophic Medicine: An Integrative Medical System Originating in
Europe. Global Advances in Health and Medicine, v. 2, n. 6, 2013, p. 20-31.

MARTIN, D. et al. Anthroposophic approach to fever. International experts’


recommendations. Disponível em: <https://www.anthromedics.org/PRA-0815-
EN>. Acesso em: 13 dez. 2019.

VADEMECUM de Aplicaciones externas en la Enfermería Antroposofica.


Disponível em: <http://www.pflege-vademecum.de/anwendungsformen.php>.
Acesso em: 13 dez. 2019.

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AULA 5

ANTROPOSOFIA
APLICADA À SAÚDE

Profª Iracema de Almeida Benevides


CONVERSA INICIAL

O objetivo desta aula de introdução à Medicina e Terapias Antroposóficas


é apresentar algumas aplicações práticas desse sistema no cuidado
multiprofissional em saúde, de forma integrada e complementar à abordagem
convencional.
Já vimos sobre as cinco áreas “CARE”, que são áreas temáticas em que o
olhar ampliado e os recursos da Medicina e das Terapias Antroposóficas podem
contribuir de maneira mais marcante para o alcance de bons resultados e também
de humanização em fases e condições específicas do ciclo de vida humana:
Nesta, algumas perspectivas novas serão apresentadas – de como as
crises e o adoecimento podem ser compreendidos como uma oportunidade para
o desenvolvimento anímico-espiritual do indivíduo.

TEMA 1 – POLARIDADE INFLAMAÇÃO E ESCLEROSE

Aprofundando nosso olhar sobre a trimembração, de forma


fenomenológica, compreendemos que o organismo humano possui três grandes
sistemas funcionais: Sistema Neurossensorial, Sistema Rítmico e Sistema
Metabólico Motor. No aspecto anímico, identificamos também três grandes
âmbitos de atividade correspondentes: pensar, sentir e querer (vontade, agir).

1.1 O impulso neurossensorial como impulso esclerosante

O impulso neurossensorial (cabeça) está ligado à vigília e às atividades da


consciência. Ele leva ao desgaste das forças da vitalidade. Predomina o aspecto
“nervo”. Ao acordarmos pela manhã, abrimos os olhos e começamos a pensar.
Algumas vezes intensificamos essa atividade de vigília, algumas vezes entramos
em um estado mais sonhador. Essas atividades consomem gradualmente nossas
forças vitais e é natural que nosso corpo envelheça com o passar dos dias, meses,
anos e décadas. O impulso neurossensorial é um impulso esclerosante.
Fenomenologicamente podemos considerá-lo como um impulso de “morte”. As
pessoas idosas, em geral, possuem bastante experiência sobre a vida e queixam-
se de não terem a mesma “energia” da juventude.
O processo neurossensorial, ao gerar consciência às custas da vitalidade,
produz “cinzas” no organismo. Também associamos esse processo à qualidade
“silícia” ou “sal” mencionada anteriormente (tria principia dos alquimistas). Esse
2
processo de vigília corresponde a um processo de “luz” no âmbito mental e pode
ser comparado à um queimar de lenha. Como disse Tagore: “Transformai uma
árvore em lenha que ela arderá; mas, a partir de então, não dará mais flores, nem
frutos.”
Assim, o excesso de impulso neurossensorial pode levar à perda da
vitalidade e a doenças esclerosantes e degenerativas.

1.2 O impulso metabólico como impulso inflamatório

Vimos que o sistema metabólico e motor caracteriza-se por possuir


bastante vitalidade, calor e movimento em detrimento dos processos de
consciência. Os tecidos são mais vascularizados e a regeneração das células
acontece com maior frequência. Predomina o impulso “sangue”.
Na primeira fase da vida, o ser humano tem mais vitalidade do que
consciência. Essa vitalidade propicia que, na infância, predominem as doenças
inflamatórias. Sabemos da importância da febre para o amadurecimento do
sistema imunológico, pediatras e médicos de família com formação em Medicina
Antroposófica relatam que após algumas doenças febris da infância as crianças
apresentam um verdadeiro salto no desenvolvimento.
Esse impulso do calor que atua no metabolismo possui uma ação
“dissolvente” – dizemos que possui uma ação “súlfur” (tria principia). Ele é o
portador e protetor dos processos vitais, regenerativos. Durante o sono, com o
afastamento dos processos de desgaste provocados pela vigília conduzida pelo
corpo astral e pelo Eu, os impulsos regenerativos podem ser realizados no
organismo, de acordo com a característica de cada órgão ou sistema.
Quando os processos inflamatórios ou metabólicos predominam, não estão
compensados, surgem diversas doenças e desequilíbrios.

1.3 O Sistema Rítmico como sistema de compensação e da saúde

O Sistema Rítmico situa-se entre os dois extremos e atua continuamente,


com os impulsos da respiração e da circulação, com processos de contração e a
expansão, promovendo uma compensação e a manutenção da saúde.
Corresponde ao “mercúrio” no conceito de tria principia, pela capacidade de
“coagular” e “dissolver” continuamente.

3
Temos diversos ritmos no organismo e eles sustentam a nossa vitalidade.
Um exemplo bem concreto é o ritmo cardíaco. Normalmente não percebemos os
nossos batimentos cardíacos. Entretanto, quando precisamos de mais oxigênio,
como é o caso dos esforços aeróbicos intencionais ou quando nos deparamos
com uma situação inusitada que exige uma reação rápida, há um aumento dos
batimentos – uma aceleração do ritmo cardíaco (e respiratório). Ao contrário,
durante o sono, ambos os ritmos são reduzidos, suavizados. Cada órgão e tecido
possui seus ritmos vitais e de desenvolvimento.
Na esfera anímica, o sentir coloca-se também como mediador entre o
pensar e o querer (agir).

O coração atua como um grande órgão do sentido para nossa biografia. É


através do coração e desse sentir o fluir da vida que percebemos se estamos na
direção “certa” ou se perdemos o caminho. É também nessa esfera que nos
nutrimos pelos impulsos estéticos, que somos alimentados pelo belo.

Germinam as plantas na noite da terra,


Brotam as ervas pela força do ar,
Amadurecem os frutos pelo poder do sol.
Assim germina a alma no relicário do coração,
Assim brota o poder do espírito na luza do mundo,
Assim amadurece a força do homem no esplendor de Deus. (Rudolf
Steiner)

TEMA 2 – O CORPO E A CONSTRUÇÃO DA INDIVIDUALIDADE

Um conceito central na visão antroposófica do ser humano é o da


individualidade – a singularidade de cada ser humano. Essa singularidade
manifesta-se em muitos aspectos psíquicos e também corporais. Cada ser
humano constrói uma determinada biografia, uma história de vida singular.

4
Entretanto, ainda que singulares, identificam-se fases semelhantes nas biografias
individuais, em correlação com os setênios.
Um dos maiores desafios biográficos é que a dimensão “corpo”
(organizações físicas e etérica) venha a ser um verdadeiro instrumento para a
alma (organização anímica e o Eu), permitindo que o indivíduo realize os seus
impulsos mais íntimos no mundo externo.
As forças hereditárias herdadas dos pais precisam ser transformadas pela
individualidade. Uma grande parte desse processo acontece ainda no primeiro
setênio, através de diferentes processos envolvendo o calor. Simbolicamente, ao
final do primeiro setênio ocorre a troca dos dentes “de leite” pela dentição
definitiva. Esse processo de plasmar o corpo continua no segundo setênio com a
transformação da puberdade e culmina no terceiro setênio com o cessar dos
processos de crescimento. A partir do terceiro setênio, esse processo será mais
intenso internamente, no âmbito anímico do que externamente, no âmbito
corporal.

Tu mesmo, ser humano


Cognoscente, senciente, volitivo,
És o enigma do mundo.
O que ele oculta,
Em ti se revela, torna-se
Luz em teu espírito,
Calor em tua alma
E a força do teu respirar.
Ela une a natureza de teu corpo
A mundos da alma,
A reinos do espírito.
Ela te conduz à matéria
Para que te encontre humanamente;
Ela te conduz ao espírito
Para que não te percas espiritualmente. (Rudolf Steiner)

TEMA 3 – LEIS BIOGRÁFICAS

O estudo das leis biográficas auxilia na formação de uma imagem mais


clara do processo de desenvolvimento do ser humano e das forças anímicas que
devem “nascer” a cada setênio.
Crises são inerentes aos processos do viver e representam importantes
oportunidades para o desenvolvimento anímico-espiritual. Algumas crises podem
ser consideradas como “biográficas” por estarem relacionadas a oportunidades
para o desenvolvimento de determinadas potencialidades dentro do ciclo
biográfico:

5
• 21 a 28 anos: alma da sensação ou emocional. Em geral essa é a fase de
experimentar os próprios talentos e o mundo. Frequentemente coincide
com o início da formação profissional ou da construção de relacionamentos
e chegada de filhos. Ao final desse setênio costuma ocorrer a “crise dos
talentos” – sinalizada pelo repensar da carreira e mudança de profissão ou
área a partir da percepção mais aguçada dos próprios talentos e
habilidades. É comum que coincida com deixar para trás as expectativas
dos pais, a dependência da aprovação alheia e a capacidade de encontrar
um impulso mais individual.
• 28 a 35: alma do intelecto e do sentimento. Essa é uma fase de intensidade
na atuação no mundo, seja na vida profissional, pessoal ou familiar. A
vivência saudável do setênio anterior possibilita que a alma desperte forças
para a organização e direcionamento da biografia de maneira mais
autêntica e afinada com o impulso interno, equilibrando com as
necessidades externas.
• 35 a 42: alma da consciência. O atuar no mundo possibilita o
desenvolvimento de uma maior autoconsciência. Essa fase coincide com o
início da perda das forças da vitalidade. A alma tem como desafio conseguir
trilhar o caminho de desenvolvimento saudável, procurando encontrar o
sentido de sua realização no mundo.

TEMA 4 – BIOGRAFIA E ADOECIMENTO

Quando a pessoa, em seu processo de desenvolvimento da


individualidade, não consegue vivenciar cada uma dessas fases de maneira
satisfatória, seja por obstáculos externos (contexto, cultura, temas familiares) ou
internos (temperamento, traumas, dificuldade para tomar decisões etc.), o
desenvolvimento anímico fica interrompido ou prejudicado.
Essas forças anímicas “não realizadas” interferem na integração saudável
das quatro organizações (física-etérica com a anímica-espiritual) e podem surgir
diferentes processos patológicos, dependendo da constituição, temperamento,
fase biográfica e personalidade.
No âmbito físico, cada indivíduo poderá manifestar doenças
“esclerosantes”, “inflamatórias” ou mistas, de acordo com as características
próprias, com a fase de vida, as forças dos órgãos vitais etc.

6
Podem surgir também doenças no âmbito anímico e psíquico como por
exemplo as depressões, angústias e outras. Algumas vezes os quadros não
chegam a ser tão evidentes e a pessoa sente apenas desinteresse pela vida.
O trabalho biográfico é conhecido como um processo de “tomar a vida nas
próprias mãos”, trazendo a oportunidade para que o indivíduo possa desenvolver
um processo de reflexão e revisão das fases de sua biografia, acompanhado por
profissionais da área. Existe uma metodologia específica para o trabalho
biográfico, conduzindo de maneira saudável esse movimento de olhar para
“dentro” e para o fio da vida de forma a impulsionar que o indivíduo se conecte
novamente com suas metas e ideais.
O viver é acompanhado, em geral, por uma percepção de dificuldade e
desafio. Quanto mais avança-se na biografia, maiores os desafios. O adoecimento
torna essa percepção ainda mais desafiadora e aguçada. O trabalho biográfico
proporciona uma chave para o autoconhecimento e possibilita que esse peso seja
suavizado pela percepção de um “sentido” e propósito: o que a doença pode
contribuir para o desenvolvimento de uma pessoa?
Alguns exemplos de casos clínicos e sua correlação com os processos
biográficos foram descritos por Justo e Burkhard (2014).

TEMA 5 – A DOENÇA COMO OPORTUNIDADE DE DESENVOLVIMENTO

A partir do conhecimento das leis biográficas é possível ouvir a história de


vida de um indivíduo e perceber como ele ou ela trilhou cada uma das fases, que
obstáculos vivenciou em etapas específicas e como estão relacionadas as três
curvas: físico-biológica, anímica e espiritual.
Rudolf Steiner dizia que “a biografia é uma doença prolongada e a doença
uma biografia condensada”. Essa frase enigmática indica que, tanto no processo
de viver quanto no adoecer, revelamos nossos processos anímicos e espirituais.
O trabalho dos profissionais de saúde é apoiar de maneira amorosa e compassiva
o autoconhecimento e a construção de processos de vida mais saudáveis.
Quando sobrevém a doença, seus processos podem ser de diferentes
qualidades: agudos ou crônicos; leves, moderados ou graves; doenças casuais
ou raras. Os processos crônicos, graves e raros são aqueles que mais provocam
perguntas e questionamentos.
Elizabeth Klüber Ross (1926 - 2004) desenvolveu estudos pioneiros sobre
as fases e manifestações que as pessoas podem ter diante do conhecimento de

7
uma doença. Esses estudos despertaram os profissionais de saúde para a
importância de observar essas reações e respeitá-las. Essas fases compreendem,
resumidamente, a raiva, a negação, a tristeza e a aceitação.
Na perspectiva da Medicina Antroposófica, tenta-se ir, gradualmente, em
sucessivos encontros, percebendo a pessoa para além dessas reações e
buscando compreender de maneira mais profunda a individualidade diante que
procura cuidado.
Um dos recursos para essa compreensão é a formação de imagens do
indivíduo e do processo (Conhecimento imaginativo). A metodologia de formação
de imagens baseia-se na metodologia fenomenológica de Goethe e foi ampliada
por Rudolf Steiner como um recurso de cognição. O aprofundamento dessas
etapas perpassa os outros dois âmbitos: conhecimento inspirativo e intuitivo.
A criação de um vínculo de confiança e amor entre profissional e paciente
é fundamental para a construção de um ambiente terapêutico caloroso e
empático. O profissional, de acordo com sua área de atuação, poderá formular
perguntas que favoreçam reflexões frutíferas em direção ao autoconhecimento.
Pode-se começar com perguntas simples:

• O que foi importante viver até aqui?


• Como eu vejo a minha tarefa de vida?
• O que me fortalece?
• O que tenho dificuldade?

É importante que o profissional evite comunicar suas impressões, evitando


induzir um julgamento ou criar rótulos que interrompam um caminho saudável de
autonomia por parte do paciente. Algumas vezes pode-se lançar mão de um conto
de fadas ou simplesmente, comunicar uma imagem: “pensando sobre sua
situação me veio uma imagem de muitas peças pequenas e preciosas interligadas
em um emaranhado de fios”.
Outro recurso importante é a Terapia Artística Antroposófica que vai
possibilitar a formação de um diagnóstico a partir da expressão inicial. A partir daí,
o terapeuta conduzirá as ações terapêuticas através de exercícios específicos
com pintura, desenho ou outra modalidade.
De acordo com a abertura oferecida nesses diálogos, o (a) paciente pode
ser convidado (a) a refletir sobre suas mudanças e seu desenvolvimento ao longo
da vida. Esse é um caminho muito delicado e abstrato, construído com

8
consistência a partir de um trabalho de desenvolvimento interior do médico e dos
terapeutas antroposóficos.

Germinam os desejos da alma,


Crescem os atos da vontade,
Maturam os frutos da vida.

Eu sinto o meu destino,


Meu destino me encontra.
Eu sinto a minha estrela,
Minha estrela me encontra.
Eu sinto meus objetivos,
Meus objetivos me encontram.

Minha alma e o mundo são um só.


A vida, ela se torna mais clara ao redor de mim,
A vida, ela se torna mais árdua para mim;
A vida, ela se torna mais rica em mim.

Busque a paz,
Viva em paz,
Ame a paz. (Rudolf Steiner)

9
REFERÊNCIAS

BAARS, E. et al. The Contribution of Complementary and Alternative Medicine to


Reduce Antibiotic Use: A Narrative Review of Health Concepts, Prevention, and
Treatment Strategies. Evidence-Based Complementary and Alternative Medicine
Volume 2019, Article ID 5365608, 29 pages. Disponível em:
<https://doi.org/10.1155/2019/5365608>. Acesso em: 19 dez. 2019.

GIRKE, M. Medicina Interna. Fundamentos e conceitos terapêuticos da Medicina


Antroposófica. São Paulo: João de Barro, 2014.

GOEBEL, W.; GLÖECKER, M. Consultório Pediátrico: um conselheiro médico


pedagógico. São Paulo: Antroposófica, 2016.

JUSTO, A. A.; BURKHARD, G. Biografia e Doença. Abordagem biográfica de


pacientes com doenças crônicas. São Paulo: Antroposófica, 2014.

KIENLE, G. S.; ALBONICO, H-U.; BAARS, E.; HAMRE, H. J.; ZIMMERMANN, P.;
KIENE, H. Anthroposophic Medicine: An Integrative Medical System Originating in
Europe. Global Advances in Health and Medicine, v. 2, n. 6, 2013, p. 20-31.

MARTIN, D. et al. Anthroposophic approach to fever. International experts’


recommendations. Disponível em: <https://www.anthromedics.org/PRA-0815-
EN>. Acesso em: 13 dez. 2019.

STEINER, R. A Obra Científica de Goethe. São Paulo: Antroposófica, 1984.

STEINER, R. O conhecimento dos mundos superiores. 7. ed. São Paulo:


Antroposófica, 2007.

Vademecum de Aplicaciones externas en la Enfermería Antroposofica. Disponível


em: <http://www.pflege-vademecum.de/anwendungsformen.php>. Acesso em: 13
dez. 2019.

10
AULA 6

ANTROPOSOFIA
APLICADA À SAÚDE

Profª Iracema de Almeida Benevides


INTRODUÇÃO

Construindo saúde com base na medicina e em terapias antroposóficas

O objetivo da sexta e última aula deste curso de introdução à Medicina e


Terapias Antroposóficas é apresentar os conceitos básicos de como promover a
saúde e prevenir o adoecimento na perspectiva desse sistema de cuidados
integrativos em saúde.
A partir do conhecimento do ser humano como quatro organizações
integradas (física, vital, anímica e espiritual), Dr. Matthias Girke (2014) apresenta
a possibilidade de alcançar a saúde também em quatro níveis:

1. Saúde corpórea como “integridade física” – a saúde do corpo significa que


ele está integrado em si como um organismo único, que é o sustentáculo
de diversos processos.
2. Saúde vital como vitalidade fisiológica – o corpo físico é também um corpo
vivo, com inúmeras atividades vitais intimamente coordenadas. Saúde vital
significa capacidade de desempenhar essas atividades. Para lembrar
algumas: respiração, circulação, aquecimento, assimilação, excreção,
transporte de substâncias, reprodução celular e tantos outros.
3. Saúde anímica como riqueza psíquica – a alma humana desenvolve-se a
partir de suas experiências e relacionamentos, positivos e negativos, ao
longo dos ciclos biográficos. A riqueza psíquica como expressão de saúde
anímica refere-se a uma espécie de disposição, de abertura para vivenciar
as experiências da vida – mesmo aquelas que não são necessariamente
prazerosas, e ir, gradualmente, ampliando a percepção sobre o mundo,
como uma forma de conhecimento a partir das próprias percepções
(sabedoria).
4. Saúde espiritual como produtividade espiritual – o Eu humano é o “sol”
desse microuniverso, iluminando as demais dimensões. O sentido da
saúde como produtividade espiritual refere-se à capacidade do Eu estar
presente nos processos em curso, atuar criativamente, possibilitar que os
insights e as percepções sobre a própria vida aconteçam e ser capaz de
realizar mudanças, imprimir uma marca. Cada Eu humano compõe uma
obra: sua biografia. Essa biografia é, de certa forma, uma peça artística,
autoral.

2
TEMA 1 – ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO

Atualmente existem muitas referências sobre alimentação, cuidados


nutricionais e dietas. As pessoas ficam confusas com as divergências encontradas
entre essas orientações. Há um grande predomínio de indicação de suplementos
e vitaminas que teriam poderes de “fortalecer” e restaurar a saúde. Mas quais
seriam os princípios orientadores de uma alimentação saudável, de acordo com a
compreensão do ser humano a partir da Antroposofia?

1.1 A alimentação e os reinos da natureza

Na aula 2 foi apresentado o conceito de que o ser humano pertence aos


quatro reinos da natureza, compartilhando as qualidades de cada reino:

1. Dimensão física organização mineral.


2. Dimensão vital ou organização aquosa.
3. Dimensão anímica, astral ou organização aérea.
4. Dimensão individual ou organização calórica.

Na natureza, os reinos estão organizados também de acordo com as


dimensões que possuem:

 O reino mineral possui apenas a organização física.


 O reino vegetal possui as organizações física e etérica.
 O reino animal possui as organizações física, etérica e a animal.
 O reino humano possui todas essas acima.

Outro conceito importante a se considerar é que, nas plantas, a


trimembração está em situação diametralmente oposto à que encontramos no ser
humano.

 Processos sulfúreos (calor): flor e frutos.


 Processos de respiração (trocas): folhas.
 Processos de cristalização (silícia): raízes.

Assim, a partir desses conceitos pode-se dizer de princípios:

 Dieta rica em alimentos não processados, de preferência produzidos a


partir da agricultura biodinâmica.
 Equilíbrio entre cereais integrais (variar entre as diversas possibilidades),
frutos, folhas e raízes.
3
 Respeitar os ritmos do metabolismo.
 Respeitar as preferências individuais (temperamentos).
 Considerar que a alimentação é também um prazer para os sentidos –
visual, olfativo, tato e paladar.
 A alimentação tem um significado para as relações familiares e sociais. As
festas do ano são comemoradas com refeições “especiais”.
 Desenvolver gratidão pelo alimento: pela terra, pela água, pelo sol, pelos
agricultores e todos os que participaram de seu preparo.

A Lavagem dos pés


Eu te agradeço, pedra silenciosa
E me inclino diante de ti
Devo a ti meu ser mineral
Eu vos agradeço, várzea e florescência
E até vós me abaixo:
ajudaste a elevar-me à existência animal
Eu vos agradeço, pedra, planta e animal
e ante vós me curvo:
Vós três contribuístes para me tornar eu mesmo.
Nós te somos gratos, ó criança humana
E reverentes nos ajoelhamos diante de ti
Porque através de teu ser nós somos
(Christian Morgenstein)

TEMA 2 – SONO E VIGÍLIA

Na aula 5 os temas de inflamação e esclerose foram apresentados à luz


das polaridades dos três sistemas funcionais: neurossensorial, rítmico e
metabólico.
Na perspectiva corpórea, durante o sono, com o afastamento das
organizações astral e Eu (processos de consciência), o corpo vital realiza sua
tarefa de regenerar as estruturas físicas.
Na perspectiva do corpo astral, consideramos as dimensões sonho e sono.
A alma transita por diferentes estados de consciência ao longo do dia. Os sonhos
constituem uma importante dimensão da vida psíquica e estão profundamente
relacionados com nosso corpo astral.
O Eu humano, durante o sono, também realiza um percurso de reencontro
com seus propósitos.
Assim, essas horas – em média 8 horas – de repouso, são fundamentais
para que essas quatro organizações possam se refazer, cada uma de acordo com
seus processos.

4
Muitas pessoas relatam dificuldades de conciliar o sono e muitas podem
ser as causas para isso:

 Excesso de estimulação sensorial, especialmente em função de tempo de


uso prolongado de aparelhos eletrônicos e telas.
 Tensões, preocupações e estresse.
 Rotina excessiva de trabalho.
 Dificuldade para “ligar” pela manhã e “desligar” à noite (desequilíbrio da
trimembração).
 Constitucional (tipos neurossensoriais), alérgicos.
 Crises biográficas.
 Desvitalização.
 Medos: do escuro, da morte etc.

Diversas abordagens podem ser consideradas, de acordo com a


compreensão individualizada do problema:

 Abordagens não medicamentosas pelas terapias externas e massagem


rítmica.
 Abordagem não medicamentosa pela psicoterapia, terapias artísticas e
aconselhamento biográfico.
 Autoeducação em relação aos ritmos e uso de eletrônicos.
 Medicamentos fitoterápicos, homeopáticos e antroposóficos.

TEMA 3 – RELACIONAMENTOS E VIDA SOCIAL

Os seres humanos são seres sociais e que necessitam estabelecer


conexões entre si e com os demais seres vivos para o desenvolvimento de sua
individualidade. Quanto mais saudáveis e equilibradas forem essas relações, mais
satisfação poderá ser alcançada na esfera anímica.

 No primeiro setênio estabelecem-se as primeiras relações dentro do


ambiente familiar. Aprende-se sobre afeto e compartilhamento na relação
com os pais e os irmãos.
 No segundo setênio estabelecem-se as relações com os colegas de escola.
Abre-se a um novo espaço social. Inicia-se o amadurecimento da dimensão
afetiva-sexual e predomina a formação de grupos.

5
 No terceiro setênio surgem questões existenciais e a busca por valores e
afinidades mais profundos. Relacionamentos com trocas mais profundas e
duradouras.
 A partir do quarto setênio as relações são muito ampliadas e ganham
diferentes qualidades, envolvendo frequentemente dimensões familiares,
afinidades, biográficas, profissionais e afetivas.

A qualidade das relações e das trocas vai depender de muitos fatores.


Alguns deles são extrínsecos (cultura, valores, religião etc.) e outros dependem
de características individuais tais como:

 Temperamentos – o conceito de temperamentos vem da época da antiga


Grécia e consiste em uma manifestação individual da combinação dos
elementos da natureza:
 Melancólico (terra).
 Fleumático (água).
 Sanguíneo (ar).
 Colérico (fogo).

Cada indivíduo possui uma determinada combinação desses elementos,


podendo predominar um determinado aspecto sobre outros.

Vídeo
Assista à aula sobre 4 temperamentos no YouTube. Disponível em:
<https://youtu.be/KAgbQ5R1BU0>. Acesso em: 7 mar. 2020.

 Qualidades anímicas arquetípicas – assim como o conceito de


temperamentos, essa concepção de qualidades anímicas arquetípicas vem
da época da antiga Grécia. Distinguem-se sete arquétipos principais:
 Tipo Lunar/Romântico/Conservador.
 Saturnino/Autoconsciente.
 Mercurial/Inovador social.
 Jupteriano/Pensador.
 Venusiano/Estético/Cuidador.
 Marciano/Agressivo.
 Solar/Ideal.

6
Cada ser humano apresentará características de cada um dos sete tipos,
predominando um ou dois arquétipos.
O autoconhecimento em relação ao próprio temperamento e aos arquétipos
é fundamental para o estabelecimento de relações mais satisfatórias e frutíferas.
Possibilita também compreender melhor conflitos e crises.

TEMA 4 – RETROSPECTIVA DO DIA, PREPARAÇÃO PARA O SONO E OS SEIS


EXERCÍCIOS BÁSICOS

Tendo em consideração essa imagem de ser humano individual e singular,


portador de um Eu que desenvolve suas atividades a partir de uma organização
composta por quatro forças formativas, por três sistemas funcionais e por uma
combinação de temperamentos e qualidades arquetípicas, alguns exercícios são
recomendados para o equilíbrio global.

4.1 Retrospectiva do dia e preparação para o sono

O sono é considerado, desde a antiguidade, o irmão menor da morte.


Durante o sono o Eu renova suas energias para um novo dia. O exercício da
retrospectiva do dia, antes do sono, possibilita que o Eu desenvolva sua tarefa de
autoconsciência e fortalece o corpo vital.
Antes de cada noite: sentado(a) na cama ou em uma cadeira, reveja o dia
como um filme que passa de trás para frente – desde o momento atual até o
despertar daquele dia.

4.2 Seis exercícios básicos

Esses seis exercícios foram muito bem descritos pelo professor Waldemar
Setzer (2008), na página web da Sociedade Antroposófica do Brasil:

No capítulo “O conhecimento dos Mundos Superiores” de seu livro A


Ciência Oculta (Editora Antroposófica, 1998), Rudolf Steiner introduziu
os chamados exercícios colaterais (Nebenübungen), essenciais para
uma atividade meditativa. Eles também podem ser encontrados no
capítulo “A Senda do Conhecimento”, de seu livro Teosofia (Ed. A.,
1994). Segundo ele, para quem não pratica esses exercícios a
meditação torna-se, na melhor das hipóteses, inefetiva, podendo mesmo
chegar a ser prejudicial, como o desenvolvimento de ilusões, ficar-se
incapacitado de distinguir entre verdade e erro, ou de conduzir a vida
adequadamente, etc. Os exercícios devem ser feitos diariamente pelo
menos durante alguns minutos, introduzindo-os gradualmente (por
exemplo, de mês em mês) na ordem dada, e são os seguintes:

7
1. Controle do pensamento. Trata-se de se concentrar o pensamento
em algo bem simples do mundo real, podendo ser um objeto como um
lápis, um alfinete, um sapato, etc. Deve-se pensar em tudo o que diz
respeito ao objeto escolhido, e evitar todo o pensamento que não diga
respeito direto ao mesmo. Steiner cita que se pode enfocar aspectos
como quais as partes que compõem o objeto, as formas do mesmo, os
materiais de que é feito, quando o objeto foi inventado, seus usos, etc.,
e recomenda particularmente que se faça esse exercício sobre objetos
artificiais, que são fruto do pensamento humano e podem ser totalmente
compreendidos. Quem pratica esse exercício percebe como nosso
pensamento tem asas, querendo voar por paragens que não
pretendíamos visitar. É necessário continuamente forçá-lo a voltar ao
tema central escolhido.
2. Controle da vontade. Trata-se de tomar uma decisão de realizar
algo fisicamente, e cumpri-la. Assim, em lugar de se ser dirigido por
eventos exteriores, executa-se algo por decisão exclusivamente própria.
Para isso, é importante escolher uma ação que não tenha nada com a
vida normal. Um bom exercício, segundo Steiner, é decidir-se executar
no dia seguinte uma ação trivial; podemos citar, nesse sentido, ações
como rodar um anel no dedo, ou o relógio no pulso, ou olhar para as
nuvens, ficar nas pontas dos pés, etc. Esse exercício deve ser feito
sempre em momentos determinados do dia, tais como uma certa hora
(não é preciso ser exato ao minuto), logo ao acordar, antes de uma
refeição, ao abrir a porta de casa etc.
3. Serenidade nos sentimentos (equanimidade). É importante para a
meditação posterior que a alma adquira serenidade, tornando-se
soberana em relação ao prazer e à dor. Não se trata de não se sentir
sentimentos profundos, mas sim que eles não nos coloquem fora de
controle. Steiner denomina a isso “domínio da expressão do sentimento”.
Isto é, devemos ter sentimentos, mas não deixar que eles nos “tenham”.
Exemplos de perda de controle são entrar-se em desespero, chorando
copiosamente, ou ficar fora de si de alegria. Mas também é importante
evitar sentimentos ligados à futilidade, raiva etc. Trata-se de se
conscientizar dos próprios sentimentos, devendo ser praticado sempre
que tais manifestações possam ocorrer.
4. Positividade. Trata-se de encontrar em qualquer situação o que é
belo ou bom, no meio do que é mais feio ou maldoso. De fato, não há
praticamente nada no mundo que seja 100% feio ou mau. Steiner chama
a atenção para não se cair em falta de discernimento, confundindo o mau
com o bom, e sim reconhecer que sempre há um lado bom em tudo, por
menor que esse lado seja.
5. Abertura (receptividade) e imparcialidade. Deve-se sempre estar
aberto a todas as novidades, por mais absurdas que possam parecer. A
atitude correta é dizer-se “parece estranho, mas vou investigar”,
eliminando-se preconceitos. Steiner diz que é possível sempre aprender-
se algo de novo “de cada sopro de ar, de cada folha”. Não se deve
ignorar experiências passadas; por outro lado, deve-se sempre estar
pronto a adquirir novas experiências.
6. Harmonização. Os 5 exercícios anteriores devem ser praticados
adicionando-se um a um paulatinamente; cada novo exercício deve ficar
em destaque, sem que se abandonem os anteriores. Quando eles se
tornarem parte do dia a dia do praticante, deve-se procurar produzir um
equilíbrio entre eles, a fim de que passem a fazer parte de nossa própria
natureza.
Uma atitude fundamental que deve acompanhar esses exercícios é a
produção de uma calma interior, um sentimento de que não há no
momento nada que nos possa retirar de nossa interiorização – nem
mesmo nossas maiores preocupações, que devem ser deixadas de lado
nessas ocasiões. Uma outra atitude fundamental que é necessária para
conseguir executá-los é a perseverança. Infelizmente, calma interior e
perseverança são muito difíceis de serem exercitadas hoje em dia,
devido à fragmentação da nossa vida e das experiências em cada
momento, bem como às tensões da vida moderna. Isso é mais uma
8
indicação de que esses exercícios devem ser executados, passando-se
a ser, pelo menos um pouco de tempo em cada dia, imune a essas
influências nefastas. (Setzer, 2008, n.p.)

TEMA 5 – OUTROS EXERCÍCIOS MEDITATIVOS

Continuando a citar o professor Waldemar Setzer, na página web da


Sociedade Antroposófica do Brasil (2018):

[…] c) Meditação de textos. Trata-se de repetir-se interiormente, com


absoluta concentração […] um texto que contenha algo de espiritual que,
idealmente, deve ser compreendido. Vários versos de Rudolf Steiner
prestam-se muito bem para isso. Fundamental nesses exercícios é
deixar o texto ressoar interiormente, sentindo-se os sons das palavras e
acompanhando os pensamentos com sentimentos. Damos, a seguir, um
desses versos dados por ele (do volume da obra completa GA 245,
nossa tradução).
In den reinen Strahlen des Lichtes
Erglänzt die Gottheit der Welt
In der reinen Liebe zu allen Wesen
Strahlt die Göttlichkeit meiner Seele
Ich ruhe
In der Gottheit der Welt
Ich werde mich selbst finden
In der Gottheit der Welt
Nos raios puros da luz
Resplandece a divindade do universo
No amor puro para com todos os seres
Irradia a natureza divina de minha alma
Eu repouso
Na divindade do universo
Eu vou encontrar-me
Na divindade do universo
É fundamental compreender-se que a meditação antroposófica baseia-
se no pensamento claro e ativo – nisso ela difere de muitas outras
práticas –, visando fazer com que a pessoa se solte das amarras de seu
corpo e do mundo físicos sem, no entanto, perder o contato com a
realidade física, para o que os exercícios colaterais são essenciais.
Nesse sentido, não há indicações de posições corporais preferenciais.
Cada pessoa deve achar a sua melhor maneira. Recomendamos que
não se assuma a posição deitada, pois dificulta a concentração; já ao se
sentar, o Eu superior deve estar presente, atuando para manter a cabeça
erguida. Por outro lado, qualquer meio físico de ajuda, como incenso,
música, local especial de culto etc., pode ser considerado como “muleta”
desnecessária e prejudicial, pois o esforço e o desenvolvimento devem
ser puramente interiores, a partir de atitudes exclusivamente
provenientes de si próprio. Isso obviamente leva à prática da
concentração mental com os olhos fechados, pois eles nos prendem
demasiado ao mundo exterior; do mesmo modo, inicialmente deve-se
procurar um local o mais silencioso possível. É de fundamental
importância que, durante a meditação, o pensamento continue claro e
consciente; veja-se a esse respeito a palestra de R. Steiner “A vidência
visionária e o conhecimento”. (Setzer, 2008, n.p.)

Esperamos que, ao final destas seis aulas, tenha sido possível alcançar o
objetivo de uma apresentação geral dos princípios da Medicina e das terapias
antroposóficas para os profissionais de saúde interessados. Em função da carga
9
horária limitada e do método de ensino, os conteúdos são apenas introdutórios e
não capacitam os profissionais para atuação nesse campo. Conforme
apresentado na aula 3, existe uma ampla gama de cursos de formação disponíveis
para quem deseja seguir aprofundando seus conhecimentos, podendo vir a atuar
profissionalmente nesse sistema complementar e integrativo.

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REFERÊNCIAS

GIRKE, M. Medicina interna: fundamentos e conceitos terapêuticos da medicina


antroposófica. São Paulo: João de Barro, 2014.

SETZER, V. W. A meditação antroposófica e exercícios colaterais. SAB –


Sociedade Antroposófica do Brasil, 2008. Disponível em:
<http://www.sab.org.br/antrop/medit-exerc.htm>. Acesso em: 7 mar. 2020.

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