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CURSO INTRODUTÓRIO DE HOMEOPATIA PARA MÉDICOS DA REDE

PÚBLICA DE SAÚDE
ESCOLA FIOCRUZ DE GOVERNO-EFG/GEREB/FIOCRUZ

CICLO 3 - A HOMEOPATIA E A MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE1

EMENTA:

A clínica ampliada e o cuidado integral na Medicina de Família e Comunidade. A


similitude com a prática homeopática. Paralelos entre a Homeopatia e a Medicina de
Família e Comunidade (MFC), e o Método Clínico Centrado na Pessoa.

OBJETIVOS:

• Introduzir os conceitos de clínica ampliada e do cuidado integral.


• Analisar a relação da Homeopatia com a MFC.
• Promover o diálogo sobre as bases terapêuticas na prática clínica da
Homeopatia e da Medicina de Família e Comunidade.
• Promover a análise comparativa entre o Método Clínico Centrado na Pessoa
(MCCP) e o Método Clínico Homeopático (MCH).
• Estimular a reflexão sobre a terapêutica homeopática no contexto da APS.

1
Texto revisado por Ana Rita Vieira de Novaes (Tutora). Doutora em Saúde Coletiva. Especialista em Homeopatia
e Medicina Comunitária.
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A ARTE DE CUIDAR, UMA APROXIMAÇÃO DA MEDICINA DE FAMÍLIA E


COMUNIDADE E HOMEOPATIA

Lucas Gaspar Ribeiro2


Reinaldo Gaspar da Motta3
Ana Rita Vieira de Novaes 4

INTRODUÇÃO

A homeopatia está presente no Brasil como uma Medicina Tradicional desde o


período do império no âmbito privado e formativo (escolas de homeopatia). Sendo que
desde o ano de 1985 há diversos movimentos da saúde pública (dentre eles a 8ª
Conferência Nacional de Saúde) para implementar a homeopatia como uma
especialidade médica do Sistema Público Brasileiro, sendo inclusive incorporada como
“pagamento” pelo SUS em 1999 (Tabela SUS). (BRASIL, 2006).
Contudo, foi somente no ano de 2006 que a que “Essa política, portanto, atende
às diretrizes da OMS e visa avançar na institucionalização das Práticas integrativas e
Complementares no âmbito do SUS”. (BRASIL, 2006). Assim, quando discutimos
homeopatia no Sistema Público Brasileiro, nos referimos a história do SUS também.
Esta ciência, sistematizada por Samuel Hahnemann no sec. XVIII, é reconhecida
como especialidade médica pelo Conselho Federal de Medicina brasileiro desde 1980.
Caracterizada pelos princípios da Lei dos Semelhantes (smimilitude), experimentação no
“homem são” e na utilização de medicamentos ultra diluídos (doses infinitesimais). A
homeopatia preconiza a abordagem ao indivíduo em sua totalidade sintomática, análise
ampliada das pessoas no contexto socioambiental e valorização de diversos
componentes da clínica ampliada.

2
Doutorando em Clínica Médica pela FMRP-USP. Mestre em Saúde da Família pela FMB-UNESP.
Especialista em Homeopatia. Médico de família e comunidade. Docente da UNAERP.
3
Mestre em Saúde Coletiva. Especialista em Homeopatia. Professor da UFMT.
4
Doutora e Mestre em Saúde Coletiva (UFES). Especialista em Homeopatia, Acupuntura, Medicina
Comunitária e Pediatria.
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O Método Clínico Homeopático preconiza o acolhimento, o estabelecimento de


vínculos na relação médico paciente, e abordagem detalhada da totalidade de sintomas
e sinais, relatados pela pessoa doente ou seu acompanhante. Durante a primeira fase
da consulta, sem interromper o relato do paciente, o médico anota os sinais e sintomas,
com as mesmas terminologias utilizadas pelo informante. O método exige ainda análise
ampliada de diversos possíveis fatores que interferem no adoecimento e no surgimento
dos sintomas. Para a conclusão do diagnóstico medicamentoso a homeopatia preconiza
a valorização da clínica com o detalhamento ou “modalização” dos sintomas, sendo estes
os principais fenômenos que expressam o desequilíbrio da pessoa em seu processo de
adoecimento.

Identificar a totalidade sintomática é fundamental para promover os cuidados


terapêuticos e preventivos ao indivíduo, e requer a valorização de todos os sintomas,
assim como uma abordagem minuciosa dos hábitos de vida, dos aspectos ambientais e
da “história biopatográfica da pessoa”.
Ao considerar que a homeopatia surge há mais de duzentos anos no contexto da
“antiga” prática clínica de médicos de família e comunidade e se configura como uma
medicina generalista, admite-se que são muitas semelhanças entre o Método Clínico
Homeopático (MCH) e o Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP), o que aproxima
esses dois importantes campos da área médica: a Homeopatia e a Medicina de Família
e Comunidade (MFC), cujas terapêuticas se complementam com o foco no cuidado à
pessoa, e não exclusiva ou necessariamente doença.
Neste capítulo exploraremos o diálogo sobre as bases terapêuticas na prática
clínica da Homeopatia e da Medicina de Família, assim como a inserção de ambas na
Estratégia de Saúde da Família e Atenção Primária em Saúde (APS), sendo o texto
dividido em tópicos, desde a APS, até a inter-relação da homeopatia com a MFC como
um conjunto de valores e trabalhos similares.

ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE (APS)

Esse conceito de saúde se tornou mundialmente conhecido a partir da publicação


da conferência de Alma Ata em 1978 (WHO, 1978), mas foi uma médica pediatra
americana que reforçou os conhecimentos e a organização desse sistema de saúde com
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a publicação do livro Atenção Primária: Equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços


e tecnologia, cujo nome é mundialmente conhecido: Bárbara Starfield.
Nesse texto antológico, ela traz definições importantes, como os determinantes
de saúde-doença, deixando de forma clara que não são apenas os determinantes
genéticos os responsáveis pelo adoecimento, mas também os fatores ambientais,
comportamentais, socioeconômicos, o humor e aspectos emocionais, bem-estar e ações
de saúde pública. Isso mostra como é grande o número de determinantes de saúde para
qualquer indivíduo e comunidade.
Esses fatores muitas vezes não são validados, ou melhor dizendo, observados
pelos médicos especialistas focais, (aqueles que geralmente não atuam na APS), porque
a formação médica está voltada para níveis mais complexos de tecnologia e de
conhecimento especializado. Estão inseridos no nível secundário ou terciário, sem a
valorização das questões mais gerais do indivíduo, fragmentando-o e consequentemente
compartimentando cuidado. Ou seja, frequentemente os especialistas trabalham com
“partes do organismo”, e não com a pessoa como um todo (STARFIELD, 2002).
A APS caracteriza-se por fornecer um cuidado integral à pessoa, o tratamento de
todas as suas enfermidades, seja in loco ou se utilizando da rede de assistência à saúde
para as demandas que necessitem de tecnologia mais pesada, exames subsidiários,
conhecimentos de especialistas. Além disso, é responsável por gerir o cuidado da
pessoa, organizando e garantindo o acesso de acordo com às várias necessidades,
abordando a comunidade e o sistema (STARFIELD, 2002).
Por fim, a APS tem como enfoque a promoção de saúde e a prevenção de
doenças, em suas mais variadas formas, além da cura, papel clássico da medicina.
Esses aspectos são possibilitados por meio do acompanhamento contínuo e integral por
médicos de família e comunidade, clínicos gerais e das equipes multiprofissionais,
sempre fortalecendo o autocuidado (STARFIELD, 2002).

A ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA (ESF)

A ESF é um modelo político-assistencial de saúde, sendo adotado em diversos


países, inclusive pelo Brasil. Inicialmente como programa de saúde da família (1994) e
desde 2006 como estratégia política (ESCOREL et al., 2007). Com isso, a ESF tornou-
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se a principal porta de entrada do indivíduo ao sistema de saúde público no país


(ESCOREL et al., 2007; MERCH, 2009).
A ESF tem como princípios o trabalho em equipe multidisciplinar, o cuidado de
uma população adstrita em seu território de abrangência, com atividades clínicas,
sanitárias, avaliação de riscos e vulnerabilidades, organização e planejamento de ações
na unidade e na comunidade. Desenvolve programas de acordo com os grupos de riscos
e os fatores de risco presentes; buscando a prevenção de doenças e a promoção de
saúde. Realiza acolhimento e classificação de risco dos usuários, sempre promovendo
um cuidado integral e longitudinal. É de sua competência realizar trabalhos coletivos e
individuais, como por exemplo visita domiciliar e participação do planejamento local de
saúde, atingindo, assim, alta resolutividade, cuidado integral ao indivíduo e ações
conjuntas com a sociedade. (ESCOREL et al., 2007; GUSSO; LOPES, 2012).
Na relação integrada com sua comunidade, o trabalho em equipe multiprofissional
busca atuar de forma individualizada e coletiva, abordando diversas dimensões e
propondo mudanças na organização de saúde local. Esses aspectos acima descritos
representam uma atenção holística ao indivíduo (ALLEN et al. 2002; NORMAN,
TESSER, 2009; CZERESNI, GUSSO, LOPES, 2012; TESSER, 2020, TESSER,
NORMA, 2020).
Justamente por ser uma estrutura organizadora da APS, a ESF tem uma
característica muito prevalente, a promoção de saúde e prevenção de doença, nos níveis
primário, secundário, terciário e quaternário, com o objetivo não apenas de diminuir os
custos do sistema de saúde, mas também de melhorar a qualidade de vida de seus
usuários (ALLEN et al. 2002; GUSSO, LOPES, 2012; JAMOULLE, 2015).
Segundo Starfield, 2002, essa política de saúde, baseia-se nos princípios da
Atenção Primária à Saúde (APS), e tem como características a integralidade do sujeito,
a avaliação longitudinal, a avaliação geoespacial, com seus determinantes e
determinadores sociais e de saúde muitas vezes sobrepostos.
Isso faz com que a individualização do cuidado, do sujeito e de sua família seja
uma ferramenta imperativa nesse nível de atenção. A medicina centrada na pessoa é
uma premissa, bem como o cuidado em todos os ciclos de vida (STARFIELD, 2002;
GUSSO, LOPES, 2012). Essas características da ESF na APS permitem que o cuidado
ao indivíduo seja objetivado tanto no problema agudo, como no cuidado crônico, numa
perspectiva do envelhecimento saudável.
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Desta forma, durante a consulta o profissional utiliza-se de ferramentas de


abordagem da Medicina Centrada na Pessoa (STEWART et al. 2010). Portanto, ambas
as especialidades médicas têm em comum o cuidado integral à pessoa. Não estão
focadas de forma predominante na doença. Além disso, ambas são fortemente
individualizantes na busca do cuidado centrado no indivíduo, e visam “evitar” as doenças,
modificar e aprimorar a qualidade de vida, com promoção à saúde e prevenção de
doenças.
Sabe-se que a prática da terapêutica homeopática ocupa lugar de destaque na
história da medicina moderna e de modo semelhante à MFC que preconiza a utilização
de técnicas para a abordagem, avaliação e transformação dos fatores causais do
adoecimento ou dos obstáculos à cura.
A abordagem individualizada para a pessoa e sua inserção nos contextos
proximais e distais facilita acolhimento, o vínculo e o acompanhamento para o cuidado à
pessoa e família.

A HOMEOPATIA

A Homeopatia tem como característica semiológica a valorização dos sintomas de


forma abrangente e detalhada na busca da individualização e caracterização de cada
pessoa em sua singularidade, como um ser único. As anotações da anamnese ocorrem
de maneira peculiar, respeitando a linguagem de expressão do indivíduo doente,
inserindo a pessoa no centro do processo de cuidado e cura.
Um termo bastante utilizado na Homeopatia, e que será resgatado mais adiante
neste capítulo e em outros é a SIMILITUDE. Ele se refere ao máximo de aproximação
das características sintomáticas da pessoa ao conjunto de sintomas e virtudes
terapêuticas do medicamento, isto é, a semelhança dos sintomas da pessoa, com os
sintomas próprios dos medicamentos, obtidos durante a experimentação na pessoa
assintomática (como abordado no capítulo anterior).
Os conceitos de Similitude e individualidade sintomática nos remete a seleção
“consensualizada" pelo método clínico ao medicamento mais bem indicado à pessoa.
Este "encaixe perfeito " no plano farmacológico pode ser analisado como a relação
“molécula-receptor”.
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Esse termo também pode ser utilizado de forma análoga entre aspectos
conceituais da Homeopatia e a MFC. Pode-se dizer que há grande similitude entres estes
importantes campos da medicina. Mas para tal, é importante compreender a dimensão
dos princípios da Homeopatia e sua correlação com a ESF.
A Homeopatia teve como marco histórico o ano de 1796, quando Christian
Frederich Samuel Hahnemann (1775-1843), médico alemão formado pela Universidade
de Leipzig (curso teórico) e Erlangen (conclusão do curso) publicou sua primeira obra, o
uso da China officinalis no indivíduo são.
Hahnemann trabalhava com a tradução de muitos livros médicos e não médicos
do latim e inglês para o alemão, quando em 1790 leu a Matéria Médica do Dr. Cullen,
explicando como a quina age no tratamento da malária. Ele não concordou com as
explicações fornecidas e resolveu experimentar a droga em si mesmo, quando observou
sensações semelhantes às descritas pelos pacientes com malária. Concluiu que o
medicamento agia porque em pessoas saudáveis a medicação causava os mesmos
sintomas de pessoas acometidas pela doença, reforçando a ideia do tratamento pelo
semelhante (base da Homeopatia). Repetiu os testes e atingiu os mesmos objetivos,
cada substância gerava uma gama de sintomas específicos, com beladona, digitalis,
mercúrio e outros compostos (experimentação no homem são – que ocorre até hoje
como pesquisa em homeopatia).
Hahnemann enunciou o princípio do tratamento pelos semelhantes (Similia
Similibus), retomando esse princípio Aristotélico (CORREA et al, 1997). Além disso,
trouxe à tona na centralidade do processo, a compreensão do adoecimento e da cura,
com base no vitalismo (CEHL, 2018a).
Em 1810 Hahnemann publicou a obra mais importante dessa especialidade
médica, que recebeu mais cinco edições até 1921, obra pós-morte, intitulada como
“Organon, a arte de curar”. Este livro traz toda a estrutura filosófica, racional e prática da
Homeopatia.
Desde a lógica do medicamento único, doses infinitesimais, descrevendo a
farmacotécnica da produção do medicamento, e também a tomada do caso,
acompanhamento e formas de prescrição, compondo, ao todo, 291 parágrafos. Nessa
mesma obra, traz os fatores que impedem a boa evolução do paciente, denominados de
obstáculos à cura (CORREA et al, 1997, PUSTIGLIONE, 2010).
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Hahnemann publicou outras importantes obras, como a Matéria Médica Pura e as


Doenças Crônicas. Fez inúmeros seguidores na época, entre os mais importantes
Constantine Hering e James Tyler Kent, responsáveis pela divulgação e aplicação dessa
especialidade nos Estados Unidos e aprofundaram o conhecimento e filosofia
homeopática (CORREA et al, 1997), intimamente relacionada à cosmovisão vitalista.
No Brasil, a Homeopatia foi introduzida em 1841, quando Bento Mure fundou a
Escola Homeopática do Rio de Janeiro. Logo no ano seguinte, abriu a segunda escola
em Santa Catarina e a primeira farmácia no Rio de Janeiro (CORREA et al. 1997;
ERATOSTENES, 2008; LUZ, 2014)
O Governo Federal, com o intuito de fortalecer as práticas integrativas e
complementares lançou no ano de 2006, a Política Nacional de Práticas Integrativas e
Complementares (PNPIC), reforçando essas práticas como política no Sistema Único de
Saúde (BRASIL, 2006).
Assim como a MFC, a homeopatia também se utiliza da consulta como centro do
cuidado, pois é a partir dela que a pessoa apresenta suas principais demandas. A
consulta homeopática é a ferramenta fundamental para que sejam identificadas as
principais características e singularidades da pessoa, as alterações sintomáticas, as
possibilidades de diagnóstico clínico convencional (anatomopatológico), diagnóstico
medicamentoso e prognóstico clínico-dinâmico para seguimento terapêutico.
A consulta homeopática é bastante focada na obtenção de informações, e na
construção de uma boa relação entre o prescritor e a pessoa em busca de auxílio. Isso
pode ser evidenciado no Organon que traz a ideia da centralidade do cuidado na pessoa
em sete parágrafos. No terceiro parágrafo, o autor descreve que é preciso observar o
indivíduo e conhecer o que deve ser curado, adaptado e observado individualmente. A
observação deve ser detalhada (parágrafo 14), e a escuta atenta e espontânea
(parágrafo 98). Preconiza conhecer e escutar os acompanhantes (parágrafo 218),
observar as doenças da mente e do corpo, cujo cuidado implica no reestabelecendo de
ambos (parágrafos 224-226).
Se o médico ou a médica reconhecer o deva ser curado de forma individualizante,
conseguirá ser um agente da cura, pois não existe nenhuma manifestação patológica
que passe despercebido por um profissional criterioso e observador. É primordial a
escuta qualificada, considerando as suas expressões, tendo como objetivo
a investigação verdadeira e completa do quadro.
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É importante que o/a profissional conheça características relacionadas aos


padrões socioculturais como educação, hábitos, valores morais, dentre outros. Pois a
forma como a pessoa lida com seus conhecimentos de saúde, doença, cultura, família e
comunidade podem ser ferramentas protetoras para a saúde ou mantenedoras de
doenças. (ERATOSTENES, 2008)

A INDIVIDUALIZAÇÃO

Na consulta médica, a habilidade de comunicação e observação, além da


interação com o próximo são ferramentas de fundamental importância. Trata-se de
tecnologias leves, que deve ser colocada em prática e aperfeiçoada diariamente, pois
reduz a distância relacional entre as pessoas durante os encontros e melhora a obtenção
dos dados e o cuidado. A comunicação se caracteriza por interatividade e
comprometimento, sendo que, emissor e receptor interagem nesse processo.
O processo de comunicação necessita de um preparo técnico, complexo, e que
envolve vários fatores. O primeiro deles é como a pessoa que fará a entrevista, ou seja,
o profissional de saúde está naquele momento, garantindo também que ele conhece a
pessoa que será atendida (informações básicas possíveis de obter antes de iniciar o
encontro, como demanda advinda do acolhimento, idade, gênero, história pregressa,
etc.). Também é importante observar as angústias da pessoa atendida, os sentimentos
envolvidos naquele momento, descobrir o verdadeiro motivo que a levou e como se
encontra, devemos saber diferenciar cada um deles e entender que cada pessoa é única,
e cada uma delas lida com obstáculos de maneira diferente (RAMOS, 2008).
Stewart et al. (2012) reforçam que as questões da consulta são definidas como
ferramenta de trabalho na MFC a partir do Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP).
Quando uma pessoa chega ao consultório médico, ela geralmente espera que
aquele momento seja voltado as suas atenções, suas queixas. Deseja que este momento
seja exclusivo e abrangente, considerando sua totalidade, ou seja, levando em conta as
necessidades físicas, emocionais e existenciais. Visa alcançar um consenso sobre qual
o objetivo daquele encontro, melhorando a prevenção e a promoção de saúde
(STEWART et al., 2010).
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O MCCP é constituído por 4 componentes:

1. Explora a experiência da doença e da saúde: com o objetivo de obter uma história


completa, além de realizar o exame físico, e quando necessário, solicitar os
exames laboratoriais. Todos esses componentes acrescidos de toda a carga
emocional do que está ocorrendo com a pessoa naquele momento;

2. Compreende a pessoa como um todo: Acrescentar dentro do que já foi obtido, os


contextos recentes e remotos vivenciados pela pessoa;

3. Elabora um plano conjunto de manejo dos problemas: A partir de decisões


conjuntas, buscar objetivos, metas e os papéis de cada indivíduo;

4. Intensifica o relacionamento médico-pessoa: o foco em aprimorar e qualificar o


cuidado entre as partes.

Como é perceptível, dos 4 componentes existentes dentro do método todos são


voltados a consulta e aos possíveis resultados. Inicia na sala de espera ao receber a
pessoa, até a definição de metas terapêuticas, e visa fortalecer a relação profissional-
pessoa, com a obtenção de uma avaliação holística, trabalhando em uma agenda
individual, organizando a consulta e focando do cuidado. Uma forma de trazer esses
componentes a prática, é observar o diálogo que se segue:

Relato de uma eventual consulta:

Dra. Beatriz (D.B.): Olá seu Joaquim, tudo bem? Vejo que o senhor veio hoje
porque não está muito bem, me parece... O que aconteceu?
Sr. Joaquim (S.J.): Olá Dra. Ana, tudo mais ou menos na verdade. Sabe, eu estou
com uma dor de garganta, febre, mal-estar daqueles e vim para ver se a senhora me
ajudaria.
D.B.: Ah é? Pois não, vou fazer o que estiver ao meu alcance. Mas me conte mais
sobre isso...
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S.J.: Sabe o que é, de ontem para cá, eu comecei a ter febre, calafrios, mal estar.
Febre alta sabe doutora? Perto dos 40 graus. E a senhora me conhece, eu não sou de
procurar aqui, ficar doente. Aí me vem uma dessas, de um dia pro outro já a febre e esse
calorão.
D.B.: Além do calor e a febre repentina, o senhor tem algo mais para me contar?
Algo que está sentindo?
S.J.: Ah, dor de garganta né, Doutora. Não tô conseguindo engolir, comer. Está
difícil. Parece que tem uma bola aqui no meu pescoço. E também uma fraqueza na febre,
parece que nem estou no corpo.
D.B: Eu acho que estou te entendendo. O sr. é uma pessoa forte, que não fica
doente, aí de um dia pro outro “cai de cama” com febre alta e quer uma ajuda. É isso?
Tem algo a mais te incomodando, que eu possa te ajudar? O que acha que é tudo isso?
S.J.: Olha doutora, como a senhora mesmo disse, eu sou duro na queda, trabalho
no pesado, mas hoje não consegui ir. Precisaria de uma justificativa para não ir e porque
vim aqui. Infelizmente, eu não queria ter faltando, mas hoje estou com moleza demais,
dor no corpo. Ainda bem que meus filhos estão todos firmes. Espero que eles não
peguem, né! (risada de canto de boca).
D.B.: Quanto ao atestado, o senhor. pode ficar tranquilo, eu vou fazer quantos dias
o senhor precisar. Não precisa trabalhar doente. Eu também acho que seus filhos não
vão ter não, eles são muito saudáveis, mas se precisar estarei aqui.
Exame Físico: Tax 40º. Otoscopia: faringe eritematosa com petequeias e
amígdalas de grande volume e com pus. Linfonodo doloroso, na região cervical anterior
direita.
Avaliação: Faringite Bacteriana
Plano de cuidados: Amoxicilina 500mg de 8 em 8 horas, por 7 dias. Aparentou
melhora no 4º dia de medicação.

A título de comparação, o diálogo que se segue será uma releitura do caso


acima, contudo com o olhar da Homeopatia, no mesmo caso descrito acima:

Dra. Belladona (D.B.): Olá seu Joaquim, tudo bem? Vejo que o senhor veio hoje
porque não está muito bem, me parece... O que aconteceu?
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Sr. Joaquim (S.J.): Olá Dra. Belladona, tudo mais ou menos na verdade. Sabe, eu
estou com uma dor de garganta, febre, mal-estar daqueles e vim para ver se a senhora
me ajudaria.
D.B.: Ah é? Pois não, vou fazer o que estiver a meu alcance. Mas me conte mais
sobre isso...
S.J.: Sabe o que é, de ontem para cá, eu comecei a ter febre, calafrios, mal-estar.
Febre alta sabe doutora? Perto dos 40º. E a senhora me conhece, eu não sou de procurar
aqui, ficar doente. Aí me vem uma dessas, de um dia paro outro já a febre e esse calorão.
D.B.: Além do calor e a febre repentina, o senhor tem algo mais para me contar?
Algo que está sentindo?
S.J.: Ah, dor de garganta né, Doutora. Não tô conseguindo engolir, comer. Está
difícil. Parece que tem uma bola aqui no meu pescoço. E também uma fraqueza na febre,
parece que nem estou no corpo.

(Observem como o início da consulta foi exatamente o mesmo, e agora vem


o “toque homeopático”).

D.B. Interessante esses dados Seu Joaquim. Deixa eu ver se entendi bem: Foi
uma febre alta e repentina? Começou tudo muito rapidamente? Está bastante debilitado,
sem conseguir fazer as coisas, querendo mais ficar quieto? Além disso o senhor percebe
algo durante a febre? Vou dar alguns exemplos para facilitar: como fica seu rosto? Como
ficam os pensamentos, eles se modificam ou fica do mesmo jeito?
S.J.: Agora que a senhora falou, me veio algo na cabeça. Meu filho comentou
ontem que eu estava muito vermelho, principalmente na bochecha durante a febre, com
os olhos brilhando, que coisa doida né doutora? E durante a febre, eu não gosto de gente
perto de mim não, porque eu fico sem paciência sabe, parece tudo doido querendo ficar
em cima de mim. Já sabem que tem que me deixar quieto.
D.B: Eu acho que estou te entendendo. O sr. é uma pessoa forte, que não fica
doente, aí de um dia pro outro “cai de cama” com febre alta e quer uma ajuda. É isso?
Tem algo a mais te incomodando, que eu possa te ajudar?
S.J.: Olha doutora, como a senhora mesmo disse, eu sou duro na queda, trabalho
no pesado, mas hoje não consegui ir. Precisaria de uma justificativa para não ir e porque
vim aqui. Infelizmente, eu não queria ter faltado, mas hoje estou com moleza demais, dor
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no corpo. Ainda bem que meus filhos estão todos firmes. Espero que eles não peguem
né! (risada de canto de boca).
D.B.: Quanto ao atestado o senhor pode ficar tranquilo. Eu vou fazer quantos dias
o senhor precisar. Não precisa trabalhar doente. Eu também acho que seus filhos não
vão ter não, eles são muito saudáveis, mas se precisar estarei aqui.
Exame Físico; Tax: 40º e a oroscopia: faringe eritematosa com petéquias,
amígdalas de grande volume e com pus. Linfonodos dolorosos, na região cervical
anterior direita.
Avaliação; Faringite Bacteriana
Plano de Cuidados: Belladona 6CH, dose única.
Melhora completa do quadro em 24 horas.

A INDIVIDUALIZAÇÃO E A ESCRITA ADEQUADA PARA A TERAPÊUTICA


HOMEOPÁTICA

Quando observamos as duas consultas, identificamos similaridades e pontos


individualizantes. Entretanto, as principais individualizações obtidas na consulta do
profissional homeopata são fundamentais para a definição da terapêutica correta.
Isso porque a faringite aguda bacteriana (a doença) possui sinais e sintomas
comuns e frequentes: como o eritema de aspecto de máculas faringeanas, aumento uni
ou bilateral de amígdalas, presença de placas de pus, odinofagia, linfonodomegalia
maior que 1 cm ipsilateral ao aumento amigdaliano doloroso e febre, com sintomas de
início abrupto. Possivelmente os profissionais que estiverem à frente a um caso
semelhante, terão entre seus diagnósticos diferenciais mais prováveis a amigdalite
bacteriana aguda. Possivelmente irão utilizar um mesmo tipo de medicamento, ou seja,
um antibiótico para o tratamento da patologia.
Assim, apesar do diagnóstico medicamentoso homeopático ser específico, o
diagnóstico clínico não é diferente dentre as especialidades, mas sim o plano de
cuidados terapêuticos. E mesmo dentro do plano de cuidados, a prescrição pode ser
exclusiva ou complementar, ou seja, é possível associar os recursos da medicina
alopática aos recursos da homeopatia.
Na terapêutica homeopática é necessário que se identifique o medicamento mais
similar possível, isto é, aquele que seja capaz de produzir, durante a experimentação no
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indivíduo saudável, um conjunto de sintomas que melhor represente a totalidade


individual. Este é o medicamento similar ao caso. Ou seja, é indispensável alcançar
algum grau de similitude, ou a aproximação dos sintomas manifesto pela pessoa aos
sintomas próprios do medicamento. Para tal, necessitamos que durante a consulta
obtenhamos a totalidade sintomática, compreendendo o que causou a doença (noxas,
susceptibilidades e idiossincrasia (CEHL, 2018b; 2018c)
Obter a história clínica completa, para além dos sintomas "comuns" é o primeiro
passo do MCH. De forma que, os exemplos citados acima facilitam essa aproximação e
a obtenção de sintomas individualizantes, como o aspecto da faringe e da amigdala, o
tipo da febre, a presença de sede e de transpiração, o estado mental do indivíduo.
Ou seja, na condução de um caso clínico é fundamental a
observação dos sintomas que se apresentam de forma distinta entre os
indivíduos. Como por exemplo a preferência térmica (sensível ao calor, unidade ou frio),
identificar se é calorento, friorento ou indiferente, o tipo de transpiração, o horário da
agravação (ex: que horas que a febre aparece ou agrava), desejos e aversões
alimentares, característica da sede (sedento, sem sede, beber em pequenas
quantidades, grandes quantidades - por vez), característica da menstruação,
característica das fezes e hábito intestinal.
Já os termos noxa, susceptibilidade e idiossincrasia trazidos acima são conceitos
fundamentais na homeopatia, aumentando a plausibilidade terapêutica com os
medicamentos individualizantes.
Noxa é considerado o fator causal da doença. Para buscar a individualização,
verificar se há alguma relação causal com a exposição ao vento frio, a mudança de
umidade (como a chuva), e também identificar as causas emocionais, como os
transtornos por amor, perdas, ou relacionados a episódios de raiva ou susto. Esses
pontos são bastante importantes pois podem causar um desequilíbrio, iniciando o
processo de doença e na sequência gerar intensa resposta inflamatória e crescimento
bacteriano no local.
Mas a pessoa só "responde" a essa noxa (seja ela externa, climática ou interna,
emocional) quando está suscetível (a esta noxa) e a ficar doente. Ou seja, está
vulnerável a algum fator causador de doença (noxa).
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Por fim, como a pessoa responde a noxa apresentada, quando suscetível, é


chamado de idiossincrasia, ou seja, a resposta do organismo às causas acima
discutidas.
Com esses aspectos, é possível compreender o indivíduo dentro das bases da
homeopatia, ou seja, um olhar para além da estrutura cartesiana-flexineriana,
geralmente reducionista, com foco na doença (biológico).
A consulta centrada na pessoa, não exclui as perguntas fechadas, mas valoriza o
relato espontâneo principalmente, aspecto chave que aproximam o médico da pessoa e
facilita a obtenção da informação (CEHL, 2018d).
Além de anotar os sintomas, é preciso também perceber a linguagem não verbal
da consulta, como sorriso, choro, silêncio, pausas. Esses componentes também devem
estar presentes na escrita da consulta.

A ESCOLHA DO MEDICAMENTO HOMEOPÁTICO E O ACOMPANHAMENTO DO


CASO.

Como já explicitado, a prescrição do medicamento homeopático, diferentemente


da alopatia, implica em uma prescrição individualizada com base nos sintomas presentes
naquele indivíduo, e não apenas na doença.
Ou seja, a rinite alérgica, que na alopatia é prescrito corticóide nasal como
primeira escolha para um grande número de pessoas, na prescrição homeopática, cada
pessoa que possui rinite alérgica pode receber uma medicação diferente, de acordo com
a sua singularidade.
Para tanto, na realização da anamnese homeopática é importante identificar os
sintomas RAROS, ESTRANHO e PECULIARES, que são os mais individualizantes.
Utilizando a rinite alérgica como exemplo: pessoas que pioram o quadro quando
estão comendo uma comida quente (calor e umidade da comida), ou que apresentam
piora da coriza em apenas uma narina e não os dois lados ou horários de
manifestação/exacerbação. São detalhes relevantes para uma prescrição homeopática.
O exame clínico também é uma parte crucial, pois possibilita identificar detalhes
sutis e individualizantes, tais como: as características da língua (marcada pelos dentes?
Fissurada?), a temperatura das mãos e dos pés, são as mesmas do resto do corpo? etc.
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Com esse olhar mais detalhado, é possível observar os sintomas principais da


pessoa, ou sintomas individualizantes e não apenas sintomas comuns da doença. Após
esse primeiro olhar, ou primeiro filtro, será definido quais as outras medicações que mais
se aproximam da pessoa, estudá-los e definir qual seria o mais similar a pessoa ou
totalidade sintomática Ou seja, fazer o diagnóstico do medicamento a ser prescrito.

OBSTÁCULOS À CURA

A prescrição homeopática é bastante peculiar, exigindo estudos e dedicação ao


cuidado das pessoas, assim como a MFC.
Contudo, o processo de cuidado não se restringe apenas a prescrição.
Hahnemann trouxe o conceito de OBSTÁCULOS À CURA, reforçando que não é apenas
a medicação a ferramenta de cuidado, mas o autocuidado e cuidado compartilhado.
Para reforçar esse conceito, o texto a seguir explicará os aspectos de promoção
à saúde e de prevenção de doenças como pontos chave do cuidado, presentes em
ambas as especialidades. Esses conceitos aparecem mais de um século antes no
processo de saúde-doença (ERATOSTENES, 2008).

PROMOÇÃO DE SAÚDE

Pela Carta de Ottawa (WHO,1986), a promoção à saúde é a capacidade da


comunidade em atuar em prol da melhor qualidade de vida e saúde. Ou seja, além do
binômio saúde-doença, como também meio ambiente, educação, informação, político,
dentre outros (ERATOSTENES, 2008).
No Organon estão descritos nos parágrafos 4, 5, 94, 225 e 261 o que é essencial
ao agente da cura (médicos e médicas) saber sobre os fatores causais das doenças e
conseguir afastá-los, sejam eles físicos, psíquicos, sociais.
A constituição física do doente, seus hábitos, suas ocupações, seu modo de vida,
sua relação doméstica e de trabalho, sua idade, função sexual, dieta, buscando nos
doentes crônicos o fator causal, geralmente presente em sua história. (ERATOSTENES,
2008).
Quando doença feminina, atentar para gestações, menstruação, aleitamento,
aborto, corrimentos, esterilidade, desejos sexuais, partos, sintomas peri menstruais. Não
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podendo esquecer do psiquismo (para ambos os sexos e gêneros), que muitas vezes
esse tipo de alteração leva a alterações do corpo em sua evolução. Sendo essencial
identificar e eliminar esse fator, para promover saúde (ERATOSTENES, 2008).
Esses são exemplos de fatores que podem dificultar a cura, mas que precisam ser
identificados para que possamos orientar algumas modificações, como por exemplo a
adoção de atividades física, melhoria na relação doméstica, dentre outros. Assim, tanto
os obstáculos à cura quanto a promoção à saúde possuem aspectos em comum.
O núcleo de informações desses parágrafos é fazer uma avaliação pormenorizada
da vida do indivíduo, buscando caracterizá-lo e avaliar onde é necessário modificar,
qualificar, para obter uma melhor qualidade de vida e/ou a cura das doenças de forma
geral, e não uma doença específica, mesmo objetivo da promoção de saúde, cuidando
para que a pessoa tenha um cuidado integral, centrado na pessoa e com foco na saúde
e não doença, mas mesmo assim, observado que muitas são as causas do adoecimento
e da cura.

PREVENÇÃO PRIMÁRIA, SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA

Em 1969, Leavell & Clark propuseram 3 níveis de prevenção possíveis dentro da


história natural das doenças. Essa divisão se caracteriza pelo reconhecimento do
período pré-patogênico, pré-clínico e no período clínico. Os tipos de prevenção podem
ser realizados a depender da história natural da doença e do período que ocorrerá a
intervenção.
Quando a intervenção ocorre antes da doença aparecer, é a prevenção primária.
Ou seja, os profissionais estão realizando um processo para que a doença não ocorra
(por exemplo, orientar cessar o tabagismo antes de DPOC, câncer de pulmão, etc).
As prevenções secundária e terciária são especificamente dentro do período
patogênico da doença. A secundária consiste em diagnóstico precoce e limitação de
danos. Assim, a pessoa já possui alguma lesão ou doença, podendo não ter de
manifestar ainda (pré-clínica), ou já ter manifestado, mas sem lesão mais avançada
(clínica).
Novamente, no exemplo do tabagista, uma orientação de cessar o hábito para um
DPOC sem complicações, por exemplo. Já a prevenção terciária está vinculada a
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reabilitação após lesão (CZERESNIA, 1999; MEDINA et al. 2014). Retornando a pessoa
tabágica, orientações após um diagnóstico e tratamento de neoplasia de boca.
Na homeopatia, os tipos de prevenção de doenças estão descritos de outra forma,
e foram desenvolvidas na década de 70. Entretanto, é possível encontrar passagens em
sete parágrafos (5, 94, 208, 252, 259, 260, 261)(ERATOSTENES, 2008).
É útil para a cura, buscar as causas das doenças agudas e a causa fundamental
da doença crônica, sempre tentando retirar as possíveis causalidades, visando a
recuperação da saúde, seja da habitação, da alimentação, do modo de vida, dentre
outros.
Levando em consideração que diante do tratamento homeopático bem conduzido,
quando observa-se elementos que estejam contribuindo para impedir o processo de
cura, é necessário orientar que alguma circunstância ou modo de vida necessita ser
removido ou modificado. Geralmente é detectável a causa nociva a sua saúde, mas se
não for bem observado, passa desapercebido.
No parágrafo 260 há uma descrição pormenorizada das várias causas
consideradas como OBSTÁCULOS À CURA (desde o uso de chás, álcool, alimentos,
perfumes, açúcar, movimentos específicos, sujeira, jogo, alterações mentais, dieta,
dentre outros)(ERATOSTENES, 2008).
A concepção Hahnemanianna utiliza o termo obstáculos à cura como termo
semelhante à prevenção, concebendo a ideia que a pessoa não está melhorando após
o início do tratamento porque tem algum obstáculo que está impedindo a melhora. Hoje
utilizamos o termo prevenção secundária como esses obstáculos, e utilizamos a
prevenção terciária para reabilitar o paciente, que é a cura homeopática.

PREVENÇÃO QUATERNÁRIA

Em 2003, a Organização Mundial de Médicos de Família (WONCA) oficializou o


termo Prevenção Quaternária como a detecção de indivíduos com risco de tratamentos
e ações médicas excessivas e inapropriadas, sugerido a eles alternativas eticamente
aceitáveis (JAMOULLE, 2015).
Resumidamente, o grande objetivo desse novo termo é evitar iatrogenias médicas
desnecessárias, ou seja, excesso de rastreamentos, exames complementares e
medicamentos.
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Conforme Erastóstenes, 2008, no texto base da Homeopatia existem nada menos


que sete parágrafos sobre as possibilidades iatrogênicas da medicina (22, 23, 74, 75,
76, 275 e 276).
Entretanto, é importante ressaltar que o autor viveu e atuou no século XVIII,
quando sangrias, unguentos, uso de inúmeros medicamentos tóxicos faziam parte do
arsenal terapêutico da época. Fato interessante é que Hahnemann deixou de exercer a
clínica durante alguns anos, antes de experimentar a China, justamente porque não
concordava com este tipo de terapêutica, e como o método alopático (nomenclatura
criada por ele, justamente para contrapor a proposta da homeopatia).
Enfim, o autor deixou claro que muitas vezes, os médicos podem produzir mais
malefícios do que benefícios, se não forem cautelosos com a terapêutica, tanto alopática,
quanto homeopática, demonstrando claramente a importância da prevenção quaternária.
A alopatia, terapêutica dos contrários, termo cunhado pelo Hahnemann, é capaz
de levar, muitas vezes, a piora da doença, por desconhecer, em parte, os efeitos dos
medicamentos que usa, uso de frequências e doses elevadas, operações dolorosas,
podendo levar a agravação do indivíduo.
Um recente artigo de Tesser e Norman, 2020, traz uma importante reflexão teórica
de como as Práticas Integrativas e Complementares podem auxiliar no cuidado às
pessoas, sendo um fator perpetuante da prevenção quaternária, principalmente na
Atenção Primária à Saúde.

CONCLUSÃO

Esse artigo teve como objetivo iniciar uma discussão pouco encontrada na
literatura, utilizando-se de temas importantes e presentes em dois importantes campos
da medicina: Homeopatia e Medicina de Família e Comunidade.
Não é a meta esgotar a discussão sobre o tema, mas valorizar ferramentas muito
frequentes da homeopatia e MFC, tais como o cuidado individual, a promoção à saúde
e a prevenção de doenças em seus diversos aspectos e níveis.
Antes mesmo da concepção de APS e o nascimento da especialidade médica
MFC, Samuel Hahnemann em seus escritos baseados na observação clínica e
experimentos de fármacos, elenca conceitos teórico, procedimentos clínicos e
orientações terapêuticas bastante atuais, possibilitando diversas inter-relações entre a
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teoria e prática da homeopatia com a MFC. A leitura atenta, análise critica e prática
clínica contribuirão com novos experimentos imprescindíveis para o desenvolvimento da
homeopatia na APS, se aproximando do especialista em pessoas (MFC).

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