Você está na página 1de 288

COLEÇÃO CADERNOS DO FOLCLORE

VOLUME 25º
Medicina popular
nas caatingas
do Geopark
Araripe Ceará
UMA REVISÃO HISTÓRICO-RELIGIOSA DA
ETNOFARMACOBOTÂNICA EM ABORDAGEM
INTERDISCIPLINAR

Maria Thereza Lemos de Arruda Camargo


Destaca-se no presente livro a parceria de Aristides de Arruda Camargo Neto,
arquivista especializado em patrimônio cultural, responsável pelo levantamento da
documentação primária e secundária junto à Cúria Diocesana do Crato – CE e aos
arquivos das igrejas desta Diocese, pesquisa que representa contribuição de signi­
ficativa importância para a composição do presente livro.
10 IMPORTANTE FONTE DE PESQUISA SOBRE A CULTURA POPULAR BRASILEIRA
11 COLEÇÃO CONTRIBUI PARA PROPAGAR A DIVERSIDADE FOLCLÓRICA
12 AGRADECIMENTOS
15 PREFÁCIO
23 CARTA A MARIA THEREZA
26 INTRODUÇÃO

46 1 O CEARÁ NOS PRIMEIROS TEMPOS DE COLONIZAÇÃO


52 1.1 Apanhados históricos da religiosidade na região sul do Ceará

55 2 PADRES DA COMPANHIA DE JESUS NO SUL DO CEARÁ


58 2.1 Educação como proposta jesuítica
58 2.1.1 A criação dos colégios
60 2.1.2 O trabalho educacional dos jesuítas no Brasil
61 2.2 A formação das bibliotecas
65 2.2.1 O destino das bibliotecas após a expulsão dos jesuítas em 1759
66 2.3 A correspondência epistolar dos jesuítas e sua expansão
69 2.4 A Companhia de Jesus e a arte médica
70 2.4.1 Médicos judeus
73 2.5 Padre Anchieta (1534-1592) – o Galeno brasileiro
74 2.5.1 Depoimento médico de Anchieta
75 2.6 Padre José de Anchieta – primeiro naturalista no Brasil
81 2.6.1 Padre Anchieta é homenageado pelo botânico francês Saint-Hillaire
81 2.7 Padre José Rodrigues de Melo
90 2.7.1 Padre José Rodrigues de Melo e a cultura da mandioca
90 2.8 A expulsão dos jesuítas

93 3 REMINISCÊNCIAS JESUÍTICAS NA RELIGIOSIDADE DO POVO DO


SERTÃO
93 3.1 Reminiscências jesuíticas
94 3.2 Sacramento do batismo
101 3.3 Penitências
106 3.4 Os jesuítas e as práticas devocionais
106 3.4.1 Devoção a Nossa Senhora
109 3.4.1.1 Nossa Senhora medianeira
110 3.4.1.2 Nossa Senhora em rezas para curar doenças
111 3.4.1.3 Rosário de Nossa Senhora
114 3.4.1.4 Nossa Senhora em auto de Padre Anchieta
116 3.5 Devoção ao Bom Jesus
120 3.5.1 Devoções ao Sagrado Coração de Jesus e ao Bom Jesus em Portugal
121 3.5.1.1 Bom Jesus do Monte das Mós
122 3.5.2 Juntos, Bom Jesus e Padre Cícero em Juazeiro do Norte
124 3.6 Culto aos santos e às relíquias
128 3.7 Jesuítas em áreas do Geopark Araripe

132 4 PADRE IBIAPINA E PADRE CÍCERO, OS BALUARTES DA


RELIGIOSIDADE CAZRIRIENSE
134 4.1 Padre Ibiapina
140 4.2 Padre Ibiapina enquanto evangelizador
143 4.3 Os milagres atribuídos a Padre Ibiapina
148 4.4 As doenças e os doentes no tempo de Padre Ibiapina

165 5 JUAZEIRO DO NORTE: CHÃO SAGRADO


166 5.1 Juazeiro do Norte
166 5.2 Juazeiro... Tu és a Jerusalém
168 5.3 As peregrinações no Ocidente
171 5.4 Carlos Magno na poesia dos trovadores nordestinos
172 5.4.1 O poema O bálsamo de Ferrabrás
173 5.4.1.1 As plantas na composição do Bálsamo de Ferrabrás
174 5.4.1.2 A espécie brasileira do gênero Kalanchoe
175 5.4.2 O Bálsamo de Ferrabraz em Leandro Gomes de Barros
178 5.5 Juazeiro – árvore sagrada
178 5.6 Padre Cícero em Juazeiro
182 5.6.1 As romarias a Juazeiro do Norte
184 5.6.2 O romeiro de Juazeiro do Norte
189 5.7 As curas mágico-religiosas
192 5.8 A eficácia simbólica em Claude Lévi-Strauss na interpretação de curas em
contextos religiosos
193 5.9 Claude Lévi-Strauss, em Berner Spies

196 6 AS PLANTAS MEDICINAIS DA CAATINGA E A MEDICINA


POPULAR
196 6.1 A caatinga propriamente dita
207 6.2 As espécies lenhosas na medicina do sertão
210 6.3 Metabolismo secundário das plantas de caatinga e as propriedades medicinais
212 6.3.1 Flavonoides
214 6.3.1.1 Os flavonoides nas espécies lenhosas das áreas de caatinga do Geopark Araripe
225 6.4 Investigações científicas sobre as plantas medicinais e interações
medicamentosas
227 6.5 A medicina do cangaço
230 6.5.1 Pimenta malagueta
231 6.5.2 Fumo
233 6.5.3 Um rápido perfil do cangaço
235 6.5.4 Os autores pelas trilhas de Lampião e seu bando

236 7 OS ROMEIROS DE JUAZEIRO DO NORTE E AS CURAS


MILAGROSAS EM UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR
INTERPRETATIVA
238 7.1 Aspectos metodológicos da pesquisa
243 7.2 Os impulsos religiosos
245 7.3 O sentir-se doente e o sentir-se curado
246 7.4 Dois fatores que justificam o sentir-se curado
247 7.5 Ex-votos como testemunhos das curas
249 7.6 Dois mil anos separando os humores de Hipócrates e a homeostase de Claude Bernard
250 7.7 Os romeiros de Juazeiro do Norte e as curas milagrosas

157 FOTOGRAFIAS
251 FONTES DOCUMENTAIS PRIMÁRIAS
252 FONTES IMPRESSAS
254 BIBLIOGRAFIA
280 COLEÇÃO CADERNOS DE FOLCLORE
IMPORTANTE FONTE DE PESQUISA SOBRE A
CULTURA POPULAR BRASILEIRA

O primeiro volume da Coleção Cadernos de Folclore foi publicado em 1986, um ano após a
criação da Fundação Cultural Cassiano Ricardo. A coleção é reconhecida como uma das pri-
meiras ações efetivas da instituição, por meio da então existente e recém-formada Comissão
Municipal de Folclore. Nascia ali uma ferramenta valiosa de divulgação e propagação das dife-
rentes manifestações folclóricas do Brasil e, particularmente, da região do Vale do Paraíba.
A coleção ganhou ainda mais força com a criação do Museu do Folclore de São José dos
Campos, em 1987, iniciativa que também foi capitaneada pela Comissão Municipal de Folclore,
extinta em 1999. Naquele mesmo ano, foi criado o Centro de Estudos da Cultura Popular
(CECP), organização da sociedade civil que se tornou um importante parceiro da Fundação
Cultural para dar continuidade à Coleção Cadernos de Folclore.
Neste ano, a publicação chega ao seu 25º volume (Medicina popular das caatingas do Geopark
Araripe – Ceará) –, novamente pelas mãos da competente professora, especialista na área
de etnofarmacobotância e estudiosa da medicina popular, Maria Thereza Lemos de Arruda
Camargo, que em 2008 já havia contribuído com sua pesquisa e conhecimento, para o lan-
çamento do 18º volume da coleção (O Milho e a Mandioca nas cozinhas brasileiras, segundo
contam suas histórias).
Sem medo de errar, é possível afirmar que, percorridos 33 anos e muitos assuntos aborda-
dos, a Coleção Cadernos de Folclore se consolidou como uma importante fonte de pesquisa
sobre a cultura popular brasileira. Uma publicação que está à disposição de qualquer inte-
ressado na biblioteca do Museu do Folclore ou pela internet (no site www.museudofolclore.
org), em PDF e e-book.

Fundação Cultural Cassiano Ricrado

12
COLEÇÃO CONTRIBUI PARA PROPAGAR A
DIVERSIDADE FOLCLÓRICA

O Centro de Estudos da Cultura Popular (CECP) tem a satisfação de apresentar ao público


seu 25º volume da Coleção Cadernos de Folclore, que tem como título Medicina popular das
caatingas do Geopark Araripe – Ceará, de autoria da professora Maria Thereza Lemos de
Arruda Camargo.
A Coleção Cadernos de Folclore, publicada em parceria com a Fundação Cultural Cassiano
Ricardo, é fruto de pesquisas realizadas por estudiosos do folclore que trazem luz a temas
relacionados à sabedoria popular, seus usos, costumes e crenças, entre tantas outras ver-
tentes correlatas.
É com esse espírito de seriedade científica, divulgação das tradições e respeito aos detentores
do saber que este livro lança sua fundamental contribuição ao ideal da Coleção Cadernos de
Folclore, que visa a divulgar e propagar a diversidade de nossas manifestações folclóricas.
Nossa expectativa é de que a presente obra contribua para a divulgação regional da temática
abordada, bem como sirva de fonte de referência para pesquisas futuras, assim como já
aconteceu com os demais volumes publicados anteriormente, desde 1986.

Ricardo Savastano
Presidente do CECP

13
AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Nivaldo Soares de Almeida, Diretor Executivo do GeoPark Araripe –


UNESCO Global Geopark, pela concessão de autorização de uso de direito intelectual
e de imagem para a publicação do presente livro: Medicina Popular das caatingas do
Geopark Araripe. Uma revisão histórico-religiosa na Etnofarmacobotânica em abor-
dagem interdisciplinar.
Ao Padre Francisco Roserlândio de Souza, Diretor do Departamento Histórico da
Cúria Diocesana do Crato (CE), nossos sinceros agradecimentos por disponibilizar
para consulta os documentos do arquivo, os quais nos possibilitaram a organização
temática do presente livro.
À Profa. Dra. Maria Arlene Pessoa da Silva, Pró-Reitora de Extensão e Diretora
do “Herbário Dárdamo Andrade Lima” da Universidade Regional do Cariri – URCA,
e sua equipe pela preciosa colaboração prestada com relação à revisão taxonômica
do material botânico representado no presente livro.
À Maria do Carmo Vendramini, amiga e companheira de muitos anos de pesqui-

14 Agradecimentos
sas de campo e bibliográfica de assuntos de nossos interesses, considerando-a no
campo da etnomusicologia. Recordo os valiosos livros com os quais gentilmente me
presenteou, dos quais venho me servindo na elaboração de meus escritos. Destaco,
ainda, sua importante contribuição ao presente livro ao ceder dados de seu acervo
parti­cular, concernente ao tópico referente aos penitentes tratado na Parte 3 desta
obra.
Meu profundo agradecimento à geógrafa Maria Araujo Ferrer, do Instituto Chico
Mendes – Flora Araripe Apodi, profunda conhecedora da área pesquisada, a qual
vem me assessorando quando de minhas andanças pelas caatingas, favorecendo,
sobretudo, o contato com informantes.
Enfim, meu mais profundo agradecimento aos professores amigos da URCA e
de fora dela, sobretudo as benzedeiras, os informantes, os vendedores de plan-
tas medici­nais dos mercados e feiras livres das cidades que compõem o Geopark
Araripe. A todos eles, com os quais contatei por esses quase 20 anos de andanças
por essas paragens, recebendo-me com muito carinho, como é peculiar do povo
caririense.
À minha secretária Ana Lúcia Porfírio Lima Araújo, a qual, com muita eficiên-
cia vem há muitos anos no comando de minha vida doméstica, permitindo, assim,
minha dedicação plena aos meus escritos.
Ao meu filho mais velho, Aristides, o meu muitíssimo obrigada pelas pesquisas
desenvolvidas junto aos arquivos da Cúria Diocesana do Crato no levantamento
da documentação exposta no presente livro. Ao meu terceiro filho, Mário, por
acompanhar-me ao Ceará, nestes últimos anos, meu agradecimento pelo suporte
técnico no campo das tiragens fotográficas acompanhando-me pelas áreas das
caatingas percorridas. Ao Carlos Avelino, filho caçula, sempre muito próximo ao
meu cotidiano, animando na execução de meus escritos. Ao meu quarto filho, João
Paulo, e minha nora, Diana, os quais, embora mais distantes, tenho em meu coração.

Agradecimentos 15
Ofereço este livro aos meus irmãos
Fernando e Carlos Alberto e sua esposa Clara.

16
PREFÁCIO

É com grande alegria, mas também responsabilidade, que atendo ao chamado de


prefaciar este livro de Maria Thereza Lemos de Arruda Camargo e Aristides de
Arruda Camargo Neto. É clara a minha preocupação para interpretar a extensa
obra e o legado de Maria Thereza, pesquisadora consagrada no trabalho pioneiro
dos estudos antropológicos, de Etnofarmacobotânica, de medicina popular, de
plantas medicinais e também de plantas medicinais utilizadas em rituais religiosos
afro-brasileiros.
Por isso, acredito que me saio melhor quando utilizo o caminho que venho tri­
lhando com a sociologia e antropologia da medicina e da saúde para destacar em
foco os estudos de medicina popular propostos no livro. Também focalizo o meu
interesse em perscrutar esse tema para, quem sabe – em meu ofício de sociólogo,
antropólogo e filósofo em uma faculdade de medicina –, introduzir uma arquitetura,
ou apenas um desenho ou esboço de linha de pesquisa de medicina popular no
ambiente acadêmico.

Prefácio 17
Para além da popularização da cultura popular, a medicina popular é um tema
político e atual. Entendo que a desvalorização da medicina popular ao longo do século
XX é uma estratégia pedagógica e de poder frente à produção e ao uso bem-sucedido
das biotecnologias médicas na prática da saúde da população. Uma vez consolidado
no campo científico por meio de um longo processo de interdisciplinaridade entre
as ciências da vida e as ciências da saúde, o progresso científico em medicina
caminha de modo pragmático, seja para o controle das epidemias com atuação em
saúde pública, seja com o profissional da saúde no cuidado com seres humanos.
Utilizar a medicina popular como área de conhecimento, abdicando dos avanços da
biomedicina e do uso que se faz das biotecnologias médicas para o tratamento de
doenças, aparece como incoerência na atuação do profissional e gestores da saúde.
Em outras palavras, falar de medicina popular no ambiente profissional e acadêmico
no Brasil é algo que incomoda. Transforma-se em uma ameaça ao movimento do
progresso científico da medicina e também ameaça à legitimidade do profissional
da saúde.
É certo que os estudos interdisciplinares da medicina com as ciências humanas
têm longa tradição no Brasil. Desde as primeiras formulações de uma medicina
legal com Nina Rodrigues no século XIX até a antropologia de Roger Bastide nos
inícios século XX, as questões religiosas sempre estiveram na ordem do campo
científico nascente da medicina e das ciências humanas. A neurologia ainda nada
produzia na época. Na medida em que as biotecnologias avançam, por exemplo,
com a matematização proposta pela bioquímica nos anos de 1900 e mais tarde com
a genética dos anos de 1950, avança em consistência a abordagem mecanicista da
medicina. Os Prêmios Nobel em medicina desde o início do século XX atestam o
papel histórico do poder simbólico das descobertas científicas em circulação, dei­
xando marcas para o consumo legítimo de bens da medicina tecnicista vencedora,
contraface à medicina popular, que foi sendo deixada para o passado sem sentido,

18 Prefácio
perdedora em eficiência e eficácia, e, portanto, mais bem adequada ficou na
identificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que a nomeou com o
eufemismo de “medicina tradicional”.
Defendemos que a denominação “medicina popular” se encontra criticamente
no campo simbólico da saúde. E é com essa denominação que surgem os parâme­
tros para a circulação de bens simbólicos das práticas de cura em geral no campo
da saúde. A medicina popular tende a perder força política no campo da saúde,
porém não se permite a sua extinção. Caminham juntas as abordagens vitalistas
do passado que sequer remetem-se ao passado remoto. Mas também é correto
afirmar que as abordagens vitalistas têm longa tradição, principalmente quando
deslocamos o olhar para as práticas de cura dos países do Oriente, somadas às
medicinas homeopática e antroposófica do Ocidente, entre outras, podemos cons­
tatar uma vitalidade da abordagem vitalista na prática médica.
Insistindo nos pressupostos: a medicina popular no Brasil está situada desde
então em um campo simbólico, que a coloca em um passado remoto. Podemos
pensar de modo metafórico tal situação associando-a a uma moeda, que possui duas
faces, que se nos apresentam necessária para sua concretude, para sua concreta
circulação na sociedade: as medicinas populares e as medicinas oficiais acadêmicas
compreendem esses dois lados da mesma moeda, que circulam enquanto práticas
médicas e de saúde em um mercado de bens simbólicos e perfazem o valor
comunicativo e contratual entre os membros da sociedade. A interlocução ocorre
em função do que está dado na própria moeda em circulação: práticas de cura.
Nessa economia simbólica sugere-se também a circulação de outra moeda
paralela, como aquelas que circulam somente entre o banco central e os bancos
privados de um país. Ou seja, em associação, tal moeda circularia somente no campo
da ciência, entre cientistas nestas duas faces: numa a abordagem mecanicista
(representada pelo avanço da biologia, da bioquímica e da farmacologia); noutra

Prefácio 19
a abordagem vitalista (representada pelo conhecimento das forças vitais atuantes
no corpo humano); ambas concorrendo para a hegemonia das pesquisas médicas e
seus produtos no mercado do campo da saúde.
Esses aspectos do campo simbólico da saúde interessam à sociologia e
antropologia da saúde que realizamos na faculdade de medicina. Percebemos que,
no movimento de circulação dessas moedas (metafóricas), havendo tendência
em anulação de uma das faces em detrimento da outra, nesse embate e tensão
(aparente) a medicina em geral perde seu poder de legitimidade. Resta o momento
ético que indica resoluções por dilemas. Isso não quer dizer que há incoerências e
inconsistências nas teorias médicas em pleno progresso científico. Ao contrário,
nessas condições dadas, há essa economia simbólica que joga com uma estrutura
simbólica: pouca circulação de outras práticas cura, muita concentração de
capital intelectual para a pesquisa médica e restrita distribuição de poder médico,
resultando na me­­di­calização da sociedade.
Decorre dessa situação biopolítica um desequilíbrio da gestão e controle quando
se tem um grande sistema para administrar, como é o caso do Sistema Único de
Saúde (SUS) no Brasil. A criação, em 2013, de uma estratégia política comprova essa
assertiva: o lançamento da política nacional de humanização.
Vislumbro no trabalho de Maria Thereza e Aristides Camargo um conjunto de
bens simbólicos circulantes para somar a questão da humanização no campo da saúde.

...

Nesse contexto, toda obra de Maria Thereza coloca à vista uma interlocução
necessária que desmistifica, em meio aos avanços biotecnológicos da biomedicina,
a medicina popular no campo científico da medicina. Neste livro, Maria Thereza e
Aristides Camargo trazem um novo cenário e desafio: há uma forma de interlocução

20 Prefácio
com as ciências humanas que permite melhor diálogo entre a sociologia da
religião e as neurociências, levantando possibilidades de frutíferas relações
epistemológicas, que podem e devem ser atualizadas por fontes de pesquisa e
estudos interdisciplinares.
A proposta interdisciplinar está assim bem situada no argumento do livro: o
sentir-se doente e o sentir-se curado por parte do religioso romeiro, que segue em
romaria para a cidade de Juazeiro do Norte a fim de render graças a Padre Cícero
pela cura alcançada, coloca-se como um protótipo da pesquisa em medicina popular.
Maria Thereza e Aristides Camargo apresentam a figura do romeiro como principal
interlocutor do campo simbólico da saúde, cujo bem simbólico, a cura milagrosa, é
explicada no campo da saúde pelo aspecto psicossocial da saúde e doença.
No laboratório do Geopark Araripe (região protegida pela Unesco), onde ocorrem
as romarias de milhões de pessoas anualmente rumando para a cura religiosa, o
cenário é próprio para o olhar sociológico: aparecem com maior precisão deta­
lhes da espiritualidade e da religiosidade entre os andarilhos, objeto preciso para o
estudo interdisciplinar de uma outra medicina popular.
Quem sabe ali circule um bem simbólico híbrido: o “médico popular”?
Importa, no entanto, registrar o empreendimento científico dos autores, que
partem de elementos historiográficos, buscando em fonte primária dos arquivos
locais o resgate histórico do habitus (no conceito de Pierre Bourdieu) do campo
da saúde local, com a finalidade de dar entendimento ao leitor do significado das
roma­rias e dos romeiros que receberam curas milagrosas. Mas, também, coloca à
prova toda experiência adquirida por Maria Thereza ao longo de sua vida acadêmica
nos estudos e pesquisa etnológicas in loco sobre Etnofarmacobotânica na região: o
uso de plantas medicinais complementa a aventura antropológica. Dois caminhos
epistemológicos se apresentam: ou 1) compreendemos o papel crítico que exerce
a medicina popular como área concentrada de conhecimento no campo científico

Prefácio 21
da medicina – que de fato ainda é pouco explorada no contexto das faculdades de
medicina – e/ou 2) compreendemos que os autores oferecem uma alternativa ao
campo simbólico da saúde, para além da força objetiva dos produtos industrializados
e suas biotecnologias, as plantas medicinais encerram valor simbólico, creditado a
favor da política nacional de humanização.
No projeto do livro fica esclarecida a origem da religiosidade regional, cujos
valores do passado católico dos jesuítas se mantêm arraigados à vida religiosa do
sertanejo romeiro. São outras revelações próprias do habitus local, localizadas
no campo religioso interligado ao campo da saúde, permeado pelo consumo de
bens simbólicos produzidos no campo religioso, mas, em homologia, consignado
ao campo da saúde: as crenças religiosas voltadas para as questões de saúde são
elementos de medicina popular desde o Brasil colonial.
Para além do destaque da pesquisa em Etnofarmacobotânica, Maria Thereza e
Aristides mostram como as atividades farmacológicas das plantas medicinais atuam
de modo ritualístico no processo de cura social nas romarias, uma característica
forte da medicina popular. O destaque está na explicação vitalista da emoção que o
romeiro carrega na romaria: o romeiro se sente curado pela emoção, um sentimento
que atribui valor sagrado ao mundo de sua vida e interage enquanto atividade tera­
pêutica no corpo doente. A peregrinação evidencia uma eficácia terapêutica e isso
aponta indícios para a pesquisa interdisciplinar: há uma fisiologia das emoções em
jogo, que sugere às neurociências o valor real da crença religiosa, como elemento
primordial para a investigação empírica do processo saúde-doença.
O vitalismo da medicina popular está dado na própria cultura produzida em
Juazeiro do Norte. Circulam nosologias das doenças populares apropriadas pela
cultura popular, que, por sua vez, remete-se ao sagrado das reminiscências
jesuíticas, aos sacramentos, à devoção à Virgem Maria, a Jesus e aos santos, aos
altares de igrejas, às capelas e aos oratórios, aos padres consagrados (Padre

22 Prefácio
José de Anchieta, Padre Ibiapina, Padre Cícero, no trabalho junto às populações
extremamente care­ntes do sertão cearense). O apelo para curar é um estado de
transcendência do “agente desencadeador da emoção que domina o suplicante
por cura”, transformando-se nas mãos dos pesquisadores em objeto de estudo
sobre o sagrado e a fé compartilhada com a população, com a vida do romeiro que
se sente doente, mas também se sente curado fisiologicamente, psiquicamente,
organicamente, pessoalmente e corporalmente.
O livro é de grande valor para os profissionais de saúde que atuam no SUS.
Principalmente tendo em vista as unidades básicas da maioria das cidades abaixo
de 50 mil habitantes, que perfazem hoje 95% dos municípios brasileiros. Interessa o
livro para os estudiosos das medicinas vitalistas, porque se desvelam características
essenciais da medicina popular no Brasil. Mas também interessa aos estudiosos das
medicinas mecanicistas, caso se queira comparar e associar criticamente a ética no
contexto da hegemonia biocientífica. Interessa ao estudioso da cultura e medicina
popular do Brasil, dos países latino-americanos e dos países de língua portuguesa;
mas também aos leitores dos países africanos, onde reside a memória da dominação
europeia sobre a escravidão. Também, interessa àqueles que queiram atualizar-se
com os aspectos culturais e medicinais de nossa brasilidade, muito embora possam
estes estar circunscritos a uma região, servindo como mostra para as variadas
regiões do Brasil continental diante da diversidade e complexidade cultural,
também para o uso de plantas medicinais locais, bem como do consumo crítico
aos bens simbólicos de saúde. Aos gestores da saúde interessam os pormenores
do processo de resgate da identidade e cultura local, dado que os esforços para
levantamento de documentação e conhecimento local das práticas de cura valoriza
o conhecimento regional dentro de uma política de humanização. Ainda, interessa
a todos e ao profissional da saúde, que pode aqui obter elementos para serem
aplicados na construção interdisciplinar do processo saúde-doença.

Prefácio 23
Por fim, interessa à cultura médica da região, que pode incluir em sua clínica
saberes organizados por Maria Thereza e Aristides Camargo que jamais vão se perder.
Este livro pode ser considerado um bem simbólico humanizador a serviço do
bem-estar humano no Brasil!

Rodolfo Franco Puttini


Professor Associado do Departamento de Saúde Pública, Faculdade de Medicina de Botucatu,
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP)
Coordenador do Curso de Especialização em “Humanidades e humanização no campo da saúde”
Líder do Grupo de Pesquisa CNPq Humanidades e Saúde

24 Prefácio
CARTA A MARIA THEREZA

Prezadíssima Maria Thereza.


Graça e Paz!

Você sabe o quanto as leituras de suas publicações (livros e artigos) sempre me


envolvem e prendem minha atenção, especialmente, quando você se debruça sobre
a forma como comunidades e grupos ligados às tradições religiosas afro-brasileiras
vivem a relação com as plantas medicinais e outros elementos da flora brasileira ou
mesmo daquela que foi transplantada para o nosso país. Você já realizou pesquisas
em diversos lugares do Brasil, particularmente no Nordeste, ao longo de quase cinco
décadas, analisando o uso das plantas, algo que caracteriza e é essencial à Umbanda,
Jurema, Candomblé. Conhece, portanto, não apenas os efeitos farmacológicos,
químicos, as inúmeras propriedades inerentes a essas substâncias. Foi além do
laboratório com seus instrumentais tão caros aos cientistas ou da simples coleta
de folhas, raízes, flores, brotos... Mantém a tradição das pesquisas de campo para

Carta a Maria Thereza 25


o conhecimento in loco do uso desse material nos ambientes religiosos. Creio
que sua formação antropológica e sociológica lhe facilitou o acesso e o respeito
(imprescindível!!) na proximidade com membros dos terreiros para entender as
razões e os métodos adequados para a aplicação das plantas.
Estou ainda saboreando o texto deste seu novo livro, que percorre a tessitura
de nossa história e nos ajuda a ver os fios da composição étnica de nosso país. Tem
toda razão quando diz que é impossível captar o significado de nossa composição
social se não considerarmos, por exemplo, o papel desenvolvido pelos religiosos nos
primeiros séculos da constituição brasílica – erros e acertos dos missionários das mais
diversas instituições religiosas católicas que realizaram o trabalho catequizador e
educacional junto aos povos indígenas e, posteriormente, os africanos escravizados
e transportados forçosamente para o Brasil. Mercenários, jesuítas, capuchinhos,
oratorianos, beneditinos... A ideia que se tinha na época era de que o anúncio do
Evangelho deveria ser feito como uma obrigação também dos estados nacionais.
Estavam juntas a Cruz e a Espada. Lamentável! Os primeiros missionários tinham
também uma formação que lhes ajudava a tentar entender o universo circundante:
flora, fauna, minérios, composição geográfica, em geral com uma visão distorcida
acerca das populações indígenas com sua diversidade de povos, línguas, culturas e
tradições religiosas. Anchieta, Antonil, José Rodrigues de Melo são apenas três dos
jesuítas que também estudaram e escreveram a esse respeito. O cuidado que você
teve em transcrever e contextualizar as correspondências de Anchieta nos ajuda a
ter uma imagem global dos interesses jesuíticos naquele momento.
Agora, você se dedica a um tema que me é muito caro: Padre José Antonio Maria
Ibiapina e suas obras sociais, sobressaindo-se as Casas de Caridade; Padre Cícero
Romão Batista e os romeiros da Mãe de Deus. Você ressalta que não é possível
ver como estanques e isolados o trabalho deles. Imagine, então, isolá-los daquilo
que homens e mulheres nordestinas traziam em seus corpos e tradições culturais

26 Carta a Maria Thereza


advindas de seus antepassados, sejam indígenas, europeus ou africanos. As práticas
populares religiosas cristãs ou não estão imersas em um caldo cultural que se
expressa também no uso das plantas medicinais. Com o seu recorte geográfico
definido no que hoje é institucionalizado como GeoPark Araripe pode-se, mais
facilmente, entender a história dos cearenses do Cariri, marcada por uma diversidade
de experiências humanas que se intercruzam e se intercambiam. Obrigado porque
também me pôs diante dos ensinamentos que esses dois padres receberam dos grupos
explorados e marginalizados com os quais eles e tantos outros conviveram.
Quem é Cícero, quem é Ibiapina, quem são os romeiros, quem eram as beatas das
Casas de Caridade? Quais as lições que a etnobotânica nos dá e que podem ser úteis
para os nossos dias atuais a partir de uma releitura sobre estes sujeitos e seus lugares
na história de nosso país? Minha área de conhecimento é extremamente restrita e,
obviamente, desejo ampliar minhas leituras. Tenho uma formação acadêmica nas
áreas da História e da Teologia. Ambas me ajudam a fazer uma leitura do passado
com um olhar voltado para aquilo que a fé que eu professo aponta, como crença e
como convicção humana: sim, creio no Reino de Deus que ajudamos a construir no
atual de nossas vidas.
Obrigado, Maria Thereza, pela graça e oportunidade de poder tocar o povo com
um olhar sempre renovado respeitando suas experiências, suas crenças e suas
práticas, suas histórias construídas e suas esperanças.
Frei Antonio de Sant’Anna Galvão (de cuja exumação você é testemunha) e São
Benedito intercedam por nós!

Motumbá Axé! (O Senhor que é a nossa força te abençoe!)

Francisco Roserlândio (Amâncio) de Souza, pe.


Diretor do Departamento de História da Cúria Diocesana do Crato
Crato, Semana Santa de 2019

Carta a Maria Thereza 27


INTRODUÇÃO

A saúde e a doença e sua interpretação sem ser em bases sobrenaturais couberam


a filósofos gregos, os quais, no atravessar dos séculos, buscaram uma explicação
racional da natureza, tarefa sobre a qual, segundo DIAS (2007: 13), se destacou entre
eles Alcméon (535 a.C.). Esse filósofo caracterizou a saúde como um equilíbrio no
corpo humano de qualidades opostas: o frio e o quente, o úmido e o seco, o doce
e o amargo, e a doença como o predomínio de uma delas, baseando-se nas Leis
de Pitágoras (560-480 a.C.), com respeito ao equilíbrio baseado em proporções
numéricas bem definidas, com destaque para o número 4 – o número perfeito para
Pitágoras.

A mãe e todas as coisas é a Tétrada (o Um, o Dois, o Três e o Quatro, 1, 2, 3, 4, cuja soma
final é Dez, a Década Sagrada) e dela provêm todas as coisas que são e as que poderão ser
(SANTOS, 2000: 191).

28 Introdução
Conforme DUARTE et al. (2007: 107), a Escola Pitagórica afirmava que o número não 1 Sobre Hipócrates,
ver: JOLY, R.
era apenas o elemento formador dos objetos físicos e reais, mas estava presente,
Hippocrates of Cos
também, na formação dos seres vivos e do próprio homem, como os fenômenos DSB, v. 6: 418-431; M
atmosféricos, os corpos celestes e os movimentos que existiam e ganhavam forma TINS, Lilian Al­Chue
Pereira; SILVA, Paul
devido aos números.
osé Carvalho da; MU
Conforme DIAS (2007: 13), surge Empédocles (492-432 a.C.), destacando a ARELLI, Sandra Reg

importância da água ou do fogo como elementos-base na constituição da matéria, (2008). A


teoria dos tem-
definindo “os quatro elementos da natureza: terra, água, ar e fogo, como sendo os peramentos: do
constituintes de todas as coisas, as quais variavam entre si na proporção em que corpus hippocrati-
cum ao século XIX.
entrava cada um desses elementos”. Determinou, assim, que a doença era provo-
Memorandum, n. 14
cada pelo desequilíbrio entre esses elementos na constituição do corpo humano. 2008: 09­24; GUILLÉ
A partir das teorias de Pitágoras, Empédocles e Alcméon, surge Aristóteles (384 Diego Gracia. O
fármaco na Idade
a.C.), associando-as:
Média. História
- ar (quente e úmido) do Medicamento.
- terra (frio e seco) Fascículo 3, 62, Rio
Janeiro, 1987: 63.
- fogo (quente e seco)
- água (úmido e frio)
Até quando, então, entra em cena Hipócrates1 de Kos (460-377 a.C.) e a monumental
obra: Corpus Hippocraticum, constituída de 53 livros, mas, sabendo-se, segundo
DIAS (2007: 14), que “só uma parte dessa obra foi escrita por Hipócrates, sendo os
restantes livros oriundos das escolas de Knidos, Kos e Crotone, porém, próximas
de seus ensinamentos”.
Admitia Hipócrates que “a vida era mantida pelo equilíbrio entre quatro humores:
Sangue, Fleuma, Bílis amarela e Bílis negra, procedentes, respectivamente, do
coração, cérebro, fígado e baço, sendo que cada um desses humores teria dife­
rentes qualidades”:

Introdução 29
A natureza. - o sangue, quente e úmido
- a fleugma ou fleuma, fria e úmida
- a bílis, quente e seca
- a bílis negra, fria e seca
- o ar, quente e úmido
A partir dessas qualidades, segundo o predomínio natural de um desses humores na
constituição dos indivíduos, teríamos os diferentes tipos fisiológicos: o sanguíneo,
o fleumático, o colérico ou bilioso ou o melancólico.
Os humores eram entendidos como os líquidos secretados no organismo
humano, os quais, segundo as teorias hipocráticas, determinavam a saúde, ou seja,
o equilíbrio dos quatro humores, ou a doença, um desequilíbrio deles, tanto por
excesso como por falta, tendo “como causa principal as alterações devidas aos ali-
mentos, os quais, ao serem assimilados pelo organismo, davam origem aos quatro
humores”, incluindo entre os alimentos, segundo Hipócrates, o ar e a água, como
está em DIAS (2007: 14):

O papel da terapêutica seria ajudar a physis2 a seguir os seus mecanismos normais, aju-
dando a expulsar o humor em excesso ou contrariando as suas qualidades. Deu grande
importância à dieta, aos exercícios corporais e utilizou as ventosas e mesmo a sangria,
embora não lhes atribuísse a importância que vieram posteriormente a ter. Os medica-
mentos eram encarados como um recurso secundário.

A saúde, pois, compreendendo o equilíbrio dos quatro humores e a doença o dese-


quilíbrio deles, tanto por excesso como por falta deles, cabia ao médico restaurar,
devolvendo o equilíbrio por meio da “administração do humor em falta, ou pela
eliminação do humor em excesso. Sua eliminação podia ser pela boca, nariz, reto,
vias urinárias ou por sangrias”.

30 Introdução
Quanto aos medicamentos, estes compreendiam diuréticos, purgantes,
sudoríferos, eméticos e soníferos.
Porém, como diz PASCALE (1971: 5),

Hipócrates foi quem fez baixar a medicina do céu à terra e, desde então, à mercê de um
labor incessante no terreno da observação e da experimentação, granjeou ela foros de
ciência positiva através da esteira luminosa dos seus progressos e das suas conquistas.

Lembrarmos, porém, que os médicos hipocráticos admitiam a influência da vida


psíquica sobre o corpo. Durante períodos de crise, como nas epidemias, havia o
estabelecimento de uma relação de complementaridade entre as formas de pensa-
mento mítico com o racional, permanecendo o fascínio pela magia e pela cura nos
templos (ARANDA, 2007: 48).
As abordagens acima compreendem preâmbulos que serão retomados na
última parte deste livro, quando de nossa interpretação de caráter interdisciplinar
do sentir-se doente e sentir-se curado da parte do romeiro de Juazeiro do Norte,
ao render graças a Padre Cícero por cura alcançada. Esclarecemos, todavia, que
tomamos por referência esse romeiro por entendermos a dimensão psicossocial e
religiosa que representam as romarias de Juazeiro do Norte no cômputo geral das
ocorridas no Brasil. Romarias aquelas vivenciadas em um contexto médico popular
aureolado por características peculiares próprias de um catolicismo também
popular, desenvolvido por todo o sertão nordestino.
Destacamos a área demarcada pelo Geopark Araripe na porção sul do Estado
do Ceará e as seis cidades ali inseridas: Crato, Barbalha, Missão Velha, Santana
do Cariri, Nova Olinda e Juazeiro do Norte, área protegida pela UNESCO, região
delimi­tada para as pesquisas que ali vimos encetando desde o final dos anos 1990.
Nossas pesquisas concentraram-se principalmente em fontes primárias, bus-

Introdução 31
cadas principalmente em arquivos das igrejas na área acima mencionada, com
destaque para o Arquivo da Diocese do Crato, dirigido pelo Padre Francisco
Roserlândio de Sousa. Paralelamente, encetamos pesquisas em obras de autores
que dedicaram suas atenções aos assuntos de nosso interesse, os quais vão cita-
dos no final. Tivemos, ainda, oportunidade de consultar teses e dissertações das
Universidades do Nordeste e demais estados, das quais pudemos extrair subsídios
esclarecedores sobre a religiosidade na região pesquisada, em sua história desde o
tempo em que o sertão nordestino começou a ser colonizado sob as ordenações do
Clero e da Corte Portuguesa.
O assunto proposto no presente livro compreende uma abordagem sobre
a religiosidade que caracteriza a região pesquisada, procurando destacar
reminiscências jesuíticas, sobretudo nas práticas devocionais arraigadas na vida
religiosa do sertanejo e do homem da cidade, ressaltando, ainda, a vivência romeira
inserida nesse contexto.
Consideramos que a maneira de entender o catolicismo naquela região sul
do Ceará, circunscrita no Geopark Araripe, e no restante do estado foi tomando
feições próprias segundo foi avançando na história. Hoje, transparecem nas práti-
cas devocionais dessa religiosidade popular, herança dos tempos que precederam
período anticlerical pombalino culminado com a expulsão dos jesuítas em 1759 pelo
Marquês de Pombal, determinando leis contrárias à autoridade do Papa, práticas
devocionais adaptadas aos costumes locais, a exemplo da presença das penitentes
em suas indumentárias próprias. Quem determinava tudo era o Imperador, além de
ter sido retirado o caráter religioso das Ordens e Congregações, como diz MARIZ
(1942: 272), em sua biografia sobre o Padre Ibiapina, aquele a quem se pode dever
muito das maneiras de encarar a vida religiosa no sertão cearense de hoje, distante
das determinações da cúpula da Igreja Católica, tal como se observa nesse cato­
licismo popular ali difundido. Pe. Ibiapina, no final do século XIX, em seu trabalho

32 Introdução
missionário, “criou uma vida religiosa a partir do sertão, com características ser-
tanejas, voltada às necessidades do povo, visto a caridade falar mais alto”, como diz
OLIVEIRA (2007: 59-74). Acrescenta esse autor que Pe. Ibiapina tinha o Nordeste
“como seu espaço, onde a fome, a violência, as famílias desestruturadas pelos pais
assassinados, a falta de água, de educação e de justiça, compunham um quadro
homogêneo”.
Todavia, devemos recordar que a evolução das crenças religiosas voltadas a
questões de saúde se faz presente no que chamamos de medicina popular devido
a seus vínculos com diferentes sistemas de crença, lembrando-nos do que diz Frei
Luís Carlos Susin, professor de teologia na PUC/RS, o qual, tratando da religiosi-
dade popular, faz referência às palavras do Papa Bento XVI:

Precioso tesouro da Igreja Católica, fortemente presente na fé do povo. Esta religiosidade


expressa-se também na devoção aos santos com suas festas patronais, no amor ao Papa
e aos demais Pastores, no amor à igreja universal como grande família de Deus que nunca
pode, nem deve, deixar abandonados ou na miséria os seus próprios filhos.

Prossegue Frei Susin argumentando que cura, neste caso, tem uma raiz religiosa
desde o início das expressões humanas:

O rito de cura, passado da enfermidade para o estado saudável, é uma experiência reli-
giosa. Por isso que a gente sempre agradece de uma forma a Deus e tem ação de graças
para fazer. Por isso, a mão que cura é sempre uma mão guiada por Deus. Tão claro, que a
cura, a religião e a medicina estão sempre dando voltas juntas.
Dentro da religiosidade popular, qual é o papel das benzedeiras e curandeiros?
[...] diante de uma medicina moderna, que é uma medicina muito objetivada na ciência,
desde o diagnóstico e nos exames com aparelhos, ao invés de tocar o doente com a mão,

Introdução 33
ao invés de aproximar o rosto e de olhar nos olhos, fica delegando pros aparelhos. E
depois, no tratamento delega tudo para a química, para comprimidos e para tratamentos
impessoais. O que nós temos nesta experiência de curandeirismo é que são pessoas que
se relacionam com pessoas. São pessoas que, geralmente, também têm experiências de
cura e se tornam curadoras de outras pessoas num relacionamento que envolve, às vezes,
até emoção, afetividade, o toque físico e, portanto, vale aquele provérbio que diz: mais
do que o chá, é a mão que estende o chá. O rito de cura, passado da enfermidade para
o estado saudável é uma experiência religiosa. Por isso que a gente sempre agradece de
uma forma a Deus e tem ação de graças para fazer. Por isso, a mão que cura é sempre uma
mão guiada por Deus. Tão claro, que a cura, a religião e a medicina estão sempre dando
voltas juntas.
Quando a gente se relaciona com uma fonte de saúde, a gente se torna saudável.
E o curandeiro é isso, uma promessa de fonte de saúde. De novo, acho que precisa
discernimento, porque no processo e no ritual existem elementos simbólicos. Usa-se
alguma coisa simbólica e se usa algum objeto simbólico. Esses gestos podem ser
evangelizados. Podem ser, portanto, melhorados, se não se fizer isso com imposição e
violência.

Recordamos, ainda, o mundo mágico de magos e xamãs paleolíticos, sobre os quais


JENSEN (1966: 256) discorre, quanto a sua “capacitación psíquica particular que
le confere el poder de actuar como mediador entre los hombres y sus deidades,
respectivamente, los espíritos”. Os diagnósticos eram obtidos por meio de técnicas
de adivinhação e as terapias visavam à reconciliação com as divindades por meio de
sacrifícios (DIAS, 2007), quando a estas se atribuía a causa das doenças.
Aquele perfil teúrgico da medicina de épocas que se perdem no tempo, evolu-
indo através dos séculos e perpassando o povo portucalense em seu território
já alargado até o Algarve no século XIII, desde o século VIII dominado pelos

34 Introdução
muçulmanos, foi influenciar a medicina teológica seiscentista, já apoiada por um
catolicismo forte e punitivo vivenciado em Portugal do século dos descobrimentos.
Essa é a principal matriz influenciadora da medicina popular no Brasil. Pautada
numa medicina monástica praticada nos conventos, onde os doentes eram atendi-
dos e os tratados médicos escritos, uma medicina que se fez chegar ao Brasil por
intermédio do colono português. A este, acrescentamos as pregações das missões
religiosas que aportaram em terras brasílicas. Dentre estas, destacamos o trabalho
de catequese jesuítico, ao disseminarem os preceitos religiosos e neles as ideias
sobre a doença como castigo divino e a morte a vontade de Deus (HERSON, 1996).
Redimir-se, perante a Igreja, dos pecados que levavam os indivíduos a adoecer era
costume corrente, visando à recuperação da saúde ou salvação da alma para a vida
eterna. Diz Eugênio dos SANTOS (1992: 3): “O recurso aos intercessores celestes ou
terrestres deve ser entendido como uma demonstração de impotência do homem
para, por si, só fazer frente às adversidades do corpo ou do espírito”. Eram situações
propícias para a introdução de ideias voltadas às curas pela intercessão de Jesus,
Virgem Maria e santos junto a Deus. O próprio Padre Anchieta propiciou tais inter-
cessões, como documentado em 1672 por VASCONCELOS (1943), seu biógrafo, cujos
exemplos mencionaremos no desenvolver deste livro.
A espiritualidade e a religiosidade já foram assuntos por nós tratados em
CAMARGO (2005-6: 396), quando destacamos o laço de parentesco entre esses
conceitos. A religiosidade, permitindo ao homem disciplinar suas ideias sobre seus
pensamentos voltados ao sagrado, seguindo regras e doutrinas, aquelas que vão
dar sustentação aos sistemas de crença que congregam adeptos para, unidos pelos
mesmos anseios e princípios, desempenharem um papel social além da partici-
pação restrita, no ambiente religioso.
BENSON (2015), do Instituto Mente e Corpo da Universidade de Harvard, nos
Estados Unidos, está convencido de que as crenças têm repercussões físicas e

Introdução 35
Revisão da noção desempenham papel importante na prevenção e tratamento de enfermidades,
eficácia simbólica
assunto que desdobramos na Parte 6 deste livro. PUTTINI (2004), da Faculdade de
Lévi-Strauss,
siderando-a Medicina da UNESP de Botucatu, SP, busca, por intermédio de instituição hospi-
contexto da talar administrada por religiosos do espiritismo, compreender o uso simultâneo
ofarmacobotânica.
de terapias médicas e religiosas no atendimento aos doentes portadores de defi-
impósio
ernacional da ciências múltiplas. Procura o autor, ainda, analisar as relações entre os diferentes
ociação Brasileira agentes religiosos: espíritas e aqueles de formação médica, nas diferentes ativi-
História da
dades hospitalares, buscando nos autores consagrados, tais como Allan Kardec,
gião - ABHR.
versidade de Bezerra de Menezes e André Luiz e mais médicos espíritas, as bases nas quais se
Paulo, 19-31 out.
sustentam tais relações. Em sua segunda obra (2012), propõe pensar criticamente o
3; As plantas e o
rado considerando
campo da saúde, a partir das práticas de curas não médicas inseridas no campo do
papel na eficácia conhecimento da Saúde Coletiva. Cita como exemplo certas instituições de saúde,
terapias mágico-
tais como hospitais psiquiátricos administrados por religiosos do espiritismo e sob
giosas. Conferência
abertura do qual legitimidade tais hospitais se inserem no contexto do Sistema Único de Saúde
minário Folhas (SUS). Por fim, explana sobre a hipótese do espaço terapêutico híbrido colocado
radas – Kosi ewe
sob o problema epistemológico da espiritualidade no campo da Saúde Coletiva.
i orisà. Museu do
mem do Nordeste, Buscamos, todavia, desenvolver uma interpretação interdisciplinar do
ife, 17-18 jul. 2014. sentir-se doente e do sentir-se curado da parte do romeiro que, em Juazeiro do
Norte, rende graças por cura alcançada. Assunto o qual vimos apresentando em
reuniões científicas desde 20133, a princípio com destaque à Etnofarmacobotânica,
destacando as atividades farmacológicas que as plantas medicinais encerram,
como está em CAMARGO (2014), visto seu envolvimento com os procedimentos
ritualísticos de cura na medicina popular, podendo levar o doente a se sentir curado.
O sentir-se curado externado em espaços públicos, no caminhar penitente do
romeiro, rendendo graças a Padre Cícero, podemos explicá-lo não só por meio dos
desdobramentos da Etnofarmacobotânica como, também, a partir da Fisiologia
amparada na Neurologia, tendo como parâmetro a emoção em seus componentes

36 Introdução
físico, psicológico e social. Estes interagem com o transcendental componente de 4 As curas mágico-
religiosas na
valor sacral – a crença –, presente no conjunto de fatores capazes de desenvolver
medicina popular. X
alterações somáticas, propiciando ao doente sentir-se curado, tal como explicitado Simpósio Nacional d
na Parte 7 do presente livro. Neste tocante, importante a observação de ASLAN Associação Brasileir
de História da Relig
(2018: 46) sobre o impulso religioso, atribuindo-o a reações eletroquímicas com-
– ABHR. Universida
plexas do cérebro, não anulando, porém, a legitimidade da crença religiosa. Federal de Juiz de

Sentir-se curado é uma satisfação sempre renovada em novos apelos toda vez Fora, 15-17 abr. 2015
Contribuição da
que necessários, levando o sertanejo daquelas paragens a estar repetidas vezes
Etnofarmacobotâni
em Juazeiro do Norte, onde crê estar Padre Cícero sempre de mãos estendidas para na interpretação
das curas mágico-
so­corrê-lo. Importante realçar que as mãos estendidas daquele padre santo acolhem
religiosas na medic
todos aqueles que nele creem, sejam quais forem suas condições sociais e econômicas. popular. XXIV
Adiantamos que já vimos levando também a discussão essa nova abordagem Simpósio de Plantas
Medicinais do Brasi
sobre as curas ditas mágico-religiosas em reuniões científicas, como ao lado espe-
Belo Horizonte, 201
cificada em nota4, essas nossas posições sobre tais curas. A exposição sucintamente
apresentada acima, abordando espiritualidade/religiosidade no campo da saúde,
abre caminho para uma discussão envolvendo o romeiro de Juazeiro do Norte ren-
dendo graças a Padre Cícero por cura alcançada.
Para uma análise daquilo que se pode chamar de cura mágico-religiosa por ocor-
rer em contexto religioso da medicina popular, consideremos primeiramente que
os termos magia e mágico já foram assuntos de sociólogos e antropólogos. Estes
procuraram trazer a público as interpretações que supunham cabíveis, as quais
foram discutidas por outros estudiosos, todos eles empenhados em esclarecer seus
significados, visto fazerem parte de culturas que se perdem no tempo.
FRAZER (1982), em O ramo de ouro, na edição abreviada do original de 1922, pre­
faciada por Darcy Ribeiro, ao discorrer sobre o que chama de magia, qualifica-a de
simpática, ao desdobrá-la em magia homeopática, enquanto lei da similaridade, e em
magia por contágio, enquanto lei do contato, assim como coloca a magia, a religião e

Introdução 37
a ciência numa sequência evolutiva, ideia que veio a ser partilhada por autores que
o seguiram, a exemplo de DURKHEIM (2008: 67-79) na primeira década do século
XX, em Formas elementares da vida religiosa. Este autor, em sua abordagem sobre
a magia, analisando-a paralelamente à religião, admite a complexidade no domínio
desses dois conceitos ao colocá-los lado a lado. MAUSS (1974: 40), em seguida, ao
tratar da magia vem a associá-la às duas leis da simpatia de Frazer, mencionado
acima, ao admitir que “a simpatia é a característica suficiente e necessária da
magia; todos os ritos mágicos são simpáticos e todos ritos simpáticos são mágicos”.
Porém nem FRAZER nem MAUSS definem a magia propriamente dita, concluindo
este último (1974: 42) que “[...] ninguém nos deu, até o presente, a noção clara,
completa e satisfatória da magia, que é indispensável”, admitindo que “encontrar
os termos de uma definição perfeita [...] só poderá surgir como conclusão de
um trabalho sobre as relações da magia e da religião”. MAUSS, na obra citada, dá
muita importância à definição, admitindo ser o ponto de partida para qualquer
investigação, importante como forma de limitar o campo de observação de tudo que
cerca o fato em estudo. É como preparar o caminho para a explicação, entendendo
que explicar é “estabelecer, entre os fatos ligados ao objeto da pesquisa, uns aos
outros fatos que os condicionam”, segundo OLIVEIRA (1979). A magia e mais particu­
larmente as curas mágico-religiosas foram tratadas por LÉVI-STRAUSS (1970, 1975)
em Antropologia estrutural e em O pensamento selvagem, respectivamente, assunto
por nós desdobrado em trabalhos levados a discussão em encontros da Sociedade
Brasileira da História da Ciência, os quais serão mencionados no decorrer deste
livro. Lembramos ainda que o autor acima mencionado preocupou-se, também,
com a Etnobotânica, admitindo a correlação entre a cultura adquirida a partir do
conhecimento dos elementos da natureza e o entorno dos espaços ocupados pelo
homem, como está em O uso das plantas silvestres da América do Sul tropical (1987).
Todavia, para abordarmos questões que envolvem as curas em seu perfil

38 Introdução
mágico-religioso, fixamos nossas atenções no caminhar penitencial do romeiro,
envolvido em todo um referencial de fé, como se estivesse emprestando seu corpo
para, numa linguagem muda, expressar sua gratidão a Padre Cícero, tal como se
presencia em Juazeiro do Norte, assunto por nós abordado na Parte 5. Ainda, sobre
o conhecimento das modalidades de utilização do corpo, citamos MAUSS (1974),
em Sociologia e Antropologia, já referida acima. Dedica esse autor uma parte da
obra a esse conhecimento, admitindo que o desenvolvimento dos meios mecânicos
à disposição do homem vem tendendo a desviá-lo do exercício e da aplicação
dos meios corporais, salvo no domínio do esporte. Este o assunto salientado por
LÉVI-STRAUSS na introdução dessa obra de MAUSS (1974, v. 2: 4). Esse antropólogo
refere-se às técnicas corporais adquiridas (1974, v. 2: 217), “um ato tradicional
eficaz”, admitindo não diferir no ato mágico, religioso, simbólico, entendendo-os
como atos distintos, não confundindo um com o outro, como ele próprio sugere na
Parte 5 deste livro (1974, v. 1: 48).
A fim de encetarmos uma discussão sobre o sentir-se curado da parte do romeiro,
baseamo-nos não só na materialidade da Farmacobotânica a partir das atividades
farmacológicas que as plantas encerram como, também, na Fisiologia da emoção. A
ideia de emoção do ponto de vista fisiológico, aqui aventada, encontrou respaldo na
Neurologia, proposta por MARINO JR. (2005: 44-50), da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, em sua obra A religião do Cérebro, assunto o qual des-
dobramos na última parte deste livro.
A resignação diante dos infortúnios da vida terrena norteando a vida de carên-
cias do homem do sertão tem amparo na crença nos poderes de Padre Cícero no
aliviar de suas dores físicas e espirituais. Como diz MARINO JR. (2005: 46-8), “a dor
origina tensão muscular e reflexos que são sentidos como desagradáveis, além de
alterações da respiração e da pressão arterial, etc. e as nuanças de uma experiên-
cia emocional podem causar inúmeras reações perceptíveis e de difícil estudo

Introdução 39
científico ou fisiológico”. São os sintomas que levam aqueles que os percebem a
se sentirem doentes. ARNOLD (1984) demonstrou a possibilidade de a expressão
emocional ser classificada em base fisiológica, notadamente quando de sua inten-
sidade. Nesse sentido, apontamos o exemplo de nosso romeiro sertanejo quando
de sua súplica por cura, o qual, num esforço inaudito, imbui-se da certeza de que,
ao se fazer merecedor, Padre Cícero o atenderá devolvendo-lhe a saúde almejada.
Ou, em outra situação, o alto grau da emoção quando, agraciado com a cura dese-
jada, imbuído de um enorme sentimento de gratidão e da convicção de que, quando
merecedor, Padre Cícero, com certeza, não deixará de socorrer. A emoção foi
preocupação de cientistas sociais, a exemplo de DURKHEIM (2008: 282-3) e MAUSS
(1979). Essa é a posição a qual vimos assumindo, cujo tema é desenvolvido na última
parte deste livro.
Ao tratarmos de curas na medicina popular, na Parte 4, obviamente admitimos
estarem por detrás delas as doenças e seus portadores, os doentes, conceitos que
aqui retomamos ao procurarmos tratar de seus significados. Embora não nos caiba
entrar nos pormenores a respeito do que a biomedicina entende por tais con-
ceitos, buscamos, porém, aproximarmo-nos dos significados na medicina popular
e como nós pesquisadores interpretamos tais significados, já que os significantes
se confundem com a linguagem biomédica: doença e doente. Porém sabemos que
no Brasil, dada sua extensão territorial, os termos “doente” e “doença” têm seus
significados que podem variar de um contexto cultural para outro, percebidos nas
próprias designações de doenças e nos quadros sintomatológicos que as caracte­
rizam, lembrando:
- espinhela-caída – síndrome decorrente da deformidade do apêndice xifoide;
- mal-de-sete-dias – tétano no cordão umbilical do recém-nascido;
- doença-seca – síndrome carencial;
- vento-virado – proveniente de jogar criança para o alto;

40 Introdução
- isipa – erisipela;
- mal-de-secar – tuberculose;
- cobreiro – herpes.
Estas “doenças”, entre outras mais, as quais hoje causam risos, já foram alvo de
atenções de escolas médicas, inclusive na elaboração de teses, como nos conta
SANTOS FILHO (1947) em sua monumental História da medicina no Brasil (Do século
XVI ao XIX). Muito enriqueceria a medicina hegemônica se se voltasse atenção a
essas “patologias”, buscando elaborar uma correlação nosológica a fim de equi-
pará-las às interpretações médico-científicas. Quem sabe não seria outra a visão
daqueles empenhados em Saúde Coletiva na elaboração das políticas públicas de
saúde? São as doenças citadas, cujas etiologias reúnem ideias objetivas amparadas
num subjetivismo aí embutido, apoiado no imaginário individual ou coletivo, vari-
ando estes de um contexto sociocultural a outro.
O antropólogo francês LAPLANTINE (1998), em Aprender etnopsiquiatria,
busca analisar as representações simbólicas no imaginário do homem brasileiro
em seus conflitos, tanto individuais como coletivos, procurando compreender as
soluções buscadas na própria cultura em suas formas comportamentais e siste-
mas de crença. Nesse sentido, busca analisar os significados conceituais de doença
e cura, ou seja, os recursos terapêuticos no contexto ritualizado da religiosidade
popular católica do Nordeste brasileiro. Este o assunto que retomaremos na Parte
4, abordando, ainda, como esse antropólogo interpreta o processo de aculturação
no Brasil. Ainda, em LAPLANTINE (2004: 5, 160), em Antropologia da doença, numa
abordagem sobre a eficácia simbólica de determinadas curas nas práticas médicas
populares, as compara a efeito placebo, atribuídas à eficácia simbólica, acompa­
nhando LÉVI-STRAUSS, assunto também amplamente discutido na Parte 5.
A vivência romeira em Juazeiro do Norte, orientada por um catolicismo po­pular
dominante na região, tem, certamente, sua raiz de origem nas pregações de missões

Introdução 41
católicas que andaram por aquela região cearense. Entretanto, entendendo a
importância das ordens religiosas católicas, as quais atuaram por aquelas paragens
em tempos coloniais, na doutrinação aos povos nativos, nos detemos, neste livro,
na contribuição jesuítica. Justificamos nossa postura, visto termos percebido traços
marcantes da doutrinação inaciana como parte da proposta educacional implantada
entre os nativos e colonos portugueses naquele alvorecer do Brasil. Nesse sentido,
buscamos na Parte 2 desenvolver considerações sobre os fundamentos básicos
da proposta educacional da Companhia de Jesus quando da criação dos colégios,
assim como teriam sido suas estratégias educativas junto aos indígenas, a partir
dos autores consultados e da leitura das cartas trocadas entre aqueles religiosos.
Na Parte 3, tratamos das reminiscências jesuíticas na religiosidade do sertanejo,
destacando as práticas devocionais, a exemplo do culto a Bom Jesus – só a Ele se
deve crer, amar e servir (LEITE, 1954, Tomo III: 469). Lembrando, ainda, que aquele
foi o período em que a Igreja e o Estado em Portugal cami­nhavam juntos. Bem mais
tarde, entre 1872 e 1875, durante o pontificado de Pio IX (1846-1878), os bispos,
empreenderam a romanização do catolicismo, adaptando-o à posição tradicional
de Roma, tornando a devoção ao Sagrado Coração de Jesus uma das manifestações
mais importantes do catolicismo romanizado. Tal fato veio a conflitar com a devoção
popular ao Bom Jesus, com a condução do culto por leigos, segundo AZZI (1990:
111-3). Tais leigos, certamente, teriam sido os herdeiros daqueles jovens os quais,
formados pelos primeiros jesuítas nos primeiros anos de catequese, os auxiliavam
nos trabalhos religiosos.
Quanto à devoção ao Sagrado Coração de Jesus, esta tem sua história na Europa,
particularmente em Portugal, iniciada bem antes do processo de romanização
ocorrida no século XIX, como referido acima, assunto que detalharemos na Parte 3.
O processo de romanização buscava maior controle sobre os leigos e suas asso-
ciações, contudo, como diz TEIXEIRA (2012: 23),

42 Introdução
[...] não há como negar o impacto da romanização sobre a forma tradicional da vida reli-
giosa, mas as concepções basilares do catolicismo popular tradicional, como o culto aos
santos e a crença nos milagres, permanecem vivas. E, além disso, há uma incorporação
original por parte do povo de traços da romanização, o que evidencia “o aspecto dinâmico
e criativo do catolicismo popular que se refaz continuamente”, citando STEIL (1996: 249,
nota 16).

TEIXEIRA (2012) cita, ainda, OLIVEIRA (1988: 121): “o processo de romanização foi
forte bastante para combater o catolicismo popular, mas não o suficiente para
implantar a forma romana na grande massa dos católicos”.
Quanto a assuntos que tocam às questões polêmicas referentes à atuação dos
inacianos em seu trabalho de catequese, confrontada com a atitude despótica pom-
balina, culminando com a expulsão daqueles padres, desenvolvemos uma discussão
com base nos escritos de autores que se dedicaram a esse assunto.
Voltando aos propósitos do desenvolvimento de texto sobre as reminiscências
jesuíticas, tratamos da administração dos sacramentos, a exemplo do batismo, o
qual, tinha especial importância para os jesuítas por tratar-se da entrada do indí-
gena na cristandade. Era tão importante que, para a salvação da alma e garantia da
vida eterna, o batismo era primordial.
Lembremos, ainda, a devoção à Virgem Maria, Jesus e aos santos, estes em suas
representações estatuárias, as quais chegavam nas caravelas para suprir altares de
igrejas, capelas ou oratórios (DANTAS, 2000). Teria sido Padre José de Anchieta e
seus companheiros espalhados pela costa brasileira responsáveis pela difusão da
devoção a Nossa Senhora, pois teria sido ele quem escreveu nas areias da praia os
versos dedicados a ela: De beata Virgine Dei Matre Maria, e o culto a ela propa-
gou-se Brasil afora, como atestam as inúmeras igrejas e capelas sob sua invocação:
Nossa Senhora da Graça, Nossa Senhora da Ajuda na Bahia, Boa Morte, entre muitas

Introdução 43
outras, lembrando, todavia, a devoção das Nove Velas, a qual consistia em acendê-
las no Altar de Nossa Senhora para que os bandeirantes, os desbravadores do
sertão voltassem ilesos, como diz DIEGUES JÚNIOR (1968: 18). Somada à devoção a
Nossa Senhora, estava a devoção aos santos, entre eles os mártires, sobre os quais
tratamos amplamente, citando a posição da Igreja Católica a partir do que dizem
eméritos autores.
Destacado o elevado grau de cultura de que, sabidamente, eram possuidores
os jesuítas, citamos o legado deixado pelo Padre José de Anchieta, registrado em
extensa carta enviada de São Vicente, em 31 de maio de 1560, ao Padre Diogo Laínes,
em Roma. Descreve com pormenores a fauna e a flora da Mata Atlântica, cu­m-
prindo o prometido ao destinatário daquela carta. É extraordinária sua erudição no
tocante ao conhecimento que tinha das Ciências Naturais, a ponto de impressionar
o famoso botânico francês Auguste de Saint-Hilaire quando de sua vinda ao Brasil
em 1816, visto ter tomado conhecimento de tal carta, assunto que abordaremos na
Parte 2 deste livro. Tal fato levou aquele botânico a dedicar a Anchieta uma planta
medicinal, à qual deu o nome de Anchietea salutares ST. Hil. – Violaceae, vulgar-
mente conhecida por cipó-suma,
Outro jesuíta que não podemos nos furtar em mencionar foi o Padre José
Rodrigues de Melo, erudito latinista e membro da Companhia de Jesus, cuja vinda
ao Brasil presume-se ter ocorrido em 1739. Na Bahia inicia sua obra em latim na arte
da versificação, sobre as riquezas rurais do Brasil, concluída no exílio da Santa Sé,
para onde seguiu após a decisão tomada pelo Marquês de Pombal com a expulsão
dos jesuítas (MELO; AMARAL, 1997). Na obra mencionada, tratou do cultivo da man-
dioca e seus usos, da criação do gado, da cultura do tabaco e do fabrico do açúcar.
“Obra endereçada sem dúvida à Europa culta de seu tempo”, como está na intro-
dução de Temas rurais do Brasil, em edição bilíngue, dos latinistas SOZIM e ZAN
(1997). Todavia, a referida obra teria sido, segundo seus tradutores, uma recriação

44 Introdução
de Cultura e opulência do Brasil (1711), de ANTONIL, ao tratar da criação de gado.
Mas, numa análise comparativa das duas obras por nós encetadas, percebemos na
de ANTONIL o seguinte destaque:

[...] as fazendas e os currais do gado se situam aonde há largueza de campos e água sem-
pre manante de rios e lagoas, por isso os currais da parte da Bahia estão postos na borda
do rio São Francisco, na do rio das Velhas [...]

Enquanto ANTONIL descreve como eram as boiadas em áreas banhadas por cau-
dalosos rios, MELO (1997: 137), muitos anos depois, sobre a criação do gado no Brasil,
aborda o tema sob outro prisma. Bem diferente do autor anterior, imprimindo
inteligentemente em versos latinos e extremamente detalhado os cuidados que
deveriam ter os candidatos à criação de gado. Face aos riscos que correriam levan-
do-os ao fracasso na atividade pastoril, exatamente se a área escolhida estivesse
distante de rios, explanando detalhadamente como proceder na escolha da área
ideal para a criação de gado, assunto também desenvolvido nesta parte do livro.
Sobre a religiosidade no sertão caririense, desenvolvemos na Parte 4 ampla dis-
cussão envolvendo Padre Ibiapina e Padre Cícero, seu sucessor no trabalho junto às
populações extremamente carentes do sertão cearense. Acrescentamos, ainda, as
questões religiosas envolvendo ambos junto à cúpula do clero na sua interferência
junto a esses dois abnegados padres, conforme documentado em cartas por eles
trocadas, principalmente com autoridades da Igreja.
A devoção à Vigem Maria, Jesus e aos santos é outra particularidade da religio-
sidade da região pesquisada, particularmente das imagens que os representavam,
lembrando os oratórios de viagem esculpidos em madeira que se veem à venda no
centro de artesanato Mestre Noza, em Juazeiro do Norte, onde lá estão os próprios
artesãos esculpindo-os. Peças esmeradamente trabalhadas, retratando em rostos

Introdução 45
coloridos Jesus e a Virgem Maria, lembrando pinturas medievais, de uma singeleza
ímpar. O apelo aos santos para a obtenção de curas, próprio da medicina popular
em nosso país, certamente advém do catolicismo português. No século XVIII, eram
80 santos, conforme referido em um catálogo com os males do corpo e do espírito,
indicando o santo para cada caso (SANTOS, 1992), assunto aqui tratado.
O apelo a Padre Cícero por curas e o sentir-se curado documentado nos ex-votos
levados ao Horto de Padre Cícero pelos romeiros de Juazeiro do Norte são aqui
amplamente discutidos.
Percebemos no romeiro de Juazeiro do Norte, principalmente naquele que, em
sua individualidade e espontaneidade criadora, soluciona a maneira como peniten-
ciar seu corpo. Atitude distinta daquelas ligadas a grupos de beatos, por exemplo,
os quais, em atitudes e indumentárias próprias, comparecem às romarias. São
práticas que se assemelham, em sua maneira de ser e de se apresentar, aos tempos
anteriores a Padre Cícero. Foi quando, a partir da segunda metade do século XIX,
Padre Ibiapina – José Antônio Pereira Ibiapina (1806-1883) – missionava junto aos
sertanejos das caatingas, sofridos pelas sucessivas secas e epidemias várias, propi-
ciando o êxodo para as cidades. Tal fato intensificou-se quando da propagação pelo
sertão afora do milagre da transformação em sangue da hóstia dada em comunhão
pelo Padre Cícero à beata Maria de Araújo, em Juazeiro do Norte, levando romeiros
àquela cidade, não só para constatarem pessoalmente o milagre, como ali se fixa­
rem, onde poderiam orar e trabalhar, visto admitirem se tratar da Nova Jerusalém.
O sentir-se curado da parte do romeiro foco de nossas atenções é colocado em
discussão na última parte deste livro. Porém importante se diga: uma interpretação
das curas em sua dimensão objetiva, quando a subjetividade vem a pesar sensivel-
mente, nas questões que envolvem a religiosidade imanente no espírito daquele
romeiro, vem a exigir um esforço singular, pela preponderância do transcen­dente
agente desencadeador da emoção que domina o suplicante por cura – o compo-

46 Introdução
nente sacral –, a crença, a fé que norteia a vida do romeiro. ASLAN (2018: 46), sobre a
ciência cognitiva da religião, admite que esta começar “com uma premissa simples: a
religião é antes de tudo, e principalmente, um fenômeno neurológico”. Esse, todavia,
é assunto que desdobraremos na última parte deste livro.
Em vista de tratarmos de fato social no campo da saúde, indubitavelmente
vimo-nos diante da necessidade de uma abordagem interdisciplinar, pois estamos
diante de fatos relacionados às Ciências Sociais e Ciências Naturais. Diante de tal
circunstância, passamos a admitir a importância da complementariedade das meto­
dologias dessas distintas áreas científicas na compreensão e explicação dos fatos
relacionados ao sentir-se doente e sentir-se curado, da parte do romeiro de Juazeiro
do Norte.
WEBER (1864-1920), o sociólogo que desenvolveu o método compreensivo nas
Ciências Sociais, admitindo para as Ciências Naturais o método explicativo, deter-
minava, segundo FREUND (1978: 76),

[...] que toda relação inteligível pela compreensão deve ao mesmo tempo se deixar expli-
car causalmente, isto é, os métodos explicativos e compreensivos são, de certo modo,
complementares e não totalmente autônomos. Eles buscam uma combinação entre a
compreensão e a explicação, falando em explicação compreensiva ou compreensível, a
qual significaria a explicação causal de uma atividade com a concomitante apreensão do
sentido visado subjetivamente.

Diante de tal circunstância, dedicamos a Parte 7 deste livro a uma explanação de


nossa posição diante da importância da complementaridade das metodologias de­ssas
distintas áreas científicas na compreensão e explicação dos fatos relacionados ao
sentir-se doente e sentir-se curado da parte do romeiro de Juazeiro do Norte.

Introdução 47
Disponível em:
tps://biblioteca.
e.gov.br/
1
ualizacao/dtbs/ O CEARÁ NOS PRIMEIROS TEMPOS DE
ra/missaovelha.
>.
COLONIZAÇÃO
sso em: 22 jun.
9.

A região interiorana do Brasil, lá pela segunda metade dos quinhentos, era quali­
ficada como Terra non descoperta, segundo uma carta geográfica de Giacomo
Gastaldi, em BANDEIRA (2000: 127), segundo ARRAES (2004: 52). Dúvidas acerca da
parte desconhecida daquele pedaço do Brasil seriam parcialmente desmistificadas
a partir de notícias trazidas por sertanistas e aventureiros, que para lá rumaram em
busca do Eldorado ou de índios para escravização nas zonas litorâneas. Algumas
dessas investidas ocorreram em 1551, em atenção às ordens de D. João III.
Segundo STUDART FILHO (s/d: 19),

nos tempos da conquista foram várias as estradas abertas no Ceará, admitindo que a mais
antiga alongava-se pela orla litorânea apresilhando desde 1611, o fortim de S. Sebastião aos
mais civilizados centros do nordeste brasileiro foi o conduto por onde penetraram nas
invias glebas nordestinas os pioneiros da truculenta civilização ocidental. Percorrendo
ora a praia rasa pela estreita faixa arenosa que as vagas humedeciam a cada instante, ora

48 1 O CEARÁ NOS PRIMEIROS TEMPOS DE COLONIZAÇÃO


as terras chans dos taboleiros. Era a princípio, uma vereda mal definida, perceptível só
aos olhares perscrutadores dos índios tupis, aos quaes servira de trilha quando algumas
de suas malocas se haviam deslocado para o norte, avassalando, destarte, áreas continen-
taes sempre maio res. Por ela transitavam certamente os mercantes portugueses que, já
ao declinar do século XVI, ousavam perlustrar, acompanhados de pequenas escoltas de
nativos mansos, as nossas praias, acatado precioso âmbar gris, produto intensamente
procurado dos mercados de além-mar. Transpondo o Jaguaribe pouco acima de sua foz, a
velha estrada demandava Natal passando em Amargoso e Guamoré, nas costas de Macau;
depois, costeando o Atlântico como um immenso debrum, alcançava a Paraíba.
Por volta de 1750, espalhou-se por todo o Nordeste a notícia da suposta riqueza aurífera
do vale do Cariri. A fim de que os serviços de mineração tivessem maior eficiência, foi
organizada, em 1756, a Companhia do Ouro das Minas de São José dos Cariris, dois anos
depois dissolvida, em vista da “pouca utilidade que poderiam dar as ditas minas a quem
as cultivasse”.
Desaparecido o interesse do ouro, voltaram-se os habitantes para a agricultura. A ferti-
lidade do solo carirense, suas fontes e rios quase perenes, a fartura de frutos silvestres.
Fatores que provocaram afluência de renovadas ondas de povoamento. (IBGE).5

Podemos deduzir que, a partir dessa invasão das terras ao sul do Ceará, a população
nativa viesse a ser terrivelmente sacrificada, conforme diz POMPEU SOBRINHO
(1929: 229):

[...] Em 1739, temos a inusitada situação dos índios Jenipapos pedirem ao governador de
Pernambuco, missionários que os aldeassem e assistissem. Este acontecimento ilustra
bem como os índios estavam em situação de desvantagem e acuados diante do acele-
rado avanço territorial dos colonos e conquistadores sobre suas aldeias. De fato, a única
forma de continuar vivo e existindo seria pedir a proteção e tutela dos sacerdotes católi-

1 O CEARÁ NOS PRIMEIROS TEMPOS DE COLONIZAÇÃO 49


cos. Esta autoridade [o governador] providenciou, ordenando que os Jenipapos fossem
aldeados juntamente com os índios Canindés, seus vizinhos, no lugar Banabuiú, hoje
Barra-do-Sitiá.
[...] Com a criação da Freguesia do Crato, em 1762, e sua posterior elevação a Vila Real do
Crato em 1764, tem-se a consolidação do centro difusor do projeto civilizador cristão-
europeu. A Vila Real concentrou as famílias de colonos baianos, pernambucanos e
sergipanos de origem portuguesa e os demais que passaram a chegar posteriormente
com os atrativos naturais do lugar (cf. ARAÚJO, 1973; MACEDO, 1978). Estava firmada,
assim, em sua essência, a pedra fundamental do projeto civilizador que se irradiava a
partir de Crato por toda a região Sul da Província cearense, extrapolando as fronteiras em
direção ao Piauí, Pernambuco, Bahia e Paraíba.
[...] a terra denominada Araripe (terra de Araras) pelos indígenas passa a ser chamada
de Cariri pelos novos habitantes, brancos colonizadores, que alteraram não somente os
significados da toponímia como desmantelaram o funcionamento de toda a dinâmica
de interações territoriais e ambientais existentes naquela porção de terra tropical. Isso
indica que Crato e Missão Velha tiveram em suas cercanias a presença numerosa dos
Kariris. Portanto, a grande nação dos Kariri, que se estendia sobre boa parte do Sertão
nordestino, agora estava completamente modificada. Reduzida em número de índios,
fragmentada. Tal fato caracteriza-se como um primeiro momento de expansão de forma
sistematizada da cultura ocidental em terras dos tapuias (ARAÚJO, 1973; OLIVEIRA, 2001).

Com base nos autores acima, um intercruzamento de raças ocorreu entre o euro-
peu, os indígenas e os “escassos escravos africanos”, passando aqueles indivíduos
a habitar o que, outrora, fora o habitat do tapuia Kariri, ali introduzindo um novo
modo de viver.
Assim, apropriando-se dos territórios indígenas, foi o colonizador dominando e
escravizando aquela gente do povo Kariri e renomeando os lugares que serviam de

50 1 O CEARÁ NOS PRIMEIROS TEMPOS DE COLONIZAÇÃO


abrigo, passando a se denominar Cariri a terra então denominada Araripe (terra de
Araras) pelos indígenas. Assim, tendo sido reduzido o número de índios, a cultura
ocidental foi se expandindo pelas terras tapuias.
Como está em FIGUEIREDO FILHO (2010: 3),

a catequese disseminava as primeiras letras através da difusão dos valores a ferro e fogo
os fundamentos da moral e da ética cristãs que impulsionariam o desenvolvimento do
comércio e do modelo de sociedade a ser estabelecido no universo do Sertão. Quando
deslocamos a perspectiva da visão geral para nossa área de interesse, percebemos
que além da Missão de São José dos Cariris Novos, agora Missão Velha, fundaram-se
quase simultaneamente dois núcleos de povoamento, à sombra do zelo apostólico dos
Capuchinhos do Hospício de Olinda. Um foi a Missão do Miranda, onde agora está situada
a cidade de Crato, e o outro, ao sopé do lado pernambucano da serra do Araripe, Exu,
que, mais tarde, se transferiu para outro local. O aldeamento vizinho à cachoeira, no rio
Salgado, o primeiro do Vale difundia a doutrina cristã encarregada de dar sentido ao novo
modo de vida social.

Em OLIVEIRA (2001), teria sido ABREU que, em 1899, comentando um livro de


STUDART, “resume a conquista do Ceará, e a introdução do gado” a partir do encon-
tro dos caminhos de boiadas de Pernambuco e da Bahia.
Conforme FARIAS (2015) em sua História do Ceará, o regime pastoril no Ceará
viveu duas fases, sendo a primeira quando do período de expropriação dos territórios
indígenas, entre 1680 e 1720, quando os proprietários de terras não viviam em suas
propriedades, as quais ficavam a cargo de vaqueiros contratados para cuidar das
terras e do gado ali já introduzidos, quando, também, ocorria a frequente busca
de novos pastos e fontes de água para os animais, formando, assim, novos currais.
A segunda fase, iniciada mais ou menos por volta de 1720, caracterizou-se pela

1 O CEARÁ NOS PRIMEIROS TEMPOS DE COLONIZAÇÃO 51


instalação dos proprietários nos sertões em suas propriedades, fase relacionada
à “pacificação” do interior (significando o extermínio dos índios rebelados), à
decadência açucareira da Zona da Mata e à elevação de antigos vaqueiros a
proprietários, privilegiando os proprietários de mais posses.
Devido à baixa rentabilidade da pecuária, visto o isolamento das propriedades e
a falta de vias de comunicação, expandem-se a charqueada e o lucro do comércio
do charque.
Já PRADO (1987), segundo OLIVEIRA (2017), ao tratar da ocupação dos sertões
pelo gado, relaciona essa atividade às condições do meio ambiente, à extensão das
propriedades, à produtividade das fazendas, ao baixo nível técnico da criação do
gado e à sua comercialização por intermédio das boiadas.
Em ARRAES (2014: 62):

[...] A Coroa via com bons olhos essa simbiose entre “reses” e “almas”, visto que seriam ele-
mentos indispensáveis para seus planos geopolíticos de avanço territorial para o Oeste,
ideais, os quais seriam alcançados através da oficialização de determinados núcleos
urbanos já existentes, ou melhor, a Metrópole lusa deveria reconhecer oficialmente cer-
tas povoações, em um primeiro instante, e criar freguesias, e depois, se fosse do seu
interesse, elevar certas aglomerações ao foro de vila.

As paróquias, segundo ARRAES (2012), chamadas metaforicamente de „as chaves do


sertão“ pelo padre oratoriano João Duarte da Costa, foram sendo estabelecidas por
toda a colônia, citando MARX (1991):

Não era somente o acesso garantido então à desejada e necessária assistência religiosa
que se obtinha, mas também o reconhecimento da comunidade de fato e de direito
perante a Igreja oficial, portanto perante o próprio Estado. Não era apenas o acesso ao

52 1 O CEARÁ NOS PRIMEIROS TEMPOS DE COLONIZAÇÃO


batismo mais próximo, ao casamento mais fácil, ao amparo dos enfermos, aos sacra-
mentos na morte, mas também a garantia do registro de nascimento, de matrimônio,
de óbito, registro oficial, com todas as implicações jurídicas e sociais. [...] era também
o usufruto da formalidade civil com todo o direito e a segurança que pudesse propiciar
(LIMA, 1979: 69).

Segundo PRIMERIO (1942: 191), “[...] foi graças ao gado que os sertões das capitanias
que compuseram o Nordeste colonial fizeram parte dos planos da monarquia por-
tuguesa”. Acrescenta esse autor que, no porto da Vila de Aracati, o frei capuchinho
Anibal de Gênova,

em sua missão ambulante de 1762, notou o comércio de carne e couro daquele núcleo
urbano, testemunhando que era lugar de muito comércio, citando, ainda, que [...] o porto
de Aracati interagiu com outros centros da colônia (Recife, Salvador e Rio de Janeiro e
da América). A cidade de Buenos Aires, por exemplo, esteve subsidiada de produtos da
pecuária nordestina.

Para OLIVEIRA (2017), citando PRADO (1987), o desenvolvimento das charqueadas


deveu-se à depreciação do valor do gado devido aos longos caminhos percorrido
até as feiras, quando chegavam “estropiados pela longa e difícil caminhada, abatido
incontinenti, logo ao chegar, sem qualquer repouso preliminar ou alimentação
especial”, citando NOBRE (1977).
Diz SILVA (2002) que “o principal fator da introdução das charqueadas foi a
concorrência que as boiadas do Piauí e Ceará tinham com áreas mais próximas do
Recife, como as dos sertões do São Francisco”.
Todavia, diz OLIVEIRA (2017), importante também se admitir a seca como fator
“desarticulador da economia das carnes secas do Ceará a partir do final do século

1 O CEARÁ NOS PRIMEIROS TEMPOS DE COLONIZAÇÃO 53


XVIII, a exemplo da Seca Grande de 1790 a 1794, dizimando o gado e também pela
concorrência, a partir daí, com o charque no Rio Grande do Sul”.

1.1 APANHADOS HISTÓRICOS DA RELIGIOSIDADE NA REGIÃO SUL DO CEARÁ

A religiosidade do cearense tem muito da influência indígena, visto a presença


de entidades sobrenaturais no imaginário sertanejo, segundo FARIAS (2015: 20).
Admite, ainda, o autor que as benzedeiras apresentam resquícios da tradição dos
pajés, espécies de líderes religiosos e médicos, os quais curavam exorcizando os
maus espíritos.
Concordamos com o autor acima, visto o largo período de tempo em que os
colonos portugueses mantiveram contato com os diferentes grupos indígenas das
regiões do velho Siara, até a chegada das primeiras missões religiosas. Poderiam ter
sido sobre assuntos de saúde as primeiras aproximações dos colonos com os povos
nativos, visto estarem aqueles primeiros colonos, quando afastados dos aglome­
rados humanos que se iam formando no litoral, desprovidos dos cuidados médicos
que tinham em seus locais de origem em solo português.
Nas populações dos sertões predominava o analfabetismo, diz FARIAS (2015: 23):
“Educação popular era utopia para a época (na metade do século XIX). Interessava à
classe dominante manter o povo sem instrução – queriam-se braços para a lavoura
e não cabeças pensantes”.
Os anos foram passando e a população seguia sofrendo com graves pro­blemas
de saúde pública, com muita mortalidade. As epidemias eram frequentes. Em 1852,
a febre amarela fez 7.401 vítimas e em 1862 o cólera matou mais de 12.000 pessoas,
havendo, ainda, surtos de varíola, disenteria e gripe comum.
Acrescenta, ainda, o autor:

54 1 O CEARÁ NOS PRIMEIROS TEMPOS DE COLONIZAÇÃO


[...] no mundo profundamente místico sertanejo, porém, escasseavam sacerdotes. Para se
ter ideia no início da década de 60 do século XIX, para uma população de 720 habitantes
possuía o Ceará apenas 33 padres, dos quais mais de 2/3 tinham, como se dizia, famílias
constituídas, cujo prestígio entre os fieis era baixíssimo.
[...] A falta de padres e o isolamento dos sertões faziam com que pessoas que se destacas-
sem em suas comunidades, por conhecimento e piedade, costumeiramente se ocupassem
das práticas religiosas mais comuns: pregar, batizar, rezar o rosário, encomendar os mor-
tos. “Algumas vezes, esse verdadeiro clero ‘laico’, chegou a ce­le­brar arremedos de missa”.
[...] Os beatos tiravam rezas, puxavam terços, cantavam ladainhas, esmolavam para as
igrejas.
[...] Por longos anos houve um contato semioficial do clero com aquelas lideranças reli-
giosas leigas. [...] Esses homens e mulheres de Deus participavam da orientação social,
política e ideológica do povo sofrido do interior nordestino.

É certo que a doutrinação religiosa no sertão coube às diferentes missões a partir


dos primeiros tempos de colonização. Porém, como mencionado na Introdução,
não nos ocupamos de outras missões religiosas que possam ter atuado na região
sul do Ceará, senão das missões jesuíticas. Todavia, como já assinalamos anterior-
mente, não deixamos de considerar o papel que representaram as outras missões
na formação religiosa do nordestino nas mesmas áreas. Buscamos, todavia, conhe­
cer um pouco mais sobre os ideais buscados pela Companhia de Jesus, fundada
em 1539, na Europa, pelo espanhol de origem basca Inácio de Loyola (1491-1556)
e companheiros (SILVA, 2008). Sobre a bagagem cultural daqueles padres e suas
intensões na tarefa da catequese e educação junto aos indígenas e colonos portu-
gueses, procuramos compreender a dimensão de seus intentos, visto o papel que
representaram no cenário cultural de seu tempo a partir de suas conquistas.
Porém devemos considerar que o catolicismo hoje difundido por aquelas para-

1 O CEARÁ NOS PRIMEIROS TEMPOS DE COLONIZAÇÃO 55


gens do sul do Ceará foi tomando feições próprias segundo foi avançando na história
regional. Baseamo-nos na correspondência entre os jesuítas e seus companheiros
na Europa, a partir do início de sua chegada ao Brasil em 1549, reunida nos três
volumes da obra de LEITE (1954), Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil. A respeito
de tal obra sobre a qual nos debruçamos, foi-nos possível traçar as considerações
que neste livro procuramos deixar registradas, sobre a contribuição jesuítica e sua
herança na religiosidade do cearense, na área por nós pesquisada, considerações,
todavia, abertas para diálogos.

56 1 O CEARÁ NOS PRIMEIROS TEMPOS DE COLONIZAÇÃO


2
PADRES DA COMPANHIA DE JESUS NO SUL
DO CEARÁ

A doutrinação religiosa no sertão cearense coube às diferentes missões, as quais


para ali foram com esse propósito, a partir dos primeiros séculos de colonização.
Porém, como já mencionado na Introdução, não nos ocupamos de outras missões
religiosas que teriam atuado na região sul do Ceará, senão da jesuítica, visto termos
percebido reminiscências de suas pregações na religiosidade ali ora reinante, não
só no meio urbano, como no rural, da área pesquisada.
Recordando, em 29 de março de 1549 aporta em terras brasílicas a primeira
missão religiosa, composta de padres da Companhia de Jesus, acompanhando
Tomé de Souza como Governador-Geral e seus imediatos, além do Pe. Manuel da
Nóbrega, chefiando a primeira Missão católica na nova terra conquistada, como
está em LEITE (1954, Tomo I: 7).
O Regimento dado a Tomé de Sousa por D. João III abre com admirável preâm-
bulo, colocado num plano de grande altura política, hierarquizando sabiamente a
obra da civilização que começava (LEITE, 1954, Tomo I: 5):

2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará 57


Primeiro o serviço de Deus e exalçamento da nossa santa fé.
Segundo, o serviço meu e proveito dos meus reinos e senhorios.
Terceiro, o enobrecimento das Capitanias e povoações das
Terras do Brasil e o proveito dos naturais delas.

Ainda em LEITE (1954, Tomo I: 5): “Estão presentes, como se vê, o serviço de Deus, o
serviço e o proveito geral, o enobrecimento e serviço particular do Brasil. A ‘fé’ em
primeiro lugar; o ‘império’ em segundo. Mas, ambos”.
A segunda missão em 1550 tinha à frente Alonso Brás, a terceira missão, em
1553, de que era Superior o Padre Luís da Grã, era constituída de três padres e dois
irmãos. Segundo LEITE (1954, Tomo III: 59), todas três foram notáveis e constituem
os alicerces da Companhia de Jesus no Brasil.
Posteriormente, só em 1559 foi enviado um grupo de religiosos, cuja seleção
não foi austera quanto à saúde e qualidades pessoais dos missionários. Constava de
dois Padres e cinco irmãos, sob a direção do Padre João de Melo, que perseverou
e faleceu no Brasil. O outro Padre padecia de gota coral e não tardou a voltar à
Europa. Dos irmãos, tirante dois, todos os mais saíram da Companhia. A estas,
outras missões se seguiram em 1563 e 1566.
Ainda em LEITE (1954, Tomo III: 61):

Valera à Província do Brasil, nesse grave hiato de missionários europeus, um duplo


facto; por um lado, a sólida formação das três primeiras expedições, bem continuada e
amparada por Nóbrega no Brasil, e por outro, a inflexível preocupação do mesmo Padre,
desde a primeira hora, em preparar, nas escolas das diversas capitanias, meninos que
com o tempo colaborassem na evangelização. E alguns deles, mais animosos e constan-
tes, já nas páginas deste volume se revelam com excelentes aptidões, os Padres Leonardo
do Vale, João Pereira, Simeão Gonçalves, Gaspar Lourenço. E, enquanto assim educava

58 2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará


meninos, Nóbrega recebia na Companhia homens já feitos e capazes salientando-se entre
eles António Rodrigues, “que de soldado no mundo se faz Alferes de Cristo, mestre de
meninos e apóstolo das Aldeias”.

Quanto à presença de jesuítas em terras cearenses nos primórdios do Brasil, notí-


cia há que em 1606, por ordem de então provincial Fernão Cardim, com a ajuda do
Governador Diogo Botelho, foram os padres Luís Figueira e Francisco Pinto encar-
regados da catequese dos índios do Ceará. Acompanhados de uma escolta de 60
índios cristãos, deixaram os padres o Recife em 10 de janeiro de 1607 e por mar
chegaram ao porto de Jaguaribe, de onde, após curta demora, dirigiram-se a pé
para a serra da Ibiapaba. Funestos foram os resultados dessa missão pelo truci­
damento do padre Pinto, em 11 de janeiro de 1608, às mãos dos tapuias Tocariju.
O Padre Figueira, para escapar à sanha dos bárbaros, foi forçado a tomar rumo do
litoral, depois de ter dado, com grandes perigos, sepultura ao corpo de seu infe-
liz companheiro (CARDIM, 1980: 15). Essa jornada histórica, relatada em 1608 pelo
Padre Figueira, nos é apresentada em seu original na Revista Trimestral do Instituto
do Ceará (1903, Tomo XVII, Ano XVII).
Durante a permanência dos jesuítas no Brasil, construíram eles igrejas, colégios,
residências e seminários e instalaram missões, ou seja, locais onde funcionavam
verdadeiros centros culturais, com diferentes atividades, tais como literárias, musi­
cais e teatrais, como diz SILVA (2008), citando ainda LEITE (2004, Tomo IV: 113),
quando este diz: “Não havia aldeia, por mais recuada que fosse, na profundeza dos
sertões e rios, que a não iluminasse ao menos uma estante de livros” – ao se referir
às casas no norte do Brasil.

2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará 59


Verbete elaborado 2.1 EDUCAÇÃO COMO PROPOSTA JESUÍTICA
Cézar de Alencar
aut de Toledo,
vio Massami 2.1.1 A criação dos colégios
rtins Ruckstadter Paris foi o modelo escolhido quando da organização de seu primeiro colégio: o
anessa Campos
“modus parisiensis” foi o modelo escolhido pela Companhia de Jesus para a criação
riano Ruckstadter.
versidade Estadual do primeiro colégio para estudantes não pertencentes à Ordem, segundo está em
Campinas. Ratio Studiorum:
ponível em:
tp://www.
edbr.fe.unicamp. Conjunto de normas criado para regulamentar o ensino nos colégios jesuíticos. Sua pri-
navegando/ meira edição, de 1599, além de sustentar a educação jesuítica ganhou status de norma
ssario/verb_c_
para toda a Companhia de Jesus. Tinha por finalidade ordenar as atividades, funções e
o_studiorum.
m#_ftn1>. Acesso os métodos de avaliação nas escolas jesuíticas. Não estava explícito no texto o desejo de
22 jun. 2019.
que ela se tornasse um método inovador que influenciasse a educação moderna, mesmo
assim, foi ponte entre o ensino medieval e o moderno. Antes do documento em questão
ser elaborado, a ordem tinha suas normas para o regimento interno dos colégios, os
chamados Ordenamentos de Estudos, que serviram de inspiração e ponto de partida para
a elaboração da Ratio Studiorum. A Ratio Studiorum se transformou de apenas uma razão
de estudos em uma razão política, uma vez que exerceu importante influência em meios
políticos, mesmo não católicos. O objetivo maior da educação jesuítica segundo a própria
Companhia não era o de inovar, mas sim de cumprir as palavras de Cristo: “Docete omnes
gentes, ensinai, instrui, mostrai a todos a verdade.” Esse foi um dos motivos pelos quais
os jesuítas desempenharam na Europa e também no chamado “Novo Mundo” o papel de
educadores, unido à veia missionária da Ordem.6

Para a criação da nascente instituição, enviou Loyola a Paris “padres de rara valia:
Jerônimo Nadal, professor de hebreu, Padre Canísio, de retórica, André Frusius,
de grego, Isidoro Bellino, de lógica, João Batista Passerini, Anibal Du Coudret e

60 2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará


Benedito Palmio, respectivamente da 3ª, 2ª e 1ª classe de gramática”.
Foi em 1548, em Messina, o primeiro colégio que Loyola abriu. Mas a ideia de
Loyola era criar em Roma, Cidade Eterna e centro da cristandade, o que viria a ser o
destacado Colégio Romano, tendo à frente 14 jesuítas e como Reitor Padre Pelletier,
quando ocorreu a elaboração definitiva do Ratio.
Os colégios se multiplicaram em número e importância, tornando-se vários
deles centro de cultura humanista. A diversidade de costumes regionais obrigou a
cúpula da Companhia a introduzir alterações nas condutas pedagógicas. Uma das
prerrogativas instituídas no Ratio era a recomendação para o uso da língua nativa.
Essa determinação levou-os a se dedicarem aos estudos das línguas indígenas.
Quanto à “metodologia empregada esta era a parte mais desenvolvida do Ratio:
tanto os processos didáticos para a transmissão de conhecimentos como os estímu-
los pedagógicos postos em ação”, conforme FEITOSA (1985: 56).
A atitude disciplinar dos jesuítas se resumia nestas palavras:

[...] Os padres substituem os processos morais, racionais e científicos aos métodos


de correção física, empregados por seus predecessores e formam a transição entre o
começo do séc. XVI ainda bárbaro e o fim do séc. XVIII excessivo na sensibilidade.
Os excessos da pedagogia calvinista raiam pela crueza mais desumana. Por haver
insultado a mãe, uma criança é condenada em 1563 a 3 dias de prisão, em jejum e a pão
e água. Por haver batido nos pais, 4 anos depois da morte do reformador de Genebra, o
menino foi decapitado. De 1583 por regulamento “neowhauser”, julga ainda, necessário
lembrar que “o professor deve bater imediatamente no aluno que não sabe a lição, mas,
não deve proceder como tirano, fustigar os meninos até o sangue, calcá-los aos pés,
levantá-los pelas orelhas, bater-lhes no rosto com a mão ou o livro, mas puni-los com
moderação e não ceder às paixões pessoais, segundo o autor acima à p. 62. A reação
começou no século XVI (p. 8).

2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará 61


2.1.2 O trabalho educacional dos jesuítas no Brasil
Sobre o trabalho educacional dos jesuítas no Brasil, escreve FEITOSA (1985: 211-216)
Estratégias do discurso dos jesuítas junto aos indígenas brasileiros.
Segundo o autor acima, três procedimentos diferentes, embora harmonicamente
integrados, utilizaram os padres da Companhia de Jesus em seu discurso junto aos
indígenas do Brasil. Esses procedimentos, em vista da fidelidade essencialmente
educativa a eles inerente, nos levam a identificá-los como autênticas estratégias
pedagógicas elaboradas para esse discurso:
1ª) Pedagogia do medo
2ª) Pedagogia dos seres sobrenaturais
3ª) Pedagogia cultural
Essas estratégias, segundo o autor, foram identificadas a partir das cartas.
Pergunta o autor: onde estão as origens do medo que, dentro dos empreendi-
mentos dos jesuítas do Brasil, denuncia a presença de uma estratégia de natureza
pedagógica?
Admite o autor as origens situarem-se em dois elementos:
1º) o próprio contexto histórico-religioso europeu em que nasceu a Compa­nhia
de Jesus;
2º) a observação de como agiam os padres.
Segundo o autor, quando a Companhia de Jesus nasceu, o mundo católico euro-
peu era sacudido pelo movimento reformista, quando a Igreja empreende diversas
medidas: intensificação das pregações, apelo à fundação de ordens religiosas e
instalação da Inquisição nos países católicos. Ainda, referindo-se o autor à pedago-
gia do medo, diz “que ela manipula visando neutralizar os efeitos devastadores do
luteranismo no meio católico. [...] ela é um veículo da punição, do castigo que, por
tais predicativos dissemina o medo. [...] Uma certa teologia do medo se desenvolve
[...] substituindo o amor, pelo temor a Deus”.

62 2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará


O autor cita cartas dos jesuítas em que é encontrada essa pedagogia.
Por exemplo, carta de 15 de abril de 1549 do Padre Manuel da Nóbrega ao Padre
Simão Rodrigues: “[...] nestas terras torna-se necessário um Vigário Geral para cas-
tigar os grandes males que nelas se registram [...]”.
Ainda, em FEITOSA (1985), já referido acima, a Pedagogia do sobrenatural se
liga à estratégia no discurso dos missionários com respeito ao sobrenatural e da
utilização que eles fazem dos poderes, que lhes são conferidos por suas funções
ministeriais, “se apresentando ao índio como o detentor de vários poderes”, como
está em carta de 17 de maio de 1552 de Vicente Rodrigues aos confrades de Coimbra
narrando que, apesar das resistências de um pai indígena, seu filho moribundo
recupera a saúde tão logo recebeu o batismo.
Segundo FEITOSA (1985: 251), há “outros indicadores desses poderes como as
orações, as relíquias de santos postas sobre as índias à beira do parto e ao Agnus Dei
lançados ao mar para afastar as tempestades”.
A Pedagogia cultural repousa na utilização de alguns valores da própria cultura
indígena pelos padres da Companhia: língua tupi para ensinarem os índios, para
comporem manuais escolares, prepararem peças de teatro e musicais com o uso de
seus próprios instrumentos, também como forma de atraí-los à catequese.
Em resumo, segundo extraímos de FEITOSA (1985: 211-6), essas são as três
grandes estratégias do discurso dos jesuítas junto aos indígenas em seu trabalho
de catequese.

2.2 A FORMAÇÃO DAS BIBLIOTECAS

Letrados em todos os ramos do conhecimento, sem haver seara da sabedoria humana


onde não viceje o alfobre dos arados jesuíticos; notáveis nas letras, nas artes, nas ciên-
cias, na filosofia, na história, na etnologia; célebres na astronomia, na linguística, na

2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará 63


pedagogia, nas matemáticas; insignes por descobertas, beneméritos por ações, heróicos
por martírios; expatriados dos vínculos nativos, filhos do Orbe, famosos no desterro, a
medicina não os colheu apenas no apostolado da enfermeiragem sagrada das endemias e
das epidemias (RODRIGUES, s/d: 25).

SILVA (2008) comenta que as primeiras bibliotecas no Brasil pertenciam às ordens


religiosas instaladas desde o século XVI, como a Companhia de Jesus, a Ordem dos
Frades Menores – os Franciscanos, a Ordem de São Bento, a Ordem dos Carmelitas
e a Congregação do Oratório. Admite o autor o pouco que se conhece sobre tais
bibliotecas, com exceção das jesuíticas, baseado em LEITE (2004).
Consideremos, todavia, a importância que representa para o conhecimento da
formação das bibliotecas jesuíticas no Brasil até 1759, ano da expulsão daqueles
padres, a obra de Serafim Leite acima mencionada, da qual extraímos subsídios
para um melhor conhecimento da contribuição jesuítica na formação da cultura
brasileira. Serafim Leite baseou sua pesquisa em fontes primárias e secundárias,
considerando a mais importante o próprio Arquivo Geral da Companhia de Jesus
(Arquivum Societatis Iesu Romanum), em Roma. Citam-se, ainda, arquivos e biblio-
tecas em Portugal, Itália, Espanha, França, Bélgica e Holanda e autores dos séculos
XVI, XVII, e XVIII, assim como aqueles que se dedicaram à historiografia brasileira.
Chamavam de livraria as coleções de livros, as quais eram também encontradas
em suas farmácias, a que chamavam de boticas, instaladas em seus colégios,
onde eram encontrados livros relacionados à medicina, visto que em tais locais
preparavam remédios e atendiam doentes. Como está em CAMARGO (2014: 176),
ficou famosa a Triaga Brasílica, remédio preparado com muitos componentes de
origem animal, vegetal e mineral. Foi famosa a Coleção de receitas medicinais,
conhe­cidas por Purchas, em 1625, do colégio da Bahia e de Olinda, de autoria de
Manuel Tristão, natural dos Açores, aquele que teria sido o primeiro boticário

64 2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará


farmacêutico da Companhia de Jesus no Brasil (CAMARGO, 1975; 2011). Naquela
coleção estavam a Triaga Optima da botica do Collegio Romano, Triaga da Índia,
Triaga contra lombrigas e Triaga Brasílica. Esta datada de 1766, composta de
mais de 60 componentes, considerada a mais importante farmacopeia jesuítica,
cuja composição foi detalhadamente estudada por SANTOS (2009: 46). Nessa
triaga, como mencionado por esse autor, já eram empregadas plantas nativas
ensinadas pelos indígenas, entre elas: jacarandá (Bignoniaceae spp – Bignoniaceae),
copaíba (Copaifera spp – Fabaceae); maracujá (Passiflora alata Ait, P. edulis Sims. –
Passifloraceae); jaborandi (Pilocarpus spp – Rutaceae) (JOLY, 1976; RIZZINI; MORS,
1976). SANTOS, acima referido, acrescenta que a introdução das plantas nativas
nas farmacopeias jesuíticas, citando FERRAZ (1995), fez com que a matéria médica
trazida pelos europeus às colônias americanas fosse profundamente modificada.
Triagas eram polifarmácias, à base de vinho e mel, acrescidas de substâncias
de origem vegetal, animal e mineral, conhecidas desde a Antiguidade. O termo, de
origem grega – Theriake – e latina – Theriaca, inicialmente, significava antídoto
contra envenenamentos de qualquer origem, exceto os corrosivos (SANTOS, 2009:
62). Ficou conhecida no séc. II a.C. a Triaga de Mitrídates, rei do Ponto, antídoto
contra envenenamento, composto de 54 componentes, a qual, depois, Andrômaco,
médico de Nero, reformulou, dando como de sua autoria. Entre outras, está a triaga
de Galeno, tornando-se famosa por toda Idade Media e Renascimento, ganhando
prestígio por toda Europa até final do séc. XIX, inclusive no Brasil (SANTOS, 2009:
62; ALBARRACIN, 1993: 45).
Como está em CAMARGO (2014: 176-8), entendidas como panaceias de eficá-
cia garantida, aquelas velhas triagas compreendiam “fórmulas secretas”, nas quais,
com o tempo, várias substâncias, não só foram sendo substituídas, como outras
acrescentadas, deixando de ser apenas antídotos contra envenenamentos, para
passarem a atender, também, a várias enfermidades. As maneiras de preparar eram

2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará 65


divergentes, diz MARQUES (2003), assim como o tempo que se aguardava para
serem consumidas. Vinho branco, xarope de limão e mel de abelha eram ingredi-
entes básicos nas triagas antigas, usados para a dissolução de certas substâncias
empregadas, tal como ocorria na preparação da Triaga Brasílica. Algumas triagas,
depois de preparadas, eram mantidas em lugar escuro e fresco, por um período
que variava segundo a determinação de quem a confeccionava. A Triaga Brasílica,
por exemplo, contrariando tal procedimento, era mantida sempre “exposta ao sol,
me­­xida diariamente pela manhã e à tarde, não devendo ficar ao relento durante
a noite”, aguardando por seis meses até poder ser consumida, conforme SANTOS
(2009: 159; 167-8), citando LEITE (1953). Quando da expulsão dos jesuítas do Brasil,
houve a intenção de se apossar da Botica e da Coleção de receitas medicinais,
entre as quais estava a Triaga Brasílica. Esta, todavia, não tendo sido encontrada na
Bahia, foi mais tarde localizada no Arquivo Romano da Companhia de Jesus, na Itália
(SANTOS, 2009: 59).
Assim, chegados os primeiros jesuítas, Pe. Manuel da Nóbrega pediu livro
“porque nos fazem muita mingua para as dúvidas que cá há, que todos se pergunta
a mim” (LEITE, 2004, Tomo II: 389). Assim, com frequência havia solicitações de
li­vros, como nos aponta SILVA (2008): “[...] uma boa coleção era sinal de prestígio
do colégio que a possuía e o credenciava para criação de cursos”.
Em carta de 21 de março de 1661, na qual solicitava ao superior-geral a insta-
lação de estudos no Maranhão, o Pe. Antônio Vieira (1608-1697) argumentava que
o colégio possuía uma boa biblioteca para servir de base ao curso pleiteado com a
afirmação: “Livraria temos muito boa” (LEITE, 2004, Tomo IV: 113).
O hábito da leitura era incentivado e os padres distribuíam prêmios na forma
de livros em datas especiais, quando eram realizadas sessões literárias com
declamações e representações teatrais pelos alunos, ocasião quando os mais
distinguidos recebiam prêmios com dinheiro ou livro (LEITE, 2004 Tomo I: 163),

66 2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará


chegando a haver em uma ocasião a proibição do procurador geral de se declamar
sonetos nas festas dos colégios, pois poderia incentivar a leitura de livros profanos,
acrescenta SILVA (2008).

2.2.1 O destino das bibliotecas após a expulsão dos jesuítas em 1759


O estado das bibliotecas nos tempos que se seguiram à expulsão dos jesuítas do
Brasil em 1759 está retratado em Cartas de Vilhena:

He penna que a que foi dos jesuítas se tenha perdido e vá cada vez mais se arruinando,
por ser uma das magníficas pessas daquele gênero, bem como a caza da livraria, cujos
livros bons e muitos tem sido furtados e outros vendidos por quem os furtara por vilíssi-
mos preços a Boticarios e Tendeiros para embrulhar adubos e unguentos, podendo ter-se
com modica despesa conservado, ainda que fora para nelles se consultar muitas couzas,
para que aqui não aparecem livros; outros porem consta terem sahido para armar estan-
tes de particulares, sem que hoje exista nada mais.

Por aquele tempo, todos os bens móveis e imóveis dos jesuítas foram confiscados e,
com relação às bibliotecas, ocorreu “um completo desmantelamento e desapareci-
mento dos acervos construídos ao longo de 200 anos” (SILVA, 2008: 32). Conforme
esse autor, Serafim Leite apresentou pistas do que teria ocorrido: “as particulares
parecem ter sido os destinos finais dos acervos. Acrescente-se ainda que muitos,
abandonados durante largo período em condições inadequadas, foram parcial ou
totalmente destruídos pela ação de insetos e fungos, ou objeto de roubo” (LEITE,
2004, Tomo IV: 113). Segundo o mesmo autor na obra citada, os livros dos Colégios
de Santo Alexandre e da Vigia foram doados a um Colégio de Nobres, o qual nunca
chegou a funcionar.

2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará 67


2.3 A CORRESPONDÊNCIA EPISTOLAR DOS JESUÍTAS E SUA EXPANSÃO

Muito importante foi a circulação do conhecimento nas diferentes áreas da cultura


passado por meio da troca de correspondência entre os missionários no Brasil do
período colonial e seus companheiros na Europa. HUE (2006: 20) afirma ter sido a
correspondência epistolar a coluna do corpo inaciano, “respondendo as exigências
de difusão e propaganda dos resultados da catequese para o mundo externo”.
Diz LONDOÑO (2002):

memória jesuítica fixou a imagem de Santo Ignácio de Loyola como o homem da ação.
Apresenta-se ainda outro traço que considera essencial: Loyola foi também um homem
da escrita. Embora isso reduza sua rica personalidade, é difícil não ser levado em consider-
ação para quem entre 1524-1556 escreveu seis mil oitocentas e quinze cartas.

Sobre o ato de escrever cartas diz, ainda, o autor acima: “[...] No que diz respeito
às ‘letras missivas’, determinaram-se obrigações em dois sentidos: entre súditos e
superiores e entre casas e províncias. No primeiro sentido, o padre geral e os pro-
vinciais deveriam saber e ‘entender las nuevas e informaciones que de unas y otras
partes vienen’ (Carta n. 673). Para garantir que as cartas fossem realmente enviadas,
os superiores deveriam escrever para os provinciais cada semana e estes respon-
deriam e escreveriam também ao padre geral a cada mês”.
Vários estudiosos se manifestaram sobre a circulação das cartas jesuítas, tal
como está em CAVALCANTE (2012: 138):

Trata da memória e ação educativa dos Jesuítas Proscritos pela República de Portugal,
relacionando-a com a produção de impressos resultantes do trabalho dos seus intelectu-
ais e historiadores. Parte do episódio da expulsão da Companhia de Jesus pela República

68 2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará


de Portugal, o qual ficou gravado feito crônica daquela Companhia, através do libelo Os
proscritos, e inúmeras outras publicações rememorativas, como estratégia política do
Provincial, padre Luis Gonzaga Cabral, centrada em duas direções: 1) constituir Casas de
formação e residências na Europa, como núcleo central de sobrevivência da Província
Portuguesa; 2) fortalecer missões da Índia, então território inglês e criar novos campos
de atividade missionária, caso do Brasil, para onde foi organizada a Missão Setentrional
da Província Portuguesa Dispersa. Com base na historiografia consultada, é ressaltado
que esta Missão, além de marcar o retorno dos Jesuítas ao nordeste do Brasil, depois da
expulsão pelo Marquês de Pombal, passa a ser um lugar de reconstrução da memória
histórica da Companhia de Jesus, por meio dos seus colégios e residências. Assim como
da intensa circulação de periódicos e livros entre os dois países e em seu interior. Utiliza
fontes historiográficas e jornalísticas sobre os Jesuítas portugueses em Portugal e no
Brasil. Estas obtidas junto a bibliotecas e acervos de instituições católicas e laicas, pon-
tuando a importância de livros, jornais e revistas editados pelas instituições jesuíticas,
como é o caso da Revista Brotéria, editada em Portugal para a conservação da memória
histórica da Companhia de Jesus. Em especial, artigos do Padre Serafim Leite, que estão
relacionados com a sua obra magna: História da Companhia de Jesus no Brasil, à época
colonial, que integra o propósito de recuperação da importância missionária da referida
Congregação, face à perseguição sofrida. Baseado na tradição inaugurada desde a
fundação da Companhia, tanto com o objetivo de angariar apoios e simpatias por parte da
Igreja e meio católico, como para se defender dos seus opositores. Pelas famosas cartas
de Inácio de Loyola, prática que favoreceu a formação de arquivos e, consequentemente,
de informações minuciosas sobre a memória e a história da Irmandade. Analisa a atuação
dos Jesuítas proscritos no Ceará, mostrando a estreita relação entre imprensa católica,
integralismo e educação, quando a elite católica é chamada, por meio dos famosos “exer-
cícios espirituais” em retiros fechados para homens, tanto da capital, quanto do interior
cearense, a fortalecer o jesuitismo.

2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará 69


SÃO BENTO (2013), em seu texto: A Companhia de Jesus e a cultura científica nos
tempos da Colônia comenta que, tal como na Europa, encontram-se no Brasil do
período colônia exemplos de estudos científicos desenvolvidos pelos jesuítas,
admitindo que as primeiras noções de ciência ocorreram com a chegada deles em
1549, a exemplo da utilização em áreas de mineração, de técnicas químicas, assim
como em áreas voltadas à saúde.
Segundo LEITE, em sua História da Companhia de Jesus no Brasil (2000, Tomo
VII: 163),

[...] no Brasil e no Pará-Maranhão, superiores, padres e irmãos não deixaram de escre-


ver cartas, informes, relatórios e crônicas em que se recolheu a vida e o cotidiano da
Companhia nas colônias portuguesas da América. Suas cartas foram se acumulando em
diversas casas de governo e hoje se encontram nos arquivos de Roma, Lisboa, Évora, Rio
de Janeiro e Madri.

LEITE (1954, Tomo I: 55) comenta sobre as primeiras cartas de Nóbrega, datadas de
1549. Depois de lidas em Portugal, seguiam para Roma e em seguida eram distribuí-
das pelas Casas e Colégios europeus e, daí, “até os confins do mundo oriental, que
os navios portugueses acabavam de por em contato direto com Lisboa e o Ocidente”.
Ainda, como está em LEITE (1954, Tomo I: 570),

[...] as cartas quando chegavam a Lisboa até 1566 eram abertas pelo Provincial de Portugal,
menos as destinadas ao Geral; [...] e antes de as mandar para Roma era preciso copiá-las:
as de notícias, para as repartir pelas casas, e as de negócios, para tratar com os minis-
tros régios do que tocava a cada missão, e pela cópia saber sempre os termos exactos
dos requerimentos. Naturalmente as cartas não podiam ser reexpedidas para Roma tão
depressa. A 9 de Janeiro de 1567 o P. Francisco de Borja lamenta-se ao P. Leão Henriques

70 2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará


que as cartas da Índia não tinham chegado, e que por isso não poderia responder esse
ano. Se foi para forrar correio que as demoraram, que seriam dois ducados, ele estaria
disposto a pagar dez para saber com tempo o que tem de prover.
[...] O efeito e estima geral destas cartas di-lo Luis Frois e o contentamento que experi-
mentavam não apenas os da Companhia, mas também “o povo”. O mesmo, e mais talvez
na Europa, onde as Cartas “del India di Potogallo” entravam nas casas de gente culta
como novela ou jornal. Elas informavam sobre as novas terras, seus usos e costumes
e mais particularidades, e orientavam ou, como se dizia edificavam e influíam até em
vocações como de S. Luis Gonzaga.

Parece-nos ter sido preocupação dos jesuítas o endereçamento das cartas às


pessoas cultas. Tal postura a encontramos, também, na Introdução da obra do
jesuíta MELO (1781), Temas rurais do Brasil, editado em Roma, tendo terminado sua
obra no exílio, após a expulsão dos jesuítas. Como está na Introdução: “[...] à sombra
da Santa Sé que o ilustre humanista, mercê do seu domínio seguro da língua de
Virgílio e da arte predominantemente latina, cuja porção mais significativa apresenta
amplo conteúdo didático-informativo acerca das riquezas rurais do Brasil colonial,
endereçado sem dúvida à Europa culta de seu tempo” (MELO, 1997: 16). A obra acima
referida é tratada mais adiante.

2.4 A COMPANHIA DE JESUS E A ARTE MÉDICA

No Brasil, em seus primeiros tempos até a chegada dos jesuítas, a área médica com-
preendia elementos de pouca credibilidade, a ponto de o frei Caetano Brandão,
bispo do Pará, dizer: “é melhor tratar-se a gente com um tapuia do sertão, que
observa com mais desembaraço instinto, do que com um médico de Lisboa”,
segundo MACHADO (1978), em Vida e morte do bandeirante.

2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará 71


Os emigrados vindos para o Brasil logo no início da colonização trouxeram, além
de seus costumes rotineiros de hábitos de vida, também, superstições e crenças
nos poderes de curadores com suas práticas de cura, as quais ficaram na história da
medicina portuguesa e brasileira. Assim, as receitas ainda medievais eram comuns
e se mantiveram ao longo dos tempos, apoiadas nas orações para proteção divina,
imprescindíveis para quaisquer males.
Com a chegada dos Jesuítas na metade do século XVI, mais precisamente em
1549, passaram aqueles padres, paralelamente ao trabalho de catequese junto aos
nativos, a desenvolver atividades de caráter médico, visto seu conhecimento sobre
cuidados, principalmente referentes a primeiros socorros.
Escreve RODRIGUES (s/d: 11):

A história médica das santas missões está por fazer-se. A medicina foi apanágio das rudes
lídes e nobres canseiras dos sacerdotes das ordens religiosas, em todos os quadrantes
do mundo por onde penetrou o verbo divino, rasgando à alma do íncola o caminho da
cristandade.

2.4.1 Médicos judeus


Paralelamente à medicina dos conventos exercida por clérigos, havia aquela exercida
por médicos judeus, os quais estavam dispersos por todo Portugal, tornando-se
concorrentes dos médicos monges e clérigos, como diz LEMOS (1899) em sua
História da medicina em Portugal. HERSON (1996) comenta que a superioridade
dos médicos judeus, em comparação aos portugueses, era tal que feliz aquele
que era atendido por um médico judeu. Aqueles médicos de origem judaica que,
abandonando a antiga religião, tornaram-se padres visando a escapar do Tribunal
da Inquisição instalada em Portugal de 1536 a 1821 eram extremamente eruditos,
conhecedores de várias línguas, de forma a poderem desenvolver uma medicina de

72 2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará


alto nível. Todavia, importante aqui destacar o que nos indicam NOVINSKY et al.
(2015: 198), ao comentarem que o estudo é considerado no judaísmo um de seus mais
altos valores, tornando-se uma tradição que jamais se rompeu nos dois mil anos da
Diáspora. Independentemente da classe social, as famílias judias alfabetizam seus
filhos, homens e mulheres desde crianças, o que favoreceu a ascensão social num
mundo no qual ainda grande parte da população era iletrada. Depois de convertidos
ao catolicismo em 1497, essa tradição continuou, e séculos depois, no Brasil, quando
já integrados aos costumes locais, o ideal de ter os filhos “doutores” se manteve.
Sobre a conversão ao cristianismo, diz SANTOS FILHO (1947) que a maioria dos
médicos, no início da colonização portuguesa, era cristão-novo e aqueles que não
seguiram para a nova colônia dirigiram-se para outras paragens, acompanhando as
missões religiosas da Companhia de Jesus.
Muitos deles ganharam notoriedade pela contribuição à ciência do Ocidente,
entre eles citamos Luís de Almeida e Garcia de Orta. Devemos lembrar aqui que,
embora, em sua época, a medicina europeia não estivesse adiantada, a medicina
portuguesa, todavia, com a eminente obra de Orta Os Colóquios dos Simples e
Drogas e Cousas Medicinais das Índias, publicada em Goa em 1563 e logo traduzida
em várias línguas, veio a enriquecê-la com novos e valiosos conhecimentos recolhi-
dos na medicina e botânica indianas (FARINA, 1979: 25), visto Orta ter se fixado em
Goa em 1563 e logo traduzida em várias línguas, veio a enriquecê-la com novos e
valiosos conhecimentos recolhidos na medicina e botânica indianas (FARINA, 1979:
25), visto Orta ter se fixado em Goa.
O jesuíta Luís de Almeida, acompanhando a missão jesuítica para o Japão, fixou-se
em Oita. Segundo FARINA (1979: 25), Almeida “em 1555 organiza a Escola Cirúrgica
dos Bárbaros do Sul, onde chega a praticar por dia sete operações ajudado por Duarte
Silva e auxiliado pelos seus discípulos japoneses”. Juntamente às suas atividades de
médico e de missionário, aproveita, tanto ele como o seu próximo colaborador, o

2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará 73


isponível em: Irmão Duarte da Silva, todas as oportunidades para doutrinar, converter enfermos
tp:// armandomar
e seus parentes, segundo está no texto O introdutor da medicina ocidental no Japão:
janeira.net/
wnloads/Figuras% Luís de Almeida,7 que integra Figuras de Silêncio (JANEIRA, 1981: 237-242).
e%20Sil%EAncio% Sobre esse médico jesuíta, escreve o Padre SCHILLING Das Schulwesen der
%20Lu%EDs%20
Jesuiten in Japan (1551-1614), em que enaltece a obra deixada no Oriente por Luís de
%20Almeida.pdf>.
sso em: 22 jun. Almeida.
9. Os clérigos que processavam a medicina nos conventos de Portugal admitiam
a doença como castigo de Deus pelos pecados cometidos, cuja intervenção para
a cura do doente dependia de uma consulta a um padre, pois, se o doente não se
confessasse até o terceiro dia, o médico deveria interromper o tratamento. Porém
os médicos de origem judaica consideravam sua vocação uma dádiva de Deus,
investidos para curar doentes de qualquer credo como um sagrado dever religioso,
segundo ditava o Talmud (HERSON, 1996: 76-8).
A política contra os judeus atingiu seu ápice em 1492, “quando os reis católicos
da Espanha exigiram ou a conversão ou a expulsão”, estipulando o prazo de seis
meses para sua partida, “[...] houve judeus que preferiram a conversão a deixar a
terra onde haviam nascido” (NOVINSKY, 2015: 10). Como na Espanha, D. Manuel
de Portugal assinou o decreto de expulsão dos judeus em 5 de dezembro de 1406,
oferecendo a opção de conversão ao cristianismo, mas o êxodo foi expressivo, pre­
judicando a economia portuguesa, segundo os autores acima. Entre os que vieram
para o Brasil, segundo HERSON (1996: 19), foi Jorge de Valadares o primeiro profis-
sional diplomado, integrando a comitiva de Tomé de Souza, designado físico-mor
de Salvador, embora se comente que o médico mais importante do Brasil no século
XVI era um cristão-novo Afonso Mendes, vindo com Mendes Sá. Comentam os
autores acima referidos que, naquela época, a colônia era pouco vigiada, de forma
que aqueles cristãos-novos aqui fixados conseguiram preservar sua fé com certa
liberdade. Todavia, esse quadro de tranquilidade se dissipa com a chegada do pri-

74 2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará


meiro visitador do Santo Ofício, Heitor Furtado de Mendonça, seguido de outros,
que espalharam um terror generalizado, envolvendo as populações por inteiro com
o suplício das confissões e denunciações e as severas punições, sobre as quais não
cabe aqui nos alongarmos.
“Nenhuma nação se pronunciou contra as barbaridades cometidas pelos
inquisidores e nem se compadeceram do sofrimento dos judeus”, dizem NOVINSKY
et al. (2015: 246-7). Todavia, Pe. Vieira, segundo os autores citados, logo que chegou
a Lisboa em 1641, tornou-se conselheiro real, assumindo problemas políticos do
Reino. Enquanto diplomata esteve na Holanda e na França, onde conviveu ami-
gavelmente com judeus portugueses, tendo sofrido influência de sua amizade com
o rabino Menassés Ben Israel. Conforme está nos autores acima, Vieira procurou
desmascarar a Inquisição, acusando-a de corrupta e desonesta, apontando que as
ideias por ela defendidas eram racistas, admitindo-as como “verdadeira fabrica
de Judeus”. Dirigindo-se ao rei “disse-lhe claramente que não lhe pedia favor, mas
justiça e, sobre o sangue impuro dos cristãos-novos, mostrou que: santos, apósto-
los e a mãe de Jesus eram todos da nação hebreia, e não gentios”.

2.5 PADRE ANCHIETA (1534-1592) – O GALENO BRASILEIRO

Diz RODRIGUES (s/d):

Anchieta, o Galeno jesuítico do Brasil, que melhor nome lhe dão não assenta, ingressa,
definitivamente, no rol dos paladinos cristãos da medicina do novo-mundo. [...] onde o
missionário de Loyola plantou o marco da civilização nascente, a medicina surgiu com
ele, irmanada a todas as formas ou solidário com todos os sacrifícios daquele idealismo.

A religião e a medicina se amparavam mutuamente, no exercício do apostolado,

2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará 75


diz RODRIGUES (s/d: 250). Misturavam-se sangrias, confissões, batismos, orações,
penitências, demonstrando que

[...] o amparo das aflições temporais realizava na ação médica do sacerdote uma con-
tinuidade à sagrada inspiração e aos compromissos implícitos do assistente das almas
perdidas no cáos do paganismo tapuio. [...] Anchieta foi médico, cirurgião, parteiro,
higienista, legista, terapeuta, ginecólogo, psiquiatra, nosologista e observador, enfer-
meiro, padioleiro, coveiro, não houve ramo da medicina que não atraísse a divina intuição
do Padre Anchieta.
[...] Quando se desenganava da medicina da terra, qual o caso das “postemas nos peitos”
do padre Luiz da Grã e das “agudas febres” do Padre Gregório Serrão, apelava para a
do céo, pois superabunda a celestial, com a qual se curam as enfermidades ainda que
perigosas.

2.5.1 Depoimento médico de Anchieta


Segundo RODRIGUES (s/d: 140), aspectos do cotidiano na vida dos nativos reco­
lhidos nos documentos consultados – entre estes as cartas jesuíticas – valem aqui
ser abordados, a exemplo da questão que envolve os casamentos entre os índios,
assim a eles se referindo, ao tratar da carta de Anchieta (Quadrimestre de maio a
setembro de 1554, Piratininga):

Ajunta-se a isso que, contraindo o matrimonio com os mesmos parentes e primos, se torna
dificílimo, se porventura queremos admiti-los ao batismo achar mulher que, por causa do
parentesco de sangue, possa ser tomada por esposa. O que não pequeno embaraço nos
traz; porquanto não podemos admitir a receber o batismo a que se conserva manceba.
Por isso, parece grandemente necessário que o direito positivo se afrouxe nestas par-
agens. A não ser o parentesco de irmão com irmão possa em todos os graus contrair

76 2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará


casamento, o que é preciso que se faça em outras leis da Santa Madre Igreja, as quais,
se os quisermos presentemente obrigar, é fora de dúvida que não queiram chegar-se ao
culto da fé cristã.

Destaca RODRIGUES (s/d: 141) questões de consanguinidade nas uniões como


abaixo transcrevemos:

[...] era comum nos índios e Anchieta, entre o pecado de o admitir e a necessidade do
batismo, pedir tolerância da Igreja Católica. Excetua o casamento entre irmãos e gene­
raliza a profilaxia dos consórcios homoêmicos. É bem verdade que não o fez, no caso, em
nome da medicina. Mas, na obra médica de Anchieta é difícil dizer-se quando a religião
secunda a ciência ou quando a medicina secunda a religião.

2.6 PADRE JOSÉ DE ANCHIETA – PRIMEIRO NATURALISTA NO BRASIL

Sem dúvida, é inconteste a incessante busca no aprimoramento da formação


cultural dos inacianos, assim como sua preocupação na divulgação de seus conhe-
cimentos. São muitos os exemplos dos padres que se destacaram entre seus pares
pelo seu alto grau de erudição, ao deixarem registrado seu cabedal de conheci-
mento, porém destacamos apenas dois, sobre os quais discorremos com respeito
às contribuições que a eles devemos: Padre José de Anchieta e Padre José Rodrigues
de Melo, este pouco divulgado em meio aos estudiosos sobre a Companhia de Jesus
nos primeiros séculos de colonização.
Segundo LEITE (1954, Tomo III: 67), “[...] Ocupado com a direção superior da
Companhia no Brasil, Manuel da Nóbrega incumbia os Irmãos de redigir as cartas
de notícias e edificação: e na Capitania de São Vicente o encarregado foi Padre José
de Anchieta. Assim, em 1560, dois meses depois de Nóbrega voltar da Bahia, data

2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará 77


Anchieta a carta de 31 de Maio de 1560 dirigida ao Pe. Diogo Laynes sobre as coisas
dessa Capitania de São Vicente, dignas de admiração ou desconhecidas na Europa”.
O material exposto abaixo foi extraído de Minhas cartas, de ANCHIETA (1984). Os
textos das cartas de Anchieta e as notas de rodapé foram extraídos do livro Cartas,
Correspondência ativa e passiva, do padre VIOTTI (1984).
Nenhum outro jesuíta, no século XVI, conheceu tão bem como Anchieta a
geografia, a história e as condições culturais e sociológicas de sua heterogênica
população. Sobretudo no que tange aos seus primitivos habitantes, tupis, tapuias,
cujas línguas e hábitos de vida estudou e aprendeu em contatos pessoais, criando
os instrumentos científicos para sua evangelização (MORENO; SANTOS, 1984,
Introdução de Minhas Cartas, por José de Anchieta).
LEITE (1954, Tomo III: 68) diz ser a carta de Anchieta ao Pe. Diogo Laynes “[...]
o primeiro documento elaborado de propósito no Brasil sobre as coisas naturais”.
Em 31 de maio de 1560, de São Vicente, Padre José de Anchieta envia a Roma uma
extensa carta ao Padre Diogo Laínes, descrevendo com pormenores a fauna e flora da
Mata Atlântica, cumprindo o prometido ao seu destinatário. Os rodapés correspon-
dentes são do livro Cartas, correspondência ativa e passiva, mencionado acima.
A carta é bastante longa, de forma a transcrevermos alguns trechos mais
significativos, embora, toda ela seja de valor inestimável.

[...] esta parte do Brasil, que se chama S. Vicente, dista Equinocial para o Sul, vinte e três
graus e meio, medidos de Nordeste a Sudoeste. [...] Em nenhum tempo do ano param
as chuvas, e, de quatro, de três em três graus e meio ou até de dois em dois dias, se
alterna a chuva com o sol. Contudo se fecha o céu e não chove, de forma que, não pela
força do calor que nunca é excessivo, mas por falta d’água, secam os campos que não
dão os costumados frutos; e algumas vezes chove demais e apodrecem as raízes de que
nos alimentamos. Os trovões ribombam com tal estampido que causam muito medo mas

78 2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará


raro caem raios, e é tanto o fulgor dos relâmpagos que deslumbram e obscurecem a
vista e parecem disputar ao dia o esplendor de sua luz, e acompanham-se de violentas e
furiosas ventanias, às vezes tão impetuosas, que altas horas da noite nos vemos forçados
a recorrer à oração contra os perigos das tempestades e até a sair de casa para escapar à
ameaça dela cair. Com os trovões tremem as casas, caem as árvores e tudo se conturba.
Não há muitos dias, estando em Piratininga, depois do pôr do sol, de repente começou a
turvar-se o ar, a enevoar-se o céu, a amiudarem-se os trovões e os relâmpagos; o vento sul
envolveu a terra pouco a pouco até chegar ao Nordeste, donde quase sempre costuma vir
tempestade, ganhou tal violência que parecia o Senhor ameaçar com a destruição. Abalou
as casas arrebatou telhados, derrubou matos, arrancou pelas raízes grandíssimas árvores,
partiu ao meio destroçou outras, de maneira que nos matos se taparam os caminhos sem
ficar nenhum (VIOTTI, 1984: 26-7).

Não escapou da atenção de Pe. Anchieta a infinidade de gêneros, espécies e varie-


dades, desde o menor inseto ao animal de grande porte, a exemplo das feras que
assustavam quem por aquelas matas transitavam. Com muita propriedade, vai Pe.
Anchieta descrevendo:

[...] Também há aqui onças, que são de duas variedades: uma cor de veado mais pequenas
e mais cruéis; outras malhadas e pintadas de diversas cores, que são as mais frequentes
em toda parte, e estas ao menos os machos, são maiores que os maiores carneiros,
porque as fêmeas, em tudo semelhantes aos gatos e servem para comer, como por vezes
experimentamos. Em geral são medrosas e acometem pelas costas, mas tem tanta força
que com um golpe das unhas ou dentada dilaceram o que tomam.
Estando a descansar uma noite à beira dum rio em pequenas cabanas alguns cristãos,
numa delas debaixo da cama ou, antes, debaixo da rede na calada da noite e por uma
perna, talvez um pouco de fora, o agarrou e levou, não podendo a gente que aí se achava,

2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará 79


arrancá-lo das suas unhas e dentes; o que aconteceu a muitos outros a quem as mesmas
onças arrebatam no primeiro sono e levam para comer; e disto poderia apontar muitos
testemunhos (VIOTTI, 1984: p. 37).
[...] Há outro semelhante a uma raposa pequena (que os índios chamam sariguéa, que
cheira muito mal e gosta de comer galinhas. Tem debaixo do ventre um saco, aberto de
cima para baixo, onde se escondem as tetas, e, quando pari, as crias entram nele, pega-se
cada qual sua teta e nunca mais saem senão quando já não precisam do au­xílio da mãe,
difícil arrancá-los com vida de suas tetas.
[...] Macacos, veados, abelhas mencionando quase vinte gêneros delas, assim como mos-
cas e mosquitos, abelhas, aves em suas penas multicoloridas, dentre elas os papagaios
voando em bandos.
[...] Os macacos, em quantidade infinita, são de quatro castas muito boas para se comerem,
como com frequência o experimentamos, alimento muito são até para doentes. Vivem
sempre nos matos, saltando em bandos pelos cimos das árvores, onde, por causa da
pequenez do corpo, não podem saltar duma árvore a outra. O maior e como chefe do
bando, agarra-se de cauda e pés a um ramo curvado, pega outro com as mãos faz de si
mesmo caminho e como ponte para os restantes e assim todos passam com facilidade.
As fêmeas têm as mamas no peito como as mulheres, e com as crias pequenas sempre
pegadas às costas e aos ombros vão de um lado para outro, até elas poderem andar por
si (VIOTTI, 1984: 40).
[...] Seria difícil exprimir por palavras as diversas espécies de formigas que são de várias
naturezas e nomes, (diga-se de passo) na língua brasílica é muito comum dar nomes
diversos a espécies diversas, e raras vezes se nomeiam os gêneros por nomes próprios;
e assim a formiga, o caranguejo e o rato e muitos outros não têm deno­minação genérica,
enquanto as espécies (que são quase infinitas) deixam de ter nome próprio, e causa verda-
deira admiração tanta abundância e variedade. Quanto às formigas, só parecem dignas de
menção as que destroem as árvores, de nome içá, arruivadas, e que esmagadas cheiram a

80 2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará


limão, e cavam para si grandes casas debaixo da terra. Na primavera, isto é, em setembro
e daí por diante, fazem sair em enxume dos filhos, quase sempre num dia seguinte ao
da chuva e trovões, se fizer bom sol. Vão à frente os pais, de boca aberta, por um lado e
outro, enchendo os caminhos, e, mais cruéis que nalgum outro tempo, as suas mordide-
las chegam a fazer sangue, seguem-nas os filhos com asas, de corpo maior, e logo voam
à procura de novas casas para si, tão numerosos que fazem no ar densa nuvem, e onde
quer que caiam, ai cavam logo a terra construindo habitações cada qual para si, e pouco
depois morrem, e do seu ventre se geram outros inumeráveis filhos (VIOTTI, 1984: 41-2).
[...] De moscas e mosquitos, que para sugar o sangue picam acerbadamente, há grande
quantidade nos matos, sobretudo no verão, quando se alagam os campos. Uns têm ferrão
e as pernas compridas e finíssimas perfuram a pele e chupam o sangue até que com o
corpo cheio e distendido mal podem voar. [...] Outros que vivem nos charcos da bei-
ra-mar, chamado marigui, são uma praga terrível, tão pequenos, que mal se enxergam:
picam e não se vêm picar, queimam sem haver fogo nenhum (VIOTTI, 1984: 43).

Há referências à diversidade de aves, inclusive as emas, “as quais o extraordinário


tamanho do corpo impede de voar”, assim como as de rapina capazes de matar
veados. Menciona, também, perdizes, faisões e outras aves de “cor púrpura, outras
verdes, outras esbranquiçadas notáveis pela multiplicidade e variedade de cores”
(VIOTTI, 1984: 44).

[...] Quanto a ervas e árvores, não quis deixar de referir que estas raízes que usamos na
alimentação e se chamam mandioca, são venenosas e nocivas por natureza, a não ser que
pela indústria humana se prepararem para comer. Se se comem cruas, assadas ou cozi-
das, matam os homens, mas podem-nas comer impunemente os porcos e os bois, exceto
o suco que delas sai; que se o comem logo incham e morrem. Há outras raízes de nome
yrticopê semelhante a rábano, de agradável sabor, bastante apropriadas para acalmar a

2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará 81


tosse.
[...] Úteis na medicina há muitas árvores e raízes de plantas mas direi alguma coisa
sobretudo das que servem para purgantes. Há uma árvore da qual, cortando-se a casca
com faca ou quebrando-se um ramo, sai um líquido branco, parecido com leite, mas
mais espesso se se bebe pouco e desembaraça os intestinos e limpa o estômago com um
vômito de grande violência; mas, se houver demasia na porção, por pouco que seja, mata.

Não escaparam os vegetais em sua variedade imensa, inclusive as empregadas na


manipulação de remédios, lembrando que os Jesuítas tinham noção de primeiros
socorros e de botânica médica. Na preparação dos remédios empregavam, também,
produtos de origem mineral e animal, lembrando que em Portugal daquela época
a medicina era exercida pelos padres nos conventos, onde os livros médicos eram
escritos e os doentes atendidos (CAMARGO, 2014: 166-178).
E segue Anchieta descrevendo o que via.

[...] estas raízes que usamos na alimentação se chamam mandioca, são venenosas e noci-
vas por natureza, a não ser que pela indústria humana se prepararem para comer. Se se
comem cruas, assadas ou cozidas, matam os homens, mas podem-nas comer impune-
mente os porcos e os bois, exceto o suco que delas sai; que se o comem, logo incham e
morrem (VIOTTI, 1984: 44).
[...] Das árvores, parece digna (embora haja outras que destilam líquidos semelhantes
à resina, úteis para remédios), uma que dá um suco suavíssimo, que querem seja bál-
samo. Escorre a princípio como óleo por orifícios abertos pelo caruncho ou também por
incisões feitas por facas e machados, e depois coalha e parece tomar a forma de bálsamo.
Exala cheiro não demasiado, mas suavíssimo, e é muitíssimo próprio para curar feridas,
de maneira que em pouco tempo nem sinal fica da cicatriz (como dizem estar compro-
vado pela experiência) (VIOTTI, 1984: 45).

82 2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará


[...] Outras árvores que enchem por toda a parte os esteiros do mar, outras nos pontos
que brotam e se erguem os ramos, do comprimento de lanças, se inclinam pouco a pouco
para o chão, até que passado muitos dias o tocam. [...] Encontrou-se há pouco outra, que
se tem em grande conta e não sem razão: é comprida e fina; esmagada e, posta de infusão
em água durante uma noite bebe-se de manhã sem dificuldade, nem causa náusea, nem
dá fastio. Desembaraça o ventre, ao passo que para o prender (exceto o fruto dalgumas
árvores quase não se encontra nenhum remédio eficaz. Além destas, há muitas outras, de
bom préstimo para desembaraçar o ventre, ao passo que para o prender (exceto o fruto
dalgumas árvores) quase não se encontra nenhum remédio eficaz.

2.6.1 Padre Anchieta é homenageado pelo botânico francês Saint-Hillaire


Augustin François Cezar de Saint-Hilaire, botânico francês que esteve no Brasil de
1816 a 1822, deixou, entre outras, a importante obra a que deu o nome de Plantes
usuélles des brésiliens. Ao tomar conhecimento da carta de Anchieta descrevendo a
Mata Atlântica e entendendo sua importância para os estudos de história natural,
dedica-lhe uma planta medicinal a que deu o nome Anchietea salutaris Saint. Hil. -
Violaceae, conhecida popularmente por “cipó-suma”.
Referente à identificação do gênero e espécie daquela planta, Saint-Hilaire assim
se manifesta ”J’ai imprunté le nom de cette plante de celuÍ du fameux père Anchieta
qui a écrit une lettre fort curieuse sur l’histoire naturelle de la province de Saint
Paul”.

2.7 PADRE JOSÉ RODRIGUES DE MELO

Sem dúvida deve-se à obra do jesuíta MELO (1997: 19) De rusticis Brasiliae rebus
(Temas rurais do Brasil) o conhecimento que se possa ter hoje dos usos e costumes

2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará 83


da vida rural do período colonial em sua expressão mais pura. Isso devido às nar-
rativas extremamente detalhadas sobre os assuntos ali abordados, os quais, na
verdade, correm paralelos aos desenvolvidos anteriormente por ANTONIL (1711),
em Cultura e opulência do Brasil, como o fizeram outros tantos que andaram por
terras brasílicas em seu alvorecer – lembrando: Gabriel Soares de Sousa, Jean de
Lery, Fernão Cardim entre outros –, os quais forneceram importantes relatos sobre
costumes brasileiros.
MELO apresenta poemas agrícolas descrevendo em latim: “o plantio, os cuidados,
a colheita e a utilidade da mandioca, do fumo, do açúcar, além de assuntos voltados
à criação do gado”, produtos, segundo os latinistas tradutores na Introdução do
livro,

[...] não só essenciais à vida como também de extrema importância para a economia rural
da então Colônia e que o poeta queria propagar no seio da comunidade europeia. Para
tanto, não poderia valer-se de outra língua que não fosse a latina universal e acessível
a todo homem culto, tornava-se instrumento mais adequado aos propósitos do ilustre
autor, e ao conteúdo didático da matéria.

Em versos latinos, a obra do jesuíta MELO, publicada pela primeira vez em 1780, trata
de assuntos que, segundo os latinistas tradutores da obra – SOZIM e MONTEIRO –,
teriam sido uma recriação de Cultura e opulência do Brasil, de ANTONIL (pseudônimo
de João Antônio Andreoni), publicada em 1711, sobre O Açúcar, O tabaco, o Ouro e as
Minas e por fim Pastos e o Gado, sem entrarem em maiores detalhes sobre tal recriação.
Para uma análise comparativa entre as duas obras – de ANTONIL e de MELO –,
consultamos Cultura e opulência do Brasil, de ANTONIL, e Estudo bibliográfico, por
TAUNAY, sobre a Cultura e opulência do Brasil de ANTONIL, o qual foi enviado por
Taunay a Capistrano de Abreu em 15 de junho de 1922.

84 2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará


Porém, ao analisarmos ambos os textos que tratam do gado, percebemos a
importância que representou para sua época a abordagem que faz MELO (1997), ao
retomar o assunto sobre a criação do gado, 60 anos após a publicação de ANTONIL,
quando este destaca:

[...] as fazendas e os currais do gado se situam aonde há largueza de campos e água


sempre manante de rios e lagoas. Por isso, os currais da parte da Bahia estão postos na
borda do rio São Francisco, na do rio das Velhas [...] e de outros rios ou lagoas. Por isso,
em os quais, por informação tomada de vários que correram este sertão, estão atual-
mente mais de 500 currais e, só na borda da parte do rio São Francisco, 106. E na borda
do Pernambuco, é certo que são muito mais. E não somente de todas estas partes e rios
já nomeados vem boiadas para a cidade e recôncavo da Bahia [...].

Enquanto ANTONIL descreve como eram as boiadas em áreas banhadas por cau-
dalosos rios, MELO (1997: 137), sobre a criação do gado no Brasil, aborda o tema da
criação de gado sob outro prisma. Em uma abordagem bem diferente, vai ele impri-
mindo inteligentemente, e de maneira extremamente detalhada, os cuidados que
deveriam ter os candidatos à criação de gado, em face dos riscos que correriam e
levariam ao fracasso na atividade pastoril, caso a área escolhida estivesse distante
de rios ou lagoas, tal como se lê abaixo.

[...] Eis que a vasta terra, à medida que se estende largamente, revela campos que,
carentes de proprietários, obtém para si, não comprados, quem quer que primeiro os
busque. Mas, tu, quem quer que sejas, que te comprazes na criação de gado e desejas
aplicar trabalho e cuidado ao rebanho (para que não te arrependas mais tarde do erro,
se acaso deparares com campos inapropriados), aprende o que prejudique ou o ajude e
convenha aos teus projetos, considerando contigo no teu íntimo, muitas coisas antes que

2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará 85


estabeleças as pastagens.

Todavia, não fica bem clara a região por ele descrita no poema, supondo tenha
sido o Rio de Janeiro. Sabe-se, todavia, que esse jesuíta nascera em Portugal, na
cidade do Porto, em 1723, e que sua vinda ao Brasil ocorreu em 1739 quando foi
registrado no Noviciado de Juquitiba, na Bahia, na corporação religiosa de Santo
Inácio de Loyola. No ano de 1756, a data de sua profissão solene ocorreu no Colégio
de Paranaguá e depois teria ido para Santos, SP, e, posteriormente, para o Rio de
Janeiro. Lá se dedicou aos estudos de filosofia e partiu por ordem do Marquês de
Pombal, junto com seus companheiros, para Lisboa em 24 de fevereiro de 1760 e
de lá para os Estados Pontifícios, vindo a falecer em Roma em 4 de agosto de 1789.
Teria sido no exílio que, como dizem os tradutores de Temas rurais do Brasil,

[...] o ilustre humanista, mercê do seu domínio da língua de Virgílio e da arte da versificação,
pode dedicar-se com vagar ao cultivo da poesia, amplo conteúdo didático-informativo
acerca das riquezas rurais do Brasil colonial, endereçado sem dúvida à Europa culta do
seu tempo (MELO, 1997: 16).

Observamos na citação acima a preocupação dos tradutores da obra de MELO em


destacar o endereçamento de narrativas tais como a desenvolvida por este padre
jesuíta endereçada à Europa culta. Nesse sentido, citamos a historiadora RIBEIRO
(1997: 116) em A ciência dos trópicos, segundo a qual,

[...] a partir do reinado de dom João V, quando então se intensificaram os esforços para
inserir Portugal no contexto da Europa culta, esses homens ilustrados eram requisitados
para pronunciar-se sobre os mais diversos assuntos. Urgia um conjunto de mudanças
profundas que fossem capazes de livrar os portugueses do obscurantismo.

86 2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará


Podemos admitir, todavia, que as narrativas desse jesuíta tenham ocorrido durante
sua estada no Rio de janeiro, visto a referência que faz a essa cidade (MELO, 1997:
143): “[...] Por acaso não vês perto da bela cidade do Rio pastagens que, recente-
mente, infelizes colonos por desgraça perderam, e como elas reverdecem propícias
ao rebanho e cheias de ervas, uma vez secados os banhados?”
Esclarecemos, todavia, que, dos temas abordados por MELO, nos fixamos em
Criação de gado no Brasil, visto ter sido uma das primeiras atividades exercidas
desde os primeiros tempos da colonização, assunto que vimos abordando desde o
início desta segunda parte do presente livro.
A partir da leitura de Temas rurais do Brasil, pudemos perceber a riqueza de
detalhes referentes aos percalços a que estão sujeitos aqueles que se dedicam
à atividade pastoril. Tal descrição nos levou a deduzir o quanto enorme era seu
conhecimento sobre os agentes negativos que poderiam interferir no êxito de tal
atividade, negando os lucros almejados.
A seguir transcrevemos, organizados em tópicos, os trechos que julgamos mais
significativos, os quais retratam em seus pormenores tais senões que pudessem
interferir no bom andamento e rentabilidade da atividade pastoril nos tempos
coloniais.

As águas
[...] Observa-se por acaso um rio abundante atravessa os campos, o qual proporcione
bebida aos rebanhos e alimento às ervas. [...] Nascendo o sol, revisita, madrugador, os
campos e, se em algum lugar exalar uma névoa tênue, aí terás início indubitável de uma
fonte oculta. [...] Evitará, no entanto, as águas estagnadas onde coaxa a rã; pois que os
pântanos entorpecidos viciam os ares e produzem-no denso limo animais infestos ao
rebanho e derramam nos prados circunvizinhos as chuvas recebidas, provocam doenças
e deterioramos pastos.

2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará 87


As queimadas
[...] Seja motivo de cuidado lançar fogo aos campos ao final do verão, quando nuvens de
chuva pender do céu, de modo que a terra umedecida pelas águas que vêm, germine e
difunda novas pastagens às criações.
[...] Quando as chamas se abatem, sobrevém à área queimada um aspecto tristíssimo, até
que as chuvas restituam aos campos esquálidos sua bela aparência: então a terra ri, belís-
sima, com festivas gramíneas, e os pastos verdejam amplamente; e também, os robustos
novilhos brincam pelos prados. Nesta época do ano, também, as vacas costumam parir.
Os bezerros
[...] Prestai atenção, vaqueiros! É mister agora cuidado, pois, no primeiro instante de vida,
penosas, e mais de uma peste ameaçam os bezerrinhos. [...] aparecem os corvos que
a terra brasileira produz em grande quantidade atiram-se para arrancar com os bicos
aduncos os olhos ao pequeno bezerro
[...] A espécie fatal das moscas não menos maltrata as crias indefesas das vacas; pois a ter-
ribilíssima peste perfura o meio do tenro abdômen do bezerro e, ali, espalha uma maligna
progênie de vorazes vermes, que penetram por profunda ferida até mesmo às entranhas
e causam a morte ao infeliz [...] a menos que, por acaso, os vaqueiros acorram e tratem o
doente com pronta medicação.
[...] faze que os servos prendam os doentes em cercados de madeira, e extraiam os ver-
mes e friccionem o feio ferimento com erva salutar; depois lhes infundam, duma pequena
vasilha, o líquido oleoso que verte a baga do rícino. Verifiquem, também, se porventura
a peste se encontra presa à língua e ao sumo palato, pois o próprio bezerro ali conduz a
doença lambendo o ventre, que coça por causa dos vermes.
Escravos fugitivos
[...] alguns homens de confiança percorrem assiduamente a cavalo todos os campos ao
redor, para, se for o caso, rápidos acudirem ao gado: geme aqui uma bezerrinha imersa em
profundo atoleiro; ali touros rivais se ferem com os chifres; acolá uma vaca lutando com

88 2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará


dificuldade defende o recém-nascido dos corvos iníquos, em outra parte, um boi doente
jaz por terra e, esquecido do pasto, revira para cá e para lá os olhos amortecidos. Estejam
os vaqueiros vigilantes que vistoriam os campos atentos e tragam a tempo auxílio para
as dificuldades. Também investiguem se por acaso houver ladrões que a fome, que induz
ao mal, envia das densas selvas para os pastos. Pois, a cada passo escondem-se entre os
escuros bosques escravos negros fugitivos, que preferem viver da rapina a suportar os
duros mandos do senhor e a sofrer nas costas os cruéis açoites: nem se envergonham de
ser companheiros das feras, ou porque pensem haver nelas menos ferocidade e ira que
nos senhores, ou porque a preguiça, inimiga do trabalho, e o instinto feroz os persuadiu
a trocar as cidades e os sítios habitados pelos silenciosos antros dos bosques. De lá se
habituaram infestar as matança de pessoas, e a dispersar os rebanhos nos campos.
Capitão-do-mato
Se alguns vestígios denunciarem esta infame escória de homens, tratem de mandar vir
um capitão-do-mato, a que compete descobrir os ladrões nas selvas e caçar as feras
bípedes e arrancadas dos profundos esconderijos.
[...] compete aos trabalhadores rurais: que frequentemente visitem as plantações da
região, e então confiram se as cercas estão firmes e em toda parte reparadas, ou se em
algum lugar se abra para o gado um ingresso nos campos cultivados; e retirem os touros
que devoram as alegres searas, e cuidem sejam refeitas imediatamente as cercas.
A decaída do comércio de gado
[...] O servo imprestável faz tudo diferente: enfastiado pela dura tarefa e pelo trabalho
assíduo, abandona o cavalo e nem percorre os campos, mas se entrega ao descanso,
estendido na macia relva, ou ressonando reclinado à sombra de frondosa árvore. Com isto
decai o comércio do gado, bezerros a cada passo morrem; todo o rebanho se ressente das
feridas, as cercas caídas propiciam entrada às plantações, e os novilhos não vigiados piso-
teiam as searas cultivadas e tudo se oferece escancarado às pilhagens. Por este motivo,
o próprio patrão observe pessoalmente com seus próprios olhos e inspecione [...] se por

2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará 89


acaso os servos cumprem zelosos, suas funções, ou se, inativos se entregam ao descanso.
Os currais
[...] Existem enormes currais, sem teto ou telhado, somente uma série de madeiras
formando um grande círculo, numa sucessão de troncos enterrados. Àquele cercado
conduzem todo o rebanho, para que possam castrar os novilhos e três anos e aplicar aos
bezerros as marcas com ferro incandescente. Portanto, no dia estabelecido para o tra-
balho, pela manhã todos os vaqueiros se reúnem, montados em velozes cavalos, tendo nas
mãos grandes lanças. Divididos em grupos, e afastando-se pata diferentes direções, per-
correm todos os confins do campo, por mais extenso que seja, revolvendo cada recesso.
Finalmente, após vários giros de cavaleiros e bois pelos pastos reúnem o rebanho em
campo aberto: o cavaleiro guardião prende os bezerros e as mães, e os toros, ferozes por
natureza.
O canto do vaqueiro
Então um cavaleiro se põe à frente e ensina-os a tomar caminho por meio da exortação
de um canto suave; ao mesmo tempo que, atrás, o restante dos cavaleiros compele-o à
força do estímulo o rebanho a prosseguir: amontoados os cornos, vai a manada por entre
os cavalos. Nesse deslocar-se assim, nenhum descanso, nenhuma demora, a fim de que
o gado, enquanto ainda vê os doces campos, não pense em fuga: pois se um boi fugitivo
rompe o cerco e corre livre pelo campo, um vaqueiro solta as rédeas ao cavalo e, veloz,
persegue o fugitivo pelas planuras do campo, até que se lhe anteponha.
A marca do proprietário do rebanho
[...] um segura o bezerro, outro imprime a fogo as marcas no couro e coloca-lhe no dorso
os sinais do proprietário, medicando, então, a ferida com estrume e abrandando a dor.
[...] Outros arremessam os laços aos novilhos que devem ser castrados, e os golpeiam
amarrados às cercas com fortes cabrestos, tornando-os pelo ferimento, incapazes aos
desejos venéreos. Os infelizes enfraquecem e perdem o vigor entre as feridas cruéis. Mas
os jovens vaqueiros insensíveis aumentam a terrível dor com risos e brincadeiras.

90 2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará


Os morcegos
Infestam, também, muito as pastagens os ratos alados, flagelo vespertino dos bois. [...]
Sabe-se que ao cair da noite eles fazem ruído com as asas, investem contra o gado e o
ensanguentam com mordidas. Molestam o boi com o dente, ao mesmo tempo que pro-
duzem pela boca uma exalação e lhe acariciam a pele com o sopro e lhe aliviam a dor. O boi
maltratado não sente as feridas nem afugenta o inimigo, e ignoram quantos monstros lhe
pousam nas costas. [...] Da veia aberta, no entanto, o sangue liberado vai fluindo sem con-
trole, então, finalmente as forças abandonam o enfermo e, com o sangue, a vida também
o abandona. Se todas as pastagens estiverem inteiramente povoadas destes monstros,
não há esperança de salvação e não é, também, da capacidade humana dominar a peste
tão cruel: larga os terrenos inóspitos e busca para o gado novos campos, novas pastagens.
Os gatos
Se teus prados não produzem tão grande quantidade destes voadores noturnos, se na
noite silenciosa eles somente voam até os currais e gostam de ferir os bois presos, recorre
então aos gatos. Que preparem sempre, ciladas perto das cercas de pau e capturem num
rápido salto essas semiaves e as dilacerem com as unhas recurvas, de forma que elas
recebam os castigos pela vida criminosa.

Assim encerra o autor de Temas rurais do Brasil:

[...] Descrevo fatos conhecidos e a cada passo manifestados aos olhos: comprovam-nos
os próprios homens, os próprios rebanhos, os próprios covis das feras e testemunha-os
toda a terra brasileira por mais vista que seja.

2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará 91


2.7.1 Padre José Rodrigues de Melo e a cultura da mandioca

Começarei a cantar a raiz concedida aos povos do Brasil por dádiva dos deuses, da qual a
terra mãe fornece aos seus filhos o sustento; e, compadecido dos agricultores desprepa-
rados, direi primeiro que cultivo seja conveniente à planta a ser obtida, depois direi para
quais usos há de crescer a raiz; e trarei comigo do monte Aônio às matas e aos covis sel-
vagens (MELO: 1997: 73).
[...] Outrora os povos do Brasil, nem habituados a dar sementes aos campos, nem a exer-
citar a terra cultivando-a vagavam por bosques inóspitos o alimento que o apresentasse
espontaneamente, e viviam de frutos de gordas presas: não era então conhecido o uso
do pão, e todo o culto de Ceres jazia sem honra, até que, com ajuda e conselho de Tomé,
foi descoberta – a mandiva, arbusto digno de ser lembrado antes que as demais plantas,
cuja raiz alimenta os homens e substitui o trigo, já que a terra (em outras coisas fecunda)
o trigo negou (MELO, 1997: 75).

2.8 A EXPULSÃO DOS JESUÍTAS

A expulsão dos jesuítas suscitou questões polêmicas referentes ao seu trabalho de


catequese, confrontado com a atitude despótica pombalina, como instrumento de
dominação em seu propósito de modernização da burguesia em Portugal e colônias.
Com o intuito de tocamos nesse assunto, transcrevemos trechos de autores que
deixaram expostas suas impressões sobre o histórico ocorrido. Entre eles citamos
Pe. CABRAL (1925: 2), em Jesuítas no Brasil, quando, embora em tom partidário, esse
autor trata daqueles que escreveram contra ou a favor dos jesuítas:

Dentro e fóra de Portugal, a litteratura anti-jesuitica pejou as livrarias de innumeras pu–


blicações, desde o in folio até à flolha volante, criando uma das mais abundantes secções

92 2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará


na bibliographia histórica, critica, polemica, e, sobretudo, phantasista. 8 Disponível em:
<http://www.histed
fe.unicamp.br/
Segue CABRAL (1925: 21), citando CALÓGERAS (1911: 1), em O Jesuíta e o ensino: “Não revista/revis/revis0
ha talvez, exemplo mais flagrante de injustiça collectiva do que a reputação opro- art11_9.html>. Aces
em: 22 jun. 2019.
briosa dos jesuítas. [...] Não haveria exageração em dizer que elles são os grandes
calumniados da Historia”.
ALVES (2010) retrata bem as posições divergentes em A obra educacional da
Companhia de Jesus no Brasil, segundo a historiografia,

[...] a defesa da ação jesuítica, na obra dos cronistas mais recentes, assume, também, a
forma de ataque a Pombal, o poderoso ministro de D. José I, que tomou a iniciativa de
expulsar a Companhia de Jesus dos domínios de Portugal. Mas, sob esse aspecto, os cro-
nistas inacianos não são casos isolados. O combate travado entre os jesuítas e o maior
expoente do despotismo esclarecido, em Portugal, estabeleceu, para a posteridade, um
laço indissolúvel entre os rivais. A alusão a um deles suscita o outro.8

De acordo com BARRETO (2006),

os jesuítas tinham método próprio de ensino e um rol de livros, em suas bibliotecas nos
colégios e residências, muitos dos quais serviam de textos didáticos. E faziam inter-
venções artísticas na arquitetura, na pintura, na escultura e na música, como parte
do processo cultural que marcava a sua presença no Brasil, desde 1553 uma Província
da Companhia de Jesus, nomeada por Inácio de Loyola e confiada ao padre Manoel da
Nóbrega a sua administração.
[...] A Visitação do Santo Ofício, ainda no século XVI, ordenou formalmente o código de
crenças e de valores, como carta jurídica a vigorar no Brasil, enquanto o processo colo-
nizador seguia seu rumo, com a ocupação das terras, através de sesmarias. Tal fato dava

2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará 93


oportunidade a que surgissem em várias partes do Brasil, principalmente na Bahia, as
queixas e denúncias contra a ação dos jesuítas. Exemplo dos Capítulos que Gabriel Soares
de Souza deu em Madrid a Dom Cristovão de Moura em 1591, os quais foram respondi-
dos em 13 de setembro de 1592 na Bahia, pelos padres Marçal Beliarte, Inácio Tholosa,
Rodrigo de Freitas, Luiz da Fonseca, Quirício Caxa e Fernão Cardim. Na verdade foram
44 Informações, todas elas questionando o modo como os jesuítas tratavam os indígenas,
buscavam terras e bens para os seus Colégios e Residências, tomavam partido nas coisas
seculares, administravam seus interesses, com regras próprias. Os Capítulos do cronista
antecipavam questões que seriam afloradas, quase dois séculos depois, quando ocorreu
a expulsão dos jesuítas do Brasil, o fechamento de seus Colégios e Escolas, e o confisco
dos seus bens.
[...] O ato de expulsão, com seu Alvará político, referia sobre o método de ensinar e sobre
os compêndios e livros adotados, que pareceram inadequados ao novo projeto português
de colonização no reino. Alguns jesuítas deixaram a Companhia de Jesus e mudaram de
lado, passando a adotar os livros dos novos autores que começaram a circular no Brasil,
como foi o caso de Manuel Maciel, que teve permissão de continuar com aulas particu-
lares de filosofia, depois que desligou-se da Ordem.
[...] O velho método, de que trata a Pastoral do Cabido da Bahia a propósito do Alvará de
28 de julho de 1759 (expulsão dos jesuítas), era desterrado como “pernicioso, danado e
tenebroso” [...].

94 2 Padres da Companhia de Jesus no sul do Ceará


3
REMINISCÊNCIAS JESUÍTICAS NA
RELIGIOSIDADE DO POVO DO SERTÃO

3.1 REMINISCÊNCIAS JESUÍTICAS

A preocupação da cúpula romana da Companhia de Jesus era a difusão de suas


ações missioneiras no Brasil e pelo mundo afora, conforme constatado na troca de
correspondência entre os padres nos primeiros tempos da Colônia e seus pares na
Europa e Ásia, como já demonstrado na Parte 2. Assim, espalharam quanto puderam
suas práticas missioneiras, tanto pelas regiões por onde iam se fixando, como por
meio da troca de cartas ou pelo próprio contato pessoal entre eles, visto estarem
permanentemente em trânsito entre suas áreas de trabalho, nos colégios e casas
dos meninos ou meninas espalhadas pelas aldeias onde os mantinham em atividade
na educação dos mesmos.
Relativo aos sacramentos preconizados pelos jesuítas em seu trabalho de evan-
gelização no alvorecer da colônia portuguesa, destacamos neste livro o batismo e a
penitência na formação religiosa, principalmente entre os jovens.

3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão 95


3.2 SACRAMENTO DO BATISMO

Padre CABRAL (1925: 70), aponta as credenciais e as três fases do apostolado:

– Ir, ensinar, batizar. [...] o que no Missionário representa um esforço incomparavel-


mente mais complexo e triumphante que o baptizar, é o realizar a christianização no seu
segundo e mais dificultoso elemento: professar a lei de Christo.
– Ir – foi muito porque foi triumphal’ das distancias;
– Catequisar – foi mais, porque foi triumphal’ das intelligencias; mas christianizar – foi
tudo, porque foi triumphal’ das vontades; e a vontade, por isso mesmo que é livre, oppõe
ao missionário rebeldias ora silenciosas ora explosivas, que só consegue debelá-Ia, quem
realiza o ideal pleno do missionário de zelo intenso e santidade abnegada.
Rebeldias de vontades transviadas, encontravam-nas a gran el entre os Missionários da
Companhia de Jesus no Brasil do século XVI.
Canibalismo, oppressão, sensualidade, contra tudo opuzeram a tenacidade do seu zelo.

Realmente, na administração dos sacramentos, o batismo tinha especial importân-


cia, apesar das dificuldades que a princípio tiveram com sua introdução entre os
indígenas, visto sua importância não só para a entrada dos nativos na cristandade
como para a salvação das almas. Para os jesuítas, lembramos o que diz LEITE (1954,
Tomo III: 62): “[...] Nas aldeias da Bahia entre 1556 e 1559 (tempo de Nóbrega), exceto
algum caso individual de índio fervoroso ou in extremis de adulto, só se batizavam
moços das escolas, meninas da doutrina e lactantes [...]”.
Informa ainda LEITE (1954, Tomo I: 324), por meio de carta do Padre António
Pires de Pernambuco aos Padres e Irmãos de Coimbra, em 4 de Junho de 1552:

[...] Quanto à conversão do gentio, que hé ho principal a que viemos, sinto que há mester

96 3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão


muyto lume da graça para saber atinar com a verdade, porque como não tem quem
dorem, salvo huma, sanctidade que lhe vem de anno em anno, como os Irmãos lhe terão
escrito, facilmente dizem que querem ser christãos, e asi facilmente tornão atraz; porque
como nom há entre eles aquella guerra que Christo disse vir mete em a terra, scilicet, ho
pay contra ho filho e o filho contra ho pay, etc., não posso crer que am-de perseverar,
salvo por costume como já tenho dito. Este costume não ho pode fazer hum so; portanto
Irmãos, não creaes que quando vos de cá pedem que he debalde, porque, se para conver-
ter os da India ou mouros há mester X, esta terra há mester XX.
Não deixo de cuidar que vos espantareis como terra em que os homens pedem ba­ptizmo
não hé já toda christã. A causa disto he que estando lá não se alcanção as causas tanto;
como vendo-as, porque de tal parecer veo mandar-se, segundo cá se diz, que quantos
se quisessem fazer chistãos se fizessem, o que foi causa de se fazerem muitos erros e
escandalos [...].

Pode-se admitir que “os erros e escândalos” acima referidos já teriam se dado no
ano anterior à carta acima, preocupação do Pe. Manuel da Nóbrega, conforme
constatamos em carta do Padre António Pires aos Padres e Irmãos de Coimbra,
enviada de Pernambuco em 2 de agosto de 1551 (LEITE, 1954, Tomo I: 252), fazendo
referência a uma ordem emitida por Nóbrega:

[...] Muchos de los gentiles piden el agua del batismo mas el P. Nobrega há ordenado
que primeiro se les hagan los catecismos e exorcismos hasta tanto que conozcamos en
ellos firmeza, y que de todo coraçón crean en Christo, y también que primero emienden
sus malos costumbres. Son tales os baptizados que perseveran, que es mucho para dar
gracias al Señor, porque aunque desonrados y vituperados de los suyos, no dexan de per-
severar en nuestra obediência y crecer en buenos costumbres [...].
Todavia, recusavam o sacramento aos indignos que os não podiam receber, “[...] mas

3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão 97


havia clérigos que os administravam sacrilegamente” (LEITE, 1954 Tomo II: 513).

Carta da Bahia do Padre António Blasquez ao Padre Diego Laynes, a Roma, de 1º de


setembro de 1561 (LEITE, 1954, Tomo III: 394):

[...] Outro índio, venido de tierras mui longe já mui enfermo, tratava el Padre de lo
convertir y hazer Christiano para que, pues estava tan propínquo a la muerte moriendo
en Christo regenerado, fuese a gozar de la vida eterna; pero aunque el en esto mucho
trabajava, no podia acabar nada con el, dado que le parecia al índio mui bien todas las
razones, que le dava el Padre, sino que quando le dizia si queria ir ver a Dios, respondia
que aún no, por la ventura con miedo que el baptismo le causasse la muerte, cosa que
los hechizeros o el diablo le tiene metido en la cabesa, desde el principio que los de la
Companhia conversan com ellos. No desistia el Padre de le ablar de Dios las vezes que
por a par dél passava, asta que un dia prepassando por el le dixo: “Pues aún no qieres
se Christiano? Respondióle él, já mudado en outro hombre: Baptisa-me, que conosco
que no tiengo de durar mucho” Respondióle él: “Para que te tengo de baptizar?” Dixo
el enfermo: “Para yr al cielo”. Respondióle el Padre: “Como? No poderás ir al cielo si no
fueres baptisado”? “No van allá sino los que fueren chrisitanos [...]”.

Sobre o que disse acima Padre Antonio Blasquez ao doente, lembramos HERSON
(1996), comentando que naquele longínquo século dos descobrimentos, na cate-
quese, o batismo era imposto como único meio de salvação da alma, garantindo
a vida eterna, ideias que se baseavam no princípio de que a doença era castigo de
Deus e a morte, vontade de Deus.
Na Missão de Ibiapaba, no Ceará, já avançados os anos de catequese, segundo
XAVIER (2010), citando VAINFAS (1995: 12), “[...] os inacianos tiveram que lidar com a
oposição que os índios faziam ao batismo, admitindo que esse sacramento matava,

98 3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão


visto constatarem que os índios morriam tão logo recebiam os santos óleos”. Tal fato
já era ocorrente desde o início da catequese jesuítica, como conta Padre Manuel da
Nóbrega ao Padre Miguel Torres e Padres e Irmãos de Portugal, enviada da Bahia
em 5 de julho de 1559 (LEITE, 1954, Tomo III: 64).
Visto estarmos tratando do batismo expomos abaixo o que se admite ter sido o
primeiro registro desse sacramento na região por nós delimitada para pesquisas,
ou seja, na cidade de Missão Velha.

[Fotos 1, 2 e 3]

Datado de 1748, o documento da Foto 1 supomos ser o primeiro registro de


batismo ocorrido em Missão Velha, área pesquisada, cujo conteúdo procuramos
transcrever abaixo tal como consta nas partes legíveis do livro de registros, já dete-
riorado pelo tempo:

Aos doze dias do mez de fevereiro de 1748, nesta Capella de Santo Antonio de Minas
Novas desta freguesia e paroquia [ilegível] Vila de Crijenia [ilegível] Sorquine morador
nesta freguesia; [ilegível] de Perpetuo dos Santos Óleos ao não haver foram padrinhos
Padre Jose Gomes e Josepha Maria. Eu escrivão Correia da Silva escrevi nesta fregue-
sia de Nossa Senhora dos Cariris-Novos na casa [ilegível] e por verdade por mim Padre
Gonçallo Celho de Lemos.
José Maria Feitosa
Clero dos Cariris Novos

Segundo Dados Históricos constantes do Boletim Archidiocesano (1921, n. 20: 401):

Missão Velha tem tido os seguintes vigários: “1º Gonçalo Coelho de Lemos [...], missioná-

3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão 99


Disponível em: rio de Assis [...]”.
tps://biblioteca.
e.gov.br/visual-
cao/dtbs/ceara/ Este, todavia, o mesmo nome constante do registro de batismo acima referido, no
saovelha.pdf>. qual ele não usa o prefixo Frei, próprio dos capuchinhos, mas, Padre, designação
sso em: 22 jun.
comum a outras ordens religiosas.
9.
Em contrapartida, transcrevemos outra referência para a mesma região de
Missão Velha:9

[...] em fins do Século XVII o Vale do Cariri era povoado pelos índios Cariri oriundos do
planalto da Borborema, refugiados da guerra da repressão movida contra a coligação
de tribos indígenas nordestinas. Em defesa e pacificação dos indígenas, missionários
de várias ordens religiosas para lá se dirigiram. Os jesuítas agrupados em aldeias “ou
missões” criaram a de São José no sítio Cacheira a qual seria a célula-mãe do Município
de Missão Velha. Ai se estabeleceu em 1707 o baiano João Correia Arnaud, descendente
de Caramuru, com vários membros da família e escravos, dando início à colonização da
região.

Conforme a mesma fonte, o Sítio Cachoeira, a 3 km da sede do Município de Missão


Velha, vem a compreender um geossítio caracterizado por quedas d’água, com
aproximadamente 12 metros de altura, formadas pelo Rio Salgado, compreendendo
o Geosítio Cachoeira de Missão Velha.
Este geossítio está inserido no Parque Natural Municipal da Cachoeira de
Missão Velha/Bioparque (Lei nº 002/02, Lei Complementar nº 017/02) e na área do
Monumento Natural Cachoeira do Rio Salgado (Decreto nº 28.506/06).

História
A história do Geossítio Cachoeira de Missão Velha relaciona-se ao contexto da

100 3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão


escassez da água no Sertão, pois lá era um dos poucos lugares onde se podia encon- 10 Disponível
em: <http://
trá-la durante todo o ano. Como marco de grande beleza paisagística, o Geossítio
geodinossauro.
costuma chamar atenção de quem passa por essa região e é motivo de várias lendas blogspot.
e estórias de encantamentos e mortes. Existem vestígios de populações indígenas, com/2016/08/
geotope-missao-
nesse lugar, que remontam a tempos pré-históricos. Provavelmente serviu de lugar
velha.html>. Acesso
de cerimônias desses povos nômades, que não costumavam permanecer num único em 23 jun. 2019

ponto. A alguma distância da cachoeira, encontram-se restos de casas de pedra que


remetem a uma primeira fase de colonização do Cariri, a partir do século XVII.
Abaixo, texto extraído do blog Geodino:10

Geotope Missão velha.


Conheceremos hoje o sétimo Geotope denominado Missão Velha, localizado no Sítio
Cachoeira, conformando desta maneira a área de abrangência do Geopark Araripe.
A região é banhada por um dos rios mais importantes do sul do Ceará, o rio Salgado,
cujas águas saltitam entre formações rochosas em arenito, formando cachoeiras de
vários tamanhos e belezas naturais incríveis, que fascinam e encantam os visitantes deste
Geossítio.
A área onde está demarcado o Geotope se insere no Parque Natural da Cachoeira do
Município de Missão Velha, criado por Lei 017/2002, conjuntamente na área denominada
de Monumento Natural Cachoeira do Rio Salgado, protegida pelo Decreto número 28.506
de 2006.
Registro histórico do Geotope:
A Cachoeira de Missão Velha se relaciona com o contexto da falta de água no sertão, e
tem forte ligação com os habitantes da área e circunvizinhanças por servir de socorro nas
secas que costumam ser frequentes no Ceará.
Por ser um lugar de plena fartura de água, tanto no inverno como no período de estiagem,
há indícios de que os índios “Cariri”, antigos habitantes, se estabeleceram nas proximida-

3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão 101


Disponível em: des das cachoeiras e ao longo do leito do rio Salgado.
tps://biblioteca.
Há registro de construções de antigas casas de pedra, que serviam de abrigo aos que
e.gov.br/
ualizacao/dtbs/ fugiam das secas, em passado mais recente, assim como existem notícias relatadas por
ra/missaovelha. moradores com mais de oitenta anos, que conhecem a história do povoado, contam que
>. Acesso em: 23
no século XVII, o lugar chamava-se Missão, nome este dado pelos padres jesuítas que
2019.
tinham a Missão de Evangelizar os índios, daí provém o nome que até hoje tem o uso
popular, como é conhecido e aceito por todos os munícipes do lugar – (Missão Velha).

O processo de ocupação e exploração econômica da região onde se situa o Geopark


Araripe, teve início na o século XVIII, segundo documentos abaixo, a partir da antiga
“Missão do Miranda”, hoje cidade do Crato.

[...] em fins do Século XVII o Vale do Cariri era povoado pelos índios Cariri oriundos do
planalto da Borborema, refugiados da guerra da repressão movida contra a coligação
de tribos indígenas nordestinas. Em defesa e pacificação dos indígenas, missionários
de várias ordens religiosas para lá se dirigiram. Os jesuítas agrupados em aldeias “ou
missões” criaram a de São José no sítio Cacheira a qual seria a célula-mãe do Município
de Missão Velha. Ai se estabeleceu em 1707 o baiano João Correia Arnaud, descendente
de Caramuru, com vários membros da família e escravos, dando início à colonização da
região.11
Ainda, segundo fonte acima à página 116 referida em nota de rodapé 14, em 28 de janeiro
de 1748, sob a invocação de Nossa Senhora da Luz, foi criado desmembrado do curato de
Icó, na região dos Cariris Novos, o “curato amovível” das “Minas dos Cariris Novos”. Por
provisão do bispo de Olinda, de 3 de maio de 1760, foi autorizada a ereção da Matriz de
São José, no sítio da antiga capela do aldeamento indígena, passando o curato a denomi-
nar-se desde então, São José da Missão Velha do Cariri”.

102 3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão


Todavia, o Boletim Archidiocesano (1921, nº 20) traz os seguintes dados:

[...] No vale do Cariry, foi depois de vencidos os índios ‘cariry’ de comprovada audácia
e gênio guerreiro, palmilhada pelos baianos que, levando vantagem nos prélios de con-
quista rechaçaram os índios por insuficiência numérica destes, vindo depois estabelecer
na região fértil do Cariry o centro de avantajada população. [...] A tradição, li algures, é a
“alma da raça” nos seus liames históricos. A crer n’ella os missionários de Assis fundando a
“missão”, obra evangelizadora, deram ao local o nome de “Missão Velha” para distingui-lo
dos outros pontos de civilização christã chamados depois “Missão-nova” e “Missão do
Miranda” ou Crato. [...]

A missão teve como primeiro vigário Gonçalo Coelho de Lemos, como consta
do mesmo documento (1921, nº 20: 402), que teria registrado o suposto primeiro
batismo em Missão Velha, ocorrido em 1748.

3.3 PENITÊNCIAS

As penitências fazem parte importante, sem dúvida, da história do catolicismo no


Brasil, admitindo serem práticas ainda vivas nos diferentes rincões do País, as quais
supomos tratar-se de reminiscências jesuíticas, tais como se apresentam, já tra-
zidas nas caravelas e aportadas em terras brasílicas em 1549 por intermédio da
primeira missão religiosa. Tal suposição calca-se, sobretudo, em dados obtidos da
correspondência trocada entre os primeiros inacianos já nos primeiros anos de sua
instalação na nova terra conquistada, com membros da Companhia de Jesus na
Europa, sobretudo em Portugal.
Porém importante lembrarmos a estreita relação das penitências com a cul-
tura do pecado, admitindo, segundo LE GOFF et al. (2017, v. II: 390), que o momento

3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão 103


central da história da penitência seja 1215, “ano em que o Concílio de Latrão impõe
a todos os fieis a obrigação da penitência anual: o decreto conciliar firma o nasci-
mento da confissão moderna e atribui-lhe papel fundamental na organização da
comunidade cristã”. Continuam os autores acima dizendo que

o debate sobre a penitência prolongar-se-ia muito além de Latrão IV, mas a deliberação
do sistema penitencial estabelecido pelo Concílio não será discutido e a prática da peni-
tência permanecerá substancialmente inalterada até nossos dias. [...]

As práticas de penitência para remissão dos pecados tais como aquelas represen-
tadas pelo açoite, castigando o corpo pelas faltas cometidas, eram adotadas pelos
jesuítas e vêm sendo recorrentes na história da religiosidade popular em terras
cariri ao sul do Ceará. Tais práticas são narradas em cartas por eles trocadas, desde
o início de seus trabalhos de catequese, tais como as abaixo transcritas.
Começamos por trecho da carta enviada de Pernambuco pelo Pe. Manuel da
Nóbrega, em 13 de setembro de 1551, aos Padres e Irmãos de Coimbra, em Portugal
(LEITE, 1954, Tomo I: 289).

[...] Eu prego domingos e festas duas vezes a toda a gente da Villa, que hé muita, e às
sextas-feiras tem prática com disciplina com que se muyto aproveitão todos. Vão se con-
fessando e juntamente fazendo penitência; as em brancos como nos Indios há grande
fervor e devoção.

Em outra carta de Pe. Manuel da Nóbrega, dessa vez enviada da Bahia em fins de
julho de 1552, ao Pe. Simão Rodrigues, em Lisboa (LEITE, 1954, Tomo I: 371), assim
está:

104 3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão


Nesta casa de meninos de jesu há disciplina muytas sextas-feiras do anno, scilicet,
Quaresma, Advento e depois de Corpus Cristi até a Assumpção de N. Senhora. Faz muita
devoção ao povo. Disciplinão-se muytos homens e toda esta casa com Padres e Irmãos e
meninos. Nom vem a ella senão homens, que ninguem conhece quando se disciplinão. [...]
nas primeiras pregações reprovou muyto penitencias publicas, por donde toda a cidade
entendendo dizê-lo pela disciplina; nom ollhando que pessoas publicas, como somos os
da Companhia, suas obras [...] de ser publicas, quanto mais que nom hé pelas praças.
Facta est diviso no povo, huns dizião bem hé, outros não.

Porém, dando um salto no tempo, reportamo-nos à prática da penitência do século


XIX no Estado do Ceará. Ai, vamos encontrar o botânico CISNEIROS (1964), o qual,
em 1859 quando, ao passar por Crato, ao sul do Ceará, verificou “o comportamento
religioso de indivíduos se autoflagelando, os chamados ‘penitentes’, usando nessa
prática lâminas de ferro, as quais eram fundidas numa espécie de chicote!”.
Teria sido Pe. Ibiapina, já no século XIX, no Ceará, quem dera cobertura à Ordem
dos Penitentes e da autoflagelação em nome de Deus, ordem que ainda existe na
cidade de Barbalha, CE, no sítio Cabaceiras. Ali vivem os penitentes, homens e
mulheres que cantam para os mortos e sangram para Deus, grupo criado em 1860.
Prática que acontece principalmente no período de quaresma, quando os peniten-
tes se açoitam com o chamado “cacho de disciplina”, repleto de lâminas que cortam.
Conforme NOBRE (2011: 11), Padre Ibiapina reservava dias para as práticas da
penitência, convidando as pessoas para expiarem seus pecados publicamente, pra-
ticando a autoflagelação com disciplinas, citando o caso dos Serenos, grupo de
penitentes que em 1845,

[...] não coincidentemente, ano de seca na região – saiam pelas ruas chorando e preconi-
zando o fim do mundo pelas ruas do Crato: Aquela denominação indicava - companhias

3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão 105


de penitentes que à noite, nas encruzilhadas ermas, em torno das cruzes misteriosas, se
agrupavam adoidadamente, numa agitação macabra de flagelantes, impondo-se o cilício
dos espinhos, das urtigas e outros duros tratos de penitência. Ora, aqueles agitados saí-
ram certo dia, repentinamente, da matriz do Crato, dispersos, em desalinho – mulheres
em prantos, homens apreensivos, crianças trementes – em procura dos flagícios [sic]
duramente impostos. Dentro da igreja, missionários recém-vindos haviam profetizado
próximo fim do mundo. Deus o dissera – em mal português, em mau italiano e em mau
latim – estava farto dos desmandos da Terra. O 12º e o 13º da missão foram destinados
para a procissão da penitência.
Dispostas as coisas e preparados os instrumentos de penitência, findo o sermão o
Reverendíssimo Missionário deu ordem que se recolhessem à matriz, todos os que se
deviam amortalhar e a matriz com suas sacristias e o vácuo que há entre esta e a rua
vizinha foi pequeno espaço para a multidão dos amortalhados. Desfilou a procissão, e
tendo percorrido uma grande parte da cidade, não pôde conter toda a multidão. O clarão
delicioso da lua contrastou nesse dia o horror da penitência. A majestade do ato, o retinir
de algumas centenas de disciplinas, o rouco som de alguns milhares de asorranges, os
dobres plangentes do sino da matriz unidos aos suspiros de dor, aos ais de compunção,
as vozes sonoras que pediam misericórdia, formavam uma música tão lúgubre, tão me–
lancólica, tão enternecedora, que trazia ao coração o arrependimento das culpas e aos
olhos as lágrimas de verdadeira dor e compunção (NOBRE, 2011: 5).

Evidencia-se que a autoflagelação seja na realidade uma reminiscência jesuítica


como exposto acima, a qual se perpetuou pelo sertão nordestino, na medida em
que os inacianos iam por lá se instalando com suas missões, a exemplo do que ocor-
ria entre eles mais para o sul.
As penitências foram trazidas para o Juazeiro pelos primeiros missionários,
tendo vindo a fazer parte de práticas adotadas de líderes religiosos que viveram

106 3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão


e andaram pelo sertão, a exemplo de Padre Ibiapina, Antônio Conselheiro, Padre
Cícero, Beato Zé Lourenço, segundo conta CAMPOS (2008).
MAGALHÃES e MACIEL (2015: 30), referindo-se a grupos de flagelantes, dizem
terem sido estes herança europeia dos séculos XIII ao XV, trazidos pelos primeiros
missionários. Admitem os autores que, somente a partir de 1863, Padre Ibiapina,
obstinado pelo objetivo de recuperar o povo pobre para a Igreja, encaminhou-se
para as terras secas do Sertão Nordestino.
STUDART (1983), em NOBRE (2011), faz um relato sobre uma procissão peniten-
cial ocorrida em Baturité:

[...] na frente, uma grande cruz cingida com uma toalha branca, uma matraca a soar,
o padre de veste alva e estola preta, a entoar em voz cavernosa e soturna o Paenitet e,
após a multidão dos fiéis, uns com grandes pedras sobre a cabeça, outros com barricas
ou pesados madeiros, descalços, todos a percutirem o peito a clamar misericórdia ou, a
verter o sangue, a mercê dos azorragues; as casas de portas e janelas fechadas, ninguém
ousando olhar os penitentes porque então sobrecarregaria a consciência com os peca-
dos deles; ao chegar ao templo, mal alumiado, ao clarão dúbio de poucas velas, muitos
se atiravam ao chão para que a multidão lhes passasse por cima, outros permaneciam
imóveis de braços abertos, e a cada canto gemidos e o tilintar das disciplinas a cortarem
as carnes sem piedade.

Diz MARIZ (1942: 70) que em meados dos séc. XIX Padre Ibiapina atraiu devotos para
si. Aqueles que o seguiam, entregando sua alma a ele,

vestiam-se com um camisão azul, descalços e sem chapéu, com uma cruz e os ben-
tos pendurados, de andar mole e compassado, olhos fixos em alucinação melancólica,
andando pelas vilas, ao mesmo tempo em que exerciam trabalhos nas casas de caridade

3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão 107


fundadas por Ibiapina.

Apesar de nos reportamos aqui à prática da penitência no Estado do Ceará, sabe-


mos que Padre Ibiapina percorreu outros estados.
Evidencia-se que a autoflagelação seja na realidade uma reminiscência jesuítica
como exposto acima que se perpetuou a partir do incentivo de Padre Ibiapina.

3.4 OS JESUÍTAS E AS PRÁTICAS DEVOCIONAIS

Durante o processo de romanização, visando a implantar no mundo todo o modelo


de catolicismo romano, iniciado na Europa durante o pontificado de Pio IX (1846-
1878), dentre as mudanças, estava a substituição dos termos “devoção” e “devoção
popular” por “religiosidade popular” (PEREIRA, 2003: 69).
Para BOURDIEU (1977: 23-4), a devoção insere-se numa “economia de trocas
de bens simbólicos”. Para AZZI (1994: 296), devoção ao santo constitui para o fiel
uma garantia do auxílio celeste para suas necessidades. “Se uma das partes falha,
esse vínculo se rompe, perde-se a credibilidade, dificultando a dimensão relacio-
nal (devoto e divindade) existente na devoção”. PEREIRA (2003: 71), ainda, coloca
como característica da devoção a não institucionalização da fé, que se manifesta
independentemente da igreja institucionalizada, embora, muitas vezes, esteja lado
a lado com uma delas, tais como paróquias, santuários etc.
No processo de implantação de devoções europeias em substituição às de cunho
popular, segundo PEREIRA (2003: 73), “chega ao Brasil pela mão do colono a devo-
ção ao Bom Jesus”, sobre a qual trataremos mais adiante.

3.4.1 Devoção a Nossa Senhora


Lembramos o que disse FREYRE (1950: 169) em seu livro Casa Grande e Senzala:

108 3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão


[...] O próprio sistema jesuítico, no que logrou maior êxito no Brasil dos primeiros sécu-
los, foi na parte na parte mística devocional e festiva do culto católico, na cristianização
de caboclos pela música, pelo canto, pela liturgia, pelas procissões, festas, danças religio-
sas, mistérios, comédias; pela distribuição de verônicas com Agnus Dei que os caboclos
penduravam no pescoço de cordão, de fitas e rosários; pela devoção de relíquias do Santo
Lenho e de cabeças das Onze Virgens. Elementos muitos desses, embora a serviço da
obra de europeização e de cristianização, impregnados de influência animista ou feti-
chista vinda talvez da África.

Teria sido Padre José de Anchieta o precursor do modelo de catolicismo que,


embora as alterações que os séculos foram nele imprimindo, sobrevive, a exemplo
da dedicada a Nossa Senhora. Teria ele escrito nas areias da praia os versos de sua
inspiração, dedicados à Maria Santíssima: De beata Virgine Dei Matre Maria. Teria
sido ele e seus companheiros os divulgadores do culto dedicado a Ela, constatado
pelas inúmeras igrejas e capelas sob as invocações mais diversas, tais como: da
Graça, do Carmo, da Boa Morte entre muitas outras (CAMARGO, 2014: 109), lem-
brando, ainda, ter sido dedicado a Nossa Senhora da Ajuda o primeiro orago de
igreja fundada pelos jesuítas na Bahia (DIEGUES JR. 1968: 17-8).
FREITAS (2011: 157, 287, 307, 315), em sua tese de doutoramento desenvolvida
na Universidade do Porto – Portugal, concentra-se em uma investigação sobre a
educação e evangelização no Brasil a partir dos escritos do jesuíta Alexandre de
Gusmão (1629-1724), destacando a importância que a Companhia de Jesus consa-
grava a Nossa Senhora, fazendo “imprimir” nos corações dos filhos de Santo Inácio
o amor da santíssima Virgem e excitar o zelo de exaltação da sua glória e estender
no mundo a sua devoção.
Pe. Alexandre de Gusmão, segundo FREITAS (2011: 28, 70), elogiou os princi-
pais autores jesuítas que com seus escritos honraram a Senhora, tomando como

3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão 109


primeiro exemplo o fundador da Ordem, e refutaram os erros dos hereges que
caluniaram os mistérios em torno da pureza da Virgem imaculada. Entre as princi-
pais indústrias com que os religiosos da Companhia de Jesus procuraram inculcar
no ânimo dos fiéis o amor da sempre Virgem Maria, estão a veneração das suas
imagens, a devoção do rosário, o culto da Senhora e suas Meditações para todos os
dias da semana.
Quanto à devoção à Senhora com a veneração de suas Imagens, segundo FREITAS
(2011: 157), Pe. Alexandre de Gusmão, em sua obra Rosa de Nazareth nas Montanhas
de Hebron, reservou um capítulo para tratar “Da Imagem de N. Senhora de Belém
Padroeira do Seminário, & de alguns casos, que parecem milagrosos”. Começa o
autor por considerar que a imagem de nossa Senhora de Belém é “das mais fermo-
sas, & veneraveis, que se tem visto”,

[...] tirada pela da Madre de Deos em Lisboa [...] “acompanhada das imagens do Menino
Jesu no presépio, & S. Joseph de igual perfeyção”. Informa ainda como no lugar de Belém
eram estas imagens veneradas e frequentadas dos fiéis, e “no tempo do Natal com festa
de tres dias muy solemnes, acodindo a ella a gente em suas necessidades, recebendo
muytas solenidades, a sua glorificação com todo o género de poesias.” Gusmão salienta
a importância das numerosas congregações e confrarias que em seu nome se criaram.

Padre Gusmão, em Rosa de Nazareth nas Montanhas de Hebron, assim se expressa,


segundo FREITAS (2011):

Quanto celebraram os da Companhia a gloria da Senhora no mundo, com todo o genero


de poesias. [...] Aplaude Gusmão um grande número de poetas, os quais, por versos,
emblemas, epigramas, declamações ou anagramas, muito louvaram a Virgem com seus
engenhos e ‘devotissimos, & agudos conceytos’, distinguindo o mérito do padre José de

110 3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão


Anchieta, apóstolo da América, que compôs em verso elegíaco a vida da Senhora, estando
refém dos tamoios e depois, em verso sáfico o ofício da Conceição da Virgem Santíssima,
por todas suas horas, acomodadas aos mistérios da sua vida, e ainda, muitas comédias e
rimas sacras que ao tempo de Gusmão se conservavam escritas de sua própria letra no
cartório do colégio da Baía.

Nossa Senhora está nos altares de Igrejas, capelas ou oratórios domésticos e de


viagens na região por nós pesquisada do Geopark Araripe, ao sul do Ceará.

[Fotos 4 e 5]

3.4.1.1 Nossa Senhora medianeira


A imagem, o quadro e o azeite de Nossa Senhora

A Nossa Senhora enquanto medianeira está em carta do Padre Manuel da Nóbrega


ao Padre Miguel de Torres, Padres e Irmãos de Portugal, da Bahia, em 5 de julho
de 1558 (LEITE, 1954, vol. 2: 279). Referindo-se ao Padre Joham Gonçalvez, assim se
expressa:

[...] E como era devoto de Nossa Senhora da Concepção, determinou em aquele dia
baptizar os inocentes e fazer aquelas almas limpas à honrra da pureza de Nossa Senhora;
escreveu-me que me pedia que pregasse em seu dia as grandezas desta Senhora, e que
dixesse que soubessem negociar com Nosso Senhor por meio dela, que não podia aver
outro milhor negocear, e outras palavras, o que eu fiz o melhor que soube, porque ha
amava e reverenciava muito por suas virtudes. [...] Aqui aconteceram casos muy notáveis
que eu não poderei dizer todos, mas somente me contentarei com alguns poucos. Huma
criança esteve morta, chorada de seu pay e mãy, e, estando pera espirar, foi batizada do

3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão 111


Irmão e logo sarou, de que todos ficarão espantados e muy edificados e com credito
de batismo.

Esse ocorrido com a recuperação da criança a partir de seu batismo, vamos encon-
trar em Vida do venerável Padre Anchieta, escrita por seu biógrafo VASCONCELOS
(1943, v. 2: 247), publicada pela primeira vez Lisboa no ano de 1672, no Índice das cousas
mais notáveis desta história. Na mesma obra, relata-se sobre os milagres de Anchieta:

Batiza uma criança a ponto de morrer e dá-lhe vida.


Batiza outra e dá-lhe vida depois de enterrada.

Segundo FREITAS (2011), com respeito à veneração da imagem de Nossa Senhora, a


partir da obra do jesuíta Alexandre de Gusmão, em Rosa de Nazareth nas Montanhas
de Hebron,

para a grande veneração destas imagens de Nossa Senhora muito contribuiu a fama de
milagrosas (ainda que a prudência de Gusmão o leve a afirmar: “se bem não he meu intento
avaliallas por milagres”), e em particular do quadro da Senhora, “levado aos enfermos, &
principalmente às mulheres de parto, que os experimentão felices, & não poucas vezes
em occasião de muyto perigo”, e do prodigioso azeite de N. Senhora, “muyto procurado
para todo o genero de males”, ou ainda as virtudes da Senhora “com os endemoninhados,
que acodem à sua Igreja”.

3.4.1.2 Nossa Senhora em rezas para curar doenças


Num estudo de campo semântico sobre os processos de formação e derivação dos
vocábulos designativos de doenças na medicina popular em Portugal e no Brasil, do
século XVI ao século XX, há uma referência à Nossa Senhora em reza para cura de

112 3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão


erisipela, segundo CAMARGO (2014: 23-36).
Comparamos as rezas de Portugal e do Brasil:
Portugal Brasil
São Julião por o mundo andava São Pedro vinha de Roma
Nossa Senhora encontrava E a Virgem Maria vinha de lá.
Nossa Senhora le dizia: E a Virgem lhe perguntou:
Aonde vais Julião Pedro, que vai por lá?
Senhora, a benzer vou! Muita peste, muita malina.
Tu que benzes Julião? Muita zipla, muito ziplão.
Benzo de erzipela, erzipelão Benzendo-se, se atalharão
Com azeite virgem e corda do Maranhão (CAMPOS, 1955: 177)
(GIACOMETTI, 2010: 98)

3.4.1.3 Rosário de Nossa Senhora


Sobre Nossa Senhora do Rosário, no Brasil, ao tempo dos jesuítas, conforme está
em CAMARGO (2014: 3), citando DIEGUES JUNIOR (1968: 17-18), havia nos colégios
e aldeias o costume de recitar o rosário e cantar, aos sábados, a ladainha Salve
Rainha. Comenta o autor que aos cantos acorriam os índios. Esse fato está narrado
por VASCONCELOS (1943: 47) na biografia que escreveu sobre A vida do venerável
padre Anchieta: “Aos sábados à tarde acorrem à Igreja, e cantam devotamente o
Salve da Virgem Senhora Nossa em canto e órgão e círios nas mãos”.
Ainda, sobre o ato de rezar o rosário, conta CARDIM (1980) [1540-1625] que
“homens e mulheres rezam o rosário de Nossa Senhora”.
Pe. Manuel da Nóbrega, em carta de São Vicente, de 1 de junho de 1560, para o
Cardeal Infante D. Henrique de Portugal, assim se expressa (vol. III de Cartas dos
primeiros jesuítas do Brasil):

3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão 113


En las fietas principales, máxime quando se celebra el Nascimiento y Passion del Señor
concorren a Piratininga de tódolos lugares comarcanos quasi todos muchos dias antes.
Están presentes a los divinos officios y processiones, disciplinadose hasta derramar san-
gre, para o qual mucho antes aparejan disciplinas com mucha diligencia.

FREITAS (2011: 70), em sua tese de doutorado sobre os escritos do Pe. Alexandre de
Gusmão, citado acima, diz:

Como promoverão no mundo os da Companhia a devoção do Rosário da Senhora. Começa


Gusmão por reconhecer que a devoção do rosário teve seus princípios e maior aumento
com a ordem dos Pregadores, para em seguida demonstrar o quanto se estendeu no
mundo a glória da Senhora por meio dos jesuítas, desde Santo Inácio e seus companhei-
ros, recordando que os irmãos inacianos são conhecidos pelo Rosário na cinta, ou no
pescoço. Lembra ainda como costumavam acudir os fiéis aos religiosos da Companhia
de Jesus por rosários, mandando S. Francisco de Borja repartir contas por todos os que
pediam.
A falta de padres e o isolamento dos sertões faziam com que pessoas que se destacassem
em suas comunidades, por conhecimento e piedade, costumeiramente se ocupassem das
práticas religiosas mais comuns: pregar, batizar, rezar o rosário, encomendar os mortos.
Algumas vezes esse verdadeiro clero “laico” chegou a celebrar arremedos de missa.
O exemplo acima ilustra a reminiscência jesuítica na região com a prática de se rezar o
rosário.

Recordemos que Padre Ibiapina, em OTTEN (1990: 270), segundo seus manuscritos,
orientava suas beatas a “não apenas em rezar os rosários, ouvir muitas missas no
dia, fazer muita oração [...]”.
Segundo PANICO (2009: 46), citando SÁ BARRETO (2002), 1872 foi o ano em que

114 3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão


Padre Cícero chegou a Juazeiro, época em que o lugar era

[...] um aglomerado de casas de taipa, onde havia uma capela dedicada a Nossa Senhora
das Dores – dona do lugar, erigida pelo primeiro capelão do local Pe. Pedro Ribeiro de
Carvalho”. Ali Padre Cícero inicia seu trabalho de evangelização, incentivando a prática de
participação dos sacramentos, a penitência e orações do rosário de Nossa Senhora, época
em que Padre Ibiapina permanecia em seu prestígio.

Continuando PANICO (2009), citando BARRETO (2002),

[...] em vista da capelinha se tonar pequena, Padre Cícero, através de mutirão construiu a
Igreja Nossa Senhora das Dores. Em 1888 Padre Cícero funda o Apostolado da Oração con-
vidando o povo à prática nas primeiras sextas-feiras do mês com comunhão reparadora
e adoração do Santíssimo Sacramento. Por esse período o povoado já vivia em ansiedade
ameaçada pela seca e penúria. Durante uma vigília atravessando a madrugada, Pe. Cícero
durante a comunhão ao dar a hóstia a Maria de Araujo, esta “entumeceu, sangrando” –
estava aberto o cenário de inquietações – inaugurou-se o fenômeno das Romarias.

Esse episódio na vida de Padre Cícero e da cidade de Juazeiro fez desenrolar-se


uma vasta história envolvendo esse padre Santo, canonizado pelo povo nordestino,
e aquela que um dia foi apenas uma capelinha e hoje é a Matriz de Nossa Senhora
das Dores de Juazeiro do Norte. Segundo a tradição, foi ali que o sangue de Jesus
foi derramado. Tornando-se espaço sagrado, o povo carirense abriu suas fronteiras
para abrigar devotos de todas as paragens, os quais para ali se dirigem em romarias
em diferentes datas do ano.

3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão 115


3.4.1.4 Nossa Senhora em auto de Padre Anchieta
Homenagens também ocorriam quando da chegada de alguma visita importante às
aldeias jesuíticas. Por exemplo, quando da ida do padre provincial Marçal Beliate a
Guaraparim, no Espírito Santo, em 1585, indicado para substituir Padre Anchieta,
que já se achava bastante velho e enfermo.
Ao desembarcar no porto, um índio declama versos de Anchieta:

Vinde, pastor desejado,


Visitar nosso curral,
pois, por ordem divinal,
para nós sois cá mandado
do reino de Portugal
[...]

Conforme explica LEITE (1954: 667), a recepção foi dividida em partes, como está
em nota de rodapé (3): “um discurso no porto, um diálogo na igreja e, afinal, a dança
dos meninos índios que se realizaria no pátio fronteiro a ela”.
A peça teatral de Padre Anchieta Visitação a Santa Isabel teria sido a última das
inúmeras escritas por ele, em castelhano, conforme está em LEITE (1954: 509-511).
“Tema: Um romeiro saúda Santa Isabel, no dia da Visitação. Pede-lhe explicações
sobre o significado da festa. Ao retirar-se, Nossa Senhora aparece, chama-o e o
abençoa. Quatro companheiros do romeiro a homenageiam e retiram-se cantando”.
Assim, em versos vai se desenvolvendo a peça:

Estando Santa Isabel sentada numa cadeira,


Na capela, antes de comerçar-se a missa,
entra a visita-la um romeiro castelhano:

116 3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão


Romeiro – Salveos Dios, Santa Isabel,
que en el fin de vuestros dias

abéis concebido aquel


que será amigo fiel
y precursor del Mesías!

Entiendo que, en este dia,


de Dios fuiste visitada,
que os trajo, com alegria,
la virgen Santa Maria,
que de él estaba preñada.

Santa Isabel – Pareceis cansado estar.


Decidme, quién sois, hermano?

Romeiro – Un romero castellano,


que os vengo a visitar
Y ponerme en vuestra mano.

Santa Isabel – Bien vengáis, fiel romero,


que, com grande devocíón,
venís, com amor entero,
mi santa visitación!
Y ponerme en vuestra mano.
[...]

3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão 117


Essa peça de autoria do Padre Anchieta, segundo HERNANDES (2013), teria, real-
mente, sido a última, cuja representação ocorreu em Reritiba, na Capitania do
Espírito Santo, por ocasião da inauguração da Santa Casa, recém construída a
pedido daquele padre em 1597. Nessa peça, como diz o autor, “personagens divi-
nos circulam – Santa Isabel e Nossa Senhora e anjos – por Vila Velha”, que em 1584,
segundo informações do próprio Padre ANCHIETA (1988: 327) não era mais que uma
vila de portugueses encravada em um alto monte. Ainda em HERNANDES (2013): “as
santas contracenam com os membros do elenco e Santa Isabel recebe na Igreja um
romeiro e dialogam sobre a vinda de Nossa Senhora que empreendeu dura viagem
para visitar sua prima em Vila Velha, trazendo com ela seu filho Jesus: ‘La que trago
a Dios del cielo metiendolo en sus entrañas’”, citando ANCHIETA (1954: 139). “Ao
término daquele diálogo, o romeiro seguiria seu caminho quando um anjo que vem
à frente de Nossa Senhora manda-o ficar na igreja, quando ele e seus seis compa-
nheiros, põem-se de joelhos e fazem uma prece”.
Esse romeiro, conforme está em HERNANDES (2013), “seria como tantos outros,
sobretudo navegantes, que seguiam em romaria à ‘ermida da abóbada’ de Nossa
Senhora da Penha construída no alto de um grande penedo”, em Vila Velha, para cum-
prir com promessas que faziam nas tormentas, como está em ANCHIETA (1988: 327).

3.5 DEVOÇÃO AO BOM JESUS

Em razão de os padres jesuítas se preocuparem com a educação dos jovens, criaram


as Casas dos Meninos e as Casas das Meninas. Ali poderia ter se dado o início da
devoção ao Bom Jesus na formação religiosa dos filhos de indígenas e de colonos,
levando-os a entender que só a Ele se deve crer, amar e servir (LEITE, 1954, Tomo
III: 469), conforme constatamos nas primeiras cartas daqueles jesuítas a seus com-
panheiros na Europa.

118 3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão


Abaixo, a carta do Pe. Leonardo do Vale, por comissão do Pe. Luiz da Grã, da
Bahia, aos padres e irmãos de S. Roque, Lisboa, em junho de 1562, referindo-se à
Casa dos Rapazes: “se partiu para a quarta casa, que hé do Bom Jesus, e podia aver
dous meses pouquo mais ou menos que fora fundada, e naquele tempo era a derra-
deyra e que mais longe estava desta cidade e ate então há mais afamada de grande
e de muita gente”.

Por todas as casas se ouve o nome de Jesus e seu dia é 1º de Janeiro e os índios aprendem
que só a Ele se deve crer, amar e servir. “Se venho de fora, vem-me os meninos sair à
dianteira, dizendo: Louvado seja Jesu Cristo”, como comenta em carta Padre Rui Pereira
aos padres e irmãos de Portugal em 15 de setembro de 1560 (LEITE, 1554, Tomo III: 285).

Ainda, como está em carta de Manuel da Nóbrega a Tomé de Sousa, antigo governa-
dor do Brasil, enviada da Bahia em 5 de julho de 1559: “[...] e o gentio vay conhecendo
que só a Jesu Christo se deve crer, amar e servir”.
Há, ainda, as aldeias a que se dava o nome Bom Jesus, como está em carta do
Padre António Rodrigues aos padres e Irmãos da Bahia, da aldeia, em agosto de 1561
(LEITE, 1954, Tomo III: 387).

Sabrán, Reverendos em Cristo Padres, que Principales de xxx léguas a la redonda desta
nuestra población del Buen Jesus, se an ajuntado aqui, los quales están con tanta humildad
que es para loar al Señor. Está muito próspera pera esta nuestra poblazón, con gente tan
honrada y hidalga. Será yuntas 15 poblaciones en una, a que posimos nombre Buen Jesus.
[...] Alguns dias depois da festa de S. António na Aldeia do mesmo nome (13 de junho de
1561), Luís da Grã e António Rodrigues seguiram para o sítio da futura Aldeia do Bom Jesus
[...] escolhido o sítio, Rodrigues tratou de juntar os índios das redondezas, ajuntamento
ou povoamento que se concluiu em Agosto (carta de Leonardo do Vale de 26 de junho

3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão 119


de 1562) (LEITE, Tomo III, 1954: 469) e deste povoamento dá notícia a presente carta do
Provincial.

Carta do Padre António Blazquez ao Padre Diego Laynes, Roma, da Bahia, em 1 de


setembro de 1561 (LEITE, 1954 Tomo III: 420): “[...] y, porque desto diré en su lugar,
solamente relatar agora lo que succedió en esta nueva poblazón a que puzieron
nobre de Buen Jesús [...]”.
Abaixo, versos da poesia Pelo moleiro, de Padre Anchieta, louvando Jesus, em
ANCHIETA (1954: 646).

O meninozinho querido
Nosso pai, Nosso Senhor
O meninozinho Jesus
Desceu à nossa morada.
Por amar a nossa alma,
Veio do céu
o meninozinho querido,
nosso pai, nosso senhor,
Ele nos perdoa, de boa mente,
por nos amar.
Estando no ventre de Maria,
ele se uniu a nos.
Vinde, veneremos
o meninozinho querido
nosso pai, nosso senhor. [...]

120 3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão


A exposição acima das cartas dos jesuítas datadas dos anos que se seguiram à sua
chegada ao Brasil no século XVI serve como elucidação de como foram os primeiros
passos adotados por aqueles padres na propagação da devoção a Jesus, período em
que a Igreja e a Coroa andavam juntas. Tal devoção acha-se espalhada pelo país,
embora, como mencionado na Introdução, o processo de romanização tentasse
excluí-la do calendário católico, substituindo-a por Sagrado Coração de Jesus,
visando a eliminar o culto popular dedicado ao Bom Jesus, o que não ocorreu. Mas,
como diz AZZI (2008), os santuários de Bom Jesus se multiplicaram país a fora. A
difusão do culto ao Sagrado Coração de Jesus era, portanto, um meio para estimular
a prática sacramental entre o povo, objetivo buscado na diocese do Ceará. onde a
devoção foi difundida pelos lazaristas franceses, com apoio da diocese. Lembramos,
todavia, que os lazaristas pertenciam à Ordem de São Lázaro, fundada em Paris,
1625, por são Vicente de Paulo, para evangelização de campônios pobres.
Em 1872, conforme AZZI (2008), acima referido, Padre Cícero, formado pelos
lazaristas franceses do Seminário de Fortaleza, decidira introduzir a nova devo-
ção ao Jesus, em Juazeiro do Norte, estimulado por uma visão do próprio Coração
de Jesus. Porém a devoção ao Bom Jesus persiste em meio popular da região. No
entanto, lembremos que os lazaristas pertenciam à Ordem fundada por São Vicente
de Paulo.
Mas lembremos que Padre Ibiapina, sobre o qual trataremos mais adiante, tinha
Bom Jesus como seu horizonte, como nos relata OTTEN (1990: 271):

A espiritualidade de sacrifício dirigida a Deus e ao Bom Jesus resulta uma vida sacrifi-
cando aos pobres. O Bom Jesus leva Pe. Ibiapina aos miseráveis. Durante o terrível período
de seca 1877 vivido pelo sofrido povo cearense, escreve Padre Ibiapina, “[...] Mas viva o
bom Jesus, que nos sacrificamos resignados, porque foi do seu agrado que assim nos aca-
bássemos no meio de um quadro doloroso.”

3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão 121


Lusitana Sacra Entendemos, assim, o Bom Jesus na vida missionária de Padre Ibiapina uma remi-
evista do Centro
niscência jesuíta que influencia a religiosidade das áreas percorridas por ele, a
Estudos de
tória Religiosa própria região por nós demarcada para pesquisa. Segundo nos relata SILVA JUNIOR
niversidade (2016: 46):
ólica Portuguesa
alma de Cima –
boa. Problemática Padre Ibiapina, ao percorrer léguas pelos sertões, reviveu costume jesuíta de edificar
giosa no Portugal cruzeiros nas povoações por onde passava; materialização da própria mística missionária,
ntemporâneo 2ª
marco religioso que precedia capelas e igrejas a serem construídas; demarcador, na maio-
ie – Tomo VIII/IX
6/1997. ria das vezes, da implantação de vilas e cidades pelos sertões cearenses.

3.5.1 Devoções ao Sagrado Coração de Jesus e ao Bom Jesus em Portugal


Os dados sobre as devoções ao Bom Jesus e ao Sagrado Coração de Jesus em suas
raízes portuguesas, os quais abaixo transcrevemos, foram extraídos da monografia
baseada no Diário do Pe. Manuel José Martins Capela (1842-1925). Trata-se de um
manuscrito em quatro volumes, com mais de 2.000 páginas em folhas pautadas
de 35 a 50 linhas, redigido diariamente de 1891 a 1913, sobre o qual foi elaborada
a monografia de autoria de SILVA (1996-7: 171-244) O Bom Jesus do Monte das Mós:
Martins Capela e a devoção ao Sagrado Coração.12
Conforme o autor acima, em Portugal, o Coração de Jesus já era símbolo de um
culto centrado no amor de Deus pelos homens, em cuja simbologia do coração, por
intermédio de Cristo, fundem-se o divino e o humano. Assim, é criada uma forma
afetiva e amorosa da relação entre Deus e o homem, com o Coração como centro
da vida espiritual e afetiva. A devoção ao Sagrado Coração de Jesus enraizou-se na
Idade Média e dos séc. XII a XVII da Idade Moderna (SILVA, 1996-7: 175).
Com as aparições do Sagrado Coração de Jesus (1673-1675) a Santa Margarida
Alacoque (1647-1690), Visitadina francesa discípula de São Francisco de Sales, esse
culto e essa devoção propagaram-se pelo mundo católico, “atribuindo-se a Santa

122 3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão


Margarida Alacoque e ao seu diretor espiritual Pe. Cláudio de Colombière S.J. (1641-
1682) o culto ter sido assumido por algumas ordens religiosas. [...] Após múltiplas
diligências e iniciativas, por decreto da Sagrada Congregação dos Ritos, 26/1/1765,
a Santa Sé autoriza os bispos da Polônia a celebrarem em missa do Coração de
Jesus”.

[...] Das muitas convulsões por que passou Portugal na 1ª metade do século XIX a devoção
do Coração de Jesus diluiu-se num panorama religioso deficiente e em vertiginoso pro-
cesso de transformação. Por sua vez, em Vals (França), o Pe. Gautrelet funda o Apostolado
da Oração. Essa Associação disseminadora da devoção ao Coração de Jesus inicia a sua
atividade em Portugal em 1864, obra destacada dos padres jesuítas (SILVA, 1996-7, 176).

Com a beatificação de Margarida Maria Alacoque (Porto – 1874) e a dinamização do


Apostolado da Oração com a criação no mesmo ano do primeiro Centro em Lisboa,
o culto do Coração de Jesus entrou em nova fase de expansão, e o século XIX foi
tido como o século da devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Em 1959, durante o
1º Congresso Nacional do Apostolado da Oração, inaugurou-se o monumento ao
Coração de Jesus no Monte Sameiro, em Braga (SILVA, 1996-7, 180).

3.5.1.1 Bom Jesus do Monte das Mós


Essa nossa abordagem à devoção ao Bom Jesus do Monte das Mós em Portugal visa
a demonstrar que, tendo ela chegado ao Brasil em tempos idos, em ambos países,
permanece sempre presente na memória coletiva do catolicismo popular, devoção
que admitimos tenha chegado até nós pelos jesuítas, como por nós já demonstrado.

[...] levantado pela vontade indomável do Padre Manuel José Martins Capela (1842-1925)
que conseguiu congregar fiéis, conterrâneos e demais entusiastas das crenças tradi-

3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão 123


cionais do povo português – é um singular monumento ao Sagrado Coração de Jesus
semelhante a uma torre [...] em lugar cheio de mística.
O período em que decorreu a construção deste monumento, Portugal passava grandes
perturbações, até a implantação da República (5/10/1910). Padre Manuel José Martins
Capela (28/10/1842-3/11/1925) é uma referência e uma marca no Período conturbado da
história portuguesa na passagem do século XIX para o século XX. Nascido na freguesia
de Carvalheira, concelho de Terras de Bouro, frequenta o seminário de Braga e aí tem
a sua ordenação sacerdotal no dia 26/5/1866. Com a sua viagem a Roma (1877), a cola-
boração literária (1870-1879) com Pinho Leal na redação do Portugal Antigo e Moderno e
a divulgação da encíclica Aeterni Patris (1879),o Pe. Martins Capela entendeu que deve-
ria abandonar a função de pároco (1866-1880) e empreender outro combate. Depois de
ter passado (1880) pelo Colégio do Barro em Torres Vedras, noviciado da Companhia de
Jesus, dedica-se ao ensino no colégio da Formiga em Ermesinde (1880-1884), Colégio do
Espírito Santo em Braga (1884?--1888), Liceu de Viana do Castelo (1888-1896), Liceu de
Braga (1896-1904) e seminário conciliar de Braga (1896-1912). A partir de 1912, tendo em
conta o tempo conturbado, recolhe à sua aldeia natal, Carvalheira, para aí passar a velhice.

Diante desse pequeno trecho extraído do enorme diário do Padre Manuel José
Martins Capela, constatamos que, tanto em Portugal como no Brasil, a devoção ao
Bom Jesus permanece viva na memória coletiva desses dois países irmãos, como
reminiscência jesuítica.

3.5.2 Juntos, Bom Jesus e Padre Cícero em Juazeiro do Norte


Constante da grandiosa obra Padre Cícero Romão Baptista e os fatos de Joazeiro: a
questão religiosa (2012: 789), está a carta de Padre Quintino Rodrigues de Oliveira e
Silva para Dom Joaquim José Vieira de 27 de julho de 1910:

124 3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão


[...] Parece-me que uma vez obtida a faculdade requerida como em favor de Joaquina
Romana, mãi do Pe. Cícero, estaria o Horto convertido ou elevado a Santuário do Bom
Jesus do Horto e o italiano Elias, que conservando ali num casebre, à guisa de oratório, um
quadro do Coração de Jesus e outros, explora largamente à vista de Pe. Cícero, a crendice
de muita gente, que não obstante as instruções do parocho da freguesia lá se vão cumprir
votos, teria ensejo de fazer melhor collecta, não sei se para algum dividendo. Consta que
será transportada para ali a imagem do Sagrado Coração vinda de Roma, e que a despeito
da proibição de V. Excia., é exposta à veneração de quem quer, ou uma outra do Senhor
Morto, mandada vir da Europa e benzida não sei por quem. Os sacerdotes que já confes-
sam até na própria casa do Pe. Cícero, como não há muito, fez um vigário vizinho que ali
foi a chamado e há muito pelo mesmo Pe. Cicero, poderão mais livremente satisfazer-lhe
as vontades; e ele terá onde celebre diariamente, devendo ser numerosa a assistência
e onde baptise privadamente, como faz, todas as crianças sadias que lhe trazem para
baptisar de outras dioceses, de outras freguesias e até mesmo desta, o que, ele faz, ainda
estando outro Pe. ali. É o que me ocorre dizer aqui a V. Exc. relativamente às petições de
oratório. Faltando-me tempo agora, aguardo-me para na semana próxima, escrever a V.
Exc. sobre o assumpto das outras cartas que recebo de V. Exc. e às quaes não pude ainda
responder, do que no entanto peço desculpas a V. Exc.. Preciso, porém, avisar a V. Exc.,
desde já que, me parecendo inconveniente que o Vigario desta freguesia, seja testemunha
ocular de certas cousas que o Superior não pode reprimir, no Joazeiro, deixarei de ir por
ali, até que seja para chamar a ordem. Peço a benção de V. Exc., e sou com todo o respeito
de V. Exc. humilde subdito.
Pe. Quintino Rodrigues de Oliveira e Silva
Crato, 27 de julho de 1910.

Retomando ao que dissemos na Introdução, o processo de romanização buscava


maior controle sobre os leigos e suas associações, no entanto, como diz TEIXEIRA

3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão 125


(2012: 23),

[...] não há como negar o impacto da romanização sobre a forma tradicional da vida reli-
giosa, mas as concepções basilares do catolicismo popular tradicional, como o culto aos
santos e a crença nos milagres, permanecem vivas. E, além disso, há uma incorporação
original por parte do povo de traços da romanização, o que evidencia “o aspecto dinâmico
e criativo do catolicismo popular que se refaz continuamente”, citando STEIL (1996: 249).

Para OLIVEIRA (1988: 121), “o processo de romanização foi forte bastante para com-
bater o catolicismo popular, mas não o suficiente para implantar a forma romana na
grande massa dos católicos”.
A enorme igreja que se constrói no Horto de Juazeiro do Norte, 105 anos após
a falecimento de dona Joaquina, mãe de Padre Cícero, leva o mesmo nome por ela
desejado na carta supracitada, de 27 de julho de 1919, ou seja Igreja (ou Santuário) do
Senhor Bom Jesus do Horto.
Todavia Padre Cícero permanece enaltecendo a devoção ao Sagrado Coração de
Jesus, a quem apelava na certeza da ajuda, principalmente quando do flagelo das
secas e do desespero reinante por aquelas plagas. Disse ele em carta que escreve ao
bispo de Fortaleza em 30/11/1878: “[...] O Sagrado Coração de Jesus ajuda nossa fé
que só um milagre pode salvar este povo [...] Só o Coração de Jesus nos pode salvar e
suprir tanto abandono [...]”, conforme registram GUIMARÃES e DUMOULIN (2015: 175).

3.6 CULTO AOS SANTOS E ÀS RELÍQUIAS

Segundo DIAS (2007: 23), esse foi o capítulo da história do cristianismo surgido
em face da necessidade de ele se afirmar, logo após a cristianização do Império
Romano (391 d.C.), “quando a Igreja teve que lidar com o crescimento massivo do

126 3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão


seu rebanho”, visto as elites aristocráticas no final do século IV e as populações
urbanas do Império terem sido ganhas para o Cristianismo, sendo que nos séculos
seguintes somaram-se as populações rurais e os bárbaros invasores pagãos ou con-
vertidos à heresia Ariana.
O culto aos santos e às relíquias, devido a sua capacidade de operar curas mira-
culosas, veio a ocupar posição de destaque no Cristianismo, “tanto, para convencer
e ganhar aquelas populações, como para integrar em seu seio uma forma de rela-
ção com o sobrenatural, que se tornara incontornável, visto ser muito mais própria
do panteísmo pagão”, como diz o autor citado acima, criando-se, assim, uma linha
divisória entre o sobrenatural lícito – culto aos santos – e ilícito – a superstição, a
bruxaria e todas as áreas do foro da demonologia. Porém, figura que marcou esse
processo foi o Papa Gregório I (590-604), promovendo uma forma definitiva ao
Catolicismo e difundindo culto aos santos e às relíquias. “Entre os santos cujo culto
se desenvolveu desde a antiguidade, contaram-se vários anargyroi, médicos que
curavam sem dinheiro, como os Santos Cosme e Damião, irmãos martirizados sob
o imperador Diocleciano (284-305), que seriam os santos padroeiros das profissões
de saúde durante as Idades Média e Moderna” (DIAS, 2007: 24).
Referente à devoção aos santos, TEIXEIRA (2012: 26) cita o eminente sociólogo
CAMARGO (1973: 32), o qual usa a expressão “catolicis”, como forma de catolicismo
que vem desde os tempos coloniais, de caráter “predominantemente leigo, seja nas
confrarias e irmandades, seja nos oratórios, capelas de beira de estrada e santuá-
rios. Um catolicismo de muita reza e pouca missa, muito santo e pouco padre”.
Todavia, vai aqui uma ressalva quanto ao que diz o autor acima, citando CAMARGO
(1973), ao designar os santos como catolicis de caráter leigo. No entanto, registros
de inacianos apontam biografias de santos como parte do processo de beatifica-
ção e canonização e a santidade como um atributo do catolicismo, emprestando
a poucos escolhidos o privilégio de um dia ganhar um lugar no altar, assim como

3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão 127


admitindo os milagres atribuídos a esses escolhidos.
Todavia, uma das características que marcam a vida dos santos, embora não
caiba a todos eles, são os martírios pelos quais passaram em vida. Sobre os mesmos
santos mártires, o próprio Ir. José de Anchieta escreve de São Vicente em fim de
março de 1555 ao Pe. Inácio de Loyola em Roma, segundo LEITE (1954, Tomo II: 195),
narrando os martírios por que passaram Pedro Correia e Ir. João de Souza, vítimas
dos Carijós e por eles mortos a flechadas, entendendo-os como os primeiros már-
tires jesuítas no Brasil, episódio que CYMBALISTA (2014: 143) analisa, comentando
que, na carta referida, Anchieta explicita um dos mecanismos associados à con-
quista espiritual do mundo para a Igreja Católica pelos missionários da Companhia:
“o sangue dos mártires, derramado sobre o solo, era elemento de conversão das
terras pagãs para a cristandade”.

O autor acima, em outro momento, comenta que “a exortação ao martírio, estava pre-
sente nos famosos exercícios espirituais de Loyola, o guia para meditação e código de
conduta a ser adotado por cada integrante da Companhia de Jesus, significando a con-
quista interna da integridade necessária para exercer a vida jesuítica. No sétimo desses
exercícios, “Da paixão de Cristo Nosso Senhor”, após, relatar a paixão de Cristo, Loyola
evoca seus seguidores:
[...] foram valorosos imitadores seus, quantos foram os Santos que houve na igreja, assim
confessores, como mártires. Consideremos suas proezas e façanhas nesta espiritual
milícia,
[...] devemos animar-nos, e resolver-nos à sua imitação, para que assim como eles triun-
faram, triunfemos nós.
Segundo o autor acima,
[...] na ocasião da canonização de Inácio de Loyola e Francisco Xavier em 1622, fizeram-se
grandes festas em Lisboa, ocasião em que os martírios de jesuítas mortos no mar ao redor

128 3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão


do mundo foram celebrados. Após dois carros representando a América e a África, e antes
da Ásia e Europa,
[...] aparecia uma formosa nau da Índia, tão perfeita, & bem acabada, que podia servir de
modelo para as que se fazem na Ribeira. Não vinha carregada de drogas, mas de márti-
res da Companhia de Jesus, que levados do zelo da fé, navegaram por todas as partes do
mundo, e nelas deram suas vidas por Cristo. Ia embandeirada com muitos galhardetes
e flâmulas de tafetá vermelho, nas velas pintadas palmas e coroas: pelas bombardeiras
assomavam muitas peças de artilharia de bronze, que a lugares disparavam, navegava em
um mar de ondas contrafeitas, e por entre elas apareciam cabeças, e braços dos santos
mártires que foram lançados ao mar, que por toda a parte mostrava veias e escumas de
sangue.

CYMBALISTA (2014) prossegue apresentando outro modelo de devoção, de caráter


“mais privado, o único ciclo de martírios de que temos registro realizado no Brasil,
o forro da sacristia do Colégio da Bahia, pintado entre 1683 e 1694”:

O forro mostra 21 retratos de jesuítas, dispondo em seu centro os três santos já canoni-
zados da Companhia naquele momento: Inácio de Loyola, Francisco Xavier e Francisco
de Borja. Ao lado de Inácio de Loyola, e compondo com Xavier e Borja uma cruz, retratos
de outros dois beatificados: Stanislao Kostka e Luis Gonzaga. Nenhuma dessas figu-
ras foi martirizada, os mártires encontram-se dispostos nas partes menos centrais da
composição.

Como diz o autor acima, “assim como os demais ciclos de martírios dedicados aos
jesuítas, o ciclo de Salvador da Bahia, tinha como função: exortar os jesuítas ao
martírio, celebrar e relacionar entre si, as diferentes partes do corpo místico da
Companhia, ensinar aos padres os exemplos de fé de seus colegas mortos”.

3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão 129


Disponível Em 1675 foi publicado o maior dos compêndios de mártires da Companhia, o livro Societas
<http://
Jesu usque ad sanguinis et vitae profusionem militans, de autoria de Mathias Tanner,
asce.blogspot.
m/2011/12/ superior do colégio de Praga. O livro, que ficou conhecido como o “Martirológio” da
egas-historia- Companhia, listava mais de 300 mártires de todos os continentes, e foi possivelmente
aurora-ce.html>.
a partir deste livro que foram feitas as imagens da sacristia de Salvador apresentado
sso em: 23 jun.
9. (CYMBALISTA, 2014: 215).

Nas ilustrações do livro está a representação de um quadro ou oito quadros menores


num só representando diferentes mártires, tendo ao cento o quadro representando
Cristo crucificado.

3.7 JESUÍTAS EM ÁREAS DO GEOPARK ARARIPE

Embora não exatamente na área do Geopark Araripe, porém em área limítrofe, nos
foi possível obter dados sobre a presença jesuítica nessa região sul do Ceará no
texto Achegas à história de Aurora – CE, de CALIXTO JUNIOR (2011), publicado no
Blog de Lavras.13
Segundo o autor acima, Aurora, cidade limítrofe com a área abrangida pelo
Geopark Araripe, originou-se do antigo Arraial da Venda, segundo consta do livro
de notas de 1812-1813 (folhas 114-116).
Do histórico apresentado por CALIXTO JUNIOR (2011), como consta do blog
acima exposto, nos foi possível constatar a presença de jesuítas nas regiões que
circundam a cidade do Crato, visto que o Padre Antônio Leite de Oliveira descendia
de outro padre, o jesuíta Alexandre Leite de Oliveira.
Todavia, já se sabe, conforme nos informa o autor acima, que Alexandre Leite de
Oliveira era proprietário no Crato dos engenhos Rosário e Cabreiro, casado com
Tereza de Jesus Maria José, os quais foram os pais pelo lado materno de outro cura,

130 3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão


o padre João Marrocos Teles.
ARAÚJO (2010: 177), comentando a obra de LIRA NETO (s/d) Padre Cícero, Poder,
Fé e guerra no sertão, comenta que Pe. Cícero, após sua ordenação, enquanto não
lhe era designada uma paróquia para administrar, foi professor de latim do Colégio
Padre Ibiapina, cujo fundador foi o professor, jornalista e defensor do “milagre” José
Teles Marrocos, seu primo.
Padres constituindo família já foi por nós referido no início desta parte do livro.
Todavia, aqui recordamos o que diz MARIZ (1980: 7): “Pouco se dava ao povo que
muitos fossem misturando docemente o serviço de Deus com interesses da maté-
ria, como amealhar dinheiro, entrar nos partidos políticos e ter filhos [...] Ter filhos
foi dos fenômenos interessantes da vida de padres e vigários do século passado”.
Acrescentamos abaixo mais uns informes sobre essa família Leite de Oliveira,
visto julgarmos de importância para o ponto de vista que defendemos quanto às
reminiscências jesuíticas por essa região que circunda Crato, visando a compreen-
der a religiosidade que paira por essas paragens.
Confirmando a presença jesuítica em área que envolve o Geopark Araripe, acres-
centamos o que nos afirma textualmente MACEDO (1989: 50) no livro Decadência
Clerical de Outrora e o Caso de Lavras da Mangabeira, em que o autor faz referência
ao rapto de uma filha do padre Manuel da Silva e Sousa pelo padre José Gonçalves
da Costa.
Por seu turno, MACEDO (1970: 29), em seu livro Floro Bartolomeu, esclarece que
Padre Alexandre Leite de Oliveira,

[...] egresso da Ordem dos Jesuítas, português, natural de Lisboa, paróquia de São
Raimundo, nasceu em 1745 e faleceu em 1827, conforme se verifica a página 141 do livro
Povoamento do Cariri de Antonio Gomes de ARAÚJO, edição de 1973. Dele descende em
linha direta meu avô Augusto Leite de Oliveira, nascido em Lavras da Mangabeira-CE em

3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão 131


1880 e falecido em Fortaleza - CE em 1977.

Hoje, retrata-se o clero cearense pelos desvios de conduta, relacionando exemplos


de padres que constituíram famílias e por sua vez encaminhavam seus filhos para
seminários. Admito que tal fato deve ser analisado com isenção de crítica, visto ter
sido muito comum nas famílias brasileiras, principalmente entre aquelas de prole
numerosa, de poucas posses e distantes de grandes centros urbanos, as quais para
educar os filhos homens tinham duas opções: o seminário ou o exército. O fato
de ter sido um seminarista nem sempre significava ter assumido a vida sacerdo-
tal. Muitos seminaristas passaram a professores de escolas, devido a sua formação
intelectual pouco comum nos séculos XVIII e XIX, ou exerciam funções que exi-
giam um grau de instrução mais aprimorado. No século XX, quando o ensino já se
encontrava disseminado por escolas públicas e particulares, o latim era disciplina
obrigatória, visando ao aprimoramento do ensino da língua portuguesa e os profes-
sores comumente eram ex-seminaristas, a exemplo do próprio Padre Cícero, que
lecionava latim, antes de assumir a paróquia que lhe foi designada, assim como seu
primo José Marrocos Teles.
Porém admitimos que as reminiscências jesuíticas por nós aventadas, entre elas
a devoção a Nossa Senhora, venha de encontro às origens da Congregação Salesiana
de Dom Bosco, sobre a qual diz ALMEIDA (2013: 38): “Em 1854 Dom Bosco ao criar
tal entidade religiosa declarou: Nossa Senhora quer que criemos uma Congregação.
Será chamada de salesianos. Colocamo-nos sob a proteção de São Francisco de
Sales com a finalidade de participar da sua imensa amabilidade”.
Recordemos que São Francisco de Sales teve sua formação em Paris no Colégio
de Clermont, dos padres jesuítas, onde permaneceu por 10 anos. Em 1618 já tinha
fundado a ordem religiosa de Orientação Contemplativa junto à Madre Maria de
Chantal, confiando mais tarde essa organização ao que viria a ser São Vicente de

132 3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão


Paulo, que, por sua vez, já havia criado associações de caridade, segundo DODIN
(1990) em Francisco de Sales e Vicente de Paulo: Dois amigos. Como diz Padre DODIN
(1990), “Encontraram-se, compreenderam-se, realizaram uma comunhão mística”.
E, nessa linha de caridades guardando reminiscências jesuíticas, pode-se admitir
tenham se espelhado Padre Ibiapina e Padre Cícero, como a seguir detalharemos
na Parte 4.

3 Reminiscências jesuíticas na religiosidade do povo do sertão 133


GUIMARÃES
ceu em Liege,
gica em 1935.
4
utora em Ciências PADRE IBIAPINA E PADRE CÍCERO, OS
Educação pela
versidade Católica BALUARTES DA RELIGIOSIDADE CARIRIENSE
Louvain, Bélgica.
membro do
ntro de Psicologia
Educação e
fessora da mesma
versidade.
MOULIN é autora
Les meditations
gieuses dans l
vers de lénfant
2) meditations.
ou-se em Juazeiro
Norte, onde é
Sobre a religiosidade popular católica no Nordeste, dizem GUIMARÃES e
mbro da Comissão DUMOULIN14 no texto transcrito de Padre Cícero e a Nação Romeira. Estudo psico-
cesana de Pastoral
lógico da função de um “Santo” no Catolicismo Popular:
Romaria, da
cese do Crato, CE.
Para nós, o CATOLICISMO POPULAR NO BRASIL é o conjunto de expressões religio-
sas, individuais ou coletivas, fruto do encontro do catolicismo europeu com uma cultura
popular autônoma e coerente, em constante dialética afetiva com os “poderosos” e o
“Todo Poderoso”! Caracteriza-se pela predominância do afetivo sobre o racional, do
“vivido” sobre o “pensado”. Exprime-se numa simbologia mais concreta (o objeto) do
que abstrata (a palavra). O povo compreende fazendo, ou mais exatamente, pensa com o
corpo. Justifiquemos os diferentes elementos desta definição: É o conjunto das expres-
sões religiosas individuais ou coletivas: não pensamos, com efeito, que no quadro de uma
cultura popular global, seja possível ou desejável distinguir expressões religiosas popula-
res de outras que o seriam menos ou nada.

134 4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense


[...] Por isso sublinhamos que o Catolicismo Popular Brasileiro é o fruto do encontro do
catolicismo europeu com uma cultura autônoma e coerente. Somente o que o aceita
em sua totalidade e procura entrar completamente nele pode pretender compreender
algo de sua dinâmica e de sua vida. Esta cultura popular brasileira e, portanto, esta reli-
gião, em virtude do caráter particular de sua história, está em constante dialética afetiva
com os poderosos e o Todo Poderoso. Estamos convencidas que a religião popular não
é unicamente uma forma de alienação. Com Valle, detectemos nas expressões religiosas
do povo, uma carga latente de não conformismo. O movimento popular em torno de
Juazeiro é um exemplo típico dessa dialética psicoafetiva.
[...] Finalmente, nossa definição procura caracterizar a religião popular por certas pre-
dominâncias (o afetivo, o vivido, o concreto) sobre outros elementos que, entretanto, não
são excluídos (o racional, o pensado, a abstração). O povo compreende fazendo mais do
que pensando. Ele pensa com o corpo e não de modo abstrato. Trata-se, é claro, não de
exclusão ou de oposição, mas de tendências que dão maior colorido às atitudes, expres-
sões, ritos, em meio popular. Esta definição nos situa, com o leitor, numa aproximação
que não quer ser dogmática, mas essencialmente psicológica. Tendo como pano de fundo
esta introdução teórica que descreve o catolicismo popular no Brasil, abordaremos, numa
primeira parte de nosso estudo, a análise de um caso particular dessa religiosidade, a
saber, O MOVIMENTO POPULAR relativamente a JUAZEIRO e ao PADRE CÍCERO.

Para entendermos os porquês do tamanho da religiosidade impregnada na alma


sertaneja caririense, retrocedemos no tempo, pousando em meados do século XIX,
diante do Pe. José Antônio Maria Ibiapina, já por nós referido e amplamente tratado
em Homem – Natureza – Crença (CAMARGO, 2018), a partir de importantes dados
fornecidos por seu biógrafo MARIZ (1942). Aqui, novamente, voltamos a nos referir
a essa importante figura do cenário religioso daquelas paragens em outra aborda-
gem, visto sua influência no muito que assistimos, hoje, pelas ruas de Juazeiro do

4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense 135


Norte, sem dúvida, o centro desse universo sacralizado, onde a todo momento cru-
zamos com romeiros ou beatos em suas vestimentas próprias transpondo a Colina
do Horto ou em outros locais também santificados da cidade, rendendo graças por
curas alcançadas ou rogando por elas.
Novamente citamos NOBRE (2010: 172), segundo a qual a própria geografia da
cidade de Juazeiro ajudou na definição de alguns desses lugares de devoção que
foram organizados e nomeados sob a inspiração de passagens bíblicas da vida de
Cristo:

– A serra do Catolé, região montanhosa do entorno de juazeiro do Norte, convertida em


santuário.
– A ladeira que leva ao topo do Horto tornou-se o Caminho do Calvário, área formada de
cavernas de pedra, a dois quilômetros da
– Igreja do Horto, batizada de Santo Sepulcro, por lembrar o sepulcro de Cristo.

Conforme a autora acima, o Horto tornou-se lugar consagrado pelo povo, tendo
servido de palco para reprodução de cenas sagradas, como fez Pe. Cícero em maio
de 1896, mandando cercá-lo com mato espinhoso e onde mandou plantar um pé de
angico, a fim de impedir o contato de qualquer pessoa com a árvore, simbolizando
nela onde Nosso Senhor teria sido amarrado.

4.1 PADRE IBIAPINA

Pe. Ibiapina foi ordenado em 1853 com 47 anos, cursou a Faculdade de Direito do
Recife e, ainda jovem, tornou-se juiz de direito e deputado estadual aos 28 anos,
chegando a ser considerado um dos melhores juristas de sua época. Em 1850, muda
de vida a partir de “uma visão da eternidade” e se isola, passando a estudar, ler

136 4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense


e meditar. Contudo Padre Ibiapina segue a Jesus Cristo não apenas como jesuíta
contra as forças de satanás, mas na medida igual como um “São Vicente” brasileiro,
na caridade para com os miseráveis e discípulos do “Bom Jesus dos pobres e aflitos,
sacrificando a vida para o bem da humanidade” (OTTEN, 1990: 275-6).
Interessante observar que a referência de OTTEN (1990) comparando Pe. Ibiapina
a um jesuíta também e encontrada em CARVALHO (2008: 41), em A missão Ibiapina,
que admite que tal comparação teria sido “pela sua fidelidade à Igreja, pela sua ação
missionária e educativa, pelo seu caráter desbravador e capacidade para enfrentar
e superar as adversidades”. Todavia admitimos que tal comparação apresenta-se de
forma muito generalizante, visto que tais posturas faziam parte, também, da vida
missionária das outras ordens religiosas que percorreram terras brasílicas em seus
primeiros séculos.
Porém, para SILVA JUNIOR (2016: 40), Padre Ibiapina foi influenciado pelo “frei
Vidal Penha, capuchinho do final do século XVIII, o qual estabeleceu um discurso
moral nos povoados da região”.
Continua o autor acima, assim se expressando ao se referir ao sertão ao tempo
do Pe. Ibiapina:

[...] do século XIX, universo habitado por irmandades de penitentes, beatos e devotos,
benzedeiras e carpideiras, com suas promessas e rezas, missões e mutirões – aparente-
mente distantes das mudanças que se processavam nos grandes centros, parecendo não
se contaminar pelas doutrinas romanizadas.

O sociólogo CAMARGO, em sua obra Igreja e Desenvolvimento (1971: 15-6), destaca


essa faceta do catolicismo rural no Brasil: quando na ausência de padre, “rezadores
e rezadeiras assumem o papel de liderança religiosa da comunidade”. Não há, na
verdade conflito, no mesmo nível, entre o padre e o rezador. Este é hierarquica-

4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense 137


mente inferior e sua atuação se restringe a um nível menos sagrado do que aquele.
“Essa liderança religiosa leiga emerge por um processo que se poderia chamar
carismático, através do consenso da comunidade e do destaque de uma personali-
dade com características de ‘piedade’ e ‘devoção’.”
Padre Ibiapina atou de 1856 a 1883, tendo criado em 1868 o jornal A voz da reli-
gião no Cariri, cujo primeiro número foi lançado em 5 de dezembro daquele ano.
Nele, usando de palavras conciliadoras, conclama para a harmonia nos entendi-
mentos políticos visando a mudanças.
Abramos uma nova página para a história de nossa terra, que nos deu a conhecer
o estado em que nos achamos, pelo lado religioso e moral. Os desatinos de tantos
anos na politica nos collocarão à bordo de um abysmo, mas as ideias religiosas,
herança de nossos paes, tem retardado o progresso de nossa completa ruina [...]
Por aquele ano Padre Ibiapina já vinha enfrentando dificuldades no desempe-
nho de seus trabalhos junto aos sertanejos, visto os desentendimentos reinantes
no meio político da região do Cariri. Em vista disso, aproveitando o lançamento
do primeiro número, de seu jornal, à página 3 faz um convite aos políticos dos dois
partidos opositores:

[Foto 6]

Na mesma edição do referido jornal, Pe. Ibiapina divulga os resultados do encontro


proposto por ele.

[Foto 7]

Conforme SILVA JUNIOR (2016: 46), o periódico ainda trazia em suas páginas preo-
cupações com o civismo, a denúncia aos desmandos políticos das ideias imorais, a

138 4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense


decadência das crenças religiosas e da moralidade dos religiosos, a falta de segu-
rança, da honra, da vida e da propriedade; um instrumento em favor da doutrina do
Evangelho e da terra pátria, além de evidenciar fragmentos do cotidiano daquelas
populações sertanejas.

A Voz da Religião no Cariri procurava mostrar as vantagens sociais e morais dos traba-
lhos missionários, como ressalta o autor acima: as missões chefiadas pelo missionário
em diversos local cearenses: Milagres, Crato, Jardim, São Pedro, Barbalha, Goianinha,
Porteiras, Brejo; todas as regiões situadas ao sul da capitania foram acompanhadas pelas
páginas do jornal religioso, apresentando as localidades no antes e depois das missões;
descrevendo suas melhorias materiais e espirituais após os trabalhos missionários. [...]
foi noticiado pelo jornal visita a freguesia de Barbalha, povoação pertencente à comarca
do Crato. Ainda que florescente no comércio, na indústria agrícola e com bons prédios, a
reportagem mostrava no lado moral um total desequilíbrio, apresentando uma sociedade
contaminada com os vícios mundanos: A visita de padre Ibiapina, segundo noticiado nas
páginas do periódico, deu início a uma nova era.

Como está em MAGALHÃES e MACIEL (2015: 54), Pe. Ibiapina, sensível à situação
de miséria de uma massa faminta, doente e desassistida, buscava seguir seus prin-
cípios cristãos baseado na crença em Deus e na caridade. Para isso, tomando suas
próprias decisões de interesse filantrópico, muitas vezes o missionário viveu em
conflito com o poder eclesiástico local, na Paraíba, com D. Moises (Cajazeira-PB), e
no Ceará com o 1º Bispo, Dom Luiz Antônio dos Santos.
Abaixo, carta de Padre Ibiapina em resposta a uma missiva de Dom Luiz, seguida
da transcrição original, um documento autêntico quanto à realidade vivida pelo
Pe. Ibiapina diante da cúpula eclesial cearense, que nos foi passado pelo Padre
Francisco Roserlândio de Sousa, Diretor do DHDPG – Cúria Diocesana do Crato,

4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense 139


CE, a quem reiteramos nossos agradecimentos.

Recebi a respeitável carta de V. Exa e agradecendo summamente o que me diz com


relação aos fructos de meus trabalhos nesta Diocese, que bom quisera correspondessem
aos desejos de V. Exª, passo a responder as perguntas e reflexões que V. Exª Se dignou
fazer-me.
Antes de tudo deve prevenir a V. Exª que os boatos que contra mim se teem espalhado e
que chegarão até V. Exª não são verdadeiras accusações: eu entendo que forão pessoas
zelosas pelo bem da religião; que temendo ser ella compromettida por algumas proposi-
ções que lhe soarão mal de muito bôa fé me denunciarão; isto posto respondo:
Que não tenho imposto aos meus ouvintes obrigação de tomarem o nome de Maria
ameançando-os com castigos divinos; tenho sim empregado razões que supponho valio-
sas para persuadir e alcançar o que pretendo, deixando todavia a liberdade de adoptarem
ou não.
Não tenho individualizado do púlpito peccadores cujas faltas não são publicas, nem ainda
peccadores públicos, tenho sim usado de uma linguagem enérgica contra os escandalosos.
V.Exª me pergunta ainda se tenho declarado excomungados os que a Igreja ainda não
tem como taes; respondo: que tenho declarado excomungados os amancebados públi-
cos escandalosos que se não confessão, e que despressão completamente as doutrinas e
disciplinas da Igreja; tenho ainda declarado que se evite a comunicação com elles até que
por penitencias publicas e reconciliação com a Igreja se habilitem a gosar as vantagens do
sacramento, e as graças que a religião concede aos arrependidos.
Não disse que peccava quem comesse carne no sabbado, disse sim que conquanto fosse
permittido nesta Diocese, por uma Pastoral, comer carne no sabbado, qualquer que por
devoção quisesse guardar esse dia não obrava mal.
Quanto a Benção apostólica dada com três cruzes, confesso que o tenho feito sem saber
que me arrogava com isto jurisdição que me não competia; rogo, portanto, a V.Exª que me

140 4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense


imponha as penas canônicas em que tenho incorrido, que de bom grado as aceito.
É verdade que andei de cruzeiros, e não tratei de preparar ornamentos especialmente
para a Igreja de S. José; e ainda que esse proceder tivesse em defeza eu renunciaria a
ella pelos prazer de receber de V.Exª uma correcção; por isso procurei obrar de hoje em
diante no sentido indicado.
Por ultimo V.Exª me recommendou que fosse missionar na Granja; e eu para lá partiria
incontinente em desempenho das ordens de V.Exª se não tivessem apparecido ameaças
de febre amarella e mesmo do cholera no lugar onde me achava, o que me temer a reu-
nião do povo nas proximidades do inverno, dando-se taes precedentes não distante do
logar para onde devia seguir. As pessoas que tinhão vindo da Granja para me conduzirem,
testemunhas oculares dessas ocorrências, apreciando as minhas reflexões desistirão
promptamente contentando-se com a promessa que lhes fiz de lá em occasião oportuna.
Resta-me agradecer a V.Exª a bondade com que me tem tratado, e pedir perdão das
minhas faltas que terão amargurado V.Exª: espero que me habilitará com suas orações ao
Todo Poderoso para que não obre o mal tendo eu vontade de obrar o bem.
Peço a Benção a V. Exª, de quem confesso sinceramente ser por justos motivos
DE V. Exª
Sant’Anna 23 de janeiro de 1862.
Filho obediente e (???)
Pe. Je. Ant°. Maria Ibiapina.

Na página XX a versão original da carta acima apresentada.

[Foto 8]

Os desentendimentos entre ambos prosseguiam, tal como se lê na carta-resposta


enviada pelo Padre Ibiapina:

4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense 141


Louvado N. S. Jesus Christo.
Recebi a carta de V. Exmo, conquanto lê-se nella o desagrado que lhe causei a minha
presença neste Bispado, devo agradecer a V. Exma o inestimável favor de me fazer soffrer
hua accusação – de o ter contrariado quando não tive tal intenção nem conhecimento
dessa ofensa, o que mais que isso agradeço Vossa Exma. De ter-me escripto francamente
e lhe digo assim não metem. Graças a Deus por me fazer conhecer sua santa bondade
manifestando-me [...] tão positivo que não me quer aqui: não [...]
Por ferir a vontade de Deus ando eu por estes lugares. Resta-me beijar os pés de V. Exa
humildemente confessar todas as culpas de que me accusa, pedir-lhe pelo amor de Deus
perdão [...]
Barbalha, 14 de fevereiro de 1869.

Conforme está em MAGALHÃES e MACIEL (2015: 56), em 16 de setembro de 1872,


Padre Maria Ibiapina envia às dirigentes das Casas de Caridade do Cariri Novo, uma
carta de despedida, deixando nas entrelinhas a amargura que lhe ia na alma por
ter sido expulso da Diocese do Ceará: “adeus gentes todas dessa terra de onde sou
retirado por altos juízos de Deus, para que sofra o coração que gozou as ternuras
do amor”.

4.2 PADRE IBIAPINA ENQUANTO EVANGELIZADOR

Enquanto evangelizador, Pe. Ibiapina desempenhou, paralelamente, um impor-


tante trabalho social junto ao sertanejo de toda aquela área delimitada para nossos
estudos e adjacências, embora saibamos que sua obra se estendia a estados vizi­
nhos ao Ceará. Com a ajuda de devotos voluntários, como dizem MAGALHÃES e
MACIEL (2015: 45), “construiu cemitérios, açudes, consertos de estradas, abertura
de caminhos, poços e ações comunitárias”. Feitos esses, como dizem as autoras,

142 4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense


que o levaram a granjear ajudas de toda ordem, inclusive financeira, a permitir-lhe
manter construções e manutenção das instituições que veio a criar durante os anos
de sua atuação por aquele sertão. Construiu Casas de Caridade que passaram a
desempenhar valioso papel junto às comunidades que as cercavam naquele sertão
cearense de múltiplas carências.
Dos anos que se seguiram até 1868, muitos desentendimentos ocorreram entre
ele e os envolvidos na execução dos projetos das Missões.
Eram tantas as adversidades, como já relatado por vários estudiosos, inclusive
MARIZ (1942), que despertavam no flagelado pela seca a vontade de ir embora, em
busca de outras condições de vida, como se percebe no relato abaixo, constante em
A voz da religião no Cariri (1869: 2).
Trata-se da terrível seca que assolou o Nordeste conhecida como a seca dos
três 7 – 1877, 1878, 1879 –, quando muitos seguiram o norte, buscando a praia e seu
conforto ambiental, outros rumaram para o sul, para o sopé da chapada do Araripe,
e a vila do Crato os acolheu, dilatando sua população (MENEZES, 1871: 368):

Conforme NOBRE (2011: 11), Padre Ibiapina reservava dias para as práticas da peni­tência,
convidando o público para expiar seus pecados em público praticando a autoflagelação
com disciplinas, citando o caso dos Serenos, grupo de penitentes que em 1845 – não coin-
cidentemente, ano de seca na região – saiam pelas ruas chorando e preconizando o fim
do mundo pelas ruas do Crato: Aquela denominação indicava – companhias de penitentes
que à noite, nas encruzilhadas ermas, em torno das cruzes misteriosas, se agrupavam
adoidadamente, numa agitação macabra de flagelantes, impondo-se o cilício dos espin-
hos, das urtigas e outros duros tratos de penitência. Ora, aqueles agitados saíram certo
dia, repentinamente, da matriz do Crato, dispersos, em desalinho – mulheres em pran-
tos, homens apreensivos, crianças trementes – em procura dos flagícios [sic] duramente
impostos. Dentro da igreja, missionários recém-vindos haviam profetizado o próximo fim

4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense 143


do mundo. Deus o dissera – em mau português, em mau italiano e em mau latim – estava farto
dos desmandos da Terra. O 12º e o 13º da missão foi destinada para a procissão da penitência.
Dispostas as coisas, e preparados os instrumentos de penitência, findo o sermão, o
Reverendíssimo Missionário deu ordem que se recolhessem a matriz todos os que se
deviam amortalhar, e a matriz com suas sacristias, e o vácuo que há entre esta e a rua
vizinha foi pequeno espaço para a multidão dos amortalhados. Desfilou a procissão, e
tendo percorrido uma grande parte da cidade, não pôde conter toda a multidão. O clarão
delicioso da lua contrastou nesse dia o horror da penitência. A majestade do ato, o retinir
de algumas centenas de disciplinas, o rouco som de alguns milhares de asorranges, os
dobres plangentes do sino da matriz unidos aos suspiros de dor, aos ais de compunção,
as vozes sonoras que pediam misericórdia, formavam uma música tão lúgubre, tão mel-
ancólica, tão enternecedora, que trazia ao coração o arrependimento das culpas e aos
olhos as lágrimas de verdadeira dor e compunção (NOBRE, 2011: 5).

O botânico CISNEIROS (1964), em 1859, ao passar por Crato, no Ceará, como consta
de seus manuscritos publicados pela Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, em
1964, observou o comportamento religioso de indivíduos se autoflagelando, os cha-
mados “penitentes”, usando nessa prática lâminas de ferro que eram fundidas numa
espécie de chicote.
Diz MARIZ (1942: 70) que Ibiapina atraiu devotos para si, os quais o seguiam,
entregando sua alma a ele. Eram os “beatos vestindo-se com um camisão azul,
descalços e sem chapéu, com uma cruz e os bentos pendurados, de andar mole
e compassado, olhos fixos em alucinação melancólica, andando pelas vilas”. Eram
eles os leigos, homens e mulheres que exerciam trabalhos nas casas de caridade
fundadas por Ibiapina espalhadas por várias cidades do sertão cearense. Teria sido
ele que, também instituiu a “ordem dos penitentes e a autoflagelação em nome de
Deus, a exemplo da que ainda existe na cidade de Barbalha CE, no sítio Cabaceiras.

144 4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense


Lá vivem os penitentes, homens e mulheres que cantam para os mortos e sangram
para Deus. Grupo criado em 1860. Prática que acontece principalmente no período
de quaresma, quando os penitentes se açoitam com o chamado ‘cacho de disci-
plina’. repleto de lâminas que cortam”.
Buscava-se, na época de Ibiapina, incutir entre o povo sofrido a ideia da resig-
nação diante dos infortúnios da vida terrena, visto estar garantida no pós-morte,
a vida eterna no paraíso celeste. Essas, todavia, ainda são as ideias que norteiam a
vida de carências do homem do sertão, amparadas na crença nos poderes de Padre
Cícero sempre de braços abertos para acolhê-lo, nos momentos difíceis, principal-
mente quando o corpo padece de algum mal, aliviando-lhe possíveis dores físicas
e morais.
Como diz Pe. Francisco Roserlândio de Sousa prefaciando a obra Padre Ibiapina.
Máximas, casas de caridade e o seu pensamento evangelizador (MAGALHÃES;
MACIEL, 2015): “[...] as ações do Padre-Mestre, suas instituições e ações que aju-
daram a diminuir o sofrimento de milhares de pessoas no século XIX nessa nossa
região”.

[...] “Ibiapina se tornara, mesmo, um viajor assenhoreado dos roteiros, dos meios de
transporte e dos costumes”, como diz MARIZ (1942: 146) na biografia desse padre mis-
sioneiro. Entretanto, são de se imaginar os sacrifícios de corpo e alma que lhe custavam
as repetidas missões nos semidesertos das 5 províncias nordestinas, levando alento aos
desvalidos e indefesos.

4.3 OS MILAGRES ATRIBUÍDOS A PADRE IBIAPINA

Com o tempo, foi se conferindo a Padre Ibiapina o caráter de santo e, assim, muitos
casos de curas milagrosas foram sendo atribuídos a ele. O primeiro milagre teria

4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense 145


ocorrido em 20 de junho de 1868, com uma aleijada impedida de andar, cujo remé-
dio indicado por Ibiapina foi banhar-se na nascente do rio Caldas. Tendo obtido a
cura, espalhou-se o poder daquelas águas, passando a ocorrer ali frequentes roma-
rias. Assim, a fonte ao pé da serra se transformou em linfa curativa logo que Ibiapina
para lá fez seguir aquela doente e lá se ergueu uma capela.
Havia doenças cujas etiologias reuniam ideias objetivas amparadas num sub-
jetivismo de conteúdo sacral, variando segundo os contextos socioculturais e
religiosos de ocorrência, a exemplo do cobreiro (herpes), para o qual, no interior do
estado de São Paulo, o curador se utiliza de uma faca que vai batendo em forma de
cruz sobre a área afetada, enquanto reza:

Em nome de Deus eu curo/cobreiro brabo/corto cabeça e rabo [...]

Trata-se de herança portuguesa que remonta ao tempo em que as lavadeiras lava-


vam as roupas em beiras de rios, deixando-as quarando na relva sob a luz do sol, de
forma a deixarem alvas as peças brancas (CAMARGO, 1982, 1985: 26, 1), admitindo
que uma cobra ou outro bicho peçonhento tivesse passado sobre a roupa daquele
que estivesse com cobreiro. Em tal ocorrido é fundamental a presença de um cura-
dor capaz de desativar o avanço da “doença”, de forma a não deixar que cabeça e
rabo se encontrem, pois nesse caso a morte é certa, segundo dizem e como já dizia
ARAGÃO (1894: 28) em Portugal:

Te corto cobro
Cabeça e rabo e corpo todo.

Lembrando Pe. Ibiapina recomendando banho nas águas da nascente do rio Caldas,
citamos a primeira referência à cura de cobreiro operada pelo Padre Anchieta,

146 4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense


segundo seu biógrafo VASCONCELOS (1943: 47): “[...] a doença perigosa, que alguns
chamam de santo Antão, outros de cobrelo [...] mandou o irmão lavar-se com água
da fonte milagrosa que ali está e acabado de lavar-se (cousa maravilhosa) de impro-
viso ficou não só sem dor, mas sem sinal ou resto do mal que o molestou”.
DIAS (2007: 41), tratando da medicina e religião no Renascimento, assim se pronuncia:

O culto da Virgem e dos santos era associado à capacidade curativa da sua intermedia-
ção com Deus e mesmo às propriedades medicinais de fontes e nascentes consideradas
santas. A primeira reação das autoridades protestantes consistiu em tentar acabar com
as peregrinações e muitos desses locais, fechando templos e fonte e vedando os aces-
sos. Mas, cedo essas medidas foram substituídas por preocupações que se limitavam aos
aspectos doutrinários da sua utilização, enfatizando a intervenção divina direta através
das águas e mesmo as suas propriedades médicas.

Perpetua-se na tradição dos curadores e benzedeiras de hoje a referência às águas


de fontes milagrosas na cura de cobreiro, tradição certamente vinda de Portugal,
conforme coletado por estudiosos em vários estados brasileiros, a exemplo de
Silvio Romero (1954) em Cantos populares do Brasil, no século XIX, como está em
CAMARGO (1982: 133; 2018):

Pedro que tendes?


Senhor, cobreiro.
Pedro curai.
Senhor, com que?
Água da fonte
E ervas dos montes.

4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense 147


Traços biográficos A fonte de Caldas, segundo tradição, tem sido notável pelos muitos milagres que
ontrados no
Deus tem obrado com suas águas desde as missões de padre Ibiapina em 1869.
hivo da Casa de
idade de Santa Fé, A realidade política, econômica e social daquele período era marcada por um
Arara – 1915. D’a alheamento das ações políticas e governamentais, que pouquíssima atenção dis-
prensa da Parahyba.
pensavam aos sertanejos do Nordeste, como diz BEZERRA (2010).
ista Trimestral do
tituto do Ceará,
mo XXIX Anno XIX Em 1915: 98, D’a imprensa da Parahyba15, “[...] A fonte de Caldas tem sido notável pelos mui-
915.
tos milagres que Deus tem obrado com suas aguas desde as missões do Padre Ibiapina em
1869. Como já ficou dito alimentou-se uma porção de povo que morria de fome, e todos
satisfeitos elogiam-se a Deus e glorificavam ao seu ministro. Só Deus é grande. Novos
prodígios se deram em milagre. A fome era grande e como já disse, um prato de farinha
custava uma pataca. [...] O povo se esmorecia a vista do aspecto da miséria, mas com a
chegada do missionário a fome desapareceu, o povo reanimou-se e, em lugar dos tristes
gemidos da miséria se ouviam cânticos de louvor aos Sagrados Corações de Jesus e de
Maria. E o povo apreciava esta maravilha com estas palavras: - Ora, este tempo que devia
ter apertado mais a fome tem sido antes um tempo de fertilidade. Como é isto? Assim
tem acontecido, porque logo que padre Ibiapina chega em um lugar que acha o povo em
grandes necessidades, procura em nome da Santa Caridade, remédios para esses que ele
chama meus filhos e tudo abunda logo.”
[...] Outra maravilha se deu em Milagre. O açude que padre Ibiapina fez na Missão de
outubro juntou pequena quantidade d’agua e o povo começou a usar dessa agua, à imi-
tação das do Caldas, em seus sofrimentos e começaram a declarar prodígios. Um dizia:
Eu fiquei bom disso. Outro dizia: Eu vi fulano ficar bom daquilo. Eu que sofria de um
conthorsão que se agravava logo que tocava em aguas quentes e sujas, estando dessa vez,
ameaçado de febre, quis fazer a experiência. Esta agua disse eu, parece péssima: mas se
eu não me matar e não agravar meu mal, confesso que é um milagre. [...]

148 4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense


Em seu trabalho missionário, Ibiapina criou uma vida religiosa a partir do sertão,
com características próprias. Vivia-se uma vida religiosa voltada às necessida-
des do povo, onde imperava a fome, a violência, a falta de educação, de água e de
justiça, no dizer de OLIVEIRA (2007: 59-74). Em Ibiapina, o apóstolo do Nordeste,
MARIZ (1942) acrescenta ter sido sua atuação pelo sertão em meados do século XIX,
período dominado pelo analfabetismo, pela superstição, sobretudo pelas doenças
que assolavam a região, propiciando o êxodo para as cidades.
A seca que assolava o sertão cearense favorecendo o êxodo é descrita pelo Padre
Ibiapina:

Hoje são 12 de dezembro de 1877. Não temos água para beber, senão de duas léguas; para
lavar roupas, de três léguas. Os gêneros, em preço superior às forças da Caridade, para
sustentar o pessoal de quase duzentas pessoas, sendo mais de noventa órfãs e a metade,
de menos de 7 anos, muitas doentes, que demandam tratamento singular. Acabou-se o
milho, o feijão, o arroz, restando pouca farinha para remediar. Não temos cavalo, e pouco
é o dinheiro.
Os retirantes todos os dias nos pedem pão e seu número sobe às vezes a mais de cin-
quenta; também pedem roupa, por estarem nus [...] (CARVALHO, 2008).

O quadro desolador vivenciado pelo sertanejo nesse pedaço do Nordeste cearense


foi registrado pela revista O Besouro em 1878, conforme abaixo reproduzido retra-
tando o que disse Pe. Ibiapina acima.
STUDART (2004: 418) escreve que ficaram desertas sete freguesias do Ceará e
diz o Senador Pompeu (Memórias sobre o clima e secas do Ceará) que, segundo uma
informação do Capitão-General de Pernambuco, pereceu em toda Capitania mais
de um terço da população, acrescentando esse autor que ficaram desertas sete
freguesias do Ceará.

4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense 149


4.4 AS DOENÇAS E OS DOENTES NO TEMPO DE PADRE IBIAPINA

Ao tratarmos de curas, obviamente admitimos estarem por detrás delas as doenças


e seus portadores, os doentes, conceitos esses já abordados na Introdução e que
aqui retomamos ao procurarmos tratar de seus significados. Embora não nos caiba
no momento entrar nos pormenores a respeito do que a biomedicina entende por
tais conceitos, buscamos, porém, aproximarmo-nos o máximo dos significados
na medicina popular e como nós pesquisadores podemos interpretá-los, já que os
significantes se confundem com a linguagem biomédica: doença e doente.
LAPLANTINE (2004: 160), em sua Antropologia da doença, entre as premissas
sobre as quais se dispõe discorrer, estuda a subjetividade do doente, o qual inter-
preta por si mesmo os processos que fazem com que ele “se sinta mal” ou “em
plena forma”. Destaca com clareza os significados de doença ao se reportar à língua
inglesa, em que aparecem: disease (a doença tal como é apresentada pelo conheci-
mento médico), illness (a doença como é experimentada pelo doente), sickness (um
estado muito menos grave e mais incerto que o precedente, ou seja, o mal-estar),
enquanto no francês está apenas disponível a palavra maladie. Sobre tal fato comenta
o autor ser a partir da tríplice terminologia que os pesquisadores anglo-saxôni-
cos têm tentado estabelecer os conceitos de que são totalmente desprovidos os
franceses. Laplantine, todavia, propõe ocupar-se menos da cura constatada pelos
recursos laboratoriais do que “da ideia de que os que curam e os que são curados
fazem da doença e das curas sonhadas, imaginadas, espiritualizadas, representa-
das, ou seja, vivenciadas”. O autor, sobre as forma elementares de cura, diz serem
os tratamentos habitualmente divididos em preventivos e curativos; paliativos, pro-
curando um alívio momentâneo e definitivo; etiológico e sintomatológico, tendo
uma eficácia simbólica, como efeito placebo ou medicinal. Aqui, o autor atribui
os resultados positivos dos tratamentos na medicina popular à eficácia simbólica,

150 4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense


comparando-a a efeito placebo. O autor talvez desconhecesse que o placebo na bio-
medicina, de onde a expressão é regatada, compreende um produto inócuo, o que
não acontece na medicina popular. Nas práticas médicas populares todo remédio
contém substâncias de atividades farmacológicas, sejam de origem vegetal, animal
ou mineral. A associação doença – cura milagrosa perdura no pensamento médico
popular do Brasil de hoje, como herança de um catolicismo, aqui chegando com os
primeiros colonizadores, visto que só em meados do século XVI chegou a primeira
missão jesuítica para o trabalho de catequese junto aos indígenas. Naquele período
chegava, também, a primeira leva de negros de cultura banto, oriundos de regiões
africanas abaixo do equador: Congo, Angola e Moçambique. Todavia, negros de cul-
tura banto não cultuavam deuses, mas, seus ancestrais. Posteriormente chegaram
os negros sudaneses de cultura iorubá com suas divindades, suas crenças e práticas
religiosas, os quais foram se amalgamando à cultura banto, ao incluir nesse pro-
cesso a cultura indígena com as características próprias de cada região brasileira,
assim como o catolicismo de feições portuguesas no campo das práticas médicas,
como já referido na Introdução.
Recordamos que a medicina em Portugal no período da colonização no Brasil era
uma medicina monástica praticada nos conventos, onde o doente era atendido e os
livros médicos escritos. Com o passar do tempo, a arte médica em terras brasílicas
foi sendo praticada pelos curadores em meio popular, com características próprias
de cada região brasileira, porém com acentuada influência das prédicas jesuíticas
emanadas de seus trabalhos de catequese, nas quais passavam, entre outras, a ideia
de que as enfermidades do corpo e da alma somente poderiam ser curadas por
intervenção divina (MARQUES, 1997). Persistiam na ideia de se ligar a doença a cas-
tigo divino por falta cometida e a morte à vontade de Deus (HERSON, 1996).
Dada a extensão territorial do Brasil, os termos “doente” e “doença”, enquanto
significantes têm, por sua vez, significados que podem variar de um contexto cul-

4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense 151


tural para outro, o que podemos perceber nas próprias designações de doenças e
nas interpretações que a elas cabem, lembrando pesquisa por nós realizada em São
Paulo e cidades próximas à capital (CAMARGO, 1978; 2014):

– espinhela-caída – síndrome decorrente da deformidade do apêndice xifoide;


– mal-de-sete-dias – tétano no cordão umbilical do recém-nascido;
– doença-seca ou doença-de-macaco – síndrome carencial do recém-nascido;
– vento-virado – proveniente de jogar criança para o alto;
– ensipa – erisipela;
– mal-de-secar – tuberculose.

Certamente, muitas dessas designações aparecem, também, em outras regiões bra-


sileiras, tal como encontramos entre benzedeiras que habitam o sopé da Chapada
do Araripe em Barbalha, benzendo espinhela caída.
Tais estados de “doença”, os quais hoje causam risos, já foram alvo de atenções
de escolas médicas, inclusive na elaboração de teses, como nos conta SANTOS
FILHO (1947) em sua monumental História da medicina no Brasil (Do século XVI
ao XIX). Muito enriqueceria a medicina hegemônica se se voltasse atenção a essas
“patologias”, buscando elaborar uma correlação nosológica a fim de equipará-las
às interpretações médico-científicas. Quem sabe não seria outra a visão daqueles
empenhados em Saúde Coletiva na elaboração das políticas públicas de saúde? São
essas doenças cujas etiologias reúnem ideias objetivas amparadas num subjetivismo
aí embutido, variando este de um contexto sociocultural a outro.
As doenças que assolavam o sertão cearense foram testemunhadas por Padre
Ibiapina quando missionava naquela sofrida região. Abaixo, trecho da carta por ele
enviada da cidade de Sant’Anna, hoje Santana do Cariri, ao bispo da Diocese do
Crato, em 2 de janeiro de 1862, relatando a ocorrência de doenças:

152 4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense


[...] Por ultimo V. Exª me recomendou que fosse ministrar na Granja; e eu para lá partiria
se não tivessem apparecido ameaças de febre amarella e mesmo do cholera no lugar onde
me achava, o que me temer a reunião do povo nas proximidades do inverno, dando-se
taes precedentes não distante do logar para onde devia seguir. As pessoas que tinhão
vindo da Granja para me conduzirem, testemunhas oculares dessas ocorrências, apre-
ciando as minhas reflexões desistirão promptamente contentando-se com a promessa
que lhes fiz de lá ir, em occasião oportuna [...]

Abaixo, ainda, relato do botânico CISNEIROS (1964), quando no século XIX andou
pelo Ceará e, ao passar por Crato, diz:

O Crato é país úmido [...] logo que começam as chuvas a umidade atmosférica aumenta
muito; é doentio. Moléstias de olhos são endêmicas e de todas as formas; rara é a pessoa
que não sofra ou tem sofrido dos olhos. Há casas onde há 2 ou 3 pessoas cegas. Dizem que
hoje está ainda assim muito melhor do que foi em outro tempo!
Parece que desmazelo, e a porcaria concorrem muito para isso. Não há, e andando juntos
sem nenhum resguardo, lavando-se nas mesmas bacias, etc., tudo concorre a transmitir
a moléstia. Dizem também que um certo tempo aparece uma grande quantidade de mos-
quitinhos que assentam nos olhos; esses podem transmitir a moléstia. Enfim a falta de
médicos hábeis concorre também para agravar esse mal.
As opilações são comuns. As hepatites, as moléstias orgânicas de coração. A tísica não é
rara; as hemoptises; o reumatismo. Mas, o que também faz grandes estragos, é o tumor
boubático e sifilítico. A devassidão é grande, vemos aqui meninos afetados de gonorreias,
e de bubões, tratando-se sem cerimônia na sua família.

Sobre as doenças dos olhos mencionadas pelo botânico CISNEIROS (1964), recorda-
mos que no século XVII, exatamente em 1648, PISO (1948), vindo ao Brasil na missão

4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense 153


cultural trazida por João Maurício de Nassau, ao percorrer regiões do Nordeste bra-
sileiro, registrou: “[...] epidemias de xeroftalmia e de hemeralopia observadas nas
regiões do nordeste brasileiro, devem ser atribuídas não só a uma deficiência rela-
tiva à vitamina A em relação às necessidades, mas, realmente, a uma ausência total
deste fator, em consequência de regimes desequilibrados e mesmo insuficientes”.
Outra doença que assustou a população do sertão cearense foi o cholera morbus
como mostram as notícias propaladas pela imprensa de época.
Como diz LIRA NETO (s/d) em Poder, fé e guerra – Primeiro Livro:

Com fome insaciável, o cólera arrebatou ao todo 11 mil almas pela capital e sertões do
Ceará. [...] Havia relatos de doentes sepultados vivos em valas comuns depois de abando-
nados pela família e mandados antes da hora para o cemitério, por medo de um possível
contágio. Com a falta de coveiros [...] o serviço de enterramento era feito por condenados
pela justiça, em troca de goles de cachaça e de perdão de suas penas. [...] Outros se fla-
gelavam açoitando as próprias costas com chicotes de couro cru, na ponta amarradas a
“disciplinas”, lâminas de ferro afiadas e dentadas.

O semanário O Araripe, de Crato, cidade do Cariri, região sul cearense, foi o primeiro
jornal do interior do Ceará. Seu proprietário e também redator era o historiador e
jornalista João Brígido dos Santos, que, juntamente com um grupo de comerciantes
e profissionais liberais ligados ao Partido Liberal, fez circular esse semanário entre
os anos de 1855 e 1864.
Durante os mais de nove anos de existência, o jornal acima referido, como atesta
ALVES (2010: 8), “[...] apresentou em seus artigos a necessidade de civilizar a região
carirense, apresentando entre seus projetos de civilização a criação da ‚Província
dos Cariris Novos’, cuja capital seria o Crato, por ser esta a cidade mais desenvolvida
do Cariri”.

154 4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense


Mas, mesmo com esse propalado desenvolvimento do Crato, a cidade estava
despreparada, com suas precárias condições sanitárias, como atesta FIGUEIREDO
FILHO (2010), para combater uma epidemia que se aproximava ceifando vidas por
onde passava.
Sobre o porquê do temor da cólera na cidade de Crato e da presença de várias
matérias sobre essa doença no semanário O Araripe, segundo ALEXANDRE et al.
(2010: 3):

Por essa época o cólera percorria o território do Brasil, deixando um rastro de morte por
onde passava. O medo de que o surto atingisse aquela cidade fez com que, desde 1855, O
Araripe passasse a publicar, de forma enfática, uma série de textos sobre o tema. Assim,
o jornal divulgou o percurso da peste pelas províncias brasileiras, reivindicou ou criticou
a ação das autoridades públicas, expôs conselhos médicos para combater os sintomas
característicos da doença, ensinou remédios caseiros e orações consideradas poderosas
para debelar a moléstia, entre outros textos.

Em uma matéria do mês de agosto de 1862, O Araripe, numa edição que saiu após
uma longa parada por conta da epidemia, atingindo os editores do jornal durante
os meses de maio, junho e julho daquele ano, quando da chegada fatídica da cólera
à cidade do Crato, está:

[...] quanto é temerosa a solidão que reina em torno de nós! O monstro cruel devorou
centenas de amigos [...] E quantos não terão ainda de sucumbir em luta contra o monstro
impenetrável e capcioso?. Agora a nosso Reverendo Parocho corre o dever de chamar o
povo a oração, para pedirmos a Deus não nos fulmine com esse terrível flagello. O que
não alcançarmos por meio da oração, nunca obteremos, com medidas preventivas: só
a infinita bondade de Deus nos pode preservar desses males de que somos dignos; por

4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense 155


tanto o Parocho chame o povo a oração, este é o seguro meio de alcançar a graça.

Embora, não pertencendo à área demarcada para nossa pesquisa, ou seja, o Geopark
Araripe, não nos furtamos de transcrever o que conta CISNEIROS (1964: 341), o já
citado botânico que andou pelo sertão cearense, sobre uma localidade por onde
passou na Serra do Baturité:

[...] Tem este lugar condições para ser saudável; mas, não é assim; as famílias se queixam
de ter sempre doentes em casa. Agora, reinava ali a febre-amarela a que davam o nome de
icterícia e já havia feito algumas vítimas. [...] eu penso que grande parte tem, na insalubri-
dade do lugar, o desleixo e o desasseio dos habitantes e a má alimentação da gente pobre.

Hoje os tempos são outros. A preocupação das Universidades do Ceará nas inves-
tigações científicas envolvendo doenças, não só em seu caráter endêmico como
em suas formas epidêmicas, foi sensivelmente destacada no 51º Congresso da
Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, realizado em Fortaleza em 2015, em que
se sobressaíram pesquisas em torno de doenças como tuberculose, leishmaniose,
esquistossomose, sarampo, assim como a dengue, bastante representada entre os
trabalhos expostos.
Importante realçar que as epidemias no tempo de Ibiapina não ocorriam
somente pelo sertão cearense. Era todo o Brasil invadido pelas doenças, que iam se
alastrando de forma epidêmica por todos os rincões do país.
Santos, SP, cidade portuária foi alvo de uma catastrófica epidemia de peste
bubônica em 1899, como está em exaustiva pesquisa de LEMOS (1954: 1), Notícias
sobre a peste bubônica em Santos – 1899.
Como diz LEMOS, peste bubônica é moléstia conhecida desde muitos séculos,
antes mesmo da era cristã. Tão antiga quanto a própria história, suas passagens

156 4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense


pelo mundo, através das várias regiões do globo, provocaram as maiores devasta-
ções de que se tem memória. O Dízíonario de Igiene Pubblica e di Polizia Sanitaria,
de Francisco Freshi, relaciona várias epidemias de peste através dos tempos, desde
o ano antes de Cristo, quando o Egito foi assolado, até o surto sírio no ano 42 de
nossa era.
Segue o autor explanando sobre toda a trajetória daquele surto epidêmico, da
peste bubônica em Santos, considerando as muitas dificuldades para enfrentá-lo
apesar do esforço das autoridades sanitárias, até a criação de condições para o
preparo do soro necessário, quando, historicamente, se destacaram Oswaldo Cruz,
Adolfo Lutz, Emílio Ribas e Vital Brasil, os quais em esforço inaudito debelaram
a epidemia. Encerra o autor citando as palavras de M. J. Ferreira, pronunciadas
em conferência durante o Ill Congresso Brasileiro de Higiene, em 1926, na capital
paulista:

O Instituto Butantã, nascido do esforço de Ribas, durante a presidência de Fernando


Prestes e desenvolvido pela tenacidade infatigável de Vital Brasil, deixa na dúvida o
observador de hoje, sobre qual a maior das duas glórias – a extinção da peste ou a fun-
dação do Butantã.

Lembremos que, em tempos que já se vão longe, Roma já havia sido assolada pela
peste no ano 91 a.C., quando Esculápio, em forma de serpente, desembarca na ilha
Tiberina.

O Deus Esculápio chegou hoje, pela manhã, a Roma, subindo o Tibre em barco. Sabe-se
que, após a epidemia de peste que no ano passado, dizimou o povo romano, foi enviada
uma embaixada extraordinária a Epidauro, para procurar aquele que os gregos chamam
de Asclepíades. O Deus assumiu a forma de uma serpente, que os gregos nos cederam a

4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense 157


peso de ouro.
Desde ontem, o povo, confuso, acorreu ao encontro do Deus. Através de todo o percurso
seguido pelo veloz barco, que subia a corrente do rio, e nos altares erigidos nas mar-
gens, via-se o insenso que se elevava nas margens, enchendo tudo de fumaça perfumada.
Tão logo adentrou a Capital do Mundo, a serpente se desenrolou e tendo abandonado o
barco, atingiu sozinha, a nado, a ilha Tiberina, diante do monte Capitolino.
Tendo voltado a seu aspecto divino, entre as exclamações da multidão, fez com que ter-
minasse imediatamente o flagelo que nos ameaçava.

No local onde Esculápio salvou a cidade erguer-se-á um templo. Esse santuário,


único em seu gênero, terá a forma de um barco, para eterna lembrança da viagem
divina (Rassegna Médica Cultural VII, n. 4, 1969).

158 4 Padre Ibiapina e Padre Cícero, os baluartes da religiosidade caririense


[1, 2 E 3] Livro de
registro de batismo
do Arquivo da Igreja
e Missão Velha, CE.
[4] Oratório
doméstico. Sítio
Arajara. Barbalha, C

[5] Oratório de viag


esculpido em made
pela artesã F. L.,
adquirido em Juaze
do Norte, CE.
[6] Convite de Padre
Ibiapina.

[7] Resultados do
encontro.
[8] Carta de Padre
Ibiapina.
9] Jurema – Exicata
Mimosa Tenuiflora.
[10] Ex-votos no
Museu Padre Cícero
antes da reforma –
Juazeiro do Norte, CE.

[11] Ex-votos no
Museu Padre Cícero
depois da reforma –
Juazeiro do Norte, CE.
5 16 Patativa do Assaré.
Cordéis. Fortaleza:
EUPC, 2003.

JUAZEIRO DO NORTE
CHÃO SAGRADO

Juazeiro, Juazeiro,
Tua vida e tua história
Para o teu povo romeiro
Merece um padrão glória.
De alegria tu palpitas,
ao receber de visitas
de longe, de muito além.
Grande glória tu viveste!
Do nosso caro Nordeste
Tu és a Jeruzalem.16

5 Juazeiro do Norte, chão sagrado 165


5.1 JUAZEIRO DO NORTE

Acha-se situada ao sul do Ceará, em pleno semiárido nordestino, onde a caatinga


predominante vai ensinando o sertanejo a arte da sobrevivência, colorindo a região
ora com tons acinzentados, provenientes dos longos períodos de seca, ora com
tons esverdeados matizados pelo multicolorido das flores que vão desabrochando
logo nas primeiras chuvas. Estas, então, ali surgem como que chamando os polini-
zadores para a tarefa de manter a caatinga sempre viva, assim trazendo alento ao
sertanejo que ali vive, aquele que ainda tem em Padre Cícero a certeza da proteção,
formando-se, assim, a tríade que caracteriza a vida do homem do sertão: HOMEM/
NATUREZA/CRENÇA.

5.2 JUAZEIRO... TU ÉS A JERUSALÉM

Bastante oportuno prosseguirmos nesta parte do livro nos fixando no último verso
da poesia de Patativa do Assaré: Juazeiro [...] tu és a Jerusalém – poeta que marcou
presença entre outros que se celebrizaram poetizando o viver de seus conterrâneos
e seu chão natal. Esse verso nos remete às peregrinações do período feudal, como
está em LE GOFF e SCHMITT (1917, v. 2: 11-13), ao tratarem de Jerusalém, quando,
sob domínio muçulmano da Península Ibérica e todo o norte da África:

[Jerusalém] já atraía visitantes desde a conversão do Imperador Constantino, cuja mãe,


Helena, fez-se acompanhar até lá por uma expedição destinada a honrar os luga­res san-
tos e procurar vestígios da vida e morte de Cristo. É ela que reencontra a Verdadeira Cruz
e outros instrumentos da Paixão, levando-os para Constantinopla, a nova capital fundada
pelo filho em 330. Edifícios religiosos, como o do Santo Sepulcro, são construídos em
Jerusalém e suas imediações com o propósito de honrar e sacralizar tais lugares santos

166 5 Juazeiro do Norte, chão sagrado


e receber peregrinos.

Depois de Helena, outras peregrinações vão àqueles lugares santos, considerando,


segundo os autores acima, que elas não tinham a dimensão que ganhariam poste-
riormente, pois se ia até lá para encontrar uma atmosfera de espiritualidade e reter
na memória os fatos narrados nos textos bíblicos e evangélicos, até que

[...] ganha corpo a ideia de que as graças espirituais concedidas por Deus aos fiéis em
qualquer parte podiam ser encontradas com maior facilidade em certos locais repletos
de espiritualidade, particularmente nos lugares sagrados da Terra Santa. A voga das per-
egrinações aumenta então, nascida dessa aspiração espiritual [...]

Ainda segundo os autores acima (LE GOFF e SCHMITT, 1917, v. 2: 18), a partir do
século XI procurava-se no Sepulcro a remissão dos pecados, lembrando-se, toda-
via, de que, vivendo naquele período histórico o anseio da reconquista,

[...] para incitar os espanhóis a tomar parte com mais ardor na reconquista, Alexandre II,
depois Gregório VII e Urbano II acrescentaram promessas espirituais. Este último papa
propôs aos príncipes catalães que: se desejassem ir a Jerusalém purgar os pecados, que
dedicassem seus esforços na luta contra os mouros, comutando o voto de peregrinação
pela defesa e fortalecimento de Terragona, especificando que, ao fazê-lo receberiam os
mesmos privilégios e o mesmo perdão dos pecados, como se tivessem ido a Jerusalém.

Todavia, dizem os autores acima:

[...] no séc. IX, Leão IV e João VIII tinham feito apelo aos guerreiros francos, contra os
piratas sarracenos que ameaçavam Roma prometendo-lhes, em nome de São Pedro, a

5 Juazeiro do Norte, chão sagrado 167


entrada no Paraíso. [...] afinal, o anseio do papado era libertar Jerusalém, nas mãos dos
muçulmanos desde 638.

Considera-se que a partir do séc. VII, mesmo com a conquista de Jerusalém em


638 pelos mouros, as peregrinações já estão estabelecidas e ampliadas, ainda, com
Carlos Magno, “que obtém autorização do califa Harun al-Rachid para ali construir
edifícios religiosos ou de hospedagem, o que faz considerá-lo protetor dos lugares
santos. Em seguida, a lenda apropriou-se do fato, transformando o Imperador em
precursor da Cruzada”, tal como passaram a narrar os autores das canções de gesta
(LE GOFF; SCHMITT, 1917, v. 2: 32) que a partir daquele período foram surgindo,
como veremos mais adiante ao retomarmos este assunto.

5.3 AS PEREGRINAÇÕES NO OCIDENTE

No “Ocidente, era a perenidade da peregrinação que importava. Ela foi assegurada


pela tolerância dos muçulmanos para com as religiões reveladas, monoteístas”,
segundo LE GOFF e SCHMITT (1917, v. 2: 12), que lembram, principalmente, as idas
a Jerusalém, além de outras, tais como a peregrinação Compostela, na Espanha,
sendo que, entre os caminhos que levam àquela cidade, estava a rota dos peregrinos
que vinham da França atravessando os Pirineus pelo desfiladeiro de Roncesvales,
palco para a criação de lendas sobre a desdita que atingiu Carlos Magno, o impe­
rador franco e seu exército, relembrando as guerras entre mouros e cristãos.
Evidentemente, esse foi um personagem histórico que suscitou as mais diferentes
manifestações criativas no imaginário popular, voltadas aos feitos heroicos desse
imperador nas batalhas entre mouros e cristãos, nos idos tempos da Idade Média.
Eram criações mesmo de finalidade lúdica, como teria sido o próprio jogo de xadrez,
introduzido no Ocidente a partir do Oriente, remontando a períodos desde o século

168 5 Juazeiro do Norte, chão sagrado


XI, pela conquista árabe, como o chamado jogo de “charlemagne” – “um conjunto de
peças de um jogo de xadrez que teria sido ofertado a Carlos Magno pelo califa de
Bagdá, Harum al-Rachid, conservado na Biblioteca Nacional de Paris”, como consta
da obra acima referida.
Paralelamente, como já referido, conforme LE GOFF e SCHMITT, 1917, v. 2: 32),
nesse período foram surgindo as canções de gesta, fato sobre o qual voltamos a nos
referir ao retratarmos Carlos Magno no Brasil, nas estórias narradas pelos poetas
nordestinos e perpetuadas nos folhetos de cordel, como faziam os menestréis medi-
evais, levando notícias pelos caminhos, normalmente, das peregrinações. Embora
não fossem eles quem as escrevessem, são documentos conservados em monas-
térios, nos trajetos percorridos pelas peregrinações na Europa. Estão no Brasil de
hoje os menestréis nordestinos poetizando em folhetos de cordel os feitos heroicos
e derrotas do exército de Carlos Magno, inspirados nas narrativas do livro História
de Carlos Magno e dos doze pares de França, que tanto circulou pelo Nordeste desde
os primeiros tempos de colonização portuguesa.
Afeita, esta autora, aos estudos da literatura oral, por largo tempo se dedicou
ao aprofundamento de seus estudos junto ao Instituto de Estudos Brasileiros da
Universidade de São Paulo, depositário de importante acervo de folhetos de cordel
e biblioteca especializada. Este o período em que Roncesvalles suscitou nesta autora
a vontade de conhecer de perto o berço da tradição dos trovadores nordestinos que
poetizaram os feitos de Carlos Magno e os heroicos Pares de França. Pois para lá se
dirigiu em 1991 e ali ocorreu a oportunidade de conhecer o antigo Monastério que
remonta ao séc. XII, onde foi recebida pelo Prior. Foi quando percorreu algumas
dependências que guardavam preciosidades em documentos, assim como outros
locais, tal como o Collégiale Royale. Este, um edifício gótico também do século XII,
onde está o símbolo das peregrinações, busto da Virgem e menino Jesus em ouro e
prata e a Sala Capitular onde estão as tumbas em mármore do rei de Navarra Dom

5 Juazeiro do Norte, chão sagrado 169


17 A coleção de livros Sancho e de sua esposa. Recordando aquela visita, lembro quando perguntei ao
desta autora, voltados
Prior de quem eram aquelas tumbas, quando respondeu: “de Don Sancho e Dona
a estudos de literatura
oral, foi doada à Sancha”. Com tal resposta, imediatamente recordei de minha infância, quando nas
Biblioteca do Instituto brincadeiras de roda cantava-se: “Senhora dona Sancha, coberta de ouro e prata,
de Estudos Brasileiros
descubra seu rosto que queremos ver sua cara...” Conhecemos ali, ainda, o “Hostal
da Universidade
de São Paulo, de los Reys catholícos”, construído para abrigar os peregrinos, já quando das pere-
compreendendo grinações vindos da França a Santiago de Compostela, atravessando o desfiladeiro
cerca de 100 títulos,
de Roncesvalles, assim como o local onde eram enterrados os mortos. Naquele
incluindo as obras
raras adquiridas local, o Prior, portando uma enorme chave, abriu uma portinhola de onde se viam
na Europa e no
no fundo de um fosso, amontoados de esqueletos. Cenário esse que fez despertar
Brasil, assim como
catálogos e estudos
no imaginário desta autora a ideia de que um daqueles ali expostos fosse de Rolan,
publicados pela personagem lendário, um dos 12 pares de França do exército de Carlos Magno, os
Biblioteca Nacional.
quais tombaram em batalha contra os mouros no desfiladeiro de Roncesvales, nos
Acompanharam,
ainda, sua coleção Pirineus, no ano de 778.
de folhetos, xilos, Aquela visita a Roncesvalles despertou nesta autora a vontade de adquirir livros,
matrizes, álbuns,
inclusive obras raras de autores consagrados, os quais se dedicaram aos estu-
inclusive do Mestre
Noza e de outros dos dos romances de cavalaria, obras encontradas nas livrarias da Espanha e de
poetas. Acompanhou, Portugal, guardando estórias que permaneceram na memória oral, vindo a inspirar
ainda, um álbum
nossos poetas nordestinos.17
ilustrado pelo
consagrado pintor BOSI (2003: 15) diz:
Aldemir Martins.

A memória oral é um instrumento precioso se desejamos construir a crônica do coti-


diano. [...] “A história, que se apoia unicamente em documentos oficiais, não pode dar
conta das paixões individuais que se escondem atrás dos episódios”. [...] A memoria oral,
longe da unilateralidade para a qual tendem certas instituições, faz intervir pontos de
vista contraditórios, pelo menos distintos entre eles, e aí se encontra a sua maior riqueza.
“Ela não pode atingir uma teoria da história, nem pretender tal fato: ela ilustra o que cha-

170 5 Juazeiro do Norte, chão sagrado


mamos hoje a História das Mentalidades, a História das Sensibilidades.”

NASCIMENTO (2006) assim diz: “Tradição oral, registro e recriação constituem um


modelo dinâmico, capaz de vivificar antigos temas tradicionais através de novas
roupagens e de novos significados”.
Pois, retomo dona “Sancha da cantiga de roda, coberta de ouro e prata” acima
citada e a recomponho naquele cenário da Sala Capitular, onde vislumbrei, em már-
more branco, as tumbas já referidas e de onde avistei a uns 50 passos, ostentado
em um nicho, o busto de Nossa Senhora e Menino Jesus em ourivesaria, do qual me
aproximei para admirar a joia que tinha à frente, aquela narrada na cantiga de roda
de minha infância.
O fato de imaginarmos que o tema da cantiga de roda tivesse chegado ao Brasil
via colonos portugueses abre caminho para indagações, visto a presença de Dona
Sancha, personagem espanhol. Porém esclarece esse pormenor VIQUEIRA (1954:
245):

La presencia espaniola en el Romancero portugues es de una intensidad tal, que casi no


se concibe este sin la existencia de aquella. Talvez pudiera parecer excessivamente exa–
gerada para, muchos portugueses la afirmacion de Menendez Pelayo, admitiendo que, si
en arte y literatura no hubo fronteras entre, Portugal y Castilla hasta el siglo xvIII, habria
que estimar el romancero portugues como un apendice valiosisimo del.

5.4 CARLOS MAGNO NA POESIA DOS TROVADORES NORDESTINOS

Os feitos de Carlos Magno, narrados em versos, foram inspirados nos capítulos


de livro que muito circulou pelo nordeste brasileiro desde os tempos coloniais:

5 Juazeiro do Norte, chão sagrado 171


18 S/a, São Paulo, História do Imperador Carlos Magno e os Pares de França18, de autor anônimo,
Fittipaldi Editora; s/d.
segundo o exemplar no qual nos baseamos para estes escritos. Segundo MACEDO
(2008), foi esse livro baseado na obra divulgada na Espanha em 1525, de Nicolau de
Piemonte, o qual escreveu

[...] a Historia del Emperador Carlomagno y de los Pares de Francia, y de la cruda batalla que
hubo Oliveiros com Fierabras, Rey de Alexandria, hijo del grande Almirante Balan, a partir
da tradução de uma obra francesa anterior. [...]

Segundo MACEDO (2008), o livro de Nicolau de Piemonte teve ampla aceitação,


até ser adaptado pelo português Jerônimo Moreira de Carvalho, entre 1728 e 1737,
e depois ampliado por escritor anônimo. No Brasil, recebeu diversas versões e
cópias impressas desde o século XIX. Ao que tudo indica, a temática das cavalhadas
encontra-se inscrita justamente em sua segunda parte. É nela que se pode ler o
confronto entre os exércitos franco e mouro (ou turco), seguido da batalha entre
Oliveiros (Olivério) e Ferrabrás, filho do almirante Balão, que é derrotado e obrigado
a se converter.

5.4.1 O poema O bálsamo de Ferrabrás


Exatamente nessa parte do livro que nos fixamos para desenvolver o presente texto
O bálsamo de Ferrabrás, lembrando, segundo o autor acima, o destemido turco
Ferrabrás,

procurando um rei para pelejar. Sabendo que corria pela Europa a fama de Carlos Magno
e seus doze pares, como valentes guerreiros, com insultos e menosprezo propõe ao
imperador um desafio para pôr a prova quem era o mais forte, pois julgava capaz de, sozi-
nho, ir contra um exército francês.

172 5 Juazeiro do Norte, chão sagrado


O poema narra a apreensão do bálsamo milagroso que estava em poder de Ferrabrás 19 Publicado na
Revista do Instituto
e o uso que fez dele Oliveiros, curando-se e vencendo a batalha com o mouro,
Histórico de Goiás,
tema esse que permitiu a esta autora a elaboração do texto O bálsamo de Ferabrás, ano 10 n. 10, 1982
como está em CAMARGO (1982: 121)19, que aqui retomamos, procurando interpretar 20 Grand
Dictionnaire Universel
o papel de tal bálsamo – “Baume de fier-á-bras, baume légendaire et merveilleux,
du XIX siècle: 393..
fameaux dans les romances de chevalerie et que avait le vertu de guérir toutes les
blessures. Don Quichotte L’ínvoque, à chaque norion qu’il a reçu”.20 Destaca esta
autora, citando CARMO (1947: 281), que, na Idade Média,

[...] no Império de Carlos Magno, uma das célebres Capitulares, a denominada De Villis,
se ocupava dos problemas agrícolas e regulamentava o plantio de plantas medicinais.
Dentre as plantas das quais Carlos Magno se ocupou e apregoou as virtudes, estava a
Sempervivum tectorum L. da família Crassulaceae, uma planta que chamou sua atenção,
não só pelas suas propriedades medicinais, como também pelo seu poder de evitar raios,
quando plantadas sobre as coberturas das casas.

5.4.1.1 As plantas na composição do Bálsamo de Ferrabrás


Segundo QUER (1978: 20, 300), “Carlos Magno llego a ordenar que se plantara
en los tejados de las casas de labor de las fincas imperiales”. Deram-lhe o nome
de “joubarbe”, ou barba-de-júpiter, nome pelo qual essa espécie botânica é hoje
conhecida na França, acrescentando esse autor que há cerca de 1.300 espécies da
família Crassulaceae espalhadas no globo.
No Brasil, por não existir a espécie recomendada por Carlos Magno, outras da
mesma família botânica ocupam lugar de destaque na medicina popular, devido a
suas propriedades balsâmicas. São conhecidas popularmente por: saião, folha-
de-fortuna, folha-da-costa e bálsamo, tratando-se de espécies botânicas da
família Crassulaceae.

5 Juazeiro do Norte, chão sagrado 173


Segundo JOLY (1976: 356), 30 gêneros de Crassulaceae estão distribuídos pela
África do Sul, Mediterrâneo e México. Informa o autor serem raros os represen-
tantes nativos no Brasil, onde as espécies cultivadas são: Sedum (dedo-de-moça),
(brilhantina), Kalachoe bryophyllum (fortuna), folha-de-fortuna), Echeveria e
Crassula. RIZZINI e MORS (1976: 87) citam, ainda, a espécie Bryophyllum calycimum,
uma erva suculenta muito difundida no Brasil como subespontânea e ruderal, às
vezes cultivada.
Aproveitamos para fazer uma correção referente à espécie Bryophyllum
tubiflorum, como está em CAMARGO (1999: 52), pois ela não foi coletada por W.
Hoehne, mas, sim, em São Paulo, em 1934, por Frederico Carlos Hoehne, ou melhor,
F. C. Hoehne, como ele gostava que constasse de suas publicações. A referida
espécie compreendeu uma doação do Herbário do Departamento de Botânica do
Instituto de Biociências da USP, a fim de, integrá-la à coleção do recém-criado por
esta autora Herbário Etnofarmacobotânico, em 1998, junto ao Centro de Estudos
da Religião Douglas Teixeira Monteiro – USP/PUCSP, sediado na Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

5.4.1.2 A espécie brasileira do gênero Kalanchoe


Já foi constatada uma espécie nativa de Kalanchoe no Ceará, compreendendo a
espécie Kalanchoe brasiliensis Cambess, (Courama). Esta a espécie coletada entre
os índios Tapebas no distrito de Aratema, no Município de Assaré, Ceará, e identi-
ficada no Herbário Prisco Bezerra, da Universidade Estadual do Ceará. Segundo os
dados coletados sobre o uso dessa espécie botânica, assim se expressam BERGMAN
et al. (1992):

[...] Tem largo uso popular no tratamento de furúnculos. Por via oral, o sumo é usado
puro nos casos de inflamações ovarianas e uterinas ou misturado com malvarisco ou

174 5 Juazeiro do Norte, chão sagrado


outras plantas, na preparação de xaropes para tosse. Estudos químicos determinaram a
presença de vários esteróis (AKIHISA et al., 1991), sendo comprovada sua atividade imu-
nomoduladora, antiinflamatória (IBRAHIM et al., 2002), além de uma ação leishimanicida
potencialmente útil contra Leishmaniose cutânea.

Todavia, vale dizermos que a região Nordeste, em que se encontra o Geopark


Araripe, CE, onde concentramos nossas pesquisas, guarda tradições médico-
terapêuticas de cunho popular, em que preparados à base de plantas da região
fazem parte de produtos balsâmicos, a exemplo do óleo de pequi, planta nativa
da Chapada do Araripe. Citamos, por exemplo, o Bálsamo da vida, cuja fórmula,
segundo nos informaram, teria sido ensinada por Padre Cícero e, como se observa,
um produto de manipulação em laboratório, incluindo espécies exóticas, cuja
fórmula compreende:

Tintura de matricária
Tintura de genciana
Tintura de jaborandi
Tintura de carnaúba
Tintura de casca de laranja
Caramelo
Água destilada

5.4.2 O Bálsamo de Ferrabraz em Leandro Gomes de Barros


Vejamos como o poeta cordelista Leandro Gomes de Barros colocou na poesia
O básamo de Ferrabrás o episódio em que Oliveiros recusa a oferta do Bálsamo
oferecido por Ferrabrás, decidido a tomá-lo pela força (CAMARGO: 1982: 122):

5 Juazeiro do Norte, chão sagrado 175


Estou com a vida arriscada
Sei do poder que ele tem
Porém só me sirvo dele
Tomando-o pela espada:
E deu uma cutilada
Que desceu arnéis e tudo,
E dando outra a miúdo,
A Ferrabrás ofendeu
O céu o favoreceu
Um revez escapoliu
O bálsamo dele caiu
E Oliveiros bebeu
Assim, Oliveiros se curou
Viu Oliveiros curado
De todas suas feridas.

Mas, ao analisarmos aquelas narrativas europeias recriadas no Brasil, tal como estão
nos folhetos de cordel e particularmente no poema de Leandro Gomes de Barros,
nos parece uma adaptação das narrativas do livro de Carlos Magno e os doze Pares
de França, que circulou pelo Brasil desde antanho.
Nas edições de 1909, 1913, e 1920, segundo a Literatura popular em verso –
Antologia Tomo II: 152, 197, 250), lê-se:

Eu tenho o bálsamo sagrado


Com que teu Deus foi ungido,
Bebe-o porque estás ferido
Bebendo ficas curado.

176 5 Juazeiro do Norte, chão sagrado


Comparando esses versos com o texto narrado no livro História de Carlos Magno e
dos Pares de França, verifica-se que o poeta aproveitou quase as mesmas palavras
para narrar esse episódio: “[...] e deste bálsamo foi teu Deus ungido e embalsamado,
quando o desceram da cruz e foi posto no sepulcro; bebe-o que logo sararás de
todas as feridas e ficarás com as tuas forças dobradas”.
Todavia, admitimos que o fato de o poeta narrar o episódio tal qual está no livro
que o inspirou pode ser entendido como procedimento que já coadunava com seu
papel, enquanto divulgador de notícias junto às comunidades com as quais convivia,
tal como desde os áureos tempos quando os folhetos de cordel começaram circular
na colônia portuguesa. Pois as estórias narradas e as notícias eram repassadas
publicamente, a partir de quem as escrevia ou daqueles encarregados de divulgá-
las, ou seja, por quem soubesse ler. Lembremos que o analfabetismo pelo sertão
nordestino em tempos idos era um fato real.
Com relação ao Bálsamo de Ferrabrás, propriamente dito, segundo GRAND
LAROUSSE (1961: 1004), foi preparado no século XVI por Hervé Fierabrás, cirurgião,
charlatão que em 1550 publicou Methode brief et facile de garder la santé, d’éviter
la malade avec aucuns de l´âme, non encorre ruis en Lumière, segundo o Grand
Dictionnaire Universel du XIXe Siècle, Paris, LAROUSSE ET BOYER (1867: 393). Nesse
dicionário menciona-se o lendário Bálsamo de Ferrabrás, famoso nos romances de
cavalaria e que Cervantes evoca em sua obra Don Quixote de la Mancha.
Porém as narrativas são imaginadas, embora muitas vezes vivenciadas como
quando da realização dos folguedos nordestinos, narrando a guerra entre mouros e
cristãos, cujos personagens são representados pelo sertanejo das localidades onde
o ocorre o evento. São reais, também, tais vivências ao referirmo-nos aos bálsa-
mos usuais pelos sertões, tal como atestado em versos, e que, por analogia, eram
empregados tal como está no poema medieval, ou seja, durante as batalhas, quando
ocorriam contusões, ferimentos etc. Historicamente importante foi a batalha na

5 Juazeiro do Norte, chão sagrado 177


qual tombaram os doze Pares de França guiados por Rolando, quando no ano de 778
o exército de Carlos Magno, retornando à França pelo desfiladeiro de Roncesvalles,
foi pego pela retaguarda pelos bascos do norte da Espanha. Esse foi o episódio que
inspirou cantores e poetas populares que poetizaram os capítulos do livro História
de Carlos Magno e dos doze Pares de França, como: A prisão de Oliveiros, Batalha de
Carlos Magno com Malaco, rei de Fez, O cavaleiro Roldão, Roldão e o Leão de Ouro,
Traição de Gala e a morte dos doze Pares de França.

5.5 JUAZEIRO – ÁRVORE SAGRADA

Segundo informantes, teria sido sob os juazeiros que Padre Cícero descansou
quando foi do Crato para a cidade de Juazeiro, ainda pequeno povoado. Uma das
características dessa árvore é o fato de não perder as folhas no período de seca,
mostrando-se sempre frondosa.
A tradição popular guarda estórias em torno da árvore, a exemplo do exemplar
já bastante alterado, com seu tronco contorcido pelos anos, que vemos na Praça
Padre Cícero, como nos conta CARVALHO (1999: 21).
O autor acima comenta que o juazeiro foi plantado nos anos de 1940, na primeira
grande reforma da Praça Coronel Alexandrino, depois Praça Padre Cícero.
O juazeiro veio por conta de uma remodelação da praça, na qual ganhou can-
teiros no modelo francês e piso de pedra cariri. Depois de plantado o juazeiro
observaram que a árvore não tinha espinhos, o que deve ter contribuído para refor-
çar o seu caráter mítico.

5.6 PADRE CÍCERO EM JUAZEIRO

Juazeiro do Norte situa-se em uma região de caatinga sob o jugo das intempéries

178 5 Juazeiro do Norte, chão sagrado


sazonais, com destaque para os longos períodos de estiagem. Trata-se de área de
múltiplas carências, em pleno semiárido cearense, onde, num passado não muito
distante, Padre Cícero espalhou suas benesses entre os sertanejos, cumprindo,
segundo conta a história gravada na memória coletiva, a missão que lhe fora suge-
rida em sonho quando Jesus cercado de seus apóstolos vai em direção a Cícero e diz:

Tenho empregado todos os meios para salvar o mundo. Meu sangue, entretanto, vai
ficando inútil para a maior parte, porque os homens não querem saber a verdade. Tentei
agora um supremo esforço de minha misericórdia: a devoção universal que traz o nome
de meu coração. E se o mundo desdenhar este novo apelo de meu amor, eu destruirei o
mundo.
Voltando para Cícero, indaga:
Você, Cícero está vendo aquela gente lá fora? Tome conta deste pobre povo e fique aqui
cuidando de sua salvação (CASIMIRO, 2012: 10).

Assim diz LIRA NETO (s/d):

Padre Ibiapina serviu de modelo para a prática pastoral de Padre Cícero, recrutando
homens e mulheres das camadas mais pobres, a fim de fundar a ordem religiosa dos
beatos e beatas à margem da igreja oficial, vestindo-as com o hábito característico: uma
túnica escura, comprida até os pés, saindo pedindo esmola para ajudar os necessitados,
pregando o Evangelho e cuidando da celebração de novenas e terços.

Padre Cícero Romão Batista, tendo sucedido ao Padre Ibiapina, imprimiu em seu
trabalho pastoral características próprias, porém abrindo espaço para a continui-
dade das tradições de práticas religiosas desenvolvidas pelos beatos e penitentes,
sendo que os primeiros foram figuras que deixaram marcas indeléveis na religio-

5 Juazeiro do Norte, chão sagrado 179


sidade do sertão cearense. Compreendia “uma sociedade de piedosas mulheres,
fundada pelo Pe. Ibiapina, que se dispuseram a praticar conselhos evangélicos de
castidade, pobreza e obediência” (PINHEIRO, 2009: 5). As “beatas” do Pe. Cícero,
porém, continuavam a tradição de Ibiapina. Fanatizadas pela pessoa e obra desse
padre, renunciavam a tudo e, em sua indumentária própria, seguiam o padre mestre
como servas nas viagens e missões.
Assim, conforme diz OLIVEIRA (2014:/ 17), a expansão da cidade de Juazeiro teve
como principal agente Padre Cícero, “a partir do milagre de Juazeiro em 1889, ali-
mentado pela crença popular e pela falta da romanização nos sertões, milagre a ele
atribuído”. O autor acima faz referência a documentos antigos que retratam a vida
e a cultura de Juazeiro, a exemplo de ODÍSIO, que deixou Memórias sobre Juazeiro
do Norte do Padre Cícero (1935), obra conservada no Museu do Ceará em Caucaia.
Outro evento protagonizado por Padre Cícero na antiga Joazeiro, hoje Juazeiro
do Norte, foi o alegado milagre da transformação da hóstia em sangue, no momento
em que dava comunhão à beata Maria de Araújo. Esse fato ocorreu no final do
século XIX e lhe trouxe muitos dissabores, envolvendo-o em processo acusató-
rio de embuste e levando-o a Roma a chamado do cardeal. Submetido ao Tribunal
do Santo Ofício e retornado a Juazeiro, foi ali impedido de exercer as atividades
sacerdotais por ordem do então bispo Dom Joaquim José Vieira, que o acusou de
desobediente e de ensinar a doutrina contra a Igreja. Todavia, mesmo não exercendo
ofícios sacerdotais, permaneceu naquela cidade ao lado daquele povo apontado por
Jesus em sonho. Os dissabores por que passou foram relatados por ele 25 anos
após os fatos ocorridos, conforme carta enviada ao seu amigo Padre Constantino
Augusto, em 23 de outubro de 1914. Os trechos expostos abaixo obedeceram ao
rigor da transcrição paleográfica, acompanhando o critério adotado pelo organiza-
dor do projeto da grandiosa obra acima referida, como abaixo reproduzimos.

180 5 Juazeiro do Norte, chão sagrado


[...] Há uns 25 annos (1889) na quaresma desse ano, era eu capellão aqui, pequena
povoação (hoje cidade) onde me havia dedicado a uma missão. Continuava somente
esforçando-me para salvar almas e reformar os costumes semi-bárbaros desses sertões
[...] Tinha sempre na modesta Capella que aqui edifiquei 6, 8, 10 padres e nunca esgotava
em cada dia o número de pessoas que de todas as classes vinham santificar-se, fazer
romaria de devoção e piedade christã a Santíssima Virgem das Dores [...] pois vinha gente
de quase todos os Estados vizinhos. [...] Digo-lhe essas coisas para fazer uma ideia dos
acontecimentos e da grande questão que se levantou e que ainda dura. Uma verdadeira
perseguição. Entre as almas piedosas que aqui havia, em uma delas aconteceram
fenômenos extraordinários. Na primeira sexta-feira de março da Trecho transcrito de
[...] em uma festa e comunhão geral da Irmandade do Coração de Jesus instituída aqui,
ella comungando a Sagrada partícula, logo que recebeu, ella estática, a sagrada Partícula
se transformou em sangue em tanta quantidade que correu pela toalha da comunhão,
cahindo algum desse sangue no chão. Foi visto por muitos e ella continuou estática ainda
por algum pedaço de tempo. [...] Tomei a toalha, purificando o lugar onde tinha cahido
o sangue e guardei a toalha para não ser vista e evitar celeuma. [...] Três médicos e um
farmacêutico distinctos do Crato, todos viram e examinaram com o maior escrúpulo e
consciência afirmando a verdade do facto. [...] E eu não tenho o que fazer senão sofrer e
suportar o mar de mentiras, injurias e calúnias e somente contentar-me, como eu disse
ao Santo padre Leão XIII que de consciência, como a Deus, lhe afirmava que contra mim
se tinham calúnias, injuria, pois que nunca pratiquei e nem fiz coisa alguma de irregular
e criminosa, nem contra a lei de Deus e da Igreja na minha vida, máxime depois de padre.
[...] eu já velho como estou, me conformo e não me incomodo mais com as injustiças do
mundo. Tudo fica ai e nós vamos como Deus vê que somos. [..] Desponha de seu amigo e
irmão em Jesus Cristo. Padre Cícero Romão Baptista.

Em dezembro de 1893, o antigo Juazeiro foi colocado sob interdito parcial, visto que

5 Juazeiro do Norte, chão sagrado 181


nenhum ato religioso poderia ocorrer na capela do povoado, pois não teria vali-
dade, como se fosse para punir toda aquela gente. Mas tal era a disposição do povo
que sua união garantiu a continuidade do apoio e proteção a Padre Cícero.
Em 31 de julho de 1894, sai o veredito do Vaticano condenando o “milagre tido
como gravíssima e detestável irreverência e ímpio abuso à santíssima eucaristia”
(DELLA CAVA, 1976: 74).

Com esse veredito por ordem do bispo Dom Joaquim mandou-se esvaziar Joazeiro como
centro de peregrinações: todos os escritos, fotos e medalhas vinculadas ao “milagre”
deveriam ser queimados, suspensos os poderes de defenderem o “milagre”, privação dos
sacramentos para os fiéis que fossem a favor do Pe. Cícero. As massas ignoraram aquelas
ordens e mantiveram as procissões. Em abril de 1896, D. Joaquim proibiu Padre Cícero de
celebrar missa, “última prerrogativa que lhe cabia”.

O testemunho acima, sem dúvida, conduz a uma revisão histórico-eclesial, como


diz CASIMIRO (2012: 15) no texto introdutório da grandiosa obra em dois volumes
por ele organizada Padre Cícero Romão Baptista e os fatos do Joazeiro. A questão
Religiosa, na qual destaca que os primeiros 18 anos da dedicação pastoral de Padre
Cícero “foram marcados por sofrimentos e alegrias vividas na pobreza franciscana
de parcos recursos da agricultura familiar de subsistência, ao sabor de inclemên-
cias climáticas pelos períodos de seca, destacando os anos de 1877 e 1878”.

5.6.1 As romarias a Juazeiro do Norte


Desde 1894 há romarias a Juazeiro, as quais, no princípio, eram motivadas pelo
milagre da hóstia, mas, também, para ali os romeiros se fixarem, onde “saberem
poderem orar e trabalhar – terra de Padre Cícero, a Nova Jerusalém” (DANTAS,
2012, v. 2: 79), período em que se inicia o êxodo rumo àquela cidade, como fuga da

182 5 Juazeiro do Norte, chão sagrado


miséria, da fome e das epidemias que assolavam o sertão daquelas paragens.
Sobre as romarias de Juazeiro do Norte, diz BRAGA (2014: 198):

[...] as romarias de Juazeiro são fenômenos complexos, com um leque expressivo de con-
figurações e de sentidos, com sujeitos e agentes de diferentes tipos que a realizam e a
constroem enquanto tal. Romeiros, clero, moradores de Juazeiro, políticos e comercian-
tes. São muitos aqueles que são partes constitutivas e constituintes desse fenômeno. E
mesmo se focarmos apenas nos romeiros, podemos constatar que esse é um grupo com-
plexo e diversificado quando observado de dentro.

Como diz PINHEIRO (2009: 15),

“para o romeiro Juazeiro do Norte é o lugar da esperança. Lá é possível transformar as


tristezas em alegrias. Por isso, o romeiro interrompe os seus ‘afazeres’ para reabastecer-se
das graças contidas ali”.

O Horto, para onde se dirigem os romeiros em suas peregrinações, situa-se no


alto da Serra do Catolé, próxima da cidade poucos quilômetros. Lá, Padre Cícero
costumava se refugiar para suas meditações e era para onde se dirigia aquele que o
procurava para, num contato pessoal, abrir seu coração.
O autor acima constata fato importante com relação ao ato sacrificial da subida
do Horto pelos romeiros ao verificar que, já no início do século XXI, eram poucos os
romeiros que subiam a pé. Uns iam em conduções próprias ou das próprias roma-
rias, como carro caminhão, ônibus ou mesmo transporte público local, deixando
a cidade por volta de oito horas da manhã, enquanto os que fazem a caminhada a
pé, saem em grupos ainda de madrugada. Essa madrugada é analisada por BRAGA
(2014: 204) de forma bastante coerente com o espírito das romarias, possivelmente

5 Juazeiro do Norte, chão sagrado 183


tal como propõem, no íntimo, os próprios romeiros imbuídos da ideia de vivenciar
o sagrado neles próprios, aproveitando o silêncio, a escuridão, levando-os a expe-
rimentar um estado de elevação espiritual. Há um provérbio sânscrito que diz: “Os
lugares santos de peregrinação ficaram santos pelas visitas dos homens que reali-
zaram Deus.” (VIJOYANADA, 1961: 93).
“O homem toma conhecimento do Sagrado porque este se manifesta, se mostra
como algo absolutamente diferente do profano”, diz ELIADE (1986: 17), propondo,
ainda, “o termo hierofania como indicativo de algo de sagrado se nos revela”. Segundo
ELIADE, as hierofanias fazem parte da história das religiões, desde as mais primi-
tivas às mais elaboradas, a exemplo das manifestações do sagrado em um objeto,
como em uma pedra, em uma árvore etc., “até a hierofania suprema que é, para
um cristão, a encarnação de Deus em Jesus Cristo”. Citamos um exemplo bastante
atual, já por nós bastante estudado e registrado em nossos escritos, qual seja, as
plantas rituais, o elemento primordial nas religiões de origem e influência africana –
Umbanda e Candomblé – em que as plantas estão presentes em todos os momentos
da vida religiosa, como diz VERGER (1995): Kosi ewe Kosi orisà, que quer dizer: sem
folha não há Orixá. Nesses contextos religiosos as folhas, como são assim tratadas
as plantas rituais, passam a ser seres sagrados desde o momento em que são desta-
cadas de seu habitat natural – o mato, a floresta – para assumirem seus papéis nos
espaços sagrados que lhes são reservados em seus próprios ambientes religiosos e
quando as divindades se manifestam no cavalo de santo, nos rituais afro-brasileiros
já mencionados, momento das incorporações por meio de transes cinéticos de pos-
sessão. Há, ainda, o êxtase estático dos místicos, como conta a história das religiões.

5.6.2 O romeiro de Juazeiro do Norte


Pois lá vai o romeiro em seu caminhar penitencial seguindo em direção ao Horto de
Padre Cícero e, por fim, tomando o “caminho do Santo Sepulcro”, como se estivesse

184 5 Juazeiro do Norte, chão sagrado


emprestando seu corpo para, numa linguagem muda, expressar sua gratidão àquele
padre santo pela cura alcançada.
Segundo PEREIRA (2003: 68),

o corpo possui uma linguagem não verbal, expressa por meio da devoção popular, qual
o entendimento popular da devoção na linguagem verbal comum? A linguagem comum
entende por devoção “o ato de dedicar-se ou consagrar-se a alguém ou à divindade [...].
Um sentimento religioso, o culto, prática religiosa, enfim, uma dedicação íntima, uma
afeição, afeto, a um objeto especial de veneração.”

O autor acima, sobre o sacrifício, diz “o que se impõe ao romeiro”, e cita SANTA
ANNA (1991), “advertindo sobre a importância de se fazer uma distinção entre o
sacrifício imposto e o sacrifício que corresponde a uma disposição de amor”, e repe-
tindo o que diz FERRARO (1993) confirma que “o primeiro é vitimário e o segundo
é martirial”. O primeiro preserva a iniquidade do sistema e o segundo tem uma
dimensão redentora.
PEREIRA (2003: 73), citado acima, coloca em destaque o sacrifício martirial
enquanto dimensão de sacrifício.

O sacrifício como o privar o corpo de algo em detrimento de um bem maior. Isso, tendo
em vista que o sacrifício pertence ao âmbito do sagrado. Sacrifica-se para uma divindade,
ou seja, o sacrifício tem a função mediadora entre aquele que se sacrifica e a divindade
à qual o sacrifício é oferecido. Seja uma oferenda ou um ato de penitência, ou mesmo a
imolação de uma vítima (ritual comum dos povos antigos e que ainda hoje permanece
vivo em algumas culturas), o sacrifício como um donativo, um bem simbólico oferecido
à divindade.

5 Juazeiro do Norte, chão sagrado 185


Como diz o autor acima, o bem oferecido é o próprio corpo da pessoa, doado por
meio de atitudes que expressam uma linguagem que tem a função de comunicar
algo ao santo.
Sem dúvida é uma atitude sacrifical esse uso do próprio corpo seguindo em
direção aos espaços sagrados daquela cidade para alcançar graças ou agradecer por
elas, agradecimentos simbolizados por meio de ex-votos depositados nos locais ali
determinados.
Conforme PEREIRA (2003: 75),

[...] um sacrifício voluntário que chega a ser prazeroso, tendo em vista suas motivações.
Essas formas “sacrificiais” de manifestação de fé, dentro ou fora dos espaços sagrados,
fazem parte do que classificaremos como “devoção sacrificial” que tem estreita relação,
ou relação direta com o corpo do devoto. O corpo recebe e responde aos apelos apli-
cados pelos rituais da devoção, desenvolvendo uma comunicação entre o imanente e o
transcendente.

Continuamos com o autor acima, citando IDÍGORAS, no Vocabulário Teológico para


a América Latina (1983: 438). Para complementar a ideia do sacrifício como lingua-
gem corporal, ficamos também com a definição genérica do vocabulário teológico,
que nos ajuda a entender melhor o conceito de sacrifício e sua relação com o corpo
daquele que o oferece:

embora a palavra “sacrifício” pertença ao âmbito do religioso – significando tornar uma


coisa sagrada por meio de uma oferenda – ela expressa uma realidade humana muito
profunda, que foi o que deu lugar à interpretação religiosa.

Os ritos sacrificiais envolvendo o corpo estão no caminhar romeiro por longos tra-

186 5 Juazeiro do Norte, chão sagrado


jetos carregando pesadas cruzes, subindo ladeira de joelhos, carregando imagem
do santo de devoção, assim como passando noites em vigília resistindo ao sono ou
outras formas de “colocar o corpo nos limites da resistência humana”. “[...] O corpo
recebe e responde aos apelos aplicados pelos rituais da devoção, desenvolvendo
uma comunicação entre o imanente e o transcendente” (PEREIRA, 2003: 77).
Todavia, dentro dessas reflexões, vale aqui incluirmos a Antropologia Clínica, na
visão de QUINTANA (1999: 44, 173), sobre o corpo social, lembrando que esse autor
tratou de curas na medicina popular a partir da benzedura:

Não podemos, pois, pensar em um corpo puramente orgânico. O corpo, da mesma forma
que qualquer outro objeto, somente adquire existência para o ser humano quando faz
parte de um conjunto de representações e, desta forma, constitui-se ele mesmo uma
representação simbólica, citando MENDEZ e MENDES (1994). Assim, para o homem
não existe um organismo biológico, e sim um corpo simbólico, socialmente construído.
Portanto, torna-se impossível apartar um corpo biológico dessa representação, pois fora
dela não existe corpo algum. [...] Por pertencer a esse sistema de representações simbó-
licas, o corpo fala. De fato, ele pode ser visto como um signo através do qual se veiculam
determinadas mensagens.

Outra colocação importante de QUINTANA, citando MOSCOVICI (1978), no campo


da psicanálise, está em atribuir o êxito das terapêuticas no ambiente médico popu-
lar “aos processos da fala, pois a palavra não teria somente a função de conhecer ou
explicitar um diagnóstico, ela é a própria ação”.
Importante, porém, é ouvirmos o que diz a própria Igreja, nas palavras de PANICO
(2009: 47), enquanto bispo da Diocese do Crato, CE, citando BARRETO (1981: 3),
vigário de Juazeiro o Norte por 47 anos, quando este, referindo-se à romarias e aos
romeiros, assim diz:

5 Juazeiro do Norte, chão sagrado 187


21 VI-STRAUSS. Em suas romarias, os romeiros vivem a totalidade e a inteireza do seu ser, sem dicoto-
Trata-se de ritual em
mia. A afetividade, as emoções, os pensamentos, a memória estão em relação profunda e
que Nele (xamã) busca
ajudar um parto difícil, dialética com os sentidos corporais. Na romaria estão envolvidos o corpo, o psiquismo, o
por meio de alguns espírito, a memória, os sentidos, os sentimentos, as emoções, o afeto, a razão, a alegria, a
procedimentos, entre
esperança, a tristeza, o amor, a decepção, a angústia, a fé. Sendo seres humanos, somos
eles o canto, pelo qual
vai descrevendo os chamados a vivenciar nosso corpo e todo o nosso ser em sua dimensão espiritual. Somos
preparativos para o chamados a dançar, escrever, comer e beber, orar e celebrar, não “fora do corpo”, mas “no
processo de ritua-
corpo, deixando que as energias psíquicas e espirituais (a alma!), brotando do corpo, nos
lização, envolvendo
fumigação levem a expressar e experienciar o intangível, o invisível, o inominável, a presença escon-
dida, o mistério”. “Fora do corpo” deixamos de ser gente e arriscamos de desencontrar
d’Aquele que se fez “corpo”, se fez “carne”, se fez “história” para se encontrar conosco e
nos fazer entrar no mistério da comunhão.

Sobre o romeiro e as romarias de Juazeiro do Norte, diz, ainda, DUMOULIN, dou-


tora em Psicologia e coordenadora da Pastoral da Romaria em Juazeiro do Norte e
dos trabalhos do Centro de Educação O Semeador, em entrevista para o portal de
notícias O POVO Online (2011):

A peregrinação aqui não tem nada a ver com a peregrinação de Aparecida do Norte.
Se a gente quer imitar a organização de Aparecida, mata a originalidade do romeiro de
Juazeiro. Mata uma experiência de umas dezenas de anos onde o romeiro foi o prota-
gonista da sua romaria. [...] Não é o bispo nem o padre nem o papa que mandam. Pelo
contrário.21

Por fim, com base na fisiologia da emoção em seus componentes físico, psicológico,
social e religioso, buscamos entender, explicar e dar sentido ao caminhar peniten-
cial do romeiro em direção ao Horto de Padre Cícero em Juazeiro do Norte. Aquele

188 5 Juazeiro do Norte, chão sagrado


que empresta o corpo a fim de render graças àquele padre santo por cura alcançada
leva-nos a uma interpretação do sentir-se curado, não decorrente apenas de efi-
cácia simbólica. Assim se supunha ao tempo de Lévi-Strauss, na primeira metade
do século passado, influenciando seus seguidores, assunto amplamente discutido
na parte Parte 5. Tempo aquele em que as Ciências Biológicas já caminhavam pelas
veredas da botânica médica buscando explicar os princípios ativos embutidos nas
plantas em suas atividades farmacológicas. Hoje, todavia, vivemos outros tempos,
razão de revermos conceitos antigos.

5.7 AS CURAS MÁGICO-RELIGIOSAS

Curas designadas como mágico-religiosas decorrentes de eficácia simbólica por


ocorrerem em contextos religiosos foram propostas pela primeira vez, se não nos
enganamos, pelo antropólogo LÉVI-STRAUSS (1975: 215-6) em sua Antropologia
estrutural, a qual sugere reflexões cabíveis, tendo em vista a constância de plantas
de atividades farmacológicas presentes em rituais de cura, seja qual for o sistema
de crença envolvido, a exemplo dos casos mencionados na obra acima referida do
eminente antropólogo. Neste sentido, lembramos a fumaça do “cacau” (Theobroma
cacao L. Sterculiaceae) num ritual de encantamento entre os Cuna, no Panamá, des-
crito por LÉcom a queima de favas de “cacau”, invocações e confecções de “imagens
sagradas esculpidas nas essências prescritas que lhes dão a eficácia”, representando
espíritos protetores, os quais vão em busca de Muu, responsável pela formação
do feto, admitindo-se que o parto difícil deve-se a Muu ter se apoderado da alma
da futura mãe. O canto refere-se à busca da alma perdida que, depois de muitas
peripécias, Muu liberta. Não se trata de combate contra Muu, indispensável na pro-
criação, mas contra seus abusos, criando situações de partos difíceis.
LÉVI-STRAUSS, na passagem descrita, comenta que o poder de Nele (xamã) é

5 Juazeiro do Norte, chão sagrado 189


considerado inato, admitindo que a cura não exige do oficiante um êxtase ou uma
passagem a um segundo estado e que a fumaça do “cacau” tem por primeiro objeto
“fortificar suas vestimentas” e “fortificá-lo”, fazendo-o capaz de enfrentar Muu.
Para o autor da descrição acima, os procedimentos que levaram a bom resultado
para a parturiente compreenderam uma medicação puramente psicológica, visto
que o xamã não toca o corpo da doente e não lhe administra remédio. Assim conclui
LÉVI-STRAUSS: “diríamos, de bom grado, que o canto constitui uma manipulação
psicológica do órgão doente, e que a cura é esperada desta manipulação”.
Em outro momento, LÉVI-STRAUSS, ainda, em sua Antropologia Estrutural (1975:
124, 193-5), tratando da morte por conjuro ou enfeitiçamento, faz referência à obra
do neurofisiologista CANNON (1942) Voodoo’ death, na qual esse autor mostra que o
medo, assim como a cólera, faz-se acompanhar de uma atividade particularmente
intensa do sistema nervoso simpático. Este, todavia, pode se ampliar e se desor-
ganizar a tal pondo em que a morte intervenha, sem que a autópsia revele a lesão
causada. Nesse caso, LÉVI-STRAUSS, embora a argumentação de CANNON, assim
se manifesta: “Não há, pois, razão de duvidar da eficácia de certas práticas mágicas”,
admitindo que a “eficácia implica na crença da magia” em suas formas complemen-
tares. No entanto, quanto ao mesmo evento, DAVIS (1986: 36, 37, 53, 155, 157), em
A serpente e o arco-íris – Zumbis, voodu, magia negra, procura demonstrar que no
conjunto ritual de zumbificação está a planta psicoativa “estramônio” ou “figuei-
ra-do-inferno” (Datura stramônium L. Solanaceae), com seus alcaloides atropina,
escopolamina e iosciamina, de ação no Sistema Nervoso Central, denotando-se,
daí, a materialidade da farmacobotânica envolvida num processo dito mágico, não
se permitindo, assim, enquadrá-lo apenas na “eficácia simbólica”, proposta por
LÉVI-STRAUSS.
Porém LÉVI-STRAUSS, mesmo repetindo em sua Antropologia estrutural já
mencionada as palavras daquele neurofisiologista, não as considerou. Continuou,

190 5 Juazeiro do Norte, chão sagrado


pois, a se firmar em seu próprio ponto de vista ao tratar dos casos citados ocorri-
dos no Panamá, que decorreriam de eficácia simbólica, não aceitando, portanto a
exposição de CANNON, garantindo autor que as grandes emoções podem causar
alterações somáticas. Acrescentamos, ainda, o papel das plantas psicoativas pre-
sentes nos rituais descritos por aquele antropólogo, desempenhando importante
papel no ritual mencionado a partir de sua atividade no Sistema Nervoso Central.
Voltamos a afirmar nosso reconhecimento na significativa carga simbólica
envolvendo os rituais descritos por LÉVI-STRAUSS, elementos que também corro-
boram a eficácia alcançada na realização do trabalho de parto narrado, fundamental
numa interpretação antropológica e, mais particularmente, dentro da Antropologia
Clínica.
Todavia admitimos ser a expressão mágico-religiosa mais cabível ao conjunto de
procedimentos adotados pelo suplicante por cura: rezas, promessas, oblações, pe–
nitências, acender velas, benzimentos etc., interpretando-os como um ato mágico
e um ato religioso, passíveis de serem analisados separadamente, como explicitado
abaixo:
– Ato mágico, por ter em vista o imponderável universo do sobrenatural, o qual,
não existindo no concreto, crê-se existir por herança familiar, social e religiosa,
segundo idealizam os diferentes sistemas de crença aos quais a medicina popular se
vincula. Aí, onde se admite estarem entidades sacralizadas, aquelas as quais quando
solicitadas atendem seus consulentes, a partir de diferentes mecanismos de con-
tato. Tais mecanismos são, na realidade, os ritos, compreendidos de um variável
conjunto de procedimentos por meio dos quais se admite acionar tais entidades.
– Ato religioso, por se fundamentar nos preceitos religiosos próprios dos sistemas
de crença envolvidos. No caso da pesquisa por nós encetada na área compreendida
pelo Geopark Araripe, o catolicismo popular ali é dominante, apresentando resquí-
cios das doutrinas passadas pelas missões religiosas que atuaram nessa região e,

5 Juazeiro do Norte, chão sagrado 191


sobretudo, reminiscências jesuíticas do século XVI e XVII, como já visto na Parte 2,
em apologia às curas milagrosas pela intercessão de Jesus, Virgem Maria e santos
junto a Deus. O próprio Padre Anchieta realizou curas, como registrado por seu
biógrafo VASCONCELOS (1943) em Vida e obra do venerável José de Anchieta, assim
como Padre Ibiapina, como já referido anteriormente.

5.8 A EFICÁCIA SIMBÓLICA EM CLAUDE LÉVI-STRAUSS NA INTERPRETAÇÃO


DE CURAS EM CONTEXTOS RELIGIOSOS

A eficácia simbólica, tendo em vista a argumentação proposta por LÉVI-STRAUSS


(1975: 215-6) em sua Antropologia estrutural, a partir dos exemplos por ele apresen-
tados, conforme acima especificado, é interpretação que vem a sugerir reflexões
cabíveis, tendo em vista a presença de planta psicoativa enquanto componente no
procedimento ritual adotado pelo xamã. Nesse sentido, lembramos a fumaça do
“cacau” (Theobroma cacao L. Malvaceae, subfamília Sterculioideae) num ritual de
encantamento entre os Cuna, no Panamá, descrito por LÉVI-STRAUSS em sua obra
acima citada.
Para o autor da descrição acima, os procedimentos que levaram a bom resultado
para a parturiente compreendem uma medicação puramente psicológica, visto que
o xamã não toca o corpo da doente e não lhe administra remédio. Assim conclui
LÉVI-STRAUSS: “diríamos, de bom grado, que o canto constitui uma manipulação
psicológica do órgão doente, e que a cura é esperada desta manipulação”.
Essa argumentação do emérito antropólogo leva-nos a refletir sobre a
legitimidade de suas colocações, visto que, ao analisarmos o conjunto ritual
envolvido, encontramos elementos de ordem imaterial focados no canto e material
voltados às favas de “cacau” cremadas, cuja fumaça é inalada por todos os envolvidos
naquele momento ritualístico. Sabemos, todavia, que o “cacau” (Theobroma cacau

192 5 Juazeiro do Norte, chão sagrado


L. Sterculiaceae) é uma planta psicoativa, em cuja composição química estão dois
alcaloides: teobromina e cafeína, ambos de ação no sistema nervoso central (SNC).
O primeiro, entre outros efeitos, reduz a sonolência e a fadiga; o segundo age
como antidepressor (LEWIS; ELVIN-LEWIS, 1977: 162, 193). Com referência à fadiga,
sabe-se que um parto muito prolongado leva a parturiente à exaustão. Sendo,
porém, cremadas as favas de cacau, consequentemente, a inalação da fumaça vai
favorecer a rápida absorção pelos pulmões. Estes, intensamente vascularizados,
fazem a fumaça atingir a circulação e chegar rapidamente ao cérebro, propiciando
os efeitos da ação central a partir dos alcaloides referidos acima, vindo a favorecer
o trabalho de parto com a eliminação da fadiga. Para tal interpretação, baseamo-
nos na tese de doutorado da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade
de São Paulo de COUTO (2017): Efeito da cafeína no desempenho e na fadiga central
e periférica em diferentes modelos de exercício aeróbio de alta intensidade.
O xamã, indiretamente, propicia uma ação fisiológica à parturiente, deixando
entrever nesse episódio a materialidade do papel funcional das favas de cacau
cremadas. Esse fato certamente é complementado com o papel sacral de valor sim-
bólico, passível de diferentes interpretações, embutido na crença da magia envolvida
em toda uma simbologia inerente àquele contexto sociocultural. É preciso que se
reconheça a complementaridade entre o sacral e o funcional, declaradamente pre-
sente nos rituais xamânicos descritos acima por LÉVI-STRAUSS, ponto de vista que
defendemos ao não admitirmos que as curas em contextos religiosos da medicina
popular decorram apenas de eficácia simbólica.

5.9 CLAUDE LÉVI-STRAUSS, EM BERNER SPIES

A eficácia simbólica vem de encontro à observação que fez SPIES (2004: 16) ao
comentar Tristes Trópicos, obra daquele insigne antropólogo:

5 Juazeiro do Norte, chão sagrado 193


Ele (LÉVI-STRAUSS) parte de uma observação que comprova que o antropólogo, de um
jeito que pode ser comparado a Heráclito, é determinado pelo decurso do tempo. Um
olhar que é possível hoje não foi possível ontem e estará irrecuperavelmente perdido
amanhã. O que nós vemos hoje, tem que ter escapado àqueles que vieram antes de nós, e
aqueles que virão depois de nós verão coisas nas quais nós hoje não reparamos.

Abaixo, o que diz LÉVI-STRAUSS em Tristes Trópicos, conforme está em SPIES


(2004: 16):

[...] Em alguns séculos, um outro viajante lamentará, neste local, tão descorçoado como
eu, o desaparecimento daquilo que eu poderia ter visto e que me passou despercebido.
Vítima de uma dupla fraqueza fere-me tudo o que eu vejo e sem cessar eu me censuro
por não ver o bastante.

Eis que, certamente, LÉVI-STRAUSS não nos recriminaria se soubesse que estamos
revendo os conceitos que emitiu a partir de uma visão antropológica ao tratar de
curas mágico-religiosas, na primeira metade do século XX, pois ele, como captamos
do texto de SPIES, em seu íntimo já admitia que o antropólogo é determinado pelo
decurso do tempo. “Um olhar que é possível hoje não foi possível ontem e estará
irrecuperavelmente perdido amanhã. O que nós vemos hoje tem que ter escapado
àqueles que vieram antes de nós.”
Certamente, aquele antropólogo abriu os caminhos hoje trilhados por aqueles
que vieram depois. Mas, em seu tempo, já brilhava uma luz no horizonte das con-
quistas científicas voltadas à fisiologia da emoção e dos avanços no conhecimento
da farmacobotânica. Esses os caminhos agora por nós trilhados buscando justificar
que as curas no campo das crenças religiosas também podem ser analisadas pelo
viés da materialidade da farmacobotânica e da neurofisiologia. É nessa nossa posi-

194 5 Juazeiro do Norte, chão sagrado


ção que buscamos interpretar as curas admitidas como milagrosas e não apenas
resultantes de eficácia simbólica, embora reconheçamos o todo simbólico que as
envolve, simbologia que define o universo religioso em que as práticas de cura se
assentam.

5 Juazeiro do Norte, chão sagrado 195


6
AS PLANTAS MEDICINAIS DA CAATINGA E A
MEDICINA POPULAR

6.1 A CAATINGA PROPRIAMENTE DITA

A caatinga da qual tratamos neste livro, entendida como caatinga arbórea densa,
está localizada no Geopark Araripe, ao sul do Ceará, na porção cearense da Bacia
Sedimentar do Araripe. Sua origem remete, diretamente, aos eventos tectônicos
associados com a abertura do oceano Atlântico sul – separação das placas con-
tinentais da América do Sul e da África, antigo continente Gondwana (PONTE e
PONTE FILHO, 1996). Essa região engloba geossítios que guardam íntimas relações
entre os elementos da geodiversidade e as comunidades humanas nos processos
de sua ocupação. Tais relações estão nos elementos disponíveis de sobrevivência e
elementos culturais, os formadores da identidade das populações, em suas áreas de
ocupação (VILAS BOAS, 2012).
As áreas de caatinga o sertanejo tão bem conhece. É essa a caatinga que garante
a ele nunca perecer, caso venha a depender somente da mãe natureza. Esta, sem-

196 6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular


pre sábia, faz desenvolver transformações bioquímicas no interior das plantas, as
quais garantirão sua sobrevivência nos prolongados períodos de estiagem e, assim,
devolvendo a quem ali vive a paisagem verdejante logo após as primeiras chuvas
hibernais, que garantirão ao sertanejo a caatinga sempre viva, cujo processo é tra-
tado detalhadamente, mais adiante, a partir da obra Botânica econômica, de RIZZINI
e MORS (1976).
BASTIDE (1959: 78), em Brasil terra de contrastes, assim traça o perfil das regiões
litorânea e interiorana do Nordeste:

Não se pode imaginar contraste mais violento do que o existente entre as duas regiões.
De um lado, a terra escura, pegajosa, úmida, cravada de sulcos ou embebida de água, com
árvores frutíferas, mangueiras, laranjeiras, canaviais, rios limosos. De outro lado, um caos
de pedras cinzentas cravadas em desordem no chão de argila seca, rachado pelo sol, e
vastas extensões de areia ardente. [...] A própria religião modifica-se quando passa de
uma zona para outra. À beira-mar, eis o grande apelo místico das igrejas cintilantes de
ouro, das cabeças dos querubins alados, ou das cariátides voluptuosamente retorcidas
sob o altar dos santos. No sertão, a religião é tão trágica, tão machucada de espinhos,
tão torturada de sol quanto a paisagem; religião de cólera divina, num solo em que a seca
encena imagens do Juízo Final.

Oportuno, aqui, traçarmos linhas sobre o que dizem sobre a caatinga os botânicos
que em tempos passados voltaram suas atenções a esse bioma tão brasileiro.
Segundo PRADO (2003), em Ecologia e conservação da Caatinga, teria sido Carl
Friedrich Philipp von Martius que em 1840 criou, como referência, um mapa pro-
pondo uma divisão regional para o Brasil a partir de cinco grandes biomas: Cerrado,
Caatinga, Mata Atlântica, Selva Amazônica e Pampa.
Em 1836 George Gardner (1912-1849), de Glasgow, na Escócia, em Um botânico inglês

6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular 197


22 Revista Trimestral no Ceará, percorrendo-o a partir de Aracati, desce para o Sul, atingindo Icó, quando
do Instituto do Ceará,
assiste a uma prolongada “seca que flagelou as imediações”, junto ao rio Salgado.
1919: 198.

A pequena distância notam-se alguns destes bosques baixos e decíduos chamados caa-
tingas, mas mesmos estes estavam despidos de folhas e, até onde alcançava a vista, nada
havia que merecesse o nome de árvore. Prosseguindo viagem atingem a Villa de Lavra de
Mangabeira. Árvore mais abundante que encontrei era chamada pelos habitantes Aroeira,
é uma espécie de Schinus, talvez S. aroeira St. Hil. [...] outras árvores eram principal-
mente grandes Acacias, Mimosas, Bignonias de tamanho considerável, cobertas de flores
amarelas e roseas, assim ia enumerando as árvores pelos caminhos. “A Vila de Lavra de
Mangabeira está situada nas margens do rio Salgado e consta de umas oitenta a cem
casas, todas pequenas, e muitas caindo em ruinas.” [...] “Na vizinhança encontra-se ouro,
num terreno aluvial de cor escura [...] Encontrei ali, crescendo em grande quantidade
nas margens arenosas do rio, uma especie de Grangea que é um poderoso amargo, usado
pelos naturaes, em infusão, usado em casos de dispepsias em substituição à camomila,
como qual, realmente, parece muito, tendo mesmo nome de macela.” Pelo trajeto até
chegar na Villa do Crato, foi descrevendo as árvores: “Bignonias ou jacarandás, cactos e
bromélias, Anacardium occidentale, Occimum, Geoffroya superba” (GARDNER, 1912: 157).

Como está em CAMARGO (2018: 32-35), em 1859 o médico e botânico natural do


Rio de Janeiro CISNEIROS (1797-1874), em Os Manuscritos do Botânico Freire Alemão
(1964: 10, 244), em suas incursões pelo sul do Ceará, chefiando a sessão de Botânica
da Comissão Científica criada naquele ano “para verificar as riquezas e curiosidades
do nosso paiz pondo de parte as fantasias creadas pelos estrangeiros”,22 ao passar
pelo sertão cearense, assim se expressa:

[...] chamam catingas, ou também sertões – mas: sertão é o país coberto de capim, onde

198 6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular


se vêm árvores soltas, como Pau-branco (talvez tradução de caatinga, por ser ele um dos
seus característicos, ou talvez que ele dê o nome às catingas, tirado de sua flor branca,
reflexão minha). Ou reboleiros de matos, a que chamam catingas.

Em 20 de novembro de 1859 chega a Lavras, onde “o rio Salgado a divide bem pelo
meio. A porção a leste do rio é mais de criação; e a de oeste, é mais agrícola”. Em 14
de dezembro sobe a serra do Araripe (p. 298), segundo os Manuscritos.

[...] Na subida da serra: Murici (do Rio), Vismia, Camará (Lantana). [...] “No alto da serra,
que é plano, coberto duma vegetação rasteira folhada (tabuleiro) semeado de grandes
árvores de Visgueiro, e outras, é o ar bastante fresco; e daí se goza de belos lanços de
vista, sobre os Cairiris”.

Ao chegar à cidade do Crato, diz:

O Crato é uma pequena cidade à qual convinha o título de vila: antiga povoação começada
com o aldeamento dos índios Cariris (?), e estabelecimento de Missões. O lugar de onde
se fundou a primeira Missão é onde hoje há muitas fábricas de tijolos para a edifica-
ção da cidade. Chamou-se esse lugar – Missão Velha – porém, a Missão se passou para
mais alto, e se assentou no lugar em que está a Matriz atual; e se chamou Missão Nova.
Necessariamente se dava o nome de Missão a uma igreja toda rodeada de palhoças dos
índios. No lugar em que está a matriz houve primeiro, digo, antes uma capela tosca de
tijolo que se arruinou; e conta o Sr. Secupira que, não sei em que ano, era no tempo de
sua vó e tias, em a primeira oitava do Espírito Santo, depois da missa, mas estando muita
gente ainda na Igreja, esta desaba com grande estrondo e matara algumas pessoas.
A cidade está assentada em um terreno baixo, mas em meia laranja rasa, de modo que dá
escoamento para todos os lados. Passa por um lado o rio, que nasce no Grangeiro, das

6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular 199


abas do Araripe; e toma o nome de Crato, e corre aqui na cidade. [...] A água é boa na nas-
cente; mas corre por meio de sítios, onde a furtam para levados; e a emporcalham com
lavagem de corpos e de roupas.
[...] Tem a cidade algumas ruas paralelas direitas, e largas que são a Rua Grande, a Rua do
Fogo, a Rua da Vala, a Rua da Boa Vista e a Rua das Laranjeiras, assim como nos extremos
das outras, as casas são ou todas ou em grande parte de palha. [...] há alguns sobrados,
mas destes o único que vi bem acabado e decente, telha-vã, vidraças (não há muitas
casas como elas) é do Tenente-Coronel Antônio Luís Álvares Pequeno, segundo consta
dos Manuscritos (p. 301-303).

Em 1897, o botânico suíço HUBER (1867-1914), em Plantas do Ceará. Lista de plantas


vasculares colhidas no Estado do Ceará, Brasil, nos meses de setembro e outubro de
1897 (1910: 165), ao referir-se ao Estado do Ceará e especificamente sobre a caatinga,
assim se expressa:

Como é sabido, esta antiga província do Brasil pertence, em toda sua extensão, a região
geobotânica, que Martius designou pelo nome de Hamadryadas, caracterizada por mattos
de arvores de pequeno tamanho, de folhas caducas, apelidadas “Caatingas” pelos brasilei-
ros. Esta região estende-se, segundo Martius, (veja sua Tabua geografica Brasiliae, dada
como suplemento da Flora brasiliensis), por todo o nordeste do Brasil, compreendendo o
valle superior do Rio São Francisco, que pertence ainda ao Estado de Minas Gerais, uma
grande parte do Estado da Bahia, as antigas Provincias, hoje Estados de Pernambuco,
Alagoas, Parayba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauhy, a parte septentrional de Goiaz
e meridional do Maranhão. É excusado dizer que esta grande superfície não é ocupada
exclusivamente pelas Caatingas; estas alternam-se, conforme as descrições dos natura-
listas viajantes, principalmente Martius e Gardner, com Carracos e Tabuleiros ou Campos
cobertos de arvoredos e vegetação quase desértica.

200 6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular


Em 1905, o botânico de origem austro-húngara DUCKE (1876-1959), em Explorações
Botanicas, e Entomologicas no Estado do Ceará (1910), quando de sua permanên-
cia no Ceará, sobre a flora do sertão, disse: “A vegetação dessa região é pobre de
espécies, porem oferece ao fim do inverno (maio) lindíssimo aspecto, por floresce-
rem nesta época quase simultaneamente a maioria das arvores e todas as hervas”.
Enumera: aroeira, angico, jucá, catingueira, pau-branco, sabiá, juá, sabonete,
caju, entre outras (DUCKE, 1910: 62).
RIZZINI e MORS (1976), tratando da caatinga, dizem: “a insuficiência hídrica é
uma das características de solos de caatinga, visto que a vegetação que ali se adapta
faz desenvolver órgãos de reserva nas raízes, nos caules e arranjos específicos nas
folhas, visando um melhor aproveitamento da água retida”. Outra estratégia da
natureza para manter a caatinga sempre viva está nas espécies caducifólias, aquelas
que perdem as folhas logo no início do período de seca, fenômeno bem explicado
pelos autores acima citados (RIZZINI e MORS, 1976: 187):

[...] as folhas caem em julho entre julho e setembro e ressurgem 6-15 dias após as primei-
ras chuvas; então o gado come os renovos e depois, durante a época seca seguinte, ingere
as folhas dessecadas caídas sobre o solo, as quais, em virtude do clima adequado, sofrem
uma como fenação natural. A espécie mais importante, aqui, é a catingueira (Caesalpinia
pyramidalis Tul.), conforme se revela; outras são: pau-branco (Auxema oncocalyx (Fr. AL.)
Taub., Boraginaceae, jurema (Mimosa tenuiflora Benth. Fabaceae).

Segundo os autores acima, a derrubada das folhas, logo no início do período de


seca, significa menos perdas hídricas, com água armazenada em diferentes partes
da planta, até a chegada do período de chuvas. E, ainda, favorecidas pelo clima, as
folhas que caem passam por um processo de fenação, tornando-se alimento para
os animais.

6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular 201


Hoje, todavia, sabemos do risco de esse bioma desaparecer, como dizem
ALBUQUERQUE e CAVALCANTI (2002), citando JANSEN (1997), comentando sobre
os rebanhos devastando a vegetação nativa e acrescentando:

Algumas políticas públicas e programas destinados à região são insuficientes e, muitas


vezes, inconsistentes, pois derivam de um pobre conhecimento sobre os recursos e sobre
a complexidade da relação pessoas/ambiente, dentro do ecossistema mais ameaçado do
planeta.

Dizem, ainda, os autores acima:

[...] a considerar os rebanhos percorrendo e devastando a vegetação, propiciando o


desaparecimento de espécies nativas a exemplo da planta símbolo da região, o juazeiro
(Ziziphus joazeiro Mart. – Rhamnaceae), “se apresentando isolada dentro e fora das matas
xerófilas, ou seja, espécies adaptadas a solo seco, “espalhando-se pelos pés de serra,
nas capoeiras degradadas e ao longo das divisórias feitas de madeira, de preferência
protegida do alcance dos rebanhos de gado vacum”. “Quando da própria regeneração
natural desta espécie medicinal, ao desabrochar de suas sementes”, [...] “a nova mudinha
é perseguida pelas criações”. [...] “Os grandes rebanhos já não a poupam como arbusto ou
árvore em desenvolvimento, citando (CARVALHO, 2007)”.

Pois bem, tal processo, podemos admitir remontar ao tempo do início da coloniza-
ção dessa região cearense, lá pela metade do século XVII e início do XVIII, na época,
área pertencente ao Pernambuco.
Porém, procurando não penetrar em questões que envolvem a preservação do
que resta do bioma Caatinga, ainda não totalmente desertificado, situamos nossas
atenções no homem daquele sertão, em região caririense, ao sul do Ceará, e seu

202 6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular


relacionamento com o meio ambiente. Todavia, vimos a considerar que a deser-
tificação que vem ocorrendo tem sua origem num longo processo histórico que
remonta à política colonial dos primeiros séculos, como amplamente detalhou
WEBER (1980: 136-178). Segundo esse autor, a exploração de grandes regiões fora da
Europa, a partir da política colonial dos séculos XVI ao XVIII, fez gerar “uma gigan-
tesca acumulação de riqueza dentro da Europa”, propiciando “as oportunidades de
ganho, o qual oferecia o transporte mesmo entre a metrópole e as colônias, distin-
guindo dois tipos de exploração: o feudal, nas colônias espanholas e portuguesas,
e o capitalista, nas holandesas e inglesas”. E, nesse processo, acrescentamos nós,
na própria evolução histórica, lá para frente, a ascensão da burguesia nas colônias,
classe social de diferentes facetas, tão bem detalhadas por WEBER (1980: 146-158).
Status quo, entendemos, evoluindo para uma injustiça social na divisão de terras, a
qual já ocorrendo desde quando da cessão de Sesmarias. Estas, todavia, dividindo
esse sul do Ceará em grandes glebas, cujos proprietários, residindo no litoral, cria-
ram a casta dos vaqueiros para cuidar das boiadas dos currais espalhados por toda
aquela região, visto que só bem depois eles assumiriam suas terras, onde passariam
a residir. DIAS (2006: 424) detalha bem esse período histórico da ocupação do ser-
tão cearense, quando

[...] uma verdadeira caçada aos nativos é empreendida. Sob o pretexto de cometerem atos
de pilhagem e homicídios, eram atacados com tanto furor pelos predadores de índios que
nem mesmo as crianças eram poupadas, mortas cruelmente.
[...] As expedições com 100, 200 até 400 homens, eram equipadas pela própria metrópole
portuguesa que mandava distribuir entre os colonos, recursos, armas de fogo, munição
como pólvora, cavalos, canoas e até grandes barcos para navegarem pelos rios. Como
recompensas por terem “limpado o terreno do gentio selvagem”, recebiam, grandes
extensões de terras doadas em sesmarias, tanto pelo governo português, como pelas

6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular 203


autoridades do Ceará, Pernambuco e Bahia, para a implantação de grandes fazendas de
gado. Um dos maiores sesmeiros, Domingos Jorge Velho, chegou a possuir uma área de
10 a 12 léguas de extensão, o equivalente a 24.000 km.

Recordemos que Domingos Jorge Velho, bandeirante paulista, surge no cenário


nordestino para combater os povos indígenas, aqueles que mais se rebelavam con-
tra a tirania dos conquistadores. Eram eles os denominados tapuias, como está em
PUNTONI (2002: 70, 77):

Na segunda metade do século XVII, no quadro das insurreições indígenas na fronteira


sertaneja do Brasil, o bárbaro seria, em suma, colocado mais além. O bárbaro era o tapuia.
Nesse sentido, a polaridade preponderante correspondia a uma forma sutil da corte
“cristandade e gentilidade”. Sutil, porque se entendia que, nos marcos do ecumenismo
católico, a gentilidade se punha de maneira privilegiada no espaço da propagação da fé,
de modo que sua brandura ontológica era, na verdade, contrastada pela dureza imagi-
nada no universo da barbárie.
[...] a Guerra dos Bárbaros foi igualmente tomada pela historiografia como uma confe-
deração das tribos hostis ao império português, um genuíno movimento organizado de
resistência ao colonizador.

Como diz APOLINÁRIO (2009), citando PIRES (2002: 33):

Com o crescimento da economia, a pecuária no “hinterland” da extensa região semiárida


nordestina do Brasil Colonial, depois da expulsão dos holandeses, as terras indígenas
passaram a ser continuamente açambarcadas e as relações entre os povos Tapuia e
colonizadores tornaram-se, ainda mais, conflituosas, fazendo desencadear práticas con-
tínuas de resistências indígenas, conhecidas como “Guerra dos Bárbaros”. Conflito que

204 6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular


se deu por quase cem anos entre os séculos XVII até a segunda metade do século XVIII,
alcançando desde os sertões da Bahia até o Maranhão.

Ainda em PIRES (1990), “em decorrência daquele quadro que se expunha no Nordeste
brasileiro, foi incentivado o bandeirismo de contrato, por parte do Governo Geral,
entendendo este a extrema importância de utilizar a experiência destes sertanistas
para combater os conflitos com os povos indígenas, incentivado pelas “particulari-
dades dos Paulistas, durante o fim do século XVII e primeira metade do XVIII”.
Por aquele período, segundo SIQUEIRA (2007: 125), a Lei das Sesmarias se fir-
mou com a condição de posse, na obrigatoriedade de cultivo, no aproveitamento
das terras doadas. “Na medida em que os sesmeiros se aprofundavam pelo interior
adentro na conquista e consolidação do espaço agropastoril, recrudescia a violência
contra povos indígenas, especialmente pela resistência que esses ofereciam contra
a prepotência de um colonizador, o qual consideravam ‘bárbaros’ quem se opusesse
aos seus instintos e, portanto, inimigos declarados de uma guerra tida como justa”.
Prosseguindo com o autor acima: “Características históricas de natureza polí-
tica e cultural reforçam o mandonismo local, na vida política brasileira, em especial
no semiárido nordestino, uma cultura que reproduz hegemonicamente, o sistema
de poder baseado no domínio territorial e familiar, em decorrência da reiteração
de sua história colonial”.
Alinhamos ao quadro acima descrito da ocupação da região sul do Ceará como
teria sido o início, ali, da degradação daquele solo, em pleno semiárido, que guar-
dando o precioso bioma Caatinga. Sobre quais teriam sido as causas que deram
início à degradação daquele ambiente cearense, vale lermos FERRI (1974: 20):

Colocado numa área qualquer o gado corta as gramíneas necessárias à sua alimenta-
ção. De outro lado, caminhando com o peso considerável do seu corpo, repetidas vezes

6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular 205


sobre a mesma superfície, vai o gado comprimindo, compactando o solo em suas cama-
das superficiais e assim modificando suas qualidades físicas: as partículas sólidas se
aproximam diminuindo os espaços entre elas existentes; com espaços menores entre as
partículas, o solo não pode manter a mesma quantidade de ar e de água. Também, não
drena bem a água e, assim, na época de seca o solo se apresenta muito seco e duro, e na
estação chuvosa fica encharcado, isto é, excessivamente molhado, na superfície. Mas, de
um lado o gado come o capim, retirando muita matéria orgânica (principalmente carboi-
dratos) da área em que está confinado, ele devolve matéria orgânica ao solo, com suas
fezes e urina, ricas em compostos nitrogenados. Vemos, pois, que o solo sofre modifica-
ções físicas, sofre também alterações químicas as quais induzem novas mudanças. Com
a adição de partículas orgânicas, de natureza coloidal, os fenômenos físico-químicos que
se passam na superfície das partículas, dependendo, pois, do tamanho destas, sofrem,
igualmente, modificações. Quanto menores forem as partículas, maior número existirá
num dado volume de solo, e assim a superfície das partículas cresce de modo universal-
mente proporcional ao seu tamanho. As mudanças físicas e químicas mencionadas fazem
com que muitas espécies de gramíneas existentes no início desapareçam e em seu lugar
surjam outras espécies de exigências diferentes. Também plantas de outros grupos, que
não existiam naquele campo, inicialmente, podem agora aparecer e, se desaparecem cer-
tas espécies de animais que se alimentavam das primeiras, surgem em seu lugar outras
espécies que preferem as novas plantas como alimento. Ainda, a microflora e a micro
fauna existentes no solo sofrem modificações com as mencionadas as alterações intro-
duzidas na área considerada. É claro que esses fenômenos terão uma velocidade maior
quanto maior o número de reses por unidade de superfície.

Deixamos aqui nosso apelo: acordem os responsáveis pela preservação do meio


ambiente, buscando desenvolver uma severa política de vigilância, de forma a
poupar o que ainda resta do bioma Caatinga, que guarda o precioso montante de

206 6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular


espécies lenhosas de extrema importância para o prosseguimento das pesquisas na
área médico-farmacêutica, as quais apresentam compostos químicos da maior impor-
tância na cura e prevenção de doenças neoplásicas, como veremos mais adiante.

6.2 AS ESPÉCIES LENHOSAS NA MEDICINA DO SERTÃO

O material botânico exposto nesta parte do livro resulta de um esforço em dar


ênfase aos múltiplos valores culturais e científicos atribuídos à composição flo-
rística, de caráter medicinal, próprios da caatinga, os quais vêm a propiciar à
Etnofarmacobotânica subsídios de inestimável valor. Esclarecemos, todavia, que
não há o intuito de relacionarmos plantas e separadamente as analisar do ponto
de vista farmacológico e dos usos. Já vimos frisando, quase sistematicamente, a
importância dos conhecimentos médicos advindos da medicina popular a partir de
suas práticas médicas, seja qual for o sistema de crença envolvido e sua importân-
cia, junto a diversas áreas acadêmicas das Ciências Sociais e das Ciências Naturais,
sobretudo no campo da botânica médica.
Importante a conscientização quanto à contribuição dos trabalhos etnográficos
voltados às plantas medicinais na medicina popular, certamente, realizados a partir
de metodologias corretamente elaboradas – não há um modelo único –, variando
segundo o contexto cultural sobre o qual se pretende pesquisar. Compreendem,
assim, tais trabalhos, os primeiros passos na escalada científica até a determina-
ção da estrutura química dos componentes responsáveis pela ação terapêutica das
plantas ou parte delas e a produção dos medicamentos sintéticos produzidos nos
laboratórios de produtos farmacêuticos.
Na medicina de minha infância, que já lá vão umas boas dezenas de anos, vivida
bem distante dessas terras nordestinas, enquanto filha de médico, lembro-me
do costume de tomar chá em substituição ao leite quando se estava doente,

6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular 207


23 A lápis, na contra possivelmente à base de alguma planta escolhida segundo a situação exigia. Muitas
capa, lê-se: Catal.º
plantas empregadas nos chás medicinais faziam parte da medicina caseira, visto
Bibliotheca do
Marquez de Pombal muitas delas estarem no rol das condimentícias: hortelã, manjericão, alecrim, alho,
nº 1662. cebola, entre outras. Tais plantas faziam parte até não há muito tempo atrás da
Farmacopeia Brasileira de Rodolfo Albino Dias da Silva, editada em 1929, de consulta
obrigatória da parte de farmacêuticos na manipulação de remédios e de médicos,
visto serem esses profissionais que os manipulavam e formulavam nas farmácias.
Até o surgimento da Farmacopeia Brasileira referida acima, circulavam pelo
Brasil manuais e dicionários de plantas medicinais com indicações de uso, como o
exemplo a seguir, editado em dois volumes:

Diccionario Portuguez de Plantas, Arbustos, Matas, Arvores, Animais quadrupedes, e rep-


teis, Aves, Peixes, Mariscos, Insectos, Gomas, Metaes, Pedras, Terras, Minerais, &c. que a
Divina Omnipotência creou no globo terráqueo para utilidade dos viventes.
Escrito por José Monteiro de Carvalho.
Lisboa
Na Offic. De J.F.M. de Campos.
1817.
Com licença da Meza do Desembargor do Paço.23

Segue um exemplo de planta encontrado na obra acima, no mínimo curioso pela


sua nomenclatura popular: CARYOFILATA.
De imediato, ocorreu-nos consultar a Botânica – Introdução à taxonomia
vege­­­tal, de JOLY (1976: 269). Porém, seguindo as descrições de ambas obras, não
encontramos semelhanças, a não ser na própria nomenclatura, que remete à família
Caryophyllaceae, com 80 gêneros espalhados por todo o mundo.
Evidentemente outros dicionários circularam pelo país, quando então surge

208 6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular


CHERNOVIZ, com o Dicionário (1890) e o Formulário (1908), ambos ilustrados24. 24 Diccionário de
Medicina Popular
Compêndios esses importantes nas mãos não só daqueles que exerciam funções
e das Sciencias
de médico e farmacêutico, como dos que, mais escolarizados, eram capazes con- Accessorias para
sultar aqueles célebres guias médicos. Eram eles os fazendeiros que, afastados de uso das famílias, de
Napoleão Pedro Luiz
centros urbanos, tinham sob seus cuidados a família, quase sempre numerosa, e
Napoleão Chernoviz.
seus comandados nas lides de suas propriedades. Padre Cícero tinha tais livros em Doutor em Medicina,

sua biblioteca, pois sabemos que ele preparava remédios a fim de socorrer os mais cavaleiro da Ordem
de Christo, Official
necessitados e distantes de qualquer espécie de ajuda. Logo abaixo reproduzimos da Ordem da Rosa do
carta recebida por Padre Cícero de um fornecedor de substâncias químicas medi- Brazil; 1890.

cinais para preparo de remédios. Paralelamente, surgiu uma obra em três volumes,
não menos importante que as de CHERNOVIZ, em que se dá ênfase às plantas indí-
genas, ao lado de componentes de origem animal e mineral. Tratava-se dos três
volumes do Diccionario de medicina domestica e popular, de LANDGGARD (1873).
A ilustração para o autor era fundamental no reconhecimento da identificação
botânica das plantas nativas e introduzidas, visto muitas vezes levarem o mesmo
nome vulgar. Era uma medicina que empregava, além das plantas, produtos de
origem animal e mineral. Há de se considerar, ainda, os formulários adotados nas
primeiras escolas médicas no Brasil, a exemplo do Noveau Formulaire Magistral, de
BOUCHARDAT (1881), já tratando de alcoolaturas, tinturas, extratos, entre outras
formas farmacêuticas à base de produtos de origem vegetal, animal e mineral na
formulação dos remédios e suas indicações farmacêuticas, em que os profissionais
da medicina também se orientavam para suas prescrições médicas.
Hoje, os chás e as alcoolaturas são de domínio da medicina popular. Nas mãos dos
doutores na arte de curar, recordam-nos as garrafadas difundidas por todo o Brasil,
à base de cachaça ou vinho branco, herança da medicina jesuítica, remontando às
velhas triagas de origem grega e romana, como tratado por nós pormenorizada-

6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular 209


mente em Plantas medicinais e o sagrado. Uma revisão historiográfica da medicina
popular no Brasil (CAMARGO, 2014). Distinguem-se claramente os chás cozidos dos
chás abafados. Os primeiros são aqueles que entram em sua composição plantas
que necessitam tempo prolongado de fervura para que fiquem “fortes”, de ação
curativa garantida. Nesses casos, geralmente são empregadas cascas, sementes,
raízes, folhas caídas no chão. Os chás abafados são aqueles que não vão ao fogo,
sendo preparados com as plantas recém-coletadas, de preferência, e reduzidas a
fragmentos, os quais são colocados em vasilha na qual é acrescentada água fer-
vente, mantendo-se tampada por uns minutos até seu consumo. Nesses casos é
saber popular que a coleta da planta se faça antes de o sol nascer. Esse procedi-
mento deve-se ao conhecimento que se tem sobre as plantas aromáticas, que a
um simples toque e contato com o calor desprendem aroma, o que faz o princípio
medicinal da planta se perder no vapor desprendido. Seriam, nesse caso, plantas
cujo princípio ativo está no óleo essencial, próprio das plantas aromáticas. Todavia,
há plantas em que se usam as cascas, cujo princípio ativo pode ser, também, óleo
essencial, porém concentrado em estruturas internas, necessitando-se, então, de
mais tempo em temperatura alta para a extração do óleo essencial, por exemplo, o
chá de canela.

6.3 METABOLISMO SECUNDÁRIO DAS PLANTAS DE CAATINGA E AS


PROPRIEDADES MEDICINAIS

O metabolismo secundário nos vegetais foi assunto por nós já abordado em


Homem-Natureza-Crença (CAMARGO, 2018: 57), que aqui retomamos a fim de colo-
carmo-nos atualizados com os avanços científicos voltados às novas conquistas
relacionadas aos agentes naturais da flora medicinal, de uso frequente na medicina

210 6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular


popular, sobretudo nas doenças neoplásicas, como veremos.
Os metabólitos secundários destacam-se na área da farmacologia devido a seus
efeitos biológicos sobre a saúde do homem, segundo PEREIRA e CARDOSO (2012:
146). Dizem esses autores:

A grande extensão territorial e as condições climáticas muito diversas fazem com que
a flora brasileira possua inúmeras espécies vegetais, muitas consideradas importantes
matérias-primas, outras já incorporadas ao hábito alimentar dos brasileiros e algumas
pouco conhecidas e potencialmente benéficas. Também se reconhece que a dieta cons-
tituída de nutrientes essenciais e acrescida de substâncias nutracêuticas, como parte
de um estilo de vida saudável, tem um papel preponderante na prevenção e/ou cura de
enfermidades crônicas não transmissíveis como as doenças cardiovasculares, o diabetes
mellitus e diferentes tipos de câncer, citando SÁ (2008).

Os metabólitos secundários são específicos das espécies vegetais e participam das


interações intra e intercelular do próprio organismo ou com células de outros orga-
nismos. Contribuem “[...] com os aromas, as cores dos alimentos e com a resistência
contra pestes e doenças, mantendo a sobrevivência nas condições ambientais favo-
ráveis” (BRAZ FILHO, 2009).
Como se percebe, a sobrevivência do bioma Caatinga deve-se ao metabolismo
secundário, o conjunto de transformações bioquímicas no interior das plan-
tas, essenciais para a sobrevivência das espécies dentro do ecossistema, assunto
sobre o qual demos início em Homem-Natureza-crença (CAMARGO, 2018: 57), aqui
ampliando nossas colocações sobre sua importância para a sobrevivência das espé-
cies dentro do ecossistema, possibilitando sua adaptação no ambiente, citando
BEZERRA (2008). Segundo esse autor, os produtos desse metabolismo secundário
são conhecidos por princípios ativos e sua produção é associada à defesa da planta

6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular 211


contra herbívoros, ataque de patógenos, radiação solar (MONTANARI JR., 2002),
visto os danos causados pelos raios ultravioleta na folha, atuando, assim, como fil-
tro, melhorando e regulando a fotossíntese (CASTANHEDA, 2009), ou, ainda, como
diz este autor, atuando na competição entre plantas e atração de organismos bené-
ficos como polinizadores, dispersores de sementes e microrganismos simbiontes.
Nesse sentido, desenvolve estratégias de comunicação com o meio ambiente, tais
como:
– atração de insetos e pássaros para a polinização;
– desenvolvimento de substâncias com odor por meio dos óleos essenciais;
– desenvolvimento substâncias com cor: os flavonoides;
– proteção contra predadores;
– defesa mecânica: espinhos e acúleos;
– defesa química com atividades biológicas de importância para o homem com
relação aos alimentos, medicamentos e perfumaria.

6.3.1 Flavonoides
Os flavonóides são compostos largamente distribuídos no reino vegetal e presentes
em frutas, folhas, sementes e em outras partes da planta na forma de glicosídios ou
agliconas (ANGELO et al., 2007).
Segundo SALATINO (2014), flavonoides são substâncias fenólicas presentes
em plantas, responsáveis pelas cores em frutos e flores, desempenhando várias
atividades farmacológicas: antioxidante, antimicrobiana, antialérgico, antiviral,
anti-inflamatória etc.
As cores são propiciadas por:

a) Antocianinas, flavonoides que dão cor a diversas partes das plantas, principalmente em
flores e frutos. Vão do vermelho ao azul e aos tons intermediários (roxo, lilás, púrpura).

212 6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular


b) Carotenoides são de coloração amarela, alaranjada, eventualmente, vermelha. Ex.:
cenoura (Daucus carota).
c) Betacianinas – vermelho. Ex.: beterraba (Beta vulgaris).

Segundo PEREIRA e CARDOSO (2012: 148),

as antocianinas compreendem um grupo de pigmentos naturais com estruturas fenólicas


variadas. São os componentes de muitas frutas vermelhas e hortaliças escuras, apresen-
tando grande concentração nas cascas de uvas escuras. Representam significante papel
na prevenção ou retardo do aparecimento de várias doenças devido suas propriedades
antioxidantes.

Em ARAUJO (2008): “[...] Os carotenoides compreendem uma família de pigmen-


tos abundantemente encontrados na natureza, sendo os responsáveis pela cor da
maioria das frutas e vegetais, que pode variar desde o amarelo até o vermelho vivo”.
Segundo o autor acima, os componentes (α-caroteno, licopeno), são estudados
por seu potencial anticarcinogênico, devido a sua ação antioxidante. Os carote-
nóides atuam como antioxidantes, protegendo as células dos danos oxidativos e,
consequentemente, reduzindo o risco de desenvolvimento de algumas doenças
crônicas.
Os carotenoides, segundo o autor referido, estão presentes em frutas, ou em
vegetais amarelos, alaranjados e vegetais folhosos verdes escuros.
Os antioxidantes são capazes de interceptar os radicais livres gerados pelo
metabolismo celular ou por fontes exógenas, impedindo o ataque sobre os lipídeos,
os aminoácidos das proteínas, a dupla ligação dos ácidos graxos poli-insaturados
e as bases do DNA, evitando a formação de lesões e a perda da integridade celular.
Outro mecanismo de proteção é o reparo das lesões causadas pelos radicais.

6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular 213


Na Roma antiga, Catão, o Censor, jurisconsulto, orador, general, braveja no
Senado contra os médicos gregos. “Para que médicos quando podemos plantar
couves”. Em De rustica, deixou registrado:

uma infecção das vias urinárias: caldo de couve;


a gota: couve crua;
uma cólica: folhas de couve maceradas;
insônia: couve tostada;
para feridas: couve amassada;
para as úlceras e cânceres: couve triturada;
para as luxações: cataplasma de couve.
(Rassegna Médica Cultural VII, n.4, 1969).

A couve (Brassica oleracea L. Brasicaceae) é excelente fonte de flavonoides – caro-


tenóides, luteína e beta caroteno. Pesquisas demonstram capacidade de sequestrar
o radical DPPH’ (94,81%), consequentemente com atividade antioxidante significa-
tiva (PEREIRA et al., 2015: 148).

6.3.1.1 Os flavonoides nas espécies lenhosas das áreas de caatinga do Geopark


Araripe
Em decorrência de nossa observação em pesquisas de campo sobre a prevalência
na área pesquisada do uso das cascas, entre cascas, raízes, frutos e sementes das
espécies lenhosas, as quais foram tratadas detalhadamente em CAMARGO (2018:
97-130), procuramos destacar daquela listagem, no presente livro, as que apresen-
tam flavonoides em sua composição química. Tal destaque deve-se à importância
que representam tais plantas no meio científico médico-farmacêutico quanto ao
seu papel enquanto antioxidantes na prevenção e terapias de doenças neoplásicas.

214 6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular


A validação científica de preparações medicinais utilizadas popularmente acaba levando
não só à confirmação de novas formas de se tratar o câncer, mas de forma paralela nos
leva a compreender, por meio dos ensaios pré-clínicos, o mecanismo de ação de compos-
tos bioativos sobre as células tumorais (SANTOS et al. 2016).

Daquela caatinga por nós palmilhada, chamou-nos atenção a jurema (Mimosa


tenuiflora Benth. Fabaceae), logo que iniciamos nossas andanças pelo semiárido
do interior da porção sul do Ceará. Por todo o caminho por onde se passava, lá
estava a jurema, com seus galhos e muitos espinhos se emaranhando por toda a
extensão daquele bioma. Estendemos nossa homenagem a essa espécie botânica,
ainda, por tratar-se de uma planta divinizada, dedicada à divindade Jurema nos
sistemas de crença de origem e influência africana. Planta cultuada nas festas de
caboclo, quando é consumido o vinho da jurema, nos terreiros de Candomblé, tra-
dição trazida da Umbanda e, por sua vez, herança cultural dos índios Pancararu
do Pernambuco, a partir de seus rituais e consumo de sua bebida, o ajucá. Planta
cultuada e respeitada por todo o território nacional, a partir dos sistemas de crença
acima referidos. Privilégio dos nordestinos, que a têm perto de si, a jurema viceja
por toda a caatinga.
Assim, a partir da jurema, como forma de homenageá-la, visto ter sido a primeira
planta coletada por esta autora no Nordeste em 1977 e identificada em Mossoró,
no Rio Grande do Norte, pelo Prof. Dr. Dárdamo Andrade de Lima, a relacionamos
abaixo, como numa amostragem das espécies, em cuja composição química estão
os flavonoides, presentes nas espécies da caatinga, bioma a ser preservado sem
poupar esforços, visto sua importância em guardar a preciosidade da vegetação
que ali viceja, na espreita dos avanços científicos atualmente em franco progresso
junto às ciências médicas e farmacêuticas.

6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular 215


Jurema Quixabeira

sinonímia vulgar jurema-preta, espinheiro, sinonímia vulgar quixaba-preta, rompe-


espinheiro-preto, laranjinha gibão, pau-de-rato, sapotiaba, sacutiaba

nome científico Mimosa tenuiflora (Wild.) nome científico Sideroxylon obtusifolium


Poir. (Humb. ex Roem. & Schult.) T.D. Penn.

família Fabaceae família Sapotaceae

ocorrência segundo LEMOS et al. ocorrência cresce nas várzeas e baixios


(2002: 452) e SILVA (2012), essa espécie frescos do Piauí, até norte de Minas Gerais
demonstrou uma aparente distribuição (BRAGA, 2001: 385).
disjunta entre regiões geograficamente
distantes na América do Sul. De acordo
com os autores, por meio das informações
das etiquetas das exsicatas pesquisadas,
verificou-se tratar de espécies encontradas
em diferentes áreas de vegetação de
caatinga, no Piauí, Ceará, Rio Grande do
Norte, Paraíba, Pernambuco, Sergipe e Bahia.

216 6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular


25 Disponível em:
<www.fruticultura.
iciag.ufu.br>. Acesso
em: 5 jun. 2011.

Umbuzeiro Juazeiro

sinonímia vulgar umbu (do tupiguarani: nome científico Zizyphus joazeiro Mart.
y-mb-u = árvore que dá de beber),
família Rhamnaceae
imbu; cajá, umbu-cajá, umbu-cajazeira,
ocorrência Bioma Caatinga (Embrapa).
mirobalona

nome científico Spondias tuberosa Arruda


ou o híbrido natural entre S. tuberosa e S.
mombin L. conhecida por cajá.

família Anacardiaceae

ocorrência Nordeste (JOLY, 1976: 422).


Nativo da caatinga (RIZZINI; MORS,
1976: 183). Umbu-cajazeira é um híbrido
disseminado pelo Nordeste (MARTINS;
MELO).25

6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular 217


Catingueira Angico

sinonímia vulgar catingueira, pau-de-rato, sinonímia vulgar paricá


catinga-de-porco
nome científico Anadenanthera colubrina
nome científico Caesalpinia pyramidalis Tul. (Vell.) Brenan.

família Fabaceae família Fabaceae

ocorrência árvore endêmica do Nordeste ocorrência de ampla distribuição pelas


brasileiro. Característica das caatingas, caatingas em geral.
desde o Piauí até a Bahia, inclusive Mato
Grosso (BRAGA, 2001: 168).

218 6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular


Barriguda Pau-ferro

sinonímia vulgar barriguda, paineira sinonímia vulgar jucá, ibirá-obi, muiráobi,


muiré-itá, pau-ferro-verdadeiro
nome científico Ceiba glaziovii (Kuntze) K.
Schum. nome científico Libidibia ferrea (Mart. Ex
Tul.) L.P. Queiroz.
família Bombacaceae
família Fabaceae
ocorrência nas caatingas do rio São
Francisco (SIQUEIRA FILHO et al., 2013: 178). ocorrência do Nordeste ao estado do Rio de
Frequente nas matas brasileiras (JOLY, 1976: Janeiro (CAVALHEIRO, 2009).
462). A barriguda apresenta distribuição
restrita ao Nordeste do Brasil, ocorrendo
de forma descontínua e com indivíduos
isolados.

6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular 219


Mororó Pereiro

sinonímia vulgar unha-de-boi,unha-de- sinonímia vulgar em 1890 dizia-se pau-


vaca, mororó-de-espinho, pata-de-veado, forquilho, pau-de pente, camará-de-bilro,
casco-de-burro, unha-de-anta camará-do-mato, canudo amargoso,
pinguaciba (CHERNOVIZ, v. 2, 1890: 611);
nome científico Bauhinia forficata Link.
ínguaciba, pereiro-preto, pau-pereiro,
família Fabaceae
ubá-açu, camará-de-brilho, pau-forquilha,
ocorrência Nordeste (Pernambuco, Bahia, pau-de-pente, pinguaciba, canudo
Alagoas), Sudeste (Minas Gerais, Espírito amargoso (Rio de Janeiro, Espírito Santo,
Santo, São Paulo, Rio de Janeiro), Sul Minas, Bahia)
(Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul)
nome científico Aspidosperma pyrifolium
(VAZ, 2001).
Mart. vellosii L.; Pentandria monogynia L.

família Apocynaceae

ocorrência por todo Nordeste (CASTRO;


CAVALCANTE, 2010).

220 6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular


Pau-d’arco Imburana

sinonímia vulgar ipê-roxo, pau-d’arco- sinonímia vulgar falsa-imburana,


roxo, ipê-roxo-de-bola, ipê-una, ipê-preto, imburana-vermelha, imburana-brava,
pau-cachorro, ipê-de-minas, ipê-roxo- imburana-de-cheiro, imburana-de-espinho,
do-grande, piúna, piúna-roxa (GO, MT), umburana
ipê-roxo-da-mata, ipê-rosa, ipê-comum,
nome científico Commiphora leptophloeos
ipê-cavatã, ipiúva-preta, peúva, piúva,
(Mart.) J.B. Gillett (Bursera leptophloeos
pau-cachorro
Mart. e Icica leptophloeos Mart.)
nome científico Tabebuia impetiginosa
família Burseraceae
(Mart. ex DC.) Standl.
ocorrência Nordeste brasileiro, nas
família Bignoniaceae
caatingas arbórea-arbustivas de terrenos
ocorrência do Piauí até São Paulo e Minas calcários, é frequente no vale médio do São
Gerais. No Ceará é encontrada na região do Francisco. Registrada no pantanal mato-
Cariri (BRAGA, 2001: 362). grossense (LORENZI, 2002; MAIA, 2004).

6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular 221


Aroeira Faveira

sinonímia vulgar aroeira-do-sertão, sinonímia vulgar favanta, fava-d´anta,


aroeira-do-ceará, urundeúva favela barbatimão, barba-timão, sucupira,
barbatimão-de folha-miúda e fava-de-arara
nome científico Astronium urundeuva
(All.) Engl. (Myracrodruon urundeuva nome científico Dimorphandra gardneriana
All.) (Astronium juglandifolium Griseb. e Tul.
Astronium urudeuva) (urundeuva (Aroeira
família Fabaceae
Preta) e Schinus terebinthifolius (Aroeira
ocorrência Floresta Nacional Araripe-Apodi
Vermelha) (CARVALHO, 2003).
(Flona Araripe). Esta última representa um
família Anacardiaceae
enclave de cerrado no bioma Caatinga,
ocorrência habita cerrado, mata e abrigando a Dimorphandra gardneriana.
caatinga (RIZZINI; MORS, 1976: 115). Ocorre nos estados do Pará, Maranhão,
Ocorre principalmente no Nordeste do país, Ceará, Piauí, Pernambuco, Bahia, Mato
presente nos estados da Bahia, Ceará, Piauí, Grosso, Goiás e Minas Gerais, única área
Pernambuco, Maranhão, Rio Grande do Norte, disjunta de cerrado do estado do Ceará
Sergipe, Paraíba, Alagoas; na Região Sudeste, (RIBEIRO-SILVA, 2012).
em Minas Gerais e São Paulo; na Região Dimorphandra gardneriana Tul. não é,
propriamente, uma espécie da caatinga, mas do
Centro-Oeste, Goiás, Mato Grosso do Sul e
cerrado inserido na Chapada do Araripe. Porém
Distrito Federal. Fora do Brasil é encontrada na a introduzimos entre as espécies selecionadas,
Argentina, Paraguai e Bolívia (PEREIRA, 2014). visto sua importância quanto à presença de
flavonoides na composição química.

222 6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular


Cumaru

sinonímia vulgar cumaru-do-ceará,


cerejeira, cumbaru-das-caatingas, cumaré,
amburana-de-cheiro, umburana-de-cheiro

nome científico A.C. Smith.

família Fabaceae

ocorrência embora considerada nativa


do sertão nordestino, a ocorrência de
A. cearensis pode ser observada em
praticamente toda América do Sul, do Peru
à Argentina (CANUTO et al., 2010).

6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular 223


26 EDUFRN – Editora [Foto 9]
da UFRN, Natal 2011.
27 As plantas do
catimbó em Meleagro A jurema, planta da caatinga da qual estamos tratando, apresenta em sua composi-
de Luís da Câmara ção química a substância psicoativa N,N-dimetiltriptamina (DMT). Não adentramos
Cascudo. São Paulo:
nos pormenores de suas ações e usos rituais, visto já terem sido assunto por nós
Humanitas (FFLCH/
USP/FAPESP), 1999. desenvolvido em As plantas medicinais e o sagrado (CAMARGO, 2014).
Jurema é planta sagrada nos sistemas de crença afro-brasileiros – umbanda e
candomblé –, representada na divindade que leva o mesmo nome e bebida ritual, o
“vinho da jurema”, de influência nitidamente indígena, sincretizada nos rituais afro-
-brasileiros da região por nós já percorrida. Explicamos: do contato dos índios com
os colonos portugueses e negros, surgiu a figura do caboclo, entidade espiritual,
o mestre do além, respeitado por seus poderes de cura nas reuniões de origem e
influência africana, como também nos sistemas de crença de forte influência indí­
gena, a exemplo da Jurema, ritual em que o juremeiro atende seus clientes em busca
de curas, consumindo, ambos, o vinho da jurema, assim como bebida usada nas
reuniões de Catimbó, ritual disseminado no Rio Grande do Norte, como estudado
e publicado por CASCUDO (1951) em Meleagro e ANDRADE (1986) em Namoros com
a medicina. A pesquisa que ambos realizaram resultou em um estudo desenvolvido
por esta autora e publicado pela Universidade Federal daquele estado: Pajelança a
dois – Um estudo comparativo entre Meleagro de Luís da Câmara Cascudo e Namoros
com a medicina de Mário de Andrade (CAMARGO, 201)26.
O catimbó pesquisado por Câmara Cascudo deixa evidenciar, em suas práticas
de cura de cunho mágico-terapêutico, elementos de importância para o estudo e
o entendimento quanto à eficácia das terapias aplicadas. Entre os elementos que
compõem tais práticas, destacam-se as plantas, herança da medicina indígena,
principalmente as nativas brasileiras (CAMARGO, 1999)27. Entre elas estão: o fumo
(Nicotiana tabacum L. Solanaceae), a “marca” provocadora do transe e a jurema (Mimosa

224 6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular


tenuiflora Benth.), com a qual é preparada a bebida ritual denominada “cauim”28. 28 Mandioca (Manihot
utilíssima Pohl.),
“Com o fumo se obtém o transe por meio de inalações profundas. Durante as
milho (Zea mays L.),
sessões não se fala, pois só fuma-se e bebe-se” (CASCUDO, 1951: 29). O uso do fumo cará (Dioscorea spp.),
entende-se por herança indígena, visto que o pajé prepara o cigarro com a entre- batata-doce (Ipomoea
batata), além de frutos
casca ou o líber mais fino da árvore conhecida por tauari (Courataria tauary Berg
de palmeiras e outros
– Lecythidaceae), comum no interior da Amazônia. Esse invólucro é muito usado frutos (CAMARGO,

para enrolar cigarros, sendo que por vezes os índios reforçam seu poder inebriante, 1999: 67). Mais
informações, ver LIMA
aspirando o pó do paricá (Anadenanthera peregrina Benth.ll Fabaceae). Segundo (1946: 152).
SCHULTES, HOFMANN e TÄTSCH (2001: 35), em Plants of the gods, “[...] the seeds of
Anadeanthera peregrina contain mostly N.N. Dimethyltryptamine (DMT)”.
Na medicina popular da região por nós percorrida há o predomínio do uso das
cascas da jurema como cicatrizante e em bochechos quando há lesões na boca.

6.4 INVESTIGAÇÕES CIENTÍFICAS SOBRE AS PLANTAS MEDICINAIS E INTERA-


ÇÕES MEDICAMENTOSAS

Vem de anos uma incessante busca por novas tecnologias voltadas ao conheci-
mento e reconhecimento dos valores terapêuticos embutidos em diferentes partes
dos vegetais, os constituintes químicos de interesse das Ciências Farmacêuticas.
Foi a partir do séc. XVIII que se iniciaram as buscas pela identificação dos agen-
tes responsáveis pela ação medicinal presentes em diferentes partes dos vegetais,
admitindo a existência de princípios ativos, sobre os quais já tratamos, os agen-
tes empregados no tratamento de doenças. Tais princípios ativos podem estar em
uma ou mais partes das plantas, desempenhando múltiplas atividades terapêuticas,
muitas delas presentes em uma mesma planta, como já dissemos e agora repetimos:
anti-inflamatório, anti-infecciosa, antisséptica, antioxidante, antipirética, cicatri-
zante, antinociceptiva.

6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular 225


Todavia, vale lembrarmos que as pesquisas avançam, também, em direção a
Fitoterápicos e interações medicamentosas, título de uma advertência segundo
TABACH em Boletim PLANFAVI – UNIFESPF – Sistema de vigilância em plantas
medicinais (2015, n. 33):

[...] o uso concomitante de fitoterápicos e medicamentos sintéticos tornou-se uma prática


comum nos últimos anos. [...] Muitas pessoas acreditam que os produtos a base de plan-
tas, por serem naturais, são seguros e isentos de efeitos colaterais ou reações adversas, o
que é uma perigosa simplificação do problema. Um amplo estudo de revisão revelou que
15% dos pacientes que estão tomando medicamentos convencionais para algum problema
de saúde fazem uso concomitante de produtos de origem vegetal e, entre eles, potenciais
interações medicamentosas foram relatadas em 40% dos pacientes (IZZO; ERNST, 2009:
69). Além disto, somente 1/3 destes usuários comunicam. O profissional da saúde, por
sua vez, também não tem o hábito de perguntar ao paciente sobre este assunto, ou seja,
temos um quadro onde o paciente não informa e o médico não pergunta. Esta ausência
de informações, associada ao fato de que os produtos fitoterápicos muitas vezes apre-
sentam um grande número de substâncias em sua composição, aumenta a probabilidade
de ocorrência de inte­rações medicamentosas. [...] Os últimos trabalhos sobre interações
medicamentosas envolvendo plantas medicinais revelam o aumento dos danos à saúde
de forma significativa revelando que, dependendo dos produtos envolvidos, o prejuízo
à saúde pode ser significativo. Para que haja um melhor contato entre o notificado e
o prescritor é importante a divulgação da fitofármaco vigilância entre os profissionais
da saúde, permitindo, desta forma, um melhor conhecimento sobre os eventuais efeitos
prejudiciais, o aprimoramento do medicamento, se for o caso e a garantia de sua eficácia
e segurança (TABACH, 2015: 1).

Segundo LEAL e TELLIS (2015), na Revista Fitos, do Núcleo de Gestão em

226 6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular


Biodiversidade e Saúde (NGBS) de Farmanguinhos/FIOCRUZ,

[...] atualmente, o consumo de medicamentos à base de plantas vem aumentando em


todo o mundo. Este uso descontrolado pode representar um risco grave para a saúde
da população porque as plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos representam
misturas complexas de substâncias que podem muitas vezes interagir com outras e ter
um efeito adverso. Este trabalho pretende enfatizar a importância da farmacovigilância
de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos no Brasil, a fim de diminuir a ameaça
dos efeitos adversos [...]

Admitimos que os fitoterápicos presentes na rede pública sejam orientados por


profissionais que dominem os valores das plantas empregadas, suas proprie-
dades medicinais e, sobretudo, contraindicações e riscos das interações acima
mencionadas.
A caatinga da qual tratamos nesta parte do presente livro, hoje transparecendo
tranquila, apresenta-se bem diferente daqueles agitados anos 20 do século pas-
sado, quando ali fervilharam tramas dantescas, envolvendo coronéis, coiteiros,
volantes, jagunços e cangaceiros. Gente brava!

6.5 A MEDICINA DO CANGAÇO

Recordamos aqueles que, sem uma identificação própria, movidos pelas circunstân-
cias, praticaram a nobre arte de curar: os cangaceiros, lembrando-nos de Virgulino
Ferreira da Silva, o célebre Lampião, e seu bando, figuras que, um dia, fizeram his-
tória, sobre a qual estudiosos se debruçam para esmiuçar seus feitos.
Aquele ambiente é onde nos detemos a fim de buscar conhecer como se cura-
vam, como eram as terapias à base de plantas medicinais que a caatinga lhes

6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular 227


oferecia pelos caminhos por onde passavam, enquanto na porção cearense do
Geopark Araripe.
Lampião, em uma entrevista concedida ao Dr. Macedo, médico do Crato, CE, em
1926, perguntado como resolvia seus ferimentos, disse-lhe:

Já recebi quatro ferimentos graves. Dentre eles, um na cabeça, do qual, por milagre escapei.
Possuímos, porém, no grupo, pessoas habilitadas para tratar dos ferimentos, de modo que
sempre somos convenientemente tratados. Por isso, como o senhor vê, estou forte e perfei-
tamente sadio, sofrendo, raramente, ligeiros ataques de reumatismo (MACEDO, 2012: 232).

Lampião se valia de orações em suas horas de aflição, tal como a reproduzida abaixo:

Minha pedra cristalina que no mar foste achada entre o cálix e a hóstia consagrada, tremo
a terra mas não treme nosso Senhor Jesus Christo no altar assim ter os coraçãos de meus
inimigos quando olharem para mim eu ti benzo em cruz i não tu a mim entre o sol e a lua
e as Estrelas e as três pessoas da Santíssima trindade [...].
Offiricimento: salvo fui salvou sou o salvo serei com a chave do sacrário e me fecho 1 PN
3AM i 3 Gloria a patrei ofereço a 5 Chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo (MACEDO, 2012).

Lampião, Corisco, Maria Bonita, Dadá, Jararaca, quando invocados por outros sujei-
tos do bando, tinham quase sempre uma receita, um diagnóstico, um clister para
resolver as situações, conforme narrado por OLIVEIRA (1982), em Lampião, cangaço
e Nordeste:

Nessas horas, assumem a identidade de curadores, terapeutas, parteiros, parteiras, cirur-


giões que lançam mão da peixeira, em vez do bisturi, para cortar, sangrar, coser, pontear,
fazer suturas, vomitórios, mapear a carne triada e machucada, cartografar o corpo debi-

228 6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular


litado e espancado.

“Corpos que rasgam, corpos que curam, corpos que matam e dão a vida”, como ana-
lisou a socióloga QUEIROZ (1991) em GOUVEIA JÚNIOR (2001: 4).
A capacidade de remediar situações do protagonista do ato de curar era extraor-
dinária, pois sabia da ação bactericida do mofo, como narra VAINSENCHER (s/d),
possivelmente prática usual na região, visto que o uso do mofo, bolor ou fungo
é generalizado na medicina popular, variando o substrato vegetal no qual se
desenvolve.
Diz OLIVEIRA (2011), em Artes de curar e modos de viver na geografia do cangaço:

Pensar as práticas de cura no cangaço é uma maneira de viabilizar aberturas para outros
campos de estudo desse evento que marcou o Nordeste, percorrendo ricos aconteci-
mentos que podem ser construídos e multiplicados pela pesquisa e pela escrita. Dessa
forma, pensar a relação entre cangaço e práticas de cura constitui um mergulho nos
saberes populares e em outros modos de existir, resistir e inventar a vida. Trata-se de
analisar a cultura como uma forma de representar o lugar de cada um no mundo, sua
relação com as crenças e valores. Nesse ambiente de ausência do saber médico-cientí-
fico, possuir conhecimento médico-popular torna-se um instrumento de diferenciação,
um corpus de saber que estabelece hierarquias, para pensar a existência.

Dadá foi companheira de Corisco, um cangaceiro com seu bando que se juntou a
Lampião. Dadá, narrando uma fuga pela caatinga levando Corisco ferido a bala no
braço, conta como cuidou de seu ferimento com fratura exposta e agravamento
do processo purulento culminando, em determinado momento, com desmaio. Essa
valente mulher deu-lhe uma dose de cachaça de quixabeira misturada com arnica,
permitindo a Corisco voltar a si, segundo conta. Enquanto prosseguiam na fuga, ia

6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular 229


drenando os abcessos e retirando com canivete flambado partes de tecido necro-
sado e outras impurezas, lavando o local com água obtida da casca e do cerne do
tronco da quixabeira e colocando pó de fumo no ferimento.
ARAÚJO e FERNANDES (2005: 34-5), da área médica, analisando os procedimen-
tos adotados por Dadá, comentam que as propriedades já conhecidas da quixabeira,
desenvolvendo uma enzima proteolítica, colaboraram na cicatrização do ferimento,
ao lado do pó de fumo em sua atividade vasoconstritora periférica. Sabe-se que o
procedimento da retirada da pele necrosada com instrumento cortante é de alto
risco, podendo lesionar artérias, veias, nervos e tendão, e foi exatamente o que veio
a ocorrer. Depois de curado, Corisco passou a ter limitados os movimentos da mão,
punho e talvez antebraço, o que veio a impedi-lo de portar armas pesadas.
Incorporamos nesta parte do livro alguns dados sobre a “pimenta malagueta”
(Capsicum frutescens Solanaceae), a qual, ao lado do fumo (Nicotiana tabacum L.
Solanaceae), fazia parte da matula dos cangaceiros.

6.5.1 Pimenta malagueta


Nativa e cultivada em todo nosso país, leva esse nome por transferência de prestí-
gio de uma espécie que os portugueses, no séc. XVI, conheceram na costa africana
da Malagueta, atual Libéria e parte da Serra Leoa, pimenta lá chamada de malagueta
(Afromomom melegueta Zingiberaceae). Os portugueses procuraram introduzir
essa pimenta na Bahia, mas sem sucesso pois os negros que vieram daquela região
africana encontram a espécie Capsicum frutescens, que adotaram, dando-lhe o
nome de “pimenta-malagueta”. Era pimenta já conhecida deles, pois fora levada
para a África pelos portugueses, antes da vinda dos escravos daquela região, visto
que, aqui, a reconheceram, passando a adotá-la, desprezando a espécie africana,
que caiu de prestígio, dando lugar à brasileiríssima “pimenta-malagueta”, segundo
CAMARGO (1990: 81-94).

230 6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular


A autora acima, sobre a “pimenta malagueta”, diz fazer parte de seus componen-
tes o alcaloide capsaicina, de atividade no sistema nervoso central, capaz de reduzir
a sensação de dor, inativando neurônios sensoriais encarregados de transmitir a
dor, além da atividade antibacteriana, propiciando condições para a cicatrização.
Ainda devemos considerar nessa pimenta a presença de flavonoides – pigmentos
naturais que protegem o organismo de danos produzidos por agentes oxidantes,
nocivos à saúde, os conhecidos radicais livres.
Essa pimenta, enquanto seca, na medicina do cangaço era socada no orifí-
cio resultante de ferimento a bala, depois de lavado o local com cachaça ou água
oxigenada.

6.5.2 Fumo
“Fumo”, “tabaco” (Nicotiana tabacum L. Solanaceae) ou, como se diz, “fumo de
corda”, vendido em feiras pelo interior do Nordeste, era de uso nas terapias adota-
das pelo grupo de Lampião, diretamente no local de ferimentos a bala. As primeiras
notícias que se teve do “fumo” em Portugal contam que era cultivado pela Farmácia
Real, em Lisboa. Tal fato faz-nos recordar que no século XVI o fumo já era tido como
medicinal. Conforme narra SOUSA (1974), no século XVI “curavam com seu sumo os
vermes que se criavam nas feridas de vacas e éguas”. Em Lisboa, Jean Nicot, embai-
xador da França, atribuiu ao “petum”, nome que dera ao fumo, a cura de uma úlcera
renitente que tinha na perna.
O fumo ou tabaco contém o alcaloide nicotina, de ação no Sistema Nervoso
Central (SNC), com propriedades vasoconstritora e anti-inflamatória.
Tal como foi para o cangaceiro de ontem como para o sertanejo de hoje, a caatinga
acinzentada ou verdejante estará sempre ali, pronta para oferecer os remédios de
que se necessita bem onde padre Cícero espalha suas benesses e a quem Lampião
devotava verdadeira veneração. Território respeitado pelo rei do cangaço poupado

6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular 231


de represálias da parte de autoridades, o Ceará era onde Lampião e seu bando cir-
culavam em segurança para a ira dos estados vizinhos, que protestavam contra a
indiferença das autoridades locais em não colaborarem na sua captura, contavam
os noticiários dos jornais de época. Essa a política de Padre Cícero a fim de prote-
ger seu rebanho. Porém essa é uma história de muitos meandros, os quais não cabe
aqui esmiuçar (CAMARGO, 2014).
Interessados em conhecer como os fatos relacionados ao cangaço restrito ao
Nordeste eram divulgados em outras regiões, buscamos suporte no acervo particu-
lar de CAMARGO NETO, estudioso do cangaço e do período em que atuou Lampião
e seu bando.
Desde o século XIX, já se prenunciava o que viria a ser a formação de grupos de
indivíduos descontentes ante a uma sociedade marcada pela desigualdade socioe-
conômica. O que se sabia sobre os ocorridos lá pelos rincões do Nordeste decorria
do que a imprensa passava, tarefa insana para pesquisadores em geral, visto ser
a única fonte disponível. Nesse sentido, louvável o trabalho hercúleo de GASTÃO
(2012), médico e historiador de Mossoró, RN, reunindo fontes preciosas para pes-
quisas, buscadas na organização de seu acervo particular, material reunido de 1930
a 2009.
Foi no final do século XIX que jornais e revistas incorporaram o telégrafo como
meio de se manter em contato com correspondentes e colaboradores, a fim de
ficarem a par das notícias.
O Jornal O Estado de São Paulo de 31 de março de 2015 assim se expressa sobre
o telégrafo:

O telégrafo era uma invenção da Revolução Francesa, ainda no século XVIII, mas foi o
americano Samuel Findlely Breese Morse que transformou um sistema baseado em sinais
visuais – pontos e traços – em um pulso de comunicação com base em código simples,

232 6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular


em 1835. A transmissão da informação seguia por um fio, e os tais pontos e traços eram
decodificados em palavras quando chegavam ao outro lado da linha.

O uso do telégrafo e da imprensa como fonte documental da história tem sido


ferramenta importante para a elucidação de fatos, principalmente com relação à
história social, permitindo um melhor conhecimento sobre as manifestações cultu-
rais e políticas envolvidas nos fatos históricos de interesse do pesquisador.

6.5.3 Um rápido perfil do cangaço


OLIVEIRA (1909), sobre o cangaço, escreve:

Matar para roubar!...


Se os senhores seus protetores raciocinassem um pouco sobre essas palavras, poderiam
avaliar mais ou menos o que é um cangaceiro.
Quantos ais, quantos suspiros magoados, não têm soltado as pobres viúvas à falta dos
esposos queridos que os bandidos mataram e roubaram!
[...] Oh Cariri! Eu como filho que sou teu, quisera poder rasgar a negra mortalha em que
te achas envolvido, a qual pouco a pouco, já te tem aniquilado moralmente.
A lei não regula mais em ti; só o rifle é que faz e desfaz; governa quem tem cangaceiros,
tem razão quem é valente, é cidadão quem assassina e assim vai tudo...
[...] Ao teu governo compete perseguir esses bandidos que nefastam a maior parte da
zona sul do Ceará, e não misturar com eles os seus soldados, não juntar os seus oficiais
com esses cangaceiros chefes que, por desgraça, representam o Cariri civilmente. [...]

O texto transcrito acima trata de palavras de um adolescente, como diz o próprio


autor, atendendo à tarefa escolar de desenvolver um tema que lhe fora dado em
aula de composição vernácula. Texto esse com o qual o autor inicia seu livro Beatos

6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular 233


e cangaceiros (OLIVEIRA, 1920), trazendo como subtítulo: História psicológica de
alguns dos mais célebres cangaceiros no Nordeste.

O papel sujo, gasto do tempo, ainda conserva, bem nítido, os traços fortes de seu lápis,
na corrigenda do tema – O cangaço no Cariri –, para o aperfeiçoamento da frase, para a
pureza da linguagem, para a formação do estilo, da qual se encarregou seu antigo mestre, o
Reverendo Esmeraldo do Colégio São José da cidade do Crato (OLIVEIRA, 1920: 12).

Conforme o autor, foi na região do Crato e Juazeiro que colheu o material sobre
o livro Beatos e cangaceiros. Na introdução está: “Causas gerais do banditismo no
Nordeste: Analfabetismo – Ausência de justiça – Falta de trabalho e exiguidade de
salário – Politicagem”.
O autor dá destaque em seu texto à falta de justiça, dizendo:

[...] um indivíduo, por uma razão qualquer, assassina outro. A família do morto, debalde
espera da justiça o castigo do homicida. [...] um membro dela vinga-se mantando ou o
próprio assassino ou a um seu parente. Foi o que sucedeu com Antônio Silvino. Mataram-
lhe o pai, quando ele era ainda menino. Quando Silvino cresceu, vingou-se, matando-o a
ele, o criminoso e a mais 4 irmãos seus. Depois correu o sertão durante 20 anos, espa-
lhando o terror, desfiando os governos, roubando, saqueando o comércio.

O mesmo ocorreu com Lampião, movido pela vingança por terem, também, matado
seu pai, José Ferreira. Disse ele em uma entrevista em março de 1926, ao médico
Otacílio Macedo, em Juazeiro do Norte: “resolvi fazer justiça pelas minha conta
própria, vingando a morte de meu pai”.
OLIVEIRA (1920), referido acima, em Beatos e Cangaceiros, dedica um capítulo
aos beatos no Juazeiro de Padre Cícero que um dia foram cangaceiros, época em

234 6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular


que estava efervescente a atividade daqueles homens que faziam justiça com as
próprias mãos.
Explicando quem é o beato, diz o autor:

[...] é um sujeito celibatário, que faz votos de castidade (real ou aparentemente), que
não tem profissão, porque deixou de trabalhar e que vive da caridade dos bons e das
explorações aos crentes. Passa o dia a rezar nas igrejas, a visitar os enfermos, a enterrar os
mortos, a ensinar preceitos aos crédulos, tudo de acordo com os preceitos do catolicismo.
Veste-se como frade, boina preta, uma cruz nas costas, um cordão de São Francisco na
cintura, vários rosários, bentinhos de São Bento, saquinhos de breves religiosas e orações
poderosas, tudo pendurado no pescoço. São geralmente vagabundos, hipócritas, deliran-
tes religiosos ou bandidos (OLIVEIRA, 1920: 39).

6.5.4 Os autores pelas trilhas de Lampião e seu bando


Não podemos nos furtar da oportunidade de narrar experiências nossas, autores do
presente livro, vividas em cenários outrora palmilhados pelo cangaço, quando fomos
convidados a participar do Cariri Cangaço 4, em setembro de 2013, evento sediado
em Juazeiro do Norte, reunindo eminentes estudiosos – historiadores, médicos,
entre outros – versados em assuntos ligados ao bando de Lampião. Durante uma
semana, percorremos todos os sítios da caatinga onde ocorreram eventos sobe-
jamente pesquisados pelos estudiosos, autores de obras já publicadas, que os iam
narrando ao passarmos pelos cantos históricos. Muitas áreas por nós percorridas
demandavam caminhadas por aquele chão seco e pedregoso sob o sol causticante,
buscando atingir os sítios onde teriam ocorrido episódios de batalhas envolvendo
cangaceiros, jagunços, coiteiros e soldados da Força Federal. Coiteiros eram os
donos das fazendas que acoitavam os cangaceiros quando estes solicitavam abrigo
e jagunços eram os homens dos coronéis, os latifundiários.

6 As plantas medicinais da caatinga e a medicina popular 235


7
OS ROMEIROS DE JUAZEIRO DO NORTE E AS
CURAS MILAGROSAS EM UMA ABORDAGEM
INTERDISCIPLINAR INTERPRETATIVA

Para uma interpretação das curas ocorridas em Juazeiro do Norte atribuídas à


intercessão de Padre Cícero junto a Deus, em sua dimensão objetiva, quando a sub-
jetividade vem a pesar sensivelmente nas questões que as envolvem, exige-se um
esforço singular, visto o papel preponderante do elemento sacral envolvido em todo
o processo – a crença, a fé. Para tal interpretação, porém, admitimos a importância
dos intercâmbios teóricos e metodológicos entre as Ciências Sociais e as Ciências
Naturais, visto tratar-se de fatos socioreligiosos no campo da saúde.
Essa nossa posição encontrou respaldo no editorial da Revista Brasileira de
Historia da Ciência (2013, v. 6), lamentando-se a diminuição desse diálogo entre
essas áreas de estudos.

[...] A auto-suficiência disciplinar é um mal a ser sempre evitado, principalmente quando


ele pode descambar para atitudes regulatórias e, consequentemente, favoráveis à endo-
genia e ao insulamento.

236 7 Os romeiros de juazeiro do Norte e as curas milagrosas...


Assinado por: Antônio Augusto Passos Videira / UERJ CNPq e Cristiana de Amorim
Machado / UEM.
Como está em RODRIGUES (2013), a Sociologia, nas primeiras décadas do séc. XX,
já insinuava intercâmbios teóricos com a Biologia, mais especificamente a Fisiologia
e a Sociologia, quando esta se consolidava como disciplina do conhecimento cien-
tífico, que até então dialogavam com as Ciências Naturais, deixando de fazê-lo no
decorrer daquele século. Como sugere o autor acima, por aquela época surge em
cena o neurofisiologista CANNON (1932), da Universidade de Harvard, nos Estados
Unidos, publicando The wisdom of de body. Tal obra foi traduzida pelo Professor da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Prof. Dr. PEREIRA (1942) como
A sabedoria do corpo, em que CANNON difunde novos conceitos desenvolvidos na
fisiologia, assim se expressando:

A constância das condições observadas no organismo humano pode ser designada como
equilíbrio, a que denominou homeostase, termo associado à noção de auto regulação, em
outras palavras compreendendo o processo de regulação que mantém o organismo em
equilíbrio, ou seja, saudável (CANNON, 1932: 12-3).

Nesse sentido, julgamos importante citar aqui o autor DI STASI (1996), em Plantas
medicinais: arte e ciência – Um guia de estudo interdisciplinar, que destaca que, para
os estudos de plantas em suas propriedades medicinais, as quais, certamente, estão
envolvidas com as práticas médicas populares, a adoção de critérios metodológicos
de outras áreas do conhecimento “para o alcance de melhores resultados nas pes-
quisas” se faz necessária.

7 Os romeiros de juazeiro do Norte e as curas milagrosas... 237


7.1 ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Em vista de tratarmos de fato social no campo da saúde, indubitavelmente vimo-nos


diante da necessidade de uma abordagem metodológica interdisciplinar, por estar-
mos diante de fatos relacionados às Ciências Sociais e Ciências Naturais. Diante de
tal circunstância, passamos a admitir a importância da complementariedade das
metodologias dessas distintas áreas científicas na compreensão e explicação dos
fatos relacionados ao “sentir-se doente e sentir-se curado” da parte do romeiro.
O critério metodológico interdisciplinar acima proposto espelha-se no pensa-
mento de Max Weber (1864-1920) quando, para ele, segundo FREUND (1978: 76),
em Sociologia de Max Weber, a Sociologia compreende uma ciência voltada para a
compreensão interpretativa da ação social, buscando, assim, desenvolver o mé­­todo
compreensivo voltado às Ciências Sociais e admitindo para as Ciências Naturais
o método explicativo. Nesse sentido, acrescenta Freund que, para Weber: “toda
relação inteligível pela compreensão deve ao mesmo tempo, se deixar explicar cau-
salmente [...]” (p. 76).
Daí admitirmos a importância da abordagem de ambas metodologias.
Todavia, essa posição de WEBER já vinha em discussões na Alemanha de seu
tempo, final do séc. XIX e início do XX, quando se destacaram, entre outros,
DILTHEY, apoiando-se na ideia que vinha desenvolvendo, tendo em vista a distinção
entre as Ciências Humanas e as Ciências da Natureza, formulada entre compreen-
são e explicação. Entende-se, assim, que as ciências naturais procuram explicar
as relações causais dos ocorridos e as ciências humanas visam a compreender e
interpretar os fatos sociais.
Isso é exatamente o que ocorreu conosco na busca de uma interpretação com-
preensivo-explicativa do sentir-se curado da parte do romeiro, quando de nossa
busca dos fatores que nos levaram a admitir não mais interpretar tais curas como

238 7 Os romeiros de juazeiro do Norte e as curas milagrosas...


decorrentes apenas de eficácia simbólica.
Assim, a apreensão do sentido que norteia a conduta daquele que, para aplacar
sua dor, enquanto física, razão do sentir-se doente, busca em Padre Cícero a solução
nos conduz a uma compreensão explicativa dos meios por ele usados para alcançar
a graça, ou seja, a cura. Nesse sentido, apoiamo-nos no fator emocional em seus
componentes fisiológicos, psicológicos e sociais dominando o suplicante, assunto
já discutido anteriormente, voltando-nos ao que dissera o neurologista MARINO JR.
(2005: 44-5):

[...] uma emoção é antes uma reação aguda que envolve pronunciadas alterações somáticas
experimentadas como uma situação mais ou menos agitada. A sensação e o comporta-
mento que a expressam, bem como a resposta fisiológica interna à situação-estímulo,
constituem um todo intimamente relacionado, que é a emoção propriamente dita, em
seus componentes fisiológicos, psicológicos e sociais [...].

As ponderações acima explicitadas, assentadas em argumentos plausíveis, levam-


nos a interpretar o sentir-se curado para o romeiro, como “cura de fato”. Cura a qual
entendermos ser de interesse somente do curado, o qual, em sua individualidade,
a identifica como tal a partir do desaparecimento dos sintomas que o levaram
a se admitir doente, uma vez que estados emocionais podem proporcionar as
alterações somáticas acima referidas. Recordemos as “curas de fato” documentadas
por meio dos ex-votos expostos pelos agraciados em salas de milagres de templos
religiosos espalhados pelo mundo afora, desde tempos imemoriais, assunto dos
quais trataremos mais adiante.
Ao adentrarmos nessa discussão, vale aqui citar um diálogo entre o físico CAPRA
(1988: 105) e o psiquiatra e psicoterapeuta LAING (1927-1989), autor de O eu divi-
dido, buscando explorar a amplitude da consciência humana.

7 Os romeiros de juazeiro do Norte e as curas milagrosas... 239


Sobre esse diálogo, diz CAPRA:

[...] LAING mostrou-me como padrões psicológicos podem se manifestar sob a forma de
sintomas físicos. Explicou-me como alguém que vive contendo suas emoções também
tende a reter a respiração, e acaba desenvolvendo uma condição asmática.
[...] Da natureza da doença mental a nossa conversa passou para o processo terapêutico.
LAING fez questão absoluta de frisar que a melhor atitude terapêutica em geral consis-
tia em propiciar um ambiente favorável onde as experiências do paciente pudessem se
desenrolar. [...] em vez de hospitais psiquiátricos, insistiu, “precisamos é de cerimônias
de iniciação onde as pessoas sejam guiadas em seu espaço interior por outras que já
tenham estado lá e voltado”.

Continua CAPRA:

A observação de LAING sobre a jornada de cura pelo espaço interior lembrou-me a con-
versa bastante parecida que eu tivera com Stan Grof; fiquei vivamente interessado em
ouvir sua opinião sobre a similaridade entre as viagens dos esquizofrênicos e as dos mís-
ticos. Os místicos e os esquizofrênicos estão no mesmo oceano, disse solenemente, mas
os místicos nadam, ao passo que os esquizofrênicos se afogam.

Ainda, voltada à mesma área médica, PUTTINI (2004: 164), livre-docente da


Faculdade de Medicina da UNESP de Botucatu, SP, busca compreender o uso simul-
tâneo de terapias médicas e religiosas no atendimento de doentes em instituição
hospitalar psiquiátrica, administrada por religiosos do espiritismo. Destacando na
linha kardecista a eficácia da ação fluídica da prece, propõe o autor seja tal ação
investigada e confrontada no campo científico e inclusa nas ciências médicas.
Como diz PUTTINI:

240 7 Os romeiros de juazeiro do Norte e as curas milagrosas...


[...] Diante da crença na existência de um fluido universal como princípio espiritual,
KARDEC utiliza do mesmo modelo patológico para explicar o tratamento assentado na
eficácia da fluidificação: para explicar o tratamento assentado na eficácia da fluidificação,
citando KARDEC: O Espiritismo torna compreensível a ação da prece, explicando o modo
de transmissão do pensamento, quer no caso em que o ser a quem oramos acuda ao
nosso apelo, quer no em que apenas lhe chegue o nosso pensamento [...] (KARDEC, 1997:
373).

É certo e notório que, sejam quais forem os caminhos buscados pelas veredas da
vida visando a alcançar curas, a emoção se faz presente.
A emoção foi preocupação de DURKHEIM (2008: 282-3), pai da Sociologia fran-
cesa de meados do século XIX o qual, ao analisar o totemismo, faz menção a uma
força anônima e impessoal despertada na sociedade de indivíduos suscitando sen-
timentos coletivos, cuja ação ele chama de força, a qual se “vinculam as palavras,
gestos e movimentos inspirando sentimentos vários, os quais ajudam no desen-
volvimento de ideias religiosas”. Admite, ainda, a religião como produto de delírio,
ao atribuir “à exaltação na qual se encontram os homens quando em consequên-
cia de efervescência coletiva a certeza de serem transportados para um mundo
inteiramente diferente daquele que têm sob os olhos”. Delírio esse entendido por
DURKHEIM como “qualquer estado no qual o espírito aumenta os dados da intui-
ção sensível projetando seus sentimentos e suas impressões nas coisas, admitindo
não existir representação coletiva que não seja delirante”, como diz ele, suscitando
violenta emoção.
Segundo ANTUNES FILHO (2009), citando DURKHEIM (2001: 431-2, 494),

[...] as emoções religiosas vêm a corroborar os desejos ligados às necessidades individuais


e/ou coletivas. Derivados dos jogos de imagens e combinações mentais é aquela que faz

7 Os romeiros de juazeiro do Norte e as curas milagrosas... 241


do rito, das histórias relacionadas e dos ideais, elementos vivos e presentes causando
no indivíduo a impressão de que algo sagrado habita e age na natureza, no clã e em si
mesmo. [...] propiciando o sentimento de reconforto moral, fé, alegria, paz, serenidade,
entusiasmo e impulso para crer e viver.

MAUSS (1979), também entre final do séc. XIX e meados dos anos 1920, todavia,
enquanto antropólogo vem a admitir

[...] a emoção religiosa como meio de extravasar a vivência social – frustrações, medos,
angústias – um elemento que causa coesão e unidade em um dado grupo religioso pelas
sensações de prazer, conforto, alegria, vitória e esperança atribuídos a Deus e que,
mesmo recebendo a influência da sociedade, o indivíduo possui certa autonomia, se
diferenciando do pensamento de Durkheim que privilegia o coletivo em detrimento do
individual.

Acompanhando MAUSS, poderíamos incluir o romeiro de Juazeiro do Norte em sua


individualidade, mesmo enquanto partícipe, também, de manifestações coletivas.
Vimos a admitir a emoção que o domina atuando enquanto papel preponderante
na eficácia do ato penitencial a que se submete, ou seja, o de vir a se sentir curado.
Assim, admitimos que a emoção enquanto reação do indivíduo quando diante
de algo que não vai bem com sua saúde pode levá-lo a se sentir doente. Tal ideia,
segundo constatamos quando em contato com informantes, os conduz a adotar
as medidas cabíveis, segundo seus conhecimentos, para situações de emergência
comuns em seu meio familiar e social. Seriam as medicações caseiras à base de
plantas conhecidas em seu meio familiar e social da região onde habita ou consul-
tas aos mais entendidos em curas de doenças e, mesmo, a benzedeiras, elementos
importantes nas comunidades rurais das regiões de caatinga por nós, percorri-

242 7 Os romeiros de juazeiro do Norte e as curas milagrosas...


das. Nesse quadro de procedimentos destacamos o apelo a Padre Cícero, em quem 29 Formado
em Harvard e na
depositam toda a esperança de cura. Nesse sentido, em LAPLANTINE (2004: 15),
Universidade da
há um comentário no qual faz despertar “nas ciências sociais a necessidade de se Califórnia, doutor em
voltarem ao estudo da subjetividade do doente, o qual interpreta, por si mesmo, os estudos teológicos
e sociologia das
processos que fazem com ‘que ele se sinta mal’ ou ’em plena forma’”. O autor atesta a
religiões.
posição das Ciências Sociais e, particularmente, da Antropologia quanto à ênfase na
subjetividade, sem, contudo, dar importância, também, à objetividade, visto poder-
mos admitir que a emoção causada pelo sentir-se doente pode ser analisada, sim,
objetivamente, conforme atestam MARINO JR. e CANNON, já mencionados acima,
ao tratarem da fisiologia da emoção. Acrescentamos, ainda, a materialidade da far-
macobotânica envolvida no conjunto de medidas adotadas. Assim, vimos a admitir a
importância da objetividade ao lado da subjetividade como elementos importantes
na análise das ocorrências de cunho socioreligioso envolvendo questões de saúde:
doença e cura. Aí está o ponto alto de nossa discussão, levando-nos a fixar nossas
atenções no que seriam os impulsos religiosos nos apelos por curas.

7.2 OS IMPULSOS RELIGIOSOS

Os impulsos religiosos são tratados por ASLAN (2018: 46)29, doutor em estudos teo-
lógicos e sociologia das religiões, em sua obra Deus – Uma história humana, na qual
assim se expressa:

A ciência cognitiva da religião começa com uma premissa simples: a religião é antes de
tudo, e principalmente, um fenômeno neurológico. O impulso religioso, em outras pala-
vras, é em última instância uma função de reações eletroquímicas complexas do cérebro.
Claro, esse fato por si só não é uma observação convincente e decerto não diminui e nem
deslegitima o impulso religioso. Todo impulso – todo impulso sem exceção – é gerado por

7 Os romeiros de juazeiro do Norte e as curas milagrosas... 243


reações eletroquímicas complexas no cérebro. Por que o impulso religioso seria dife-
rente? Conhecer a mecânica neural do impulso religioso não prejudica a legitimidade da
crença religiosa.

O autor acima cita MURRAY (2009: 168-78), admitindo-o como um dos principais
pensadores da área, o qual assim se expressa: “O fato de termos crenças que bro-
tam de ferramentas mentais escolhidas pela seleção natural é, por si só, totalmente
irrelevante para a justificativa das crenças que delas derivam”. Acrescenta, ainda,
ASLAN (2018: 47): “No entanto, se é verdade que a religião é um fenômeno neu-
rológico, talvez possamos procurar as origens do impulso religioso no lugar em que
realmente reside: no cérebro”.
No III Simpósio de Saúde Quântica e Qualidade de Vida em São Paulo – SP, em 2013,
a espiritualidade foi praticamente tema central. Sobre Neurociência e a integração
corpo-mente-alma-espírito, MARINO JR., neurologista várias vezes mencionado no
decorrer deste livro, apresentou as noções que constituem as bases da neurologia
e da neurofisiologia. Considerando o sistema límbico sede das emoções e dos
fenômenos chamados paranormais, focaliza “a unidade que esse sistema hoje nos
dá do ponto de vista científico, sobre a integração corpo-mente-alma-espírito,
inclusive com explicações hoje fornecidas pela moderna física quântica”. Todavia,
não adentraremos nesse assunto, deixando que os doutos nessa área o façam,
trazendo a lume respostas às questões discutidas naquele evento.
As colocações acima se apresentam com o intuito de destacar as dúvidas que
advêm quanto aos reais conceitos de doença e cura, embora intimamente relaciona-
dos tanto à medicina hegemônica como à medicina popular, esta, todavia, pautada
nos princípios religiosos de sistemas de crença. Não cabe a nós, obviamente, uma
avaliação das verdades enunciadas pela medicina hegemônica, mas uma interpre-
tação das curas na medicina popular, nesse caso, tendo como referência o romeiro

244 7 Os romeiros de juazeiro do Norte e as curas milagrosas...


de Juazeiro do Norte quando este se julga curado pela intercessão de Padre Cícero,
o que procuramos alinhavar no presente livro.

7.3 O SENTIR-SE DOENTE E O SENTIR-SE CURADO

O sentir-se doente, a partir das colocações do fisiologista CANNON, citado anterior-


mente, sobre a constância no organismo humano do equilíbrio químico, entendemos
decorrer dos sintomas advindos do momento em que esse equilíbrio se desorga-
niza, permitindo que ocorram alterações somáticas, traduzidas nos sintomas que
levam o indivíduo a se sentir doente. Assim, podemos admitir que o quadro sinto-
mático decorrente daquele desequilíbrio se apoie no que diz MARINO JR. (2005:
144, 150) ao se referir à emoção como possível desencadeante de tal desequilíbrio:

[...] a emoção e a motivação, encontram-se relacionados e as nuanças da manifestação


de uma experiência emocional são muitas, podendo levar o indivíduo a se sentir feliz,
agitado, deprimido, etc.

E perguntamos: por que não curado, visto o possível desaparecimento dos sintomas
que o levaram a se sentir doente, já que uma forte emoção pode desencadear alte-
rações somáticas, como diz acima MARINO JR.?
Devemos recordar, ainda, que CANNON (1927) já admitia que o equilíbrio quí-
mico do corpo podia ser controlado pelo Sistema Nervoso Autônomo, que regula o
meio interno do corpo, dando destaque para a fisiologia da emoção. Esse o senti-
mento tal como deve ocorrer com aquele que apela ao santo de sua devoção a fim
de alcançar uma determinada cura, a exemplo do romeiro de Juazeiro do Norte
quando o colocamos como um referencial para tratarmos de tais curas.
Para que possamos encetar uma discussão sobre o sentir-se curado, baseamo-nos

7 Os romeiros de juazeiro do Norte e as curas milagrosas... 245


na posição da neurofisiologia tal como vimos tratando, tendo como parâme-
tro a emoção, tão presente em momentos de súplica por cura. Como citamos na
Introdução, BENSON (2015), do Instituto Mente e Corpo da Universidade de Harvard,
nos Estados Unidos, está convencido de que as crenças têm repercussões físicas e
desempenham um papel importante na prevenção e tratamento de enfermidades.

7.4 DOIS FATORES QUE JUSTIFICAM O SENTIR-SE CURADO

Diante da apreensão da natureza religiosa do pensar médico popular, sejam quais


forem os sistemas de crença envolvidos, vimos a admitir estarem todos os elementos
de ordem material e imaterial que compõem o conjunto ritualístico de cura desem­
penhando duplo papel: sacral e funcional, complementando-se. Abaixo apresentamos
os dois fatores que em seus papeis funcionais justificam não mais se interpretar o
sentir-se curado proveniente apenas de eficácia simbólica como já abordado:
1º) A materialidade da Farmacobotânica
A presença da planta medicinal em suas atividades farmacológicas nas diferen-
tes situações ritualísticas de cura, usadas nas formas de:
– inalação pela fumaça cremada em incensórios, cigarros, charutos e cachimbo;
– aspiração pelas narinas de plantas reduzidas a pó (rapé);
– uso tópico por meio de banhos, aplicação sobre a pele sã ou escarificada;
– ingestão de chás, garrafadas, bebidas rituais etc.
2º) A fisiologia da emoção em seus componentes físico, psicológico e social,
interagindo com o transcendente agente desencadeador da emoção que domina o
suplicante por cura – o componente sacral – a crença, a fé.
Recordemos que, nos rituais de cura em contextos da medicina popular, pode-
mos distinguir, embora complementares, o papel sacral e o papel funcional dos
elementos que os compõem: reza, canto, dança, instrumentos musicais, plantas

246 7 Os romeiros de juazeiro do Norte e as curas milagrosas...


em várias formas de utilização, bebidas rituais etc. e, sobretudo, a própria fala do
agente que vai efetuar o ritual de cura, elementos todos carregados de simbolismo,
os quais enquadramos em seu papel sacral. São, todavia, esses elementos que admi-
timos virem a interagir com o papel funcional representado pela materialidade da
farmacobotânica e da fisiologia da emoção. São, porém, papéis que podem ser ana-
lisados separadamente, pois tal dicotomia possibilitará ao estudioso enveredar por
discussões mais abrangentes, a partir de outras áreas acadêmicas, visto a multidis-
ciplinaridade, característica dos estudos de medicina popular.
Retomamos o destaque que demos na Introdução, referente ao que frisou
ARNOLD (1984) sobre a possibilidade de a expressão emocional ser classificada em
uma base fisiológica, notadamente quanto à sua intensidade. Apresentamos como
exemplo o romeiro em sua súplica por cura, imbuindo-se da certeza de que, ao se
fazer merecedor, Padre Cícero o atenderá, intercedendo junto a Deus, levando-o a
se sentir curado. Cura a qual entendemos como retorno ao estado anterior à ocor-
rência dos sintomas que o levaram a se sentir doente, suficiente para que o romeiro
se sinta realmente curado, já que, movido pela emoção, esta lhe vem a proporcionar
as alterações somáticas já discutidas.

7.5 EX-VOTOS COMO TESTEMUNHOS DAS CURAS

Entendemos os ex-votos no campo médico-popular como representações mate-


riais fundadas no gesto de agradecimento por graça recebida, expresso na relação
recíproca entre o homem e a entidade a qual o acudiu, devolvendo-lhe o estado de
saúde almejado, como diz FROTA (1981: 17) em Promessa e milagre – voto e ex-voto
– “testemunham a reciprocidade de dons trocado entre o humano e o divino, no
plano da organização religiosa. Através de ação corporal e/ou oferta material, o
indivíduo agradece à entidade sobrenatural, que o acudiu em momento de vicissi-

7 Os romeiros de juazeiro do Norte e as curas milagrosas... 247


tude, o benefício recebido”.
TEIXEIRA et al. (2010: 122), analisando os ex-votos em sua dimensão subjetiva,
entendem que sua entrega nas igrejas se dá enquanto “desobrigação do voto” e que
a razão mais comum deve-se ao restabelecimento da saúde.

Citando o antropólogo Roberto BENJAMIM (2002), os ex-votos ofertados mostram os


modos de construção das subjetividades, visto que os devotos encomendam o objeto
de acordo com suas características particulares, enfatizando os traços próprios do seu
sofrimento e da graça alcançada, realçando aspectos culturais norteadores das represen-
tações sociais de saúde, sofrimento, fé.

Todavia, entendemos que os ex-votos expostos nas salas de milagres de Juazeiro


do Norte, assim como de outras tantas salas de milagres de templos espalhados
por todos os cantos do mundo, desde priscas eras, são os testemunhos de curas.
Curas que para os agraciados realmente ocorreram e isso basta, visto interessarem
somente aos curados.
Ilustramos com foto antiga a exposição de ex-votos da sala de milagres de
Juazeiro do Norte, por nós documentada, lá pelos idos dos anos 1990, representados
por fotos, imagens, objetos de diferentes naturezas, ali depositados pelos próprios
romeiros. Hoje eles se acham conservados segundo critérios metodológicos pró-
prios para organização de museus, como mostra a segunda foto, compreendendo,
enfim, tudo aquilo que pode documentar curas confirmadas pelos agraciados.
Expomos as fotos que retratam as duas fases do Museu:
1ª) quando eram os próprios romeiros que assentavam seus ex-votos;

[Foto 10]

248 7 Os romeiros de juazeiro do Norte e as curas milagrosas...


2ª) ex-votos organizados segundo os ditames de uma organização museológica.

[Foto 11]

7.6 DOIS MIL ANOS SEPARANDO OS HUMORES DE HIPÓCRATES E A


HOMEOSTASE DE CLAUDE BERNARD

Cerca de 2.000 nos separam da medicina hipocrática, quando os médicos hipocráti-


cos, tendo descido a medicina do Céu, passaram a admitir que a saúde do homem
estava no equilíbrio dos humores e o atendimento médico deveria se estabelecer
a nível terráqueo. A partir dessa posição, admitiam no organismo quatro humo-
res (sangue, linfa, bílis amarela e bílis negra), que se relacionavam com os quatro
elementos da natureza (terra, água, ar e fogo) e com as quatro qualidades (calor,
secura, frio e umidade), como já referimos no início deste livro. Os humores (san-
gue, linfa, bílis amarela e bílis negra) davam origem a temperamentos (fleumático ou
pituitoso, bilioso e melancólico).
A partir do exposto acima, para os médicos hipocráticos, a saúde resultava do
equilíbrio entre os quatro humores. Já a doença resultava de um desequilíbrio ou
da combinação incorreta entre eles. As causas dessas doenças podiam ser externas
ou internas e o trabalho do médico consistia em restaurar o equilíbrio dos quatro
humores por meio da administração do humor em falta ou pela eliminação do humor
em excesso. No entanto, essa intervenção só ocorria caso a natureza por si só não
restabelecesse esse equilíbrio ou com o intuito de acelerar esse restabelecimento.
A expulsão de humores do organismo poderia ocorrer através de várias vias:
boca, nariz, reto, vias urinárias e ainda por meio de sangrias. Dietas apropriadas e
medicamentos que promovessem a extração de humores eram os recursos mais
utilizados no restabelecimento do seu equilíbrio. Entre os medicamentos, estavam

7 Os romeiros de juazeiro do Norte e as curas milagrosas... 249


os diuréticos, purgantes, sudoríferos, eméticos e soníferos, basicamente obti-
dos das plantas medicinais que vicejavam em terras gregas ou em imediações, as
quais somente no século I de nossa era foram catalogadas pelo grego PEDANIUS
DIOSCÓRIDES (40-90), em sua Matéria Médica, obra que serviu de base para a sis-
tematização de todos os conhecimentos médicos da época, ou seja, para os escritos
de GALENO DE PÉRGAMO (131-200), Tratado Terapêutico, em cuja obra de 14 livros
enaltece o valor terapêutico dos vegetais sobre os produtos de outra origem.
Percebemos, assim, que, separados por séculos, estão a saúde determinada pelo
equilíbrio dos humores, segundo a medicina hipocrática, e o equilíbrio bioquímico,
a homeostase de CANNON, o estado de saúde do homem, hoje assunto por nós
abordado no presente livro.

7.7 OS ROMEIROS DE JUAZEIRO DO NORTE E AS CURAS MILAGROSAS

Eis as palavras do sociólogo CAMARGO (1961):

[...] fato de se interiorizar a orientação da vida e se procurar valores, de modo racional,


não impede que as expectativas de solução e os próprios valores almejados sejam de
natureza sacral. Pelo contrário, muitas vezes a solução sacral é a única que parece com-
preensível e significativa, a única bastante radical e profunda para ser capaz de organizar
a vida íntima e atribuir valor e sentido às ações e experiências.

Todavia, lembramos que romarias a lugares santos ocorrem desde eras que se per-
dem no tempo, assim como exposições de ex-votos testemunhando infindáveis
números de curas em templos espalhados por todos os rincões deste mundo. São
curas criando novos alentos àqueles que, agraciados, recobram os ânimos que ani-
mam as vidas ainda por viver.

250 7 Os romeiros de juazeiro do Norte e as curas milagrosas...


FONTES DOCUMENTAIS PRIMÁRIAS

cartas avulsas

- Do Padre José Antônio Ibiapina a Dom Luís, de Barbalha, em 14 de fevereiro de 1869.


- Do Padre Quintino Rodrigues de Oliveira e Silva a Dom Joaquim José Vieira, em 27 de julho
de 1910.
- Carta do Padre Ibiapina ao Bispo da Diocese do Crato, em 2 de janeiro de 1862.
- Carta do Padre Ibiapina ao Bispo Dom Luís Antônio dos Santos.

registro de batismo

- Livro de Registro da Igreja de Missão Velha.


Registro do 1º batismo, datado de 1748.

251
FONTES IMPRESSAS

semanário

O Araripe. jul., set., nov. de 1855.


jan., fev., abr. de 1856.
out. de 1862.

jornais

Jornal da Medicina. Rassegna Médica Cultural VII, n. 3, IX, 1969.


______. Rassegna Médica Cultural, n. 2, VI, 1969.
A voz da religião no Cariri. Ano 1 (1), 3 de dezembro de 1868.
______. Ano 1 (13), 7 de março de 1869.
Gazeta do Norte. 1888.

revistas

O Besouro. 20 de julho de 1878.


Revista Trimestral do Instituto do Ceará. Tomo XII – Ano XII. Typ. Minerva – Fortaleza, 1908.
Revista Trimestral do Instituo do Ceará. Tomo XXIV – Ano XXI. Typ. Minerva – Fortaleza, 1910.
Revista Trimestral do Instituto do Ceará. Tomo XXV – Ano XXV. Typ. Minerva – Fortaleza, 1911.
Revista Trimestral do Instituto do Ceará. Tomo XXVI – Ano XXVI. Typ. Minerva – Fortaleza, 1912.
Revista Trimestral do Instituto do Ceará. Tomo XXIX – Ano XIX. Typ. Minerva – Fortaleza, 1915.
Revista Trimestral do Instituto do Ceará. Tomo XXIX – Ano XXIX. Typ. Minerva – Fortaleza, 1915.
Revista Trimestral do Instituto do Ceará. Tomo XXXIII – Ano XXXIII. Typ. Minerva – Fortaleza, 1919.

252
cartas

Cartas jesuíticas dos séculos XVI, XVII, XVIII XIX.

Extraídas dos três volumes de Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil.


Serafim Leite S.I.
Comissão do IV Centenário da cidade de São Paulo.
Tipografia da Atlântida – Coimbra – Portugal – 1956.

Cartas do século XVI, XVII, XVIII e XIX (Ver Índice Remissivo).

253
BIBLIOGRAFIA

ABREU, Capistrano de. Sobre uma História do Ceará. Revista do Instituto do Ceará. Fortaleza:
Tipografia Studart, 1899: 29.
AKIHISA, Toshihiro; KOKKE W.C.M.C. TAMURA, Toshitake. Sterols of Kalanchoe pinnata: first
report of the isolation of both epimers of 24-alkyl-d-25-sterols from higher plants. Lipids, v.
26, 1991: 660-665.
ALBARRACIN, Agustín. O fármaco no mundo antigo – O fármaco em Roma: A obra de Galeno.
História do medicamento. v. 2. Rio de Janeiro: Glaxo do Brasil, 1993.
ALBUQUERQUE, Ullyces; ANDRADE, Laise de Holanda Cavalcanti. Usos de recursos vegetais
da caatinga: o caso do agreste do Estado do Pernambuco (Nordeste do Brasil). Interciência,
v. 27, 2002: 336-346.
ALMEIDA, Isnaia Firmínia de Souza. Lampião: a medicina e o cangaço. Revista Eletrônica de
Ciências Sociais, 2006: 112-130.
ALMEIDA, Edvaldo Rodrigues de. Plantas medicinais Brasileiras, Conhecimentos Populares e
Científicos. São Paulo: Hemus Editora, 1993.
ALVES, Maria Daniele. Desejos de civilização: representações liberais no jornal O Araripe 1855
- 1864. Dissertação de Mestrado em História e Culturas. Universidade Estadual do Ceará,
Fortaleza, 2010.
AMORIM, Aluízio Batista de. Elementos de sociologia do direito em Max Weber. Florianópolis:
Insular, 2001.
ANCHIETA, José de. Polo moleiro. Poesias. Manuscrito do sec. XVI, em português, espanhol,
latim e tupi. Transcrição, traduções e nota de M.de L. de Paula Martins. Boletim IV – Museu
Paulista – Documentação Linguística 4, 1954.
______. Na Vila de Vitória e na Visitação de Santa Isabel; peças em castelhano em português
do século XVI, transcritas e comentadas por M. de L. de Paula Martins. Poesias. São Paulo:

254
Boletim IV, Museu Paulista, 1954.
______. Poema da bem-aventurada Virgem Maria, mãe de Deus – originais latinos acompa-
nhados de tradução em verso alexandrino, introdução e anotações ao texto pelo Pe. Armando
Cardoso, S. J. Tomos I e II. São Paulo: Ed. Loyola, 1988.
______. Do irmão José de Anchieta ao general P. Diogo Laínes, Roma – carta sobre coisas
naturais de São Vicente, São Vicente, 31 de maio de 1560. Minhas cartas: Cartas e correspon-
dência ativa e passiva do padre Hélio Abranches Viotti, S.J. São Paulo: Ed. Loyola, 1984.
ANDRADE, Mário. Namoros com a medicina. Porto Alegre: Globo; 1939.
ANGELO, Priscila Milene; ORGELL, Neuza Jorge. Compostos fenólicos em alimentos –uma
breve Revisão. Rev. Inst. Adolfo Lutz, v. 66, n. 1, São Paulo, 2007.
ANTOLOGIA. Literatura popular em verso – Antologia , Tomo II; 1920.
ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Itatiaia/Edusp,
1982. (Coleção Reconquista do Brasil)
ANTUNES FILHO, Edemir. Religião, corpo, emoção. Educação dos sentidos e hábitos de classe na
Igreja – Comunidade da Graça no ABC paulista. Tese de doutorado. Universidade Metodista
– Faculdade de Humanidades e Direito, São Bernardo do Campo, 2009.
ARAGÃO, A.C.F. Diabruras, santidades e profetas. Lisboa: Academia Real de Sciencias, 1894.
ARANDA, Júlio Cezar Gómez. Las proyecciones de la medicina pretecnica y mágica griega
en el hipocratismo del siglo de Péricles. Revista de la Facultad de Medicina de la Faculdad
Nacional de Tucumán, v. 8, 2007.
ARAÚJO, Padre Antônio Gomes de. Povoamento do Cariri. Crato, Faculdade de Filosofia do
Crato, 1973.
ARAÚJO NETO, Vitor. Estudo das atividades antinociceptiva, antiinflamatória e antioxidante
da Sideoxylon obtusifolium (Roem, Schult) T.D. Penn – Sapotaceae. Dissertação de mestrado
em Biotecnologia em Recursos Naturais. UFSE, São Cristovão, 2009.
ARAÚJO, Antônio Amaury Corrêa de; FERNANDES, Leandro Cardoso de. Lampião, a medicina
e o cangaço. São Paulo: Traço, 2005.

255
ARAÚJO, Júlio Maria. Química de Alimentos: Teoria e Prática. Viçosa: Editora UFV, 2008.
ARNOLD, Arthur P. Gonadal steroide induction of structural sex diferences in the Central
nervous system, 1984. In: MARINO JR., Raul. A religião do cérebro: as novas descobertas da
neurociência a respeito da fé humana. São Paulo: Gente, 2005.
ARRAES, Damião Esdras Araújo. Curral das reses. Curral das almas: Introdução à urbani-
zação do sertão nordestino entre os séculos XVII e XIX. Dissertação de mestrado em História
e Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP,
São Paulo, 2012.
______. Curral de reses, curral de almas. Introdução à urbanização dos “Certoens” das capi-
tanias do Norte (séculos XVII- XIX). Revista do Instituto de Estudos Brasileiros – USP, n. 58,
jun. 2014: 51-77. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-901X.v0i58p51-77>.
Acesso em: 27 jun. 2019.
ASLAN, Reza. Deus: Uma história humana. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
AZEVEDO, Paulo Roberto. A Sociologia weberiana: aspectos históricos teóricos e metodoló-
gico. Tempo da Ciência, v. 18, 2011.
AZZI, Riolando. A instituição eclesiástica durante a 1ª época colonial. In: HORNAERT, Eduardo.
História da Igreja no Brasil: ensaio de interpretação a partir do povo, primeira época, período
colonial. Petrópolis: Vozes, 2008.
______. A Espiritualidade Popular no Brasil: um enfoque histórico. Grande Sinal – Revista de
Espiritualidade, ano XLVIII, 1994/3.
______. As romarias de Juazeiro do Norte: Catolicismo luso-brasileiro versus catolicismo
romanizado. 1º Simpósio internacional sobre o Padre Cícero e os romeiros de Juazeiro do Norte, 1990.
BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. O feudo: a Casa da Torre de Dias d’Ávila – da conquista dos
sertões à independência do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
BARBOSA-FILHO, José Maria et al. Plants and their active constituents from South, Central,
and North America with hypoglycemic activity. Revista Brasileira de Farmacognosia, v. 15, n.
4, 2005: 392-413.

256
BARRETO, Francisco Murilo de Sá. Padre Cícero - Coleção “Nossos Padres”. São Paulo: Loyola, 2002.
______. Romarias; ascese nas estradas em busca do “lugar santo”. A vida em Cristo e na
Igreja, n. 47, 1981: 3.
BARRETO, Luis Antônio. Padre Luiz Gonzaga Cabral e a radicalidade do discurso jesuítico.
Portal da Cultura – Serigy: A história de um povo, 2006.
BENJAMIN, Roberto. Devoções populares não-canônicas na América Latina: uma proposta
de pesquisa. VI Congresso Latino-americano de Ciências da Comunicação – Ciência, Filosofia
e Religião, 2002. Disponível em: <www.cafeesaude.com.br/cafeesaude/ciencia_filosofia_
religiao.htm>. Acesso em: 20 set. 2006.
BERMAN, R.; Moraes V.G.L.; SILVA, S. Ação do extratoaquoso de Kalanchoe pinnata (Saião)
sobre o parasita Leishmania – I, estudo in vivo. XII Simpósio de Plantas Medicinais do Brasil,
Curitiba, 1992.
BEZERRA, Denise Aline Casimiro. Estudo fitoquímico, bromatológico e microbiológico de
Mimosa tenuiflora (Wild) Poiret Piptadenia stipulacea (Benth) Ducke. Dissertação de mes-
trado em Zootecnia. Centro de Saúde e Tecnologia Rural – Federal de Campina Grande,
Campina Grande, 2008.
BEZERRA, Denise Aline Casimiro; RODRIGUES, Fabíola Fernandes G.; COSTA, José Gualberto
M. et al. Abordagem fitoquímica, composição bromatológica e atividade antibacteriana de
Mimosa tenuiflora (Wild) Poiret E Piptadenia stipulacea (Benth) Ducke. Acta Scientiarum
Biological Sciences, v. 33, 2011: 99-106.
BEZERRA, Osicleide de Lima. Trabalho, pobreza e caridade: as ações do Padre Ibiapina nos
sertões do Nordeste. Tese de doutorado em Ciências Sociais. Universidade do Rio Grande do
Norte, 2010.
BOLETIM Archidiocesano. Fortaleza, ano IV, n. 20, ago. 1921.
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1997.
BOTELHO, André (Org.). Clássicos: Sociologia Essencial. Pinguim Companhia. Companhia das
Letras, 2013.

257
BOSI, Ecléa. O tempo da memória: Ensaios de Psicologia Social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
BRAGA, Antônio Mendes da Costa. A subida do Horto: ritual e topografia religiosa nas roma-
rias de Juazeiro do Norte, Ceará, Brasil. Debates do NER, ano 15, n. 25, jan.-jun. 2014.
BRAGA, Renato. Plantas do nordeste, especialmente do Ceará – Coleção Mossorense Série “C”,
v. 204. Mossoró: Fundação Guimarães Duque/Fundação Vingt Un Rosado, 2001.
BRANDÃO, Carlos. Memória do Sagrado: Estudos de Religião e Ritual. São Paulo: Paulinas, 1985.
______. Fronteira da fé: Alguns Sistemas de Sentido, crenças e religiões no Brasil de Hoje.
Dossiê Religiões do Brasil. Estudos Avançados, v. 18, 2004.
BRAZ FILHO, Raimundo. Contribuição da fitoquímica para o desenvolvimento de um país
emergente. Quim. Nova, v. 33, n. 1, 2010: 229-239.
BRITO, Milton de. Crescimento de plantas de umbuzeiro (Spondias tuberosa Arruda).
Disponível em: <www.spondias tuberosa arruda–umbubrasil.gex.com.br>. Acesso em: 27 jun. 2019.
CABRAL, Padre Luiz Gonzaga. Jesuítas no Brasil (Séc. XVI). 3.° volume da coleção Inéditos e
dispersos. São Paulo, Cayeiras, Rio, Recife: Companhia Melhoramentos, 1925.
CALAINHO, Daniela Buono. Jambacousses e gangazambes: feiticeiros negros em Portugal.
Afro-Ásia. Bahia, Universidade Federal da Bahia, 2001: 25-26.
CALIXTO JUNIOR, João Tavares de. Achegas à História de Aurora - CE. Disponível em:
<lavrasce.blogspot.com/2011/achegas-historia-de-aurora.ce.html>. Acesso em: 4 mar. 2017.
CALÓGERAS, João Pandiá. Os Jesuítas e o ensino. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1911.
CAMARGO, Cândido Procópio de. Kardecismo e Umbanda. São Paulo: Pioneira, 1961.
CAMARGO, Maria Thereza Lemos de Arruda. Garrafada. Rio de Janeiro: Ministério da
Educação e Cultura – Departamento de Assuntos Culturais, Campanha de Defesa do Folclore
Brasileiro, 1975.
______. Denominações de doenças na linguagem popular. In: Anais do 11º Encontro Cultural
de Laranjeiras, ano II, v. I (3), 1978: 69- 96.
______. O bálsamo de Ferrabrás. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, ano 10,
n. 10, 1982.

258
______. As plantas condimentícias nas comidas rituais de cultos afro-brasileiros. Revista do
Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São Paulo - USP, São Paulo n. 31, 1990.
______. As plantas do catimbó em Meleagro de Luís da Câmara Cascudo. Herbário
Etnofarmacobotânico – Banco de Dados. São Paulo: Humanitas Publicações –FFLCH/USP, 1999.
______. Herbário Etnofarmacobotânico (Banco de Dados).
______. Os poderes das plantas numa abordagem etnofarmacobotânica. Revista do Museu
de Arqueologia e Etnologia - USP, n. 116, São Paulo: 2005-6: 395-410.
______. Revisão da noção de eficácia em Lévi-Strauss, considerando-a em contexto da
Etnofarmacobotânica. 1º Simpósio Sudeste da Associação Brasileira de História da Religião –
ABHR e 1º Simpósio Internacional da ABHR. Universidade de São Paulo, 19-21 out. 2013.
______. As plantas medicinais e o sagrado, considerando seu papel na eficácia das terapias
mágico-religiosas. Conferência de abertura do Seminário Kosi ewe Kosi orisà – Folhas sagra-
das – Instituto Joaquim Nabuco - Recife, de 17-18 jul. 2014.
______. As plantas medicinais e o sagrado: a Etnofarmacobotânica em uma Revisão historio-
gráfica da medicina popular no Brasil. São Paulo: Ícone Editora, 2014.
______. Contribuição da Etnofarmacobotânica na interpretação das curas mágico religio-
sas na medicina popular. XXIV Palestra no Simpósio de Plantas Medicinais do Brasil. Belo
Horizonte, 21-24 set. 2016.
______. As curas mágico-religiosas na medicina popular: Os romeiros de Juazeiro do Norte. XIV
Simpósio Nacional da ABHR. Universidade Federal de Juiz de Fora, 15-17 abr. 2015. Disponível
em: <ABHR.org.br/plural/org.br/plural/ojsindex.php/anais/article/view/1393/1002>.
Acesso em: 27 jun. 2019.
______. Homem – Natureza – Crença/Etnofarmacobotânica – Caatinga – Padre Cícero. São
Paulo: Editora Ícone, 2018.
CAMPOS, Roberta Bivar Carneiro. Como Juazeiro do Norte se tornou a terra da mãe de Deus:
penitência, ethos de misericórdia e identidade do lugar. Religião e Sociedade. Rio de Janeiro:
n. 28, 2008: 146-175.

259
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. A ciência, a Sociedade e a Cultura emergente. São Paulo:
Cultrix, 1982.
CARDIM, Fernão. Tratado da terra e gente do Brasil. São Paulo: Editora Universidade de São
Paulo, 1980.
CARDOSO, Walter; NOVAI, Fenando; D’AMBROSIO, Ubiratan. Para uma história das ciências
no Brasil colonial. Revista da Sociedade Brasileira de história da Ciência (SBHC), n. 1, 1985.
CARLINI, Elisaldo A.; RODRIGUES, Eliana; MENDES, Fúlvio M. et al. Da planta medicinal ao
medicamento. Cientific American do Brasil, ano 6, n. 63, 2007: 70-77.
CARMO, J. Messias do. Idade Média. Revista da Flora medicinal. Rio de Janeiro: Ano XIV, n. 6,
1947: 281-284.
CARNEIRO, Henrique. S. Afrodisíacos e alucinógenos nos herbários modernos: a história moral
da botânica e da farmácia. (séc. XVI ao XVIII). Tese de doutorado. Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1997.
CARVALHO, Daniel M.; AMORIM, Elba Lúcia Cavalcanti. Avaliação da atividade antioxidante
e dos teores de taninos de plantas nativas da Caatinga usadas popularmente para transtornos
do sistema respiratório. CTG-UFPE, 2001.
CARVALHO, Ernando Luiz Teixeira. A missão Ibiapina: A crônica do século XIX escrita por
colaboradores e amigos do Padre Ibiapina atualizada com notas e comentários. Passo Fundo:
Berthier, 2008.
CARVALHO, Gilmar. Madeira matriz. Tese de doutorado, São Paulo: Annablume, 1998.
CARVALHO, Paulo Ernani Ramalho. Juazeiro (Zyzyphus joazeiro). Circular Técnica 139,
EMBRAPA. Colombo: 2007.
CASCUDO, Luís da Câmara. Religião no povo. João Pessoa: Imprensa Universitária da Paraíba, 1974.
CASIMIRO, Antônio Renato Soares de. O justo clamor – Introdução. In: CASIMIRO, Antônio
Renato Soares de (Org.). Padre Cícero Romão Baptista e os fatos de Juazeiro: a questão reli-
giosa. Fortaleza: Senac, 2012.
CASTEJON, Fernanda V. Taninos e saponinas. Seminários aplicados ao Programa de Pós-

260
Graduação. Universidade Federal de Goiás, 2011.
CASTRO, Sérgio Antônio; Cavalcante, Ambrósio. Flores da caatinga. Campina Grande:
Instituto Nacional do Semiárido; 2011.
CAVALCANTE, Ana Lúcia Furtado de Almeida. Plantas medicinais e saúde bucal: estudo etno-
botânico, Atividade antimicrobiana e potencial para interação medicamentosa. Dissertação
de mestrado. Faculdade de Odontologia da UFPB, João Pessoa, 2010.
CAVALCANTE, Maria Juraci Maia. Entre jornais, revistas e livros: a educação jesuítica no
Ceará nas décadas de 1920 e 1930 e memória histórica da Companhia de Jesus. História da
Educação, n. 37, maio-jun. 2012.
CAZAROLLI, Luisa Helena. Follow-up studies on glycosylated flavonoids and their complexes
with vanadium: Their anti-hyperglycemic potential role in diabetes. Chemico-Biological
Interactions, v. 163, 2006: 177–191.
CECHINEL FILHO, Valdir; SILVA, Karina Luize. Plantas do gênero Bauhinia: composição quí-
mica e potencial farmacológico. Quim. Nova, n. 25(3), 2002: 449-54.
CHERNOVIZ, Pedro Luiz Napoleão. Diccionario de medicina popular e das sciencias assesso-
rias para uso das famílias. 2 volumes. Paris: Ed. A. Roger & F. Chernoviz, 1890.
______. Formulario e guia médico - 18ª ed. Revista, completamente refundida, muito aumen-
tada e posta a par dos mais urgentes progressos da sciência. Livraria de R. Roger e F. Chernoviz, 1908.
CISNEIROS, Francisco Freire Alemão de. Os manuscritos do botânico Freire Alemão. Catálogo
e transcrição por Darcy Damasceno e Waldir da Cunha. Rio de Janeiro: Divisão de Publicações
e Divulgação da Biblioteca Nacional, 1964.
CORTHOUT, J.; PIETERS, L.; CLAEYS, M.; GEERTS, S.; VANDEN BERGHE, D.; VLIETINCK, A.
Antibacterial and molluscicidal phenolic acids from Spondias mombin. Planta Medica, v. 60,
n. 5, 1994: 460-463.
CYMBALISTA, Renato. A Companhia de Jesus nos séculos XVI-XVIII numa comunidade global
de mártires. XXVIII Simpósio Nacional de História. Florianópolis, 27-31 jul. 2015.
______. Marcando o território com sangue: a presença dos mártires na cartografia jesuítica

261
na América, 1618-1778. In: PEIXOTO, Elane Ribeiro; DERNTL, Maria Fernanda; PALAZZO,
Pedro Paulo; TREVISAN, Ricardo (orgs.). Tempos e escalas da cidade e do urbanismo. Anais do
XIII Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de Brasília, 2014.
DA CUNHA, A.M. et al. Hypoglycemic activity of dried extracts of Bauhinia forficata Link.
Phytomedicine, v. 17, n. 1, 2010: 37-41.
DAMASCENA, Darcy; CUNHA, Waldir da. Os manuscritos do Botânico Freire Alemão. –
Catálogo e Transcrição. Rio de Janeiro: Divisão de Publicações e Divulgação, 1964.
DAMASCENA, N.P.; CURVELLO, R.L.; Lima, A.D.C.D. et al. Atividade antioxidante do extrato
hidroetanólico e frações da entrecasca de Anadenanthera colubrina (Vell.) Bren. VII Reunião
Regional da FeSBE – Regional, 2012.
DANTAS, Beatriz Goes. Mitos, ritos e iconografia de São Benedito no catolicismo popular tra-
dicional. XXV Encontro de Laranjeiras. Laranjeiras, 2000.
DANTAS, Renato. A vivência romeira na Nova Jerusalém. Padre Cícero Romão Baptista e os
fatos de Juazeiro: A questão religiosa, v. 2, 2012: 79-83.
______. As beatas do Cariri e de Juazeiro. Coleção Juazeiro. Juazeiro do Norte, Instituto
Cultural do Vale Caririense, 1982.
DECKER, M.W. Erysodine, a competitive antagonist at neuronal nicotinic acetylcholine
receptors. European Journal of Pharmacology, v. 280, n. 1, 1995: 79-89.
DELLA CAVA, Ralph. Milagre em Joaseiro. São Paulo: Paz e Terra, 1976.
DIAS, José Pedro de Sousa; MENEZES, Ricardo Fernandes de (org.). História da farmácia e
dos medicamentos. Disponível em: <www.acd.ufrj.br/consumo/leituras/lm_historiafarma-
ciamed.pdf>. Acesso em: 05 set. 2007.
DIAS, Claudete Maria Miranda. Povoamento e despovoamento: da pré-história a sociedade
escravocrata colonial. FUNDHAMentos VII–II Simpósio Internacional, 2006.
DIEGUES JUNIOR, Manuel. O culto de Nossa Senhora na tradição popular. Revista brasileira
de folclore, n. 20, 1968.

262
DINIS, Margareth de Fátima F. Melo; OLIVEIRA, Rinalda Araújo G. de; MEDEIROS, Ana Cláudia
Dantas de et al. Memento de plantas medicinais: As plantas como Alternativa terapêutica:
Aspectos populares e científicos. João Pessoa: Editora Universitária, 2006.
DODIN, André. Francisco de Sales, Vicente de Paulo: Dois amigos. São Paulo: Edições Loyola, 1990.
DOUGLAS, Barduche et al. Proteolysis in the Subtropical Woody Tree Anadenanthera colu-
brina (Angico) Seeds during and after Germination. American Journal of Plant Sciences, 2018.
DOUKE, Adolpho. Explorações Botânicas e Entomológicas no Estado do Ceará. Revista
Trimestral do Instituto do Ceará. Tomo XXIV. Fortaleza: Typ. Minerva, 1910.
DUARTE, Carlos Lisboa; GONÇALVES, Hegildo Holanda; NÓBREGA, Nádia Pinheiro. Tudo é
número: uma análise conceitual da ideia de número em Pitágoras. Revista Principia divulga-
ção científica e tecnológica do IFPB, n. 33, 2007: 99-107.
DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
______. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Paulus, 2008.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
FARIAS, Airton de. História do Ceará. 7. ed. Fortaleza: Armazém de Cultura, 2015.
FARINA, Duílio Crispim. Esculápios portugueses das Sete Partidas. São Paulo: HUCITEC/
EDUSP, 1979.
FAVIER, Jean. Carlos Magno. Trad. Luciano Machado. São Paulo: Estação Liberdade, 2004.
FEITOSA, Aécio. Estratégias do discurso dos jesuítas aos indígenas brasileiros. Instituto
Cultural do Crato - CE. Revista Itaytera n. 29, 1985: 211-216.
FERRARO, Benedito. Cristologia em tempos de ídolos e sacrifícios. São Paulo: Paulinas, 1993.
FERRAZ, Márcia H.M. Química médica no Brasil Colonial: o papel das novas terras na modifi-
cação de farmacopéia clássica. In: ALFONSO-GOLDFARB, A.M.; MAIA, C.A. (orgs.). História da
ciência: Mapa do conhecimento. Rio de Janeiro/São Paulo: Expressão e Cultura/EDUSP, 1995.
FERREIRA JR., Amarílio; BITTAR Marisa. Casas de bê-á-bá e evangelização no Brasil do séc. XVI.
s[...] que toda relação inteligível pela compreensão deve ao mesmo tempo, se deixar explicar
causalmente (...) s/l: s/Editora, 2006: 165.

263
FERRETTI, Mundicarmo. Pajelança do Maranhão no século XIX. O processo de Amélia Rosa.
In: FERRETTI, Mundicarmo (org.). Religião afro-brasileira e pajelança de negro no Maranhão:
pensando sobre a intolerância. São Luís: CMF/FAPEMA, 2004.
FERRI, Mário Guimarães. Ecologia: temas e problemas brasileiros. Belo Horizonte/São Paulo:
Itatiaia/ EDUSP, 1974.
______. MENEZES, Nanuza L.; SCANAVACCA, Walkyria R. Monteiro. Glossário de termos
botânicos. São Paulo: Edgard & Blücher/EDUSP, 1971.
FIGUEIRA, Luís. Documentos do Ceará Colonial. Fortaleza: s/d. In: GIRÃO, Raimundo. Três
______tos do Ceará colonial. Fortaleza: Departamento de Imprensa Oficial, 1967: 34 - 44.
FIGUEIREDO FILHO, José de. História do Cariri. Fortaleza: Edições UFC, Secretaria da
Cultura do Ceará, Edições URCA, v. 4, 2010.
FLEXOR, Maria Helena Orchi. Cidades e vilas pombalinas no Brasil do século XVIII. Universo
urbanístico português (1415 – 1822). Lisboa: Comissão Nacional para as comemorações dos
descobrimentos portugueses, 1998: 257 -260.
FRAGOSO, Hugo. O apaziguamento do povo rebelado mediante as missões populares,
Nordeste do II Império In: SILVA, Severino (org.). A Igreja e o controle social nos sertões nor-
destinos. São Paulo: Paulinas, 1987: 10-11.
FRANCO, Lelington Lobo. As sensacionais 50 Plantas Medicinais: Campeãs de poder curativo.
Curitiba: Santa Mônica, 1996.
FRAZER, Sir James George. O ramo de ouro. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
FREUND, Julien. A sociologia de Max Weber. Tradução de Luís Cláudio de Castro e Costa.
Revisão de Paulo Guimarães do Couto. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987: 76.
FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime de eco-
nomia patriarcal. Rio de Janeiro: José Olimpio, 1950.
FREITAS, Cezar Augusto M. Miranda de. Alexandre de Gusmão: Da literatura jesuítica de inter-
venção social. Tese de doutorado em literatura e culturas românicas. Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, 2011.

264
FROTA, Lélia Coelho. Promessa e milagre nas representações coletivas de ritual católico, em
ênfase sobre as tábuas pintadas de Congonhas do Campo, Minas Gerais. Promessa e mila-
gre no santuário Bom Jesus de Matosinhos – Congonhas do Campo, Minas Gerais. Brasília:
Ministério da Educação, Secretaria de Cultura, Fundação Nacional Pró-Memória, 1981.
GARDNER, George. Um botânico inglês no Ceará de 1838 a 1839. Revista Trimestral do Instituto
do Ceará, Tomo XXVI, ano XXVI, 1º, 2º, 3º, 4º Trimestres. Fortaleza: Tip. Minerva, 1912.
GASTÃO, Paulo Medeiros. O cangaço e a imprensa. Mossoró, 2012.
GIRÃO, Valdelice. As charqueadas. Revista do Instituto do Ceará. Fortaleza, 1996: 160.
GONÇALVES, Airton Luís. Estudo da atividade antimicrobiana de algumas árvores medicinais
nativas com potencial de conservação/recuperação de florestas tropicais. Tese de doutorado
em Ciências Biológicas - Microbiologia Aplicada. Universidade Estadual de Rio Claro, 2007.
GUILLÉN, Diego Gracia. O fármaco na Idade Média. História do Medicamento. Fascículo 3, 62,
Rio de Janeiro, 1987.
GUIMARÃES, Ir. Therezinha Stella; DUMOULIN, Annette. Padre Cícero por ele mesmo
Fortaleza, INESP, 2015.
______. Romeiros/as e Romarias em Juazeiro do Norte. Protagonismo de uma liturgia
popular. Uma visão antropológica. Revista de Cultura Teológica, v. 17, n. 67, abr.-jun. 2009.
HERNANDES, Paulo Romualdo. Santa Isabel e Nossa Senhora visitam o Teatro de José de
Anchieta. Hispanica, v. XIV (53), abr.-mai. 2013.
HERSON, Bella. Cristãos-novos e seus descendentes na medicina brasileira. (1500/1850). São
Paulo: EDUSP, 1996.
HOEHNE, F.C. Plantas e substâncias vegetais tóxicas e medicinais. São Paulo: Graphicars, 1939.
HORNEART, Eduardo. História da Igreja no Brasil: primeira época, Período Colonial. Petrópolis:
Vozes, 2008.
HUBER, Jacques. Plantas do Ceará. Lista de plantas vasculares colhidas no estado do Ceará,
Brasil nos meses de setembro e outubro de 1897. Revista Trimestral do instituto do Ceará,
Tomo XII, ano XII. Fortaleza: Typ. Minerva, 1910.

265
HUE, Sheila Moura. Primeiras cartas do Brasil (1551-1555). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
IBRAHIM T.; Cunha J.M.T.; MADI K.; FONSECA L.M.B.; COSTA S.S.; KOATZ V. L.G.
Immunomodulatory and antiinflammatory effects of Kalanchoe brasiliensis.
IntImmunopharmacol, 2002: 875-883.
IDÍGORAS, J. L. Vocabulário teológico para a América Latina. São Paulo: Paulinas, 1983.
IZZO, Angelo; ERNST, Edzard. Interactions between Herbal Medicines and prescribed Drugs:
An Update Systematic Review. Drugs, v. 69, 2009: 1777-98.
JENSEN, Franz Streiner. Mito e culto entre pueblos primitivos. México: Fondo de Cultura
Econômica, 1966.
JOLY, Aylthon B. Botânica econômica. As principais culturas brasileiras. São Paulo: HUCITEC/
EDUSP, 1979.
JORGE, A.P.; HORST, H.; SOUSA, E.; PIZZOLATTI, M.G.; SILVA, F.R.M.B.l. Insulinomimetic
effects of kaempferitrin on glycaemia and on 14C-glucose uptake in rat soleus muscle.
Chemico-Biological Interactions, v. 149, 2004: 89-96.
KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Rio de Janeiro: FEB, 1858.
LAING, R.D. Metanoia: some expiriences at Kingsley Hall. In: RUITENBEEK, H.M. (org.). Going
crazy: the radical therapy of R.D. Laing and others. Nova York: Bantam, 1972.
LANGGAARD, Theodoro J.H. Diccionario de medicina domestica e popular. 2. ed. Rio de
Janeiro: Eduardo & Henrique Laemmert, 1873.
LAPLANTINE, François. Aprender etnopsiquiatria. São Paulo: Brasiliense, 1998.
______. Antropologia da doença. Coleção Biblioteca Universal. 3. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2004.
LEAL, Leonardo Ramos; TELLIS, Carla Junqueira Moragas. Farmacovigilância de plantas
medicinais e fitoterápicos no Brasil: uma breve revisão. Revista Fitos, Núcleo de Gestão em
Biodiversidade e Saúde (NGBS) de Farmanguinhos/FIOCRUZ, v. 9, n. 4, out.-dez. 2015.
LEAL, André Júnior de Brito; DANTAS, Ivan Coelho; CHAVES, Thiago Pereira et al. Estudo
fitoquímico antimicrobiano de Ceiba glaziovii kuntze k. Schum. Biofar, v. 5 (1), 2011.

266
LE GOFF, Jacques. Homens e mulheres da Idade Média. São Paulo: Estação Liberdade, 2013.
______; SCHMITT, J-C. Dicionário analítico do Ocidente medieval. Trad.: Hilário Franco
Junior, 2 vols. São Paulo; UNESP, 2017.
LEITE, N.S.; LIMA, A.P.; ARAÚJO-NETO, V.; ESTEVAM, C.S. et al. Avaliação das atividades
cicatrizante, anti-inflamatória tópica e antioxidante do extrato etanólico da Sideroxylon
obtusifolium (quixabeira). Revista Brasileira de Plantas Medicinais, mar. 2015.
LEITE, Francisco de Freitas; ALMEIDA, Maria de Fátima. Significado social dos termos e
expressões referentes a epidemias no Ceará oitocentista. Alfa Revista de linguística, v. 58 (2),
São Paulo: jun.-dez. 2014.
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional
do Livro, 1938-1950.
______. Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil. 3 vols. Comissão do IV Centenário da cidade
de Coimbra. São Paulo: Tipografia da Atlântida, 1958.
______. José de Anchieta. Poesias.
______. Cartas dos primeiros jesuítas do Brasil I. Comissão do VI Centenário da Cidade de
São Paulo. São Paulo, 1957 .
______. História da Companhia de Jesus no Brasil. 10 vols. São Paulo: Loyola, 2004.
LEMOS, Maximiano. História da medicina em Portugal – Doutrina e instituições, v. I e II.
Lisboa: Editora Livreiro de suas Majestades e Altezas, R. (Garrett Chiado), 1899: 70-72.
LEMOS, Fernando Cerqueira. Notícias sobre a epidemia de peste em Santos (1899). Revista do
Instituto Adolfo Lutz, v. 17, n. 1-2, 1957.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.
______. O uso das plantas silvestres da América do Sul tropical. Uma etnológica brasileira -
Etnobiologia. São Paulo: Vozes/Finep, 1987.
______. O pensamento selvagem. São Paulo: Ed. Nacional/Ed. da USP, 1970.
LIMA, Ebion. As missões oratorianas no Brasil: informação sobre as missões oratorianas no
Nordeste. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: IHGB, n. 323.

267
abr.-jun., 1979.
LIMA, Daniele da Cunha Amaral. Estudo comparativo da atividade antioxidante de plan-
tas medicinais da caatinga utilizadas como anti-inflamatórias. Dissertação de mestrado.
Universidade Federal do Pernambuco, 2011.
LIRA NETO. Padre Cícero – Poder, fé e guerra. São Paulo: Companhia das Letras, s/d.
LITERATURA POPULAR EM VERSO. Antologia. Tomo II (18:152, 197, 250); 1920.
LONDOÑO, Fernando Torres. Escrevendo Cartas. Jesuítas, Escrita e Missão no Século XVI.
Revista Brasileira de História, v. 22, n. 43, São Paulo, 2002.
LUTZELBURG, Philipp von. Estudo botânico do Nordeste. Rio de Janeiro: Ministério da Viação
e Obras Públicas, Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas, 1922-1923. (Facsímile).
MACEDO, José Rivair. Decadência clerical de outrora e o caso de Lavras. Revista do Instituto
do Ceará. Tomo CIII. 1989: 550.
______. Mouros e cristãos: a ritualização de conquista no Velho e no Novo Mundo. Entre l’An-
cien et le Noveau Monde - Bulletin du centre d’études médiévales d’Auxerre (BUCEMA), n. 2, 2008.
MACEDO, Octacilio. Entrevia. In: ARAÚJO, Emanuel (org.). O sertão - Da caatinga, dos santos,
dos beatos e dos cabras da peste. São Paulo: Museu Afro Brasil, 2012.
MACHADO, José de Alcântara. Vida e morte de um bandeirante. São Paulo: Martins/INL, 1978.
MAGALHÃES, Célia; MACIEL, Vilma. Padre Ibiapina. Máximas, casas de caridade e o seu pen-
samento evangelizador. Fortaleza: Expressão, 2015.
MARINO JÚNIOR, Raul. A religião do cérebro: as novas descobertas da neurociência a respeito
da fé humana. São Paulo: Gente, 2005.
MARIZ, Celso. Ibiapina – um apóstolo do Nordeste. João Pessoa: A União, 1942.
MARQUES, G.S.; LYRA, M.A.M.; PEIXOTO, M.S.; MONTEIRO, R.P.M. et al. Caracterização
fitoquímica e físico-química das folhas de Bauhinia forficata Link coletada em duas regiões
brasileiras. Revista de Ciências Farmacêuticas Básica e Aplicada, n. 33 (1), 2012: 57-62.
MARQUES, Vera R. Beltrão. Remédios secretos – Saberes e poderes. 49º Internacional de
Americanistas. Sección Medicina y Salud. Quito, 1997.

268
______. Artes e ofícios do curar no Brasil: Capítulos de história social. Campinas: UNICAMP, 2003.
MARQUES, Paulo E. Moruzzi; BACCRIN, Letícia. Diferenças entre Ciências Sociais e Ciência da
Natureza. Baseado na obra “Relativizando” de Roberto Damata. Piracicaba, 2016.
MARTINS, Lilian AlChueyr Pereira; SILVA, Paulo José Carvalho da; MUTARELLI, Sandra Regina
(2008). A teoria dos temperamentos: do corpus hippocraticum ao século XIX. Memorandum,
n. 14, 2008: 0924. Disponível em: <http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/a14/martis-
ilmuta01.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2019.
MARTINS, E.R.; CASTRO, D.M.; CASTELLAN, D.C.; DIAS, J.F. Plantas Medicinais. Viçosa:
Imprensa Universitária da Universidade Federal de Viçosa, 1994: 1-29.
______. MATOS, Francisco José de Abreu. Formulário fitoterápico do Professor Dias da Rocha
- Plantas Medicinais – guia de seleção e emprego de plantas usadas em fitoterapia no nordeste
do Brasil. Fortaleza: Impr. Univer./Edições UFC, 2002.
MARX, Murillo. Cidade no Brasil: terra de quem? São Paulo: Edusp/Nobel, 1991.
MATSUBARA, Simara; RODRIGUEZ-AMAYA, Delia B. Conteúdo de miricetina, quercetina e
kaempferol em chás comercializados no Brasil. Ciênc. Tecnol. Aliment, Campinas, 26(2), abr.-
-jun. 2006: 380-385.
MAUGANS, T.A. The spiritual history. Arch Fam. Med, 5 (1), 1996: 11- 16.
MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. v. 1. São Paulo: EPU/EDUSP, 1974.
______. Antropologia. São Paulo: Ática. 1979.
MELLO, José Rodrigues de; AMARAL, Prudêncio do. Temas rurais do Brasil. Trad. de Raul José
Sozim e Sergio Monteiro Zan. Ponta Grossa: Editora UEPG, 1997.
MELLO, Magno; LEITÃO, Henrique. A pintura barroca matemática dos jesuítas: O tratado
de prospectiva de Inácio Vieira S.J. (1715). Revista de História da Arte, Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas (UNI), n. 1, 2005: 95-141.
MEMISH, Z.A.; Venkatesh, S.; AHMED, Q.A. Travel epidemiology: the Saudi perspective. Int. J.
Antimicrob Agents, 21(2), fev. 2003: 96-101.
MENDEZ, Maria Laura; MENDES, Alberto Daniel. Cultura y loucura. Buenos Aires: Ediciones

269
libros de la Cuadriga, 1994.
MENEZES, Luiz Borba Alardo de. Memória sobre a capitania do Ceará. Revista do Instituto
Histórico e Geográphico e Etnográphico do Brasil. Tomo XXXIV. Rio de Janeiro: B.I. Garnier, 1871.
MENEZES, Fábio de Sousa et al. Hypoglycemic activity of two Brazilian Bauhinia species:
Bauhinia forficata and Bauhinia monandra Kurz. Revista Brasileira de Farmacognosia, v. 17, n.
1, 2007: 08-13.
MITSCHER, L.A. Erycristin, a new antimicrobial petrocarpan from Erythrina cristagalli.
Phytochemistry, v. 27 n. 2, 1988: 381-385.
MIYAKE, E.T. Caracterização farmacognóstica de Pata-de-Vaca (Bauhinia forficata). Revista
Brasileira de Farmacognosia, v. 1, n. 1, 1986: 56-68.
MORAES, Selene Maia de; DANTAS, Joana D’Arc Pereira; MAGALHÃES, Everaldo Farias.
Plantas medicinais usadas pelos índios Tapebas do Ceará. Revista Brasileira de Farmacognosia;
Brazilian Journal of Pharmacognosy, 15(2), abr.-jun. 2005: 169-177.
MOSCOVICI, Serge. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
MURRAY, Michael. Scientific Explanations of Religion and the justification of Religious Belief.
In: SCHLOSS, Jeffrey Schloss; MURRAY, Murray (org.). The believing Primate: Scientific,
Philosophical, and Theological Reflections on the Origin of Religion. Oxford University Press,
2009: 168-78.
NASCIMENTO, Diego Coelho do Nascimento; ALVES, Josefa Cícera Martins; ROCHA, Gledson
Alves; FEITOSA, Emmanuelle Monike Silva. Nascimento da Fazenda Tabuleiro Grande aos con-
trastes metropolitanos atuais: o caso de Juazeiro do Norte - VI Semana de Iniciação Científica
da Faculdade de Juazeiro do Norte. s/d.
NOBRE, Ediane dos Santos. Festas e práticas religiosas no Cariri cearense nos relatos de via-
gem (século XIX). III Encontro Nacional do GT História das Religiões e das Religiosidades
– ANPUH – Questões teórico-metodológicas no estudo das religiões e religiosidades. Revista
Brasileira de História das Religiões, v. III, n. 9, Maringá, jan. 2011.
NOBRE, Geraldo da Silva. As oficinas de carnes do Ceará: uma solução local para uma pecuária

270
em crise. Fortaleza: Gráfica Editorial Cearense, 1977. Disponível em: <http://www.dhi.uem.
br/gtreligiao/pub>. Acesso em: 4 dez. 2016.
NOVINSKY, Anita; LEVY, Daniela; RIBEIRO, Eneida; GORENSTEIN, Lina. Os judeus que cons-
truíram o Brasil. São Paulo: Planeta do Brasil, 2015.
OCHI, Maria Helena Flexor. Cidades e vilas pombalinas no Brasil do século XVIII. Universo
urbanístico português. Hist. Cienc. saúde – Manguinhos, v. 18, n. 3, Rio de Janeiro, jul.-set. 2011.
OLIVEIRA, Xavier. Beatos e Cangaceiros – História Real, observação pessoal e impressão psy-
chologica de alguns dos mais célebres cangaceiros do nordeste. Rio de Janeiro, 1920.
OLIVEIRA, Iranilson Buriti de. Artes de curar e modos de viver na geografia do cangaço. Hist.
cienc. saúde – Manguinhos, v. 18, n. 3, Rio de Janeiro, jul.-set. 2011.
OLIVEIRA, Aglae Lima. Lampião, cangaço e nordeste. s/l: Editora O Cruzeiro, 1982.
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de (org.). Marcel Mauss: antropologia. São Paulo: Ática, 1979.
OLIVEIRA, Alberto Rodrigues. Da fé à promoção social: atividade missionária de Padre
Ibiapina. Mestrado em Ciências da Religião. Universidade Católica de Pernambuco, 2007.
OLIVEIRA, Paulo Wendell Alves de. Memória de cidades: Transformações e permanência na
produção espacial do núcleo de formação da cidade de Juazeiro do Norte – CE. Mestrado em
Geografia. Universidade Estadual do Ceará, 2014.
OLIVEIRA, José Cândido Selva de. Isolamento de constituintes e síntese de flavonoides
encontrados em Poincianella pyramidalis (Caesalpinia pyramidadalis) – FABACEAE. Análise
fitoquímica de Theobroma cacao (MALVACEAE). Tese de doutorado em Química. Universidade
Federal da Bahia, 2014.
OLIVEIRA, Xavier. Beatos e Cangaceiros – História Real, observação pessoal e impressão psy-
chologica de alguns dos mais célebres cangaceiros do Nordeste. Rio de Janeiro: 1920.
ORDEM para a criação das Villas e Vigararias de Índios. Arquivo da matriz de Viçosa, livro de
registro n. 2. Revista do Instituto do Ceará, Fortaleza, 1929-1930: 344-349.
OTTEN, Alexandre. Só Deus é Grande. A mensagem religiosa de Antônio Conselheiro. Coleção
Fé e Realidade XXX. São Paulo: Loyola, 1990.

271
PADRE CÍCERO ROMÃO BATISTA E OS FATOS DE JUAZEIRO: A QUESTÃO RELIGIOSA.
Volume I: Org. Antonio Renato Soares de Casemiro; Vol. II: Org. Luitgarde Oliveira Cavalcanti
Barros . SENAC Editora; Fortaleza; 2017.
PANICO, Dom Fernando. A expressão litúrgica da romaria em Juazeiro. Revista de Cultura
Teológica, v. 17, abr.-jun. 2009.
PEIXOTO, Monize Santos. Obtenção, caracterização e avaliação toxicológica de extrato seco
padronizado à base de Bauhinia forficata link. Dissertação em Ciências farmacêuticas.
Universidade Federal do Pernambuco, Centro de Ciências da Saúde do Departamento de
Ciências farmacêuticas, 2012.
PEIXOTO SOBRINHO, T.J.S.; GOMES, T.L.B.; CARDOSO, K.C.M.; ALBUQUERQUE, U.P.;
AMORIM, E.L.C. Teor de flavonóides totais em produtos contendo pata-de-vaca (Bauhinia L.)
comercializados em farmácias de Recife/PE. Rev. Bras. Pl. Med., 14(4), 2012: 586-591.
PISO, Guilherme. História Natural do Brasil (1640). São Paulo: Editora Nacional, 1948.
PASCALE, Umberto. Da terapêutica espiritual em face da Deontologia médica. Reprodução
dos Arquivos de Higiene e Saúde Pública, v. XXXII-XXXIII: 111-118. Boletim da Associação
Médica Brasileira, abr.-mai. 1971: 100-111.
PATATIVA DO ASSARÉ. Inspiração Nordestina: Cantos de Patativa/Antônio Gonçalves da
Silva. São Paulo: Hedra, 2003.
PEREIRA, Fernanda; VIANA, Eliene da Silva Martins; CARDOSO, Luciana Marques; SILVA,
Gabriela Soares. Perfil antioxidante de um suco misto de couve (Brassica oleracea l.), inhame
(Dioscorea spp.) e laranja (Citrus sinensis). Científica Univiçosa, v. 4, n. 1, jan.-dez. 2014: 1-6.
PEREIRA, A.C.S.; RIBEIRO, G.E.; SOUZA, L.C.R.; RUFINO, L.R.A. Atividade biológica do extrato
hidroalcoólico de Bauhinia forficata. Rev. Bras. Pl. Med., 16(3), 2014: 585-592.
PEREIRA, José Carlos. A linguagem do corpo na devoção popular do catolicismo. Revista de
Estudos da Religião, n. 3, 2003: 67-98.
PEREIRA, Renata Junqueira; CARDOSO, Maria das Graças. Metabólitos secundários vegetais e
benefícios antioxidante. Journal of Biotechnology and Biodiversity, v. 3, n. 4, nov. 2012: 146-152.

272
PINHEIRO, Ilmário de Souza. O fenômeno da romaria de juazeiro do Norte. Implicações sociais
e religiosas. Lins: s/e, 2009.
PINHEIRO, Irineu. Efemérides do Cariri. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1963.
POMPEU SOBRINHO, Thomaz. O homem do Nordeste. Revista do Instituto do Ceará, 1939:
321-388.
PONTE, F.C.; PONTE-FILHO, F.C. Estrutura Geológica e Evolução Tectônica da Bacia do
Araripe Departamento Nacional de Produção Mineral/MME. Rio de Janeiro, 1996.
PRADO JR., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1987.
PRADO, Darién E. As caatingas da América do Sul. Ecologia e conservação da Caatinga. Centro
de Pesquisas Ambientais do Nordeste – CEPAN – Universidade Federal do Pernambuco, 2003.
PRATA, Ranulpho. Lampião. Rio de Janeiro: Ariel, 1934. In: ARAUJO, Emanuel (org.). O sertão.
Da caatinga, dos Santos, dos Beatos e dos Cabras da Peste. São Paulo: Museu Afro Brasil, 2012.
PRIMERIO, Fr. Fidelis M. de. Capuchinhos em Terra de Santa Cruz nos séculos XVII, XVIII e
XIX. São Paulo: Martins, 1942: 191.
PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: Povos Indígenas e a Colonização do Sertão Nordeste
do Brasil, 1650-1720. São Paulo: Hucitec/Editora da Universidade de São Paulo/Fapesp, 2002.
______. O Estado do Brasil: Poder e política na Bahia Colonial – 1548-1700. Editorial, 2013.
PUTTINI, Rodolfo. Medicina e religião no espaço hospitalar. Tese de Doutorado. Faculdade de
Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, 2004.
______. Medicina e espiritualidade. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2011.
QUEIROZ. Renato da Silva. Mobilizações sociorreligiosas no Brasil: Os surtos messiânico-
-milenaristas. In: BORGES, João Batista (org.). Religiosidade no Brasil. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2012.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. História do cangaço: história popular. São Paulo: Global, 1991.
RAMOS, Francisco Regis Lopes. Joazeiro entre o sagrado e o Profano. Padre Cícero Romão
Baptista e os fatos de Joazeiro. Fortaleza: Ed. SENAC, 2012.
REIS FILHO, Nestor Goulart. Contribuição ao estudo da evolução urbana do Brasil (1500/1720).

273
São Paulo: Pini, 2000.
RIBEIRO, A.R.S.; DINIS, P.B.F.; ESTEVAM, C.S. et al. Avaliação do efeito gastroprotetor de extrato
etanólico da Caesalpinia pyramidalis em úlceras gástricas induzidas por anti-inflamatório não
esteroidal. VII Reunião Regional da FeSBE – Farmacologia, Toxicologia, Produtos Naturais e
Química – s/l: Regional, 2012.
RIBEIRO, D.A.; MACÊDO, D.G.; OLIVEIRA, L.G.S.; SARAIVA, M.E.; OLIVEIRA, S.F.; SOUZA,
M.M.A. Potencial terapêutico e uso de plantas medicinais em área de Caatinga no Estado do
Ceará, Nordeste do Brasil. Rev. Bras. Pl. Med., v. 16, n. 4, 2014: 912-930.
RIBEIRO, Márcia Moises. A ciência dos trópicos. A arte Médica no Brasil do século XVIII. São
Paulo: Hucitec, 1997.
RIZZINI, Carlos Toledo; MORS, Walter B. Botânica econômica brasileira. São Paulo:
Universidade de São Paulo (EDUSP), 1976.
RODRIGUES, Léo Peixoto. Da fisiologia à sociologia? Elementos para uma revisão da história
teórica da sociologia sistêmica. Rev. Bras. Ci. Doc.Viol., 28 (82), jun. 2013.
RODRIGUES, Lopes. Anchieta e a medicina. Belo Horizonte: Edições Apollo, s/d.
ROMERO, Silvio. Cantos populares do Brasil. Rio de Janeiro: Anais da Biblioteca Nacional, v.
9, 1954.
ROMEO, J.T.; BELL, E.A. Distribution of Amino Acids and Certain Alkaloids in Erythrina
Species. Lloydia, v. 97, n. 4, 1974: 543-548.
SÁ, A.P.C.S. Potencial antioxidante e aspectos químicos e físicos das frações comestíveis (polpa
e cascas) e sementes de Jamelão (Syzygium cumini, L. Skeels). Dissertação de Mestrado em
Ciência e Tecnologia de Alimentos. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2008.
SALATINO, Antônio. Plantas medicinais. Histórico, princípios ativos e usos. Instituto de
Biociências da Universidade de São Paulo. Disponível em: <www.felix.ib.usp.br/aula_sala-
tino/PI_Med_aula2.pdf>.
SALGUEIRO, Jennifer Braathen. Resenha de Medicina e espiritualidade: Redescobrindo uma
antiga aliança de J. Ferrer. Bioética: um diálogo plural (Homenagem a Javier Gafo Fernández).

274
Madri: Ed. Univ. Pontifícia Camillas, 2003: 891-917.
SANTANA, Danielle Gomes. Efeito do extrato etanólico de Caesealpinia Pyramidalis Tul. na
pancreatite aguda em ratos. Dissertação de mestrado em Medicina. Universidade Federal de
Sergipe, 2011.
SANTA ANNA, Júlio de. Sacralizações e sacrifícios nas práticas humanas. In: ASSMANN, Hugo
(org.). René Girard com os teólogos da libertação. Petrópolis: Vozes, 1991.
SANTOS, Cliomar Alves dos. Estudo farmacológico do extrato etanólico da entrecasca da
Caesalpinia pyramidalis Tul. (Leguminosae). Dissertação de Mestrado em Ciências da Saúde.
Universidade Federal de Sergipe, Aracaju, 2010.
SANTOS, Glauco J.L.; PINHEIRO, Diana Célia S.N. Aspectos da terapia etnofarmacológica
associados à atividade Antitumoral. Revista Brasileira de Higiene e Sanidade Animal, v. 10, n.
3, jul. 2016: 494-509.
SANTOS, Laercio W.; COELHO, Maria de Fátima B.; AZEVEDO, Rodrigo Aleixo B. et al.
Erythrina velutina Willd. - Fabaceae: Árvore de múltiplos usos no nordeste brasileiro. Revista
Verde (Edição Especial), v. 8, n. 5, dez. 2013: 72-80.
SANTOS, Márcio Barros dos; CARDOSO, Luís; FONSECA, Antônio A. Oliveira et. al.
Caracterização e qualidade de frutos de umbu-cajá (Spondias tuberosa X S. mombin) prove-
nientes do recôncavo sul da Bahia. Rev. Bras. Frutic., v. 32, n. 4, dez.-2010: 1089-1097.
SANTOS, Fernando Santiago dos. As plantas brasileiras, os jesuítas e os indígenas do Brasil:
história e ciência na Triaga Brasílica (séc. XVII-XVIII). São Paulo: Novo Autor Editora, 2009.
SANTOS, Eugênio O. O homem português perante a doença: atitudes e receituário. Série
Cátedra Jaime Cortesão. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São
Paulo, 1992.
SANTOS, Everton F.; ARAÚJO, Rychardson R.; LEMOS, Eurico P.L. Quantificação de com-
postos bioativos em frutos de umbu (spondias tuberosa arr. câm.) e cajá (spondias mombin l.)
nativos de Alagoas. Revista Ciência, v. 16, n. 1, 2018.
SANTOS, João Brígido dos. Apontamentos para a história do Cariri. Gazeta 1888:22. Anais do

275
III Encontro Nacional do GT História das Religiões e das Religiosidades – ANPUH - Questões
teórico-metodológicas no estudo das religiões e religiosidades. Revista Brasileira de História
das Religiões, v. III, n. 9, jan. 2011.
SANTOS, Mário Ferreira dos. Pitágoras e o tema do número. Coord. Aluísio Rosa Monteiro
Júnior. São Paulo: IBRASA, 2000.
SANTOS FILHO, Lycurgo. História da medicina no Brasil (Do século XVI ao XIX) 2 vols. São
Paulo: Brasiliense, 1947.
SÃO BENTO, Viviane M. Caminha. A Companhia de Jesus e a cultura científica nos tempos da
colônia. XXVII Simpósio Nacional de História. UFRN, 2010.
SATO, M. Antibacterial property of isoflavonoids isolated from Erythrina variegate against
cariogenic oral bacteria. Phytomedicine, v. 10, n. 5, 2003: 427-433.
SENGER, A.E.V.; SCHWANKE, C.H.A.; GOTTLIEB, M.G.V. Chá verde (Camellia sinensis) e suas
propriedades funcionais nas doenças crônicas não transmissíveis. Scientia Medica. 20(4),
2010: 292-300.
SILVA, Amaro Carvalho. Bom Jesus do Monte das Mós: Martins Capela e a devoção ao Sagrado
Coação. Luzitana Sacra. Revista do Centro de Estudos de História Religiosa – Universidade
Católica Portuguesa. Centro de Estudos de História Religiosa. Universidade Católica
Portuguesa. Palma de Cima – Lisboa. Problemática Religiosa no Portugal Contemporâneo. 2ª
Série, Tomo VIII/IX; 1996/1997. Lisboa.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Pecuária, agricultura de alimentos e recursos naturais
no Brasil Colônia. In: Szmrecsányi, Tamás (org.). História Econômica do Período Colonial. São
Paulo: Edusp/Hucitec; 2002.
SILVA, Jéssica Leite da. Compostos bioativos e capacidade antioxidante em frutos de jua-
zeiro armazenados sob temperatura controlada. Programa de Pós-graduação em Sistemas
Agroindustriais, Centro de Ciências e Tecnologia Agroalimentar. Universidade Federal de
Campina Grande, 2017.
SILVA, Luiz Antonio Gonçalves da. As bibliotecas dos jesuítas: uma visão a partir das obras de

276
Serafim Leite. Pers. Cienc. Inf. v. 13, n. 2, mai.-ago. 2008.
SILVA JUNIOR, Agenor Soares e. As missões religiosas de Padre Ibiapina. Revista Historiar, v.
8, n. 15, 2016: 39-54.
SIQUEIRA FILHO, José Alves de; RAPINI, A.; COELHO, A.O.P. et al. Flora das Caatingas do Rio
São Francisco. Rio de Janeiro: Andrea Jakobsson Editorial, 2013.
SOARES, Sebastião Armando Gameleira. A romaria dos pobres de Deus. Romeiros de ontem e
de hoje - Estudos Bíblicos, n. 28, Vozes, 1990.
SOUZA, Marina Mello e. Parati, a cidade e as festas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1994.
SOUZA, Miriam Pinheiro de; MATOS, Maria Elisa Oliveira; MATOS, Francisco José Abreu et
al. Constituintes químicos ativos de plantas medicinais brasileiras. Fortaleza: Laboratório de
Produtos Naturais, 1991.
SOUSA, Mônica Hellen de. Missão Ibiapaba. Dissertação de mestrado em História Social.
Universidade Federal do Ceará, 2003.
SOUSA, Thomaz Pompeu de. Ensaio Estatístico da Província do Ceará. Tomo II. Edição fac-si-
milar (1863). Fortaleza: Fundação Waldemar de Alcântara; 1997.
SOUZA; R.S.O.; ALBUQUERQUE; U.P.; MONTEIRO, J.M.; AMORIM, E.L.C. Jurema-preta
(Mimosa tenuiflora [Willd.] Poir.): a review of its traditional use, phytochemistry and phar-
macology. Brazilian Archives of Biology and Technology, v. 51, (5), 2008: 937-947.
SOZIM, Raul José; ZAN, Sérgio Monteiro. Temas rurais do Brasil. Ponta Grossa: Editora UEPG, 1997.
SPIES, Werner. Tristes trópicos. Humboldi, 46(89), Goethe-Institut, 2004.
STEIL, Carlos Alberto. Aparições marianas contemporâneas e carismatismo católico. In:
SANCHIS, Pierre (org.). Fiéis e Cidadãos percursos de sincretismo no Brasil. Rio de Janeiro:
Eduerj, 2001.
STUDART, Guilherme. Dactas e factos para a história do Ceará. Fortaleza: Tipografia Studart, 1896.
______. Notas para a história do Ceará. Brasília: Edições do Senado Federal, v. 29, 2004.
______. Studart faz um relato sobre uma procissão penitencial ocorrida em Baturité.
Anais do III Encontro Nacional do GT História das religiões e das religiosidades – ANPUH -

277
Questões teórico-metodológicas no estudo das religiões e religiosidades. Revista Brasileira
de História das Religiões, v. III, n. 9, jan. 1983: 2859. Disponível em: <http://www.dhi.uem.br/
gtreligiao/pub.html>. Acesso em: 30 jun. 2019.
STUDART FILHO, Carlos. Vias de comunicação do Ceará colonial: Estrada Velha. Revista do
Instituto Histórico, v. 17, s/d.
TABACH, Ricardo. Fitoterápicos e interações medicamentosas. Boletim PLANFAVI, Sistema de
Farmacovigilância em plantas medicinais – UNIFESP, n. 33, jan.-mar. 2015.
TANAKA, H. Antibacterial activity of isoflavonoids isolated from Erythrina variegate against
methicillin-resistant Staphylococcus aureus. Applied Microbiology, v. 35, n. 6, 2002: 494-498.
VASCONCELOS, Marina Pereira de; BRAGA, Cynthia; GOUVEIA, Giselle Campozana. Romarias
no município de Juazeiro do Norte. Ceará: Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, 24(1), jan.-mar.
2015: 39-48
TEIXEIRA, Leônia Cavalcante; CAVALCANTE, Maitê Mota; BARREIRA, Karina Sindeaux et al.
O corpo em estado de graça: Ex-votos, testemunho e subjetividade. Psicologia e Sociedade:
n. 22, 2010: 121-129.
TEIXEIRA, Faustino. Faces do catolicismo brasileiro. Revista USP, n. 67, 2005.
______. Faces do catolicismo brasileiro. Universidade de São Paulo, 2012.
TOMAZETTE, Marlon. Contribuição metodológica de Max Weber para a pesquisa em Ciências
Sociais. Revista Universitas Jus. Brasília, v. 17, jul.-dez. 2008.
TRIPICCHIO, Adalberto. Teorias e Sistemas no campo Psi. Disponível em: <www.redepsi.com.
br/2007/05/11/neuroteologia>. Acesso em: 30 jun. 2019.
TZENG, Y.-M.; CHEN, K.; RAO, Y.K.; LEE, M.-J. Kaempferitrin activates the insulin signaling
pathway and stimulates secretion of adiponectin in 3T3-L1 adipocytes. European Journal of
Pharmacology, v. 607, 2009: 27-34.
VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos índios: colonialismo e rebeldia no Brasil colonial. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
VASCONCELOS, Simão de. Vida e obra do venerável José de Anchieta (1672). Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1943.
VAINSENCHER, Semira Adler. Maria Bonita. Disponível em: <www.fundaj.gov.br>. Acesso em
30 jun. 2019.
______. Lampião (Virgulino Ferreira da Silva). Disponível em: <www.basilio.fundaj.gov>. br.
Acesso em 30 jun. 2019.
VERGER, Pierre Fatumbi. EWE. O uso das plantas na sociedade ioruba. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.
VIJOYANANDA, Swaimi. O eterno companheiro. Sua vida e ensinamentos relatados por seus
discípulos. Rio de Janeiro: Vedanta, 1961.
VILAS BOAS, Mariana Pinheiro. Patrimônio paleontológico e proposta de conservação.
Dissertação de mestrado. Universidade do Minho, 2012.
VIOTTI, Hélio Abranches. Cartas, Correspondência Ativa e Passiva. São Paulo: Loyola, 1984.
VIRTUOSO, S.; DAVET, A.; DIAS J.F.G.; CUNICO, M.M. et al. Estudo preliminar da atividade
Antibacterian das cascas de Erythrina velutina Willd., Fabaceae (Leguminosae). Revista
Brasileira de Farmacognosia, v. 15, n. 2, 2005: 137-142.
VOLPATO, G.T. et al. Effect of Bauhinia forficata aqueous extract on the maternal-fetal out-
com and oxidative stress biomarkers of streptozotocin-induced diabetic rats. Journal of
Ethnopharmacology, v. 116, 2008: 131-137.
XAVIER, Maico Oliveira. Cabôcullos são os brancos: dinâmica das relações socioculturais dos
índios do Termo da Villa Viçosa Real – Século XIX. Dissertação em História Social. Universidade
Federal do Ceará, 2010.
WEBER, Max. Textos selecionados. Tradução e seleção de Maurício Tragtenberg. Abril
Cultural, 1980.
ZICMAN, Renée B. História através da imprensa – algumas considerações metodológicas.
Disponível em: <RevistasPUC/br/index.pphp/rev/php/article/viewField/1241018995>.
COLEÇÃO CADERNOS DE FOLCLORE

A Coleção Cadernos de Folclore reúne importantes contribuições de diferentes autores,


resultado de pesquisas científicas ou relatos de experiências na área da cultura popular,
constituindo-se numa rica fonte de consulta para educadores, pesquisadores, especialistas
e interessados no saber popular.
De 1986 a 1998 a coleção foi produzida pela Fundação Cultural Cassiano Ricardo (FCCR) e
Comissão Municipal de Folclore. A partir de 1999 e até esta data, a parceria passou a ser com
o Centro de Estudos da Cultura Popular (CECP).

volumes anteriores

1º volume – 1986
Azeite de Mamona – Toninho Macedo e Angela Savastano

2º volume – 1988
Carro de Boi – Zuleika de Paula

3º volume – 1988
Laraoiê, Exu – Hélio Moreira da Silva

4º volume – 1989
Fumos e Fumeiros do Brasil – Marcel Jules Thieblo

5º volume – 1990
Jogos, Brinquedos e Brincadeiras – J. Gerardo M. Guimarães

6º volume – 1992
Maria Peregrina – Benedito José Batista de Melo

280
7º volume – 1994
Saci – José Carlos Rossato

8º volume – 1995
Cobras e Crendices – Maria do Rosário de Souza Tavares de Lima

9º volume – 1997
Chico Triste I – Coletânea de Textos de Francisco Pereira da Silva

10º volume – 1998


Chico Triste II – Coletânea de Textos de Francisco Pereira da Silva

11º volume – 1999


Ciclo de Natal – Coletânea de Textos de Maria Graziela B. dos Santos

12º volume – 2001


Curiosidades folclóricas sobre o inseto – Hitoshi Nomura

13º volume – 2002


Histórias de Onça – Ruth Guimarães

14º volume – 2003


De Já Hoje – Darcy Breves de Almeida

15º volume – 2004


Pedra-de-raio – Uma superstição Universal – J. Gerardo M. Guimarães

16º volume – 2006


Santo de Casa Faz Milagre: A Devoção a Santa Perna – Cáscia Frade

17º volume – 2006


Educação e Folclore – Histórias Familiares dando Suporte ao Conteúdo – Leila Gasperazzo
Ignatius Grassi

281
18º volume – 2008
O Milho e a Mandioca nas cozinhas brasileiras, segundo contam suas histórias – Maria
Thereza Lemos de Arruda Camargo

19º volume – 2009


O saber, o cantar e o viver do povo – Carlos Rodrigues Brandão

20º volume – 2010


Objetos: percursos e escritas culturais – Ricardo Gomes Lima

21º volume – 2011


Folia de Reis, Sambas do Povo – Alberto T. Ikeda

22º volume – 2012


O Saber e o Fazer no Museu do Folclore – Fábio Martins Bueno

23º volume – 2013


O Saber e o Fazer no Museu do Folclore – Fábio Martins Bueno e Maria Siqueira Santos

24º volume – 2016


Carapicuíba – Uma aldeia mameluca – Américo Pellegrini Filho

25º volume – 2019


Medicina popular nas caatingas do Geopark Araripe Ceará - Maria Thereza Lemos de
Arruda Camargo

282
realização autora

Prefeitura Municipal de São José dos Campos Maria Thereza Lemos de Arruda Camargo
Fundação Cultural Cassiano Ricardo
pesquisa de fontes primárias
Museu do Folclore de São José dos Campos
Aristides de Arruda Camargo Neto
Centro de Estudos da Cultura Popular
revisão de texto
idealização
João Campos
Angela Savastano
fotografias
gestão do projeto
Aristides de Arruda Camargo Neto
Francine Maia
Mário de Arruda Camargo
colaboração
projeto gráfico
Avelino Israel
Mariana Santana
apoio
ilustrações
UNESCO
Mariana Santana
Araripe - Geoparque Mundial da UNESCO

C179me

Camargo, Maria Thereza Lemos de Arruda.


Medicina popular nas caatingas do Geopark Araripe Ceará / Maria Thereza Lemos de Arruda
Camargo. São José dos Campos, SP: CECP; FCCR, 2019.
280p. : il. ; 21x24cm. – (Cadernos de folclore; v.25)

1. Medicina Popular – Araripe - Ceará I. Título. II. Série.

CDD:398 CDU:398(813.1)

Copyright @ Maria Thereza Lemos de Arruda


Todos os direitos reservados

museu do folclore de são josé dos campos

Av. Olivo Gomes, 100, Parque da Cidade, Santana - São José dos Campos - SP
(12) 3924-7318
www.museudofolclore.org
fontes Lora e Averia

papel Offset 90 g/m²

impressão Allcor - Gráfica e Editora

tiragem 500

Você também pode gostar