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GENEALOGÍA DA ILHA TERCEIRA

LEONARDES §1° JOÃO LEONARDES, o Velho - Foi um dos primeiros povoadores da Terceira,
integrado no grupo' capitaneado por Jácome de Bruges, procedente da Madeira, segundo Ferreira
Drummond? No entanto, é impossível determinar com exactidão o ano em que aqui chegou. A
doação da capitania a Jácome de Bruges data de 2.3.14503 e é de tradição que este aportou à
Terceira a 1.1.1451,após o que «alguns annos passaram em quanto Bruges sollicitava achar
familias que 0 acompanhassemw'. Mas alguns anos, quantos? Recentemente, José Guilherme Reis
LeiteS,sem colocar em causa a carta da capitania a Bruges naquela data, demonstrou que o
povoamento da Terceira só se teria iniciado a partir de 1460, ocasião a partir da qual João
Leonardes aqui aportou na companhia de tantos outros ignorados povoadores que se foram
espalhando pela ilha, em busca dos lugares mais convenientes e transformando a ilha de denso
matagal em zona habitável. O dia a dia destes povoadores era muito primitivo e frugal:
sustentavam-se de uma agricultura e de uma lavoura que ia despontando, sem qualquer comércio
e indústria que não fossem os resultantes do básico de que necessitavam. Mesmo que fossem
«todos de conhecida nobreza em suas terras» (!!!) como ingenuamente quer Drummondf”,a vida
que iníciavam nesta paragens inóspitas, era forçosamente igual à dos outros humildes povoadores
que a História não registou. e Seja qual for a altura em que veio na década de 60, o certo é que a
sua carta de dada só foi passada a 18.8.1477, ou seja, em data posterior à morte do próprio
Jácome de Bruges, pelo que achamos talvez mais correcto tratar-se de uma confirmação da
parcela de terra que lhe fora atribuída pelo próprio Jácome de Bruges, actos que sabemos ter
praticado.

Maldonado**diz-nos que João Leonardes «tomou a sua data na ponta de Santa Cathcrina da villa
de São Sebastião as quais terras e campinas se dixem hoje as Contendas». Esta designação de
Contendas ficou a dever-se ao facto de João Leonardes ter sido despojado das suas propriedades
pelo 1°capitão do donatário de Angra, João Vaz Côrte-Real, quando este, apesar de haver
ratificado a posse das terras ao sesmeiro, decidiu depois tirar-lhas, para as doar a seu filho Gaspar
Côrte-Real, em Junho de 1480. A decisão de Côrte-Real fundamentava-se no facto de as terras não
terem sido trabalhadas e aproveitadas no prazo legal de cinco anos que se impunha aos
sesmeiros. Contudo, se as datas que chegaram até nós estão correctas, ainda faltavam dois meses
para terminar esse prazo. Este episódio deu lugar a uma renhida e prolongada demanda de 34
anos, primeiramente entre o doado, falecido entre 31.7.1503 e 24.7.1507, e o capitão João Vaz
(que morreu a 2.7.1496). A sentença final, favorável aos herdeiros de João Leonardes, só foi
conhecida a 28.1.1514, sem, no entanto, ter qualquer efeito prático para a parte vencedora, o que
levou Maldonado a dizer que «ficarão os descendentes deste pouoador pobres, e não se achão
hoie mais do que com magoa de que podendo ser muito, pelo muito que daquelle seu proginitor
lhes podera ficar, são nada, porque sem nada os deicharão em sua vida»9. Já umas décadas antes
de Maldonado, Frei Diogo das Chagas'° se referia também a esta sentença e às consequências
advenientes: «auendo sempre sentenças por si que nunca se derão execução, por sempre por
parte do Reo de empatarem, e a Ultima e ñnal lhe sumirão, sem nunca aparecer senão agora na
minha mão escrita em cinco folhas de pergaminho de tres palmos de comprido cada folha, e
palmo e outo de largo, que eu achei em certo cartorio de Escriuão dos Orfãos, que de seus
antepassados lhe veio por sucessão do que o primeiro que a somio tera dado conta a Deus. Era a
terra da contenda 24 moios e meio como da sentença consta, que no fim lansarei». Ferreira
Drummond" transcreveu, e mal, o texto da sentença a que Frei Diogo das Chagas se refere no seu
manuscrito, sendo este texto depois copiado para o Archivo dos Açores” e novamente transcrito
pelo historiador mariense Manuel Monteiro Velho Arruda”. Nos nossos dias é que a obra de
Chagas foi integralmente editada, numa criteriosa edição critica”, que nos permite seriar os
acontecimentos em torno desta demanda: 1°.O autor do pleito (João Leonardes) alega que Diogo
de Teive, então com encargo de capitão e ouvidor, lhe dera de sesmaria as terras, por carta de
18.8.1475, e que réu (João Vaz Corte-Real), que recebera a capitania de Angra a 2.4.1474, lhe
ratificara a dada feita por Diogo de Teive; 2°. O réu alegou que as terras estavam dentro da sua
jurisdição e que, não tendo sido aproveitadas pelo sesmeiro, as doara então ao seu filho Gaspar,
em Junho de 1480. 3°. Feitas as contas, verifica-se que faltavam 2 meses para expirar o prazo legal.
Em boa verdade, porém, não seria de esperar que o autor fosse desbravar em 2 meses, aquilo que
não ñzera nos anos anteriores, embora nos pareça que mesmo um prazo de 5 anos era muito
curto para tornar arável, em moldes necessariamente rudimentares, uma tão grande extensão de
terrenos - qualquer coisa como 1470 alqueires de terra! 4°. O autor alega mais: a sesmaria fora-lhe
confirmada por carta de dada assinada a 18.8.1482 por Afonso do Amaral, ouvidor com cargo de
capitão”. 5°.O processo judicial arrastou-se por 34 anos, com sentenças sempre favoráveis aos
herdeiros de João Leonardes, sem que estes, em tempo algum, beneñciassem disso, por lhes
terem sido sonegados os documentos.

Mas para além de tudo isto, a maior controvérsia que se levanta, e'que a 28.1.1474 já Diogo de
Teive tinha morrido, conforme o comprova a carta de mercê de D. Afonso V a Fernão Teles das
ilhas que ele descobrisse após a compra que fizera a João de Teive (filho de Diogo), das ilhas das
Flores e Corvo, «e que ñcarom por morte do dito seu pay»”'. Ora, a carta de sesmaria de João
Leonardes está datada de 18 de Agosto desse mesmo ano de 1474, ou seja, pelo menos 7 meses
depois da morte de Diogo de Teive. Todos os autores que se debruçaram sobre este assunto, de
Maldonado a Ferreira Drummond e Velho Arruda”, não se aperceberam deste promenor das
datas. O responsável pelo equívoco é o próprio Drummond, pois na transcrição da sentença
judicial que copia do Espelho Cristalina, leu sempre Diogo de Teive. Hoje, porém com a edição
diplomática do texto de Chagas, verificamos que o autor, nas duas primeiras vezes que se refere
ao doador do mesmo o chama, de facto, Diogo de Teive, mas na 3*'vez que o toma a mencionar,
añrma que «o ditto Autor (João Leonardes) tinha carta de dada de João de Teue»'*. Desta
maneira, tudo então poderia bater certo, ou fazer mais algum sentido. O velho pergaminho
chegado às mãos de Diogo das Chagas, decerto escrito em dificil letra notarial, permitia a um
paleógrafo menos atento incorrer em algumas confusões. Os nomes próprios Diogo e João, como
então era uso, deveriam aparecer na sua forma abreviada - D° e J °, de modo que um leitor não
muito familiarizado” com o cursivo dos tabeliães quinhentistas, poder-se-ia facilmente enganar,
ainda mais se este pergaminho, então com mais de 130 anos, certamente se encontraria algo
manchado ou deteriorado. E assim, onde houvesse dificuldade de leitura, pareceria ler-se D", ou
seja a abreviatura de Diogo, e na referida terceira citação, então já estaria bem nítido o J°,
equivalente a João. No entanto (há sempre uma mas...) este caminho não nos conduz à solução de
uma nebulosa que há-de permanecer ate' ao dia em que a sorte de um qualquer desconhecido
documento possa esclarecer o que até agora paira na incerteza. Uma realidade incontornável e
que impede de aceitar a leitura das datas contidas na «sentença» transcrita por Frei Diogo das
Chagas, é que em 1474 as capitanias da Praia (l 7 de Fevereiro) e de Angra (2 de Abril) já estavam
atribuídas aos novos capitães Álvaro Martins Homem e João Vaz Côrte-Real e vimos, como foi
inicialmente o caso de João Leonardes, respeitadas as distribuições de terras aos diversos
povoadores que antes deles tinham arribado à ilha. O que aqui fica é, pois, um conjunto de
reflexões com vista à discussão deste apaixonante problema das origens dos primeiros povoadores
e primeiras dadas de terras, sobre os quais não há documentação precisa, obrigando a recorrer a
interpretações e hipóteses que são por natureza faliveis. Seja como for, sabe-se que João
Leonardes morreu entre 1503 e 1507 e que casou com Isabel Gonçalves. Filhos: 2 Catarina Dias
Leonardes, testou a 13.8.1535”. C. c. Lopo Dias Cabaço - vid. CABAÇO, § 1°,n” 1 -. C.g. que aí segue.
2 Isabel Gonçalves, c. c. Álvaro Fernandes (ou Martins), do Porto Judeu. S.g. 2*

2 João Leonardes, 0 Moço, c. c. Catarina Gonçalves (Monteiro). Sg.” 2 Sebastião Gonçalves, c. c.


Isabel Álvares. Cg.” 2 Beatriz Leonardes, já viúva em 150724e f. antes de 1514. Desconhece-se o
nome do marido. 2 Gonçalo Anes Leonardes, que morreu provavelmente antes de 24.7.1507, pois
o seu nome não consta da demanda que temos vindo a citar. 2 Ana Rodrigues, f. na Praia a
19.11.1575”. C. c. Fernão Luís Homem - vid. HOMEM, § 7°, n° 7 -. C.g. que aí segue. ?2 Margarida
Lopes, que segue. ?2 Lourenço Anes (de Sá Leonardes), que nos parece ser também filho de João
Leonardes, dado o testemunho de Gaspar Frutuoso ao referir-se às demandas que teve em S.
Sebastião. Com efeito, nas suas genealogias marienses”, ao referir-se a Grimaneza Afonso de
Melo, diz que «casou com um Lourenço Anes, natural da ilha Terceira, da Vila de São Sebastião,
homem principal, nobre e muito rico, e tão poderoso que teve grandes bandorias com o Capitão
de Angra sobre certas propriedades e sua posse, e viveu em a ilha de Santa Maria com a dita sua
mulher, Grimaneza Afonso, a qua] quando ia à igreja, levava dez, doze mulheres consigo e lhe
levavam o rabo, como ainda há pessoas que disso se acordam e de seu grande fausto». C.g. 2
MARGARIDA LOPES - Frei Diogo das Chagas ao tratar «Da primeira raiz e tronco dos Lionardes»27
não refere Margarida Lopes como ñlha de João Leonardes. O certo, no entanto, é que ela e o
marido aparecem na sentença da demanda, como tendo passado «hua procuração bastante» a
Fernão Luís. Na realidade, porém, pode tratar-se de uma neta de João Leonardes, pois na
contestação da querela e após a morte de João Leonardes «se oppós por Autor a demanda Fernão
Luis genro do ditto João Lionardes, dizendo que elle queria demandar, diante de quaesquer
Justiças, tudo o que lhe tocasse das dittas terras, assim por sua parte, como» por «parte dos filhos
e herdeiros do ditto João Lionardes»2*. C.c. Luís Gago. Deste casal (sendo ela, mais
provavelmente, neta de João Leonardes) pode, por razões homonímicas e cronológicas, ter sido
ñlho ou neto:

3 LUÍS GAGO LEONARDES - N. na Terceira. A 20.8.1642 teve alvará de lembrança da promessa de


um oñcio da justiça ou fazenda, «que caiba na qualidade da sua pessoa», «hauendo Respeito aos
seruiços que (...) fez nella e em particular no sittio que se pos no forte de São Phelipe do monte do
Brazil seruindo de ajudante e prouedor com satisfação nas Batarias que ouue ate ser Rendid0»29.

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