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A FILOSOFIA DO VOLUNTARISMO

BLS (Antônio)
O presente artigo tem a finalidade de investigar a fundo a filosofia do
voluntarismo. O artigo será dividido em duas partes principais, na primeira parte será
exposta a ética argumentativa, e pode ser útil àqueles que buscam entendê-la de
uma forma simplificada; a segunda parte servirá como resposta a algumas críticas
que já foram analisadas e, provavelmente, refutadas pela comunidade.

Praxeologia e escassez
A praxeologia misesiana é a ciência que estuda a ação humana. O axioma
praxeológico, ou da ação humana, é: “O ser humano age utilizando meios, em
principal o seu corpo, para alcançar fins que possam trazer a si um estado de melhor
conforto que anteriormente”. Essa proposição é axiomática porque a sua negação é
uma contradição prática, pois ao negá-la, você estará a tomando como válida,
somente pelo fato de que você estará agindo [...] para fazer tal negação. O objetivo
da praxeologia, porém, jamais foi estudar os fins que o indivíduo busca atingir com
suas ações, mas mais precisamente, os meios possíveis que este poderá usar para
alcança-los. Os fins das ações humanas são imprevisíveis, pois a partir do ponto
que não podemos pensar no presente o que pensaremos no futuro, não somos
capazes de determinar os objetivos, ou melhor, as máximas que os outros indivíduos
senão nós mesmos desejam, através de suas ações, alcançar.
Esses meios são o que chamamos de recursos escassos, e temos como
principal meio para uma ação o corpo humano, pois é através dele que podemos
realizar qualquer outra ação. Sem o corpo, seríamos uma “free-floating mind”, como
Frank van Dun1 costuma apontar, e não seríamos capazes de realizar ação alguma.
Toda ação humana, portanto, pressupõe o corpo como meio escasso principal para
a realização de qualquer ação. Mas, o que são recursos escassos? Recursos
escassos são quaisquer objetos materiais, cujo uso não pode ser mutuamente
excludente, por conta de uma limitação praxeológica. O nosso corpo é escasso, pois
nós não podemos realizar duas ações que se excluem uma à outra ao mesmo
tempo, como andar para frente e para trás no mesmo intervalo de tempo.
Não podemos dizer que recursos não são escassos, pois se essa afirmação
fosse verdade, o indivíduo teria todos os fins, assim como todos os meios, ao seu

1
Março 12, 2009, De Frank van Dun Em: Libertarian Papers, Volume 1 (2009): 7.
lado, tornando a necessidade de ação praticamente inexistente; os recursos também
ocupariam todo o espaço do universo, todos ocupando o mesmo espaço ao mesmo
tempo. Mesmo recursos infinitos seriam escassos porque, apesar de haver infinitas
tortas ao meu lado, por exemplo, se eu comesse uma, ela ainda teria um fim, e
conflitos ainda existiriam sobre aquela mesma torta.
Qualquer outro recurso material também é escasso, pois, tomemos como
exemplo um bolo: em uma cozinha, há dois indivíduos X e Y. Indivíduo X tira um
bolo da geladeira, e ambos X e Y possuem a pretensão de comer esse bolo. Os
dois, agindo, performam atos mutuamente excludentes, pois é impossibilidade
praxeológica que o bolo, sendo escasso, seja comido por dois indivíduos ao mesmo
tempo; isso porque o bolo possui uma propriedade finita, a partir do momento que X
consome parte A do bolo, essa parte A deixa de fazer parte do todo e passa a ser de
X, assim tornando impossível que X e Y consomam A ao mesmo tempo.
Das ações de X e Y, surge o que chamamos de conflito, que é a
impossibilidade praxeológica decorrente do uso mutuamente excludente de um
mesmo recurso escasso por dois ou mais indivíduos. Esse conflito, porém, só pode
ocorrer na existência de mais de um indivíduo. Vamos citar como exemplo Robinson
Crusoé, que, enquanto em sua ilha, estava livre de qualquer conflito (no sentido
praxeológico), uma vez que estava sozinho. Os conflitos só poderiam ser possíveis
na chegada de outro agente, assim como Crusoé, à ilha. Apesar de inexistirem
conflitos, a escassez, por sua vez, continuaria existindo. Tomando como base a ilha
de Crusoé, não há a menor necessidade de se criar uma lei que limite a ação do
homem, pois não há possibilidade de conflito na existência de somente um
indivíduo. Na chegada de Sexta-Feira, porém, inicia-se a possibilidade dos conflitos;
e é exatamente aqui onde eles irão tentar formular normas de conduta que faça com
que tais conflitos sejam evitados, argumentando para tal. A sobrevivência humana e
a evitação de conflitos, portanto, são o objetivo formal da ética.
Sabendo que conflitos se iniciam no uso mutuamente excludente de um
recurso escasso, uma lei que evita conflitos só pode impedir que esse uso
mutuamente excludente ocorra; portanto, uma lei que não é capaz de evitar todos os
conflitos não pode ser considerada ética por definição. Podemos postular três
prováveis formas de evitar a ocorrência de conflitos: 1- Indivíduo algum teria direitos
de propriedade ou posse sobre recursos escassos, impedindo assim que conflitos
surjam. Essa possibilidade é falsa, pois sem direitos de propriedade sobre recursos
escassos, a espécie humana nem ao menos sobreviveria, visto que não haveria
forma alguma de alimentar-nos, o que cai em contradição com a própria definição de
lei! 2- Os indivíduos teriam copropriedade sobre todos os recursos escassos
(incluindo os corpos, pois conflitos podem surgir deles). Essa afirmação também é
falsa, uma vez que teríamos de pedir para todos os proprietários a permissão para
usar determinado recurso. O grande problema é: havendo copropriedade de nossos
corpos, eu também teria de pedir permissão para usá-lo antes de agir, o que é
impossível, uma vez que toda ação pressupõe o uso do corpo! Eliminando as duas
outras possíveis formas de se evitar conflitos, tomamos, pelo princípio do Terceiro-
Excluído, a última forma como válida: 3- Somente um indivíduo poderia ter
propriedade sobre os recursos escassos que este apropriou originalmente, ou foi o
primeiro usuário destes.
Essa é a ética rothbardiana de propriedade privada. Agora, vamos entrar no
conceito da ética argumentativa hoppeana. Comecemos pela parte principal: a
argumentação.

A Semiótica e o Agir Comunicativo


Em termos resumidos, a filosofia semiótica de Charles Peirce se apresenta
como uma forma de estudar todas as formas de relações intersubjetivas e
comunicativas humanas, isto é, uma filosofia que busca compreender as formas que
o ser humano usa para se comunicar. Karl-Otto Apel baseia sua teoria pragmática
justamente na filosofia peirceana, buscando demonstrar os pressupostos
transcendentais do agir comunicativo.
O método inicialmente proposto por Habermas, em contraposição ao
determinado por Kant, não se mostra como uma forma de razão monológica, onde o
indivíduo, pelo pensamento e pela reflexão, é capaz de chegar a conclusões por si
só, mas uma razão dialógica, onde, através do agir comunicativo, que
corresponde à ação de convencer e ser convencido, é possível que debates acerca
de proposições possam levar a conclusões sobre sua validade. Habermas já dizia
que o conhecimento não surge como um esclarecimento na mente de um ser
iluminado, privilegiado por obter esse conhecimento, mas é encontrado através do
acordo mútuo em uma discussão. A justificativa aqui é simples: uma vez que se
tenta contestar o juízo que justificações se dão por argumentos, se está utilizando de
argumentos para justificar essa contestação, e uma vez que se argumenta contra a
frase de que argumentos são proferidos em alguma forma de comunicação, está se
utilizando da comunicação para propagar argumentos, o que configura duas
contradições performáticas.
Na sua reconstrução da teoria de Apel, Frank van Dun irá estabelecer um
princípio que ele chama de “Verdade Dialética”. Constitui como verdade dialética
tudo aquilo que é provado como condição transcendental do agir comunicativo. O
agir comunicativo é tomado como a ação onde os indivíduos irão, através de uma
troca intersubjetiva de proposições, resolver conflitos e discordâncias. Toda forma
de comunicação onde se responde e é respondido, portanto, tem início em um
conflito de ideias ou não, e seu propósito é, através de uma troca proposicional livre
de conflitos, estabelecer consenso entre ambas as partes.
A argumentação não consiste somente de uma tarefa cognitiva, mas de uma
ação prática, pois envolve o corpo humano e demais recursos escassos externos
para que possa ocorrer. Ela não envolve simplesmente sons interligados, pois as
proposições não são dadas prontas, mas são formuladas dentro dela; ela não
consiste somente de proposições flutuantes que afirmam ser verdadeiras, mas a sua
verdade é justificada no curso de uma atividade comunicativa, i.e., que envolve
meios argumentativos. A argumentação também é uma prática intersubjetiva, uma
vez que requer mais de um indivíduo para ocorrer (noutro caso, não há troca
proposicional alguma). Toda proposição, para ser racionalmente defensável, é
justificada – assim como dada por válida, inválida ou indeterminada – no curso de
quaisquer atividades que configuram uma argumentação, i.e., que pressupõem o
uso de meios proposicionais, comunicacionais e argumentativos (Habermas e Apel
generalizam o termo como “discurso/comunicação”, e Hoppe como “argumentação”).
Essa afirmação não pode ter sua verdade negada, uma vez que isto implicaria em
uma clara contradição prática ou performática, uma vez que agir dessa forma
implicaria que você estaria justificando uma premissa no curso de uma
argumentação ou discurso. Essa premissa, portanto, obtém status axiomático.
O que chamamos de “o a priori da argumentação e comunicação” é o
conjunto de pressuposições que se apresentam como condições transcendentais,
descrições e prescrições, implícitas no ato discursivo, e que são, desse modo,
necessárias para a possibilidade da existência da argumentação.
A necessidade prática das normas transcendentais implícitas no agir
comunicativo se dá pelo fato de que a argumentação, ou seja, a ação onde troca-se
proposições em busca da verdade, se dá pelo fato de que esta é uma ação
mutuamente acordada. A argumentação é uma sub-classe de ação cuja ocorrência
depende, unicamente, da concordância mútua dos indivíduos em participar e,
através do agir comunicativo, convencer e serem convencidos de seus argumentos.
Ou seja, a argumentação não é uma ação unilateral, onde somente um indivíduo
possui poder de fala, mas todos aqueles que participam do agir comunicativo.
Temos que, para que a possibilidade de argumentação exista, é necessário que
todos aqueles que buscam participar da argumentação concordem que irão
participar e, portanto, concordem com as condições que são necessárias para que a
argumentação em questão ocorra. Habermas faz uma divisão clara entre a categoria
dessas pressuposições transcendentais, os ideais constitutivos e os
ideais regulativos da argumentação. Essa dicotomia refere-se às condições do agir
comunicativo que são necessárias para a possibilidade de sua existência
(transcendentais), que torna possível uma busca mútua pela verdade através de
uma troca proposicional. As regulativas, por outro lado, são totalmente contingentes
e particulares, tomando espaço somente como uma forma de facilitar essa busca
pela verdade. O método transcendental a priori, portanto, nos irá fornecer as
condições necessárias e universais a toda e qualquer argumentação, já que as
condições regulativas só podem ser estudadas enquanto há uma argumentação (há
de se iniciar uma busca pela verdade para descobrir o que a está facilitando); a
parte regulativa, então, não importa aqui, já que não queremos incorrer em
um consequencialismo.
A necessidade lógica do a priori da argumentação pode ser estudada e forma
semelhante à epistemologia kantiana, o idealismo transcendental. O que Apel extrai
de Kant é justamente o método usado para estudar as condições necessárias para a
possibilidade da existência de algo, o método transcendental (daí vem o nome de
sua teoria, a pragmática transcendental). Para Kant, por trás de todo fenômeno, id
est, dos objetos como são compreendidos pela percepção, há um númeno, que é o
objeto-em-si. Há uma separação, dentro da lógica kantiana, entre como um objeto é
interpretado pela mente humana (phenoumenon) e como esse objeto é realmente,
em sua forma pura (noumenon). O raciocínio de Apel é semelhante; dentro de sua
pragmática, ele leva em conta o fenômeno, aqui referido como o agir comunicativo,
como a prática da argumentação, e o númeno, que é aquilo que se apresenta como
o necessário para a possibilidade da existência da argumentação. Uma vez que a
argumentação é, necessariamente, uma ação humana, não há como realizá-la sem
dispor-se dos meios necessários para tal; portanto, está claro que a existência de
uma argumentação depende, per se, de algumas condições que são necessárias
para a sua ocorrência, e que são usadas como meios para o seu acontecimento; por
exemplo, para argumentar, é preciso, primeiro, que aqueles que desejam
argumentar tenham tal capacidade. Sustentando-se nas justificativas prática e
lógica, está mais que provado que existe um conjunto de normas, positivas ou
negativas, que se encontram como condições formais do agir comunicativo.
Dentre essas pressuposições, estão presentes algumas que possuem
somente conteúdo lógico-semântico. Outras, porém, consistem de normas que
procedem a eliminar toda coerção presente na argumentação. É aqui onde entramos
em outro ponto da ética argumentativa: as verdades dialéticas, parâmetros
propostos por Frank van Dun.

Verdades Dialéticas
As verdades dialéticas são aquelas pressuposições que estão presentes
como condições formais para a ocorrência da argumentação. São assim chamadas
pois qualquer tentativa de negar uma verdade dialética se dá, como o próprio nome
sugere, em uma contradição dialética. O conceito de verdades dialéticas foi
primeiramente proposto por Karl-Otto Apel, apesar de não ter esse mesmo nome
(antes, era só “o a priori da argumentação e comunicação”).
Agora, falemos um pouco sobre as verdades dialéticas que citamos no
capítulo anterior. Frank van Dun reúne parte da teoria pragmática de Apel no tocante
aos pressupostos da comunicação formal, na busca de destrinchar o que é
transcendental para a mesma. Dessa forma, somente pelo a priori da comunidade
de comunicação é que podemos entender o que está implícito no agir comunicativo,
seja descritivo ou normativo.
Primeiro que é impossível que se justifique racionalmente uma proposição
que diz ser impossível justificar proposições através de argumentos. A invalidez
dessa proposição surge de uma contradição performativa: ao argumentar que é
impossível argumentar, você está argumentando, e é essa relação entre o conteúdo
de uma proposição e os pressupostos que são necessários, transcendentais, para
que essa proposição seja apresentada, que leva o argumento ao abismo. Aqui,
falamos de uma das condições constitutivas da argumentação, que é a
pressuposição de que se é possível justificar proposições através de argumentos.
Usa-se o Princípio aristotélico do Terceiro-Excluído como forma de provar a validade
desse argumento, que é conhecido por redução ao absurdo,
ou reductio ad absurdum, onde prova-se que um argumento é falso e, por
consequência, o contrário desse argumento é verdadeiro. Temos que a proposição
~A (não tem como argumentar) é falsa por ação, então, seu contrário, A (tem como
argumentar), é verdadeiro.
Uma vez que se entra em uma discussão como proponente para convencer
seus oponentes de alguma proposição, não há como argumentar que a lógica e a
razão não devem ser levadas a sério. Mais uma vez, o conteúdo da proposição
contradiz-se com o ato de fala; se você faz um argumento sério que diz que
argumentos não devem ser levados a sério, você incorre em um paradoxo
pragmático. Enquanto há discussão racional entre um proponente e seus oponentes,
é reconhecido que cada um deve levar a sério suas proposições e, portanto, que
não se deve atribuir relatividade às premissas apresentadas e justificadas, a não ser
que se prove que estas são, de fato, irrelevantes. Mais uma das
condições constitutivas da argumentação.
Enquanto responde e se é respondido, não há como argumentar que seu
oponente não é um ser racional. O que é a racionalidade? Em termos claros, a
racionalidade se resume à capacidade de utilizar e interpretar a razão, e
consequentemente, de emitir juízos de valor e justificar proposições. Está claro que,
na tática de convencer e ser convencido pelo agir comunicativo, é necessário que
todos que participem sejam racionais, e reconhecidos como tal, visto que a simples
possibilidade de uma discussão acerca dos valores-verdade de proposições só é
possível pela capacidade mútua de compreendê-los e poder respondê-los. Está
implícito como reconhecimento constitutivo da comunicação que todos que buscam
argumentar em favor de suas posições sejam racionais, e não só isso, mas entes
separados, indivíduos distintos, diferentes entre si (ora, é possível conceber pela
lógica modal uma discussão onde não há pelo menos mais de uma pessoa?
Claramente falso, uma vez que é um juízo analítico que o agir comunicativo
pressupõe mais de um indivíduo, aquele que convence e aquele que busca ser
convencido), um proponente, em primeira pessoa, e seu oponente(s) (há como
trocar algo consigo mesmo?).
Segundo Frank van Dun, a motivação primeira da comunicação racional é
justificar, mostrar para seu oponente(s) através de argumentos, as razões para que
se acredite ou faça algo de tal modo que ele chegue diretamente à conclusão de que
acreditar ou fazer esse algo está em perfeita concordância com a razão. Não há,
ora, como provar que não se pode questionar as razões, ou que não se pode
responder a questionamentos acerca de razões (ora, que validade teria o argumento
que diz que há um motivo para não haver motivos?). O argumento que se deve levar
a razão a sério durante um debate só se fortalece.
Sabemos claramente, então, que o propósito da atividade discursiva é
demonstrar a validade de uma proposição a outros em uma forma comunicativa livre
de conflitos. Sendo assim, não é possível que coloquemos um indivíduo
hierarquicamente acima de outro – contendo mais direitos que seus oponentes, pelo
menos, enquanto há ocorrência do discurso (ora, se buscamos convencer outras
pessoas de que nossa posição é válida, temos que reconhecer, pelo menos, que
essas pessoas tenham o direito de contestar nossas proposições para que
possamos respondê-las e, no fim da atividade, possamos concordar no ponto de
divergência que levou à ocorrência da atividade comunicativa. Como poderíamos
justificar para outras pessoas que temos mais direitos que elas, sendo que, para tal,
estaríamos entrando em uma forma de comunicação mutuamente acordada e,
portanto, pressupondo as mesmas regras formais do discurso ao mesmo
tempo?). Se entramos em uma discussão, quer dizer que queremos demonstrar
nosso ponto para pessoas, convencer e sermos convencidos, então para que
qualquer conclusão acerca de uma proposição possa ser chegada, há, pelo menos,
o reconhecimento implícito de que o agir comunicativo é uma forma de investigação
sobre o valor verdade de um argumento e, portanto, não há como excluir qualquer
interesse da investigação em se descobrir o valor verdade desse argumento. É aqui
onde Hoppe entra e faz seu argumento em favor do voluntarismo deôntico.

Da Definição de Autopropriedade
Para Hoppe, é a autopropriedade o direito natural racional que pode ser
justificado pelo a priori da argumentação e que invalida totalmente a existência de
qualquer agência coercitiva que aja contra o voluntarismo (o Estado). Antes de
justificarmos tal direito e cheguemos a qualquer conclusão a respeito, é importante,
primeiro, definir tal direito para que possamos extrair qualquer conhecimento acerca
de sua legitimidade.
Primeiro temos que ter uma noção do que é a autopropriedade. Nós
sabemos, através da praxeologia, que o nosso corpo é um recurso escasso. Não
somente isso, mas o meio que é necessário para a realização de qualquer ação.
Levando no sentido kantiano, podemos dizer que o corpo é o meio transcendental
necessário para o emprego de outros meios para se atingir os fins que o levam a um
maior estado de satisfação. Qualquer ação humana, qualquer forma de alocação de
recursos escassos como meios a fim de se atingir um objetivo pretendido, requer
que o homem utilize seu corpo também como meio para agir dessa forma. Ora,
estamos tratando de entidades, substâncias diferentes? Alguns críticos da ética
argumentativa costumam induzir o leitor a pensar que há, realmente, a
pressuposição de um dualismo substancial infalseável no seu desenvolvimento,
e por ser impossível prová-lo verdadeiro, não há como justificar a ética da
argumentação. Juntamente com o argumento, o crítico faz ao leitor uma pergunta:
“como pode você ser propriedade e proprietário ao mesmo tempo? ”; claramente
uma má interpretação do Princípio da Não-Contradição. Ora, o mesmo só é válido
para termos excludentes, nesse caso, propriedade e não-propriedade, proprietário e
não-proprietário; somente nesses casos é que seu uso pode ser aplicado.
Agora, seguindo a mesma lógica falada, como poderíamos realizar qualquer
outra ação? Ora, se ação implica em controle, e controle requer duas entidades, a
que controla e a que é controlada, como poderia então o homem agir utilizando seu
corpo? “Ele não controla seu corpo, ele é seu corpo”. O argumento é, sem a menor
das dúvidas, uma contradição prática. Se o valor verdade do argumento “não se
pode agir” é provado falso por ação (para proferir esse argumento, você teria que
agir e, consequentemente, pressupor controle sobre seu corpo), só pode restar que
“se pode agir” (é possível alocar meios, empregando seu corpo como o principal,
para atingir fins) é necessariamente verdadeiro. Um libertário mais radical pode
afirmar que, na verdade, a divisão que Hoppe faz entre “indivíduo” e “corpo” não se
dá pela substância material (corpo) e a substância imaterial (mente), mas uma mera
relação entre o ser enquanto matéria física (nesse caso, o corpo) e o ser em
essência (nesse caso, o “indivíduo” não se refere a uma “parte” transcendente,
imaterial, metafísica do ser, mas de sua categoria ontológica). Em outras palavras, a
autopropriedade é uma relação entre uma característica física e uma característica
ontológica do ser, o corpo e o indivíduo, nada de uma relação entre corpo e mente.
Agora, o consenso entre os libertários desse argumento é que, na verdade, quando
apropriamos a definição de propriedade aos termos kantianos, ele significa, tão
somente, que nós temos legitimidade ao impedir os demais indivíduos, sejam eles
seus corpos ou não, de arbitrarem sobre mim, seja eu meu corpo ou não (pois isso
não exclui o fato de que ainda é possível que se originem conflitos sobre o “eu” e
que, portanto, a matéria de “eu” é escassa).
Já temos em mente que 1- não há qualquer dualismo de corpo e mente
na autopropriedade, e 2- que o corpo é meio cuja alocação é transcendental a
qualquer ação. O simples controle exclusivo do corpo na ação não quer dizer nada,
o objetivo aqui é provarmos que não há como negar que os indivíduos possuem o
direito de controle exclusivo – direito de propriedade – sobre seu corpo, e que por
isso ser inegável através do discurso, não há como fazer nada além de aceitar sua
validade. Para isso, recorremos ao a priori da argumentação.

A Argumentação
Agora, tendo em vista as verdades dialéticas, sabemos que todo aquele que
argumenta contra um normativo ou descritivo que está presente no a priori da
argumentação e comunicação cai, nessa mesma ação, em uma contradição
performativa.
A argumentação não é uma ação sem um fim, mas uma ação propositada.
Toda atividade que envolve a racionalidade, ou seja, que envolve a práxis e
pressupõe meios e fins, possui um propósito. Dessa mesma forma é a
argumentação: ela possui o propósito de estabelecer consenso entre os indivíduos.
Toda argumentação sempre será precedida por um conflito, seja ele de ideias ou
não, e os indivíduos [o proponente e o oponente(s)] irão, durante a atividade
argumentativa, buscar o concílio entre suas posições. Todos que participam de uma
comunidade argumentativa, portanto, possuem o objetivo de estabelecer aceitação
entre suas proposições, assim como de justificá-las e tê-las como válidas, inválidas e
indeterminadas.
Durante o curso de uma argumentação, você sempre pode concordar ou
discordar do que é dito; é uma atividade mutuamente concordada (uma
argumentação não envolve somente um indivíduo, e só pode ocorrer por conta da
autonomia dos indivíduos de escolherem argumentar). Você pode concordar com a
opinião de seu oponente, ao mesmo tempo em que pode negá-la e apresentar sua
própria justificativa ou visão sobre o tema da argumentação. Ou seja, dentro da
argumentação, é possível concordar, no mínimo, que há uma discordância entre
ambas as partes, e é essa discordância a sua causa; em suma, sempre será
possível haver concordância ou consenso durante uma argumentação.
A conclusão que podemos chegar é que a argumentação é uma forma de
interação livre de conflitos, pois sempre haverá possibilidade para concordância ou
discordância: os argumentadores concordam, pelo menos, que discordam. Durante a
argumentação, para que possa haver qualquer concordância ou discordância, existe
uma norma que seja capaz de evitar todos os conflitos presentes durante a
argumentação, assim possibilitando que qualquer concordância ou discordância seja
feita; norma esta que, assim como qualquer outra verdade dialética, está impressa
no a priori da argumentação, obtendo, portanto, um status axiomático, pois não pode
ser negada racionalmente sem que se caia em uma contradição nessa mesma ação
de negá-la.
Todo aquele que ingressa em uma argumentação confirma e pressupõe a
existência dessa norma, e sem ela, todo o propósito da argumentação, bem como a
própria ação de argumentar, concordar ou discordar, seria praticamente irrealizável.
Essa pressuposição não é nada mais que o reconhecimento de que todo indivíduo,
durante qualquer atividade que envolva meios argumentativos, deve ter autonomia
absoluta sobre seu próprio corpo, para que possa prescrever fins de modo a se
responsabilizar por suas proposições e, posteriormente, justificá-las. Essa autonomia
já possui por si uma forma normativa, pois quer dizer que o indivíduo possui
legitimidade (que é uma categoria normativa) ao arbitrar sobre os fins que deseja
atingir. Toda proposição só pode ser justificada racionalmente por argumentação por
conta do reconhecimento de cada indivíduo como portador do direito de
autopropriedade, ou seja, de controle exclusivo sobre seus respectivos corpos, e dos
recursos externos apropriados originalmente por eles. Todo aquele que tenta formar
uma proposição que afirme que não reconhece a autopropriedade não consegue
justificar racionalmente essa mesma proposição sem cair em uma contradição
performativa, pois essa ação já pressuporia o reconhecimento de tal norma como
válida. Tendo em vista as premissas anteriores, concluímos que se a negação ao
direito de autopropriedade é inválida, sua afirmação só pode ser certa, pela Lei do
Terceiro-Excluído.
Assim também é a ética: toda ética que não entre em concordância com as
verdades dialéticas e a norma de autopropriedade falha por si mesma ao ser
justificada, pois pressuporia e reconheceria ambos os parâmetros nessa mesma
ação, o que caracteriza uma contradição dialética. Mas, o que é a ética?

Ética e Deontologia
A ética caracteriza a síntese da moral à razão, para que se justifiquem as
ações e os valores que são moralmente corretos ou incorretos. Diferentemente da
moral, a ética é objetiva, pois é universal e atemporal, e é justificada racionalmente.
A moral, porém, constitui somente dos juízos de valor do indivíduo, e é relativa a tal,
pois é o julgamento subjetivo daquilo que é bom ou ruim.
A ética possui diversas subdivisões, mas a que o libertarianismo se baseia é
a ética normativa, que prescreve limites às ações humanas, dividindo-as entre as
moralmente corretas e as moralmente incorretas, devidas ou indevidas, certas ou
erradas. A proposição de uma ética libertária também é deontológica, pois é aplicada
a certa classe de seres vivos, e prescreve os deveres que cada um deve seguir.
É sabido, também, que somente as éticas que possuem aceitação universal,
ou seja, que são válidas para todos e a todo tempo, podem ser consideradas válidas
e serem justificadas racionalmente. Isso é o que chamamos de Princípio da
Universalização, como descrito por Jürgen Habermas; esse princípio será aqui
referido como (PU), para encurtar o termo e permitir uma facilidade maior na leitura.
Agora, partamos a justificar o Princípio da Universalização:
Sabemos que toda proposição só pode ser justificada racionalmente se
passar por uma atividade discursiva, que envolva meios argumentativos. O discurso
pressupõe as “regras do discurso”, que são aquelas que compõem o a priori da
argumentação. Dentre essas regras, algumas possuem mero sentido lógico-
semântico; outras, porém, são responsáveis por eliminar toda coerção presente no
ato argumentativo (vide, autopropriedade). Dessa forma, não possuímos legitimidade
ao impedir que os indivíduos participem de uma argumentação, pois isso implicaria
em uma contradição dialética. Assim, para que uma posição seja considerada válida
e racionalmente justificável, não podemos excluir qualquer interesse, e portanto,
somente as afirmações que são universalmente aceitas dentro de uma
argumentação podem ser consideradas eticamente válidas.
A partir do momento em que você reconhece o direito de um indivíduo à
autopropriedade, você não o reconhece somente àquele indivíduo em questão, mas
aos demais seres presentes na mesma classe ontológica desse indivíduo, pois o a
priori da argumentação não aplica particularismo: todo ser que possui capacidade
argumentativa e racional é capaz de reconhecer e ser reconhecido como portador do
direito à autopropriedade, como também é capaz de conceber a máxima da
argumentação. Assim, não podemos excluir qualquer outro indivíduo desse direito; a
ética, portanto, não funciona como as regras de um jogo, que são válidas e tomam
lugar somente quando o jogo está em andamento, mas em toda e qualquer situação,
pois além de universal, ela também é atemporal, e se aplica em qualquer situação
da realidade, e a todo tempo. Afirmar o contrário é análogo a afirmar que 1+1=2 só é
válido durante a conta.
Há, também, a preferência por optar em uma ética apriorística, ou seja, que
é composta por juízos a priori, que não precisam da verificação por fatos para ser
verdadeiros ou falsos, mas pela própria razão, que já é suficiente para comprovar
sua validade. Se optássemos por derivar uma ética em seu contrário, i.e., usando
juízos a posteriori, cuja validade só pode ser obtida por verificação empírica, ou seja,
por experimentos dentro da realidade, dos fatos, cairíamos em dois problemas
epistemológicos: 1- a ética não seria universal, uma vez que só se aplicaria no
cenário em questão, citado pelo juízo a posteriori; 2- cairíamos na guilhotina de
Hume2, que demonstra ser impossível a derivação de deveres (a normatividade da
ética) partindo de fatos (o juízo a posteriori). Então, novamente pelo princípio do
Terceiro-Excluído, somente éticas apriorísticas podem ser justificadas
racionalmente.
A partir daqui, percebemos que a ética libertária não é só compatível, mas
também é a única que reconhece como válidos todos os parâmetros citados
anteriormente, incluindo o PU, a autopropriedade, o apriorismo, a fundação
normativa e a verdade dialética.

A Justificativa da Ética do Discurso


Podemos resumir a justificativa da Ética argumentativa no silogismo a
seguir:

2
Perceba que, até o atual momento, não derivamos norma alguma. Só mostramos que a argumentação
requer a pressuposição pragmática da ética do discurso, bem como suas descrições e prescrições.
1. Toda proposição é levantada - justificada e dada como válida, inválida ou
indeterminada durante o curso de uma atividade discursiva (i.e. qualquer
atividade que envolve meios argumentativos). Essa premissa não pode ser
negada, visto que sua justificativa seria dada pelo discurso. Se for afirmado que
"algumas proposições não são/precisam/podem ser justificadas durante uma
argumentação", não se cairia em contradição; porém, você não poderia
demonstrar quais são essas proposições e, para levantá-las, estaria o fazendo
durante uma argumentação.
2. A ação discursiva não é só uma tarefa cognitiva, mas uma ação prática, visto
que as proposições não são dadas prontas, mas são formuladas durante tal
atividade. Sendo ela uma ação prática, então, segundo o axioma da ação
humana, ela também é propositada, uma vez que, sendo toda ação humana
racional, ela envolve a práxis. Se ela é propositada, então ela pressupõe o
corpo, o espaço que ele ocupa no universo e outros recursos exteriores como
meios para que possa ocorrer.
3. A argumentação sucede-se, sempre, de um conflito (seja de ideias ou
recursos), uma vez que os indivíduos irão, em uma argumentação, buscar o
concílio de forma pacífica, de modo a chegar a um consenso entre suas
proposições. A argumentação envolve, também, os parâmetros de proponente e
oponente. Uma vez que podemos concordar, ao menos, que existe discordância
entre o que é falado, tanto pelo proponente quanto pelo oponente, segue-se
que ela é uma ação livre de conflitos.
4. Se ela é livre de conflitos, então ela requer que cada indivíduo reconheça a
si mesmo e aos demais participantes como seres individuais, entes exteriores a
si, para que possam, de forma autônoma, serem capazes de concordar ou
discordar do que foi dito. Disso segue-se que, durante uma argumentação, é
pressuposto que os indivíduos pressupõem que cada participante da atividade
discursiva deve ter o direito de controle exclusivo de seu próprio corpo, assim
como dos meios exteriores que possam ser usados.
5. A premissa anterior não pode ser negada sem que se seja incorrido a uma
contradição performativa, onde o conteúdo da ação contradiz com a própria
ação. Ou seja, ao argumentar que não existe o reconhecimento da
autopropriedade (assim chamamos esse direito), você o reconheceria e
pressuporia sua validade e sua verdade, uma vez que essa ação seria pelo uso
de meios argumentativos, invalidando o seu argumento.
6. Logo, toda ética que entra em contradição com a norma de autopropriedade
falha por si mesma ao ser justificada, uma vez que, nessa mesma ação, ela já
teria de pressupor a sua validade, demonstrando o caráter transcendental do a
priori da argumentação.

Uma ética que não cai em contradição com nenhum desses princípios é
aquela da não-agressão, proposta inicialmente por Rothbard. Se todo aquele que é
capaz de argumentar e justificar proposições racionalmente aceita a ética do
discurso como válida, quebrá-la através da violação da integridade física de outro
indivíduo, ou suas propriedades, é cair automaticamente em contradição, uma vez
que você se torna incapaz de justificar ou sequer argumentar em favor de sua
agressão sem pressupor o direito de propriedade do outro indivíduo, caindo em uma
contradição dialética.
A ética argumentativa ainda entra em conformidade com o Imperativo
Categórico kantiano, princípio ético que afirma que um dever moral é aquele cuja
máxima é universal e transcendental, isto é, que a ação seria igual em qualquer
situação, cenário ou circunstância, pois o indivíduo não agiria buscando suprir os
seus desejos ou interesses, e muito menos por conta de suas inclinações ideólogo-
sociais, mas pelo simples fato de que ele deve, e sabe que deve fazê-lo – um dever
pela boa vontade, que é sempre e incondicionalmente boa. Transcendental, para
Kant, é aquilo que é condição para a possibilidade da existência de algo; você não
consegue conceber qualquer atividade comunicativa sem ter que pressupor o a priori
da argumentação: a possibilidade de justificação de proposições como verdadeiras
ou falsas depende pratica e logicamente do reconhecimento das regras do discurso
impressas no a priori da argumentação. Noutras palavras, argumentar contra o a
priori da argumentação é análogo a argumentar que não é possível argumentar; não
há possibilidade de argumentar se não houver possibilidade e reconhecimento
factual do a priori da argumentação como parte das condições formais para a
obtenção de entendimento e conhecimento através de uma troca proposicional
intersubjetiva e livre de conflitos, pois é ele o responsável pela simples possibilidade
de uma busca mútua pela verdade. O indivíduo, ao tentar negar o dever de seguir a
ética de propriedade privada e não-agressão, só demonstraria o exato oposto, uma
vez que agir desta forma já implicaria no reconhecimento da validade de ambos os
deveres, derrubando-o em uma contradição prática. Pelo Princípio do Terceiro-
Excluído, torna-se evidente que a aceitação e o reconhecimento da ética
argumentativa como parte formal integrante do a priori da argumentação não cai em
contradição alguma, uma vez que seu contrário, a sua negação, é por si só uma
contradição, inexistindo qualquer terceira possibilidade de decisão entre a aceitação
e a negação de uma proposição. Pode-se argumentar que é possível que o homem
escolha ser irracional e simplesmente negue seguir qualquer ética que seja, mas
isso também é injustificável por quaisquer meios argumentativos, pois como vimos
na seção “Verdades Dialéticas”, há um dever intrínseco à atividade comunicativa de
reconhecer a si mesmo e ao seu próximo como seres racionais.
Ela é, também, um juízo a priori sintético; para Kant, um juízo é uma frase de
alegação que possui sujeito e predicado. Kant separa os juízos em duas categorias,
além do a priori e a posteriori: a dicotomia analítico/sintético e a dicotomia
puro/impuro ou empírico. Um juízo é analítico quando o predicado já está contido
dentro do conceito do sujeito. Quando eu digo, por exemplo, que uma maçã é uma
fruta, eu estou fazendo um juízo analítico, pois a característica de ser uma fruta já
está impressa na definição de maçã. Eu não estou adicionando uma característica
ao conceito de maçã, eu só estou afirmando algo que já está dentro do seu conceito.
Se eu digo que a maçã em questão é boa, eu estou fazendo um juízo sintético, pois
o conceito de “boa” não está contido no sujeito “maçã”. Eu estou ampliando o seu
conceito com o meu juízo de valor. Agora, voltemos ao meu primeiro juízo: “a maçã
é uma fruta”; esse juízo é um juízo impuro, pois apesar de não necessitar ser
verificado através da experiência, é necessário primeiro que eu tenha para mim o
conceito de maçã, o que não pode ser obtido por qualquer outra forma senão pela
intuição sensível. Dessa mesma forma é o juízo “Todo solteiro é um não-casado”,
pois primeiro é preciso que eu tenha o conceito de solteiro e casado. Em
contrapartida, vêm os juízos a priori puros, que são de origem independente de
qualquer experiência. O exemplo de Kant é “Toda consciência da unidade da síntese
de um diverso da experiência é acompanhada da unidade necessária da
apercepção”.
A ética é um juízo a priori sintético impuro, pois 1- não se verifica na
experiência, ela é deduzida pelo a priori da argumentação; 2- na frase “indivíduos
reconhecem a autopropriedade durante a argumentação”, não há descrição de algo
já contido no sujeito, o predicado amplia o seu conceito, e 3- é necessário que
tenhamos em mente o conceito de argumentação e suas características para definir,
primeiro, o que torna tais características possíveis.
Apropriação Original
A apropriação original corresponde à mistura de trabalho feita pelo indivíduo
a um recurso escasso que possui status in natura, i.e. que ainda não fora
apropriado, que faz parte de seu estado natural, inalterado, sem que viole esse
mesmo direito de outro indivíduo no processo. Ao agir sobre um recurso escasso, o
indivíduo emprega nele o resultado de seu trabalho, que é um recurso escasso já de
sua propriedade, fazendo com que qualquer outro usuário senão o primeiro tenha
de, no processo da apropriação, se aproprie, também, de um recurso escasso que já
é de propriedade de outro indivíduo, o que seria racionalmente injustificável, visto
que seria uma agressão ás faculdades de outro ser racional.
Através da ação de misturar trabalho a um recurso escasso, o indivíduo
estabelece entre ele um link objetivo de indivíduo-recurso, de proprietário-
propriedade. Negar essa afirmação, pela lei do Terceiro-Excluído, é o mesmo que
afirmar que esse link poderá ser indireto, ou seja, através de decreto verbal.
Esse argumento falha em dois sentidos: 1- Isso permitiria que o indivíduo,
através de decreto, se apropriasse do corpo de outro indivíduo(s), o que não pode
ser feito sem cair em contradição performativa com a norma de autopropriedade,
demonstrando o erro principal da apropriação indireta; 2- Se fosse permitido que
qualquer indivíduo além do primeiro tivesse capacidade e legitimidade de apropriar-
se de recursos escassos, então teríamos um conflito eterno, pois teríamos um
conjunto de apropriações, umas seguidas das outras, e assim, sempre haverá
conflito pela propriedade dos recursos em questão.
Formalizando: □ (∀x) [(((Px ∧ Dx) ⇒ Ax) ∧ (Ax ⇒ Hx)) ⇒ (Dx ⇒ Hx)]; para:
P = é humano;
D = argumenta;
A = reconhece a autopropriedade;
H = reconhece o homesteading.
Assim, lê-se “É necessário que para todo x, se x é humano e x argumenta, x
reconhece a autopropriedade, e reconhecer a autopropriedade implica em
reconhecer o homesteading; portanto, se x argumenta, x reconhece o homesteading.
A conclusão que obtemos é que a ética argumentativa, reivindicada por
Hans Hermann Hoppe, é a ética de propriedade privada, que entrega ao argumento
rothbardiano toda a sustentação suficiente para provar que o Estado é e sempre
será uma instituição ilegítima, que só consegue sobreviver pela violação dos direitos
naturais3 do indivíduo, reprimindo e suprimindo sua liberdade, impondo suas leis
positivas e cobrando taxações sem seu consentimento, em prol da sustentação do
monopólio da força e da justiça, que nada mais é que o próprio Estado. O
reconhecimento do direito à propriedade privada é a própria condição sine qua non4
da argumentação.
Os Erros do Estatismo
Esta parte do artigo se concentrará na análise de argumentos estatistas e
críticas à ética argumentativa.
Respostas a críticas da EA
A crítica de que a ética cai na Guilhotina de Hume – A guilhotina de
Hume, ou falácia naturalista, consiste no fato de que é impossível a derivação de
normas partindo, para isso, de fatos. Isto é, porque algo age, não implica que ele
deve agir. Esse parâmetro, apesar de ser válido, não consegue entrar em lugar
algum dentro da ética; geralmente acompanhado de espantalhos, o argumento
consiste em dizer que, somente porque o indivíduo possui controle exclusivo sobre
seu corpo durante a argumentação, não segue que ele deve ter tal controle
exclusivo. Isso é um claro espantalho, como já vimos aqui: o direito (normativo) da
autopropriedade não é derivado de fato algum; ele está impresso nas condições do
a priori da argumentação. Qualquer ação humana, não necessariamente a
argumentação, já pressupõe esse controle exclusivo, mas nenhuma senão a
argumentação demonstra o dever de haver esse controle. A ética não diz que você
deve ter controle exclusivo de seu próprio corpo durante a argumentação, mas que
você, ao argumentar, está reconhecendo o direito de autopropriedade (ou seja, você
reconhece que deve) e que, dessa forma, argumentar contra ela seria uma
contradição prática.

3
Os direitos naturais, ou direitos de primeira geração, são os direitos que precedem a existência do
Estado, que já estão contidos no próprio ser, no indivíduo. Dentro do libertarianismo, o direito natural é
aquele contido dentro do a priori da argumentação.
4
“Sine qua non” significa a causa de uma ação cujo resultado seria impossível sem ela. A causa da
argumentação é o reconhecimento da autopropriedade e da igualdade de direitos, e sua realização seria
impossível sem ela.
A crítica de que só é necessário o reconhecimento da autoposse –
Qualquer ação humana, i.e. que pressupõe meios e fins, já reconhece a autoposse,
uma vez que toda ação humana pressupõe o uso exclusivo do corpo como meio
principal a atingir os fins prescritos: isso é um descritivo. Dentro da argumentação, já
é diferente; o a priori da argumentação possui a norma de autopropriedade inclusa
dentro do conteúdo formal do discurso, e não havendo qualquer outra possibilidade
de negá-la senão por ele, não há também como negar a autopropriedade sem cair
em contradição, e tudo isso parte do fato de que ela é livre de conflitos, havendo
possibilidade para que quaisquer concordâncias ou discordâncias sejam feitas. Para
que qualquer concordância o discordância se dê, cada indivíduo precisa reconhecer
a si mesmo como um ente autônomo e separado dos outros indivíduos, que deve
possuir o direito de controlar seu corpo como quiser, sem que atinja a integridade
física das propriedades do restante dos integrantes da argumentação, e qualquer
forma de ingressar em uma argumentação e afirmar contra a pressuposição desses
parâmetros não passa de uma contradição, pois não há como argumentar contra o a
priori da argumentação sem ter que reconhecê-lo no percurso.
A crítica do reconhecimento parcial – Esta se baseia no fato de que todo
o corpo não é necessário para argumentar, pois você não precisa, por exemplo, usar
seus cabelos ou seus dedos para argumentar; portanto, não faz sentido haver o
reconhecimento do corpo inteiro como propriedade do indivíduo, uma vez que a
argumentação não requer o corpo inteiro para ocorrer. Lembremo-nos que não
existe um estado de não-ação, todo ser humano, enquanto vivo, sempre estará
agindo, empregando meios para alcançar os fins desejados que lhe trazem mais
conforto, mesmo estando parado. Quando o indivíduo não aparenta realizar
movimento algum, mas ainda apresenta sinais de consciência, ou seja, está
acordado e pensante, ele ainda está agindo para isso; ele está alocando o recurso
escasso de seu corpo como meio para atingir a finalidade de ficar parado e não se
movimentar. Dessa mesma forma é a argumentação: apesar de algumas partes do
corpo permanecerem aparentemente imóveis, elas ainda estarão sendo alocadas
pelo indivíduo.
A crítica de que a ética não apresenta contradição performativa –
Apesar da falsa analogia, terei de explicar o grande erro do argumento. Afirmar e
falar que “eu não posso falar” é cair, de fato, em uma contradição performativa, da
mesma forma que enviar uma carta a alguém dizendo que “eu não sei escrever e o
correio não funciona”. Trocando as palavras de cada frase, encontramos que os
juízos “eu não tenho o direito de falar”, “eu não tenho o direito de escrever” e “o
correio não tem o direito de funcionar” não caem em contradição performativa.
Temos mais um petitio principii: esse argumento só pode estar correto se o seu
contrário estiver errado, e isso jamais foi provado. De fato, esses juízos não caem na
contradição performativa; mas tentar relacioná-los com a ética é uma pura falsa
analogia, uma vez que argumentar dessa forma não estaria fazendo nada além de
pressupor o contrário do que se quer falar, o que derruba o argumento em uma
contradição prática. A argumentação só é uma atividade possível dentro das
limitações praxeológicas por conta do reconhecimento do direito de controle
exclusivo de um sobre seu corpo, e para isso, ela apresenta uma característica – a
de ser livre de conflitos – que só pode ocorrer pela condição da igualdade de direitos
durante a argumentação e da autonomia de cada um para propor seus argumentos,
sendo impossível argumentar e justificar racionalmente o contrário.
A crítica da origem da propriedade – Essa aqui consiste em dizer que, nos
tempos antigos, ocorreram diversas violações de propriedade. O Estado manipulava
os produtos com tributos, os ladrões roubavam bens e, como o conhecimento na
época era escasso, não tinha como saber que pessoas possuíam propriedades
“ilegítimas” ou não. Assim, é possível que hoje haja diversas propriedades
“ilegítimas” e, como não temos como saber quais são legítimas e quais não são,
seria ético manter propriedades “ilegítimas”? Essa crítica é tão somente uma crítica
consequencialista a uma teoria deôntica, bastando somente isso para refutá-la, mas
creio que seja melhor desenvolvê-la. Perceba que eu coloquei o parâmetro de
legitimidade da propriedade entre aspas; isso porque inexiste ilegitimidade de
propriedades. A propriedade é um direito exclusivo ao primeiro usuário ou àqueles
que este passa por um contrato direto e voluntário, e por isso, sempre será legítimo;
todo primeiro usuário é proprietário legítimo do recurso escasso em questão. Ele não
perde o direito de controle sobre aquele recurso ao ser roubado, o que ocorre é que
ele perde o direito de uso de tal recurso, que passa a ser daquele que o roubou.
Quando o indivíduo morre, ele, obviamente perde o direito sobre suas propriedades,
uma vez que se torna incapaz de justificá-las: assim, se eu roubo a posse de algo e
o proprietário original morre, o direito de propriedade passa a mim, que serei o
primeiro usuário desse recurso.
A crítica da possibilidade de agressão e argumentação ao mesmo
tempo – Essa aqui se concentra na afirmação que, sendo possível que haja
agressão ao mesmo tempo em que corre uma argumentação, esta não é uma ação
livre de conflitos; afinal, eu posso simplesmente bater em uma pessoa enquanto
estou argumentando. O grande problema do argumento se concentra nas palavras
“ao mesmo tempo”. Podemos rebater esse argumento de duas formas. Ludwig Von
Mises prova, em seu Ação Humana, que não é possível haver sincronia entre as
ações, i.e., que não é possível que uma ação ocorra no mesmo espaço de tempo
que outra: isso pois cada ação sucede-se individualmente à outra. Se não fosse tal,
seria possível que realizássemos A e –A ao mesmo tempo, o que é falso; por
absurdo, então, comprovamos que a impossibilidade de A e –A ao mesmo tempo e,
consequentemente a também impossibilidade de sincronia entre as ações individuais
são verdadeiras, pelo Princípio do Terceiro-Excluído. O segundo ponto consiste na
afirmação de que, pelo Princípio da Não-Contradição, argumentar e agredir são
ações excludentes e, portanto, irrealizáveis sincronicamente. Uma, a argumentação,
é uma ação livre de conflitos, uma vez que poderá haver concordância ou
discordância sempre que uma argumentação tomar lugar: por isso é necessário o
reconhecimento de cada um como um ser autônomo para poder reconhecer e ser
reconhecido como portador do direito de exclusivo de seu próprio corpo, e sem isso,
qualquer concordância ou discordância não pode ser feita. A agressão, por outro
lado, é uma ação conflituosa, uma vez que envolve o uso de um mesmo meio
escasso para fins diferentes. Você, ao agredir o corpo de alguém, está não só
ferindo a integridade física, mas também usando o corpo do agredido para um fim
que não representa seu desejo, que é o de sofrer e sentir dor, além de estar
violando sua autopropriedade. Segue-se que é impossível que se reconheça o
indivíduo como autoproprietário argumentando e não-autoproprietário agredindo,
pois o segundo cai em uma contradição performativa com o primeiro.
A crítica de que a ética é um raciocínio circular – Essa crítica pode ser
dividida em duas partes. A primeira parte é a seguinte: a ética argumentativa incorre
em uma falácia da petição de princípios (petitio principii), onde a conclusão está, de
alguma forma, implícita nas premissas. Isto pois a conclusão “deve-se pressupor a
autopropriedade durante argumentação”, enquanto proferida em uma argumentação,
já fora pressuposta desde seu início, enquanto a argumentação se iniciou. Isso aqui,
na verdade, não é nenhuma novidade, pois o argumento aqui é transcendental, onde
se prova que uma norma é condicionante para a possibilidade da existência de algo.
A petitio principii aqui, portanto, não representa uma falácia propriamente dita, e isso
vai ser explicado nas seguintes palavras; todo argumento transcendental é, por si só,
uma petitio principii, pois para realizar uma ação que possui C como condição
transcendental e concluir que C, de fato, faz parte de tais condições, já há de
presumir que C está válido, mesmo que implicitamente. Um argumento semelhante
pode ser descrito da seguinte forma:
1- Para justificar que eu existo, eu preciso fazê-lo por argumentos;
2- Para argumentar, é necessário que eu exista.
É visível aqui o raciocínio, que é supostamente circular, mas que não está
necessariamente errado; apesar de estar cometendo uma petitio principii, não
significa que nós não existimos, e nem que o argumento está errado – pois o
argumento aqui é de status transcendental. Podemos considerar esse argumento,
então, como uma falácia da falácia, onde diz-se que um argumento está errado
somente porque a/uma das suas justificativas incorre em uma falácia. O problema é
que a petição de princípios nem pode ser considerada uma falácia aqui. A segunda
parte do argumento se dá não na justificativa da autopropriedade, mas nos
pressupostos de sua legitimidade. O argumento em questão é o seguinte: Hoppe
incorre em uma circularidade quando justifica o princípio de apropriação originária
(nesse caso, referida como indireta, pois o controle do recurso aqui se dá de forma
externa, e não interna. Não há contradição com a definição dada anteriormente, pois
aquela diz respeito à forma na qual o link é feito) pela autopropriedade, ao mesmo
tempo que legitima a autopropriedade nesse corolário. Esse argumento do Hoppe
está mesmo errado, pois a legitimidade da autopropriedade vem do fato de que há, a
princípio, não uma apropriação indireta (no sentido definido anteriormente, nesse
mesmo parágrafo), mas uma apropriação direta, que se dá nos três meses de
gestação, quando é formada a consciência e há um uso interno do corpo,
proporcionando um link de propriedade. Pode-se dizer, então, que é possível
justificar o aborto aos três meses de idade, então; mas aqui podemos recorrer ao
argumento ontológico e à universalidade ética. Sendo de forma completamente
universal, a ética argumentativa estende o direito de autopropriedade a toda a classe
ontológica humana – que é a classe cuja essência já possui para si a capacidade
racional e argumentativa; sendo assim, um feto, mesmo antes de estabelecer esse
link, já possui esse direito, pois continua participando da categoria humana, só está
em um estágio de formação onde não é capaz de exercer certas atividades.
A crítica da negação da primeira premissa – É possível que se argumente
contra a primeira proposição da ética (toda proposição só é levantada no curso de
uma argumentação) se for falado que “algumas proposições não são justificadas no
curso de uma argumentação”. À primeira vista, o argumento parece ser convincente:
se as regras formais do discurso são derivadas de uma premissa falsa, então elas
também são falsas, e se há outra forma que não seja por argumentação de justificar
proposições, então há como justificar proposições sem ter que pressupor o a priori
da argumentação. O erro do argumento pode ser demonstrado da seguinte forma:
Não há como mostrar quais são essas proposições que não são levantadas dentro
de uma argumentação, e, ao tentar fazê-lo, ele estaria o fazendo justamente em uma
argumentação.
A crítica do juízo de valor – Acompanhado da pergunta “por que a ética
deve ser seguida?”, o argumento consiste no espantalho de que respeitar a ética
argumentativa é uma decisão do indivíduo, e se ele não quiser, ele simplesmente
não precisa. A ética argumentativa, porém, consistindo das condições
transcendentais da argumentação, não é algo que o indivíduo escolhe ou não
reconhecer ou pressupor: essa pressuposição já está contida dentro do próprio ato
de argumentar. Ao argumentar que não se deve seguir a ética argumentativa, você
está reconhecendo como norma implícita dentro do a priori da argumentação o
respeito e o reconhecimento da autopropriedade e da apropriação original, i.e., que
a ética deve ser seguida, onde você cai em uma contradição performativa; aí está a
resposta à pergunta. Claro, é impossível que se negue o seguimento e o dever de
seguir a ética argumentativa. Por que, então, não devemos violá-la e iniciar
agressão a indivíduos? Podemos representar no seguinte silogismo: 1- Não
devemos agredir; 2- A premissa 1 não pode ser negada sem que se seja incorrido
em uma contradição performativa, pois ao argumentar, você pressupõe que se deve
respeitar o direito de cada um de controlar exclusivamente seu próprio corpo e os
demais bens escassos apropriados originalmente, e por isso você também
reconhece, pelo Princípio da Identidade e do Terceiro-Excluído, que seu contrário
não deve ser feito, i.e., que não se deve violar o direito de cada um de controlar
exclusivamente seu próprio corpo e dos bens escassos apropriados originalmente.
3- Assim, é axiomático e verdadeiro dialeticamente que não devemos agredir, e a
simples tentativa de negar esse argumento não consegue ser justificada
racionalmente de forma alguma sem ter que pressupor o seu contrário para que a
sublime possibilidade de argumentar dessa forma possa sequer existir.

A resposta juspositivista – David Hume discorre em seu Tratado da


Natureza Humana uma lei, que ele chama de Falácia Naturalista, ou Guilhotina de
Hume, que é dada como uma refutação cabal ao jusnaturalismo, que diz ser
impossível a derivação de normas de fatos, como já expliquei na outra crítica. Sendo
assim, do ser, da natureza do ser, não podemos extrair direitos, normas, o que
derruba uma teoria naturalista-jurídica simplesmente por sua definição. Mas essa
crítica se aplica ao jusracionalismo hoppeano? Não. Simplesmente porque Hoppe
não trata do ser, do indivíduo, e muito menos de sua natureza; na verdade, Hoppe
nem ao menos deriva uma norma. O direito, a norma de autopropriedade, só é
demonstrado como uma prescrição transcendental à argumentação, que faz parte
de seus pressupostos lógicos e práticos, e que, portanto, sendo implícita dentro do a
priori da argumentação, não pode ter uma negação racionalmente justificável, visto
que toda justificação prescinde de argumentos. Gene Callahan e Robert P. Murphy 5
regozijam dessa crítica, e dizem a ética argumentativa ser “empiricamente refutada”,
estes que já foram respondidos por diversos outros libertários, como Marian
Eabrasu6, Frank van Dun [sem referência] e o próprio Hoppe7.

Por que toda ética estatista é falha?


Seria possível justificarmos uma ética que legitime e valide o Estado como
um ente necessário e indubitável ao indivíduo? A resposta curta é: não. Cabe agora
justificar o porquê.
Uma ética estatista, não consegue ser justificada por um simples motivo: a
necessidade de universalização. Toda proposição ética, como já vimos, que não seja
universal ou universalizável não pode ser justificada racionalmente através de uma
argumentação sem cair em contradição performativa. Uma ética, portanto, que
coloque um indivíduo acima de outro não consegue ser justificada racionalmente por

5
Callahan, Gene & Murphy, Robert P. (2006). Hans-Herman Hoppe's argumentation ethic: A
critique. Journal of Libertarian Studies 20 (2):53-64.
6
Eabrasu, Marian. “A Reply to the Current Critiques Formulated Against Hoppe’s Argumentation
Ethics,” Libertarian Papers 1, 20 (2009):1-29.
7
Hoppe, Hans-Hermann. “Appendix: Four Critical Replies.” In: The Economics and Ethics of Private
Property, 399-418.
não ser compatível com a ontologia humana. Esse é o ponto de falha principal de
qualquer ética estatista: pressupor que os entes que compõem o Estado e o próprio
Estado em si têm e devem ter prioridades acima do resto dos indivíduos, de tal modo
que possuam poder para controlá-los e ditar quais meios são “legítimos” a serem
usados e quais fins são “morais” a serem atingidos. A única forma de evitar essa
contradição seria por colocar os indivíduos em posições que estão de acordo com
sua categoria ontológica, ou seja, universalizando a ética.
Agora, discorramos a uma justificativa anti-Estado que parta da própria ética
argumentativa. Sabemos que, durante a argumentação, é reconhecida a lei de
propriedade privada e o Princípio da Não-Agressão, uma vez que atentar contra o
direito de controle exclusivo sobre o próprio corpo e tentar justificar tal ação é uma
contradição performativa: sendo justificar a agressão uma premissa inválida,
justificar a não-agressão é uma premissa válida. O Estado é uma instituição que, por
definição, sobrevive através da violação das liberdades do indivíduo, visto que
envolve o monopólio da coerção e da justiça. O argumento mais utilizado para
justificar a inexistência do Estado se dá por absurdo, “imposto é roubo”: como não
podemos justificar quaisquer atos de agressão, e o Estado agride através da
taxação forçada por serviços e produtos que, na maioria das vezes, nem são
requisitados pelo indivíduo, e são destinadas ao pagamento dos serviços e produtos
também na maioria das vezes não requisitados de outros indivíduos, além de impor
suas leis positivadas sobre determinado território sem qualquer legitimidade ou
consentimento para isso, então ele não pode ser justificado e é, portanto, inválido.
Pelo Terceiro-Excluído, seu contrário só pode ser válido: a sua inexistência. Está
resumida uma explicação básica do motivo pelo qual imposto é roubo. Enfatizo aqui
que a característica de roubo atribuída ao imposto não se dá pela quantidade em
que é cobrado, mas pela forma. O Estado só consegue receber seus impostos
integralmente pois estes são cobrados coercitivamente, se você não paga, você é
caçado pelas agências federais, preso, e pode até ser executado.

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