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História da Psicologia – UFMG/FAFICH/D Psi 9

História da Psicologia
William B. Gomes
Aula 2

A PSICOLOGIA NA GRÉCIA ANTIGA I


Os Pré-Socráticos

Resumo – Relata as primeiras manifestações de vida inteligente, localiza


historicamente a origem do entendimento da separação entre alma e
corpo, e identifica as primeiras preocupações com objetividade,
racionalidade, subjetividade e com o conhecimento de si mesmo. Ainda,
ressalta a primeira descrição do cérebro como sede da vida racional.

2.1 As primeiras noções de Psique

O termo psicologia (Ψυχολογια) aparece pela primeira vez como título de uma
obra publicada em 1590. Tratava-se de um livro escrito por Rudolf Goclenius (1547-
1628), um professor da Universidade de Marburgo reconhecido por suas contribuições à
terminologia filosófica (Ferrater Mora, 1988). Literalmente, o termo psicologia referia-se
ao estudo da ciência da alma, ou da psique ou da mente.
Entre os antigos, o termo alma possuía vários sentidos. Podia significar sopro
(respiração), fogo (calor vital que se apaga com a morte) e sombra ou simulacro (o que
está sempre ao seu lado). Na verdade, as línguas antigas usam termos diferentes para
referir-se a alma como sopro ou fôlego vivente e alma como referindo a uma instância
imortal que habita mas não pertence o corpo (Tabela 2).
As primeiras manifestações de vida mental estavam relacionadas às preocupações
com as forças responsáveis pelo sucesso ou fracasso, individual ou coletivo. Para os
antigos, as vitórias e os fracassos eram decorrentes do poder de forças onipresentes e
misteriosas, capazes de modificar o curso das coisas. A crença na existência destas
forças e o desejo de domesticá-las através de práticas religiosas marcou as primeiras
noções da vida inteligente. Como se sabe, práticas religiosas são crenças e cultos
praticados por um grupo social, em que uma força sobrenatural é objeto de devoção e
temor. Características comuns a maioria das religiões são: reconhecimento de uma força
sobrenatural, a mediação sacerdotal, o uso de rituais para estabelecer uma relação com o
sagrado e um senso comunitário. Encontram-se exemplos de práticas religiosas em todas
as civilizações antigas. Existem registros escritos de práticas religiosas que remonta a
cerca de 1500 anos antes de Cristo. Para nosso estudo vamos considerar as tradições
religiosas dos povos helênicos por causa de sua importância no pensamento filosófico
que está na base da história das idéias do mundo ocidental.
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Os ritos religiosos dos gregos, em particular no mundo homérico, no culto de


Dioniso e no mito órfico, apresentam referências sobre a alma, sua função e sua relação
com o corpo.
No mundo homérico 700 a.C. acreditava-se numa alma separada do corpo. Uma
alma que abandonava o corpo na hora da morte em direção ao Hades. Para eles a
máxima expressão de vida era quando alma e corpo estavam unidos, dirigindo todas as
atividades. Tal situação os levaria a ser como um deus na terra e a ter gosto pela vida.
Mas esta explicação não esclarecia como o homem era dotado de sentimentos, desejos e
pensamentos.
O culto de Dioniso era uma tendência religiosa que acreditava em um profundo
desacordo entre a alma, investida de valor sagrado, e o corpo. Para eles a alma preexistia
ao corpo, e quando o habitava guardava consigo a nostalgia do Além e sentia o corpo
como uma prisão. Então o culto com transes frenéticos, ao som de tambores e flautas,
intermediava uma conciliação entre esta alma e o deus, com ela identificado, para assim
encontrar a plenitude.
O mito órfico, que apresenta muita semelhança com o episódio bíblico de Adão
e Eva, traz a concepção do duplo princípio do bem e do mal, a idéia de que o mundo
nasceu de um crime contra a unidade do deus, e que o objetivo final é o retorno à
unidade indevidamente quebrada. O corpo é um túmulo do qual a alma deve libertar-se e
purificar-se através da roda dos nascimentos, deixando um corpo para se introduzir em
outro (Anánke). Desta forma, só submetendo-se aos preceitos da vida órfica, isto é,
repudiando os prazeres do corpo e as atrações da vida terrena, pode-se alcançar a
libertação (Mueller, 1968).
Estas posições extraídas de um contexto mítico e religioso descrevem corpo e
alma como entidades separadas.

Tabela 2
O termo alma nas línguas antigas
__________________________________________________

Línguas Alma como sopro Alma como diferente


antigas ou fôlego vivente de sopro

em hebreu - nefesh - neshmach


em árabe - nefs - ruh
em sânscrito - atman - prona
grego - pneuma - psique
latim - animus
- anima
alemão - Geist (espírito)
inglês - ghost (fantasma)
__________________________________________________
(Fonte: Farrater Mora, 1988, v.1 p. 102)
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2.2 A origem da racionalidade

Encontramos, a seguir, o primeiro período filosófico e que é designado como


filosofia pré-socrática. Esta filosofia inaugura uma série de conceitos que ainda são
usados e discutidos hoje. São as noções de ‘princípio', ‘elemento', ‘matéria', ‘forma',
‘ser', ‘devir', e ‘espírito'. O problema principal da filosofia pré-socrática era a questão do
‘arkhé', ou seja, do princípio de todas as coisas, ou seja, o questionamento do ser
permanente tendo em vista o movimento e a mudança. O problema não era referente a
tempo, mas sim à essência.
A exigência racional nasceu com os jônicos. Eles assumiram uma postura de
naturalistas afirmando que a natureza tinha uma existência independente do homem.
Assim, trouxeram o conceito de realidade objetiva. Os jônicos são divididos em quatro
grupos: os físicos, os eleatas, os atomistas e os sofistas. Curiosamente, a divergência de
pensamento entre eles refere-se a questões que permanecem polêmicas até hoje.
Os físicos preocupavam-se com o princípio de unidade. Eles queriam saber qual
o princípio unitário do qual se originavam e que também transformava o mundo real.
Assim, para Tales de Mileto (624-546 a.C.) este princípio unitário era a água, para
Anaximandro (610-547 a.C.) era o ‘apeiron' (algo imortal, imperecível, indeterminado e
indiferenciável, ilimitado), para Anaximenes (588-524 a.C.) era o ar (dele origina-se a
noção de pneuma, sopro criador da vida e animador dos organismos) e para Heráclito
era o fogo. O princípio unitário do fogo, defendido por Heráclito, foi também a primeira
formulação da idéia de devir, de dialética. Ele dizia que o mundo não foi criado, nem
deus, nem homem. O mundo é, para ele, o fogo eternamente vivo, renovando-se
permanentemente. O devir, este renovar permanente, não é anárquico e nem está
dominado pela medida, pelo logos (sentido, lei) (Mueller, 1968; Hirschberger, 1973).
Note-se que até o conceito de matéria era infinito. Com Pitágoras de Samos (532, a.C.)
surgem os conceitos de limites (peras) de número e de harmonia cósmica (as formas que
ordenam o ser não surgem caprichosamente, ao contrário, constituem um sistema, um
todo que tem harmonia cósmica). A alma era entendida como sendo a harmonia
cósmica.
Os primeiros estudos sobre a relação entre mecanismos sensoriais e
conhecimento pertencem a Alcméon, um médico que viveu na cidade de Crotona na
parte meridional da Itália, em torno do século V a.C., e identificado como pertencendo a
escola de Pitágoras. Ele dessecava animais para estudar seus esqueletos, músculos e
cérebro. Seus estudos mostraram a existência de vias nervosas e suas ligações com o
cérebro. Por exemplo, descobriu que determinadas vias partiam dos olhos para levar a
luz até o cérebro. Tem-se, desta forma, uma primeira teoria, ainda que rudimentar, de
fisiologia dos sentidos estabelecendo o cérebro como órgão central da alma (Rosenfeld,
1993). Alcméon definiu a alma humana em três partes: intelecto, consciência e paixão. As
três partes da alma são descritas pelo próprio Alcméon da seguinte forma: "O intelecto e
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as paixões encontram-se igualmente em todos os seres vivos, mas a consciência só existe


no homem. O princípio da alma se estende do coração ao cérebro; as paixões têm a sua
sede no coração, e o intelecto e a consciência residem no cérebro" (citado por Spinelli,
1998, p. 1361). Alcméon é considerado o primeiro a fazer tal distinção entre o homem e
os outros animais. Tanto os homens quanto os animais experimentam sensações mas
somente os homens são capazes de pensar.
Com relação aos físicos é interessante ressaltar o conceito de apeiron de
Anaximandro, e o conceito de devir de Heráclito. Apeiron refere-se a uma matéria prima
que é infinita enquanto não está determinada por forma alguma. No entanto, ela pode
ser determinada de maneira sucessiva por uma infinidade de formas. O conceito de devir
de Heráclito deve ser contrastado com o conceito de ser. O termo devir refere-se a
composição de um ato e potência que permanece frente a ele a espera de uma realização.
É, portanto, um conceito de algo em processo, em movimento. O termo ser designa
aquela perfeição pela qual alguma coisa é um ente e que não coincide com o
sensorialmente perceptível (Brugger, 1987).
Os eleatas acreditavam que o ser é unidade e imobilidade e que a mutação não
passa de aparência. A racionalidade mostrou-se de forma muita clara nas posições de
Parmênides de Eléia (540/539-470 a.C.). Ele defendia que a identidade era o único
fundamento e critério da verdade. Colocou no centro de sua doutrina o ser e negou o
devir. Argumentava que o devir não era absolutamente nada. Pois, se estava sempre em
movimento não podia manter-se por si mesmo. O devir era pura ilusão dos sentidos. Só
nossos sentidos nos dão a ilusão do devir e por conseguinte da multiplicidade. Ora, dizia
ele, se existe multiplicidade, poderá existir também transição, devir, e vice versa. Porém se
não se quer seguir este caminho enganoso da opinião, quer dizer, da percepção sensível,
siga-se o caminho da verdade e sustente-se no pensamento, e então se fala do próprio e
verdadeiro ser, que é único, precisamente ser e não algo que está sendo posto ‘que é o
mesmo que é pensar que ser'. (Hirschberger, p. 20, 1973). O ‘ser' em Parmênides é o
termo que designa a razão e a possibilidade de reduzir a ela toda a realidade e toda a
diversidade. A sua doutrina de identidade é analisada pelos filósofos em seus três
aspectos básicos: 1) a relação entre a doutrina da verdade e a doutrina da aparência, 2) a
questão da definição do ser (o que é o ser?), e 3) a interpretação do que é o ser
(identidade, verdade, lógica) (Tabela 3).

1 A fonte usada por Spinelli foi Diógenes Laércio, Vidas e doutrinas de filósofos ilustres, VIII, 30
(DK 58 B 1a).
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Tabela 3
Permanência versus Mudança; Essência versus Tempo

Essência Variação Representação


Exterior Percepção Idéia
Permanência Movimento Essência
Coisa Aparência Interior
[ser] [devir] Conceito
Idéia

Em Empédocles (483/2-430 a.C.) de Agrigento na Sicilia encontra-se a primeira


formulação mecanicista. Para ele o princípio unitário estava na combinação de quatro
elementos: fogo, água, ar e terra. Estes elementos, que estão presentes em toda a
natureza, correspondem aos deuses Nestis (água), Hera (ar), Zeus (fogo) e Edono (terra).
O mecanicismo de Empédocles estava na mistura dos elementos através de união e
separação, dirigida pelas forças do amor (bem, ordem, construção) e do ódio (mal,
desordem e desconstrução). Nota-se em seu pensamento duas tendências: uma
materialista, a justificação das coisas através das misturas dos elementos; e outra religiosa,
a crença em forças sobrenaturais do amor e do ódio. Não se sabe se há uma precedência
de uma explicação sobre outra, ou se as duas sempre coexistiram em suas doutrinas.
O principal representante dos atomistas foi Demócrito de Abdera (460-370).
Para ele já não havia nem deuses nem nenhuma classe de representações tomadas da
vida humana. O que havia eram átomos. Os átomos eram definidos como sendo
"corpúsculos minúsculos, últimos invisíveis, todos da mesma qualidade, ainda diferentes
em sua magnitude e em sua forma" (Hirschberger, p. 22, 1973). Como conceitos
acessórios Demócrito só utiliza o espaço vazio e a natureza eterna. Segundo ele, estes
átomos caem da eternidade no espaço vazio e tudo que existe se compõem deles. Para
tanto, para nossa percepção sensível das coisas são, certamente, diferentes em figura,
forma, cor, etc. porém em si mesmos (physei = natureza) se compõem unicamente de
átomos. Aqui está lançada o germe da idéia moderna.
Demócrito preocupou-se, mais do que qualquer filósofo anterior a ele, com a
incerteza das impressões sensíveis. Sua explicação do universo parece ser uma síntese
tanto da doutrina eleática (ser) como da de Heráclito (devir). Demócrito estabeleu os
princípios de cheio e vazio para substituir a idéia do ser único e idéia da fluência
constante e perpétua. O que se tem então é o conceito de ser e de não ser. O ser são os
átomos, cujo o número é infinito, diferenciando-se entre eles por sua ordem, figura e
posição. Os átomos são elementos cujas as determinações gerais são geométricas e, por
conseguinte, quantitativas. Seu movimento se efetua no vazio, que é, por assim dizer, o
lugar das mudanças e não o simples nada, pois o vazio existe de modo efetivo, ainda em
forma distinta do ser sólido e cheio que são os átomos. Assim, o movimento que tem
lugar no vazio é impulsionado por uma força externa que junta e desagrega as coisas
como o amor e o ódio. Os átomos são eternos e incausados porque são os primeiros a
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partir dos quais as coisas chegam a existência. Porém, sua eternidade pertence também a
seu movimento, que se efetua assim de um modo inteiramente mecânico, com um
rigoroso encadeamento causal que não é um simples azar, ‘pois tudo acontece pela razão
e pela necessidade'. Os átomos constituem o ser ‘das coisas que são' e portanto, não só
das físicas, senão das que parecem imateriais, da alma que está composta de átomos de
fogo, quer dizer, de átomos redondos impulsionados pelo mais rápido movimento. A
solução dado por Demócrito é com isso uma das grandes soluções clássicas ao problema
do ser e em particular ao problema do devir, solução tanto mais precisa quanto que
conserva por partes iguais a necessidade racional de um ser imóvel e a comprovação
empírica de um mundo que se move. Os átomos de Demócrito parecem ser uma divisão
do ser único de Parménidas, o qual era evidentemente racional, porém não podia
explicar de maneira alguma o mundo da opinião e da mudança. Ao dividir esse ser,
Demócrito conserva sua inteligibilidade sem a contrapor violentamente com a
irracionalidade da mudança. É, desta forma, que a doutrina de Demócrito tem sido uma
constante em todo a história do pensamento, em muito maior proporção do que pode
fazer supor a imagem que se faz habitualmente da filosofia grega, imagem que reduz o
democritismo em uma qualquer das diversas posições pre-socráticas (Ferrater Mora,
1988, p. 741).
Anaxágoras (c500-420 ou 499-428 a. C.) introduziu o princípio do espírito: o nous
(a inteligência, a mente, a razão) – algo divino, infinito, existe para si, é onisciente e
onipresente, o criador de todas as coisas. Brugger (1987, p. 321) define o nous do
seguinte modo: "Enquanto os sentidos nos mostram somente o mundo do devir e do
perecer, termo médio entre o ser propriamente dito e o nada, o Nous (vouç) penetra até
as idéias, formas exemplares ou unidades objetivas eternas, não sensíveis, que existem
fora e acima das coisas sensíveis e conferem seu verdadeiro sentido ao mundo e à vida."

2.3 A medicina grega

Na Grécia Antiga a medicina era sacerdotal. Procurava-se a cura para a doença


através da magia, poções benfazejas, feitiços, e vários tipos de aplicações e cirurgias. Foi
Alcméon de Crotona, na Itália, em torno do século V a. C., o primeiro médico a basear
seus conhecimentos sobre o corpo em observações objetivas. Ele organizou uma escola
de medicina em sua cidade para substituir a medicina religiosa e mística por uma
medicina racional. Alcméon acreditava que a relação entre saúde e doença estava no
equilíbrio ou desequilíbrio dos sistemas corporais. (Hothsersall, 1990).
O sucessor de Alcméon foi Hipócrates (c.460-c.355 a. C.), um filho de sacerdote,
que iniciou suas atividades médicas na tradição religiosa mas as substituiu,
posteriormente, por uma medicina racional. Acredita-se que, em suas origens, Hipócrates
tenha recebido influências das escolas filosóficas dos jônicos e principalmente dos
pitagóricos, e também de práticas orientais do Egito e da Índia. Sua medicina baseava-se
numa teoria dos humores, na qual o ser humano era descrito como formando um todo
composto de quatro partes independentes que eram os quatro humores: o sangue, a
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fleuma (chamada também linfa ou pituíta), a bílis amarela, a bílis negra ou atrabílis, cada
uma das quais relacionada a um órgão particular: o coração, o cérebro, o fígado e o baço.
A saúde seria o resultado do equilíbrio dos humores. A medicina de Hipócrates assinalou
o desempenho do cérebro no organismo e o reconheceu como a sede da inteligência.
Também descreve as ramificações do cérebro com todas as partes do corpo e o modo
como recebe as informações dos diversos canais dos sentidos (Mueller, 1968).

2.4 A origem da subjetividade

Os sofistas preocupavam-se com o homem como tal e com o seu modo de viver
no mundo. Eles estavam interessados em entender a realidade de um ser que sente,
deseja e pensa, e cuja existência coloca, ao mesmo tempo, perguntas e respostas. Os
sofistas interessavam-se pelas questões de inteligência e moralidade e assim abriram o
caminho para o estudo da subjetividade. Os sofistas eram professores de retórica que é a
arte de falar, escrever, apresentar-se, em suma, a arte de argumentar. Nestas breves
considerações sobre os sofistas, infelizmente conhecidos muito mais pelos seus críticos
(Platão e Aristóteles) do que através de suas próprias contribuições, focalizaremos o
pensamento de Protágoras, e Gorgias.
Protágoras (c480-410 a.C.) acreditava na doutrina de que as coisas estão numa
fluidez perpétua resultando então na impossibilidade de se conseguir verdades universais
e absolutas para todos os homens. Este relativismo subjetivista é expresso com clareza
numa frase importante de Protágoras onde ele diz que "o homem é a medida de todas as
coisas, das que são enquanto são e das que não são enquanto não são." A questão que se
coloca refere-se ao que pode ser aceito como critério de verdade. Estas posições não
significam a negação da verdade mas sim a negação da falsidade. Pois o que é dito, é dito
numa circunstância e o seu valor limita-se a este momento.
Gorgias (c ?-380 a.C.) era professor de retórica e considerado um cético radical.
A frase que é muito mencionada como resumindo sua posição é a seguinte: "não existe a
verdade, se existisse não seria conhecida e se conhecida não seria comunicável".
É importante mencionar os exageros decorrentes do relativismo subjetivista dos
sofistas. Estas posições levaram ao ceticismo, a indiferença total das coisas exteriores,
desde que era impossível o conhecimento de sua verdadeira essência.

2.5 Sócrates

Sócrates (470/469-399 a.C.) também estava nesta mesma linha de preocupações


com as questões eminentemente humanas. Interessava-se, especialmente, pelo estudo da
moralidade, da ética, e da virtude. Sócrates diferenciava-se dos demais filósofos
mencionados justamente por não oferecer uma doutrina, e por sua insistência em atacar,
de qualquer ponto, toda a doutrina que não tinha como objeto único o estudo do bem e
do mal. Assim, era contrário à preocupação cosmológica dos filósofos de Jônia, as
teorias de Heráclito, e ao discurso dos sofistas. Para Sócrates o saber fundamental era o
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"conhece-te a ti mesmo". E como filósofo sua maior virtude, segundo o oráculo Delfos,
era saber que não sabia nada. Deste ponto de vista é fácil estabelecer uma clara linha
divisória entre o subjetivismo dos sofistas e o subjetisvismo de Socrátes. Segundo os
sofistas o sujeito humano é um espelho da realidade; sendo esta multiforme, o espelho o
será do mesmo modo. Segundo Sócrates o sujeito humano é o centro de toda a
inquisição; como esta se reduz a uma única questão, conhecer o bem, o sujeito tem uma
só realidade. Para Sócrates todo o saber deve estar dirigido para o conhecimento da
realidade do homem.
Sócrates tornou-se uma figura polêmica em seu tempo por destruir crenças
tradicionais e demonstrar os falsos saberes. Contudo, o que mais incomodou seus
contemporâneos foram suas referências ao modo de viver das pessoas. Ele era capaz de
achar problemas em qualquer situação e estava muito mais preocupado em questionar do
que em solucionar. Para ele, a virtude e o saber não são incompatíveis pois o saber levará
a virtude e a virtude ao saber. A virtude deve aparecer como o resultado de uma busca
racional infatigável de uma profunda penetração em si mesmo.
Para confundir seus interlocutores Sócrates procurava não definir e seguir uma
argumentação dialética, na qual uma pergunta apontava para outra pergunta. Por ser
filho de uma parteira, dizia-se um parteiro de idéias, um especialista em maiêutica.

Referências
Brugger, W. (1987). Dicionário de filosofia. São Paulo: E.P.U.
Ferrater Mora, J. (1988). Diccionario de filosofia, vols. 1-4. Barcelona: Alianza Editorial.
Hirschberger, J. (1973). Breve história de la filosofia (A. Ros, Trad.). Barcelona: Editorial Herder. (Publicado originalmente
em alemão, 1961.)
Hothersall, D. (1990). History of psychology. New York: McGraw-Hill
Mueller, F. (1968). História da psicologia (L. Oliveira, M. A. Blandy e J. B. Damasco Penna, Trads.). São Paulo: Edusp.
(Publicado originalmente em francês, 1960.)
Spinelli, M. (1998). Filósofos pré-socráticos. Porto Alegre: Edipucrs.

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