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CONSTRUINDO A TRAMA DA TAIPA:

ENTRE CONHECIMENTO HISTORIOGRÁFICO SOBRE A CONSTRUÇÃO EM TERRA


E A VIVÊNCIA DE RESGATE DA MEMÓRIA CONSTRUTIVA DO POVO XUKURU

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO


PEDRO ARTUR PAES VIEIRA REIS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PEDRO ARTUR PAES VIEIRA REIS

CONSTRUINDO A TRAMA DA TAIPA:

Entre conhecimento historiográfico sobre a construção em terra e a


vivência de resgate da memória construtiva do povo Xukuru

RECIFE

2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

PEDRO ARTUR PAES VIEIRA REIS

CONSTRUINDO A TRAMA DA TAIPA:

Entre conhecimento historiográfico sobre a construção em terra e a


vivência de resgate da memória construtiva do povo Xukuru

Trabalho de Conclusão apresentado ao


curso de Arquitetura e Urbanismo para
obtenção do grau de Bacharel em
Arquitetura e Urbanismo na Universidade
Federal de Pernambuco.

Orientador:
Prof. Dr. Roberto Antônio Dantas de
Araújo.
Co-orientador:
Prof. MSc. Eduardo Salmar Nogueira e
Taveira

RECIFE

2017

Ao meu pai, Antenor, pela sua vida de


ideais, lutas, aulas, conversas, piadas e por
ter sido o meu melhor amigo.

AGRADECIMENTOS

Dedico este trabalho a todos que colaboraram direta ou indiretamente pela


construção desse trabalho, que vem para findar uma etapa da minha vida cheia de
crises e, por isso importantíssima. Muitas pessoas me acompanharam no inicio
dessa trajetória e me deram muita força, como minha Mãe, Nazaré, arquiteta
detalhista, que sempre me apoiou nas decisões, contanto que fossem de coração e
sempre esteve presente para me aconselhar nos momentos de escolha. Junto a ela,
estava meu pai, Antenor, professor por natureza, que brilhava os olhos quando eu
falava com ele de algum sonho para o futuro. Foi também quem me abriu as portas
para o mundo, me falando de seus ideais para o mundo e tentando me passar seu
vasto conhecimento, que guardava todo na sua memória. Sou muito grato por nossa
parceria, amizade e todos projetos que conseguimos desenvolver juntos, foram
muitos os ensinamentos, ainda lembro da primeira aula que me deu em casa sobre
arquitetura, me falou sobre tesouras, proporção áurea, templos, letras e tantas
outras coisas. Agradeço demais pelas suas conversas infindáveis cheias de piadas
que me faziam viajar no tempo e na história.

Às minhas duas irmãs, Amélia e Renata, que tanto amo e por ter sido criado
junto com elas na casa de Rio Doce, onde dividimos muitos momentos de felicidade
e onde conheci meus melhores amigos que ficaram para vida inteira: Digo, Paulo
André, Léo, Gilberto, Gabriel e Raphael.

À Marsha e a toda família de Marizá, por terem me mostrado o mundo


encantado da Permacultura. À Cecilia, que me levou para lá e a todos as pessoas
que estavam presentes.

Um agradecimento especial a Diana, companheira de todas as horas, que leu


esse trabalho pela primeira vez cheio de ideias soltas e me ajudou até o fim a lapidá-
las.

À Renata Cabral, por ter me ajudado a dar sentido e corpo a esse trabalho,
sem a qual dificilmente conseguiria apresentá-lo. Também a Eduardo Salmar, por
delinear as primeiras linhas desse trabalho. A Roberto, meu orientador.

A todo o povo Xukuru do Ororubá.


“(...) a natureza sagrada que de tudo nos


preparou, da madeira ao cipó e do barro que
conservou, da palha e das pedras, pois nada
nos faltou (...)”

(Bibi Xukuru)

RESUMO

A utilização da terra como matéria prima de construção data de 9000 a.C. e tem
início junto com o desenvolvimento das primeiras cidades. Ainda hoje, considerados
como patrimônio da humanidade pela UNESCO, resistem ao tempo, edificações de
até três mil anos, como o templo de Ramsés II, no Egito, construído com tijolos de
terra crua. O clima foi um fator determinante no surgimento de diversas técnicas e
métodos de utilização da terra nos continentes, também disseminadas para outros
países no período colonial. Deste período, restam edificações oficiais históricas
ainda íntegras no Brasil, destaca-se o uso das técnicas de taipa de mão, taipa de
pilão e tijolos de adobe. O uso da terra como matéria prima para construção caiu em
obsolescência desde o surgimento do concreto. Apesar disso, cerca de 40% da
população mundial ainda vive em moradias construídas com terra, comumente
associadas à cenários de pobreza, porém, ainda conservando a memória construtiva
de séculos. Dessa forma, o presente trabalho, contribui através da elaboração de um
manual de taipa de mão - O Fazer da Taipa, com o compartilhamento de critérios
técnicas para executar a construção de uma edificação duradoura e de qualidade.
Pesquisando indícios da existência dessas edificações, em Pernambuco,
encontramos um levantamento de exemplares históricos, de 1982, o Plano de
Preservação dos Sítios Históricos do Interior - PPSHI –, que trouxe o roteiro a ser
investigado acerca do estado de conservação dessas edificações em taipa de mão.
Lamentavelmente, apenas um exemplar permanecia preservado, ainda que pela
família detentora do patrimônio – O Engenho Juá, Tracunhaém. Na intenção de
contribuir com a permanência e resgate da memória construtiva com terra,
aceitamos um convite do Povo Xukuru – povo indígena situado na Serra do Ororubá,
agreste de Pernambuco – a fim de colaborar com o processo de fortalecimento da
cultura e emancipação indígena Xukuru, que teve sua cultura, praticamente,
dizimada com a chegada dos colonos portugueses em suas terras, em meados e
1680. Para esse resgate, foi usado uma metodologia do arquiteto Hassan Fathy,
registrada no livro Construindo com o Povo: arquitetura para os pobres. O processo
foi autogerido pelo Povo Xukuru, e facilitado por nós, que delineou suas demandas e
suas fontes de orientação. Durante uma das cerimônias religiosas, definiu-se que
seria construída a Casa de Cura - Xeker Jetí – e como seriam seus moldes inéditos:
taipa de mão preenchida com pedras e coberta por palha. Seguiu-se um processo

de construção participativa do que se tornaria a tradicional construção Xukuru. Visto


as abordagens do presente trabalho, concluímos acerca da urgente necessidade de
se estabelecer políticas de proteção e conservação das construções com terra que
ainda persistem no mundo, com zeloso olhar para o patrimônio pernambucano que,
gradativamente, está se perdendo. Concluímos também acerca dos cuidados
técnicos necessários para se construir com qualidade a taipa e, seu potencial
emancipatório quando transmitida e assimilada. Por fim, registrando e contribuindo
com o processo de resgate e perpetuação da memória construtiva de um povo
tradicional, o Povo Xukuru.

Palavras-chave: Construção com terra. Taipa de mão. Engenho. Pernambuco.


Resgate. Xukuru.

ABSTRACT

The use of the land as a constructive feedstock goes back as far as 9000 a.C. and
was initiated along with the development of the first cities. Today, regarded by
UNESCO as Humanity’s Heritage, they resist time. Edifications up to three thousand
years, such as Ramses’ II temple, in Egypt, built with raw land made bricks are
exemplary. The weather was a decisive factor in the emergence of various methods
and techniques regarding the use of land in the continents, also disseminated to
other countries in the colonial period. From this period, there are still, intact, official
and historical edifications left in Brazil. From the latter, the use of the vernacular
technique techniques stand out. The use of land as a feedstock for construction,
however, has fallen into obsolescence ever since the emergence of the concrete.
Nevertheless, about 40% of the world’s population still live in houses built with land,
often associated to poverty. Yet, those houses represent the constructive memory of
the centuries. The present work, therefore, contribute, through the elaboration of the
vernacular technique manual – ”O Fazer da Taipa” -, with the sharing of technical
criteria that can subsidize the construction of a long lasting and quality edification.
Researching sings of the existence of those edifications, in Pernambuco, we found a
survey of historical samples, of 1982, the Preservation of Historical Sites in the
Country’s Interior Plan – PPSHI -, that brought the itinerary to be investigated
concerning the state of conservation of those edifications built with taipa de mão.
Regrettably, only one of those exemplary was still preserved, even if only by the
family who own the patrimony. – the Juá’s Sugar Mill, in Tracunhaém. Intending to
contribute for the preservation and to rescue the land’s constructive memory, we
accepted the invitation of the Xukuru Tribe – indigenous tribe located in the Ororubá
Sierra – in order to collaborate with the process of strengthening their culture e and
Xukuru’s emancipation, who had their culture practically decimated when the
Portuguese settlers arrived in their land, around 1680. To accomplish that rescue,
Hassans Fathy’s methodology was used, which the author registered in his work
Construindo com o Povo: arquitetura para os pobres. The process was self managed
by the Xukuru Tribe, and facilitated by us; the people itself elected their own demand
and their guidance sources. During one of the their religious ceremonies the
construction of the ”Casa de Cura” – Xeker Jetí - was defined and also how its

unique mold: vernacular technique filled with rocks e covered with straws. A process
of collaborative construction followed what would become the Xukuru’s traditional
building. Considering the approaches of the present work, we observed the urgent
need for the establishment of protective and conservation policies that effectively
preserve the landmade buildings that still persist in the world, with a zealous look to
Pernambuco’s patrimony that, unfortunately, is gradually being lost. We also
conclude the necessity of the establishment of technical criteria to build vernacular
technique with quality, enabling, thus, the extraction of all its emancipatory potential,
when transmitted and assimilated properly. Finally, registering and adding to the
process of rescuing the constructive memory of a traditional people, the Xukuru
Tribe, we learnt the power of the land.
Keywords: Construction with land. Vernacular techniques. Sugar-mill. Pernambuco.
Rescue. Xukuru.

SUMÁRIO

PREFÁCIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................15

PARTE I ....................................................................................................................18

Capítulo 1 – A construção com terra: entre o passado e o presente,


uma aproximação historiográfica....................................................................18

Capítulo 2 – O construir com taipa de mão, uma aproximação técnica..........40

PARTE II ...................................................................................................................48

Capítulo 3 – A construção com terra: entre o passado e o presente,


uma aproximação in loco ................................................................................48

Capítulo 4 – A taipa do Povo Xukuru do Ororubá, uma vivência ...................57

CONCLUSÃO ...........................................................................................................91

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ..............................................................................94

GLOSSÁRIO .............................................................................................................97

PREFÁCIO

O interesse pessoal pelo tema surge a partir de vivências com o meu pai,
Antenor Vieira, arquiteto e professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal de Pernambuco, que defendia, entre outras linhas de
pesquisa, a Arquitetura de Baixo Impacto Ambiental com uso de materiais
tradicionais. Ele projetou, ao lado de Gustavo Bandeira, a reforma do Horto de Dois
Irmãos com edificações construídas através da técnica de solo cimento e tijolos
ecológicos produzidos no local da obra (Fig. 01).


FIGURA 1 – Execução da Reforma do Horto de Dois Irmãos com tijolos de solo
cimento.
Fonte: Acervo pessoal de Antenor Vieira

Ao ingressar no curso Arquitetura e Urbanismo, entrei com um olhar apurado
para o tema e com a ideologia que assimilei do meu pai. No entanto, salvo as aulas
dele, pouco encontro sobre essa tipologia construtiva e, ao contrário do que
esperava, ela parecia não ter espaço dentro do curso de Arquitetura e Urbanismo da
UFPE. Identificada a deficiência acadêmica, estimulei meu pai a repassar seus
conhecimentos acerca do tema e a ministrar cursos sobre construções ecológicas
com terra. Com isso, abrimos um escritório para realizar projetos com esse viés e
tivemos a oportunidade de construir, juntos, uma casa de baixo impacto ambiental,

com a técnica de solo-cimento, no bairro do Bonsucesso, em Olinda-PE (Fig. 02 e


03)


FIGURA 2 – Detalhe do terraço da casa no FIGURA 3 – Fachada lateral da casa no
Bonsucesso. Bonsucesso.
Fonte: Acervo pessoal. Fonte: Acervo pessoal.

Meu interesse em escrever sobre o tema confirmou-se quando, em março de
2015, desenvolvi o ideário desse trabalho orientado por Eduardo Salmar, detentor da
Cátedra da UNESCO em Arquitetura de Terra e professor da Universidade
Metodista de Piracicaba - UNIMEP. Há cerca de vinte anos, Salmar criou um dos
primeiros laboratórios para estudo da construção com terra no Brasil. Além disso,
desenvolveu metodologias de ensino da arquitetura de terra e é professor da
disciplina de Tecnologia da Construção, na qual seus alunos experimentam métodos
de construção com terra (Fig. 04 e 05).

FIGURA 04 – Galpão utilizado em aulas de FIGURA 05 – Aula de Tecnologia da


construção com terra por Salmar. Construção – prática da técnica de taipa de mão.
Fonte: Acervo pessoal. Fonte: Acervo pessoal.

Salmar também atua construindo edificações com terra, como sua própria
casa, em taipa de pilão, utilizando desenhos contemporâneos (Fig. 06 e 07).


FIGURA 06 – Casa de Eduardo Salmar.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.


FIGURA 07 – Casa de Eduardo Salmar.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
15

INTRODUÇÃO

O homem, ao deixar de estabelecer seu abrigo nas proteções que a própria
natureza propiciava, como as cavernas, inicia sua trajetória na construção de sua
moradia, apropriando-se, para tal, dos materiais que estavam ao seu redor. Assim,
essas construções refletiam os meios nas quais estavam inseridas, harmonizando-
se com eles. Segundo o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento - CEPED (1984), a
pedra, a madeira e, principalmente, a terra, por ser mais abundante, foram os
materiais que, até pouco tempo, abrigaram a humanidade.

A tradição da construção com terra remonta aos primórdios do


desenvolvimento da civilização. Minke (2015) afirma que a utilização da terra como
matéria prima de construção data de 9000 a.C. e tem início junto com o
desenvolvimento das primeiras cidades. Segundo a United Nations Center for
Human Settlements (UNCHS), cerca de 40% da população mundial ainda vive em
moradias construídas com terra. Além disso, cerca de 17% dos edifícios
considerados como patrimônio da humanidade pela UNESCO, são construídos com
terra, com exemplares que chegam a ter mais de três mil anos, como o templo de
Ramsés II, no Egito, construído com tijolos de terra crua (Fig. 8) .

FIGURA 8 – Templo de Ramsés II, no Egito, construído em 1250 a.C. em tijolos de adobe.
Fonte: http://www.kemetmaa.fr (acessado em 03/10/2016)

Como mostra o mapa a seguir (Fig. 9), seja como prática ancestral ou trazida
pela colonização, a construção com terra se faz presente em todos os continentes.
16

FIGURA 9 - Distribuição geográfica da construção com terra no mundo e Sítios Históricos


considerados como patrimônio da humanidade pela UNESCO.
Fonte: http://www.earth-auroville.com/world_techniques_introduction_en.php (acessado em
02/10/2016)

Apesar do quadro descrito acima, a construção com terra passou por um
processo de desuso quando do desenvolvimento dos métodos modernos de
construção, principalmente, no início do século XX, com a invenção do concreto
armado. Muitos esforços já foram feitos para resgatar esses antigos métodos de
construção e utilizá-los das mais diversas formas em construções da atualidade,
mas essa prática ainda precisa ser muito difundida e muitos paradigmas ainda
precisam ser mudados. Celia Neves (1994, p.12) afirma que “para acabarmos com o
déficit habitacional existente no mundo, a mesma quantidade de habitações ainda
precisa ser construída e, para ela, a terra, por ser um material barato e muito
abundante, seria o maior aliado nesse processo”.

Além disso, o concreto, segunda matéria prima mais utilizada no mundo,


depois da água1, tem sido utilizado de maneira irresponsável, causando impactos
ambientais e sociais incalculáveis. Sua produção tem ação danosa desde a extração
da matéria prima até o próprio uso do produto, destacando-se a potencial emissão
de CO2 à atmosfera - principal responsável pelo aumento do buraco na camada de
ozônio e do efeito estufa - e o consumo abusivo de água nas etapas de sua
produção.

1
Fonte: http://www.amda.org.br/?string=interna-projetos&cod=28. Acessado em: 03 mai.
2016.
17

A problemática descrita poderia nos levar à construção de um trabalho focado


no uso da terra na arquitetura contemporânea feita por arquitetos, mas optamos por
um outro viés: pesquisar o uso do material na história, tanto a partir de revisão
bibliográfica como de investigações in loco (Pernambuco), assim como, a partir de
experimentações práticas, como será visto adiante.

Não é interesse desse trabalho esgotar os levantamentos acerca do tema da


construção em terra, feitos, em essência, com interesse em encontrar e entender as
diferentes tipologias da construção com terra e as mais diversas formas de usá-las,
num diálogo entre conhecimento adquirido pelos livros e vivências concretas.

Desse modo, pelo exposto anteriormente, e de forma resumida, o presente


trabalho propõe-se a estudar a terra como material de construção através de um
lastro histórico e prático/profissional, focando, por um lado, nas culturas construtivas
encontradas em bibliografia sobre o assunto e, por outro, na cultura construtiva mais
encontrada no estado de Pernambuco, a taipa de mão, através da pesquisa de
campo do nosso patrimônio construído com terra, verificando seu estado de
conservação e sua permanência no tempo. Como maior contribuição do trabalho, foi
relatada uma vivencia de resgate de uma cultura construtiva utilizada pelo povo
Xukuru do Ororubá, em Pesqueira-PE, ocorrida em maio de 2016.

Identificados esses eixos de pesquisa, o trabalho foi dividido em duas partes:


uma na qual o conhecimento foi construído, sobretudo, a partir de leitura de
bibliografia referente ao tema e outra acerca do conhecimento construído a partir de
nossa experiência, em pesquisas de campo e vivência de construção junto ao povo
Xukuru do Ororubá. Nessa segunda parte, que poderia estar destinada apenas ao
experimento com esse povo indígena, fazemos ainda uma pequena introdução
percorrendo engenhos pernambucanos no intuito de trazer à luz a participação da
taipa de mão numa cultura construtiva de estrato social elevado, nas casas grandes
dos senhores de engenho, revelando a diversidade e riqueza de uso dessa técnica.

Como essa é uma atividade que envolve termos técnicos e diversas formas
de construção em terra nem sempre conhecidas, preparamos um Glossário
Ilustrado, apresentado ao final do trabalho e que pode ser consultado à medida que
algumas dessas técnicas forem citadas ao longo do texto.
18

PARTE I

CAPÍTULO I - A CONSTRUÇÃO COM TERRA: ENTRE O PASSADO E O
PRESENTE. UMA APROXIMAÇÃO HISTORIOGRÁFICA.

Os mais diversos climas e regiões existentes no planeta nos propiciam um
catálogo de distintas técnicas e métodos que utilizam a terra como material
construtivo. O mapa abaixo mostra os principais focos de desenvolvimento da
construção com terra no mundo e sua expansão para as demais civilizações.


FIGURA 10 – Núcleos de criação e disseminação do desenvolvimento das técnicas de
construção com terra no mundo. Fonte: Obede Faria, adaptado de Meunier (1988).

A África possui um vasto acervo de construções com terra crua, indo de
construções vernáculas, como aldeias, povoados e cidades, a grandes templos e
mesquitas, presentes em praticamente todo o território africano.
De acordo com a interpretação do mapa, compreende-se como locais
difusores, no oeste, a região do Sudão, além do trecho de Djibuti, Etiópia e Somália;
a sul, apresenta-se uma região central, compreendida pela Namíbia, Botsuana,
19

Zimbábue, Zâmbia e Angola. Já a leste, destaca-se o Mali, a Guiné, Argélia e


Mauritânia. Ao norte, na parte mais próxima à Europa, destaca-se a região do
Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia e Egito.
Na região central do Mali, encontra-se a cidade de Djénné, com 13.000
habitantes e "um dos principais centros de peregrinação islâmica na região sul do
Saara" (BAYER, 2010). Totalmente construída com terra, foi, em 1988, listada como
Patrimônio da Humanidade (CORREIA, 2006). Nessa cidade, localiza-se a maior
edificação em terra do mundo, a grande mesquita de Djénné, construída com tijolos
de adobe em 1280 e reconstruída em 1907 (Fig. 11, 12, 13 e 14). O seu reboco de
manutenção é o mesmo utilizado originalmente e todos os anos a população se
reúne para renová-lo, mantendo, assim, a forma ancestral de usar a terra.


FIGURA 11 – Mesquita de Djénne, Mali, construída em adobe em 1280 d.C.
Fonte: https://saoromaomoveis.wordpress.com (acessado em 21/05/2016)

20


FIGURA 12 – Cidade de Tomboucto totalmente construída com terra e Mesquita Djénne, Mali.
Fonte: https://weezbo.com (acessado em 21/05/2016)


FIGURA 13 – Preparação da massa para FIGURA 14 – Comunidade em mutirão
revitalização da Mesquita Djénne. rebocando a Mesquita Djénne.
Fonte: http://photos1.blogger.com (acessado em Fonte: https://naturalhistory.si.edu (acessado em
21/05/2016) 21/05/2016)

Ainda nesse país, destaca-se a cidade de Tombouctu, local que abriga: a


Mesquita de Djinguéréber, a mais conhecida, fundada no séc. XIII; a Mesquita
Sankoré, construída entre 1325 e 1433 e a Mesquita Sidi Yahya, de 1440. As duas
primeiras foram construídas em tijolos de adobe e a última, a partir de blocos de
terra recortados de um solo muito duro (CORREIA, 2006).
21

No Marrocos, nos vales do Dadés e do Drâa, surge uma arquitetura que


visava à proteção contra os ataques de inimigos e que possui duas tipologias:
aglomerados fortificados, os Ksour, e habitações fortificadas chamadas Kasbah
(CORREIA, 2006). Os dois tipos eram construídos com terra apiloada (taipa de
pilão) e, segundo Bayer (2010), são "símbolos da integração da arquitetura
vernácula com a contemporânea, dando continuidade à utilização da terra como
material construtivo". Correia (2006) ainda destaca, como importante expoente
dessa tipologia, a cidade fortificada de Aît Bem Haddou (Fig. 15), construída no ano
757 d.C., considerada patrimônio da humanidade pela UNESCO em 1986.


FIGURA 15 – Kasbah Aït-Ben-Haddou, no Marrocos, construída com taipa de pilão em 757d.C.
Fonte: https://pinterest.com (acessado em 21/05/2016)

Já no Egito, observa-se o citado Templo de Ramsés II (Fig. 1), com 3.200


anos de existência e totalmente construído com tijolos de adobe (MINKE, 2015).
Destaca-se, nessa construção, o uso dos tijolos de adobe para formar as abóbodas
e cúpulas que cobrem o recinto, aplicando-se, para isso, uma técnica desenvolvida
na Núbia há cerca de 6.000 (FATHY, 1981). Essa foi uma das práticas vernáculas
22

resgatadas pelo arquiteto Hassan Fathy, quando contratado para projetar a cidade
de Nova Gourna, no Norte da África.
Como levantado anteriormente, além de grandes cidades e templos, vários
povos e tribos contribuíram para o patrimônio da arquitetura com terra na África.
Cercados por infinitas paisagens semidesérticas com solo alaranjado, ergueram as
mais variadas construções utilizando, como matéria-prima, o seu solo, sua própria
terra. Desenvolveram, assim, seus modelos de habitação de acordo com suas
organizações sociais e, basicamente, utilizaram a terra para construir suas
moradias. Schoenauer (1981) descreve algumas tipologias usadas nessas aldeias,
que parecem surgir da terra como formigueiros, dado o seu grau de interação e
adaptabilidade com o material encontrado no local.

Os Luyia e Luos desenvolveram-se nas colinas do Quênia utilizando um


modelo parecido com uma habitação circular de barro coberta com teto de palha
(SCHOENAUER, 1981). Para o fechamento da casa, os primeiros empregam tijolos
de adobe e os Luos, uma técnica parecida com a taipa de mão, na qual é feito o
preenchimento com barro de um entramado de galhos amarrados com cipó (Fig. 16
e 17).
.


FIGURA 16 – Habitação Luos. Figura 17 – Detalhe construtivo da habitação
Fonte: http://www.johntyman.com (acessado em Luos.
21/05/2016) Fonte: http://www.johntyman.com (acessado em
21/05/2016)

Os Mesaquines Quisar estão localizados no Sudão e, segundo Schoenauer
(1984), vivem do cultivo de variedades de milho. Sua tipologia construtiva consiste
em cinco ou seis cabanas redondas ligadas por muros e dispostas ao redor de um
pátio. Cada módulo possui uma atividade diferente, como dormitório principal,
armazenagem, curral, etc. Os filhos homens dormem em uma espécie de mezanino
23

dentro do curral, enquanto as meninas dormem no local onde se armazenam os


grãos.
A base dessas habitações é feita com pedras sem argamassa de forma a
drenar a água do pátio para o exterior e do exterior para o pátio. Tanto estas como
os muros são construídas com tijolos de adobe, que possuem cerca de 30 cm na
base e são mais estreitos no topo da parede (SCHOENAUER, 1984).
Externamente, Schoenauer (1981) afirma que esse agrupamento possui uma
cor natural, mas na parte de dentro as paredes são azuladas e brilhantes, dando um
efeito esmaltado a estas. Tal efeito, segundo o autor, consegue-se rebocando as
paredes com uma terra rica em grafite e, posteriormente, a superfície é polida para
adquirir brilho.
Já os Awuna ou Frafra desenvolveram-se na região de Gana e diferenciam-
se dos Mesaquines Quisar pelo uso, na massa de barro, de esterco de vaca e um
suco extraído das patas da lagosta, formando, assim, um revestimento impermeável.
Também acendiam uma fogueira no interior para proteger a madeira, a palha e o
barro dos insetos (SCHOENAUER, 1984).
Os Gurunsi, conforme descreve Schoenauer (1981), localizam-se também
em Gana e destacam-se dos Frafra, principalmente, porque sua forma de habitar
consiste em grandes complexos multifamiliares (Fig. 18). O diâmetro de um
complexo dessas habitações pode chegar a 60 m e, ainda segundo o autor, existem
algumas marcas de diferenciação hierárquica, observadas, por exemplo, na casa do
patriarca, que possui uma forma mais retangular, enquanto as outras habitações um,
formato circular.

24


FIGURA 18 – Habitação dos Gurunsi, em Burkina Faso, construída com adobe e
rebocada com barro.
Fonte: https://pinterest.com (acessado em 22/05/2016 )

O autor afirma que o módulo básico desse complexo se forma a partir da
junção de 3 ou 5 cabanas construídas com tijolos de adobe. Essas são agrupadas
de forma geminada na periferia e compõem um labirinto. Por fora, esses complexos
parecem uma fortaleza, pois possuem apenas uma entrada principal que,
normalmente, localiza-se próxima a um Baobá.
Os Dogons, assim como os Gurunsis, vivem em habitações agrupadas umas
às outras (Fig. 19), mas que possuem um formato retangular e não são geminadas.
Trata-se de um grupo de agricultores que vivem próximos às falésias de Bandiagara,
no Mali, e que trabalham de forma coletiva na terra: cada homem tem o direito de
trabalhar algumas parcelas da terra, mas não detém sua posse (SCHOENAUER,
1984).

25


FIGURA 19 – Habitação dos Dogons, em Burkina Faso.
Fonte: https://pinterest.com (acessado em 22/05/2016 )

Segundo Schoenauer (1984), os Dogons possuem dois tipos básicos de
aldeia: o meseta, localizado em um terreno mais plano, e o risco, situado nas
escarpas de Bandiagar (Fig. 20 e 21). Essas casas também são construídas com
tijolos de barro e palha secos ao sol.
26


FIGURA 20 – Habitação Dogon tipo Meseta. FIGURA 21 – Habitação Dogon tipo Risco.
Fonte: https://pinterest.com (acessado em Fonte: https://pinterest.com (acessado em
22/05/2016 ) 22/05/2016 )

A cozinha, diferente do resto da casa, possui planta circular e é usada nos
tempos de chuva. Essa habitação principal possui teto plano de barro, diverso
daqueles presentes nas outras cabanas com tetos cônicos de palha, de forma que
as vigas e esteio ultrapassam as paredes e servem de andaime para futuros reparos
nas paredes de barro. Da antessala ou cozinha, existe um acesso para ele, que, em
noites muito quentes, serve de dormitório para a família.
Assim como a habitação principal, os lugares de guardar grãos também
possuem teto plano de barro e planta quadrada. No entanto, esses são cobertos por
um telhado cônico de palha. O "cone" é preparado no solo, como um guarda-sol, e,
em seguida, colocado em cima da estrutura.
Esses complexos, segundo Schoenauer (1984), são construídos de forma
agrupada, formando verdadeiros assentamentos. As aldeias maiores são divididas
em dois distritos, cada um com seu centro religioso. Seus pontos mais importantes
são a praça pública e a casa de reunião ou toguna, espécie de casa de governo
onde os homens se reúnem em assembleia presidida pelo ancião da aldeia.
27

Na Ásia, as primeiras civilizações desenvolveram-se com os povos da


Mesopotâmia, os Assírios e os Persas. A cidade de Jericó, por exemplo, é
considerada uma das mais antigas do mundo, fundada no período Neolítico,
possivelmente por volta de 8.000 a.C.. Nesse aglomerado, foi identificada a
utilização de tijolos de adobe, por volta de 6.800 a.C., em cabanas de formato
circular. Já as plantas retangulares começam a surgir por volta de 5.500 a.C.. Essas
habitações dessa região eram concebidas com fundação em pedra, paredes de
adobe, mezanino e teto com caniço e terra (AMIET, 1977).
Na Mesopotâmia, berço da civilização, desenvolveram-se algumas das mais
importantes cidades da história, como Babilônia, Ur e Uruk (essa última, a cidade
mais povoada do início da urbanização mesopotâmica). Nela, têm-se o registro da
construção de dois grandes templos totalmente em adobe, locais onde foi
desenvolvida a escrita cuneiforme, para registro das contas. O Zigurate foi a
tipologia arquitetônica desse povo e configura-se como uma plataforma alta de
degraus múltiplos (BAHN, 2005). Dentre esse tipo de construção, emerge como o
mais importante o Zigurate de Nanna, na cidade de Ur, construído em 2095 a.C. em
tijolos de adobe, assim como a cidade propriamente dita.
A cidade de Tell Hassuna, que existiu entre 5.000 e 3.200 a.C., também foi
construída em tijolos de adobe. Além disso, as escavações da cidade de Mari,
construída em 2800 a.C., na Síria, revelam que tanto a pólis como seu palácio foram
erigidos em tijolos do referido material. Já a cidade de Mureybet foi erguida em terra
prensada, provavelmente, taipa de pilão, em 2.500 a.C. (CORREIA, 2006).
No Irã, encontra-se um enorme complexo, a cidade de Bam, mais
especificamente Arg-E-Bm (Fig. 22), com cerca de 2.000 anos de existência,
construído em terra empilhada e tijolos de adobe. Ainda nesse país, nas cidades de
Kerman e Yazd (CORREIA, 2006), construíram-se algumas estruturas em terra para
conservação de gelo, chamadas ice houses.
28


FIGURA 22 – Cidade de Arg-E-Bam, no Irã, construída com adobe e terra empilhada no séc. I d.C.
Fonte: htpps://icsns.org/ (acessado em 23/05/2016 )

Também no Yemen, encontra-se um vasto patrimônio construído com terra.
Nesse país, localiza-se a cidade de Shibâm, considerada a “Manhattan do deserto”
(Fig. 23) por causa dos seus arranha-céus de 30m de altura, com três a oito
pavimentos totalmente construídos em terra, há cerca de 500 anos. Para alcançar
essa façanha, foram usadas as técnicas de terra empilhada, terra compactada e
tijolos de adobe. Na cidade de Sanaa, encontram-se muralhas em adobe e pedra,
assim como edifícios com três a sete pisos, com 25 a 28m de altura e fundações do
século XIII (Fig. 24).
29


FIGURA 23 – Cidade de Shibam, a “Manhattan do deserto”, construída em adobe, no Iêmen do Sul.
Fonte: htpps://ecoeficientes.com.br/ (acessado em 23/05/2016 )


FIGURA 24 – Cidade de Sanaa, construída em adobe, no Iêmen do Sul.
Fonte: htpps://ecoeficientes.com.br/ (acesso em 23/05/2016 )


30

Sobre a Europa, Correia (2006) afirma que o período Neolítico deixou


diversas marcas do uso da terra para construção. Para corroborar essa declaração,
ela cita a cidade de Creta (1900-1600 a.C), onde foram utilizados tijolos de adobe na
construção vernácula. A Civilização Grega, na parte mais próxima ao mar Egeu e à
Thessalina, também utilizou a terra para construir moradias, aqui com estruturas de
madeira e enchimento de adobe, como o entramado espanhol.
Outro momento, segundo a autora, que nos trouxe uma marca do uso da terra
foi o período Islâmico, no qual se realizaram diversas fortalezas em taipa militar. A
autora destaca as fortalezas de Paderne, Alcácer do Sal, Juromenha, Silves e Salir,
em Portugal, e as de Niebla, Granada e Valência, na Espanha.
Na França, uma figura marcante na história da construção com terra foi
François Cointeraux (1740-1830). Este concebeu uma série de estudos sobre a taipa
de pilão, ou pisé, intitulados Cahiers d'École d'Architecture Rurale, em 1793, que dá
aos arquitetos e construtores subsídios para a construção com essa metodologia
(Fig. 25 e 26). Vários centros urbanos da França foram construídos em taipa de
pilão, como os de Lyon e Montbrison, e outros erguidos com outras técnicas, a
exemplo dos de Rhône-Alpes e Loire.


FIGURA 25 – Perspectiva de Cointeraux de uma FIGURA 26 – Ilustração do processo construtivo
construção em taipa de pilão. da taipa de pilão.
Fonte: htpps://fr.wikisource.org/ (acesso em Fonte: htpps://fr.wikisource.org/ (acesso em
07/10/2016) 07/10/2016)

Já na Alemanha, Minke (2015) destaca o maior edifício construído em terra


da Europa, localizado em Weilburg, erigido em 1828 e ainda hoje habitado (Fig. 27).
Seus tetos e paredes são de terra batida e estas iniciam com 75 cm de espessura
no piso inferior e culminam com 40 cm no último pavimento. O autor ainda firma que,
após a Segunda Grande Guerra, os materiais de construção tornaram-se escassos e
foram construídas milhares de casas e edifícios de terra.
31


FIGURA 27 – Fachada do prédio construído em taipa de pilão no ano de 1828, em Weilburg,
Alemanha.
Fonte: http://www.dachverband-lehm.de/ (acesso em 07/10/2016)

Na América do Norte, destacam-se as regiões do México e sul dos Estados
Unidos, onde se encontram construções de povos tradicionais, como os Pueblos,
sendo os mais conhecidos o Taos Pueblo (Fig. 28) e o Acoma City. Estes consistem,
segundo Schoenauer (1981), em moradias coletivas e semipermanentes, habitadas
por diferentes povos indígenas, tendo a agricultura como atividade principal
desenvolvida pela população local. Essa ocupação consiste em um agrupamento de
várias casas coladas umas sobre as outras, com três a cinco pavimentos, teto plano
e, em geral, dispostas ao redor de um pátio central. As casas são agrupadas
formando um jogo de reentrâncias e saliências no pátio interno e uma verdadeira
muralha na face externa. Schoenauer (1984) afirma que essas construções eram
feitas com barro apiloado, sendo hoje utilizados tijolos de adobe ou pedra.
Tradicionalmente, essas habitações não possuem portas e são acessadas pelos
tetos planos construídos com barro, conforme descreve o autor:
“(...) de uma parede a outra se colocam vigas de madeira de cedro de 30cm de
diâmetro e transversal a essas, pequenas vigas coladas umas as outras. Sobre
essas vigas se coloca uma camada de pedaços de cedro, fibras e ervas para
formar um suporte de 7,5 a 10 cm que será coberto com adobe. (...) o excesso no
32

comprimento aparece na fachada criando uma característica visual própria do



Pueblo”. (tradução nossa)

FIGURA 28 – Povoado de Taos Pueblo construído com tijolos de adobe.


Fonte: https://s3.amazonaws.com (acessado em 29/05/2016)

Entre inúmeros exemplares do uso da terra como material construtivo no
continente norte-americano, Correia (2006) destaca ainda as estruturas do
Montezuma Castle, com 370m² de área construída, edificado por volta do ano de
1400 d.C., no Arizona; o Casa Grande Ruins National Monument, erguido no século
XIII, no Arizona; as Missões Franciscanas, construídas em taipa ou em adobe,
século XVIII ,no sudoeste dos E.U.A.; as Potato Houses; os Fort Selden e Fort
Union; as Sod Houses, entre outros.
Na América Central, a civilização Maia ocupou durante séculos, no período
pré-colombiano, os atuais territórios da Guatemala, Honduras, Belize e El Salvador.
Dotado de exímios construtores e arquitetos, esse povo ergueu aí diversos templos
utilizando uma técnica de terra compactada revestida com pedras. Já a maioria das
edificações vernáculas foram edificadas com estrutura de madeira, preenchida por
tijolos de adobe, com cobertura de palha.
Dentre outras edificações Maias, destaca-se a Joya de Céren (Fig. 29),
construída por volta de 1200 a.C., citada por Correia (2006) como um dos poucos
33

sítios arqueológicos com gestão compartilhada. Alvo de diversas erupções


vulcânicas e descoberta ao acaso, em 1976, por um motorista de trator, é Patrimônio
da Humanidade desde 1993.

FIGURA 29 – Ruínas da cidade de Joya de Ceren construída pelos Maias.


Fonte: http://www.guidetrip.com (acessado: 23/05/2016)

Na América do Sul, como matriarca dos diversos sistemas de construção,
destacam-se as regiões do Peru e do Chile. No Peru, encontram-se as ruínas de
ChanChan (Fig. 30), que, segundo Correia (2006) , é o maior complexo urbano
construído em terra do mundo. Este abrange nove castelos de 20km² de extensão,
tendo sua construção sido iniciada por volta de 900 d.C. Hoje, seu estado de
conservação é precário e o complexo está reduzido a 14km², conservando ainda seu
caráter monumental.
34

FIGURA 30 – Portal de entrada da cidade de ChanChan maior complexo urbano construído com terra
do mundo, no Peru.
Fonte: http-//www.loveperu.co/ (acessado em 30/10/16)

Ainda no Peru, Cunha (2009) destaca o descobrimento de uma taipa de mão


primitiva em Caral-Supe (Fig. 31), a cidade mais antiga da América, construída por
volta de 3.000 a.C. e onde foi identificado largo uso do barro. Segundo o autor, essa
taipa era utilizada para divisão dos ambientes, através de uma trama com
espaçamento de 20 ou 30cm de “quincha”, junco ou cana-brava, conseguido nas
margens do rio Supe e amarrados com fibra de totora.

FIGURA 31 – Cidade de Caral-Supe, no Perú.


Fonte: http://whc.unesco.org/ (acessado em 25/10/16)
35

Percebe-se, nesse breve percurso pela história do uso da terra nos diversos
continentes e nas mais diversas culturas, que o uso da terra foi fruto de uma
adaptação do homem ao meio, visto que algumas técnicas surgem em lugares
diferentes de forma simultânea, como o tijolos de adobe utilizados na América do
Sul, na Ásia e na região do México. Gernot Minke (2015, p. 13) afirma que “em
quase todos os climas quentes, áridos ou temperados a terra sempre prevaleceu
como material mais utilizado para construção”. O autor destaca a grande capacidade
do barro em regular e estabilizar a umidade do ar durante todo o ano, diminuindo
com isso a variação térmica presente na maioria dos climas onde ele foi utilizado.
Além disso, a terra foi empregada de forma requintada em algumas culturas,
como na África e Ásia, para a construção de imponentes edifícios, a exemplo de
mesquitas e templos, perpetuando-se na história desses continentes.
O nosso recorte territorial, isto é, o Brasil, também possui uma história
privilegiada do uso da terra. Seja durante o processo de colonização, quando a
maioria das técnicas foram introduzidas, seja na modernidade, no processo de
apropriação da terra como material de construção no final do século XX; possuímos,
assim, grandes exemplares de arquitetura construída com terra.
A cultura da construção com terra no Brasil inicia-se a partir da colonização,
período em que ocorre a amálgama da forma de construir do europeu com as
técnicas tradicionais do país. Das técnicas de construção com terra, podemos
encontrar, tradicionalmente, no Brasil, as taipas de pilão e de mão e o tijolo de
adobe. A taipa de pilão foi muito usada nas edificações oficiais, como em Casas de
Câmara e Cadeia, enquanto a taipa de mão e os tijolos de adobe, nas edificações
vernáculas.
Por todo o país, observamos expoentes dessa cultura construtiva, como a
cidade de Ouro Preto-MG, permeada por várias casas construídas em taipa de mão,
e Pirenópolis-GO, com um teatro e algumas igrejas construídas em terra.
No estado de São Paulo, quando da interiorização da colonização, por
exemplo, os Bandeiristas utilizaram um método de construção misto, em que foi
empregada a Taipa de Pilão nas paredes externas e a Taipa de Mão nas paredes de
divisão interna dos cômodos. Essas edificações eram muito bem executadas e
muitas continuam conservadas e habitadas até hoje.
Dentre essas edificações, destaca-se a casa do Padre Inácio, patrimônio
nacional, localizada em Cotia, São Paulo, há poucos anos restaurada e em
36

excelente estado de conservação. Ainda nessa cidade, Corona e Lemos (1972)


destacam a Matriz de Campinas (Fig. 35 e 36), construída em 1883, com taipa de
pilão, possuindo quatro mil metros quadrados de construção e sendo considerada
um dos maiores monumentos do mundo construído com terra.

FIGURA 31 – Matriz de Campinas construída FIGURA 32 – A relação com o conjunto urbano


com taipa de pilão em 1883. mostra a monumentalidade da igreja.
Fonte: https://media-cdn.tripadvisor.com Fonte: http://s2.glbimg.com (acessado em
(acessado em 31/10/16) 31/10/16)

Ainda em São Paulo, foi possível localizar o uso misto da taipa de pilão e de
mão nas casas de fazenda do interior do estado. Um dos municípios detentores
desse patrimônio é Itú, onde podemos nos deparar com antigas casas de fazenda
do ciclo do café e em bom estado de conservação, como mostra o levantamento
anterior a esse trabalho, feito pelo autor em 2013 (Fig. 33 á 36).


FIGURA 33 – Primeira casa de fazenda visitada. Itu, São Paulo
Fonte: Acervo pessoal.
37


FIGURA 34 –Segunda casa de fazenda visitada.
Fonte: Acervo pessoal.

FIGURA 35 – Terceira casa de fazenda visitada. Itu, São Paulo


Fonte: Acervo pessoal.
38

FIGURA 36 – Interior da Casa de fazenda visitada em Itu, São Paulo, onde


pode ser visto o bom acabamentos das paredes de terra.
Fonte: Acervo pessoal.

Já no cenário de Pernambuco, encontramos o uso massivo da terra na forma


da taipa de mão, comumente encontrada nas construções vernáculas, executadas
com poucos critérios técnicos, salvo exemplares discutidos no capítulo 3.
Em termos comparativos com os Centros Históricos de São Paulo e Minas
Gerais, que preservam exemplares executados com critérios técnicos e em
excelente estado de conservação, o cenário pernambucano abriga esta memoria
construtiva em ruinas e sem nenhum programa de proteção. Com isso, no capítulo
seguinte, criamos um manual onde detalhamos como construir com taipa de mão
para garantir a sua conservação e perpetuação no tempo.
No cenário do século XX, o Brasil teve seu período de maior contribuição do
uso da terra como material construtivo, alavancando um processo de resgate e
desenvolvimento de novas técnicas de construção com terra, como o solo
estabilizado com cimento, utilizado pela primeira vez no mundo para construção de
pistas de aeroportos na Alemanha.
Durante esse processo, desenvolveu-se, no país, algumas pesquisas sobre o
uso do solo cimento na construção, destacando-se os Boletins Técnicos
desenvolvidos pela Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) e o Centro de
Pesquisa e Desenvolvimento (CEPED), este último, sobre coordenação da
39

engenheira civil Célia Neves, pioneira na pesquisa sobre o uso e disseminação da


terra como material de construção no Brasil.
O país é, assim, um dos pioneiros no estudo do solo cimento aplicado à
construção civil com obras de grande porte, como a construção do Hospital Mariano
Jorge, em Manaus, executado com painéis monolíticos de solo cimento. Em
Pernambuco, destacam-se as edificações do Horto de Dois Irmãos (Fig. 1 e 37), no
Recife, construído em 1990, com tijolos de solo cimento, que permanecem integras
até hoje.

FIGURA 37 – Detalhe de uma das edificações construídas em tijolos de solo cimento assetados de
topo, nesse caso uma jaula do Horto de Dois Irmãos.
Fonte: Acervo pessoal.


40

CAPÍTULO 2 - O CONSTRUIR COM TAIPA DE MÃO, UMA APROXIMAÇÃO


TÉCNICA

Tendo finalizado um percurso sobre a construção em terra enquanto cultura
construtiva, passamos a uma abordagem analítica descritiva das formas do fazer,
diretamente voltada aos processos construtivos, que servirá de suporte para a
experiência relatada ao final do trabalho. Essa abordagem se dará especificamente
sobre a Taipa de Mão, pois é a técnica mais utilizada no nosso estado. Essa prática
possui múltiplas vantagens, como a adaptabilidade ao meio, a disponibilidade dos
materiais locais, a sismo resistência, a facilidade de execução e o baixo custo, como
é destacado pelo PROTERRA (2010).
No entanto, esse método ainda é alvo de muitos preconceitos relativos à
rápida deterioração da edificação, que normalmente apresenta diversas rachaduras
consequentes de uma execução sem critérios técnicos e cuidados específicos que
uma construção com terra deve ter (Fig. 38).

FIGURA 38 – Casa de taipa feita sem critérios FIGURA 39 – Casa de taipa de mão projetada
técnicos no interior de Pernambuco. por Zanine Caldas, obedecendo alguns critérios
Fonte: Acervo pessoal. técnicos.
Fonte: SILVA (1991)

Essas rachaduras são causadas pelo movimento de expansão e contração da


argila, que é um elemento aglutinante. Dependendo da quantidade e do tipo de
argila presentes no solo, esse movimento pode acarretar fissuras na massa quando
esta secar. Na construção com terra, isso pode acarretar sérios problemas, como
rachaduras em uma parede de taipa, resultando em infiltração de água e possível
apodrecimento do madeiramento da trama ou no descolamento entre dois painéis
monolíticos. Além disso, essas fissuras podem abrigar o inseto barbeiro – Triatoma
41

Infestans, causador da Doenca de Chagas, um problema de saúde pública que vem


sendo enfrentado isoladamente, por meio do combate ao uso da taipa de mão com
vistas à erradicação do mal, através de programas oficiais como o “Taipa Nunca
Mais”, implantados com enorme investimento financeiro do Estado. Por outro lado,
perde-se aqui a memória construtiva de séculos, preservada em todo o mundo, e a
autonomia do povo na construção vernácula de seus abrigos.
Ao contrário do que vem sendo feito, bastaria aliar a esse tipo de construção
técnicas simples de conhecimento milenar de impermeabilização e revestimento
para garantir a qualidade da habitação e, com isso, sua permanência como cultura
construtiva, exemplificada na casa projetada por Zanine Caldas (Fig. 39).
Para isso, existe uma série de normas técnicas e ensaios de laboratório ou de
campo que identificam o solo, normatizam e asseguram a qualidade técnica de uma
construção com terra.

O fazer da taipa
Antecedendo a obra, deve-se fazer o reconhecimento do solo a ser utilizado.
Segundo o Neves (2010), excetuando-se os casos de grandes obras, com
programas extensos e consumo massivo de terra e/ou aglomerantes, os testes
qualitativos, que podem ser realizados em campo, “são perfeitamente credenciados
para selecionar os solos apropriados”. Com um simples Ensaio do Vidro, é possível
entender as quantidades de pedregulho, areia, silte e argila encontradas na terra,
separados por camadas a partir da mistura e sedimentação de uma pequena
quantidade de solo.
Para isso, utilizamos um recipiente transparente, preferencialmente de vidro,
e colocamos a amostra do solo seca e peneirada em malha de 4mm até 1/3 da
altura do frasco, completando o restante com água. Em seguida, adicionamos uma
pitada de sal, que ajudará a separar as partículas de argila presente na mistura, e
agitamos bem, até o solo ser diluído na água. Feito isso, deixamos em repouso
durante uma hora, para, só então, agitar uma segunda vez e deixá-lo sobre uma
superfície plana por 8 horas para decantação.
Os componentes da terra, assim, irão decantar cada um no seu tempo, sendo
os pedregulhos e as areias primeiro, o silte em seguida e a argila por último. Se
houver alguma matéria orgânica na mistura, essa irá flutuar na superfície. Assim que
a decantação terminar e a água estiver limpa, podemos fazer a medição das alturas
42

das camadas existentes e, assim, chegarmos a porcentagem de cada componente


encontrado na amostra.
Reconhecido o solo, inicia-se a obra com a construção de uma estrutura
mestra, que corresponde ao equilíbrio e resistência do edifício. Essa estrutura
deverá ser dimensionada para suportar toda a carga do telhado, o qual deve conter
bons beirais para evitar a abrasão das chuvas (CORONA E LEMOS, 1972).
Feita essa estrutura, inicia-se o entramado, que pode ser executado de
diversas maneiras, inclusive, modernamente, pré-fabricado. Um dos entramados
mais usados no Brasil é o do pau-a-pique, que consiste em fincar-se esteios de
madeira verticais distanciados cerca de 25cm, travados por uma trama horizontal,
também com a mesma distância (CORONA E LEMOS, 1972). As construções
vernáculas costumam colocar esses esteios fincados diretamente ao solo, o que
acarreta deterioração da parede pela ação da umidade (Fig. 40).

FIGURA 40 – Entramado de pau-a-pique sendo fincado direto no chão.


Fonte: Acervo pessoal

Para evitar esse desgaste, é necessário investir em uma boa fundação,


fundamental em uma construção com terra e que deve ser realizada elevada do
solo, de forma que crie uma impermeabilização contra a umidade ascendente do
chão (Fig. 41). Parar barrar totalmente o efeito de capilaridade da água, no encontro
da fundação com a parede, deve ser feita uma impermeabilização com uma camada
de cinco centímetros de concreto no traço 1 x 2 ou 1 x 3 de cimento e areia ou
utilizar uma manta asfáltica.
43

FIGURA 41 – Fundação e entramado de uma taipa


de mão.
Fonte: SILVA (1991)

Por fim, vem a pele do edifício, o barreamento, que também sofre variação de
acordo com a cultura construtiva do lugar. Inicia-se com a mistura da terra e
possíveis aditivos - dependendo da cultura local - com água. Existem vários métodos
de realizar a mistura da massa, tanto manual como mecanicamente. Uma das
formas manuais é feita em cima de uma lona resistente e a mistura acontece pela
pisada de pessoas. Primeiramente, faz-se a mistura da terra com seus aditivos e,
em seguida, com a água, que deve ser colocada aos poucos, à medida que o barro
é pisado. Para se obter uma mistura homogênea, é necessário fazer uma espécie de
"charuto" com a massa, onde a parte de baixo, que pode ainda estar seca, virará
para cima (Fig. 42 e 43) Esse processo deve ser realizado até a completa
homogeneização da mistura.

FIGURA 42 – Mistura sendo feita com os pés. Figura 43 – “Charuto” para homogeneização.
Fonte: Acervo pessoal. Fonte: Acervo pessoal.
44

Quando o terreno é natural, pode-se fazer a mistura em um buraco cavado


com pelo menos dois metros de diâmetro, com trinta a quarenta centímetros de
profundidade. Nesse processo, o barro será misturado tanto com o auxilio de enxada
e pá quanto, novamente, pela pisada das pessoas.
Outra forma de fazer a mistura é através de uma contenção com a massa
seca. Espalha-se a mistura seca no chão e abre-se um buraco no centro, assim
como se faz com a mistura do cimento. Adiciona-se água à massa e a mistura é feita
com o auxilio de enxada e pá, podendo também ser pisada. A massa, à medida que
é misturada à água, é raspada das laterais para o centro, formando uma pequena
barreira de terra.
Quando o volume de massa é muito grande, podemos fazer um processo
mais industrial, no qual é usada a tração animal ou mecânica através de máquinas
extrusoras.
Feita a mistura da massa, esta é aplicada com as mãos sobre o entramado
(Fig. 44). Tradicionalmente, essa massa era lançada, sobre a parede, por duas
pessoas ao mesmo tempo, uma por dentro e outra por fora (CORONA E LEMOS,
1972), pratica que vem se perdendo com o tempo.

FIGURA 44 – Barreamento de uma taipa de mão.


Fonte: SILVA (1991)

As paredes construídas com terra crua, principalmente as de taipa,


necessitam de um revestimento que as protejam das intempéries, principalmente
das chuvas. Para garantir essa proteção, devemos aplicar revestimentos que podem
ser naturais, de base mineral, ou sintéticos, como as resinas de silicone e celulose.
45

A primeira camada de revestimento é um reboco feito com uma massa de


barro misturado com fibras vegetais secas, como palha de arroz, capim cortado ou
esterco. Essa massa deve preencher as possíveis rachaduras e regularizar a
parede. O barro utilizado deve ter as porcentagens de areia e argila na faixa de 70%
e 30% respectivamente. Com isso, a massa dificilmente irá rachar. Essa composição
pode ser alcançada com a própria terra utilizada anteriormente, bastando
acrescentar mais areia (Fig. 45)


FIGURA 45 – Primeira camada sendo
aplicada durante curso facilitado pelo autor.
Fonte: Acervo pessoal.

Depois, deve ser aplicada uma segunda camada de revestimento que precisa
ter alto grau de impermeabilização. Um dos revestimentos naturais mais eficazes é
uma massa feita com barro e esterco de cavalo misturados e deixados para curtir
em um tonel de 100 litros durante dez dias. Após a cura, a mistura recebe um copo
(200 ml) de óleo de linhaça, quatro litros de grude - feito com trigo ou polvilho - e um
pouco de leite em pó ou soro de leite. Feito isso, ela pode ser aplicada sobre a
parede (Fig. 46).


FIGURA 46 – Segunda camada sendo aplicada
durante curso facilitado pelo autor.
Fonte: Acervo pessoal.
46

Outra forma mais simples é a mistura do barro com o líquido viscoso extraído
da palma, que é um excelente impermeabilizante. Para retirar este líquido, basta
colher algumas palmas, partir em pedaços e deixá-los por alguns dias imersos
dentro da água (NEVES, 2010). Mistura-se, então, essa água com o barro peneirado
e a massa estará pronta para ser usada.

FIGURA 47 – Visão das duas camadas de acabamento.


Fonte: Acervo pessoal.

Para uma maior segurança, podemos pintar a parede com tinta mineral ou,
simplesmente, caiá-la. Dessa maneira, tomando-se esses cuidados, dificilmente uma
construção com taipa terá uma rápida deterioração e, ao contrário, será
extremamente resistente às intempéries, com excelente acabamento, grande
durabilidade e saudável (Fig. 48).
47

FIGURA 48 – Casa de taipa vernacular registrada no dia 12 de dezembro de 2016 em Goiana-PE as


margens da PE – 49, construída ha mais de 13 anos e em perfeito estado de conservação.
Foto: Acervo Pessoal.


48

PARTE II

CAPÍTULO 3 - A CONSTRUÇÃO COM TERRA: ENTRE O PASSADO E O
PRESENTE, UMA APROXIMAÇÃO IN LOCO

Na parte I do trabalho, nos aproximamos, por via de pesquisa historiográfica,
da construção em terra, vista primeiramente como cultura construtiva e, em seguida,
como técnica. Nessa segunda parte, nossa aproximação das construções com terra
ocorre a partir de visitas in loco realizadas em Pernambuco e, em seguida, da
experiência de resgate da cultura construtiva do povo Xukuru do Ororubá, em
Pesqueira-PE.
Nosso olhar para esses dois universos ocorre tanto do ponto de vista da cultura
arquitetônica e construtiva preexistente como da técnica, essa última vivenciada a
partir da experiência de construção, como será visto adiante.
Em Pernambuco, foi encontrado o uso massivo da terra na forma da taipa de
mão nas construções vernaculares, principalmente, no interior do estado, pois a
terra era o material mais abundante. Em seu livro “Os Mocambos do Nordeste”,
Gilberto Freyre cita o uso dessa técnica nas construções dos negros alforriados,
denominadas de Mocambos, normalmente localizadas próximas das Casas
Grandes.
Como visto no capitulo II, muitas vezes por falta de conhecimento técnico, tempo
ou recursos, essas construções encontram-se com péssimo nível de acabamento, o
que faz com que a imagem dessa técnica esteja associada a um baixo
desenvolvimento econômico. Decidimos, assim, pesquisar a existência do uso da
taipa de mão em outros extratos sociais e descobrimos que esse cenário não foi
sempre assim.
O Plano de Preservação dos Sítios Históricos do Interior - PPSHI - , com livro
publicado em 1982, fez o levantamento de importantes exemplares de nossa
arquitetura na área urbana e rural dos municípios interioranos. Dentre os sítios
pesquisados, estão os Engenhos da região da Mata Norte de Pernambuco, alguns
com as Casas Grandes construídas em taipa de mão, na época ainda em bom
estado de conservação. Nesse levantamento, encontramos cinco sedes rurais de
cana de açúcar com sua Casa Grande em taipa de mão. São elas: Engenho
Passassunga, em Bom Jardim; Engenho Junco, em Nazaré da Mata; Engenho
49

Cavalcanti da Mata, em Paudalho; Engenho Juá, em Tracunhaém e Fazenda


Cachoeira do Taépe, em Surubim.
Através de depoimento, a arquiteta Nazaré Reis, da Diretoria de Patrimônio e
Cultura da Fundação de Desenvolvimento Artístico e Cultural de Pernambuco -
FUNDARPE, informou sobre a segunda etapa do PPSHI, no qual pesquisou-se o
Engenho Poço Comprido, em Vicência, tombado nacionalmente. No mesmo
Engenho, Roberto Carneiro, também da Fundarpe, chamou atenção para um
exemplar raro, em bom estado de conservação, de uma casa de taipa vernacular
construída de forma tradicional, através da amarração da trama com cipó de biriba.
Destarte, tendo como fonte principal o levantamento feito pelo PPSHI e as
entrevistas, foram realizadas investigações em campo, partindo da cidade de Recife.
Percorremos cerca de 350 Km, no período em 28 e 30 de março de 2016, a fim de
verificar o estado de conservação desses engenhos.

FIGURA 49 – Mapa do percurso partindo de Recife para levantamento do estado de conservação dos
Engenhos pernambucanos construídos com taipa de mão.
Fonte: Google Earth.

Durante essa investigação, foi realizado levantamento fotográfico para efeito de


comparação, priorizando os mesmos ângulos presentes no levantamento do PPSHI.
50

Como mostra o levantamento a seguir, constatou-se que, infelizmente, apenas o


Engenho Juá, em Tracunhaém, conserva sua edificação integralmente.

Engenho Cavalcanti da Mata, Paudalho


Não obtivemos acesso ao local por conta da estrada, mas, segundo relatos
dos moradores da redondeza, apenas a chaminé resistiu ao tempo. Esse resultado
já era esperado, pois, no próprio livro do PPSHI, a Casa Grande construída em taipa
já se encontrava com escoramentos laterais, mostrando o alto grau de deterioração
do edifício.

Engenho Junco, Nazaré da Mata


Das edificações originais levantadas pelo PPSHI (Fig. 48 e 49) restam apenas
a chaminé (bueiro) e a capela em péssimo estado de conservação (Fig. 50 e 51).

FIGURA 50 – Casa Grande do Engenho Junco FIGURA 51 – Casa Grande do Engenho Junco
construída com taipa. construída com taipa.
Fonte: PPSHI Fonte: PPSHI


FIGURA 52 – Vista geral atual do Engenho FIGURA 53 – Vista atual da capela do Engenho
Junco. Jnco sobre o mesmo ângulo do PPSHI.
Fonte: Acervo pessoal. Fonte: Acervo pessoal.
51

Engenho Passassunga, Bom Jardim

A Casa Grande foi originalmente construída em taipa de mão (Fig. 54). O


PPSHI já o encontrou modificado, a casa passou por reforma na qual sua estrutura
original em terra crua foi substituída por tijolos cerâmicos cozidos (Fig. 55). No
entanto, algumas paredes internas foram mantidas em taipa, como mostra a (Fig.
57). Em nosso levantamento, a edificação encontra-se abandonada, mas sua
estrutura permanece íntegra (Fig. 56).

FIGURA 54 – A Primeira Casa Grande do FIGURA 55 – Casa Grande do Engenho


Engenho Passassunga foi construída com taipa Passassunga reformada com tijolos cerâmicos.
de mão. Fonte: PPSHI
Fonte: PPSHI

FIGURA 56 – Vista geral da casa grande.


Fonte: Acervo pessoal.


52


FIGURA 57 – Trecho interno em taipa.
Fonte: Acervo pessoal.

Fazenda Cachoeira do Taépe, Surubim
A Casa Grande de Cachoeira do Taépe é um dos grandes exemplares do uso
da taipa em edifícios de grande porte, sendo tombada estadual e nacionalmente. O
PPSHI encontrou a edificação em bom estado de conservação (Fig. 58). Até 2011,
ainda se mantinha íntegra, mas com precária conservação (Fig. 59). Esse descaso
culminou na quase ruína da casa que, segundo placa fixada no local, passou, em
agosto de 2013, por uma “obra emergencial de escoramento, sobrecobertura e
desinfestação” (Fig. 60). Nessa obra, foi feita a estabilização através de escora das
paredes e encapsulamento de sua estrutura a fim de evitar maiores danos. Mesmo
assim, mais de 3 anos depois e, até o presente trabalho, o edifício não passou por
obra de restauro e encontra-se em péssimo nível de conservação. Junto à Casa
Grande, existe uma pequena casa de taipa em bom estado de conservação e ainda
habitada (Fig. 61).
53

FIGURA 58 – Casa Grande da Fazenda


Cachoeira do Taépe. FIGURA 59 – Casa Grande da Fazenda
Fonte: PPSHI. Cachoeira do Taépe em 2011.
Fonte: http://portaldesurubim.blogspot.com.br
(acessado em 04/10/2016)


FIGURA 60 – Escoramento e Sobrecoberta em Figura 61 – Casa de taipa vernácula habitada.
2016. Fonte: Acervo pessoal.
Fonte: Acervo pessoal.

Engenho Juá, Tracunhaém


Esse engenho possui duas Casas Grandes, a primeira em taipa e a segunda
em tijolos cerâmicos (Fig. 65 e 66). Para nossa surpresa, encontra-se em excelente
estado de conservação (Fig. 62, 64, 66 e 68) e foi possível visitar e registrar o seu
interior (Fig. 69, 70). Segundo relatos do caseiro, a família detentora desse
patrimônio, apesar de não habitar o edifício, faz manutenções periódicas e simples,
como retoque de reboco e troca de telhas, a ponto de ser possível visitar a parte
interna do belo edifício. Assim, do levantamento feito pelo PPSHI (Fig. 65 e 67),
esse é o único exemplar que resistiu ao tempo e às intempéries, provando que uma
edificação em taipa pode ser conservada por longos períodos, e registrado sobre os
54

mesmos ângulos em nosso levantamento (Fig. 66 e 68). No entanto, essa edificação


não possui proteção do ponto de vista legal, pois não existe tombamento em
nenhum nível. Dessa forma, é de extrema importância e urgência o pedido de
tombamento dessa construção, que pode ser considerada a pérola da Arquitetura de
Terra do estado de Pernambuco, como pode ser visto nas figuras a seguir.

a

FIGURA 62 – Fachada principal da 1 Casa Grande do Engenho Juá
Fonte: Acervo pessoal.

a

FIGURA 63 – Detalhe da janela da 1 Casa Grande do Engenho Juá em março de
2016.
Fonte: Acervo pessoal.

55

a

FIGURA 64 – Fachada posterior da 1 Casa Grande do Engenho Juá em março de 2016.
Fonte: Acervo pessoal.


FIGURA 65 – Fachada principal do Engenho Juá FIGURA 66 – Fachada principal do Engenho Juá em
a
com a 2 Casa Grande ao fundo. marco de 2016.
Fonte: PPSHI. Fonte: Acervo pessoal.


a
a

FIGURA 67 – Fachada principal da 1 Casa FIGURA 68 – Fachada principal da 1 Casa Grande do
Grande do Engenho Juá. Engenho Juá em março de 2016.
Fonte: PPSHI. Fonte: Acervo pessoal

56


FIGURA 69 – Vista interior da sala de acesso FIGURA 70 – Vista interior do primeiro
e entrada para capela interna. pavimento.
Fonte: Acervo pessoal. Fonte: Acervo pessoal.

Essa pesquisa apresentou o uso da terra em construções de extrato social


elevado, pertencentes aos proprietários de engenhos. Dessa maneira, a mais alta
classe da sociedade pernambucana da época usou taipa para construir seus
edifícios mais imponentes e requintados. Quebra-se, com isso, o entendimento de
que a taipa é sinônimo de atraso social e econômico. Pelo contrário, ela pode ser
dotada de um excelente acabamento e se perpetuar na história, como nos prova o
Engenho Juá, em Tracunhaém.
57

CAPITULO 4 – A TAIPA DO POVO XUKURU DO ORORUBÁ, UMA VIVÊNCIA

Também podemos pesquisar a cultura construtiva com terra entre o povo


Xukuru, dessa vez utilizada de forma vernácula na Aldeia Boa Vista. Esse povo
ocupa hoje um território de 27.000 hectares na serra do Ororubá Pesqueira-PE.

Assim como vários outros povos tradicionais do estado, os Xukuru tiveram


sua cultura dizimada pelo agressivo processo de colonização portuguesa no seu
território em 1680, processo no qual a cultura colonial foi imposta e os povos nativos
foram expulsos de suas terras. Nessa época, eles ocupavam uma área plana, onde
hoje encontra-se a cidade de Pesqueira. Expatriados pelos colonizadores europeus,
eles migraram para a serra do Ororubá e lá iniciaram a construção do atual território.

No entanto, os Xukuru sofrem um novo atentado a soberania de seu território,


agora pelos fazendeiros e pecuaristas da região. Com isso, esse povo foi novamente
alijado de suas terras. Durante esse período, o território Xukuru foi invadido pelas
construções dessa classe social: casas com duas águas e coberta de telhas
cerâmicas (Fig. 71).

FIGURA 71 – Casa construída segundo tipologia dos


colonos fazendeiros onde é possível ver uma parede
construída com tijolos queimados.
Fonte: Daniel Guimarães.

Na década de noventa, inicia-se o processo de retomada do território Xukuru


e, liderados pelo Cacique Xikão, depois de muitas lutas e confrontos com os
fazendeiros, eles retomam suas terras, ocupando algumas dessas casas e iniciando
58

um novo processo de fixação de sua cultura. Por esse motivo, não existem registros
de suas construções tradicionais antes da colonização europeia.

Sabe-se que a maioria dos índios brasileiros construíam suas edificações, as


Ocas, basicamente com madeira e palha. Em suma, existiam variações nas formas
das Ocas e no tipo de madeira e palha utilizado, de acordo com a etnia, mas não
existem registros do uso de outros materiais. A configuração delas varia de acordo
com a tribo e costumes locais (VAN LENGEN, 2013) e ainda é possível encontrar
povos que constroem suas Ocas de acordo com os seus costumes tradicionais.

Em um trabalho anterior feito com o povo Kaiowa-Guarani, no Mato Grosso


do Sul, tivemos a oportunidade de visitar dois exemplares desse tipo de construção,
chamadas por esse povo, em guarani, de Ogosu. Uma delas estava em fase de
construção, utilizando madeira bruta da mata, e a outra foi construída em bambu, há
cerca de sete anos (Fig. 73 e 74).

FIGURA 73 – Perspectiva da construção FIGURA 74 – Oca tradicional do povo Kaiowa-


tradicional do povo Kaiowa-Guarani. Guarani sendo construída.
Fonte: Acervo pessoal. Fonte: Acervo pessoal.

Assim, o processo de resgate que será relatado nesse trabalho diz respeito
ao modo de fazer utilizado pelos Xukuru depois da colonização europeia, pois é o
mais longe na historia que a memória coletiva desse povo consegue alcançar.

Com sua cultura construtiva praticamente dizimada por dois processos de


colonização, o povo Xukuru assimila a cultura construtiva colonial europeia,
adaptando-a às condições e saberes locais ao ponto de, passados 350 anos, terem
na sua memória oral, imagética e afetiva a Casa de Taipa como símbolo de sua
cultura construtiva tradicional.
59

O método construtivo empregado na Casa de Taipa do povo Xukuru difere


dos encontrados no resto do estado, pois os Xukuru fazem o preenchimento do
entramado da taipa com pedras soltas, sem que essas ofereçam função estrutural.
O barro, então, cumpre as importantes funções de argamassar as pedras soltas,
finalizar o preenchimento do entramado, rebocar a parede e fazer o acabamento,
sendo costume na região utilizar o barro de formigueiro pela sua grande capacidade
de dar liga a massa.

Ao visitar as aldeias da localidade, percebemos que eles fazem a junção de


dois materiais muito abundantes no seu território, simples de serem extraídos, e
reiteram o poder de adaptabilidade ao meio das construções com terra (Fig. 75)


FIGURA 75 – Vila de Cimbres, onde se pode notar, em primeiro plano, um muro de tijolos e pedra e
os materiais mais encontrados no território: pedra e barro. Em segundo plano, uma residência
construída no período da colonização europeia.
Fonte: Acervo Pessoal

Na literatura que trata dos métodos construtivos com terra levantada para
este trabalho, não consta essa forma de fazer a taipa. Portanto, os Xukuru são
60

detentores de um saber tradicional de grande relevância para a história da


construção com terra no Brasil. Portanto, consideramos seu registro de extrema
importância para a garantia da manutenção e disseminação desse saber tradicional
e decidimos incorporá-lo a estrutura deste trabalho.

Mais do que apenas uma aproximação de observação e registro do uso da


terra na história desse povo indígena, tivemos a oportunidade de participar do
processo para construção do Xeker Jetí - Casa de Cura, ocorrendo aí um resgate do
método tradicional utilizado pelos Xukuru do Ororubá.

Vivenciamos aí o processo de construir com terra na atualidade,


experimentando e registrando uma técnica construtiva tradicional, inédita na
literatura encontrada sobre construção com terra, agora apresentada neste trabalho.

O primeiro contato com os Xukuru se deu em uma oficina de construção com


terra e Espiral de Ervas ministrada pelo autor no evento Ocupe Campo-Cidade,
realizado pelo Movimento Ocupe Estelita. Neste, um dos representantes do povo,
Iran Xukuru, esteve presente e convidou nosso grupo para levar essas práticas para
o território Xukuru. Por ser a pessoa mais experiente em relação às técnicas de
construção com terra, estive como coordenador durante todo o processo que se
desencadeou a partir desse primeiro contato. O grupo que se dedicou ao referido
trabalho era composto por Diana Nobre, bióloga; Daniel Guimarães, arquiteto; Frida
Naite, arquiteta; Rodrigo Holanda, estudante; Lucas Fortunato, músico; Fabricio
Brugnalo, cozinheiro; Tiago França, marceneiro e Ana Banhatto, advogada. Além
das muitas pessoas de várias cidades do país que colaboraram nos mutirões.

O convite foi realizado num cenário onde o povo passa por vários eixos de
resgates da sua cultura, já acontecidos na agricultura, no artesanato, na educação e
agora, inicia-se na forma de construir. Com isso, escutamos suas preocupações
sobre a afirmação de sua cultura tradicional e fomos introduzidos a história desse
povo, contada anteriormente, de forma resumida.

Para realização desse trabalho, utilizamos uma metodologia do arquiteto


Hassan Fathy, registrada no livro Construindo com o Povo: arquitetura para os
pobres. O autor, após iniciar um trabalho de resgate da cultura construtiva no Egito
61

através das casas camponesas, foi imbuído de realizar a construção da vila de Nova
Gourna com grande limitação de tempo e recursos financeiros.

A abordagem dada pelo arquiteto nesse projeto contempla o ponto de vista


social, cultural e econômico. Considerada referência para os projetos de habitação
social, destaca-se a construção para povos tradicionais detentores de saberes,
assim como são os Xukuru. A intenção de Hassan Fathy (1982) frente ao tema é
claramente exposta no trecho a seguir:

Queria evitar, a qualquer preço, a atitude tão comum entre os arquitetos e


planejadores profissionais quando confrontados com uma comunidade de
camponeses, e que consiste em achar que ela não tem nada que mereça a
consideração deles, que todos os seus problemas podem ser resolvidos
pela importação de uma abordagem urbana sofisticada em relação a
construção. Queria, se possível, superar o abismo que separa a arquitetura
popular daquela feita pelo arquiteto. (Fathy, 1982)

Sendo assim, o ponto de partida para realização do trabalho seria a


comunidade definir suas demandas de construções e escolher, eles mesmos, o que
seria construído nessa vivência. Assim, nos foram apresentadas por Iran Xukuru,
liderança da Aldeia Boa Vista, três demandas para serem projetadas e construídas
nessa mesma aldeia. Uma delas era a Barraca do Bem Viver, local de parada
durante a caminhada anual na celebração do São João. A outra demanda era a
construção de uma Casa de Visitantes para as pessoas que desenvolvem algum
trabalho ou pesquisa junto ao povo Xukuru. A terceira demanda era a construção de
uma Casa de Cura, ou Xeker Jetí, um espaço sagrado, onde os curandeiros, assim
como o Pajé, fariam suas consultas e repassariam os conhecimentos acerca da
medicina tradicional Xukurú, este seria construído ao lado do terreiro da Aldeia Boa
Vista (Fig. 76).

Assim, era necessário que a própria comunidade definisse o que seria afinal
construído afim de com essa tomada de decisão eles se apoderassem, desde o
início, do processo de tomada de decisão participativa.
62

FIGURA 76 – Lugar para construção do Xeker Jetí ao lado do terreiro. Nessa foto, Daniel Guimarães
está fazendo o levantamento da área e Thiago França, ao fundo, está na entrada do terreiro.
Fonte: Diana Nobre.

Dessa forma, em uma celebração aos seres espirituais do povo, o Toré,


realizada na aldeia Boa Vista, conversamos com eles em um momento de pausa
específico para repasses e troca de informações (Fig. 77). Foram apresentadas as
demandas previamente definidas por Iran Xukuru e expusemos algumas técnicas de
construção com terra, como taipa de mão, taipa de pilão, tijolos de adobe e cob para
um possível reconhecimento de algumas por parte do Xukuru. A taipa de mão foi
apontada por todos como a técnica usada por seus avós e bisavós para construir
suas casas. Logo, o Xeker Jetí ou Casa de Cura foi escolhido por eles para ser
construído da mesma forma que seus avós e bisavós construíam: taipa de mão com
cobertura de palha.

FIGURA 77 – Grupo em conversa com os Xukuru, na qual foi decidido o que seria construído e a
técnica empregada.
Fonte: Acervo pessoal.
63

Nesse exato momento, teve início o trabalho de resgate da cultura construtiva


do povo Xukurú, em que realizamos pesquisa a respeito de suas técnicas
tradicionais e ancestrais, recolhendo depoimentos orais com os mais velhos e
realizando visitas a diversas aldeias do território ocupado em busca de algum
exemplar construído.

FIGURA 78 – Grupo recolhendo depoimentos na Vila de Cimbres. Nesse caso, com um construtor de
cercas de pedras rejuntadas a seco.
Fonte: Iran Xukuru.

No dia seguinte ao Toré, acompanhados por Seu Medalha, liderança do povo,


fomos conhecer a Vila de Cimbres, construída totalmente nos moldes coloniais, com
casas dividindo empenas dispostas ao redor de uma praça em frente a uma igreja.
Percebemos que, apesar de terem fachadas e empenas de tijolos cerâmicos,
algumas delas possuíam paredes internas de taipa, mas não era a casa de taipa
descrita pelos índios.
64

FIGURA 79 – Igreja e arruamento da Vila de Cimbres.


Fonte: Acervo pessoal.

Nessa visita, no entanto, tivemos a oportunidade de conhecer duas casas


inteiramente de pedra construídas por índios da região (Fig. 80), além de algumas
cercas de pedras rejuntadas a seco e um de seus construtores (Fig. 78). Nas casas,
foram utilizadas pedras de lajedo, escolhidas pelos construtores, rejuntadas e
rebocadas com argamassa de barro de formigueiro. Entretanto, apesar de muito
bem executadas, os Xukurus não a consideravam sua técnica tradicional.

FIGURA 80 – Casa de pedra construída com pedras da região rejuntadas com barro de formigueiro.
Fachada e rebocada com barro de formigueiro e pintada com tinta cal.
Fonte: Acervo pessoal.
65

Continuamos a pesquisa e, em conversa com Seu Mané Dez Conto, índio


Xukuru, ele nos falou que uma pessoa da comunidade, o Ninha, estava construindo,
há cerca de seis anos, uma casa de taipa de acordo com os relatos da mãe, que
também escutou seu pai e seu avô descreverem como erguiam suas casas. No
outro dia, fomos fazer uma visita ao local e nos deparamos com uma casa em vários
estágios de construção, momento em que foi possível entender todo o processo
construtivo utilizado (Fig. 81). Percebemos que essa taipa tinha uma singularidade:
seu entramado era preenchido com pedras e restos de tijolos (Fig. 82),
posteriormente rebocava-se a parede com barro (Fig. 83).


FIGURA 81 – Fachada e lateral da casa de Ninha onde podem ser vistos os estágios
da construção e seu Mané Dez Conto.
Fonte: Daniel Guimarães.


66

FIGURA 82 – Detalhe da técnica de taipa de mão onde


foram colocadas pedras no interior da trama.
Fonte: Daniel Guimarães.

Ninha, responsável pela construção da sua casa, relatou que gastou apenas
2kg de prego na construção já que a madeira para a taipa foi retirada da mata, o
barro em volta da casa, as pedras espalhadas por perto e a estrutura para o telhado
foi reaproveitada por ele de uma demolição.

Podemos verificar assim, que Ninha estava construindo há 6 anos sua casa
de forma intuitiva, com materiais e técnicas locais. Apesar de ainda não ter sido
concluída, ele já mora lá com sua família - esposa e filho.


FIGURA 83 – Detalhe do reboco de barro feito FIGURA 84 – Detalhe do telhado e do interior da
por Ninha colocado sobre o entramado casa de Ninha.
preenchido com pedras. Fonte: Daniel Guimarães.
Fonte: Daniel Guimarães.
67

Assimilada a técnica e os diversos depoimentos recolhidos, ficou claro para o


nosso grupo que a construção tradicional Xukurú, a que no imaginário deles é sua
construção ancestral, é a Casa de Taipa com pedra dentro amarrada com cipó e
coberta com palha do coco catolé, como eles mesmos explicam com orgulho. Além
disso, foi levantado o uso de uma cobertura de barro que, segundo os depoimentos,
consiste em uma camada de barro sobre uma cama de mela-bode, planta
encontrada na região, coberta com palha para proteção do barro.

Identificada a técnica, tem-se início um planejamento participativo, o qual


definiria, junto com a comunidade, a forma arquitetônica do Xeker Jetí, pois o
desenho arquitetônico precisava ser trabalhado, uma vez que a casa de taipa ainda
guardava a tipologia dos colonos fazendeiros.

Para isso, utilizando o momento de pausa do Toré, visitamos o terreno onde


a Casa de Cura seria implantada e discutimos em cima de três possíveis formas
para a construção, que poderia ser retangular, redonda ou oval (Fig. 85).


FIGURA 85 – Índio desenhando uma forma no lugar da construção.
Fonte: Daniel Guimarães.

Nesse momento, em nossa presença, algumas lideranças do povo, como Seu


Chico e Dona Maria fizeram uma consulta aos seres espirituais dos Xukuru através
da incorporação da entidade da Jurema Branca através de Dona Maria. A entidade
afirmou que se a construção fosse para ela, em sua homenagem, esta deveria ser
circular, com paredes de taipa com pedra dentro e com o telhado de palha-barro-
palha. A partir da interpretação das lideranças espirituais, essa solicitação foi
68

acatada pelos Xukuru e tal informação nos direcionou durante todo o trabalho. As
lideranças continuaram a consultar a entidade para colher informações e receber
pedidos, como a orientação da entrada para o lado que o sol nasce, ou seja, no
leste.

No dia seguinte, Dona Maria, interpretou os pedidos da entidade e nos trouxe


um desenho do que seria, para ela, uma Oca Xukurú, com indicações das técnicas a
serem utilizadas (Fig. 86). Mais uma vez, seguimos a orientação coletiva e das
lideranças espirituais a fim de fazermos um trabalho totalmente ligado à cultura e à
espiritualidade do povo.


FIGURA 86 – Desenho de Dona Maria representando a Oca tradicional Xukuru.
Fonte: Acervo pessoal.

Tomando esse desenho como base, partimos para a etapa de projeto, focado
na definição do tamanho da estrutura, inclinação do telhado e dimensão de beirais,
por exemplo, culminando em uma estrutura de 5m de raio com 1,2m de beiral, doze
lados e um pilar central (Fig. 87). Além disso, foi feito o cálculo de toda a estrutura,
definindo quantidade, tamanho e dimensão das peças.

Portanto, o nosso papel como arquitetos, nesse momento, foi o de contribuir


tecnicamente com o projeto, respeitando a cultura local através de uma abordagem
delicada e participativa. Foi feita então um a prática, comum em arquitetura, de
69

impor um desenho ou uma solução arquitetônica muitas vezes deslocada da cultura


local.


FIGURA 87 – Maquete do Xeker Jetí.
Fonte: Daniel Guimarães.

Com o projeto e lista de materiais prontos, iniciamos o processo da


construção. Contudo, por nunca termos utilizado as técnicas dos Xukuru para
edificação, foi sugerido, por Seu Mané, que construíssemos, com a comunidade, um
protótipo do Xeker Jetí que reuniria todas as técnicas identificadas. Logo apareceu
uma demanda para construção de um Pejí, espécie de capela usada durante os
rituais e em momentos de rezas individuais (Fig. 88).


FIGURA 88 – Pejí utilizado no terreiro da Aldeia Boa Vista
Fonte: Acervo pessoal.
70

O partido adotado para tal foi um hexágono com paredes de taipa amarrada
com cipó, preenchida com pedra e barro, por fim, rebocada com barro de formigueiro
(Fig. 89). O telhado foi executado com estrutura recíproca, também amarrada com
cipó, e, na coberta, foi utilizado o sistema de palha-barro-palha (Fig. 90). O processo
de construção envolveu toda a comunidade e, para executar o preenchimento da
taipa com barro, foi feito um grande mutirão, durante um Toré, envolvendo todas as
faixas etárias (Fig. 91). Conseguimos construí-lo em um único dia e isso nos deu
segurança para replicar essas técnicas na obra do Xeker Jeti (Fig. 92).


FIGURA 89 – Preenchimento da taipa sendo feito FIGURA 90 – Crianças colocando barro no teto.
por Seu Mané. Fonte: Daniel Guimarães.
Fonte: Daniel Guimarães.

FIGURA 91 – Pejí sendo rebocado pela comunidade em um mutirão envolvendo todas as faixas
etárias, durante um Toré.
Fonte: Thiago França
71


FIGURA 92 – Pejí taipa preenchida com pedras, rebocado com barro e telhado de palha com barro
por cima, finalizado em um dia de trabalho com os Xukuru.
Fonte: Daniel Guimarães.

A Casa de Cura, desse modo, reuniria todos os saberes construtivos do povo


e seria o símbolo da construção tradicional Xukuru, dialogando com a intenção de
Hassan Fathy (1981) ao fazer o planejamento para Nova Gourna:

Queria que Gourna pelo menos indicasse um caminho a partir do qual se


pudesse restabelecer uma tradição em termos de construção, que outras
pessoas pudessem mais tarde se interessar pela experiência, ampliá-la e
finalmente estabelecer uma barricada cultural que impedisse que se caísse
naquela arquitetura falsa e sem sentido que estava avançando a passos
largos no Egito. A nova arquitetura poderia exemplificar como era possível
fazer-se, no Egito, uma arquitetura-expressão do povo. (Fathy, 1981, Pag.
63).

Para tanto, utilizamos apenas materiais encontrados no território. Os caibros e


as ripas, por terem pequenas seções, foram retirados da mata nativa através de um
manejo consciente, de acordo com as praticas usuais do povo do Ororubá. Foram
extraídas cerca de onze espécies de arvores, como Massaranduba, Louro Preto,
Tingui, Pitiá, entre outros (Fig. 93)
72

FIGURA 93 – Identificação dos 10 tipos de madeiras retiradas da mata para caibros.


Fonte: Acervo pessoal.

Essas madeiras foram retiradas em locais diferentes e onde foram


identificadas, próximas, outras da mesma espécie, de forma que se manteve o
mesmo cenário visual anterior à retirada da madeira, garantindo o mínimo impacto
antrópico na mata e a manutenção da diversificação das espécies (Fig. 94).


FIGURA 94 – Retirada consciente de caibros na mata.
Fonte: Daniel Guimarães.

73

Já a estrutura principal teria seções que variavam de 12cm de diâmetro, para


as vigas de amarração, e 35cm para o pilar central. Isso significava retirar árvores
nativas com cerca de 20 anos de idade, provavelmente matrizes de uma mata que já
foi muito desmatada por fazendeiros e que ainda se encontrava em processo de
sucessão ecológica secundária. Como facilitadores dessa vivência e consciente das
questões ambientes, levantamos essa questão entre o povo Xukuru. Insistimos que
seria contraditório que, durante um processo de recuperação da mata nativa,
estimulássemos a disseminação das poucas matrizes sobreviventes. Decidiu-se,
assim, manter a mata nativa sem mais perturbações antrópicas.

Com esse impasse, logo surgiu a informação da existência de uma mata de


eucalipto, fruto de um reflorestamento obrigatório realizado há 35 anos por um
antigo fazendeiro. Fomos visitá-la e identificamos três variedades de eucalipto, o
vermelho, o branco e o canela, com diâmetros variando de 10cm a 60cm. Segundo
os moradores, o melhor a usar para construção seria o vermelho e, dessa maneira,
conseguimos retirar toda a madeira necessária para a estrutura do telhado.

A retirada desses eucaliptos iniciou o processo de construção e foi o primeiro


mutirão em que foram reunidas diversas pessoas da comunidade. Eles iniciaram o
corte das árvores com uma cerimônia para pedir licença aos seres espirituais
guardiões da mata (Fig. 95).

FIGURA 95 – Os Xukuru em cerimonia as matas antes da extração das


madeiras.
Fonte: Rodrigo Holanda.
74

Os Xukuru cortaram as madeiras finas destinadas, em sua maioria, às vigas,


com machado e as de maiores espessuras, como, o pilar central – a maior peça que
encontraram, com motosserra. Foram retiradas as cascas dos eucaliptos na hora da
extração, pois, segundo eles, com a madeira verde, esse processo torna-se mais
fácil e eficiente (Fig. 96 e 97).

FIGURA 96 – Grupo dos Xukuru retirando as cascas das madeiras.


Fonte: Iran Xukuru.

FIGURA 97 – Retirada das cascas e corte com motosserra no pilar central.


Foto: Rodrigo Holanda.

Como o eucalipto não é uma madeira resistente à umidade, foi-lhes pedido a


queimada da base dos pilares até 30cm do nível do solo para impermeabilização,
como é costume nas construções tradicionais. No entanto, eles não dominavam
75

essa técnica e os próprios indicaram a técnica conhecida por eles, o banho com óleo
queimado, e assim foi feito (Fig. 98 e 99).


FIGURA 98 – Base do pilar sendo pintada com óleo. FIGURA 99 – Pintura a 30cm do nível do
FoNTE: Daniel Guimarães. solo.
Foto: Daniel Guimarães.

A cobertura do telhado seria feita da forma tradicional, com a palha do coco


Catolé, ou Syagrus coronata (Fig. 100), muito encontrado na região e usado,
tradicionalmente, pelos Xukuru e a extração da palha foi feita por mais um mutirão
entre os homens.


FIGURA 100 – Palmeira do coco Catolé de onde foi retirada a palha para cobertura.
Fonte: Daniel Guimarães.

76

Essa palha, para garantir uma coberta mais resistente foi virada, como
denominado pelos Xukuru, principalmente, pelas mulheres e crianças, em outro
grande mutirão (Fig. 101). Além disso, as palhas foram amarradas em duplas (Fig.
102) e colocadas com cerca de 10cm de distância umas das outras, garantindo uma
coberta forte e resistente às intempéries.


FIGURA 101 – Palha depois de virada. FIGURA 102 – Palha amarrada em dupla.
Fonte: Acervo Pessoal. Fonte: Acervo Pessoal.

Concluída a questão do telhado, fomos em busca do material para as paredes


de taipa. Para o entramado, usamos esteios verticais provenientes dos galhos dos
eucaliptos já cortados para o telhado; as varas horizontais foram de candeeiro,
planta arbustiva que rebrota facilmente, e, para a amarração entre eles, o cipó-de-
cesto. A pedra para o preenchimento dessa trama foi retirada de uma antiga cerca
de pedras próxima ao local da obra, assim como o barro de formigueiro. Como esse
barro identificado possuía uma grande quantidade de argila, solicitamos também
areia, que foi retirada da própria estrada de acesso à obra.

Assim, todos os recursos utilizados foram retirados de dentro do território


Xukuru, exceto três sacos de cimento para fundação, dezoito litros de óleo vegetal
de linhaça para tratamento das madeiras, óleo queimado para impermeabilização
dos pilares de eucalipto e 3kg de pregos.

Com todos os materiais no canteiro, demos início ao processo de 40 dias de


imersão na obra, que culminou com a construção do Xeker Jetí. O trabalho seguiu
as etapas de tratamento das madeiras, montagem da estrutura principal, montagem
da estrutura do telhado, cobertura com palha, montagem do entramado da taipa e
barreamento.
77

Na etapa de tratamento das madeiras, foi feita a raspagem das peças, para
retirar as cascas, seguida de um tratamento com duas demãos de óleo de linhaça
para hidratação e proteção delas. Foram feitos também os cortes de encaixe das
peças da estrutura de madeira.

A etapa de montagem da estrutura principal, ou mestra, seguiu de acordo


com os seguintes passos:

ETAPA 1 - Fixação do pilar central, concretando sua base com uma mescla de
cimento, areia e pedra. Esse pilar possui cerca de 45cm de diâmetro e, para seu
erguimento, foi necessário construir uma estrutura auxiliar, onde foram fixadas
roldadas e catracas para sustentar o pilar enquanto era erguido (Fig. 103 e 104).

FIGURA 104 – Fixação do pilar central


FIGURA 103 – Estrutura auxiliar montada concretando sua base com mescla de cimento,
para auxiliar o erguimento do pilar central. areia e pedra.
Fonte: Iran Xukuru Fonte: Daniel Guimarães
78

ETAPA 2 - Depois, fixaram-se os pilares periféricos com diâmetros entre 15 cm e 25


cm - foram retirados dois pilares por árvore, também concretando suas bases com
uma mescla de cimento, areia e pedra (Fig. 105). Após essa etapa, foi montado um
andaime de madeira para possibilitar o trabalho no topo dos pilares (Fig. 106).

FIGURA 105 – Colocação do pilar periférico para posterior


enchimento de suas base com mescla de cimento, areia e
pedra.
Fonte: Acervo Pessoal.

FIGURA 106 – Pilares periféricos fixados e andaimes de


madeira.
Fonte: Acervo pessoal.

ETAPA 3 - Com todos os pilares periféricos fixados, foram feitos cortes com
motosserra no topo desses para posterior encaixe das linhas (Fig. 107).
79

FIGURA 107 – Corte com motosserra no pilar periférico para encaixe das linhas.
Fonte: Acervo pessoal.

ETAPA 4 - No pilar central, foi feito um entalhe ao longo de todo seu perímetro, com
5cm de profundidade e 10cm de largura, chamado pelos Xukuru de carretel (Fig.
108). No interior desse corte, foram feitos ainda doze rasgos com 5cm de
profundidade para encaixe das “cabeças” das linhas.

FIGURA 108 – Entalhe com formal no pilar central para encaixe das
cabeças das linhas do telhado.
Fonte: Daniel Guimarães.

ETAPA 5 - Colocação das vigas de amarração entre pilares que, assim como os
pilares, tiveram um corte específico para encaixe nos mesmos e foram furadas com
arco de pua - ferramenta manual que substitui a furadeira – e pregadas nos pilares
(Fig. 109).
80

FIGURA 109 – Encaixe das vigas de amarração com os pilares periféricos.


Fonte: Acervo pessoal.

ETAPA 6 - A montagem das linhas do telhado, que passou primeiro por um trabalho
de carpintaria, no qual foram feitos quatro cortes em cada peça, sendo eles: macho
para encaixe no pilar central, fêmea para encaixe da mão francesa, fêmea para
encaixe no pilar periférico e corte para encaixe das vigas de borda (Fig. 110 e 111) .
As linhas foram, então, todas montadas na estrutura dos pilares e, posteriormente,
foram encaixadas as vigas de borda.

FIGURA 110 – Corte com enxó para encaixe FIGURA 110 – Corte com enxó para encaixe fêmea
fêmea do pilar periférico. do pilar periférico.
Fonte: Acervo pessoal Fonte: Acervo pessoal.

81

ETAPA 7 - Feito os entalhes nas peças, as vigas do telhado foram erguidas e


colocadas no lugar (Fig. 112 e 113). Algumas peças tiveram que ter seu entalhe
ajustado na hora, pois, como se trata de um trabalho manual, a precisão do corte
variou um pouco. Terminamos esse trabalho após cinco dias de mutirão (Fig. 114)

FIGURA 112 – Fixação das linhas dos telhado no pilar periférico e ajuste no entalhes.
Fonte: Acervo pessoal..


FIGURA 113 – Fixação das linhas do telhado no pilar central.
Fonte: Acervo pessoal.

82


FIGURA 114 – Término do trabalho de fixação das linhas do telhado.
Fonte: Acervo pessoal.

Com toda estrutura mestra pronta, começamos a colocar os caibros.


Escolhemos colocá-los na diagonal em relação à borda do telhado para
trabalharmos com menores vãos e, assim, não precisarmos de ripas para assentar
as palhas (Fig. 115 e 116). Além disso, esse procedimento resultou em um bom
efeito plástico para a coberta quando vista de dentro (Fig. 119).


FIGURA 115 – Fixação dos caibros na diagonal. FIGURA 116 – Caibros fixados na diagonal.
Fonte: Daniel Guimarães. Fonte: Daniel Guimarães.

Em cima da estrutura do telhado veio, enfim, a palha para cobertura. As


palhas foram amarradas duas a duas e fixadas nos caibros com pregos, a uma
distância de dez centimetros entre elas, obedecendo a tradição local para a
execução de uma boa coberta (Fig. 117 e 118) Esse processo durou apenas dois
83

dias de trabalho e foram reunidas pessoas de três aldeias diferentes para sua
realização.


FIGURA 117 – Cobertura com palha sendo executada.
Fonte: Acervo pessoal.


FIGURA 118 – Cobertura com palha sendo executada.
Fonte: Acervo pessoal.
84


FIGURA 119 – Cobertura com palha sendo executada.
Fonte: Acervo pessoal.

Enquanto uma equipe preparava o telhado, trabalhamos nas paredes de taipa


para fechamento do vãos entre os pilares periféricos (Fig. 120). Primeiro foi feita a
trama, com três esteios verticais de eucalipto em cada lado de parede e varas
horizontais com cerca de 15cm de distância entre eles. Estas foram amarrados com
cipó de cesto preparado em parte por Seu Zequinha, o Pajé dos Xukuru. (Fig. 121).

FIGURA 120 – Entramado feito com esteios de eucalipto, com varas colhidas na mata, amarradas
com cipó de cesto pronto para receber as pedras.
Fonte: Acervo pessoal.
85


FIGURA 121 – Pajé Xukuru, Seu Zequinha, prepara cipó de cesto para amarração do entramado da
taipa.
Fonte: Acervo pessoal.

A trama pronta recebeu o preenchimento com pedras soltas entre as varas da
estrutura (Fig. 122), que posteriormente será preenchida e rebocada com barro.
Essa é a grande diferença do método construtivo utilizado pelos Xukuru em relação
as taipas do resto do estado de Pernambuco (Fig. 123).

FIGURA 122 – Parade de taipa recebendo as pedras soltas para posterior preenchimento com barro.
Fonte: Acervo pessoal.

86


FIGURA 123 – Xeker Jetí com paredes preenchidas com pedra e fixação dos caibros.
Foto: Acervo pessoal.


FIGURA 124 – Cobertura com palha executada e inicio do barreamento.
Fonte: Acervo pessoal.

Finalizado o telhado e tendo o entramado sido preenchido com pedras (Fig.


124 e 125), iniciamos o preenchimento e reboco da taipa com barro de formigueiro.
Foram escavados dois formigueiros desativados para retirar o barro, sendo um deles
87

encontrado pelo próprio Pajé do povo Xukuru. No entanto, esse barro, segundo os
dizeres do povo, era “chorão”, ou seja, possuía uma grande quantidade de argila e
iria rachar muito depois de seco. De acordo com conhecimento anteriormente
adquirido em práticas anteriores, listados no capitulo dois, adicionamos ao barro
uma quantidade de 1/3 de areia e 1/5 de esterco de cavalo fresco para estabilizá-lo
e mitigar o efeito de retração da argila, alcançando o resultado esperado.


FIGURA 125 – Aspecto da parede de taipa antes de ser preenchida e rebocada com barro. Essa foto
mostra que o barro e a pedra são usados praticamente nas mesmas proporções
Fonte: Acervo pessoal.

A massa foi misturada com os pés ao ritmo do Toré, conforme a tradição da


maioria dos povos tradicionais que trabalham com barro (Fig. 126). Com isso, o
barreamento teve seu inicio e foi feito com as mãos, tendo sido iniciado e finalizado
em uma manha de sábado (Fig. 129). Tiveram presentes vários líderes da
comunidade, que se reuniram em um último mutirão para barrear a estrutura e
celebrar a inauguração do Xeker Jetí, dançando e cantando Toré (Fig 127 e 128).
88


FIGURA 126 - Preparação da massa com os pés para posterior barreamento.
Fonte: Acervo pessoal


FIGURA 127 – Reboco sendo feito por Dona Maria, liderança
espiritual.
Fonte: Acervo pessoal.


FIGURA 128 – Reboco sendo feito por um jovem de 17 anos
que costuma construir casas de taipa com o pai.
Fonte: Acervo pessoal.
89

FIGURA 129 – Parede de taipa vista pelo lado de dentro, depois do seu exterior ter sido rebocado
com barro de formigueiro.
Fonte: Acervo pessoal.

Esse foi um momento marcante para a comunidade, pois reuniu todas as


faixas etárias e proporcionou ricas trocas de saberes. Na Figura 126, Dona Maria,
índia que fez o desenho da Oca, está rebocando um trecho da parede, enquanto a
Figura 127 mostra um jovem de 17 anos, muito habilidoso, também rebocando. Esse
jovem relatou que tem o costume de construir casas de taipa com o pai, na sua
aldeia, um pouco afastada do local da obra, onde conseguem construir uma casa em
apenas uma semana.

Desse modo, a construção do Xeker Jetí – Casa de Cura foi um marco na


história do povo Xukuru do Ororubá, uma vez que, após mais de 20 anos de luta
para reconquistar seu território e reestabelecer sua cultura, finalmente puderam
construir um espaço sagrado que é o expoente da sua simbologia construtiva (Fig
130).

A Casa de Cura, portanto, consegue cumprir o seu papel primordial, de reunir


a comunidade para troca e perpetuação de saberes, resgatando uma cultura
tradicional e totalmente adaptada ao meio que a circunda.
90


FIGURA 130 – Xeker Jetí coberto e rebocado após os 40 dias de processo para sua construção.
Fonte: Acervo pessoal.


91

CONCLUSÃO

Através do passeio pela história da construção com terra no mundo, no


Capítulo Um, foi demonstrado a riqueza e versatilidade da terra como matéria prima
no processo de estruturação e desenvolvimento de diversas culturas em todos os
continentes. Assim, o largo uso da terra nos mais diversos meios e classes sociais,
desde povos antigos, aliado à resistência de alguns exemplares possibilitou e
comprovou sua perpetuação no tempo. O surgimento das mais diversas técnicas de
construção com terra, desde os primórdios da civilização oferece um vasto acervo,
compondo uma verdadeira biblioteca viva que precisa ser urgentemente investigada
e preservada. Para além das técnicas, o valor artístico e histórico é de apelo
inestimável.

Concentrando o uso da construção com terra à técnica mais explorada em


Pernambuco, nos debruçamos, especificamente, sobre a taipa de mão. Essa
investigação bibliográfica resultou na composição de um capítulo, um manual
detalhado sobre a matéria prima “terra” e suas aplicações. Por se tratar de um
material não tóxico e de fácil manuseio por todas as faixas etárias, proporciona
momentos participativos de mutirões, gerando independência e autonomia para as
comunidades locais.

Na pesquisa em campo sobre os Engenhos pernambucanos, destacamos a


necessidade de preservar, tombar e proporcionar a restauração das edificações
modelo e históricas construídas com terra, como a sede do Engenho Juá, em
Tracunhaém, preservando assim a memória das técnicas construtivas do período
colonial em Pernambuco.

Já o trabalho in Loco com o povo Xukuru superou as expectativas em relação


à grandeza do resgate de uma identidade própria através de uma construção
participativa. A tradição construtiva Xukuru na sua forma original ficou perdida por
entre os séculos, após um processo violento de chegada dos colonos às terras
indígenas. A edificação do Xeker Jeti ou Casa de Cura, possibilitou a concretização
de uma identidade construtiva local a partir das próprias memórias e nela está
contida a maior parte do saber construtivo tradicional Xukuru, como a taipa de mão
preenchida com pedras, o uso do barro de formigueiro e a cobertura de palha do
92

coco catolé. Além disso, eles despertaram para o grande potencial do uso do
eucalipto para construção, transformando a área em uma grande reserva energética
de madeira.

O processo de resgate despertou a aceitação e o empoderamento do povo


Xukuru em relação aos materiais e forma de construir, tanto que já existe
planejamento futuro que, assim como o Xeker Jetí, promoverá o desenvolvimento da
cultura indígena através da construção de um espaço de encontros com cerca de
400m2 e capacidade de reunir até 3 mil pessoas com estrutura de eucalipto e
cobertura de palha. Além disso, existe a possibilidade de mitigar o déficit
habitacional do território através da construção de habitações, com mutirões
metodologicamente organizados e utilizando a cultura construtiva resgatada e
descrita no Capítulo 4. Com isso, espera-se firmar a tradicional tecnologia
construtiva Xukuru, preservando assim sua identidade local em contraponto a
tipologia dos colonos que pouco a pouco pode ser substituída pela tradicional
Xukuru.

Assim, o presente trabalho mostra que, com respaldo técnico e acadêmico, as


praticas de construção com terra e materiais naturais podem ser resgatadas,
valorizadas e replicadas, firmando essas formas do fazer, para que não entrem em
obsolescência. Essas técnicas possuem uma grande raiz cultural, uma vez que são
utilizadas há milênios e o conhecimento prático sobre elas é repassado de pai para
filho, de geração para geração e de continente para continente. Delas surgiram,
inclusive, expressões culturais muito populares no estado, como o Coco de Roda,
que para celebrar a construção de uma casa de taipa é dançado no interior desta. A
pisada do Coco de Roda resulta na conclusão do seu piso de terra batida.

Também são ambientalmente corretas, uma vez que utilizam materiais locais,
dispensando o transporte por longas distâncias, como acontece com os materiais
das construções convencionais. Além disso, nessas técnicas é utilizado o barro em
seu estado cru, ou seja, ele não é queimado como os tijolos de oito furos. Esses dois
fatores fazem com que essas técnicas sejam cada vez mais necessárias na corrida
para alcançarmos um desenvolvimento humano sustentável.

Essas culturas construtivas tem a característica de serem facilmente


apropriadas por qualquer pessoa, tornando-se um conhecimento universal e
93

facilmente assimilado pelos envolvidos na construção. Esse cenário possibilita a um


grupo ou comunidade, maior autonomia para construção de suas habitações,
executadas com o mínimo de auxílios externos. Por outro lado, se a estrutura estatal
despertasse para esse potencial poderia oferecer essa autonomia através de auxilio
técnico às comunidades, anulando o intermédio das construtoras convencionais nas
construções populares e, assim, enxugando bastante seus orçamentos.

Dessa maneira, o desafio para a arquitetura é expandir sua área de


conhecimento, resgatando técnicas ancestrais, rompendo com o preconceito de
relacionar pobreza ao uso desses materiais naturais, oferecendo, dessa forma,
subsídios técnicos para execução das obras, tirando partido dos materiais mais
abundantes em cada local de intervenção.

Que este trabalho, contribua, sobretudo, para motivar a valorização dessas


culturas construtivas e exaltá-las como ferramenta de desenvolvimento social e
qualidade de vida.


94

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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97

GLOSSÁRIO


Tijolos de Adobe
O tijolo de adobe é utilizado desde os primórdios da civilização, há, pelo
menos, 10.000 anos, e, segundo Rotondaro (2011), é um dos sistemas construtivos
mais empregados e difundidos no mundo, aproveitado tanto para a alvenaria quanto
para a cobertura das edificações, na forma de abóbodas e cúpulas. Existem
evidências de seu uso nas primeiras cidades e povoados da Mesopotâmia, assim
como em Creta, Egito, Oriente Médio e Sudoeste da Ásia. Como exemplo ancestral
do uso do adobe, temos as cidades de Catal Huyuk, na Turquia, com 8.000 anos,
Ganj-Dareh, no Irã, construída por volta de 7000 a.C, e Uruk, dos Sumérios, com
4.800 anos (ROTONDARO, 2011).
O adobe, segundo Rotondaro (2011), possui inúmeras vantagens no seu uso,
como a facilidade de fabricação; bom isolamento térmico; formas e dimensões
variáveis; grande capacidade de reciclagem; uso de mão de obra não especializada;
diversidade de uso exemplificada em paredes, arcos, abóbodas e cúpulas e imensa
disponibilidade enquanto matéria-prima. Dentre as desvantagens, podemos citar:
baixa resistência à tração e reflexão; esforço humano considerável para fabricação;
necessidade de grandes áreas para produção e estocagem e elevado grau de
porosidade.
Para confecção dos tijolos, usa-se uma massa plástica de barro lançada em
moldes ou formas estocados e secados à sombra. Para seu assentamento, utiliza-se
uma argamassa parecida com a dos tijolos (Fig. 131 e 132).


FIGURA 131: Moldagem dos tijolos de adobes FIGURA 132: Casa construída em adobe em Marizá,
Fonte: Acervo pessoal. Bahia.
Fonte: Acervo pessoal.

98

O solo utilizado para confecção dos tijolos de adobe deve ser, segundo
Rotondaro (2011), areno-argiloso com pouco silte. Ainda segundo o autor, se o solo
possuir muita argila, acontecerá retração na massa e, consequentemente, fissuras
nos tijolos ao secar. Se ele tiver alto teor de areia ou silte, faltará coesão interna e a
massa irá desagregar facilmente, diminuindo a resistência à compressão dos blocos.
Existem algumas dissidências em relação à porcentagem do solo, mas a norma
peruana NTE E 080 (SENCICO, 2000), fala em uma composição granulométrica de
argila - 10% a 20%, silte - 15% a 25% e areia - 55% a 70%.
Muitas vezes, adicionam-se alguns estabilizantes na massa com funções
específicas como fibras vegetais, estercos ou pelos de animais, para evitar fissuras
de retração, e emulsão asfáltica, para aumentar o grau de impermeabilização.
O processo de produção dos adobes pode ser dividido em quatro etapas:
preparação da terra e das adições; preparação da massa; moldagem dos adobes;
secagem e armazenamento.

Barro de preenchimento, técnica mista ou Taipa de Mão
A taipa de mão consiste em preenchermos uma trama de madeira ou bambu
com uma massa plástica de barro (Fig. 133). Para isso, é necessário o uso das
mãos (Fig. 134) e, dependendo da trama, duas pessoas preenchendo, ao mesmo
tempo: uma por dentro e outra por fora, fazendo o trabalho no mesmo local e ao
mesmo tempo. Parte do processo pode ser visto nas imagens a seguir, realizadas
durante um Curso de Bioconstrução facilitado pelo autor em Gravatá-PE.


FIGURA 133 – Trama para taipa amarrada com FIGURA 134 – Preenchimento de uma trama
cipó, Gravatá – PE. de taipa.
Fonte: Acervo pessoal. Fonte: Acervo pessoal.

99

Terra moldada, pães de barro ou Cob

O COB, ou pães de barro, consiste em uma construção monolítica, muito


resistente a abalos sísmicos, normalmente em formato orgânico, com muitas curvas.
Essa técnica foi muito utilizada na África, ancestralmente, na Europa, no início do
séc. XIX, e em lugares com grande ocorrência de abalos sísmicos. Faz-se a
alvenaria simplesmente empilhando a massa de barro, que terá um formato dado
pelo simples gesto de fazer um pão de barro. A massa deve ser colocada em toda
extremidade da edificação até atingir uma altura máxima cerca 50 cm por dia. Nesse
ponto, para-se a construção, que só recomeça no dia posterior. As paredes têm uma
largura inicial de cerca de 60 cm e final de 30 cm e recebem as vigas do telhado,
constituindo uma alvenaria estrutural que dispensa pilares (Fig. 135 e 136).


FIGURA 135 – Casa construída com cob. FIGURA 136 – Interior de uma casa construída com
Fonte: https:// www.minimalisti.com (acesso Cob.Fonte:https://www.frommoontomoon.blogspot.co
em 04/10/2016) m (acesso em 04/10/2016).

Terra Compactada ou Taipa de Pilão

Essa técnica foi utilizada em todo o mundo e é considerada a mais resistente


das metodologias de construção com terra. Consiste em pilar a terra dentro de uma
forma de molde, de maneira a gerarem-se paredes monolíticas de terra. No Brasil,
foi muito utilizada pelos bandeiristas quando da interiorização da colonização.


100


FIGURA 137 – Painel de taipa de pilão com FIGURA 138 – Construção com taipa de pilão.
taipal tradicional no Museu da Energia em Itu- Fonte:http://www.recriarcomvoce.com.br
SP. (acesso em 03/10/2016)
Fonte: Acervo pessoal.

Terra prensada ou tijolo de solo cimento


O tijolo de solo estabilizado ou solo cimento, também conhecido como solo-
cimento ou solo-cal, utiliza, em seu processo produtivo, o solo (argila e areia) e um
estabilizante, como cimento ou cal. A mistura deve ser compactada através de
prensa manual ou hidráulica (Fig. 139 e 140) e seca à sombra. O ideal é que a
produção ocorra no próprio local da obra, pois o barro necessário pode, na maioria
das vezes, ser conseguido com o nivelamento do terreno. Os tijolos produzidos
devem ser armazenados em um local específico no canteiro de obras, para o
processo de cura. Esse processo dura cerca de sete dias ou quinze dias para solo-
cal, período em que os tijolos são molhados. Depois desse tempo, o tijolo estará
pronto para ser utilizado.
São muitas as vantagens dessa técnica. Desde economia com os custos da
obra à preservação do meio ambiente, pois evitamos a emissão de poluentes na
atmosfera, decorrente da queima de árvores ou óleo combustível na produção de
tijolos cerâmicos e seu transporte. Outro fator importante é que não há perda de
material durante a produção ou eventual transporte, uma vez que os tijolos
defeituosos podem ser triturados e novamente prensados.
O tijolo de solo estabilizado, pode ser considerado uma transição para uma
nova forma de pensar e executar as construções, uma vez que é um produto
101

moderno, com ótimo nível de acabamento e dialoga com a tradição da construção


com terra.


FIGURA 139 – Máquinas manuais para FGIRA 140 – Tijolos prensados
prensagem dos tijolos. Fonte: Acervo pessoal.
Fonte: Acervo pessoal.

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