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Reflexão inicial: “Índios”?

A mera utilização – de resto inescapável... – da expressão “índios” para referirmo-


nos a esquimós, araucanos, comanches tupinambás e ianomâmis, entre outros povos
distintos, já constitui, em si, uma violência.

Seres humanos que se deslocaram para este continente, seja através da ponte de
gelo que existia entre a o estremo oriental do continente asiático e o estremo ocidental do
continente americano, ou seja, o Estreito de Bering, seja através de viagens sucessivas
em canoas através das ilhas Malaio-Polinésias, distanciam-se pelo menos quatrocentos
séculos da cultura européia. Quarenta mil anos de distanciamento cultural durante os
quais os povos destas terras não aprenderam a mentir, por exemplo. Quarenta mil anos
de superioridade moral. Quarenta mil anos de inferioridade bélica. Massacrados num
genocídio continental ao longo de meio milênio...
Imagine uma civilização tecnologicamente avançada que invadisse o planeta
Terra, mas ou menos como naquele filme “Independence Day”. Arrogantes, informariam
às autoridades de seu planeta natal que “descobriram”  uma terra totalmente nova, a
nossa Terra! Felizes com a beleza de nossas mulheres, a abundância de nossas riquezas
naturais passam a sistematicamente escravizar e tomar concubinas entre nossas mães,
irmãs, namoradas, filhas, esposas.
Os invasores passariam a nos impor as suas crenças religiosas desprezando as
nossas como inferiores, nos obrigariam a desmatar a Floresta Amazônica para levar
nossa madeira ao seu planeta natal, esvaziariam nossas reservas hídricas para levar
água ao seu planeta árido e outras atrocidades.
Como se não bastasse eles trariam consigo doenças terríveis, que matariam os
terráqueos em pouquíssimo tempo entre dores atrozes. Doenças infecciosas para as
quais eles teriam fortes resistências mas nós não...
Aqueles que resistissem seriam mortos simplesmente com suas pistolas de raios
ou armas ainda mais sofisticadas. De toda a forma, todos concordam que o mais sensato
num quadro assim é mesmo a resistência ao invasor; para não ser saqueado, para não
ter sua companheira estuprada, suas terras ou empresas tomadas ou pior, para não ser
escravizado ou morto., na melhor das hipóteses, julgados em ritos sumaríssimos e
condenados à morte de maneiras atrozes.
Passam-se os anos. Nas escolas do conquistador ensina-se que há muito tempo
chegaram os civilizadores de um povo idólatra, que havia assassinado seu próprio deus
crucificado, que vivia em guerra por motivos banais, que pregava o valor da verdade mas
mentia sempre, que buscava a ética mas vivia imerso em corrupção, etc. Trouxeram a
civilização e a paz entre aqueles que guerreavam entre si. Não falavam que o preço da tal
paz havia sido o extermínio brutal da maioria, cultural ou fisicamente suprimidos.

Assim fizeram os europeus com os primeiros habitantes destas terras. Ia escrever,


“primeiros donos destas terras”, mas este linguajar lhes seria estranho. Não se
consideravam “donos” de nada, menos que tudo da terra. Consideravam-se, como na
bela carta que o cacique Seattle escreveu ao Presidente Francis Pierce, “filhos da Terra”.
 
Em 1855, o cacique Seattle, da tribo Suquamish, do Estado de Washington, enviou
esta carta ao presidente dos Estados Unidos (Francis Pierce), depois de o Governo haver
dado a entender que pretendia comprar o território ocupado por aqueles índios. Faz já
147 anos. Mas o desabafo do cacique tem uma incrível atualidade. A carta: 
"Como podeis comprar ou vender o céu, a tepidez do chão? A idéia não tem
sentido para nós.
Nós não somos donos do frescor do ar ou o brilho da água, como podeis querer
comprá-los de nós? Qualquer parte desta terra é sagrada para meu povo. Qualquer folha
de pinheiro, qualquer praia, a neblina dos bosques, o brilhante e zumbidor inseto, tudo é
sagrado na memória e na experiência de meu povo. A seiva que percorre o interior das
árvores leva em si as memórias do homem vermelho.
Os mortos do homem branco esquecem a terra de seu nascimento, quando vão
vaguear entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta terra maravilhosa, pois
ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores
perfumadas são nossas irmãs, os gamos, os cavalos a majestosa águia, todos nossos
irmãos. Os picos rochosos, a fragrância dos bosques, a energia vital do pônei e do
homem, tudo pertence a uma só família.
Assim, quando o grande chefe em Washington manda dizer que deseja comprar
nossas terras, ele está pedindo muito de nós. O grande Chefe manda dizer que nos
reservará um sítio onde possamos viver confortavelmente por nós mesmos. Ele será
nosso pai e nós seremos seus filhos. Se é assim, vamos considerar a sua proposta sobre
a compra de nossa terra. Mas tal compra não será fácil, já que esta terra é sagrada para
nós.
A límpida água que percorre os regatos e rios não é apenas água, mas o sangue
de nossos ancestrais. Se vos vendermos a terra, tereis de lembrar a nossos filhos que ela
é sagrada, e que qualquer reflexo espectral sobre a superfície dos lagos evoca eventos e
fases da vida do meu povo. O marulhar das águas é a voz dos nossos ancestrais.
Os rios são nossos irmãos, eles nos saciam a sede. Levam as nossas canoas e
alimentam nossas crianças. Se vendermos nossa terra a vós, deveis vos lembrar e
ensinar a nossas crianças que os rios são nossos irmãos, vossos irmãos também, e
deveis a partir de então dispensar aos rios a mesma espécie de afeição que dispensais a
um irmão.
Nós mesmos sabemos que o homem branco não entende nosso modo de ser.
Para ele um pedaço de terra não se distingue de outro qualquer, pois é um estranho que
vem de noite e rouba da terra tudo de que precisa. A terra não é sua irmã, mas sua
inimiga, depois que a submete a si, que a conquista, ele vai embora, à procura de outro
lugar. Deixa atrás de si a sepultura de seus pais e não se importa. A cova de seus pais é
a herança de seus filhos, ele os esquece. Trata a sua mãe, a terra, e seus irmãos, o céu
como coisas a serrem comprados ou roubados, como se fossem peles de carneiro ou
brilhantes contas sem valor. Seu apetite vai exaurir a terra, deixando atrás de si só
desertos. Isso eu não compreendo. Nosso modo de ser é completamente diferente do
vosso. A visão de vossas cidades faz doer aos olhos do homem vermelho.
Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e como tal, nada possa
compreender.
Nas cidades do homem branco não há um só lugar onde haja silêncio, paz. Um só
lugar onde ouvir o farfalhar das folhas na primavera, o zunir das asas de um inseto.
Talvez seja porque sou um selvagem e não possa compreender.
O barulho serve apenas para insultar os ouvidos. E que vida é essa onde o
homem não pode ouvir o pio solitário da coruja ou o coaxar das rãs à margem dos
charcos à noite? O índio prefere o suave sussurrar do vento esfrolando a superfície das
águas do lago, ou a fragrância da brisa, purificada pela chuva do meio-dia ou aromatizada
pelo perfume dos pinhos.
O ar é precioso para o homem vermelho, pois dele todos se alimentam. Os
animais, as árvores, o homem, todos respiram o mesmo ar. O homem branco parece não
se importar com o ar que respira. Como um cadáver em decomposição, ele é insensível
ao mau cheiro. Mas se vos vendermos nossa terra, deveis vos lembrar que o ar é
precioso para nós, que o ar insufla seu espírito em todas as coisas que dele vivem. O ar
que vossos avós inspiraram ao primeiro vagido foi o mesmo que lhes recebeu o último
suspiro.
Se vendermos nossa terra a vós, deveis conservá-la à parte, como sagrada, como
um lugar onde mesmo um homem branco possa ir sorver a brisa aromatizada pelas flores
dos bosques.
Assim consideraremos vossa proposta de comprar nossa terra. Se nos decidirmos
a aceitá-la, farei uma condição: O homem branco terá que tratar os animais desta terra
como se fossem seus irmãos.
Sou um selvagem e não compreendo de outro modo. Tenho visto milhares de
búfalos a apodrecerem nas pradarias, deixados pelo homem branco que neles atira de um
trem em movimento.
Sou um selvagem e não compreendo como o fumegante cavalo de ferro possa
ser mais importante que o búfalo, que nós caçamos apenas para nos mantermos vivos.
Que será dos homens sem os animais? Se todos os animais desaparecem, o
homem morreria de solidão espiritual. Porque tudo isso pode cada vez mais afetar os
homens. Tudo está encaminhado.
Deveis ensinar a vossos filhos que o chão onde pisam simboliza a as cinzas de
nossos ancestrais. Para que eles respeitem a terra, ensinai a eles que ela é rica pela vida
dos seres de todas as espécies. Ensinai a eles o que ensinamos aos nossos: Que a terra
é a nossa mãe. Quando o homem cospe sobre a terra, está cuspindo sobre si mesmo. De
uma coisa nós temos certeza: A terra não pertence ao homem branco; O homem branco é
que pertence à terra. Disso nós temos certeza. Todas as coisas estão relacionadas como
o sangue que une uma família. Tudo está associado. O que fere a terra fere também aos
filhos da terra.
O homem não tece a teia da vida: É antes um dos seus fios. O que quer que faça
a essa teia, faz a si próprio.
Mesmo o homem branco, a quem Deus acompanha e com quem conversa como
um amigo, não pode fugir a esse destino comum. Talvez, apesar de tudo, sejamos todos
irmãos.
Nós o veremos. De uma coisa sabemos, é que talvez o homem branco venha a
descobrir um dia: Nosso Deus é o mesmo deus.
Podeis pensar hoje que somente vós o possuis, como desejais possuir a terra,
mas não podeis. Ele é o Deus do homem e sua compaixão é igual tanto para o homem
branco, quanto para o homem vermelho.
Esta terra é querida dele, e ofender a terra é insultar o seu criador. Os brancos
também passarão talvez mais cedo do que todas as outras tribos. Contaminai a vossa
cama, e vos sufocareis numa noite no meio de vossos próprios excrementos.
Mas no nosso parecer, brilhareis alto, iluminado pela força do Deus que vos
trouxe a esta terra e por algum favor especial vos outorgou domínio sobre ela e sobre o
homem vermelho. Este destino é um mistério para nós, pois não compreendemos como
será no dia em que o último búfalo for dizimado, os cavalos selvagens domesticados, os
secretos recantos das florestas invadidos pelo odor do suor de muitos homens e a visão
das brilhantes colinas bloqueada por fios falantes.
Onde está o matagal? Desapareceu. Onde está a águia? Desapareceu. O fim do
viver e o início do sobreviver."
Os bororo, ao ouvirem os portugueses fazer proposta parecida (o que era raro,
em geral tomavam as terras violentamente e ponto final) retrucavam: “mas para onde é
que vocês pretendem levar esta terra toda?” Não podiam compreender que havia uma
proposta de comprar sua mãe-terra. Como entender que alguém se proponha a pagar um
preço pela sua mãe???

Pindorama
  
De todo o modo, as questões “quem são?”, “de onde vieram”?, para onde vão?”
seguem sem resposta concreta cinco séculos depois do primeiro encontro. Os índios
brasileiros permanecem um mistério para o homem branco. Não se pode afirmar com
certeza de onde vieram, embora a teoria da migração via estreito de Bering continue
sendo a mais provável – mesmo tendo perdido a primazia e, principalmente, a
exclusividade. Quando teriam chegado à América também é assunto ainda polêmico: 12
mil, 18 mil ou 53 mil anis atrás? Ninguém sabe ao certo. Sabe-se apenas que aqui
estavam.
De qualquer forma, sua simples presença já era um enigma. Quem seriam
aqueles homens “nus, pardos, ele bons narizes e bons corpos”, que negros não eram,
nem mouros, nem hindus? Descenderiam de qual das doze tribos de Israel? Ou de qual
dos três filhos de Noé? Teriam alma? Em caso afirmativo, como poderiam ter vivido tanto
tempo à margem de Deus?
Cristóvão Colombo decidira chamá-los de índios – mas índios os portugueses
sabiam que não eram. O que seriam então esses “negros da terra”? Bons selvagens,
como sugeriu Pero Vaz de Caminha (e os filósofos Rousseau, Montaigne e Diderot
ecoaram), ou antropófagos bestiais, como quiseram outros cronistas? Defini-los de que
forma se alguns eram brutais e intratáveis, como os aimorés – que comiam carne humana
“por mantimento e não por vingança ou pela antiguidade de seus ódios” –, e outros tão
mansos e pacíficos, como os carijós, “o melhor gentio da costa”?
Passados pouco mais de 500 anos de convivência sempre conflituosa o índio
continua sendo pouco mais do que um mito brasileiro. Afinal, são defensores da ecologia,
como o caiapó Paulinho Paiakan, ou apenas selvagens “estupradores”... como Paulinho
Paiakan? São pessimistas incuráveis, que se suicidam por puro desespero, como os
guaranis-caiovás ou empresários bem sucedidos, como os caiapós? Podem ser três,
como os xetás, ou 23 mil como os ticunas. Para onde vão? A resposta não de pende
deles.
A história brasileira não registra um único herói indígena – nem aqueles que
ajudaram os portugueses a conquistar a terra, como Tibiriçá, que salvou São Paulo; -
Araribóia, que venceu os franceses, ou Felipe Camarão, que bateu os holandeses. Não
há um só atleta ou escritor nativo. Houve um político indígena, o cacique Mário Juruna,
mas ele foi abandonado em Brasília. Raoni é um herói, mas não no Brasil – é um herói de
Sting, o "pop-star" cheio de boas intenções e má consciência. Raoni se tornou só uma
imagem. Uma imagem tão incongruente quanto a do quadro “O Último Tamoio”... Nenhum
jesuíta jamais chorou a morre do ultimo tamoio, que eram aliados dos franceses e foram
traídos pelos padres. Haverá alguém para chorar pelo último ianomâmi?
 
A antropofagia entre os tupinambás
 
De todos os "costumes bárbaros" dos índios brasileiros quando da chegada dos
colonizadores ao Novo Mundo, nenhum se revelou mais espantoso aos olhares europeus
do que a antropofagia. Ainda que o canibalismo não fosse prerrogativa dos indígenas e já
houvesse, em plena Europa, o registro de casos ocorridos em épocas de crise, nada
conhecido até então se comparava aos requintes tétricos do banquete antropofágico tal
como realizado por quase todos os tupis e tapuias.
A morte ritualizada e a deglutição eucarística dos cativos representavam o ponto
culminante de uma cerimônia cujo sacramento maior, e o objetivo quase único, era a
vingança. O festim canibal foi minuciosamente descrito por cronistas coloniais, entre os
quais os padres franceses Jean de Léry, André Thevet e Claude d' Abbeville. A narrativa
mais impressionante, porém, foi feita pelo mercenário alemão Hans Staden, prisioneiro
dos tupinambás entre 1554 e 1557. Graças a eles é possível reconstituir, passo a passo,
as etapas do banquete.
A vítima era capturada no campo de batalha e pertencia àquele que primeiro a
houvesse tocado. Triunfalmente conduzido à aldeia do inimigo, era insultado e maltratado
por mulheres e crianças. Tinha de gritar: "Eu, vossa comida, cheguei". Após essas
agressões, porém, era bem tratado, recebia como companheira uma irmã ou filha de seu
captor e podia andar livremente – fugir era uma ignomínia impensável. O cativo passava a
usar uma corda presa ao pescoço: era o calendário que indicava o dia de sua execução, o
qual podia prolongar-se por muitas luas (e até por vários anos). Quando a data fatídica se
aproximava, os guerreiros preparavam ritualmente a clava com a qual a vítima seria
abatida. A seguir, começava o ritual, que se estendia por quase uma semana e do qual
participava toda a tribo, das mulheres aos guerreiros, dos mais velhos aos recém-
nascidos.
            Na véspera da execução, ao amanhecer, o prisioneiro era banhado e
depilado. Depois, deixavam-no "fugir", apenas para recapturá-lo em seguida. Mais tarde,
o corpo da vítima era pintado de preto, untado de mel e recoberto por plumas e cascas de
ovos. Ao pôr-do-sol iniciava-se uma grande beberagem de cauim -um fermentado de
mandioca.
No dia seguinte, pela manhã, o carrasco avançava pelo pátio, dançando e
revirando os olhos. Parava em frente ao prisioneiro e perguntava: "Não pertences ã
nação... (tal ou qual), nossa inimiga? Não mataste e devoraste, tu mesmo, nossos
parentes?” Altiva, a vítima respondia: ”Sim, sou muito valente, matei e devorei muitos...”
Replicava então o executor:” Agora estás em nosso poder; logo serás morto por mim e
devorado por todos". Para a vítima, aquele era um momento glorioso, já que os índios
brasileiros consideravam o estômago do inimigo a sepultura ideal. O carrasco desferia
então um golpe de tacape na nuca da vítima. Velhas recolhiam, numa cuia, o sangue e os
miolos: o sangue devia ser bebido ainda quente. A seguir, o cadáver era assado e
escaldado, para permitir a raspagem da pele. Introduzia-se um bastão no ânus, para
impedir a excreção. Os membros eram esquartejados e, depois de feita uma incisão na
barriga do cadáver, as crianças eram convidadas a devorar os intestinos. A seguir,
retalhava-se o tronco, pelo dorso. Língua e miolos eram destinados aos jovens. Os
adultos ficavam com a pele do crânio e as mulheres com os órgãos sexuais. As mães
embebiam o bico dos seios em sangue e amamentavam os bebês. As crianças eram
encorajadas a besuntar as mãos no sangue vertente e celebrar a consumação da
vingança. Os ossos do morto eram preservados: o crânio, fincado numa estaca, ficava
exposto em frente da casa do vencedor; os dentes eram usados como colar e as tíbias
transformavam-se em flautas e apitos.
 
A População Nativa

Jamais se saberá com certeza, mas quando os portugueses chegaram à Bahia os


índios brasileiros somavam mais de 2 milhões – quase três, segundo alguns autores.
Agora, dizimados por, gripe, sarampo e varíola, escravizados aos milhares e
exterminados pelas guerras tribais e pelo avanço da civilização, não passam de 325.632 –
menos do que dois Maracanãs lotados... Ainda assim, são 215 nações e 170 línguas
diferentes. As tribos mais ameaçadas de extinção são as xetás, do Paraná (restam
apenas três indivíduos), os junas do Amazonas (sete) e os avá-canoeiros (14, dos quais
só seis contados). As tribos mais numerosas são os ticunas (23 mil índios), os xavantes e
os caiapós. A idade média dos índios brasileiros é 17,5 anos, porque mais da metade da
população tem menos de 15 anos. A expectativa de vida é de 45,6 anos, e a mortalidade
infantil é de 150 para cada mil nascidos. Existem pelo menos 50 grupos que jamais
mantiveram contato com o homem branco, 41 dos quais sequer se sabe onde vivem,
embora seu destino já pareça traçado: a extinção.

Palavras de índios
Uma velha Wintu religiosa fala com tristeza da destruição brutal e desnecessária
de sua terra pelos brancos...

“O homem branco jamais se preocupou com a terra, nem com o veado, nem
com o urso. Quando nós, índios, matamos um animal, comemos ele todo. Quando
queremos arrancar uma raiz, fazemos pequenos buracos no chão. Quando construímos
casas, também fazemos pequenos buracos. Quando queimamos a erva contra os
gafanhotos, não arruinamos tudo. Recolhemos as bolotas e as pinhas. Não derrubamos
árvores. Usamos apenas madeira morta. Mas os brancos reviram a terra, arrancam as
árvores, matam tudo. A árvore diz “Não! Eu sou sensível. Não me fira”. Mas eles a
derrubam e a cortam em pedaços. O espírito da terra os odeia. Eles destroem as árvores
e as puxam pelas entranhas. Eles serram as árvores. Isto as fere. Os índios nunca ferem
nada, enquanto os brancos destroem tudo. Explodem rochas e as espalham pelo chão. A
pedra diz “Não! Você está me ferindo”. Mas o branco não presta atenção. Quando os
índios usam pedras, escolhem as menores e arredondadas que servem para a cozinha.
Como é que o espírito da terra pode gostar do homem branco? Onde o branco põe a mão
há sofrimento.”

Hehaka Sapa, ou Alce Negro, chefe e místico Sioux Oglala explica-nos a


importância e o simbolismo do círculo para o índio...

“Vocês já perceberam que tudo o que um índio faz está dentro de um círculo, isto
porque o Poder do Mundo trabalha sempre em círculos e as coisas todas tentam ser
redondas. Nos velhos dias, quando ainda éramos um povo forte e feliz, o nosso poder
provinha do anel sagrado da nação, e enquanto este anel manteve-se intacto o povo
floresceu. A árvore florida era o centro vivo do anel e o círculo dos quatro quadrantes a
alimentava. O leste trazia a paz e a luz; o sul, o calor; o oeste, a chuva; e o norte, com
seu vento rijo e frio, trazia a força e a paciência. Este conhecimento foi a religião que nos
trouxe do mundo exterior. Tudo o que o Poder do Mundo faz é feito em círculo. O céu e
redondo e ouvi dizer que a terra é redonda como a bola, e as estrelas também. O vento,
no seu máximo poder, rodopia. Os pássaros constroem ninhos em círculos, pois a religião
deles é igual à nossa. O sol vem e vai num círculo, como a lua, e ambos são redondos.

Mesmo as estações formam um grande círculo em suas mudanças, voltando


sempre ao ponto em que estiveram. A vida de um homem é um círculo de infância a
infância, e assim em tudo o que o poder move. Nossas tendas eram redondas como os
ninhos dos pássaros e dispostas em círculo, o anel da nação, um ninho de muitos ninhos
que o Grande Espírito nos deu para gerar nossos filhos.”

Um chefe índio Gaspesian (atualmente Micmac), no ano de 1676, dirige-se a um


grupo de capitães franceses na Nova Escócia, rebatendo suas afirmações sobre a
superioridade da civilização francesa...

Quero que todos saibam que não estou disposto a vender parte alguma de minha
terra, nem quero os brancos cortando nossas árvores ao longo dos rios, sobretudo o
carvalho. Tenho uma predileção especial pelos pequenos bosques de carvalhos. Gosto
de olhar para eles, porque suportam as tempestades de inverno e os calores do verão, e -
da mesma forma que nós - parecem florescer por causa disso.
Tatanka Yotanka, ou Touro Sentado, guerreiro Sioux.

"Vocês nos censuram injustamente, alegando que nosso país é um pequeno


inferno na terra em contraste com a França, um paraíso terrestre, já que possui, como
dizem, todo tipo de provisão em abundância. Também afirmam que somos os mais
miseráveis e infelizes dos homens, vivendo sem religião, sem educação, sem honra, sem
ordem social, numa palavra, sem regras, como os animais dos bosques e florestas,
privados de pão, vinho e uma infinidade de outros confortos que são comuns na Europa.
Bem, irmãos, se ainda não sabem o que os índios realmente pensam do vosso país e das
vossas nações, eu vou dizer agora.

Peço que acreditem, por mais que pareçamos miseráveis aos olhos de vocês que
nos julgamos muito mais felizes, porque nos contentamos com o pouco que temos. Vocês
se decepcionarão enormemente se pensam em nos convencer de que vosso país é
melhor do que o nosso. Se a França fosse um paraíso terrestre como estão dizendo, seria
sensato deixá-la? Por que abandonariam mulheres, filhos, parentes e amigos ? Por que
arriscariam a vida e as propriedades? E por que se entregariam, com todos esses
perigos, às tempestades e tormentas no mar, a fim de chegar a uma terra estranha e
bárbara que consideram a mais pobre e menos afortunada do mundo? Quanto á nós, que
estamos convencidos do contrário, dificilmente iríamos à França, pois temos boas razões
para acreditar que lá encontraríamos pouca satisfação, visto que os próprios franceses a
abandonam para vir enriquecer em nossas praias. Além disso acreditamos que vocês são
incomparavelmente mais pobres do que nós, e não passam de simples operários, criados,
servos e escravos, ainda que aparentem ser grandes senhores e capitães, pois vemos
que se glorificam em nossos velhos trapos, vestindo as miseráveis peles de castor que já
nem mais usamos, da mesma forma que vêm pescar conosco o bacalhau para encontrar
o sustento e o conforto à miséria e à pobreza que os oprime. Nós, em contrapartida,
encontramos todas as riquezas e comodidades entre nós mesmos, sem confusão, sem
expor nossas vidas aos perigos que enfrentam constantemente em suas longas viagens.
E se, de um lado, nos compadecemos de vocês na doçura de nosso repouso, de outro
ficamos espantados com as atribulações que passam, dia e noite, a fim de carregar seus
navios. Percebemos que vocês vivem, de um modo geral, apenas do bacalhau que
pescam. Eternamente bacalhau de manhã, ao meio-dia, à noite, sempre bacalhau. A tal
ponto que, se querem comer algo melhor, é às nossas custas. Pois vocês são obrigados a
recorrer aos índios, que tanto desprezam, e a acompanhá-los nas caçadas, das quais
tiram proveito. Agora digam-me apenas isto, se ainda possuem bom senso: qual dos dois
é o mais sábio e o mais feliz? O que trabalha sem cessar e só consegue, com muito
esforço, o bastante para sobreviver, ou aquele que descansa na tranqüilidade e tem tudo
o que precisa no prazer da caça e dá pesca?

É verdade que jamais fabricamos o pão e o vinho que a vossa França produz.
Antes, porém, da chegada dos franceses a está terra, não viviam os Gaspesian muito
mais do que agora? Se já não temos nenhum daqueles velhos de 130 a 140 anos é
porque vamos adotando aos poucos vossa maneira de viver. A experiência mostra que os
mais longevos dentre nós são aqueles que dispensam o pão, o vinho e a aguardente de
vocês, contentando-se com a alimentação natural de castor, veado, ave aquática e peixe,
conforme os costumes dos nossos ancestrais e de toda a nação Gaspesian. Saibam,
portanto, de uma vez por todas; quero abrir meu coração a vocês, irmãos: não há um
índio sequer que não se considere infinitamente mais feliz e mais saudável que os
franceses.
Adario, chefe Huron no século XVII, era também conhecido por Kondiaronk (seu
nome índio) e O Rato (como lhe chamavam os franceses) . Possui a grande reputação de
bravura e sagacidade, e teve participação destacada na Guerra do Frontenac (1689 -
1697) - uma série de conflitos entre franceses e ingleses, e entre os franceses com seus
aliados índios e os Iroqueses. Sua habilidade diplomática e em confederar as tribos fez
dele um aclamado pacificador. Morreu em Montreal durante uma importante conferência
de paz em 1701. Adario viajou muito:

“Estive na França, em Nova Iorque e em Quebec, disse ele, estudando os


costumes e as doutrinas dos ingleses e franceses”. O seguinte discurso foi feito por
Adario diante do barão de Lahontan, um explorador francês, e do governador da colônia
francesa de Placentia, na Terra Nova, Canadá. Lahontan havia acabado de dizer a Adario
que, sem punir os maus e premiar os bons, o crime se espalharia por toda aparte e o
homem branco em breve se tornaria o povo mais miserável da terra. Adario responde,
dizendo como vê as leis do homem branco.

“Não, vocês já são bastante miseráveis, não vejo como possam se tornar ainda
mais. Que espécie de homens são os europeus? Que espécie de valores cultivam? Os
europeus, forçados a fazer o Bem e não podendo evitar o Mal a não ser pelo medo da
Punição... Se lhe perguntasse o que é um homem, você me responderia: “É um francês”.
No entanto posso provar que seu Homem é muito mais um Castor. Porque o Homem não
merece este nome por saber andar sobre duas pernas, ou por saber ler e escrever, ou por
exibir mil outros sinais de sua inteligência, . .

Quem lhes deu as terras que agora habitam? Com que direito as possuem? Elas
sempre foram dos Algonkin. Na verdade, meu irmão, sinto pena de você do fundo de
minha alma. Ouça o meu conselho e torne-se um Huron. Pois vejo uma enorme diferença
entre sua condição e a minha. Eu sou senhor do meu próprio corpo, disponho absoluta-
mente de mim mesmo, faço o que eu quero, sou o conjunto da minha nação, não temo
nenhum homem e só dependo do Grande Espírito. Enquanto que o seu corpo, como a
sua alma, estão condenados à dependência dos seus superiores, às ordens do vice-rei.
Você não tem a liberdade de fazer o que pensa, tem medo de ladrões, assassinos, falsas
testemunhas, etc., e depende de uma. infinidade de pessoas que estão acima de você. E
verdade ou não é?
Chefe Curly, um índio Pawnee, relata um dos primeiros contatos entre seupovo e
os europeus, entre 1800 e 1820.

“Ouvi dizer que houve um tempo, há muito tempo, em que só havia índios nesta
terra. Depois se ouviu falar de homens que tinham a pele branca; haviam sido avistados a
leste. Antes de eu nascer, vieram à nossa terra e nos visitaram. O homem que veio era do
governo. Queria fazer um tratado conosco e nos trouxe presentes, cobertores,
espingardas, pederneiras, ferro e facas.

Nosso chefe disse a ele que não precisávamos de nenhuma daquelas coisas.
"Temos o búfalo e o milho, que o Soberano nos deu, e é tudo o que precisamos. Veja
esta roupa: ela me aquece no inverno. Não preciso de cobertor", ele falou.
O homem branco trazia consigo algumas reses e o chefe Pawnee disse: “Solte
um novilho aqui no campo!” Quando a rês foi solta, o chefe disparou uma flecha que a
atingiu no quarto dianteiro, matando-a. "Viu como a flecha mata?" disse o chefe.
"Não preciso de suas espingardas. " Em seguida pegou uma faca de pedra e esfolou o
animal, cortando um naco de carne gorda. Ao fazer isso, disse: "Por que usar suas facas?
O Soberano deu-me com que cortar" .

Tomando enfim as madeiras de acender fogo, fez uma fogueira para assar a
carne e, enquanto ela cozinhava, falou: "Você está vendo, meu irmão, que o Soberano
nos deu tudo o que precisamos para obter a carne ou cultivar a terra. Agora volte ao lugar
de onde veio. Não queremos seus presentes e também não o queremos aqui.”

O chefe de um dos principais grupos de índios Pés-Pretos rejeita os valores


monetários do homem branco, respondendo aos delegados norteamericanos que lhe
pedem para assinar um dos primeiros contratos de venda de terra na região de Milk River,
perto da fronteira norte-noroeste de Montana.

“Nossa terra vale mais do que seu dinheiro. Ela irá durar para sempre. Nem
mesmo as chamas do fogo poderão destruí-la. Enquanto o sol brilhar e as águas
correrem, ela continuará aqui dando vida aos homens e aos animais. Não podemos
vender as vidas dos homens e dos animais; portanto, não podemos vender essa terra. Foi
o Grande Espírito que a destinou para nós e não podemos vendê-la porque não nos
pertence. Vocês podem contar seu dinheiro - e guardá-lo no chifre de um búfalo, mas só o
grande Espírito pode contar os grãos de areia e as folhas de grama desta planície. Nós
daremos de presente o que quiserem. Mas a terra, jamais.

A orgulhosa tribo dos Nez Percé (Nariz Furado) era chefiada por um homem
notável chamado Hin-mah-too yah-lat-kekht, ou Trovão-das-Alturas-Sublimes-da-
Montanha, ou apenas Chefe Joseph, referido anteriormente numa passagem em que
descreve a morte do pai. Seu amor pela terra natal era inesgotável, e Chefe Joseph
perseverava no esforço de permanecer nos vales e montanhas em que havia nascido.
Neste trecho ele deixa claro (como costumava fazer) seus sentimentos com relação à
propriedade da terra.

A terra foi criada com o auxílio do sol e deveria ser deixada como está... O campo
foi feito sem linhas de demarcação e não compete ao homem demarcá-lo... Vejo os
brancos por toda a parte buscando riquezas, e vejo que querem nos dar terras sem
valor... A terra e eu somos uma coisa só. A medida da terra e a medida de nossos corpos
é á mesma. Digam-nos, se puderem, que o Poder Criador os enviou para falar conosco.
Vocês talvez pensem que foram enviados para fazer de nós o que bem entenderem. Se
eu achasse que foi o Criador quem os mandou, consentiria que vocês têm direitos sobre
mim. Não interpretem mal meu sentimento de amor à terra. Eu nunca disse que a terra
era minha para fazer com ela o que eu quisesse. O único com direito a dispor da terra e
aquele que a criou. O que exijo é o direito de viver em minha terra e lhes concedo o
privilégio de viverem na de vocês.

Smohalla, fundador da religião do sonhador, nasceu entre 1815 e 1820 e


pertencia aos Sokulk, pequena tribo dos Nez Percé que vivia em Priest Rapids, margem
oriental do rio Columbia, no Estado de Washington Smohalla destacou-se como guerreiro,
começando a seguir a pregar a “religião do sonhador”.

O Chefe Joseph dos Nez Percé, adepto da sua “religião do sonhador” propunha e
preconizava um retorno às concepções nativas, particularmente as da Terra-Mãe benigna,
os sonhos sendo a única fonte de poder sobrenatural. O texto a seguir mostra alguns
aspectos da doutrina, que atraiu muitos adeptos, entre os jovens:

“Meus jovens não devem trabalhar. Os homens que trabalham não podem
sonhar, e a sabedoria nos vem através dos sonhos.

Vocês me pedem para lavrar a terra. Devo então pegar uma faca e enterrá-la no
peito de minha mãe? Assim, quando eu morrer, não poderei entrar em seu seio para
descansar.

Vocês me pedem para cavar à procura de pedras. Devo então rasgar-lhe a pele
para arrancar seus ossos? Assim, quando eu morrer, não poderei entrar em seu corpo
para nascer de novo.

Vocês me pedem para cortar o capim, fazer o feno, vendê-lo e ficar rico como o
homem branco. Mas como posso cortar os cabelos de minha mãe?”

A Carta do Cacique Seattle, em 1855

Chefe Sioux Touro Sentado - Clique sobre a imagem para vê-la ampliada

Em 1855, o cacique Seattle, da tribo Suquamish, do Estado de Washington,


enviou esta carta ao presidente dos Estados Unidos (Francis Pierce), depois de o
Governo haver dado a entender que pretendia comprar o território ocupado por aqueles
índios. Faz já 147 anos. Mas o desabafo do cacique tem uma incrível atualidade. A carta:

"O grande chefe de Washington mandou dizer que quer comprar a nossa terra.
O grande chefe assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é gentil de
sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Nós vamos pensar na
sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e
tomará a nossa terra. O grande chefe de Washington pode acreditar no que o chefe
Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na
mudança das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas, elas não empalidecem.
Como pode-se comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia é estranha.
Nós não somos donos da pureza do ar ou do brilho da água. Como pode então comprá-
los de nós? Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo. Toda esta terra é
sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias de areia, cada véu de
neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas
tradições e na crença do meu povo.
Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele
um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba
da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de
exaurí-la ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a
terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua
ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas cidades são um
tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem
vermelho um selvagem que nada compreende.
Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se
possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos.
Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é terrível para os
meus ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do
corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo à noite? Um índio prefere o suave
sussurro do vento sobre o espelho d'água e o próprio cheiro do vento, purificado pela
chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho,
porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar, animais, árvores, homens. Não parece
que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo, ele é
insensível ao mau cheiro.
Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os
animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa
ser de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados pelo
homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não
compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso que um bisão,
que nós, peles vermelhas matamos apenas para sustentar a nossa própria vida. O que é
o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem os homens morreriam de
solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os
homens. Tudo quanto fere a terra, fere também os filhos da terra.
Os nossos filhos viram os pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros
sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio e
envenenam seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande
importância onde passaremos os nossos últimos dias. Eles não são muitos. Mais algumas
horas ou até mesmo alguns invernos e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram
nestas terras ou que tem vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para
chorar, sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança
como o nosso.
De uma coisa sabemos, que o homem branco talvez venha a um dia descobrir: o
nosso Deus é o mesmo Deus. Julga, talvez, que pode ser dono Dele da mesma maneira
como deseja possuir a nossa terra. Mas não pode. Ele é Deus de todos. E quer bem da
mesma maneira ao homem vermelho como ao branco. A terra é amada por Ele. Causar
dano à terra é demonstrar desprezo pelo Criador. O homem branco também vai
desaparecer, talvez mais depressa do que as outras raças. Continua sujando a sua
própria cama e há de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios dejetos. Depois de
abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas
misteriosas federem à gente, quando as colinas escarpadas se encherem de fios que
falam, onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora.
Restará dar adeus à andorinha da torre e à caça; o fim da vida e o começo pela luta pela
sobrevivência.
Talvez compreendêssemos com que sonha o homem branco se soubéssemos
quais as esperanças transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais visões do
futuro oferecem para que possam ser formados os desejos do dia de amanhã. Mas nós
somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E por serem
ocultos temos que escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos na venda é para
garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos viver os nossos últimos dias
como desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança
não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo
continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-
nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra, ama-a como
nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueça como era a terra
quando dela tomou posse. E com toda a sua força, o seu poder, e todo o seu coração,
conserva-a para os seus filhos, e ama-a como Deus nos ama a todos. Uma coisa
sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o
homem branco pode evitar o nosso destino comum."

O interesse pelo Oriente – A armada de Pedro Álvares Cabral, em verdade,


dirigia-se às “Índias” mas, seja acaso, tormentas, calmarias ou por propósito (o mais
provável) chegou ao Brasil em 1500. Apesar de ter tomado posse da terra em nome do rei
de Portugal, o principal interesse da monarquia, enfatize-se estava voltado para o Oriente,
onde estavam as tão cobiçadas especiarias.

O “Achamento”

A Carta de Pero Vaz de Caminha fala em “achamento” destas terras, não fala em
“descobrimento” ou “casualidade”. Tudo indica que, realmente, procuravam alguma terra,
e a acabaram “achando”... O relato abaixo permite-nos uma idéia de como aconteceu este
“achamento” segundo relatos de marujos da esquadra cabralina.

Na terça-feira à tarde, foram os grandes emaranhados de “ervas compridas a que


os mareantes dão o nome de rabo-de-asno”. Surgiram flutuando ao lado das naus e
sumiram no horizonte. Na quarta-feira pela manhã, o vôo dos fura-buchos – uma espécie
de gaivota – rompeu o silêncio dos mares e dos céus, reafirmando a certeza de que a
terra se encontrava próxima. Ao entardecer, silhuetados contra o fulgor do crepúsculo,
delinearam-se os contornos arredondados de “um grande monte”, cercado por terras
planas, vestidas de um arvoredo denso e majestoso.

Era 22 de abril ale 1500. Depois de 44 dias de viagem, a frota de Pedro Álvares
Cabral vislumbrava terra – mais com alívio e prazer do que com surpresa ou espanto. Nos
nove dias seguintes, nas enseadas generosas rio sul da Bahia, os 13 navios da maior
amada já enviada às índias pela rota descoberta por Vasco da Gama permaneceriam
reconhecendo a nova terra e seus habitantes.

O primeiro contato, amistoso como os demais, deu-se já no dia seguinte, quinta-


feira, 23 de abril. O capitão Nicolau Coelho, veterano das Índias e companheiro de Gama,
foi a terra, em um batel, e deparou com 18 homens “pardos, nus, com arcos e setas nas
mãos”. Coelho deu-lhes um gorro vermelho, uma carapuça de linho e um sombreiro preto.
Em troca, recebeu um cocar de plumas e um colar de contas brancas. O Brasil, batizado
Ilha de Vera Cruz, entrava, naquele instante, no curso da História.

O descobrimento oficial do país está registrado com minúcia. Poucas são as


nações que possuem uma “certidão de nascimento” tão precisa e fluente quanto a carta
que Pero Vaz de Caminha enviou ao rei de Portugal, dom Manuel, relatando o
“achamento” da nova terra. Ainda assim, uma dúvida paira sobre o amplo desvio de rota
que conduziu a armada de Cabral muito mais para oeste do que o necessário para chegar
à Índia. Teria sido o descobrimento do Brasil um mero acaso?

É provável que a questão jamais venha a ser esclarecida. No entanto, a


assinaturas do Tratado de Tordesilhas, que, seis anos antes, dera si Portugal a posse das
terras que ficassem a 370 léguas (em torno de 2.000 quilômetros) a oeste de Cabo Verde
explique a naturalidade com que a nova terra foi avistada, o conhecimento preciso das
correntes e das rotas, as condições climáticas durante a viagem e a alta probabilidade de
que o país já tivesse sido avistado anteriormente parecem ser a garantia de que o
desembarque, naquela manhã de abril de 1500, foi mera formalidade: Cabral poderia
estar apenas tomando posse de uma terra que os portugueses já conheciam, embora
superficialmente. Uma terra pela qual ainda demorariam cerca de meio século para se
interessarem de fato.
Os Tupiniquins

Ao longo dos dez dias que passou no Brasil, a armada de Cabral tomou
contato com cerca de 500 nativos.

Eram, se saberia depois, tupiniquins – uma das tribos do grupo tupi-guarani que,
no início do século 16, ocupava quase todo o litoral do Brasil. Os tupis-guaranis tinham
chegado à região numa série de migrações de fundo religioso (em busca da “Terra sem
Males”, no começo da Era Cristã. Os tupiniquins viriam no sul da Bahia e nas cercanias
de Santos e Bertioga, em São Paulo. Eram uns 85 mil. Por volta de 1530, uniram-se aos
portugueses na guerra contra os tupinambás-tamoios, aliados dos franceses. Foi uma
aliança inútil: em 1570 já estavam praticamente extintos, massacrados par Mem de Sá,
terceiro governador-geral do Brasil.

Primeiras Expedições

O Brasil, ao contrario do Oriente, não possuía, em princípio, nenhum atrativo do


ponto de vista comercial. Ao longo do período pré-colonial foram, entretanto, enviadas
várias expedições a nosso pais.

Primeiras expedições – Entre 1501 e 1502, Portugal enviou a primeira expedição


com a finalidade de explorar e reconhecer o litoral brasileiro. Essa expedição, da qual se
desconhece o nome do comandante, foi responsável pelo batismo de inúmeros lugares:
cabo de S. Tomé, cabo Frio, São Vicente, etc. Com certeza, nessa expedição viajou o
florentino Américo Vespúcio, que, posteriormente, em carta ao governante de Florença,
Lourenço de Médici, irá declarar que não encontrou aqui nada de aproveitável. Apesar
disso, constata a existência do pau-brasil, madeira tintorial conhecida dos europeus desde
a Idade Média, que até então era importada do Oriente.

O pau-brasil – As primeiras atividades econômicas concentraram-se, pois, na


extração daquela madeira, segundo o regime de estanco, isto é, sua exploração estava
sob regime de monopólio régio. Como era costume, o rei colocou em concorrência o
contrato de sua exploração, que foi arrematada por um consórcio de mercadores de
Lisboa chefiado pelo cristão novo Fernão de Noronha, em 1502.

No ano seguinte (1503) Fernão de Noronha montou uma expedição pata a


extração do pau-brasil e fez o primeiro carregamento do produto.
No Brasil, foram estabelecidas então as feitorias, que eram lugares fortificados e
funcionavam, ao mesmo tempo, como depósito de madeira. O pau-brasil era explorado
através do escambo, no qual os indígenas forneciam a mão-de-obra para corte e
transporte da madeira em troca de objetos de pouco valor para os portugueses.

O Brasil nos quadros do Sistema Colonial Mercantilista

O sistema colonial é o conjunto de relações entre as metrópoles e suas


respectivas colônias em uma determinada época histórica. O sistema colonial que nos
interessa abrangeu o período entre o século XVI e o século XVII, ou seja, faz parte do
Antigo Regime da época moderna e é conhecido como antigo sistema colonial.

Segundo o seu modelo teórico típico, a colônia deveria ser um local de consumo
(mercado) para os produtos metropolitanos, de fornecimento de artigos para a metrópole
e de ocupação para os trabalhadores da metrópole. Em outras palavras, dentro da lógica
do “Sistema Colonial Mercantilista” tradicional, a colônia existia para desenvolver a
metrópole, principalmente através do acúmulo de riquezas, seja através do extrativismo
ou de práticas agrícolas mais ou menos sofisticadas. Uma Colônia de Exploração, como
foi o caso do Brasil para Portugal, tem basicamente três características, conhecidas pelo
termo técnico de “plantation”:

_ Latifúndio: as terras são distribuídas em grandes propriedades rurais

_ Monocultura voltada ao mercado exterior: há um “produto-rei” em torno do qual


toda a produção da colônia se concentra (no caso brasileiro, ora é o açúcar, ora a
borracha, ora o café...) para a exportação e enriquecimento da metrópole, em detrimento
da produção para o consumo ou o mercado interno.

_ Mão-de-obra escrava: o negro africano era trazido sobre o mar entre cadeias e,
além de ser mercadoria cara, era uma mercadoria que gerava riqueza com o seu
trabalho...

O sentido da colonização – A atividade colonizadora européia aparece como


desdobramento da expansão puramente comercial. Passou-se da circulação (comércio)
para a produção, No caso português, esse movimento realizou-se através da agricultura
tropical. Os dois tipos de atividade, circulação e produção, coexistiram. Isso significa que
a economia colonial ficou atrelada ao comércio europeu. Segundo Caio Prado Jr., o
sentido da colonização era explícito: "fornecer produtos tropicais e minerais para o
mercado externo".

Assim, o antigo sistema colonial apareceu como elemento da expansão mercantil


da Europa, regulado pelos Interesses da burguesia comercial. A conseqüência lógica,
segundo Fernando A. Novais, foi a colônia transformar-se em instrumento de poder da
metrópole, o fio condutor, a prática mercantilista, visara essencialmente o poder do
próprio Estado.

As razões da colonização – A centralização do poder foi condição para os países


saírem em busca de novos mercados, organizando-se, assim, as bases do absolutismo e
do capitalismo comercial. Com isso, surgiram rivalidades entre os países. Portugal e
Espanha ficaram ameaçados pelo crescimento de outras potências. Acordos anteriores,
como o Tratado de Tordesilhas (1494) entre Portugal e a Espanha, começaram a ser
questionados pelos países em expansão.

A descoberta de ouro e prata no México e no Peru funcionou como estímulo ao


início da colonização portuguesa. Outro fator que obrigou Portugal a investir na América
foi a crise do comércio indiano. A frágil burguesia lusitana dependia cada vez mais da
distribuição dos produtos orientais feita pelos comerciantes flamengos (Flandres), que
impunham os preços e acumulavam os lucros.

Capitanias hereditárias – Em 1532, quando se encontrava em São Vicente,


Martim Afonso recebeu uma carta do rei anunciando o povoamento do Brasil através da
criação das capitanias hereditárias. Esse sistema já havia sido utilizado com êxito nas
possessões portuguesas das ilhas do Atlântico (Madeira, Cabo Verde, São Tomé e
Açores).

O Brasil foi dividido em 14 capitanias hereditárias, 15 lotes (São Vicente estava


dividida em 2 lotes) e 12 donatários (Pero Lopes de Sousa era donatário de 3 capitanias:
Itamaracá, Santo Amaro e Santana). Porém, a primeira doação ocorreu apenas em 1534.

Entre os donatários não figurava nenhum nome da alta nobreza ou do grande


comércio de Portugal, o que mostrava que a empresa não tinha suficiente atrativo
econômico. Somente a pequena nobreza, cuja fortuna se devia ao Oriente, aqui aportou,
arriscando seus recursos. Traziam nas mãos dois documentos reais: a carta de doação e
os forais. No primeiro o rei declarava a doação e tudo o que ela implicava. O segundo era
uma espécie de código tributário que estabelecia os impostos.

Nesses dois documentos o rei praticamente abria mão de sua soberania e


conferia aos donatários poderes amplíssimos. E tinha de ser assim, pois aos donatários
cabia a responsabilidade de povoar e desenvolver a terra à própria custa. O regime de
capitanias hereditárias desse modo, transferia para a iniciativa privada a tarefa de
colonizar o Brasil. Entretanto, devido ao tamanho da obrigação e à falta de recursos, a
maioria fracassou. Sem contar aqueles que preferiram não arriscar a sua fortuna e jamais
chegaram a tomar posse de sua capitania. No final, das catorze capitanias, apenas
Pernambuco teve êxito, além do sucesso temporário de São Vicente. Quanto às demais
capitanias, malograram e alguns dos donatários não só perderam seus bens como
também a própria vida.

Estava claro que o povoamento e colonização através da iniciativa particular era


inviável. Não só devido à hostilidade dos índios, mas também pela distância em relação à
metrópole, e sobretudo, pelo elevado investimento requerido.

Governo geral (1549) – Em 1548, diante do fracasso das capitanias, a Coroa


portuguesa decidiu tomar medidas concretas para viabilizar a colonização. Naquele ano
foi criado o governo-geral com base num instrumento jurídico denominado Regimento de
1548 ou Regimento de Tomé de Sousa. O objetivo da criação do governo-geral era o de
centralizar política e administrativamente a colônia, mas sem abolir o regime das
capitanias.

No regimento o rei declarava que o governo-geral tinha como função coordenar a


colonização fortalecendo as capitanias contra as ações adversas, destacando-se
particularmente a luta contra os tupinambás.

A compra da capitania da Bahia pelo rei, transformando-a numa capitania real é


sede do governo-geral foi o primeiro passo para a transformação sucessiva das demais
capitanias hereditárias em capitanias reais, Por fim, no século XVIII, durante o reinado de
D. José I (1750 - 1777) é do seu ministro marquês de Pombal, as capitanias hereditárias
foram extintas

Com a criação do governo-geral, estabeleceram-se também cargos de


assessoria: ouvidor-mor (justiça), provedor-mor (fazenda) e capitão-mor (defesa). Cada
um desses cargos possuía, ademais, um regimento próprio e, no campo restrito de sua
competência era a autoridade máxima da colônia. Assim, com a criação do governo-geral,
desfazia-se juridicamente a supremacia do donatário.

Tomé de Sousa (1549-1553) – O primeiro governador-geral foi Tomé de Sousa.


Com ele vieram todos os funcionários necessários à administração e também os primeiros
jesuítas chefiados por Manuel da Nóbrega. Começava, então, a obra evangelizadora dos
indígenas e, em 1551, criava-se em Salvador o primeiro bispado no Brasil, sendo o
primeiro bispo D. Pero Fernandes Sardinha. Com o segundo governador viria ainda outro
contingente de jesuítas, entre eles, José de Anchieta

Apesar de representar diretamente a Coroa, algumas capitanias relutaram em


acatar a autoridade do governador-geral tais como as de Porto Seguro, Espírito Santo,
Ilhéus, São Vicente e Pernambuco. Esta última, de Duarte Coelho, foi a que mais se
ressentiu da intromissão do governo-geral. Recusando a autoridade do governador-geral
o donatário de Pernambuco apelou para o rei, que o favoreceu reafirmando a sua
autonomia.

Consolidação do governo-geral – Duarte da Costa (1553 – 1558), que viera em


substituição a Tomé de Sousa, enfrentou várias crises e sua estada no Brasil foi bastante
conturbada.Desentendeu-se com o bispo D. Pero Fernandes Sardinha e teve de enfrentar
os primeiros conflitos entre colonos e jesuítas acerca da escravidão indígena. Além disso,
foi durante o seu governo que a França começou a tentativa de implantação da França
Antártica no Rio de Janeiro.

Esses problemas foram solucionados pelo terceiro governador-geral, Mem de Sá


(1558-1512). Com ele, finalmente, se consolidou o governo-geral e os franceses foram
expulsos.

Predomínio dos poderes locais – Todavia, apesar da tendência centralizadora do


governo-geral, a centralização jamais foi completa na colônia. Vários obstáculos podem
ser mencionados. O primeiro deles estava na própria característica econômica da
colônia. A sua economia era de exportação, voltada para o mercado externo. O comércio
entre as capitanias era praticamente nulo. Além disso, as vias de comunicação inter-
regionais eram inexistentes ou muito precárias.

Daí a predominância dos poderes locais representados pelos grandes


proprietários. Até meados do século XVII, as câmaras municipais eram ocupadas e
dominadas por esses grandes proprietários, que se autodenominavam "homens bons".

Evolução administrativa ate 1580 – D. Luís Fernandes de Vasconcelos, nomeado


sucessor de Mem de Sá foi atacado por piratas franceses que impediram a sua chegada
ao Brasil.

Nessa época, a preocupação com a conquista do Norte fez com que o rei de
Portugal, D. Sebastião (1557 - 1578), dividisse, em 1572, o Brasil em dois governos. O
norte ficou com D. Luís de Brito e Almeida e o sul com Antônio Salema tendo como
capitais, respectivamente, a Bahia e o Rio de Janeiro

Em virtude do tamanho do Brasil, almejava-se com essa divisão maior eficiência


administrativa. Entretanto, como esse objetivo não fora alcançado, a administração foi
reunificada em 1578. O novo governador nomeado, Lourenço da Veiga, governou de
1578 a 1580. Nesta última data, Portugal foi anexado pela Espanha, dando origem à
União Ibérica, que perdurou de 1580 a 1640.

A Base Econômica da Colonização

O Açúcar – Ao contrário dos espanhóis, os portugueses não tiveram a sorte de


topar, logo de inicio, com minas de metais preciosos. Por isso, a fim de não perderem a
posse da terra, foram forçados a optar pela colonização de base agrícola. E nisso
Pernambuco foi um importante modelo.

Os portugueses não eram propriamente inexperientes na cultura açucareira pois


já a praticavam nas ilhas do Atlântico (Açores e Cabo Verde).

O açúcar é de origem indiana. Na época das Cruzadas ele foi introduzido na


Europa e chegou a ser produzido, embora em escala modesta, na Sicília (sul da Itália).
Trazido da Índia, o açúcar es distribuído por Veneza. Devido á sua raridade e ao seu
elevado preço, o açúcar era comprado e consumido em pequenas quantidades.

A grande revolução no mercado açucareiro ocorreu com a produção das ilhas do


Atlântico, cuja distribuição na Europa foi dada à Holanda, que, assim, quebrou o
monopólio veneziano. É nesse contexto que irá se dar a produção brasileira.

Forma de ocupação da terra: a grande propriedade – Desde a instalação das


capitanias hereditárias, os donatários estavam obrigados a distribuir terras para promover
o povoamento e iniciar a valorização econômica da colônia. Dava-se o nome de
sesmarias às terras assim distribuídas. Ao sesmeiro (quem recebia a sesmaria) cabia a
propriedade plena da terra, sem nenhum vínculo de dependência pessoal. Assim, o falo
de receber uma sesmaria do donatário não convertia ninguém em vassalo desse
donatário, como era comum no regime feudal.

Era dever do sesmeiro ocupar efetivamente a terra e fazê-la produzir no prazo


máximo de cinco anos. O não-cumprimento dessa cláusula implicaria uma multa e, em
caso extremo, na perda da sesmaria. Por isso, a sesmaria era concedida apenas àqueles
que comprovassem dispor de recursos suficientes para tornar a terra produtiva.

Uma sesmaria tinha em médIa uma a quatro léguas (entre 6 e 24 quilômetros) e


através dela a Coroa esperava atrair pessoas de posse e povoadores. E, de fato, os
sesmeiros transformaram-se na camada dominante colonial dos "homens bons".

O engenho como unidade produtora – O engenho não era apenas o local de


fabrico do açúcar. Por esse termo entendia-se a grande Iavoura, que era uma unidade
produtora típica da colônia, em que se produzia não apenas o açúcar, mas tudo mais de
que se necessitava.

De acordo com Antonil – jesuíta do inicio do século XVIII –, havia dois tipos de
engenho: os engenhos reais, movidos á água, e os trapiches, que utilizavam tração
animal (cavalos e bois).

O engenho era composto por casa-grande, senzala, casa do engenho e capela.

A casa-grande era a residência do senhor de engenho. A senzala era a habitação


dos escravos. Um engenho de porte médio contava com cinqüenta escravos; nos
grandes, a cifra subia para algumas centenas.

Muitos engenhos possuíam destilarias: local de produção de aguardente usada no


escambo de escravos na África. Alguns existiam exclusivamente para esse fim: as
engenhocas ou molinetes, de proporções menores e menos dispendiosas.

As terras do engenho eram formadas por canaviais, pastagens e áreas dedicadas


ao cultivo de alimentos. A parte destinada ao cultivo da cana era dividida em partidos,
explorados ou não pelo proprietário.

No segundo caso, as terras eram cedidas aos lavradores, que eram obrigados a
moer sua produção no engenho do proprietário. Eram as chamadas fazendas obrigadas,
nas quais o lavrador recebia apenas a metade da sua produção em açúcar e ainda
pagava o aluguel pela utilização da terra.

Existiam também os lavradores livres, proprietários de suas próprias terras, que


moíam a sua cana em qualquer engenho, mas ao preço de deixar nas mãos do senhor de
engenho a metade do açúcar produzido.

Os lavradores livres e de fazendas obrigadas não eram camponeses, mas


senhores de terras e escravos e, como tais, pertenciam à camada dominante da
sociedade.

Especialização da economia: a monocultura – A agricultura canavieira tinha um


caráter extensivo: o seu crescimento se dava pela incorporação de novas terras de cultivo
e não pela melhoria técnica.

A economia colonial, especializada na produção açucareira, era dependente dos


estímulos externos, que faziam contrair ou expandir as áreas de cultivo. Nos períodos em
que o mercado europeu mostrava-se particularmente favorável, a totalidade da área de
cultivo era ocupada pelo canavial e toda energia voltava-se para o trabalho do setor
principal, abandonando-se muitas vezes a cultura de subsistência. Esse fenômeno
possibilitou o surgimento de uma agricultura que passou a fornecer, nessas
circunstâncias, os produtos alimentares aos moradores dos engenhos. A base desse
setor de subsistência era a mandioca.

Ao mesmo tempo, desenvolvia-se a pecuária, cuja origem remontava ao governo


de Tomé de Sousa, que trouxe algumas cabeças de gado e continuou a importá-las de
Cabo Verde. Primitivamente o gado era utilizado como força de tração e transporte.
Tração nos engenhos trapiches e transporte de lenha para os fornos e das caixas de
açúcar até os locais de embarque. Com o gradual aumento do rebanho, o gado
começou a ser utilizado também como fonte de alimentação.

De inicio, o gado criado no próprio engenho. Com a multiplicação do rebanho, o


senhor de engenho foi obrigado a separar o gado do canavial e, na etapa seguinte, a
pecuária tornou-se uma atividade independente do engenho. Os seus criadores
penetraram no sertão em busca de pasto. Saindo da Bahia e de Pernambuco, seguindo
sempre as margens dos rios, o gado tomou duas direções: uma delas para o sul, pelo rio
São Francisco em direção a Minas Gerais, e a outra para o norte, através de vários rios,
atingindo o Maranhão.

A atividade criatória teve, assim, importantes conseqüências para a colônia, ao


estimular a penetração no sertão nordestino, interiorizando o processo colonizador.

Constituição do Escravismo Colonial

O primado da fé – No século XVI, quando teve início o povoamento do Brasil, a


sociedade portuguesa era ainda estamental. Aceitava-se, por principio, a sua divisão em
nobres e plebeus. Os povoadores que aqui chegaram, em sua maioria de origem plebéia,
viam a nobreza como modelo ideal e aspiravam atingir no Brasil essa condição.

Assim, na época em que se iniciava a colonização, os povoadores tinham como


valores a fé, a honra e o interesse, nessa ordem. A fé era representada pela Igreja e pelo
clero. A honra, pela nobreza. E o interesse, pelos comerciantes. A busca do interesse
próprio, ou lucro, não deveria estar acima da fé e da honra. Exemplo: se um povoador
escravizasse os índios buscando explorá-los sem se preocupar em cristianizá-los, e
através da riqueza assim obtida procurasse igualar-se à nobreza, esse povoador seria
considerado um homem cobiçoso. O interesse convertia-se, em tal circunstância, em
cobiça – que era tida como um vício muito grave.

Oficialmente, o povoamento do Brasil não fui encarado como um empreendimento


comercial. D. João III (1521-1557) disse, aliás claramente, que "a principal coisa que me
moveu a mandar povoar as ditas terras do Brasil foi para [que a] gente dela se
convertesse à nossa santa fé". Manuel da Nóbrega, numa carta a Tomé de Sousa,
escreveu que a intenção de D. João III não foi povoar tanto por esperar da terra ouro nem
prata que não os tem, nem tanto pelo interesse de povoar e fazer engenhos, nem por
onde agasalhar os portugueses que lá em Portugal sobejam e não cabem, quanto por
exaltação da fé católica e salvação das Almas".

Essas seguidas declarações não oram palavras vazias, Os jesuítas colocaram-


nas em prática.

Jesuítas contra povoadores – Os jesuítas levaram a sério o caráter missionário


que o rei de Portugal quis imprimir ao povoamento do Brasil. Com isso, muito cedo os
jesuítas chocaram-se com os povoadores na questão da escravização do indígena.

Para se compreender a posição dos jesuítas, é preciso analisar com muita


atenção os seus objetivos.

Os jesuítas não eram contrários à escravização do índio, mas se opunham à sua


escravização indiscriminada, como pretendiam os colonos.
Para os jesuítas, a escravidão deveria ter um objetivo religioso e não econômico.
Escravizar para cristianizar e não para obter apenas lucro. E, como os colonos
pretendiam escravizar os índios tendo em vista exclusivamente o próprio interesse, tal
atitude foi interpretada pelos jesuítas como expressão da cobiça que eles condenavam.

Porém, para cristianizar os índios, os jesuítas compreenderam muito rapidamente


que, antes, era preciso dominá-los, através de meios violentos se fosse preciso.

O rei de Portugal colocou-se, em princípio, a favor dos jesuítas, pois a


escravização indiscriminada dos índios pelos colonos era muito arriscada: a ameaça
constante de revolta dos índios aconselhava prudência.

Manter tanto quanto possível não só os índios mas também os povoadores em


paz e ordem, a fim de que os indígenas participassem do comércio e, finalmente, se
convertessem à fé católica, vinha a ser o objetivo último e declarado do Estado português

Como os jesuítas, o rei não era contrario à escravidão, Concordou que a


escravização se limitasse aos índios hostis e inimigos aprisionados em “guerra justa”. E
chamava-se "guerra justa" a que fosse feita com a som autorização. Os índios aliados
foram declarados livres e os cristianizados não podiam ser escravizados.

Todavia. em reconhecimento à necessidade de braços para a lavoura, a


legislação foi várias vezes alterada, mas permaneceu o fato de que o Estado estabelecia,
de um modo ou de outro, restrições a livre escravização dos índios.

Os colonos sempre encontraram meios para burlar a legislação e escravizar ou


manter no cativeiro os índios protegidos por lei. Mas a verdade é que a atuação enérgica
dos jesuítas e as restrições legais continuaram como obstáculo perturbador aos objetivos
dos colonos.

Apesar de tudo, o trabalho indígena foi amplamente utilizado no processo de


montagem da economia açucareira. À medida que essa economia começou a se
expandir, ampliou-se constantemente a necessidade de mão-de-obra, cujo fornecimento
requeria alguma regularidade.

Tudo isso acabou pesando na decisão de substituir o índio pelo africano.

O tráfico negreiro – Estabelecer regras claras e restritivas de acesso à mão-de-


obra indígena tinha o sentido de refrear a cobiça dos povoadores, entendendo-se por isso
o estabelecimento de limites para a ação econômica, a fim de que o amor a Deus não
fosse substituído pelo amor à riqueza.

A solução para esse problema, que obstruía os interesses dos colonos, mas
também da burguesia comercial metropolitana, foi o tráfico negreiro, que articulou os
interesses de ambos.

Mais ainda: o tráfico negreiro solucionou o problema em todas as frentes.


Trazendo da África os trabalhadores necessários para o engenho, retirou-se dos jesuítas
o principal de seus argumentos contra a escravização. O Estado português, por sua vez,
abandonou a sua política indigenista em favor de uma política colonial.

De início, o tráfico negreiro era feito sob direta administração da Coroa ou


mediante venda de licenças a particulares, cobrada segundo uma taxa estipulada por
‘peça’ de escravos, ou, ainda, pelo arrendamento de áreas definidas. Porém, a Coroa não
se empenhou nunca, com seriedade, em tomar a si o encargo de traficar diretamente, de
maneira que esse comércio sempre esteve sob a iniciativa de particulares, destacando-se
os portugueses de ascendência judaica.

Convém observar, entretanto, que o tráfico de escravos existiu em Portugal em


período bem anterior a colonização do Brasil. Os dados cronológicos variam, mas sabe-se
que em 1448 já havia um comércio regular de escravos em Portugal. Mais tarde, escravos
foram vendidos também na Espanha.

Na África, as áreas de procedência dos negros os subdividiam em dois grandes


grupos étnicos: os bantos, capturados na África equatorial e tropical, na Guiné, no Congo
e em Angola, e os sudaneses, da África oriental, do Sudão, do norte da Guine e de
Moçambique.

Entre os anos 1580 e 1590 existiam perto de 10 mil escravos africanos em


Pernambuco e 4 mil na Bahia. Entre 1500 e 1600, o número total de africanos no Brasil
não ultrapassava 50 mil. No século XVII, o número elevou-se para 560 mil e no século
seguinte já eram 1 891 400 escravos africanos. Entre 1811 e 1870 a cifra caiu para 1 145
400, totalizando 3 646 800 escravos africanos trazidos ao longo de todo o período
colonial. Até 1640, os portugueses eram virtualmente os donos absolutos do tráfico,
quando então holandeses, ingleses e franceses entraram no negócio.

A substituição do escravo índio pelo africano ganhou impulso no final do governo


de Mem de Sá, por volta de 1570, e já em 1630 tinha se tomado tem processo
irreversível.

Escravismo colonial – À medida que o tráfico negreiro se intensificou e se


transformou num elemento estrutural da colonização, a escravidão foi se convertendo em
escravismo, portanto num sistema.

O escravismo colonial, diferentemente do escravismo antigo, greco-


romano, foi estruturalmente mercantil, porque a produção açucareira estava voltada ao
mercado, almejando o lucro. Os escravos eram produtores de mercadorias a serem
vendidas pelos senhores de engenho.

Por outro lado, o próprio escravo era adquirido através do comércio entre
senhores de engenho e traficantes que pertenciam a burguesia metropolitana.

Portanto, o escravismo colonial estruturou-se como sistema integrando


três camadas sociais: o escravo, o senhor de engenho e a burguesia metropolitana, na
qual se inclui o traficante de escravos.

Como o próprio nome indica, o escravismo colonial é um sistema que se


baseia numa dupla exploração: a escravista e a colonial. E, conforme se observa no
esquema:
A exploração escravista refere-se à exploração dos senhores de engenho sobre
os escravos. Teoricamente, os grandes beneficiários seriam os senhores de engenho.
Ocorre, entretanto, que, tendo a exploração um caráter colonial, a maior parte da riqueza
acabava se transferindo para as mãos da burguesia mercantil e, também, para o Estado
metropolitano.

O sistema colonial – A relação comercial entre Brasil e Portugal foi regulamentada


pelo Estado, de acordo com o espírito mercantilista. A mais importante medida
estabelecida pelo rei foi o exclusivo metropolitano, conforme expressão da própria época,
que obrigava o Brasil a fazer o comércio “exclusivamente” com Portugal.

Privado assim da liberdade comercial, os senhores de engenho eram


forçados a vender a sua produção açucareira aos comerciantes portugueses e a comprar
deles, com exclusividade, as suas manufaturas.

A principal conseqüência disso foi que a burguesia metropolitana tinha


condições de impor tanto o preço de compra do açúcar, quanto o de venda de seus
produtos manufaturados. Desse modo, ocorria uma dupla exploração colonial: a
burguesia metropolitana comprava o açúcar a preço abaixo do mercado e vendia os seus
produtos a preços acima do mercado. Por fim, esse mesmo açúcar era revendido tanto
em Portugal quanto na Europa a preço de mercado, elevando ainda mais o lucro dos
comerciantes portugueses.

Portanto, o que chamamos de escravismo colonial era um sistema


complexo de dominação composto, essencialmente, pelos seguintes elementos:
exploração escravista e expropriação colonial apoiadas pela dominação política.

A União Ibérica e o Brasil Holandês - 1580 - 1640

Anexação de Portugal. Desde 1556 a Espanha era governada por Filipe II (1556 -
1598), membro de uma das mais poderosas dinastias européias: os Habsburgos ou Casa
d'Áustria, que além da Espanha detinha o controle do Sacro-Império Romano Germânico,
sediado na Áustria, com influências também sobre a Alemanha e a Itália.

Nos tempos do reinado de Filipe II, a exploração das minas de prata da América
espanhola havia atingido o seu apogeu. Com a entrada da prata do México e do Peru, a
Espanha se transformara, durante o século XVI, na mais poderosa nação européia. Isso
levou os historiadores a classificarem o século XVI como o século da preponderância
espanhola. Tendo em mãos recursos abundantes, Filipe II aliou o poderio econômico a
uma agressiva política internacional, da qual resultou a anexação de Portugal (até então,
reino independente) e a independência da Holanda (até então, possessão espanhola).
Vejamos como Portugal passou ao domínio espanhol.
Em 1578, o rei de Portugal, D. Sebastião, morreu na batalha de Alcácer-Quibir, no
atual Marrocos, em luta contra os árabes. Com a morte do rei, que não tinha
descendentes, o trono de Portugal foi ocupado pelo seu tio-avô, o velho cardeal D.
Henrique, que, no entanto, faleceu em 1580, naturalmente sem deixar descendência...
Com a morte deste último, extinguia-se a dinastia de Avis, que se encontrava no trono
desde 1385, com a ascensão de D. João I, mestre de Avis.

Vários pretendentes se candidataram então ao trono vago: D. Catarina, duquesa


de Bragança, D. Antônio, prior do Crato e, também, Felipe II, rei da Espanha, que
descendia, pelo lado materno, em linha direta, do rei D. Manuel, o Venturoso, que reinou
nos tempos de Cabral. Depois de invadir Portugal e derrotar seus concorrentes, o
poderoso monarca espanhol declarou: "Portugal, lo herdé, lo compré y lo conquisté".

Assim, de 1580 até 1640, o rei da Espanha passou a ser, ao mesmo tempo, rei
de Portugal, dando origem ao período conhecido como “União Ibérica”.

Portugal havia adotado até então uma política internacional muito prudente,
evitando, tanto quanto possível, atritos nessa área, ciente de sua própria fragilidade. Essa
situação foi alterada completamente com a sua anexação pela Espanha, já que Portugal
herdou, de imediato, todos os numerosos inimigos dos Habsburgos. Do ponto de vista
colonial, o mais temível inimigo era a Holanda.

Holandeses no Brasil

Origens da Holanda. Os Países Baixos (atuais Bélgica, Holanda e parte do norte


da França), desde a segunda metade da Idade Média, constituíram -se numa região de
grande prosperidade econômica, cujas manufaturas têxteis desfrutavam inigualável
reputação internacional. Formou-se, assim, nos Países Baixos, uma poderosa burguesia
mercantil, uma das mais progressistas da Europa.

Os Países Baixos eram possessões dos Habsburgos e tinham grande autonomia


no reinado de Carlos V (pai de Filipe II). Suas tradições e interesses econômicos locais
eram respeitados.

Essa situação se alterou profundamente com a ascensão de Filipe II, que herdou
do pai o trono espanhol e os Países Baixos. A razão da mudança explica-se por dois
motivos básicos: em primeiro lugar, o advento do protestantismo tinha polarizado o mundo
cristão no século XVI, provocando intermináveis conflitos entre católicos e protestantes.
Nos Países Baixos, em razão do predomínio burguês, difundiu-se rapidamente o
calvinismo, ao passo que a Espanha mantinha-se profundamente católica. E Filipe II era
considerado o mais poderoso e o mais devotado monarca católico. Em segundo lugar,
Filipe II era um rei absolutista. Assim, com a sua chegada ao trono terminou a fase de
benevolência em relação aos Países Baixos. O novo monarca pôs fim à tolerância
religiosa e substituiu os governantes nativos por administradores espanhóis de sua
confiança, subordinando os Países Baixos diretamente à Espanha.

A reação nos Países Baixos foi imediata, com a eclosão de revoltas por toda
parte. A fim de reprimi-las, Filipe II enviou tropas espanholas sob o comando do violento
duque de Alba. À repressão político-religiosa, somou se o confisco dos bens dos
revoltosos, conforme relatou o duque de Alba ao rei: “Atualmente detenho criminosos
riquíssimos e temíveis e os submeto a multas em dinheiro; logo me ocuparei das cidades
criminosas. Desse modo às arcas de Vossa Majestade fluirão somas consideráveis”.
Ilustração 1: Territórios da Casa de Habsburg ao tempo de Filipe
II

Contra essa violência espanhola uniram-se dezessete províncias dos Países


Baixos para resistir melhor. Porém, a luta anticatólica, antiabsolutista e antiespanhola dos
Países Baixos começou a tomar, com o tempo, uma coloração mais radical e passou a
ameaçar a própria ordem social. A nobreza e os ricos mercadores começaram a se sentir
ameaçados em seus privilégios pela crescente participação popular na rebelião
antiespanhola, principalmente nas províncias do sul - Bélgica atual. A fim de evitar o
agravamento dessa tendência indesejável para a camada dominante, as províncias do sul
decidiram abandonar a luta e se submeter aos espanhóis em 1579. No entanto,
continuaram a resistir as sete províncias do norte, que formaram a União de Utrecht, em
1581, e não mais reconheceram a autoridade de Filipe II.

Sob a liderança de Guilherme, o Taciturno, prosseguiu a luta da União de Utrecht.


Guilherme, entretanto, foi assassinado em 1584, o que conduziu à criação de um
Conselho Nacional, integrado pela nobreza e pela burguesia. Nasceram, desse modo, as
Províncias Unidas dos Países Baixos na República da Holanda.

Em sua luta contra a Espanha, a Holanda foi apoiada ativamente pela Inglaterra.
Assim, devido à tenaz resistência holandesa e à ampliação do conflito, a Espanha aceitou
finalmente uma trégua - a trégua dos 12 anos: de 1609 a 1621 –, que foi, na prática, o
reconhecimento da independência da Holanda.

Reflexos da Guerra dos Países Baixos em Portugal. Desde a Idade Média,


Portugal mantinha com os Países Baixos relações comerciais, que se intensificaram na
época da expansão marítima. Os mercadores flamengos eram os principais compradores
e distribuidores dos produtos orientais trazidos por Portugal.

Ora, essa situação se alterou radicalmente com a Guerra dos Países Baixos. A
Espanha, que nesse tempo já havia incorporado o reino português, adotou, em represália
aos Países Baixos, medidas restritivas ao comércio com seus portos, incluindo Portugal.

Para a Holanda, que conquistara a independência, tais medidas tornaram-se


permanentes. Porém, uma vez vedado o acesso aos portos portugueses, os mercadores
de Amsterdã decidiram atuar diretamente no Índico. As primeiras experiências acabaram
fracassando, mas a solução para o comércio direto foi finalmente encontrada com a
constituição da Companhia das Índias Orientais (1602), que passou a ter o monopólio do
comércio oriental, garantindo desse modo a lucratividade da empresa.

O êxito dessa experiência induziu os holandeses a constituírem, em 1621,


exatamente no momento em que expirava a trégua dos 12 anos, a Companhia das Índias
Ocidentais, a quem os Estados Gerais (órgão político supremo da Holanda) concederam
o monopólio do tráfico de escravos, da navegação e do comércio por 24 anos, na América
e na África. A essa nova companhia deve-se creditar a maior façanha dos holandeses: a
conquista de quase todo o nordeste açucareiro no Brasil.

Os holandeses na Bahia (1624-1625). A primeira tentativa de conquista


holandesa no Brasil ocorreu em 1624. O alvo visado era Salvador, a capital da colônia.

Os holandeses não faziam muito segredo de seus planos. Diogo de Mendonça


Furtado, governador da Bahia, tinha conhecimento do fato, embora não tomasse
nenhuma providência para repelir o iminente ataque holandês. Resultado: no ano de
1624, quando a invasão holandesa se efetivou, bastaram pouco mais de 24 horas para
que a cidade fosse completamente dominada. O governador Mendonça Furtado foi preso
e enviado a Amsterdã. O seu lugar foi ocupado pelo holandês Van Dorth.

Passado o pânico inicial, os colonos se reagruparam e começaram a resistência.


Destacou-se aqui o bispo Dom Marcos Teixeira, que mobilizou os moradores através do
apelo religioso: a luta contra os holandeses foi apresentada como luta contra os heréticos
calvinistas. Essa luta guerrilheira que então se iniciou, contabilizou alguns êxitos, entre
eles a morte do próprio governador holandês, Van Dorth. Enfim, os holandeses foram
repelidos por uma esquadra lusoespanhola, conhecida com v nome pomposo de Jornada
dos Vassalos. Essa primeira tentativa holandesa durou praticamente um ano: de 1624 a
1625.

Apesar do fracasso em Salvador, os holandeses foram amplamente


recompensados, em 1028, com a apreensão, nas Antilhas, de um dos maiores
carregamentos de prata americana para a Espanha. A façanha é atribuída a Piet Heyn,
comandante da esquadra holandesa. Os recursos obtidos com esse ato de pirataria ser-
viram para financiar uma segunda tentativa, desta vez contra Pernambuco.

Domínio Holandês no Brasil

Os holandeses em Pernambuco (1630 -1654), Em 1630, com uma esquadra de


setenta navios, os holandeses chegaram a Pernambuco, dominando, sem maiores
problemas, Recife e Olinda, apesar dos preparativos de defesa efetuados por Matias de
Albuquerque, governador de Pernambuco.

Contra os holandeses, organizaram-se as Companhias de Emboscada, grupos


guerrilheiros chefiados por Matias de Albuquerque, que iriam se fixar no Arraial do Bom
Jesus, situado numa região entre Olinda e Recife.

Apesar de os holandeses estarem mais bem armados e contarem com um


contingente apreciável de soldados, a resistência luso-brasileira possuía a seu favor o
fator surpresa aliado ao melhor conhecimento do terreno. Porém, essa situação se alterou
com a passagem de Domingos Fernandes Calabar para o lado holandês.

A organização do Brasil holandês. Até 1635 os holandeses estavam arcando com


as despesas militares da conquista. A Nova Holanda, que então se constituía, era, aos
olhos da Companhia das Índias Ocidentais, um empreendimento comercial de que se
esperava extrair altos lucros. Era preciso, portanto, colocá-la rapidamente em condições
de produzir. Para organizar os seus domínios no Brasil, foi enviado, como governador-
geral, João Maurício de Nassau-Siegen, que aqui permaneceu de 1637 a 1644.
Ilustração 2: Maurício de Nassau

O conde Johann Mauritius van Nassau talvez tenha sido o melhor administrador e
o político mais competente de toda a história do Brasil

Por 24 anos, os holandeses foram senhores de sete das 19 capitanias em que se


dividia o Brasil do século XVII. Velhos parceiros comerciais de Portugal, só atacaram a
maior das colônias lusas porque travavam com a Espanha a guerra por sua
independência. Invadir o Brasil era unir o útil do lucro açucareiro ao agradável da
vingança contra um inimigo ancestral. A tomada da zona produtora de açúcar do Brasil foi
plano minuciosamente articulado pela Companhia das Índias Ocidentais - empresa de
capital privado que obteve do governo holandês o monopólio do comércio com a América
e a África. A invasão de Salvador, em 1624, durou apenas um ano e deu prejuízo à
companhia. Mas, em março de 1630, os holandeses tomaram Recife, e lá ficaram até a
sua expulsão, em janeiro de 1654.

Ao longo desse quarto de século, os sete anos chamados "tempo de Nassau"


(1637 a 1644) marcaram o apogeu do domínio holandês no Brasil, originando a crença
segundo a qual o destino do país seria mais nobre caso o projeto colonial da Companhia
das Índias Ocidentais fosse mantido. No entanto, o fato é que, como o próprio Nassau
previra, menos de um ano depois de sua partida - antes da qual o conde fez voar "um
couro de boi cheio de palha preso por fios que a noite escondia” -, azedou-se de vez o
doce Brasil holandês.
Março de 1644, noite. O conde Johann Mauritius van Nassau (ou João Maurício
de Nassau – governador e mecenas do Brasil holandês – conclamou o povo de Recife a
assistir a uma grande festa durante a qual, garantiu ele, um boi iria voar. Houve quem
logo duvidasse, é claro. Até os mais céticos, porém, devem ter pensado duas vezes antes
de rir na cara do conde. Afinal, não estavam eles na cidade mais cosmopolita e avançada
da América? Um jardim não floria onde antes fora charco?

O porto não fervilhava repleto de navios e de mercadorias de todo o mundo? Não


produziam a pleno os engenhos? Oficiais ingleses e investidores judeus, aventureiros
suecos, mascates escoceses, negociantes alemães e franceses às centenas não
percorriam ruas impecavelmente pavimentadas? Além disso, naquela mesma tarde não
fora inaugurada a maior ponte da América, um prodígio arquitetônico de 318 metros de
comprimento? Desde que assumira como "governador, capitão e almirante-general das
terras conquistadas ou por conquistar pela Companhia das Índias Ocidentais no Brasil",
Nassau tinha tirado o país do chão. No dia da inauguração da ponte e da festa do boi
voador, porem, ao "príncipe" só restavam dois meses de Brasil. Mesmo que um boi
voasse, a obra de Nassau logo iria por água abaixo.

O governo de Maurício de Nassau. No governo de Nassau a preocupação com a


reorganização da produção açucareira se entrelaçou com as operações m' 'tares, para
garantir não só o funcionamento da economia como também a segurança. Assim, ao
mesmo tempo em que procurou a conciliação com os luso-brasileiros que permaneceram
no domínio holandês, Nassau tratou de ampliar a conquista territorial. Por volta de 1641, o
domínio holandês abrangia desde Sergipe até o Maranhão. Das catorze capitanias, sete
estavam sob o controle de Nassau. As ações m' 'tares holandesas se prolongaram até a
África, a fim de garantir o fornecimento de escravos. No continente negro foram
conquistados os domínios lusos de São Jorge da Mina, em Angola. Quanto à política
interna, Nassau garantiu a recuperação das propriedades pelos seus antigos donos,
ampliou o crédito e promoveu empréstimos a juros controlados. Além disso, estabeleceu a
tolerância religiosa e a igualdade de tratamento para luso-brasileiros e holandeses.

Na Nova Holanda, o esquema administrativo seguia o modelo da metrópole.


Foram organizadas as Câmaras dos Escabinos, que substituíram as Câmaras Municipais,
mas os luso-brasileiros tinham aí uma ampla representação. Elas eram presididas pelos
escoltetos, sempre holandeses, que atuavam como representantes dos interesses da
Companhia, além de acumularem a função de policia.

Nos tempos de Nassau, Recife foi remodelada. Ele trouxe consigo vários artistas,
homens de ciência, escritores e até teólogos. Dentre eles, podemos citar os pintores
Frans Post e Albert Eckhout, que registraram a fauna e fios locais; o astrônomo
Marcgrave; o médico Willem Piso, que estudou as doenças tropicais. Apesar de não ter
vindo ao Brasil, merece menção Piet Post, que projetou a Cidade Maurícia, "cuja
localização corresponde ao cocção da moderna cidade de Recife", conforme observa o
historiador Charles Boxer.

Todavia, apesar da política conciliadora e tolerante, de seu interesse cultural,


enfim, de sua atitude destoante em relação àquilo que se podia esperar de um governante
ligado à empresa colonizados, Nassau não conseguiu impedir que o domínio holandês
mergulhasse em contradições insolúveis...

Contradições do Brasil holandês. A Companhia das Índias Ocidentais, de cujos


interesses Nassau era representante, tinha como objetivo principal, é claro, a exploração
colonial. Não interessava a ela senão a transferência da renda colonial para os seus
cofres. Contudo, apesar dos altos lucros do comércio açúcar, a companhia encontrava-se
permanentemente deficitária. Isso naturalmente ocorria em virtude dos altos custos de
manutenção da Nova Holanda, com elevados gastos militares e administrativos.

Além disso, com o tempo, o Brasil holandês foi conhecendo uma crescente
polarização entre zona rural (luso-brasileiros) e zona urbana (holandeses). Essa
polarização era resultado da própria estrutura da colonização: a produção açucareira
estava a cargo dos luso-brasileiros e os holandeses detinham o capital mercantil. Repetia-
se, portanto, no Brasil holandês a mesma estrutura já conhecida no Brasil português,
polarizada entre os senhores de engenho e a burguesia mercantil metropolitana.

As relações entre plantadores luso-brasileiros e burguesia holandesa foram se


tornando, com o tempo, bastante conflituosas. É que os senhores de engenho luso-
brasileiros que ha viam contraído empréstimos com os merca dores holandeses não
conseguiam saldar suas dívidas. Esse fator foi responsável pela tensão social crescente
que começava a inquietar todo o corpo social, mas cujo afloramento foi escamoteado pela
habilidade de Nassau. Enfim, os desajustes em todos os níveis foram ativados pela
alteração da conjuntura européia em 1640, quando então Portugal libertou-se da
Espanha.

O fim do domínio holandês. A União Ibérica terminou com a ascensão de D. João


IV ao trono português, iniciando-se com ele a dinastia de Bragança (1640-1777). Com o
fim do domínio espanhol, do qual saiu completamente arruinado, Portugal tratou de
estabelecer com a Holanda uma trégua de dez anos. Ambos se comprometeram a não
ameaçar os respectivos domínios coloniais.

A partir daí a companhia resolveu diminuir seus efetivos m' 'tares a fim de conter
os gastos. O passo seguinte foi a demissão de Nassau e a supressão de seu oneroso
estilo administrativo. Nassau foi substituído em 1644 por um Conselho Supremo
constituído por três membros, aos quais Nassau recomendou tolerância no trato com os
luso-brasileiros. Esse conselho foi ignorado pela nova administração, que se tornou, ao
contrário, extremamente severa, particularmente em relação às dívidas dos senhores de
engenho luso-brasileiros e aos prazos para saldá-las. As propriedades dos luso-
brasileiros começaram a ser simplesmente confiscadas. Ao mesmo tempo, a tolerância
religiosa não era mais observada com o mesmo escrúpulo dos tempos de Nassau. As
tensões se acumularam e começaram a se manifestar na forma de rebeliões, que, em
seguida, se generalizaram.
O ponto mais sensível da Nova Holanda era Pernambuco. Aí foi desencadeado
um longo processo de rebelião conhecido como Insurreição Pernambucana, que teve
início em 1645 e terminou com a derrota dos holandeses em 1654. Reuniram se os
rebeldes pernambucanos em torno de lideres como André Vidal de Negreiros e João
Fernandes Vieira (ambos eram senhores de engenho), que até então estavam ligados aos
holandeses. Além desses, destacaram se o índio Filipe Camarão e o negro Henrique
Dias.

Ilustração 3: Domingos Calabar: Guerrilheiro


mulato, lutou ao lado de Matias de Albuquerque,
mas se passou aos holandeses em abril de 1632.
Deu muito trabalho aos brasileiros. Capturado
em julho de 1634, foi torturado, enforcado e
esquartejado. Destino similar ao dos caciques
janduí, poti e paraupaba.

Domingos Calabar

Calabar, grande conhecedor da região, foi uma peça de fundamental importância


para os holandeses expandirem o seu domínio territorial no nordeste. Com a chegada de
mais reforços, os holandeses conquistaram o Rio Grande do Norte e a Paraíba. Em 1635,
finalmente, caiu a resistência sediada no Arraial de Bom Jesus. Consolidou-se, assim, o
domínio holandês. Entretanto, os resistentes chefiados por Matias de Albuquerque, em
sua retirada, conseguiram capturar Calabar, que foi imediatamente executado.

Nos confrontos que se sucederam a partir de 1645, os revoltosos acumularam


vitórias: monte das Tabocas (1645), a primeira e a segunda batalha de Guararapes (1648
e 1649, respectiva mente). Na década seguinte, os holandeses se complicaram com
sucessivas derrotas navais ante a Inglaterra, então potência emergente, o que veio
facilitar a vitória final contra a Holanda no Brasil. Em 1653, finalmente, Portugal decidiu
armar uma frota para lutar contra os holandeses. O domínio holandês terminou com a
Capitulação da Campina da Taborda, em 1654. Entretanto, a formalização diplomática da
vitoriosa insurreição pernambucana ocorrerá somente em 1661, com a assinatura da Paz
de Haia.

A "Restauração" e a Nova Política Colonial

A crise econômica de Portugal – Ao se libertar, em 1640, do domínio espanhol, a


economia portuguesa estava profundamente abalada. As sucessivas guerras em que
Portugal participou ao lado da Espanha, contra a Holanda e demais potências, tiveram
como resultado a quase completa ruína de seu império colonial. Portugal conservou as
suas possessões africanas (Angola e Guiné) e o nordeste brasileiro, que foram
reconquistados, mas perdeu, irremediavelmente, o controle do comércio oriental. O Brasil
havia se tornado, sem dúvida, a mais valiosa possessão portuguesa.

Porém, mesmo o açúcar, cuja produção tinha sido monopólio do Brasil, começou
a sofrer forte concorrência holandesa, já que os holandeses haviam transferido para as
Antilhas toda a técnica de produção do açúcar que tinham aprendido no Brasil. Nascia,
dessa forma, o mais poderoso concorrente do açúcar brasileiro, que, agora, já não
contava com o bem-montado esquema holandês de distribuição do produto no mercado
europeu.

Ilustração 4: A derrota dos holandeses em Guararapes: momento importante da luta iniciada com a
Insurreição Pernambucana
Bastante debilitado, não restou a Portugal outra saída que não a de aplicar com
toda rigidez a política mercantilista, objetivando uma eficaz exploração colonial do Brasil.

O "círculo de ferro da opressão colonial". Essa expressão é do historiador Caio


Prado Jr. Ela sintetiza admiravelmente a nova situação do Brasil a partir de meados do
século XVII.

A nova política colonial portuguesa começou a caminhar no sentido da maior


restrição: em 1661 proibiu-se o comércio do Brasil com navios estrangeiros; em 1684, foi
proibido aos navios brasileiros aportarem no estrangeiro. O exclusivo metropolitano
implantava-se rápida e rigidamente, tornando-se a metrópole a inintermediária obrigatória
entre Brasil e Europa.

A fim de garantir o monopólio do comércio e transferir boa parte da renda colonial


para a metrópole, foram criadas as companhias de comércio, inspiradas no exemplo
holandês. Em 1647, foi fundada a Companhia Geral do Comércio do Brasil (extinta em
1720), que passava a ter o monopólio do comércio colonial do Rio Grande do Norte para
o sul. No ano de 1682 foi criada a Companhia do Comércio do Estado do Maranhão
(extinta em 1685) e cujo monopólio abrangia as regiões acima do Rio Grande do Norte.

Ambas as companhias tinham tanto o monopólio da venda de produtos


metropolitanos, in incluindo escravos, como o da. compra de produtos coloniais. À medida
que as companhias tornavam-se os únicos agentes da oferta e da procura, tenderam a
impor preços altos na venda de seus produtos e preços baixos na compra de produtos
coloniais. Abria se, assim, um abismo entre os interesses coloniais e metropolitanos que
não cessará de se ampliar com o tempo. As tensões afloraram, dando origem às rebeliões
na. colônia.

O arrocho administrativo. O "círculo da opressão colonial" não se limitou apenas


às providências de exploração colonial. Simultaneamente, a organização política sofreu
profundas alterações, a fim de se adaptar às novas necessidades de exploração.

Não existia em Portugal um órgão voltado exclusivamente para a administração


colonial. Normalmente as questões administrativas eram competência de seções
ordinárias da burocracia metropolitana. Uma das decisões mais significativas ocorridas
com a Restauração foi a criação do Conselho Ultramarino por D. João N, em 1640,
regulamentada em 1642. O novo órgão nasceu subordinado à Secretaria de Estado dos
Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos e estava encarregado exclusivamente da
administração colonial. Foi esse o passo decisivo para a centralização administrativa cola
colonial. Esse novo órgão centralizador veio concluir o processo iniciado em 1549, com a
instalação do governo-geral. Com o Conselho Ultramarino, os poderes dos donatários,
que já haviam sido limitados com a criação do governo-geral, diminuíram sensivelmente.
Seus poderes ficaram praticamente limitados aos direitos tributários que estabeleciam os
forais. Estavam agora estritamente subordinados ao representante do rei, o governador-
geral. Significativamente, os governadores-gerais começaram a ser chamados de vice-
reis, embora tal denominação só se oficializasse em 1720.

Outra transformação observada foi o declínio dos poderes locais. As Câmaras


Municipais foram reduzidas a meros órgãos de execução das ordens emanadas dos
governadores. Nos lugares dos antigos juízes ordinários que presidiam as câmaras, foram
colocados os juízes de fora, nomeados belo rei. A autonomia das câmaras, outrora tão
poderosas, foi neutralizada e, em Salvador - capital da colônia -, os próprios vereadores
passaram a ser diretamente nomeados pelo rei, como podemos ver no novo organograma
da administração colonial apresentado abaixo. Daí em diante, até a extinção do regime
colonial, o órgão supremo da administração seria o Conselho Ultramarino.

Observe bem: embora "glamurosa", a expulsão dos holandeses do Brasil,


segundo o historiador Evaldo Cabral de Melo, em estudo recente, custou aos cofres
públicos portugueses uma indenização equivalente a 63 toneladas (isso mesmo,
SESSENTA E TRÊS TONELADAS!) de ouro, que a coroa portuguesa pagou ao longo de
quarenta anos em prestações anuais sob pena de sofrer novas invasões. Esta espécie de
seguro contra ataques holandeses ao Brasil, obviamente lucrativo para a Holanda, pouco
ou nada custou a Portugal, que simplesmente retirava o ouro das Minas Gerais, recém-
descobertas...

Mineração no Brasil Colônia

Condicionantes da mineração – Até o século XVII, a economia açucareira era a


atividade predominante da colônia e o interesse metropolitano estava inteiramente voltado
para o seu desenvolvimento. Porém, a partir de meados do século XVII, o açúcar
brasileiro sofreu a forte concorrência antilhana, claro, os holandeses, uma vez “expulsos”
passaram a produzir em suas colônias no Caribe, fazendo com que a Coroa portuguesa
voltasse a estimular a descoberta de metais.

Os paulistas, que conheciam bem o sertão, iriam desempenhar um papel


importante nessa nova fase da história colonial. Já em 1674, destacou-se a bandeira de
Fernão Dias Pais, que, apesar de não ter descoberto metais preciosos, serviu para indicar
o caminho para o interior de Minas. Poucos anos depois, a bandeira de Bartolomeu
Bueno da Silva – o Anhangüera – abriria caminho para o Brasil central (Goiás e Mato
Grosso).

Descoberta do ouro e povoamento – A procura de metais preciosos no Brasil era


bem antiga e datava do início da colonização, sobretudo depois da descoberta da rica
mina de prata de Potosí, em 1545, na atual Bolívia. A criação do governo-geral em 1548,
e a sua instalação no ano seguinte, foi um reflexo daquela descoberta.

De fato, diversas foram as “entradas” (expedições sertanistas oficiais) que


partiram da Bahia, Espírito Santo, Ceará, Sergipe e Pernambuco para o interior.

Os principais exploradores do sertão, foram os paulistas. Com um irrisório apoio


oficial, Fernão Dias Pais partiu em 1674 para o sertão, onde permaneceu por seis anos,
chegando ao Jequitinhonha. Porém, não descobriu nada de valor. Em 1681 encontrou
turmalinas acreditando serem esmeraldas.

Contudo, durante os anos em que permaneceu no sertão, desbravou grande parte


do interior das Gerais e abriu caminho para futuras descobertas de importância.

Costuma-se atribuir o início da mineração à descoberta do ouro feita por Antônio


Rodrigues Arzão, em 1693, embora a corrida do ouro começasse efetivamente com a
descoberta das minas de Ouro Preto por Antônio Dias de Oliveira, em 1698.
Além de se difundir pelo Brasil, a notícia chegou a Portugal através da
correspondência dos governadores ao rei.

De diversos pontos do Brasil começou a chegar grande quantidade de


aventureiros, ávidos de rápido enriquecimento. Mesmo de Portugal vieram, a cada ano,
cerca de 10 mil pessoas, durante sessenta anos.

A primeira conseqüência desse deslocamento maciço da população para as


regiões das minas foi a grave carestia, que se tornou particularmente catastrófica nos
anos 1697 – 1698 e, novamente, em 1700 – 1701. O jesuíta Antonil, que viveu nesse
tempo, escreveu que os mineiros morriam à míngua, “com uma espiga de milho na mão,
sem terem outro sustento”.

População das minas: paulistas e emboabas – A população era bastante


heterogênea, mas distinguiam-se claramente paulistas e forasteiros. Estes eram
chamados, depreciativamente, pelos paulistas, de “emboabas”, que em língua tupi queria
dizer “pássaro de pés emplumados” - referência irônica aos forasteiros, que usavam
botas; os paulistas andavam descalços.

Nesse tempo a população paulista era de mamelucos e índios que utilizavam


como língua o tupi, mais do que o português. Embora minoritários, os paulistas
hostilizavam e eram hostilizados pelos emboabas. Julgavam-se donos das minas por
direito de descoberta. Mas a rivalidade entre paulistas e emboabas tinha outros motivos
mais significativos.

O comércio de abastecimento das Minas era controlado por alguns emboabas


que auferiam grandes lucros. Dada a sua riqueza e a importância da atividade que
exerciam, passaram a ter grande influência. Manuel Nunes Viana, português que veio
ainda menino para a Bahia, era um desses ricos comerciantes e principal líder dos
emboabas. Era proprietário de fazendas de gado no São Francisco e estava associado
aos comerciantes da Bahia.

A Guerra dos Emboabas – O estopim da guerra foi o desentendimento entre


Nunes Viana e Borba Gato, que era guarda-mor das Minas e, portanto, representante do
poder real. A fim de combater o contrabando do ouro, a Coroa havia proibido o comércio
entre as Minas e a Bahia, com exceção do gado. Apesar dessa determinação, o comércio
proibido continuou, sob a liderança de Nunes Viana. Borba Gato determinou então a
expulsão de Nunes Viana das Minas, mas este não a acatou e foi apoiado pelos
emboabas.

Ora, a maior parte das Minas era ocupada pelos emboabas, e os paulistas
estavam concentrados no rio das Mortes, de onde os emboabas decidiram, então,
desalojá-los. Sendo minoritários, os paulistas se retiraram, mas um grupo deles, com
maioria de índios, foi cercado pelos emboabas, que exigiram a rendição, prometendo
poupar-lhe a vida caso depusesse as armas. Foi o que fizeram os paulistas. Mas, mesmo
assim, foram massacrados no local que ganhou o nome de Capão da Traição.

Expulsos das Minas, os paulistas penetraram em Goiás e Mato Grosso, onde


novas jazidas seriam descobertas.

A organização da economia mineira – Havia, basicamente, dois tipos de


“empresas” mineradoras: a lavra (grande extração) e a faiscação (pequena extração). A
lavra consistia numa exploração de dimensão relativamente grande em jazidas de
importância e utilizava amplamente o trabalho escravo. À medida que essas jazidas iam
se esgotando e sua exploração tomava-se antieconômica, ocorria o deslocamento das
lavras para outras jazidas, deixando o que restara da anterior para a faiscação, praticada
por pequenos mineradores.

No Brasil, o ouro encontrava-se depositado na superfície ou em pequenas


profundidades: inicialmente exploravam-se os veios (nos leitos dos rios), que eram
superficiais; em seguida, os tabuleiros (nas margens), que eram pouco profundos; e,
finalmente, as grupiaras (nas encostas), que eram mais profundas. Dizemos, por isso, que
predominou o ouro de aluvião, que era depositado no fundo dos rios e de fácil extração,
ao contrário das minas de prata do México e do Peru, que dependiam de profundas
escavações. A extração do ouro de aluvião era, portanto, mais simples, mas de esgota-
mento mais rápido. Por essa razão, mesmo na organização das lavras, as empresas eram
concebidas de modo a poderem se mobilizar constantemente, conferindo à atividade
mineradora um caráter nômade. Por conseguinte, o investimento em termos de
equipamento não podia ser de grande vulto. Seguindo as características de toda a
economia colonial, a mineração era igualmente extensiva e utilizava o trabalho escravo. A
técnica de extração, por sua vez, era rudimentar e mesmo o número de escravos para
cada lavra era reduzido, embora haja notícias de lavras com mais de cem escravos. Na
realidade, a manutenção de uma empresa com elevado e permanente número de
escravos era incompatível com a natureza incerta das descobertas e da produtividade das
minas.

São Paulo – A descoberta das minas funcionou como um poderoso estímulo às


atividades econômicas em São Paulo. Porém, no início do século XVIII, a sua população
mal ultrapassava 15 mil pessoas e uma boa parte dela foi para as minas. Em
compensação, recebeu um acréscimo populacional proveniente de Portugal e já no final
do século XVIII tinha perto de 117 mil habitantes.

Assim, as lavouras foram se ampliando e multiplicaram-se as atividades


manufatureiras. O porto de Santos ganhou súbita importância como porta de entrada para
escravos e produtos importados europeus.

Como as minas necessitavam de animais de carga e transporte, alguns paulistas


deslocaramse para Paranaguá e Curitiba, onde dedicaram à criação. Outros foram buscar
na região platina (Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina) o gado muar, essencial para o
transporte.

Os caminhos para as minas – Situadas no interior do centro-sul, as minas eram


localidades de difícil acesso. De São Paulo aos núcleos mineradores a viagem era de
sessenta dias. Havia três caminhos de acesso. O que foi aberto por Fernão Dias Pais
passava por Atibaia e Bragança e alcançava a Mantiqueira. O outro, saindo de São Paulo,
percorria Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Jacareí, Pindamonhangaba, Guaratinguetá
e Lorena para chegar às três principais regiões mineradoras: Ribeirão do Carmo, Ouro
Preto e rio das Velhas. Um terceiro caminho passava por Mogi-Guaçu e correspondia,
grosso modo, ao traçado da Estrada de Ferro Mojiana, hoje desativada.

A Bahia possuía uma ligação com Minas muito anterior à descoberta do ouro. O
caminho foi aberto pelos bandeirantes paulistas no século XVII do sul para o norte. A
vantagem dessa via era a sua segurança e conforto. Não faltavam pastos para os
cavalos, nem alimento para os viajantes. As estradas eram mais largas e podiam ser
percorridas sem medo de ataques indígenas.

A Bahia estava apta a se integrar à economia mineira por várias razões: era um
centro antigo de colonização e, como tal, tinha uma economia mais bem preparada para
atender às demandas de Minas; a sua pecuária havia se expandido para o sertão e pelo
rio São Francisco dirigindo-se para as minas; além disso, era um grande centro
importador de produtos europeus e tinha a vantagem de estar mais próximo de Portugal
do que os portos sulinos.

Como aconteceu com outras regiões, grande contingente de baianos foi atraído
pelas minas. Até senhores de engenho abandonaram tudo e se mudaram para lá com
todos os seus bens e escravos.

Mas as autoridades coloniais não viam a integração da Bahia na economia


mineira com bons olhos. Não interessava ao rei que os baianos abandonassem a
economia açucareira. Havia ainda a preocupação com a venda de escravos dos
engenhos para as minas. Por outro lado, o contrabando do ouro era difícil de ser
controlado na estrada de Minas à Bahia. Por isso, a Bahia foi proibida de fazer comércio
com as Gerais, exceto no que se refere ao gado. A proibição, entretanto, foi inútil.
Contrariando as determinações, os baianos continuaram tão ativos no comércio com as
minas quanto os paulistas e os fluminenses.

De qualquer modo, para efeitos legais, o comércio muito intenso mantido pelos
mercadores baianos com as minas era considerado contrabando. E uma das maiores
figuras desse contrabando era, justamente, Manuel Nunes Viana, que teve um destacado
papel no episódio da Guerra dos Emboabas.

O Rio de Janeiro, no começo, não dispunha de acesso direto às minas, o que


dificultava o seu comércio. Mas rapidamente se beneficiou com a abertura do “caminho
novo”, construído em três anos (de 1698 a 1701) e aperfeiçoado entre 1701 e 1707.

Com a sua abertura, a viagem do Rio para Minas poderia ser realizada em doze
ou dezessete dias, conforme o ritmo da marcha. A vantagem do “caminho novo” era óbvia
comparado com o de São Paulo a Minas, no qual se gastavam sessenta dias. E essa
vantagem teve importantes conseqüências, pois transformou o Rio no principal fornecedor
das minas e na principal rota de escoamento do ouro. São Paulo sofreu os efeitos da
nova situação, mas graças à descoberta de minas em Goiás e Mato Grosso as perdas
foram contrabalançadas.

Sendo uma economia essencialmente importadora, a mineração dependia do


abastecimento externo de alimentos, ferramentas, objetos artesanais, incluindo os de
luxo, gado, principalmente o muar, para transporte e tração e, finalmente, escravos. Três
agentes se encarregaram desse abastecimento: o tropeiro, que trazia alimentos e outras
mercadorias; o boiadeiro e os comboieiros, que chegavam com os escravos.

A articulação econômica – Ao abrir-se como um grande mercado, a mineração foi


responsável pela articulação econômica da colônia, integrando não apenas São Paulo,
Rio e Bahia, mas também, através de São Paulo, a região sulina como um todo.

O gado muar era essencial como meio de transporte. E o principal centro produtor
estava localizado na região platina, que, tradicionalmente, fornecia esse gado para as
minas peruanas. Com a decadência destas últimas, um novo estimulo para a sua criação
veio de Minas. Assim se intensificou a ocupação da região platina, que resultou, no final,
na incorporação do Rio Grande do Sul ao domínio português.

Minas era também um grande mercado de escravos. A crescente demanda de


mão-de-obra escrava provocou significativas alterações no tráfico. Na África, a moeda de
compra de escravos era o fumo. A Bahia e Pernambuco tornaram-se, ao mesmo tempo,
grandes produtores de fumo e agenciadores de escravos africanos, propiciando o
aparecimento de armadores e traficantes brasileiros.

Os traficantes nordestinos chegaram a superar a concorrência de nações


poderosas como Inglaterra, França e Holanda, batendo também os portugueses.

Beneficiados com a abertura do “caminho novo”, mercadores do Rio de janeiro se


dedicaram intensamente ao tráfico, utilizando, como moeda de compra de escravos,
aguardente (pinga), açúcar e até ouro.

A intensificação do tráfico teve efeitos internos importantes. Na Bahia e em


Pernambuco ocorreu a expansão da cultura do tabaco e, no Rio, do engenho de
aguardente, destacando-se Parati.

Assim, atuando como pólo de atração econômica, a mineração favoreceu a


integração das várias regiões antes dispersas e desarticuladas. Surgiu, desse modo, um
fenômeno antes desconhecido na colônia: a formação de um mercado interno articulado.
Outra conseqüência importante da mineração foi a de ter deslocado o eixo econômico do
nordeste para o sul, valorizando principalmente o porto do Rio de Janeiro. Não foi por
acaso que em 1763, na administração pombalina, â capital da colônia acabou transferida
da Bahia para o Rio de Janeiro.

Contrabandeando – Portugal tinha, nesse quadro, uma posição parasitária. A


Coroa procurava extrair o máximo de benefício através da cobrança de impostos,
adotando medidas para evitar â sonegação e o contrabando. E não perdia nenhuma
oportunidade para carrear o ouro para os seus cofres. Ela cobrava impostos nas
alfândegas portuguesas e brasileiras, impunha taxas para â passagem de rios,
estabelecia impostos para lojas e vendas e também sobre â comercialização de escravos,
sem contar os impostos que incidiam diretamente sobre â mineração, como o quinto.

Porém, Portugal tinha um ponto fraco: â sua indústria manufatureira era muito
pouco desenvolvida, de modo que â maioria das mercadorias vendidas às minas era
importada da Inglaterra.

Os ingleses possuíam, só em Lisboa, cerca de noventa casas comerciais. Assim,


lucravam indiretamente com o comércio entre Portugal e o Brasil e, também, diretamente
através do contrabando. E esse contrabando era feito abertamente e, muitas vezes, com
â cumplicidade das autoridades coloniais portuguesas.

Os holandeses e franceses, que não tinham esse mesmo acesso, conseguiam


introduzir suas mercadorias através do contrabando realizado com navios brasileiros na
África, que, além de escravos, traziam seus produtos para serem vendidos nas minas.

Mineração e urbanização. A atividade minerados era altamente especializada, de


modo que toda mercadoria necessária ao consumo vinha de fora. Por isso, ao lado dos
milhares de mineradores, foram se estabelecendo artesãos e comerciantes, dando à
região das minas um povoamento com forte tendência urbanizados. Também â
administração, preocupada em evitar o contrabando e â sonegação, favoreceu a
urbanização. O agrupamento em cidades facilitava o controle sobre â produção
minerados.Assim, rapidamente os arraiais de ouro se transformavam em centros urbanos:
Vila Rica do Ouro Preto, Sabará, Ribeirão do Carmo (atual Mariana), São João del Rei,
etc.

Por serem grandes as incertezas, â atividade mineira não permitia â constituição


de empresas de grande vulto, em caráter permanente, salvo em casos reduzidíssimos
dos grandes mineradores. Para as empresas de menor tamanho, devido às incertezas e à
voracidade fiscal, â situação geral era â impermanência, o que resultou numa forma muito
especial de trabalho escravo. Não podendo arcar com os custos da manutenção de uma
escravaria numerosa, os pequenos mineradores davam aos escravos, em geral, uma
autonomia e liberdade de iniciativa que não se conheceu nas regiões açucareiras. Muitas
vezes trabalhavam longe de seu senhor ou mesmo por iniciativa própria, obrigados
apenas à entrega da parte de seus achados. Essa situação possibilitou aos escravos
acumularem para si um certo volume de riqueza que, posteriormente, foi utilizado na com-
pra de sua alforria (liberdade).

Apesar disso, não se deve concluir que â escravidão fosse menos rigorosa nas
minas. Tal como nos centros açucareiros, â desigualdade foi reproduzida com â mesma
intensidade e â pobreza contrastava com â opulência de uma minoria. Ao contrário do que
se acreditava, â mineração não foi mais democrática. E mais: as grandes fortunas não
tiveram origem na atividade minerados, mas no comércio.

A administração das minas. Diferentemente das outras atividades econômicas da


colônia, â mineração foi submetida â rigorosa disciplina e controle por parte da metrópole.
Aqui, as restrições atingiram o seu ponto culminante.

Desde o século XVII â mineração já se encontrava regulamentada. Os Códigos


Mineiros de 1603 e 161 S, embora admitissem â livre exploração das minas, impunham
uma fiscalização rigorosa na cobrança do quinto (quinta parte do ouro extraído).

Com as descobertas do final do século XVII, â metrópole elaborou um novo


código, que substituiu os anteriores e perdurou até o final do período colonial: o
Regimento dos Superintendentes, Guardas-mores e Oficiais Deputados para as Minas de
Ouro, que data de 1720.

Para a aplicação efetiva das medidas contidas no regimento, foi criada â


Intendência das Minas para cada capitania em que o ouro havia sido descoberto. A
principal característica desse órgão era a sua completa independência em relação a
outras autoridades coloniais. A intendência reportava-se diretamente ao Conselho
Ultramarino.

O mais alto cargo da intendência pertencia ao superintendente ou intendente, que


aplicava a legislação e zelava pelos interesses da Coroa. Outro funcionário importante era
o guarda-mor, a quem competia a repartição das datas (lotes de jazidas auríferas) e a
fiscalização e observância do regimento em locais distantes; em certas circunstâncias
cabia ao guarda mor nomear, pára substituí-lo, os guardas-menores.

A fim de evitar as sonegações, outro elemento veio a se agregar à administração:


a Casa de Fundição. Na verdade, ela existia desde 1603 e, de acordo com o Código
Mineiro da mesma data, deveria ter uma função importante na arrecadação do quinto.
Todo o ouro extraído deveria ser levado a essa casa e fundido em forma de barra, da qual
se deduzia, automaticamente, o quinto da Coroa. Nas barras assim fundidas ficava
impresso o selo real e só assim o ouro podia circular.

Todas as descobertas deveriam ser comunicadas à intendência. Em seguida, os


guardas-mores delimitavam a zona aurífera em diferentes datas. Em dia, hora e local
previamente anunciados, fazia-se a distribuição das datas: a primeira cabia ao
descobridor, a segunda à Coroa, que a revendia posteriormente em leilão, e, a partir da
terceira, procedia-se por sorteio, embora a dimensão das datas fosse proporcional ao
número de escravos do pretendente.

A exploração das datas deveria iniciar-se num prazo de quarenta dias. Caso
contrário, o proprietário era obrigado a devolver o seu lote. Em caso de perda dos
escravos, a data poderia ser vendida.

Tributação em Minas – O objetivo da Coroa era garantir, por todos os meios, a


sua renda. Desde o século XVII, existia uma legislação minerados que estipulava o
pagamento de 20%° (1/5) do ouro descoberto e explorado. Com a descoberta do ouro em
Minas, o primeiro problema foi o de saber de que modo esse imposto - o quinto - deveria
ser cobrado:

Utilizaram-se, basicamente, três formas: a capitação, o sistema de fintas e as


Casas de Fundição.

A primeira a ser aplicada foi a capitação, que era, na prática, um imposto que
incidia sobre o número de escravas de cada minerador, esperando-se, com isso, que a
arrecadação correspondesse ao “quinto”. Mas essa medida gerou revoltas, pois os
mineradores ficavam sujeitos ao pagamento mesmo que seus escravos não
encontrassem ouro algum.

Tentou-se, por isso, adotar o sistema de fintas, que consistia no pagamento, pela
população minerados, de 30 arrobas anuais fixas, que, teoricamente, corresponderiam ao
quinto. Mas quem não concordou dessa vez foi o rei, que obrigou à volta ao regime de
capitação. Devido a novas revoltas, ele recuou e aceitou o sistema de fintas, cujo
pagamento foi garantido pelas Câmaras Municipais locais. Esse sistema foi adotado em
1718.

O rei continuava insatisfeito. Secretamente fez os seus funcionários trabalharem


para a instalação das Casas de Fundição nas Minas. Segundo esse novo regime, os
mineradores seriam obrigados a enviar o ouro em pó para ser fundido e transformado em
barras com o selo real nas Casas de Fundição, onde o ouro seria automaticamente
quietado.

Em 1719, o governador de Minas, o conde de Assumar, anunciou a instalação,


para o ano seguinte, das Casas de Fundição. A notícia deu origem a boatos, e os
mineradores se revoltaram em vários lugares. O governo de Minas, entretanto, contava
com uma tropa recémcriada, os dragões, que foi imediatamente utilizada para sufocar as
rebeliões. Em junho de 1720 eclodiu em Vila Rica um sério levante organizado por
grandes mineradores, ao qual aderiram também os setores populares encabeçados por F’
Filipe dos Santos. No processo, o movimento se radicalizou e acabou sendo controlado
por este último. Provavelmente por sua sugestão, os revoltosos chegaram a pensar em
assassinar o governador e declarar a independência da capitania.

Dezesseis dias depois da eclosão da revolta, Assumar ocupou Vila Rica com
1500 soldados e pôs fim ao movimento. Filipe dos Santos foi sumariamente condenado e
executado e o seu corpo esquartejado.

Cinco anos depois dessa revolta, finalmente entraram em funcionamento as


Casas de Fundição (1725).

A Coroa e as autoridades coloniais achavam que o único modo de evitar o


contrabando e a sonegação era retirar o máximo das minas. Assim, o desvio do ouro, se
continuasse, seria menor. Por isso, dez anos depois, o rei ordenou o retorno ao sistema
da capitação. Em 1751 a capitação foi novamente abolida para se adotar um sistema
conjugado: Casas de Fundição e cobrança de cotas anuais fixadas em 100 arrobas (1500
kg). Além disso, ficou estabelecido que, se as cotas não fossem pagas, toda a população
ficaria sujeita à derrama (cobrança forçada para completar as 100 arrobas). Esse recurso
extremo e odiado pelos mineiros foi um dos fatores que levaram à Inconfidência Mineira
em 1789.

Distrito Diamantino – A opressão colonial havia se intensificado


consideravelmente na mineração do ouro. Mas foi na extração do diamante que se
estabeleceu a forma mais extrema dessa opressão.

Os primeiros diamantes foram encontrados em 1729, e o regime de extração era


semelhante ao do ouro até 1740. Dos diamantes extraídos pagava-se o quinto. Em 1740
alterou-se o regime de sua exploração, mediante o regime de concessão e contrato, que
consistia na concessão de exploração a um único contratador, ficando este obrigado à
entrega de uma parte da produção diamantífera. O primeiro contratador foi João
Fernandes de Oliveira, sucedido mais tarde por Felisberto Caldeira Brant. Esse sistema
perdurou até 1771, quando então se estabeleceu o monopólio real, com a instalação da
Real Extração.

No tempo de Pombal (1750 - 1777), a extração ficou limitada ao Distrito


Diamantino, atual Diamantina, absolutamente isolado do resto da colônia. Sua
administração era exercida pela Intendência dos Diamantes, cuja criação data de 1734.
No distrito, o intendente possuía poder virtualmente absoluto, incluindo o direito de vida e
morte sobre as pessoas de sua jurisdição. Ninguém podia entrar ou sair do distrito sem
sua expressa autorização. A fim de evitar o contrabando, instalou-se um verdadeiro
regime de terror, com estímulo à delação, o que favoreceu a criação de um clima de medo
e total insegurança.

O declínio da mineração. A partir da segunda metade do século XVIII, a atividade


mineradora começou a declinar, com a interrupção das descobertas e o gradativo
esgotamento das minas em operação. O predomínio do ouro de aluvião, de fácil extração,
não requeria uma tecnologia sofisticada. Porém, à medida que esses depósitos aluvionais
se esgotavam, era necessário passar para a exploração das rochas matrizes (quartzo
itabirito) extremamente duras e que demandavam uma tecnologia com maiores
aperfeiçoamentos. Chegando nesse ponto, a mineração entrou em acentuada
decadência.

A quase completa ignorância dos mineradores (o conhecimento que se tinha era


fruto da experiência) e a utilização pouco freqüente de novas técnicas, por falta de
interesse e de capital, selaram o destino das minas no Brasil. A atividade se manteve
porque a área de exploração era grande e as explorações foram conquistando essa
região até que ela se exaurisse completamente nos inícios do século XIX. À Coroa só
interessava o quinto. Assim, a partir de 1824, já na época do Brasil independente,
concedeu-se o direito de prospecção a estrangeiros, que recomeçaram a explorar com
melhores recursos técnicos e mão-de-obra barata.

A Economia nos Fins do Século XVIII

O “Renascimento Agrícola” – A partir da decadência da mineração na segunda


metade do século XVIII, a agricultura exportadora voltou a ocupar posição de destaque na
economia colonial. Esse fenômeno foi chamado, pelo historiador Caio Prado Jr., de
“renascimento da agricultura”. Mas não foi apenas o esgotamento das jazidas que explica
esse renascimento. Outros fatores devem ser destacados.

O esgotamento do ouro ocorre no contexto da crise do Antigo Regime, motivada


pelas profundas transformações na Europa. O renascimento agrícola esteve ligado, de um
lado, ao incremento demográfico do século XVIII e, de outro, à grande alteração da ordem
econômica inglesa em meados do século, com a Revolução Industrial.

Com isso, criou-se na Europa uma demanda intensa de produtos agrícolas para
alimentar a população em crescimento. Por outro lado, a Revolução Industrial, que se
iniciou no setor têxtil do algodão, ampliou consideravelmente a demanda por essa
matéria-prima. O fornecedor tradicional do algodão era a Índia, agora incapaz de suprir
satisfatoriamente a. crescente demanda. No século XVIII, as colônias sulistas dos atuais
EUA, importantes fornecedoras do algodão, paralisaram suas remessas em virtude de
seu rompimento com a Inglaterra e do início da Guerra de Independência (1776 - 1781).
As pressões das circunstâncias levaram a Inglaterra a se voltar para outros mercados,
favorecendo então o Brasil, que intensificou a produção algodoeira.

A produção açucareira retomou, por seu turno, um ritmo acelerado de expansão,


também na segunda metade do século XVIII, em virtude da Revolução Francesa (1789 -
1799), que estimulou as rebeliões coloniais antilhanas de dominação francesa,
desorganizando a produção açucareira e favorecendo a exportação brasileira.
Importantes centros de produção açucareira como o Haiti (colônia francesa) conheceram
uma agitação sem precedentes. Em razão disso, os engenhos do Brasil foram reativados,
beneficiando-se da nova conjuntura. Por fim, a neutralidade portuguesa diante dos
conflitos europeus, desencadeados com a Revolução Francesa, criou condições para o
incremento de seu comércio colonial.

Todos esses acontecimentos contribuíram para alterar a fisionomia geoagrícola


do Brasil. De fato, a nova conjuntura estimulou a diversificação da produção. A produção
do algodão teve como centro o Maranhão. Outras regiões também se dedicaram ao seu
cultivo, embora em menor escala, como o extremo norte do Pará, Ceará, região do
agreste nordestino, Minas e Goiás. No caso do açúcar, além dos centros tradicionais
nordestinos, novas áreas foram ativadas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Em São
Paulo o quadrilátero do açúcar formado pelas cidades de Mogi-Guaçu, Sorocaba,
Piracicaba e Jundiaí iria preparar, no século XIX, o ingresso da cultura cafeeira.
Desenvolveu-se também o plantio do arroz no Maranhão e no Rio de janeiro, e de anil ou
índigo em Cabo Frio.

Nesse quadro de diversificação, a pecuária sulina teve um papel importante na


definição de fronteiras no Prata. Essa atividade teve a sua origem na destruição das
missões jesuíticas pelos bandeirantes paulistas. O gado criado pelos jesuítas se
dispersou pelos campos do sul e encontrou condições favoráveis para a sua
multiplicação. As primeiras atividades pecuárias no sul limitavam-se ao apresamento do
gado solto para dele extrair o couro, que era exportado (a carne não era consumida).
Posteriormente, com a mineração, a capitania de São Pedro (atual Rio Grande do Sul)
ganhou vitalidade com a exportação do gado, conforme já vimos. Com o declínio da
mineração, a região se integrou definitivamente ao resto da colônia com a produção do
charque (carneseca), que será exportado para os centros urbanos e toda a região
litorânea do Rio à Bahia. Com as charqueadas consolidou-se o domínio português na
região platina.

Reformas Pombalinas, Primeiras Contestações ao Sistema Colonial e Fixação de


Limites entre Portugal e Espanha

A crise do Antigo Regime – O declínio da mineração no Brasil coincide, no plano


internacional, com a crise do Antigo Regime. Fazendo um balanço de toda a exploração
colonial do Brasil, chegamos à melancólica conclusão de que Portugal não foi o principal
beneficiário da exploração colonial.

Os benefícios da colonização haviam se transferido para outros centros europeus


em ascensão: França e, em especial, Inglaterra. De fato, o século XVIII teve a Inglaterra
como centro da política internacional e pivô das mudanças estruturais que começavam a
afetar profundamente o Antigo Regime. Como nação vitoriosa na esfera econômica, a
Inglaterra estava prestes a desencadear a Revolução Industrial, convertendo-se na mais
avançada nação burguesa do planeta.

A visível transformação econômica foi acompanhada, na segunda metade do


século XVIII, por uma ebulição no nível das idéias. Surgiu o Iluminismo e, com essa
filosofia, uma nova visão do homem e do mundo. Por trás de todo esse movimento,
encontrava-se a burguesia, comandando a crítica ao Antigo Regime e, portanto, à
nobreza e ao absolutismo.

Mas os filósofos iluministas, como Voltaire e Diderot, seduziram os monarcas


absolutistas da Prússia, Áustria, Rússia, Portugal e Espanha. Sem abrir mão do
absolutismo, esses monarcas realizaram algumas das reformas recomendadas pelos
iluministas, que vieram reforçar o seu poder, uma vez que a modernização empreendida
aliviou as tensões sociais. Por se manterem absolutistas e optarem por reformas
modernizadoras, aqueles monarcas ficaram conhecidos como déspotas esclarecidos.
Esse foi um fenômeno típico da segunda metade do século XVIII.

D. José I (1750-1777) e seu ministro, o marquês de Pombal, foram os


representantes do despotismo esclarecido em Portugal.

Reformas Pombalinas

As reformas pombalinas – No reinado de D. José I, o ministro Sebastião José de


Carvalho, marquês de Pombal, com sua forte personalidade, caracterizou o período,
denominado em virtude disso "pombalino”.
O período pombalino coincidiu com a época da decadência da mineração, e todo
o esforço político do ministro de D. José I concentrou-se na tentativa de modernização do
reino. Mas essa modernização, como era típico dos déspotas esclarecidos, foi imposta de
cima para baixo.

Considerando as suas realizações em conjunto, conclui-se que a política de


Pombal tinha em vista, de um lado, o fortalecimento do Estado e, de outro, a autonomia
econômica de Portugal.

No primeiro caso, Pombal tratou de diminuir a influência da nobreza e sobretudo


dos jesuítas, os quais expulsou de Portugal e de todos os seus domínios em 1759.

Quanto à autonomia econômica, o seu objetivo era o de tirar o país da órbita


inglesa, na qual ingressara a partir de meados do século XVII.

Desde o fim da União Ibérica em 1640, o Brasil era a mais valiosa possessão
portuguesa. Com a descoberta e a exploração do ouro em Minas, o Brasil ocupou o lugar
indiscutível de retaguarda econômica da metrópole. Porém, no tempo de Pombal, a
mineração encontrava-se em franca decadência. A sua preocupação foi então a de
reorganizar a administração colonial, fortalecer os laços do exclusivo metropolitano, a fim
de garantir o máximo de transferência da riqueza brasileira para Portugal.

Em sua política colonial, Pombal tratou de centralizar a administração para maior


controle metropolitano. Nesse terreno, o ministro tomou duas medidas importantes. A
primeira foi a extinção do regime de capitanias hereditárias e, portanto, o fim do poder dos
donatários. A segunda foi a reunificação administrativa.

Com essa reunificação ficava abolida a antiga divisão administrativa estabelecida


em 1621, quando então o Brasil ficou dividido em dois Estados: o Estado do Maranhão e
o do Brasil, cada qual com um governador próprio. O primeiro abrangia Pará, Maranhão e
Ceará e o segundo, os demais territórios ao sul. A capital do Estado do Maranhão era São
Luís e a do Estado do Brasil era a Bahia.

Pombal reunificou a administração, transferindo, ao mesmo tempo, a capital para


o Rio de Janeiro, em 1763, o que mostrou a sua preocupação em manter a cabeça
administrativa bem próxima da economia mineira.

Mas a sua política não estava concentrada apenas em Minas. Ela abrangia
também a economia açucareis do nordeste e a exploração das "drogas do sertão" da
região amazônica.

Em relação a Minas, com a finalidade de assegurar os rendimentos da Coroa,


Pombal tomou a iniciativa de converter a exploração diamantífera em monopólio real, com
o Regimento da Real Extração e, em relação ao ouro, ele estabeleceu um regime de
taxação que combinava a Casa de Fundição e o sistema de fintas com cotas de 100
arrobas, complementado pela derrama.

Para atuar no nordeste e na região amazônica, Pombal criou a Companhia Geral


do Comércio do Grão Pará e Maranhão (1755) e a Companhia Geral do Comércio de
Pernambuco e Paraíba (1759).
Assim, o quadro geral da administração colonial caracterizou-se, no final do
século XVIII, pela crescente racionalização da atividade econômica, tendo por objetivo a
transferência do máximo de riqueza do Brasil para Portugal. Paralelamente a essa
racionalização, aumentava também o grau de opressão colonial. Essa tendência
continuou com D. Maria I, que sucedeu a D. José I. No seu reinado, através do Alvará de
1785, proibiu-se a atividade manufatureira no Brasil.

Contestações ao Sistema Colonial

Contradições do sistema colonial – O sistema colonial possuía dois eixos


contraditórios. De um lado, senhores e escravos; de outro, colônia e metrópole.

No Brasil, esse sistema ganhou a forma típica de escravismo colonial, e esse


caráter simultaneamente escravista e colonial não foi desfeito ao mesmo tempo. Primeiro,
romperam-se os laços coloniais e, muito mais tarde, aboliu-se a escravidão.

Alguns historiadores, em data mais recente, afirmaram que o escravismo, e não o


caráter colonial, vem a ser o traço definidor mais importante da sociedade. Por isso não
dão muita importância à independência do Brasil. Para eles, o fato decisivo é a abolição
da escravidão, em 1888. E um exagero: a superação da ordem colonial (o processo de
independência) foi um fenômeno de grande importância e não tem sentido minimizá-lo em
favor de outro, que foi a abolição da escravatura.

De fato, nas inúmeras rebeliões ocorridas antes da independência, raras foram as


que colocaram em xeque o escravismo. A maioria contestava diretamente o regime
colonial a que o Brasil estava submetido, e muitas pessoas arriscaram a própria vida para
aboli-lo. E isso tem a sua importância histórica. Ninguém estava lutando contra uma
ficção, mas contra algo muito real: a opressão e exploração coloniais.

No entanto, aqueles historiadores não deixam de ter razão. Se prestarmos


atenção apenas à luta pela emancipação, deixamos de lado as camadas populares e os
escravos, pois a obra emancipadora foi, no Brasil, produto das elites. Não se deve
esquecer que os de baixo estavam tão insatisfeitos com o regime colonial quanto com a
dominação dos senhores de escravos.

Tendo em vista, portanto, essa dupla contradição do sistema colonial,


examinemos o processo emancipacionista.

A primeira constatação importante é a de que o rompimento dos laços coloniais


decorreu do próprio funcionamento do sistema: para explorar a colônia é preciso, antes de
tudo, desenvolvê-la. Porém, à medida que a colônia se desenvolve, engendra interesses
próprios que passam a divergir dos da metrópole. Esse é o momento em que os próprios
colonos tomam consciência da exploração e de si próprios como colonos. Por isso
mesmo, serão os integrantes da camada dominante os primeiros a alcançarem de forma
aguda essa consciência e, em regra, serão eles os dirigentes desse movimento de
emancipação.

Isso não impediu, todavia, que as contradições sociais internas da colônia se


aguçassem paralelamente à luta contra a metrópole, de modo que a ruptura dos laços
coloniais poderia ser acompanhada, ao menos como possibilidade, de uma convulsão
social.
Examinando em conjunto o processo emancipacionista da América, verifica-se
que, em geral, a independência não se fez acompanhar de uma revolução social. A única
exceção foi o Haiti, colônia francesa que, em 1792, libertou-se da metrópole através de
uma vasta rebelião escrava, extinguindo, ao mesmo tempo, a escravidão. Nos demais
países, a independência não alterou em nada a estrutura social, que, no caso brasileiro,
era escravista. Porém, isso não significa que a possibilidade de uma revolução social não
esteve presente, de modo quase permanente, nas revoltas anticolonialistas.

O sentido das rebeliões coloniais – As primeiras rebeliões anticolonialistas


surgiram nos fins do século XVII e início do seguinte e foram resultado direto da nova
política colonial adotada por Portugal depois da Restauração (1640). Nesse contexto, as
contradições entre metrópole e colônia se manifestaram de diversas maneiras: de um
lado, como protesto ao regime comercial monopolista, como na Revolta de Beckman
(1684), no Maranhão; de outro, como uma guerra entre senhores e escravos fugitivos,
como em Palmares (1694), em Alagoas; mas também como conflito entre senhores de
engenho e mercadores, como na Guerra dos Mascates (1709-1711), em Pernambuco; e,
enfim, como reação à opressão fiscal, exemplificada pela Revolta de Vila Rica (1720), em
Minas.

Todas essas rebeliões tiveram por base a contradição metrópole-colônia e, no


caso de Palmares, senhores-escravos. Entretanto, cada rebelião possuía o seu caráter
específico e apresentou grande complexidade.

Porém, as rebeliões coloniais até o início do século XVIII não chegaram a propor
claramente a emancipação política como solução. Elas só terão esse caráter com a
Inconfidência Mineira (1789) e a Conjuração Baiana ou dos Alfaiates (1798).

As primeiras manifestações anticolonialistas. Nos primeiros tempos da


colonização, a contradição entre metrópole e colônia era latente e existia apenas em
potencial. Na realidade, a colônia era vista como um prolongamento da metrópole, e os
interesses não eram, de início, conflitantes. Na fase da montagem da economia colonial
inexistia, na prática, divergências entre colonos e o Estado metropolitano. Porém, à
medida que o processo colonizador avançou e se consolidou, os interesses tornaram-se
conflitantes.

Ora, isso é perfeitamente compreensível, pois a metrópole não tem o que explorar
se a riqueza não for produzida. Uma vez produzida, a luta pela sua posse é
desencadeada.

Na segunda metade do século XVII, com a Restauração (1640) e a expulsão dos


holandeses (1654), a divergência de interesses entre colônia e metrópole tornou-se
evidente. A opressão colonial começou a ser sentida com a criação das Companhias de
Comércio, às quais a metrópole concedeu monopólio do comércio colonial. A própria
administração portuguesa ganhou um novo contorno com a criação do Conselho
Ultramarino.

Assim, à medida que o Estado português torna-se clara e conscientemente


colonialista, no Brasil desenvolve-se uma consciência anticolonialista.

Revolta de Beckman (1684) – Em meados do século XVII, o Maranhão estava


com problemas devido à dificuldade de escoar a sua produção e de obter gêneros
metropolitanos e, sobretudo, escravos.
A criação da Companhia do Comércio do Estado do Maranhão em 1682, que
tinha por objetivo precisamente resolver tais problemas, veio agravar ainda mais a
situação. Em princípio, essa companhia deveria não apenas adquirir a produção
açucareis como também fornecer gêneros metropolitanos e escravos. Porém, visto que a
ela fora concedido o monopólio tanto da venda de escravos e produtos metropolitanos,
como da compra do açúcar, os colonos ficaram sujeitos aos preços arbitrariamente
estabelecidos pela companhia, o que já era motivo de insatisfação. Essa insatisfação
converteu-se em aberta rebelião porque, além disso, a companhia não cumpriu o seu
compromisso de abastecer adequadamente o Maranhão com bens metropolitanos e
escravos.

A revolta eclodiu em 1684 liderada por Manuel Beckman, um abastado senhor de


engenho. Os revoltosos propunham a abolição do monopólio da companhia e uma
relação comercial mais justa. Em sinal de protesto, o governo local foi deposto, os
armazéns da companhia saqueados e os jesuítas, velhos inimigos dos colonos por
impedirem a escravização do índio, foram expulsos.

Sob a direção de Manuel Beckman foi composto um governo provisório, e seu


irmão, Tomás Beckman, foi enviado a Lisboa para apresentar as reivindicações dos
revoltosos. Estas não foram atendidas e Tomás Beckman foi preso e recambiado para o
Brasil, na frota em que veio o novo governador, Gomes Freire de Andrade. Este
desembarcou no Maranhão, onde foi recebido com obediência, e, em seguida, reconduziu
as autoridades depostas. Manuel Beckman fugiu e quando planejava libertar o irmão do
cárcere foi traído por um afilhado. Beckman foi preso e executado.

Apesar do fracasso, esse foi o primeiro movimento anticolonial organizado,


embora não tivesse ocorrido aos dirigentes do movimento a independência da colônia em
relação a Portugal, ou seja, a condição colonial não foi questionada.

Quilombo dos Palmares (1630-1694) – No Brasil, a exploração colonial resumia-


se, em última análise, na exploração do trabalho escravo pelo senhor. Devido ao caráter
colonial dessa exploração, é verdade que o próprio senhor não ficava com todo o produto
do trabalho escravo. Boa parte da riqueza ia para o Estado na forma de impostos e,
também, para os cofres dos comerciantes portugueses. Daí a razão da revolta dos
senhores contra o sistema colonial e as autoridades que o representavam. Mas não es
apenas a camada dominante que se rebelava. Também os escravos elaboraram meios de
resistir contra o seu opressor imediato, isto é, o senhor.

A resistência dos escravos assumiu formas muito variadas: fuga, suicídio,


assassinato, passividade no trabalho, etc. Em qualquer uma dessas formas, o escravo
negava a sua condição e se contrapunha ao funcionamento do sistema como um todo.

A fuga, entretanto, foi a mais significativa forma de resistência e rebeldia. Não


pela fuga em si, mas pelas suas conseqüências: os fugitivos se reuniam e se
organizavam em núcleos fortificados no sertão, desafiando as autoridades coloniais.
Observemos que, no combate à rebeldia escrava, aliavam-se senhores e autoridades
coloniais.

Esses núcleos eram formados por pequenas unidades, os mocambos (reunião de


casas), que, no conjunto, formavam os quilombos. Cada mocambo possuía um chefe,
que, por sua vez, obedecia ao chefe do quilombo, denominado zumbi. Os moradores dos
quilombos eram conhecidos como quilombolas. Eles se dedicavam ao trabalho agrícola e
chegavam a estabelecer relações comerciais com os povoados vizinhos.

Palmares foi o maior quilombo formado no Brasil. Localizava-se no estado atual


de Alagoas e deve o seu nome à grande quantidade de palmeiras existentes na região.

Sua origem situa-se no início do século XVII, mas foi a partir de 1630, quando a
conquista holandesa desorganizou os engenhos, que a fuga maciça de escravos tornou
Palmares um quilombo de grandes proporções. Em 1675, a sua população foi avaliada
em 20 ou 30 mil habitantes.

Com a expulsão dos holandeses em 1654 e a escassez de mão-de-obra aliada ao


fato de Palmares funcionar como pólo de atração para outros escravos, estimulando a sua
fuga, as autoridades coloniais, apoiadas pelos senhores, decidiram pela sua destruição.
Várias expedições foram feitas contra ele, mas nenhuma delas teve sucesso. Foram
contratados então os serviços de um veterano bandeirante, Domingos Jorge Velho.
Apoiado por abundante material bélico e homens, o bandeirante contratado conseguiu
finalmente destruir Palmares em 1694. Todavia, o chefe do quilombo, Zumbi, não foi
capturado na ocasião. Somente um ano depois foi encontrado e executado.

Guerra dos Mascates (1709-1711) – A Guerra dos Mascates ocorreu em


Pernambuco e, aparentemente, foi um conflito entre senhores de engenho de Olinda e
comerciantes do Recife. Estes últimos, denominados "mascates", eram, em sua maioria,
portugueses.

Antes da ocupação holandesa, Recife era um povoado sem maior expressão. O


principal núcleo urbano era Olinda, ao qual Recife encontrava-se subordinado.

Porém, depois da expulsão dos holandeses, Recife tornou-se um centro


comercial, graças ao seu porto excelente, e recebeu um grande afluxo de comerciantes
portugueses.

Olinda era uma cidade tradicionalmente dominada pelos senhores de engenho. O


desenvolvimento de Recife, cidade controlada pelos comerciantes, testemunhava o
crescimento do comércio, cuja importância sobrepujou a atividade produtiva agroindustrial
açucareis, à qual se dedicavam os senhores de engenho olindenses.

O orgulho desses senhores havia sido abalado seriamente desde que a


concorrência antilhana havia colocado em crise a produção açucareis do nordeste. Mas
ainda eram poderosos, visto que controlavam a Câmara Municipal de Olinda.

À medida que Recife cresceu em importância, os mercadores começaram a


reivindicar a sua autonomia político-administrativa, procurando libertar-se de Olinda e da
autoridade de sua Câmara Municipal. A reivindicação dos recifenses foi parcialmente
atendida em 1703, com a conquista do direito de representação na Câmara de Olinda.
Entretanto, o forte controle exercido pelos senhores sobre a Câmara tornou esse direito,
na prática, letra morta.

A grande vitória dos recifenses ocorreu com a criação de sua Câmara Municipal
em 1709, que libertava, definitivamente, os comerciantes da autoridade política olindense.
Inconformados, os senhores de engenho de Olinda, utilizando vários pretextos (a
demarcação dos limites entre os dois municípios, por exemplo), resolveram fazer uso da
força para sabotar as pretensões dos recifenses. Depois de muita luta, que contou com a
intervenção das autoridades coloniais, finalmente em 1711 o fato se consumou: Recife foi
equiparada a Olinda. Assim terminou a Guerra dos Mascates.

Com a vitória dos comerciantes, essa guerra apenas reafirmava o predomínio do


capital mercantil (comércio) sobre a produção colonial. E isso já era fato, uma vez que os
senhores de engenho eram freqüentemente devedores dos mascates. Portanto, a
equiparação política das duas cidades tinha fortes razões econômicas e obedecia à lógica
do sistema colonial.

A Expansão Colonizadora e a Fixação dos Limites

Tratados luso-espanhóis – Portugal e a Espanha, os pioneiros da expansão


ultramarina, a fim de garantir a possessão dos territórios descobertos recorreram à
autoridade do papa para legitimá-los. Assim, no Ocidente foi estabelecido inicialmente a
Bula Inter-Coetera (1493), um meridiano que passava a 100 léguas a oeste de Cabo
Verde dividindo domínios portugueses e espanhóis. O meridiano da Bula Inter-Coetera
não permitia a inclusão do Brasil como domínio português. No ano seguinte, uma nova
divisão foi negociada, dando origem ao Tratado de Tordesilhas (1494), que estipulou um
meridiano a 370 léguas a oeste de Cabo Verde, ampliando o domínio português, incluindo
desta vez parte do que seria mais tarde o Brasil.

Não tardou que a emergência de novas potências européias (Holanda, França,


Inglaterra) viesse a contestar a partilha do mundo pelas nações ibéricas. Assim, a
alteração do quadro internacional no início do século XVI forçou Portugal e a Espanha a
adotarem uma atitude mais efetiva em relação à América. A colonização, como vimos,
viabilizou a posse efetiva.

A ocupação do litoral: a expansão oficial – Mesmo depois de decidida a ocupação


efetiva do Brasil pela colonização, o litoral não deixou de ser constantemente ameaçado,
principalmente pelos franceses. A dificuldade em desalojá-los foi devida, em grande parte,
à sua aliança com os tupinambás, inimigos mortais dos tupiniquins, aliados dos
portugueses. Por isso, a conquista do litoral deveu-se à conjugação de ações militares e
religiosas. Através das primeiras repelia-se o rival e, em seguida, fundava-se um forte
para guarnecer a região. Depois eram enviadas missões religiosas a fim de pacificar os
indígenas. Porém, quando estes se mostravam excessivamente rebeldes, utilizava-se a
força pura e simples para reduzi-los à submissão.

À medida que a colonização avançava, os franceses foram sendo repelidos para


o norte, onde procuravam ainda extrair o pau-brasil. Assim, sucessivamente foram sendo
conquistados Sergipe del Rei, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão e,
finalmente, o GrãoPará, cuja conquista completa dar-se-ia somente em meados do século
XVII. Antes, porém, de serem repelidos para o Pará, os franceses tentaram ainda fundar
no Maranhão a França Equinocial, em 1612, erguendo o forte de São Luís, num
derradeiro esforço para preservar uma colônia no Brasil. Depois da conquista do Pará, os
franceses finalmente iriam se estabelecer nas Guianas, onde não foram mais molestados.

No sul, Portugal fundou em 1680 a Colônia do Sacramento, na margem esquerda


do rio da Prata, para se contrapor a Buenos Aires do outro lado do estuário do rio. Nessa
área, aliás, iria se desenrolar um intenso conflito entre portugueses e espanhóis, além da
intervenção de outras potências, como França e Inglaterra, em virtude da posição
estratégica do rio dá Prata, cuja livre navegação era defendida por várias nações.
Povoamento do Brasil até meados do século XVII – A colonização do Brasil, que
teve como fundamento a agroindústria açucareira, possibilitou a ocupação efetiva do
litoral. Durante muito tempo, segundo a expressão famosa de frei Vicente do Salvador,
que viveu no século XVII, os colonos limitavam-se a "andar arranhando as terras ao longo
do mar como caranguejos".

A interiorização da colonização, entretanto, iniciou-se com o desenvolvimento da


pecuária nordestina, que foi gradualmente se afastando do litoral açucareiro que lhe dera
origem. Seus focos de irradiação foram Bahia e Pernambuco. Seguindo as margens dos
rios, o gado iria possibilitar o povoamento do sertão de Pernambuco, Bahia, Alagoas,
Sergipe, Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba e Maranhão.

Outro importante fator de ocupação do interior foi o bandeirismo, o responsável


pela incorporação da maior parcela territorial pertencente à Espanha ao domínio
português. O bandeirismo foi um fenômeno tipicamente paulista.

A capitania de São Vicente, apesar do relativo sucesso no começo da


colonização, terminou por mergulhar num estado de profunda pobreza por causa de sua
posição excêntrica em relação ao pólo dinâmico do nordeste. A falta de contato com a
metrópole estimulou os vicentinos a entrarem para o interior depois de subir a serra do
Mar e atingir o planalto de Piratininga. A principio, tratava-se de encontrar o ouro ou a
prata. É a fase do bandeirismo do ouro de lavagem. No início do século XVII, os
holandeses ocuparam o nordeste e estenderam o seu domínio sobre a África portuguesa,
desencadeando uma crise de mão-de-obra na parte portuguesa do Brasil. Os engenhos
da Bahia passaram a ter dificuldades de reposição de seu estoque de escravos. Para
atender a essa procura, os bandeirantes voltaram-se para a captura de índios, dando
origem ao bandeirismo de preação. Essa fase culminou com os ataques às missões
jesuíticas espanholas do Tape, Itatim e Guairá. Nessas missões (aldeamento de índios
para a catequese), havia um número considerável de índios guaranis. Esses aldeamentos
foram estabelecidos com o consentimento do rei espanhol, que via neles uma forma de
preservar o domínio territorial sulino que lhe pertencia por força do Tratado de
Tordesilhas. Contudo, a reunião dos índios nessas reduções atraiu os bandeirantes, que,
num único ataque, conseguiam mão-de-obra abundante e já disciplinada pelos jesuítas.

O bandeirismo de preação entrou em declínio tão logo os holandeses foram


expulsos e as posições portuguesas na África recuperadas, regularizando o
abastecimento de escravos. A partir disso, o bandeirismo tornou a se redefinir.

De fato, na segunda metade do século XVII, ao mesmo tempo em que


aumentavam a exploração e a opressão coloniais, ficava evidente a divergência de
interesses entre metrópole e colônia. Na colônia aumentou a tensão entre escravos e
grandes proprietários. Na época da conquista holandesa, ocorreram fugas em massa de
escravos, que formaram o mais famoso quilombo, o de Palmares, em Alagoas. Da mesma
forma, os indígenas oprimidos organizaram no Rio Grande do Norte a Confederação dos
Cariris. Para destruir esses focos de rebelião, os grandes proprietários do nordeste
recorreram a esses rústicos bandeirantes que agora passaram a ser utilizados como força
repressora. Teve início aí o sertanismo de contrato, a última forma e fase do bandeirismo.
Para destruir a resistência do Quilombo dos Palmares e da Confederação dos Cariris
foram contratados os serviços de Domingos Jorge Velho.

A mineração e o povoamento do Brasil central – Com a mineração deu-se o


passo decisivo na ocupação do interior. Com a descoberta de ouro nas Gerais, o centro
dinâmico da economia deslocou-se do litoral nordestino para. o centro-sul do Brasil. Além
de propiciar a formação de um mercado interno, o pólo minerador serviu de elemento
articulador da economia colonial, através da pecuária nordestina e sulina. Esta última, ao
se desenvolver e se articular com os centros mineiros, criou condições para a efetiva
ocupação do Rio Grande do Sul.

A colonização do extremo norte; o vale amazônico – A colonização da Amazônia -


que hoje corresponde aos estados do Amazonas e do Pará - foi estimulada pelas
preocupações de garantir a posse e o acesso ao rio Amazonas e impedir a presença de
rivais de outros países. A base de ocupação se deu através do extrativismo vegetal e do
apresamento indígena.

O extrativismo vegetal consistiu na exploração das chamadas "drogas do sertão”:


cacau, guaraná, borracha, urucu, salsaparrilha, castanha-do-pará, gergelim, noz de
pixurim, baunilha, coco, etc. Por isso, a escravidão tinha ali um terreno desfavorável, pois
a exploração da Amazônia dependia do bom conhecimento da região. Daí a importância
dos índios locais que serviam de guias. A forma predominante que caracterizou a
integração da Amazônia ao conjunto da economia colonial foi o estabelecimento das
missões jesuíticas, que chegaram a aldear perto de 50 mil índios.
A Fixação das Fronteiras

Os tratados de limites – Nos fins do século XVIII, o atual território brasileiro estava
praticamente formado. Para isso contribuíram a pecuária, o bandeirismo, a mineração e
as missões jesuíticas no vale amazônico.

Os limites no extremo norte foram discutidos com os franceses, que haviam se


fixado nas Guianas, e no extremo sul, com os espanhóis. A essa altura, estava claro que
o meridiano de Tordesilhas já não podia ser tomado como referência para delimitar os
domínios portugueses e espanhóis.

No século XVIII e no princípio do XIX, vários tratados foram assinados pelos


portugueses para definir os limites.

O primeiro tratado de limites ocorre com o Primeiro Tratado de Utrecht (1713). Por
esse tratado a França reconheceu o direito exclusivo de Portugal navegar no rio
Amazonas, em troca do reconhecimento português da posse da Guiana pelos franceses.
Pelo Segundo Tratado de Utrecht (1715), a Espanha reconheceu a possessão da Colônia
do Sacramento (fundada em 1680) por Portugal, mas não de forma definitiva. Outros
tratados foram assinados entre Portugal e Espanha para a fixação dos limites no extremo
sul.

Em 1750, a questão começou a ser rediscutida, resultando no Tratado de Madri


(1750). Segundo esse novo tratado, ficou estabelecido o princípio do uti possidetis, isto é,
Portugal e a Espanha estabeleceram como critério a ocupação efetiva. Assim, territórios
ocupa dos por portugueses foram reconhecidos pela. Espanha como portugueses, e
reciprocamente. Com esse tratado foram formalmente invalidados os limites estabelecidos
pelo Tratado de Tordesilhas. A Espanha, a fim m de assegurar a navegação exclusiva no
rio da Prata, trocou a Colônia do Sacramento pelos Sete Povos das Missões (referência
às sete missões jesuíticas espanholas que correspondiam, grosso modo, ao atual esta do
Rio Grande do Sul).
Entretanto, o acordo estabelecido pelo Trata do de Madri não foi cumprido, devido
à recusa dos jesuítas espanhóis em entregarem os Sete Povos das Missões aos
portugueses. Instigados pelos jesuítas, os indígenas moveram uma guerra contra os
novos ocupantes, as Guerras Guaraníticas, que se prolongaram até 1767.

Por essa razão, o ministro português, marquês de Pombal, decidiu anular essa
cláusula do Tratado de Madri e se negou a entregar a Colônia do Sacramento, levando os
países ibéricos a anularem o tratado anterior, o que se deu com o Tratado do Pardo
(1761).

As negociações continuaram com o Tratado de Santo Ildefonso (1777), com


Portugal renunciando à região dos Sete Povos e ao Sacramento, em troca da ilha de
Santa Catarina, então pertencente à Espanha. A situação só iria se definir, finalmente, em
1801, com o Tratado de Badajós, depois da destruição dos Sete Povos pelos gaúchos.
Retornando aos termos do Tratado de Madri, Portugal reconheceu a posse do
Sacramento e ficou com os Sete Povos.

A Expansão Napoleônica, o Bloqueio Continental e a Vinda da Família Real para


o Brasil

1808 - Laurentino Gomes (A Fuga da Família Real para o Brasil)

Napoleão e o Império – Napoleão chegou ao poder através do golpe de 18


Brumário, em 1799, que pôs fim à Revolução Francesa ao dissolver o Diretório. A partir
disso, foi concentrando o poder em suas mãos até que, em 1804, proclamou-se
imperador da França.

O Bloqueio Continental – Com a Revolução Francesa havia se iniciado uma longa


luta entre a França revolucionária e os países absolutistas que se sentiam ameaçados
pelo seu exemplo. Com a ascensão de Napoleão, essa luta ganhou um novo impulso. Em
1805, Inglaterra, Prússia, Áustria e Rússia uniram-se pela terceira vez contra a França,
coligação que Napoleão desfez com relativa facilidade, mas não conseguiu vencer a
Inglaterra. Esta, graças à sua posição insular e sua poderosa marinha, manteve-se
intocável. Para fazer face ao poderio britânico, Napoleão decretou o Bloqueio Continental
em 1806, fechando o continente europeu à Inglaterra. Ele procurou, assim, criar toda
sorte de dificuldades econômicas, a fim de desorganizar a economia inglesa.

Todavia, o bloqueio contrariava também os poderosos interesses econômicos do


continente e, logo de início, encontrou fortes oposições. Outra fragilidade do bloqueio
encontrava-se no fraco desempenho das indústrias francesas, incapazes de ocupar o
grande vazio deixado pelo súbito corte do fornecimento britânico. Além disso, os produtos
coloniais, cuja distribuição era controlada pela Inglaterra, teriam de encontrar substitutos
adequados.

Portugal e o bloqueio – A economia portuguesa havia muito se encontrava


subordinada à inglesa. Daí a relutância de Portugal em aderir incondicionalmente ao
bloqueio. Napoleão resolveu o impasse ordenando a invasão do pequeno reino ibérico.
Sem chances de resistir ao ataque, a família real transferiu-se para o Brasil em 1808, sob
proteção inglesa. Começou então, no Brasil, o processo que iria desembocar, finalmente,
na sua emancipação política.

A Transferência da Corte para o Brasil


O duplo aspecto das guerras napoleônicas – As guerras napoleônicas (1805-
1815) apresentaram dois aspectos importantes: de um lado, a luta contra as nações
absolutistas do continente europeu e, de outro, contra a Inglaterra, por força das disputas
econômicas entre essas duas nações burguesas.

As principais nações continentais - Áustria, Prússia e Rússia - foram subjugadas


por Napoleão a partir de 1806, em razão da sua imbatível força terrestre. Entretanto, foi
no confronto com a Inglaterra que as dificuldades tomaram forma, paulatinamente, até
asfixiarem por completo as iniciativas napoleônicas.

Em 1806, apesar de o domínio continental estar aparentemente assegurado, a


Inglaterra resistiu a Napoleão, favorecida pela sua posição insular e sua supremacia
naval, sobretudo depois da batalha de Trafalgar (1805), em que a França foi privada de
sua marinha de guerra.

Strangford e a política britânica para Portugal – Sem poder responder negativa ou


positivamente ao ultimatum francês por ocasião do Bloqueio Continental, a situação de
Portugal refletia com toda a clareza a impossibilidade de manter o status quo *.
Pressionada por Napoleão, mas incapaz de lhe opor resistência, e também sem poder
prescindir da aliança britânica, a Corte portuguesa estava hesitante. Qualquer opção
significaria, no mínimo, o desmoronamento do sistema colonial ou do que dele ainda
restava. A própria soberania de Portugal encontrava-se ameaçada, sem que fosse
possível vislumbrar uma solução aceitável. Nesse contexto, destacou-se o papel
desempenhado por Strangford, que, como representante diplomático inglês, soube impor,
sem vacilação, o ponto de vista da Coroa britânica.

Para a Corte de Lisboa colocou-se a seguinte situação: permanecer em Portugal


e sucumbir ao domínio napoleônico ou retirar-se para o Brasil. Esta última foi a solução
defendida pela Inglaterra.

A fuga da Corte para o Brasil – Indeciso, o príncipe regente D. João' adiou o


quanto pôde a solução, pois qualquer alternativa era danosa à monarquia.

Afinal, a iminente invasão francesa tornou inadiável o desfecho. A fuga da Corte


para o Rio de janeiro, decidida na última hora, trouxe, não obstante, duas importantes
conseqüências para o Brasil: a ruptura colonial e o seu ingresso na esfera de domínio da
Inglaterra.

Chegando ao Brasil, D. João estabeleceu a Corte no Rio de janeiro e em 1808


decretou a abertura dos portos às nações amigas, pondo fim, na prática, ao exclusivo
metropolitano que até então restringia drasticamente o comércio do Brasil.

A Penetração Britânica no Brasil

Breve histórico – Desde a sua formação, Portugal esteve sob permanente


ameaça de anexação por parte da Espanha, finalmente concretizada com a União Ibérica
em 1580. A conseqüência imediata dessa união foi, como vimos, a ocupação holandesa a
partir de 1630.

Motivado por tais experiências, Portugal adotou sempre uma cautelosa política de
neutralidade e buscou apoio, quando necessário, na Inglaterra. Logo após a Restauração
(1640), Portugal foi obrigado a fazer concessões comerciais aos ingleses em troca de
apoio contra a Espanha e a Holanda. Os tratados de 1641, 1654 e 1661, com a Inglaterra,
foram produtos dessa concessão que, afinal, acabou resultando na crescente
dependência de Portugal. Através desses tratados foi aberto à burguesia inglesa o
mercado colonial português, na condição de nação mais favorecida.

O mais importante tratado, pelo seu caráter lesivo a Portugal, foi o de Methuen,
assinado em 1703, em pleno início da mineração no Brasil. O tratado possuía apenas dois
artigos:

Artigo 1 °. Sua Sagrada Majestade El Rei de Portugal promete, tanto em seu


próprio Nome, como no de Seus Sucessores, admitir para sempre de aqui em diante, no
Reino de Portugal, os panos de lã e mais fábricas de lanifício de Inglaterra, como era
costume até o tempo em que foram proibidas pelas leis, não obstante qualquer condição
em contrário.

Artigo 2º. - E estipulado que Sua Sagrada e Real Majestade Britânica, em Seu
Próprio Nome, e no de Seus Sucessores, será obrigada para sempre, de aqui em diante,
de admitir na Grã Bretanha os vinhos do produto de Portugal, de sorte que em tempo
algum (haja paz ou guerra entre os Reinos de Inglaterra e de França) não se poderá exigir
direitos de Alfândega nestes vinhos, ou debaixo de qualquer outro título direta ou indireta-
mente, ou sejam transportados para Inglaterra em pipas, tonéis ou qualquer outra vasilha
que seja, mais que o que se costuma pedir para igual quantidade ou medida de vinho de
França, diminuindo ou abatendo terça parte do direito de costume.

O Tratado de Methuen estipulou, em síntese, a compra do vinho português em


troca de tecidos ingleses. Esse acordo bastante simples foi, entretanto, altamente nocivo
para Portugal porque, em primeiro lugar, importava-se mais tecido do que se exportava
vinho, tanto em termos de quantidade como em valor; em segundo, as manufaturas
portuguesas foram eliminadas pela concorrência inglesa. Por último, dado o desequilíbrio
do comércio com a Inglaterra, a diferença foi paga pelo ouro brasileiro. Desse modo, o
Tratado de Methuen abriu um importante canal para a transferência da riqueza produzida
no Brasil para a Inglaterra.

Os tratados de 1810 – Com tempo, a dependência de Portugal se aprofundou e


essa foi a razão por que D. João finalmente se submeteu às exigências inglesas e se
transferiu para o Brasil. Em 1810, quando a Corte já se encontrava no Rio de Janeiro, a
Inglaterra fez D. João assinar três tratados que a favorecia. Um deles era o de Amizade e
Aliança o outro de Comércio e Navegação e um último que veio regulamentar as relações
postais entre os dois reinos.

Do conjunto dos dispositivos, destacavamse alguns artigos que feriam


frontalmente os interesses econômicos de Portugal e do Brasil, além da humilhação
política que outros itens impuseram à soberania lusitana.

Em um artigo do segundo tratado, por exemplo, a Inglaterra exigiu o direito de


extraterritorialidade. Isso significava que os súditos ingleses radicados em domínios
portugueses não se submeteriam às leis portuguesas. Assim; esses súditos elegeriam
seus próprios juízes, que os julgariam segundo as leis inglesas.

E os portugueses residentes em domínios britânicos gozariam dos mesmos


direitos? Não. O príncipe regente aceitou, resignadamente, a "reconhecida eqüidade da
jurisprudência britânica" e a "singular excelência da sua Constituição”. Inversamente,
pode-se dizer que a Inglaterra não reconheceu nenhuma eqüidade na jurisprudência
lusitana...

Outro aspecto escandaloso dos tratados foi o direito assegurado à Inglaterra de


colocar suas mercadorias no Brasil mediante a taxa de 15% ad valorem *, enquanto os
produtos portugueses pagavam 16%, isto é, 1 % a mais que os ingleses! Os demais
países estavam submetidos à taxação de 24% em nossas alfândegas.

Em síntese: A extrema brutalidade dos tratados impostos pela Inglaterra não foi
obra do acaso. Ela se explica pela pesada pressão econômica que o bloqueio
napoleônico exerceu sobre a Inglaterra. De fato, as guerras napoleônicas, e suas
conseqüências para a economia inglesa, tornaram premente a necessidade de abrir no-
vos mercados, sob pena de a Inglaterra sucumbir às pressões da conjuntura. A quebra do
pacto colonial era vital, pois as mercadorias estavam se acumulando e precisavam ser
escoadas de algum modo, o que tornava a exclusão inglesa do mercado americano algo
impensável. Ora, a relativa facilidade com que a Inglaterra impôs seus interesses ao
Brasil permitiu a maciça exportação de seus produtos, inundando o nosso mercado. Mais
do que isso, a presença inglesa trouxe modificações radicais na posição do Brasil dentro
do mercado internacional: saímos da órbita do colonialismo mercantilista português para
ingressar na dependência do capitalismo industrial inglês.

A Inglaterra e as Novas Formas de Dominação

Transformações do Rio de Janeiro – Após a abertura dos portos, pela primeira


vez o Brasil pôde manter contatos comerciais diretos e regulares com o exterior, sem a
intermediação de Portugal. O Rio de Janeiro transformou-se então num "empório do
Atlântico Sul", nas palavras do historiador Nelson Werneck Sodré. Ali chegavam
mercadorias de diversas procedências e dali eram exportados os produtos brasileiros.

As formas da nova dependência – Com o fim do exclusivo metropolitano, uma


nova forma de dependência se estabeleceu, manifestando-se no déficit permanente da
balança comercial externa. Essa situação decorreu da franquia dos portos, que alterou as
tarifas alfandegárias de 48%, na época do exclusivo, para 24% com D. João, a fim de
favorecer contatos comerciais diversificados. As trocas comerciais, todavia, não
favoreceram o Brasil, e diversas razões podem ser alinhadas para explicar essa situação.

Até a ruptura colonial, nosso comércio era, pelo menos, equilibrado, embora a
produção fosse prejudicada pelas excessivas taxas e restrições em favor da metrópole.
Em compensação, Portugal representava um mercado garantido para as exportações
brasileiras.

A abertura dos portos alterou profundamente os hábitos de consumo no Brasil,


com a chegada de grande quantidade de mercadorias, sobretudo de origem inglesa. Um
viajante inglês, John Mawe, assim descreveu o Rio dessa época:

"O mercado ficou inteiramente abarrotado; tão grande e inesperado foi o


fluxo de manufaturas inglesas no Rio, logo em seguida à chegada do Príncipe Regente,
que os aluguéis das casas para armazená-las elevaram-se vertiginosamente. A baía
estava coalhada de navios, e em breve a alfândega transbordou com o volume das
mercadorias. Montes de ferragens e pregos, peixe salgado, montanhas de queijos,
chapéus, caixas de vidro, cerâmica, cordoalha, cerveja engarrafada em barris, tintas,
gomas, resinas, alcatrão, etc., achavam se expostos não somente ao sol e á chuva, mas
à depredação geral; (...) espartilhos, caixões mortuários, selas e mesmo patins para gelo
abarrotavam o mercado, no qual não poderiam ser vendidos e para o qual nunca deve-
riam ter sido enviados."

Enquanto isso, as exportações brasileiras não cresciam na mesma proporção,


nem tão rapidamente quanto era necessário para fazer face às importações. A Inglaterra
não adquiria produtos brasileiros, pois suas colônias já os produziam. Só entravam no
mercado britânico aquelas mercadorias consideradas úteis às indústrias têxteis, como o
algodão e o pau-brasil. De Portugal, a Inglaterra adquiria o vinho e o azeite. Com isso, a
balança comercial do Brasil tornou-se deficitária.

Esse déficit permanente precisava ser saldado de alguma forma. A solução


dependia do fluxo de capital estrangeiro, que aqui chegava na forma de empréstimo
público. Mas os altos juros cobrados apenas agravavam a situação e, por volta de 1850,
representavam 40% das finanças públicas.

O Brasil a caminho da Emancipação Política

Encaminhamento da Emancipação Política no Brasil – A política joanina

As Principais Medidas de D. João VI no Brasil

Rompimento do pacto colonial – Com a transferência da Corte, o Brasil


praticamente deixou de ser colônia, devido às seguintes medidas adotadas pelo regente:

• em 28 de janeiro de 1808, a Carta Régia permitiu a abertura dos portos a todos


"os navios estrangeiros das potências que se conservem em paz e harmonia com a minha
Real Coroa", conforme o texto da carta, acabando, na prática, com o regime do exclusivo
metropolitano ou pacto colonial;

• o Alvará de 1 ° de abril de 1808 revogou o de 1785, que proibia a instalação de


manufaturas no Brasil, complementando desse modo a Carta Régia de 1808 que
decretava a abertura dos portos;

• em 16 de dezembro de 1815, o Brasil foi elevado à categoria de Reino Unido a


Portugal e Algarves.

A “Abertura dos Portos às Nações Amigas – Embora a abertura dos portos tivesse
vindo ao encontro dos interesses dos proprietários rurais brasileiros, essa medida tinha
em vista apenas o interesse e a conveniência da Corte. É o que afirma, aliás, Hipólito
José da Costa, um jornalista brasileiro da época. Segundo suas palavras: "o governo
português, quando se mudou de Lisboa para o Rio de janeiro, deixou em poder dos
franceses, seus inimigos, os dois portos de Lisboa e Porto, os únicos com que o Brasil
comerciava na Europa; logo, não podendo obter dali o que precisava, necessariamente
havia de recorrer aos outros portos, sob pena de se reduzir à última penúria; porque,
forçosamente, havia de não ter que ir à Inglaterra para dali trazer os artigos de primeira
necessidade, para os pagar, era também preciso que para ali mandassem os artigos de
seu país que os ingleses necessitassem. Logo, a abertura ou franquia deste comercio,
sendo uma medida que o governo adotou porque sem ela pereceria, podemos dizer que o
fez porque assim lhe fazia conta, e não sei que povo fique obrigado a tão estranha
gratidão ao governo, por este adotar uma linha de conduta necessária para conservar a
sua existência como governo e indivíduos".

A exatidão dessas afirmações pode, aliás, ser verificada no próprio texto da Carta
Régia que declarava o caráter provisório da medida, “em razão das críticas e públicas
circunstâncias da Europa’’”.

A franquia dos portos teve importantes conseqüências, pois deu início a um duplo
processo: o da emancipação política do Brasil e o seu ingresso na órbita de influência
inglesa.

Os grandes proprietários escravistas brasileiros havia muito reivindicavam o livre


comercio com as nações estrangeiras. Assim, não obstante o seu caráter provisório, a
medida tornou-se irreversível, pois os grandes proprietários não aceitariam a volta pura e
simples à antiga condição colonial.

Além disso, essa camada dominante colonial contava com o apoio da burguesia
inglesa, a quem não interessava o fechamento do mercado brasileiro.

O Alvará de 1° de abril de 1808 – A revogação do Alvará de 1785 de D. Maria I,


que proibia a manufatura no Brasil, ampliava a liberdade econômica. O Brasil estava
autorizado não apenas a fazer livremente o comércio com o estrangeiro, como poderia
doravante dedicar-se livremente à atividade manufatureira.

Contudo, o Alvará de 1 ° de abril não foi suficiente para promover o


desenvolvimento manufatureiro no Brasil. Havia dois fortes obstáculos: de um lado o
escravismo e, de outro, a concorrência inglesa. A escravidão impedia o desenvolvimento
do mercado interno, pois o escravo era abastecido pelo senhor, com toda parcimônia
previsível. Nesse tempo, a Inglaterra encontrava-se em plena Revolução Industrial e
estava em condições de produzir em grande quantidade mercadorias de boa qualidade a
baixo preço. Além disso, como nação favorecida, colocava com facilidade suas
mercadorias no Brasil. Portanto, não havia como enfrentar com êxito a concorrência
inglesa. Resultado: o Alvará de 1° de abril tornou-se letra morta. Não obstante, a sua
importância reside no fato de que a proibição da produção manufatureira estava
formalmente suspensa.

O transplante do Estado português – Chegando ao Brasil, a Corte se instalou no


Rio de janeiro. Em 11 de março de 1808 iniciou-se a reorganização do Estado, com a
nomeação dos ministros. Assim, foram sendo recriados todos os órgãos do Estado
português: os ministérios do Reino, da Marinha e Ultramar, da Guerra e Estrangeiros e o
Real Erário, que, em 1821, mudou o nome para Ministério da Fazenda. Também foram
recriados os órgãos da administração e da justiça: Conselho de Estado, Desembargo do
Paço, Mesa da Consciência e Ordens, Conselho Supremo Militar.

Dessa maneira, peça por peça, o Estado português renasceu no Brasil. Todavia,
a complexa rede burocrática implantou-se à revelia da colônia, e a ela se sobrepôs como
um corpo estranho, pois o Estado foi recriado para empregar a nobreza parasitária que
acompanhara o regente, ignorando os interesses do Brasil.
Apesar disso, esse transplante do Estado teve importantes conseqüências porque
o Brasil não era mais administrado "de fora". Com a transferência da Corte ocorreu a
interiorização do centro de decisão e a dispersão colonial foi atenuada com o surgimento
de um centro aglutinador representado pelo Estado português. Ocorreu, assim, a inversão
brasileira: os negócios do Brasil, antes a cargo do Ministério da Marinha e do Ultramar,
passaram a ser de competência do Ministério do Reino; no plano da justiça, o Tribunal de
Relação do Rio de janeiro foi convertido em Casa de Suplicação, tribunal supremo de
última instância*; o setor militar foi reforçado com a fundação da Academia Militar, da
Academia da Marinha, do hospital e do arquivo militar, da fábrica de pólvora, etc.

O Brasil eleva-se a “Reino Unido a Portugal e Algarves” – Lançadas assim as


bases da autonomia administrativa da colônia, essa nova situação foi formalizada com a
elevação do Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves, por ocasião do
Congresso de Viena (1814-1815).

O Congresso de Viena, reunido logo depois da derrota de Napoleão em Leipzig


(1814), marcou o início de uma vasta reação antinapoleônica na Europa. Através dele,
reorganizou-se o mapa político europeu, segundo os interesses do absolutismo. Dois
foram os princípios adotados nessa reorganização: o da legitimidade e o do equilíbrio
europeu. Pelo princípio da legitimidade, retornaram ao poder os antigos monarcas
absolutistas depostos pelos revolucionários franceses; pelo princípio do equilíbrio
europeu, realizou-se no Congresso de Viena a partilha de territórios europeus e coloniais
entre as potências de modo equilibrado.

Ora, segundo o princípio da legitimidade, a situação da dinastia bragantina era


"ilegítima", pois o Congresso de Viena só reconhecia Portugal como sede do reino. O
Brasil era considerado colônia. O reconhecimento da legitimidade dinástica dependia,
assim, do retorno de D. João a Portugal. Esse impasse, todavia, foi solucionado com a
elevação do Brasil a reino, legitimando a permanência da Corte no Brasil, através da lei
de 16 de dezembro de 1815, assinada por D. João.

Com a decisão de permanecer no Brasil, D. João neutralizou qualquer tentativa


de emancipação política, mas, em compensação, provocou enorme insatisfação em
Portugal.

O Estado Português no Brasil

A singularidade da emancipação brasileira – A transferência da Corte portuguesa


para o Brasil conferiu à nossa independência política uma característica singular.
Enquanto a América espanhola obteve a independência por meio de lutas mais ou menos
sangrentas, a presença da Corte no Brasil favoreceu a ruptura colonial sem grandes
convulsões sociais e, também, preservando a unidade territorial.

Unidade política e territorial – De fato, dada a característica de sua formação


colonial, até o século XIX o Brasil estava dividido em unidades dispersas, sem vínculos
entre si, cada qual obedecendo diretamente a Lisboa. A unidade territorial e política
existia, quase que exclusivamente, do ponto de vista da administração metropolitana. A
conversão do Brasil em sede da monarquia portuguesa teve o mérito de transferir para a
colônia o conceito de unidade de que carecia. Por essa razão, o processo de
emancipação colonial do Brasil deu-se como luta pela apropriação do Estado já
constituído.
A marginalização dos senhores rurais – Com a instalação da Corte no Rio de
Janeiro, os senhores rurais brasileiros passaram a ter, teoricamente, oportunidade para
influir diretamente nas decisões do governo. Porém, os ricos comerciantes, na maioria
reinóis (portugueses), aliaram-se à nobreza burocrática que acompanhara o regente na
fuga, constituindo o grupo dominante. O verdadeiro núcleo de poder era formado pela
nobreza burocrática. Formada segundo o espírito tradicional do Antigo Regime, essa
nobreza monopolizava os postos-chaves. Ao lado disso, D. João era um monarca de tipo
absolutista, o que restringia de maneira bastante significativa a participação dos senhores
rurais brasileiros na vida política.

A opressão fiscal – Em seu governo, D. João multiplicou as repartições públicas


sem atentar para as necessidades sociais. Os gastos aumentaram e as rendas tributárias
tradicionais já não eram suficientes para as despesas. A manutenção do Estado e da
luxuosa vida cortesã exigia o aumento dos tributos existentes e a criação de outros, pois
os impostos alfandegários, a principal fonte de recursos, haviam diminuído.

De fato, os direitos de entrada de 48%, na época da vigência do regime colonial,


caíram para 24 % com a abertura dos portos; a partir de 1810, passaram a 15 % para a
Inglaterra, de onde, aliás, mais se importava.

O Banco do Brasil – Já em 12 de outubro de 1808 foi criado o Banco do Brasil


para servir de instrumento financeiro do Tesouro Real, embora a sua finalidade declarada
fosse a de atuar como instituição creditícia dos setores produtivos - comércio, indústria e
agricultura.

O governo pôde, então, emitir papel-moeda para suprir suas necessidades,


custeando as despesas da casa real, tribunais, exército, pensões e soldos, aos quais o
Erário Régio destinava cerca de dois terços de suas receitas. Com isso, o Banco do Brasil
teve a sua finalidade completamente adulterada.

Em conseqüência, a fragilidade do banco recém-criado tornou-se evidente. Para


dar-lhe um mínimo de solidez, foram criados dois impostos: um deles recaía sobre os
negociantes, livreiros, boticários e comerciantes de ouro, prata, estanho, cobre; o outro
era uma taxa cobrada sobre as carruagens de quatro rodas, oficinas, navios, etc. Em
suma, o Banco do Brasil foi criado para cobrir déficits financeiros do Estado e o próprio
banco era sustentado por novos impostos...

A corrupção administrativa – Nada disso eliminou o déficit. E como os impostos,


apesar de elevados, não cobriam os gastos, os funcionários viviam com os salários
atrasados, às vezes até um ano. Isso estimulou a prática da corrupção generalizada entre
os funcionários públicos, que cobravam dos interessados uma certa quantia para tocar os
despachos, processos e concessões. Mas não eram apenas os pequenos. Os altos
funcionários, não raro, estavam associados a contrabandistas, favorecendo operações
ilícitas.

Contradições da Política Joanina

Contradições da política econômica – A política econômica joanina oscilou entre a


liberação e as restrições de cunho mercantilista. A liberdade econômica (liberalismo)
interessava à camada senhorial brasileira e à burguesia inglesa. As restrições
mercantilistas, por sua vez, interessavam à burguesia colonialista portuguesa e, em parte,
ao Estado português no Brasil. Porém, não podendo manter as restrições mercantilistas in
totum, nem adotar integralmente o livre-cambismo, D. João manteve-se ambiguamente
entre o regime colonial e a independência do Brasil.

Assim, a abertura dos portos, que beneficiava tanto os senhores rurais como a
burguesia inglesa, foi declarada, desde o princípio, como medida provisória. E isso
significava que ela seria suprimida tão logo a Europa retornasse à normalidade. Porém,
mesmo provisória, ela feriu os interesses dos comerciantes portugueses. Para remediar
isso, através de inúmeros decretos procurou-se restringir o comércio estrangeiro e
favorecer a burguesia portuguesa, isentando de taxas os panos portugueses; por fim,
estendeu-se aos comerciantes portugueses o imposto de 15% ad valorem nas alfândegas
brasileiras, equiparando-os aos ingleses.

A "estamentização" da burguesia colonialista lusa – Graças às restrições


mercantilistas, a burguesia portuguesa monopolizou o comércio externo brasileiro,
obtendo grandes e fáceis lucros. Com a transferência da Corte e a abertura dos portos,
aquela burguesia já não contava com o respaldo jurídico incondicional do Estado.

Embora seus privilégios estivessem, por isso, profundamente abalados, ainda


mantinham fortes ligações com a nobreza burocrática, garantindo para si a maior parte
das licenças e alvarás. Entretanto, diante do perigo da ruptura definitiva do regime
colonial, a burguesia colonialista portuguesa tendeu a se defender, impedindo o ingresso
de brasileiros em suas fileiras. Com isso, a burguesia colonialista lusa buscou na sua
"estamentização" (fechamento) a forma de preservar o que restava de seus antigos
privilégios mercantilistas.

Reagindo contra isso, os setores identificados, parcial ou totalmente, com o


liberalismo, em razão de seus interesses econômicos, conduziram a luta em dois níveis:
no plano econômico, contra a persistência do pacto colonial e, no plano político, contra a
aliança da nobreza com os comerciantes portugueses. Como a elite colonial dos
proprietários rurais era composta, em sua maioria, por brasileiros, e o alto funcionalismo e
seus aliados burgueses fossem predominantemente de portugueses, a luta entre esses
grupos foi percebida como um enfrentamento entre "brasileiros" e "portugueses”.

Na realidade, era mais do que isso: não se tratava de conflitos entre


nacionalidades, mas de uma luta política travada em defesa de interesses de classes
conflitantes. Dada a impossibilidade de conciliar tais interesses, a emancipação acabou
se impondo como alternativa dos grandes senhores rurais brasileiros.

A política cultural – Com a vinda da Corte transformou-se a fisionomia cultural do


Brasil. Foram criadas bibliotecas e estabelecimentos de ensino: Escola de Comércio,
Escola Real de Ciência, Artes e Ofícios, Academia Militar e da Marinha. Além disso, com
o intuito de organizar uma Academia de Belas-Artes foram trazidos para o Brasil artistas
plásticos franceses, que chegaram chefiados por Joaquim Lebreton. Com ele
desembarcaram o arquiteto Grandjean de Montigny, o escultor Taunay e o pintor Debret.
Eram eles os membros da célebre Missão Francesa, que aqui chegou em 1816.

A imprensa, até então proibida no Brasil, foi difundida com o funcionamento dos
primeiros prelos. Fundou-se a Imprensa Régia, responsável pelas primeiras publicações
no Brasil. Sai o primeiro jornal do Brasil, A Gazeta do Rio de janeiro. Na Bahia foi
publicado o jornal A Idade de Ouro no Brasil. Todas essas publicações, que contavam
com a proteção das autoridades, eram superficiais e limitavam-se a louvar os poderosos,
noticiando frivolidades como o casamento de princesas, aniversários de membros
destacados da sociedade, etc.

Porém, começou a ser editado em 1808 o Correio Braziliense, que fugia à regra.
Era dirigido por Hipólito José da Costa, um liberal que fazia oposição a D. João. O jornal,
evidentemente, não era impresso no Brasil, mas em Londres, onde se encontrava o seu
editor e principal redator. Com uma periodicidade quase mensal, o jornal sustentou-se até
1822 com base exclusivamente em sua difusão no Brasil. O periódico expressava o ponto
de vista dos grandes proprietários numa linguagem liberal e elitista, tendo como alvo
principal o caráter absolutista de D. João.

A política externa – A política externa de D. João esteve orientada contra a


França napoleônica. Em represália à invasão de Portugal, o regente ordenou a invasão de
Caiena (Guiana Francesa), em 1809, permanecendo o território sob domínio português
até 1815.

Pretextando temor de intervenção francesa no Prata, D. João, apoiado pela


Inglaterra, interveio na região platina, pela primeira vez em 1811 e novamente em 1816,
quando então foi anexado o atual Uruguai, com o nome de Província Cisplatina. A sua
anexação foi grandemente facilitada pelos conflitos entre as províncias interioranas da
Argentina e Buenos Aires, que ambicionava impor sua supremacia em todo o Prata,
graças à sua posição estratégica no estuário. Essa instabilidade, aliás, iria prosseguir
ainda por muito tempo.

Revoluções em Portugal e tentativas de recolonizar o Brasil

Reações à Política de D. João

Nova onda revolucionária – Com a abertura dos portos (1808) o Brasil conquistou
a almejada liberdade econômica e, com a sua elevação à categoria de Reino Unido,
deixava de ser, formalmente, uma colônia. Mas o que isso, de fato, representou para o
Brasil?

Para o homem comum - sem falar nos escravos - praticamente nada. Quanto aos
grandes proprietários escravistas, embora beneficiados pela abertura dos portos,
continuavam tão afastados das decisões políticas quanto antes. Mesmo no caso da
abertura dos portos, devemos considerar que esses mesmos grandes proprietários
continuavam dependentes dos comerciantes portugueses como sempre haviam sido.

É necessário considerar ainda outro ponto: para as demais províncias do Brasil


não havia muita diferença em serem governadas de Lisboa ou do Rio de janeiro. Para
elas, a vinda da família real não tinha alterado em nada a sua situação.

Esses são alguns dos fatores que desencadearam em 1817, no nordeste, uma
revolução de caráter anticolonial e separatista.

Três anos depois, em 1820, outra revolução eclodiu em Portugal, por razões
inversas.

Embora as medidas de D. João no Brasil fossem consideradas insuficientes para


os brasileiros, em Portugal elas foram, ao contrário, consideradas excessivas, pois os
comerciantes haviam perdido a vantagem do monopólio mercantil.
Apesar de motivadas por razões opostas, as duas revoluções inspiravam-se no
liberalismo: a do nordeste definiu-se predominantemente como anticolonialista e a de
Portugal, como antiabsolutista e, ao mesmo tempo, recolonizadora.

A Revolução de 1817

A persistência dos privilégios – As contradições da política joanina foram sentidas


com particular intensidade no nordeste, onde os interesses colonialistas estavam mais
fortemente enraizados. Os comerciantes portugueses, instalados nos principais portos
nordestinos, continuavam tão monopolistas quanto antes, de modo que os lucros
produzidos nas áreas rurais continuaram a se transferir para os comerciantes.

Esse quadro se agravou por volta de 1817, com uma crise econômica que teve a
sua origem na queda do preço internacional do açúcar e do algodão - principais produtos
de exportação do nordeste.

Tensões sociais – Com isso afloraram as tensões sociais. Contra os comerciantes


portugueses protestavam os grandes senhores rurais e toda a massa de homens livres
não proprietários. Entretanto, essas duas últimas camadas sociais opunham-se ao
domino comercial português por motivos inteiramente diferentes: quanto para os grandes
senhores a questão era sobretudo política, pois aspiravam ao autogoverno e à liberdade
econômica, para os homens livres não proprietários, era a sua própria sobre vivência que
estava em jogo, pois o monopólio comercial português encarecia os gêneros de primeira
necessidade. Por isso, tendiam a ser mais radicais e lutavam não só pelo fim do regi me
colonial, mas também esperavam alterar a própria ordem social da colônia em favor de
maior igualdade entre seus membros.

O quadro ideológico – A Revolução de 1817, apesar dos fatores específicos


apontados, não foi um acontecimento isolado. Ela se inspirou na corrente do pensamento
iluminista e liberal, tal como acontecia, por esse mesmo tempo, com a luta pela
independência na América espanhola e com as revoluções burguesas contra o Antigo
Regime na Europa.

Nascido em 1752 e formado em medicina em Montpellier, na França, o padre


Manuel de Arruda Câmara foi, no final do século XVIII, um importante propagador do
pensamento iluminista em Pernambuco. O padre João Ribeiro, que iria participar da
Revolução de 1817, era um de seus principais discípulos.

O Areópago de Itambé – Ao padre Arruda Câmara deveu-se, aparentemente, a


fundação de uma sociedade secreta o Areópago de Itambé-, em fins do século XVIII, com
as mesmas características das lojas maçônicas que apareceram posteriormente. O
Areópago de Itambé, como outras sociedades secretas, foi um centro de propagação de
ideais anticolonialistas e, ao contrário da maçonaria, não admitia europeus em seus
quadros.

O Seminário de Olinda – Outro importante foco de propagação dos ideais


emancipacionistas foi o Seminário de Olinda, fundado pelo bispo D. José da Cunha de
Azeredo Coutinho, em 16 de fevereiro de 1800. Um de seus membros, o padre Miguel
Joaquim de Almeida Castro, conhecido como padre Miguelinho, foi um dos participantes
da Revolução de 1817.

A conspiração dos Suassunas – Expressando os ideais libertários em


Pernambuco, ocorreu em 1801 a conspiração dos Suassunas, que, entre outras coisas,
preconizava tomar Napoleão como protetor. Encontram-se aqui os germes da Revolução
de 1817. Os principais líderes da conspiração foram os três irmãos, Francisco de Paula,
Luís Francisco de Paula e José Francisco de Paula Cavalcanti e Albuquerque, sendo o
primeiro o dono do engenho Suassuna, nome pelo qual ficou conhecida a conspiração.
Todavia, esse episódio é pouco conhecido, por não ter ultrapassado o plano das tramas e
porque a devassa ocorreu sigilosamente, dada a importância dos implicados. Mas o
fracasso da conspiração trouxe conseqüências imediatas, como o fechamento do
Areópago de Itambé em 1802, que, no entanto, ressurgiu em seguida com o nome de
Academia dos Suassunas, cuja sede era o próprio engenho dos antigos inconfidentes de
1801. Apesar das repressões, o espírito de contestação difundido pelas sociedades
secretas e pelo Seminário de Olinda não se desfez, ganhar do, ao contrário, novos e
numerosos adeptos.

A elite atuante – Formou-se por esse tempo uma elite atuante, formada no
espírito do Areópago e disposta a colocar em prática as suas idéias. A fermentação
revolucionária, que vinha do início do século, deu origem, em 1817, a uma conspiração
inúmeras vezes denunciada. Dentre as figuras representativas destacavam-se o padre
João Ribeiro, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada - ouvidor-mor de Olinda e irmão de José
Bonifácio -, o erudito padre Miguelinho e o comerciante Domingos José Martins, que
tramavam abertamente contra a opressão colonial. Domingos José Martins, ex-
comerciante em Londres, homem de espírito prático, parece ter conhecido o célebre
revolucionário venezuelano Francisco de Miranda, de quem se diz ter recebido influências
decisivas. Participou ainda Frei Caneca, que se tornaria célebre ao liderar uma revolta
contra D. Pedro I - a Confederação do Equador (1823 - 1824).

A eclosão da revolta – Em 6 de março de 1817, depois de repetidas denúncias, o


governo resolveu agir, destacando o marechal José Roberto para deter os civis. O
brigadeiro Barbosa de Castro e seu ajudante, tenente José Mariano de Albuquerque
Cavalcanti, encarregaram-se do setor militar da revolta, no qual encontraram resistência.
O brigadeiro e seu ajudante foram mortos pelo capitão José de Barros Lima, vulgo Leão
Coroado.

Tomado de surpresa, o movimento poderia ter sido desmantelado. Contudo, a


inesperada resistência do setor militar da rebelião e a firme decisão de um de seus
líderes, o capitão Pedro Pedroso, fizeram o movimento triunfar. O governador Caetano
Montenegro, refugiado numa fortaleza, capitulou com o marechal José Roberto. Sua vida
foi poupada, permitindo-se a sua partida para o Rio de Janeiro.

O governo provisório – No dia 7 de março de 1817 (portanto, no dia seguinte à


inesperada resistência militar) os rebeldes formaram o governo provisório, constituído da
seguinte maneira: Manuel Correia de Araújo como representante da agricultura;
Domingos José Martins como representante do comércio; padre João Ribeiro,
representando o clero; José Luís de Mendonça, representante da magistratura; Domingos
Teotônio Jorge, representante das Forças Armadas.

Esse primeiro governo, formado pela elite colonial dominante, era secretariado
pelo padre Miguelinho e auxiliado por José Carlos Mayrink da Silva Ferrão. Foi criado um
Conselho de Estado, constituído pela elite intelectual pernambucana: Antônio de Morais e
Silva, José Pereira Caldas, Deão Reinaldo Luís Ferreira Portugal, Gervásio Pires Ferreira.
e Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. Instalou-se, assim, um governo republicano; adotou-
se uma bandeira; substituiu se o tratamento pessoal tradicional pelo de "patriota" e "vós",
numa consciente imitação da Revolução Francesa; elaborou-se, enfim, a Lei Orgânica.

A Lei Orgânica – As aspirações revolucionárias foram incorporadas à Lei


Orgânica. Esse documento tratava dos seguintes itens, entre outros: liberdade de
consciência ("É proibido a todos os patriotas inquietar e perseguir alguém por motivo de
consciência"); liberdade de imprensa, ressalvando os ataques à religião e à Constituição;
tolerância religiosa, muito embora a religião católica fosse reconhecida como oficial e seu
clero "assalariado pelo Estado”. Os estrangeiros aqui estabelecidos que dessem provas
de adesão seriam considerados "patriotas"; e o governo provisório duraria até a
elaboração da Constituição do Estado, por uma Assembléia Constituinte, a ser convocada
dentro de um ano.

Além do que ficou estabelecido na Lei Orgânica, várias outras medidas de caráter
popular foram tomadas, como, por exemplo, a abolição dos tributos que oneravam os
gêneros de primeira necessidade.

A propagação – A revolução pernambucana difundiu-se para outras regiões: na


Paraíba, em 16 de março, a revolução triunfou sob a liderança de Amaro Gomes
Coutinho. Em 28 de março, o senhor de engenho André de Albuquerque Maranhão
venceu no Rio Grande do Norte. Ali, José Martiniano de Alencar - pai do famoso
romancista José de Alencar - foi enviado como emissário para o Ceará, mas foi preso e
conduzido a Salvador. O padre José Inácio de Abreu e Lima - conhecido como padre
Roma - chegou à Bahia como emissário, mas foi preso e fuzilado pelo governador conde
dos Arcos. Com a preocupação de obter apoio internacional, emissários foram enviados
também ao exterior. Antônio Gonçalves da Cruz - vulgo Cabuga - e Domingos Pires
Ferreira incumbiram-se de ir aos Estados Unidos pedir auxílio e oferecer aos
comerciantes norte-americanos, por vinte anos, os gêneros de Pernambuco, livres de
direitos; Félix Tavares de Lima foi mandado à Argentina, e o negociante inglês Kesner foi
enviado à Inglaterra a fim de conseguir a adesão de Hipólito José da Costa, do Correio
Braziliense.

A repressão – Na Bahia, tão logo se soube da rebelião, o governador D. Marcos


Noronha e Brito, conde dos Arcos, montou a repressão por terra e por mar. D. João, por
sua vez, dirigiu pessoalmente os preparativos da tropa a ser comandada pelo coronel Luís
do Rego Barreto - futuro governador de Pernambuco. A onda repressora abrangeu
Alagoas, Rio Grande do Norte e Paraíba. Em Pernambuco, o bloqueio forçou a formação
de um governo revolucionário de caráter ditatorial, com plenos poderes conferidos a
Domingos Teotônio Jorge, a fim de resistir eficazmente ao assédio. Contudo, no dia 19 de
maio de 1817, a resistência dos rebeldes foi quebrada.

As punições – As punições foram rigorosas: Domingos José Martins, José Luís de


Mendonça e padre Miguelinho foram fuzilados em Salvador; no Recife, a comissão militar
presidida por Luís do Rego Barreto condenou à forca Domingos Teotônio Jorge, José de
Barros Lima, padre Sousa Tenório e Antônio Hemopos. Em 1818, D. João ordenou o
encerramento da devassa, libertando aqueles sem culpa formada. Os restantes 117
prisioneiros na Bahia, afinal libertos, foram anistiados após a Revolução do Porto (1820).

A Revolução Liberal do Porto (1820)


Situação de Portugal – Desde a transferência da Corte para o Brasil, Portugal
vivia uma situação incômoda: em 1808 foi invadido por Napoleão; posteriormente, com a
expulsão dos franceses, passou a viver sob a direta tutela inglesa. Até 1820 Portugal foi
governado por Lord Beresford.

Razões da revolução – A ambigüidade política de D. João contribuía para manter


aquela situação anômala, pois mesmo após a libertação de Portugal o soberano
continuava no Brasil. Além disso, as medidas de D. João que deram ampla liberdade
econômica ao Brasil estavam prejudicando o comércio português, levando a economia a
uma situação desesperadora.

A revolução foi liderada por Manuel Fernandes Tomás, que, na cidade do Porto,
em 1818, criou uma associação liberal, inspirada no exemplo da Revolução Francesa.
Essa associação contava com a participação de treze membros e recebeu o nome de
Sinédrio. Em fins de 1820, além de elementos militares, reunia também membros da
clero. Em agosto do mesmo ano foi lançado um manifesto à nação, de autoria de
Fernandes Tomás.

A revolução propriamente dita eclodiu em 24 de agosto de 1820, e os rebeldes


imediatamente formaram um governo: a Junta Provisional do Governo Supremo do Reino.
A revolução, de início limitada ao Porto, mais tarde chegou a Lisboa, tornando-se um
movimento nacional.

O historiador português António Sérgio assim resume os acontecimentos: “Em


Portugal governava Beresford (...) Quando, em 1820, o general inglês foi ao Brasil, o
Porto sublevou-se. Os oficiais britânicos receberam ordem de retirar; não se permitiu o
desembarque de Beresford, à volta do Rio; e nomeou-se uma nova regência,
convocando-se uma assembléia para elaborar uma constituição (...). A Inglaterra insistiu
com o rei para que voltasse para a metrópole, o que ele fez, deixando no governo do
Brasil o filho mais velho, D. Pedro. Chegando a Lisboa, o monarca jurou a Constituição;
mas a rainha, D. Carlota Joaquina, e o filho mais novo, D. Miguel, puseram-se à frente do
partido absolutista”.

Repercussão da revolução no Brasil – A notícia da revolução do Porto chegou ao


Rio de Janeiro em outubro de 1820. No mês seguinte, D. João tomou conhecimento da
adesão de Lisboa. A revolta era mais grave do que se supunha. O rei e seus ministros
discutiram o que fazer. D. João oscilava entre dois dos seus principais conselheiros,
Tomás Antônio de Vila Nova Portugal e o conde de Palmela. O primeiro opunha-se
irredutivelmente às Cortes e defendia a partida do príncipe D. Pedro para Portugal, a fim
de acalmar os ânimos revolucionários. O segundo era simpático à revolução e defendia o
retorno do próprio rei.

Nesse ínterim, enquanto nada era decidido, a revolução se propagou para o


Brasil. Em primeiro lugar, deu-se a adesão do Pará, aos gritos de "Viva a Constituição!".
Depois, foi a vez da Bahia: "Abaixo o Absolutismo!". Em Salvador, o entusiasmo chegou
às ruas, destacando-se a atuação de Cipriano Barata, com o seu jornal As Sentinelas.
Formou-se rapidamente uma Junta Governativa, e o governador da Bahia retirou-se para
o Rio de Janeiro. Entusiasticamente, a Junta jurou fidelidade à Constituição, que ainda ia
ser elaborada em Lisboa.

A notícia dos acontecimentos na Bahia chegou ao Rio. D. João sentiu que ia


perder o controle da situação e resolveu agir: através de um decreto, datado de fevereiro
de 1821, decidiu enviar o príncipe real D. Pedro a Portugal, "para ouvir", dizia o decreto,
"as representações e queixas dos povos e para estabelecer as reformas, melhoramentos
e leis que possam consolidar a Constituição portuguesa" . O mesmo decreto criou,
simultaneamente, uma comissão de vinte membros, quase todos brasileiros, para exprimir
os interesses específicos do Brasil. O decreto descontentou os colonialistas portugueses,
que desejavam o retorno do próprio rei e recusavam a autonomia concedida por D. João
ao Brasil. A guarnição militar do Rio, fiel às Cortes, opôs-se ao decreto. A oposição ao rei
cresceu do lado "português", sob a iniciativa de um padre, Marcelino José Alves
Macamboa, que liderou uma manifestação pública de apoio às Cortes. Na manhã de 26
de fevereiro de 1821, na praça do Rossio (hoje Tiradentes), civis e militares reuniramse
sob o comando do brigadeiro Francisco Joaquim Carreti, para exigir do rei o juramento à
Constituição. D. Pedro compareceu à manifestação e tentou acomodar a situação, porém
Macamboa fez conhecer ao rei, através do príncipe real, a exigência do juramento à
Constituição e da reforma do ministério, entregando-lhe uma lista de nomes. D. João, a
conselho de Tomás Antônio, atendeu às exigências de Macamboa.

Vitória constitucionalista e o retorno de D. João – Finalmente, sem outra


alternativa, D. João VI retornou a Portugal, assinando em 7 de março de 1821 um decreto
nesse sentido. D. João partiu finalmente no dia 26 de abril de 1821, nomeando como
regente do Brasil seu filho e herdeiro D. Pedro.

O Brasil e as Cortes

Deputados brasileiros nas Cortes – A Revolução do Porto recebeu, em todo o


Brasil, adesão imediata. Mas com o seu triunfo anulou-se ao mesmo tempo a
possibilidade de reunir as Cortes no Rio de janeiro, passando toda a competência
legislativa para Lisboa. Assim, o decreto régio de 7 de março de 1821, que determinou a
volta do rei a Portugal, estipulou também a eleição de deputados brasileiros a serem
enviados às Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa.

As primeiras eleições foram realizadas e, em agosto de 1821, os primeiros


deputados brasileiros começaram a chegar a Lisboa. Os representantes brasileiros eram
todos da camada superior e a eles não havia ocorrido ainda a idéia de separação do
Brasil, embora permanecessem dispostos a defender as conquistas obtidas durante o
governo de D. João VI. O caráter constitucionalista da Revolução do Porto deu à camada
dominante senhorial e a seus aliados a ilusão de poder consolidar definitivamente, através
de seus representantes nas Cortes de Lisboa, a liberdade de comércio e autonomia
administrativa.

A tentativa recolonizadora – As Cortes, entretanto, definiram pouco a pouco sua


posição em relação ao Brasil, deixando claro que o objetivo era a recolonização. Dois
aspectos atraíram particularmente a atenção das Cortes: a penetração inglesa e a
autonomia administrativa do Brasil. Foi a partir de junho de 1821 que essa orientação
recolonizadora começou a ganhar força nas Cortes. Em relação à Inglaterra, tratou-se de
anular os privilégios concedidos em 1810. Em relação à autonomia administrativa, as
Cortes declararam os governos provinciais independentes do Rio de Janeiro com a
finalidade de subordiná-los diretamente às Cortes.Também foi decidida a transferência
para Lisboa do Desembargo do Paço, da Mesa da Consciência e Ordens, do Conselho da
Fazenda, da Junta do Comércio e da Casa de Suplicação.

O “partido português” – No Brasil, em virtude da tentativa recolonizadora das


Cortes, as posições políticas se definiram. Formou-se o "parti do português", integrado
principalmente pelos comerciantes portugueses apoiados pelas guarnições militares, que
eram contrários à autonomia administrativa e à abertura econômica decretadas por D.
João VI.

O “partido brasileiro” – O “partido brasileiro” era integrado principalmente pela


aristocracia rural (grandes proprietários escravistas) que defendia a manutenção da
liberdade econômica e da autonomia administrativa conquistadas durante o período
joanino. Mas não defendia a separação de Portugal.

Divergências e convergências – Apesar do nome, o partido "português" não era


composto exclusivamente de portugueses, da mesma forma que o partido "brasileiro" não
era integrado somente por brasileiros. No "partido brasileiro" havia também portugueses e
até ingleses e franceses. Em essência, esses dois partidos representavam correntes
colonialistas ("partido português") e anticolonialistas ("partido brasileiro").

Se essa era a diferença entre ambos, os dois partidos concordavam pelo menos
num ponto: nenhum dos dois colocava em questão a estrutura escravista da sociedade
colonial. Discordando de ambos sobre esse ponto e que surgiria uma outra corrente: a
dos liberais radicais. Esta era integrada pelas camadas urbanas, representadas pelos
profissionais liberais - médicos, professores, jornalistas, pequenos comerciantes, padres,
etc. Com essa tendência, identificavam-se certas facções da aristocracia rural,
particularmente da região nordestina, que havia muito tinham perdido a liderança para os
grandes proprietários da região sudeste - Rio de Janeiro e São Paulo.

Emancipação política ("Independência") do Brasil

Sempre considerei estranho estudar "independência do Brasil" nas aulas de


história e "Brasil dependente" nas aulas de geopolítica. Vamos tentar entender isso
melhor?

Significado social da emancipação – Embora a independência política do Brasil


tenha sido um “arranjo político”, segundo a expressão do historiador Caio Prado Jr., ela
implicou uma acirrada luta social. Várias camadas sociais disputavam a liderança,
desejando imprimir ao movimento libertador o sentido que mais convinha e interessava a
cada uma. No final, venceu a aristocracia rural dos grandes proprietários escravistas.

As divergências – Para compreender o processo de independência precisamos


partir do projeto recolonizador das Cortes, pois foi por causa dele que se definiram vários
grupos. O "partido português" era inteiramente a favor. O "partido brasileiro" e os liberais
radicais eram contra, mas divergiam quanto aos objetivos a serem atingidos.

Para o "partido brasileiro" o ideal era a criação de uma monarquia dual, para
preservar a autonomia administrativa e a liberdade de comércio. A intransigência das
Cortes fez, no entanto, esse partido inclinar-se pela emancipação, mas sem alterar a
ordem social e os seus privilégios.

Os liberais radicais formavam um agrupamento potencialmente revolucionário e


estavam mais próximos das camadas populares urbanas. Alguns deles eram republicanos
e, em seu conjunto, eram o grupo mais receptivo às mudanças mais profundas e
democráticas da sociedade.
Formação da liderança emancipacionista – A concretização das aspirações de
cada um desses agrupamentos políticos não tinha as mesmas chances históricas. Os
grandes proprietários rurais ligados ao "partido brasileiro" eram os que dispunham dos
meios efetivos para a realização de seus objetivos de classe.

Em primeiro lugar, porque a ânsia por um comércio livre de entraves


mercantilistas encontrou apoio em forças internacionais, lideradas pela burguesia
britânica. A sólida base econômica e social escravista garantia, em segundo lugar, os
recursos materiais para resistir com êxito à provável ameaça recolonizadora de Lisboa.

A Regência de D. Pedro e a Ruptura com Portugal

A polarização – A situação do Brasil permaneceu indefinida ao longo de todo o


ano de 1.821. Mas, em 9 de dezembro, um fato novo começou a modificar o cenário.
Nesse dia chegaram ao Rio de janeiro os decretos das Cortes que ordenavam:

• a abolição da regência e o imediato retorno de D. Pedro a Portugal;

• a obediência das províncias a Lisboa e não mais ao Rio de janeiro;

• a extinção dos tribunais do Rio de janeiro.

D. Pedro, aparentemente resignado, começou a fazer os preparativos para o seu


regresso.

Entretanto, essa decisão das Cortes gerou uma onda de inquietação muito
grande. Os funcionários públicos estavam ameaçados de perder seus empregos com o
fim das repartições em que trabalhavam. O "partido brasileiro" ficou alarmado com a
recolonização iminente, mas também com a possibilidade de uma explosão revolucionária
incontrolável.

Essa nova situação favoreceu a polarização: de um lado o "partido português",


que defendia a recolonização, e, de outro, o "partido brasileiro" e os liberais radicais, que
passaram a agir abertamente pela independência.

O Fico (9 de janeiro de 1822) – No Rio de Janeiro organizou-se o Clube da


Resistência, liderado por José Joaquim da Rocha, que começou a luta pela permanência
do príncipe. A tática consistia em conquistar D. Pedro para a causa da independência e
conseguir também a adesão das províncias.

Primeiro, fez-se uma sondagem junto ao príncipe, que se mostrou receptivo à


idéia. Depois foram enviados emissários a Minas e São Paulo para obter a adesão à
causa emancipacionista, com resultados positivos.

No Rio de Janeiro foi elaborada uma representação (com coleta de assinaturas)


em que se pedia a permanência de D. Pedro. Esse documento foi entregue a D. Pedro no
dia 9 de janeiro de 1822, por José Clemente Pereira, presidente do Senado da Câmara do
Rio de Janeiro. Em resposta, o príncipe decidiu desobedecer às ordens das Cortes e
permanecer no Brasil: era o Fico.

A ascensão de José Bonifácio – A decisão do príncipe de permanecer no Brasil e


desafiar as Cortes foi produto de um amplo movimento, no qual se destacou José
Bonifácio.

Como membro destacado do governo provisório de São Paulo, José Bonifácio


escreveu em 24 de dezembro de 1821 uma carta a D. Pedro, na qual criticava duramente
a decisão das Cortes de Lisboa e chamava a sua atenção para o importante papel
reservado ao príncipe nesse momento de crise.

No Rio, D. Pedro divulgou a carta, que foi publicada na Gazeta do Rio de 8 de


janeiro de 1822, com grande repercussão. Dez dias depois, chegou ao Rio uma comitiva
paulista, integrada por José Bonifácio, para entregar ao príncipe a representação paulista.
Nesse mesmo dia, D. Pedro nomeou José Bonifácio ministro do Reino e dos Estrangeiros,
cargo que este resolveu aceitar depois da insistência do próprio príncipe. Essa nomeação
tinha um forte significado simbólico: pela primeira vez o cargo era ocupado por um
brasileiro

A partir desse momento, os Andradas (José Bonifácio e seus irmãos Antônio


Carlos e Martim Francisco) tornaram-se figuras políticas de destaque nacional.

Conselho de Procuradores Gerais das Províncias do Brasil – Para resistir às


ameaças de recolonização foi decretada, em 16 de fevereiro de 1822, a convocação de
um Conselho de Procuradores Gerais das Províncias do Brasil. Esse conselho,
teoricamente, tinha por finalidade auxiliar o príncipe. Na prática, porém, tratava-se de uma
manobra dos conservadores, liderados por José Bonifácio, contra os radicais,
representados por Gonçalves Ledo, um funcionário público. Para este, a preservação da
unidade político-territorial do Brasil deveria ser feita através da convocação de uma
Assembléia Constituinte eleita pelo povo. O conselho foi convocado exatamente para
evitar isso e manter a unidade sob controle do poder central e dos conservadores.

O “Cumpra-se” – Em maio de 1822, a cisão entre D. Pedro e as Cortes


aprofundou-se ainda mais: o regente determinou que qualquer decreto das Cortes só
poderia ser executado mediante o "Cumpra-se" assinado por ele. Na prática, isso
significava conferir plena soberania ao Brasil. Essa medida teve imediato apoio: a 13 de
maio, o Senado da Câmara do Rio de Janeiro conferiu ao príncipe regente o título de
Defensor Perpétuo do Brasil.
A convocação da Constituinte – Enquanto isso, os liberais radicais mantinham-se
ativos. Por iniciativa de Gonçalves Ledo e outros, uma representação foi dirigida a D.
Pedro para expor a conveniência de se convocar uma Assembléia Constituinte. O príncipe
acatou a sugestão e decretou a sua convocação em junho de 1822.

Divergência entre conservadores e liberais – José Bonifácio resistiu à idéia de


convocar uma Constituinte, mas foi obrigado a aceitá-la. Procurou, entretanto,
descaracterizá-Ia, propondo eleição indireta, que acabou prevalecendo contra a vontade
dos liberais radicais, que defendiam a eleição direta.

Embora os conservadores tenham obtido o controle da situação e o texto da


convocação da Constituinte apresentasse declarações favoráveis à permanência da união
entre Brasil e Portugal, as Cortes insistiam: o príncipe deveria retornar imediatamente. Em
7 de setembro de 1822, impelido pelas circunstâncias, D. Pedro rompeu definitivamente
os laços de união política com Portugal. Culminou, dessa forma, o longo processo de
emancipação, iniciado em 1808 com a vinda da família real. A 12 de outubro de 1822, D.
Pedro foi aclamado, e em 1 ° de dezembro do mesmo ano tornou-se o primeiro imperador
do Brasil.
A “Independência” – Vitória dos Conservadores

A cisão política – Embora o rompimento político com Portugal fosse o desejo da


maioria dos brasileiros, havia muitas divergências entre eles. Podem-se identificar no
movimento emancipacionista grupos sociais claramente distintos: a aristocracia rural do
sudeste (“partido brasileiro”), as camadas populares urbanas (liberais radicais) e, por fim,
a aristocracia rural do norte e nordeste, que se caracterizava pela defesa do federalismo e
mesmo do separatismo.

A aristocracia rural do sudeste, de longe a mais poderosa, era conservadora e


lutava pela independência defendendo ao mesmo tempo a unidade territorial, a
escravidão e seus privilégios de classe.

Os liberais radicais queriam não apenas a independência, mas também a


democratização da sociedade brasileira. Porém, seus principais líderes, Joaquim
Gonçalves Ledo (funcionário público) e José Clemente Pereira (juiz e presidente do
Senado da Câmara do Rio de janeiro), permaneceram atrelados à aristocracia rural e não
revelaram nenhuma vocação genuinamente revolucionária.

Quanto à aristocracia rural do norte e nordeste, enfrentava a forte resistência dos


comerciantes e militares portugueses, que eram particularmente fortes no Pará, Maranhão
e Bahia. Além disso, desconfiavam da política centralizadora de José Bonifácio.

José Bonifácio – Na disputa contra os conservadores, os radicais cometeram o


grave erro de reduzir toda questão à luta pela influência sobre o príncipe regente. Era
inevitável que este preferisse os conservadores. Ademais, os conservadores encontraram
em José Bonifácio um líder particularmente bem preparado para dar à independência a
forma que convinha às camadas dominantes.

Nascido em Santos (1763), de família abastada, José Bonifácio residiu na Europa


de 1783 a 1819. Formou-se em Ciências Naturais em Coimbra e viajou pela Europa
durante dez anos. Em Portugal criou reputação como cientista, exercendo o magistério
como professor da cadeira de Metalurgia na Universidade de Coimbra. Ingressou na
burocracia reinol como Intendente Geral das Minas e Metais do Reino, sendo ainda
membro do Tribunal das Minas.

Quando retornou ao Brasil, já era um homem maduro (56 anos), experiente e


dono de um prestígio sem rival. Assim, quando a revolução do Porto repercutiu em São
Paulo, José Bonifácio foi imediatamente chamado para presidir a junta Provisória. Nas
eleições para representantes nas Cortes, foram escolhidos seis deputados paulistas sob a
liderança de seu irmão Antônio Carlos. Lá deveriam atuar segundo instruções contidas
num documento denominado Lembranças e apontamentos, cuja autoria é atribuída a José
Bonifácio. Nesse documento estão as suas principais idéias:

• criação de um governo executivo no Brasil ao qual estariam sujeitas as


províncias;

• fundação de colégios e universidades;

• desenvolvimento do povoamento do interior;


• integração das índios;

• emancipação gradual dos escravos e proibição do tráfico;

• alteração da estrutura fundiária, com a reintegração ao domínio do poder público


das terras improdutivas.

Como se pode observar, José Bonifácio era contrário tanto à escravidão quanto
ao latifúndio. E nesse ponto chocou-se com os poderosos interesses dos grandes
proprietários e dos traficantes.

D. Pedro – Apesar de D. Pedro ter servido de instrumento dos interesses da


aristocracia rural, à qual convinha a solução monárquica para a independência do Brasil,
não se deve desprezar os interesses próprios de D. Pedro no processo.

D. Pedro tinha formação absolutista e por essa razão se opôs à revolução do


Porto, que era liberal e antiabsolutista. Da mesma forma, a política recolonizadora das
Cortes desagradou à opinião pública brasileira. E é nisso que se baseou a aliança entre
D. Pedro e o "partido brasileiro". Assim, se a independência do Brasil pode ser vista,
objetivamente, como obra da aristocracia rural, é preciso considerar que ela se iniciou
como um compromisso entre o conservadorismo da aristocracia rural e o absolutismo do
príncipe.

Os excluídos – A emancipação política do Brasil não trouxe nenhuma alteração


na secular estrutura social. A enorme população de escravos e de homens livres não
proprietários, dispersa pelo Brasil e distante dos principais centros, permaneceu
absolutamente indiferente à independência. Entretanto, nos centros urbanos do sul, em
especial no Rio de janeiro, a massa popular aderiu, em várias ocasiões, aos impulsos
revolucionários, mas foi prontamente esmagada por José Bonifácio.

Independência ou Morte
Uma imagem 66 anos depois

A primeira aproximação pictográfica que temos com a Independência do


Brasil acontece como deve ser, nos livros de escola, quando vemos a pintura de Pedro
Américo, “O Grito do Ipiranga”, elaborada em 1888, já no final do Segundo Reinado.

D. Pedro II foi educado pelos melhores professores brasileiros e era


estimulado por seu tutor, José Bonifácio de Andrada e Silva, a travar contato com as artes
e os artistas de seu tempo. A isto somado o fato da força do cultivo do café na lavoura
brasileira, o Segundo Reinado no Brasil foi bastante próspero e trouxe muitos avanços em
arte e cultura.

D. Pedro II foi o maior incentivador da cultura e da arte na história do


Brasil. Pedro Américo, subvencionado pelo Império, estudou na Europa e, a pedido do
Imperador, pintou várias obras. Destaque para “O Grito do Ipiranga”, de 1888.

O fato de o quadro datar de 66 anos após os eventos protagonizados pelo


pai do Imperador, D. Pedro I, não deve toldar o nosso raciocínio.
Antecedentes

A Independência foi fermentada num longo processo. Napoleão Bonaparte


liderava a Revolução Burguesa na Europa, num tempo em que Portugal era refém
econômico da grande potência da época, a Inglaterra. Com o avanço inexorável de tropas
napoleônicas a Portugal, a Inglaterra enviou tropas e navios, tanto para combater
Napoleão quanto para escoltar a Família Real para o Brasil em 1808.

Muitos historiadores enfatizam o momento da transferência da Família real


para o Brasil como o marco do início de todo o processo de Independência em relação a
Portugal. Alguns preferem a expressão “emancipação política”, dada a dependência
crônica em relação ao grande capital estrangeiro. Naquela época, Inglaterra. Hoje, EUA.

No Brasil D. João VI começa a esboçar o arcabouço de uma Nação Soberana,


com um Banco próprio, o Banco do Brasil, fundado no momento de sua chegada, 1808, a
assinatura de Tratados de Comércio com as Nações Amigas, etc. No Congresso de
Viena, em 1815, ocorre a Elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves, com o
rei D. João VI residindo aqui. O Brasil, formalmente, não era mais uma Colônia, mas um
Reino Unido. Em torno deste tema gira todo o processo de Independência em relação a
Portugal.

As cortes, comandadas pela burguesia portuguesa, eram compostas por


homens levados ao poder no processo conhecido como Revolução do Porto: afirmavam a
autonomia política de Portugal em relação à Inglaterra mas desejavam avidamente levar
novamente o Brasil ao estatuto de Colônia.

O movimento de ruptura com as cortes em Portugal já estava fermentando na


mente de D. João VI quando foi forçado a voltar para lá em 1821 após a deposição dos
ingleses pelas cortes de Lisboa na Revolução do Porto. Percebendo os ânimos daqueles
que começavam a orgulhar-se em chamar-se de BRASILEIROS deixou D. Pedro como
Príncipe Regente e recomendou: “Pedro, se o Brasil se separar, antes seja para ti, que
me hás de respeitar, do que para algum desses aventureiros”.

José Bonifácio de Andrada e Silva

Em dezembro de 1821 chega ao Rio de Janeiro uma ordem das cortes a D.


Pedro. Deveria ele abolir a regência e regressar imediatamente a Portugal. Resignado,
começa a fazer os preparativos para o regresso quando a onda de indignação dos
brasileiros se faz notória. José Bonifácio de Andrada e Silva, na condição de membro
destacado do governo provisório de São Paulo, envia uma carta a D. Pedro. Nela criticava
duramente a decisão das Cortes de Lisboa e chamava a sua atenção para o importante
papel reservado ao príncipe nesse momento de crise. Aquela carta foi publicada na
Gazeta do Rio de 8 de janeiro de 1822, com grande repercussão. Dez dias depois,
chegou ao Rio uma comitiva paulista, integrada por José Bonifácio, para entregar ao
príncipe a representação paulista. Nesse mesmo dia, D. Pedro nomeou José Bonifácio
ministro do Reino e dos Estrangeiros, cargo que este resolveu aceitar depois da
insistência do próprio príncipe. Essa nomeação tinha um forte significado simbólico: pela
primeira vez o cargo era ocupado por um brasileiro.
Empossado no cargo de ministro do Reino e de Estrangeiros, em janeiro de 1822,
Bonifácio logo conquistou, para a causa emancipadora, os representantes da Áustria e da
Inglaterra. Além disso, ordenou ao Chanceler-Mor (cargo que corresponde, hoje, ao de
ministro da Justiça) que não publicasse lei alguma, vinda de Portugal, sem primeiro
submetê-la à a apreciação do príncipe; nomeou um cônsul brasileiro para Londres,
declarando, ao Gabinete inglês, que só tal funcionário poderia, então, liberar navios que
se destinassem ao Brasil; enviou emissários às Províncias do norte, a fim de congregá-los
para a causa da independência, avisando que teriam que se sujeitar à regência de D.
Pedro e não às ordens que recebessem de Lisboa.

As Províncias do norte estavam ao lado das Cortes portuguesas e executando


o decreto 124, de 29 de setembro de 1821; principalmente, no Maranhão, o que fez com
que José Bonifácio, em ofício à Junta de Governo daquela Província, dissesse,
ironicamente, que não era de se esperar que o Maranhão tivesse "a aparente e fastigiosa
idéia de ser considerada província daquele reino (Portugal)". O Brasil, àquela altura dos
acontecimentos, não podia continuar fragmentado e José Bonifácio estava enfrentando a
tarefa hercúlea de reunir as Províncias, unindo o país em torno de uma idéia política, que
era a monarquia constitucional parlamentar. No dizer de Tito Lívio Ferreira e Manoel
Rodrigues Ferreira, “sob esse ponto de vista, ele é, legitimamente, o campeão da unidade
do Brasil”.

Sempre ativo, aliciou conspiradores em Pernambuco, no Maranhão, no Rio


Grande do Norte, na Bahia e no Pará, para que se rebelassem, na hora exata, contra a
metrópole que o ludibriara, traindo o acordo do Reino Unido de Portugal e do Brasil; em
junho de 1822, reorganizou o erário, por intermédio de seu irmão, Martim Francisco, e, em
julho, formou uma nova Armada, contratando, para a obra de construção da Marinha de
Guerra, o marujo e aventureiro lorde Cochrane. Importante ainda a presença de
Gonçalves Ledo, que angariou os fundos necessários para fortalecer a Armada.

Levou D. Pedro a conquistar a simpatia das populações de Minas e de São


Paulo, forçando-o a viajar, pois, dizia ele, “o Brasil não é o Rio de Janeiro”. Quando os
decretos vindos de Portugal anulavam, sumariamente, todos os atos da regência, ele,
habilmente aliado a D. Leopoldina, escreve a D. Pedro, jurando que, de Portugal, o
humilham: “De Portugal não temos a esperar senão escravidão e horrores. Venha V.A.
Real o quanto antes e decida-se; porque irresoluções e medidas de água morna, à vista
desse inimigo que não nos poupa, para nada servem – e um momento perdido é uma
desgraça”. Com isso, instigava o príncipe a se rebelar, combatendo as suas hesitações e
desânimos.

Hoje estão disponíveis – inclusive na Internet – os documentos comprobatórios de


que os acontecimentos de 7 de setembro foram premeditados e conduzidos por José
Bonifácio.

O 7 de Setembro em documentos

Em fins de agosto, a Maçonaria no Brasil se organizava e enviava


emissários como Antônio de Menezes Vasconcellos Drummond que, chegando de
Pernambuco para onde fora comissionado por José Bonifácio, traz informações e cartas
inquietantes. As Cortes em Lisboa chamando o Príncipe de “rapazinho”, ordenam seu
imediato regresso e ainda o aprisionamento de Bonifácio.
Encontra-se no magistério muitos professores que preferem minimizar (ou
mesmo ridicularizar) os fatos que tiveram lugar às margens do Ipiranga naquela data. Não
me conto entre estes. Quem dera os governantes de hoje tivessem a mesma coragem!

A documentação comprobatória é muito extensa e está à disposição do


pesquisador. À falta de maiores habilidades ou mesmo confiança no método chamado de
“viagens astrais”, atenho-me à documentação. Cito aqui, a título de exemplo, a carta do
Padre Belchior, de 1896, mencionada por José Castellani em sua página e que diz, em
seus pontos principais, o seguinte:

“O príncipe mandou-me ler alto as cartas trazidas por Paulo Bregaro e Antônio
Cordeiro. (...) D. Pedro, tremendo de raiva, arrancou de minhas mãos os papéis e,
amarrotando-os, pisou-os e deixou-os na relva. Eu os apanhei e guardei. Depois,
abotoando-se e compondo a fardeta – pois vinha de quebrar o corpo à margem do riacho
do Ipiranga, agoniado por uma disenteria, com dores, que apanhara em Santos – virou-se
para mim e disse:

_ E agora, padre Belchior?

E eu respondi prontamente:

_ Se V.A. não se faz rei do Brasil, será prisioneiro das Cortes e talvez
deserdado por elas. Não há outro caminho, senão a independência e a separação.

D. Pedro caminhou alguns passos, silenciosamente, acompanhado por mim,


Cordeiro, Bregaro, Carlota e outros, em direção aos nossos animais, que se achavam à
beira da estrada. De repente estacou-se, já no meio da estrada, dizendo-me:

_ Padre Belchior, eles o querem, terão a sua conta. As Cortes me perseguem,


chamam-me, com desprezo, de rapazinho e brasileiro. Pois verão agora o quanto vale o
rapazinho. De hoje em diante estão quebradas as nossas relações: nada mais quero do
governo português e proclamo o Brasil para sempre separado de Portugal!

(...) E arrancando do chapéu o laço azul e branco, decretado pelas Cortes,


como símbolo na nação portuguesa, atirou-o ao chão, dizendo:

_ Laço fora, soldados! Viva a independência, a liberdade, a separação do


Brasil.

(...) O príncipe desembainhou a espada, no que foi acompanhado pelos


militares; os paisanos tiraram os chapéus. E D. Pedro disse:

_ Pelo meu sangue, pela minha honra, pelo meu Deus, juro fazer a liberdade
do Brasil.

(...) Firmou-se nos arreios, esporeou sua bela besta baia e galopou, seguido de
seu séquito, em direção a São Paulo, onde foi hospedado pelo brigadeiro Jordão, capitão
Antônio da Silva Prado e outros, que fizeram milagres para contentar o príncipe.

Mal apeara da besta, D. Pedro ordenou ao seu ajudante de ordens que fosse
às pressas ao ourives Lessa e mandasse fazer um dístico em ouro, com as palavras
“Independência ou Morte”, para ser colocado no braço, por um laço de fita verde e
amarela. E com ele apareceu no espetáculo, onde foi chamado o rei do Brasil, pelo meu
querido amigo alferes Aquino e pelo padre Ildefonso (...)”

D. Pedro e a Maçonaria

A ata da nona sessão do Grande Oriente do Brasil – Assembléia Geral – realizada


no 13º dia do 5º mês maçônico do Ano da Verdadeira Luz 5822 (2 de agosto de 1822),
consta ter o Grão-Mestre da Ordem, conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva,
proposto a iniciação de Sua Alteza D. Pedro de Alcântara. E que, “aceita a proposta com
unânime aplauso, e aprovada por aclamação geral, foi imediata e convenientemente
comunicada ao mesmo proposto, que se dignando aceitá-la, compareceu logo na mesma
sessão e sendo também logo iniciado no primeiro grau na forma regular e prescrita na
liturgia, prestou o juramento da Ordem e adotou o nome heróico de Guatimozin”. Na
décima sessão, realizada a 5 de agosto, Guatimozin recebeu o grau de Mestre Maçom.

A ata da 14ª sessão – Assembléia Geral – do Grande Oriente Brasílico, fundado a


17 de junho de 1822, fechado a 25 de outubro do mesmo ano, pelo seu Grão-Mestre, D.
Pedro I, e reinstalado como Grande Oriente do Brasil, em 1831, foi publicada, junto com
outras, no Boletim Oficial do Grande Oriente do Brasil, Nº 10, de outubro de 1874, no Ano
III da publicação (criada em 1872).

Daquela ata, consta que a Assembléia decidiu ser imperiosa a proclamação da


independência e da realeza constitucional, na pessoa de D. Pedro. Mostra, também, que
o dia da sessão, 20º dia do 6º mês maçônico do Ano da Verdadeira Luz de 5822, era o
dia 9 de setembro. Isso porque o Grande Oriente utilizava, na época, um calendário
equinocial, muito próximo do calendário hebraico, situando o início do ano maçônico no
dia 21 de março (equinócio de outono, no hemisfério Sul) e acrescentando 4000 aos anos
da Era Vulgar. Desta maneira, o 6º mês maçônico tinha início a 21 de agosto e o seu 20º
dia era, portanto, 9 de setembro, como situa o Boletim de 1874.

Portanto, não é procedente supor que a data da Assembléia tenha sido 20 de


agosto (dia do Maçom no Brasil), tampouco se deve minimizar o fato de que a Maçonaria
atuava viva e ativamente na direção da independência, particularmente através do Grão
Mestre José Bonifácio e do Primeiro Vigilante, Ledo Ivo.

O fato existiu – temos a ata – e é digno de ser lembrado e comemorado por todos
os maçons, mesmo porque não era possível, no dia 9, os obreiros terem conhecimento
dos fatos do dia 7, dados os escassos recursos de comunicação da época. Mas não a
ponto de falsear a verdade histórica, quer por ufanismo, quer por desconhecimento.

A Independência hoje

A tarefa é monumental. Cumpre romper os grilhões que nos atam aos Estados
Unidos da América. O presidente Lula já mencionou, ao chamar o presidente de lá de
“companheiro Bush”, que considera aquele país “um parceiro imprescindível para o
Brasil”. Por seus atos e palavras percebemos sua falta de disposição – assim como de
toda a alta burguesia brasileira – no sentido de encaminhar a Independência de que
precisamos. Que a reflexão em torno dos atos heróicos de nossos ancestrais possa
inspirar nossos contemporâneos.
Lázaro Curvêlo Chaves - 7 de Setembro de 2004

O Grito do Ipiranga - Pedro Américo (1888).


O Primeiro Reinado

A Europa no Século XIX

O movimento das idéias – O século XIX foi, para a Europa e o Brasil, um século
de profundas transformações orientadas por um conjunto mais ou menos bem-definido de
idéias: liberalismo, democracia e, por fim, socialismo. Para se compreender a história do
Brasil no século XIX, é importante estudar com um pouco de atenção o significado dessas
idéias.

Liberalismo – A luta pela independência no Brasil não foi um movimento isolado.


Outros países do continente americano e também da Europa estavam sendo sacudidos,
no mesmo período, por agitações políticas e sociais.

No final do século XVIII, o Iluminismo difundiu-se para a América, inspirando tanto


a Inconfidência Mineira quanto a Conjuração Baiana. Mas o Iluminismo permaneceu, no
século XVIII, uma filosofia restrita a uma minoria de pessoas cultas e instruídas, da qual
faziam parte até mesmo alguns nobres e reis esclarecidos.

Depois da queda de Napoleão em 1815, o Congresso de Viena restaurou o


absolutismo em quase toda a Europa. Contra essa volta do absolutismo, eclodiram
inúmeras revoluções em 1820 e, novamente, em 1830. Foi assim que, a partir de 1815,
nasceu o liberalismo propriamente dito.

Embora Iluminismo e liberalismo sejam praticamente sinônimos, há uma distinção


sutil e importante entre ambos. A diferença está em que o liberalismo, ao contrário do
Iluminismo, ganhou as camadas populares. Em certo sentido, o liberalismo foi a
popularização do Iluminismo.

Uma das importantes características do liberalismo é a sua defesa do


individualismo. Para os liberais, o indivíduo deve ser colocado acima do Estado e não
deve se tornar apêndice de um grupo, qualquer que seja ele. Por isso, desconfiavam das
associações coletivas e temiam a anulação das individualidades pelos grupos.

A defesa da liberdade de pensamento e expressão era outra de suas


características. Para os liberais, a busca da verdade - sempre relativa - não devia se
sujeitar à opinião de uma autoridade intelectual ou aos dogmas da Igreja. Por essa razão,
valorizavam a tolerância e acreditavam no diálogo como meio de busca da verdade
comum.

A intransigente defesa da liberdade levou os liberais a desconfiarem


profundamente do poder. Nesse ponto, como em outros, a sua referência era o Antigo
Regime. Eles tinham em vista aqui, particularmente, o absolutismo. A fim de prevenir a
concentração do poder, os liberais propuseram e praticaram a sua limitação e
fragmentação.

Por exemplo, limitaram o campo de atuação do poder. Para manter a liberdade


econômica e a livre iniciativa pautadas pela concorrência no mercado, os liberais
colocaram-se contra a intervenção do Estado na economia. O liberalismo econômico era
o oposto do mercantilismo praticado pelos Estados absolutistas.

Além de limitar, os liberais eram favoráveis à fragmentação do poder, o que foi


feito através de sua divisão em três esferas: Executivo, Legislativo e judiciário, aos quais
atribuíram o mesmo peso, com a finalidade de obter um equilíbrio entre eles. Dotados
assim de forças equivalentes, os três poderes enfim se neutralizariam em confronto uns
com os outros. Reduzia-se desse modo o poder do Estado ao mínimo, em favor das
liberdades individuais.

Outro instrumento liberal para diminuir o alcance do poder estatal foi a defesa da
descentralização - federalismo -, através da qual se transferia o poder às elites locais.

Esses limites impostos ao poder e ao seu raio de ação eram, por sua vez,
regulamentados por leis escritas - a Constituição.

O liberalismo, forjado na luta contra o Antigo Regime, teve força revolucionária e


empolgou os homens comuns oprimidos pelos nobres e pelos reis absolutistas.

Porém, na prática, o liberalismo serviu principalmente aos interesses da


burguesia. Quando o Antigo Regime desmoronou, a velha nobreza foi substituída no
poder pela burguesia. Uma vez no poder, a burguesia trocou o espírito revolucionário pelo
conservadorismo.

A sociedade liberal burguesa era certamente mais livre que a do Antigo Regime,
uma vez que abriu espaço para a liberdade de pensamento e expressão e circunscreveu
a esfera do poder estatal. Mas limitou drasticamente a participação política porque o
direito de voto foi condicionado à renda do indivíduo, de tal modo elevada que apenas os
ricos votavam e eram eleitos para cargos políticos. Esse direito de voto condicionado à
renda é o que chamamos de voto censitário.

Assim, os que não alcançassem a renda exigida, não participariam das grandes
decisões nacionais e seriam, portanto, cidadãos de segunda classe para todos os efeitos.
O liberalismo consagrava dessa maneira as desigualdades entre os homens, o que
também se verificou entre nós, mesmo depois da Independência. As camadas populares
e os escravos, compreensivelmente, foram sistematicamente excluídos da vida política do
país.

A exclusão da grande maioria na escolha dos governantes não chegava a


perturbar os liberais, pois estes acreditavam que o poder deveria ser realmente entregue
apenas a dois tipos de pessoas: os ricos e as pessoas estudadas de capacidade
comprovada. O liberalismo era, portanto, uma doutrina e uma prática elitistas.

A desigualdade social (divisão da sociedade em ricos e pobres) não chegava a


ser um problema para os liberais, porquanto, para eles, o essencial estava na igualdade
de todos perante a lei. Uma vez assegurada essa igualdade jurídica e meramente formal,
acreditavam os liberais terem feito o suficiente, pois, para eles, a riqueza ou a pobreza
estava relacionada à maior ou menor capacidade de cada um. Aos mais capazes estava
aberta a oportunidade de enriquecimento. Obviamente, no Brasil, a existência da
escravidão impedia a aplicação integral de tal princípio.

Portanto, apesar de suas origens revolucionárias, as sociedades liberais


burguesas eram medularmente elitistas. E isso se explica. Na luta contra o Antigo
Regime, os campos entre liberalismo e democracia estavam claramente demarcados e
não se confundiam, o que, veremos, aconteceu com o processo de independência do
Brasil. Uma vez no poder, a burguesia liberal viu-se diante de dois adversários: de um
lado os partidários do Antigo Regime e, de outro, as camadas populares em ascensão.
Contra os primeiros, adotaram um sistema social relativamente aberto às iniciativas
individuais e baseado nos valores revolucionários. Contra os segundos, estabeleceram
mecanismos de exclusão, como o regime censitário.

Como? A resposta a essa pergunta dividiu os democratas.

Democratas e liberais têm em comum a defesa da liberdade, como dissemos.


Porém, no momento em que para os democratas a abolição da desigualdade torna-se
pré-condição para a verdadeira liberdade, será necessária então uma redistribuição da
riqueza. Essa redistribuição, entretanto, não tem como ser feita sem a intervenção do
Estado. E a ação do Estado será sempre necessária para corrigir as disparidades sociais.
Para os democratas surge então um dilema: deve-se sacrificar a liberdade em favor da
igualdade ou a igualdade em favor da liberdade? Os democratas ficaram em dúvida. Os
socialistas, não. Para estes, que ganharam força a partir de 1850, a igualdade vinha
antes.

Democracia – Hoje, liberalismo e democracia são tomados como sendo quase


sinônimos e estão intimamente associados. Mas não era assim no século XIX. Para os
homens daquele tempo, não só eram diferentes como eram encaradas como doutrinas
opostas. De modo bastante simplificado, podemos dizer que a democracia se distinguia
do liberalismo por preconizar o sufrágio universal contra o censitário e o governo do povo
contra o das elites.

A oposição entre liberalismo e democracia ganhou força a partir dos anos 1850 -
1860. E o centro da discórdia encontrava-se na questão do sufrágio universal. Os liberais
recusavam essa idéia porque existia por trás dela a principal aspiração dos democratas, a
saber, a idéia da igualdade. E isso significava que, para os democratas, a participação
política deveria ser imediatamente aberta a todos e não apenas a uma elite econômica ou
intelectual.

Os democratas estavam de acordo com os liberais num ponto: a defesa da


liberdade. Porém, para os democratas, uma sociedade com desigualdades não poderia
ser livre. Por isso, era necessário combater as desigualdades para que a liberdade se
transformasse num patrimônio comum de todos os membros.

Era, portanto, necessário ir mais longe do que os liberais estavam dispostos a ir,
aprofundando as teses dos próprios liberais. Assim, para os democratas não era
suficiente a igualdade de todos perante a lei. Era preciso muito mais do que isso. A
igualdade jurídica deveria ser completada com a igualdade social.

Socialismo – A entrada em cena dos socialistas foi precedida por um notável


impulso da industrialização na Europa. Com ela, os camponeses migraram para as
cidades, aumentando de modo acelerado a sua população, fazendo com isso crescer o
índice de proletarização dos trabalhadores.

Vendendo a sua força de trabalho aos industriais em troca de salário, o


operariado foi submetido pelos seus empregadores a um regime duríssimo de trabalho.
Tendo que permanecer até dezesseis horas por dia na indústria, em péssimas condições
de trabalho e recebendo baixos salários, os operários reagiram e, aos poucos, formaram
a base para a elaboração do pensamento socialista.

Diferentemente do liberalismo e da democracia, os socialistas colocaram em


questão o próprio capitalismo, propondo em seu lugar uma sociedade essencialmente
igualitária - o socialismo. Surgia assim uma alternativa radical e revolucionária de
transformação da sociedade capitalista que iria preparar a Revolução Russa de 1917.

Liberalismo e Democracia no Brasil do Século XIX

Os dois momentos do liberalismo. De 1820 a 1822, não havia, a rigor, no Brasil,


uma demarcação nítida entre liberalismo e democracia, como já mencionamos. A luta
pela independência, por sua vez, obscureceu as diferenças de idéias e interesses,
favorecendo a formação de uma frente comum contra Portugal.

Porém, uma vez conquistada a independência, as diferenças começaram a


aparecer. E elas iriam girar em torno de três eixos: a) os que defendiam um poder central
forte; b) os que estavam a favor de um poder descentralizado, federalista; c) os que se
definiam, embora sem muita clareza, pela igualdade social e, portanto, estavam afinados
com os ideais democráticos.

Essas três tendências não irão aparecer em sua forma pura. Em geral, nos
diversos grupos políticos em luta, idéias e interesses andavam misturados, embora não
seja difícil reconhecer quais eram os princípios predominantes. De contornos menos
definidos e claros eram os agrupamentos que poderíamos chamar de liberais radicais, ou
simplesmente radicais, de tendência democratizante, representantes do item acima.

Quanto aos liberais, centralistas (a) ou federalistas (b), eram no fundo


conservadores e elitistas. A essa tendência pertencia a totalidade da aristocracia rural
escravista brasileira. O seu perfil, muito mais definido, pode ser caracterizado de maneira
relativamente simples: era progressista quando se opunha aos colonialistas portugueses,
mas profundamente conservador quando enfrentava as reivindicações e revoltas
populares, mostrando-se nesse ponto particularmente antidemocrático.

Vejamos, concretamente, esse processo.

O Ministério de José Bonifácio

Ambigüidades de José Bonifácio. Desde que assumiu o ministério, em fevereiro


de 1822, a oposição de José Bonifácio aos radicais era evidente. Essa oposição se
aguçou ainda mais após a proclamação da independência, quando os radicais sofreram
uma sistemática repressão. José Bonifácio fez calar a imprensa que os representava e
fechou a maçonaria; os seus inimigos políticos, principalmente em São Paulo, foram
perseguidos e presos.

Paralelamente, ele iniciou a organização da monarquia, mas repudiando o


absolutismo e ridicularizando as pretensões nobiliárquicas dos grandes proprietários. Por
outro lado, segundo suas próprias palavras, as "esfarrapadas bandeiras da suja
democracia" eram equivalentes ao absolutismo, que, em sua opinião, era "a pior das
anarquias”. Para completar, colocava-se contra a escravidão. A propósito, escreveu certa
vez: "Todo cidadão que ousar propor o estabelecimento da escravidão e da nobreza será
imediatamente deportado”.

Em resumo, José Bonifácio era contrário à democracia, ao absolutismo, à


nobreza e à escravidão. Daí a ambigüidade política do ministro, pois, apesar de ter
opiniões avançadas em certas questões - como em relação ao escravismo -, era
conservador ao extremo em outros pontos, como o seu desprezo pela democracia.

Essa ambigüidade se explica: José Bonifácio pertencia à elite econômica e social


do Brasil e tinha uma formação ilustrada (iluminista) e européia. Assim, devido à sua
formação ilustrada, era contrário tanto à nobreza quanto ao absolutismo. Mas, ao mesmo
tempo, era favorável a um poder centralizado (embora não absolutista), o que o afastava,
por exemplo, da aristocracia rural do norte e do nordeste. Tendo vivido 36 anos em
Portugal, dos 20 aos 56 anos, e viajado pela Europa durante dez anos, José Bonifácio
conheceu de perto o capitalismo. Por essa razão, defendia a expansão do trabalho
assalariado, a mecanização da lavoura e a imigração, e criticava a escravidão. Por outro
lado, essa visão "progressista" era traída pela sua origem social, pois desconfiava da
grande massa de mestiços, negros livres e escravos, revelando-se, nesse ponto,
essencialmente aristocrático.

O isolamento de José Bonifácio. Pelas razões apontadas, José Bonifácio


desentendeu-se não só com os radicais, mas também com a própria aristocracia rural do
sudeste, da qual era o representante no poder. Por outro lado, o seu esforço de organizar
a monarquia - que o colocou, aparentemente, ao lado do imperador - também se mostrou
uma empresa contraditória, devido à sua formação antiabsolutista. Logo se chocou com o
imperador, que terminou por se voltar contra ele.

Na realidade, José Bonifácio pretendia governar em posição de eqüidistância em


relação às forças sociais e políticas representadas pelo "partido brasileiro", pelos liberais
radicais, pelo "partido português" e pelas pretensões absolutistas de D. Pedro.
Naturalmente, tratava-se de uma fórmula impossível, que resultou no seu completo
isolamento político. A isso se deveu, enfim, o seu afastamento do ministério.

A demissão dos Andradas. Afastando os radicais do cenário político por meio de


repressões, José Bonifácio procurou, ao mesmo tempo, fortalecer o poder Executivo e
limitar o poder do Legislativo.

A Assembléia Geral Constituinte e Legislativa, convocada em junho de 1822, foi


instalada oficialmente cm maio de 1823. Logo no início, surgiu uma questão: a de saber
se as leis emanadas da Assembléia necessitavam ou não da sanção imperial. Para a
maioria da Assembléia, dominada pelos representantes da aristocracia rural, a sanção era
desnecessária. José Bonifácio defendia um ponto de vista contrário. Mas a Assembléia
conseguiu impor a sua vontade, reduzindo as prerrogativas* de D. Pedro I, que esboçou
uma resistência, mas acabou cedendo.

Nesse cenário, o imperador teve a sua própria evolução: depois de consumada a


independência, estava se afastando do "partido brasileiro" e de José Bonifácio.
Encontrava-se agora sob forte influência do "partido português", que passara a defender o
absolutismo. Para se livrar de seus antigos aliados e se aproximar do "partido português",
D. Pedro procurou afastar José Bonifácio do ministério. Para deixar bem clara essa
intenção, o imperador resolveu absolver as vítimas das perseguições de José Bonifácio
em São Paulo. Depois disso, tornou-se insustentável a permanência deste à frente do
ministério; não lhe restou outra saída que não a demissão, no que foi acompanhado pelo
irmão Martim Francisco, da Fazenda. A influência política dos Andradas diminuiu ainda
mais quando o imperador decretou o fechamento do Apostolado - sociedade secreta e
centro político dos Andradas. Em 17 de julho, o ministério foi recomposto, com a subida
de José Joaquim Carneiro de Campos (marquês de Caravelas) e Manuel Jacinto
Nogueira da Gama (marquês de Baependi).

A queda dos Andradas assinalou uma grande mudança na vida pública do país.
Ela deu condições para a ascensão do "partido português", que permaneceria no poder
até a abdicação de D. Pedro I, em 1831.

A Assembléia Constituinte

Significado – Quando, em 9 de dezembro de 1821, as Cortes de Lisboa


declararam os governos provinciais independentes do Rio de Janeiro, procuravam com
essa medida suprimir a unidade política do Brasil. Subordinando as províncias
diretamente a Lisboa, o retorno ao regime colonial ficava relativamente fácil.
Inversamente, para resistir à recolonização, a aristocracia rural precisava manter a
unidade política e somar as forças. A fim de conseguir isso, duas soluções se
apresentaram inicialmente. A solução idealizada pela aristocracia rural e defendida por
José Bonifácio era a convocação do Conselho dos Procuradores Gerais das Províncias
do Brasil. Porém, os radicais discordavam. Para eles, a unidade político-territorial deveria
ser garantida por uma Assembléia Constituinte eleita pelo povo, como órgão
representativo da vontade dos brasileiros. Visando esse fim, os radicais impuseram a D.
Pedro a convocação da Constituinte, cujo decreto saiu a 3 de junho de 1822. Mas a sua
instalação oficial ocorreu somente em 2 de maio de 1823, data comemorativa do
descobrimento do Brasil, como erroneamente se pensava. Portanto, a convocação e
instalação da Constituinte foi, teoricamente, uma vitória política dos radicais.

A Constituinte como instrumento dos conservadores. Tão logo a convocação da


Constituinte foi feita, os conservadores (aristocracia rural e aliados) procuraram esvaziar o
sentido popular da medida. José Bonifácio conseguiu excluir, como eleitores, todos
aqueles que viviam de "salários e soldadas", retirando das camadas populares o direito de
eleger os seus representantes.

Ao todo foram eleitos noventa membros em catorze províncias. Entre eles, 26


bacharéis em leis, dezenove sacerdotes, sete militares e alguns médicos, proprietários
rurais e funcionários públicos. Em sua maioria, entretanto, os deputados eram
representantes dos interesses da aristocracia rural.

A Constituição da Mandioca – A fim de preparar um anteprojeto constitucional, os


constituintes designaram uma comissão composta de seis deputados, liderados por
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, irmão de José Bonifácio.

O anteprojeto, que deveria ser a base da Constituição propriamente dita, foi


apresentado para discussão na Assembléia em setembro de 1823.

Ele continha 272 artigos, inspirados parcialmente nos ensinamentos dos filósofos
iluministas, dos quais pode-se destacar o princípio da soberania nacional e o liberalismo
econômico. Coerentemente, descartou-se a democracia, que permitiria a participação
popular na vida política.
O anteprojeto tinha, além disso, um caráter marcadamente anticolonialista,
expresso na forma de xenofobismo (ódio ao estrangeiro), especialmente contra os
portugueses. A lusofobia (ódio aos portugueses) não era sem motivo: na Bahia, no Pará e
na Cisplatina, as ameaças da recolonização persistiam. O "partido português" continuava
ativo por toda parte. Nas ruas e nas praças, “brasileiros" e "portugueses" se enfrentavam.

Seguindo o ideário liberal, o anteprojeto era ainda antiabsolutista. Procurou-se,


nesse ponto, limitar ao máximo o poder de D. Pedro I, valorizando, em contrapartida, a
representação nacional. Para isso, o anteprojeto declarava a indissolubilidade da Câmara,
o veto apenas suspensivo do imperador e o controle das Forças Armadas pelo
Parlamento e não pelo imperador. Assim, o essencial do poder ficava nas mãos do
Legislativo.

Além de garantir-se contra as ameaças da recolonização e do absolutismo, era


preciso garantir-se contra o radicalismo das camadas populares. Assim, para afastar a
massa popular, o anteprojeto estabeleceu a eleição em dois graus, de tal sorte que
somente a aristocracia rural pudesse eleger seus representantes. A capacidade eleitoral
foi condicionada à renda, não em dinheiro, mas com base numa mercadoria de consumo
corrente: a farinha de mandioca. Daí o nome de Constituição da Mandioca dada pelo
povo, cobrindo de ridículo o anteprojeto.

Havia uma razão para essa forma peculiar de medir a renda: excluíam-se, ao
mesmo tempo, as camadas populares e os comerciantes portugueses. As primeiras
porque não apresentavam rendas suficientes e os segundos porque, por serem
comerciantes, tinham a renda expressa diretamente em dinheiro, e não em alqueires de
mandioca, como era necessário. De um só golpe, o "partido português" e os radicais
estavam afastados automaticamente da vida política.

Os eleitores da paróquia, ou de primeiro grau, deveriam ter uma renda mínima


equivalente a 150 alqueires de farinha de mandioca. Eles elegiam os eleitores de
províncias, ou de segundo grau, cuja renda mínima exigida era de 250 alqueires. Por fim,
estes últimos elegiam os deputados e senadores, que precisavam de uma renda
correspondente a 500 e 1 000 alqueires, respectivamente, para serem elegíveis.

Dessa forma, a aristocracia rural reservava para si a exclusividade da


representação nacional e o pleno controle do poder político.

A dissolução da Constituinte – Dadas essas características, o anteprojeto foi


imediatamente objeto de críticas. A insistência em cercear o poder imperial fez D. Pedro I
voltar-se contra a Assembléia. Além disso, desde a queda dos Andradas, em julho de
1823, o "partido português" vinha fazendo progressos. Esse setor ultra-reacionário
aproximava-se agora de D. Pedro I, defendendo francamente o absolutismo, no que foi
plenamente correspondido pelo imperador.

A hostilidade entre brasileiros e portugueses aumentava. Nesse quadro de


tensões crescentes, um incidente aparentemente sem importância veio definir
bruscamente a situação.

O jornal A Sentinela publicou uma carta ofensiva aos militares portugueses do


Exército imperial, assinada por alguém que se denominava “um brasileiro resoluto”. Os
militares atingidos espancaram violentamente David Pamplona, considerado erradamente
autor daquela carta. O incidente causou enorme comoção na Assembléia, que passou a
exigir explicações a D. Pedro. A ruptura entre o imperador e a Assembléia tornou-se
inevitável. Praticamente em estado de rebelião, a Assembléia declarouse em sessão
permanente. A resistência dos deputados do dia 11 para 12 de novembro ficou conhecida
como Noite da Agonia. D. Pedro I respondeu decretando a sua dissolução em 12 de
novembro de 1823. A Assembléia foi invadida pelas tropas imperiais, e os deputados
foram presos. Os irmãos Andradas foram deportados.

Chegava ao fim o breve período em que a aristocracia rural esteve no poder. Em


seu lugar, D. Pedro I estabeleceu o absolutismo apoiado pelo "partido português”. Para os
brasileiros a situação era agora alarmante, pois estava-se a um passo da recolonização.
A emancipação não estava concluída.

A Carta outorgada de 1824

Características – A dissolução da Constituinte acarretou grande


descontentamento. Para minimizar o acontecido, D. Pedro nomeou rapidamente uma
comissão de dez membros - o Conselho de Estado - para redigir um texto constitucional.
Depois de quarenta dias, no dia 25 de março de 1824, a Constituição foi outorgada à
nação.

O novo texto constitucional estava calcado, em muitos pontos, no anteprojeto de


Antônio Carlos. A única grande inovação foi a adoção do quarto poder, o Moderador, ao
lado da consagrada fórmula tripartite: Executivo, Legislativo e Judiciário. A idéia do poder
Moderador era de um teórico liberal suíço, Benjamin Constant.

Tal como o anteprojeto de Antônio Carlos, a Constituição de 1824 afastava a


camada popular da política, ao condicionar a participação política à renda. Só que desta
vez, em dinheiro. Os eleitores de paróquia e de província deveriam apresentar uma renda
de 100 e 200 milréis, respectivamente; os candidatos à Câmara e ao Senado, 400 e 800
mil-réis, respectivamente.

O poder Legislativo era formado por um Senado vitalício e por uma Câmara dos
Deputados, com mandato de três anos. Os senadores eram escolhidos pelo imperador, a
partir de uma lista tríplice, apresentada pelas províncias. Sua função era propor, redigir e
aprovar as leis.

O poder Judiciário era exercido por um Supremo Tribunal, com magistrados


escolhidos pelo imperador.

O poder Executivo era exercido por um ministério escolhido pelo imperador e


presidido por ele, e a ele competia fazer cumprir as leis.

O Poder Moderador – O poder Moderador pertencia exclusivamente ao


imperador. Teoricamente, esse poder, tal como aparecia no Curso de política
constitucional de Benjamin Constant, deveria ser um poder neutro, cuja função seria a de
garantir a harmonia dos outros três. Na prática, tornou-se o núcleo do verdadeiro poder.
Exercido pelo imperador, o poder Moderador tornou-se instrumento de sua vontade
pessoal ou de seu absolutismo.

Ao Poder Moderador cabia aprovar ou não as medidas emanadas do Legislativo,


nomear os senadores vitalícios e dissolver a Câmara dos Deputados. No Executivo,
estava nas mãos do imperador o poder de escolher os membros vitalícios do Conselho de
Estado, além de nomear e demitir os ministros e presidentes das províncias. As dezenove
províncias que formavam o Brasil estavam diretamente subordinadas ao poder
Moderador, coibindo as tendências autonomistas. Enfim, desde que cabia ao imperador
nomear e demitir os juízes, também o Judiciário estava sob controle do poder Moderador.

O Padroado – Além do amplo poder conferido ao imperador, a Carta de 1824


declarava o catolicismo como religião oficial do Estado. E a relação entre a Igreja e o
Estado era regulada pelo regime de padroado, segundo o qual os clérigos eram pagos
pelo Estado, o que os equiparava a meros funcionários públicos. Por isso, ao imperador
competia nomear sacerdotes aos vários cargos eclesiásticos e dar prévio consentimento à
aplicação das bulas papais (decisões emanadas da Santa Sé).

A Confederação do Equador (1824)

O absolutismo de D. Pedro – A total concentração dos poderes nas mãos do


imperador gerou grande insatisfação. No nordeste, o descontentamento foi
particularmente intenso com a nomeação dos presidentes de províncias pelo imperador,
em fevereiro de 1824, ferindo frontalmente as aspirações autonomistas da aristocracia
rural nordestina.

De fato, a unidade econômica e territorial do país era precária. A ausência de


integração nacional explicava-se pela manutenção do caráter colonial da economia
brasileira. Cada província dependia mais do mercado externo do que do intercâmbio entre
si. No plano político, passaram agora a depender do Rio de Janeiro, onde um imperador
absolutista vedava a sua participação nas decisões importantes. Para as províncias do
nordeste, a emancipação não havia alterado quase nada. No máximo, consagrava a
substituição de Lisboa pelo Rio de Janeiro. E os nordestinos não viam nisso nenhuma
vantagem. Muito pelo contrário.

Reações ao absolutismo – O descontentamento brotou por toda parte. Em


Pernambuco houve o protesto contra a nomeação, pelo imperador, de Pais Barreto como
presidente da província. O mesmo ocorreu na Paraíba, onde as forças locais,
"espantadas" com a dissolução da Constituinte, desconfiavam de tudo que vinha do Rio
de Janeiro. No Ceará, os eleitores consideravam-se "atacados nos seus direitos na
pessoa dos seus legítimos representantes”.

Em Pernambuco, a reação às pretensões absolutistas de D. Pedro foi mais


decidida, devido à tradição republicana e revolucionária da província, que remontava a
1817. A começar por Manuel de Carvalho, ex-rebelde de 1817, que, após o fracasso do
movimento, se exilara nos Estados Unidos, onde completou sua formação republicana e
federalista. Foi ele o chefe nominal da mais importante reação ao absolutismo de D.
Pedro I: a Confederação do Equador, a rebelião pernambucana que eclodiu em 1824.

O espírito liberal, assentado na experiência de 1817, difundiu-se através de dois


jornais pernambucanos: a Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco, de Cipriano
Barata, que iniciou sua circulação a partir de 9 de abril de 1823, e Tífis Pernambucano,
dirigido por frei Caneca, que surgiu em 25 de dezembro de 1823. Esses jornais
prepararam espiritualmente a rebelião.
Cipriano Barata – Cipriano José Barata de Almeida, nascido na Bahia em 1764,
de família abastada, estudou em Coimbra, onde recebeu as influências liberais que
norteavam então os revolucionários da França. No Brasil, ligou-se à Conjuração Baiana
de 1798 e à revolução de 1817; foi deputado nas Cortes de Lisboa e na Assembléia
Constituinte do Rio de Janeiro, o que lhe valeu o apelido de "o homem de todas as
revoluções”.

Notabilizou-se, todavia, como jornalista combativo, defendendo com


intransigência os valores liberais da época. Embora nascido na camada superior, dedicou
sua vida à luta revolucionária e esteve ligado às camadas populares. Por isso, Cipriano
Barata levou uma vida de perseguições e prisões: foi preso por mais de um ano após o
fracasso da Conjuração Baiana; a denúncia que fez contra D. Pedro em seu jornal levou-o
novamente à prisão em 1823, onde permaneceu até 1830; em 1831 foi novamente detido,
alguns meses após a sua libertação, e mantido nas grades até 183; saiu com quase 70
anos, tendo cumprido cerca de doze anos de prisão.

Depois de participar das Cortes de Lisboa estabeleceu-se no Recife, onde


publicou o jornal Sentinela da Liberdade. Seu trabalho jornalístico influiu na corrente de
pensamento liberal de Pernambuco, tendo em frei Caneca o seu mais conhecido
discípulo. A Confederação do Equador ligou-se, pois, espiritualmente, a Cipriano Barata.

Frei Caneca – O carmelita Joaquim do Amor Divino Caneca - frei Caneca -, ao


lançar o primeiro número do Tífis Pernambucano, deu prosseguimento à atuação
jornalística de Cipriano Barata. O golpe de 12 de novembro de 1823, que dissolveu a
Constituinte, foi assim comentado pelo jornal: "Amanheceu nesta Corte [referência ao Rio
de Janeiro] o lutuoso dia 12 de novembro, dia nefasto para a liberdade do Brasil e sua
independência, dia em que o partido dos chumbeiros [“partido português”] do Rio de
Janeiro conseguiu dissolver a suprema Assembléia Constituinte Legislativa do Império do
Brasil (...) verificam-se todas as previsões do espírito pressago da Sentinela da Liberdade
(...)”.

Com essas palavras, frei Caneca prenuncia a sua participação como principal
líder da rebelião de 1824 contra D. Pedro I.

Frei Caneca e a Resistência Pernambucana FRANCISCO M.P. TEIXEIRA

Pernambuco de 1817 a 1824 – O capitão-general Luís do Rego Barreto, chefe da


repressão ao movimento de 1817, tornou-se, em seguida, governador de Pernambuco.
Em 1820, a revolução liberal do Porto veio, entretanto, reacender a chama revolucionária:
em 29 de agosto de 1821, a força dominante local instalou uma junta governativa em
Goiana, paralelamente ao governo de Rego Barreto. A vaga revolucionária cresceu,
apesar da resistência do governador, que se retirou afinal para a Europa com as tropas
portuguesas, após sofrer o cerco dos opositores pernambucanos.

Com a expulsão de Rego Barreto, foi eleito governador Gervásio Pires Ferreira,
ex-revolucionário de 1817, que permaneceria no poder em 1821 e 1822. Logo depois da
proclamação da independência em 7 de setembro de 1822, Gervásio Pires Ferreira foi
substituído por um grupo conservador que formou o "governo dos matutos" - assim
chamado em virtude da participação majoritária da aristocracia local, liderada por
Francisco Pais Barreto. O novo governo pernambucano estava plenamente sintonizado
com o poder central representado por D. Pedro.
A dissolução da Assembléia Constituinte, por ordem imperial, em 12 de novembro
de 1823, que encheu de descontentamento os liberais de Pernambuco, resultou
finalmente na queda do "governo dos matutos" em 13 de dezembro de 1823. Através de
uma nova eleição formou-se uma junta governativa chefiada por Manuel de Carvalho Pais
de Andrade, antigo revolucionário de 1817.

A ascensão de um governo francamente liberal e, portanto, hostil às pretensões


absolutistas do imperador não foi vista com bons olhos por D. Pedro. A sua preocupação
em outorgar uma Constituição a ser legitimada pelas Câmaras Municipais criava a
necessidade de se comporem nas províncias governos favoráveis ao seu poder pessoal.
A notícia de que o imperador iria nomear alguém de sua confiança para o governo de
Pernambuco fez com que Olinda e Recife se apressassem em confirmar, em 8 de janeiro
de 1824, Manuel de Carvalho na presidência da província.

Apesar de todas as precauções, em 23 de fevereiro de 1824, D. Pedro nomeou,


como novo presidente da província, Francisco Pais Barreto, ex-chefe da junta dos
matutos, demitida em dezembro de 1823. De Recife ao Rio de Janeiro correram
inutilmente pedidos ao imperador para que respeitasse a decisão popular. D. Pedro
respondeu às petições com o envio de forças repressivas navais para garantir a posse de
Pais Barreto. A disposição para a resistência era, entretanto, enorme. Diziam em
Pernambuco: "Morramos todos, arrase-se Pernambuco, arda a guerra, mas conservemos
o nosso presidente a todo transe! Conservemos a dignidade da soberania dos povos”.

A fim de contornar a situação, mas sem demonstrar sinal de fraqueza e


preservando a sua autoridade, D. Pedro decidiu nomear um novo governador, Mayrink da
Silva Ferrão, que entretanto não aceitou colocar-se à frente do governo de Pernambuco.
As divergências entre o imperador e os liberais pernambucanos culminaram, a 2 de julho
de 1824, com a proclamação da Confederação do Equador, por Manuel de Carvalho.

A Confederação do Equador (1824). Com a Confederação do Equador, os


rebeldes pretendiam contornar os erros cometidos em 1817, evitando cair no isolamento.
No manifesto de 2 de julho de 1824, Manuel Carvalho dizia: "Segui, ó brasileiros, o
exemplo dos bravos habitantes da zona tórrida (...) imitai os valentes de seis províncias
que vão estabelecer seu governo debaixo do melhor dos sistemas - o representativo”.
Preocupavam-se, pois, os rebeldes em obter a adesão das demais províncias, difundindo
o manifesto por todo o nordeste. Atenderam ao apelo as províncias do Ceará, Rio Grande
do Norte e Paraíba, que, com Pernambuco, formaram então a Confederação do Equador.
Adotou-se provisoriamente a Constituição colombiana, que vigorou até 17 de agosto, data
da reunião da Assembléia Constituinte. Tentou-se, assim, formar um novo Estado,
inteiramente desvinculado do Império, cujas bases eram um governo representativo e
republicano, fundado numa organização federativa, garantindo a autonomia das
províncias confederadas.

Todavia, a repressão ao movimento estava sendo preparada com intensidade no


Rio de Janeiro.

Por essa razão, em Pernambuco, uma Junta Provisória assumiu a direção da


resistência, tendo Manuel de Carvalho como presidente, José Natividade Saldanha como
secretário e José de Barros Falcão como chefe das Armas. Para a defesa de Pernambuco
chegaram forças do Ceará, do Rio Grande do Norte e da Paraíba.

A repressão – Enquanto os rebeldes procuravam unificar as forças


antiabsolutistas da Bahia ao Ceará, o imperador tratava de impedir a união das
províncias, reprimindo-as separadamente. A carência de recursos materiais e financeiros
fez o governo central apelar para empréstimos externos e contratar forças mercenárias a
fim de organizar a repressão. Para tanto, contribuiu principalmente a Inglaterra, com
elevados empréstimos, além do concurso de forças navais sob comando de Lord
Cochrane.

Com a carta régia de 25 de julho de 1824, D. Pedro suspendeu todas as garantias


constitucionais às províncias rebeladas e criou as temíveis comissões militares sob a
presidência do brigadeiro Francisco de Lima e Silva, para o julgamento sumário dos
rebeldes.

Enfim, a 2 de agosto de 1824 partiram as tropas de repressão por terra e mar,


chefiadas, respectivamente, pelo brigadeiro Lima e Silva e por Lord Cochrane. Em 17 de
setembro de 1824, as forças de Lima e Silva dominaram Recife e Olinda, principais
centros de resistência, após o emprego da mais extremada violência. O Ceará continuou
a resistir, mas em 29 de novembro de 1824 as tropas rebeldes capitularam.

As condenações – As condenações foram, naturalmente, severíssimas. Frei


Caneca, em virtude de sua intensa participação, foi condenado à forca, porém, diante da
recusa dos carrascos em executar a sentença, a repressão optou pelo fuzilamento. Vários
companheiros de Caneca sofreram a mesma condenação, enquanto outros, como Pais de
Andrade, José de Barros Falcão e José Natividade Saldanha, conseguiram fugir.

Enfim, a Confederação do Equador desapareceu, mas a insatisfação contra o


absolutismo do imperador continuava em crescimento.

A oposição moderada – Na Constituição de 1824 estava prevista a convocação


da Câmara dos Deputados, o que veio a se concretizar apenas em 1826. Com isso, os
temas discutidos anteriormente na Constituinte de 1823, fechada por D. Pedro I, foram
retomados e uma oposição moderada ao imperador começou a ganhar forma. O jornal A
Aurora Fluminense de Evaristo da Veiga era o principal porta-voz daquela oposição,
sendo o seu líder mais destacado o deputado mineiro Bernardo Pereira de Vasconcelos.

O liberalismo moderado, ao qual ambos pertenciam, caracterizou-se basicamente


pela defesa de uma monarquia constitucional e tinha como alvo de seu ataque a
autocracia imperial. A linha de ação de Evaristo e Vasconcelos não ia além das críticas às
instituições arcaicas como a Mesa de Consciência e Ordens e a distribuição de cargos
públicos às pessoas de origem aristocrática.

Valorizavam, entretanto, os temas clássicos do liberalismo, como a conquista


desses mesmos cargos por mérito pessoal e a iniciativa privada, que não deveria sofrer
interferências do governo. Também associavam liberdade e propriedade, às quais cabia
ao Estado proteger.

Dificuldades e Contradições do Primeiro Reinado

Dificuldades externas – o reconhecimento da emancipação: Embora a


emancipação política, formalizada em 7 de setembro de 1822, tenha dado ao Brasil a
feição de um país soberano, sua economia continuava a ser colonial, escravista e
dependente do mercado externo. Acontece que, para regularizar o comércio com o
exterior, o Brasil necessitava do reconhecimento de sua emancipação, sobretudo pelos
países europeus. Para conseguir esse reconhecimento, o Brasil se viu obrigado a assinar
tratados desfavoráveis a seus interesses em troca da normalização das relações
comerciais e diplomáticas.

O primeiro país a reconhecer a emancipação do Brasil foram os Estados Unidos,


em 26 de junho de 1824. Duas razões explicam essa atitude: a Doutrina Monroe (1823),
que preconizava o anticolonialismo e adotava o lema "a América para os americanos", e
principalmente os fortes interesses econômicos emergentes nos EUA, que procuravam
reservar para si o vasto continente americano.

Em relação aos países hispano-americanos, recém-emancipados, o


reconhecimento não se deu de imediato, como seria de esperar. A razão era política. Os
países hispano-americanos adotaram a forma republicana de governo e desconfiavam da
solução monárquica brasileira. Além disso, havia a questão platina: o Uruguai ainda era
parte do império brasileiro, com o nome de Província Cisplatina.

A Inglaterra, com os mais amplos privilégios comerciais no Brasil, tinha enorme


interesse em reconhecer a sua independência.

Mas, como aliada de Portugal, não julgava conveniente reconhecer a nossa


independência antes da ex-metrópole. Por esse motivo, a sua ação diplomática deu-se no
sentido de convencer Portugal a aceitar a independência brasileira, intermediando assim
o reconhecimento, que enfim se concretizou. O fato ocorreu em 29 de agosto de 1825.
Mas esse reconhecimento foi feito mediante a indenização de 2 milhões de libras, pagos
pelo Brasil, e a concessão do título de Imperador do Brasil, em caráter honorário, a D.
João VI.

O reconhecimento por parte de Portugal abriu caminho para que outros países
fizessem o mesmo, mas ao custo da concessão de tarifas privilegiadas de 15% em
nossas alfândegas.

Do ponto de vista internacional, a emancipação do Brasil nada mais significou do


que a substituição da exploração portuguesa pela inglesa, secundada por outros países
europeus e pelos Estados Unidos. Ao consumar a sua autonomia política, o Brasil apenas
se reajustou à ordem econômica internacional, agora moldada pelo capitalismo industrial.

A crise econômico-financeira – Visto que a emancipação política não implicou a


alteração da estrutura da produção, que se manteve colonial e escravista, a estabilidade
do Primeiro Reinado dependia do bom desempenho das exportações. Ora, a primeira
metade do século XIX foi crítica para a economia brasileira. O açúcar brasileiro sofria a
forte concorrência de Cuba e Jamaica e, na própria Europa, do açúcar de beterraba. O
algodão e o arroz disputavam o mercado internacional com a produção norte-americana.
O tabaco utilizado na compra de escravos na África se retraiu no Brasil devido à pres são
inglesa contra o tráfico. O couro brasileiro viu diminuir o seu mercado devido à
concorrência platina. Apenas o café constituía a esperança, pois o seu mercado estava
em crescimento e o Brasil não tinha ainda concorrentes.

Paralelamente à crise econômica, e como seu reflexo, havia a crise financeira. O


Estado imperial mostrou aí toda a sua debilidade. Ele dispunha de poucos recursos
devido à baixa tarifa alfandegária (15%), que, no entanto, era a principal fonte da receita
governamental. Com isso, o Estado se via forçado a fazer empréstimos no exterior,
pagando juros elevados (15%). Sempre em dívida, o déficit do Estado tornou-se crônico,
agravado ainda com o pagamento dos juros dos empréstimos contraídos.

A Guerra Cisplatina (1825-1828) – A dificuldade financeira aumentou com a


eclosão da Guerra Cisplatina em 1825. Nesse ano, Lavalleja, líder uruguaio,
desembarcou na Cisplatina com a sua tropa e com o apoio da população local declarou a
anexação da Cisplatina à República das Províncias Unidas do Rio da Prata, atual
Argentina. Em resposta, o Brasil declarou guerra à Argentina. O conflito perdurou até
1828, quando então o Brasil e a Argentina, de comum acordo, reconheceram a
independência da Cisplatina, que passou a se chamar República Oriental do Uruguai.

Descontentamento – O inútil derramamento de sangue e os excessivos sacrifícios


financeiros trouxeram saldos altamente negativos à monarquia, pois serviram apenas
para ativar as oposições.

Para contornar a crise financeira, sanando o déficit, D. Pedro ordenou a emissão


descontrolada de papel-moeda, o que sacrificou as camadas populares, pois a
desvalorização da moeda foi acompanhada de alta geral dos preços. A inflação corroeu o
poder aquisitivo das massas populares urbanas.

A crise atingiu o auge com a falência do Banco do Brasil, em 1829, cujos fundos
haviam sido saqueados por D. João VI em seu retorno a Portugal.

A Abdicação de D. Pedro I (1831)

Intervenção do imperador na crise de sucessão em Portugal – D. João VI morreu


em 1826. Portanto, no ano seguinte ao início da Guerra Cisplatina. Com isso, o temor da
recolonização voltou, apesar de D. Pedro ter renunciado ao trono português em favor de
sua filha Maria da Glória. Em 1828, no momento em que a Guerra Cisplatina terminava,
D. Miguel, irmão de D. Pedro, assumiu o trono com um golpe. A possibilidade de D. Pedro
enviar tropas brasileiras para derrubar o usurpador trouxe novas inquietações, pois essa
intervenção poderia restaurar a união das duas monarquias.

O 7 de Abril – A crescente impopularidade de D. Pedro manifestou-se no


recrudescimento da oposição. Para dar apoio ao imperador e sustentar a sua política, os
membros do "partido português" fundaram a sociedade denominada Colunas do Trono. A
oposição liberal respondeu com a criação da Jardineira ou Carpinteiro de São José - uma
organização maçônica. Com a polarização, os ânimos se exaltaram de lado a lado.

Em 1830, no plano internacional, as forças absolutistas estavam sendo


derrotadas. A queda de Carlos X, rei da França, com a revolução de 1830, provocou uma
reação eufórica entre os liberais brasileiros. A imprensa difundiu amplamente a revolução,
com claras intenções críticas a D. Pedro I.

Os jornais desempenharam um papel importante no acirramento das paixões


políticas. O assassinato de Líbero Badaró, que, em São Paulo, dirigia o jornal de oposição
ao imperador, O Observador Constitucional, precipitou os acontecimentos. O crime foi
cometido por partidários do imperador, em novembro de 1830, complicando a situação de
D. Pedro I.

O principal foco de oposição ao imperador estava em Minas. Não podendo contar


sequer com as forças militares, pois os soldados estavam passando para a oposição, D.
Pedro resolveu visitar a província e, como no passado, pacificá-la. Porém, o imperador foi
recebido com frieza pelos mineiros, que preferiram homenagear a memória de Líbero
Badaró.

De volta ao Rio, os "colunas" (membros das Colunas do Trono) resolveram


organizar uma manifestação de apoio a D. Pedro. Os "brasileiros" reagiram realizando
uma manifestação contrária. Assim, partidários e adversários do imperador entraram em
conflito no dia 13 de março de 1831, fato que ficou conhecido como Noite das Garrafadas.

Com o propósito de conter os ímpetos radicais, D. Pedro se viu forçado a


reorganizar o seu ministério. No dia 19 de março de 1831, formou o Ministério Brasileiro,
com brasileiros natos, porém sem prestígio.

O "partido português", em 4 de abril, lançou uma nova provocação, comemorando


o aniversário de Maria da Glória, filha de D. Pedro e herdeira legítima do trono português.
Novos conflitos eclodiram entre as facções contrárias. Em 5 de abril D. Pedro dissolveu o
ministério e organizou outro, francamente absolutista, o célebre Ministério dos Marqueses
ou Ministério dos Medalhões.

Ocorreu então uma nova manifestação no Rio, exigindo-se a reintegração do


ministério deposto. Apesar da insistência de setores civis e militares, D. Pedro manteve-
se irredutível. Essa atitude do imperador determinou a passagem de Francisco de Lima e
Silva, chefe militar, para a oposição. O imperador ficou completamente isolado e sem
apoio. Não contava mais sequer com as tropas para reprimir as manifestações. Já não
restava alternativa senão abdicar. E foi o que fez, em favor de seu filho D. Pedro de
Alcântara, então com apenas cinco anos de idade. No dia 7 de abril, D. Pedro 1 deixou de
ser imperador do Brasil e, em seguida, abandonou o país, mas não sem antes se
reconciliar com os Andradas, nomeando José Bonifácio como tutor do futuro D. Pedro II.

Fracasso do Imperador: Abdicação de D. Pedro I LUIS HENRIQUE DIAS


TAVARES

Período Regencial (1831 - 1840)

As regências. Como o sucessor de D. Pedro I tinha apenas 5 anos de idade, a


Carta de 1824 previa a eleição de uma regência formada por três membros eleitos pela
Assembléia Geral, composta pelo Senado e pela Câmara dos Deputados. Mas, no dia 7
de abril, os parlamentares estavam de férias. Por isso, os deputados e sena dores que se
encontravam no Rio de Janeiro elegeram uma regência provisória.

A criança montando estrelas, de Araken Távora. D. Pedro 11, sentado na coroa


imperial, brinca com estrelas, que representam as províncias do Estado brasileiro,
enquanto espera a maioridade.

Avanço Liberal Conservador

Foram os seguintes os governos regenciais:

a) Regência Trina Provisória (abril-julho de 1831)

• Nicolau de Campos Vergueiro, José Joaquim de Campos (marquês de


Caravelas) e brigadeiro Francisco de Lima e Silva.
b) Regência Trina Permanente (1831-1834)

• Brigadeiro Francisco de Lima e Silva, os deputados José da Costa Carvalho e


João Bráulio Muniz.

• A figura de maior destaque nesse período foi o padre Feijó, ministro da Justiça.

• Em 1834, com a modificação da Constituição pelo Ato Adicional, a regência trina


foi transformada em una, devendo ser eleita pelo voto direto. Foi eleito Feijó como regente
uno.

c) Regência de Feijó (1835-1837)

• Feijó não completou o mandato, renunciando em 1837, assumindo em seu lugar


Araújo Lima.

d) Regência de Araújo Lima (1837-1840)

• Tem fim com o Golpe da Maioridade.

As duas fases do período regencial. De 1831 a 1837, ainda sob o efeito da vitória
contra a autocracia do imperador deposto, foram tomadas várias medidas liberais,
caracterizando-se essa fase como do “avanço liberal”.

Porém, em 1833 eclodiu a Cabanagem, uma vasta rebelião popular no Pará, à


qual se seguirão outras, com a mesma gravidade: a Guerra dos Farrapos ou Farroupilha
no Rio Grande do Sul, a Revolta dos Escravos Malês e a Sabinada, ambas na Bahia, e,
por fim, a Balaiada, no Maranhão.

A eclosão dessas revoltas e a permanência do clima de agitação em todo o país


iriam fortalecer o ideal conservador e centralista que, a partir de 1837, tomaria conta do
país. Passou-se, assim, para a fase do “regresso conservador”.

Recomposição das agrupamentos políticos. Logo no início da regência, ocorreu


um reagrupamento político que deu origem a três correntes:

. Os moderados ou chimangos, integrados pelos membros do “partido brasileiro”;


os moderados eram favoráveis às reformas e tinham em vista duas coisas: o federalismo
e o fim da vitaliciedade do Senado;

. Os restauradores ou caramurus, constituídos, em sua maioria, pelos antigos


integrantes do "partido português", mas agora reforçado com a adesão de membros do
"partido brasileiro", como foi o caso de José Bonifácio; os restauradores eram assim
chamados por serem partidários do retorno de D. Pedro I ao trono;

. Os exaltados, farroupilhas ou jurujubas, como serão conhecidos os que


denominamos liberais radicais durante o Primeiro Reinado; além do federalismo e do fim
da vitaliciedade do Senado, defendiam a democratização da sociedade.

O Avanço Liberal

Continuidade das agitações – A queda de D. Pedro I (7/4/1831) não trouxe, de


imediato, a tranqüilidade para a nação, que continuou mergulhada num clima de agitação
revolucionária. Nas praças e nos jornais, discursos e artigos violentos e ofensivos
semeavam a confusão, aumentando a incerteza quanto ao futuro do país. No fim do mês
de abril, entre os dias 27 e 3U, explodiram novos conflitos lhos entre brasileiros e
portugueses.

A insegurança reinante fez com que muitos comerciantes portugueses


abandonassem o Rio de Janeiro, enquanto os comerciantes brasileiros suspenderam os
seus negócios. Com a paralisia econômica, começaram as demissões de empregados,
que contribuíram para tornar a situação mais explosiva.

Os moderados (antigo "partido brasileiro") que formavam o agrupamento mais


poderoso e que haviam sido diretamente beneficiados com a queda do imperador, tinham
perdido o controle da situação. Por isso, tomaram a iniciativa de estabelecer uma aliança
temporária tanto com os exaltados quanto com os ultraconservadores que formarão o
grupo dos restauradores.

O instrumento dessa aliança foi a Sociedade Defensora da Liberdade e da


Independência Nacional, fundada em 28 de abril de 1831, no Rio de Janeiro, por Antônio
Borges da Fonseca, um jornalista pertencente à ala dos exaltados. Apesar de fundada por
um exaltado, a Sociedade Defensora foi controlada pelos moderados, e no seu quadro
dirigente havia representantes dos três grupos.

Assim, foram eleitos para o Conselho Deliberativo, ao qual caberia dirigir a


Sociedade Defensora, José Bonifácio - futuro líder dos caramurus - e representantes dos
moderados e dos exaltados.

Já no mês de junho, a Sociedade Defensora começou a ser organizada em nível


nacional e muito rapidamente se espalhou do Maranhão ao Rio Grande do Sul, mantendo
internamente intensa correspondência para troca de informações. Como concessão aos
exaltados, a regência provisória nomeou uma comissão para tratar da reforma
constitucional; mas, ao mesmo tempo, escolheu presidentes das províncias, reformou o
exército nomeando oficiais e altas patentes, excluindo tanto os exaltados como os
caramurus desse processo.

A crise de julho de 1831. O clima de agitação que vinha desde abril culminou, nos
dias 12 e 13 de julho de 1831, com a sublevação, no Rio de Janeiro, do 26° batalhão de
infantaria, apoiado, em seguida, pelo Corpo de Polícia. Aderiram à revolta os grupos
populares ligados aos exaltados interessados numa reforma profunda da sociedade. Os
revoltosos apresentaram as suas exigências: reforma democrática da Constituição;
deportação de alguns senadores, militares e funcionários públicos nascidos em Portugal;
suspensão da emigração portuguesa por dez anos; e exoneração do ministro da Justiça.

O ministro da Justiça era o padre Diogo Antônio Feijó, um líder moderado,


empossado nesse cargo no dia 6 de julho de 1831. Assumiu o cargo somente depois da
assinatura de um documento que lhe dava total autonomia para reprimir as agitações e
outros poderes. Na prática, tornou-se o homem farte da regência.

Na crise de julho mencionada, Feijó agiu com determinação, requisitando forças


de Minas e São Paulo para enfrentar os revoltosos. Mas não foi necessário. Bastou as
autoridades negarem o atendimento das exigências para que as tropas rebeladas se
recolhessem e o movimento fracassasse.
Contudo, havia ficado bastante claro que o governo regencial não poderia confiar
nas tropas regulares. Partindo dessa constatação, foi criada a Guarda Nacional,

A Guarda Nacional. A Guarda Nacional foi criada pela lei de 18 de agosto de


1831, subordinada ao Ministério da Justiça, ao mesmo tempo que se extinguiam as
ordenanças e milícias subordinadas ao Ministério da Guerra. A Guarda Nacional era uma
fona paramilitar, composta por cidadãos com renda anual superior a 2()0 mil-réis, nas
grandes cidades, e 100 milréis nas demais regiões. Organizada por distrito, seus
comandantes e oficiais locais eram escolhidos por eleição direta e secreta. Foi assim que
o governo dos moderados equipou-se com uma fona repressiva fiel e eficiente. Como
instrumento de poder da aristocracia rural, sua eficiência foi testada com sucesso em
18,31 e 1832, no Rio de Janeiro e em Pernambuco, contra as rebeliões populares.

A rigor, depois do fracasso das revoltas de 12 e 13 de julho de 1831 (crise de


julho), os moderados eram donos da situação e se afastaram tanto dos exaltados quanto
dos Andradas, com os quais haviam se aliado temporariamente. A partir desse momento,
julho de 1831, começava a se falar abertamente na volta de D. Pedro I, e esse foi o
verdadeiro ponto de partida para a formação dos restauradores.

A definição dos agrupamentos políticos. Conforme vimos, os moderados


formaram em maio de 1831 uma comissão para reformar a Constituição. Pois bem, essa
comissão terminou os seus trabalhos e o projeto elaborado foi aprovado na Câmara das
Deputados em 13 de outubro de 1831. Os principais pontos do projeto aprovado eram:
monarquia federativa, Senado eleito e temporário fim do Conselho de Estado, criação das
Assembléias Legislativas Provinciais.

O projeto foi enviado para o Senado, mas este adiou a discussão e aprovação
para o ano seguinte de 1832.

Temendo a não-aprovação do projeto no Senado, os moderados adotaram a tese


dos exaltados, estabelecendo que os deputados a serem eleitos em 1833 teriam poderes
constituintes para a reforma da Constituição, da qual não participaria o Senado.

Como reação a essa tese organizou-se no Rio de Janeiro, em fevereiro de 1832,


a Sociedade Conservadora da Constituição Jurada do Império do Brasil, que, conforme o
próprio nome indica, reunia aqueles que eram contrários a qualquer mudança na
Constituição outorgada por D. Pedra I em 1824. Em torno da Sociedade Conservadora
organizaram-se os restauradores ou caramurus, tendo como líder José Bonifácio, tutor do
príncipe herdeiro. Os exaltados, por sua vez, organizaram-se em torno das Sociedades
Federais. A primeira Sociedade Federal havia sido fundada na Bahia em outubro de 1831.
No mês de dezembro do mesmo ano, elas apareceram também em São Paulo e no Rio
de Janeiro.

As forças políticas estavam agora claramente divididas e organizadas em


moderados (Sociedade Defensora), restauradores (Sociedade Conservadora) e exaltados
(Sociedades Federais).

A tentativa de golpe dos moderadas e a demissão de Feijó. No dia 17 de abril de


1832 ocorreu um levante que dizia ter por objetivo a restauração de D. Pedro I. Dele
participaram vários criados do Paço (palácio imperial), liderados por um mercenário
intitulado barão de Bulow. Os moderados estavam convencidos de que o levante fora
patrocinado por José Bonifácio, embora não dispusessem de provas.

Apesar de ter sido facilmente sufocado, esse ataque ao governo fez com que
Feijó - que já era inimigo de longa data de José Bonifácio - declarasse abertamente a
luta contra os Andradas. Seu objetivo era destituir José Bonifácio da tutoria de D. Pedro
de Alcântara, futuro D. Pedro II. Para os moderados essa era uma questão vital, pois a
continuação de José Bonifácio na tutoria representava uma real ameaça de restauração.
Esse temor foi expresso por Honório Hermeto Carneiro Leão, nos seguintes termos: "Se
Pedro I tornar a governar o Brasil é de crer que erija cadafalsos e que trate de livrarse de
todos os que fizeram oposição à administração passada”.

Contudo, na prática, os restauradores não pareciam estar seriamente


empenhados em trazer D. Pedro I de volta ao trono, nem os moderados pareciam
acreditar de fato nessa possibilidade. Na realidade, a questão resumiase a um
enfrentamento para medir fonas. O problema concreto era, pois, o de afastar José
Bonifácio da tutoria e o de desafiar o Senado realizando as reformas constitucionais sem
sua participação.

Nesse sentido, foi proposto na Câmara dos Deputados, no dia 3o de junho de


1832, o afastamento de José Bonifácio da tutoria, em razão de seu suposto apoio ao
levante restaurador de 17 de abril de 1832. A Câmara aprovou a medida. Mas, em 26 de
julho, a proposta aprovada pela Câmara foi derrotada pela diferença de apenas um voto
no Senado.

Tomando conhecimento desse resultado, o ministério se demitiu nesse mesmo


dia 26 de julho, apesar de os ministros continuarem em suas funções, teoricamente à
espera de seus substitutos.

Enquanto isso, os moderados liderados por Feijó começaram a tramar um golpe


para alijar os restauradores do poder. O golpe seria desfechado no dia 30 de julho, na
Câmara dos Deputados. O plano era o seguinte: o ministério demissionário seria
acompanhado pela renúncia dos regentes; a Guarda Nacional, fiel a Feijó, manifestaria
apoio aos moderados contra os restauradores e, finalmente, a Câmara dos Deputados
diante desses fatos deveria anunciar a sua conversão em Assembléia Nacional e realizar
a reforma constitucional pretendida pelos moderados.

O plano de fato foi encaminhado, mas na Câmara os deputados moderados se


mostraram sem convicção para completar o golpe e ainda foram traídos por Honório
Hermeto Carneiro Leão, que fez um discurso contra as propostas golpistas apresentadas.
Resultado: a Câmara acabou aprovando o pedido para que os regentes reconsiderassem
a sua demissão e recompusessem o ministério. Quanto a Feijó, o principal articulador e
interessado no golpe, voltou para São Paulo, nutrindo um sentimento de desprezo pelos
correligionários.

As reformas. O golpe dos moderados fracassou, mas as reformas defendidas por


eles foram implementadas sem grandes resistências. E foram as seguintes as reformas
que caracterizaram o avanço liberal:

a) Através de um acordo com os restauradores, aprovou-se a lei de 12 de outubro


de 1832, que deu aos deputados a serem eleitos em 1833, para a legislatura de 1834 -
1837, poderes constituintes para reformar a Carta de 1824.
b) Em 29 de novembro de 1832 foi aprovado O Código de Processo Criminal, que
deu a mais ampla autonomia judiciária aos municípios.

Através desse novo código, o poder municipal concentrou-se nas mãos dos juízes
de paz, eleitos pela população local, que, além dos poderes judiciários, tinha ainda o
poder de polícia. Mas esses juízes foram facilmente controlados ou neutralizados pelos
grandes proprietários locais, que detinham os poderes de fato, com seus bandos
armados, e não eram punidos por seus crimes.

c) Os deputados eleitos em 1833, com poderes constituintes, nomearam uma


comissão integrada por três membros para realizar as reformas constitucionais, entre os
quais Bernardo Pereira de Vasconcelos. As modificações constitucionais foram votadas
em 12 de agosto de 1834: os Conselhos de Províncias, que tinham caráter apenas
consultivo, cederam lugar às Assembléias Legislativas, com amplos poderes, podendo
legislar sobre matéria civil e militar, instrução pública, política e econômica dos
municípios; o Conselho de Estado, principal órgão de assessoria do imperador, foi
abolido; a Regência Trina foi transformada em Una, e eleita pelo voto direto; a cidade do
Rio de Janeiro tornou-se um município neutro, separado da Província Fluminense, que
tinha como capital a cidade de Niterói.

O conjunto dessas modificações recebeu o nome de Ato Adicional à Constituição


Política do Império ou, simplesmente, Ato Adicional.

A vitaliciedade do Senado foi preservada, o que significou uma concessão aos


restauradores. Da mesma forma, a autonomia provincial atendeu, em parte, aos anseios
dos exaltados, embora viesse a beneficiar, de fato, os potentados locais.

A destituição de Bonifácio da tutoria e o fim das restauradores. O ano de 1833


pareceu promissor aos restauradores e estes agiram abertamente. No Rio de Janeiro
correu um abaixo-assinado para pedir a adesão de D. Pedro I à Sociedade Conservadora,
que, em agosto de 1833, foi rebatizada de Sociedade Militar. Mas, em dezembro desse
mesmo ano, eles sofreram uma dura derrota. Um retrato afixado na fachada da sede da
Sociedade Militar, que parecia ser o de D. Pedro I, deu origem a uma revolta popular, com
apedrejamento da sede e das casas dos restauradores. Esse foi o pretexto utilizado pela
regência para destituir José Bonifácio da tutoria e mantê-lo em regime de prisão
domiciliar, pelo decreto de 14 de dezembro de 1833. Com a morte de D. Pedro I em 24 de
setembro de 1834, o movimento restaurador perdeu finalmente a sua razão de ser e
desapareceu.

Novo reagrupamento político: progressistas e regressistas. Desde o fracasso do


golpe de julho de 1832, liderado por Feijó, ficara claro que os moderados já não formavam
um bloco coeso e único. Com a aprovação do Ato Adicional em 1834, a divisão se
consumou. Os que eram a favor do Ato Adicional começaram a ser chamados de
progressistas, e os que eram contra passaram a ser conhecidos como regressistas. Estes
últimos aproximaram-se dos antigos restauradores e defendiam o centralismo, enquanto
os primeiros eram favoráveis à descentralização propiciada pelo Ato Adicional.

Esse novo reagrupamento dos setores dominantes foi motivado pela crescente
intranqüilidade trazida pelas agitações e rebeliões populares. Muitos dos moderados que
haviam defendido as medidas liberais, que afinal se concretizaram, tomaram consciência
do perigo que representava aos seus interesses o enfraquecimento do poder central em
época de crise como a que estavam vivendo. E o centralismo começou a ser visto com
simpatia por alguns moderados, pois a morte de D. Pedro I e o fim do movimento
restaurador haviam afastado definitivamente a ameaça de retorno do absolutismo.
Enquanto isso, as explosões populares estavam mostrando que o perigo real a ser
enfrentado era a possibilidade da revolução. O "regresso" conservador surgia assim como
uma posição claramente contrarevolucionária e começou a ganhar fona a partir de 1834.

A Regência Una: a eleição (1835). Na eleição da regência, em 7 de abril de 1835,


concorreram dois candidatos: Diogo Antônio Feijó, ex-ministro da Justiça, e o
pernambucano Antônio Francisco de Paula Holanda Cavalcanti. Este último era um rico
senhor de engenho de Pernambuco e obteve o apoio de Honório Hermeto Carneiro Leão,
antigo moderado e agora líder regressista, e de muitos ex-caramurus. Evaristo da Veiga,
líder progressista, apoiou Feijó, que desfrutava de grande prestígio em Minas e na
Província Fluminense.

Feijó venceu a eleição com 2 828 votos contra 2 251 dados a Holanda Cavalcanti.
A vitória de Feijó representou a vitória dos progressistas. Mas, nas eleições legislativas do
ano seguinte, venceram os regressistas.

A regência de Feijó (1835-1837). Feijó tomou posse em 12 de outubro de 1835,


num momento em que graves agitações sacudiam o país. A Cabanagem eclodiu no Pará
e a revolta se expandira; no Rio Grande do Sul a Farroupilha assumiu sérias proporções e
na Bahia uma audaciosa rebelião dos escravos malês teve grande repercussão no país.

Em 1836, Feijó dizia o seguinte num discurso: "Nossas instituições vacilam, o


cidadão vive receoso, assustado; o governo consome o tempo em vãs recomendações.
Seja ele responsabilizado pelos abusos e omissões: dailhe, porém, leis adaptadas às
necessidades públicas; dai-lhe forças, com que possa fazer efetiva a vontade nacional. O
vulcão da anarquia ameaça devorar o Império: aplicai a tempo o remédio”.

Em resposta a esse discurso, um deputado, Rodrigues Torres, referiu-se à


necessidade de interpretar o Ato Adicional no sentido de restringir a descentralização e
coibir as liberdades democráticas. A Câmara dos Deputados, eleita em 1836, em sua
maioria apoiava esse ponto de vista e colocou-se em oposição a Feijó, dando origem
efetivamente a um agrupamento regressista.

Feijó ignorou o Parlamento e não percebeu que, com a formação da ala


regressista, estava nascendo um agrupamento político muito poderoso que expressava,
diretamente, o ponto de vista da elite dominante do país. Ao tocar o governo sem levar
em conta esse fato, Feijó foi se isolando e, portanto, se enfraquecendo politicamente.
Além disso, cometeu a imprudência de entrar em conflito com a Igreja, sustentando
posições favoráveis ao fim do celibato clerical e interferindo em suas questões internas.

Diante da oposição crescente e dos insucessos na repressão às revoltas do Pará


e do Rio Grande do Sul, Feijó finalmente se demitiu em 19 de setembro de 1837. A
regência foi assumida interinamente por Araújo Lima, um ministro de Feijó.

O Regresso Conservador (1837-1840)

A regência de Araújo Lima (1837-1840). Com a escolha de Araújo Lima como


regente interino, um novo gabinete foi formado, com membros saídos da facção
majoritária do Parlamento. Como a facção majoritária era de regressistas, Araújo Lima
inverteu a tendência progressista representada por Feijó. O novo gabinete foi designado
como Ministério das Capacidades, pelos próprios regressistas, e trazia uma grande
surpresa: a presença de Bernardo Pereira de Vasconcelos, que até então era considerado
um dos principais líderes moderados.

Vasconcelos havia sido, nos últimos anos do Primeiro Reinado, um dos mais
respeitados chefes da oposição liberal a D. Pedro I. E foi esse o motivo por que foi
intensamente criticado ao aceitar e assumir o ministério como membro da equipe
regressista. Mas ele próprio se encarregou de defender-se das acusações, com palavras
exemplares e esclarecedoras: “Fui liberal; então a liberdade era nova no país, estava nas
aspirações de todos, mas não nas leis; o poder era tudo: fui liberal. Hoje, porém, é diverso
o aspecto da sociedade: os princípios democráticos tudo ganharam, e muito
comprometeram; a sociedade, que então corria risco pelo poder, corre risco pela
desorganização e pela anarquia. Como então quis, quero hoje serví-la, quero salvá-la; por
isso sou regressista. Não sou trânsfuga, não abandonei a causa que defendo, no dia de
seus perigos, de sua fraqueza; deixo-a no dia em que tão seguro é o seu triunfo que até o
excesso a compromete. Quem sabe se, como hoje defendo o país contra a
desorganização, depois de havê-lo defendido contra o despotismo e as comissões
militares, não terei algum dia de dar outra vez a minha voz ao apoio e à defesa da
liberdade?... Os perigos da sociedade variam; o vento das tempestades nem sempre é o
mesmo; como há de o político, cego e imutável, servir a seu país?”.

Em outro discurso, ele foi ainda mais claro: “(...) eu quis parar o carro
revolucionário, atirei-me diante dele; sofri, e tenho sofrido, porque quem se atira diante do
carro revolucionário de ordinário sempre sofre...”

Assim, nos dias turbulentos da Regência, Vasconcelos sintetizou o ponto de vista


regressista. Para a elite política dominante, o liberalismo resumia-se ã luta contra o
"despotismo" de D. Pedro I. Uma vez vencido esse obstáculo, era preciso "parar o carro
revolucionário", evitando a todo custo a democracia, que então era identificada à
anarquia.

Nas eleições de 1836, as graves agitações em vários pontos do Brasil


contribuíram para a eleição de uma maioria de regressistas para a Câmara dos
Deputados. Essa tendência conservadora, contra-revolucionária e antidemocrática
começava a se firmar no país.

Em 1838, nas eleições para a escolha do novo regente, foi eleito o próprio Araújo
Lima.

A harmonia entre Legislativo e Executivo, ambos agora regressistas, favoreceu a


coesão da aristocracia r. rural, que pôde, então, enfrentar com firmeza as várias rebeliões
que incendiavam o país.

O Período das Regências (1831-1840) - - MARCO MOREL

História do Brasil - Bóris Fausto

Rebeliões no Período Regencial

Cabanagem (1833-1836)
Antecedentes. Desde o período colonial o Pará era dominado por um poderoso
grupo de comerciantes portugueses, aliado aos altos funcionários civis e militares. Contra
esse núcleo que resistiu como pôde á independência do Brasil, foi desencadeado nessa
ocasião um movimento com ampla participação das camadas populares. A derreta desse
núcleo só aconteceu depois do envio de tropas pelo Rio de Janeiro, sob comando do
mercenário inglês Grenfell. Por esse motivo, no Para, a independência foi retardada por
quase um ano (agosto de 1823) em relação á sua proclamação oficial (setembro de
1822).

Na luta contra os portugueses destacou-se o cônego Batista de Campos, que


obteve grande prestígio entre a massa miserável que habitava as choupanas á beira dos
rios: os cabanos.

Contudo, a independência pouco significou para as camadas populares que


lutaram por ela. Os seus lideres, como Batista Campos e Malcher, foram marginalizados
do governo provisório. Sentindo-se traído, o povo se revoltou, exigindo a participação de
seus lideres. A resposta do poder central não tardou: uma violenta repressão foi
desencadeada sob a chefia do mesmo Grenfell, que segundo o historiador Nelson
Werneck Sodré "prendeu Batista Campos, fuzilou muitos nativos e meteu trezentos
prisioneiros no brigue Palhaço, no porão, escotilhas fechadas, atirando cal sobre eles.
Dois dias depois, aberto o porão, foram retirados os cadáveres dos bravos paraenses,
sacrificados por um mercenária em sua luta pela liberdade e pela independência”.

Novas Agitações - O ciclo das agitações populares reapareceu com a abdicação.


As autoridades provinciais nomeadas pela regência foram contestadas. A falta de firmeza
da regência piorou as coisas, estabelecendo um clima de grande instabilidade.

Destacou-se nas agitações, novamente, Batista Campas, que em 1832 conseguiu


sublevar a comarca do Rio Negro (Amazonas) e impor a sua política ao presidente da
província, Machado de Oliveira.

Procurando pôr fim às agitações, no início de 1833, a regência enviou um nova


governo para a província, que, no entanto, nem sequer chegou a tomar posse.

No mesmo ano, em dezembro, enfim chegaram as novas autoridades nomeadas


pela regência: Bernardo Lobo de Sousa, como presidente, e o tenente-coronel José
Joaquim da Silva Santiago, como comandante das Armas.

O novo presidente da província iniciou, imediatamente, uma política repressora,


além de recrutar a força todos os suspeitos de envolvimento nas agitações.

Porém, as medidas repressivas foram ineficazes, pois estimularam rebeliões ao


invés de contê-las. Foi assim que começou a Cabanagem.

A rebelião. Preparava-se contra Lobo de Sousa um levante armado. As intensas


movimentações populares, tanto na capital (Belém) como nas zonas rurais, foram aos
poucos encontrando seus líderes: Eduardo Nogueira Angelim, os irmãos Vinagre
(lavradores), o fazendeiro Félix Antônio Clemente Malcher, o jornalista maranhense
Vicente Ferreira Lavor e o cônego Batista Campos.

Na noite de 6 para 7 de janeiro de 1834 ocorreu o levante dos cabanos,


dominando facilmente a capital e executando Lobo de Sousa e as demais autoridades.

Clemente Malcher. Formou-se, então, o primeiro governo cabano, com Malcher


na presidência do Pará. Este, curiosamente, declarouse fiel ao imperador e prometeu ficar
no poder até sua maioridade. E mais: reprimiu a própria rebelião que o colocara no poder
e mostrou completa inabilidade ao prender e deportar Angelim e Ferreira Lavor.

Enquanto Malcher se incompatibilizava com os cabanos, crescia o prestígio de


Francisco Pedro Vinagre, comandante das Armas. Malcher tramou um golpe contra
Francisco Pedro. Mas foi deposto, executado e substituído pelo rival.

Francisco Vinagre. Contudo, o novo presidente dos cabanos não se mostrou


muito diferente do seu antecessor. E foi mais longe: não só se declarou fiel ao governo
imperial, como ainda se dispôs a entregar o poder a quem fosse por este indicado.
Procurou negociar diretamente com a regência, mas foi impedido pelo irmão, Antônio
Vinagre, que se colocou à frente dos cabanos. Mesmo traídos, Os revoltosos mantiveram
Francisco Vinagre no poder.

O governo regencial, cada vez mais temeroso com o rumo dos acontecimentos,
terminou por enviar um forte contingente militar ao Pará, sob o comando de Manuel Jorge
Rodrigues, que assumiu o poder em Belém, com a ajuda do próprio Francisco Vinagre,
traindo pela segunda vez os cabanos.

O fim. Com a chegada do novo presidente designado pela regência, apenas a


capital foi dominada. No interior, os cabanos reagruparam suas forças e marcharam sobre
Belém, retomando a cidade. O presidente Jorge Rodrigues refugiou-se na ilha de
Tatuoca, enquanto os rebeldes proclamavam a República e declaravam a província
desligada do Império. O novo governo cabano foi então organizado por Angelim, como
presidente. Corria o mês de agosto de 183 5.

Em abril do ano seguinte, a regência enviou uma poderosa esquadra com o novo
presidente, o brigadeiro Francisco José de Sousa Soares de Andréia. Depois de enfrentar
alguma resistência, a fona repressiva desembarcou em Belém em 13 de maio. Os
cabanos recuaram novamente para o interior, já enfraquecidos. Sem poder oferecer
resistência a uma fona militar muito superior, os cabanos foram perdendo terreno e uma
violenta repressão foi desencadeada contra eles.

O saldo da Cabanagem foi de 30 mil mortos e em nossa história destacou-se


como o primeiro movimento popular a ter chegado ao poder.

A Revolução Farroupilha ou Guerra dos Farrapos (1835-1845)

Características do movimento. A Farroupilha (assim denominada,


depreciativamente, devido à roupa peculiar dos revoltosos), conhecida também como
Guerra dos Farrapos, foi um movimento separatista ocorrido no atual estado do Rio
Grande do Sul, liderado pelos criadores de gado das fronteiras com o Uruguai.

A fundação da Colônia do Sacramento. A região platina, relativamente ignorada


nos primeiros tempos da colonização tanto pelos espanhóis quanto pelos portugueses,
tornou-se um pólo de atração graças ao porto de Buenos Aires, por onde escoava a prata
peruana. Contrabandistas ingleses, holandeses e luso-brasileiros chegaram à região,
apesar do esforço espanhol em coibir o comércio que julgava ilícito.
Porém, a rivalidade luso-espanhola na região tornou-se realmente sangrenta
depois que a Coroa portuguesa fundou em 1080 a Colônia do Sacramento (atual
Uruguai), na margem Oposta a Buenos Aires no rio da Prata.

Paulistas e a preação de índios. Essa iniciativa oficial da Coroa portuguesa


baseou-se essencialmente na ocupação militar, mas foi, em seguida, reforçada pela
expansão econômica liderada pelos paulistas. No tempo da ocupação holandesa do
nordeste, os bandeirantes paulistas atacaram e destruíram as missões jesuíticas
espanholas de Itatim e Guairá (Paraguai). Os índios guaranis aldeados, assim
capturados, foram vendidos como escravos nos engenhos da Bahia.

Por volta de 1626, os jesuítas espanhóis voltaram à região, mas desta vez para
se estabelecer no atual estado do Rio Grande do Sul e retomar a sua obra missionária.
Mas foram atacados pelos bandeirantes em 1640. Os jesuítas abandonaram novamente a
região, deixando para trás o seu rebanho de gado, que, devido à boa pastagem,
multiplicou-se rapidamente.

Paulistas e a preação do gado. Retornando ao estado selvagem e em constante


crescimento, esse rebanho tornou-se o principal atrativo para novas incursões paulistas
na região, que trocaram assim a preação do índio pela preação do gado. Criava-se, desse
modo, uma base econômica - a pecuária - para a ocupação e o povoamento do Rio
Grande cio Sul.

Em 1687, os jesuítas voltaram ao Rio Grande do Sul, Onde fundaram os Sete


Povos das Missões. Os índios guaranis aldeados e os colonos espanhóis da Argentina
disputavam com os luso-brasileiros o gado do numeroso rebanho da região.

A criação das estâncias. A presença luso-brasileira na região intensificou-se com


a descoberta e exploração do ouro em Minas Gerais, no final do século XVII e início do
XVIII. De Laguna, Santa Catarina, posto avançado da expansão paulista para o sul,
começaram a chegar os preadores de gado para abastecer a região mineira. Por volta de
1719 estabeleceramse em Viamão (perto de Porto Alegre) os primeiros povoadores
provenientes de Laguna. Com a ocupação dos campos de Vacaria a partir de 1730, o
povoamento luso-brasileiro se intensificou, abrangendo também o litoral e a região das
lagoas, com o estabelecimento das estâncias (fazendas de gado).

O interesse dos preadores que lutavam com armas em punho pela posse dos
rebanhos limitava-se normalmente à extração do couro para a exportação. Porém, a
carne não era aproveitada. Foi essa ação contínua e predatória que, ao diminuir o
rebanho, obrigou os preadores a se estabelecerem como pecuaristas (estancieiros),
passando a investir na criação do gado.

Para estimular a ocupação e garantir a posse do território, a Coroa portuguesa


adotou a política de distribuição de sesmarias nas terras conquistadas aos espanhóis,
para a criação de novas estâncias. Como peça importante dessa política, a Coroa
entregou aos estancieiros a chefia das guardas de fronteiras, que eram utilizadas 'nadas,
em geral, para defesa de seus interesses particulares. Com isso, muito cedo os interesses
regionais das estancieiros acabaram se chocando com os interesses mais gerais da
Coroa portuguesa.

As charqueadas. No final do século XVIII, as bases econômicas da ocupação


haviam se solidificado com a introdução da indústria da carne-seca, denominada
charqueada. Ao que parece, esta foi introduzida por um cearense, José Pinto Martins, nas
margens do rio Pelotas. Assim, a carne até então desprezada passou a ser aproveitada e
comercializada. O charque produzido era exportado para o Rio, para a Bahia e outros
portos brasileiros, além de Havana, em Cuba, e destinado à alimentação dos escravos.

No início do século XIX, os estancieiros (criadores de gado) e os charqueadores


(produtores de carne-seca) eram os representantes das duas principais atividades
econômicas do Rio Grande do Sul. Como centro exportador de couro para a Europa e os
Estados Unidos, e principalmente como fornecedor de alimento para os escravos, a
economia rio-grandense desenvolveu-se subordinada ao setor agroexportador, sobretudo
da nordeste. E foi essa subordinação uma das peculiaridades da economia rio-grandense.

Contudo, as charqueadas platinas (Argentina e Uruguai) também se


desenvolviam, contando com um forte apoio oficial. Ao contrário da produção rio-
grandense, os saladeros platinos eram beneficiados com isenção de impostos para a
importação do sal e para a exportação do charque.

Os produtores platinos, que representavam uma séria ameaça às charqueadas


riograndenses, viram, entretanto a sua economia se desorganizar no início do século XIX
(18101820), devido à luta pela independência desencadeada contra o domínio espanhol.
Mesmo depois da emancipação, a região platina continuou conturbada pela pretensão de
Buenos Aires em impor a sua hegemonia, agravada ainda mais pela intervenção
portuguesa.

Vale rememorar que, em 1816, por iniciativa de D. João, o atual Uruguai foi
incorporado ao Brasil com o nome de Província Cisplatina. A partir disso, a nova província
passou também a fornecer gado para as charqueadas, ao mesmo tempo em que os
estancieiros riograndenses puderam se estabelecer na Cisplatina.

O Rio Grande do Sul depois da emancipação. Depois da independência do Brasil,


o Rio Grande do Sul tornou-se importante por dois motivos: fornecia o charque para a
alimentação dos escravos e desempenhava um destacado papel militar na fronteira,
assegurando a posse territorial. Mas os riograndenses estavam decepcionados. O poder
central nomeava os presidentes das províncias, e dos impostos recolhidos quase nada
ficava nas províncias. O imposto para a importação do sal - importante matéria-prima do
charque - era elevado, ao passo que o imposto para a importação do charque argentino
era baixo.

A emancipação do Uruguai. Com a emancipação do Uruguai, depois da Guerra


Cisplatina (1825-1828), a situação piorou. Primeiro, as manadas diminuíram no Rio
Grande; depois, o novo governo uruguaio impôs pesadas taxas à entrada e saída do
gado, onerando pesadamente a atividade pecuarista. A fim de obter a diminuição
daquelas taxas, os estancieiros das fronteiras começaram a se imiscuir na política interna
do Uruguai. Prestavam auxílio aos caudilhos da oposição para derrubar o governo de
Montevidéu, a fim de que estabelecessem uma política alfandegária favorável aos seus
interesses. Não tardou muito para que os protestos do governo uruguaio começassem a
criar problemas diplomáticos ao governo imperial.

Estancieiros e charqueadores. Além dos problemas advindos da emancipação do


Brasil e do Uruguai, havia outro que vinha dos interesses conflitantes entre estancieiros e
charqueadores. Os primeiros eram, essencialmente, criadores de gado. Embora alguns
charqueadores fossem também criadores (estancieiros), as duas atividades estavam
geralmente separadas e comandadas por pessoas diferentes.

Enquanto os estancieiros queriam a mais ampla liberdade para cruzar a fronteira


uruguaia para invernar (engordar) o seu gado, os charqueadores temiam a sua evasão.
Para estes últimos, era desejável que os estancieiros fossem forçados a fornecer o gado
para as suas indústrias de charque. Por isso, viam com bons olhos a cobrança de altos
impostos para evitar a saída do gado do Rio Grande.

Os charqueadores, entretanto, também tinham os seus problemas, pois sentiam-


se prejudicados pelas facilidades concedidas às importações da carne-seca de
procedência platina. Porém, na medida em que os charqueadores riograndenses vendiam
a sua produção no mercado interno, encontravam-se subordinados e dependentes dos
setores agroexportadores. Isso não ocorria com os estancieiros, que podiam engordar o
seu gado nos pastos uruguaios e vendê-los para os saladeros platinos.

Os ressentimentos. Do ponto de vista da economia agroexportadora, que tudo


subordinava aos seus objetivos, a pecuária rio-grandense era, naturalmente, um setor que
não podia ambicionar grandes lucros, pois estava impedida de onerar o setor principal da
economia, cujos preços deveriam se manter competitivos no mercado internacional.

Os charqueadores riograndenses, obviamente, criticavam a ausência de proteção


aos seus produtos e o elevado custo dos componentes da produção do charque, como o
sal. Julgavam ademais que as freqüentes crises eram conseqüência de meras
arbitrariedades do setor agroexportador e não atinavam para outra causa que pesava no
seu insucesso: o escravismo. De fato, a posição desfavorável dos ganhos no mercado do
charque, em relação à produção platina, devia-se também ao alto custo motivado pela
baixa produtividade da mão-de-obra escrava. Ao contrário, os saladeros assentavam sua
economia no braço livre e na divisão mais racional do trabalha, que baixava os custos,
aumentando a produtividade.

Em 1838, Bento Gonçalves, um líder dos estancieiros, expôs num manifesto todo
o ressentimento acumulado: "A carne, o couro, o sebo, a graxa, além de pagarem
nas Alfândegas do País o duplo dízimo de que se propuseram aliviar-nos, exigiam mais
quinze por cento em qualquer dos portos do Império. Imprudentes legisladores nos
puseram desde este momento na linha dos povos estrangeiros, desnacionalizaram a
nossa Província e de fato a separaram da Comunidade Brasileira (...) Tirou-nos o dízimo
do gado muar e cavalar e o substituiu pelos direitos de introdução às outras províncias.
Nós os pagávamos onerosos em Santa Vitória, escandalosos em Rio Negro,
insuportáveis em Sorocaba, pontos preciosos do trânsito dos nossos tropeiros aos
mercados de São Paulo, de Minas e da Corte".

A rebelião. A peculiaridade econômica do Rio Grande tornou a sociedade


extremamente favorável aos apelos republicanos e federalistas, bases das lutas
revolucionárias da América espanhola (Uruguai, Paraguai e Argentina), com a qual os
estancieiros conviviam estreitamente.

Em 1834 realizou-se a primeira eleição para a Assembléia Legislativa Provincial,


na qual a maioria dos deputados eleitos pertencia aos farroupilhas. Dispondo agora de um
instrumento político para fazer valer os seus interesses, os deputados estavam dispostos
a derrubar os altos tributos e desobedecer às determinações do poder central. A
Assembléia eleita era contra o presidente da província, Antônio Rodrigues Fernandes
Braga, tido como inimigo dos estancieiros.

A oposição entre a Assembléia Provincial e o Executivo, que representava o


governa central, conduziu finalmente ao confronto militar em 20 de setembro de 1835. Os
rebeldes liderados por Bento Gonçalves dominaram Porto Alegre e, já no ano seguinte,
proclamaram a República Riograndense ou República de Piratini.

O presidente nomeado foi Bento Gonçalves, que, no entanto, depois de ser


derrotado em 1836 pela regência, foi preso e levado à Bahia. Mas conseguiu fugir em
1837 com a ajuda dos radicais baianos ligados à Sabinada - que veremos adiante. Ao
retornar ao Rio Grande do Sul reassumiu a presidência e a chefia dos farrapos. Nesse
mesmo ano de 1837, uniuse aos rebeldes o célebre revolucionário italiano Giuseppe
Garibaldi, uma das principais figuras da luta pela unificação italiana em 1871.

Expansão da revolta. Em 1839, Garibaldi e Davi Canabarro chefiaram expedições


militares a Santa Catarina, onde proclamaram a República Catarinense ou República
Juliana. Nesse momento, a Guerra dos Farrapos atingiu seu clímax. E foi também nesse
momento que a revolta começou a perder impulso. E isso por dois motivos: a revolta
farroupilha tinha uma estreita base social e a ela não aderiu a totalidade da população rio-
grandense; por outro lado, a própria característica de sua economia, subordinada ao setor
agroexportador não permitia que ela se desligasse do resto do Brasil.

A pacificação. Em 1840, com a antecipação da maioridade de D. Pedro II, foi


oferecida anistia a todos os revoltosos. A intenção pacifista do novo gabinete não
alcançou, entretanto, o fim desejado: os farrapos insistiram na luta.

Somente em 1842, com a designação do barão de Caxias (futuro duque), os


farrapos foram dominados. O novo chefe da repressão adotou meios eficientes: cortou as
vias de comunicação do Rio Grande, isolando-o do Uruguai; procurou negociar com os
rebeldes, afastando o radicalismo e abrandando o ânimo revolucionário.

Enfim, em março de 1845, quando Davi Canabarro e Caxias entraram em acordo,


a rebelião dos farrapos estava terminada. A concessão oficial foi enorme: anistia geral aos
revoltosos; incorporação dos soldados e oficiais ao Exército imperial em igual posto,
exceto o de general; e devolução das terras que haviam sido confiscadas pelo governo.

Rebelião Escrava na Bahia: o Levante Malê (1835)

O termo "Malê" deriva de imale, palavra ioruba que designa muçulmano.

Antecedentes. Malê era o nome pelo qual eram conhecidos os escravos africanos
adeptos da religião muçulmana ou maometana. Com esse mesmo nome foi designado o
levante escravo de 183 5, ocorrido na noite de 24 para 25 de janeiro, em Salvador. A
rebelião durou aproximadamente três horas e dela participaram mais de quinhentos
indivíduos, escravos e libertos, resultando na morte de setenta revoltosos. O movimento
poderia ter trazido graves conseqüências para a sociedade escravista baiana, se as
autoridades não tivessem tomado conhecimento antecipado, graças à delação por ex-
escravos fiéis aos seus antigos senhores. A rebelião foi planejada por participantes que
haviam tido experiências anteriores de combates na África.

Seu plano era audacioso: libertar Salvador e levar a rebelião para o Recôncavo.
Em seus cálculos, os rebeldes levaram em conta e tentaram explorar a seu favor as
divergências no seio da camada dominante senhorial e a insatisfação dos homens livres e
pobres. Embora fracassasse em algumas horas, o levante malê foi motivo de grande
inquietação para as camadas dominantes em todo o país.

Rebeliões escravas. No século XIX, depois da instalação da Corte no Rio de


Janeiro, começara o período decisivo do processo de emancipação política do Brasil. O
rompimento dos laços coloniais, ao desfazer uma ordem estabelecida, deu origem a um
longo período de instabilidade política. A divisão da camada da mirante senhorial e os
freqüentes choques entre centralistas e federalistas deram oportunidade para a
emergência dos radicais ou exaltados, que muitas vezes lideraram agitações populares
nas quais estavam presentes negros e mulatos libertos e, não raro, os próprios escravos.

Porém, essas rebeliões políticas, mesmo as mais radicais, não tiveram caráter
antiescravista. Na Bahia do início do século XIX não foi diferente. Como em várias partes
do Brasil, existia na Bahia uma longa tradição de rebelião escrava e o levante dos malês
inscreveu-se nessa tradição. É inegável que a instabilidade política do período favoreceu
a multiplicação de revoltas escravas: de 1807 a 1830, quase vinte rebeliões escravas
foram registradas na Bahia,

O levante dos malês. Todavia, diferentemente da maioria dos levantes anteriores,


o dos malês ocorreu na própria cidade de Salvador. Planejado desde 1834, os rebeldes
haviam escolhido o 25 de janeiro de 1835, dia de Nossa Senhora da Guia, para
desencadear o movimento. Era domingo e dia de festa religiosa, com o conseqüente
relaxamento da vigilância sobre os escravos.

Já no sábado, dia 24, corriam rumares do levante do dia seguinte, mas apenas
entre escravos e libertos. Nesse mesmo dia, o liberta Domingos Fortunato, depois de
contar o que sabia á sua mulher, Guilhermina Rosa de Sousa, mandou um recado ao seu
antigo senhor, dando notícia do plano da rebelião. Ela não foi considerada. O mesmo fez
Guilhermina, que passou a mesma informação ao seu ex-senhor, Sousa Velho, e também
a um vizinho branco, que, enfim, encarregou-se de tudo comunicar ao juiz de paz.
Tomando conhecimento da plano da rebelião na noite de sábado, as autoridades
tomaram de imediato as medidas necessárias para a repressão do movimento.

Depois de vasculhar as casas de africanos na cidade, uma patrulha finalmente


chegou a um sobrado da ladeira da praça, em cuja loja (que ficava numa espécie de
subsolo) estavam reunidos cinqüenta ou sessenta africanos ultimando os preparativos
para a revolta. Antes que a patrulha arrombasse a porta, as rebeldes saíram atacando
aos gritos de "mata soldado" e, rompendo o cerco, fugiram em vários grupos.

Um desses grupos tentou tomar de assalto a cadeia para libertar Pacífico Licutan,
um líder malê, fracassou e foi dispersado pela ação dos soldados.

Enquanto a agitação de rua prosseguia, os revoltosos foram recebendo adesões


na praça do Teatro (hoje, praça Castro Alves). As fonas repressivas, por sua vez, se
organizaram rapidamente e repeliram as tentativas de ataque aos quartéis, pondo em
fuga, finalmente, os revoltosos. Estes procuraram sair da cidade, mas foram barrados na
quartel da cavalaria em Água dos Meninos, onde se deram os combates decisivos e a
derrota dos rebeldes.

No confronto foram mortas cerca de setenta revoltosos. Mais de duzentos foram


presos e julgados: quatro foram executados. As penas dos demais variaram de prisão a
açoite e deportação para a África.

Escravismo e rebelião. A rebelião dos escravos, diferentemente da de outras


camadas, incidia sobre os fundamentos estruturais da sociedade. Por essa razão, mesmo
um movimento cuja duração não ultrapassou algumas horas era suficiente para espalhar
o pânico e a inquietação entre as camadas senhoriais, mas não exclusivamente.

De fato, a escravidão no Brasil era generalizada e não se concentrava apenas


nas grandes propriedades. Nas cidades, a exemplo de Salvador, ter escravos era
aspiração comum de todos os homens livres. Não ter pela menos um escravo era sinal de
pobreza. Não era excepcional ex-escravos tornarem-se donos de escravos. E há
exemplos curiosos de alguns escravos serem donos de escravos.

Portanto, não eram apenas os ricos que tinham escravos. Ao contrário, supõe-se
que a maioria dos escravos era propriedade de pequenos escravistas, com menos de dez
escravos, que deles dependiam para ganhar a vida ou simplesmente sobreviver. Ter
escravos, na maioria dos casos, não era propriamente um luxo.

Embora a escravidão fosse praticada até mesmo por ex-escravos, existia uma
linha muito nítida separando os brancos dos negros e mulatos, escravos ou não. .A
discriminação racial era uma realidade de norte a sul do pais. O que não significava que
não se fizessem algumas distinções entre a camada dos "homens de car”. Na linguagem
da época, o termo "preto" era utilizado sempre para designar o africano; para os negros
nascidos no Brasil, a palavra era "crioula", existindo ainda os "mulatos" e os "cabras".
Estes últimos eram indivíduos cuja car da pele os situava numa posição intermediária
entre o crioulo e o mulata.

Pois bem, o levante dos malês foi caracteristicamente africano e poucos foram os
crioulos e mulatos que dele participaram. Segundo estimativas do historiador João José
Reis3 existiam em Salvador cerca de 27 500 escravos, dos quais 17 325 eram africanos e
10175, não africanos.

A prosperidade econômica da Bahia no final do século XVIII, durante o chamado


"renascimento agrícola", estimulou a importação de africanos em quantidade significativa
até por volta de 1550. Esse novo e macro contingente de escravos foi trazido da região da
baía de Benin, com forte predomínio dos povos conhecidos como iorubas (ou nagôs) e
também jejes.

A chegada desses novos africanos escravizados correspondeu ao período em


que aumentaram as revoltas dos escravos, das quais fez parte o levante malê. E essa foi
quase a regra geral: as rebeliões eram sempre mais freqüentes onde predominavam
escravos africanos.

Os escravos nascidos no Brasil, os crioulos, descendiam de outros povos


africanos: os bantos (de Angola e do Congo), os negros da Costa da Mina e outros grupos
menores. Tendo nascido no Brasil já como escravos, os crioulos não tinham a experiência
anterior de homens livres, como os africanos recém-chegados. A sua resistência à
escravidão era, portanto, diferente. Na tradição banto, ela assumia a forma típica nos
quilombos.

No levante de 1835, quase 70% dos aprisionados eram nagôs. O historiador João
José Reis identificou sete lideres da rebelião, em seu estudo citado anteriormente: Ahuna,
Pacífico Licutan, Luís Sanim, Manuel Calafate, Elesbão do Carmo (Dandará), Nicobé e
Dassalu. O primeiro, Ahuna ou Aluna, parece ter sido o principal líder, mas de quem se
ignora quase tudo, pois conseguiu escapar e dele não se teve mais notícias. Os demais,
embora sendo africanos de origens diversas, tinham em comum o fato de serem
muçulmanos (malês), conhecedores do Alcorão e da escrita árabe e respeitados entre os
africanos.

Esse foi provavelmente o núcleo idealizados e iniciador da rebelião. E, de modo


algum, o levante teve motivos exclusivamente religiosos. A rebelião malê foi, em sua
essência, um levante antiescravista liderado por escravos. E, por razões étnicas, os
rebeldes africanos hostilizaram tanto os crioulos quanto os mulatos, considerados
pertencentes ao mundo dos brancos. De fato, crioulos, mulatos e cabras eram utilizados
pelos brancos como fona repressiva contra revoltas escravas. Por isso, o projeto da
revolta malê era tornar a Bahia um território só de africanos. Os brancos e os crioulos
seriam mortos e, segundo Guilhermina Rosa de Sousa - mulher de Domingos Fortunato,
denunciante da revolta -, os revoltosos poupariam os mulatos, que seriam posteriormente
escravizados.

Sobre esse último ponto, convém salientar que os rebeldes africanos


pertencentes às etnias iorubá-nagô, jeje e hauçá não desconheciam, em sua terra de
origem, a escravidão. Mas a eles eram estranhos os valores europeus de democracia e
igualdade social, pelo menos na forma teorizada pelos filósofos iluministas. Portanto, se o
levante antiescravista dos malês pode ser considerado justo em sua motivação, de
qualquer ponto de vista imaginável, disso não se conclui que a ordem social que tinham
em mente fosse necessariamente justa.

Sabinada (1837-1838)

A rebelião. A Sabinada foi uma rebelião contra o poder central, ocorrida na Bahia.
Um de seus lideres foi Francisco Sabino Vieira, médico e jornalista, do qual decorreu o
nome de Sabinada. Da rebelião participaram as camadas médias da sociedade baiana;
oficiais militares, profissionais liberais, funcionários públicos, pequenos comerciantes e
artesãos. No decorrer do ano de 1837, difundiram-se boatos de levante e rebelião em
Salvador. O poder central do Rio de Janeiro foi informado de tal ameaça em maio, pelo
presidente da província, Sousa Paraíso. O Novo Diário da Bahia, publicado por Sabino,
pregava abertamente a revolução, e os "clubes" revolucionários atuavam sem restrições.

No início de novembro várias denúncias chegaram às autoridades, mas Sousa


Paraíso limitou-se, no dia 4 de novembro, a alertar os baianos contra os
"desorganizadores" que pretendiam a separação da Bahia.

Finalmente, a rebelião longamente denunciada eclodiu no dia 6 de novembro de


1837. Às oito horas da noite desse dia, os líderes, entre eles Sabino, dirigiram-se ao Forte
de São Pedro.

O presidente da província, Paraíso, e o seu comandante das Armas, Luís França,


que até então não haviam tomado nenhuma medida, perderam rapidamente o controle da
situação. As tropas foram aderindo aos rebeldes e ambos se viram obrigados a fugir.
Na manhã do dia 7, os rebeldes dirigiram-se à Câmara Municipal de Salvador e
convocaram uma sessão extraordinária. Nela apresentaram um documento que declarava
a independência da Bahia. Nomeava-se como presidente Inocêncio Rocha Galvão, um
advogado que se exilou nos Estados Unidos, acusado de ter participado do assassinato
do comandante das Armas em 1824. Era uma nomeação simbólica, pois Inocêncio Rocha
Galvão não voltou à Bahia.

A presidência foi entregue ao vice, João Carneiro da Silva Rego; Sérgio José
Veloso assumiu o cargo de comandante das Armas e Sabino ficou como secretário de
governo.

Logo no início, dois acontecimentos começaram a atuar contra os rebeldes; 1)


comerciantes portugueses e pessoas ricas deixaram Salvador com seus bens, seguidos
pelos funcionários públicos, que levaram consigo as chaves dos cofres e das repartições;
2) Paraíso, o presidente deposto e refugiado no Recôncavo, pediu e recebeu o apoio de
Alexandre Gomes de Argolo Ferrão, tenente-coronel e poderoso senhor de engenho, que
traçou os planos que seriam seguidos para sufocar a rebelião. Em seguida, Paraíso
renunciou e foi substituído por Antônio Pereira Barreto Pedroso, que assumiu o comando
da repressão em 19 de novembro.

A partir do dia 13 de novembro, os legalistas começam a colocarem prática os


planos. O governo expulso de Salvador se recompôs na vila de São Francisco, e
Cachoeira foi escolhida para sediar a justiça. A força militar foi recrutada na Guarda
Nacional do Recôncavo e se concentrou em Pirajá, e no final de novembro 1200 homens
já estavam acampados na região. Com a ajuda de famílias ricas, unidades de combate
foram recrutadas em seus domínios e equipadas à sua custa; o arcebispo da Bahia, D.
Romualdo Seixas, transferiu-se para Santo Amaro. Foi ordenado o bloqueio naval de
Salvador, que se concretizou já na segunda semana de dezembro. O novo presidente da
província, Barreto Pedroso, criou destacamentos em vários municípios para impedir a
difusão da Sabinada e evitar o sempre temido levante de escravos.

Enquanto isso o êxodo de Salvador continuou, sem interferência dos rebeldes,


que ainda não haviam sentido os efeitos do bloqueio que tinha por objetivo sufocá-los
economicamente. A rebelião não se expandiu para outras regiões da província e Salvador
ficou isolada. No último dia de novembro, com uma fona não superior a 2 mil homens, os
rebeldes atacaram posições legalistas, mas foram repelidos.

No dia 2 de dezembro o aniversário do futuro D. Pedro II foi comemorado pelos


legalistas e, curiosamente, também pelos rebeldes, em Salvador. Ao longo desse mês, os
efeitos do bloqueio começaram a ser sentidos em Salvador: escassearam farinha de trigo
e de mandioca.

Em contraste, os legalistas que dominavam o Recôncavo recebiam abundantes


auxílios do Rio de Janeiro e de outras províncias e organizavam ativamente o ataque,
aguardando o momento oportuno. A falta de iniciativa dos rebeldes e o tempo contavam a
favor dos legalistas.

Essa falta de iniciativa devia-se, aparentemente, à indefinição dos rebeldes em


relação aos objetivos de seu movimento. Embora decretassem a separação, os rebeldes
comemoraram o aniversário do futuro imperador. De fato, esse era um ponto bastante
estranho, mas, entre os rebeldes, havia os que defendiam a separação apenas enquanto
durasse a menoridade do imperador. Deve-se observar também que, uma vez no poder,
os rebeldes começaram a agir como qualquer governo normalmente empossado. Em
fevereiro de 1838, quando a falta de gêneros alimentícios começou a atingir duramente
toda a população, os rebeldes baixaram um decreta aumentando os salários do
presidente e de seus ministros, já que os vencimentos anteriores, bastante módicos,
foram considerados incompatíveis com a "dignidade" (conforme expressão do próprio
decreto) dos cargos.

Os rebeldes conduziam-se, portanto, como governo e não como revolucionários.


E isso foi notado por f João da Veiga Murici, um professor que se transformara, com a
rebelião, em tenente e secretário da Artilharia. Dizia ele: "(...) este governo, operando em
uma pensada revolução, só quer marchar restrito às leis antigas, como se estas não
fossem proscritas pela revolução, e desta forma ficando no status quo (...) donde
certamente virá resultar o cair por terra o edifício revolucionário, e de nada valerem as
observâncias de legalidades”. E disse mais: “a partir deste fundamental princípio - [de]
que a lei da revolução é tudo aquilo que tende a fazê-la prevalecer, e por isso não há
agora legalidades, antigas contemplações, escrúpulos, divisão de poderes, economias
expendiosas contra o sagrado progresso da causa”.

Os rebeldes chegaram mais perto desse espírito revolucionário em fevereiro de


1838, quando confiscaram os bens das que haviam fugido de Salvador para o Recôncavo
e jogaram nas prisões os portugueses. No último decreto dos revoltosos, datado de 19 de
fevereiro, prometia-se alforria (liberdade) para os escravos nascidos no Brasil que se
alistassem nas tropas, indenizando seus proprietários. Por fim, nos dias 17 e 18 de
fevereiro, os rebeldes lançaram uma ofensiva. O combate durou trinta e cinco horas e,
novamente, foram derrotados.

Na ocasião, já era visível a desmoralização das forças rebeldes, nas quais


reinava a mais completa indisciplina. A ofensiva legalista que começou em 12-13 de
mamo não encontrou dificuldade em entrar finalmente em Salvador e derrotar,
definitivamente, as rebeldes. Na dia 17 o presidente da província, Barreto Pedroso,
chegou a Salvador e Sabino foi preso no dia 22 de mamo. Haviam sido mortos 1258
rebeldes e 2 989 foram aprisionados.

Os rebeldes presos foram julgados e os principais, condenados à morte. Porém,


com a antecipação da maioridade de D. Pedra II, os condenados foram anistiados e
postos em liberdade, mas proibidos de permanecer em Salvador. Sabino foi obrigado a
transferir-se para Goiás, onde continuou politicamente ativa.

Características da Sabinada. Pode-se caracterizar a Sabinada como um


movimento filiado à tendência liberal radical (exaltados, na Regência). O movimento não
foi propriamente revolucionário, embora a consciência revolucionária não estivesse
ausente, corno demonstra o ponto de vista do professor João da Veiga Murici.

Apesar do fracasso, a Sabinada baseou-se numa queixa muito generalizada,


compartilhada até mesmo pela camada dominante. O próprio Sabino expressou de
maneira sintética as queixas, com as quais a maioria parecia estar de acordo: "O
verdadeiro governo é o governo das maiorias, e da opinião pública; as massas não devem
estar à disposição de meia dúzia de espertos; o governo absoluto não presta; com o
governo constitucional monárquico nada temos feito, antes cada vez mais retrogradamos;
as reformas das constituições foram quimeras; a tropa ficou na mesma; o monopólio da
corte se conserva; tudo para lá vai; tudo só lá se pode ver; as promoções militares são
somente para a corte; alferes e tenentes de 12, 16 e 20 anos, enganadas estavam e
enganados ficaram com tais reformas; dinheiro só circula na corte; a pobreza e a miséria
das províncias vai em espantoso aumento. Vede a Bahia, a 2.ª capital do império, a que
se acha reduzida!”

Como se pode verificar, a crítica estava totalmente voltada contra o poder central.
E o jornal Novo Diário da Bahia, do próprio Sabino, sustentou em novembro de 1837 que
a rebelião era "uma segunda Revolução da Independência" . Os grandes proprietários da
Bahia não estavam em desacordo com essa opinião. Um deles, depois de oferecer
sessenta homens equipados para a tropa legalista, declarou sem rodeios: "Dou esta
gente não porque não adote a revolução, que acho boa, mas porque não quero ser
governado pelo Dr. Sabino" .

Nessa fala, onde se lê "Dr. Sabino", deve-se entender que o autor da frase refere-
se, na realidade, ao grupo social de extrato médio que liderou a rebelião, apoiando-se nos
contingentes populares de negros e mulatos que integravam o exército rebelde. Na
medida em que os rebeldes oscilavam entre o federalismo e o separatismo, a república e
a monarquia, mas assumindo o papel de governo sem decidir-se pela revolução, não
conseguiram empolgar as camadas populares. Contudo, pelas circunstâncias, estavam
suficientemente próximos destas últimas para despertarem a antipatia da camada
dominante. Tal oscilação revelava a fraqueza do movimento e a razão de sua derrota.

Balaiada (1838 - 1841)

A eclosão da Balaiada. No dia 13 de dezembro de 1838, na vila da Manga, no


Maranhão, um grupo de vaqueiros liderados por Raimundo Gomes invadiu a cadeia local
para libertar alguns companheiros que tinham sido presos dois dias antes.

A operação teve êxito e, com o apoio do destacamento local da Guarda Nacional,


o grupo de vaqueiros tomou conta do lugarejo. Um manifesto foi divulgado. O seu
conteúdo era o seguinte:

Ilmo. Sr. Capitão Manuel Alves d'Abreu, Vila da Manga, 15 de dezembro de 1838.
Como Acho nesta Vila com a Reunião do Povo e bem do socego publico coma consta do
Artº sig Te. (1°) Que seja sustentada a consconstituição e garantido dos cidadãos. (2°)
Que seja admetido o Presidente de Província e em Tregue o governo Vice-Prezidente.
(3°) Que seja abolidos os Prefeitos e Subs-Prefeitos, Comissarios ficando som.tes em
Vigorar Leis geraes e as Províncias que não forem de em contra a Constituição do
Império. (4°) Que sejão espulcados empregos portuguezes e Dispejarem A Província
dentro em 15 dias com exseção dos catados com famílias brasileiras e os de 60 anos
para sima.

Rimundo Gomes Vieira - Comde da Forca armada.

Segeu a Cap. Alberto Gomes Ferreira evitar todos os Cidadoes Brasileiros e


amigos da Patria e do sucego Publico para se acharem neste Quartel da forca Armada
para o bem do Brazil. Quartel da Forca.

Manga 14 de Dr. o de 1838. Comde da Forca.

Fora feitores de escravos.


Começava assim a Balaiada.

As origens do movimento. Da proclamação da independência em 1822 à


abdicação de D. Pedro I em 1831, como aconteceu em várias partes do Brasil, as revoltas
tiveram por alvo os portugueses e o absolutismo de D. Pedro I.

No início da Regência, como já vimos, dominaram os liberais, até a renúncia de


Feijó como regente uno, em 1837. Durante o seu governo (183_5-1837), o Maranhão foi
governado pelos liberais, conhecidos então como bem-te-vis. Os seus adversários, os
cabanos (não confundir com os cabanos do Pará), eram os conservadores e seus
membros eram oriundos do antigo “partido português” (restauradores), favoráveis à volta
de D. Pedro I. Apesar de se encontrarem em luta política feroz, os membros dos dois
grupos políticos, tanto bem-te-vis quanto cabanos, pertenciam à camada social dominante
e rica do Maranhão.

Com a ascensão de Araújo Lima como regente (1837-1840) e a vitória dos


conservadores no governo central do Rio de Janeiro, os cabanos do Maranhão
conquistaram o poder. Contando com a maioria na Assembléia Provincial e com o
controle do poder Executivo - o presidente da província era Vicente Pires Camargo -, os
cabanos afastaram totalmente os bem-te-vis do governo e adotaram a mesma política
utilizada por estes últimos para permanecerem no poder: as fraudes e a violência,

Através de seu principal jornal, Crônica Maranhense, os bem-te-vis atacavam os


cabanos, no que eram seguidos por jornais menores, dos quais destacou-se o Bentevi,
que pregava abertamente a revolução. Os cabanos defendiam-se através de seu órgão
oficial, Investigador Maranhense.

No momento em que no Rio de Janeiro começava-se a discutir a conveniência de


uma Lei Interpretativa do Ato Adicional, a fim de retornar ao centralismo, os cabanos do
Maranhão tomaram medidas para reforçar o próprio poder na província. A Assembléia
Legislativa maranhense votou duas leis: a primeira deu ao presidente da província o
poder de nomear os prefeitos, a segunda deu aos prefeitos o poder de organizar e
comandar a Guarda Nacional. Desse modo, os cabanos anteciparam-se ao movimento
centralizador que se iniciava no Rio de Janeiro: tinham agora o controle das prefeituras e
através delas o das fonas armadas em toda a província.

Os bem-te-vis protestaram, inutilmente. Os cabanos, para prejudicá-los, adotaram


no interior da província o recrutamento indiscriminado de boiadeiros, feitores, agregados
ligados aos bem-te-vis. Foi assim que a luta entre os membros da camada senhorial
dominante acabou por atingir as camadas populares, que aderiram à revolta iniciada pelo
vaqueiro Raimundo Gomes.

Ampliação da revolta popular. Enquanto os dois grupos rivais lutavam entre si,
Raimundo Gomes levou a revolta para o interior do Maranhão. E em janeiro de 1839 já
contava com a participação de Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, chefe de um dos
grupos de rebeldes. Ele era fazedor de balaios, apelidado, por isso, de o Balaio, de onde
veio o nome do movimento.

A agitação popular que tomou conta do interior do Maranhão beneficiava os bem-


te-vis. Embora estes não se considerassem responsáveis, nem declarassem abertamente
apoio ao movimento, mostravam-se intimamente satisfeitos com os problemas que isso
tudo trazia à administração dos cabanos. O fato, entretanto, é que os balaios foram
muitas vezes recebidos pelos partidários dos bem-te-vis, que ofereceram suprimentos em
munições e alimentos. Acusados de apoiarem a rebelião, os bem-te-vis alegaram pelos
jornais que foram obrigados a colaborar com os revoltosos em armas para protegerem as
próprias vidas.

Em março de 1839, tomou posse o novo presidente da província, Manuel


Felizardo de Sousa e Melo, substituindo Vicente Camargo.

Para pôr fim rapidamente à revolta, o novo presidente enviou uma força de
quatrocentos homens contra os balaios, a qual, no entanto, foi derrotada pela guerrilha
sertaneja.

A rebelião espalhou-se também para o Piauí, de onde chegou um reforço de 660


homens, comandados por um jornalista radical, Lívio Lopes Castelo Branco e Silva.

O movimento balaio chegou ao auge com a tomada da cidade de Caxias,


segunda cidade da província do Maranhão, em julho de 1839. A capital, São Luís, foi
então tomada de pânico e começou a se preparar para a eventualidade de uma invasão,
o que acabou não acontecendo.

Nesse ponto, os bem-te-vis mudaram de comportamento e começaram a buscar


uma saída para a crise. O primeiro passo foi a sua aproximação do presidente da
província, considerado agora como alguém situado acima dos partidos.

A divisão dos poderosos em bem-te-vis e cabanos, com os primeiros


aproveitando-se das circunstâncias para enfraquecer os segundos, tinha favorecido o
relativo sucesso dos balaios. Ao movimento destes últimos aderia cada vez maior número
de pessoas das camadas baixas da sociedade. Em seus manifestos, divulgados pelos
jornais, eles se declaravam bem-te-vis, mas seus objetivos eram bem diferentes dos
verdadeiros bem-te-vis, que pertenciam à alta esfera da sociedade. Basta citar a palavra
de ordem do fim do manifesto de Raimundo Gomes - "fora feitores de escravos" -, que
não seria, é claro, adotada pelos bem-te-vis.

A Balaiada propriamente dita era formada por índios, negros e mestiços. E


devemos distingui-la de outro grupo de revoltosos que atuava no mesmo momento e
lugar, que podemos chamar propriamente de bem-te-vis, que incluía indivíduos da
camada média, como oficiais e soldados da Guarda Nacional aglutinados sob a liderança
de Lívio Lopes Castelo Branco e Silva e de outros da mesma classe.

A rigor, a Balaiada não foi um movimento unificado por uma única liderança. Ao
lado de Raimundo Gomes, Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, o Balaio, destacou-se o
negro Cosme Bento das Chagas, que liderava um grande contingente de escravos
fugitivos.

Desde a tomada de Caxias, bem-te-vis e cabanos começaram a se unir e


definiram uma tática contra os balaios. A sua principal arma foi o suborno. Listas com o
intuito de arrecadar contribuições para esse fim foram passadas em 1839. A primeira
vítima dessa armadilha contra os balaios foi o caboclo Coque, um dos líderes subornados,
que traiu o movimento. O fato foi amplamente noticiado pela imprensa, visando a
desmoralização do movimento.

A ofensiva contra os balaios foi acertada com a Carta Imperial de 12 de dezembro


de 1839, que nomeava o coronel Luís Alves de Lima e Silva - futuro duque de Caxias -
como presidente da província e comandante de todas as forças repressivas do Maranhão,
com poderes de intervenção nas províncias do Piauí e Ceará. O novo presidente tomou
posse em 4 de fevereiro de 1840, fazendo um pra pronunciamento que entusiasmou a
população branca.

Como primeira medida, o novo presidente pagou os soldos atrasados e tratou de


elevar o moral das tropas. Enquanto isso, os balaios se enfraqueciam com as deserções e
a perda do apoio passivo dos bem-te-vis. Com uma tropa de 8 mil homens, dividida em
três colunas, Luís Alves de Lima e Silva começou a atacar e a cercar os redutos balaios.
Raimundo Gomes sofreu várias derrotas e acabou se refugiando no Piauí, onde
reorganizou suas fonas para novos confrontos. Foi novamente derrotado. Buscou refúgio
entre os negros de Cosme, mas acabou sendo por este aprisionado. A essa altura,
Cosme era o principal líder ainda em atividade. Raimundo Grames conseguiu, entretanto,
fugir e tentou recompor suas forças. Aprisionado pelas forças oficiais, em circunstâncias
desconhecidas, chegou morto em São Paulo. Cosme continuou a luta, mas foi vencido,
preso e enforcado. A Balaiada tinha chegado ao fim.

Em 13 de maio de 1841, Luís Alves de Lima e Silva fez o balanço de sua atuação
num relatório, onde dizia: "Não existe hoje um só grupo de rebeldes armados, todos os
chefes foram mortos, presos ou enviados para fora da província... Se calcularmos em mil
os seus mortos pela guerra, fome e peste, sendo o numero dos capturados e aprisionados
durante o meu governo passante de quatro mil, e para mais de três mil os que reduzidos á
fome e cercados foram obrigados a depor as armas depois da publicação do decreto de
anistia, temos pelo menos eito mil rebeldes; se a estes adicionarmos três mil negros
aquilombados sob a direção do infame Cosme, os quais só de rapina viviam, assolando e
despovoando as fazendas, temos onze mil bandidos que com as nossas tropas lutaram, e
dos quais houvemos completa vitória. Este cálculo é para menos e não para mais: toda
esta província o sabe".

Assim o coronel apresentava os números e a dimensão da revolta que o


combateu e dava por terminada a sua missão.

O Período das Regências (1831-1840) - - MARCO MOREL

Segundo Reinado

A Aristocracia Rural se consolida no Poder (1840-1850)

Golpe da Maioridade (1840): Início do Segundo Reinado

Partidos liberal e conservador. As disputas políticas entre progressistas (Feijó) e


regressistas (Araújo Lima), durante as regências, resultaram posteriormente no Partido
Liberal e no Partido Conservador, que se alternaram no governo ao longo do Segundo
Reinado.

Enquanto o Partido Liberal se aglutinou em torno do Ato Adicional, o Partido


Conservador foi se organizando em torno da tese da necessidade de limitar o alcance
liberal do Ato Adicional, através de uma lei interpretativa.

O período regencial começou liberal e terminou conservador. E há uma


explicação para esse fato: a ascensão da economia cafeeira.
Por volta de 1830, o café havia deixado de ser uma cultura experimental e
marginal para se tornar o principal produto de exportação, suplantando o açúcar. Os
principais lideres conservadores eram representantes dos interesses cafeeiros.

Com a formação desses dois partidos e a ascensão da economia cafeeira, a vida


política brasileira parecia ganhar finalmente a necessária estabilidade. Porém, as regras
do jogo foram quebradas pelos liberais, com o Golpe da Maioridade. Para compreendê-lo,
retomemos o fio da meada.

A aclamação de D. Pedro II. No Brasil, as agitações políticas e sociais tomaram


conta do país logo depois da abdicação de D. Pedro I em 7 de abril de 1831. Diante das
crises vividas pelo regime regencial, ficou parecendo a todos que elas haviam sido
facilitadas pelo caráter transitório do governo, que atuava apenas como substituto do
poder legítimo do imperador, constitucionalmente impedido de exercer a autoridade
devido à menoridade.

A fim de conter as agitações e o perigo da fragmentação territorial, a antecipação


da maioridade de D. Pedro de Alcântara passou a ser cogitada. Levada à apreciação da
Câmara, a questão foi aprovada em junho de 1840. Assim, com 15 anos incompletos, D.
Pedro de Alcântara jurou a Constituição e foi aclamado imperador, com o título de D.
Pedro II.

A antecipação da maioridade, entretanto, foi maquinada e posta em prática, com


êxito, pelos liberais, que, desde a renúncia de Feijó em 1837, haviam sido alijados do
poder pelos regressistas. Tratou-se, portanto de um golpe - o Golpe da Maioridade.

Essa manobra política que possibilitou o retorno dos liberais ao poder teve como
conseqüência a afirmação da aristocracia rural e o estabelecimento de sua dominação
sobre todo o país. Como a burguesia, que na Europa abandonara definitivamente o ideal
revolucionário, os grandes proprietários de terras e escravos que haviam lutado contra o
domínio colonial adotaram finalmente uma política conservadora e anti-revolucionária.

O gabinete da maioridade ou o Ministério dos Irmãos. Imediatamente após o


golpe, organizou-se o ministério, o primeiro da maioridade, dominado pelos "maioristas",
todos eles ligados ao Partido Liberal. Do novo gabinete participavam os irmãos Andrada
(Antônio Carlos e Martim Francisco) e os irmãos Cavalcanti (futuros viscondes de
Albuquerque e de Suassuna), donde decorreu o nome de Ministério dos Irmãos.

As disputas políticas, contudo, tornaramse sangrentas a partir da ascensão


liberal, e governar havia se tornado sinônimo de exercício do poder discricionário*. Assim,
para controlar o país, o partido que se encontrava no governo estabelecia a rotina de
nomear presidentes de províncias de seu agrado e de substituir autoridades judiciais e
policiais de fidelidade duvidosa.

Nas eleições, os chefes políticos colocavam nas ruas bandos armados; o governo
coagia eleitores e fraudava os resultados das urnas. A eleição de 13 de outubro de 1840,
que deu início a esse estilo novo (e violento) de fazer política, ficou conhecida como
"eleição do cacete", e deu vitória aos liberais. Todas as outras eleições realizadas depois
disso não escaparam à regra: continuaram igualmente violentas.

Medidas Antiliberais
A unidade da aristocracia rural. Apesar das disputas políticas violentas, os
partidos Conservador e Liberal eram diferentes apenas no nome. Um e outro eram
integrados pelos grandes proprietários escravistas e defendiam os mesmos interesses:
estavam unidos contra a participação do povo nas decisões políticas. Liberal ou
Conservador - não importava -, a aristocracia rural era a favor de uma política
antidemocrática e antipopular.

Essa evolução no sentido da maior unidade de interesse e na defesa de uma


política conservadora foi, em grande parte, motivada pelo fortalecimento econômico da
aristocracia rural. Desde a década de 1830, a cafeicultura havia se deslocado para o vale
do Paraíba, onde rapidamente se tornaria a principal atividade agroexportadora brasileira,
beneficiando particularmente as três províncias do sudeste: Rio de janeiro, São Paulo e
Minas Gerais. A projeção política dessas três províncias, as mais ricas e poderosas do
Brasil, já se fazia sentir desde a transferência da Corte, em 1808. Representadas agora
pelos "barões do café", elas fortaleceram ainda mais as suas posições relativas, tornando-
se capazes, efetivamente, de impor nacionalmente a sua política.

Como segmento mais rico e próximo do poder central, os barões do café estavam
em condições de submeter à sua liderança a aristocracia rural das demais províncias.
Formando então um bloco cada vez mais poderoso, imprimiram uma direção precisa à
política nacional: o centralismo e a marginalização dos setores radicais e democráticos.

A reforma do Código de Processo Criminal. Assim, a partir de 1840 firmou-se uma


tendência política centralista e autoritária. O primeiro passo nesse sentido foi a instituição
da Lei Interpretativa do Ato Adicional. Em dezembro de 1841, foi a vez da reforma do
Código de Processo Criminal, que, como já vimos, havia conferido às autoridades locais
uma enorme soma de poderes. Com a reforma, o antigo código foi descaracterizado no
seu conteúdo liberal, pois toda autoridade judiciária e policial foi submetida a uma rígida
hierarquia e diretamente subordinada ao Ministério da Justiça. O poder central tinha agora
nas mãos instrumentos eficientes para assegurar a ordem pública.

A restauração do Conselho de Estado. Durante o Primeiro Reinado, o Conselho


de Estado era um órgão consultivo do imperador D. Pedro I, para o qual ele havia
nomeado membros do "partido português”. Na Regência, esse órgão foi extinto pelo Ato
Adicional (1834). Em 1841 foi restaurado e se tornou o principal órgão de assessoria
direta do imperador, através do qual a aristocracia rural garantia a sua presença no centro
do poder.

A presidência do Conselho de Ministros e o parlamentarismo às avessas. No


Primeiro Reinado foi constante o conflito entre o poder Moderador (D. Pedro I) e a
Câmara dos Deputados. Para diminuir os atritos entre os poderes, foi criado, em 1847, a
Presidência do Conselho de Ministros. Ficou convencionado que o impera dor nomearia
apenas o presidente do Conselho, que, por sua vez, escolheria os demais ministros.

Nascia, desse modo, o parlamentarismo* brasileiro. Mas esse era um


parlamentarismo muito diferente daquele praticado na Europa, que seguia o modelo
inglês.
No parlamentarismo europeu, o primeiroministro (que equivale ao nosso
presidente do Conselho de Ministros) era escolhido pelo Par-lamento, que também tinha
força para depô-lo. Além disso, o ministério era responsável perante o Parlamento, ao
qual era obrigado a prestar contas. Em suma, o Legislativo contra lava o Executivo.

No Brasil era o contrário. O ministério era responsável perante o poder Moderador


(imperador). O Parlamento (poder Legislativo) nada podia contra os ministros, que
governavam ignorando-o e prestando contas apenas ao imperador. Por esse motivo, esse
parlamentarismo brasileiro ganhou o nome de "parlamentarismo às avessas”.

Política Protecionista

Tarifa Alves Branco (1844). Da cobrança de taxas alfandegárias o governo


brasileiro obtinha a maior parte de sua receita. Contudo, desde os tratados de 1810, que
reduziram os direitos alfandegários das mercadorias inglesas para 15% ad valorem, essa
fonte de receita encontrava-se incomodamente restringida. A situação havia se agravado
mais ainda com as concessões comerciais feitas aos Estados Unidos e a outros países
europeus, por ocasião do reconhecimento da emancipação do Brasil.

O débil desempenho da economia brasileira até por volta de 1840 foi tornando
cada dia mais precária a situação do Tesouro. A inexistência de uma produção nacional
que suprisse as necessidades internas de consumo fez do Brasil uma economia
inteiramente dependente do fornecimento externo. Os gêneros alimentícios e os produtos
de uso corriqueiro, como sabão, velas, tecidos, etc., eram trazidos de fora, e a sua
importação, naturalmente, tinha um custo monetário que deveria ser saldado com as
exportações de produtos nacionais.

A dependência em que o Brasil se encontrava em relação à Inglaterra e em


menor escala em relação aos Estados Unidos e outros países europeus apenas havia
transferido par muitos os benefícios que antes só cabiam Portugal. O país continuava, no
plano econômico, essencialmente colonial.

Essa distorção, que dificultava a acumulação interna de capital, foi parcialmente


corrigida em 1844, com a substituição do livre cambismo por medidas protecionistas,
através da Tarifa Alves Branco, como ficou conhecido o decreto do ministro da Fazenda
Manuel Alves Branco.

Segundo a nova legislação aduaneira, os direitos duplicaram (passaram para


30%) para mercadorias sem similares nacionais e 60% em caso contrário. Evidentemente,
as pressões internacionais contra a medida foram muitas, sobretudo por parte dos
britânicos, que perdiam boa parte dos privilégios que tinham no mercado brasileiro.

Embora a nova política protecionista não formasse uma barreira intransponível,


nem estimulasse decisivamente o desenvolvimento do mercado interno, foi, todavia, um
importante passo nesse sentido.

A Abolição do Tráfico Negreiro


A pressão britânica na abolição do tráfico. Em meados do século XIX foi extinto
no Brasil o tráfico negreiro. A iniciativa não foi por vontade e decisão do governo
brasileiro, mas resultou da eficiente pressão britânica nesse sentido. Várias razões
explicam essa atitude do governo britânico. Em primeiro lugar, a Revolução Industrial do
século XVIII, na Inglaterra, que generalizou o emprego do trabalho assalariado, pondo fim
a toda forma compulsória de exploração do trabalhador, tornou a sociedade sensível ao
apelo abolicionista.

De fato, para as sociedades européias do século XIX, que acompanhando o


exemplo britânico evoluíam no sentido do emprego generalizado do trabalho livre
assalariado, a escravidão, em contraste, começou a ser vista em toda a sua
desumanidade, criando bases para uma opinião abolicionista. Evidentemente, os bons
sentimentos por si sós eram insuficientes para qualquer ação concreta contra a
escravidão. Na verdade, o capitalismo industrial é um sistema baseado no crescimento
permanente, com abertura de novos mercados. Ora, os escravos, por definição, não são
consumidores e, portanto, as sociedades escravistas representavam sérios bloqueios
àquela expansão.

Os acordos para a extinção do tráfico. Tendo abolido o tráfico em suas colônias


em 1807 e a escravatura em 1833, a Inglaterra passou a exigir o mesmo do Brasil, a partir
dos tratados de 1810. Pelo tratado de 23 de janeiro de 1815, assinado em Viena,
estabeleceu-se a proibição do tráfico acima da linha equatorial, o que atingiu importantes
centros fornecedores de escravos, como São Jorge da Mina. Em 18 de julho de 1817, os
governos luso-brasileiro e inglês decidiram atuar conjuntamente na repressão ao tráfico
ilícito, inspecionando navios em alto mar. Para efeitos práticos, contudo, apenas a
Inglaterra possuía recursos para isso.

Após 1822, a Inglaterra estabeleceu o fim do tráfico negreiro como uma das
exigências para o reconhecimento da emancipação do Brasil. Assim, o tratado de 3 de
novembro de 1826 fixou o prazo de três anos para a sua completa extinção. O tráfico
passou a ser considerado, a partir de então, ato de pirataria, sujeito às punições previstas
no tratado. Finalmente, a 7 de novembro de 1831 - com atraso de dois anos em relação
ao estipulado pelo tratado de 1826 -, uma lei formalizou esse compromisso.

As resistências do Brasil. Apesar das crescentes pressões britânicas, o tráfico


continuou impune no Brasil. E a razão era simples: toda a economia brasileira, desde a
época colonial, estava assentada no trabalho escravo. Em tal circunstância, a abolição do
tráfico criaria enormes dificuldades à economia, comprometendo as suas bases
produtivas.

Ademais, desde a abdicação de D. Pedro I em 1831, os senhores rurais haviam


se apropriado do poder político, o que fortalecera consideravelmente a sua posição na
sociedade. Por isso, nenhum dos acordos assinados com a Inglaterra foi cumprido, de
modo que o tráfico continuou com o consentimento tácito das autoridades.

A Inglaterra, por sua vez, esforçou-se para fazer cumprir os termos dos tratados,
de modo unilateral. E o fez em meio a dificuldades, pois os traficantes, cercados em alto
mar, atiravam os negros ao oceano, atados a uma pedra que os impedia de vir à tona.
Além disso, o tráfico, ao invés de se extinguir, continuou a crescer incessantemente.

Bill Aberdeen. A passividade do governo brasileiro ante o tráfico e, portanto, o


nãocumprimento dos compromissos assumidos através de vários tratados fez a Inglaterra
tomar uma atitude extrema. Em 8 de agosto de 1845, o Parlamento britânico aprovou uma
lei, chamada Bill Aberdeen, conferindo à Marinha o direito de aprisionar qualquer navio
negreiro e fazer os traficantes responderem diante do almirantado ou de qualquer tribunal
do vice-almirantado dos domínios britânicos.

A repressão ao tráfico foi assim intensificada, e os navios britânicos chegaram a


apreender navios em águas territoriais brasileiras, até mesmo entrando em seus portos.

A lei Eusébio de Queirós (1850). Em março de 1850, o todo-poderoso primeiro-


ministro Gladstone obrigou o Brasil ao cumprimento dos tratados, ameaçando-o com uma
guerra de extermínio. O governo brasileiro finalmente se curvou ante as exigências
britânicas e em 4 de setembro de 1850 promulgou a lei de extinção do tráfico pelo
ministro Eusébio de Queirós. A tabela abaixo mostra os efeitos imediatos da medida.

Conseqüências da extinção do tráfico. A lei Eusébio de Queirós, que pôs fim ao


tráfico negreiro de forma súbita, como se verifica na tabela, liberou uma soma
considerável de capital, que passou a ser aplicado em outros setores da economia. As
atividades comerciais, financeiras e industriais receberam um grande estímulo.

Em 1854 começou a funcionar a primeira estrada de ferro brasileira, de Mauá a


Fragoso (futura Leopoldina Rafways); em 1855, iniciou-se a construção da estrada de
ferro D. Pedro II (futura Central do Brasil); o telégrafo apareceu em 1852. Enfim, um novo
horizonte se descortinou.

Com a abolição do tráfico, os dias da escravidão no Brasil estavam contados e,


portanto, os dias de existência do Império, cuja riqueza baseava-se fundamentalmente no
fruto do trabalho escravo, também estaria no fim. Basta que nos lembremos que a
escravidão foi abolida em 1888 e o Império caiu já no ano seguinte, em 1889.
Veja como diminuiram as importações de escravos para o Brasil ao longo do
século XIX

Evolução das importações de escravos para o Brasil

Rebelião Praieira (1848 – 1850)

Origens do movimento – Assim como as revoluções de 1848 na Europa


representaram o encerramento de um ciclo revolucionário iniciado em 1789 com a
Revolução Francesa, a Praieira, em Pernambuco, correspondeu à última etapa das
agitações políticas e sociais iniciadas com a emancipação.

Pernambuco era, no século XIX, a mais importante província do nordeste, graças


ainda ao açúcar, e seus políticos gozavam de grande influência no Rio de janeiro.

Entretanto, a concentração fundiária em Pernambuco era tal, que um terço dos


engenhos era propriedade de uma única família: a dos Cavalcanti. Desse modo, a
totalidade dos pernambucanos dependia direta ou indiretamente de um punhado de
famílias que conduzia a sociedade tendo em vista exclusivamente os seus interesses.
Dada a importância de Pernambuco desde a época colonial, ali se concentrava um
numeroso grupo de comerciantes, na maioria portugueses, que monopolizavam as trocas
mercantis.
A concentração da propriedade fundiária e a monopolização do comércio pelos
portugueses foram os fatores de permanente insatisfação das camadas populares em
Pernambuco.

Surge o Partido da Praia. Como em outras partes do Brasil, em Pernambuco


existiam dois partidos: o Liberal e o Conservador. Os Cavalcanti dominavam o Partido
Liberal e os Rego Barros, o Conservador. Apesar de pertencerem a partidos diferentes,
essas duas famílias costumavam fazer acordos políticos com muita facilidade.

Assim, Francisco de Paula Cavalcanti tornou-se presidente da província em 1837,


através de um acordo com os Rego Barros. Em 1840, foi a vez de Francisco Rego Barros
(barão da Boa Vista) assumir a presidência da província.

Porém, em 1842, membros do Partido Liberal se rebelaram e fundaram o Partido


Nacional de Pernambuco - que seria conhecido como Partido da Praia. Esses
inconformados pertenciam a famílias que haviam feito fortuna em época recente, ao longo
da primeira metade do século XIX, e tinham como eleitores senhores de engenho,
lavradores, comerciantes e bacharéis. Eles deixaram claro o motivo de sua atitude:
acusavam o presidente da província Rego Barros de distribuir os melhores cargos
administrativos somente entre os membros do Partido Conservador e a cúpula do Partido
Liberal, isto é, os Cavalcanti e seus aliados mais próximos. E, segundo os praieiros,
faziam o mesmo com os contratos de obras públicas, inúteis e dispendiosas.

Em suma, o Partido da Praia se formou como protesto pela exclusão dos


benefícios do poder.

Mas havia razões mais profundas para essa dissidência. A Inglaterra fazia
enormes pressões pela extinção do tráfico, cujo efeito imediato foi a crescente escassez
de escravos e a elevação de seu preço. Para as poderosas famílias ligadas aos Rego
Barros e Cavalcanti não havia problemas. O contrabando de escravos acobertado pelas
autoridades policiais era garantia de suprimento permanente e a baixo custo para aquelas
famílias. Quanto aos demais, eram obrigados a pagar o preço de mercado para obter os
escravos de que necessitavam. E isso também foi denunciado pelos praieiros.

As denúncias eram reveladas pelos jornais, de modo que a luta política


desenrolava-se através da imprensa: do lado dos conservadores, também chamados de
"gabirus" (“gabiru” é o nome de um tipo de rato que, em sentido figurado, significava
“ladrão”), estava o Diário de Pernambuco e, do lado dos praieiros, o Diário Novo,
impresso na Tipografia Imparcial, que ficava na rua da Praia (daí o nome do partido). O
duelo jornalístico durou, basicamente, até 1844, embora os conflitos políticos
começassem a se tornar violentos de lado a lado.

Ascensão e queda do Partido da Praia. O Partido da Praia começou a crescer a


partir de 1844, quando conseguiu eleger uma boa bancada de deputados para a
Assembléia Legislativa provincial. No mesmo ano foi ainda beneficiado com a ascensão
de um ministério liberal e, particularmente, com a nomeação de Antônio Pinto Chichorro
da Gama, um aliado dos praieiros, à presidência da província de Pernambuco. Com o
apoio de Chichorro da Gama, o Partido da Praia finalmente chegou ao poder, desalojando
os conservadores do clã Rego Barros.

Uma vez instalados no governo, os praieiros adotaram os mesmos métodos dos


gabirus ou conservadores. Demitiram em massa os funcionários da administração e da
polícia em toda a província, que haviam sido nomeados pelos conservadores,
substituindo-os pelos seus correligionários. O resultado imediato dessa política
imprudente foi desastroso: os praieiros criaram um caos administrativo.

Para fazer face aos gastos com funcionários públicos, policiamento e obras
públicas, Chichorro da Gama aumentou os impostos, o que veio a encarecer os
alimentos. A elevação dos preços deu origem a uma crescente insatisfação entre as
camadas populares, que, no entanto, puseram a culpa nos comerciantes portugueses. Em
1847 e 1848, eclodiram revoltas populares que resultaram na depredação dos
estabelecimentos de portugueses. Particularmente graves foram os distúrbios ocorridos
nos dias 26 e 27 de junho de 1848, em que vários portugueses foram mortos e dezenas
deles, feridos.

Os praieiros utilizaram com habilidade o intenso sentimento antilusitano ao


aceitarem, na Assembléia Provincial, a petição que exigia a nacionalização do comércio a
retalho e a expulsão dos portugueses solteiros.

Nada disso, entretanto, amenizou o fracasso da administração praieira, que não


conseguiu colocar as finanças em ordem. A tentativa de consolidar o próprio poder,
elegendo seus candidatos ao Senado, também fracassou devido à anulação do pleito,
graças à interferência dos gabirus, que possuíam grande influência no poder central do
Rio de Janeiro. Por fim, a descoberta de inúmeras irregularidades em junho de 1848
desmoralizou a administração praieira.

O presidente da província, Chichorro da Gama, havia deixado o cargo no início de


1848, assumindo em seu lugar o vice Manuel de Sousa Teixeira. O novo presidente, de
inclinação moderada, começou a afastar os praieiros da administração, criando uma
situação explosiva.

A Revolta

Praieiros contra gabirus. O conflito armado entre praieiros e gabirus teve início um
ano antes da ascensão de Manuel de Sousa Teixeira, em 1847. Nesse ano os praieiros
venceram a eleição para o Senado. Contrariando esse resultado, levantou-se o poderoso
senhor de engenho e coronel da Guarda Nacional, José Pedroso Veloso da Silveira.
Reunindo em seu engenho de Lages os principais chefes gabirus, Veloso da Silveira
comandou um movimento apoiado em armas contra os resultados eleitorais e disposto a
tudo para impedir a posse dos senadores praieiros. Pressionado por essa sedição ou
revolta, o Senado decidiu anular as eleições, pondo fim à revolta dos gabirus, mas dando
aos praieiros um forte pretexto para começar a sua rebelião.

Sem aliados de peso na Corte, os praieiros se enfraqueceram ainda mais com o


fim do domínio liberal no poder central do Rio de Janeiro e a ascensão dos conservadores
sob a liderança de Pedro de Araújo Lima.

Tendo entre os seus principais lideres os membros da aristocracia rural


pernambucana, o Partido da Praia não era propriamente radical ou revolucionário. Mas,
diante de seus poderosos inimigos políticos, os praieiros aliaram-se aos lideres mais
radicais, como o jornalista Antônio Borges da Fonseca. A ele se deveu a redação do
Manifesto ao Mundo, lançado em 1° de janeiro de 1849, no qual as principais exigências
eram: “1 ° - Voto livre e universal do povo brasileiro; 2° - Plena liberdade de comunicar os
pensamentos pela imprensa; 3° - Trabalho como garantia de vida para o cidadão
brasileiro; 4° - Comércio a retalhos para os cidadãos brasileiros; 5° - Inteira e efetiva
independência dos poderes constituídos; 6° - Extinção do poder moderador e do direito de
agraciar; 7° - Elemento federal na nova organização; 8° - Completa reforma do poder
judicial de modo a assegurar as garantias individuais dos cidadãos; 9° - Extinção do juro
convencional; 10° - Extinção do atual sistema de recrutamento”.

Nesse manifesto, sem dúvida radical, ouvese o eco das revoluções de 1848,
particularmente no trecho em que se refere ao "trabalho como garantia de vida para o
cidadão brasileiro", que era uma reivindicação dos socialistas.

Embora o manifesto fosse assinado pelos praieiros, a sua rebelião tinha um


sentido mais ' limitado e bem menos radical: toda a luta resumia-se em contestar a
aristocracia rural tradicional, que monopolizava o poder tanto em Pernambuco como no
Rio de Janeiro. Os praieiros, na realidade, eram contra apenas os obstáculos colocados
por aquela aristocracia à sua plena participação no poder.

Sintomaticamente, o levante armado teve início com as demissões dos praieiros.


Estes recusaram-se a deixar os cargos e resistiram de armas na mão, mas sem comando
unificado. As suas bases eram os engenhos, onde se recrutavam os combatentes entre
os dependentes dos senhores. Também foram contratados combatentes no Recife, em
troca de pagamento.

Até o final do ano de 1848, a rebelião praieira não passava de conflitos isolados,
sobretudo no interior, com ataques a vilas para intimidar os opositores ou então aos
engenhos inimigos para recolher alimentos, munições e animais de carga.

Mesmo assim, a rebelião praieira havia atingido dimensões suficientemente


graves em dezembro de 1848 para que o próprio Estado imperial tomasse a iniciativa de
intervir. Contra os praieiros foi enviado o coronel José Joaquim Coelho, um militar
experiente, com uma tropa desvinculada dos interesses locais.

Com essa intervenção imperial, os praieiros foram obrigados a concentrar as suas


forças para resistir. Porém, as suas dificuldades foram aumentando com o corte dos
suprimentos de armas e munições, graças à eficiente ação de vigilância da polícia, que
impediu que tais suprimentos chegassem às mãos dos rebeldes.

Contando com aproximadamente 1500 combatentes divididos em duas colunas,


os praieiros decidiram atacar o Recife. No confronto com as tropas governistas, os
praieiros perderam 500 homens: 200 foram mortos em combate e 300 foram
aprisionados. Com a derrota, as forças praieiros se dispersaram. O governo propôs então
a anistia para pôr fim rapidamente à revolta. A oferta não foi aceita pelo senhor de
engenho Pedro Ivo e pelo jornalista Borges da Fonseca, que continuaram na luta. Borges
foi derrotado em março de 1849 e Pedro Ivo resistiu até 1850, quando então foi obrigado
a dispersar os índios e caboclos que, contratados por ele, lutavam sob suas ordens.

Enquanto isso, alguns praieiros fugiram para o exterior e, dos lideres


aprisionados, dez foram condenados à prisão perpétua, mas anistiados em 28 de
novembro de 1851.

Repercussões das Revoluções de 1848 em Pernambuco


Liberalismo e democracia. No movimento de emancipação do Brasil, a distinção
entre liberalismo e democracia foi se estabelecendo gradualmente. Da chamada
Revolução de 1817 no nordeste, passando pela Confederação do Equador (1824) no
Primeiro Reinado até as Rebeliões Regenciais, o liberalismo das camadas dominantes e
as aspirações democráticas dos setores ligados às camadas populares encontravam-se
freqüentemente misturados. A Praieira, nesse sentido, não foi uma exceção. Porém,
ocorrendo esta última no momento em que eclodiam na Europa as revoluções de 1848,
algumas de suas idéias repercutiram em Pernambuco, convulsionado pela Praieira.
Devemos separar entretanto, com muito cuidado, a Praieira do socialismo, como
recomendam as pesquisas mais recentes sobre o assunto.

De fato, rebeliões armadas não foram excepcionais no Brasil do século XIX.


Porém, o que caracterizou o movimento praieiro foi o confronto armado entre grupos da
própria camada dominante dos senhores de engenho da mesma província. A participação
popular esteve limitada ao recrutamento efetuado pelos rebeldes e sob seu direto
controle, tanto do lado praieiro quanto do lado gabiru. Portanto, as pessoas mais simples
do povo não tiveram a oportunidade de atuar autonomamente. Ao contrário, o poder
excepcional dos grandes senhores de engenho, que sozinhos controlavam a quase
totalidade da economia pernambucana, teve um peso decisivo para manter as coisas
dentro de limites adequados aos seus interesses. A Praieira não foi, portanto, um
movimento revolucionário.

Mas o conflito foi suficientemente grave para alarmar o poder central,


principalmente tendo em conta a onda revolucionária que abalava a Europa em 1848.
Paula Sousa, chefe do gabinete liberal que estava no poder desde 1844, associou as
duas coisas em julho de 1848 ao dizer o seguinte: "Pede que se note que a posição atual
da Europa tem dois caracteres - político e social; e não poderemos nós temer a
repercussão com caráter social? Estes boatos, que há dias aparecem no Brasil, não
devem despertar nossos receios?". O pernambucano Joaquim Nabuco, na época,
referindo-se à Praieira, foi direto ao assunto: "A política complicava-se com o fermento
socialista" .

Esse temor de passar das rebeliões políticas para as revoluções sociais tinha
então o significado de saltar do liberalismo para a democracia. E era exatamente o que as
camadas dominantes brasileiras pretendiam a todo custo evitar.

As propostas vencidas. A rebelião praieira foi o último movimento liberal a


defender o modelo descentralizado de poder. Havia outras propostas, mais radicais,
representadas por Borges da Fonseca e pelo jornalista e professor Antônio Pedro de
Figueiredo.

Borges da Fonseca, fundador do jornal O Repúblico, era um dos defensores da


democracia e, como tal, tinha preocupações sociais. Para ele era necessário combater a
pobreza, oferecer garantias de trabalho, adotar o sufrágio universal e o regime
republicano.

Antônio Pedro de Figueiredo, embora aceitase o modelo agroexportador e a


centralização política, também saiu em defesa da população livre empobrecida. Tinha em
mente uma reforma agrária baseada num imposto territorial aplicado às terras
improdutivas e sonhava com um país de pequenos e médios proprietários rurais.
Ambos os projetos - de Borges e de Figueiredo - não foram incorporados pelos
praieiros, que não eram propriamente democratas. Apesar da ligeira diferença entre os
pensamentos de Borges e Figueiredo, foi este último que melhor compreendeu o sentido
das revoluções de 1848 em seus escritos na revista Progresso. Ao contrário de Paula
Sousa, Antônio Pedro de Figueiredo referiu-se com certa simpatia às agitações
revolucionárias européias. Vejamos qual era a sua interpretação: "No número precedente
dissemos que a questão que se ventilava em França era mais social que política - era a
luta entre o capital e o trabalho: entre uma minoria de privilegiados e a imensa maioria da
nação. O mundo não será sempre patrimônio de alguns privilegiados; ao passo que a
imensa maioria se estorce sob as angústias da miséria. As máximas selvagens de
Malthus e J. B. Say já reinaram; e tempo de cederem lugar a outras máximas mais justas
e generosas".

Sob todos os pontos, a citação acima permanece atual, o que mostra a agudeza
com que Antônio Pedro de Figueiredo compreendeu o socialismo, ao mesmo tempo em
que negou, nas figuras de Malthus e de Say, o liberalismo. Figueiredo foi ainda autor de
notáveis observações, em tom profético e esperançoso. Referindo-se aos operários
socialistas de Paris, logo após a derrubada de Luís Filipe I e a formação do governo
provisório da Segunda República francesa, Antônio Pedro de Figueiredo escreveu: “Nem
se deve deduzir do que fica exposto (...) que os insurgentes de junho [referência aos
operários], e nós também, pretendemos revolver totalmente a sociedade para reorganizá-
la; bem sabemos que estas revoluções radicais são obra do tempo, e apenas meia dúzia
de exaltados podem conceber a esperança de realizá-las imediatamente; mas o que
pretendiam os revolucionários de junho, o que nós também pretendemos, é que o
governo, como representante da sociedade inteira, intervenha nos fenômenos de
produção, distribuição e consumo, para regulá-los e substituir pouco a pouco uma ordem
fraternal à desgraça do estado de guerra que ora reina nestas importantes manifestações
da atividade humana. Os nossos votos hão de ser realizados”.

A sintonia de Figueiredo com os socialistas franceses era perfeita. Até o detalhe


de confiar na boa-fé dos governantes, esperando deles uma benéfica interferência na
economia favorável às camadas populares.

A situação do Brasil, entretanto, era mais complicada e não tinha sentido falar em
"máximas mais justas e generosas" num país escravista. Certamente, a circulação de
idéias socialistas era um bom avanço, mas na longa noite da escravidão não passavam
de ideais abstratos e irrealizáveis, valendo apenas como esperança de que "hão de ser
realizados".

O Apogeu do Império e o Rei Café (1850 – 1870)

Café: base econômica do Segundo Reinado. A superação da crise regencial, a


reorientação centralista e conservadora e a conseqüente estabilidade do Império a partir
de 1850 encontram-se intimamente relacionadas à economia cafeeira.

Como vimos, a estrutura econômica e social do Brasil não havia sido alterada
com a emancipação política e continuava, em essência, tão colonial e escravista quanto
fora durante o período colonial. Estruturada para a monocultura, a economia colonial e
escravista no Brasil prosperou quando produziu uma mercadoria de grande aceitação no
mercado europeu e, também, quando não era ameaçada pela concorrência. Assim
aconteceu com o açúcar no passado e agora com o café, em meados do século XIX.
Desenvolvendo-se principalmente no sudeste (Rio, Minas e São Paulo), a
cafeicultura forneceu uma sólida base econômica para o domínio dos grandes
proprietários daquela região e favoreceu, enfim, a definitiva consolidação do Estado
nacional.

Origem do café. A produção e o consumo do café tiveram origem entre os árabes,


e esse produto era conhecido pelos europeus desde o século XVI. Seu consumo no
Ocidente começou em Veneza, em meados do século XVII, difundindo-se rapidamente. A
demanda do novo produto, daí em diante, só aumentou. Já no século XVIII sua produção
tinha atingido as Antilhas e, no seguinte, o Brasil, onde em pouco tempo superou todas as
culturas tradicionais.

Os investimentos iniciais. Tornando-se um novo e principal produto de exportação


a partir do século XIX, o café ocupou, de início, regiões vizinhas da capital brasileira. - o
Rio de Janeiro. Ali encontrou uma infra-estrutura já montada, reaproveitando a mão-de-
obra escrava disponível em virtude da desagregação da economia mineira. Além disso,
favoreceram enormemente a nova cultura. A abundância de animais de transporte (mulas)
e a proximidade do porto, que facilitava o seu escoamento para o exterior. Portanto, sem
grandes dificuldades, com os próprios recursos existentes e disponíveis, deu-se o impulso
inicial à economia cafeeira.

Comparação com a economia açucareira. O café não requeria grandes e vultosos


investimentos, como a montagem do engenho. Eram necessários: tanques para a
lavagem do grão depois da colheita, terreiro onde espalhar e secar o café e máquinas de
decorticação, triagem, etc., que eram mais simples e de fabricação local. Portanto, nos
seus primórdios, a cultura cafeeira baseava-se na utilização do fator terra e dependia do
movimento da mão-de-obra. Como o cafezal é uma cultura perene, o crescimento da
economia cafeeira dependia quase que exclusivamente do suprimento de escravos.

Outro aspecto diferenciava ainda a economia açucareira da cafeeira. Pelo fato de


encontrar-se em plena vigência do regime colonial, a economia açucareira, desde a sua
origem, caracterizou-se pelo divórcio entre as etapas da produção e da comercialização,
sendo todas as decisões tomadas na última etapa - o comércio.

Dessa maneira, eram os comerciantes que se apropriavam da parte maior,


permanecendo os senhores de engenho como seus sócios menores. Na economia
cafeeira, a importância do comerciante continuou enorme e decisiva, mas o fato de ter se
constituído nos quadros de um país politicamente emancipado deu ao produtor um
espaço maior de liberdade e atuação. Segundo as palavras do economista Celso Furtado,
“desde o começo, sua vanguarda [os cafeicultores] esteve formada por homens com
experiência comercial. Em toda a etapa de gestação, os interesses da produção e do
comércio estiveram entrelaçados. A nova classe dirigente formou-se numa luta que se
estende em uma frente ampla: aquisição de terras, recrutamento de mão-de-obra,
organização e direção da produção, transporte interno, comercialização nos portos,
contatos oficiais, interferência na política econômica e financeira”.

A expansão cafeeira – Na primeira década do século XIX, a cultura cafeeira já


havia atingido o Rio de janeiro, começando pelo litoral - Angra dos Reis e Parati -, em
direção a São Paulo: Reis Caraguatatuba. Porém, foi no vale do Paraíba que o café
prosperou.
O vale do Paraíba. A fixação do café no vale do Paraíba deveu-se às condições
geográficas excepcionais: clima adequado, regularidade das chuvas, etc.

De 1830 a 1880, aproximadamente, toda a energia econômica voltou-se para o


cultivo do café, que então era vendido, sem concorrência, ao mercado europeu em
expansão. Tornou-se, por isso, o estabilizador da economia do Império, a ponto de se
dizer, na época, que "o Brasil é o vale".

Entretanto, a economia cafeeira não alterou os quadros sociais herdados do


passado colonial. Ao contrário, ela fortaleceu a escravidão, a grande propriedade, a
monocultura e a produção voltada para o mercado externo. Como no passado, a
cafeicultura caracterizouse por ser uma cultura extensiva e predatória. Em conseqüência
disso, o solo esgotou-se rapidamente no vale do Paraíba e a cultura cafeeira ali entrou em
declínio.

O Oeste Paulista – A estagnação e decadência do vale do Paraíba não significou,


contudo, a decadência da cafeicultura, que encontrou no Oeste paulista um novo alento.
Seu núcleo inicial foi Campinas (Oeste velho), difundindo-se para Moji-Guaçu e chegando
à região de Ribeirão Preto (Oeste novo) por volta de 1880. Em seguida, a cultura se
expandiu para o extremo Oeste paulista e atingiu o Paraná já no início deste século.

Diferenças entre o vale do Paraíba e o Oeste paulista. Em termos topográficos


havia diferenças significativas entre o vale e o Oeste paulista. Devido ao terreno
acidentado, o plantio do café no vale do Paraíba era descontínuo, realizado nas encostas
dos montes. Já no Oeste paulista, o plantio ocupava ininterruptamente vários quilômetros
quadrados de solo excepcionalmente fértil: a terra roxa, oriunda da decomposição das
rochas vulcânicas. Assim, embora o sistema de cultivo fosse o mesmo, a regularidade do
relevo favorecia a melhor conservação do solo no Oeste paulista, assegurando por mais
tempo a qualidade do café. A isso deve-se acrescentar que o escoamento do pro duto era
beneficiado por um custo menor, graças às redes viárias disponíveis.

O deslocamento do café para o Oeste paulista valorizou o porto de Santos; com a


expansão do café para o interior, a partir de Campinas, tornou-se necessário solucionar a
questão do transporte até o porto de Santos.

De início, utilizou-se o transporte animal. Porém, à medida que as distâncias


aumentaram e o volume da safra se multiplicou, por iniciativa dos próprios cafeicultores as
estradas de ferro foram sendo construídas: a São Paulo Railway, ligando Santos a Jundiaí
(1868); a Ituana, ligando Itu a Campinas (1873); a Mogiana e a Sorocabana, que
começaram a ser construídas em 1875.

A Modernização

A dinamização da economia. Com o desenvolvimento da cafeicultura um novo


equilíbrio foi estabelecido. Desde 1860, os superávits tornaram-se constantes nas
relações comerciais com o exterior, ajustando novamente a economia brasileira ao
mercado internacional.

Em sua relação com o exterior, a tarifa Alves Branco (1844) representou uma
mudança significativa, ao elevar os direitos alfandegários de 15% para 30%.
Internamente, para o Estado, isso representou melhoria da arrecadação. A abolição do
tráfico (1850), por sua vez, liberou capitais que foram redirecionados para a aplicação no
mercado interno.

Assim, em contraste com o período anterior da Regência, bastante conturbado,


teve início no Brasil uma nova era de relativa prosperidade. "Pode-se dizer", afirma o
historiador Caio Prado Jr. , "que é nesta época que o Brasil tomará pela primeira vez
conhecimento do que fosse o progresso moderno e uma certa riqueza e bem-estar
material.”

A reunião de fatores favoráveis - tarifa Alves Branco, abolição do tráfico e


ascensão do café - estimulou uma onda de empreendimentos urbanos: “fundaram se”,
afirma o historiador Nelson Werneck Sodré, “62 empresas industriais, 14 bancos, 3 caixas
econômicas, 20 companhias de navegação a vapor, 23 de seguros, 4 de colonização, 8
de mineração, 3 de transportes urbanos, 2 de gás, 8 estradas de ferro”.

Nesse surto de empreendimentos, destacouse, quase como símbolo desse


tempo, Irineu Evangelista de Sousa, barão de Mauá, pela ousadia de sua atuação. Como
empresário, investiu nos mais variados setores da economia urbana: produção de navios
a vapor, estradas de ferro, comunicações telegráficas, bancos, etc.

Apesar de ter iniciado a sua atividade comercial já na década de 1830, e ter


criado o primeiro estaleiro da América do Sul por volta de 1846, a maioria de seus
empreendimentos de grande envergadura concentraram-se na década de 1850. Porém,
esses empreendimentos não tiveram continuidade e já se encontravam seriamente
ameaçados em 1864, data em que ocorreu uma grave crise bancária. Finalmente Mauá
faliu em 1873.

Imigrantes para o Café: Café e Sociedade em São Paulo THOMAS H.


HOLLOWAY

Política Externa do II Reinado e a Guerra do Paraguai (1865-1870)

Origens da Guerra

Os interesses em conflito – Durante cinco anos, o Brasil, a Argentina e o Uruguai,


apoiados financeiramente pela Inglaterra, fizeram uma guerra suja, que tinha por meta a
destruição do Paraguai. Esse confronto militar ficou conhecido como Guerra do Paraguai
e foi a mais longa e sangrenta das guerras ocorridas na América do Sul. Os motivos
dessa guerra foram muito complexos, pois abarcaram inúmeros interesses, que, por fim,
acabaram voltando-se contra o Paraguai. O terreno para compreender a origem do
conflito é o Prata, durante o processo de independência da região.

A origem dos países platinos. A Argentina, o Uruguai e o Paraguai faziam parte


do Vice-reino do Prata, uma possessão espanhola.

Em 1810, quando a Argentina proclamou a sua independência --- posteriormente


reafirma da em 1816 no Congresso de Tucumán -, deuse o primeiro passo no sentido da
independência total do Prata da dominação espanhola.

Em 1811, José Gaspar Rodríguez Francia proclamou a independência do


Paraguai. Mais tarde, em 1828, o Uruguai libertou-se do Brasil, formando um outro país
independente. Com isso, desfez-se a antiga unidade do Prata.

A fragmentação do antigo Vice-reino não estava, contudo nos planos dos


poderosos comerciantes de Buenos Aires, que esperavam manter a unidade sob sua
direção. Isso equivalia a dominar e anexar o Paraguai e o Uruguai.

O Paraguai, considerado por Buenos Aires uma província argentina, tinha motivos
de sobra para temer por sua independência. Situado no interior do Prata, sem acesso
direto ao mar, encontrava-se à mercê de Buenos Aires, que controlava o estuário. É fácil
perceber que, para o Paraguai, o direito de navegar com segurança e a garantia de
manter aberta a sua comunicação com o exterior eram questões vitais.

Os ditadores paraguaios. Por tudo isso, o Paraguai era um país vulnerável.


Bastaria bloquear o estuário do Prata ou qualquer trecho do rio Paraná para que o seu
isolamento do resto do mundo fosse completo. Assim, desde a sua independência, o
Paraguai desenvolveu uma política voltada para dentro, a fim de depender o mínimo
possível do exterior. Essa política foi inaugurada por Francia (1811-1840) e aprimorada
por Carlos Antonio López (18401862) e seu filho e sucessor Francisco Solano López
(1862-1870). Foram esses os três ditadores que imprimiram ao Paraguai uma direção
histórica peculiar.

O modelo paraguaio. Francia compreendera muito cedo que o desenvolvimento


do Paraguai com base numa economia exportadora daria muitos poderes aos grandes
proprietários rurais e à burguesia mercantil. Dependendo do mercado externo, dependeria
igualmente de Buenos Aires, pois a produção teria que ser embarcada ali, com o devido
pagamento de taxas. Os grandes proprietários e comerciantes paraguaios fariam então
concessões a Buenos Aires, tendo em vista seus interesses particulares, mesmo à custa
da soberania do país. Grandes proprietários e comerciantes podiam ser considerados,
portanto, aliados em potencial de Buenos Aires; conseqüentemente, eram categorias
sociais perigosas para a segurança do Estado. Esse era o ponto de vista de Francia.

Entende-se, assim, por que Francia optou por um modelo econômico voltado para
dentro, com ênfase ao mercado interno. Para enfrentar o desafio, Francia estimulou as
pequenas e médias propriedades dirigidas à produção de alimentos para o consumo local;
confiscou, depois de lutas, as propriedades dos grandes empresários rurais e
monopolizou o comércio exterior.

A essa combinação de pequenas propriedades e economia com elevado grau de


estatização correspondeu, no âmbito político, um poder despótico e ditatorial. Portanto, os
traços que fizeram a originalidade paraguaia foram: pequena propriedade, estatização e
ditadura.

Lembremos apenas que a solução foi uma resposta à ameaça dos portenhos
(habitantes de Buenos Aires) contra a independência paraguaia, e não se deve concluir
que o modelo de desenvolvimento econômico foi livre opção de ditadores afeiçoados ao
povo. É inegável que o povo foi beneficiado, mas isso ocorreu como efeito indireto de uma
política apoiada na "razão de Estado”.

Os sucessores de Francia. Depois de ter governado por trinta anos, Francia foi
sucedido por Carlos Antonio López, que se preocupou em desenvolver a indústria. Em
vez de consumir divisas obtidas com as exportações de couro e erva-mate e com a
importação de manufaturas, o novo ditador tratou de equipar tecnicamente o país, visando
a produção interna. A criação da fundição de Ibicuí foi a mais famosa dessas iniciativas.
Ao lado disso, estudantes paraguaios eram mandados para o exterior e técnicos
estrangeiros eram contratados. Com Solano López chegou ao fim essa experiência
original. A guerra destruiu o país, que, embora não houvesse atingido um nível europeu
de desenvolvimento, tinha praticamente eliminado a miséria. Quando a guerra começou, o
analfabetismo era praticamente desconhecido no Paraguai.

O Confronto

As tensões no Prata. O Brasil e a Argentina eram os dois países mais poderosos


com interesses diretos na bacia do Prata e tinham no Uruguai um ponto muito sério de
atrito.

A situação da guerra civil uruguaia entre blancos (apoiados pela Argentina) e


colorados (apoiados pelo Brasil), que se vinha arrastando desde 1850, despertou
profundas preocupações no Paraguai.

Do ponto de vista paraguaio, a independência do Uruguai era a melhor garantia


para manter livre o trânsito no estuário do Prata. Qualquer outra solução punha em risco a
única saída do Paraguai para o mar. E isso era considerado intolerável.

O motivo imediato da guerra foi a intervenção do Império brasileiro em favor de


Venâncio Flores, chefe colorado no Uruguai. Esse fato desfez o equilíbrio de forças no
Prata, alarmando o Paraguai, que se sentiu diretamente ameaçado pelo Império
brasileiro. Em represália, no dia 11 de novembro de 1864, Solano López ordenou que
fosse apreendido no rio Paraguai o navio brasileiro Marquês de Olinda, que conduzia o
presidente da província de Mato Grosso, fazendo-o prisioneiro. Sem perda de tempo, as
relações com o Brasil foram rompidas e já no mês de dezembro o Mato Grosso foi
invadido. Em março de 1865 as tropas de Solano López penetraram em Corrientes
(Argentina), visando o Rio Grande do Sul e o Uruguai.

A firme e fulminante iniciativa de López, procurando o rápido domínio do sul de


Mato Grosso, de Corrientes, do Rio Grande do Sul e do Uruguai, mostrou que o ditador
paraguaio tinha um plano prévio e definido. Esse projeto era o de transformar o Paraguai
numa potência continental hegemônica - o Paraguai Maior - que teria por base o território
das antigas missões jesuíticas.

Além disso, a pronta mobilização de 64 mil homens, contra os 18 mil do Brasil e


os mil do Uruguai, demonstrou que o Paraguai não estava improvisando em matéria
militar. É o que sugere a conclusão de que, além da política visando a auto-suficiência
econômica para diminuir o grau de vulnerabilidade, os ditadores paraguaios não haviam
descuidado de um preparo militar adequado.

O Significado da Guerra – Em 1864, diante das agressivas e decididas ofensivas,


estava claro que o Paraguai havia se transformado, à sombra da rivalidade entre Brasil e
Argentina, numa potência respeitável e desafiadora. A política iniciada por Francia estava
dando os seus frutos: uma economia sólida e uma força militar considerável.

Mas foi precisamente devido ao êxito dessa política que se alterou a correlação
de forças na região, favorecendo a aliança entre Brasil e Argentina, que esqueceram
momentaneamente suas diferenças a fim de impedir a emergência de uma terceira
potência no Prata. E isso interessava também a um outro país: a Inglaterra.

O Brasil e a Argentina estavam perfeitamente integrados à ordem mundial,


dominada pela Inglaterra. Não era o caso do Paraguai, que adotara uma política de pouca
dependência em relação ao exterior. Já por isso, era razoável supor que a Inglaterra
tomaria partido dos países que, em 1° de maio de 1865, formaram a Tríplice Aliança:
Brasil, Argentina e Uruguai. Havia outros motivos ainda.

Quando a Guerra do Paraguai começou, em 1865, a Inglaterra acabara de


aprender a lição com a Guerra de Secessão (1861-1865) dos Estados Unidos: a de que
não deveria depender de um único fornecedor. A Inglaterra importava algodão, que era a
matéria-prima de seu principal ramo industrial - a fabricação de tecidos -, dos estados
sulistas norteamericanos. Com a Guerra de Secessão, o fluxo de matéria-prima foi
interrompido, ameaçando a indústria têxtil inglesa. Assim, a Inglaterra começou a buscar
a diversificação de suas fontes de suprimentos. Nesse quadro, países como o Paraguai,
fechados para o mercado externo, estavam fora de cogitação. Por isso, a destruição do
sistema vigente no Paraguai harmonizava-se com a nova política inglesa.

Com esse propósito, a Inglaterra sustentou financeiramente a Tríplice Aliança


contra o Paraguai e foi a principal beneficiada pela sua derrota.

O exército brasileiro. Apesar de sua imensidão territorial e densidade


populacional, o Brasil tinha um exército mal-organizado e muito pequeno. E, na verdade,
tal situação era reflexo da organização escravista da sociedade, que, marginalizando a
população livre não proprietária, dificultava a formação de um exército com senso de
responsabilidade, disciplina e patriotismo. Além disso, o serviço militar era visto como um
castigo sempre a ser evitado e o recrutamento era arbitrário e violento. Um reforço era,
portanto, necessário.

Para enfrentar o Paraguai, recorreu-se à Guarda Nacional e à formação dos


Voluntários da Pátria, organizados em batalhões que incluíam maciçamente negros
alforriados.

Vitória dos aliados. Foi no setor naval que o Brasil, mais bem preparado, ' infligiu,
logo no primeiro ano de guerra, uma pesada derrota aos paraguaios na batalha do
Riachuelo, sob o comando do almirante Barroso. No ano seguinte, 1866, as forças aliadas
procuraram invadir o território paraguaio, tentando desfazer o forte esquema defensivo
montado por Solano López na confluência dos rios Paraguai e Paraná. Ali os paraguaios
sofreram nova derrota na batalha de Tuiuti. Nesse mesmo ano de 1866, desentendi-
mentos entre Venâncio Flores (Uruguai) e Mitre (Argentina) fizeram ambos se retirarem
do combate, deixando o Brasil praticamente sozinho na guerra. No final de 1866, ainda
um outro evento importante aconteceu: o comando das tropas brasileiras foi entregue a
duque de Caxias, que organizou o exército, dando-lhe novo alento.

Em 1867, a atuação de Caxias no exército se fez notar com o isolamento da


fortaleza de Humaitá, principal ponto de defesa paraguaia, na confluência dos rios
Paraguai e Paraná.

No ano seguinte, 1868, finalmente, caiu a resistência paraguaia em Humaitá.


Novas vitórias de Caxias ocorreram nas batalhas de Avaí, Itororó e Lomas Valentinas.
No ano de 1869, Caxias finalmente chegou a Assunção, enquanto Solano López
recuava para Peribebuí, depois para Cerro-Corá, onde resistiu até 1° de março de 1870,
quando foi derrotado e morto.

O estabelecimento da paz. Embora a guerra tenha terminado em 1870, os


acordos de paz entre os quatro países não foram concluídos de imediato. As negociações
foram obstadas pela recusa argentina em reconhecer a independência paraguaia, o que
foi feito somente na Conferência de Buenos Aires, em 1876, quando a paz foi
definitivamente estabelecida.

Conseqüências da guerra. Naturalmente, o país que mais sofreu com a guerra foi
o Paraguai, que teve seu território devastado e sua população dizimada, marcando
profundamente sua história a partir daí.

Para o Brasil, que sustentou praticamente sozinho a guerra, as conseqüências


foram também desastrosas. De fato, a monarquia teve de concentrar esforços para
vencer o Paraguai, e isso contribuiu em grande parte para trazer à tona as contradições
do Império brasileiro: a escravidão, que até então se mantinha como sua mais sólida
base, começou a ser contestada com grande intensidade. Ao mesmo tempo, ao se
fortalecer, o Exército, que então superou a tradicional Guarda Nacional, tomou
consciência de seu poder, recusando as lideranças civis que ocupavam as pastas
militares. Assim, na Guerra do Paraguai, embora o Brasil tenha saído vitorioso, a
monarquia foi derrotada. Seu declínio foi concomitante à guerra, e as críticas atingiram o
seu ponto vital: a escravidão. Por essa brecha que se abriu, os ideais republicanos se
propagaram.

Evolução Política do Brasil durante a Guerra do Paraguai

As modificações no cenário político. Bem antes da Guerra do Paraguai, criou-


se no Brasil o cargo de presidente do Conselho de Ministros, em 1847, que dera origem
ao nosso "parlamentarismo às avessas”. Dessa data, até a guerra, os dois partidos -
Liberal e Conservador - vinham regularmente se alternando no poder. A vida política
continuou bastante agitada. No Segundo Reinado foram formados 36 gabinetes ou
ministérios, geralmente de curta duração, e por nove vezes a Câmara foi dissolvida pelo
imperador. Contudo, as rivalidades entre liberais e conservadores que deram origem a
essas mudanças de gabinete, como já mencionamos, não eram profundas porque os
partidos se entendiam no essencial: ambos eram escravistas. Discordavam apenas
quanto à forma da organização administrativa: os conservadores eram acentuadamente
centralistas, ao passo que os liberais inclinavam-se pela descentralização. Graças a essa
identidade de princípios, através de um acordo, liberais e conservadores começaram a
governar juntos, inaugurando a era da conciliação em 1853, que perdurou até 1868.

A conciliação. A era da conciliação iniciouse com Honório Carneiro Leão -


marquês de Paraná -, que formou o chamado Ministério da Conciliação, em 1853,
composto tanto por liberais quanto por conservadores.

A conciliação caracterizou-se pela alternância pacífica entre liberais e


conservadores, que adotavam a mesma política, tanto no governo quanto na oposição.

Porém, já por volta de 1860, a situação do país começava a se modificar. De um


lado, a expansão cafeeira estava transformando a feição do Brasil e, de outro, a abolição
do tráfico negreiro em 1850 havia colocado a escravidão em xeque. Por fim, a eclosão da
Guerra do Paraguai (1865-1870) pôs fim ao clima de entendimento político.

Um dos sintomas da crise da política de conciliação foi a criação da Liga


Progressista (1861), por um grupo de conservadores que evoluíram para uma posição
moderadamente liberal, que, no entanto, se dissolveu em 1864. Paralelamente,
ressurgiram tendências políticas mais radicais que iriam desembocar, futuramente, na
fundação do Partido Republicano.

Com a radicalização das posições políticas, o imperador interferiu pessoalmente a


favor dos conservadores.

D. Pedro II havia colocado o marquês de Caxias na direção da guerra contra o


Paraguai. Caxias, entretanto, desentendeu-se com o Gabinete de Conciliação chefiado
por Zacarias de Góis. O imperador resolveu, então, compor um gabinete totalmente
afinado com Caxias - um conservador -, rompendo com o espírito da conciliação. Com a
queda do Gabinete Zacarias, em 1868, encerrou-se, portanto, a era da conciliação.

Daí para a frente, as facções políticas tenderam à radicalização. Depois de 1870,


com o fim da Guerra do Paraguai, o republicanismo ganhou um grande impulso, na
mesma medida em que a monarquia foi se debilitando. Estava preparado o terreno para a
queda da monarquia.

A Revolução Farroupilha no Cenário Mundial de Sua Época e o Papel da


Maçonaria
Sérgio Augusto Pereira de Borja

Para melhor entendermos a Revolução Farroupilha é mister que passemos ,em


retrospectiva, uma vista de olhos sobre o cenário europeu, que sem sombra de dúvidas,
sempre, no passado e ainda no presente, influenciou e ainda influencia, a história, a
economia e a política Americana. Com a independência dos EUA em 1776, através de
uma guerra que teve sua culminância em 1777, com os 10 artigos da confederação, e
posteriormente com seu zênite em 1787, quando da promulgação da Constituição de
Filadélfia, iniciou-se um processo revolucionário,que como um rastilho, percorreu as três
Américas, de norte a sul, acendendo a flâmula libertária da luta pela independência neste
continente. Quais as razões que orientaram os libertadores ? Que tipos de interesses
jaziam subjacentes a estes movimentos ? As perguntas multiplican-se e exigem respostas
baseadas em pesquisas idôneas.

No século XVIII, século das luzes e das revoluções, vamos constatar um grande
movimento revolucionário que interliga duas nações : França e Estados Unidos. A
liberdade americana literalmente é um presente francês (não só a estátua que ornamenta
Nova York). No período de 1765-1776, o governo inglez estabeleceu impostos novos
sobre o papel selado, o vidro, e o chá. Os espíritos se exaltaram, em Bóston, sobretudo.
Os americanos reclamaram o direito de votar os impostos e deitaram ao mar
carregamentos de chá vindos da Inglaterra. Três anos mais tarde pricipitou-se a guerra
contra a metrópole. Washington dispunha só de 14000 soldados. Compreendendo o
perigo designou Benjamim Franklin para conseguir acordos junto ao soberano francês
Luiz XVI, obtendo deste , um tratado de aliança ofensivo e defensivo. Em 1781
Washington, Rochambeau,e La Fayette derrotaram o general inglez Cornwallis, em
Yorktow, propiciando para sempre a independência americana, agora, reconhecida pela
velha Albion. Mas esta vitória francesa, causou , posteriormente a destruição da sua
monarquia, pois debilitada economicamente pela guerra no teatro americano, fator este
que somou-se a outros enumerados pelos historiadores, tais como: a reforma,
reclamações da nação, doutrinas dos filósofos e literatos (Voltaire, Rosseau, os
enciclopedistas), impostos taxados sobre a burguesia, etc. Ora, desvendando-se o véu
das aparencias vamos constatar detalhes que passam desapercebidos sobre a ótica de
olhos comuns. Os historiadores, Manoel Rodrigues Ferreira e Tito Livio Ferreira, ambos
maçons, ao relatarem no seu livro, a Maçonaria na Independência Brasileira (Editora
Gráfica Biblos - 2 vol - pág. 108 á 118 ) identificam em Benjamim Franklin, um dos
patronos da independência americana, como maçon. E vão mais longe, identificam duas
maçonarias, uma azul e outra vermelha. A maçonaria azul seria a inglesa, anticatólica,
protestante, que teria erguido as quatro colunas ou o governo "oculto" da Grã-Bretanha,
que se exteriorizaria, conforme o preconizado por Guilherme de Orange , nas quatro
instituiçoes da nação inglesa, o Foreign Office, o Almirantado, o Banco da Inglaterra e o
Intelligence Service. Ora, ainda conforme estes autores, a maçonaria azul, vai criar na
França a maçonaria vermelha, visando desestabilizar a monarquia francesa, sua arqui-
inimiga. Assim é que são criadas lojas francesas dirigidas pelo duque d'Antin e pelo conde
de Clermont, dois teleguiados, no dizer dos autores. Em 1772 é fundado o Grande Oriente
da França, e lá estão escritos os nomes dos revolucionários franceses ou intelectuais da
mesma entre os conhecidos Rousseau, Montesquieu, Siéyés, Saint-Etienne. Assim
funciona a Loja das Nove Irmãs. Mas se a maçonaria francesa é criada como "longa
manus" da britânica, com finalidades escusas (atribuidas aos ingleses) ela adquire
através de sua práxis um destaque maior, através dos ideais maçonicos refletidos por
seus próceres , que aderem, a ideologia revolucionária e se traduzem no republicanismo
que sob a égide de Napoleão, vai alastrar-se pelo mundo, como doutrina subversiva do
status quo monárquico até então vigente. Com a morte de Luiz XVI, guilhotinado pela
revoluçao, as monarquias européias, estabeleceram coligaçoes contra a França
(intituladas de Santa Aliança): a Inglaterra, a Prussia e a Austria, posteriormente, Russia,
pois a revolução começava a exportar seu ideário através da implantação de pequenas
repúblicas,na Holanda, Suiça e Itália. Napoleão logo, depois da campanha vitoriosa na
Itália, empolga o poder e assume o controle do consulado. Em 1804 é coroado em
Amiens, Imperador, posteriormente, decreta o Grande Bloqueio Continental à Inglaterra,
não permitindo o acesso de suas mercadorias ao continente. Em 1807, Napoleão invade
a Espanha e Portugal com tropas sob o comando de Junot. D. João VI , aliado inglês, vai
fugir para o Brasil numa frota inglesa comandada pelo almirante Sidney Smith. Em 1812,
Napoleão, num prenúncio da grande débâcle que se segue, expande seu império até
Moscou que é incendiada pelos russos. Napoleão que foi a Russia com um exército de
600.000 homens volta com um destroço de somente 20.000 homens. Isolado em Elba e
posteriormente prisioneiro em Sta.Helena vê seu império destroçar-se. Mas o ideal
republicano francês é disseminado pelo mundo inteiro através da trilogia da liberdade,
igualdade, fraternidade. O império colonial espanhol destroça-se completamente. Simon
Bolivar, perante reunião da Sociedade Patriótica na noite de 13 de julho de 1811 clama,
segundo Indalécio Aguirre, no livro intitulado Bolivar: "Se discute em el Congresso
Nacional lo que debiera estar decidido. I que dicem ? Que debemos comenzar por una
Confederación. Como si todos no estuviéramos confederados contra la tirania extranjera !
Que nos importa que Espana venda a Bonaparte sus esclavos , o que los conserve, si
estamos resueltos a ser livres ? Trescientos anos de calma no bastam ? Se quieram otros
trescientos todavia ? ...Pongamos sin temor la piedra fundamental de la libertad
sudamericana." Assim, se inicia a saga americana em busca pela liberdade. Também ,
em 1811, a 11 de abril, no Quartel General de Mercedes, José Artigas, patrono da
independencia uruguaia, no proclama de Mercedes, conforme Oscar Bruschera, fls. 66,
brada: "A empresa , compatriotas ! que o triunfo é nosso:vencer ou morrer seja nosso
lema; e tremam, tremam estes tiranos por terem excitado vossa ira, sem advertir que os
americanos do sul estão dispostos a defender sua pátria e preferen morrer com honra que
viver com ignomínia em afrontoso cativeiro." É o mesmo Artigas que em 1819 escreve a
Simon Bolivar oferecendo um tratado de reciprocidade afirmando: Unidos intimamente
lutamos contra tiranos que intentam profanar nossos mais sagrados direitos. ( Oscar
Bruschera fls. 175). E é neste mesmo Artigas, que vamos identificar, no cerne do seu
pensamento a idéia da Pátria Grande do Prata, que nos dá condições de entender a
revolução farropilha em razão do contexto geo-político onde está inserido o Rio Grande
do Sul. Artigas sonhava com um pais que estendia-se pelos territórios do que são hoje,
Paraguai, as províncias argentinas de Corrientes, Entre-Rios e Missiones e as Missões
Brasileiras, desenhadas entre os rios Uruguai, Ibuicuí , Bacacai e Santamaria. Ora, se
com relação as ex-colonias espanholas a expansão napoleônica agiu como uma enzima
catalizadora do processo de libertação, pois provocou a desarticulação da metrópole e a
fragmentação dos Vices reinados que eram em número de quatro: o do México ou Nova
Espanha, o da Nova Granada, o do Perú e o de Bueno Aires ou La Plata, com relação ao
Brasil, houve exatamente o contrário, pois a corte portuguesa deslocando-se da
metrópole e transferindo-se para o Brasil, consolidou ainda mais o poder lusitano no
continente americano protelando sua guerra de libertação e independencia. Só em 1820,
com a revolução constitucionalista na cidade do Porto, revolução esta sob a égide dos
ideais republicanos franceses ali deixado pelos invasores é que o Rei portugues , Dom
João VI, retorna a Portugal em 1821, depois de ter jurado uma constituição sem ao menos
conhecer seu texto e ficando bem dizer, um títere das cortes preso como estava no
palácio de Queluz. Neste momento é que vamos ter iniciado o processo de independência
com resultados reais. Anteriormente já havíamos tido a Inconfidência, ideário maçonico,
como atesta o triangulo que orna o lema libertas quae sera tamem , coincidentemente no
mesmo ano de 1789, ano da revolução francesa e da proclamação do Bill of Rights
Americano. Manoel Ferreira, estabelece inclusive vínculos da maçonaria brasileira com a
americana neste respeito (fls 112) diz que o estudante, conforme autos da devassa da
Inconfidência , José Joaquim de Maia teria entrado em contato com o embaixador
americano em Paris, Thomás Jefferson, na faculdade de Montpellier. É ainda, o mesmo
autor, que identifica na maçonaria azul, monárquica, instalada no Senado da Câmara de
São Paulo, cujo representante maior é José Bonifácio de Andrada, que pretende a
independência brasileira sob um regime constitucional monárquico e por outro lado, a
maçonaria vermelha, instalada no Senado da Câmara do Rio de Janeiro, cujo prócer de
maior envergadura é Gonçalves Ledo, que pretende o Brasil independente como
república constitucional. São estas as visões que se digladiam sobre as aparências e os
movimentos dos personagens históricos coadjuvados pelos interesses ingleses, maior
potencia da época. A Inglaterra era o império onde o sol nunca se punha. Se perdera os
Estados Unidos, no entanto possuia Gilbraltar, as Guianas, a Africa , o Congo, a Austrália,
Nova Zelandia., a Grande Índia, Hong Kong, etc. E oBrasil, alinhava-se com a Inglaterra,
pois D. João VI, era aliado inglês, tanto é que abrira os portos as "nações amigas", leia-se
para a Inglaterra. Simon Bolívar identificou esta união pois dizia: (Opus citae fl 317): ...Me
han dicho, terminantemente, que yo debo ejercer el protectorado de la América, como
medio de salvarla de los males que la amenazan, muy particularmente por la actitud hostil
que ha tomado el Brasil contra Buenos Aires, ...Yo sé que emperador del Brasil está muy
orgulloso con la protección que le dispensa Inglaterra, y si usted ha visto las relaciones
que ha establecido sir Charles Stewart em Lisboa, conocerá que el emperador tiene
razón, no solamente para estar orgulloso, sino para esperar mucho de Inglaterra.
Además, no seria extraño que el emperador del Brasil esté destinado a ser el instrumento
de que se valga la Santa Alianza para destruir nuestras instituiciones liberales,
comenzando por Buenos Aires que es la parte mas débil." Não é só Bolívar que identifica
a ação dos interesses inglêses a afetar o hemisfério, o historiador León Pomer, ao
analisar no Livro a Guerra do Paraguai, afirma, citando textualmente o Imperador
brasileiro:
Mauá (Irineu Evangelista de Souza) é o berço mais poderoso do capitalismo
inglês nestas latitudes. Em 1862 produz-se uma grave tensão entre Saint James e o
governo do Imperador. Nessa oportunidade Mauá apressa-se a atuar como mediador. O
imperador afirma: "A título de que Mauá se metia nisso ? Como banqueiro e homem de
negócios com interesses e capitais intimamente ligados aos ingleses ? É mais do que
suspeito". Quem diz isto é o senhor Bragança. (fls 119 opus citae). É neste cenário que se
dá a luta de secessão do Rio Grande identificada com a maçonaria vermelha, isto é,
republicana. Os irmãos Ferreira, no Livro a maçonaria na Independência afirmam que os
farrapos, quando tinham uniformes, os usavam da cor vermelha. Na bandeira gaúcha,
também, como se pode verificar, estão todos os símbolos e as cores maçonicas. Assim
passamos a resumir a revolução gaúcha, conforme o descrito por Paulo Bonavides, em
sua história constitucional do Brasil (Ed. Paz e Terra - fls 175).

Em 1824, ano da outorga da Carta Constitucional pelo Imperador, após o golpe


que dissolveu a Assembléia Constituinte, eclodiu logo após a revolução nordestina, cujo
lider foi Frei Caneca. Esta revolução teria proclamado a confederação do Equador, com
os mesmos ideais que adornaram posteriormente a revolução farrapa. Não conseguiu, no
entanto esta revolução sobreviver mais do que algumas semanas, ao contrário da
revolução gaúcha que sobreviveu anos. Se na revolução nordestina só nominalmente
houve governo e organização estatal, não passando tudo de um esboço ou quimera, logo
atropelada pela sucessão vertiginosa dos eventos militares adversos;aqui ao contrário, a
República, uma vez proclamada, configurou-se qual um poder estabelecido, apto a
sustentar por mais tempo, e não raro com algum êxito, as bases de uma organização de
governo e Estado, em que avultou sobretudo a convocação e o funcionamento de uma
Constituinte e a elaboração de um projeto constitucional. Aqui, exatamente, tínhamos
como vizinhas duas repúblicas simpatizantes , adversas ao império e que simpatizavam
com a causa dos insurrectos o que tornava, política e geográficamente ,a sustentação da
luta pelos riograndenses. Assim foi, que as tensões entre liberais (vermelhos) e
conservadores (azuis) ou caramurús, aprofundadas com o que Felisbelo Freire
caracterizou como os excessos imperiais relativos ao peso de exorbitantes impostos, pois
"eram os produtos rio-grandenses vencidos pela concorrência dos platinos nos mercados
gerais; ao Rio Grande faltavam serviços necessários ao seu desenvolvimento, parte de
suas vendas eram drenadas em suprimentos à Província de Santa Catarina; cancelara-se
a dívida do tesouro de São Paulo ao do Rio Grande, mas concedia-se àquele impostos de
introdução de animais que este para ali exportava; e, não satisfeito, o Império criava
direitos vexatórios sobre os chapeados, as esporas e os estribos." A chamada Guerra dos
Farrapos principiou a 20 de setembro de 1835, com a deposição do Presidente da
província, Antônio Rodrigues Fernandes Braga. Nesse dia, em razão do levante,
embarcou ela para o Rio Grande onde se refugiou. Ocupada a capital, Porto Alegre, pelos
revolucionários, empossaram estes perante a Câmara Municipal, na ausência dos três
primeiros v ice-presidentes, o quarto vice-presidente, Marciano Pereira Ribeiro. Bento
Gonçalves, 5 dias depois, lavra um manifesto, de seguinte teor: "Conheça o Brasil que o
dia vinte de setembro de 1835 foi a consequencia inevitável de uma má e odiosa
administração; e a que não tivemos outro objeto, e não nos propusemos outro fim, que
restaurar o império da lei, afastando de nós um administrador inepto e faccioso,
sustentando o trono de nosso jovem monarca, e a integridade do império. Sim
compatriotas, devemos ao Brasil, que neste momento tem seus olhos fitos em nós, esta
manifestação tanto mais sincera e pronta, quanto maior é o dever em que nos achamos
de desvanecer os temores com que nossos inimigos o quiseram aclamar, acusando-nos
de sustentar vistas de desunião e república. Desgraçadamente nesta província, como nas
demais do Império, existe uma facção retrógrada adversa por princípios e interesses à
nova ordem, de coisas, e inimiga implacável de todos aqueles que professam decidido
amor às liberdades pátrias. O Governo de facção desapareceu de nossa cena política, a
ordem se acha restabelecida. Com este triunfo dos princípios liberais minha ambição está
satisfeita, e no descanso da vida privada, a que tão somente aspiro, gozarei o prazer de
ver-vos desfrutar os benefícios de um governo ilustrado, .liberal e conforme com os votos
da maioridade da província. Respeitando o juramento que prestamos ao nosso código
sagrado, ao trono constitucional e à conservação da integridade do império, comprovareis
aos inimigos de nosso sossego e felicidade, que sabeis preferir o jugo da lei ao dos seus
infratores, e que ao mesmo tempo nunca esqueceis que sois os administradores do
melhor patrimônio das gerações que vos devem suceder, que este patrimônio é a
liberdade, e que estais na obrigação de defendê-la à custa de vosso sangue e de vossa
existência. " Se na realidade deste manifesto se caracteriza em realidade somente um
rompimento com os conservadores corroborado pelo Vice-Presidente da Província,
Marciano Pereira Ribeiro, que proclamava: "Viva a integridade do Império ! Viva a uniào
Brasileira ! Viva o Sr. D.Pedro II, Imperador Constitucional do Brasil ! Vivam os
Riograndenses ! Viva o dia 20 de setembro ! " No entanto os caramurus, elementos
conservadores, minavam a manifestação liberal imputando-a de separatista e anti-
monárquica. Uma nova fase da guerra dos farrapos inaugura-se em 10 de setembro de
1836, após o combate ferido em 'Seival, quando o Gen. Antonio de Souza Neto, derrota
as forças legalistas de Silva Tavares, desbaratando os contingentes imperiais. Animados
pelo triunfo, no dia seguinte, em 11 de setembro de 1836, os vitoriosos, proclamaram a
República do Rio Grande independente, liberando-se dos laços com o Império. É no
Campo de Menezes que o chefe vitorioso em Seival, Antonio Netto , proclama: "Nós que
compomos a 1 Brigada do Exército Liberal, devemos ser os primeiros a proclamar, como
proclamamaos, a Independência desta Província, a qual fica desligada das demais do
Império e forma um estado livre e independente, com o título de República Rio-
Grandense, cujo manifesto ás Naçoes civilizadas se fará competentemente. Camaradas !
Gritemos, pela primeira vez: Viva a República Rio-Grandense ! Viva a Independência !
Viva o Exército Republicano Rio-Grandense! A independência será formalizada através
da representatividade que a homologou nas sessões das Câmaras de Jaguarão e Piratini,
respectivamente, em 20 de setembro e 05 de novembro de 1936. Embora Bento
Gonçalves, pela ata gravada, tenha sido instituido como "Protetor da República e
Liberdade Rio-Grandense" e seu primeiro presidente interino, quis o infausto que após o
desastre militar da ilha do Fanfa, a 4 de outubro de 1836, o grande chefe militar da
revolução, caisse prisioneiro dos legalistas, sendo que em substituição ao mesmo,
assumiu a Presidência em Piratini, José Gomes de Vasconcelos Jardim.. Nesta mesma
histórica sessão , a 6 de setembro de 1836, foi convocada uma Assembléia Geral e
Constituinte para fazer a Constituição da República que nascia, confirmada através da
representação feita pelo Gen. Souza Neto, em 23 de setembro de 1837, no campo das
Asperezas. Neste mesmo ano, Bento Gonçalves que estava preso no Forte São Marcelo,
na Bahia, se evade com a ajuda da maçonaria, através daqueles liberais, republicanos
baianos, que neste mesmo ano vão promover a revolução denominada Sabinada. É este
o relato dos Ferreira, opus citae fls 394: "Assim , no dia 28 de junho daquele ano, na loja
Virtude ao Oriente da Bahia, "o irmão Secretário apresentou uma prancha do Irmão Bento
Gonçalves da Silva, grau 18, de que ficou a Loja ciente, logo nomeados os Irmãos
Guimarães, Manoel Joaquim e Marques para se dirigirem por parte da Loja ao dito Irmão
e participarem-lhe que ela ficou inteirada, e que faria o que estivesse a seu alcance a fim
de melhorar a sua sorte..."E no dia 30, na loja Fidelidade e Beneficência: "teve lugar
igualmente a leitura de outra prancha dirigida pelo Irmão Rosa-Cruz Bento Gonçalves da
Silva, preso no Forte do Mar por efeito de comoções políticas, fazendo ver o estado em
que se achava, e à vista do que pedia o único recurso de lhe serem ministrados meios de
ser mudado para uma prisão mais cômoda, onde fosse lícito falar aos seus amigos; do
que, sendo a Loja inteirada, foram nomeados pelo Ir. Ven. para visitarem ao dito Ir. _ e lhe
oferecerem os socorros de que ainda precisasse, ou estivesso ao alcance da Loja, os
Irmãos Roberto, Tesoureiro e Orador Adjunto..." Era um dos fundadores da sociedade
secreta o próprio comandante do Forte de São Marcelo. Bento Gonçalves, obtendo
licença para nadar, pela manhã, embrenhou-se pelo mar a nado sendo recolhido na curva
de uma onda. Conspiradores de chapéu alto esperavan-no em uma praia. Dias mais tarde
um palhabote do comércio largava mansamente os panos ao nordeste. Ia com farinhas
para Pelotas e Montevidéu. No topo do mastaréu a flâmula auriverde tremulava. Quem
diria que entre os sacos brancos era devolvido aos pagos o homem da Setembrina ?"
Este o relato dos Ferreira.A revolução reacendeu seu vôo com o resgate de seu chefe
militar e civil, mas só cinco anos após, em 1842, nos dias 29 e 30 de novembro é que
realizaram-se duas sessões preparatórias da Assembléia Geral Constituinte, cuja solene
instalação ocorreu, conforme estava previsto, a 1 de dezembro de 1842, na vila de
Alegrete, então capital da República Riograndense. A Ata de instalação foi publicada no
periódico oficial "Americano", nº 21, de 14 de dezembro de 1842, sendo que presidiu a
sessão o deputado mais votado, Mártins Ávila.. Já nesta ocasião podia-se prenunciar um
retorno a comunidade nacional que se adivinhava na linguagem utilizada por Bento
Gonçalves no trecho de sua fala: "E assim que seu poder se debilita e se aproxima o dia
em que , banida a realizada da terra de Santa-Cruz nos havemos de reunir para estreitar
laços federais à magnânima nação brasileira, a cujo grêmio nos chama a natureza e
nossos mais caros interesses." (Paulo Bonavides - opus citae - fls. 185) . Com efeito, o
grande agente separatista não fora o ardor republicano da farroupilha, mas o despotismo
da autoridade imperial, a propensão absolutista dos "caramurus", sempre infensos ao
iluminismo do pensamento liberal. A revolução rio-grandense, abraçada à limitação de
poderes e a legitimidade das prerrogativas de governo, buscava, de último, lograr o mais
cedo possível o estabelecimento de uma ordem estável e constitucional, para não faltar
às grandes promessas que ondeavam os estandartes da revolução. A 8 de fevereiro de
1843, foi apresentado à Constituinte de Alegrete, o Projeto da Constituição da República
Rio-Grandense, subscrito pela Comissão Constitucional, composta por José Pinheiro de
Ulhoa Cintra, Francisco de Sá Brito, José Mariano de Matos, Serafim dos Anjos França e
Domingos José de Almeida conforme os parâmetros estabelecidos na proclamação
anteriormente feita: "Os direitos do homem estabelecidos em princípios tão sólidos e
duráveis como a moral eterna, a divisão dos Poderes Constitucionais firmada sobre a lei,
a propriedade e a segurança individual combinada com o interesse e a segurança pública,
a correspondência e harmonia dos direitos com os deveres do cidadão, eis os princípios e
as condições do novo Pacto Social, eis a importante e árdua missão de vossos
representantes." Com serenidade verbal, os constituintes de Alegrete assim concluiram
sua proclamação aos riograndenses:"Completai a vossa obra e mostrai ao mundo o belo
espetáculo de um povo, que por sua moderação é capaz de conservar a liberdade e por
sua coragem sabe conquistar a independência." Bonavides, opus citae, fls 194, falando
sobre o federalismo da república riograndense diz, que este "era ao nosso ver, uma forma
de união que aceitava laços associativos com outros entes, desde que não importassem
sacrifício da independência nem da autonomia , entendida a primeira como a plenitude do
poder soberano. É de admitir, pois, que os farroupilhas, cercados da simpatia das
repúblicas platinas, buscassem um meio de associação com seus vizinhos do Prata,
mediante um provável pacto de natureza confederativa. Em consequencia, a uniào
constitucional, de teor federativo propriamente dito, esteve assim com toda a probalidde
longe dos desígnios revolucionários. Havia da parte dos riograndenses em relação aos
platinos a mesma carência de identidade que determinara a dissolução dos vínculos da
Província Cisplatina com o Brasil. Prevaleciam, por conseguinte, em mais elevado grau,
as razões centrípetas de associação com o Império, mormente se este reconhecesse a
autonomia riograndense ou antecipasse a mutação federativa, somente ocorrida com o
advento da república, mas sonhada pelas correntes liberais desde o Primeiro Reinado. A
solução federativa dentro da monarquia constitucional brasileira era na época tese
altamente improvável. Entre Buenos Aires e Rio de Janeiro, o Projeto de federação do
general farroupilha Bento Gonçalves parecia mais inclinado a eleger uma alternativa de
todo distinta: a união com Montevidéu, Corrientes e Entre Rios. O móvel maior da
República Riograndense, cultivando assim relações externas rudimentares na Bacia do
Prata, debaixo da oposição imperial, consistia sem dúvida em fazer vingar o germe
federativo externo, como escudo para garantir a sobrevivência do projeto separatista em
curso, uma vez que no Brasil a proposta de federação estaria fadada a não receber apoio
das demais províncias, como os fatos da revolução, cabalmente, demonstraram desde o
princípio. O caminho exterior passava pela soberania e a república; e só depois se
propunha a alcançar o refluxo federativo, como um estágio mais adiantado na
concretização e consolidação da independência, logrando primeiro o apoio e a segurança
de uma união com outras unidades republicanas vizinhas. Ao cabo da guerra civil, as
lideranças farroupilhas já estavam, porém desenganadas de obter uma forma de união
com seus vizinhos do rio da Prata. A mesma distância de cultura interesses que separara
a Província Cisplatina do Brasil-Império apartava então os riograndenses dos povos do
Prata. A recusa da federação trazia embutida a consciência política de que ela própria
seria a perda da independência conforme se via no ânimo de Bento Gonçalves e Bento
Manuel. Paulo Bonavides, citando o historiador Florêncio de Abreu, diz a fls 196, opus
citae, que Rivera, este sim, explorando as necessidades dos revolucionários de
conseguirem armas, gêneros e cavalhadas, divisava o sonho do Quadrilátero de Artigas
( união do Uruguai - Corrientes - Entre-Rios - Rio Grande - Paraguai e Missiones), mas
Bento Gonçalves não cogitava disto. Os fatores da política externa contribuiram
fortemente, como se vê, para que a sorte dos chefes vencidos no movimento farroupilha
contra o Império fosse tão distinta do destino daqueles que durante o Primeiro Reinado
encabeçaram nas províncias do norte o republicanismo da Confederação do Equador.
Não houve cárcere nem patíbulo para as lideranças farroupilhas. Ainda destroçado
militarmente, Bento Gonçalves negociou a paz com o Barão de Caxias numa sólida
posição, senão de força, ao menos de tranquilidade para quem já se achava
definitivamento no fim. Mas tudo porque do outro lado da fronteira Rosas acenava com
promessas sedutoras de um tratado de aliança, não havendo fantasma mais incômodo
para o Império do que o caudilho da futura batalha de Monte Caseros. (fls 196)Assim, é ,
que para encerrar este trabalho, resgatando uma visão crítica da história, necessário se
faz citar Eduardo Galeano, em "Las venas abiertas de America Latina", fls 406, quando
clama, citando Simon Bolivar: "Nunca seremos dichosos, Nunca ! "e continua: "para que
el imperialismo norteamericano pueda, hoy dia, integrar para reinar en América Latina, fue
necesario que ayer el Imperio Británico contribuyera a dividirnos con los mismos fines. Un
archipiélago de paises, desconectados entre sí, nació como consecuencia de la
frustración de nuestra unidad nacional. Cuando los pueblos en armas conquistaron la
independencia, América Latina aparecía en el escenario histórico enlazada por las
tradiciones comunes de sus diversas comarcas, exhibía una unidad territorial sinfisuras y
hablaba fundamentalmente dos idiomas del mismo origen, el español y el portugués. Pero
nós faltaba, como señala Trías, una de las condiciones esenciales para constituir una
gran nación única: nos faltaba la comunidad econômica. Los polos de prosperidad que
florecían para dar espuesta a las necesidades europeas de metales y alimentos no
estaban vinculados entre si: las varillas del abanico tenían su vértice el otro lado del mar.
Los hombres y los capitales se desplazaban al vaivém de la suerte del oro o del azúcar,
de la plata o del añil, y solo los puertos y las capitales, sanguijuelas de las regiones
productivas, teníam existencia permanente. Amércica Latina nacia como un solo espacio
en la imaginación y la esperanza de Simón Bolivar, José Artigas y José de San Martin,
pero estaba rota de antemano por las deformaciones básicas del sistema colonial. Para
nosotros, la patria es América, habia proclamado Bolívar: La Gran Colombia se dividió en
cinco países y el libertador murió derrotado: Nunca seremos dichosos, nunca ! dijo al
general Urdaneta. Traicionado por Buenos Aires, San Martin se despojó de las insignias
del mando y Artigas, que llamaba americanos a sus soldados, se marchó a morir al
solitario exilio de Paraguay: el Virreinato del Rio de la Plata se habia partido en cuatro.
Francisco de Morazán, creador de la república federal de Centroamérica , murio fusilado,
y la cintura de América se fragmentó en cinco pedazos a los que luego se sumaría
Panamá, el canal con categoria de república que inventó Teddy Roosevelt. El resultado
está a la vista: en la actualidad, cualquiera de las corporaciones multinacionales opera
con mayor coherencia y sentido de unidad que este conjunto de islas que es América
Latina, desgarrada por tantas fronteras y tantas incomunicaciones."( fls 406 - 407). O
texto de Galeano sintetiza, em suma, um diagnóstico histórico cáustico, a ser lembrado,
neste dia histórico de setembro, mês em que nossos ancestrais lutaram com sacrifício das
próprias vidas contra a opressão. Mês que contemplamos, impassivos, a uma invasão de
uma nação irmã, com derespeito fragoroso a autodeterminação dos povos(Invasão norte-
americana do Haiti em 1994). Neste momento festivo em que se comemora as lutas do
passado , revivecendo na alma a trilha ou "lo sendero de la liberdad" havemos de ter
consciência que para edificarmos uma grande nação latino-americana, necessitamos,
muito mais do que somente ideais políticos, construir laços sólidos que nos unam
economicamente, devemos "volvir los ojos para nosotros" e assim não nos dirpersamos
frente aos interesses estranhos a esta grande comunidade que é a América Latina.
Lembramos aqui, a constituição diretiva e cidadã brasileira, que em seu art 4º, estabelece
como um dos princípios fundamentais a ser alcançado pelo Brasil "a sua integração
econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando a formação de
uma comunidade latino-americana de nações." Esta é a saga de nossos antepassados,
reescrita nos lineamentos do MERCOSUL, que resgata o grande sonho , hoje redivivo, de
uma grande nação Latino-Americana.

Porto Alegre, 18 de setembro de 1994

A revolução dos fazendeiros

Mário Maestri (*)

A Guerra Farroupilha [1835-45] foi um entre os muitos movimentos liberais


provinciais contra o centralismo do Império e, a seguir, as tímidas concessões regenciais.
A crise que abalava o Brasil era alimentada pelas dificuldades da economia escravista.
Movimentos como a Balaiada e a Cabanagem radicalizaram-se com a participação das
classes subalternizadas, levando os liberais regionais a abandonarem a luta.

O movimento farrapo interpretou as reivindicações dos criadores do meridião do


RS. Sua longevidade deveu-se também à capacidade dos seus chefes de manterem as
classes infames na sujeição. A revolta não galvanizou todo o RS. Os comerciantes, a
população urbana, os colonos alemães mantiveram-se neutros ou optaram pelo Império,
pois o programa farroupilha opunha-se aos seus interesses. Charqueadores e
comerciantes escravistas temiam que a separação comprometesse o tráfico negreiro.

Essas defecções facilitaram a perda das grandes cidades e do litoral. Porto Alegre
sublevou-se e resistiu aos farroupilhas, recebendo do Império o título de "Mui leal e
valorosa". Em 1835, os farroupilhas dominavam a província. Em 1845, apenas as bordas
da fronteira.

Propõe-se caráter progressista ao movimento porque parte das suas tropas era
formada por peões, nativos e ex-cativos. Os gaúchos eram em geral descendentes de
nativos que haviam perdido as terras comunitárias para os criadores. Eles
acompanhavam os caudilhos nos combates como o faziam nas lides campeiras. O
gaúcho buscava na guerra churrasco, saque e soldo. A política era monopólio dos
proprietários.

Era antigo direito do homem livre substituir-se por, em geral, um liberto, quando
arrolado. Os libertos eram obrigados a combater nas tropas farroupilhas; preferiam a
guerra à escravidão; criam na promessa da liberdade. Os chefes farroupilhas reforçavam
as tropas com cativos comprados.

Não houve democracia racial farroupilha. Negros e brancos marchavam,


acampavam e morriam separados. Eram brancos os oficiais dos soldados negros. Em
suas Memórias, Garibaldi lembrava: "[...] todos negros, exceto os oficiais [...]." Para a
Constituição republicana eram cidadãos apenas os "homens livres".

A República apoiava-se no latifúndio e na escravatura. Os chefes farroupilhas


jamais prometeram terras aos gaúchos e liberdade aos cativos, como Artigas. Eles
dependiam dos cativos para explorar as fazendas. Terra e liberdade eram conquistas que
deviam nascer das reivindicações das então frágeis classes sociais.

Não foi por democratismo que os farroupilhas exigiram do Império respeito à


liberdade dos soldados negros. Eles receavam que se formasse guerrilha negra e que os
ex-cativos se homiziassem no Uruguai. O Império não aceitava que negros gozassem da
liberdade por combaterem a monarquia.

A solução encontrada foi o massacre do serro de Porongos, quando o general


David Canabarro, chefe militar republicano, em conluio com o barão de Caxias, entregou
os soldados negros aos inimigos, no mais vil fato de armas da história militar do Brasil.
Carta do barão elucidou as razões da falsa surpresa militar.

Caxias ordenou ao coronel Francisco de Abreu que não temesse surpreender os


rebeldes. A infantaria farrapa estaria desarmada, devido à "ordem de um ministro e do
General-em-Chefe". Ele esperava que o "negócio secreto" levasse em "poucos dias ao
fim da revolta" e solucionasse o caso dos soldados negros.

Caxias ordenava: "[...] poupe o sangue brasileiro quando puder, particularmente


de gente branca da província ou índios, [...] esta pobre gente ainda nos pode ser útil no
futuro." Preparava já a intervenção no Prata, na qual os ex-farrapos marcharam com o
Império, em defesa das suas fazendas no Uruguai.

Na madrugada de 14 de novembro de 1844, as tropas imperiais caíram sobre os


1.200 soldados farroupilhas. Cem combatentes foram mortos e 333 presos. Eram
sobretudo negros.
A infâmia abriu as portas à rendição acertada em Ponche Verde. O Império
pagaria as contas republicanas e manteria os postos dos oficiais. Os rebeldes aceitariam
a anistia e entregariam os soldados negros restantes.

Em novembro de 1844, 220 lanceiros, aprisionados em Porongos e no Arroio


Grande, foram remetidos ao Rio de Janeiro. Em início de 1845, 120 soldados negros
foram entregues aos imperiais. Na Corte, em 1848, eles trabalhavam como cativos no
Arsenal e na fazenda de Santa Cruz, como assinala Moacyr Flores em Negros na
Revolução Farroupilha [Porto Alegre: EST, 2004]

Neste 20 de setembro, merece celebração sobretudo a vontade libertária dos


milhares de cativos que aproveitaram o confronto senhorial para aquilombar-se e fugir
sobretudo para o Uruguai, seguindo a sábia lembrança de que, se "deus é grande, o mato
é maior!"

Fonte Digital: http://www.lainsignia.org/ La Insignia. Brasil, setembro de 2005.


(*) Mário Maestri, 57, historiador, é professor do PPGH da UPF. E-mail:
maestri@via-rs.net

Guerra do Paraguai: Genocídio Americano

Apesar de a grande maioria das pessoas já perceber que a Guerra do Paraguai


não foi uma disputa de mocinhos e bandidos, pouca coisa foi escrita sobre esse
importante acontecimento, que normalmente é estudado de forma superficial.

INTRODUÇÃO

Apesar de a grande maioria das pessoas já perceber que a Guerra do Paraguai


não foi uma disputa de mocinhos e bandidos, pouca coisa foi escrita sobre esse
importante acontecimento, que normalmente é estudado de forma superficial. Para
compreendermos esse conflito, é necessário entender o conjunto de interesses
envolvidos, superando o maniqueísmo que envolve a relação de Brasil e Paraguai e
aprofundar o entendimento sobre o papel do imperialismo inglês.

"abordagem do encouraçado Barroso pelos paraguaios" de Eldorado De Martinho


(Museu Histórico Nacional RJ)

O PARAGUAI tornou-se independente em 1811, no quadro de crise do Antigo


Sistema Colonial espanhol, quando da dominação napoleônica na Península Ibérica.
Assim como em outras regiões da América, a elite criolla liderou o movimento, porém
permaneceu vinculada à antiga ordem, mantendo seus tradicionais privilégios. A
necessidade de desvincular-se das pretensões de Buenos Aires contribuiu para o inicio da
formação do Estado Nacional, que tornou-se mais efetiva a partir de 1814, com a
ascensão de José Rodrigues de Francia.

Iniciava um governo centralizado, ditatorial. O poder concentrou-se nas mãos


de El Supremo, ditador perpétuo do país. Francia iniciou uma transformação radical no
país, uma vez que sua ditadura passou a apoiar-se nas camadas populares, com a
eliminação da escravidão, a redução drástica do poder da Igreja Católica e com a criação
das “Estâncias da Pátria”, fazendas estatais, onde o trabalho era comunitário, sendo que
a metade da produção ficava com o Estado; deu início ainda a organização do ensino,
que em poucos anos acabaria com o analfabetismo.

Apesar da precariedade da economia do novo país, há um processo de


crescimento e lentamente Francia busca a modernização: a produção agrícola aumenta e
forma-se uma base de sustentação interna fora do modelo britânico, já dominante na
maioria da América.

Ao mesmo tempo formou-se uma grande oposição a seu governo fora do


Paraguai: a antiga elite desterrada e as camadas dirigentes das nações vizinhas,
particularmente a Argentina e o Brasil. O Paraguai tem, desde o início, grande dificuldade
de exportar sua produção - os principais produtos eram o fumo e o erva mate - uma vez
que depende do Rio da Prata, dominado pelos mercadores de Buenos Aires.

Em 1840 com a morte de Francia, assume o poder Carlos Antonio Lopez, apoiado
em um discurso de “modernização” e “progresso”, Lopez manteve a centralização política
e aprofundou o isolamento do país frente ao capital internacional. Ferrovias e pequenas
industrias foram criadas com a contratação de especialistas estrangeiros e a educação
continuou a ser estimulada pelo governo. “Tudo o que o Paraguai consome, ele mesmo
produz”.
Porém essa autonomia é precária, apesar do desenvolvimento interno do país, a
pobreza ainda é muito grande ( menor do que no período colonial) porém todos tinham
trabalho e a alimentação básica. O enfraquecimento da Igreja em oposição ao
fortalecimento do Estado; a organização de uma estrutura militar e a elevação do nível de
vida, garantiam o apoio popular à ditadura. É importante lembrar ainda que a
criminalidade havia praticamente desaparecido.

Nessa sociedade, 80% da população era “Índia”, que passava a desfrutar dos
mesmos direitos civis que possuía a população branca.

Em 1862 Francisco Solano Lopez assume o lugar do pai e preserva a política


ditatorial. Solano pretendia construir o “Grande Paraguai”, porém a situação interna e
externa se modificavam rapidamente e levariam o país à guerra.

O BRASIL, única monarquia na América e região que preservou a unidade


territorial após a independência, vivenciou duas décadas de intensas lutas regionais ao
mesmo tempo em que preservou as estruturas coloniais. O Primeiro Reinado e o Período
Regencial foram marcados por grave crise, que começou a ser superada com o governo
de D Pedro II, com o aumento das exportações e com a consolidação do Estado Nacional.
Apesar de adotar um modelo político monárquico centralizado, o Brasil era
governado pelas elites agrário exportadoras, influenciada por uma pequena elite urbana
vinculada a importação e exportação e associada ao capital inglês. A maior estabilidade
política verificada após 1850, deveu-se ao maior equilíbrio entre as elites regionais, que
por sua vez foi possível com o aumento das exportações, principalmente de café. No
entanto, se as exportações aumentavam, o mesmo acontecia com as importações,
determinando um crescente déficit nas finanças do Estado. A crise econômica
aprofundava-se, em grande parte devido à submissão do país ao capitalismo inglês. A
Maior parte da produção agrícola era exportada para a Inglaterra, assim como a maior
parte de nossas importações provinha desse país. Os investimentos em infra estrutura
eram feitos por banqueiros ingleses, que ao mesmo tempo controlavam bancos e as
casas de importação e exportação e emprestavam dinheiro diretamente ao Estado.
Mesmo durante a ruptura de relações diplomáticas entre os dois países, as relações
comerciais foram mantidas.

A ARGENTINA foi um dos primeiros países a proclamar sua independência, em


1810, com a formação do cabildo de Buenos Aires; no entanto, desde esse período, as
lutas internas foram intensas devido aos vários interesses regionais, destacando-se
principalmente a disputa entre unitaristas e federalistas, possibilitando o desenvolvimento
do caudilhismo. Mesmo a existência de uma Constituição e de governos centralizadores,
como a ditadura de Rosas, não conseguiram, na [prática, forjar a unidade nacional, pois
os interesses regionais chocavam-se entre si e principalmente com os interesses de
Buenos Aires.
Essas divisões internas acabaram por facilitar a dominação econômica da inglesa.
A Argentina possuía uma economia exportadora, tanto de produtos derivados da
pecuária, como de gêneros agrícolas, e a elite da capital, ligada ao comércio, aumentou
seus vínculos com o capital britânico. A visão em relação ao Paraguai era um dos poucos
motivos que poderia unir os distintos interesses argentinos: Nos anos posteriores a
independência, a Argentina pretendera a anexação do Paraguai, uma vez que faziam
parte do mesmo território colonial - o Vice-Reino do Prata. Um raciocínio semelhante pode
ser usado em relação ao Uruguai, pretendido pelos argentinos, que assim dominariam a
Bacia do Prata.

O URUGUAI é normalmente tratado como um país que desenvolveu-se a partir de


interesses externos. Sua localização geográfica tornava-o peça fundamental para todos
que possuíam interesses no comércio platino.
Depois de anos sob domínio do Brasil, o Uruguai conquistou sua independência
definitiva em 1828, com o apoio da Inglaterra, com o discurso de “preservar a liberdade de
navegação na bacia do Prata” procurou não só a libertação frente ao domínio brasileiro,
como preservá-lo face aos interesses argentinos. Desta forma o Uruguai passou a ser
visto como um “Estado tampão”, separando Brasil e Argentina e garantindo a livre
navegação.

Apesar da independência, o território uruguaio continuou a ser cobiçado pelas


“potências sul americanas”: foi comum a invasão e ocupação de terras por pecuaristas
gaúchos. Grande parte das atividades internas, rurais ou urbanas, desenvolveram-se a
partir de empreendimentos do Barão de Mauá, se bem que, muito mais representando os
interesses ingleses do que brasileiros.

A INGLATERRA é vista tradicionalmente como a grande responsável pela guerra


entre o Brasil e o Paraguai. Uma das dificuldades da História é definir o peso que cabe a
cada um dos interesses envolvidos, uma vez que a Inglaterra é a grande potência
imperialista da época.
O século XIX foi caracterizado pela Segunda Revolução Industrial, pela expansão
imperialista sobre a África e Ásia e pela “divisão internacional do trabalho”, fruto do
imperialismo de poucas nações. A Inglaterra continuou a ser a maior potência industrial,
porém passou a ter concorrentes em relação ao desenvolvimento tecnológico,
necessitando garantir cada vez mais o controle sobre suas colônias e áreas de influência.

Na América, os países recém independentes tinham um papel fundamental dentro


dessa nova ordem capitalista, e nesse sentido, a economia paraguaia destacava-se,
fugindo da órbita do imperialismo inglês.
Para a Inglaterra, a preservação de suas áreas de influência era vital para a
preservação de sua posição hegemônica, e para isso, os mecanismos usados foram
variados, porém sempre com caráter imperialista ( Guerra do Ópio, Guerra dos Cipaios...)
quando a diplomacia e o poder econômico não funcionavam, a intervenção militar direta
ou indireta era o caminho usado, justificada tanto pelos interesses econômicos como pelo
discurso racista, de superioridade em relação a outros povos, como por exemplo os
“índios” paraguaios.

A Inglaterra decreta o Fim do Tráfico Negreiro para o Brasil

O tratado de 1826 causou grande indignação no Brasil escravocrata. O deputado


Cunha Matos, de Goiás, foi a plenário deplorar que o país tivesse sido "forçado, obrigado,
submetido e compelido pelo governo britânico a assinar uma convenção onerosa e
degradante sobre assuntos internos, domésticos e nacionais". Contudo, os escravos
continuaram a chegar ao país -- e em números cada vez maiores: 30 mil em 1827, 38 mil
em 1828 e 45 mil no ano seguinte.

Em novembro de 1831, o padre Diogo Feijó, ministro da Justiça durante a


Regência Trina, assinou uma lei decretando que "todos os escravos que entrarem no
território ou portos do Brasil vindos de fora ficam livres". Mas em 1838 foram trazidos mais
de 40 mil. Em 1843, o número chegou a 64 mil e nenhum deles ficou livre, é evidente.
Explica-se: a p regência aumentara muito o poder dos juízes locais. Vários deles eram
donos de fazendas e de escravos. Os que não erram, passaram a cobrar 10,8% do valor
de cada africano desembarcado para fazer vista grossa. Os poucos juízes que tentaram
impor a lei foram ameaçados de morte -como os juízes italianos que enfrentariam a ráfia e
os magistrados colombianos inimigos do narcotráfico.

Em 1842, o desrespeito à lei era tal que o dramaturgo Martins Pena incluiu em
uma de suas peças a fala: "Há por aí uma costa tão larga e autoridades tão
condescendentes..." Os escravos já não desembarcavam no Rio de Janeiro, nem iam
direto para a alfândega, nem, após a quarentena na ilha de Jesus, para os mercados da
rua do Valongo. Os novos portos da costa tão eram na ilha Grande, em
Sernampetiba e Marambaia. Os negros eram desembarcados na praia e trocados no ato
por sacas de café.

Os traficantes criaram também uma companhia de seguros, que cobrava 10% do


valor da carga e, no caso de apreensão do navio por cruzadores ingleses, pagava metade
de seu valor total. A proibição fizera o preço dos escravos despencar à quarta parte em
Cabinda e Benguela. No Brasil, por outro lado, o boom do café (a partir de 1845)
quintuplicara o valor das "peças". Assim, os negreiros passaram a entupir seus navios
com uma quantidade brutal de negros. As descrições do interior dos barcos - muito
propriamente apelida dos "tumbeiros" - suplanta qualquer horror imaginável. Houve - e
ainda há - quem preferisse culpar por esses abusos as instituições humanitárias e os
"malditos ingleses".

Os "malditos ingleses" não podiam diminuir as costas largas do Brasil, mas


podiam reduzir a "condescendência". Foi ó que fizeram. Depois que o diplomata lorde
Brougham enviou uma carta para Londres dizendo que "a história toda da deste humana
não apresenta passagem que possa rivalizar" com o desrespeito à lei contra a escravidão
no Brasil, foi assinado, em 9 de agosto de 1845, o famigerado "Bill Aberdeen" -um ato
unilateral que permitia aos britânicos abordar e inspecionar qualquer navio brasileiro em
qualquer oceano. Ainda assim, se de 1841 a 45 entraram ilegalmente no Brasil 97.742
regos, de 45 a 51 esse número chegaria a 243.496.
Porém, em 4 de setembro de 1850 o então 'ministro da Justiça, Eusébio de
Queirós, assinou uma lei rígida que, enfim, foi cumprida. (em 1851, só 700 escravos
entraram no país). Queirós lamentaria a própria atitude: para ele, como toda a nação
praticava o tráfico, co, era "impossível que fosse um crime e haveria temeridade em
chamá-lo de erro". De qualquer forma, após meio século de luta, o tráfico findara. Mas
ainda havia 1,5 milhão de cativos no Brasil. Para libertá-los, iniciou-se vigorosa
abolicionista na qual se destacaram Patrocínio e Nabuco.

Abolição à Brasileira...

Num país que inventou a prerrogativa jurídica segundo a qual as leis "pegam" ou
"não pegam", não é de estranhar que as imposições contra o tráfico de escravos e contra
a própria escravidão tenham demorado tanto para "pegar". As pendengas judiciais, aos
tortuosos caminhos legais da Câmara e do Senado, aos entraves e recuos provocados
por infindáveis discussões partidárias; aos conflitos entre os liberais e conservadores que
antecediam a aprovação de qualquer nova lei contra a escravidão, deve-se acrescentar o
fato de que, depois de finalmente aprovadas, tais leis se tornavam, no ato e na prática,
letra morta. Esse processo sórdido explica por que a luta legal contra a escravidão se
prolongou por 80 anos no Brasil.

Foi somente após a humilhação internacional resultante do "Bill Aberdeen" que o


Brasil, enfim, se dispôs a proibir o tráfico. A abolição se tornou, então, uma questão
interna, realmente "nacional". Sem a pressão exterior, seu processo se prolongaria por
quase quatro décadas. A maioria dos conservadores era, a priori, contra a libertação dos
escravos. Se ela tivesse de ser feita, os proprietários precisariam ser indenizados pelo
Estado e o processo deveria ser “lento, gradual e seguro”. Em maio de 1855, o
conselheiro José Antônio Saraiva propôs que a escravidão fosse extinta em 14 anos e
que o Estado pagasse 800 mil-réis por escravo entre 20 e 30 anos, 600 mil- réis pelos de
30 a 40, 400 mil-réis pelos de 40 a 50 e um conto (ou 1 milhão) de réis por escravo com
menos de 20 anos.

Entre os liberais, as posições variavam muito. Havia os que pensavam como os


conservadores; havia os republicanos radicais; havia os fazendeiros de São Paulo
interessados em solucionar logo a questão substituindo os escravos por imigrantes
europeus -desde que recebessem incentivos financeiros para o projeto.

De qualquer forma, em 28 de setembro de 1871, numa jogada política sagaz, o


gabinete conservador, chefiado pelo visconde do Rio Branco (acima, à esquerda),
conseguiu aprovar a chamada Lei do Ventre Livre, segundo a qual seria livre qualquer
filho de escrava nascido no Brasil. Além de arrancar a bandeira abolicionista das mãos
dos liberais, ainda bloquearia por anos a ação dos abolicionistas mais radicais,
garantindo, assim, que a libertação dos escravos fosse um processo "lento, gradual e
seguro". Na prática, a lei seria burlada desde o início, com a alteração da data de
nascimento de inúmeros escravos. O Fundo de Emancipação, criado pela mesma lei e
oriundo da Receita Federal - para pagar pela alforria de certos escravos - também foi logo
dilapidado, usado em grandes negociatas. Muitos proprietários arrancavam os filhos
recém-nascidos de suas mães e os mandavam para instituições de caridade, onde as
crianças eram vendidas por enfermeiras que faziam parte do esquema armado para burlar
a Lei Rio Branco. Em alguns manuais escolares, o conservador visconde do Rio Branco
ainda surge com a mesma imagem que adquiriu aos olhos dos abolicionistas
ultramoderados: a imagem de "Abraham Lincoln brasileiro".
Golpeada pela Lei do Ventre Livre, a campanha abolicionista só recomeçaria em
1884. Um ano mais tarde, porém, o Parlamento jogou outra cartada em sua luta para
retardar a abolição: em 28 de setembro foi aprovada a Lei Saraiva Cotejipe, ou Lei dos
Sexagenários. Proposta pelo gabinete liberal do conselheiro José Antônio Saraiva e
aprovada no Senado, comandado pelo presidente do Conselho de Ministros, o barão de
Cotejipe, a lei concedia liberdade aos cativos maiores de 60 anos e estabelecia normas
para a libertação gradual de todos os escravos, mediante indenização. Na verdade, a Lei
dos Sexagenários voltaria a beneficiar os senhores de escravos, permitindo que se
livrassem de velhos "imprestáveis".

No início de 1888, a impopularidade do chefe de polícia do Rio de Janeiro, Coelho


Bastos, fez cair o ministério de Cotejipe, que abertamente afrontava a princesa Isabel. Os
conservadores permaneceram no poder, com João Alfredo como presidente do ministério.
Em abril de 1888, Alfredo chegou a pensar em propor a abolição imediata da escravatura,
porém obrigando os libertos a ficar por "dois anos junto a seus senhores, ira trabalhando
mediante módica retribuição". No mês seguinte, não foi mais possível retardar o processo
abolicionista - agora liderado pela própria princesa Isabel. Depois que a regente assinou a
lei, Cotejipe estava entre os que foram cumprimentá-la. Ao beijar-lhe a mão, o barão teria
dito: "Vossa Majestade redimiu uma raça, mas acaba de perder o trono". A frase se
revelaria profética.

Leitura recomendada:

Os Escravos - Castro Alves

Espumas Flutuantes - Castro Alves

Brasil: sociedade e cultura após a “abolição”

A lei sucinta e direta que a princesa Isabel assinou em 13 de maio de 1888 não
concedia indenização alguma aos senhores de escravos. De qualquer forma, ao longo
dos 17 anos que se estenderam da Lei do Ventre Livre à abolição efetiva, os
escravocratas tinham encontrado muitas fórmulas para ressarcir-se de supostas perdas,
entre elas o tráfico interprovincial de escravos, as fraudes ao fundo de emancipação e à
Lei do Ventre Livre. Mas se os escravocratas não atingiram um de seus objetivos, o
fracasso dos abolicionistas foi maior e mais amargo. Afinal, horas como Nabuco,
Patrocínio, Rebouças, Gama, Antônio Bento e Rui Barbosa - apesar de suas divergências
ideológicas - acreditavam que a abolição era a medida mais urgente de um programa que
só se cumpriria com a reforma agrária, a "democracia rural" (a expressão é de Rebouças)
e a entrada dos trabalhadores num sistema de oportunidade plena e concorrência. Para
eles, como expôs Alfredo Bosi, "o desafio social e ético que a sociedade brasileira teria de
enfrentar era o de redimir um passado de abjeção, fazer justiça aos negros, dar-lhes
liberdade a curto prazo e integrá-los numa democracia moderna".

Mas nada disso se concretizou. Os negros libertos - quase 800 mil-- foram
jogados na mais temível miséria. O Brasil imperial -- e, logo a seguir, o jovem Brasil
republicano - negou-lhes a posse de qualquer pedaço de terra para viver ou cultivar, de
escolas, de assistência social, de hospitais. Deu-lhes, só e sobejamente, discriminação e
repressão. Grande parte dos libertos, depois de perambular por estradas e baldios,
dirigiu-se às grandes cidades: Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Lá, ergueram os
chamados bairros africanos, origem das favelas modernas. Trocaram a senzala (acima, à
direita) pelos casebres (à esquerda). Apesar da impossibilidade de plantar, acharam ali
um meio social menos hostil, mesmo que ainda miserável.

O governo brasileiro não pagou indenização alguma aos senhores de escravos


(“Indenização monstruosa, já que uma grande parte deles eram africanos ilegalmente
escravizados, pois haviam aportado ao Brasil depois da Lei Feijó, de 7 de novembro de
1831”, como disse, em discurso na Câmara, Joaquim Nabuco). O preço para que tal
indenização absurda não fosse paga foi, porem, enorme. Teria sido justamente para evitar
qualquer petição que pudesse vir a ser feita pelos escravocratas que Rui Barbosa (ao
lado), ministro das Finanças do primeiro governo republicano, assinou o despacho de 14
de dezembro de 1890, determinando que todos os livros e documentos referentes à
escravidão existentes no Ministério das Finanças fossem recolhidos e queimados na sala
das caldeiras da Alfândega do Rio de Janeiro. Seis dias mais tarde, em 20 de dezembro,
a decisão foi aprovada com a seguinte moção: “O Congresso Nacional felicita o Governo
Provisório por ter ordenado a eliminação nos arquivos nacionais dos vestígios da
escravatura no Brasil”. Em 20 de janeiro de 91, Rui Barbosa deixou de ser ministro das
Finanças, mas a destruição dos documentos prosseguiu.

De acordo com o historiador Américo Lacombe, "uma placa de bronze, existente


nas oficinas do Loyde brasileiro, contém, de fato, esta inscrição assaz lacônica: “13 de
maio de 1891. Aqui foram incendiados os últimos documentos da escravidão no Brasil”.
Foi, portanto, com essa espécie de auto-de-fé abolicionista que o Brasil comemorou os
três anos da mais tardia emancipação de escravos no hemisfério ocidental. Embora
pragmática -- e muito mais verossímil do que a versão oficialesca de que os documentos
foram queimados para “apagar qualquer lembrança do triste período escravocrata”-, a
medida foi torpe. E ajudou a fazer com que, passados mais de cem anos da libertação
dos escravos, o Brasil ainda não tenha acertado as contas com seu negro passado.

A Questão Militar - República da Espada!

A Questão Militar se resume a uma série de eventos que colocou em confronto


direto oficiais do Exército e políticos monarquistas e conservadores. O estopim foi o fato
de os militares estarem proibidos por lei de discutir assuntos políticos na imprensa. Mas o
verdadeiro motivo estava no crescente ressentimento dos militares -que tinham "se
arriscado pelo país na Guerra do -" com o "pavoroso egoísmo, fundamentalmente
impatriótico, da classe política, no momento em que o sangue brasileiro comia em
regatos".

Os episódios principiaram em 1884 e se prolongaram até maio de 1887.

O primeiro incidente ocorreu com o tenente-coronel Senna Madureira, punido por


ter apoiado publicamente o fim da escravatura. Em agosto de 1885, o coronel Cunha
Matos, ligado ao Partido Liberal, apurou irregularidades em um quartel do Piauí e pediu o
afastamento do comandante corrupto, ligado ao Partido Conservador. Foi atacado, na
Câmara, pelo deputado Simplício Rezende, que o acusou de covardia no Paraguai. Matos
defendeu-se pelo jornal -- o que era proibido - e ficou preso dois dias. No mesmo mês, no
Rio Grande do Sul, outra vez Senna Madureira (à direita) se manifestou publicamente,
nos jornais, para "defender sua honra militar". Escolheu o explosivo órgão republicano "A
Federação", dirigido por Júlio de Castilhos. O rastilho de pólvora foi aceso.

Em 23 de setembro de 1886, o incendiário Castilhos escreveu, em seu próprio


jornal, um artigo chamado "Arbítrio e inépcia", atacando violentamente a Coroa e tornando
a "questão militar" uma questão política e nacional. No texto, o Exército era apresentado
como a única força que se mantinha "impoluta" em uma "nação em ruínas". Duas
semanas antes, o marechal Deodoro, comandante em armas e presidente em exercício
da Província do Rio Grande do Sul, decidira que não puniria Senna Madureira, mas o
ministro da Guerra, Alfredo Chaves, que antes mandara, prender Cunha Matos, já o
fizera. Em outubro, os alunos da Escola Militar da Praia Vermelha (acima) conhecida
como "Tabernáculo da Ciência" e berço da chamada "mocidade militar" engajaram-se na
luta de apoio a Deodoro, que fora exonerado e transferido para o Rio de Janeiro, e a
Madureira, que se demitiu. Ao chegarem ao Rio de Janeiro, em 26 de janeiro de 1887,
ambos foram recebidos como heróis pelos cadetes_ Após muitas tensões, em maio do
mesmo ano, Chaves caiu, Deodoro, Madureira e Cunha Matos foram "perdoados" por D.
Pedro e a questão militar se encerrou. Pela primeira vez na história do Brasil os militares
revelavam, com vigor e clareza, a existência no país de uma "classe militar" –
supostamente unida e coesa. Em breve, essa classe interferiria decisivamente no jogo
político.

Recomendada:

O Exército na Política: Origens da Intervenção Militar no Brasil (1850-1894),


JOHN SCHULZ

O Império entra em crise (1870-1889)


A Questão Escravista

A crise final da escravidão. A partir de 1870, com o fim da Guerra do Paraguai,


antigos problemas e contradições que não haviam sido resolvidos voltaram à tona com
toda a intensidade. Ao mesmo tempo, a incapacidade do Império em resolvê-los tornava
se cada dia mais patente.

A questão central era naturalmente o escravismo. Em 1870, fazia vinte anos que
o tráfico havia sido extinto, mas a escravidão resistia. Desde o início do século XIX, a Grã-
Bretanha vinha pressionando o Brasil, e a opinião pública contra a escravidão havia
crescido no mundo inteiro. Os escravistas brasileiros e o governo, que afinal os
representava, haviam adotado a tática do silêncio para proteger os seus interesses. O
problema da escravidão, em suma, não era discutido publicamente em parte alguma do
Brasil. Muito menos no Parlamento. E isso era coerente, pois os próprios senhores de
escravos sabiam que sua posição era insustentável. Porém, não moviam uma palha Pará
encaminhar a solução. Fizeram de conta que o problema simplesmente inexistia.

Havia uma explicação para isso. O governo imperial, em seu profundo


conservadorismo, inquietava-se com a possibilidade de agitação incontrolável caso a
questão escravista fosse abertamente colocada.

Com certeza, essa política do avestruz adotada pelo governo era confortável para
os escravistas, mas o inconveniente da situação estava no fato de que o Brasil como um
todo não ficou parado. Na verdade, desde a extinção do tráfico em 1850, muitas coisas
foram mudando no Brasil. Em seu imobilismo, o governo preferiu ignorar as
transformações.

Por volta de 1860 a questão escravista já havia sido colocada publicamente, o


que fora uma grande novidade. A eclosão da Guerra do Paraguai interrompeu os debates
que estavam começando a ganhar espaço no próprio Parlamento. Eles retornaram com
intensidade imediatamente depois da vitória brasileira em 1870.
O panorama em 1870, em síntese, era o seguinte: 62% dos escravos do Brasil
estavam concentrados em São Paulo, Minas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Dos 1
540 000 escravos, 955 109 encontravam-se nessas províncias. No norte e nordeste, em
razão de sua decadência econômica, o peso da escravidão havia diminuído. Portanto, os
escravistas estavam concentrados no sudeste e no sul do país, onde, por sua vez,
situava-se o pólo dinâmico da nossa economia. Contudo, uma economia forte, mas
desmoralizada pela escravidão não podia se apresentar como esperança e promessa
para um país.

No plano internacional as coisas eram ainda mais complicadas. A Guerra de


Secessão (1861-1865) nos Estados Unidos havia mostrado que o escravismo não tinha
futuro. Desde a eclosão da Revolução Industrial na Inglaterra, no século XVIII, o trabalho
livre foi ganhando espaço e, no final do século XIX, apenas o Brasil, em companhia de
países como Cuba e Costa Rica, insistia em manter um sistema social condenado e
vergonhoso.

A lei do Ventre Livre (1871). Foi nesse ambiente que o ministério chefiado pelo
visconde do Rio Branco apresentou o projeto da lei do Ventre Livre em maio de 1871 para
a Câmara dos Deputados. Depois de modificada e adaptada aos interesses escravistas, a
lei que declarava livres os filhos de escravos foi finalmente aprovada em 1871, por 65
votos a favor e 45 contra. A maioria dos deputados de Minas, São Paulo e Rio de Janeiro
votou contra, acompanhados pelos deputados do Espírito Santo e do Rio Grande do Sul.
Os representantes das províncias do norte e nordeste votaram maciçamente a favor.

Essa lei que apenas jogava para o futuro a solução do problema foi, entretanto,
considerada pelo governo e pelos escravistas como solução definitiva. Não era essa a
opinião dos abolicionistas brasileiros. Em 1880, o debate retornou com maior vigor.

As agitações abolicionistas. No Rio de Janeiro, no ano de 1880, os abolicionistas


fundaram duas sociedades a fim de organizar a sua luta: a Sociedade Brasileira contra a
Escravidão e a Associação Central Emancipacionista. Publicações diversas começaram a
circular, pregando a abolição. Outras sociedades, no mesmo molde que as da capital,
foram organizadas em várias províncias.

A luta abolicionista se ampliou e criou condições para a organização da


Confederação Abolicionista (1883), que unificou o movimento no plano nacional.

Naturalmente, a abolição da escravatura não foi obra exclusiva dos abolicionistas


que, em sua maioria, eram moradores das cidades. Como demonstram as fugas e
rebeliões ao longo de toda a história do Brasil, os escravos não permaneceram passivos.
A possibilidade de um levante escravo de grandes proporções foi considerada e
atemorizou os escravistas, enfraquecendo a sua resistência ao movimento.

Os cafeicultores paulistas foram particularmente atingidos pelo movimento de


fuga dos escravos promovido e apoiado pelos caifases, organizados por Antônio Bento,
que foi juiz de paz e juiz municipal e nos cargos que ocupou defendeu sempre os
escravos contra a opressão senhorial.

Na década de 1880, o poder escravista foi seriamente abalado e o Império,


atingido em seus alicerces.
A lei Saraiva-Cotegipe ou lei dos Sexagenários (1885). A camada dominante
escravista viu-se, então, forçada a novas concessões, que tinham por objetivo frear o
movimento abolicionista. A lei Saraiva-Cotegipe de 1885, ao estabelecer a liberdade aos
escravos com mais de 60 anos, teve exatamente esse propósito.Tratava-se de uma lei de
alcance insignificante diante das exigências cada vez mais radicais de abolição imediata
da escravatura.

Assim, fora do Parlamento o desespero tomou conta dos escravistas, pois os


escravos abandonavam as fazendas sob estímulo e proteção de organizações
abolicionistas. Para impedir as fugas, os escravistas chegaram a convocar o próprio
exército, que, entretanto, se recusou, sob a alegação de que "o exército não é capitão- do-
mato" e por julgar a missão indigna dos altos propósitos para que fora instituído.

A lei Áurea (1888). Finalmente, a 13 de maio de 1888, a princesa Isabel, que na


ausência de D. Pedro II assumira a regência, promulgou a lei Áurea, declarando extinta a
escravidão no Brasil.

A Abolição, EMILIA VIOTTI DA COSTA

A Transição da Escravidão ao Trabalho Livre na Cafeicultura

O problema da mão-de-obra na economia cafeeira. O desenvolvimento da


economia cafeeira, fator essencial para a estabilidade do Império, desde o inicio estava
comprometido com a escravidão. À medida que o café foi se tornando o centro da
economia imperial e sua cultura se expandiu, o tráfico negreiro se intensificou.

Porém, essa intensificação ocorreu num clima internacional desfavorável à


escravidão: o desenvolvimento do capitalismo industrial e a conseqüente generalização
do trabalho assalariado tornaram a escravidão repulsiva à nova consciência.

Desde a abolição do tráfico em 1850, a questão da substituição do escravo pelo


trabalhador livre passou a ser seriamente considerada por alguns cafeicultores.

Ocorre que a cafeicultura estava, naquele momento, expandindo-se no Oeste


paulista. E foi essa circunstância histórica que possibilitou aos fazendeiros paulistas
lançarem mão da imigração européia, transformando a cafeicultura numa economia
capitalista.

A cafeicultura do vale do Paraíba, mais antiga e totalmente modelada pela


escravidão, apresentava maiores dificuldades em substituir seus escravos por
trabalhadores livres. A do Oeste paulista, ao contrário, encontrava.-se em plena formação.
Por esse motivo, foi em São Paulo e não em outra região que a substituição do escravo
pelo trabalhador livre se deu mais rapidamente, imprimindo ao setor o caráter de
empreendimento capitalista.

As colônias de parceria. Na realidade, desde 1840 buscava-se no Brasil uma


solução alternativa à mão-de-obra escrava. O pioneiro nesse sentido foi Nicolau Pereira
de Campos Vergueiro, que, em sua fazenda de Ibicaba, no município paulista de Limeira,
adotou uma solução que se denominou colônia de parceria.

Essa solução baseou-se na imigração de europeus - cerca de 177 famílias de


1847 a 1857 - que se comprometeram a cultivar certo número de cafeeiros, colher e
beneficiar o produto, repartindo o dinheiro da venda com o fazendeiro.

Os resultados práticos não foram animadores e a experiência fracassou. As


frustrações dos colonos foram enormes, pois a dívida contraída pelo preço da passagem,
paga pelo fazendeiro, mais o juro de 6% ao ano, além das despesas de alimentação
financiadas pelo fazendeiro, nunca podia ser saldada. Analisando melhor, verifica-se que,
na verdade, Vergueiro havia implantado o antiqüíssimo sistema da escravidão por dívidas.
Diante de problemas insuperáveis e sentindo-se enganados, os colonos se revoltaram em
Ibicaba, em 1857. Essa revolta repercutiu na Europa e levou alguns governos a proibir a
imigração para o Brasil.

O comércio interno de escravos. Todavia, a solução mais comum depois da


extinção do tráfico negreiro foi a compra de escravos do norte pelos fazendeiros do sul. A
decadência econômica do norte, aliada ao alto preço que o escravo atingiu, facilitou esse
comércio, apesar dos protestos e tentativas dos deputados nortistas no sentido de proibi-
lo.

A transferência dos escravos de uma região para outra trouxe dupla


conseqüência: agravou a situação econômica do norte e não resolveu as necessidades
de mão-de-obra do sul.

Assim, o fim do tráfico negreiro condenou a escravidão, que tinha contra ela a
militância de dois fatores, tornando sua abolição irreversível: no norte, o amadurecimento
da consciência abolicionista; no sul, o desenvolvimento da corrente imigratória européia,
com o objetivo de engajá-la no trabalho livre.

Abolicionismo e imigração. A cultura cafeeira ocupou, sucessivamente, o vale do


Paraíba, o Oeste paulista velho, com centro em Campinas, e o Oeste paulista novo, com
centro em Ribeirão Preto. Até recentemente, os historiadores consideravam os
cafeicultores do Oeste paulista mais modernos e adeptos do trabalho livre, em contraste
com os do vale do Paraíba, retrógrados e escravistas. Pesquisas atualizadas, entretanto,
mostraram que os cafeicultores de ambas as regiões eram igualmente escravistas e
defensores da escravidão.

Pressionados pela opinião pública brasileira e internacional, os cafeicultores


formaram um único bloco de resistência contra a abolição. Contudo, os do Oeste paulista,
cujos cafezais eram mais produtivos e recentes, encontravam-se em melhores condições
para arcar com os custos da abolição. E foi sob a pressão abolicionista e a ameaça de
desorganização das suas fazendas motivada pelas fugas dos escravos que os
cafeicultores paulistas finalmente lançaram mão da imigração.

A originalidade da solução paulista foi a de ter buscado a mão-de-obra necessária


na Europa e não na China ou na Índia. Porém, como já vimos anteriormente, as primeiras
tentativas - colônias de parceria - fracassaram.

A imigração européia, como solução definitiva, só se tornou realidade quando o


próprio governo da província de São Paulo assumiu o encargo de subvencioná-la,
desonerando os fazendeiros. A primeira lei nesse sentido apareceu em 1871. Pouco mais
de dez anos depois, a imigração tornou-se maciça!

Barões e Escravos do Café SONIA SANTANNA


Estado e Capital Cafeeiro em São Paulo: 1889-1930 - RENATO M.
PERISSINOTO

A lei de Terras (1850) e o colonato. Em 1850, no mesmo ano em que era abolido
o tráfico negreiro, foi estabelecida a lei de Terras, que regulava a forma de aquisição
fundiária. Durante o período colonial, essa aquisição se fazia mediante a concessão de
sesmarias, que foi suspensa com a independência. A nova lei estipulava que a terra
pública só poderia ser adquirida mediante a compra.

Com essa lei, os grandes proprietários procuraram dificultar o acesso a terra para
as pessoas de poucos recursos. O objetivo dessa lei, portanto, era clara: se a terra fosse
facilmente adquirida por qualquer pessoa, mesmo as de poucos recursos, os fazendeiros
ficariam sem mão-de-obra, pois, em seus cálculos, com a extinção do tráfico, o fim da
escravidão era uma questão de tempo. Com a lei de Terras, os fazendeiros garantiriam os
seus privilégios de proprietários.

Os imigrantes, geralmente pobres, chegaram ao Brasil na vigência dessa lei e


foram trabalhar nos cafezais. O regime de trabalho era o colonato.

Segundo esse regime, cada família de imigrantes - agora colonos - recebia um


pagamento proporcional aos pés de café entregues para serem cuidados por ela. Com a
colheita, os colonos recebiam uma espécie de gratificação de acordo com a quantidade
de café colhida.

O aspecto mais importante do regime de colonato era a permissão dada aos


colonos de cultivarem produtos de subsistência nos intervalos dos cafezais, dos quais
tinham o direito de dispor livremente, inclusive para vender o excedente. Essa prática,
contudo, só era permitida nos cafezais novos, de terras férteis. Nos velhos, era
geralmente proibida ou era destinado um lote separado para a cultura de subsistência, o
que não atraía o colono, já que isso duplicava o seu trabalho ao ter que ir de um local
para outro.

Portanto, o regime de colonato caracterizava-se pelo pagamento fixo no trato do


cafezal, um pagamento variável, conforme a colheita e a produção direta de alimentos.
Por essa razão, não se deve confundir o colonato com o trabalho assalariado, tipicamente
capitalista.

Reforma Agrária: o Impossível Diálogo JOSE DE SOUZA MARTINS

A expansão cafeeira. Se o regime de colonato despertava o interesse e a


preferência do imigrante, ele era também muito vantajoso para os fazendeiros.

De fato, os fazendeiros encontraram um meio excepcional para expandir a


cafeicultura, com o mínimo de dispêndio. Devido à existência de terras devolutas, ainda
virgens, em boa quantidade, o seu preço era relativamente baixo para as posses dos
grandes fazendeiros, que as adquiriam com facilidade. Para o seu desmatamento,
contratavam trabalhadores brasileiros - os "camaradas" -, aos quais pagavam por
empreita. Em seguida, os colonos eram aí introduzidos para formar o cafezal, que, ao fim
de quatro anos, já dava as primeiras colheitas. Como os colonos produziam os seus
próprios meios de subsistência, a despesa, para o fazendeiro, era ínfima.

Com o tempo, surgiram os "empreiteiros do café", que passaram a empresariar a


formação do cafezal nessa mesma base.

Desse modo, os cafeicultores paulistas tornaram-se tanto produtores de café


quanto produtores de fazendas de café. E, à medida que se multiplicavam as fazendas de
café, as terras iam se valorizando, tornando-se cada vez mais inacessíveis às pessoas de
baixa renda. Ao mesmo tempo, quanto mais fazendas eram criadas, mais trabalhadores
eram necessários, o que, enfim, estimulava ainda mais a imigração. Como resultado
importante do pra cesso, a entrada maciça de imigrantes favoreceu a constituição do
mercado de trabalho, sem o qual não há capitalismo.

Em conseqüência, no regime de colonato “não era o fazendeiro quem pagava ao


trabalha dor pela formação do cafezal. Era o trabalhador quem pagava com cafezal ao
fazendeiro o direito de usar as mesmas terras na produção de alimentos durante a fase
da formação”. Foi assim que os fazendeiros multiplicaram a sua riqueza e, como
pretendiam, mantiveram um exército de homens despossuídos, aptos para trabalharem
sob suas ordens.

Para terminar, uma observação: a solução imigrantista, cujo êxito foi


testemunhado pelos cafeicultores, esteve restrita à província de São Paulo. Em outras
regiões, incluindo a cafeicultura de Minas e Rio de Janeiro, a transição para o trabalho
assalariado teve por base trabalhadores locais, brasileiros. Deve ficar claro, portanto, que
o modelo paulista de transição para o trabalho livre não pode ser generalizado para todo o
Brasil.

Mauá: Empresário do Império JORGE CALDEIRA

A Industrialização no Brasil

Os primeiros passos da industrialização. Com a extinção do tráfico negreiro em


1850, o capital até então empregado no comércio de escravos foi reinvestido em outras
atividades econômicas, entre elas a indústria. Os empreendimentos do visconde de Mauá,
aos quais já nos referimos, ocorreram exatamente nesse contexto.

O início da industrialização do Brasil ocorreu por volta de 1870, em estreita


relação com a imigração em massa e a expansão do café em São Paulo.

A expansão cafeeira, com a incorporação dos imigrantes, transformava esse setor


agrícola num empreendimento capitalista e altamente rentável. Com isso, os cafeicultores
acumulavam capital e diversificavam suas atividades, investindo, inclusive, na área
industrial. Por outro lado, a crise e a abolição da escravatura e os imigrantes - sobretudo
italianos -, trabalhando em regime de colonato, converteram-se em base tanto para a
formação do mercado de trabalho quanto para a formarão do mercado interno.

Até 1870, a produção industrial era feita por pequenas oficinas artesanais
espalhadas por várias regiões. As primeiras indústrias tiveram o papel de substituir e
concentrar as produções artesanais. Mais tarde, já na República, um novo surto industrial
terá o papel de substituir os produtos importados.

As primeiras indústrias, entretanto, tinham por objetivo substituir as produções


artesanais dispersas e não substituir os produtos importados. Outro impulso decisivo seria
dado, como veremos, no início da República.

O Movimento Republicano

As transformações da sociedade. A partir de 1850, com a abolição do tráfico,


iniciava-se no Brasil um processo de profunda transformação econômica e social.
Podemos enumerar alguns dados que a comprovam:

• a população brasileira, que era de aproximadamente 3 milhões em 1822, passou


a 14 milhões por volta de 1880;

• as indústrias, principalmente têxteis, se desenvolvem: de 175 estabelecimentos,


em 1874, o número salta para mais de 600 em 1880;

• o transporte melhorou com a construção de 9 mil km de ferrovias e a introdução


do barco a vapor, no final do Império;

• incremento da urbanização;

• melhorias técnicas foram introduzidas na produção do açúcar e do café, ao


mesmo tempo em que os escravos eram substituídos pelos trabalhadores livres
(imigrantes);

• multiplicaram-se os estabelecimentos de crédito (bancos), etc.

Pois bem, o que esse conjunto de transformações tem a ver com a proclamação
da República?

Ressaltemos dois pontos essenciais para se compreender esse processo:


primeiro, a substituição do trabalho escravo pelo livre acarretou uma cisão na camada
dominante dos grandes proprietários; segundo, o Estado imperial não se modernizou na
mesma proporção e não acompanhou as mudanças.

Cabe fazer ainda outra observação: a queda da monarquia e implantação da


República não foi propriamente uma revolução. É verdade que, com a República, a
participação direta dos fazendeiros do café no poder tornou-se realmente efetiva e
avassaladora, como jamais acontecera durante o Império.

A origem da República. A proclamação da República em 15 de novembro de 1889


foi fruto de inúmeros fatores conjugados.

A aspiração republicana era muito antiga no Brasil e, como já vimos, ela se


mostrou em vários movimentos anticoloniais, a exemplo da Inconfidência Mineira,
Confederação do Equador, etc. Mas devemos lembrar que o ideal republicano desses
movimentos era mais um instrumento para contestar o regime colonial ou a autocracia do
primeiro imperador do que propriamente um propósito central e consciente, como se
tornou no final do século XIX. E mais ainda: o ideal republicano era uma expressão local,
das províncias periféricas. No final do século XIX, ele renasceu na própria capital do
Império.

O movimento republicano. O ponto de partida do movimento republicano situou-se


no lançamento do Manifesto Republicano em 1870. Tratava-se, entretanto, de um
documento conservador e nitidamente contra-revolucionário. Num de seus trechos, estava
escrito: "Como homens livres, e essencialmente subordinados aos interesses de nossa
pátria, não é nossa intenção convulsionar a sociedade em que vivemos”.

Na realidade, em 1870 a influência dos liberais sobre os republicanos era muito


grande e, na prática, era muito difícil distinguir uns dos outros. E, de fato, os republicanos
de então defendiam a velha tese dos liberais de que era necessário fazer reformas para
evitar a revolução. O jornalista Quintino Bocaiúva, um dos lideres republicanos, declarava-
se um convicto "evolucionista" e acreditava que a evolução histórica levaria fatalmente a
humanidade à república.

Publicado no Rio de janeiro, o Manifesto não foi recebido da mesma forma em


todo o Brasil. A sua repercussão foi imediata em São Paulo e Minas Gerais, onde se
constituíram rapidamente núcleos republicanos. O Rio Grande do Sul reagiu mais
lentamente, mas de forma positiva.

Nas províncias do norte, a recepção foi praticamente nula, inclusive na Bahia,


que, depois de Minas Gerais, era a província mais populosa. Em Pernambuco a recepção
foi um pouco melhor, dada a sua tradição de luta democrática, fraca em comparação às
províncias do centro e do sul.

Em toda parte, a ascensão dos republicanos foi prejudicada, até 1878, pela falta
de identidade própria, devido ao seu estreito convívio com os liberais, que, apesar de
alguns pontos em comum com os republicanos, eram, no final das contas, monarquistas.
Somente depois de 1878 é que os republicanos começaram a atuar de modo
independente, ganhando assim uma identidade própria como movimento.

O federalismo. Outro fator da queda da monarquia foi o federalismo. Devemos ter


em mente que a defesa do federalismo não é, por si só, necessariamente anti-
monarquista ou republicana.

Porém, em geral, o federalismo foi a expressão de uma insatisfação real. Os


presidentes de províncias, nomeados pelo poder central, atuavam normalmente como
representantes dos interesses do governo do Rio de Janeiro ou do partido no poder e
pouco se interessavam pelos problemas internos da província que deveriam administrar.

O mais grave era que a administração central estava emperrada e não


acompanhou o processo de modernização que ganhara impulso no Brasil depois de 1850.
Pior ainda: ameaçava paralisar o desenvolvimento de centros dinâmicos, como São
Paulo.

Isso se devia à prática política adotada pelo imperador, que utilizava como critério
para preencher os altos cargos administrativos um costume ditado pela tradição. Com
isso, para os cargos diretivos, nomeava rotineiramente os indivíduos pertencentes às
famílias de passado ilustre, perpetuando no poder os agrupamentos tradicionais.

Assim, os setores mais dinâmicos da elite econômica do país encontravam-se


afastados dos centros de decisão. Comparativamente à sua importância econômica, os
cafeicultores ocupavam no governo um espaço muito modesto e reduzido. Os grandes
fazendeiros, entretanto, eram agraciados com títulos nobiliárquicos, em sinal de
reconhecimento pelo Império. Essa iniciativa tinha apenas um caráter honorífico e pouco
prático.
Da perspectiva, por exemplo, do empresariado cafeeiro de São Paulo - o mais
dinâmico do Brasil -, o governo imperial era sentido inevitavelmente como inadequado
para seus interesses. Segundo o economista Sérgio Silva, “durante a década de 1880 a
produção [cafeeira] de São Paulo ultrapassa a produção do Rio de Janeiro, os planaltos
de São Paulo praticamente substituem o vale do Paraíba”. No entanto, a representação
de São Paulo tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados não condizia com a sua
importância econômica: São Paulo tinha 3 senadores, como o Pará, enquanto a Bahia
tinha 6, Minas 10, Pernambuco 6 e o Rio de Janeiro 5. Na Câmara dos Deputados
acontecia o mesmo: São Paulo tinha 9 deputados, enquanto o Ceará tinha 8, Pernambuco
13, Bahia 14, Rio de Janeiro 12 e Minas 20.

Foi essa uma das fortes razões por que ganharam prestígio em São Paulo as
idéias federalistas, que se associaram intimamente aos princípios do republicanismo.

Revolução ou evolução? – Os republicanos eram, em sua esmagadora maioria,


contrários à revolução, entendendo-se por essa palavra a derrubada da monarquia por
meios violentos. Vários líderes, como Quintino Bocaiúva, declaravam-se "evolucionistas”.
A esse grupo vieram pertencer também os seguidores do filósofo francês Augusto Comte,
fundador do positivismo, cuja importância é ressaltada graças ao seu lema inscrito em
nossa bandeira republicana: "Ordem e Progresso”.

A partir de 1850, começaram a circular entre professores e estudantes de


engenharia as idéias de Augusto Comte. Por essa época, Benjamin Constant, professor
de matemática da Escola militar, também iniciava a sua formação positivista, tornando-se
posteriormente o seu mais conhecido divulgador. Por volta de 1874, sob sua influência,
converteu-se à filosofia positivista um jovem estudante republicano, Miguel Lemos, e, já
em 1876, criava-se a Sociedade Positivista do Rio de Janeiro. Sob iniciativa de Miguel
Lemos, que se transformara num adepto fanático de Comte, a Sociedade converteu-se
em Igreja Positivista do Brasil, em 1881.

Foi assim que, agrupados na Igreja Positivista do Brasil, os fiéis discípulos de


Comte constituíram uma pequena seita, cuja finalidade suprema consistia em preservar a
pureza da doutrina do mestre. Porém, a sua influência política só será efetiva depois da
proclamação da República.

O positivismo caracterizava-se pela crença no poder absoluto da ciência - que,


afinal, não é uma atitude científica, mas cientificista, isto é, uma deturpação da ciência,
pois nada é mais estranho a esta do que a crença no "absoluto”. No plano político, o
positivismo brasileiro não foi menos decepcionante: seus partidários defendiam posições
anti-revolucionárias, elitistas e ditatoriais. Acreditavam os positivistas na existência de
uma lei na história que fatalmente faria o Brasil desembocar na república. Essa crença na
inevitabilidade da república era considerada uma previsão rigorosamente científica, de
modo que, coerentemente, os positivistas limitaram-se a adotar uma postura de total
passividade.

Enfim, quando a República foi proclamada, os principais líderes positivistas


deixaram claro que estavam em desacordo com a forma como ela fora proclamada e
também não a aprovaram tal como se encontrava organizada.

Contrastando com esse perfil, Antônio Silva Jardim, jovem advogado, apesar de
pertencer ao grupo positivista, foi, ao contrário da maioria, um adepto declarado da
revolução e um ativo propagandista da república. Entretanto, foi no Exército que a
influência do positivismo mostrou-se duradoura, mas numa versão menos inflexível,
graças à influência do general Benjamin Constant Botelho de Magalhães - que, por sinal,
desentendeu-se com Miguel Lemos, desligando-se já em 1881 do núcleo fanático e
ortodoxo do positivismo.

A Proclamação da República

O isolamento da monarquia. A tradição historiográfica relaciona três questões


responsáveis pela queda da monarquia:

• a questão servil (escravidão); • a questão religiosa;

• a questão militar.

O Estado imperial apoiava-se na escravidão e era apoiado pelos escravistas. O


processo abolicionista, portanto, corroeu sua base social. O conflito do Estado com a
Igreja Católica e com o Exército isolou a monarquia de duas outras fontes de seu apoio.

Além do processo de abolição da escravatura é preciso examinar ainda as crises


religiosa e militar, fatores decisivos também para a derrocada do Império e implantação
da República.

A questão religiosa. O catolicismo era a religião oficial do Brasil e, como em


Portugal, a Igreja estava subordinada ao Estado, através do regime do padroado.
Segundo essa tradição, cabia ao imperador a escolha dos clérigos para os cargos
importantes da Igreja, da mesma forma que as bulas (ou decretos) papais só eram
aplicadas com o consentimento explicito do monarca.

Pois bem, através de uma bula, o papa condenou a maçonaria e interditou padres
e fiéis de pertencerem a seus quadros. Essas determinações, entretanto, não foram
aplicadas no Brasil, visto que era grande o número de católicos filiados à maçonaria.

Em 1872, os bispos de Olinda e Belém, obedientes às ordens papais,


suspenderam irmandades religiosas que se recusavam a afastar os membros maçons.
Por solicitação das irmandades atingidas, D. Pedro II anulou as suspensões. Como, no
entanto, os bispos mantiveram firme o propósito de sustentar a decisão, eles foram
julgados e condenados por ordem imperial.

Embora tenham sido anistiados mais tarde, em 1875, a prisão dos bispos foi uma
afronta à Igreja, ao mesmo tempo em que feriu a religiosidade popular. Como
conseqüência, a Igreja afastou-se do governo imperial.

A questão militar. O Exército como "unidade espiritual e orgânica" só começou a


existir no Brasil a partir da Guerra do Paraguai. Até então, fora mantido em posição
secundária, num regime de absoluta supremacia dos civis.

Depois da Guerra do Paraguai, o Exército tomou consciência de sua importância


e gradativa mente começou a manifestar insatisfação pelo tratamento recebido do
governo imperial. Aos poucos, os militares foram tornando públicas as suas queixas, ao
mesmo tempo em que um grupo minoritário de oficiais, mas extremamente ativo, difundia
o ideal republicano e positivista, sob a liderança de Benjamin Constant.

Foi nesse clima de crescente descontentamento que se deu a chamada questão


militar. Para compreendê-la, é preciso saber que os militares estavam proibidos, por
regulamento, de se pronunciarem através da imprensa sobre questões internas do
Exército.

A questão militar teve início com um incidente ocorrido em 1884. Nesse ano,
foram libertados no Ceará os últimos escravos, tornando-o a primeira província brasileira
a extinguir completamente a escravidão. O jangadeiro Francisco do Nascimento,
conhecido como Dragão do Mar, por ter liderado os jangadeiros a não transportar
escravos para o tráfico, foi considerado o símbolo da luta abolicionista cearense.
Glorificado pelos abolicionistas, recebeu o convite de entidades abolicionistas na Corte
que pretendiam homenageá-lo. Foi recebido como herói no Rio, onde visitou também a
Escola de Tiro, em Campo Grande, sendo bem recebido pelo seu comandante, tenente-
coronel Sena Madureis, um veterano da Guerra do Paraguai. Essa visita foi noticiada pela
imprensa.

Chegando o fato ao conhecimento do ministro da Guerra, este tratou


imediatamente de interpelar Sena Madureira, que, entretanto, alegando estar diretamente
subordinado à Sua Alteza o Conde d'Eu, só a ele devia explicações.

Com esse episódio e outros incidentes que se seguiram, uma forte tensão
instalou-se no Exército, desencadeando a questão militar, que culminou num conflito
protagonizado pelo coronel Ernesto Augusto da Cunha Matos. Este, em inspeção à tropa
no Piauí, denunciou irregularidades praticadas pelo capitão Pedro José de Lima, oficial
pertencente aos quadros do Partido Conservador. Um deputado do Piauí, pertencente ao
mesmo partido, saiu em defesa do seu correligionário, fazendo um violento ataque ao
coronel Cunha Matos na tribuna da Câmara. O coronel respondeu ao ataque pela
imprensa e acabou punido pelo ministro da Guerra, com base no regulamento. Esse
incidente provocou uma intensa discussão na Câmara, e o próprio ministro da Guerra
compareceu ao Senado para discutir o assunto. Tendo sido citado nos debates, Sena
Madureis, que agora servia no Rio Grande do Sul, publicou no jornal A Federação um
artigo em defesa do coronel Cunha Matos e foi punido pelo ministro da Guerra.

A partir disso, os debates ganharam os quartéis e envolveram chefes militares de


expressão, como o visconde de Pelotas - um dos militares enobrecidos pela sua atuação
na Guerra do Paraguai - e o marechal Deodoro da Fonseca. O clima criado pela questão
militar favoreceu a difusão do ideal republicano no Exército, afastando-o de D. Pedro II.

A queda da monarquia. A insatisfação militar, ao aproximar o Exército dos


republicanos, deu origem à aliança que resultaria no golpe de 15 de novembro de 1889.

A situação crítica da monarquia fez com que o governo imperial tentasse uma
solução para superar os problemas. A tentativa foi feita pelo visconde de Ouro Preto, que
assumiu a chefia do ministério em julho de 1889. O seu programa de governo era
amplamente reformista e tinha como objetivo neutralizar as críticas e atender a aspirações
insatisfeitas.

Na sessão de 11 de junho, apresentou à Câmara o seu programa, que, de fato,


era ousado. Depois de uma intensa discussão o programa foi rejeitado pela Câmara,
dominada pelos deputados conservadores. Como reação, o governo decretou a
dissolução da Câmara no dia 17 de julho e a convocação de uma nova, que deveria se
reunir extraordinariamente em 20 de novembro de 1889.

O impasse criado gerou um clima de intensa agitação. Os Partidos Republicanos


do Rio de janeiro e de São Paulo pediram a intervenção militar, e o Exército se mostrou
sensível ao apelo. No dia 11 de novembro, líderes republicanos reuniram-se com o
marechal Deodoro da Fonseca, pedindo-lhe que liderasse o movimento para depor a
monarquia. Estavam presentes Rui Barbosa, Benjamin Constant, Aristides Lobo,
Bocaiúva, Glicério e o coronel Solon. Deodoro aceitou a proposta. No dia 15 de novembro
de 1889, a República foi finalmente proclamada.

Medidas que o Visconde de Ouro Preto tentou tomar para evitar a derrocada do
Império. Tarde demais,,,
A Proclamação da República

Não houve um só tiro que pudesse revelar que se tratava de um golpe e não de
um desfile. Se ecoassem disparos (de fato, houve dois, mas ninguém os escutou), talvez
aqueles 600 soldados percebessem que não estavam ali para participar de uma manobra,
e sim para derrubar um regime. Na verdade, vários militares ali presentes sabiam que
estavam participando de uma quartelada. Mesmo os que pensavam assim achavam que
quem estava caindo era o primeiro-ministro, Ouro Preto Jamais o imperador D. Pedro II -
muito menos a monarquia que ele representava.

Não é de estranhar a ignorância dos soldados do 1° e do 3° Regimento de


Cavalaria e do 9° Batalhão. Afinal, até poucas horas antes, o próprio líder do golpe se
mostrava indeciso. Mais: estava doente, de cama, e só chegou ao Campo de Santana
quando os canhões já apontavam para o quartel. Talvez ele não tenha dado o "Viva o
imperador" que alguns juraram tê-lo ouvido gritar. Mas com certeza impediu que pelo
menos um cadete berrasse o "Viva a república", que supostamente estava entalado em
muitas gargantas.

A cena foi bem estranha Montado em seu belo cavalo, o marechal Deodoro da
Fonseca desfilou longa lista de queixas, pessoais e corporativas, contra o governo -o
governo do ministro Ouro Preto, não o do imperador. O imperador – isso ele fez questão
de deixar claro – era seu amigo: "Devo-lhe favores". O Exército, porém, fora maltratado.
Por isso, derrubava-se o ministério. Difícil imaginar que Deodoro estivesse dando um
golpe, ainda mais golpe republicano – ele era monarquista. Ao seu lado estava o tenente-
coronel Benjamin Constant, militar que odiava andar fardado, não gostava de armas e
tiros e, até cinco anos antes, também falava mal da república. Ambos, Deodoro e
Constant contavam agora com o apoio de republicanos civis. Mas não havia sinal de
"paisanos" por perto -esses apenas tinham incentivado a aventura golpista dos dois
militares (por coincidência ou não, dois militares ressentidos).

O fato é que naquela mesma hora o ministro Ouro Preto foi preso e o gabinete
derrubado. Mas ninguém teve coragem de falar em república. Apenas à noite, quando
golpistas civis e militares se reuniram, foi que proclamaram - em silêncio e
provisoriamente - uma república federativa "Provisoriamente" porque se aguardaria "o
pronunciamento definitivo da nação, livremente expressado pelo sufrágio popular". E o
povo a todas essas? Bem, o povo assistiu a tudo "bestializado, atônito, surpreso, sem
conhecer o que significava", disse Aristides Lobo. Embora Lobo fosse republicano
convicto e membro do primeiro ministério, seu depoimento tem sido contestado por certos
historiadores (que citam as revoltas populares ocorridas naquela época). De qualquer
forma, o segundo reinado, que começara com um golpe branco, terminava agora com um
golpe esmaecido. A monarquia, no Brasil, não caiu com um estrondo, mas com um
suspiro. E o plebiscito para "referendar" a república foi convocado em 1993 - com 104
anos de atraso. O império já havia terminado.

A Proclamação da República
Não houve um só tiro que pudesse revelar que se tratava de um golpe e não de um
desfile. Se ecoassem disparos (de fato, houve dois, mas ninguém os escutou), talvez
aqueles 600 soldados percebessem que não estavam ali para participar de uma manobra,
e sim para derrubar um regime. Na verdade, vários militares ali presentes sabiam que
estavam participando de uma quartelada. Mesmo os que pensavam assim achavam que
quem estava caindo era o primeiro-ministro, Ouro Preto Jamais o imperador D. Pedro II -
muito menos a monarquia que ele representava.
Não é de estranhar a ignorância dos soldados do 1° e do 3° Regimento de
Cavalaria e do 9° Batalhão. Afinal, até poucas horas antes, o próprio líder do golpe se
mostrava indeciso. Mais: estava doente, de cama, e só chegou ao Campo de Santana
quando os canhões já apontavam para o quartel. Talvez ele não tenha dado o "Viva o
imperador" que alguns juraram tê-lo ouvido gritar. Mas com certeza impediu que pelo
menos um cadete berrasse o "Viva a república", que supostamente estava entalado em
muitas gargantas.
A cena foi bem estranha Montado em seu belo cavalo, o marechal Deodoro da
Fonseca desfilou longa lista de queixas, pessoais e corporativas, contra o governo -o
governo do ministro Ouro Preto, não o do imperador. O imperador – isso ele fez questão
de deixar claro – era seu amigo: "Devo-lhe favores". O Exército, porém, fora maltratado.
Por isso, derrubava-se o ministério. Difícil imaginar que Deodoro estivesse dando um
golpe, ainda mais golpe republicano – ele era monarquista. Ao seu lado estava o tenente-
coronel Benjamin Constant, militar que odiava andar fardado, não gostava de armas e
tiros e, até cinco anos antes, também falava mal da república. Ambos, Deodoro e
Constant contavam agora com o apoio de republicanos civis. Mas não havia sinal de
"paisanos" por perto -esses apenas tinham incentivado a aventura golpista dos dois
militares (por coincidência ou não, dois militares ressentidos).
O fato é que naquela mesma hora o ministro Ouro Preto foi preso e o gabinete
derrubado. Mas ninguém teve coragem de falar em república. Apenas à noite, quando
golpistas civis e militares se reuniram, foi que proclamaram - em silêncio e
provisoriamente - uma república federativa "Provisoriamente" porque se aguardaria "o
pronunciamento definitivo da nação, livremente expressado pelo sufrágio popular". E o
povo a todas essas? Bem, o povo assistiu a tudo "bestializado, atônito, surpreso, sem
conhecer o que significava", disse Aristides Lobo. Embora Lobo fosse republicano
convicto e membro do primeiro ministério, seu depoimento tem sido contestado por certos
historiadores (que citam as revoltas populares ocorridas naquela época). De qualquer
forma, o segundo reinado, que começara com um golpe branco, terminava agora com um
golpe esmaecido. A monarquia, no Brasil, não caiu com um estrondo, mas com um
suspiro. E o plebiscito para "referendar" a república foi convocado em 1993 - com 104
anos de atraso. O império já havia terminado.
República Velha (1889 – 1930)
Os treze presidentes. Ao longo da República Velha, que é a denominação
convencional para a história republicana que vai da proclamação (1889) até a ascensão
de Getúlio Vargas em 1930, o Brasil conheceu uma seqüência de treze presidentes. O
traço mais saliente dessa primeira fase republicana encontra-se no fato de que a política
esteve inteiramente dominada pela oligarquia cafeeira, em cujo nome e interesse o poder
foi exercido.

Desses treze presidentes, três foram vices que assumiram o poder: Floriano
Peixoto, em virtude da renúncia de Deodoro da Fonseca; Nilo Peçanha, pela morte de
Afonso Pena; e, finalmente, Delfim Moreira, pela morte de Rodrigues Alves, ocorrida logo
após a sua reeleição.

Luiz Inácio Lula da Silva 1º.01.2003 a


Fernando H. Cardoso 1º.01.1999 a 1º.01.2003
Fernando H. Cardoso 1º.01.1995 a 1º.01.1999
Itamar Franco 02.10.1992 a 1º.01.1995
Fernando Collor 15.03.1990 a 02.10.1992
José Sarney 15.03.1985 a 15.03.1990
Tancredo Neves
João B. Figueiredo 15.03.1979 a 15.03.1985
Ernesto Geisel 15.03.1974 a 15.03.1979
Emílio G. Médici 30.10.1969 a 15.03.1974
Márcio Melo 31.08.1969 a 30.10.1969
Augusto Radamaker 31.08.1969 a 30.10.1969
Aurélio Lyra 31.08.1969 a 30.10.1969
Costa e Silva 15.03.1967 a 31.08.1969
Castello Branco 15.04.1964 a 15.03.1967
Paschoal R. Mazzilli 02.04.1964 a 15.04.1964
João Goulart 24.01.1963 a 1º.04.1964
João Goulart 08.09.1961 a 24.01.1963
Paschoal R. Mazzilli 25.08.1961 a 08.09.1961
Jânio Quadros 31.01.1961 a 25.08.1961
Juscelino Kubitschek 31.01.1956 a 31.01.1961
Nereu de O. Ramos 11.11.1955 a 31.01.1956
Carlos Luz 08.11.1955 a 11.11.1955
Café Filho 24.08.1954 a 08.11.1955
Getúlio Vargas 31.01.1951 a 24.08.1954
Gaspar Dutra 31.01.1946 a 31.01.1951
José Linhares 29.10.1945 a 31.01.1946
Getúlio Vargas 10.11.1937 a 29.10.1945
Getúlio Vargas 20.07.1934 a 10.11.1937
Getúlio Vargas 03.11.1930 a 20.07.1934
Augusto Fragoso 24.10.1930 a 03.11.1930
Isaías de Noronha 24.10.1930 a 03.11.1930
Menna Barreto 24.10.1930 a 03.11.1930
Júlio Prestes
Washington Luís 15.11.1926 a 24.10.1930
Arthur Bernardes 15.11.1922 a 15.11.1926
Epitácio Pessoa 28.07.1919 a 15.11.1922
Delfim Moreira 15.11.1918 a 28.07.1919
Rodrigues Alves
Wenceslau Braz 15.11.1914 a 15.11.1918
Hermes Fonseca 15.11.1910 a 15.11.1914
Nilo Peçanha 14.06.1909 a 15.11.1910
Affonso Penna 15.11.1906 a 14.06.1909
Rodrigues Alves 15.11.1902 a 15.11.1906
Campos Salles 15.11.1898 a 15.11.1902
Prudente de Moraes 15.11.1894 a 15.11.1898
Floriano Peixoto 23.11.1891 a 15.11.1894
Deodoro da Fonseca 25.02.1891 a 23.11.1891
Deodoro da Fonseca 15.11.1889 a 25.02.1891
Governo Provisório (1889-1891). Proclamada a República, na mesma noite de 15
de novembro de 1889 formou-se o Governo Provisório, com o Marechal Deodoro como
chefe de governo. Eis o primeiro ministério da República:

• Interior: Aristides da Silveira Lobo;


• Relações Exteriores: Quintino Bocaiúva; • Fazenda: Rui Barbosa;
• Guerra: tenente-coronel Benjamin Constant;
• Marinha: Eduardo Wandenkolk;
• Agricultura, Comércio e Obras Públicas: Demétrio Nunes Ribeiro;
• Justiça: Manuel Ferraz de Campos Sales.
Primeiras medidas. O Governo Provisório, assim formado, decretou o regime
republicano e federalista e a transformação das antigas províncias em "estados" da
federação. O Império do Brasil chamava-se, agora, com a República, Estados Unidos do
Brasil - o seu nome oficial.
Em caráter de urgência, foram tomadas também as seguintes medidas: a "grande
naturalização", que ofereceu a cidadania a todos os estrangeiros residentes; a separação
entre Igreja e Estado e o fim do padroado; a instituição do casamento e do registro civil.
Porém, dentre as várias medidas, destaca-se particularmente o "encalhamento", adotado
por Rui Barbosa, então ministro da Fazenda.
O “encilhamento”. Na corrida de cavalos, a iminência da largada era indicada pelo
seu encalhamento, isto é, pelo momento em que se apertavam com as cilhas (tiras de
couro) as selas dos cavalos. É o instante em que as tensões transparecem no nervosismo
das apostas. Por analogia, chamou-se "encilhamento" à politica de emissão de dinheiro
em grande quantidade que redundou numa desenfreada especulação na Bolsa de
Valores.
Para compreender por que o Governo Provisório decidiu emitir tanto papel-moeda,
é preciso recordar que, durante a escravidão, os fazendeiros se encarregavam de fazer
as compras para si e para seus escravos e agregados. E o mercado de consumo estava
praticamente limitado a essas compras, de modo que o dinheiro era utilizado quase
exclusivamente pelas pessoas ricas. Por essa razão, as emissões de moeda eram
irregulares: emitia-se conforme a necessidade e sem muito critério.
A situação mudou com a abolição da escravatura e a grande imigração. Com o
trabalho livre e assalariado, o dinheiro passou a ser utilizado por todos, ampliando o
mercado de consumo.
Para atender à nova necessidade, o Governo Provisório adotou uma política
emissionista em 17 de janeiro de 1890. O ministro da Fazenda, Rui Barbosa, dividiu o
Brasil em quatro regiões, autorizando em cada uma delas um banco emissor. As quatro
regiões autorizadas eram: Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. O
objetivo da medida era o de cobrir as necessidades de pagamento dos assalariados - que
aumentaram desde a abolição - e, além disso, expandir o crédito a fim de estimular a
criação de novas empresas.
Todavia, a desenfreada política emissionista acarretou uma inflação* incontrolável,
pois os "papéis pintados" não tinham como lastro outra coisa que não a garantia do
governo. Por isso, o resultado foi muito diverso do esperado: em vez de estimular a
economia a crescer, desencadeou uma onda especulativa. Os especuladores criaram
projetos mirabolantes e irrealizáveis e, em seguida, lançaram as suas ações na Bolsa de
Valores, onde eram vendidas a alto preço. Desse modo, algumas pessoas fizeram
fortunas da noite para o dia, enquanto seus projetos permaneciam apenas no papel.
Em 1891, depois de um ano de orgia especulativa, Rui Barbosa se deu conta do
caráter irreal de sua medida e tentou remediá-la, buscando unificar as emissões no Banco
da República dos Estados Unidos do Brasil. Mas a demissão coletiva do ministério
naquele mesmo ano frustrou a sua tentativa.
A Constituição de 1891
Características. Logo após a proclamação da República, foi convocada uma
Assembléia Constituinte para elaborar uma nova Constituição, promulgada em 24 de
fevereiro de 1891.
A nova Constituição inspirou-se no modelo norte-americano, ao contrário da
Constituição imperial, inspirada no modelo francês.
Segundo a Constituição de 1891, o nosso país estava dividido em vinte estados
(antigas províncias) e um Distrito Federal (ex-município neutro). Cada estado era
governado por um “presidente”. Declarava também que o Brasil era uma república
representativa, federalista e presidencialista.
A Consolidação da República (1891-1894)
“Em vez de quatro poderes, como no Império, foram adotados três: Executivo,
Legislativo e Judiciário”.
Executivo, exercido pelo presidente da República, eleito por voto direto, por quatro
anos, com um vice-presidente, que assumiria a presidência no afastamento do titular,
efetivando-se, sem nova eleição, no caso de afastamento definitivo depois de dois anos
de exercício.
Legislativo, com duas casas temporárias Câmara dos Deputados e Senado Federal
que, reunidos, formavam o Congresso Nacional (...).
Judiciário, com o Supremo Tribunal Federal, como órgão máximo, cuja instalação
foi providenciada pelo Decreto n° 1, de 26 de fevereiro de 1891, que também dispôs sobre
os funcionários da Justiça Federal. Os três poderes exercer-se-iam harmoniosa, mas
independentemente.”
Civis e militares. A República foi obra, basicamente, dos partidos republicanos -
notadamente o de São Paulo -, unidos aos militares de tendência positivista. Porém, tão
logo o grande objetivo foi atingido, ocorreu a cisão entre os "republicanos históricos" e os
militares. As divergências giraram em torno da questão federalista: os civis defendiam o
federalismo e os militares eram centralistas, portanto partidários de um poder central
forte.
A eleição de Deodoro. Conforme ficara estabelecido, a Assembléia Constituinte,
após a elaboração da nova Constituição, transformou-se em Congresso Nacional,
encarregado de eleger o primeiro presidente da República. Para essa eleição
apresentaram-se duas chapas: a primeira era encabeçada por Deodoro da Fonseca para
presidente e o almirante Eduardo Wandenkolk para vice, a segunda era constituída por
Prudente de Morais para presidente e o marechal Floriano Peixoto para vice.
A eleição realizou-se em meio a tensões muito grandes entre militares e civis, pois
o Congresso Nacional era francamente contrário a Deodoro. Em primeiro lugar, porque
este ambicionava fortalecer o seu poder, chegando mesmo a se aproximar de
monarquistas confessos, como o barão de Lucena, a quem convidou para formar o
segundo ministério no Governo Provisório, após a renúncia coletiva do primeiro. Em
segundo, devido à impopularidade de e ao desgaste de Deodoro, motivados pelas crises
desencadeadas pelo "encilhamento", pelas quais, junto com Rui Barbosa, era direta
mente responsável.
Prudente de Morais tinha a maioria. Teoricamente seria eleito. Contudo, os
militares ligados a Deodoro fizeram ameaças, pressionando o Congresso a elegê-lo. E foi
o que aconteceu, embora por uma pequena margem de votos. O vice de Deodoro,
entretanto, foi derrotado por ampla diferença por Floriano Peixoto.
A renúncia de Deodoro. Deodoro, finalmente eleito presidente pelo Congresso, não
conseguiu governar com este último. Permanentemente hostilizado pelo Congresso,
buscou o apoio dos governos dos estados. Na oposição estavam o mais poderoso dos
estados - São Paulo - e o mais influente dos partidos - o PRP (Partido Republicano
Paulista).
Em 3 de novembro de 1891, a luta chegou ao auge. Sem levar em conta a
proibição constitucional, Deodoro fechou o Congresso e decretou o estado de sítio, a fim
de neutralizar qualquer reação e tentar reformar a Constituição, no sentido de conferir
mais poderes ao Executivo.
Porém, o golpe fracassou. As oposições - tanto civis como ' 'tares - cresceram e
culminaram com a rebelião do contra-almirante Custódio de Melo, que ameaçou
bombardear o Rio de Janeiro com os navios sob seu comando. Deodoro renunciou,
assumindo em seu lugar Floriano Peixoto.
Floriano Peixoto (1891-1894). A ascensão de Floriano foi considerada como o
retorno à legalidade. As Forças Armadas - Exército e Marinha - e o Partido Republicano
Paulista apoiaram o novo governo. Os primeiros atos de Floriano foram: a anulação do
decreto que dissolveu o Congresso; a derrubada dos governos estaduais que haviam
apoiado Deodoro; o controle da especulação financeira e da especulação com gêneros
alimentícios, através de seu tabelamento. Tais medidas desencadearam, imediatamente,
violentas reações contra Floriano. Para agravar ainda mais a situação, a esperada volta à
legalidade não aconteceu.
De fato, para muitos, era preciso convocar rapidamente uma nova eleição
presidencial, conforme estabelecia o artigo 42 da Constituição, no qual se lia:
Art. 42 - Se, no caso de vaga, por qualquer causa, da presidência ou vice-
presidência, não houverem ainda decorrido dois anos do período presidencial, proceder-
se-á à nova eleição.
Floriano não convocou nova eleição e permaneceu no firme propósito de concluir o
mandato do presidente renunciante. A alegação de Floriano era de que a lei só se
aplicava aos presidentes eleitos diretamente pelo povo. Ora, como a eleição do primeiro
presidente fora indireta, feita pelo Congresso, Floriano simplesmente ignorou a lei.
O manifesto dos treze generais. Contra as pretensões de Floriano, treze oficiais
(generais e almirantes) lançaram um manifesto em abril de 1892, exigindo a imediata
realização das eleições presidenciais, como mandava a Constituição. A reação de
Floriano foi simples: afastou os oficiais da ativa, reformando-os.
A revolta da Armada. Essa inabalável firmeza de Floriano frustrou os sonhos do
contra-almirante Custódio de Melo, que ambicionava a presidência. Levadas por razões
de lealdade pessoal, as Forças Armadas se dividiram. Custódio de Melo liderou a revolta
da Armada estacionada na baía de Guanabara (1893). Essa rebelião foi imediatamente
apoiada pelo contra-almirante Saldanha da Gama, diretor da Escola Naval, conhecido por
sua posição monarquista.
A revolução federalista. No Rio Grande do Sul, desde 1892, uma grave dissensão
política conduzira o Partido Republicano Gaúcho e o Federalista ao confronto armado. Os
partidários do primeiro, conhecidos como "picapaus", eram apoiados por Floriano, e os do
segundo, chamados de "maragatos", aderiram à rebelião de Custódio de Melo.
Floriano, o Marechal de Ferro. Contra as rebeliões armadas, Floriano agiu
energicamente, graças ao apoio do Exército e do PRP (Partido Republicano Paulista), o
que lhe valeu a alcunha de Marechal de Ferro. Retomando o controle da situação ao
reprimir as revoltas, Floriano aplainou o caminho para a ascensão dos civis.
A "Política dos Governadores" e a Constituição da República Oligárquica
A hegemonia dos cafeicultores. Vimos anteriormente que a República tornou-se
possível, em grande parte, graças à aliança entre militares e fazendeiros de café. Esses
dois grupos tinham, entretanto, dois projetos distintos em relação à forma de organização
do novo regime: os primeiros eram centralistas e os segundos, federalistas. Os militares
não eram suficientemente poderosos para impor o seu projeto nem contavam com aliados
que pudessem lhes dar o poder de que precisavam.
Os cafeicultores, ao contrário, contavam com um amplo arco de aliados potenciais
e compunham, economicamente, o setor mais poderoso da sociedade. A partir de
Prudente de Morais, que, em 1894, veio a suceder Floriano, o poder passou
definitivamente para esses grandes fazendeiros. Mas foi com Campos Sales (189& 1902)
que uma fórmula política duradoura de dominação foi finalmente elaborada: a "política dos
governadores”.
A "política dos governadores". Criada por Campos Sales (1898-1902), a "política
dos governadores" consistia no seguinte: o presidente da República apoiava, com todos
os meios ao seu alcance, os governadores estaduais e seus aliados (oligarquia estadual
dominante) e, em troca, os governadores garantiriam a eleição, para o Congresso, dos
candidatos oficiais. Desse modo, o poder Legislativo, constituído por deputados e
senadores aliados do presidente - poder Executivo -, aprovava as leis de seu interesse.
Estava afastado assim o conflito entre os dois poderes.
Em cada estado existia, portanto, uma minoria (oligarquia) dominante, que,
aliando-se ao governo federal, se perpetuava no poder. Existia também uma oligarquia
que dominava o poder federal, representada pelos políticos paulistas e mineiros. Essa
aliança entre São Paulo e Minas - que eram os estados mais poderosos -, cujos lideres
políticos passaram a se revezar na presidência, ficou conhecida como a "política do café
com leite".
A Comissão de Verificação. As peças para o funcionamento da "política dos
governadores" foram, basicamente, a Comissão de Verificação e o coronelismo. As
eleições na República Velha não eram, como hoje, garantidas por uma justiça eleitoral. A
aceitação dos resultados de um pleito era feita pelo poder Legislativo, através da
Comissão de Verificação. Essa comissão, formada por deputados, é que oficializava os
resultados das eleições.
O presidente da República podia, portanto, através do controle que tinha sobre a
Comissão de Verificação, legalizar qualquer resultado que conviesse aos seus interesses,
mesmo no caso de fraudes, que, aliás, não eram raras.
O coronelismo. O título de "coronel", recebido ou comprado, era uma patente da
Guarda Nacional, criada durante a Regência, como já vimos. Geralmente, o termo era
utilizado para designar os fazendeiros ou comerciantes mais ricos da cidade e havia se
espalhado por todos os municípios.
Durante o Segundo Reinado, os localismos haviam sido sufocados pela política
centralizadora, mas eles renasceram às vésperas da República. Com a proclamação e a
adoção do federalismo, os coronéis passaram a ser as figuras dominantes do cenário
político dos municípios.
Em torno dos coronéis giravam o membros das oligarquias locais e regionais. O
seu poder residia no controle que exerciam sobre os eleitores. Todos eles tinham o seu
"curral" eleitoral, isto é, eleitores cativos que votavam sempre nos candidatos por eles
indicados, em geral através de troca de favores fundados na relação de compadrio.
Assim, os votos despejados nos candidatos dos coronéis ficaram conhecidos como "votos
de cabresto”. Porém, quando a vontade dos coronéis não era atendida, eles a impunham
com seus bandos armados - os jagunços -, que garantiam a eleição de seus candidatos
pela violência.
A importância do coronel media-se, portanto, por sua capacidade de controlar o
maior número de votos, dando-lhe prestígio fora de seu domínio local. Dessa forma,
conseguia obter favores dos governantes estaduais ou federais, o que, por sua vez, lhe
dava condições para preservar o seu domínio.

O Crescimento do Mercado Interno

O mercado consumidor. Na última década do século XIX, o mercado de consumo


se expandiu e se transformou estruturalmente devido à implantação do trabalho livre.
Conforme já mencionamos, na época da escravidão, os senhores concentravam o
poder de compra, já que eles adquiriam os produtos necessários não apenas para si e
sua família, mas também para os escravos. Assim, antes da maciça imigração européia, a
parte mais importante do mercado de consumo era representada quase exclusivamente
pelos fazendeiros.
A implantação do trabalho livre emancipou não apenas os escravos, mas também
os consumidores, pois a intermediação dos fazendeiros, embora não desaparecesse
completamente, começou, gradativamente, a perder importância. Consumidores, com
dinheiro na mão, decidiam por si mesmos o que e onde comprar. Com isso, o mercado de
consumo se pulverizou. Conforme veremos adiante, esse crescimento e segmentação do
mercado de consumo exerceu uma pressão poderosa no sentido da modernização da
economia brasileira.
A tradição da monocultura. Entretanto, o principal setor da economia - a
cafeicultura - continuava crescendo dentro de padrões coloniais. Na verdade, a
cafeicultura não apenas precisava preservar o caráter colonial da economia brasileira,
mas também ajudava a mantê-lo. Como no passado, a economia cafeeira estava
inteiramente organizada para abastecer o mercado externo, no qual, por sua vez, adquiria
os produtos manufaturados de que precisava.
Esse padrão econômico tinha como conseqüência o fraco desenvolvimento tanto
da produção de produtos manufaturados, mesmo os de consumo corrente, quanto da
agricultura de subsistência.
Com o crescimento do mercado de consumo que se seguiu à abolição, as
importações aumentaram, pois até produtos alimentícios eram trazidos de fora.
O endividamento externo. As exportações, todavia, não cresceram na mesma
proporção, de modo que, para financiar as importações, o governo começou a se
endividar continuamente. Esses empréstimos eram contratados sobretudo na Inglaterra,
que, assim, tornou-se a maior credora do Brasil. Enfim, chegou-se a um ponto em que as
dívidas se acumularam a ponto de desencadear uma crise por falta de capacidade de o
país saldar as suas dívidas externas.
O funding loan. Em 1898, antes mesmo de Campos Sales tomar posse, o ministro
da Fazenda, Joaquim Duarte Murtinho, foi à Inglaterra renegociar a dívida. Conhecido
como funding loan (empréstimo de consolidação), o acordo financeiro negociado com os
credores consistiu no seguinte: o Brasil substituiu o pagamento em dinheiro por
pagamento em títulos dos juros dos empréstimos anteriores e um novo empréstimo lhe foi
concedido para criar condições futuras de pagamento dos débitos.
O estímulo à industrialização. Diante de tal situação, o governo federal adotou uma
política para desestimular as importações. Acontece que, com a República, a arrecadação
dos impostos fora dividida do seguinte modo: os estados ficavam com os impostos sobre
as exportações, e o governo federal com os impostos sobre as importações. Ora,
desestimular as importações significaria diminuir as suas receitas. Por essa razão, o
governo federal recorreu ao imposto de consumo, que já havia sido instituído, mas até
então não tinha sido cobrado.
Observemos que a simples instituição do imposto de consumo indicava que o
mercado de consumo já havia atingido dimensões significativas e revelava a expectativa
do governo em relação ao seu crescimento. E isso testemunhava a importância já
adquirida pelo mercado interno.
Devido aos problemas gerados pelo aumento do consumo, o governo federal foi
obrigado a estimular a produção interna a fim de diminuir as importações. Esse problema
não existiria se as exportações, principalmente do café, fossem suficientes para cobrir
todos os gastos com as importações. Não era esse o caso. Entretanto, para que o modelo
agroexportador fosse preservado, era necessário criar condições para o abastecimento
através da produção nacional própria. Foi por esse motivo que a industrialização começou
a ser estimulada no Brasil.

A Política de Valorização do Café


A organização da economia cafeeira. As fazendas de café estavam espalhadas
pelo interior, distantes dos grandes centros urbanos onde a produção era vendida. Com
as precárias condições de transporte, aliadas ao fato de que os fazendeiros
administravam diretamente as suas propriedades, os cafeicultores acabaram delegando a
terceiros (os chamados comissários) a colocação de sua produção no mercado.
Esses encarregados da negociação das safras nos grandes centros eram, de
início, pessoas de confiança com a incumbência de realizar as operações no lugar do
fazendeiro. Aos poucos, de simples encarregados, esses comissários começaram a
concentrar em suas mãos as safras de vários fazendeiros, tornando-se importantes
intermediários entre produtores e exportadores, em geral estrangeiros.
As casas comissárias que então se organizaram passaram a negociar em grande
escala o café de várias procedências. Com o tempo, apareceu um novo intermediário: os
ensacadores. Estes compravam o café das casas comissárias, classificavam e
uniformizavam o produto, adaptando-o ao gosto dos consumidores estrangeiros e,
finalmente, o revendiam aos exportadores.
Com a profissionalização dos comissários, estes começaram a atuar também como
banqueiros dos cafeicultores, financiando a produção por conta da safra a ser colhida.
Por volta de 1896, esse esquema começou a mudar. Os exportadores
(estrangeiros), com a finalidade de aumentar os seus lucros, passaram a procurar
diretamente os fazendeiros para negociar a compra antecipada das safras. Com seus
representantes percorrendo as fazendas para fechar negócio, essa nova relação entre
produtores e exportadores indicava, na verdade, que o mercado brasileiro encontrava se
em fase de profunda transformação.
De fato, conforme o esquema até então vigente, os comissários não apenas
intermediavam a venda das safras, como também intermediavam a compra dos
fazendeiros nas grandes casas importadoras de produtos de consumo estrangeiros. O
esquema, portanto, era o seguinte: fazendeiros - comissários - ensacadores ---c›
exportadores/importadores comissários - fazendeiros.
A decisão dos exportadores em negociar a safra diretamente com os fazendeiros
modificou também a forma de atuação dos importadores que, não dispondo mais do
comissário que intermediava as compras para o fazendeiro, tiveram de espalhar agentes
e representantes de vendas pelo interior. O mercado ficou mais segmentado mas, em
compensação, mais livre.
A crise de superprodução. Contudo, desde 1895, a economia cafeeira não andava
bem. Enquanto a produção do café crescia em ritmo acelerado, o mercado consumidor
europeu e norte-americano não se expandia no mesmo ritmo. Conseqüentemente, sendo
a oferta maior que a procura, o preço do café começou a despencar no mercado
internacional, trazendo sérios riscos para os fazendeiros.
Nos primeiros dois anos do século XX, o Brasil havia produzido pouco mais de 1
milhão de sacas acima da capacidade de consumo do mercado internacional. Essa cifra
saltou para mais de 4 milhões em 1906, alarmando a cafeicultura.
O Convênio de Taubaté (1906). Para solucionar o problema, os governadores de
São Paulo, Minas Gerais e Rio de janeiro reuniam-se na cidade de Taubaté, no interior de
São Paulo. Decidiu-se então que, a fim de evitar a queda de preço, os governos estaduais
interessados deveriam contrair empréstimos no exterior para adquirir parte da produção
que excedesse o consumo do mercado internacional. Dessa maneira, a oferta ficaria
regulada e o preço poderia se manter. Teoricamente, o café estocado deveria ser liberado
quando a produção, num dado ano, fosse insuficiente. Ao lado disso, decidiu-se
desencorajar o plantio de novos cafezais mediante a cobrança de altos impostos.
Estabelecia-se, assim, a primeira política de valorização do café.
O governo federal foi contra o acordo, mas a solução do Convênio de Taubaté
acabou se impondo. De 1906 a 1910, quando terminou o acordo, perto de 8 500 000
sacas de café haviam sido retiradas de circulação.
O acordo não foi propriamente uma solução, mas um simples paliativo. E o futuro
da economia cafeeira continuou incerto.

Primeiras Rebeliões no Brasil Republicano

Rebeliões “primitivas”: No final do século XIX e início do atual, a expansão do


capitalismo provocou importantes transformações em todo o mundo. No Brasil, esse
fenômeno foi responsável pela abolição da escravatura e pela proclamação da República,
acompanhadas por um processo de crescente modernização da economia. Por toda parte
ocorreram reajustes sociais que forçaram a adaptação, transformando as antigas formas
de convívio social.
Nesse contexto, em várias regiões do mundo eclodiram movimentos de resistência
às mudanças, por parte de sociedades nas quais o sistema de dominação não tinha
assumido ainda um caráter claramente capitalista. Eram sociedades rústicas em que as
relações sociais continuavam dependendo dos laços de fidelidade pessoal. No Brasil,
essas rebeliões foram representadas, principalmente, pela Guerra de Canudos e pelo
Contestado.
Essas rebeliões primitivas surgiram em virtude das alterações provocadas pelo
capitalismo, que desestabilizou as antigas formas de organização e dominação sociais. O
capitalismo fez cair o véu que ocultava a opressão e a miséria dessas sociedades rurais
arcaicas. As rebeliões foram, então, um protesto trágico contra a opressão e a miséria,
mas um protesto sem projetos claros e definidos. Quase sempre, as aspirações dos
rebeldes primitivos se mesclavam à profunda religiosidade, sem orientação política
consciente. Daí a razão do seu isolamento e, conseqüentemente, do seu fracasso ante as
forças repressivas dos poderes constituídos.

Guerra de Canudos
A maior expressão dos movimentos rústicos no Brasil está ligada ao nome de
Antônio Vicente Mendes Maciel - o célebre Antônio Conselheiro. De origem humilde,
apareceu no sertão nordestino como beato, por volta de 1870.
A figura do beato era comum no sertão nordestino. Sua origem se relaciona com as
atividades do padre José Maria Ibiapina, que, seguindo a orientação do catolicismo de
seu tempo, procurou melhor comunicação entre o clero e os fiéis.Ao padre Ibiapina
deveu-se a criação de inúmeras casas de caridade - mistura de orfanato e escola -, que
se multiplicaram a partir da segunda metade do século XIX.
Essas casas de caridade eram administradas por ordens leigas, não reconhecidas
pela Igreja, mas toleradas por ela. E foi por causa dessas casas que se multiplicaram as
ordens de beatos, expressão concreta da intensificação da religiosidade no sertão
nordestino.
Nesse quadro, o prestígio de Antônio Conselheiro começou a aumentar, e por isso
ele passou a ser perseguido sistematicamente pela Igreja. Já com inúmeros seguidores,
logo após a proclamação da República, Antônio Conselheiro se estabeleceu no sertão
baiano, na localidade denominada Arraial de Canudos, às margens do rio Vaza-Barris.
Formaram ali uma comunidade de beatos que, em virtude das crescentes pressões
religiosas e civis, decidiu romper com o mundo circundante, organizando-se como uma
comunidade consciente de suas particularidades. Essa população humilde que se
concentrava em Canudos esperava construir uma cidade santa, a que chamariam Belo
Monte.
A comunidade de Canudos tornou-se um núcleo relativamente próspero,
dedicando-se até ao comércio com as cidades vizinhas. Os grandes proprietários rurais
inquietaram-se com o crescimento de Canudos, iniciando articulações para a sua
dispersão, com o apoio da Igreja. Contra Canudos as denúncias oficiais se multiplicaram,
acusando o Conselheiro de conspirar contra a República em virtude de sua posição
monarquista - argumento, aliás, amplamente utilizado como pretexto às repressões que
então foram desencadeadas. Tudo isso para encobrir os verdadeiros motivos: impedir os
pobres de viver com autonomia, pois os grandes proprietários necessitavam de mão-de-
obra abundante e barata, enquanto a Igreja pretendia manter sob seu controle o rebanho
cristão.
A primeira campanha contra Canudos deuse em 1896, no governo de Prudente de
Morais. Contudo, a resistência de Canudos foi notável, obrigando as forças da ordem a
multiplicar os esforços para combatê-la.
Devido às seguidas derrotas que as forças oficiais sofreram, a Guerra de Canudos
começou a ocupar as páginas dos noticiários, tornando-a nacionalmente conhecida. No
ano de 1897, em abril, finalmente se organizou a quarta expedição, sob o comando do
general Artur de Andrada Guimarães, formada por 8 mil soldados equipados com as mais
modernas armas do tempo. Canudos resistiu até 5 de outubro desse ano, quando foi
arrasado e seus habitantes dizimados pelas tropas.
Contestado – A Guerra do Contestado ocorreu já no século XX, entre 1912 e 1916,
na região do Contestado, que recebeu esse nome por ter se tornado alvo de disputa entre
Santa Catarina e Paraná.
Desde o momento de seu povoamento, no século XVIII, o Contestado era uma
região violenta. Em primeiro lugar, devido à luta contra os índios; posteriormente, por
causa das lutas entre famílias pela disputa de terras. Além disso, o Contestado foi afetado
pela Guerra dos Farrapos e pela Revolução Federalista de 1893.
No final do século XIX, celebrizou-se o monge João Maria, que depois de sua
morte tornou-se figura lendária entre os sertanejos.
Por volta de 1912, ocupou o seu lugar José Maria, que se dizia seu irmão.
Rapidamente passou a liderar um grupo de fiéis que se reunia num bairro rural do
município de Curitibanos, em Santa Catarina. Porém, sob pressão do prefeito da cidade,
os fiéis foram obrigados a se transferir para a região do município de Palmas, onde
ocorreram as disputas entre catarinenses e paranaenses. Novamente os fiéis foram
dispersos pelas autoridades e, dessa vez, José Maria foi morto.
A lenda de seu próximo retorno, entretanto, propagou-se rapidamente. A força
dessa crença acentuou-se com as visões de uma menina, em Taquaruçu, em que José
Maria teria ordenado a reunificação dos fiéis. Os crentes começaram então a chegar a
Taquaruçu, mas a pronta ação das forças repressivas arrasou novamente o ajuntamento.
Os sobreviventes reuniram-se em Santa Maria, onde organizaram uma cidade santa que
resistiu valentemente às investidas do Exército. O grande número de soldados e armas
utilizados pelas forças repressivas determinou, enfim, a derrota dos crentes, em 1916.
Cangaço
Banditismo social – Ao lado de Canudos e do Contestado, outro fenômeno
característico da época foi o banditismo social. Em sua forma característica, ele surgiu no
nordeste brasileiro e ficou conhecido como cangaço. Suas primeiras manifestações
ocorreram por volta de 1870 e perduraram até 1940.
O banditismo social não foi um fenômeno exclusivamente brasileiro. Ele apareceu
em muitas regiões do mundo que tinham características semelhantes às do nordeste
brasileiro, como na Sicília (Itália), Ucrânia e na América espanhola. Em grande parte, o
banditismo social foi, como Canudos e o Contestado, uma reação do tradicionalismo rural
ao avanço do capitalismo.
O bandido social diferia do bandido comum por sua origem. Em geral, tornava-se
um "fora-da-lei" como resposta às injustiças e perseguições que sofria. Por isso, era
objeto de admiração pela comunidade, que, não raro, engrandecia seus feitos de coragem
e valentia. Apesar disso, diferentemente do revolucionário, o bandido social não era
necessariamente contra os dominantes, nem era portador de projetos de transformação
social. O seu prestígio vinha do fato de apresentar-se como porta-voz da resistência de
um mundo em dissolução.
Origem do cangaço – Desde o século XVIII, com o deslocamento do centro
dinâmico da economia para o sul do Brasil, as desigualdades sociais do nordeste se
agravaram. Entretanto, no sertão, onde predominava a pecuária, consolidou-se uma
forma peculiar de relação entre os grandes proprietários e seus vaqueiros. Entre eles,
estabeleceram-se laços de compadrio (tornavam-se compadres), cuja base era a relação
de fidelidade do vaqueiro ao fazendeiro, com este dando proteção em troca da
disponibilidade daquele em defender, de armas na mão, os interesses do seu patrão.
Os conflitos eram constantes, devido à imprecisão dos limites geográficos entre as
fazendas e às rivalidades políticas, transformadas em verdadeiras guerras entre
poderosas famílias. Cada uma destas fazia-se cercar de jagunços (capangas do senhor) e
de cabras (trabalhadores que ajudavam na defesa), formando verdadeiros exércitos
particulares.
Nos últimos anos do Império, depois da grande seca de 1877-1879, com o
agravamento da miséria e da violência, começaram a surgir os primeiros bandos armados
independentes do controle dos grandes fazendeiros. Essa é a origem do cangaço. Por
essa época ficaram famosos os bandos de Inocêncio Vermelho e de João Calangro.
Lampião, o rei do cangaço – Contudo, somente na República o cangaço ganhou a
forma conhecida, com Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, que aterrorizou o nordeste
de 1920 a 1938. Havia uma razão para esse fato. Com a proclamação da República em
1889, implantase no Brasil o regime federalista, que concedeu uma ampla autonomia às
províncias, fortalecendo as oligarquias regionais. O poder dessas oligarquias regionais de
coronéis se fortaleceu ainda mais com a política dos governadores iniciada por Campos
Sales (1899-1902). O poder de cada coronel era medido pelo número de aliados que tinha
e pelo tamanho de seu exército particular de jagunços.
Esse fenômeno era comum a todo o Brasil, mas nos estados mais pobres, como
Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, os coronéis não eram suficientemente ricos e
poderosos para impedir a formação de bandos armados independentes. Foi nesse
ambiente que nasceu e prosperou o bando de Lampião, por volta de 1920, coincidindo o
seu surgimento com a crise da República Velha. Depois da morte de Lampião, em 1938,
nenhum outro bando veio ocupar o seu lugar. Com o fim da República Velha em 1930,
encerrava-se também a era do cangaço.
História do Cangaço MARIA ISAURA PEREIRA DE QUEIROZ

A Revolta da Vacina (1904)


Rodrigues Alves e o seu programa de governo – Em 15 de novembro de 1902,
assumia a presidência da República Rodrigues Alves. Em São Paulo, antes de embarcar
no trem que o levaria ao Rio de Janeiro, o novo presidente disse a um amigo: "O meu
programa de governo vai ser muito simples. Vou limitar-me quase exclusivamente a duas
coisas: o saneamento e o melhoramento do porto do Rio de Janeiro”. E foi o que fez.
Desde meados do século XIX, as precárias condições de higiene da cidade do Rio
haviam disseminado doenças terríveis como a cólera, a varíola, a peste e a febre
amarela. O rápido crescimento populacional, do fim do século passado para o nosso, só
veio agravar a situação.
A cidade do Rio de Janeiro tinha, em 1890, cerca de 500 mil habitantes. Apenas
trinta anos depois, a sua população havia saltado para 1 157 873 habitantes. Para abrigai
toda essa gente, os casarões do centro foram sendo divididos internamente em pequenos
cômodos e alugados. Assim, o centro da cidade foi tomado por uma multidão de pessoas
e com ela vieram os problemas de alcoolismo, criminalidade e mendicância.
Outro problema estava no porto, muito importante, mas antiquado. A pouca
profundidade perto do cais impedia o atracamento de navios de grande porte, dificultando
as operações de carga e descarga. Por outro lado, a estreiteza das ruas e o pouco
espaço para o armazenamento das mercadorias também contribuíam para a morosidade
dos serviços.
Para cumprir o seu programa de governo, Rodrigues Alves escolheu dois
auxiliares: o engenheiro Francisco Pereira Passos, indicado para a prefeitura do Distrito
Federal, e o médico Osvaldo Cruz para o saneamento. Ambos pediram e receberam carta
branca do presidente.
A reurbanização e o saneamento – O programa traçado por Rodrigues Alves tinha
em mira, não tanto o bem-estar do povo, mas a transformação da cidade do Rio numa
espécie de cartão-postal do país. E, de fato, devido às epidemias, os navios estrangeiros
mantinham-se distantes temendo o contágio. E isso era prejudicial à política
governamental de estímulo à imigração e à entrada de capitais estrangeiros.
Em 1906, no fim do seu mandato, Rodrigues Alves entregou aos cariocas uma
nova cidade. As epidemias haviam sido controladas, e uma moderna avenida - a avenida
Central - de dois quilômetros, com trinta e três metros de largura, deu à cidade um toque
de modernidade. O comércio sofisticado transferiu-se para o lugar, atraindo agora
consumidores de alto poder aquisitivo.
A segregação social – Rodrigues Alves era paulista, como os dois presidentes civis
- Prudente de Morais e Campos Sales - que o antecederam. Ele disputou e venceu as
eleições contra Quintino Bocaiúva, muito querido no Rio. Na verdade, um clima de
hostilidade rondava o Catete (palácio presidencial), nutrido por um sentimento
antipaulista.
Enfrentando uma forte oposição no Rio, entrava nos cálculos do governo federal a
possibilidade de manipulação, pela oposição, da massa insatisfeita que dominava o
centro da cidade e contra a qual uma ação repressiva seria certamente dificultada pelas
ruelas e becos por onde se espalhavam pequenos cômodos de aluguel. A reurbanização
do centro, cortado por largas avenidas, era também uma medida preventiva contra
distúrbios populares.
A execução do programa de Rodrigues Alves atingia, portanto, vários objetivos ao
mesmo tempo, mas nenhum deles ocupava-se com o bem-estar da massa popular. Ao
contrário, concebida a partir de uma visão elitista e autoritária, a reurbanização significou,
na realidade, o desalojamento das camadas populares do centro e a sua expulsão para a
periferia.
O programa foi executado segundo aquela visão, com métodos afinados com ela.
Em nome da "regeneração", como se dizia, centenas de habitações coletivas foram
demolidas, desabrigando milhares de pessoas que não tinham para onde ir. A obra foi
concluída com a entrega do centro elegante à burguesia e o deslocamento dos pobres
para a periferia. A divisão da sociedade tornava-se também muito clara em termos
espaciais, consumando a segregação social.

A revolta popular – O saneamento foi conduzido pelo mesmo espírito autoritário.


Na primeira etapa, em que se lutava contra a peste bubônica, o combate
concentrou-se na eliminação dos ratos, os transmissores. Os lugares mais notórios, como
becos, hospedarias e armazéns foram visitados pelos agentes da saúde encarregados de
remover entulhos e espalhar raticidas. Um método curioso foi também posto em prática
para eliminar os ratos: funcionários percorriam a cidade para "comprar" os ratos
apanhados pela população. A febre amarela, cujo transmissor havia sido identificado por
um médico cubano, foi combatida por uma campanha de "mata-mosquitos" com a
eliminação dos focos e com a desinfecção das casas.
Osvaldo Cruz agia exclusivamente com base na autoridade de seus
conhecimentos médicos, sem a preocupação de esclarecer a opinião pública. Tanto assim
que não eram poucos os que duvidavam ser o mosquito o transmissor da febre amarela.
Não importava, o Dr. Osvaldo Cruz foi em frente.
Mas esbarrou em forte resistência no combate à varíola. A população estava cética
em relação à sua eficácia. Além disso, tinha sérias dúvidas sobre seus efeitos reais. A
maioria acreditava que a vacina era um meio de contrair a doença. Mas Osvaldo Cruz não
hesitou: colocou os vacinadores nas ruas, apoiados por policiais que entravam nas casas
e vacinavam à força. Contudo, para atingir resultados definitivos era necessária a
vacinação em massa, num processo rápido.
No interesse do governo, foi apresentado por um senador um projeto de lei que
tornava a vacina obrigatória. Depois de quatro meses de resistência, a lei, cuja
regulamentação foi elaborada pelo próprio Osvaldo Cruz, foi finalmente aprovada e
publicada no dia 9 de novembro de 1904. A resistência Ia havia ganhado a rua: no dia 5
de novembro fora criada a Liga Contra a Vacina Obrigatória. Seu líder e fundador, o
senador Lauro Sodré, pretendia, ao que parece, transformar a liga num instrumento de
ambições políticas próprias e de seus aliados. Com essa expectativa, colocou a
organização na liderança de um movimento insurrecional que, entretanto, escapou
completamente ao seu controle.
Num comício contra a vacina, convocado pela liga para o dia 11 de novembro, no
qual os próprios líderes da convocação não compareceram, representantes populares
assumiram espontaneamente a direção do evento com discursos explosivos. A
intervenção da polícia deu origem ao confronto que fez espalhar o motim por toda a
cidade. Durante quase uma semana agitações de rua tomaram conta da cidade,
agravadas pela participação da própria Escola Militar da Praia Vermelha, com o apoio de
altos oficiais. Com depredação de bondes, estabelecimentos comerciais e órgãos
públicos, a cidade do Rio foi devastada.
Finalmente o governo recuou e revogou no dia 16 de novembro a obrigatoriedade
da vacina, fazendo refluir o movimento. No seu rastro, a revolta deixou centenas de
mortos e feridos. A brutalidade da ação policial sobre as camadas populares, que foram
as principais vítimas, continuou mesmo depois de terminada a revolta. Identificando como
suspeita qualquer pessoa pelo simples fato de pertencer aos extratos populares, o sentido
da repressão tornou-se claro: tratava-se de afastar o pobre da cidade, "limpá-la" e
entregá-la como espaço higienizador para uso burguês.
A Revolta da Vacina: Mente Insanas em Corpos Rebelde - - NICOLAU SEVCENKO

A Revolta da Chibata (1910)


O recrutamento militar – Desde o período colonial, o recrutamento de soldados e
marinheiros era feito de maneira particularmente violenta. Para começar, o recrutamento
era forçado, arbitrário e recaía sobre pessoas de origem humilde, que não tinham como
se defender. Os que dispunham de alguma fortuna compravam sua isenção do serviço
militar. Além disso, os homens recrutados eram submetidos a constantes violências, que
incluíam desde uma péssima alimentação até castigos corporais.
A rebelião – A Revolta da Chibata ocorreu na Marinha. Em comparação com o
Exército, a Marinha era tradicionalmente elitizada, e a distância entre oficiais e
marinheiros era muito maior do que a existente entre postos análogos no Exército. Desde
meados do século XIX, o tratamento humilhante e violento na Marinha vinha sendo
questionado sem nenhum resultado concreto. Com o advento da República, cuja história
iniciou-se um ano após a abolição, aquela forma de tratamento que vinha do Império era
insustentável. Contudo, foi necessária uma rebelião ameaçadora dos marinheiros para
que a Marinha adotasse medidas disciplinares menos brutais.
A rebelião ocorreu em 1910. Nesse ano, o marinheiro Marcelino Rodrigues
Meneses, que servia na belonave Minas Gerais, fora condenado a 250 chibatadas. Seus
companheiros - obrigados, como de costume, a assistir ao castiga - não se contiveram e,
na noite de 22 de novembro, se rebelaram. Os outros três navios (São Paulo, Bahia e
Deodoro) estacionados na Guanabara aderiram. O líder da revolta foi o marinheiro João
Cândido.
Embora tenha sido precipitada pelo castigo de Meneses, a revolta já vinha sendo
preparada havia muito tempo. Assim, os rebeldes estavam razoavelmente organizados, o
que lhes permitiu dominar com rapidez os quatro navios. O comandante do Minas Gerais,
Batista Neves, foi morto, juntamente com outros oficiais. Também houve mortes do lado
dos marinheiros.
A repressão – O objetivo da revolta era simples, conforme declarou o cabo
Gregório do Nascimento, que assumiu o comando do navio São Paulo: conseguir o fim do
castigo corporal e melhorar a alimentação.
João Cândido enviou pelo rádio uma mensagem ao Catete, ameaçando
bombardear a cidade e os navios que não haviam aderido à revolta, caso suas
reivindicações não fossem imediatamente atendidas. O presidente era Hermes da
Fonseca, recém-empossado.
O governo estava sem alternativas, pois os canhões estavam apontados para a
cidade. Assim, por iniciativa de Rui Barbosa, na época senador, foi proposto e aprovado
um projeto que atendia aos marinheiros e lhes concedia anistia. Com isso, os revoltosos
depuseram as armas e se submeteram às autoridades.
Porém as concessões do governo ficaram no papel. Os novos comandantes
nomeados para os navios revoltados ordenaram a prisão de João Cândido e seus
companheiros, muitos dos quais morreram numa masmorra na ilha das Cobras. Desse
modo, os oficiais e o governo se vingaram dos marinheiros que ousaram revoltar-se. João
Cândido, no entanto, conseguiu sobreviver a todas as atrocidades, sendo enfim absolvido
em julgamento realizado em 1912. Conhecido como Almirante Negro, João Cândido
faleceu em 1969.

O Brasil após a Primeira Grande Guerra


O domínio da oligarquia – De 1898 a 1919, aproximadamente, a República foi a
expressão quase exclusiva do governo dos grandes fazendeiros de café e do predomínio
dos dois estados mais poderosos da federação: São Paulo e Minas. A "política do café
com leite" manteve-se praticamente inabalável, mesmo na presidência do marechal
Hermes da Fonseca (1910-1914), quando dominou a figura de Pinheiro Machado,
presidente do Senado e representante da oligarquia gaúcha. No mais, o PRP e o PRM
(partidos republicanos paulista e mineiro) se revezaram no poder sem grandes
transtornos.
As novas valorizações do café – Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-
1918), o Brasil, cuja economia estava voltada para o mercado externo, sofreu
imediatamente suas conseqüências. Não só porque, a partir de 1917, participou
diretamente do conflito, mas sobretudo porque a guerra desorganizou o mercado
internacional, trazendo novas dificuldades para a exportação do café, que outra vez teve o
seu preço em declínio.
Essa nova situação determinou a segunda valorização do café, entre 1917 e 1920,
embora menor do que a primeira, decidida no Convênio de Taubaté (1906).A crise
cafeeira foi resolvida em 1918, com a geada e o fim da guerra, quando então a economia
internacional retomou o seu ritmo.
A principal conseqüência da Primeira Guerra foi, entretanto, a alteração nas
condições do comércio cafeeiro, em virtude da formação de grandes organizações
financeiras que passaram a atuar, cada qual em seu setor, praticamente sem
concorrência. O grupo Lazard Brothers Co. Ltd., de Londres, que apoiou a segunda
valorização, estabeleceu um domínio financeiro quase completo sobre a economia
cafeeira do Brasil.
Em resposta à nova situação, criou-se em São Paulo o Instituto do Café, destinado
a controlar o comércio exportador do produto, regulando as entregas ao mercado e
mantendo o equilíbrio entre a oferta e a procura.
Como o Brasil era responsável pelo fornecimento de cerca de 60% do consumo
mundial, o Instituto do Café tinha em mãos todos os recursos de que necessitava, não só
para manter o preço, como também para forçar altas artificiais. O instituto, que tinha como
objetivo regular o escoamento do café, transformou-se num estocador cada vez maior do
produto.
Contradições da valorização – Precisamente por causa dessa política de
valorização permanente, que mantinha artificialmente o preço do café, estimulou-se ainda
mais a sua produção (o número de cafeeiros em 1924 era de 949.000.000, passando em
1930 para 1.155.000.000).
Essa situação artificial não poderia ser mantida indefinidamente, pois a capacidade
de estocagem estava diretamente ligada ao apoio financeiro que se obtinha no exterior.
Em 1929, como veremos adiante, a crise geral do capitalismo tornou insustentável o
esquema.

O Processo de Industrialização
A origem e as condições da industrializacão – Até fins do século XIX, a economia
brasileira continuou essencialmente agrária e exportadora. Na região amazônica,
produzia-se e se exportava borracha. No norte e nordeste, açúcar, algodão, fumo e cacau
dominavam. No Rio de janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo, o café ocupava
o primeiro lugar. No Rio Grande do Sul produziam-se couro, pele, mate e se exportava
para outras regiões do Brasil o charque.
Porém, no final do século XIX, esse quadro dominado pela economia
agroexportadora começou a se transformar. Entre 1886 e 1894, a industrialização ganhou
impulso, embora a sua origem fosse anterior a 1880. Contudo, o surgimento e o
desenvolvimento das indústrias estiveram intimamente relacionados ao desempenho
daquela economia primário-exportadora. Isso até a crise de 1929, quando então a
economia agroexportadora foi superada pela industrialização, que passou a ocupar o
centro vital da economia.
A industrialização não ocorreu em todo o país simultaneamente e com a mesma
intensidade. O seu pólo dinâmico situava-se no sudeste, particularmente em São Paulo,
onde se localizava a mais poderosa economia exportadora: a cafeicultura.
A economia cafeeira paulista, desenvolvendo-se no contexto da transição do
trabalho escravo para o livre, e com ampla possibilidade de expansão nas terras férteis do
Oeste, converteu-se na mais próspera das economias agroexportadoras. E, por essa
razão, foi ali que a industrialização desenvolveu-se mais rapidamente.
De início, a industrialização fazia parte da economia cafeeira, ou melhor, do
"complexo cafeeiro", pois a produção e a exportação do café dependiam de uma
complexa organização de fatores. Além da esfera propriamente de sua produção, o
complexo incluía ainda o seu processamento, um sistema de transporte (ferrovias),
comércio de importação e exportação, bancos e, por fim, indústrias.
O processo de industrialização, por isso, acompanhou o ritmo do setor exportador -
não apenas cafeeiro. Em momentos de expansão, os investimentos industriais
aumentavam, e se contraíam em momentos de retração do mercado internacional. Até a
Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o Estado não adotou nenhuma política de estímulo
à industrialização. No entanto, ela era estimulada direta ou indiretamente quando o
governo aumentava as tarifas alfandegárias e, sem o pretender, acabava protegendo as
indústrias da concorrência estrangeira, ou quando desvalorizava a moeda nacional
desestimulando as importações, ou então quando adotava as duas medidas ao mesmo
tempo.
A indiferença do governo em relação à industrialização tinha a ver com o modelo
econômico agroexportador que o Brasil herdara da colônia. Segundo esse modelo, o
Brasil exportava produtos tropicais e, em troca, importava produtos manufaturados. Essa
tradição persistiu na economia cafeeira e, como vimos anteriormente, o fazendeiro,
através de seu comissário, realizava compras para si e para os escravos nas grandes
casas importadoras, que forneciam a quase totalidade dos produtos de consumo de
origem industrial. Portanto, segundo o modelo agroexportador não havia necessidade de
desenvolver a industrialização. Contudo, a produção em pequena escala de produtos
manufaturados estava disseminada pelo Brasil em pequenas oficinas artesanais.
O primeiro passo no sentido da industrialização foi dado com a substituição dessa
pequena produção por unidades industriais maiores. E isso começou a acontecer no final
da década de 1870, quando então a abolição da escravatura encontrava-se na ordem do
dia e a solução imigrantista começou a ser considerada como alternativa. No bojo desse
processo, alterou-se também a estrutura do mercado, com a gradual eliminação do
comissário como intermediário no comércio exportador/importador: os exportadores
(estrangeiros) foram direto aos produtores e os importadores espalharam representantes
pelo interior.
Com as poderosas casas importadoras controlando o mercado, agora em contato
direto com os consumidores, estava claro que o desenvolvimento industrial só seria viável
se contasse com uma rede de distribuição do mesmo tipo. Dessa situação, saíram duas
soluções: a primeira foi a dos próprios importadores montando indústrias, e a segunda, a
dos industriais criando a sua rede comercial, dando origem aos importadores-industriais e
industriais-comerciantes, respectivamente.
Na opinião de alguns estudiosos, os industriais saíram da fileira dos cafeicultores.
Estudos mais recentes, entretanto, mostraram que a burguesia industrial era constituída
principalmente, embora não exclusivamente, pelos imigrantes. É o caso de Francisco
Matarazzo, um de seus representantes típicos.
Os efeitos da Primeira Guerra – O processo de industrialização, que vinha, desde o
final do século XIX, crescendo de acordo com a expansão das exportações, ganhou uma
nova direção a partir da Primeira Guerra.
O primeiro efeito da guerra foi a drástica redução dos investimentos industriais. A
produção, todavia, se expandiu em 1915-1916 com a utilização plena da capacidade
instalada, mas começou a declinar em 1917 e o seu crescimento tornou-se negativo no
ano seguinte, pela falta de matérias-primas, máquinas e equipamentos importados.
O principal efeito da guerra sobre a indústria foi a mudança da atitude do governo.
Até então, não existia o que poderíamos chamar de política industrial. A guerra,
entretanto, evidenciou os limites e as inconveniências de um país destituído de um parque
industrial compatível. Por esse motivo, o governo começou a adotar consciente e
deliberadamente um incentivo para o desenvolvimento industrial, a fim de promover a sua
diversificação. E essa atitude do governo manteve-se ao longo dos anos 20.
A crise de 29 – No final dos anos 20, a economia capitalista internacional deparou
com uma profunda crise de depressão: a crise de 29. Conforme veremos mais adiante,
essa crise eclodiu nos Estados Unidos e teve importantes repercussões internacionais,
atingindo, inclusive, o Brasil, quando então a economia cafeeira se desorganizou.
Nos anos que se seguiram à crise, com o apoio governamental, a industrialização
se intensificou e obedeceu ao objetivo de substituir as importações. Porém, o processo de
industrialização só se completaria na década de 1950, com a implantação da indústria
pesada - o importante setor em que se concentram máquinas que fabricam máquinas
para outras indústrias.
Os anos 20 – A partir da abolição da escravatura em 1888, o desenvolvimento do
Brasil segue um padrão marcadamente capitalista, tanto no segmento agrícola (café)
quanto no urbano (industrialização). No plano internacional, o período que vai da Segunda
Revolução Industrial (final do século XIX) à crise de 29 representa a fase final de uma era
dominada pelo capitalismo liberal, caracterizado pela não-intervenção estatal na
economia e, portanto, na crença da auto-regulação da economia através do livre jogo do
mercado. Na década de vinte, esse capitalismo (liberal) entra em crise.
Sintomas agudos dessa crise que anunciam as mudanças futuras serão
representados, no Brasil, pela Semana de Arte Moderna e pelo Tenentismo, que
analisaremos em seguida.

A Semana de Arte Moderna (1922)


Tendências da arte no século XX – O inicio da Primeira Guerra Mundial abriu um
longo ciclo de crises para o capitalismo. Embora a crise não estivesse sendo percebida
pela maioria das pessoas, no plano da arte ela já estava presente com intensidade. De
fato, a plena consciência da crise só ocorreria em 1929, com a quebra da Bolsa de Nova
York. A própria burguesia tomou consciência do estado anárquico do mercado, atribuindo
a crise à falta de planificação da produção e distribuição. Teve início, então, a radical
crítica da economia liberal: começou a se falar na crise do capitalismo, na catástrofe
iminente do sistema, temendo-se cada vez mais as ameaças revolucionárias e o exemplo
da União Soviética.
No plano da arte, a crise do capitalismo correspondeu à vigorosa crítica ao
impressionismo, o que resultou numa mudança radical da tendência artística.
Efetivamente, o impressionismo, cuja origem situa-se na década de 70 do século
passado, representado por pintores franceses como Renoir, Monet e Manet, foi a
culminância de uma evolução artística iniciada no Renascimento (século XV). Pinturas e
desenhos em três dimensões (altura, largura e profundidade), tão comuns entre nós,
foram estabelecidos pelos artistas do Renascimento. Esse espaço pictórico renascentista
persistiu até o século XIX.
A nova arte, pós-impressionista, como o cubismo, construtivismo, futurismo,
expressionismo, dadaísmo e surrealismo, foi a mais radical das transformações artísticas,
pois representou uma ruptura com a tradição renascentista. Nela, criticava-se a
representação naturalista, deformando-se deliberadamente os objetos naturais. Assim,
criticando o caráter ilusionista da representação, procurava-se não reproduzir a natureza,
mas violentá-la. A arte abandonou a mimese (imitação) e, a partir de então, tentou fazer
das obras uma realidade própria, um duplo da realidade.
A nova arte era, por isso mesmo, anti-sensorial e, do ponto de vista renascentista,
uma antiarte. Assim como na pintura destruíram-se os valores pictóricos caros à
Renascença, na poesia todas as regras herdadas pela tradição, como a métrica e a rima,
foram abandonadas em favor da mais completa liberdade criativa. O mesmo ocorreu com
a música, na qual se procurou a superação da melodia e da tonalidade.
Situação no Brasil – No Brasil, o rompimento com a estética tradicional deu-se em
1922, com a Semana de Arte Moderna - o modernismo. O movimento modernista
correspondeu às profundas transformações por que passava a sociedade brasileira, na
qual a tradicional oligarquia agrária era ainda dominante, apesar do surto industrial e
urbano que aos poucos colocava em xeque esse domínio. Nesse quadro, o movimento
representou o mais radical esforço de atualização da linguagem, procurando dar conta da
nova realidade que se estava implantando. Foi precisamente esse contexto que
sensibilizou a nova elite intelectual em formação para as revoluções estéticas que
estavam ocorrendo na Europa.
Os novos ideais estéticos que o modernismo pôs em circulação em 1922 foram
introduzidos no Brasil no período imediatamente anterior à Primeira Guerra. Os contatos
entre intelectuais e artistas brasileiros e europeus intensificaram-se nesse período.
Preparação do movimento – Apesar da incorporação de valores estéticos que
iniciaram sua vigência na Europa pós-impressionista, de modo algum o modernismo
brasileiro pode ser reduzido a mera cópia do modelo europeu. E isso, precisamente,
porque o movimento de 1922 não foi apenas uma revolução estética, mas sobretudo uma
importante mudança de atitude mental. Nesse sentido, tomar o partido da nova estética
tinha, em verdade, um significado político pois era voltar-se contra a arte tradicional -
representada pelo parnasianismo e pelo simbolismo -,que estava comprometida com a
ordem social em vias de superação e que a nova concepção artística veio combater.
É curioso notar que as várias correntes de vanguarda em que se desdobrou a
reação antiimpressionista não eram conhecidas, cada qual em sua peculiaridade. O que
se chamou, no período, de futurismo tinha um sentido desestabilizador da arte bem-
comportada e acadêmica, e não um conjunto coerente de princípios estéticos. Em nome
do futurismo rejeitou-se toda regra a que estava submetido o fazer artístico, de modo que
a sua importância histórica reside, precisamente, na denúncia das convenções artísticas
alheias à realidade.
Anita Malfatti – A data-chave que marca o confronto entre o velho e o novo é 1917,
com a exposição das pinturas de Anita Malfatti, em São Paulo. A pintora, que realizara
viagens de estudo pela Alemanha e pelos Estados Unidos, possuía uma formação
antiacadêmica e estava plenamente sintonizada com as vanguardas européias (cubismo
e expressionismo). As polêmicas e incompreensões foram imediatas, culminando com
uma severa crítica de Monteiro Lobato, no jornal O Estado de S. Paulo, num artigo
intitulado "Paranóia ou mistificação?" . Mas era uma crítica de quem se apegava ainda ao
passado, recusando com rispidez o novo. Não faltaram, entretanto, manifestações de
simpatia e admiração por parte de um grupo de jovens artistas, entre os quais Oswald de
Andrade, Menotti del Picchia e Mário de Andrade. A importância da exposição de Anita
está no fato de ter polarizado as opiniões, entre os partidários de uma nova estética e os
tradicionalistas.
Eclosão do movimento – De 1917 a 1922, os jovens artistas de São Paulo
intensificaram contatos com as vanguardas européias, aparelhando-se para o grande
evento que viria a ser a Semana de Arte Moderna. Ao mesmo tempo, através de jornais
foram divulgadas as novas idéias estéticas. A combatividade dos jovens intelectuais e
artistas foi criando uma coesão no grupo, formado por artistas plásticos, poetas e críticos:
Di Cavalcanti, Brecheret, Anita Malfatti, Mário de Andrade, Menotti del Picchia, Oswald de
Andrade. Além disso, a articulação com intelectuais do Rio de Janeiro, como Ribeiro
Couto, Manuel Bandeira, Guilherme de Almeida, Villa Lobos e Ronald de Carvalho, "e a
adesão do prestigioso Graça Aranha significavam que o Modernismo poderia lançar-se
como um movimento".
Assim, entre 11 e 18 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, com
a participação dos artistas que, segundo a notícia veiculada no O Estado de S. Paulo,
"representam as mais modernas correntes artísticas", deu-se o grande evento, destinado
a marcar época: a Semana de Arte Moderna.
Modernismo e tendências ideológicas – Em seguida ao lançamento da Semana
apareceram revistas críticas que procuraram dar ao movimento uma feição teórica. Assim,
em maio de 1922, surgiu a revista Klaxon, mensário de arte moderna, e em setembro de
1924 saiu a revista Estética. Todavia, ambas tiveram vida curta: Klaxon conseguiu
publicar nove números e Estética apenas três.
As formulações teóricas dessas duas revistas já denunciavam o impasse estético
em que logo se viram os modernistas. Na Klaxon, o futurismo (aberto à civilização
moderna e tecnológica) conflitava com o primitivismo (voltado para as forças do
inconsciente). Na Estética, a oposição era entre a arte engajada e a arte pela arte. À
medida que as implicações estéticas do modernismo foram se explicitando, o campo de
debate foi se ampliando, e as reflexões estéticas conduziram os modernistas a posições
ideológicas que, em seguida, os dividiram em tendências contraditórias. Da
"redescoberta" do Brasil surgiram o primitivismo de Oswald (Revista de Antropofagia,
1928), mas também o nacionalismo verde-amarelo (1926) de Cassiano Ricardo e o Grupo
Anta (1927), neoindianista, de Plínio Salgado. Ao mesmo tempo, formou-se um grupo em
torno da revista Festa (1927), reunindo os "espiritualistas” , como Tasso da Silveira, que
retomaram a tradição simbolista.
Assim, mesmo tendo as mesmas origens no que diz respeito ao movimento
artístico, o modernismo não chegou propriamente a se definir ideologicamente. No geral,
persistiu a hesitação, com exceção do Grupo Anta de Plínio Salgado, que aderiu
explicitamente ao nazi-fascismo.

O Tenentismo
Origens da crise dos anos 20 – Enquanto o modernismo trazia grandes
transformações no campo da arte, uma grave crise política eclodia no Brasil. A sua origem
situava-se na crescente insatisfação do Exército e das camadas médias urbanas, ao
mesmo tempo em que surgiam tensões no próprio seio da camada dominante.
Os militares que haviam se afastado da vida política depois do governo Floriano
reapareceram na campanha presidencial de 1909. Nessa campanha, a cúpula militar
aliou-se à oligarquia gaúcha.
Os primeiros abalos do "café com leite" – Embora o Exército tenha reaparecido no
cenário das disputas políticas em 1910, ele o fez subordinado às poderosas oligarquias
de Minas e Rio Grande do Sul. Apoiado por essas forças, o marechal Hermes da Fonseca
foi lançado como candidato à presidência. Rui Barbosa, seu opositor, era apoiado por São
Paulo e Bahia e baseou toda a sua campanha na idéia "civilista" , contra a ascensão
militar, identificando Hermes da Fonseca ao militarismo Rui Barbosa foi derrotado,
enquanto Hermes da Fonseca, depois de eleito, lançou-se à "política das salvações", que
consistia na intervenção federal nos estados onde as oligarquias eram contra o novo
presidente.
Apesar da eleição de Hermes da Fonseca e do papel de destaque exercido por
Pinheiro Machado, presidente do Senado e chefe da oligarquia gaúcha, após o seu
mandato a antiga política, que tinha Minas e São Paulo como eixo, foi novamente
retomada.
A Reação Republicana – A crise política reapareceu, entretanto, em 1922, nas
eleições para a sucessão de Epitácio Pessoa, quando Minas e São Paulo resolveram a
questão indicando Artur Bernardes (mineiro) para a presidência e já acertando a
candidatura de Washington Luís (paulista) como sucessor de Bernardes.
Contra esse arranjo político uniram-se os seguintes estados: Rio Grande do Sul,
Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro - nessa ordem em termos de importância eleitoral.
Formavase assim a Reação Republicana, que apresentou Nilo Peçanha como candidato
e opositor de Bernardes, o candidato do "café com leite" . Novamente, o Exército inclinou-
se para a oposição, contra a oligarquia dominante. As disputas acirradas criaram um
clima de grande tensão, agravada pela publicação, no jornal Correio da Manhã, de uma
carta, falsamente atribuída a Artur Bernardes, ofensiva aos militares.
Todavia, as eleições foram vencidas por Artur Bernardes. Finalmente, as
frustrações longamente acumuladas eclodiram: no dia 5 de julho de 1922, jovens oficiais
do forte de Copacabana se rebelaram, com apoio das guarnições do Distrito Federal, Rio
de Janeiro e Mato Grosso. O objetivo era impedir a posse de Artur Bernardes. Embora a
rebelião tenha fracassado, os jovens militares resolveram abandonar o forte e marchar
pela praia de Copacabana para enfrentar as forças legalistas, numa atitude suicida.
Desse episódio, conhecido como os 18 do Forte, sobreviveram apenas os tenentes
Siqueira Campos e Eduardo Gomes. Iniciou-se aí o longo episódio de rebelião a que se
chamou Tenentismo.
A Aliança Libertadora – A presidência de Artur Bernardes, desde o início, conheceu
a instabilidade política. No Rio Grande do Sul, estourou uma guerra civil. E a razão foi a
seguinte: o Partido Republicano Gaúcho indicara pela quinta vez o nome de Borges de
Medeiros para presidente do Estado. Como em 1922 ele se colocara contra a eleição de
Bernardes, a oligarquia dissidente gaúcha, agrupada na Aliança Libertadora, esperava o
apoio federal através de seu candidato, Assis Brasil. Entretanto, as eleições deram vitória
a Borges de Medeiros. Os ânimos então se exaltaram, culminando a disputa política numa
guerra civil que terminou com o pacto das Pedras Altas. Nele, o governo federal
reconheceu Borges de Medeiros como presidente do estado, mas o impediu de nova
reeleição.
As revoltas tenentistas – O descontentamento contra a oligarquia dominante atingiu
o auge com as revoltas tenentistas, que tiveram dois focos principais: o Rio Grande do Sul
(1923) e São Paulo (1924). No Rio Grande do Sul, a revolta tenentista teve o imediato
apoio da dissidência oligárquica da Aliança Libertadora e dirigiu-se para o norte: Santa
Catarina e Paraná. Em São Paulo, a revolta foi desencadeada sob a chefia do general
Isidoro Dias Lopes, que, não podendo suportar as pressões das tropas legalistas, dirigiu-
se para o sul, encontrando-se com as tropas gaúchas, lideradas por Luís Carlos Prestes e
Mário Fagundes Varela. A união das duas tropas rebeldes levou à organização da "guerra
de movimento". Os principais nomes desse movimento foram: Juarez Távora, Miguel
Costa, Siqueira Campos, Cordeiro de Farias e Luís Carlos Prestes. Este último, mais
tarde, desligou-se do movimento para ingressar no Partido Comunista do Brasil, tornando-
se o seu chefe principal.
Formou-se assim, em 1925, a célebre Coluna Prestes, que durante dois anos
percorreu cerca de 24 000 km, obtendo várias vitórias contra as forças legalistas.
Inutilmente procurou sublevar as populações do interior contra Bernardes e a oligarquia
dominante. Com o fim do mandato de Artur Bernardes, em 1926, a Coluna entrou na
Bolívia e, finalmente, se dissolveu.
O programa de ação dos tenentes – Nos inícios de 1925, quando os rebeldes do
sul chefiados por Luís Carlos Prestes juntaram-se em Iguaçu com as tropas paulistas de
Isidoro Dias Lopes e Miguel Costa, um ideário não muito consistente guiara o movimento.
Além da deposição do presidente Artur Bernardes, os tenentes reivindicavam o voto
secreto, eleições honestas, castigo para os políticos corruptos e liberdade para os oficiais
presos em 1922. Acreditavam que esse programa teria apoio da população do sertão.
O percurso da Coluna Prestes, originalmente chamada de Coluna Miguel Costa-
Prestes, durou 25 meses, enfrentando as tropas federais e os jagunços dos coronéis. A
população que os tenentes pensavam defender reagia ora com indiferença ora com
hostilidade.
Ideologicamente, os tenentes eram conservadores, não propunham mudanças
significativas para a estrutura social brasileira. Defendiam um reformismo social ingênuo
misturado com muita centralização política e nacionalismo.
A "herança" do tenentismo – Em que pese o caráter conservador do tenentismo, a
sua influência maior foi sobre as organizações da esquerda brasileira. Como em todo o
mundo, a vitoriosa Revolução Russa de 1917 influiu decisivamente na constituição do
Partido Comunista. Antes de seu nascimento, o cenário das lutas operárias no país era
dominado pelo anarquismo, cuja tática era o enfrentamento direto com os patrões. Isso foi
abandonado em favor de uma organização comunista hierarquizada e disciplinada, num
sentido muito próximo aos anseios tenentistas. Mas o tenentismo influiu também sobre o
conservadorismo militar, do qual o regime militar instituído em 1964 pode ser considerado
um produto tardio.

O Movimento Operário no Brasil


O trabalhador operário – O mesmo movimento histórico que transformou
lentamente as bases da República Velha, e que explica o tenentismo, explica também o
surgimento de um novo ator na história do Brasil: o operariado. A princípio imperceptível,
o operariado cresceu como categoria social nas duas primeiras décadas do século XX.
O estabelecimento do trabalho livre e o início do desenvolvimento industrial foram
os motivos básicos do crescimento do trabalhador urbano. O contexto político lhe era
desfavorável, pois a ordem estabelecida não reconhecia nenhum direito em relação ao
seu trabalho. Os deputados e senadores, indiferentes aos problemas sociais, negaram
projetos assistenciais e de proteção aos operários feitos por seus representantes.
Organização operária – Com o crescimento quantitativo dos trabalhadores
industriais, sua consciência e, conseqüentemente, suas reivindicações começaram a
ganhar peso.
No processo de formação do operariado brasileiro foi significativo o papel dos
imigrantes italianos e espanhóis (chamados de artífices), responsáveis pela difusão do
anarquismo, trazendo de seus países de origem a experiência sindical. Muitas
publicações operárias do começo do século XX foram feitas em italiano e espanhol,
contribuindo, entre outras coisas, para valorizar a palavra "operário", que tinha no Brasil
um sentido depreciativo.
Os trabalhadores imigrantes formavam clubes, círculos, uniões e associações com
o objetivo de conscientizar e unir os operários. O governo, sentindo-se ameaçado,
decretou a lei Adolfo Gordo, em 1904, que previa a expulsão do operário estrangeiro
envolvido na luta de sua classe.
Apesar disso, desde o ano de 1891 foram realizadas greves, que, mesmo não
tendo proporções ameaçadoras, foram duramente reprimidas.
Os anarquistas – Através da organização de sindicatos, os anarquistas visavam
obter o controle do mercado de trabalho. Se todos os membros de uma dada categoria
profissional estivessem associados a um sindicato, os patrões não teriam alternativa
senão procurar o sindicato da categoria para negociar a contratação de trabalhadores e
tudo o que lhes dissesse respeito. Esse era o objetivo perseguido pelos anarquistas.
Mas os anarquistas eram avessos à centralização. Para eles, cada categoria
organizada em sindicato deveria lutar no âmbito das empresas para concretizar suas
reivindicações. Nada de generalizar a luta com a criação de órgãos centrais e
centralizadores, que imporiam a cada sindicato filiado uma rígida linha de conduta. Os
sindicatos deveriam desfrutar completa autonomia para que os associados pudessem
decidir livremente conforme os seus interesses. Nota-se que a preocupação era preservar
o caráter auto-organizado do movimento operário.
Os anarquistas eram também contra o Estado. Aliás, o seu objetivo último era a
completa extinção dele, abolindo toda forma de governo. Por isso, o operariado deveria
conseguir tudo com seu próprio esforço, lutando e se organizando, sem interferências
estranhas ao seu meio.
A nova conjuntura internacional – Em São Paulo, no ano de 1917, uma série de
greves localizadas contra algumas empresas transformou-se num confronto global com a
burguesia, depois do assassinato de Antônio Martinez, um militante anarquista. A greve
geral em São Paulo levou a liderança operária anarquista a centralizar a luta a partir do
Comitê de Defesa Proletária, globalizando a luta. Essa globalização, contudo, trouxe um
problema: afinal, contra quem os operários estavam lutando? A resposta era clara: contra
o Estado.
Essa situação, embaraçosa para os anarquistas - que eram contra a centralização
e não davam muita importância ao Estado -, colocou uma nova ordem de problemas que
os anarquistas não estavam preparados para resolver. Para complicar, os acontecimentos
internacionais do começo do século XX estavam trazendo, por sua vez, novos desafios.
O primeiro deles foi a Revolução Russa de 1917, dirigida pelo partido
ultracentralizado de Lênin, que se apropriou do Estado e o transformou, em seguida, em
instrumento da "ditadura do proletariado". Aí estão duas coisas incompatíveis com o
anarquismo: levar a luta para o terreno político e tomar de assalto o Estado. Ora, os
anarquistas defendiam, ao contrário, uma luta apolítica, no terreno exclusivamente
econômico e sindical, e a extinção imediata do Estado.
No campo da burguesia as coisas não eram melhores para o anarquismo. Em 1929
houve uma violenta crise do capitalismo, que começou com a quebra da Bolsa de Nova
York e propagou-se para o mundo inteiro. A crise de 29 caracterizou-se pela
superprodução, e milhares de empresas, incluindo muitos bancos, faliram. Em
conseqüência, milhões de trabalhadores ficaram desempregados. A burguesia então
compreendeu que não existiam leis "naturais" que ajustavam automaticamente a
economia, conforme a crença dos liberais. Essa desorganização do capitalismo exigiu por
toda parte a firme intervenção do Estado para colocar novamente a economia de pé.
A Revolução Russa de 1917 e a crise de 29 preocuparam a burguesia de todo o
mundo. Um após outro, os países começaram a mudar de atitude em relação ao mundo
do trabalho. A burguesia tomou consciência de um fato muito simples: a exploração
indiscriminada dos trabalhadores poderia levá-los, através de uma reação organizada, a
destruir o capitalismo.
A primeira idéia foi "racionalizar" o trabalho. Mas isso não significava abolir a
exploração do trabalhador. Queria dizer, simplesmente, explorar de maneira eficiente,
obedecendo certos limites, evitando, por exemplo, que os trabalhadores fossem atirados à
mais negra miséria e se tornassem sensíveis aos apelos do comunismo.
Para amenizar "a miséria e as privações" dos trabalhadores já havia sido criada,
logo depois da Primeira Guerra Mundial, a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A legislação trabalhista – O Brasil não ficou fora dessa tendência mundial. Em
1918, a Câmara dos Deputados criou a Comissão de Legislação Social, encarregada de
redigir leis específicas de "proteção" aos trabalhadores. Entre essas leis incluíam-se as de
acidente de trabalho e de férias remuneradas.
Os patrões, é claro, resistiram à idéia: afinal, para que férias aos trabalhadores?
Eles não compreendiam que tais concessões eram necessárias para prevenir futuras
revoluções; as leis de "proteção" aos trabalhadores eram, na verdade, leis de proteção
contra a revolução e, portanto, proteção ao direito dos patrões de continuarem explorando
os trabalhadores.
E os operários deveriam aceitar as concessões feitas pelo Estado? Deveriam ser
contra a lei que estabelecia direito de férias remuneradas? Na verdade, os operários nem
se colocaram tais questões. Aceitaram e pronto.
Para os anarquistas, entretanto, tudo isso era um problema: ser contra as
concessões do Estado era o mesmo que se afastar dos trabalhadores, ao passo que
aceitar e defender uma legislação trabalhista era o mesmo que admitir o Estado como um
interlocutor válido e, com isso, deixar de ser anarquista.
Os comunistas – Se os anarquistas, diante da nova conjuntura internacional,
ficaram sem saber o que fazer, os comunistas se sentiram como peixes dentro d'água.
Fundado em 1922, o Partido Comunista do Brasil apareceu como produto imediato
da vitoriosa Revolução Bolchevique na Rússia. Como tal, era favorável à transformação
da luta econômica em luta política, defendia a centralização e, em vez da extinção do
Estado, tinha como meta a tomada do Estado e a instalação da "ditadura do
proletariado" . Enfim, os comunistas defendiam tudo aquilo que horrorizava os
anarquistas. Eles não viam problema algum em aceitar uma legislação trabalhista e,
inclusive, em lutar para que o Estado adotasse uma.
Assim, onde os anarquistas fracassaram, os comunistas tiveram êxito, o que não
significa que não tenham tido problemas.
A ótica comunista favoreceu a separação, no movimento operário, entre dirigentes
e dirigidos, e o sistema sindical no Brasil foi sendo transformado num sistema
burocratizado, em que o sindicato não era mais que um escritório dirigido com o propósito
de estabelecer um controle sobre os operários.
Nesse sentido, não seria de todo errado afirmar que os comunistas prepararam o
terreno para o controle estatal do movimento operário na era de Vargas. O centralismo, a
teoria da vanguarda, a hierarquia entre dirigentes e dirigidos, a burocratização dos
sindicatos não destoaram, na prática, da política trabalhista inaugurada por Getúlio
Vargas, que resultou na subordinação dos trabalhadores ao Estado, mediante o
atrelamento dos sindicatos ao Ministério do Trabalho, como veremos em seguida.
A classe trabalhadora no Brasil sob o impacto da Revolução Russa de 1917
Entre 1917 e 1919, assistiu-se à irrupção das lutas e das greves da classe
trabalhadora
Carlos Zacarias*, de Salvador (BA)
No início dos anos 1920, o espectro da Revolução Russa de 1917 exalava os
odores dos novos tempos que começavam a se construir num distante e atrasado país
entre a Europa e a Ásia. Nunca, em nenhum momento da história, a humanidade tinha
presenciado feito tão extraordinário e espetacular, quando milhares de pessoas, cansadas
do cotidiano massacre intensificado pela Grande Guerra (1914-1918), saíram às ruas e
disseram que as coisas não podiam continuar como até então, e quando os de baixo
disseram que não queriam, os de cima perceberam que não podiam continuar
dominando. Liderada pelos bolcheviques, aquela massa humana promoveu a primeira
grande revolução operária e socialista da história. Pela primeira vez, as massas
exploradas triunfaram.
A importância da Revolução Russa de 1917, especialmente da Revolução de
Outubro, pode ser identificada não apenas pelo conteúdo das transformações realizadas
na Rússia semifeudal, mas principalmente pela inspiração que elevou a classe
trabalhadora ao protagonismo das lutas políticas em diversos países. Ao varrer do mapa o
czarismo e junto com ele a burguesia inepta, a Revolução de Outubro abrigou em seu
interior profundos significados que inspiraram as organizações operárias que atuaram na
vaga revolucionária aberta naqueles anos. Em que pese as condições objetivas
favoráveis e a esperança das principais lideranças revolucionárias na vitória da revolução
mundial, esta não vingou. Contribuíram para o fato, a articulação das forças da contra-
revolução, que marchavam ao lado da revolução, e a traição da social-democracia,
especialmente na Alemanha, onde compunha o governo burguês e tinha ajudado a
liquidar as principais lideranças revolucionárias abrigadas na Liga Espartaquista, como
Rosa Luxemburgo e Karl Liebcknecht. Com efeito, Lenin e Trotsky, os mais importantes
líderes bolcheviques (agora chamados de comunistas), reunidos no III Congresso da
Internacional Comunista, em 1921, avaliaram os aspectos parciais da derrota e exortaram
os Partidos Comunistas que se haviam criado em diversos países, influenciados pelo
sucesso da experiência soviética, a formarem a Frente Única Proletária para “avançar na
direção das grandes lutas se armando para os novos combates”. A consigna definitiva
daquele importante congresso foi “às massas”.

Os ventos da Revolução chegam ao Brasil


No Brasil do primeiro quartel do século XX, a influência da Revolução Russa não
tardaria a chegar, pois o país vivenciava um substancial incremento industrial provocado,
sobretudo, pela onda de expansão capitalista dos fins do século XIX e pela necessidade
de se substituir importações em virtude da inversão dos fluxos de mercadorias. Assistiu-
se nesse período a um vigoroso aumento da produção industrial que trouxe consigo o
crescimento da massa de trabalhadores urbanos. Mas o desenvolvimento industrial não
produziu a distribuição da riqueza nem melhorias na vida do proletariado industrial
formado por migrantes que partiam do campo para as cidades. Pelo contrário, as
condições de existência nos centros urbanos eram extremamente degradadas para a
classe operária, com os trabalhadores cumprindo uma carga horária excessiva, em
indústrias insalubres e doentias. Tal situação não poderia provocar outra coisa senão a
organização de sindicatos e associações e a realização de inúmeras greves pelo país.
Foi entre 1917 e 1919 que as autoridades oligárquicas brasileiras assistiram ao
auge das lutas e da vaga grevista após a entrada em cena da classe trabalhadora
assalariada, composta de imigrantes europeus e uma imensa maioria de brasileiros
negro-mestiços. Mas foi no simbólico ano de 1917 que a vaga grevista atingiu o seu ponto
máximo. Dentre as principais reivindicações dos operários brasileiros naqueles anos,
constavam a redução da jornada de trabalho, melhores condições de vida, aumento de
salários, fim do trabalho infantil e equiparação dos salários de homens e mulheres, entre
outras específicas.
É fundado o Partido Comunista do Brasil
É verdade que as greves que tiveram lugar no Brasil entre 1917-19 inauguraram
uma nova era do trabalho no Brasil. É também importante salientar que muitas das
reivindicações foram conquistadas contra todas as dificuldades e resistências dos patrões
e a classe operária brasileira pôde consolidar suas lideranças nascidas das correntes do
chamado “sindicalismo revolucionário” (“anarco-sindicalismo”) ou reformista (“amarelo”).
Apesar disso, o movimento operário brasileiro ainda não tinha forjado seus partidos de
alcance nacional, sendo quase todos eles organizações locais e de vida efêmera, e muito
em função dessa fragilidade organizativa, os trabalhadores não conseguiram produzir
conquistas duradouras. Foi somente em 1922, sob a influência da Revolução Russa e do
surgimento da Internacional Comunista, em 1919, que uma parcela bastante minoritária
do movimento operário brasileiro se dedicou à construção de um partido político sólido,
nacional e centralizado. Em março de 1922, nas cidades de Niterói e do Rio de Janeiro e,
quando se reuniram nove delegados, representando 73 integrantes espalhados pelo
Brasil, foi fundado o Partido Comunista do Brasil (PCB). Muito embora esta não fosse a
primeira tentativa da classe operária de criar um Partido Comunista, era a primeira vez
que a experiência se apresentava como uma grande articulação nacional e com alguma
clareza ideológica.
Enfim, a classe operária brasileira forjava um partido leninista, organização muito
superior às experiências sindicais e anarquistas anteriores. Mas os descaminhos e a
burocratização do movimento comunista internacional produziram também a degeneração
do PCB, que levou a inúmeras baixas, tendo a primeira delas ocorrido em 1928. Assim,
quando o alfaiate Joaquim Barbosa, fundador do Partido, saiu do PCB e levou consigo 40
sindicalistas, os movimentos operário e socialista brasileiros conheceram a sua primeira
grande cisão, também diferente das cisões anteriores pelo conteúdo de crítica à
degeneração e aos desvios do stalinismo. É verdade que outras tantas cisões ocorreriam
no PCB nos anos seguintes, entretanto, essa dissidência tem uma característica
específica, pois esteve relacionada também ao aspecto geral da luta internacional que
Trotsky travava contra a burocratização do Partido Comunista da URSS. Seria este grupo
dissidente que em inícios dos anos 30 viria a formar a Liga Comunista Internacionalista, a
primeira organização trotskista brasileira. Daquele momento em diante, o movimento
comunista internacional seguiria duas trajetórias distintas, entre a teoria stalinista do
“socialismo num só país” e a defesa de Trotsky do internacionalismo proletário e da
Revolução Permanente. Mas esse percurso já é uma outra história.
*Professor de História do Brasil na UNEB e doutorando em História do Norte e
Nordeste do Brasil na UFPE.
Revolução de Trinta
A República Velha em Crise
A “Lei Celerada” (1927) - Enquanto a presidência de Artur Bernardes (1922-1926)
foi extremamente conturbada, o que o obrigou a governar permanentemente em estado
de sítio, a de seu sucessor, Washington Luís (1926 - 1930), sob esse aspecto foi
tranqüila.
As revoltas tenentistas e o avanço do movimento operário - em suma, a questão
social que chegou a ameaçar o poder da velha oligarquia - estavam dominados. Em 1927,
entrou em vigor a lei Celerada, censurando a imprensa e restringindo o direito de reunião;
essa nova lei era dirigida contra os tenentes e os operários filiados à organização
revolucionária BOC (Bloco Operário Camponês).
Mas a aparente calmaria política do governo de Washington Luís era enganosa. No
final do seu mandato, todos os vícios acumulados pela República Oligárquica conduziram
a uma solução violenta - a Revolução de 1930 -, que pôs fim à República Velha.
A crise de 1929 e o fim da valorização do café - Em 1906, como já vimos, o
Convênio de Taubaté deu início à política de valorização do café. O excedente era
comprado mediante empréstimos no exterior e estocado, a fim de manter o seu preço
internacional. Durante a Primeira Guerra Mundial, que paralisou o comércio internacional,
a exportação brasileira de café declinou, trazendo de volta o fantasma da superprodução.
Em 1917, diante da ameaça de uma supersafra, o governo central apoiou a realização de
uma segunda valorização, com a compra de 3 milhões de sacas. Para alivio geral, em
1918, a geada atingiu 40% dos cafezais. Nesse mesmo ano, com o fim da guerra, o
comércio internacional se normalizou, elevando o preço do café, para a euforia dos
cafeicultores.
A alegria não durou muito. Em 1921, foi colocada em prática a terceira valorização
do café, com a compra efetuada pelo governo central. A cada valorização, estimulava-se
o plantio de novos cafezais, de modo que, nos anos 20, já se começava a pensar numa
política que tornasse permanente a valorização.
Ora, um dos fatores básicos da Revolução de 1930 foi a crise da política de
valorização do café, em virtude da violenta crise do capitalismo (1929).A grande
depressão solapou a base artificial em que se vinha mantendo a lucratividade dos
grandes cafeicultores.
Os efeitos da crise foram a retração do mercado consumidor, a suspensão do
financiamento para estocagem do café, a exigência da liquidação imediata dos débitos
anteriores. Em suma, caiu por terra toda a paciente montagem da política de valorização.
Cisão das oligarquias - Ao lado da crise da política de valorização, surgiu, em
1930, a questão sucessória. Washington Luís, ao contrário do que era esperado, não
indicou como seu sucessor um mineiro, segundo o hábito do rodízio das oligarquias do
PRP e do PRM. Em vez de um mineiro, Washington Luís preferiu apoiar a candidatura de
Júlio Prestes, um paulista, para garantir a continuidade das práticas de proteção ao café.
Ora, Antônio Carlos, presidente do estado de Minas, esperando ser o presidente da
República, viu-se frustrado. Daí a cisão entre o PRP e o PRM, dois partidos que eram a
base da República Velha.
Imediatamente, Antônio Carlos tomou o encargo de articular uma candidatura de
oposição. Para isso, buscou o apoio do Rio Grande do Sul. Dessa união nasceu a Aliança
Liberal, que lançou Getúlio Vargas (gaúcho) como candidato à presidência e João
Pessoa, um paraibano, como vice-presidente. Para firmar o nome de seus candidatos, a
Aliança Liberal baseou sua campanha na necessidade de reformas políticas: instituição
do voto secreto, anistia política, criação de leis trabalhistas para regulamentar a jornada
de trabalho e outras voltadas para a assistência do trabalhador. Rapidamente, a AL
sensibilizou a massa urbana, ganhando apoio até mesmo dos tenentes.
A vitória de Júlio Prestes - Entretanto, nas eleições de 1° de março de 1930, o
candidato eleito foi Júlio Prestes. Os velhos líderes gaúchos, como Borges de Medeiros,
tendiam a aceitar o resultado. Um inconformismo tomou conta de políticos então
emergentes, como Osvaldo Aranha e Lindolfo Collor, aos quais se juntaram os tenentes
Juarez Távora e Miguel Costa. Um grave acontecimento veio enfim precipitar a revolução:
o assassinato de João Pessoa.
João Pessoa governava o estado da Paraíba desde 1928 e era membro da Aliança
Liberal. A sua política no estado sofreu forte oposição de coronéis do interior, apoiados
pelos paulistas, que os ajudaram com o envio de armas. O seu assassinato em julho de
1930, quando conversava com amigos numa confeitaria, foi motivado por questões
pessoais. Não se tratou de um atentado político. Mas, dado o clima de tensão e de
frustração pela derrota, a morte de João Pessoa serviu como bandeira para os aliancistas
desencadearem um levante armado contra a oligarquia paulista.
A 3 de outubro de 1930, toda a oposição se uniu, e um movimento militar teve
início no Rio Grande do Sul. No nordeste, sob a liderança de Juarez Távora, começou a
rebelião.
A deposição de Washington Luís - Enquanto isso, Washington Luís nada podia
fazer, em virtude do seu isolamento. O próprio estado de São Paulo não estava coeso em
torno dele. O Partido Democrático, fundado em 1926, fazia-lhe oposição. Assim, a
perspectiva de resistência contra as tropas do sul, sob o comando do tenente-coronel
Góis Monteiro, era nula. Para evitar maiores conseqüências, em 24 de outubro
Washington Luís foi deposto pelos generais Mena Barreto, Tasso Fragoso e pelo
almirante Isaías de Noronha. Washington Luís partiu para o exílio e Getúlio Vargas, chefe
do movimento, assumiu a chefia do Governo Provisório.
Getúlio Vargas no Poder
O Governo Provisório - A 11 de novembro de 1930, através do decreto n°. 19 398,
dissolveu-se ajunta Governativa que derrubara Washington Luís, formando-se o Governo
Provisório, sob a chefia de Getúlio Vargas. O decreto definia as atribuições do novo
governo e ratificava as medidas da junta Governativa. Confirmava-se nele a dissolução do
Congresso Nacional e das Casas Legislativas estaduais e municipais.
As ambigüidades de Vargas - Tão logo a revolução triunfou, três forças políticas se
alinharam. De um lado, as oligarquias tradicionais, que perderam o controle do poder; de
outro, os tenentes, que, influenciados pelo fascismo - em voga na Europa -, defendiam a
mais completa centralização do poder; no centro, os militares legalistas, que pretendiam a
manutenção da ordem. Getúlio Vargas, equilibrando-se sobre essas tendências, não se
definiu por nenhuma delas. Assim, entre 1931 e 1932, fez concessões aos tenentes,
nomeando-os interventores em diversos estados. Destacou-se nessa época o tenente
Juarez Távora, que teve sob seu controle nada menos que doze estados, do Espírito
Santo para o norte, o que lhe valeu, segundo a expressão dos seus opositores, o apelido
de Vice-rei do Norte. O núcleo tenentista aos poucos foi sendo marginalizado. Nos fins da
década de 1930, seria neutralizado pelo crescente prestígio que Vargas concedeu aos
militares legalistas, que se opunham à tendência radical dos tenentes.
Portanto, o Governo Provisório não conseguiu solucionar os conflitos, pois Getúlio
não atendeu às reivindicações dos tenentes e, tampouco, às reivindicações da oligarquia
tradicional. Os primeiros, organizando-se em clubes políticos - entre os quais se destacou
o Clube Três de Outubro -, defendiam um esquema de poder francamente ditatorial e a
adoção de medidas econômicas nacionalistas, como a nacionalização dos bancos
estrangeiros e das riquezas minerais. A última aspirava ao retorno imediato à normalidade
constitucional, com a realização de eleições que supostamente a recolocariam no poder.

A Revolução Constitucionalista de 1932


São Paulo: perda da hegemonia – Com a revolução de 1930, São Paulo foi o
grande perdedor. A “política dos governadores” e a política de valorização do café, que
tinham garantido sua hegemonia até então, foram postas de lado com o triunfo da
revolução de 1930 e a crise de 1929.
Por outro lado, agravou-se a contradição entre a velha oligarquia e a interventoria
do tenente João Alberto. O Partido Democrático e o Partido Republicano Paulista se
uniram, sob a palavra de ordem “interventor civil e paulista”, para exigir a imediata
reconstitucionalização do país. A pressão da oligarquia paulista foi afinal sentida pelo
governo central. Em 1 ° de março de 1932, Pedro de Toledo foi nomeado interventor de
São Paulo, atendendo-se à primeira exigência.
O Código Eleitoral – Apesar da oposição tenentista aglutinada em torno do Clube
Três de Outubro, no dia 24 de fevereiro de 1932 Getúlio mandou publicar o novo Código
Eleitoral e o anteprojeto da Constituição, marcando para maio de 1933 as eleições para a
Assembléia Constituinte. Pelo novo Código Eleitoral foram estabelecidos o voto secreto e,
pela primeira vez, o voto feminino, além da representação classista, isto é, os sindicatos
profissionais, tanto patronais como de empregados, elegeriam deputados que teriam as
mesmas prerrogativas dos demais parlamentares.
A revolução – Apesar das reformas, em 9 de julho de 1932, eclodiu em São Paulo
a revolução constitucionalista, que durou três meses. Os paulistas, chefiados pelo general
Isidoro Dias Lopes, permaneceram isolados, sem adesão das demais unidades da
federação, excetuando um pequeno contingente militar vindo de Mato Grosso, sob o
comando do general Bertoldo Klinger.
Para reprimir a rebelião paulista, Vargas enfrentou sérias dificuldades no setor
militar, pois inúmeros generais simplesmente recusaram a missão. Percebendo o débil
apoio que tinha no seio da cúpula do Exército, e a fim de consegui-lo, Vargas rompeu em
definitivo com os tenentes, que não eram bem vistos pelos oficiais legalistas.
Em 3 de outubro de 1932, em meio à crise militar e apesar dela, Getúlio conseguiu
esmagar a revolta paulista.
A Assembléia Constituinte e a Constituição de 1934

A Constituinte – Em 3 de maio de 1933, com base no novo Código Eleitoral,


realizaram-se as eleições para a Assembléia Constituinte, instalada em novembro do
mesmo ano. A composição da Assembléia representou o ressurgimento das antigas
oligarquias estaduais. Ao lado delas, surgiram os representantes classistas eleitos pelos
sindicatos profissionais.
A Assembléia foi presidida pelo mineiro Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, e a
terceira Constituição do Brasil - a segunda da República - foi promulgada no dia 16 de
julho de 1934.A nova Constituição preservava o federalismo, o presidencialismo e a
independência dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.
Executivo – No plano do Executivo, nas disposições transitórias, fixou-se em
caráter excepcional a eleição do primeiro presidente pelo voto indireto da própria
Assembléia. Getúlio Vargas foi confirmado na presidência, vencendo seu opositor, Borges
de Medeiros. A inovação mais notável no Executivo foi a obrigatoriedade da adoção de
uma assessoria técnica para cada ministério. Extinguiu-se a vice-presidência.
Legislativo – No âmbito do Legislativo, foi mantida a divisão entre Câmara e
Senado, sendo seus representantes eleitos por voto direto, secreto e universal, bem como
pelo voto profissional, como preconizava o Código Eleitoral de 1932. O número de
representantes na Câmara dos Deputados era proporcional ao número de habitantes dos
estados: até vinte deputados, um deputado para cada 150 000 habitantes; acima de vinte,
um deputado para cada 250 000 habitantes. Além disso, a Câmara contava com
deputados eleitos indiretamente pelos sindicatos - patronais e de empregados, cujo
número não excedia um quinto do total de representantes. O mandato dos deputados era
de quatro anos. Quanto ao Senado, era integrado por dois representantes por estado,
incluindo o Distrito Federal (Rio de Janeiro). O mandato dos senadores era de oito anos,
sendo a metade renovada a cada quatro anos.
Judiciário – O Supremo Tribunal Federal foi transformado em Corte Suprema.
Segundo Hélio de Alcântara Avellar, “à definição e atribuição pertinentes a esse poder,
incluíram-se seções referentes à Justiça Eleitoral e Militar. Surge a Justiça do Trabalho”.
Outra inovação foi o mandado de segurança, que permitia ao cidadão proteger-se contra
os atos arbitrários de qualquer autoridade.
Nacionalismo e estatização. A política de imigração sofreu restrições, visando
sobretudo a imigração japonesa: estabeleceu-se o limite de 2% sobre as nacionalidades
já residentes no país. Proibiu-se a concentração de estrangeiros numa mesma região.
Preconizou-se ainda a estatização de empresas estrangeiras e nacionais, quando fosse
do interesse geral da nação. As companhias de seguro estrangeiras foram
nacionalizadas; estabeleceu-se o princípio da propriedade nacional do subsolo, explorável
privadamente mediante explicita concessão estatal. Por fim, ocorreu a nacionalização da
informação, proibindo-se a imprensa nas mãos de estrangeiros.
A legislação trabalhista – A grande novidade da Constituição de 1934 foi a
legislação referente ao trabalho. A questão social, que Washington Luís classificara como
“caso de polícia”, passou a ser considerada “caso de política”.
Desde os primórdios da revolução de 1930 era nítida a preocupação com o
trabalhador, antes simplesmente ignorado e destituído de qualquer direito. Assim, criou-se
o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (26/11/1930), com Lindolfo Collor à frente.
Nos anos seguintes, regulamentaram-se os sindicatos, a jornada de trabalho e o trabalho
dos menores e das mulheres.
No texto constitucional, artigo 121, proibiram-se as diferenças salariais com base
em diferenças de sexo, idade, nacionalidade ou estado civil. Foram estabelecidos salários
mínimos regionais; jornada de trabalho de oito horas; descanso semanal; férias anuais
remuneradas; indenização do trabalhador em caso de demissão sem justa causa;
regulamentação das profissões; proibição do trabalho a menores de 14 anos, de trabalho
noturno para menores de 16 anos, de trabalho reconhecidamente nocivo à saúde aos
menores de 18 anos e às mulheres.
A razão principal que levou a nova classe dominante a se importar com o mundo
do trabalho foi a preocupação em controlar e frear a formação de um operariado
organizado, com ideologia própria. Desde a primeira década do presente século já era
visível a propagação do anarquismo e do comunismo. Para vincular o trabalhador ao
Estado, preparou-se uma legislação própria, que acabou ligando todos os órgãos
trabalhistas (sindicatos) diretamente ao Ministério do Trabalho.
A educação – A criação do Ministério da Educação e Saúde, em 1930 (cujo
primeiro titular foi Francisco Campos), já era sintoma de uma nova visão na área da
educação. A nova Constituição estabeleceu, nesse ponto, o ensino primário obrigatório,
com a perspectiva de fazer o mesmo, posteriormente, com outros graus de ensino.
O Estado Novo (1937 – 1945)
O Surgimento de Novos Partidos
O declínio do tenentismo – Desde a Constituinte (1933) e a promulgação da
Constituição (1934), o tenentismo estava em declínio. Esse movimento, um dos mais
radicais e reformistas da República Velha, foi também a mais séria tentativa de superar o
domínio das oligarquias estaduais. Todavia, ideologicamente, o tenentismo era
desprovido de coerência; da mesma forma, não tinha nenhum programa político
suficientemente claro, que mobilizasse setores significativos da sociedade para a
reorganização do país.
Em 1934, o tenentismo já tinha deixado de existir como movimento organizado. Em
seu lugar, novas organizações políticas começaram a surgir, influenciadas pelos
acontecimentos europeus.
A conjuntura internacional – Após o término da Primeira Guerra Mundial (1914-
1918), começaram a se fortalecer na Europa as tendências políticas contrárias aos ideais
burgueses nascidos no século XVIII: o liberalismo e a democracia. A ideologia burguesa
passou a ser criticada tanto pela direita (fascismo e nazismo) como pela esquerda
(marxismo). A primeira crítica não era revolucionária e buscava, através de um regime
ultranacionalista, belicoso e ditatorial, uma saída para a crise do capitalismo, sem,
contudo o destruir. A segunda, revolucionária, preconizava a superação do capitalismo,
com a tomada do poder pela classe operária e a transformação da sociedade. Em outras
palavras, o fim da propriedade privada dos meios de produção e da exploração do
trabalho assalariado.
Essas duas tendências políticas (ultra-reacionária e revolucionária) estavam em
luta acirrada durante o período entreguerras e refletiram-se no Brasil com a formação da
Ação Integralista Brasileira (tendência fascista) e da Aliança Nacional Libertadora
(tendência esquerdista).
Esses dois partidos eram bem diferentes daqueles até então existentes, pois
tinham um programa político bem delineado e haviam superado os antagonismos
regionais, substituindo-os pelos antagonismos de classes. Portanto, já não eram
agrupamentos políticos de defesa de um estado ou outro, de uma região ou outra. Ao
contrário, defendiam claramente os pontos de vista de uma classe, independentemente
da área geográfica.
O Integralismo
Características – O integralismo surgiu no bojo dos acontecimentos europeus e era
tributário do fascismo italiano. Doutrinariamente, o integralismo preconizava o governo
ditatorial ultranacionalista, com base na hegemonia de um único partido, a Ação
Integralista Brasileira (AIB), obediente a um único chefe.
Os fundamentos doutrinais da AIB encontravam-se no Manifesto à Nação Brasileira
(1932), de autoria de Plínio Salgado, ex-integrante do PRP Nele, o autor fazia a defesa da
"Pá tria, Deus, Família", isto é, do "chauvinismo", da "civilização cristã" e do
"patriarcalismo". A AIB encontrava apoio na oligarquia tradicional, na alta hierarquia
militar, no alto clero, em suma, nos setores mais conservadores da sociedade.
Tal como o seu modelo europeu, a AIB utilizava-se do ódio aos comunistas para
elevar a tensão emocional de seus partidários. O "perigo vermelho" era visto por toda a
parte, o que mantinha a permanente vigilância e o fervor partidário.
Entre 1932 e 1935, quando os efeitos da crise de 1929 se faziam sentir com
intensidade e as agitações esquerdistas começavam a tomar corpo, os integralistas
formaram, como na Itália, grupos paramilitares que agiam com violência para dissolver as
manifestações esquerdistas.
A Aliança Nacional Libertadora
A frente antifascista – A ascensão dos totalitarismos de direita, quase por toda
parte, motivou a formação de frentes antifascistas, com predomínio dos partidos
comunistas em todos os países. Aliás, a Terceira Internacional (Komintern) - reunião dos
partidos comunistas de todo o mundo - havia preconizado essa tática na luta antifascista:
aglutinar todos aqueles que, por uma razão ou outra, eram contrários ao fascismo. O
Partido Comunista do Brasil, fundado no início dos anos 20, adotou essa linha. A
formação da frente antiintegralista resultou na Aliança Nacional Libertadora. Luís Carlos
Prestes, que rompera com o tenentismo para converter-se ao marxismo, foi eleito
presidente de honra da ANL, passando, assim, rapidamente à cúpula dirigente do PCB.
A "intentona" comunista – A ANL desde então cresceu vertiginosamente,
despertando, em conseqüência, o receio das camadas dirigentes. O próprio presidente
Getúlio Vargas, a fim de fortalecer o seu poder, serviu-se da ANL. Depois, através da
intervenção policial, invadiu suas sedes e mandou prender seus líderes. Enfim, impediu a
atuação da ANL na legalidade, forçando-a a passar para a clandestinidade.
Por causa da repressão da polícia, o PCB, movido pela ala radical, acabou optando
pelo método insurrecional, dando origem à intentona comunista.
A rebelião eclodiu prematuramente (23/11/ 1935) em Natal, no Rio Grande do
Norte, onde o batalhão em levante se uniu a populares, organizando o Comitê Popular
Revolucionário. A repressão foi imediata, com o apoio da Polícia Militar e de fortes
contingentes armados enviados pelos fazendeiros. Dois dias depois a insurreição foi
esmagada.
No dia 25, em Recife e Olinda, guarnições militares sob domínio comunista se
sublevaram e também foram reprimidas sem maiores dificuldades.
O mesmo aconteceu no Rio de janeiro no dia 27 de novembro. Destacaram-se na
época, como representantes das forças repressoras, Eduardo Gomes (um dos
sobreviventes dos 18 do Forte, 1922) e Eurico Gaspar Dutra.
A preparação do golpe – Para combater os levantes comunistas, Getúlio Vargas
decretou o estado de sítio em novembro, que se prolongou até o ano seguinte. Era o
pretexto de que necessitava para conduzir o país à ditadura. Era um pretexto, porque
Vargas sabia de antemão dos planos insurrecionais do PCB através de elementos da
polícia infiltrados no partido. E serviu-se do levante comunista - mal concebido, mal
planejado e mal executado, sem a mínima chance de vitória - para atingir objetivos
pessoais. Utilizando o argumento da "ameaça comunista", preparou, pacientemente, seu
próprio caminho.
Quando se iniciou a campanha para a sucessão presidencial, a oligarquia paulista
lançou o seu candidato, Armando de Sales Oliveira; os getulistas defendiam a candidatura
de José Américo de Almeida. Porém, nem um nem outro estava nos planos de Getúlio,
pois ele pretendia continuar no poder. E tinha fortes argumentos para isso; contava com o
apoio do general Góis Monteiro, chefe do estado-maior do Exército, e do general Dutra,
seu ministro da Guerra.
O “Plano Cohen” (1937) – Contudo, o Congresso Nacional, sentindo as manobras
golpistas de Vargas, o impediu de renovar o estado de sítio. Para forçar a situação,
Vargas simulou a farsa do Plano Cohen, de autoria duvidosa: tratava-se de um plano
supostamente comunista, que visava ao assassinato de personalidades importantes, a fim
de tomar o poder. Segundo a versão dos interessados na farsa, o documento fora
"descoberto" e entregue a Góis Monteiro pelo capitão Olímpio Mourão Filho, membro
integralista. O nome Plano Cohen foi dado por Góis Monteiro, responsável pela
divulgação alarmista por toda a imprensa.
Diante da "ameaça vermelha", o governo pediu o estado de guerra, e o Congresso
concedeu. Criaram-se assim as condições para o golpe. Getúlio buscou e conseguiu o
apoio do governador de Minas, Benedito Valadares; no nordeste, a missão Negrão de
Lima conseguiu a adesão de vários estados.
No dia 9 de novembro de 1937, Armando de Sales Oliveira apelou para as Forças
Armadas, pedindo a manutenção da legalidade. Inutilmente, pois Francisco Campos, de
tendência integralista e futuro ministro da justiça, já tinha sido encarregado de redigir a
nova Constituição.
No dia seguinte, usando como pretexto a necessidade de se colocar fim às
agitações, Vargas decretou o fechamento do Congresso e anunciou a nova Constituição.
Em 2 de dezembro de 1937, os partidos foram dissolvidos. Era o início do Estado Novo.
A Constituição de 1937
Características do novo regime – Apesar da inegável afinidade entre o novo
regime, instituído pelo golpe de 1937, e o regime dos Estados fascistas europeus, certas
características peculiares destes não apareceram na formação do Estado Novo. O golpe
de 1937, segundo Locardes Sola, "não representou a vitória de um partido organizado (a
participação dos integralistas era adjetiva), nem teve apoio ativo das massas". Careceu,
por outro lado, de força e coerência ideológica. A instauração do Estado Novo foi - na
opinião da mesma autora - "um golpe de elites político-militares contra elites político-
econômicas”.
Nesse sentido, o decreto de 2 de dezembro de 1937, que dissolveu todos os
partidos, é bem elucidativo. Comecemos com as razões do decreto. Segundo ele, os
partidos políticos eram "artificiosas combinações de caráter jurídico e formal" e tinham
"objetivos meramente eleitorais”. A crítica dirigia-se claramente aos partidos tradicionais
herdados da República Velha - expressões dos interesses locais e incapazes, portanto,
de formar a "nação”. Por isso no decreto se afirmou que os partidos não correspondiam
"aos reais sentimentos do povo brasileiro", pois "não possuem conteúdo programático
nacional”. Essa última denúncia não era aplicável, no entanto, à AIB e à ANL, pois ambas
haviam superado os partidos até então existentes por trazerem "conteúdo programático
nacional”. Entretanto, contra a AIB e a ANL, as acusações seriam outras: elas
espelhavam ideologias e doutrinas contrárias aos postulados do novo regime. Assim, uma
vez que todos os partidos eram inadequados, a instauração do novo regime foi a solução
ideal, pois fora fundado em nome da nação para atender às suas aspirações e
necessidades, devendo estar em contato direto com o povo.
Portanto, o pano de fundo da ideologia do Estado Novo foi o mito da nação e do
povo, duas entidades abstratas que por si sós não significam absolutamente nada. Na
realidade, esse foi o momento em que, através da ditadura, se procurou suprimir os
localismos e viabilizar um projeto realmente nacional.
Identificando nação e povo, e ambos com o ditador, sem a distância interposta dos
partidos, o Estado Novo tinha a ilusão de que finalmente o povo governaria a si próprio e
a nação se reencontraria. O ditador era então a encarnação viva do povo e da nação.
A nova Constituição – A Carta Outorgada de 1937 teve como principal autor
Francisco Campos e caracterizou-se pelo predomínio do poder Executivo, considerado o
"órgão supremo do Estado", usurpando até as prerrogativas do Legislativo. O presidente
foi definido como a "autoridade suprema do Estado, que coordena os órgãos
representativos de grau superior, dirige a política interna e externa, promove ou orienta a
política legislativa de interesse nacional e superintende a administração do País",
conforme o texto constitucional. Passou a ter completo controle sobre os estados,
podendo a qualquer tempo nomear interventores.
Instituiu-se ainda o estado de emergência, que permitia ao presidente suspender
as imunidades parlamentares, prender, exilar e invadir domicílios; para completar,
instaurou-se novamente a pena de morte e legalizou-se a censura para os meios de
comunicação -- jornais, rádio e cinema. O mandato presidencial foi dilatado para seis
anos.
O poder Legislativo seria composto pelo presidente da República, pelo Conselho
Nacional (que substituiu o Senado) e pelo Parlamento Nacional (Câmara dos Deputados).
O Parlamento Nacional, com três a dez representantes por estado, seria eleito por
voto indireto (vereadores das Câmaras Municipais e dez eleitores por voto direto).
O Conselho Nacional seria composto por um representante de cada estado, eleito
pelas Assembléias Estaduais, e por dez membros nomeados pelo presidente, com
mandatos de seis anos.
Sob inspiração do Estado corporativo do regime fascista italiano, a nova
Constituição criou o Conselho da Economia Nacional, composto pelos representantes da
produção - indicados por associações profissionais e sindicatos reconhecidos por lei -,
com representação paritária de empregados e sob a presidência de um ministro de
Estado. O Conselho da Economia Nacional tinha a função de assessoria técnica, visando
obter a colaboração das classes, a racionalização da economia e a promoção do
desenvolvimento técnico. Tudo isso significava também que o Estado iria intervir e dirigir a
economia nacional.
A Carta Outorgada de 1937 deveria ter sido submetida a um plebiscito*, como
determinava o seu texto, mas o ditador fez por esquecer esse compromisso.
O DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) foi criado em
1938 com a finalidade de dar ao Estado um aparato burocrático racionalizador da
administração pública. Em suma, tratava-se de modernizar a burocracia.
Segundo Hélio de Alcântara Avellar, o DASP tinha a função de pôr fim ao "caráter
político do recrutamento do funcionalismo, partindo do imperativo técnico da neutralidade
do serviço e do servidor público".
Com o DASP, generalizou-se o sistema de mérito, isto é, o recrutamento passou a
ser feito mediante a avaliação da capacidade, através de concursos e provas de
habilitação.
Controle e Repressão
O DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda – Para garantir o funcionamento
do novo regime, foram criados vários instrumentos de controle e repressão. Inicialmente,
destacou-se o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), encarregado do controle
ideológico. Para tanto, exercia a censura total dos meios de comunicação - imprensa,
rádio e cinema -, através dos quais, inoculando na sociedade o medo do "perigo
comunista", sustentava o clima de insegurança que justificara o novo regime. Além disso,
trabalhava na propaganda do presidente, formando dele uma imagem sempre favorável.
Com esse fim foi instituída a Hora do Brasil, emissão radiofônica obrigatória.
Naturalmente, a intolerância pela diversificação da informação era a base do novo regime.
E qualquer oposição ideológica era duramente reprimida, a exemplo do confisco do jornal
O Estado de S. Paulo, fundado por Júlio de Mesquita.
A Polícia Secreta – Ao mesmo tempo em que a repressão ideológica alargou seus
horizontes através da oficialização, avultou o papel da Polícia Secreta, chefiada por F'
Filinto Müller. Tal como nos regimes totalitários europeus, a Polícia Secreta se
especializou em práticas violentas, reprimindo, com torturas e assassinatos, os indivíduos
considerados nocivos à ordem pública.
O controle dos sindicatos – A preocupação do novo regime era neutralizar e anular
a influência política do operariado, fazendo os trabalhadores ligarem-se aos sindicatos. O
princípio norteador dessa política trabalhista foi a concepção corporativa do fascismo, que
consistia na negação da luta de classes e na afirmação da colaboração entre elas. Esse
princípio não reconhecia, portanto, as diferenças de interesses entre patrões e
empregados, colocando acima das contradições de classe o suposto interesse, mais
geral, da "nação”. Por isso, pela Constituição de 1937, as greves e o lockout foram
proibidos, por serem "recursos anti-sociais, nocivos ao trabalho e ao capital, incompatíveis
com os superiores interesses nacionais”.
A autonomia sindical foi finalmente liquidada com a instituição do Imposto Sindical,
cobrado compulsória e anualmente de todos os trabalhadores e equivalente a um dia de
trabalho.
Esse imposto - destinado a remunerar o pessoal encastelado no aparato
burocrático sindical - era recolhido pelo Ministério do Trabalho, que então fazia a
redistribuição entre os sindicatos. Assim, os sindicatos tornaram-se entidades
dependentes do Estado e, portanto, facilmente manipuláveis por ele.
Uma das conseqüências para os sindicatos foi o surgimento dos "pelegos",
trabalhadores que não representam autenticamente os interesses de sua classe;
beneficiados pelo sistema sindical, identificavam-se com o governo.
As Transformações Econômicas
O fortalecimento do mercado interno – Até os fins da República Velha, o Brasil não
havia superado de todo a pesada herança colonial. Continuava um país monocultor (café)
e estritamente dependente do mercado externo. Porém, desde a abolição da escravatura,
esse esquema econômico estava condenado, por causa da generalização do trabalho
assalariado. Em muito contribuiu, ainda, a maciça imigração estrangeira. Dessa maneira,
com o aumento da mão-de-obra livre e assalariada, criou-se necessariamente um
mercado interno.
Essa transformação estava relacionada com o desenvolvimento do capitalismo: ao
ampliar o seu potencial produtivo, a Europa passou a necessitar de um mercado cada vez
maior. Foi o que determinou no Brasil, segundo Caio Prado Jr., a emergência do "fator
consumo, praticamente imponderável no conjunto do sistema anterior, em que prevalece
o elemento produção".
A crise do modelo agrário-exportador – Evidentemente, num sistema voltado para a
produção de bens primários - café, borracha, açúcar, algodão, cacau - e exclusivamente
para fora, as crescentes necessidades do mercado interno tornaram-se um problema de
difícil solução, pois a única saída era importar cada vez mais, o que acarretava um sério
desequilíbrio na balança comercial.
A direção do desenvolvimento econômico começou então a mudar, com a
crescente diversificação no que se refere à produção tanto de alimentos quanto de
manufaturas.
Essa tendência à "nacionalização da economia" já era visível durante e após a
Primeira Guerra Mundial (1914-1918), e com a crise de 1929 ela se intensificou, pois a
política de valorização do café, que até então sustentava o modelo agrário-exportador,
entrou em seu ciclo descendente. A falta de financiamento e o bloqueio às importações
favoreceram o desenvolvimento industrial. A fisionomia econômica começou a se alterar
profundamente.
A queima do café – A demonstração mais evidente da inadequação do modelo
agrário-exportador brasileiro ao mercado internacional capitalista foi o beco sem saída em
que se encontrava a política cafeeira. Mesmo após a ascensão de Vargas, procurou-se
proteger o café com base na mesma política de valorização herdada da República Velha.
Qual o resultado? Empréstimo externo, endividamento crescente e queima do café assim
adquirido. O aumento extraordinário da dívida externa levou finalmente o governo ao seu
congelamento, em 1938-39. Queimaram-se 78 milhões de sacas de café até 1944. O
absurdo da situação, por si mesmo, indicou novos caminhos.
Na verdade, desde o Convênio de Taubaté (1906), a economia cafeeira havia
entrado numa crise que se repetiria de forma permanente, como um círculo vicioso. O
empréstimo externo para financiar e depois queimar e destruir a produção excedente, a
fim de manter o preço e a lucratividade dos cafeicultores, estimulava a produção,
tornando necessários novos empréstimos. Dessa forma, a situação foi se agravando cada
vez mais, e a política de valorização apenas adiou a catástrofe final, que veio com a crise
de 1929. Nesse contexto, o desenvolvimento industrial e a diversificação da economia
eram um rumo "natural" a ser tomado.
O Desenvolvimento Industrial
As inovações de Vargas – Já nos referimos anteriormente à relação existente entre
a economia cafeeira e a industrialização. Na verdade, a industrialização no Brasil
começou sem apoio decidido do Estado, sem uma clara política voltada para ela. Na era
de Vargas, esse reforço finalmente apareceu, e as realizações efetivamente inovadoras
tomaram forma.
Um plano qüinqüenal, elaborado em 1939 por iniciativa de Vargas e seu ministro
da Fazenda, Sousa Costa, tinha como meta "uma usina de aço, fábrica de aviões, usinas
hidrelétricas em Paulo Afonso, drenagem do rio São Francisco, estrada de ferro e de
rodagem e a compra na Alemanha de navios para o Lloyd Brasileiro, de destróieres e
aviões". Apenas parte desse plano foi levada a cabo, mas a importância para a vida
nacional das inovações efetivadas não foi pequena.
Ora, a inovação mais importante consistiu “em um novo tipo de interferência do
Estado, em nível da economia. Até então, ele organizara e centralizara, intensificando os
processos econômicos já existentes: na agricultura, estimulando a diversificação da
produção e suportando, em nível mais oneroso do que se fizera na República Velha, os
preços do café; na indústria, concedendo facilidades de financiamento, de créditos a juros
baixos através do Banco do Brasil. Agora, através da instalação de novas indústrias,
estatais, o Estado assumia o papel de principal investidor. Criavam-se também, com isso,
as bases institucionais de que emergiria uma nova espécie de grupo burocrático -
composta de militares e civis, bem mais duradoura do que o próprio regime de Vargas, e
que proliferaria nos anos 50 -, uma” burocracia industrial “, amplamente remunerada e
prestigiada. Surgia um novo agente econômico (e político), o ‘tecnocrata’”.
“Além disso, esses investimentos tinham uma significação intrínseca: em sua
maioria canalizados para a indústria pesada, setor pouco atraente para os investidores
particulares, em que a remuneração do capital se faz a longo prazo, resultaram na
instauração das condições infra-estruturais para o desenvolvimento do capitalismo no
Brasil”.
Os efeitos da Segunda Guerra (1939-1945) – A eclosão da Segunda Guerra
Mundial (19391945) teve efeitos favoráveis à política de industrialização em curso no
Brasil, pois, "além de passarem a ter o mercado interno a seu inteiro dispor, muitas
indústrias brasileiras viram-se chamadas a preencher o vácuo deixado, em outros países,
pela perda de contato com os seus fornecedores tradicionais de produtos manufaturados.
Assim, a exportação de tais artigos tornou-se, pela primeira vez, um item ponderável na
pauta exportadora do país".
Conseqüentemente, os industriais, sobretudo do Rio de Janeiro e de São Paulo,
puderam ampliar suas funções. O Estado encarregou-se de criar a infra-estrutura
necessária. Através de empréstimos do Eximbank (banco semi-oficial norte-americano),
Vargas obteve o empréstimo desejado para construir a Usina de Volta Redonda (1941).
Os meios de transporte para alimentar a usina foram viabilizados: incrementou-se o
transporte marítimo para trazer o carvão do sul (Santa Catarina); equipou-se a estrada de
ferro Central do Brasil para transportar o minério extraído em Minas Gerais, onde foi
criada a Companhia do Vale do Rio Doce (1942).
De acordo com o mesmo espírito nacionalista que presidiu a formação da indústria
pesada no Brasil, o Estado interveio na formação do Conselho Nacional do Petróleo
(1938), a fim de controlar o refinamento e a distribuição do combustível, essencial para
assegurar o desenvolvimento dos transportes.
A aviação – A aviação comercial no Brasil começou em 1925, com a instalação de
uma linha aérea francesa ligando Rio de Janeiro e Buenos Aires. Em Porto Alegre, foi
fundada a Viação Aérea Rio-Grandense (Varig). Outras companhias apareceram, como a
Cia. Sindicator Condor (1927), futura Cruzeiro do Sul, e a Nyrba do Brasil (1928), futura
Panair do Brasil.
Contradições do Estado Novo – Desde a Primeira Guerra (1914-1918), passando
pela crise de 1929 até a Segunda Guerra (1939-1945), havia no Brasil uma conjuntura
favorável à industrialização, que, não obstante, se efetivou associada à economia cafeeira
e não em oposição a ela. Na realidade, os capitais investidos nas indústrias eram
provenientes da acumulação no setor agrícola, donde se conclui que a exploração da
grande massa rural era a chave daquela acumulação. Por isso, apesar de sua aparência
antioligárquica, o Estado Novo manteve intocado o sistema de dominação no campo. Daí,
para Lourdes Sola, "as características contraditórias do Estado Novo, combinando
aspectos progressistas, como o impulso à industrialização, e conservadores, como a
repressão aos movimentos de coerção apoiado nos grupos militares(...)”. Tomado em
conjunto, na era de Vargas, particularmente no período do Estado Novo, o Estado
funcionou, efetivamente, como o mais poderoso instrumento de promoção da acumulação
de capitais, colocando o Brasil nos trilhos do capitalismo. À medida que o Estado
autoritário getulista criou condições para o deslanche da industrialização, inevitavelmente
criou também condições para a ampliação do debate em torno da forma do
desenvolvimento. A burguesia passou a exigir uma participação maior nas decisões, e
isso implicava a passagem do Estado para o segundo plano, apagando sua pesada e
incômoda presença no campo econômico. Em outros termos, o Estado Novo foi
"adequado" para promover a "acumulação primitiva" de capital. Uma vez cumprida essa
etapa, a própria forma do Estado passou a ser obstáculo a superar, e a
"redemocratização" tornou-se o caminho inevitável, selando o destino de Vargas.
O Brasil na Conjuntura da Segunda Guerra Mundial
As indecisões – Embora identificado com os regimes totalitários europeus, o
Estado Novo getulista conservava-se neutro em relação ao conflito que eclodira em 1939,
entre os Estados liberais e o nazi-fascismo europeus.
Apesar das pressões norte-americanas, o governo continuava indeciso. E essa
indecisão era reflexo das tendências contraditórias dos homens do governo: enquanto
Filinto Müller, chefe da polícia do Rio, e Francisco Campos eram favoráveis às potências
fascistas do eixo Berlim-Roma-Tóquio, Osvaldo Aranha colocava-se contra. Entre as duas
tendências oscilavam os generais Góis Monteiro e Dutra.
O rompimento com o Eixo – A inclinação a favor das potências aliadas deu-se a
partir do sucesso das negociações de empréstimos entre o Brasil e o Eximbank, em 1941.
Já na II Conferência de Consulta dos Chanceleres no Rio de janeiro, em meados de
janeiro de 1942, a aliança política entre Brasil e Estados Unidos foi efetivada. Tornou-se
inevitável o rompimento das relações diplomáticas com o Eixo. Em março do mesmo ano,
o comprometimento do Brasil se aprofundou, com a assinatura de um acordo que permitia
aos Estados Unidos a utilização das costas nordestinas como bases aeronavais.
A entrada do Brasil na guerra – A participação direta do Brasil no conflito mundial
aconteceu após repetidos ataques aos navios brasileiros por parte da força submarina
alemã. Cerca de dezoito navios foram perdidos nesses ataques, realizados até em águas
brasileiras. Além das perdas materiais, 607 brasileiros foram mortos.
Evidentemente, isso provocou reações espontâneas que resultaram em
manifestações populares exigindo a entrada do Brasil na guerra. Em 21 de agosto de
1942, finalmente, Osvaldo Aranha, ministro das Relações Exteriores, declarou
oficialmente guerra contra a Itália e a Alemanha.
A participação do Brasil limitou-se de início ao fornecimento de matérias-primas
estratégicas e ao auxílio no policiamento do Atlântico Sul. Somente em 1944 foi enviado à
Itália um contingente de 23 334 soldados, que formaram a Força Expedicionária Brasileira
(FEB), sob o comando do general Mascarenhas de Morais. Na Itália, incorporada ao 5°.
Exército norte-americano - chefiado pelo general Clark -, a FEB obteve algumas vitórias
contra as tropas fascistas, destacando-se as batalhas de Monte Castelo e Montese.
No entanto, o triunfo das forças democráticas do mundo contra a barbárie fascista
pôs o Estado Novo em posição extremamente incômoda. No dia seguinte ao final da
guerra, a ditadura de Vargas já não tinha lugar, pois havia sido ultrapassada pelos
acontecimentos.
A Queda do Estado Novo
Reflexos políticos da Segunda Guerra – A partir de 1942, quando a posição do
Brasil se definiu claramente a favor das potências liberais, o engajamento no grande
conflito não pôde deixar de repercutir na conjuntura política interna. Como resolver a
contradição de um Estado inspirado no fascismo italiano que se empenhara na luta
antifascista, em defesa dos ideais antiautoritários.
A crise interna – É claro que as repercussões da Segunda Guerra, por si sós, não
explicam a transformação política no Brasil. Na verdade, elas se entrelaçaram à crise
política interna, formando uma complexa rede de contradições que resultou na criação de
conjunturas favoráveis ao desmantelamento do Estado Novo.
Em 1943, esgotou-se o limite que o Estado Novo impusera “para a legitimação, por
meio de um plebiscito, da Constituição outorgada em 1937”. Nessa conjuntura surgiu o
Manifesto dos Mineiros (outubro de 1943), assinado por Virgílio de Melo Franco, Afonso
Arinos, Milton Campos, Magalhães Pinto, Adauto Lúcio Cardoso, Odilon Braga, Pedro
Aleixo e Bilac Pinto, futuros líderes da União Democrática Nacional (UDN). O citado
documento, reconhecendo "que o Brasil está em fase de progresso material e tem sabido
mobilizar muitas das suas riquezas naturais, aproveitando inteligentemente as realizações
do passado e as eventualidades favoráveis do presente", criticava a "ilusória tranqüilidade
e a paz superficial que se obtêm pelo banimento das atividades cívicas, [que] podem
parecer propícias aos negócios e ao comércio, ao ganho e à própria prosperidade, mas
nunca benéficas ao revigoramento dos povos”. Em síntese, o manifesto exigia a
participação política dos agentes do progresso econômico, isto é, um desenvolvimento
político correspondente e compatível com a prosperidade material.
A vitória dos Aliados – A crise interna acompanhou o progressivo avanço dos
Aliados na Segunda Guerra. E, aliás, a coincidência desse avanço com as etapas de
redemocratização no Brasil, como afirma Weffort, “não é simples fruto do acaso”. O
próprio Vargas, sentindo o comprometimento de seu poder, assumiu, ambiguamente, uma
posição mais flexível. No seu discurso de novembro de 1943 declarou: “Quando terminar
a guerra, em ambiente próprio de paz e ordem, com as garantias máximas à liberdade de
opinião, reajustaremos a estrutura política da nação, faremos de forma ampla e segura as
necessárias consultas ao povo brasileiro”.
Apesar dessa declaração, as forças de oposição que estavam emergindo não
acolheram com entusiasmo a promessa de Vargas. Em 1945, quando a guerra chegou ao
fim, essas forças se manifestaram, levando o Estado Novo à inelutável desagregação.
As agitações – As agitações pela redemocratização iniciaram-se com o I
Congresso Brasileiro de Escritores, em janeiro de 1945, que se manifestou
favoravelmente ao restabelecimento da democracia. As declarações de José Américo de
Almeida, no jornal Correio da Manhã, tiveram um grande impacto. Francisco Weffort
assim vê o momento: "Da parte do governo há o ato adicional prometendo a realização de
eleições para o dia 2 de dezembro. Quase ao mesmo tempo rompe-se o dique da censura
à imprensa. Logo depois, aparece a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes, articulada
pela oposição liberal, que, por sua vez, passa a constituir-se em partido: União
Democrática Nacional (UDN). E em março surge a candidatura do general Enrico Dutra,
que fora ministro da Guerra do Estado Novo. À sua volta articulavam-se as forças
governistas, que logo dariam origem ao Partido Social Democrático (PSD); a segunda
agrupação governista deveria surgir depois e para aderir igualmente à candidatura de
Dutra" 9.
A descompressão da vida política promoveu a formação de agremiações
partidárias que exprimiam os anseios até então represados. Para Lourdes Sola, o "Partido
Social Democrático, que tinha Dutra por candidato, era integrado pelas oligarquias rurais,
por industriais e banqueiros habituados a negociações com o governo central" 1°.
Todavia, esse partido não possuía unidade ideológica, embora controlasse uma poderosa
máquina eleitoral.
O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) – mobilizava a burocracia sindical ligada ao
trabalhismo, sob a direção de seus criadores, Marcondes Filho, Hugo Borghi, e de seu
principal ideólogo, Alberto Pasqualini. O governo procurava organizar assim, agora sob
forma partidária, um dos outros pólos em que se baseara seu prestígio, as camadas
populares urbanas, que passaram a representar um conjunto significativo de votos. A
ideologia populista desse partido mantinha e reforçava a tradição inaugurada por Vargas.
A União Democrática Nacional (UDN) – Ainda segundo a autora, fundada em 1944,
a UDN reunia os elementos antigetulistas: antigos liberais constitucionais como Armando
Sales, Júlio de Mesquita Filho, proprietários de uma cadeia de jornais como Assis
Chateaubriand, o dono do Correio da Manhã, Paulo Bittencourt, e a burguesia comercial
urbana, ligada aos interesses exportadores e importadores, prejudicados em seus lucros
pelo intervencionismo econômico do Estado Novo. Contava também com a adesão das
classes médias urbanas, assustadas com a retomada do processo inflacionário, que se
acentuara a partir de 1942. A ideologia da UDN, politicamente liberal, no plano econômico
se manifestava também liberal, reivindicando a liquidação do protecionismo, identificado
como causa principal do aumento dos preços. Isso conquistava a simpatia daquelas
camadas médias, cujas perspectivas econômicas se orientavam pelo ponto de vista do
consumidor. Uma ala da UDN, a Esquerda Democrática, mais tarde se desdobraria numa
nova organização, o Partido Socialista Brasileiro (PSB).
A Anistia – Diante das pressões crescentes da opinião pública, Getúlio decretou
anistia aos presos políticos, inclusive ao líder comunista Luís Carlos Prestes, que estava
preso desde 1936, com o fracasso da intentona comunista de 1935. Depois de nove anos
na prisão do Estado Novo, Prestes voltou a atuar, organizando no dia 23 de maio de 1945
uma gigantesca manifestação popular no Rio de Janeiro. Curiosamente, nessa
manifestação, o Partido Comunista, legalizado desde maio, expressou seu apoio ao
governo de Getúlio. Apesar de estranha, tal atitude do PCB estava de acordo com sua
linha política, baseada no antiiperialismo e na aliança com as forças progressistas
nacionais. Além disso, o apoio a Getúlio expressava também a presença da diretriz,
fixada pela União Soviética, de formação de uma frente popular nos países que lutaram
contra o Eixo.
O queremismo – No segundo semestre de 1945, a tônica das movimentações
políticas mudou a ênfase. Até o primeiro semestre do mesmo ano, a campanha eleitoral
absorvera as energias políticas. A partir do semestre seguinte, a tônica recaiu sobre a
questão da Constituinte, que deveria reunir-se somente depois da eleição presidencial,
marcada para 2 de dezembro daquele ano. Foi quando se expandiu a pregação do
"queremismo" (" Queremos Getúlio"), orientada pelos trabalhistas e apoiada pelos
comunistas. Vargas discretamente alimentou esses movimentos populares urbanos,
propondo a "lei malaia" (junho de 1945), como ficou conhecida a lei antitruste, que tinha
um caráter nitidamente nacionalista e antiimperialista.
A queda de Vargas – O queremismo representou, portanto, o respaldo - ainda que
indefinido - de que Getúlio necessitava para continuar no poder. E isso despertou na UDN
uma desconfiança extrema a qualquer ação de Getúlio. A situação se tornou mais clara a
partir de agosto de 1945, quando a manobra continuísta se evidenciou com a evolução do
queremismo para o grito de "Constituinte com Getúlio”. Isso veio inquietar a oposição
udenista, pois a Constituinte antes das eleições presidenciais significaria a preservação
do poder nas mãos de Vargas, segundo Weffort, "pelo menos até o momento em que
estivesse estabelecida uma nova ordem institucional, assegurando-se a possibilidade de
uma influência decisiva sobre a sua elaboração" 13. No início do mês de outubro, o
Partido Comunista estava inteiramente disposto a apoiar Vargas. Mas "é precisamente
nesse momento, em que as forças getulistas e seus aliados estão no máximo de sua
capacidade de ação, que se desencadeia o Golpe de Estado" 14. Um grande comício pró
-getulista, marcado para o dia 27, foi proibido pelo chefe de policia do Distrito Federal.
Getúlio reagiu, substituindo-o pelo seu irmão, Benjamim Vargas. Contudo, a derradeira
manobra encontrou forte resistência em Góis Monteiro. Dois dias depois, em 29 de
outubro de 1945, Getúlio foi obrigado a abandonar o poder, transmitindo-o ao Judiciário.
Terminou aí o Estado Novo.
A Redemocratização de 1946
As duas fases da redemocratização – O processo de redemocratização comportou
pelo menos duas etapas distintas: a primeira vai de outubro de 1943, data do Manifesto
dos Mineiros, até 29 de outubro de 1945; a segunda começa com a presidência transitória
de Linhares (29 de outubro de 1945 a 1° de fevereiro de 1946) e vai até setembro de
1946, com o encerramento dos trabalhos da Constituinte. A primeira fase correspondeu
às agitações democráticas que culminaram com a queda de Vargas. A segunda - que
Weffort considera "a fase da colheita" - correspondeu à reorganização do país segundo as
determinações da fase anterior.
A vitória aparente da UDN – Com o golpe de 9 de outubro de 1945 e a deposição
de Vargas, a UDN aparentemente tinha saído vitoriosa. Visto mais de perto, o golpe
desencadeado pela UDN limitou-se à mera conspiração, com caráter palaciano, sem o
concurso da mobilização popular. De modo que a derrubada de Vargas não teve, como se
esperava, a devida repercussão política e popular. Ao contrário, a forma como Getúlio
caiu fez com que ele aparecesse, aos olhos da opinião pública, como vítima do "partido
dos ricos". O prestígio do ditador não diminuiu e, inversamente ao que se poderia supor, o
"queremismo" não fora motivado apenas por forças oficiais. Surpreendentemente, a
popularidade de Getúlio, "pai dos pobres", mostrou-se bem acima das expectativas
criadas nas eleições presidenciais que levaram o general Dutra ao poder.
O PCB – O PCB, por sua vez, manteve-se dentro da orientação anterior à queda
de Vargas. Para preservar a "frente" e a aliança com as "forças progressistas", ofereceu
apoio a Linhares e, posteriormente, a Dutra.Afastou-se de Getúlio, acusando-o de ter
traído o povo. Estranhamente, a esquerda tinha como linha política apoiar sempre a
situação, evitando - parece - a qualquer custo passar para a oposição.
A persistência do Estado Novo – A redemocratização ambicionada por toda a
oposição antigetulista estava limitada desde o início, pois as forças políticas em jogo
tinham sido formadas no seio do Estado Novo e não se haviam libertado do passado
recente. Basta referir aqui o fato de o próprio Dutra ter sido ministro da Guerra de Getúlio.
Dutra dependia de Vargas, uma vez que não podia governar senão com o apoio dos
grandes partidos (PSD e PTB) formados por Getúlio no fim do Estado Novo.
A persistência do Estado Novo foi favorecida ainda pela emergência do movimento
operário, que retomou seu vigor no princípio do ano de 1946, sem, todavia encontrar
ressonância nos partidos políticos organizados. Estes não possuíam a sabedoria de
compreender que a verdadeira democracia tinha que passar pelo teste da incorporação
das forças operárias. A cisão entre as elites políticas e a massa popular facilitou a adoção
de medidas repressivas, próprias do Estado Novo: intervenções nos sindicatos,
dispositivos legais que permitiam o controle e a repressão do operariado. Mesmo o PCB
não soube canalizar as forças operárias, pois era adepto da "ordem e tranqüilidade" e
estava aquém da proposta do operariado.
A alteração da conjuntura das relações internacionais, logo após o término da
Segunda Guerra Mundial, também contribuiu para a manutenção de traços do Estado
Novo. Com efeito, depois da derrota do nazi-fascismo, o declínio da Europa - antes, o
centro hegemônico mundial - era evidente. O eixo das relações internacionais deslocou-
se para as duas superpotências em ascensão: Estados Unidos e União Soviética. A
relação bipolar que se impôs daria origem ao principal fenômeno do pós-guerra: a guerra
fria.
José Linhares (29/10/1945-31/1/1946)
As eleições de 2 de dezembro – Com a queda de Getúlio Vargas, a presidência
passou a ser ocupada por José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal. No
período em que ficou no poder foram realizadas as eleições presidenciais. Concorreram
Eurico Gaspar Dutra, apoiado pela coligação PSD-PTB, Eduardo Gomes (UDN), Yedo
Fiúza (PCB) e ainda Rolim Teles (Partido Agrário). Saiu vitoriosa a candidatura do general
Dutra, por ampla maioria.
Eurico Gaspar Dutra (1946-1951)
A Constituição de 1946 – Durante a sua presidência foi eleita a Assembléia
Constituinte que, em 18 de setembro de 1946, deu origem à quarta Constituição
republicana, a quinta do Brasil. Embora tenha mantido a federação e o presidencialismo,
a nova. Constituição, como a de 1934, fugiu bastante às linhas doutrinárias de 1891.
Para controlar o Executivo, determinou o comparecimento compulsório dos
ministros ao Congresso, quando convocados, para informações e interpelações,
tornando-os responsáveis pelos atos que referendassem; previu, ainda, a formação de
Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI’s), segundo o modelo norte-americano.
Além disso, a nomeação dos ministros não acarretaria a perda dos mandatos
legislativos que exercessem, e o período presidencial duraria cinco anos.
Cumpre acrescentar que os direitos trabalhistas do período getulista foram
incorporados ao texto constitucional.
Reflexos da guerra fria – No plano internacional a presidência de Dutra inseriu-se
nos quadros da guerra fria, caracterizada a partir de 1947 com a Doutrina Truman.
Integrado como estava na área de influência norte-americana, o Brasil definiu-se no plano
da política externa como aliado da grande potência do Norte. O ingresso oficial do Brasil
no cenário da guerra fria aconteceu com o tratado de assistência mútua, em setembro de
1947, entre Brasil e Estados Unidos. Além disso, na IX Conferência Interamericana,
realizada em Bogotá, o Brasil associou-se ao sistema de segurança do hemisfério
ocidental atlântico.
Segundo a nova norma das relações internacionais que o Brasil assumiu, Dutra
coerentemente rompeu relações diplomáticas com a União Soviética, ao mesmo tempo
em que o Partido Comunista do Brasil, chefiado por Luís Carlos Prestes, foi declarado
ilegal.
A sucessão presidencial – Na disputa pela sucessão de Dutra concorreram quatro
candidatos: novamente Eduardo Gomes (UDN), João Mangabeira pelo Partido Socialista
Brasileiro (PSB), Cristiano Machado (PSD) e Getúlio Vargas, apoiado pelo PTB, pelo PSP
(Partido Social Progressista) e pela facção dissidente do próprio PSD. Venceu Getúlio
Vargas.
Getúlio Vargas (1951-1954)
O nacionalismo – O novo governo de Vargas realizou-se no momento em que os
países capitalistas se reorganizavam, tendo como centro os Estados Unidos. Desse
modo, o processo de industrialização, que havia sido facilitado pela Segunda Guerra, foi
anulado, pois o imperialismo retomou seu vigor e a reconquista do mercado brasileiro foi
empreendida. Todavia, a política econômica de Vargas era marcadamente nacionalista,
chocando-se por isso com os interesses imperialistas, sobretudo os norte-americanos. A
mais significativa decisão de Vargas no período foi a nacionalização do petróleo, com a
criação da Petrobrás, através da lei 2 004 de 3 de outubro de 1953, que estabeleceu o
monopólio estatal do petróleo. Naturalmente, o nacionalismo de Vargas não agradava aos
capitalistas norte-americanos, e o presidente dos Estados Unidos, Eisenhower, cancelou
unilateralmente o acordo de desenvolvimento entre o Brasil e os Estados Unidos,
entregando apenas 180 milhões de dólares dos quase 400 milhões prometidos
anteriormente.
O reforço do sindicalismo – Paralelamente à política econômica nacionalista,
Getúlio concedeu especial atenção ao movimento trabalhista, procurando apoiar-se na
grande massa popular para sustentar o seu programa econômico. As oposições
cresceram com a nomeação de João Goulart como ministro do Trabalho, em princípios de
1953. O novo ministro reorganizou os sindicatos de modo a dar ao governo maiores
condições de manipular a massa operária.
As oposições. Como era de esperar, Vargas teve de enfrentar a oposição dos
conservadores, cada vez mais violenta com a participação de Carlos Lacerda, proprietário
do jornal Tribuna da Imprensa. Na campanha antigetulista, Lacerda não hesitou em
explorar mesquinhamente a vida privada do presidente e dos seus assessores. Além
disso, procurou identificar o novo governo de Getúlio com o retorno ao Estado Novo. De
outro lado, as pressões norte-americanas, sobretudo das empresas petrolíferas, criavam
dificuldades cada vez maiores para Vargas. A luta chegou ao auge em meados de 1954,
quando o jornalista Carlos Lacerda sofreu um atentado. Embora Lacerda tenha escapado,
o atentado resultou na morte de um oficial da Aeronáutica, major Rubens Vaz. O
envolvimento de pessoas que compunham a segurança pessoal de Vargas fez com que o
Exército se colocasse contra o presidente, exigindo a sua renúncia. Na manhã de 24 de
agosto de 1954, depois de escrever uma carta-testamento, Getúlio se suicidou.
Conheça Vargas. Leitura OBRIGATÓRIA:
A Era Vargas - - MARIA CELINA D'ARAUJO
De Getúlio a Juscelino – Nos dezesseis meses que se seguiram ao suicídio de
Vargas três presidentes se sucederam: o vice-presidente Café Filho, que assumiu o poder
mas, por motivos de saúde, imediatamente deixou o cargo; o presidente da Câmara dos
Deputados, Carlos Luz, que pouco depois foi interditado pelo Congresso Nacional (11 de
novembro de 1955); e finalmente Nereu Ramos, vice-presidente do Senado, que se
manteve na presidência até 31 de janeiro de 1956.
Nas eleições presidenciais de 1956 foi eleito, novamente pelas forças getulistas,
Juscelino Kubitschek de Oliveira, apoiado pelo PSD e pelo PTB. Derrotadas, as forças
antigetulistas - notadamente a UDN - reagiram à ascensão de Juscelino e tentaram
impedir a sua posse, que foi garantida pelo "golpe preventivo" do general Henrique
Teixeira Lott, então ministro da Guerra.
Juscelino Kubitschek (1956-1961)
Plano de Metas: o desenvolvimentismo – O governo Juscelino Kubitschek foi
marcado por transformações de grande alcance, sobretudo na área econômica.
Enfatizando o "desenvolvimento econômico industrial", estabeleceu, através do Plano de
Metas, 31 metas, entre as quais energia, transporte, alimentação, indústria de base,
educação e construção da nova capital, considerada “a 44 síntese de todas as metas”.
Essa "política desenvolvimentista" do governo Kubitschek baseava-se na utilização
do Estado como instrumento coordenador do desenvolvimento, estimulando o
empresariado nacional, e também criando um clima favorável à entrada do capital
estrangeiro, quer na forma de empréstimos, quer na forma de investimento direto. Assim,
em 1959, o governo criou a Sudene (Superintendência para o Desenvolvimento do
Nordeste), para auxiliar o nordeste e integrá-lo economicamente ao mercado nacional.
Talvez a mais significativa das medidas tenha sido a criação do Grupo de Estudos da
Indústria Automobilística (GEIA), constituindo aquilo que seria, no futuro, o carro-chefe da
industrialização brasileira, apesar de todas as distorções econômicas verificadas
posteriormente.
Esse ambicioso programa de desenvolvimento econômico levou Juscelino a
repensar o sistema americano, resultando na criação da Operação Pan Americana (OPA),
que redefiniu as relações da América Latina com os Estados Unidos. Através dessa
iniciativa, Juscelino procurou transformar a solidariedade pan-americana numa aliança
entre os países, visando a superação do subdesenvolvimento.
As transformações. Sem dúvida, o esforço juscelinista acarretou a alteração da
fisionomia econômica do país. A euforia desenvolvimentista não era, de fato, carente de
fundamento. As indústrias se desenvolveram sensivelmente e a economia se diversificou.
Todavia, com o modelo de desenvolvimento econômico concebido e executado, outros
problemas apareceram. A abertura para o capital estrangeiro, que se tornou a principal
alavanca do desenvolvimento industrial, começou a pressionar a economia, provocando a
inflação. Apesar da criação da Sudene, o esforço para anular as disparidades econômico-
regionais não teve saldo positivo. Ao contrário, o centro-sul desenvolveu-se
aceleradamente, agravando ainda mais aquelas disparidades. Com isso, a transferência
da mão-de-obra das áreas tradicionais para o centro-sul, isto é, do campo para a cidade,
modificou a composição social dos grandes centros urbanos, aumentando a pobreza.
Novos desequilíbrios se anunciavam, desdobrando-se nos anos seguintes em graves
crises que culminariam com o movimento militar de 1964.
O imperialismo – Uma das dimensões, talvez a mais importante, do estilo
desenvolvimentista do período de Juscelino foi o pleno enquadramento do Brasil nas
novas exigências do capitalismo internacional, que tinha os Estados Unidos como centro
hegemônico. De fato, o Brasil ajustou-se nesse período à linha mestra do capitalismo de
organização - o capitalismo das multinacionais -, que modificou o caráter da dominação
imperialista. Em vez da exportação de capitais - fórmula típica do capitalismo monopolista
que surgiu nos anos 70 do século passado -, a ação do capitalismo avançado se deu pela
implantação direta de indústrias, de unidades produtivas. Com isso, iniciava-se a
internacionalização do mercado brasileiro, aprofundando a dependência econômica do
país.
As eleições presidenciais de 1960 – Nas eleições de 1960 concorreram Jânio da
Silva Quadros, apoiado pela UDN, e Henrique Lott, através da coligação PTB, PSD e
PSB. A emergência de Jânio Quadros e o amplo apoio popular com que contou
ofereceram aos setores da oposição, agrupados na UDN, a mais excelente perspectiva
para quebrar a hegemonia PSD-PTB, herdeira do getulismo. A vitória janista foi
verdadeiramente impressionante, com uma diferença de mais de 1 milhão de votos (5 636
623 contra 3 846 825).
Jânio da Silva Quadros (31/1/1961-25/8/1961)
Jânio, o "antipolítico" – Segundo o historiador norte-americano Thomas Skidmore,
um conhecido “brazlianist”, Jânio era um "corpo estanho por excelência" no cenário
político da época. Ainda segundo o mesmo autor, Jânio "apresentava-se como um
candidato dinâmico de grande presença, que estimulava o público levando-o a confiar
nele. Oferecia, assim, ao cidadão comum do eleitorado urbano a presença de uma
transformação radical através da força redentora de uma única personalidade líder".
Juntamente com Getúlio, Jânio foi um dos maiores lideres carismáticos do Brasil. Embora
de início não estivesse totalmente identificado com o getulismo, posteriormente, após sua
renúncia, repetiria, com freqüência, que de Getúlio tiraram a vida, mas não os ideais, ao
passo que dele haviam tirado o ideal, e não a vida, estabelecendo assim uma significativa
analogia.
O "estilo" de Jânio – Todavia, apesar da "excentricidade" aparente, Jânio era um
político bastante conservador e autoritário. Desde o início, procurou controlar os
sindicatos, não hesitou em reprimir os protestos camponeses do nordeste, mandou
prender estudantes rebeldes, adotou uma política de austeridade e acreditou poder
corrigir os vícios da administração pública reprimindo a corrupção.
Apesar de sua estreita concepção política no plano interno, Jânio curiosamente
declarou-se favorável a uma política externa independente, colocando-a em prática.
Reatou as relações diplomáticas e comerciais com o bloco comunista, o que desagradou
profundamente ao governo norte-americano.
Entretanto, os problemas que Jânio tinha a resolver eram muitos e difíceis. Em
primeiro lugar, a pesada herança das contas legadas por Juscelino, referentes à
construção de Brasília. De outro lado, não se mostrava capaz de superar a crise
financeira, pois a sua política de austeridade era constituída de medidas impopulares,
como congelamento dos salários, restrição ao crédito, corte de subsídios federais,
desvalorização do cruzeiro. Com isso, as inquietações empresariais e operárias não
tardaram a aparecer.
À falta de solução para os problemas internos acrescentaram-se os externos: "em
agosto de 1961", narra um jornalista norte-americano, "Quadros manda ao Congresso seu
projeto sobre lucros, que determina um novo imposto sobre todos os lucros, nacionais ou
estrangeiros, de 30% - com uma condição importante: os lucros reinvestidos nas
indústrias que beneficiavam o serviço público, ou a criação de novas indústrias,
especialmente no Nordeste, seriam taxados em apenas 10%. Como já existe uma taxa de
20% sobre todos os lucros exportados, nossas companhias que mandam seus lucros para
os Estados Unidos, ou as companhias locais que investem seus lucros no exterior,
sofrem, portanto, uma taxa de 50%, ainda inferior às taxas nos Estados Unidos". Em
suma, Jânio queria, através de medidas tributárias, bloquear, em parte, a acumulação de
capitais e a remessa de lucros, ferindo os interesses do imperialismo e da classe
dominante no Brasil.
A renúncia – Isso foi suficiente para que uma tempestade desabasse sobre o
governo de Jânio, na forma de sistemática campanha da oposição por intermédio da
imprensa. O pretexto para intensificar essa campanha foi dado pelo próprio presidente, ao
agraciar Ernesto "Che" Guevara, que retornando da primeira conferência de Punta del
Este (Uruguai) passara pelo Brasil. Ora, Guevara, ao lado de Fidel Castro, era a figura
mais conhecida da revolução cubana de 1959, e nesse período Cuba já havia tomado,
decididamente, o caminho do socialismo. Bastou esse novo gesto de Quadros -
insignificante em si, pois a condecoração era mero protocolo - para que a oposição
buscasse identificar o governo de Jânio com o comunismo. O ponto culminante da
campanha antijanista foi a denúncia de Carlos Lacerda, então governador do estado da
Guanabara, através de uma rede nacional de televisão, acusando-o de estar tramando
para o Brasil um regime análogo ao de Cuba. No dia seguinte (2 5 de agosto de 1961),
segundo algumas versões, o general Cordeiro de Farias, comandante-chefe do Exército,
teria exigido que Jânio mudasse sua política externa, ao que ele teria replicado:
- O senhor está preso!
- E o senhor está deposto! - teria respondido Cordeiro de Farias.
Segundo a versão que se popularizou, diante das oposições acirradas, Jânio,
irritado, teria simplesmente renunciado, com esperanças de ser recolocado no poder pelo
povo, a fim de estabelecer, talvez, um governo forte, centrado na sua autoridade pessoal.
Na carta renúncia (25 de agosto de 1961), Jânio acusou as "forças terríveis que se
levantaram contra mim", levando ao fracasso seu plano de governo. Essas "forças
ocultas", ele jamais chegou a nomear com total clareza. Seguramente, referia-se aos
representantes do imperialismo norte-americano: John Moors Cabot (ex-embaixador),
Adolf Berle e o secretário do Tesouro americano, Douglas Dillon, além de Herbert
Dittman, embaixador da Alemanha Ocidental. Internamente, tratava se das forças
antipopulistas aglutinadas na UDN, notadamente Carlos Lacerda.
Jânio Quadros: Memorial à História do Brasil EDUARDO LOBO BOTELHO
GUALAZZI JANIO QUADROS NETO
João Goulart (1961-1964)
Continuação da crise – Com a renúncia de Jânio, a presidência deveria ser
assumida por João Goulart. Durante toda a sua vida política, Jango - como era
popularmente conhecido - estivera ligado às forças getulistas e parecia ser o principal
herdeiro de Vargas. Fora ministro do Trabalho no governo de Getúlio, vice-presidente de
Juscelino e novamente reeleito vice de Jânio. Todavia, sua atuação política era
identificada pelas forças conservadoras como notoriamente comunista; na União Soviética
seu nome era citado com simpatia pelos jornais. Para fortalecer ainda mais essas
opiniões, quando Jânio renunciou, Jango encontrava-se em visita à China comunista,
onde declarara, dirigindo-se ao líder do PC chinês, Mao Tsetung: "Congratulo-me com
Vossa Excelência pelos triunfos obtidos pelo povo e pelo governo da República chinesa
em sua luta heróica pelo progresso e pela elevação do padrão de vida do povo”.
Evidentemente, tratava-se de uma deferência e de simples formalidade, pois declarações
elogiosas ele fizera em outras ocasiões e em países absolutamente anticomunistas. No
entanto, a saudação protocolar de Jango foi utilizada pelos conservadores como "prova"
de que ele era comunista.
O agravamento da crise – Devido à ausência de Jango, a presidência foi assumida
por Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados. Porém, efetivamente, o poder
estava nas mãos dos três ministros militares - general Odílio Denys (ministro da Guerra),
brigadeiro Moss (ministro da Aeronáutica) e almirante Sílvio Heck (ministro da Marinha) -,
que imediatamente declararam estado de sítio para evitar qualquer manifestação pública.
Ao mesmo tempo, passaram a controlar a imprensa e o rádio, intervieram nos sindicatos e
prenderam seus opositores, incluindo deputados e até o general Lott - este último
acusado de "subversivo" pelo ministra da Guerra.
Toda essa movimentação tinha uma finalidade: impedir a posse de Jango.
Entretanto, uma clara cisão militar surgiu no Rio Grande do Sul, onde o
comandante do III Exército, general Machado Lopes, se declarou favorável ao
cumprimento da Constituição, isto é, dar posse a Jango. Naturalmente, a atitude do
general foi hostilizada de imediato pelo general Denys e por Lacerda, que lideravam a
UDN no movimento antijanguista.
A prisão do general Machado Lopes foi cogitada. Mas como fazê-lo, se o Rio
Grande do Sul era governado por Leonel Brizola, que entre outras coisas era cunhado de
João Goulart? Brizola, aliás, deu ordens de defender a Constituição e preparar o Rio
Grande do Sul contra tentativas de invasão.
O encaminhamento da solução – Enquanto as divergências se radicalizavam de
parte a parte, na iminência de uma guerra civil, os Estados Unidos, temendo que o
exemplo cubano se repetisse no Brasil, alteraram sua tática antijanguista e passaram a
pressionar o general Denys e seus aliados para uma solução de compromisso. Aliás, ao
que parece, mesmo João Goulart não estava interessado em liderar a revolta armada que
os gaúchos julgavam próxima. A razão era bem simples: Jango era um fazendeiro m'
milionário, em cujas terras criava-se um dos melhores gados do Brasil; por isso, não lhe
interessava uma revolução que alterasse o regime de propriedade ou simplesmente
desorganizasse a economia nacional. Tanto assim que, conciliatoriamente, aceitou as
condições que lhe impuseram para assumir o poder.
A solução de compromisso foi iniciativa do deputado federal Plínio Salgado - ex-
chefe integralista -, que apresentou ao Congresso uma emenda constitucional
estabelecendo o regime parlamentarista no Brasil. Desse modo, João Goulart seria chefe
de Estado, mas com poderes limitados. A emenda foi aprovada pelo Congresso "sob
pressão m' militar", declarou Kubitschek, ex-presidente e naquele momento senador da
República. Assim, a 7 de setembro de 1961, João Goulart prestou juramento como o novo
presidente da República.
A intensa hostilidade de que se cercou a posse de Jango já denunciava o grande
desgaste do "populismo”. Durante o governo de João Goulart, esse desgaste atingiu o
seu auge: em 1964, através de um movimento militar, o presidente foi deposto,
encerrando-se a era do populismo.
Características do Populismo à brasileira
Origens – O período da história republicana do Brasil que vai da queda do Estado
Novo (1945) ao movimento militar de 1964 é caracterizado como populismo. O populismo,
entretanto, não foi um fenômeno político exclusivamente brasileiro, mas latino-americano,
que floresceu no período pós-guerra. O termo populismo foi tomado de empréstimo à
história política da Europa e serviu para designar, no século XIX, um movimento
revolucionário russo conhecido como narodniki.
No Brasil, todavia, aquilo que se convencionou chamar de populismo não data
propriamente do novo período que se abriu em 1945 e se encerrou em 1964. Ele
mergulha suas raízes na revolução de 1930, configurando-se como produto do
cruzamento entre o processo da crise política e o desenvolvimento econômico que então
principiava.
Ambigüidade. Como produto de forças transformadoras e contraditórias, o
populismo trazia a marca de suas origens: é essencialmente uma configuração política
ambígua. Segundo o sociólogo Francisco Weffort, o populismo e, como "estilo de
governo", sempre sensível às pressões populares; simultaneamente, como "política de
massa", procura conduzir e manipular suas aspirações.
Ao mesmo tempo em que foi expressão da crise da forma oligárquica de governo,
típica da República Velha, representou também a democratização do Estado, embora
apoiado no autoritarismo.
Conclusões. O populismo foi, enfim, a expressão política do deslocamento do pólo
dinâmico da economia - do setor agrário para o urbano -, através do processo de
desenvolvimento industrial, em grande parte impulsionado pela revolução de 1930.
No plano social, tais transformações econômicas implicaram a emergência das
classes populares urbanas, cujos anseios foram sistematicamente ignorados e reprimidos
na República Oligárquica.
Chama-se de populismo, nesse contexto, à forma de manifestação das
insatisfações da massa popular urbana e, ao mesmo tempo, o seu reconhecimento e sua
manipulação pelo Estado. Do ponto de vista da camada dirigente, o populismo é, por sua
vez, a forma assumida pelo Estado para dar conta dos anseios populares e,
simultaneamente, elaborar mecanismos para o seu controle.

O Desenvolvimento Econômico do Brasil durante o período do populismo

O processo de industrialização do Brasil remonta aos últimos decênios do século


XIX. O seu ponto de partida situa-se por volta da década de 80 do século passado,
motivado essencialmente pela crise e abolição do trabalho escravo. Formou-se, com o
trabalho livre assalariado, um mercado passivo que era preciso abastecer.

A segunda fase da "luta pela industrialização" situa-se no período da Primeira


Guerra, quando as potências capitalistas, momentaneamente, sustaram o fornecimento
de manufaturas, deixando um espaço vazio que deu origem ao processo de "substituição
das importações”. Mas, tão logo os conflitos terminaram, as potências industriais
retomaram sua vida econômica, na ânsia de preencher os campos vazios que haviam
deixado.

Ora, em 1929, sobreveio a grave crise do sistema capitalista, que, de certa forma,
relaciona-se à terceira fase, iniciada em 1930, com a revolução. Nessa fase, a
industrialização ganhou corpo e se firmou. Em primeiro lugar, pela falência do federalismo
da República Velha e pela implantação de um Estado fortemente centralizado,
culminando na instituição da ditadura de Vargas (Estado Novo). Em virtude disso, formou-
se um mercado verdadeiramente nacional para a indústria, em razão da quebra de
barreiras entre as distintas unidades da federação, que facilitou a livre circulação de
mercadorias, levando à fusão dos mercados isolados e locais. Além do mais, a
construção de portos, ferrovias e rodovias, nesse período, integrou fisicamente as regiões
dispersas. Porém e preciso acentuar que a industrialização assim empreendida não se
difundiu igualmente por todo o Brasil. Ao contrário, concentrou-se em São Paulo, que se
tornou o estado mais industrializado. Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, a
hegemonia industrial de São Paulo era um fato consumado.

Da Segunda Guerra até 1950, temos a quarta fase do processo de


industrialização, induzido em grande parte pelos acontecimentos mundiais, marcando o
final do "estilo de industrialização" que se havia inaugurado na década de 1930.

Na década de 1950 iniciou-se uma nova forma de industrialização, que se


prolongou até a época atual. Segundo o sociólogo Gabriel Cohn, “a década de 1950
marca um ponto de inflexão no processo de industrialização”. E a razão apontada pelo
mesmo autor é a seguinte: naquela década encerrou-se a etapa de ocupação do mercado
"passivo", preexistente e disponível em virtude da "contradição da oferta de produtos
importados". Dessa forma, o processo de industrialização chegou a um ponto crucial, pois
o seu prosseguimento já não era mais possível com a ocupação episódica do mercado,
que por uma ou outra razão havia sido momentaneamente abandonado pelas potências
industriais dominantes. De fato, a continuidade da industrialização passou a depender
daquele momento em diante da criação de um mercado dotado de dinamismo próprio e,
portanto, autônomo.

É essa última etapa, iniciada em 1950, que nos interessa de perto.

Em Busca do Modelo de Industrialização.

Características industriais de 1950 – Nos inícios dos anos 50, a indústria brasileira
apresentava dois aspectos salientes: de um lado, empreendimentos centrados na
produção de bens perecíveis e semiduráveis, destacando-se particularmente as indústrias
têxtil, alimentar, gráfica, editorial, de vestuário, fumo, couro e peles; de outro, empresas
inteiramente nacionais, normalmente gerenciadas pelo núcleo familiar proprietário.
Quanto a estas últimas - segundo o economista Paul Singer –, embora algumas "tivessem
dado mostras da apreciável capacidade de expansão via auto-acumulação, chegando a
se constituir alguns ‘impérios industriais’ (como os de Francisco Matarazzo e Ermírio de
Moraes), estava claro que nenhuma tinha possibilidade de mobilizar os recursos
necessários para efetivamente iniciar a indústria pesada no país".

Efetivamente, a industrialização em 1950 não estava ainda completa, pois,


segundo o mesmo autor, a produção de bens perecíveis e semiduráveis de consumo não
conduziu a indústria além dos limites da demanda por esse tipo de produto. Para
compreender melhor o passo seguinte na industrialização, vejamos quais as partes
essenciais de um sistema industrial completo. Segundo os economistas, as indústrias
estão articuladas da seguinte maneira: indústria de consumo, que se caracteriza pela
produção de bens e serviços destinados à direta satisfação dos consumidores (alimentos,
roupas, diversões, sapatos, fumo, couro); indústria de bens intermediários, que produz
bens que necessitam de transformações finais para se converterem em produtos aptos ao
consumo (gusa para diversas indústrias, trigo para o padeiro, etc.); e, finalmente, a
indústria de bens de capital, que não se destina à produção de bens imediatamente
consumíveis, sendo organizada para dar eficiência ao trabalho humano, tornando-o mais
produtivo (máquinas, estradas, portos, etc.).

Pois bem, no Brasil havia quase que exclusivamente a indústria de consumo, ou


leve, que se dedicava à produção de "bens perecíveis e semiduráveis”. Desse modo, a
implantação definitiva do sistema industrial dependia do encontro de soluções para a
implantação da indústria pesada, produtora de bens duráveis de consumo, bens
intermediários e bens de capital.

Definindo o Caminho

Presença norte-americana – No início da década de 1950, embora as opções


fossem claras, a definição em torno da industrialização via capital estrangeiro ou estatal
ainda não era evidente. Mas a presença norte-americana já era visível em nossa
economia.

Em 1951 a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos reuniu-se para elaborar um


grandioso projeto no setor energético e viário, em que uma considerável soma de capital
norte-americano seria aplicada: cerca de 400 milhões de dólares. Em oposição a essa
abertura ao capital estrangeiro, surgiu um maciço movimento de nacionalização do
petróleo, sob o lema “O petróleo é nosso”. Em 1953, finalmente, o Congresso,
pressionado pela força que o movimento atingira, aprovou a lei que instituiu o monopólio
estatal da exploração e do refinamento do petróleo.
Obviamente, o triunfo da iniciativa de um setor nacionalista, formado a partir da
coligação de intelectuais, militares, estudantes, políticos e lideres operários, não poderia
ser bem recebido pelos Estados Unidos, que, por esse tempo, atingiam o ponto
culminante da guerra fria, com intensas repercussões internas. Para o presidente
Eisenhower, tal atitude por parte do Brasil não era mais do que o resultado de manobras
de "inspiração comunista". Por isso passou a pressionar o governo de Getúlio, através do
corte unilateral da ajuda econômica, reduzindo drasticamente o programa de empréstimo.

A partir de 1953, com o fim da Guerra da Coréia (1950-1953), teve início uma
conjuntura extremamente desfavorável ao Brasil, devido à queda dos preços dos produtos
primários no mercado internacional, motivada pelas manipulações dos Estados Unidos. A
dificuldade de obter divisas com as exportações provocou uma crise financeira, de modo
que o recurso de tomar empréstimos no exterior se tornou inevitável. A vinculação do
Brasil ao capital internacional, particularmente ao norte-americano, começou então a
delinear-se com clareza.

O segundo governo de Vargas (1951-1954) – O suicídio de Getúlio Vargas, em


agosto de 1954, representou a vitória dos partidários do desenvolvimento dependente do
capital estrangeiro. Contudo, seria um exagero atribuir o suicídio de Vargas apenas a
essa questão e, sobretudo, emprestar a ele, postumamente, a imagem de um nacionalista
intransigente. Contrariamente ao que se pode supor, o comportamento político de Getúlio
em relação ao capital estrangeiro - ao imperialismo, em suma - era bastante flexível, e em
nenhum momento se descartou por completo sua participação na economia brasileira.
Getúlio só não concordava com o alinhamento completo do Brasil aos Estados Unidos,
como estes pareciam desejar. Na verdade, recusava-se a atuar como peça subordinada
ao capital estrangeiro.

Getúlio Dornelles Vargas, o melhor presidente que o Brasil já teve!

A Era Vargas - MARIA CELINA D'ARAUJO

O "desenvolvimentismo" juscelinista – A ascensão de Juscelino Kubitschek, em


1956, marcou o início do processo de industrialização inteiramente ajustado aos
interesses do capital internacional. Apesar da composição das forças políticas que
serviram de base para sua eleição, o governo juscelinista definiu com clareza o rumo da
industrialização ao implantar o modelo desenvolvimentista, estreitamente associado ao
capital estrangeiro. Parece estranho que isso possa ter ocorrido com um governo
aparentemente herdeiro do getulismo, pois é preciso notar que João Goulart era seu vice-
presidente e que sua candidatura triunfou através da velha coligação PSD-PTB.

Todavia, seria precipitado atribuir essa "guinada em favor do capital estrangeiro" a


uma política deliberada de Kubitschek. Na realidade, sua posição diante do capital
estrangeiro, tanto quanto a de Getúlio, era ambígua, e sua ambigüidade refletia a própria
indecisão da formação capitalista no Brasil. De fato, a burguesia industrial brasileira
sentia-se incapaz de conduzir o processo de industrialização em posição hegemônica,
prensada como estava entre a participação do Estado e a do capital estrangeiro,
representado pelas multinacionais.

A formação do modelo. A execução do Plano de Metas de Juscelino foi, nesse


sentido, a grande responsável pela definitiva configuração do modelo de desenvolvimento
industrial que o Brasil finalmente adotaria. Efetivamente, com esse ambicioso plano, a
penetração do capital estrangeiro ocorreu de forma maciça, ocupando os ramos da
indústria pesada: indústria automobilística e de caminhões, de material elétrico e
eletrônico, de eletrodomésticos, de produtos químicos e farmacêuticos, de matéria
plástica. Iniciou se aí a organização das multinacionais, que, monopolizando aquele que
viria a ser o setor mais dinâmico da economia, estavam destinadas a exercer inegável
influência na redefinição da orientação econômica e, também, política do Brasil.

Segundo ainda o Plano de Metas, o capital estatal ficou encarregado de viabilizar


o programa da infra-estrutura destinado a sustentar o modelo, através da construção de
rodovias e da "ampliação do potencial de geração, transmissão e distribuição de energia
elétrica".

Significado econômico de 1964 – Esse modelo de desenvolvimento econômico,


que ganhou forma com Juscelino, seria retomado a partir de 1964, fazendo do movimento
militar que derrubou João Goulart o seu herdeiro direto. Com o regime instalado em 1964,
o modelo foi levado às suas últimas conseqüências. Houve, porém, uma considerável
diferença entre os períodos de 1955 a 1965, aproximadamente, e de 1965 em diante. No
primeiro período, apesar da maciça presença do capital estrangeiro, procurou-se através
dele dirigir toda a força econômica para a dinamização do mercado interno. De 1965 em
diante, a nova estratégia, com base na mesma força econômica, passou a orientá-la,
entretanto, para o mercado mundial.

Nesse sentido, o movimento militar de 1964 e o regime implantado a partir daí


podem ser vistos como resultado, entre outras coisas, da luta entre aqueles que
procuravam enquadrar as multinacionais às perspectivas da economia brasileira e
aqueles que, inversamente, desejavam o enquadramento da economia brasileira à
perspectiva econômica das multinacionais. O desfecho da luta, em 1964, foi a vitória da
última tendência. Para Paul Singer, o movimento militar de 1964 "coincide com uma
redivisão internacional do trabalho, que as multinacionais estão levando a cabo em todo
mundo capitalista, e que consiste precisamente em transferir a países semi-
industrializados, como o Brasil, determinadas linhas de produção industrial. A crescente
exportação de bens industrializados pelas multinacionais instaladas no Brasil aumenta a
importância destas empresas no cenário econômico nacional, pois delas passa a
depender cada vez mais a Balança de Pagamentos. Sendo estes bens adquiridos por
subsidiárias nos países importadores das mesmas multinacionais que os exportam - como
da Ford do Brasil, que fornece motores à sua matriz americana -, sua presença no Brasil
passa a se justificar não apenas por trazerem recursos de capital e know-how técnico,
mas também por assegurarem mercado para uma parcela crescente de nossas
exportações".

Contradições do Modelo de Desenvolvimento dos Anos 50

Os desequilíbrios econômicos e sociais – O modelo de desenvolvimento brasileiro


que se definiu durante a presidência de Juscelino não estava isento de contradições, que,
aliás, tornaram-se claras na década de 1960. Desde o primeiro governo de Getúlio, o
Estado assumiu a forma de empresário privilegiado, investindo diretamente na criação de
unidades produtivas. O recurso financeiro para tais empreendimentos foi obtido através
de uma política fiscal voltada para esse fim e também, sempre que necessário, através de
emissões. Por isso, uma das conseqüências principais foi o recrudescimento da inflação,
que levou à rápida perda do poder aquisitivo da moeda. Conseqüentemente, os
detentores do capital foram impelidos aos investimentos, para evitar o seu desgaste.

O estímulo ao investimento motivado pela inflação teve um efeito nefasto no


corpo social, principalmente porque atingiu os assalariados. De certa maneira, é possível
dizer que, através desse mecanismo, transferiram-se, indiretamente, os recursos dos
assalariados para o setor empresarial. Em outros termos, os ricos ficaram cada dia mais
ricos e os pobres cada vez mais pobres. Para piorar ainda mais a situação, os
investimentos naturalmente resultaram no incremento da tecnologia. Com isso, restringiu-
se a criação de novos empregos, atirando os excedentes populacionais em setores
agrícolas, agropecuários, da indústria extrativa - que eram frágeis -, ou então ao comércio
e ao setor de serviços, em que o subemprego tornou-se inevitável, dando origem a um
“subproletariado marginal urbano”.

Ao aprofundamento das diferenciações sociais correspondeu, no plano


econômico, o agravamento das disparidades setoriais e regionais na produção. Em outras
palavras, os investimentos não foram realizados de maneira generalizada e igual em
todos os setores produtivos. Evidentemente, os investidores selecionaram as
oportunidades que a eles se afiguravam como mais rentáveis. Em conseqüência, alguns
setores - como o têxtil - permaneceram praticamente estagnados. Além do mais, os
investimentos foram feitos de forma especulativa, provocando o "inchaço" de alguns
setores, o que indicava alto grau de concentração de capitais. Foi o caso do setor da
construção e a correspondente especulação imobiliária.

O entrelaçamento dos desequilíbrios sociais e econômicos é bem ilustrativo das


profundas contradições do modelo do desenvolvimento adotado na década de 1950.

A inflação, como sabemos, tem um efeito corrosivo sobre os salários, diminuindo


o seu poder aquisitivo. Se esse aspecto é a contrapartida da acumulação de capitais em
mãos da burguesia, por outro lado, ao diminuir a capacidade aquisitiva do salário, a
inflação tem como resultado a contração da demanda e, portanto, a restrição do mercado
consumidor. A longo prazo, isso torna inviável o desenvolvimento industrial autônomo.
Disso resulta a grande dificuldade enfrentada pelo governo de elevar o nível de vida da
população, pois a elevação do salário, para neutralizar a elevação do custo de vida e
combater a carestia, implica necessariamente a sua incorporação ao custo da produção,
restabelecendo a tendência de alta dos preços. Assim se explica o círculo vicioso do
governo Goulart, em que a corrida do salário e do preço apenas serviu para agravar o
processo inflacionário, criando inquietações sociais difíceis de acalmar.

As multinacionais – Ao lado dos problemas internos gerados pelo modelo de


industrialização, um outro se apresentou, e este com maior peso: a penetração e
consolidação das empresas multinacionais. Desde Juscelino (Plano de Metas), a
instalação de multinacionais no Brasil foi maciça. A partir de então, os setores
fundamentais da indústria foram passando para o controle estrangeiro. Segundo Gabriel
Cohn, o controle externo das indústrias automobilísticas, de cigarro e de eletricidade
variou em torno de 80% a 90%. Nas indústrias farmacêutica e mecânica, a proporção foi
de 70%.

O resultado principal dessa nova conjuntura foi a minimização da importância da


burguesia nacional, que passou para o plano secundário, muitas vezes como sócio menor
das grandes corporações internacionais. Isso significa que os postos de comando de tais
indústrias estavam em mãos de indivíduos diretamente designados pela direção da matriz
estrangeira, ou seja, os centros de decisões se encontravam fora do país. Essa situação
levou ao inevitável agravamento do desequilíbrio no Balanço de Pagamentos: a remessa
de lucros para o exterior, além dos pagamentos pelo uso de marcas e patentes (royalties)
e da importação de maquinaria, superou rapidamente o capital que as multinacionais
inicialmente investiram.

Naturalmente, as contradições engendradas pelo modelo de desenvolvimento da


industrialização adotado na década de 1950 expressaram-se através do aguçamento das
lutas sociais e políticas. A presença do capitalismo internacional e o seu papel cada vez
mais decisivo no controle de nossa economia tiveram, por seu turno, uma importância
certamente não desprezível no desfecho da luta. O movimento militar de 1964 teve aí
suas raízes e as suas razões.

Jânio Quadros – A decepção da classe média

Foi como um meteoro. De obscuro professor de ginásio no subúrbio, passando


por vereador que só ocupou a cadeira depois que o PCB foi cassado, em seguida
prefeito, governador de São Paulo e finalmente presidente da República do Brasil: Jânio
da Silva Quadros (1917 - 1992) . Um fenômeno.

Em 1960, o Brasil estava que nem galinha de macumba: na encruzilhada.


Conseguiríamos nos desenvolver mesmo, ou os problemas graves eram o sinal da crise?
Então, para muita gente, Jânio parecia ser a solução.

Pelo menos parecia para as classes dominantes, porque sempre foi conservador
e autoritário. Todos sabiam que ele não ameaçava com nenhum nacionalismo ou
esquerdismo. Além do mais, seria apoiado pela conservadora UDN.

Parecia a solução para a classe média udenista, porque Jânio falava português
com impecável gramática e isso mostrava que ele não se dirigia à “massa ignara”, mas às
“pessoas de bem, instruídas, de bom gasto, que sabem o que é melhor para o país”: Além
disso, vivia falando em moralidade pública, em instaurar auditorias e prender os corruptos,
"botar os vagabundos dos funcionários públicos para trabalhar", em se tornar um
administrador moderno e eficaz.

Jânio Quadros também parecia a solução para grande parte dos pobres.
Impressionava com ternos escuros cheios de caspa no ombro, enquanto que as pessoas,
fascinadas, apontavam: “Vejam, um homem do povo como nós, ele tem caspa no cabelo!”
Realmente, um candidato que tinha algo na cabeça: caspa. Outra técnica eleitoreira de
Jânio era, diante da multidão, abrir o paletó para tirar pão. Desses mesmos de padaria.
Começava a comer um sanduíche. Não de presunto, mas de humilde mortadela. Bela
imagem circense: “o homem sem vaidades, de hábitos espartanos como todos os
verdadeiramente honestos, comida apressada de quem trabalha muito pelo Brasil”. No
meio de um comício, Jânio desmaiava. “Oh! Que será que aconteceu? Coitado! Tanto
sacrifício para enfrentar os poderosos, que não resistiu!” Como poucos, ele sabia o amor
que o nosso povo devota aos políticos que aparecem como vítimas da injustiça. E então,
de repente, qual Fênix ressurgida das cinzas, ressuscitava, forte, denunciante, vitorioso,
na sua escalada invencível para o Palácio do Planalto!

Grande parte da população, já naqueles tempos de 1960, detestava partidos e


políticos. Pois Jânio candidatou-se por um partido mixuruquíssimo, para que as pessoas
acreditassem que era “o único que não tinha rabo preso”. Mas seria assim mesmo? Claro
que não. Jânio Quadros montou um acordo aberto com a UDN. O próprio Lacerda, diria
sem rodeios: “O caminho da UDN para o Palácio do Planalto passa pela eleição do Sr.
Quadros para a presidência.”

Venceu fácil. Votação sensacional: 5,6 milhões de votos contra apenas 3,8
milhões de Lott (PSD + PTB). A UDN podia abrir mais garrafas de champanhe! Conseguiu
eleger dois importantes governadores: Lacerda, na Guanabara (ex-Distrito Federal,
depois que a capital foi transferida para Brasília), e Magalhães Pinto, em Minas Gerais.

Empossado na presidência, o sr. Jânio fez um governo estranhíssimo. Em pouco


tempo conseguiu desagradar quase todo mundo. Em seguida, sem maiores explicações,
renunciou.

Para controlar a inflação, Jânio propôs “austeridade”. No dicionário da burguesia


nacional, essa palavra quer dizer salários congelados, apesar da inflação. O Brasil não
mudara muito. Além disso, cortou gastos públicos. O que resultava em menos hospitais e
escolas. O trigo e o petróleo perderam os subsídios. Assim, os preços do pão e da
gasolina aumentaram em 100%. Quem gostou foi o FMI, que aplaudiu Jânio e prometeu
emprestar dólares.

Claro que essas medidas irritavam a esquerda. Mas isso não interessava a Jânio,
já que ele sempre as xingou mesmo. O problema, é que ele começou a tomar medidas
estranhas que acabaram irritando seus próprios aliados direitistas da UDN.

Na verdade, o sr. Quadros tinha uma personalidade muito instável. Alguns até
lançaram a hipótese de que seu governo teria sido movido a uísque. Afonso Arinos,
ministro do Exterior, jurista conceituado e ligado aos udenistas, diria mais tarde: “Jânio na
presidência era a UDN de porre.”

Talvez Jânio alimentasse um sonho megalomaníaco: aparecer na história como o


maior líder independente do Terceiro Mundo. Nem de um lado, nem de outro. Mas será
que naquele clima de Guerra Fria do começo dos anos 60 havia espaço para isso? Jânio
nem se deu ao trabalho de avaliar. Dentro desse ideal de autonomia na política externa,
reatou relações diplomáticas com a URSS e a China socialista. Claro que não tinha virado
esquerdista. Era só uma aproximação comercial, que interessava a empresários
brasileiros. O problema mesmo foi quando resolveu, sabe-se lá por que cargas d'água,
condecorar com a Ordem do Cruzeiro do Sul nada mais, nada menos, do que Ernesto
Che Guevara (veja o quadro abaixo). Isso mesmo, num momento em que os EUA
estavam furiosos com Havana, Jânio resolve condecorar um guerrilheiro comunista da
Revolução Cubana. Pelo menos, conseguiu o que queria: aparecer nas páginas de jornal
do mundo inteiro. Em compensação, a UDN e o Departamento de Estado norte-
americano deram murros na mesa.

Jânio era contraditório. Mas sejamos imparciais. É preciso reconhecer que ele foi
o único presidente, em toda a nossa sofrida história, que teve a coragem, o peito, a
audácia, o ardor cívico e compromisso de patriota de tomar uma atitude que representava
séculos de sonhos, reivindicações e batalhas do povo brasileiro. Jânio Quadros teve a
honra, a glória nacional, de proibir terminantemente, em todo território nacional, doesse a
quem doesse, a briga de galos! E, a partir daí, o país ficou irremediavelmente dividido em
dois campos políticos inimigos opostos irreconciliáveis: os galistas e os antigalistas! A
galinhagem foi total. Pois é, acredite se quiser. Com tanto problema sério para o
presidente cuidar, ele perdia tempo com bilhetinhos proibindo brigas de galos. (Mais
tarde, Tancredo Neves, que apostava em galos de briga, desproibiu os combates. Êta
governantes sérios!) Proibiu também lama-perfume, uso de biquíni nas praias, corrida de
cavalos no meio da semana e daí por diante.

Até que, de repente, depois de apenas sete meses de governo, resolveu


renunciar à presidência. Como se renunciasse a um simples sanduíche de mortadela.

Qual a explicação para isso? Ele nunca deu. No máximo, acusava as “forças
terríveis”. Porém, se pensarmos um pouco, entenderemos. Na véspera do ato, Lacerda,
rompido com Quadros, deu uma entrevista na tevê acusando Jânio de estar preparando
um golpe para instalar uma ditadura. Lacerda estava acostumado a fazer denúncias sem
fundamento, mas parece que desta vez ele falava a verdade. O truque de Jânio era
simples. Anunciou a renúncia esperando que o povo, consternado, gritasse “Volta Jânio!”.
Além disso, repare a jogada, ele sabia que seu vice-presidente, João Goulart, era odiado
pelos setores conservadores do empresariado e dos militares. A renúncia era uma
verdadeira chantagem contra esses grupos poderosos: “Vocês querem que eu saia? Se
eu sair, olha só quem assume: o Jango!” Ora, diante disso, ele acreditava que militares,
burgueses e políticos correriam para ele implorando que ficasse no cargo. Então ele
responderia: "Fico, mas sob minhas condições." E quais seriam as condições? Uma
ditadura pessoal do sr. Jânio Quadros. O que Lacerda denunciava. O que JQ nunca quis
explicar, porque era vergonhoso para ele.

Só que fez a coisa sem nenhum preparo. Apanhou todo mundo de surpresa. Só
restou ao Congresso aceitar sua decisão. Assumia a presidência, provisoriamente, o
presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzili. Não obstante, a direita não queria
a posse de tango. Agora, o país vivia uma crise política terrível. Estava à beira da guerra
civil.

Jânio Quadros: Memorial à História do Brasil EDUARDO LOBO BOTELHO


GUALAZZI JANIO QUADROS NETO

A crise da posse de João Goulart

Como é que se explica que Jânio, apoiado pela UDN, tivesse um vice que era do
PTB, arquiinimigo dos udenistas? É que naquela época, além de votar para presidente,
você também votava para vice-presidente. Mais ainda: podia votar em candidatos de
chapas diferentes. As duas principais chapas eram Jânio e Milton Campos (um político da
UDN) contra Lott e Jango, ambos do PTB. Muita gente votou na dobradinha Jan-Jan:
Jânio e Jango.

João Goulart (1918-1976) pertencia a uma família de ricos fazendeiros gaúchos,


nada tinha de esquerdista. Sempre foi a favor do capitalismo. Só não concordava com a
selvageria do capitalismo brasileiro. Acreditava em reformas sociais. Inclusive a reforma
agrária, apesar de pertencer a uma família de latifundiários. Quando ministro do Trabalho
de Getúlio, propôs aumentar o salário mínimo em 1OO%, provocando um coro de
protestos dos empresários. A direita jamais esquecerá este fato. Jango não se abalava.
Herdeiro da tradição populista de conciliação entre a burguesia e o proletariado, quis o
apoio do PSD e do PTB, mas também aceitou alianças com a esquerda e os comunistas.
Este foi o grande problema: as contradições sociais eram muito fortes. A luta de classes,
aguda demais. Naquele momento, não era possível conciliar como ele pretendia. Sua
incompreensão destas contradições – elas próprias motivantes – redundaram na tragédia
do golpe militar de 64.

Os setores mais reacionários odiavam Goulart. Quando Jânio renunciou, João


Goulart (que o povo chamava carinhosamente de Jango) deveria assumir. A UDN
esperneou. A direita militar ruminava contra. Os jornais O Globo e O Estado de S. Paulo
faziam coro.

Jango estava na China, em viagem diplomática. Percebeu que não dava para
voltar logo. Incendiaria o país. Prudente, aguardava os acontecimentos no Brasil.

Foi quando então se levantou a autoridade de Leonel Brizola, governador do Rio


Grande do Sul. Brizola comandou a resistência a este golpe branco. Através da rede pela
legalidade, reuniu dezenas de pessoas, rádios e jornais que defendiam a Constituição.
Afinal, a Constituição era bem clara; estando a presidência vaga, quem assumia era o
vice. Não havia o que discutir. Brizola não era o baderneiro, era o defensor das leis. Por
sorte, contava com o apoio do general Machado Lopes, comandante do III Exército.

O impasse estava instaurado. A qualquer momento, tropas legalistas poderiam


enfrentar as forças contra a posse. Haver a guerra civil? Na hora “H”, o Congresso deu
um jeitinho. Jango poderia assumir, mas sem poderes, porque agora o Brasil passava a
ter um Estado parlamentarista.

O Parlamentarismo (1961 – 1963)

Quem passava a governar era o primeiro-ministro, nomeado pelo presidente. Mas


o parlamento tinha de aprovar a nomeação (com certeza, tinha de estar ligado aos
partidos majoritários no Parlamento, ou seja, no Congresso Nacional), caso contrário o
presidente teria que indicar outro nome.

O primeiro primeiro-ministro foi Tancredo Neves, experiente político mineiro do


PSD. Para formar o gabinete (sua equipe de ministros), chamou uma porção de
pessedistas e dois da UDN. Moderado, Tancredo visitou os EUA, falou mal do comunismo
e voltou com a mala cheia de dólares emprestados para ajudar as oligarquias do Nordeste
a se perpetuarem no poder no melhor estilo coronelista. Ficou pouco tempo no governo, e
pouco fez além de liberar a briga de galos, que havia sido proibida por Jânio Quadros.

Para substituir Tancredo, Jango indicou outro mineiro, San Tiago Dantas (1911 –
1964), da ala moderada do PTB, ex-ministro do Exterior (cuidava da relação do Brasil com
os outros países) de Tancredo. Mas na conferência da OEA (Organização dos Estados
Americanos, espécie de ONU das Américas), em Punta del Este, os EUA propuseram a
expulsão de Cuba. O diplomata brasileiro se absteve de votar, irritando a direita, que em
San Tiago nada via de santo. Resultado: o parlamento vetou seu nome.

Surgiu então o nome do empresário e senador paulista Auro de Moura Andrade


(1915 - 1982) para ser o primeiro-ministro. Agora, para você sentir o clima do que estava
rolando no Brasil da época: simplesmente estourou uma greve geral de 24 horas nas
empresas estatais (refinarias, trens, ônibus, estivadores) contra a nomeação de Auro,
excessivamente conservador. Greve política, operários que cruzaram os braços para
mudar um governo. Mostra da força do PTB e até do PCB para mobilizar politicamente
massas operárias. Mas também - todos desconfiavam - sinal de que Jango dava um
empurrãozinho nos sindicatos para pressionar o Congresso. As coisas estavam
esquentando no país.

O jeito foi Jango nomear outro cara, desta vez aceito. Um político quase
desconhecido do PSD gaúcho, que sonhava mesmo era em descansar na pedra:
Brochado da Rocha (1910 - 1962). Antes de sair (entrou em seu lugar, Hermes Lima) ele
propôs - e o Congresso aceitou - antecipar o plebiscito sobre o parlamentarismo para
1963. Ou seja, o povo é que iria decidir sobre os poderes de Jango.

Plebiscito é uma consulta popular. Uma eleição em que o povo não vota em
candidatos, mas a favor ou contra certa proposta. Em 1963, um plebiscito deu
esmagadora vitória ao presidencialismo (proporção de 10 por 1). Acabava-se o
parlamentarismo. João Goulart finalmente ganhava plenos poderes presidenciais. Mas
pouco pôde fazer. Meses depois seria derrubado pelo movimento militar de 1964.

As Reformas de Base

O presidente João Goulart acreditava que o país precisava de reformas de base.


O problema é que elas mexeriam com os privilégios de muita gente poderosa no Brasil.
Esses poderosos viram no golpe militar a barreira que manteria sua confortável posição.

Preste atenção nessas palavras, porque elas eram muito comentadas no começo
dos anos 60: “reformas de base”. O Brasil inteiro falava delas. Jango, o PTB, os
estudantes da UNE, o PCB e os sindicatos eram a favor. A UDN, grande parte do PSD,
quase toda a imprensa, grandes empresários e militares conservadores eram contra. O
país ficaria dividido até que um dos lados impusesse sua opinião com tanques de guerra.

A primeira das reformas de base era a sonhada reforma agrária. Não era possível
que o Brasil, com extensões de terras gigantescas nas mãos de proprietários que nada
plantavam, permitisse que milhões de famílias moradoras do campo passassem fome
porque não possuíam nenhum pedacinho de terra para cultivar. Japão, França,
Alemanha, e até México e China, já tinham realizado reforma agrária. Por que o Brasil não
poderia fazer uma?

Para executar a reforma agrária, o governo confisca (toma) uma parte das
terras do latifundiário, ou seja, o desapropria. Essa terra é dividida entre os sem-terra, que
passam a ser pequenos fazendeiros. O problema era que a Constituição só admitia a
desapropriação de terras em caso de utilidade pública, se o governo indenizasse os
proprietários em dinheiro. Ora, simplesmente o Estado não tinha grana para indenizar
tantos latifundiários. (Eram milhões de camponeses precisando de terra!) A não ser que
indenizasse com títulos da dívida pública, ou seja, uma espécie de conta que o governo
assume pagar, muitos anos depois, com juros. Mas aí seria preciso mudar a Constituição.
E como mudá-la se o Congresso estava cheio de conservadores da UDN e do PSD? Um
projeto de expropriação sem indenização em dinheiro foi vetado em 1963. Talvez aí
estivesse um dos erros de Jango: ele avaliou que poderia deixar rolar os protestos
populares que o Congresso, acuado, faria as leis. Porém aconteceria o contrário: a classe
dominante, apavorada com os protestos, veria em Jango apenas um fraco incapaz de
controlá-los. Pediria a cabeça do presidente.

Outra das reformas de base era a reforma urbana, que controlaria o valor dos
aluguéis de imóveis e ajudaria os inquilinos a comprar a casa própria. A classe média alta,
dona de mais de um imóvel, ficaria apavorada com a "ameaça comunista de tomar o que
é dos outros".

As reformas de base também eram reformas políticas: direito de voto para


analfabetos e de sargentos e patentes inferiores nas Forças Armadas. Naturalmente, os
defensores das reformas de base imaginavam que esses grupos iriam despejar votos a
seu favor. Os comandantes militares torceram o nariz para a idéia de sargentos, cabos e
soldados votarem. Achavam que isso traria indisciplina para as tropas. As elites e a classe
média também repudiavam o voto dos analfabetos, a quem consideravam
"despreparados". Só estavam preparados para trabalhar, pagar impostos, passar fome e
morrer pela pátria.

As reformas de base eram bem nacionalistas. Incluíam a proibição de empresas


estrangeiras operarem em setores como os de energia elétrica, frigoríficos, indústria de
remédios, refinarias de petróleo, telefones. Naquela época, os nacionalistas achavam que
as empresas estrangeiras atuavam nesses setores pensando unicamente em seus lucros,
pouco se importando com os interesses da nação. Por exemplo, a companhia poderia
achar que teria prejuízo se instalasse telefones numa cidade do interior. Pois ela não
arriscaria. Então, a cidade ficaria sem os telefones e pronto. O Brasil que continuasse nos
tempo do boca a boca. Além disso, os nacionalistas argumentavam que não tinha
cabimento a empresa estrangeira lucrar horrores e mandar esses lucros para fora do país,
haja vista que uma empresa nacional poderia fazer o mesmo serviço e usar os lucros para
reinvestir no crescimento da própria economia brasileira. Os nacionalistas achavam que a
maioria das multinacionais exercia uma concorrência desleal, prejudicando os
empresários nacionais. Ou seja, no fundo os nacionalistas viviam de uma ilusão: a de que
haveria uma burguesia "nacionalista" pronta para apoiá-los. Nunca houve.

A reforma da educação era outro ponto importante, e tinha apoio da UNE (União
Nacional dos Estudantes. Havia necessidade de mais escolas e universidades públicas de
bom ensino. Os estudos deveriam ser voltados para os problemas nacionais do Brasil. Eis
uma idéia que fez a cabeça de muita gente na época: no ensino, como em tudo, era
preciso parar de copiar modelos estrangeiros e passar a pensar de forma brasileira os
problemas nacionais. Quando a gente ouve gravações de shows da época, era muito
comum o artista falar coisas do tipo “temos orgulho de ser brasileiros”. Pensar o Brasil, eis
a meta. Mas, o que significava isso?

As reformas de base eram uma proposta para outro tipo de desenvolvimento


capitalista nacional. Mas elas mexiam com muitos grupos poderosos. Grupos que não
tolerariam perder alguns privilégios. Para mantê-los, recorreriam à mão armada do golpe
militar.

O Populismo de João Goulart


João Goulart, do PTB, se considerava um herdeiro político de Getúlio Vargas. Seu
plano político também era populista, Ele esperava que o Estado fosse o intermediário de
um acordo nacional entre os militares, os intelectuais nacionalistas, a burguesia industrial
nacionalista e os sindicatos.

Todo o plano furou.

A tal burguesia industrial "nacionalista" não se empenhou nem um pouquinho a


favor da reforma agrária. Ela também nada tinha de nacionalista. Estava assanhada para
montar negócios com as multinacionais,

Os militares se apavoraram com a agitação sindical. Para eles, Jango era incapaz
de conter o avanço comunista.

Goulart realmente tentou usar os sindicatos a seu favor, Estimulou greves


políticas para pressionar o Congresso, bajulou pelegos. Isso irritava demais a direita, que
o acusava de querer montar uma "república sindical" ao estilo peronista, Para complicar, o
movimento das trabalhadores estava ganhando autonomia.

A mobilização popular

Se você perguntar a uma pessoa que apoiou o golpe militar de 1964, ele
provavelmente o justificará assim; "Você não sabe como era aquela época, Um horror,
greve todos os dias. Nada funcionava. O país estava virando uma baderna, uma
desorganização completa. Os militares vieram para botar ordem no país, salvaram a
gente do caos."

Afinal, o Brasil estava ou não uma zona completa? Depende do ponto de vista.
Vamos supor que você fosse um rico latifundiário. Podia ser que você precisasse de um
favor do governo, tipo um financiamento camarada do Banco do Brasil. Como conseguir?
Uma das possibilidades era sua associação de proprietários rurais pressionar o governo
para obter ajuda. Que bom que sua organização podia te apoiar, não?

Se você fosse um humilde trabalhador rural, não teria tanta coisa assim. Até os
anos 60 não existia nenhum sindicato rural no Brasil. As leis trabalhistas também não
valiam no campo. Era um Brasil esquecido, abandonado, desprezado. Mas as coisas
começaram a mudar.

Formavam-se as Ligas Camponesas. Elas organizaram milhões de camponeses


nordestinos, gente que era dona de uma terra tão pequena (minifúndio) que não dava
para sobreviver, trabalhadores que vigiam num pedacinho cedido pelo fazendeiro (eram
moradores) e que arrendavam (pagavam aluguel pela terra) a preços cada vez mais
cruéis, que tinham de trabalhar certos dias de graça (o cambão) para o senhor da terra.
Em alguns lugares do Brasil, a agricultura já usava máquinas agrícolas e pesticidas. Ou
então, o fazendeiro parava de plantar para criar gado bovino. Nos dois casos não
precisava mais de tantos camponeses. Mandava os jagunços expulsarem os moradores
das rocinhas. Pois as Ligas Camponesas, lideradas por um advogado pernambucano de
idéias socialistas, Francisco Julião, organizavam esses homens na luta por seus direitos.
Faziam greves, recusavam-se a sair das terras e, principalmente, exigiam do governo a
reforma agrária.

Em Pernambuco, 1963, dezenas de milhares de trabalhadores das usinas


de açúcar fizeram uma greve espetacular. Os jagunços caçaram líderes do movimento,
socaram a cara para afundar os dentes, cortaram à faca, incendiaram barracos, deram
tiros de revólver. Não adiantou. Os patrões tiveram de ceder. E, pela primeira vez, os
empregados das usinas conquistavam o direito de ganhar o salário mínimo (que na época
valia bem mais do que o de hoje).

Ponha-se no lugar de um latifundiário; para eles, a existência de ligas


camponesas e de greves de trabalhadores rurais era sinônimo de organização ou de
baderna? E para os camponeses, ter uma associação para defender seus interesses, era
organização ou baderna?

Em 1963, Jango sancionou o Estatuto do Trabalhador Rural. Finalmente, as leis


trabalhistas começavam a chegar ao camponês! Agora, a legislação obrigava o
fazendeiro a pagar salário mínimo, assinar carteira de trabalho, garantir o repouso
semanal e remunerar as férias. Ou seja, nada de radical, nada de criptocomunismo, nada
de incendiário. Só um pouco de justiça.

Você acha que os latifundiários concordaram? Claro que não! Para eles, Jango
era um terrível agitador, um desgraçado que esculhambava o país. Miguel Arraes,
governador de Pernambuco, pela primeira vez botou a polícia do lado dos camponeses,
do lado da lei. Por isso, era detestado pelos usineiros.

Acho que você entendeu o significado do golpe militar de 64. Dá para você
perceber um dos motivos para que a história tantas vezes seja interpretada de modos
diferentes, não é mesmo? Será que tantos pontos de vista significam mesmo que não é
possível encontrar a verdade histórica? (Reflita sobre isso. Estes tipos de reflexões
caracterizam uma História crítica.) Bem, para uma boa parte da classe trabalhadora,
intelectuais, políticos de esquerda e estudantes, o Brasil não era uma baderna. Estava é
ficando organizado como nunca esteve antes. As pessoas estavam descobrindo a
importância de se associar para lutar por seus direitos, Em vez de lamentar suas misérias,
erguiam-se e lutavam para acabar com elas.

E as greves? Elas eram muitas, como se dizia? Talvez essa pergunta não seja a
melhor. O que cabe indagar é: o movimento trabalhista conseguia algum benefício?
Realmente, apesar da inflação, os salários cresciam. As greves estavam se revelando
importantes instrumentos de luta. Em 1962, foi criado o CGT (Comando Geral dos
Trabalhadores), uma central sindical visando unificar as lutas do país inteiro. Para os
trabalhadores, essas vitórias eram o resultado da organização operária. Afinal, depois de
uma greve geral, foi aprovada a lei do décimo terceiro salário (1962). Para os
empresários, tudo isso não passava de uma baderna promovida por sindicalistas
irresponsáveis e fanáticos comunistas: "O Exército tem de acabar com esse abuso! O
país precisa de ordem para os negócios prosperarem!"

A UNE vivia uma virada sensacional. Seu presidente em 1960, o goiano Aldo
Arames, pertencia à AP (Ação Popular). O pessoal da AP vinha da JUC (Juventude
Universitária Católica) e, em princípio, não era marxista. Na prática, namoravam cada vez
mais o comunismo chinês. Até 1964, eles estariam na direção da UNE. Aliás, em 1963 o
presidente da UNE era o paulista José Serra, anos mais tarde ministro neoliberal de FHC:
o que as pessoas fazem com os ideais da juventude? Eles somem com o tempo, tal como
as espinhas?

Naquela época os estudantes levavam muito a sério a luta política. A geração dos
anos 60 e começo dos 70 acreditava que a luta política realmente mudaria o mundo
inteiro. Por isso a UNE era tão importante e tão perigosa para os poderosos.

O pessoal da UNE acreditava que o ensino não podia ser elitista nem "alienado",
como se dizia na época. A universidade precisava ser comprometida com as
necessidades nacionais, formar pessoas capazes de pensar os problemas brasileiros em
vez de ficar seguindo as instruções norte-americanas. Os conhecimentos não deveriam
ficar presos à sala de aula e ao laboratório, eles deviam ser levados ao povo.

Dentro desses ideais, a rapaziada da UNE criou os CPC (Centros Populares de


Cultura), nos quais se faziam representações de peças de teatro na rua, de autores como
Oduvaldo Viana Filho e Gianfrancesco Guarnieri, shows de música e poesia, sessões de
cinema com filmes politizados (diretores como Eisenstein, Pasolini, Glauber Rocha),
debates em praça pública e auditórios. Tudo com objetivo educativo: de modo divertido e
fácil de entender, mostravam às pessoas nas ruas a necessidade de combater o
"imperialismo norte-americano" e de defender as reformas de base. Ah, foram tempos
cheios de idealismo da juventude... E hoje em dia, o que querem os jovens para o
mundo? As espinhas serão mais importantes do que os sonhos?

No Congresso Nacional, a força de apoio de Jango era o PTB, segundo partido


em tamanho. Brizola, por exemplo, tinha sido eleito deputado federal com a maior votação
do Brasil (pela Guanabara! Prova de sua popularidade junto à antiga capital). A Frente
Parlamentar Nacionalista unia os deputados e senadores favoráveis às reformas de base.

O problema é que Brizola não se entendia com o irmão de sua esposa, ou seja, o
presidente da República do Brasil. Ele queria que Jango avançasse com mais ímpeto,
fazendo a reforma agrária na marra, nacionalizando de cara vários monopólios
estrangeiros. Para defender suas idéias, propunha que os militantes brizolistas se
juntassem nos Grupos dos Onze que, entre uma ou outra partidinha de futebol com time
completo, se fariam de sentinelas a favor das reformas de base. Sonhava em ser
presidente e, para isso, deu força para o slogan "Cunhado não é parente. Brizola para
presidente!". Na verdade, Brizola era considerado um "radical" por Jango e um
"inconseqüente" pelos comunistas, sem falar no ódio hidrofóbico que provocava nos
generais de extrema-direita. No fundo, Brizola não percebia que o confronto só
favoreceria o lado da reação.

Apesar da liberdade de atuação (Prestes era uma figura pública, dava entrevistas
e palestras), o PCB mantinha-se na ilegalidade. Para escapar da proibição da lei, os
comunistas elegeram diversos deputados e vereadores pela legenda do PTB.

Como de costume, o PCB tinha enorme prestígio entre estudantes e sindicalistas.


Mas a força dele ainda era bem pequena. Além disso, continuava a achar que o Brasil
não estava preparado para o socialismo. Por isso, apoiava as reformas de base de Jango,
que eram apenas uma melhorada no capitalismo nacional. Ou seja, esse negócio de que
"comunistas estavam se infiltrando em tudo" era só uma paranóia da direita. Tinham força
porque eram organizados e conscientes, mas eram relativamente poucos.

Talvez a melhor maneira de traduzir o clima intelectual e político do Brasil naquele


começo dos anos 60 seja a descoberta de uma palavra manjadíssima e que foi inventada
exatamente naquela época. Sabe qual é? O verbo conscientizar. Ele surgiu naquele
momento porque expressava com perfeição o que os brasileiros estavam fazendo: o
Brasil começava a pensar a si mesmo, começava a tomar consciência de seus problemas
e de como resolvê-los por conta própria. Parecia que o país inteiro estava ficando mais
inteligente. Em todos os cantos, nos botequins e salas de aula, nos papos da fila do
ônibus, na saída do cinema, na praia, todo mundo tinha idéias novas, todo mundo queria
descobrir o que estava errado com o Brasil. As pessoas acreditavam que era possível
mudar muita coisa para melhor. As pessoas estavam se conscientizando.

É óbvio que as forças dominantes não dormiram de touca. A direita também tinha
suas armas, seus soldados e generais - e não estamos dando nenhuma indireta boboca.

O Governo João Goulart: Lutas Sociais no Brasil - MONIZ BANDEIRA

A reação da direita

O Brasil do começo dos anos 60 estava pegando fogo. De um lado, as forças da


mudança, que apoiavam as reformas de base. Do lado contrário a potência do
conservadorismo de direita.

Quem era contra o governo João Goulart? Em primeiro lugar, naturalmente, os


latifundiários. Quando ouviam falar em reforma agrária tinham vontade de passar com o
trator em cima de Jango. Os empresários também estavam irritados com as greves e com
medo de serem obrigados a aumentar demais os salários dos empregados. Sem falar no
pavor de o governo inventar impostos pesados sobre as grandes fortunas. Só de falar
nisso, tinham vontade de passar com a Mercedes-Benz em cima de Jango. Aliás, Jango
apostou que teria apoio do empresariado nacionalista. Triste engano: a burguesia
brasileira estava assanhadíssima para ter relações com os capitalistas ianques. Mais do
que um casamento, sonhavam longas noites de amor.

No Congresso Nacional, a UDN e outros deputados conservadores formaram a


Ação Democrática Parlamentar para bloquear as reformas de base. Apesar de a Ala Moça
do PSD (Ulisses Guimarães e outros) e a Ala Bossa Nova da UDN ( José Sarney, José
Aparecido e outros) aceitarem um pouquinho das reformas de base, no final, grande parte
do Congresso (inclusive essas figuras) estava em rota de colisão contra o presidente.
Cada vez mais o PSD juntava as patas com as da UDN.

A classe média, geralmente udenista, tinha horror a um presidente que se


aproximava dos trabalhadores. As greves que paralisavam os transportes e os serviços
de luz irritavam demais. Acreditavam que os aumentos salariais só serviam para
aumentar a inflação. Para piorar, ainda havia uma infâmia; "Com tantas greves e
aumentos; qualquer dia desses um operário vai estar ganhando quase tanto quanto eu!" -
exageravam os profissionais liberais. No fundo, o velho elitismo, o velho pavor de a
empregada doméstica compartilhar o mesmo elevador, de o filho ter como colega de
escola o filho de um operário, de a filha vir a namorar um pé-rapado.

A classe média balança como um pêndulo, ora para um lado, ora para o outro.
Pequenos empresários, profissionais liberais e assalariados bem remunerados sabem
que não são os graúdões, os capitães da indústria, os banqueiros. Mas sua instrução
universitária, seus sonhos de consumo, os bairros onde moram, os afastam dos
trabalhadores. Existe coisa mais maluca do que ouvir que' "Neste país, a classe média é a
mais sacrificada?" Pois dizem isso com orgulho. Como se morar numa favela, pegar o
trem lotado às cinco e meia da manhã, se enfiar numa fábrica fedorenta por horas a fio
fosse um passeio em um carro zero...

As greves, os conflitos de classes cada vez mais agudos e as incertezas da


política janguista deixavam a classe média desnorteada. A coisa era mais complicada do
que telenovela. Os debates parlamentares com tantos discursos vazios e inúteis, a
inflação que aumentava sem parar, os eternos escândalos de corrupção a faziam entrar
em parafuso. E o que ela mais queria, como sempre, era segurança. A velha ilusão de
que um governo autoritário traz a tranqüilidade. A classe operária e os camponeses que
se danassem, o que importava é que a compra de um novo televisor estava salva. Trocou
a liberdade pelo eletrodoméstico.

Uma pesquisa de opinião do Ibope, feita na véspera do golpe de 64, mostrou que
a maioria dos brasileiros considerava bom o governo de Jango. Mas grande parte dessa
maioria era de gente que não moveria um dedo para defendê-lo, ou seja, milhões de
pessoas passivas, que ainda aceitavam o tratamento de carneiros.

Além da oposição sistemática da UDN, dos latifundiários, dos grandes


empresários e da classe média, Jango ainda tinha de enfrentar a grande imprensa.
Jornais como O Estado de S. Paulo e O Globo eram implacáveis. O presidente aparecia
como culpado de tudo de ruim que havia no país. Nas manchetes, coisas como "Jango é
marionete nas mãos dos comunistas", "Querem uma república sindicalista", "País à beira
do caos e da anarquia" eram comuns e faziam a cabeça das pessoas.

Havia sinais de mudança da Igreja. O papa João XXIII nas encíclicas Mater et
Magistra (1961) e Pacem in Terris (1963) atacava o comunismo mas defendia a
necessidade de mudanças graduais na sociedade. O Concílio Vaticano II confirmou essas
idéias e o novo papa, Paulo VI, deu sinal verde para o engajamento dos católicos em
projetos de reformas não-socialistas. Alguns estudantes da JUC (Juventude Universitária
Católica) tinham certa simpatia pelas idéias marxistas. Formariam a AP, de onde vieram
os presidentes da UNE nos anos de 61 a 64. (Falamos disso há pouco, lembra?) A
maioria do clero, entretanto, continuaria muito reacionária. Havia até a extrema direita,
ligada a figuras tradicionalistas como Dom Castro Mayer e Dom Geraldo Sigaud, que
trocava figurinhas como uma organização católica fascistóide, a TFP (Tradição Família e
Propriedade). No Nordeste, os padres tentavam formar sindicatos rurais controlados pela
Igreja e contrários às ligas camponesas. Na véspera do golpe, padres e freiras
organizaram passeatas com milhares de pessoas apoiando uma intervenção militar.

Quem não estava gostando nem um pouquinho das travessuras de Goulart era o
Departamento de Estado dos EUA. As propostas nacionalistas de controlar a remessa de
lucros das multinacionais para o estrangeiro, de entregar à Petrobrás o refino de todo o
petróleo e de estatizar diversas companhias norte-americanas eram muito desagradáveis
para Tio Sam.

O grande fantasma da época foi a Revolução Cubana, liderada por Fidel Castro.
Socialismo, guerrilha, Che Guevara, marxismo, essas coisas estavam virando moda entre
os estudantes. E se na miséria nordestina surgissem focos guerrilheiros? Nos anos 60 e
70, no Brasil e em quase todos os nossos vizinhos latino-americanos foram dados golpes
militares. Por trás, o pavor da repetição de Cuba.

No Brasil, a direita também se organizava. Na época das eleições, o IBAD


(Instituto Brasileiro de Ação Democrática) enchia as televisões, rádios e jornais com
publicidade política a favor de candidatos udenistas ou semelhantes. Centenas de
candidatos tiveram a campanha eleitoral financiada pelo IBAD, que por sua vez recebeu
grana direta dos EUA (através da CIA) e de grandes multinacionais instala das no Brasil.
Financiamentos ilegais, diga-se de passagem, Houve investigação e as provas
apareceram. Mas Jango, querendo mostrar boa vontade com os EUA, mandou deixar
para lá.

O IPES (Instituto Brasileiro de Pesquisas Sociais) planejava propagandas em


veículos de comunicação atacando os comunistas, os nacionalistas e João Goulart. O
embaixador norte-americano, sr. Lincoln Gordon, tinha uma estranha liberdade de
movimentos e um comprido focinho para se meter em assuntos alheios a seu país,
Freqüentava quartéis, ouvia os lamúrios servis de Lacerda, mandava recados para a
imprensa. É óbvio que a embaixada tinha se tornado um covil de agentes secretos da
CIA, agindo nos bastidores a favor de um golpe militar.

Os militares

Por que os militares deram o golpe? Para começar, por causa da própria
formação deles. Nas academias, tinham aprendido que as greves, os protestos sociais, as
manifestações populares eram uma "baderna" intolerável. Para eles, o que faltava ao país
era a "disciplina", a "ordem", Felizmente, o general e o almirante não ficam
desempregados, nem recebem o salário ridículo de um peão. Mas essa boa condição,
infelizmente, dificulta um pouco o entendimento pleno do drama dos trabalhadores
assalariados.

É bom lembrarmos que os oficiais tinham irmãos, primos, tios que geralmente
vinham da classe média. Foi dela que absorveram importantes valores. Portanto, muitos
foram educados numa família conservadora, que não tolera a "baderna do zé-povinho". E
aí tinham simpatia pela UDN e rejeitavam a aproximação populista de Jango com os
sindicatos.

Os militares, como tantos brasileiros decentes, se enojavam com a existência de


políticos corruptos. Naquela época, começou a rolar a idéia de que "A honestidade é de
cor verde-oliva", ou seja, a cor da farda do Exército. Para muitos militares e civis, o país
só teria governos honestos quando o Estado estivesse nas mãos dos generais. Um triste
engano, porque nas ditaduras é que a corrupção rola solta, já que a sociedade não
consegue fiscalizar mais nada.

Nas escolas militares, havia uma doutrinação anticomunista fortíssima. Qualquer


greve era vista como "armação dos comunistas contra o Brasil",

O mais difícil de aceitar era a influência dos EUA sobre a capacitação de nossos
militares. Alguns dos melhores oficiais do Brasil fizeram cursos de aprimoramento com os
americanos, inclusive na Escola do Panamá, fundada em 1951. Voltavam de lá com a
lição de que "O que é bom para os EUA é bom para o Brasil; o que é ruim para os EUA é
ruim para o Brasil".

Aqui no Brasil, foi fundada em 1949 a ESG (Escola Superior de Guerra), Nela,
desenvolveu-se a famosa DSN (Doutrina de Segurança Nacional), que fez a cabeça de
muitos militares. Capacetes com idéias da Guerra Fria. Atenção: o golpe e a ditadura
militar procuravam seguir os princípios da Doutrina de Segurança Nacional, divulgados
pela ESG. Diga-se de passagem, na ESG estavam as cabeças militares mais preparadas
- daí o apelido de Sorbonne (nome da famosa universidade francesa). À sua testa, o
general Golbery do Couto e Silva (1911 - 1987), bruxo intelectual do regime pós-64.

Afinal, o que é a DSN? Apesar do nome nacional, teve origem nos EUA. Vamos
resumir suas idéias. Para começar, a DSN considerava que praticamente já tinha
começado a Terceira Guerra Mundial. Isso mesmo que você leu. Já dá para ver o quanto
ela tinha da paranóia da Guerra Fria. Pois bem, a tal guerra mundial era do Mundo Livre
contra o Comunismo Internacional. O lado do bem era o dos valores da civilização cristã
ocidental tais como a propriedade privada, o individualismo, o capitalismo, as liberdades,
a democracia. O inimigo era o mundo do mal, "do ateísmo, da imoralidade, da
socialização dos meios de produção, do Estado totalitário, da ditadura monstruosa dos
comunistas".

Acontece que "essa guerra não era como as outras", Porque o inimigo raramente
atacava de frente (como atacou na Guerra da Coréia, 1951-53, ou na Guerra do Vietnã,
nos anos 60). Ele preferia a guerra subversiva, ou seja, infiltrava-se na sociedade para ir
minando por baixo, sem ninguém perceber. Os terríveis agentes comunistas "penetravam,
camuflados, nos sindicatos, no Congresso, nas entidades estudantis, nos meios
intelectuais, na imprensa e até nos quartéis. Enfraqueciam a moral, destruíam a
estabilidade do país, tumultuavam de propósito. O caos servia aos desígnios dos
vermelhos. Porque o passo seguinte era a guerra revolucionária através de greves gerais,
guerrilha, formações de sovietes até a tomada do poder, quando o amado Brasil se
tornaria uma província escrava da Rússia".

Como você vê, uma simples greve operária, uma sessão de cinema seguida de
um debate com a platéia, a publicação de um livro, tudo isso era visto como resultado da
infiltração de agentes soviéticos, cubanos ou chineses. Achavam que até a maconha e as
revistinhas com mulher nua eram trazidas pelos malvados bolcheviques, dispostos a
destruir a moral e a saúde de nossos jovens. Alguém precisava salvar o Brasil! Esse
alguém, óbvio, eram os militares sempre alerta.

Acontece que a DSN não era apenas negativista, no sentido de querer negar,
destruir uma situação. Ela tinha um lado construtivo, ou seja, propunha criar um novo
país. Atenção para isso, porque era a mostra de que os militares pretendiam ficar muito
tempo no governo.

A DSN ligava-se à uma visão geopolítica. A geopolítica foi inventada pelo


imperialismo alemão no final do século XIX. Sua idéia é a de que o destino de um país se
relaciona com suas condições geográficas. O general Golbery do Couto e Silva,
especialista em geopolítica, cabeça-chefe da DSN brasileira, dizia que o Brasil, país
gigantesco com população crescente, tinha o destino de se tornar a grande potência
capitalista do Cone Sul. Para isso, os militares assumiriam a direção do país, mobilizando
todos os recursos econômicos, políticos, psicossociais e militares. Era o binômio
Segurança e Desenvolvimento, lema bem parecido com o velho “Ordem e Progresso” dos
positivistas republicanos. De certo modo, também, a consagração dos velhos ideais
tenentistas dos anos 2O, não é mesmo?

Pois só faltava a gotinha d'água para os militares agirem. Ela viria com a rebelião
dos marinheiros e o famoso Comício da Central do Brasil.

O golpe militar de 1964

As lutas de classes chegaram ao ponto mais agudo. Valia tudo, até mesmo
calúnias e baixíssimo nível. Madames subiam às favelas para alertar que "com Jango, em
breve o comunismo vai mandar no Brasil. Aí, o Estado vai tomar tudo dos pobres,
inclusive os filhos, que serão enviados para Moscou e nunca mais voltarão". Panfletos
espalhavam que Jango baixaria um decreto ordenando que os moradores dividissem seus
apartamentos com os favelados. Os famintos desceriam o morro aos gritos de "isso aqui é
nosso!" para ocupar as casas das pessoas de bem. As solteironas se arrepiavam de
medo dos curradores bolcheviques, com aquelas barbas cubanas, charutos enormes com
a ponta em brasa, gritos selvagens de cossacos russos, exalando hálito de vodca e
terríveis olhares de anos de leitura leninista misturados com a cobra pela propriedade
alheia.

Brizola foi convidado a proferir uma palestra sobre “reforma agrária” em Minas
Gerais. Não conseguiu. Um coro de senhoras e senhoritas, rezando o temo, pedia a Deus
que livrasse o Brasil do comunismo e da reforma agrária. Como se Jesus fosse o paladino
da desigualdade social!

Jango resolveu apresentar sua última carta: as reformas de base teriam de passar
"por bem ou por mal", como se dizia. No dia 13 de mamo de 1964, apesar do feriado
decretado de surpresa pelo governador Lacerda, um oceano de centenas de milhares de
pessoas compareceram ao célebre Comício da Central do Brasil. Perto dali (estação de
trens da Central, no Rio de Janeiro), ficava o Ministério da Guerra, com a estátua de
Caxias olhando grave para aquelas faixas xingando Lacerda e os gorilas (generais
golpistas), exigindo a reforma agrária, ao lado das inconfundíveis bandeiras vermelhas
com foice e martelo. No comício, da bela e jovem esposa, João Goulart anunciou que
estava enviando ao Congresso as primeiras reformas de base: expropriação de latifúndios
improdutivos, nacionalização das refinarias de petróleo. A galera foi ao delírio de
felicidade, sem ter noção de que em duas semanas Jango seria derrubado.

Meia dúzia de dias depois, foi a vez de a classe média paulista dar o troco.
Associações de donas de casa, esposas de maridos com altos vencimentos mensais,
damas da alta sociedade - preocupadas com as unhas, os vestidos da Maison Chanel e o
comunismo -, pastores evangélicos, gigolôs, comerciantes, policiais, bicheiros, amantes
de esposas de maridos com altos vencimentos mensais, associações de solteironas
encalhadas, grupos de defesa dos cachorrinhos de pelúcia e demais organizações
representativas mobilizaram milhares de fanáticos nas Marchas da Família com Deus pela
Liberdade. Rezavam para que Deus preservasse os nossos valores; o latifúndio tão
eterno quanto o Espírito Santo, as contas bancárias dos devotos do capital, a virgindade
das mocinhas de família, a boca desdentada dos meninos favelados.

O toque final foi provocar as Forças Armadas. Os marujos da Marinha de Guerra


criaram uma associação para defender seus interesses, quase um sindicato. Coisa
absolutamente proibida pelos comandantes. Seu líder, o cabo Anselmo, era um sujeito
estranho que adorava radicalizar. Parecia que gostava de ver o circo pegar fogo. Hoje,
sabe-se o motivo. Cabo Anselmo já confessou que era um agente da CIA (serviço secreto
dos EUA). Triste ironia da história; enquanto os almirantes caçavam e não encontravam
agentes da KGB (espionagem da URSS), por debaixo das barbas deles havia um cara
plantado pela CIA com a função de trans bordar o balde da paciência dos comandantes
militares brasileiros.

Pois o ministro da Marinha proibiu que os marinheiros comemorassem o segundo


aniversário de sua associação. Mesmo assim, eles fizeram a festa, lá na sede do
sindicato de metalúrgicos do Rio de Janeiro. Para puni-los, deslocaram-se fuzileiros
navais para a área. Mas em vez de prender os marinheiros, confraternizaram-se. Tal
como no famoso filme O Encouraçado Potemkim. Por fim, os marinheiros se renderam
porque tiveram a promessa de anistia de Jango, que foi cumprida. As Fonas Armadas
jamais perdoariam o presidente por ter permitido O desrespeito à hierarquia militar.

A esquerda parecia não ver as nuvens pesadas no ar. Prestes deu entrevista
dizendo que o PCB cortaria a cabeça dos gorilas (generais golpistas) caso tentassem
algo. Pois eles tentaram...

No dia 31 de mano de 1964, o general Olímpio Mourão Filho botou o cachimbo na


boca, deu umas baforadas, encheu o crânio de fumaça e precipitou o golpe. Tinha o apoio
do governador mineiro (e banqueiro) Magalhães Pinto. Na Guanabara, Lacerda
entrincheirou-se no Palácio Guanabara, aguardando O ataque dos fuzileiros navais
liderados pelo comandante Aragão. Não houve ataque nenhum. Não houve choque
militar, Não houve nenhum bloqueio.

Jango voou de Brasília para Porto Alegre. De lá, percebeu que a resistência faria
correr o sangue dos brasileiros. Preferiu se exilar no Uruguai. Mas antes mesmo de
renunciar, o senador Auro de Moura Andrade já anunciava o novo presidente: Ranieri
Mazzilli, da Câmara dos Deputados.

Agora, curiosa coincidência, no momento em que os militares deram o golpe,


havia uma força-tarefa da Marinha de Guerra norte-americana rumo à costa brasileira,
incluindo porta-aviões, fragatas com mísseis, fuzileiros, o diabo. Operação secreta Brother
Sam: se o golpe brasileiro não fosse vitorioso, nossos amiguinhos ianques dariam uma
fona para os generais patrióticos verde-amarelos. Como é que sabemos disso? Porque os
EUA são um país curioso: eles mesmos, alguns anos depois, revelaram ao mundo os
documentos secretos da operação. Vantagens da democracia.

O Golpe de 64 e a Ditadura Militar - JULIO JOSE CHIAVENATO

O significado real do golpe e da ditadura militar

Os militares tinham o projeto de mudar o Brasil profundamente. Por isso,


chamaram o golpe de “Revolução de 1964”, Mas uma verdadeira revolução só acontece
quando se muda radicalmente a estrutura econômica e política da sociedade. Por
exemplo, a Revolução Francesa de 1789, que destruiu o sistema feudal e o absolutismo
monárquico. Ou a Revolução Cubana de 1959, que acabou com o latifúndio e o poder das
elites guiadas pelos EUA. No Brasil, a estrutura econômica continuou a mesma:
capitalismo, latifúndios, forte presença do capital estrangeiro, Na estrutura política, o
principal foi preservado: a burguesia continuava no poder. Apenas não o exercia
diretamente, mas sob a proteção dos militares.

É um grande erro achar que o governo autoritário implantado em 1964 foi uma
ditadura sobre toda a população, Ou que o poder político ficou todo na mão dos militares.

Ora, nós já vimos quem desejava a derrubada de Goulart; aqueles que se


sentiram prejudicados pela organização popular e pelas Reformas de Base - os
latifundiários, os grandes empresários, as multinacionais, os EUA. Vários historiadores e
sociólogos já se fartaram de provar que foram eles que bolaram o golpe. Ou seja, Jango
foi derrubado por uma conspiração conjunta de militares e também de civis.

Os militares foram os executores. Fizeram o serviço pesado. Mas os principais


beneficiados com o regime militar foram os grandes empresários, Eles eram ministros,
assessores, secretários. Viviam nos gabinetes em Brasília, pedindo favores,
aconselhando, pressionando militares. O fato de a ditadura obrigar os trabalhadores a
ficarem quietos deixou o campo livre para o mais selvagem dos capitalismos.

Na verdade, o regime militar foi uma ditadura militar e civil, Porque os civis foram
a maioria dos governadores e prefeitos de capitais, havia um partido político que apoiava
o regime (a Arena) e os ministros da área econômica (fundamental) eram todos civis. É
ridículo achar que todos os militares foram corruptos. Ao contrário, a maioria dos
generais, coronéis e almirantes não roubou dinheiro público. E se a gente pegar todo o
dinheiro ganho pelos oficiais, incluindo as eventuais roubalheiras, certamente não
chegará aos pés do que uma única multinacional lucrou no mesmo período.

Não podemos olhar a história de forma maniqueísta, achando que ela se reduz a
uma briga entre os mocinhos e os bandidos. Claro que isso não quer dizer que não exista
verdade, que qualquer interpretação da realidade seja válida ou que devamos aceitar tudo
o que aconteceu. Mas nos alerta contra as simplificações. O que queremos dizer com
isso? Que os militares não derrubaram Jango e implantaram uma ditadura porque
queriam fazer do país um campo de caça para o capitalismo selvagem. Sim, a ditadura
teve momentos de desrespeito aos direitos humanos e de exploração brutal do povo
trabalhador, Mas nem todos os militares sabiam disso, vários deles acreditaram que
estavam sendo patriotas, uns nem achavam que haveria uma ditadura, Pensaram que
estavam evitando uma ditadura comunista ou uma ditadura de Jango (temiam que ele e
Brizola fechassem o Congresso implantando algo parecido com o Estado Novo). Outros,
orientados pela DSN, acreditavam que o novo regime iria beneficiar o Brasil.

As Forças Armadas planejavam a modernização econômica do Brasil, embora


feita autoritariamente, Mas uma ditadura reprime ou incentiva a corrupção e a exploração
do povo?

Karl Marx dizia que não se pode julgar uma pessoa a partir do que ela pensa
sobre si mesma. O que vale para os regimes políticos, O projeto militar modernizou a
economia mas favoreceu principalmente as elites. Foi isso que aconteceu, mesmo que
não houvesse essa intenção. Portanto, aconteceram muitos erros, O passo inicial já era
equivocado, Conhecer esses erros é uma arma de luta contra os que nos querem
condenar a repeti-los.
A geopolítica do Golpe de 64

Antecedentes

Desde que James Monroe, em 1822 proclamou a Doutrina clássica que


levaria o seu nome e nortearia a administração estadunidense por muitos anos face ao
colonialismo da Europa, “A América (inteira) para os Americanos (dos EUA)”, com
profunda agudização no final da Segunda Guerra Mundial os EUA buscam exercer
diretamente a sua hegemonia sobre todas as Nações, muito particularmente as do que
consideram “seu quintal”, a América Latina. A onda nacionalista das primeiras décadas do
século XX em nosso hemisfério (Perón na Argentina, Vargas no Brasil, etc.) contrariava
os interesses do empresariado internacional representado pelo governo estadunidense
que, desde sempre, fez carga contra tais políticas.

Getúlio Vargas conseguiu, com um único tiro no próprio peito em agosto


de 1954, acertar a um só tempo a oposição a ele (local, mas com raízes profundas em
Washington) e retardar o golpe militar no Brasil por 10 anos. Isso, além da melhor
legislação trabalhista e previdenciária que o país já teve, a ele devemos em que pesem
eventuais desavenças que possamos ter com aquele importante líder latino-americano.

Seu sucessor, Juscelino Kubitschek começou a inserir o Brasil no contexto


do que mais tarde se chamaria de “globalização”: trouxe montadoras de automóveis para
o Brasil – dando um incentivo insignificante à indústria nacional, tão insignificante que
durou menos de uma década. Em que pese a propaganda tão ufanista quanto vazia,
depois da falência da Romiiseta e da Gurgel, não temos indústria automobilística no
Brasil. Tudo o que temos são montadoras de automóveis de marcas estrangeiras.
Juscelino promoveu crescimento e avanço ao Brasil, concedamos, dentro dos marcos do
capitalismo ampliando o endividamento externo e deixando aberta a porteira da
corrupção.

No quadro externo, a Guerra Fria entre o capitalismo estadunidense e o


socialismo (em verdade uma espécie de capitalismo de Estado) de corte soviético
esquentava cada vez mais. Em janeiro de 1959 Fidel Castro, Che Guevara, Camilo
Cienfuegos e outros idealistas entravam vitoriosos em Havana, colocando para correr a
ditadura pró-estadunidense de Fulgêncio Batista. Cuba fica a cerca de 160 milhas
náuticas de distância da Flórida. Quando, em 1961, Fidel Castro anunciou que a
Revolução Cubana seguiria na direção do Socialismo foi uma calamidade para os
estadunidenses. Tanto pela proximidade do inimigo “em seu quintal” quanto pelo exemplo
que potencialmente trazia a outras Nações colocadas sob a órbita de influência
estadunidense desde a “Doutrina Monroe”.

De fato, cresciam e se fortaleciam após anos de exceção nacionalista


burguesa, os partidos e movimentos de esquerda na América Latina: os Montoneros no
Uruguai, os Tupamaros no Peru, o Partidão no Brasil, o MIR (Movimiento de Izquierda
Revolucionária) chileno, etc. Todos seduzidos pelo exemplo de um grupo idealista capaz
de mobilizar as massas a expulsar o invasor estrangeiro fosse na forma de capital, fosse
na forma de sua presença física mesma. Surgia no Cone Sul a polarização entre a direita
(que, desde sempre, defende o Capital e a manutenção da Ordem colocada e benéfica a
poucos banqueiros, empresários e latifundiários) e a esquerda (que, desde sempre,
defende os direitos do Ser Humano contra o Capital – que o Capital seja colocado a
serviço do Humano ao invés do Humano a serviço do Capital, lutando uma Nova Ordem).
Fazendo face a esta situação, os EUA criaram o War College e ofertaram bolsas
de estudos com vultuosos estipêndios para que os oficiais superiores e generais de toda a
América Latina freqüentassem a seus cursos. Regressando da Metrópole, pulularam em
todas as colônias “Escolas Superiores de Guerra”: no Panamá, Argentina, Chile,
Paraguai, Brasil, Peru, Venezuela, etc. O eixo era monocórdio: como hoje a política
externa estadunidense volta-se ao “combate ao terrorismo e ao narcotráfico” naquela
ocasião o mote era “combater o comunismo”. Tão irracional este quanto aquele, todo o
comportamento minimamente desviante era considerado “simpatizante do comunismo” e
se começaram a criar organismos de informação e segurança nos quartéis para dar
combate ao “inimigo interno”, criando-se fichas de supostos simpatizantes do comunismo.
Nos EUA, era a época do Macarthismo, que instaurou a delação obrigatória no meio
artístico e trouxe grave dano à produção cinematográfica de Hollywood. No Chile,
Paraguai, Brasil, Argentina, etc. eram os quartéis vigiando os políticos para que não
ocorresse qualquer desvio na direção do socialismo.

Diante de tal situação o eleitorado brasileiro optou, nas eleições de 1960,


por conduzir o Collor de Mello daquela época, conhecido como Jânio Quadros, com sua
política moralizante, voltada meramente a combater a corrupção com o discurso, sem
suporte partidário que lhe desse sustentação, à Presidência da República mas,
sabiamente, elegeu para a Vice-Presidência o varguista João Goulart (na legislação
vigente desde a redemocratização de 1946 até o golpe de 1964 era possível votar para
Presidente por um Partido e para Vice-Presidente por outro diferente). Depois de tomar
algumas e outras, além de medidas “moralizantes” altamente discutíveis como proibir
rinhas de galo e desfiles de moda em trajes de banho (o que, na melhor das hipóteses,
poderia ser iniciativa de um Ministro da Justiça. De um Presidente da República se
esperava algo mais profundo, mais sério) Jânio se disse acossado por “Forças Ocultas”
que jamais nomeou e renunciou tomando o cuidado de levar consigo a Faixa Presidencial.
Ansiava regressar ao poder “nos braços do povo” e exercer seu autoritarismo em sua
plenitude, antigo e recorrente sonho de todos os governantes que passam pelo Palácio
Governamental Brasileiro. O povo, contudo, aplaudiu sua decisão de renunciar e ninguém
se mobilizou para que retornasse. João Goulart estava justamente em visita à China
Socialista governada por Mao Tsé-Tung em agosto de 1961 quando da renúncia do
Presidente. Os militares se articularam com o Congresso Nacional: não era considerado
possível deixar um “simpatizante do comunismo esquerdizante” assumir a presidência da
República no Brasil. A ideologia da Segurança Nacional da Escola Superior de Guerra
brasileira não o admitiria. Jango faz uma viagem longa, tortuosa, tomando a rota do
Pacífico, mais longa, até chegar de volta ao Brasil. Chegando de regresso ao Brasil,
Jango encontra um quadro pronto: o Congresso Nacional, com as bênçãos das Forças
Armadas, promulgou a vigência do Parlamentarismo – sempre é bom recordar o segundo
dos “Primeiros Ministros” deste período parlamentarista brasileiro, Tancredo Neves,
homem de confiança dos militares...

Parêntese: em setembro de 2005 recebi um e-mail, idêntico ao de


setembro de 2004 e com a mesma esperança embutida para agosto de 2006: “o mês de
agosto no Brasil é marcado por tragédias: em agosto Vargas se suicidou, em agosto Jânio
renunciou. Em agosto passado Lula não se suicidou nem renunciou.”

Em 1962 o povo brasileiro foi convidado às urnas. Plebiscito: “Você é favor


do parlamentarismo no Brasil?”. Quem votasse “sim” desejava a continuidade da
excressência montada pelos militares em articulação com o parlamento; quem votasse
“não” desejava o retorno da Ordem Institucional de 1946. O voto “não” foi maciçamente
vencedor mas João Goulart jamais obteve o apoio necessário a fazer uma política de
esquerda coerente. Houve avanços, mas a própria limitação de sua consciência possível
e o quadro de propaganda maciça anticomunista do período tornaram suas propostas e
medidas mais decisivas absolutamente inócuas.

A virada do ano de 1963 para 64 encontra generais conspiradores em


todos os quartéis do país e até na Esplanada dos Ministérios em Brasília. O golpe se
articulava. Era necessário evitar que João Goulart tomasse as medidas “esquerdizantes”
de decretar a Reforma Agrária de terras devolutas às margens das Rodovias Federais e
limitar a remessa de divisas ao exterior. Para isso se mobilizou, em vários pontos do país,
conservadores de todos os matizes contra João Goulart e a favor da ditadura ansiada
pelos EUA para o Brasil.

Jango reagiu convocando o povo para um Comício histórico na Central do


Brasil, Rio de Janeiro, na sexta-feira 13 de março de 1964. A Central do Brasil, além de
ser o ponto de chegada e partida do maior número de trabalhadores do Rio de Janeiro e
Baixada Fluminense, fica exatamente ao lado do antigo prédio do Ministério do Exército, o
que foi considerado uma afronta direta aos militares que optaram por não responder
naquele instante. No Comício da Central do Brasil Jango anunciou a expropriação de
terras devolutas às margens das rodovias e a nova lei limitando a remessa de lucros ao
exterior

A Máquina de Guerra do Exército Brasileiro aumenta sua movimentação


com deslocamentos de tropas e exercícios “de rotina” os mais diversos pelo país afora.
Além disso, propagandistas das Forças Armadas Brasileiras aliados aos EUA e à Igreja
Católica orientam grandes contingentes populares a protestar contra o processo de
esquerdização do Brasil que João Goulart estaria protagonizando. Pipocam em vários
pontos do país, com ênfase para a cidade de São Paulo, as “Marchas da Família com
Deus e Pela Liberdade” ou seja, marchas contra João Goulart, contra a Democracia e a
favor da Ditadura, das Forças Armadas Brasileiras e dos EUA. Infelizmente, aqui no
Brasil, como já ocorrera na Alemanha nazista e se repetiria em vários outros países-
satélite dos EUA, o povo foi às ruas pedindo a Ditadura, a intervenção das Forças
Armadas contra a Democracia embora, naturalmente, utilizassem um linguajar mais
apropriado ao tempo em que viviam.

O 1º de Abril de 1964

Sem contar com o apoio popular esperado, menos ainda com qualquer tipo
de apoio dos auto-proclamados “representantes do povo”, Jango retira-se melancólico
para sua terra natal, São Borja, e aguarda os desdobramentos dos acontecimentos.
Presidindo a Câmara dos Deputados no dia 1º de Abril de 1964, Auro de Moura Andrade,
ecoando no Congresso Nacional a voz dos quartéis, declara vaga a Presidência da
República com o Presidente em território nacional. Sob vaias dos poucos representantes
genuínos do povo brasileiro e da democracia, Moura Andrade transfere a Presidência da
República para o Presidente efetivo da Câmara dos Deputados, Paschoal Ranieri Mazilli
que, tão logo os militares se instalam nos postos de comando da Nação, transfere a
Presidência ao general Castello Branco, que governará o Brasil até 1967, quando foi
substituído pelo também general Costa e Silva. O começo do golpe contou com o apoio
de todo o conservadorismo brasileiro e contou ainda com a apatia simpática de todos os
que estufavam o peito e se diziam “apolíticos”, como se essa expressão tivesse algum
significado no mundo humano – “O homem é um animal político”, zoon politikon, segundo
Aristóteles. Quem se proclama apolítico está assinando um atestado público de
ignorância e incompetência para o exercício da cidadania.

A primeira e mais notória medida de Castello Branco, por sinal, é revogar


as leis que limitavam a remessa de lucros ao exterior e aquela que decretava a Reforma
Agrária de terras devolutas às margens das rodovias federais.

Aos poucos vai ficando claro que os militares não vieram para mudar
absolutamente nada e, inesperadamente, buscam perpetuar-se no poder ao contrário do
que imaginavam aqueles que lhes deram sustentação no início.

AI-5, o Golpe dentro do Golpe

Quando a demência sobe ao poder o povo sofre. Todas as grandes


tragédias da humanidade têm um início medíocre, fundado em alguma forma de mal-
entendido que se constitui meramente na gota d’água que faltava para a deflagração de
um evento maior que já estava em gestação há muito tempo. Em 1968 foi um protesto
jocoso do Deputado Federal pelo Rio de Janeiro Márcio Moreira Alves, sugerindo que as
moças que estavam se formando na Escola Normal da Tijuca se recusassem a ir ao
tradicional baile dos Cadetes da Marinha. O general Costa e Silva pediu ao Congresso
autorização para processar o Deputado Márcio Moreira Alves. Pedido negado, o que
parecia uma brincadeira foi se transformando numa bola de neve sem fim que descamba
no que se chama até hoje de “golpe dentro do golpe”, a decretação do Ato Institucional
número 5, de 13 de dezembro de 1968. Com AI-5, fechava-se o Congresso Nacional e o
Presidente-general passava a ter amplos poderes para decretar estado de sítio,
intervenção nos Estados, cassação de mandatos e suspensão de direitos políticos além
de subordinar o Judiciário e o Legislativo ao Executivo e suspendia o efeito de habeas
corpus para crimes considerados atentatórios à “segurança nacional”.

Com o AI-5 começou o período mais negro da Ditadura: milhares de


pessoas foram aprisionadas entre intelectuais, artistas, cientistas, estudantes,
trabalhadores, políticos... Todos identificados como “inimigos do povo brasileiro”.
Seguiram-se mais prisões, torturas, assassinatos e “desaparecimento” de presos políticos
foram praticados em nome da segurança nacional...

O mesmo acontece, sob rigorosa orientação e controle estadunidense no


Chile, Paraguai, Argentina, Uruguai, Venezuela, Panamá, etc. As décadas de 1960 a 80
do século XX ficaram marcadas pelas ditaduras militares na América Latina.

Os EUA decretam o final das ditaduras militares

Somente a ascenção dos democratas ao poder nos EUA e sua política de


“respeito aos direitos humanos” com vistas a dar combate aos regimes socialistas do
Leste Europeu faz com que a sede de todas as ditaduras ordene que seus generais
fantoches promovam aberturas “lentas, graduais e seguras” rumo à democracia, sendo
caninamente obedecidos pelos militares brasileiros, chilenos, paraguaios, argentinos, etc.
A resistência dos Tupamaros no Peru, dos Montoneros no Uruguai, do MIR chileno, dos
movimentos guerrilheiros no Brasil não deve ser olvidada. Menos ainda a atuação
parlamentar quando os militares permitiram a reabertura do Congresso com dois partidos,
o MDB, Movimento Democrático Brasileiro, também conhecido como “Partido do Sim” e
ARENA, Aliança Renovadora Nacional, conhecida como “Partido do Sim, Senhor!” – o
“Não” estava proibido, atuava na clandestinidade...

Mesmo sem olvidar estes processos de resistência à Ditadura, seja pela


via parlamentar, seja pela via revolucionária, somos obrigados a constatar que somente
após a política agressiva dos EUA contra os países que praticassem crimes contra os
direitos humanos a abertura efetivamente começou a acontecer. Os EUA precisavam
conter regimes socialistas autoritários que torturavam, degredavam, matavam e
perseguiam seres humanos, mas para evitar o dissabor de serem contraditados na ONU a
esse respeito, decidiram-se por fazer uma faxina em seu próprio quintal, a América Latina.
A espinha dorsal da resistência aos interesses estadunidenses estava morta, exilada,
sepultada, esquecida ou domesticada. Era a hora de “abrir”. Depois de um número
elevadíssimo, embora talvez jamais se saiba corretamente, de mortes e do desespero
generalizado de todo o continente, os generais do Cone Sul se viram forçados pelos
interesses estadunidenses a transferir o poder aos civis. Em alguns casos, como o
brasileiro, tomando o cuidado de evitar “revanchismos”, em outros, como no argentino,
que desesperadamente tentou uma guerra contra a Inglaterra para conquistar alguma
popularidade e conseguiu justamente o oposto: humilhados pelo adversário estrangeiro,
tiveram de se haver com a crítica interna contundente de serem mais eficientes em matar
seus próprios concidadãos do que efetivamente enfrentar inimigos da Nação Argentina –
por lá, um número significativo de militares torturadores e assassinos foi mais ou menos
punido. De todo o modo, em todo o Cone Sul, ocorreram raríssimos casos de punição,
muita “auto-anistia”, o regresso dos exilados mas a hegemonia estadunidense já estava
colocada com raízes profundas na economia, na educação e mesmo na cultura dos povos
da América Latina tornando desnecessária a Ditadura como forma de encaminhamento
dos interesses estadunidenses por aqui. Ocorreram eleições nos moldes estadunidenses
que repetiram regimes políticos e econômicos nos mesmos moldes da matriz e chegamos
ao século XXI constatando entre estarrecidos e anestesiados que até mesmo conceitos
outrora relevantes na América Latina como “Nacionalismo”, “Patriotismo”, “Interesse
Nacional”, etc. estão decompostos. A prática não mais existe há muito tempo: os militares
começaram a decompor estes conceitos. Como amar uma pátria que tortura, mata,
persegue, cala, silencia e impede as pessoas de serem livres e terem bons costumes?
Até o conceito de patriotismo encontra-se esvaziado. Em nosso país há alguns bolsões,
grupos isolados nos quais expressões como “amor à pátria”, “nacionalismo”, “brasilidade”
ainda fazem sentido e mesmo o Hino Nacional Brasileiro é ouvido entre frêmitos de
emoção – e não estou falando em jogos desportivos ou coisa parecida –, mas isso
constitui exceção quando deveria ser regra... Há um longo caminho à frente e não será
entregando nossas riquezas aos interesses privados de grupos estrangeiros entre
escândalos de corrupção que haveremos de cantar com orgulho a nossa liberdade e
independência, ainda por acontecer.

A Ditadura Militar
“Este é tempo de divisas, tempo de gente cortada... É tempo de meio silêncio, de
boca gelada e murmúrio, palavra indireta, aviso na esquina.”

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

“Dormia

A nossa Pátria mãe tão distraída Sem perceber que era subtraída Em tenebrosas
transações.”

CHICO BUARQUE DE HOLLANDA

Recife, 1964. Beira da praia, brisa da noite, mansões dos usineiros. As garrafas
de champanha são abertas. Festa. Pessoas bonitas, perfume, olhares de fêmeas, dentes
brancos de alegria. As risadas unem o gozo ao deboche. Vida longa para o novo governo!
Que nunca mais se falem em greves nem nessa maldita terra para os camponeses! Morte
aos inimigos da propriedade!

Um pouco longe dali, noite negra e silêncio. De repente, chegam os soldados.


Vasculham os casebres. Procuram os inimigos da pátria. As pessoas simples têm medo.
Precisam dormir cedo porque amanhã têm de ir para roça cortar cana. Mas o olho
continua aberto. Só a boca é que permanece fechada.

No quartel, homens armados de fuzil automático arrastam o ancião. Espancado


em praça pública. Maxilar quebrado por uma coronhada de rifle. Chutaram-lhe tanto os
testículos, que arrebentou a bexiga. Vai urinar sangue por quase um mês, O velho ferido
está algemado. Ao seu redor, caminhões do Exército, berros de oficiais, rádio, holofotes,
metralhadoras,

Por que tanto aparato? Por que tantos homens, tantas armas, tanta força bruta?
Por que o velhinho é tão perigoso?

Gregório Bezerra nasceu no sertão. Criancinha, viveu a fome e

a prepotência dos latifundiários. Foi quase um escravo. Brinquedo de menino era


enxada e foice, sonho de um dia comer carne-seca. Nunca viu escola. Só aprendeu a ler
e escrever com 24 anos, quando servia o Exército - e nunca mais deixaria o orgulho de ter
sido militar. Pouca instrução, mas o conhecimento da vida e a argúcia do homem do povo.

Um dia, entrou em contato com aquela gente estranha. Falavam coisas que ele
nunca tinha ouvido mas que, extraordinariamente, parecia já saber. Alguns eram até
doutores, mas o tratavam como igual. Muitos dos estranhos eram como Gregório, como
Severino, como José, como tantos outros: mãos de calo, cara rasgada de sol, trabalho e
sofrimento.

Ouviu, refletiu e juntou-se a eles.

Voltava ao canavial, onde o homem perde a perna, ou o juízo, pela picada de


cobra, o golpe errado do facão, o jeito doido de o capataz falar. Mas agora, era ele que
tinha o que dizer para contar para os seus irmãos de labuta. Nos campos, nos mocambos
miseráveis, nas portas das usinas e das fábricas, Gregório seria a voz da consciência dos
que ainda não tinham consciência, a posse dos que nada possuíam. Ele era o homem do
povo que descobre sua força e, finalmente, se levanta. Em vez de lamentar suas misérias,
ergue-se para combatê-las.

Sabia falar a língua dos humildes e fazer as perguntas decisivas; a quem


pertence? A quem é dado? O que se deve transformar? Os homens mais poderosos de
Pernambuco o temiam. Gregório Bezerra, velho quase analfabeto, ferido e enjaulado em
1964. Líder camponês, ex-deputado federal, inimigo do latifúndio. E se um dia todos
aqueles homens e mulheres com as mãos grossas e rosto queimado se transformassem
em milhões de Gregórios? Era preciso evitar a qualquer custo.

Por isso, Gregório Bezerra tinha sido preso. Naquele momento, os grandes
senhores da terra comemoravam sua vitória. O reveillon de 1964 acontecia em 31 de
março.

Governo Castello Branco (1964 – 1967)

Bem que Leonel Brizola propôs ao presidente Jango resistir ao golpe de 1964
com armas na mão, a partir do Rio Grande do Sul. Mas o presidente, muito deprimido,
não queria derramamento de sangue. Como milhares de brasileiros, os dois também se
exilaram no estrangeiro.

Enquanto isso, no Rio de Janeiro - Copacabana e Ipanema -, a classe média se


confraternizava com a burguesia. Chuva de papel picado, toalhas nas janelas, buzinaço,
banda e chope. Abraços, choro de alegria, alívio pelo fim da desordem. O Brasil estava
salvo do comunismo! Os crioulos não invadiriam mais as casas das pessoas de bem! As
empregadinhas voltariam a ficar de cabeça baixa!

Mas nos subúrbios o medo substituía o chope. Ali, a revolução iria procurar os
"inimigos do Brasil". E quem seriam esses monstros? Pessoas simples, enrugadas pelo
trabalho duro, mas que tinham ousado não se curvar; operários, camponeses,
sindicalistas.

Nenhum banqueiro, nenhum megaempresário, nenhum tubarão foi sequer


chamado para depor numa delegacia, Eram todos homens de bem, pessoas que amavam
o próximo... principalmente se o próximo fosse um bom parceiro de negócios.

Os soldados armados de fuzis prendiam milhares de pessoas: dirigentes


populares, intelectuais, políticos democratas. A UNE foi proibida e seu prédio, incendiado.
A CGT, fechada. Sindicatos invadidos à bala. Nas escolas e universidades, professores e
alunos progressistas expulsos. Os jornais foram ocupados por censores e muitos
jornalistas postos na cadeia. A ordem era calar a boca de qualquer oposição.

Os políticos que não concordaram com o golpe, geralmente do PTB, tiveram seus
mandatos cassados. Ou seja, perderam seus direitos políticos por dez anos. O primeiro
cassado, inimigo número um do regime, foi Luís Carlos Prestes. O segundo foi o ex-
presidente João Goulart. Depois, veio uma lista de milhares de pessoas que foram
demitidas de empregos públicos, presas, perseguidas, arruinadas em sua vida particular.
Juscelino e Jânio também perderam seus direitos, para que não tentassem nenhuma
aventura engraçadinha na política. Só a UDN não teve punidos: coincidência, não?

Os comunistas, claro, eram perseguidos como ratos. Muitos foram presos e


espancados com brutalidade. O pior é que o xingamento de “comunista” servia para
qualquer um que não concordasse com o regime. Seria o suficiente para ser instalado
numa cela, Fariam a reforma agrária num cubículo 2 X 2 e socializariam a propriedade do
buraco no chão que servia de privada.

Para espionar a vida de todos os cidadãos, foi criado em 1964 o SNI (Serviço
Nacional de Informações). Havia agentes secretos do SNI em quase todos os cantos:
escolas, redações de jornais, sindicatos, universidades, estações de televisão.
Microfones, filmes, ouvidos aguçados. Bastava o agente do SNI apontar um suspeito para
ele ser preso. Imagine o clima numa sala de aula, por exemplo. Eu mesmo perguntei,
certa vez, a um professor de história, “o que ele achava” de algo que os militares haviam
decretado. Ele, apavorado, respondeu algo como: “Não acho nada! Eu tinha um amigo
que achava muito e hoje ninguém acha ele!” Eram muitos os “desaparecidos” naqueles
tempos... O professore correndo o risco de ser detido caso fizesse uma crítica ao
governo. Os alunos, falando baixinho, desconfiando de cada pessoa nova, apavorados
com os dedos-duros. A ditadura comprometia até as novas amizades! O pior é que o SNI
cresceu tanto que quase acabou tendo vida própria, independente do general-presidente,
a quem estava ligado. Seu criador, o general Golbery do Couto e Silva, no final da vida,
diria amargurado: “Criei um monstro.”

O novo governo passou a governar por decreto, o chamado AI (Ato Institucional)


O presidente baixava o AI sem consultar ninguém e todos tinham de obedecer. O AI-1
determinava que a eleição para presidente da República seria indireta. Ou seja, com O
Congresso Nacional já sem os deputados e senadores incômodos, devidamente
cassados, e um único candidato. Adivinha quem ganhou? Pois é, em 15 de abril de 1964
era anunciado o primeiro general-presidente, que iria nos governar o Brasil segundo
interesses do grande capital estrangeiro nos próximos anos: Humberto de Alencar
Castello Branco.

Castello tinha sido um dos figurões da Sorbonne, ou seja, dos intelectuais da


ESG. A maioria de seus ministros também era oriunda da ESG, a “Escola Superior de
Guerra”, réplica nacional do “War College” norte-americano. Tranqüilos com a vitória, os
generais nem se importaram com as eleições diretas para governador em 1965.
Esperavam que o povo brasileiro em massa votasse nos candidatos do regime. Estavam
errados. Na Guanabara e em Minas Gerais venceram políticos ligados ao ex-presidente
Juscelino Kubitschek. (Em São Paulo não houve eleições. Seriam depois.) Mostra clara
de que alguns meses depois do golpe ainda tinha muita gente que não apoiava o regime.
Pois bem, os militares reagiram. Vinte e poucos dias depois das eleições desastrosas, foi
baixado o AI-2, que acabava em definitivo com as eleições diretas para presidente da
República. Agora, o presidente seria “eleito” indiretamente, ou seja, só votariam os
deputados e senadores. Voto nominal e declarado, ou seja, o deputado era chamado lá
na frente para dizer, no microfone, se votava ou não no candidato do regime. Quantos
teriam coragem de dizer, na cara dos ditadores, que não aprovavam aquela palhaçada?
Muito poucos, inclusive porque os mais ousados eram sumariamente cassados.

O AI-2 também acabou com os partidos políticos tradicionais. O PSD, o PTB, a


UDN, tudo isso foi proibido de funcionar. Agora, só poderiam existir dois partidos políticos:
a Arena e o MDB.
A Arena (Aliança Renovadora Nacional) era o partido do governo. Estavam ali
todos os políticos de direita que apoiavam descaradamente a ditadura. De onde vinham?
Basicamente, da UDN. Mas também um bando de gente do PSD, do PSP de Adhemar de
Barros e, por incrível que pareça, muitos da velha guarda integralista. Apoiavam o regime
militar em tudo que ele fazia.

O MDB (Movimento Democrático Brasileiro) era o partido da oposição consentida.


A ditadura, querendo uma imagem de democrática, permitia a existência de um partido
levemente contrário. Contanto que ninguém fizesse uma oposição muito forte. O MDB era
formado pelos que sobraram das cassações, um pessoal do PTB, alguns do PSD. No
começo, a oposição era muito tímida. Nos anos 70, porém o MDB conseguia votações
cada vez maiores para deputados e senadores. Então seus políticos - muitos eram novos
valores surgidos na década - começaram a fazer uma oposição importante ao regime,
capitaneados pela figura do deputado paulista Ulisses Guimarães (1916-1992) . Naqueles
tempos, brincando é que se diz a verdade, comentávamos que o MDB era o “Partido do
Sim” e a ARENA era o “Partido do Sim Senhor!”

O AI-3, do começo de 1966, determinava que as eleições para governador


também seriam indiretas. Os únicos com direito a voto eram os deputados estaduais, que
tinham de ir lá na frente e declarar para todo mundo em quem votavam. Mais intimidação
seria impossível, não é mesmo? O circo estava todo armado para que a ARENA
governasse todos os setores da vida nacional.

A Constituição de 1967

No Brasil, os homens da ditadura faziam questão de criar uma imagem de que o


país era um regime “democrático”. Alegavam que existia partido de oposição e eleições
para deputado e senador. Vá lá, mas acontece que os políticos mais críticos estavam
cassados e o MDB, sob vigilância. Além disso, o Congresso Nacional ficou com os
poderes muito cerceados. Um deputado podia fazer pouca coisa além de elogiar as praias
douradas do Brasil. No fundo, quem mandava mesmo era o general-presidente e pronto.
Dentro dessa preocupação de manter a aparência (só a aparência) de “democrático”, o
regime promulgou a Constituição de 1967, que vigorou até 1988, quando finalmente foi
aprovada a Constituição atual. Promulgar não é bem a palavra. Porque não existiu sequer
uma Assembléia Constituinte. Os militares fizeram um rascunho do texto constitucional e
enviaram para o Congresso aprovar. Congresso mutilado pelas cessações, nunca
devemos esquecer. O trabalho era pouco mais do que aplaudir. Trabalhos regulados por
um relógio que tocava corneta. Deputados obedientes como soldados em marcha.

Para começar, eleições indiretas para presidente da República e governadores de


Estado, Os prefeitos de capital e cidades consideradas de “segurança nacional” (como
Santos, em São Paulo, o maior porto do país, ou Volta Redonda, no Rio de Janeiro, por
causa da gigantesca Companhia Siderúrgica Nacional) seriam nomeados pelo
governador. Em outras palavras, a Arena governaria o país pela força da lei (e das armas,
claro).

A Constituição de 1967 aumentava as atribuições do Executivo e a centralização


do poder. É por isso que havia Congresso aberto. Pela Constituição, os deputados e
senadores não podiam fazer quase nada, a não ser discursos. Veja bem: a lei não
permitia nem mesmo que o Congresso pudesse controlar as despesas do Executivo. No
país inteiro, governadores e prefeitos também podiam gastar à vontade no que quisessem
- estradas para valorizar latifúndios, estádios de futebol para enriquecer empreiteiras,
teatros para a elite se divertir, prédios públicos enormes para os figurões ficarem sem
fazer nada no ar condicionado. Os deputados estaduais e vereadores não tinham poderes
para impedir esses gastos.

Os governadores perderam a autonomia para gastar. Para qualquer obra


importante, tinham de pedir dinheiro ao governo federal, ou seja, ao general-presidente. O
mesmo valia para os prefeitos. Por exemplo, vamos imaginar que na cidade X, o Fulano
do MDB fosse eleito prefeito. A maior parte do dinheiro dos impostos ficava com o
governo federal, em Brasília. O prefeito Fulano quer fazer uma escola municipal para X.
Não tem dinheiro. Tem de pedir para o governador, que é da Arena e, certamente, recebe
ordens de Brasília para não dar nada. Agora, se o prefeito fosse da Arena, as coisas
mudavam de figura. Principalmente porque o prefeito se lembraria de apoiar a eleição de
deputados e senadores da Arena. Esqueminha montado e quase sem furos. Dá para
entender por que o regime militar não teve medo de manter eleições para o Congresso e
permitir a existência do MDB? Era como um jogo de futebol facílimo de ganhar, porque o
juiz roubava escancarado para o lado de quem já estava no poder...

O pior de tudo é que o regime iria fechar mais ainda. O último ato do governo de
Castello foi a LSN (Lei de Segurança Nacional). Reprimir passava a ser sinônimo de
“defender a pátria”.

A Economia no Governo Castello Branco

A primeira atitude do novo governo foi anular as reformas de base. Criaram um


Estatuto da Terra, que previa uma tímida reforma agrária. Claro que jamais sairia do papel
dos burocratas. O latifúndio estava livre para engolir os camponeses.

A lei de 1962, que controlava remessas de lucros para o estrangeiro, foi anulada.
As multinacionais foram ofertadas com todas as facilidades.

Os mestres do PAEG (Plano de Ação Econômica do Governo) foram os ministros


Otávio Gouveia de Bulhões (Fazenda) e Roberto Campos (Planejamento).

Para diminuir a inflação, eles aplicaram receitas econômicas monetaristas.


Trataram de tirar o dinheiro de circulação. Para começar, cortaram os gastos públicos, ou
seja, o governo investiria menos em hospitais e escolas – já se preparava a introdução do
ensino pago nas universidades públicas e começava-se com a política de esvaziamento
na qualidade do ensino público gratuito de boa qualidade, valorizando mais as instituições
privadas. Até antes da Ditadura Militar, estudar em colégios particulares era
amesquinhante demonstração de incompetência para acompanhar o elevadíssimo nível
que então o ensino público mantinha... Em 1964, tinha sido fundado o Banco Central para
controlar todas as operações financeiras do país. Também foi criada uma nova moeda, o
cruzeiro-novo.

Os salários foram considerados os grandes responsáveis pela crise econômica do


país. Claro, os operários deviam estar ganhando fortunas e o país não poderia suportar
um soldador ou torneiro mecânico passando férias na Cote d’Azur, fazendo compras na
Avenue Montaigne, em Paris. Assim, os aumentos salariais passaram a ser sempre
menores do que a inflação. A idéia era fazer com que o aumento de preços, por causa do
crescimento dos salários, fosse cada vez menor.

Acompanhe o raciocínio dos caras. Por exemplo, se a inflação fosse de 30%


naquele ano, a lei obrigava o patrão a conceder um aumento abaixo daquela inflação, de
só, digamos, 20%. Claro que esse patrão iria compensar o prejuízo de ter de pagar mais
salários aumentando os preços de seus produtos e serviços. (Por isso mesmo, diziam,
existia a inflação!) Mas, em quanto? Se o salário aumentava em 20%, o patrão poderia
aumentar os preços em, digamos, 21%: teria até um pouquinho mais de lucro do que
antes. Mas o aumento geral dos preços (por causa do salário maior em 20%, todos os
empresários reagiriam aumentando os preços em 20% e quebrados) seria perto dos vinte
e pouco por cento, e não mais os 30% anteriores, No ano seguinte, com inflação de,
suponhamos, uns 22%, o patrão poderia dar um aumento de salário de só uns 10%. Aí os
preços, para compensar esse aumento salarial, subiriam uns 12%, por exemplo. E assim,
num passe de mágica, a inflação teria caído de 30% para 12% ao ano. Claro que tudo
isso está simplificado, mas a idéia básica era essa mesma. Agora, não sei se você se
tocou: por essa receita, os salários eram comidos pela inflação. Em outras palavras, a
ditadura militar reduziu a inflação arrochando os salários dos trabalhadores.

Um dos recursos para diminuir salários foi a extinção da estabilidade. Pela lei
antiga, depois de dez anos numa empresa, era quase impossível despedir um
empregado. Isso acabou. No lugar, foi criado o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço), em 1966, que ainda existe mas, com os ventos ainda mais conservadores que
andam soprando neste país, tem havido uma tendência a propor a suspensão até deste
direito para os trabalhadores. Funciona assim: a cada mês, o patrão deposita nos bancos
uma parte do salário do empregado, formando uma espécie de caderneta de poupança
(outra invenção do regime militar) chamada de FGTS, Acontece que o FGTS só pode ser
sacado em momentos especiais, como na compra de uma casa própria ou, caso mais
comum, quando o empregado é despedido. Essa lei facilitou a vida dos empresários.
Agora, despedir era tranqüilo. Os empregados, sabendo que podiam perder o emprego a
qualquer momento, eram obrigados a aceitar salários mixurucas.

Grandes empresas (como as automobilísticas) chegaram a ser acusadas de ter


uma armação para, de vez em quando, despedir alguns operários (logo absorvidos por
outra fábrica, tudo combinado secretamente). A rotatividade da mão-de-obra (rodando de
emprego em emprego) seria um excelente mecanismo para baixar salários.

Em princípio, o dinheiro do FGTS serviria para que o recém-criado BNH (Banco


Nacional da Habitação) financiasse casas populares. Na prática, o que aconteceu foi que
o BNH acabou financiando a construção de condomínios de luxo para milionários. Ou
seja, o pobrezinho pagando, indiretamente, a mansão do ricaço.

Não devemos esquecer que as greves estavam totalmente proibidas. O peão


tinha de engolir quieto a pancada salarial, senão haveria outra paulada mais dolorosa
ainda. Para que os empréstimos do governo federal e os impostos devidos a ele fossem
pagos decentemente, criou-se a correção monetária. Antes, o sujeito podia esperar um
ano para pagar impostos porque então ele pagaria uma quantia desvalorizada pela
inflação. Agora, a correção monetária simplesmente aumentava o valor da dívida no
mesmo percentual da inflação.
Como o governo não queria emitir papel-moeda (estava combatendo a inflação),
obviamente os empresários sofreram restrições ao crédito. Juros altos, dificuldade de
obter empréstimos, poucos investimentos. A economia crescia pouco. Os ministros
sabiam que estavam provocando esta recessão. Achavam que era um dos remédios para
baixar a inflação. Realmente, as compras diminuíram. Reduzida a demanda (procura),
caíram os preços: outro fator deflacionário.

Para agilizar o crescimento da economia, Roberto Campos e Otávio Gouveia de


Bulhões, os ministros-gurus do PAEG, criaram muitas facilidades para o investimento
estrangeiro. Tinham-se ido os tempos do nacionalismo trabalhista.

Bem, e o PAEG deu certo? Para o que ele se propunha, sim, foi bem-sucedido. A
inflação caiu. O preço social disso é que representa problema. Os economistas
“iluminados” da época falavam pudicamente no “lado perverso” das medidas econômicas.

Por que a economia voltou a se recuperar? Há várias explicações. Para começar,


os investidores estrangeiros ficaram mais tranqüilos: não havia mais ameaça de
nacionalismo, nem de greves e muito menos de socialismo. Além disso, o novo governo
tinha eliminado as restrições ao capital estrangeiro. Assim, as multinacionais começaram
a investir em peso na construção de novas fábricas. O FMI, feliz com o Brasil militar,
também emprestou dinheiro, E nós vimos que ajuda do FMI era uma espécie de garantia
para que outros banqueiros confiassem no país.

Uma das causas mais importantes da inflação é o descontrole da economia: cada


empresário tenta lucrar na marra, simplesmente aumentando os preços. Vira uma corrida
histérica de preços e salários aumentando sem parar. Para reverter o quadro, deveria
haver um acordo nacional dos empresários entre si e dos empresários com os
trabalhadores. Mas Jango, no seu tempo, encontrara dificuldade em montar o acordo.
Ocorria o oposto: as lutas de classes se tornavam mais agudas.

Obviamente, a ditadura não resolveu as coisas por consenso, promovendo um


plano com que toda a sociedade concordasse. As coisas foram impostas na marra. Na
marra principalmente sobre os trabalhadores. Ou seja, o consenso foi obtido na base do
“Ou você concorda comigo ou entra na porrada!” De qualquer modo, a estabilidade foi
conseguida.

Quer dizer então que uma ditadura consegue estabilidade? Essa pergunta
necessita de outra: de que tipo de estabilidade estamos falando? Quando examinamos as
estatísticas econômicas percebemos que a estabilidade teve um preço: o aumento de
exploração da força de trabalho.

Costa e Silva (1967 – 1969)

Os militares tinham indicado e o Congresso balançou a cabeça: o novo general-


presidente era Arthur da Costa e Silva. Só a Arena tinha votado na eleição indireta. Em
vez de levantar o braço, batia continência. O MDB, em protesto (era minoria), havia se
retirado do plenário. Com mãos ao alto.

Costa e Silva era tido como um homem de hábitos simples. Em vez da companhia
dos livros, como gostava o pedante Castello Branco, preferia acompanhar as corridas de
cavalos. Pessoalmente, diziam que era “gente boa”. Mas se Costa e Silva queria
tranqüilidade, tinha escolhido mal o emprego. Melhor seria dar palpites no jockey.

Depois do impacto de 64, com aquela onda de prisões e fechamentos, as


oposições ao regime voltaram a se articular. Até mesmo Lacerda tinha virado oposição. É
que ele tivera esperança de se tornar presidente, mas aqueles a quem bajulara lhe
viraram as costas. Magoado, procurou unir Juscelino e Jango, exilados, numa Frente
Ampla. Pouco resultado daria. Longe do país, tinham pouca influência.

Apesar do PAEG de Castello diminuir a inflação e retomar o crescimento, a


situação da classe operária vinha piorando. Em 1965, os operários paulistas ganhavam,
em média, apenas 89% do que recebiam em 1960, em 1969, apenas 68%. Estava ficando
feia a coisa.

Os anos 60 formaram a grande década revolucionária. Os anos da minissaia, dos


homens de cabelo comprido, da pílula anticoncepcional; da guerra do Vietnã, dos hippies,
do feminismo; da Revolução Cultural na China, da Primavera de Praga, dos Beatles, dos
Rolling Stones, de Jimi Hendrix e Janis Joplin, do LSD, do psicodelismo, das viagens à
Lua; de Kennedy, Krutchev e Mao Tsetung; do cinema de Godard, Pasolini e Antonioni;
das idéias e dos livros de Sartre, Marcuse, Althusser, Hermann Hesse, Erich Fromm e
Wilhelm Reich; dos transplantes de coração, dos computadores e do amor livre, de Bob
Dylan, Jim Morrison e Martin Luther King; de "Paz e Amor", Woodstock e Che Guevara.

Especialmente, 1968. Trabalhadores e estudantes se levantaram no mundo


inteiro. Em Paris, cidadela do tranqüilo capitalismo desenvolvido, os operários fizeram
greve geral e os estudantes jogavam pedras na polícia. Nos muros da capital francesa, os
grafites anunciavam o novo mundo: “É proibido proibir”, “A imaginação no poder!”, “Amor
e revolução andam juntos”. Nos EUA, atacava-se o racismo. Tempos de Martin Luther
King e de Malcolm X, grandes líderes negros. Os estudantes norte-americanos também
sonhavam com socialismo e milhares deles protestariam contra o absurdo de a máquina
de guerra ianque agredir o povo do Vietnã. Na América Latina, sonhava-se com guerrilhas
libertadoras. Na Tcheco-Eslováquia, aconteceu a Primavera de Praga: os comunistas,
liderados por Dubcek, tentaram construir o socialismo humanista. Na China Popular, o
camarada Mao Tsetung estimulava a Revolução Cultural. A Cuba revolucionária de Fidel
Castro e Che Guevara mostrava o caminho para os jovens latino-americanos: guerrilha,
revolução popular, socialismo “Hasta la victoria compañeros!” (Até a vitória
companheiros!) No Brasil, a luta era contra uma ditadura militar e um capitalismo
troglodita. Desafiando abertamente o regime, os operários fizeram greve em Contagem
(Minas Gerais). Pouco depois, pararam os metalúrgicos de Osasco (São Paulo).

O governo militar, através da Lei Suplicy, quis impedir que os estudantes se


organizassem. O maldito acordo MEC-Usaid previa a colaboração dos técnicos
americanos na reformulação do ensino brasileiro. E o que os ianques propunham? Acabar
com as discussões políticas na universidade: estudante deveria apenas ser mão-de-obra
qualificada para atender as multinacionais aqui instaladas. Além disso, o governo queria
que o ensino superior fosse pago. Ou seja, faculdade só para minoria de classe média
alta para cima.

Mas a UNE estava lá para lutar contra. Época gloriosa do movimento estudantil.
Coragem, sonhos libertários, utopia na alma. A juventude queria o poder no mundo! Os
estudantes iam para a rua contra um governo que esculhambava a universidade pública,
contra um regime militar. Apesar de proibidas, suas passeatas nas ruas atraíram cada vez
mais participantes, de operários e boys a donas de casa e profissionais liberais. A grande
imprensa chamava-os de “infantis”, “toxicômanos”, “desequilibrados”. A polícia atacava.
Cassetetes, gás lacrimogêneo, caminhões brucutu. Eles respondiam com pedras, bolas
de gude (contra a cavalaria da PM), coquetéis molotov e idealismo. Os principais líderes
estudantis estavam no Rio de Janeiro: Vladimir Palmeira e Luís Travassos.
Voltando no tempo...

Imagine que você, com sua idade atual, acaba de voltar no tempo. Estamos em
1968, no Rio de Janeiro. Em que é que você está pensando? O que é que você faz no
dia-a-dia?

Imagine que você é de classe média e está se preparando para o vestibular.


Assustador. A faculdade tem vagas reduzidas. Aliás, essa é uma das bandeiras do
movimento estudantil: alargar o funil que desemboca na universidade. Que curso você vai
seguir? A maioria quer ser engenheiro, médico, advogado. Mas tem gente que quer
conhecer o Brasil para transformá-lo: vão estudar sociologia, história, filosofia e até
economia. Um amigo seu diz, brincando, que tem um professor de sociologia da USP que
um dia ainda vai ser presidente da República.

Na faculdade, quem não é de esquerda está por fora. Claro que há uma povão de
gente alienada, que nem dá bola para o que acontece no país. Mas você e seus amigos
são conscientizados. O problema é que existe uma floresta de partidos e grupelhos de
esquerda: PC do B, AP, Polop, Dissidência na Guanabara e tantos outros (sigla era um
troço importante naquela época). Só não vale o PCB, que não é bem visto pela garotada,
que o chama de “Partidão”. Parece com um velho sábio que não dá mais no couro. Na
verdade, o fato de o PCB não aceitar a luta armada contra o regime tira o charme dele.
Afinal, todos temos pôster de Che Guevara e Ho Chi Minh na parede de casa e gostamos
de nos imaginar na selva entre os camponeses, com idéias na cabeça e um fuzil na mão.

As pessoas lêem o suficiente para não se sentirem alienadas. Estamos em 1968


e alguns autores são obrigatórios: Leo Huberman, Engels, Lênin, Nélson Werneck Sodré,
Caio Prado Jr, Moniz Bandeira e o famoso manual marxista de Politzer. Quem não leu,
ouviu falar. O que é suficiente para participar de um debate, que é o que mais interessa.
Para os mais metidos a espertos, cabe citar Marcuse, Althusser, Gramsci e Erich Fromm.

No corredor da faculdade, vocês discutem política. Baixinho, mas escancarado


(até 1968 ainda dava para fazer isso). De um lado, os que acham que primeiro devem
organizar os trabalhadores para depois partir para luta armada, do outro, os que acham
que a luta armada organizará os trabalhadores. Isso mesmo que você está lendo: na
cabeça do pessoal, a revolução está ali na esquina. É só pegar.

Hoje tem passeata convocada pela UNE. Na faculdade, pintamos as faixas com
os dizeres manjados como “Abaixo a ditadura” e o provocativo “Povo armado derruba a
ditadura”. Vamos para a passeata? É um problema. Sua mãe tem medo, seu pai (na
época, é claro, lembre-se de que estamos em 68) apoiou o golpe. Melhor ir escondido. Se
você é mulher pior, porque tudo é proibido: freqüentar boate, beber, chegar em casa tarde
da noite, viajar com o namorado e, óbvio, ir à passeata. Portanto, mais uma que vai
escondida alegando que ia “ficar na biblioteca estudando”.
Lá está você com o pessoal, no centro da cidade. Gritando palavras de ordem
contra o regime. Dos edifícios, papel picado e aplausos. O apoio dos escritórios te enche
de autoconfiança e você realmente se sente fazendo algo de importante na história do
Brasil. Na cabeça, o grande hino da época, Pra não dizer que não falei das flores, de
Geraldo Vandré: “Vem, vamos embora / que esperar não é fazer / quem sabe faz a hora /
não espera acontecer”...

De repente, chegam os homens. Marcham juntos, compactos, uma massa sem


indivíduos. É a polícia. Escudo, cassetete de madeira, capacete protegendo o miolo mole.
Corre que eles estão vindo! Dá tempo de pixar o muro com o spray “Abaixo a repressão!”
Sai fora. O cheiro de gás lacrimogêneo incomoda. Hora de botar a pastilha de Cebion
debaixo da língua, lenço molhado no nariz. O pau cantou! Contra a violência cega, a
consciência estudantil, contra a brutalidade do Estado, pedradas, xingamentos e alma
libertária transbordando.

Não há graça nenhuma. Tem gente que sai com o rosto ensopado de sangue,
hematomas pelo corpo, dentes quebrados, Muitos são presos e empurrados para o carro
coração de mãe. Haja claustrofobia. Seguirão para a delegacia, para serem fichados,
humilhados e levar uns cascudos. Só no final do ano é que a polícia começa a atirar para
matar.

Se você não apanhou muito nem foi preso, dá para chegar num barzinho no
começo da noite, Depois de uns chopes, ou cuba-libre (rum com Coca-Cola), todo mundo
ficava animado para contar pela décima vez suas proezas, sempre um pouquinho
exageradas, é claro. Você pode estar interessado(a) numa pessoa, num cara ou numa
menina. (Mas não há duplo sentido: o homossexualismo não era tolerado nem pela
esquerda. Ser bicha era quase sinônimo de ser contra-revolucionário. Muitos guerrilheiros
machos se remoeriam de culpa pelos anônimos desejos inconfessáveis. Só no final dos
anos 70 as mentalidades começaram a mudar.) Pois bem, se você estivesse a fim de
alguém, logo trataria de falar alto para aparecer. Essas coisas não mudaram demais
desde então, não é mesmo? Um bom caminho era se mostrar intrépido no combate aos
policiais e, ao mesmo tempo, estar por dentro das últimas novidades culturais.

No cinema, contavam muito os filmes intelectualizados. O esquema de Hollywood,


bajulando atores e espetáculos, não estava com nada. Pelo menos nos papos-cabeça. O
negócio era filme de diretor-autor. Antonioni (Blow-up, 1967, e , Zabriesky Point, 1969),
Jean-Luc Godard (A Chinesa, 1967), Pasolini, Bergman, Visconti, Fellini e o nosso
Glauber Rocha ( Terra em Transe, 1967, Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro,
prêmio de Cannes 1969 como melhor diretor), É claro que também se via muita coisa
comercial... Aí as estrelas eram Marlon Brando, Richard Burton, Marilyn Monroe, Sophia
Loren, Jane Fonda, Paul Newman, Marcelo Mastroiani, Alain Delon e, claro, Jane Fonda,
que depois de posar nua virou militante contra a Guerra do Vietnã.

Em literatura, a turma gostava de coisas engajadas como obras de Brecht,


Maiakovski, Pablo Neruda, Gorki, Sartre. Mas também valia Franz Kafka, o judeu tcheco
que escrevia em alemão sobre o absurdo da sociedade burocrática. O americano Henry
Miller descrevia o sexo com uma crueza tão violenta que achavam que era arte. Quem já
gostava de misticismo lia Hermann Hesse.

Claro que ninguém era um chato de ir a um bar e ficar conversando sobre coisas
intelectuais e políticas o tempo inteiro. Isso só existe em série da Globo. As pessoas
também dançavam, iam a festas, bebiam além da conta, namoravam, iam às compras,
estudavam para as provas.

Toda menina moderninha falava de amor livre. Anticoncepcional era a pílula da


moda. Entretanto, mesmo entre o pessoal de esquerda, havia muito conservadorismo. A
maioria das moças casaria virgem mesmo e, no máximo, permitiriam algumas carícias
avançadas. Mulher que transasse com alguns caras era vista como “galinha”, e
certamente ninguém iria querer algo mais “sério” com elas. Como já

ensinava Maquiavel no Renascimento italiano, os preconceitos têm mais raízes


do que os princípios.

O fechamento do regime (mais ainda!)

A esquerda voltava a crescer no Brasil. Nas ruas, as passeatas contra o regime


militar começavam a reunir milhares de pessoas em quase todas as capitais. Diante
disso, a direita mais selvagem partiu para suas habituais covardias. Aliás, covardia era a
especialidade da organização terrorista de direita CCC (Comando de Caça aos
Comunistas). O nome já diz tudo. Consideravam que a esquerda era feita por mamíferos
a serem abatidos. Os trogloditas, então, atacaram os atores da peça Roda Viva, de Chico
Buarque, em São Paulo, Surraram todo mundo, inclusive a atriz Marília Pêra. Depois,
metralharam a casa do arcebispo D. Hélder Câmara, em Recife (alguns membros da
Igreja Católica estavam deixando de bajular o regime). Em São Paulo, os filhinhos-de-
papai da Universidade Mackenzie (onde nasceu o CCC) agrediam os estudantes da USP,
na rua Maria Antônia, valendo desde pedradas até tiros de revólver.

De acordo com o jornalista Zuenir Ventura, o fanático brigadeiro João Paulo


Burnier elaborou um plano criminoso, o Para-Sar. Uma loucura: os pára-quedistas da
aeronáutica, secretamente, pegariam os inimigos do regime e jogariam do avião no mar
alto, a uns 40 quilômetros da costa. Além disso, havia o projeto de explodir o gasômetro
do Rio de Janeiro, começo da avenida Brasil, área industrial e de trânsito engarrafado.
Morreriam umas 10 mil pessoas queimadas. Tragédia nacional. Burnier botaria a culpa
nos comunistas e, com a população querendo o linchamento dos responsáveis, prenderia
os esquerdistas e os executaria sumariamente. Que coisa diabólica, não? Só não se
concretizou graças à bravura e ao patriotismo de um militar da aeronáutica: o grande
brasileiro capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, o Sérgio Macaco. A operação teve
de ser cancelada. Mas o capitão Sérgio foi afastado da Aeronáutica.

A greve operária de Contagem terminou com acordo salarial entre patrões e


empregados: Mas em Osasco a coisa foi diferente. Ela tinha sido bem melhor preparada,
inclusive com participação de estudantes esquerdistas na organização do movimento. O
governo então falou grosso. O sindicato dos metalúrgicos foi invadido e o presidente, José
Ibraim, teve de se esconder da polícia. O exército preparou uma operação de guerra e
ocupou as instalações industriais. A partir daí, quem fizesse gracinha de greve teria de
enfrentar os blindados e fuzis automáticos. Ou seja, as greves acabaram.

Contra os meninos e meninas do movimento estudantil, foram lançados homens


armados até os dentes. Agora passeata começava a ser dissolvida a bala. No Calabouço,
um restaurante carioca freqüentado por estudantes, a polícia militar assassinou um rapaz,
Édson Luís. Nem a missa de sétimo dia, na catedral da Candelária, foi
respeitada pela polícia, que baixou o sarrafo nas pessoas que saíam do templo.
Em resposta, a maior passeata já vista na avenida Rio Branco: a célebre Passeata dos
Cem Mil (26/6/1968). Era a multidão, bonita, vigorosa, olhando para a vida, exigindo a
mudança.

Os militares estavam apavorados. Até onde aquilo tudo iria levar? Concluíram que
precisavam endurecer mais ainda o regime. E endureceram. As passeatas de estudantes
passaram a ser reprimidas pelas próprias Fonas Armadas e muitos estudantes foram
baleados. Agora, em vez do cassetete, vinha o fuzil automático. O congresso secreto da
UNE, em Ibiúna (SP) foi dissolvido, com 1240 estudantes presos.

O pior estava por vir. Faltava só o pretexto.

No Congresso Nacional, o jovem deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, fez um


discurso em que recomendava que as mulheres não namorassem os militares envolvidos
com as violências do regime. O que seria do país, se os oficiais não namorassem?
Ficariam com o fuzil na mão? Os generais exigiram sua punição, mas o Congresso não
permitiu.

Foi, então, que saiu o Ato Institucional nº 5, o AI-5, numa sexta-feira, 13 de


dezembro de 1968. Claro que o caso do deputado era só desculpa. Tratava-se, na
verdade, de aumentar a repressão e silenciar os opositores.

O AI-5 foi o principal instrumento de arbítrio da ditadura militar. Com ele, o


general-presidente poderia, sem dar satisfações a ninguém, fechar o Congresso Nacional,
cassar mandatos. de parlamentares (isto é, excluir o político do cargo que ocupava, fosse
senador, governador, deputado etc.), demitir juízes, suspender garantias do Poder
Judiciário, legislar por decretos, decretar estado de sítio, enfim, ter poderes tão vastos
como os dos tiranos.

Tem gente que chega a falar do “golpe dentro do golpe”. Se a ditadura já era ruim,
agora ela piorava.E muito!

A oposição parte para a luta armada

O que significa viver sob uma ditadura militar? É exagerado achar que a toda hora
tem tanque na rua, soldados desfilando dentro das faculdades. Aparentemente não muda
muita coisa, porque você vai às compras, ao dentista, à praia e ao cinema, namora e
casa, vê televisão. A não ser o fato de que seu vizinho é oficial do Exército e você sabe
que por isso ele manda aqui no prédio (e isso pode ser até bom para a vizinhança), o
resto parece bem normal. Mas, se você tiver um pingo de consciência, desconfia que as
coisas não vão bem. Existe um cheirinho de esquisitice: as pessoas falam baixo, há uma
nuvem de mistério cobrindo o país, o estômago fica pesado demais.

Depois de 1964 ainda dava para fazer umas passeatazinhas e desafiar o regime.
Depois do AI-5 (dezembro de 1968) o regime tinha fechado de vez. Passeata era
dissolvida a tiros de fuzil. Em cada redação de jornal havia um imbecil da polícia federal
para fazer a censura, Não poderia sair nenhuma notícia que desagradasse ao governo.
Uma simples reportagem esportiva sobre o time do Internacional de Porto Alegre, com
sua camisa vermelha, poderia ser encarada como “propaganda da Internacional
Comunista”. Além da censura, o jornal não podia dizer que tinha sofrido a censura (isso,
claro, também era censurado). O jeito foi botar receitas de bolo nos vazios deixados pelas
partes retiradas pela polícia. As pessoas estavam lendo uma página sobre política
nacional e, de repente, vinha aquela absurda receita para fazer uma torta de abacaxi. Os
espertos sacavam logo que era um protesto. Os mais ingênuos (por conivência ou
conveniência, chegavam a mandar cartas para as redações dos jornais, pois as receitas,
por vezes, eram irracionais: “cinco quilos de açúcar, 100 g de farinha de trigo, dois quilos
de sal, vinte tabletes de fermento, uma colher de chá de suco de laranja...” Não há receita
que dê certo assim, hehehe. Claro que existem ainda hoje ingênuos ainda mais imbecis,
que declaram coisas como: “naquele tempo o governo era muito melhor do que hoje.
Bastava abrir os jornais, eles só tinham elogios para o governo. Aliás, também tinham
receitas de bolo muito boas.”

Ninguém podia falar mal do governo. Reclamação na fila do ônibus era uma linha
até à cadeia. Estudantes e professores que conversassem sobre política poderiam ser
expulsos da escola ou da faculdade, devido ao decreto-lei nº 477 (1969), Imagine o clima
dentro da sala de aula. Se o professor contasse aos alunos o que você está lendo neste
livro, corria o sério risco de não poder voltar mais à sala de aula. Ou mesmo para a sua
própria casa...

_ O que você acha da situação atual?

_ Eu não acho nada! Tinha um amigo que achava muito e hoje ninguém acha ele!
To fora!

Qualquer aluno novo que tentasse se enturmar era logo suspeito de pertencer ao
SNI. Veja que coisa, a ditadura tolheu até as novas amizades!

O político que fizesse oposição aguda seria logo cassado pelo AI-5. Foi o caso,
por exemplo, do deputado federal Francisco Pinto (MDB), punido em 1974 porque fez no
Congresso um discurso chamando de “ditador” o ditador chileno Pinochet em visita ao
Brasil, o deputado Lysâneas Maciel (MDB) solicitou a criação de uma CPI (Comissão
Parlamentar de Inquérito) para apurar denúncias de corrupção no regime. Não teve CPI
nenhuma e ele ainda foi cassado. É isso aí: numa ditadura, a sociedade não pode
fiscalizar o governo. Os cidadãos estão enjaulados, mas a corrupção está livre.

Com tantas dificuldades, como continuar fazendo oposição ao regime? Para


muitos jovens, só havia um caminho a seguir: a luta armada.

Falar em guerrilha nos anos 60 arrepiava muita gente. Ela parecia ser a grande
arma de libertação dos povos do Terceiro Mundo. Exemplos não faltavam. Em Cuba,
Fidel Castro e Che Guevara abriram o caminho: No Vietnã, os guerrilheiros de Ho Chi
(Minh derrotavam a maior máquina de guerra do planeta, a do imperialismo norte-
americano. Na Argélia, os guerrilheiros dobraram as tropas francesas e conquistaram a
independência do país. Na própria China, a revolução socialista foi vitoriosa depois de
anos de guerrilha camponesa comandada por Mao Tsetung. No Brasil não poderia ser
diferente: muitos estudantes, velhos militantes da esquerda e intelectuais começaram a
organizar grupos guerrilheiros. Para eles, depois do AI-5 não havia mais espaço para a
legalidade. Só a luta armada libertaria o Brasil.

Ao contrário do que você possa pensar, o PCB foi contra a luta armada. Os
comunistas acreditavam que a luta no momento não era nem socialismo nem reformas
básicas, mas pelo fim do regime autoritário. Sua estratégia era a de se unir a todos os
grupos democráticos contra o regime. Atuaria, clandestino, no MDB.

Muita gente da esquerda considerou esse programa covarde, reformista (um


xingamento horroroso, pois isso equivaleria a não ser um revolucionário. Mas naquele
momento os comunistas eram qualquer coisa, menos revolucionários...). A juventude
queria a mudança logo, a todo preço. E foram esses jovens, garotões e meninas,
adolescentes ainda, estudantes e sonhadoras, que embarcaram na aventura da luta
armada.

Um dos grandes gurus era o francês Regis Debray, que tinha sido companheiro
de guerrilha de Che Guevara. Foi ele que lançou a teoria foquista: meia dúzia de
combatentes criariam um foco guerrilheiro numa área rural. Primeira etapa, o treinamento
militar. Depois, contato com a população. Ganham a confiança através do trabalho, da
honestidade, de solidariedade. Imagine o efeito disso: o camponês jamais viu um médico
e, de repente, aquelas pessoas o tratam com cuidado, curam seus filhos. Nesse
processo, os guerrilheiros vão transmitindo suas idéias, mostrando que o latifúndio
deveria ser confiscado, que os camponeses precisam se unir e se armar. E quando
chegam os jagunços do fazendeiro, os guerrilheiros estão prontos para responder com
fogo de armas de guerra, Pronto, está deflagrada a luta. Agora, junto com os camponeses
que aderem ao movimento, eles se lançam para o mato. O Exército chega logo depois,
quase sempre truculento: tortura moradores, incendeia barracos, molesta as meninas. O
povo vê com clareza quem está do lado dele. Os guerrilheiros, por sua vez, nunca
enfrentam o Exército de frente. As táticas incluem emboscadas, ações rápidas e
fulminantes. Depois, a fuga veloz: sua mobilidade e ataques de surpresa são armas
letais. Conhecem a região, contam com o apoio logístico dos moradores. Quase
invencíveis. Mas este é um foco. A teoria foquista imaginava que surgiria outro foco ali, e
mais outro adiante, e outro, e outro. Até que um dia esses focos começariam a se unir
para compor um grande exército popular. Tal como ensinou Mao Tsetung, o campo
cercaria a cidade. E a revolução seria vitoriosa.

Simples, não? É, simples demais para dar certo: havia muitos sonhos e pouco pé
no chão. Como fazer guerrilha camponesa num país em que a maioria já vivia na cidade?
Bem que o sinal de alerta já havia sido dado: em 8 de outubro de 1967, Che Guevara foi
assassinado pela CIA, quando organizava um foco guerrilheiro na Bolívia. Não era um
aviso de mau agouro?

Desde 1968 já existiam ações guerrilheiras. Mas o grosso mesmo foi entre 1969 e
1973. Havia um cacho de grupos de luta armada, diferentes nos objetivos e nas
estratégias, embora no final todos visassem ao socialismo (já se disse que as esquerdas
só se encontram na cadeia...). Uns achavam que primeiro era preciso derrotar a ditadura,
outros achavam que já era possível lutar imediatamente pelo socialismo; uns achavam
que primeiro era preciso organizar os trabalhadores e depois se lançar na guerrilha,
outros achavam que através da luta guerrilheira os trabalhadores iriam se organizando;
uns achavam que a guerrilha urbana era a mais importante, outros, que era a rural.

Não vamos estudar as minúcias das organizações. Basta dar uma idéia geral de
como funcionavam as mais importantes: VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), o MR-
8 (Movimento Revolucionário Oito de Outubro), a ALN (Ação Libertadora Nacional), o
PCBR (PCB Revolucionário), o PC do B, a VAR-Palmares.

Quem eram esses guerrilheiros? Não eram muitos, apenas algumas centenas. Os
simpatizantes, que eventualmente podiam esconder alguém em casa ou contribuir com
dinheiro, não iam além de uns mil e poucos. Apesar de sonharem com a revolução
proletária, havia poucos operários ou camponeses. Os líderes geralmente eram antigos
comunistas, rompidos com o Partidão porque o PCB estava contra a luta armada. Ainda
tinha um grupo importante de militares desertores do Exército. Muitos guerrilheiros eram
como talvez você seja, amigo leitor, com 17 ou 18 anos de idade, estudantes
secundaristas ou acabando de entrar na faculdade.

A maioria dos guerrilheiros foi presa antes de começar a luta armada no campo.
Na verdade, a guerrilha ficou sendo urbana mesmo, sem repercussão maior. Houve
algumas tentativas de panfletar na porta de fábricas, e um grupo chegou a levar um
caminhão cheio de comida para distribuir na favela, anunciando aquela como “a primeira
das muitas expropriações revolucionárias que o povo fará daqui em diante”. Pura ilusão. A
repressão do governo agia com muita eficácia e rapidamente os grupos foram
desmantelados. No final, tinham de assaltar bancos para levantar fundos para a luta e
seqüestrar embaixadores em troca da libertação de presos políticos.

Desde o início a guerrilha já tinha muitos erros. Para começar, os guerrilheiros


consideravam-se marxistas, mas quase nada tinham lido a respeito. Ninguém tinha feito
uma análise profunda da sociedade brasileira para ter certeza de que aquela era a melhor
estratégia a ser seguida. Por exemplo, sonhavam com uma guerrilha camponesa num
país enorme que já era urbano e industrial. Queriam buscar seus próprios caminhos
políticos, mas no fundo imitavam modelos de outros países, como Cuba e China. Falavam
em nome dos trabalhadores, mas jamais tiveram um contato maior com a população. O
povo, dominado pela propaganda oficial e pela imprensa censurada, os ignorava ou os
tratava como bandidos, seqüestradores, assaltantes de banco, “terroristas”. Viviam tão
fora da realidade, que só faltaram dizer que as vitórias do governo, pulverizando a
guerrilha, eram “a mostra do desespero da burguesia em sua crise final”. Coitados, eram
rapazes e moças que nunca tinham visto um revólver na vida enfrentando um Exército
profissional bem equipado e com assessoria dos EUA. Nem dava para começar.

A única tentativa que teve alguma consistência foi a Guerrilha do Araguaia. Ela se
desenvolveu mais ou menos entre 1972 e 1974, organizada pelo PC do B. Lembremos
que, na época, ao contrário do PCB (que era de linha soviética e contra a luta armada) o
PC do B seguia o socialismo chinês (o maoísmo) e apoiava a guerrilha. Pois bem, no
começo dos anos 70, grandes empresas do Sudeste e multinacionais investiram em
pecuária extensiva na região do Tocantins-Araguaia. Quando chegaram lá, já havia
pequenas roças na mão de camponeses posseiros (não tinham documentos legais da
propriedade da terra, apesar de trabalharem nelas havia muitos anos). Nem quiseram
saber, passaram a fazer grilagem das terras (tomar ilegalmente). Quando o camponês
não queria abandonar a terra, os capangas da empresa iam lá, ateavam fogo no barraco,
destruíam a plantação, espancavam os moradores. Como você pode perceber, as lutas
de classes entre os grileiros e os posseiros eram muito fortes. O PC do B quis aproveitar
esse potencial de revolta e chegou na região para montar uma base de treinamento.
Foram descobertos pelo Exército, que deslocou para região milhares de soldados. Contra
uns 60 guerrilheiros. Numa região isolada do país, imprensa censurada, as pessoas só
sabiam alguma coisa através de boatos. Mas na região do Araguaia até hoje as pessoas
humildes se recordam do que aconteceu. Muitos militares abusaram do poder e
espancaram brutalmente a população para que revelasse os esconderijos dos
guerrilheiros. Os prisioneiros eram torturados de forma bárbara e muitos encontraram a
morte depois que o corpo virou uma massa de pedaços de carne e sangue. Os
guerrilheiros mortos foram enterrados em cemitérios clandestinos e até hoje as famílias
procuram seus corpos. Em 1974, a guerrilha do Araguaia estava destruída.

O que dizer sobre essa loucura toda? Foram rapazes e moças, muitos ainda
adolescentes, que tiveram a coragem de abandonar o conforto do lar, a segurança de
uma vida encaminhada, a tranqüilidade da vida de jovem de classe média, para combater
um regime opressor com armas na mão. Pessoas que dão a vida pelo ideal de libertação
de seu povo não podem ser consideradas criminosas. Mesmo que a gente não concorde
com os caminhos trilhados. Eles mataram? Certamente. Mas nunca torturaram. Nem
enterraram suas vítimas em cemitérios clandestinos. E se o tivessem feito, nada disso
justificaria a tortura e o assassinato executados pelo governo. Além disso, seria mesmo
inadmissível pegar em armas contra um regime antidemocrático que esmagava o povo
brasileiro? Que moral uma ditadura tem para definir como deve ser combatida?
Repressão e Tortura

“Ou então cada paisano e cada capataz Com sua burrice fará jorrar sangue
demais Nos pantanais, nas cidades, caatingas

E nos gerais”

CAETANO VELOSO

Como é que a ditadura conseguiu dizimar a guerrilha? A repressão foi selvagem.

Imagine que você fosse um guerrilheiro naquela época. Documento falso, revólver
escondido na cintura, olhar assustado para qualquer pessoa da rua. Distante da família,
dos amigos, de qualquer conhecido. Clandestino. Codinome, ou seja, nome inventado,
nem os companheiros sabiam sua identidade. Se fossem presos, não poderiam te revelar.
Vocês se escondem num apartamento discreto no subúrbio. E mudam de residência
quase todo o mês. Esse esconderijo é chamado de “aparelho”. Um dia, você tem um
ponto, ou seja, um encontro marcado com outro guerrilheiro. Ele não aparece.
Provavelmente, caiu (foi preso). Em algumas horas, debaixo de paulada, pode ser que ele
abra. Os meganhas logo vão chegar. É preciso desativar o aparelho rápido. De repente,
chega a polícia. Tiroteio. Mortes. Se você escapar com vida, vai direto para o porão.
Agora sim, você vai sentir na pele a face mais negra do regime. A tortura.

Não houve guerrilheiro preso que não fosse barbaramente torturado. Ficar
pendurado no pau-de-arara (um cavalete em que o sujeito fica preso pela barra que passa
na dobra do joelho, com pés e mãos amarrados juntos) é um dos piores suplícios. Além
disso, pontapés, queimaduras de cigarros, choques elétricos, alicates arrancando os
mamilos, banhos de ácido, testículos amassados com alicate, arame em brasa introduzido
pela uretra, dente arrancado a pontapés, olhos vazados com socos. Mulheres estupradas
na frente dos filhos, homens castrados. A lista de atrocidades é infindável.
Os torturadores são animais sádicos. Mas além da maldade pura e simples, havia
a necessidade estratégica: a tortura extraía confissões em pouco tempo, dando
oportunidade de prender outras pessoas, que também seriam torturadas, revelando mais
coisas e assim por diante. Infelizmente, a tortura revelou-se bem eficaz.

Houve muita gente, entretanto, que nada falou. Veja bem, amigo leitor, bastava
contar tudo que a tortura acabaria. Essa era a diabólica proposta. Imagine-se no lugar do
preso, apanhando feito um cão, nu, sangrando, com a cabeça enfiada num balde cheio de
fezes e vômito dos outros. Algumas frases e você seria mandado para um hospital. No
entanto, muitos não falaram. Bravamente, recusaram-se a colaborar com a repressão.

Morto sob tortura tinha o caixão lacrado para ninguém ver o cadáver arrebentado.
O laudo oficial do IML, emitido por médicos venais comprometidos com a ditadura dizia
friamente que a morte tinha ocorrido “em tiroteio com a polícia”.

Uma geração que pagou um alto preço por seus sonhos: pagou com o próprio
sangue. Por isso, amigo leitor, se hoje eu posso escrever essas linhas, se hoje você pode
dizer o que pensa, saiba que entre os responsáveis por nossa liberdade estão aqueles
que deram sua vida para que um dia o país não estivesse mais sob o jugo das botas da
tirania.

Mas, afinal, quem eram os torturadores? Onde as pessoas eram torturadas? Ao


contrário do que se possa pensar, a tortura não era feita em algum lugar escondido, uma
casa de subúrbio ou uma fazenda afastada de tudo. Não, infelizmente as pessoas eram
torturadas em lugares públicos, na frente de muitas testemunhas. Como Mário Alves,
dirigente do PCBR, torturado até a morte nas dependências do Primeiro Batalhão de
Polícia do Exército, na rua Barão de Mesquita, Tijuca, Rio de Janeiro. Reparou no local?
Um quartel do Exército! Como também aconteceu em delegacias, em bases da Marinha.
Através da Operação Bandeirantes (OBAN), do DOI-CODI, dos Serviços de Informação
das Forças Armadas (CENIMAR, CISA, CIEX), do DOPS e do SNI, o governo exterminou
a guerrilha com brutalidade.

Claro que a maioria dos militares não teve nenhum envolvimento com a tortura.
Muitos sequer sabiam que ela estava acontecendo. Mas é inegável que os torturadores
ocupavam importantes posições no aparelho repressivo do Estado: eram policiais civis,
PMs, agentes da polícia federal, delegados, oficiais e sargentos da Marinha, do Exército,
da Aeronáutica, médicos que avaliavam a saúde da vítima e autorizavam a continuação
da tortura.

Muito triste é saber que alguns desses monstros permanecem na polícia, nas
Forças Armadas e que foram anistiados pelo general Figueiredo em 1979. Neste país,
jamais um torturador sentou no banco dos réus.

A ditadura não se manteve só com violência física. Ela soube se valer de uma
propaganda ideológica massacrante. Numa época em que todas as críticas ao governo
eram censuradas, os jornais, a tevê, os rádios e revistas transmitiam a idéia de que o
Brasil tinha encontrado um caminho maravilhoso de desenvolvimento e progresso.
Reportagens sobre grandes obras do governo e o crescimento econômico do país
convenciam a população de que vivíamos numa época incrível. Nas ruas, as pessoas
cantavam: “Ninguém segura esse país.”

Os guerrilheiros eram apresentados como “terroristas”, “inimigos da pátria”,


“agentes subversivos”. Qualquer crítica era vista como “coisa de comunista”, de
“baderneiro”. Houve até quem chegasse ao cúmulo de acusar os comunistas de
responsáveis pela difusão das drogas e da pornografia!

O futebol, como não poderia deixar de ser, foi utilizado como arma de propaganda
ideológica. Na época, a esquerda se perguntava: “O futebol aliena os trabalhadores, é o
ópio do povo?” E houve até quem torcesse para que o Brasil perdesse a Copa: como se o
trabalhador brasileiro precisasse de uma derrota no jogo de futebol para realmente se
sentir oprimido! Ou seja, quem estava supervalorizando o futebol: o povão ou a
esquerda? De qualquer modo, meu amigo, aquela seleção brasileira de 1970 foi
simplesmente o maior time de futebol que já existiu. Pelé, Tostão, Jairzinho, Gérson,
Rivelino, Clodoaldo, Carlos Alberto Torres, seus craques são inesquecíveis. O
tricampeonato conquistado na Copa do México encheu o país de euforia. Nas casas (pela
primeira vez a Copa foi transmitida ao vivo pela televisão) e ruas o povo explodia de
alegria e cantava: “Todos juntos, vamos / Pra frente Brasil..” Os homens do governo,
claro, trataram logo de aparecer em centenas de fotos ao lado dos craques. Queriam que
o país tivesse a impressão de que só tínhamos ganho a Copa graças à ditadura militar
(embora as vitórias de 1958 e 1962 tivessem sido no tempo da democracia, com JK e
Jango). O prefeito de São Paulo, Paulo (que não era São) Maluf, resolveu dar para cada
jogador um automóvel zero quilômetro de presente. O presidente Médici, vestido com a
camisa rubronegra do Flamengo, era aplaudido de pé por parte da torcida no Maracanã.
Triste país, o general chutava a bola, os torturadores chutavam os presos.

Além do futebol, os brasileiros conheceram uma nova paixão, o automobilismo.


Até hoje, o mundo só teve um único piloto capaz de vencer na sua estréia na Fórmula 1: o
nosso Émerson Fittipaldi, campeão mundial em 1972 e 1974.

Nas escolas vivia-se um clima de ufanismo (exaltação da pátria). Todo mundo


tinha de acreditar que o Brasil estava se tornando um país maravilhoso. Nos vidros dos
carros, os adesivos diziam: “Brasil - Ame-o ou Deixe-o!” É como se os perseguidos
políticos foragidos tivessem se exilado por antipatriotismo. Um pontapé na verdade.

Claro que essa euforia toda no começo dos anos 70 não vinha só das vitórias
esportivas e da máquina de propaganda do governo. Em realidade, o país vivia a
excitação de um crescimento econômico espetacular. Era o tempo do “milagre
econômico”.

Governo General Emílio Garrastazu Médici (1969 – 1974)

"A plenitude do regime democrático é uma aspiração nacional. . . "

PRESIDENTE MÉDICI

Costa e Silva não teve muito tempo para se alegrar com os efeitos do AI-5. um
derrame o matou, em agosto de 1969. O povo não teve tempo de se alegrar; uma Junta
Militar, comandada pelo general Lyra Tavares, assumiu o governo até se nomear o novo
general-presidente. 0 vice de Costa e Silva, o civil Pedro Aleixo (ex-UDN), não tinha
apoiado totalmente o AI5 e por isso fora jogado para escanteio. No mesmo ano, ocorreu a
Emenda Constitucional nº 1, que alguns juristas consideram quase como uma nova
Constituição. Ela legalizou o arbítrio e os poderes totalitários da ditadura. Todas aquelas
medidas arbitrárias tipo AI-5 e 477 foram incorporadas à Constituição. Além disso, ela
estabeleceu que o presidente podia baixar medidas (decretos-leis) que valeriam
imediatamente. 0 Congresso disporia de 60 dias para examinar o decreto. O Congresso
tinha 60 dias para votar a aprovação. Se depois desse prazo não tivesse havido votação
(o Congresso poderia, por exemplo, estar fechado pelo AI-5, ou com número insuficiente
de membros comparecendo às sessões), ele seria automaticamente aprovado por
decurso de prazo.

Dias depois, era indicado o novo chefe supremo do país. O novo presidente era o
general Emílio Garrastazu Médici. Seu governo teve dois pontos de destaque: o
extermínio da guerrilha e o crescimento econômico espetacular (o “milagre”).

Nenhuma época do regime militar foi tão repressora e brutal, Nunca se torturou e
assassinou tanto. Nos porões do regime, as pessoas tinham suas vidas postas na marca
do pênalti. E assim os órgãos de re-pressão marcaram gols, liquidando guerrilheiros como
Marighella (4/11/69), Mário Alves (16/11/70) e Lamarca (17/09/71).

Na economia, o ministro Delfim Netto comandou o milagre econômico. A


produção crescia e se modernizava num ritmo espetacular. A inflação, dentro dos padrões
brasileiros, até que era moderada, lá na casa dos vinte e tantos por cento. Construía-se
com euforia. Obras, como a ponte Rio-Niterói, a rodovia Transamazônica, a refinaria de
Paulínia e a instalação da tevê em cores (1972), pareciam mostrar que a prosperidade
seria eterna. A classe média comprava ações na Bolsa de Valores e imaginava se tornar
grande capitalista.

Para acelerar o crescimento, ampliaram-se as empresas estatais ou criaram-se


novas, principalmente na produção de aço, petróleo, eletricidade, estradas, mineração e
telecomunicações. Os nomes delas você já ouviu falar: Petrobrás, Eletrobrás, Telebrás,
Correios, Vale do Rio Doce, Companhia Siderúrgica Nacional, Usiminas e tantos outros.

Crescimento e modernização que não beneficiavam as classes trabalhadoras.


Pelo contrário, quanto mais o país crescia, tanto mais piorava a vida do povo. Em 1969,
por exemplo, o salário mínimo só valia 42% do que representava em 1959, Em 1974, isso
desceu para 36%.

Os ricos foram ficando cada vez mais ricos e os pobres, cada vez mais pobres, A
ditadura foi uma espécie de Robin Hood às avessas.

Essa distribuição de renda ao contrário era facilitada pelo fato de que não havia
nenhuma greve, nem sindicato independente, nem a oposição no Congresso tinha
margem de manobra. Era uma ditadura que fazia uma coisa incrível: o país crescia como
poucos no mundo e quanto mais riquezas eram produzidas, mais difícil ficava a vida dos
trabalhadores.

E a Rede Globo, principal aliada da Ditadura, sempre lembrando ao povo


miserável que "está tudo bem"...

Até nos países mais pobres da África, a mortalidade infantil diminuía. Nas
grandes cidades brasileiras ela crescia, Quanto mais a renda per capita do Brasil
aumentava, mais as crianças pobres morriam porque comiam pouco, não eram
vacinadas, não tinham médico, De repente, houve uma epidemia de meningite, Doença
que pode matar, É preciso que os pais estejam alerta. O que fez a ditadura? Proibiu que
os jornais divulgassem qualquer notícia a respeito. O povo tinha de ser enganado pela
imagem de que no Brasil a saúde pública estava sob controle, o que veio em seguida era
previsível: os pais, sem saber do surto da doença, não davam muita importância para
aquela febrezinha do filho, Achavam que era só uma gripe, Não levavam para o posto de
saúde, Até que a criança morria, A meningite mataria milhares de meninos e meninas no
Brasil, numa das mais terríveis epidemias do século, Só esse caso já mostra o quanto a
ditadura era absurda, não é mesmo?

O ministro Delfim Netto dizia que era para o povo ter paciência: “temos de esperar
o bolo crescer para depois distribuir os pedaços”. E até hoje o povão está esperando sua
fatia. Pois é, na cara-de-pau, o general-presidente Médici dizia: “A economia vai bem, só
o povo é que vai mal.” Viu? Uma coisinha à toa é que ia mal, um trocinho assim, sem
importância, uma poeirinha desprezível chamada povo...

Grande parte da classe média até que gostava daquilo tudo. Afinal, a ditadura,
além de modernizar a indústria de base, estimulou a de bens de consumo duráveis.
Maravilha das maravilhas: a família de classe média se realizava existencialmente
comprando tevê em cores (desde 1972), aparelhagens de som, automóveis,
eletrodomésticos. E até a classe operária foi arrastada nesse processo de crença na
ascensão social baseada na aquisição do radinho de pilha ou do tênis maneiro,

A megalomania planejava as obras estatais, Assim como os cabelos eram


compridos e as barras das cabas eram “boca-de-sino”, as obras eram gigantescas, o
governo fazia estádios de futebol em tudo quanto era canto, mas as escolas caíam aos
pedaços, A rodovia Transamazônica, importante para iniciar a colonização da Amazônia,
não incluiu nenhum projeto de proteção ao meio-ambiente, aos índios, aos camponeses e
aos garimpeiros. A ponte Rio-Niterói (1974) foi realmente funda mental para ligar a
economia do Nordeste do país ao Sudeste industrial (RJ e SP), mas ela custou uma
fortuna. Certamente teria sido mais barata se as contas tivessem sido controladas
democraticamente. Muita empresa construtora se deu bem fazendo essa obra
encomendada pelo governo, Aliás, em quase todas essas obras faraônicas (ou seja,
enormes, caras e quase inúteis, tal como as antigas pirâmides dos faraós do Egito) houve
esquemas para homens do governo e firmas de engenharia civil ganharem uma boa
grana por fora. Velha história: sem democracia a roubalheira rola solta porque não há
imprensa livre, Congresso independente.

Um tratamento especial foi dado às empresas multinacionais (estrangeiras). Elas


tiveram mais favores do governo do que as empresas nacionais! O que não é de se
espantar, pois grande parte dos homens do poder eram profundamente ligados aos
grupos estrangeiros e não hesitaram em usar sua influência. Analistas como Ricardo
Bueno e Moniz Bandeira chegaram a considerar os ministros Delfim Netto, Mário
Henrique Simonsen (que o presidente Collor queria para seu ministro), Golbery do Couto
e Silva, Roberto Campos e outros como “notórios entreguistas”, ou seja, responsáveis
conscientes pelo favorecimento escancarado do governo aos monopólios estrangeiros,

É claro que hoje em dia não se pode ter mais aquela visão de ódio total às
multinacionais. Afinal, com a internacionalização da economia, ou seja, a ligação
econômica direta entre quase todos os países e continentes, elas se tornaram peças
fundamentais da economia mundial. Inclusive, porque parecem realmente ser úteis
parceiras em alguns setores, já que nenhum país pode ter sozinho tecnologia e capital
para produzir tudo. Todavia, é sensato esclarecer alguns pontos: por que elas são as
responsáveis por grande parte da dívida externa brasileira? Será benéfico o governo pedir
dinheiro emprestado aos banqueiros internacionais para fazer obras gigantescas a favor
das multinacionais? Ou simplesmente para financiá-las? Será correto que elas mandem
para fora lucros de bilhões de dólares, em vez de aqui reinvestir? Será interessante o seu
poder de levar à falência as empresas nacionais, através de uma concorrência desleal?
Será que elas realmente nos transferem tecnologia ou só mandam pacotes prontos feitos
nos seus laboratórios? Será que elas não mandam dinheiro escondido "por debaixo do
pano"? Será que não interferem na nossa vida interna, combatendo governos que não
lhes interessam, mesmo se estes forem a favor do povo? Será saudável que produzam
aqui remédios e produtos químicos proibidos em seus países de origem? Por que será
que um operário da Volkswagen ou da Ford no Brasil faz o mesmo serviço, nos mesmos
ritmos e níveis de tecnologia, que operários dessas empresas na Alemanha ou nos EUA
e, no entanto, ganha tão menos? Tantas perguntas...

Bem, aí estava o “milagre econômico”: modernização, crescimento acelerado,


inflação moderada, facilidades para o investimento estrangeiro, e também ricos mais ricos
e pobres mais pobres e aumento da dívida externa. Você reparou que era um esquema
parecido com o que já havia no tempo de Juscelino Kubitschek? O desenvolvimento
espetacular das telecomunicações e da indústria de bens de consumo duráveis
(automóveis, eletrodomésticos, prédios de luxo e mansões financiados pelo BNH) eram
voltados principalmente para a classe média e superior. Milhões de brasileiros estavam
meia por fora desse mercado. Claro, portanto, que essa festa não iria durar muito. 0
modelo se esgotava e a crise chegava mais rápido do que o Émerson Fittipaldi.

Governo do General Ernesto Geisel ( 1974 – 1979 )

O novo general-presidente, Ernesto Geisel, assumiu o governo num momento


difícil da economia do Brasil e do mundo, Para alimentar o crescimento, ele pediu
emprestado aos banqueiros estrangeiros e tratou de emitir papel-moeda. A inflação
começou a aumentar e a engolir salários. Era o fim do “milagre econômico”. Agora, a
insatisfação crescia. Isso ficava claro com o aumento de votos do MDB. Geisel percebeu
que a ditadura estava chegando ao fim de sua vida útil. O jeito era acabar com o regime
mas manter as coisas sob controle. Com ele, começaria a “distensão lenta e gradual”.

O ano de 1973 assinalou o inicio de um choque na economia capitalista mundial.


Parecida com a de 1929, mas com efeitos bem menores para os países capitalistas
desenvolvidos, que empurraram a crise para cima do Terceiro Mundo. De certa forma, os
apertos econômicos dos países subdesenvolvidos, nos anos 90, foram continuação do
processo de 1973.

Tentaram botar a culpa nos árabes, porque eles aumentaram os preços do


petróleo: Conversa fiada. O aumento foi apenas a recuperação de preços, que vinham
caindo muito, desde os anos 50. Para você ter uma idéia, antes do aumento imposto pela
OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) em 1973, o preço do barril de
petróleo no mercado mundial era inferior ao do barril de água mineral! Claro que o
aumento dos preços pegou todo mundo de surpresa, aumentou os custos, cortou os
lucros, provocando inflação e desemprego. A crise do petróleo reforçou a crise geral do
capitalismo em 1973. Mas com certeza a crise não foi só energética. Afinal, países
exportadores de petróleo também entraram em crise!

O que aconteceu foi uma crise clássica de superprodução de mercadorias, tal


como ocorrera em 1929. Depois da Segunda Guerra, os EUA representavam metade da
produção econômica mundial. Mas nos anos seguintes a Europa Ocidental recuperou
plenamente sua economia. Surgiu também um grande competidor, o Japão. De repente, o
mercado mundial ficou apertado, não havia como continuar investindo capital nos
mesmos ritmos. As mercadorias começaram a ficar encalhadas e logo vieram as
falências, a inflação, a recessão.

Aqui no Brasil, o governo botava a culpa nos outros. Dizia que a crise era
mundial. Certo. Mas por que aqui ela era tão devastadora? Porque a política econômica
da ditadura nos tornava indefesos. O petróleo não representava nem 25% das nossas
importações em 1975. Além disso, não só aumentou nossa produção interna, como seus
preços internacionais cairiam nos anos 80. No entanto, a crise foi aumentando, ano após
ano. Uma coisa tão braba que o nosso jovem leitor com certeza viveu a maior parte de
sua vida sob o signo da crise econômica brasileira.

O que acontece é que o modelo econômico da ditadura era baseado no pequeno


mercado interno, representado pelos ricos e pela classe média. O país estava se
transformando na Belíndia, uma mistura da Bélgica com a Índia: uma quantidade razoável
de pessoas (classe média e superior) com padrão de consumo de país desenvolvido,
vivendo numa área com grandes centros industriais e financeiros, ou seja, a parte do
Brasil parecida com a Bélgica, e a gigantesca maioria (classe média baixa e classes
inferiores) com padrão de vida muito baixo, milhões vivendo tão miseravelmente como na
Índia. Tinha-se alcançado um estágio em que não dava para aumentar a produção, por
falta de consumidores aqui dentro. A Bélgica da Belíndia era pequena e a Índia da
Belíndia era cada vez maior. Como produzir mais automóveis se a maioria dos brasileiros
não tinha dinheiro para comprá-los?

Ficava claro que só havia um jeito de ampliar o mercado consumidor: distribuindo


renda. Para isso, seria preciso tocar em privilégios, mexer em interesses poderosos.
Então, o regime militar não faria nada disso.

O governo preferiu outro caminho. Para a economia não entrar em recessão, isto
é, para a economia não regredir, o Estado começou a tomar empréstimos externos para
financiar a produção. Supunham que a economia cresceria, que as exportaÇões se
tornariam espetaculares e que tudo isso daria condições de pagar a dívida externa. Só
que os banqueiros internacionais não são trouxas. Emprestaram dinheiro porque sabiam
que o Brasil teria de devolver muito mais em forma de juros. Se fizer mos as contas
direitinho no papel, vamos concluir que nos anos 70 e 80, o Brasil pagou, só de juros,
muito mais do que pediu emprestado! Ou seja, já pagamos tudo, continuamos pagando e
ficamos devendo mais ainda! A dívida externa funciona como uma bomba de sucção que
chupa os recursos da economia do Brasil. Aliás, o problema da dívida externa é comum
em todo o Terceiro Mundo. Segundo os dados insuspeitos do Banco Mundial, na década
de 80 foram drenados bilhões de dólares do Terceiro Mundo para o Primeiro. Ou seja, a
parte pobre, esfarrapada e faminta do planeta é que mandou dinheiro para a parte
milionária! Nos anos 90, é óbvio, esse esquema continua.

O mais triste é quando a gente constata que grande parte da dívida externa
brasileira foi contraída financiando a vinda de multinacionais, construindo obras
gigantescas só para favorecer empresas estrangeiras (estradas, hidrelétricas), sem falar
construções que o governo nunca terminou, deixando as máquinas e o material serem
destruídos pelo tempo.

Pois é, apertado, o governo precisava de mais dinheiro ainda. Para ele, é fácil. É
só fabricar, emitir papel-moeda. Aí, vem a inflação. Para evitar a inundação de dinheiro, o
governo criou mercados abertos (opens markets), vendendo títulos, ou seja, papéis
expedidos com a garantia do governo, que mais tarde poderiam ser resgatados (o
proprietário devolveria para o governo em troca de dinheiro) por um valor superior. A idéia
era "enxugar" o mercado, mas a medida deu a maior força para tudo quanto é tipo de
especulação financeira, quer dizer, os empresários manobravam para negociar esses
títulos com altos lucros. Eis aí um dos grandes problemas da economia brasileira a partir
dali: a especulação financeira. Ela é um ganho artificial, já que não envolve nenhum
investimento produtivo. No fundo, está transferindo riqueza da sociedade para o bolso de
alguns espertinhos.

A crise se manifestava com a queda da proporção dos lucros. Os empresários


não tinham conversa: buscaram lucrar na marra, botando os preços lá em cima. Ora, é
impossível que os empresários, como um todo, possam lucrar na base do simples
aumento de preços. Quando alguém aumenta os preços, o outro aumenta também para
compensar. Os trabalhadores querem salário maior só para compensar a perda com os
aumentos gerais de preços. Os empresários aumentam os salários e, em seguida, sobem
mais ainda os preços para reparar as perdas com a alfa de preços e salários. Vira um
círculo vicioso. Resultado: o dinheiro vai perdendo o valor. Espiral inflacionária. E o pior é
que geralmente os preços crescem mais rápido do que os salários. Portanto, quem mais
perde com a inflação são os trabalhadores. Pois a inflação veio a jato, mas os salários
andam a passo de cágado.

O general Ernesto Geisel era irmão do arquipoderoso general Orlando Geisel.


Família unida é ditadura unida. Sua presidência ocorreu dentro desse panorama de crise
econômica. Mesmo assim; Geisel se deu ao luxo de ter um ministro do Trabalho, Arnaldo
Prieto, cuja mansão em Brasília, segundo o Jornal do Brasil, consumia, mensalmente, 954
kg de carne e 432 kg de manteiga, Que coisa: uma tonelada de bifes por mês, como devia
ser gordo o ministro do Trabalho! Bem, com certeza os salários dos trabalhadores não
eram tão gordos.

No meio da crise de energia, o Brasil teve a sorte de descobrir petróleo na bacia


de Campos (RJ), em frente à cidade de Macaé. A Petrobrás pôde aumentar sua produção
espetacularmente. Mas Geisel tinha também outros planos para resolver o problema
energético: como não havia dinheiro no Brasil, a solução foi gastar mais dinheiro ainda. O
acordo nuclear Brasil-Alemanha custou uma fortuna de bilhões de dólares. Para fazer
usinas perigosíssimas num país onde 80% do potencial hidrelétrico ainda não foi
aproveitado. Incrível, não? A usina de Angra dos Reis (RJ) fica exatamente entre os dois
maiores centros industriais do país: São Paulo e Rio de Janeiro. Imagine se houvesse um
acidente nuclear!

Na verdade, a velha Doutrina de Segurança Nacional continuava ativa. Geisel


montou um acordo nuclear com a Alemanha porque acreditava que o Brasil precisava
aprender a dominar a tecnologia capaz de produzir, num futuro próximo, a bomba
atômica. Na mesma época, a Argentina, que vivia uma ditadura militar desde 1976,
também sonhava com cogumelos nucleares. Guerra: coisa de gente que andou tomando
uns cogumelos não exatamente nucleares, não é verdade?

No mesmo ano (1975), teve início o Projeto Pró-álcool. A idéia era substituir a
gasolina pelo álcool combustível. Os usineiros se alegraram. As plantações de cana-de-
açúcar foram ocupando tudo quanto é lugar, expulsando os camponeses moradores,
acabando com as plantações de alimentos (tornando a comida mais cara) e despejando o
poluente vinhoto nos rios. Nos anos 80, com a queda do preço mundial de petróleo, o
Brasil ficou com uma enorme frota de carros movidos a um combustível caríssimo. Já em
1990, querendo melhores preços, os usineiros '`sumiriam" com o álcool. Na verdade, o
álcool se revelou um combustível muito mais caro do que a gasolina (no posto, o álcool é
mais barato porque é subsidiado, ou seja, o governo paga uma parte da conta. Mas onde
arruma dinheiro para fazer essa caridade? Cobrando mais alto pela gasolina. Trocando
em miúdos: quem tem carro a gasolina está ajudando a encher o tanque de quem tem
carro a álcool). O que se viu nesses anos todos foi o governo emprestando milhões de
dólares aos usineiros do Nordeste, do Rio de Janeiro e de São Paulo e depois perdoando
as dívidas porque não suporta mais a choradeira dos produtores de álcool e açúcar.
Enquanto isso, os cortadores de cana continuam passando fome.

Ora, por que não estimularam o transporte ferroviário e o fluvial, bem mais
baratos, podendo, em alguns casos, usar energia elétrica? Não foi incompetência. Na
verdade, desde Juscelino que uma das espinhas dorsais de nossa indústria é fabricação
de automóveis e caminhões. As pressões das multinacionais desse setor forçaram o
governo a abandonar outras opões de transporte. As estradas de ferro, tão importantes
nos países desenvolvidos, foram relegadas a segundo plano pelo governo e as estatais
deste setor tiveram seus recursos cortados.

O II PND (Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento) - o I PND foi no governo


Médici, sob a batuta do ministro Delfim Netto -, comandado pelo ministro da Fazenda,
Mário Henrique Simonsen, e pelo do Planejamento, Reis Velloso, tinha como objetivo
começar a substituir as importações de bens de capital (indústria de base). Para isso, o
BNDE concedeu créditos generosos a empresas privadas do setor, mas principalmente as
empresas estatais tiveram grande crescimento, especialmente a Eletrobrás (que comprou
a multinacional Light and Power e levou adiante a construção da maior usina hidrelétrica
do mundo, Itaipu, na fronteira com o Paraguai), a Embratel (telefones, satélites de
comunicações, televisão etc.), a Petrobrás e as estatais de aço. Tudo isso alimentado por
uma dívida externa que aumentava sem parar. Em breve, os banqueiros viriam cobrar a
dívida e os juros. Aí, a economia sentiria a fona de sucção dos interesses internacionais.

“Distensão ‘lenta, gradual e segura’ rumo à democracia”

Os resultados dos problemas econômicos foi que nas eleições para deputado
federal e estadual e para o Senado, em 1974 e 1978, o MDB teve ótima votação. Um
aviso claro para o pessoal da ditadura se mancar. O povo estava dizendo não ao regime.

No Alto Comando Militar, as divisões políticas se acentuaram. Uns achavam que


a ditadura deveria ir afrouxando, acabando de modo lento e controlado. Talvez, para os
ditadores saírem discretamente pelos fundos, sem ninguém correr atrás deles. Esses
generais moderados e favoráveis ao gradual retorno à normalidade democrática eram
chamados de castelistas, porque se sentiam continuadores de Castello Branco. Era o
caso do próprio Geisel e do presidente seguinte, Figueiredo. Outros militares defendiam a
“linha dura” - alguns desses eram civis -, e queriam apertar mais ainda. Costa e Silva e
Médici, por exemplo, tinham sido de linha dura. Começou então um combate nos
bastidores, entre os militares castelistas e os linha dura. E os linha dura bem que
pegaram pesado.

Em outubro de 1975, o jornalista Vladimir Herzog, diretor de telejornalismo da TV


Cultura de São Paulo, foi chamado para um interrogatório num quartel do Exército, sede
do DOI-CODI. Lá ficou, preso e incomunicável. Dias depois, a família recebeu a notícia de
que ele havia “se suicidado”. Com um detalhe: teria de ser enterrado em um caixão
lacrado, para que ninguém pudesse ver o estado do cadáver. Suicídio mesmo ou o corpo
estava arrebentado pela tortura? No ano seguinte, o operário Manoel Fiel Filho sofreu o
mesmo destino. A farsa era evidente: é óbvio que ambos tinham sido mortos por
espancamento. Em homenagem a Herzog, o cardeal de São Paulo, D. Paulo Evaristo
Arns, junto ao pastor James Wright e ao rabino Henri Sobel, dirigiu um culto religioso
ecumênico (reunindo as religiões) em frente à catedral da Sé. Havia milhares de pessoas
nesta que foi a primeira manifestação de massa desde 1968. Mostra clara de que a
sociedade civil estava voltando para as ruas para protestar contra o arbítrio.

Indiretamente, Geisel reconheceu o crime. Não prendeu ninguém, mas exonerou


o comandante do II Exército, responsável pelos acontecimentos. Deixava claro que não
admitiria os atos violentos da linha dura. Em 1978, o Poder Judiciário daria ganho de
causa à família de Herzog, botando a culpa na União. Sinal dos tempos.

Claro que a esquerda não podia dar bobeira. A ditadura ainda existia. Um trágico
exemplo disso foi o massacre da Lapa, quando agentes do Exército invadiram uma casa
nesse bairro da capital paulista, em 1976, onde se realizava uma reunião secreta de
dirigentes do PC do B. As pessoas nem puderam esboçar reação: foram exterminadas ali
mesmo, covardemente.

Apesar disso, Geisel apostava na distensão lenta e gradual. Para isso, teve de
usar a habilidade para derrubar seus opositores de linha dura. A balança pendeu para o
seu lado quando ele, num gesto fulminante, exonerou o general Sílvio Frota (1977),
ministro do Exército, tido como de extrema direita e ligado à tortura.

A partir daí, a dureza do regime começou a diminuir bem devagar. Alguns


militares eram favoráveis à distensão política porque realmente estavam imbuídos de
convicções democráticas. Outros, não tão liberais, avaliavam que as Forças Armadas
estavam começando a se desgastar ao se manter num governo que enfrentava uma crise
econômica violenta. Geisel, portanto, tinha um plano claro: distensão lenta e gradual. Ou
seja, abrir o regime bem devagarzinho e sem perder o comando sobre ele.

Dentro deste espírito de distensão controlada, Geisel buscou evitar as vitórias


eleitorais do MDB. Para isso, mudou as regras das eleições. Seu ministro da Justiça,
Armando Falcão, famoso pela inteligente proibição da transmissão, pela tevê, do balé
Bolshoi de Moscou (bailarinos são presa fácil do comunismo?), inventou a tal Lei Falcão
(1976), que dizia que a propaganda política na tevê só podia exibir uma foto 3X4 do
candidato e seu currículo, lido por um locutor. Nada de um candidato do MDB aparecer na
telinha ou no rádio para criticar o governo e fazer propostas novas.

O natal de 1977 foi antecipado: Geisel fechou o Congresso e deu um presentinho


para os brasileiros, o Pacotão de Abril. Lindas surpresas. Para começar, a cada eleição a
Arena perdia mais deputados para o MDB. Em breve, o partido do governo não teria os
2/3 do Congresso necessários para mudar alguma coisa da Constituição. Então, o
Pacotão determinava que a Constituição agora poderia ser modificada com apenas 50%
dos votos dos congressistas mais um. Assim, a Arena (ainda maioria) garantia seu poder
constitucional. No senado, o MDB também ameaçava. Resultado: o Pacotão determinou
que um terço dos senadores passariam a ser biônicos, ou seja, escolhidos indiretamente
pelas Assembléias Legislativas de cada Estado. Em outras palavras, a Arena já tinha
garantido quase 1/3 do senado, os outros 2/3 seriam disputados com o MDB nas eleições
normais, o Pacotão também alterou o quociente eleitoral, de modo que os estados do
Nordeste, onde a população rural ainda era dominada pelos currais eleitorais, e portanto
votava com a Arena, tivessem assegurado o direito de eleger um número maior de
deputados para o Congresso. No sertão nordestino, chuva mesmo, só de deputados da
Arena. O Pacotão fazia das eleições um jogo de futebol em que o dono da bola joga de
um lado e, ao mesmo tempo, é juiz.

Em 1978 foi decretado o fim do AI-5, o que mostrava alguma boa vontade de
Geisel com a distensão política, Mas antes de ele acabar com o ato arbitrário, usou o AI-5
para cassar diversos opositores. Mais ou menos como o pistoleiro que mata todo mundo e
que, depois de acabarem as balas, resolve se arrepender do que fez. A garantia disso.
tudo era a Lei de Segurança Nacional (LSN) que continuava sendo mantida.

Em política exterior, o Brasil baseou-se no chamado pragmatismo responsável:


restabeleceu relações com países comunistas como a China, porque isso trazia vantagem
comercial e diplomática. Em 1975, na África, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo
Verde deixaram de ser colônias de Portugal. No poder, partidos de orientação marxista,
apoiados por Cuba e URSS. Acontecia que o governo militar ainda seguia a visão da
Doutrina de Segurança Nacional que sonhava em transformar o Brasil na grande potência
que dominaria a América do Sul e o Sul da África. Por isso, o Brasil não teve conversa e
apoiou os governos de esquerda em Angola e Moçambique, inclusive contrariando a
vontade do governo racista da África do Sul e dos EUA. Na verdade, os EUA, do
presidente Carter, andaram pressionando o governo militar brasileiro por causa da
violação de direitos humanos (incluindo tortura e execução de presos políticos). Coisa de
americanos: apoiaram o golpe de 64, depois mudaram de governo e passaram a criticar.
Diante disso, e de olho no acordo nuclear Brasil – Alemanha, Geisel acabou rompendo
um acordo militar Brasil-EUA. Isso mostra uma coisa muito importante: apesar de o
regime militar brasileiro ter sido apoiado pelos EUA, isso não quer dizer que o Brasil
sempre tivesse seguido os americanos. Não foram eles que impuseram o regime aqui. A
explicação básica do que acontece no Brasil tem de ser buscada aqui mesmo, nas nossas
estruturas, nas nossas contradições internas, Culpar o imperialismo por tudo é cômodo e
superficial.

No final do seu governo, Geisel passou o bastão para o general Figueiredo. A


crise continuava e as pressões populares pelas mudanças, também.

A luta pela redemocratização

“Apesar de você, amanhã há de ser outro dia" - Chico Buarque de Hollanda

No final da década de 70, na passagem do governo Geisel para o de Figueiredo,


estava ficando claro que a ditadura estava acabando. A palavra da moda era abertura,
especialmente abertura política. Vimos que os generais castelistas, como Geisel e
Figueiredo, eram favoráveis à abertura política. Mas seria um grave erro atribuir o fim do
regime à boa vontade democrática dos militares.

Na verdade, a ditadura estava afundando. Para começar, a crise econômica:


inflação, diminuição do crescimento econômico, aumento da pobreza. Foi só Geisel
abrandar a censura para que os escândalos de corrupção no governo começassem a
pipocar. Tudo isso tirava a confiança da população no governo. Bastava ter eleição e
pimba, o MDB ganhava mais votos do que a Arena. No começo do regime, castrado pelas
cassações, o MDB era uma presença tímida. Praticamente só havia Arena no Brasil, Aos
poucos, entretanto, o MDB foi ampliando sua capacidade de fustigar a ditadura, Nele
havia desde liberais até comunistas, todos unidos com um propósito básico: acabar com o
regime militar, restaurar a democracia no Brasil.

Portanto, ao contrário do que disse a propaganda oficial, a tal abertura política


não foi resultado simplesmente da boa vontade do governo. Foi o recuo de um regime
acossado pela crise e atacado por um povo que se organizava.

Em nenhum momento do regime a oposição democrática se calou. Todavia, a


partir de 1975, essa oposição atuava de outro jeito. Não eram mais estudantes jogando
pedras para enfrentar a polícia, como nas memoráveis passeatas de 1968, nem eram
meia dúzia de guerrilheiros cutucando a onça blindada com vara curta. Agora, a luta
contra o regime ainda tinha o mesmo ardor, o mesmo idealismo, só que com maturidade,
com substância. O segredo era a mobilização da sociedade civil.

Sociedade civil não é o contrário de sociedade militar. A sociedade civil se opõe


ao Estado. Quem faz parte do Estado? Os políticos, os juízes e tribunais, a administração
pública, a polícia, o Exército etc. As instituições da sociedade civil são organizações como
sindicatos, associações de moradores, grupos feministas, igrejas, comitês de defesa de
direitos humanos, sociedades ecológicas e culturais etc.

Para começar, a Igreja Católica passava por um processo de grandes mudanças.


Em 1964, ela jogou água benta nos tanques. Agora, crescia a consciência de que ser
cristão era ser também contra o pecado da opressão social, contra o pecado de nada
fazer diante da injustiça social; ser solidário com os pobres; lutar por um mundo mais
justo. Não tinha mais essa de que “Deus quis que os pobres fossem submissos”. Era a
Teologia da Libertação. A visita do papa João Paulo II ao Brasil, em 1980, foi interpretada
como uma força para esse tipo de atitude de engajamento social dos católicos. Enquanto
apoiou o regime, a Igreja foi elogiada. Bastou que uma parte dela (o chamado clero
progressista) se voltasse contra as barbaridades do nosso capitalismo selvagem, para
que logo a acusassem de “fazer politicagem”. Grandes figuras, como D. Hélder Câmara,
D. Evaristo Arns e D. Pedro Casaldáliga, frei Betto e frei Leonardo Boff, defenderam os
direitos humanos, denunciaram as injustiças sociais, exigiram que o governo mudasse
suas atitudes. Organizada nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), a população
católica ia se conscientizando. Descobria-se que o Evangelho não era uma mensagem
para manter escravos, mas justamente o contrário, uma boa-nova de libertação, de
libertação de toda a opressão, incluindo a opressão social. O homem deve ganhar o pão
com o suor do seu rosto e, portanto, para que todos os que produzem o pão possam ter
um pedaço justo desse pão, é preciso suar o rosto para transformar a sociedade no
sentido da justiça cristã. E a justiça cristã não é apenas a da caridade, mas a do respeito
aos direitos de todos. Não estamos fazendo propaganda da Teologia da Libertação, mas
exprimindo algumas de suas idéias. Essa novidade seria importantíssima para
compreender o Brasil contemporâneo: nos anos 80, diversos movimentos de operários e
camponeses ergueram sua voz para exigir direitos. Um estudo de suas origens revelará
que muitos deles nasceram das CPT (Comissões Pastorais da Terra) e das CEBs
católicas.

O próprio movimento estudantil universitário renascia. Nas principais


universidades do Brasil, o pessoal reorganizava as entidades representativas (Centros
Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos, Diretórios Centrais dos Estudantes). Esta geração
do final dos anos 70 e começo dos 80 mostraria que a política ainda corria no sangue dos
estudantes. Mas as coisas não eram fáceis. As faculdades ainda estavam cheias de
agentes secretos do SNI infiltrados. E a tentativa de refazer a UNE, através de um
encontro de estudantes na PUC-SP em 1977, foi desfeita com brutalidade pela polícia,
que bateu tanto que uma menina ficou cega. Mesmo assim, em 1979, num Congresso
emocionante na bela Salvador, a UNE estava recriada.

Entidades como a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), a


OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) - esta sob a liderança do dr. Raymundo Faoro - e
intelectuais de prestígio se manifestavam contra o regime. A imprensa alternativa,
representada pelos jornais O Pasquim, Movimento e Opinião, não descansava. A censura
tinha sido abrandada no final do governo Geisel e, portanto, já havia um espaço para falar
de coisas novas na política. Cada número novo de um desses jornais era lido com
voracidade.

Em 1975, foi criado o MFA (Movimento Feminino pela Anistia), para que os
presos políticos fossem soltos, os exilados pudessem voltar à pátria e os cassados
recebessem justiça. Em 1978, foi criado o CBA (Comitê Brasileiro pela Anistia). 0 Brasil
inteiro repudiava a tortura e a arbitrariedade. A saudosa Elis Regina emocionaria o país
cantando o hino da anistia; O Bêbado e o Equilibrista. Outros cantores populares, como
Chico Buarque e Milton Nascimento, compunham músicas com críticas sutis ao regime
militar.

Como você vê, a oposição estava articulada: jornalistas, MDB, estudantes, Igreja
Católica, intelectuais, movimento pela anistia. Mas as coisas não seriam tão fáceis assim.

A extrema direita respondeu com fogo. D. Adriano Hipólito, bispo de Nova Iguaçu
(Rio de Janeiro), foi seqüestrado e espancado. Bombas explodiram na ABI (Associação
Brasileira de Imprensa), e na Editora Civilização Brasileira. No mesmo ano (1976), o DOI-
CODI invadiu a tal casa na Lapa e massacrou os ocupantes, todos da direção do PC do
B, como já foi dito. Assim, as forças retrógradas deixavam claro que não aceitariam
qualquer avanço democrático.

A situação ficou tensa. As forças democráticas avançavam, mas a direita


replicava: 0 governo, irritado, se confundia, reprimia, vacilava. Era o impasse. Para onde
iria o Brasil? A extrema direita teria mesmo o poder de barrar o povo? Quem decidiria o
nosso futuro?

Os dias de medo pareciam eternos. Apesar de toda a articulação da sociedade, o


regime autoritário dava a impressão de ser capaz de resistir por muito tempo. Seria uma
muralha indestrutível? A violência talvez não terminasse nunca. Quem teria a capacidade
de mudar a correlação de forças? Quem seria capaz de abalar decisivamente o regime?
Haveria algum movimento social capaz de provocar a virada decisiva? As pessoas se
entreolhavam angustiadas; e agora?
Leituras indispensáveis para compreender bem o período:

1968: o Ano Que Não Terminou - Zuenir Ventura

O Golpe de 64 e a Ditadura Militar - JULIO JOSE CHIAVENATO

Nasce o Partido dos Trabalhadores

Saab-Scania, multinacional sueca de salários brasileiros localizada em São


Bernardo do Campo (São Paulo). São 7 horas da manhã. 13 de maio de 1978, sexta-feira.
Os diretores e executivos observam e não acreditam no que vêem: os operários estão ali,
bateram cartão de ponto, mas nada funciona. Braços cruzados, máquinas paradas. E sem
o peão, nada existe. A greve. Apesar da rígida proibição da ditadura, os trabalhadores
pararam. E dali se espalharam e paralisaram o cinturão industrial do ABC Paulista.

Foi uma loucura. Todo mundo ficou perplexo. Desde o governo até a esquerda
tradicional, incapazes de aceitar que a classe trabalhadora pudesse, por conta própria,
resolver seus problemas.

Na liderança, uma nova cabeça no país, que não estava ligada a nenhum partido,
a nenhum grupelho de esquerda: Luís Inácio Lula da Silva, o Lula, presidente do Sindicato
dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Filho de miseráveis camponeses
nordestinos que emigraram para São Paulo, Lula trabalhava desde criança. Bom operário,
torneiro-mecânico, perdeu o dedo num acidente de trabalho tão comum no Brasil. Na
adolescência, não ligava muito para política nem para sindicato. Queria mesmo era jogar
bola e namorar. Amadureceu, começou a tomar consciência das coisas e entrou para o
sindicato, até ser eleito presidente. Assim, iria se tornar o mais influente líder sindical
operário de toda a história do Brasil.

Depois do susto da greve de 1978, o governo respondeu. Na greve de 1979, o


presidente já era Figueiredo. O sindicato de São Bernardo sofreu intervenção. A polícia
federal ocupou a sede. E quem precisava do prédio? Nas assembléias, compareciam
dezenas de milhares de metalúrgicos.

O Brasil inteiro explodiu em greves. Todo mundo queria de volta o que a inflação
tinha levado para os patrões. Categorias que antes de 1964 jamais teriam organizado um
movimento (afinal, eram de "classe média"), como professores, médicos e engenheiros,
descobriram a necessidade de também participar do sindicalismo combativo.

A ditadura reprimia sem dó. O operário Santo Dias, ativista sindical, foi
assassinado pela PM na rua. Era preciso deixar claro que novas rebeldias não seriam
toleradas. A fábrica da Fiat (Minas Gerais) foi invadida pela PM com cães amestrados. Os
trabalhadores deviam se calar!

Pois não se intimidaram. Contra os abusos dos patrões, novas greves no ABC,
em 1980. A ditadura mostrava, mais uma vez, que estava sempre do lado da burguesia.
Uma operação de guerra foi montada. Guerra contra trabalhadores desarmados.
O comandante do II Exército planejou as ações bélicas. Mobilizaram-se homens, armas,
recursos. A polícia federal chefiada pelo dr. Romeu Tuma, o DOPS e o DOI-CODI
prenderam Lula e mais 15 dirigentes sindicais. Ficaram incomunicáveis.

Esperavam que, prendendo a liderança, acabariam as greves. Engano. Esse era


um novo sindicalismo. Organizado pela base, sem chefes supremos a decidir tudo. Cada
peão era um responsável. A hidra de 250 mil cabeças.

A greve continuava. Proibida pelo governo, decretada ilegal pelo Tribunal do


Trabalho. Mais prisões de políticos, advogados e sindicalistas. A televisão só entrevistava
ministro, patrão, policial e pelego, para dar a impressão de que o Brasil era contra. Mas o
povo colhia donativos nas ruas para ajudar as famílias dos operários. Provocadores da
polícia destruíram lojas, para criar a fama de que greve é baderna. Jornalistas os
fotografaram e desmascararam a armação.

O Exército deu, então, o ultimato. As ruas de São Bernardo do Campo foram


ocupadas por blindados, soldados de fuzis automáticos, ninhos de metralhadoras.
Helicópteros equipados com bombas patrulhavam a cidade. Estava terminantemente
proibido fazer assembléia operária.

Pois uma multidão de 120 mil pessoas desafiou o poder. Cabeças erguidas, fona
da verdade no coração. Massacrá-los seria dar início a uma guerra civil.

No dia seguinte, não havia mais soldados em São Bernardo. A luta da classe
operária havia derrotado a ditadura.

General João Batista Figueiredo ( 1979 – 1985 )

O general João Batista Figueiredo foi o nosso presidente eqüestre. Ex-chefe do


SNI, declarou que “preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo” . Infelizmente, no
Brasil o povo podia escolher o desodorante, mas não o presidente.

O regime deveria ser condecorado com uma ferradura. A inflação veio ã galope,
dando coices nos salários. O ministro Delfim Netto, o “gordinho sinistro” achava que
“primeiro o bolo deveria crescer, para depois ser dividido”. Pois aí está a grande
empulhação da ditadura: o Brasil teve um grande crescimento econômico e sua renda per
capita ficou bem maior. Mas o bolo foi comido pelos ricos.

Segundo o IBGE, em 1980 aos 5% mais ricos cabiam 37,9% do total da renda do
país, e aos 50% mais pobres sobravam 12,6%. Portanto, a fatia a ser partilhada pelos 5%
mais ricos era três vezes maior que a fatiazinha que ainda tinha de ser rachada entre a
multidão dos 50% mais famintos! Êta festazinha de aniversário safada: isso tinha de dar
bolo!

Através da inflação, os salários eram comidos pelos patrões. Não satisfeito, o


governo Figueiredo inventou várias leis que deveriam proibir aumentos salariais para
compensar ã inflação. Mas os tempos eram outros e o Congresso Nacional barrou as
medidas.

A dívida externa alcançou cifras absurdas: quase 100 bilhões de dólares. Ora, ela
fez com que o Brasil tivesse de pagar, todos os anos, vários bilhões de dólares aos
banqueiros internacionais que tinham financiado o país. O resultado é que pagamos os
tais 100 bilhões, mas continuamos devendo ã mesma quantia! E continuamos tendo de
pagar! Uma verdadeira bomba de sucção na economia.

A partir de 1982, o país começou a negociar com o FMI (Fundo Monetário


Internacional), para ajudar no pagamento da dívida externa. O FMI, como sempre, fez
exigências cruéis: o Brasil deveria reduzir os salários, cortar os gastos públicos (menos
dinheiro para as escolas e universidades, para os hospitais, para investir na economia),
aceitar que a economia parasse de crescer. Tudo isso em nome da estabilização
econômica. Para a oposição, recorrer ao FMI era botar a economia do Brasil nas mãos do
capitalismo internacional.

Na verdade, o regime militar tinha simplesmente desgraçado nossa economia. O


crescimento dos tempos do “milagre” era ilusório: um país não pode crescer por muito
tempo mantendo tanta injustiça social. Daí que em 1981 aconteceu, pela primeira vez
desde os anos da crise de 1929, o crescimento negativo da economia do país. O Brasil
tinha ficado mais pobre ainda. Era a terrível estagflação, mistura de estagnação
econômica (tudo parando) com inflação .

Figueiredo gostava de dizer que “jurou fazer deste país uma democracia”.
(Engraçado, antes não era?) Mas sua abertura foi uma mistura de oportunismo com
recuo. É bem verdade que a censura abrandou, embora fosse mais fácil publicar revistas
pornôs do que jornaizinhos de esquerda. Realmente, Figueiredo era tolerante com as
manifestações democráticas. Não foi à toa que os generais linha-dura nunca o perdoaram
e até hoje o xingam de “traidor do regime”. Ponto favorável para ele no julgamento da
história. Mas não se deve esquecer o lado repressor do governo Figueiredo: reprimiu
greves; prendeu militantes do PCB e do PC do B; expulsou padres estrangeiros que
colaboravam com a luta camponesa pela reforma agrária; impôs novidades nas regras
eleitorais, para favorecer o governo; fez com que mudanças na Constituição só
ocorressem com aprovação de dois temos do Congresso; enquadrou estudantes na LSN.

A extrema direita, que nunca foi reprimida, continuou fazendo das suas: um
atentado terrorista à secretária da OAB (1980) . No ano seguinte, durante um show de
MPB comemorando o dia 1º de maio, várias bombas foram instaladas no Riocentro (Rio
de Janeiro). Se explodissem, podemos imaginar quantos morreriam. Só uma delas
estourou, no colo de um sargento do Exército que estava num carro estacionado por lá.
Ele ao lado de um capitão. O que faziam ali? O inquérito policial-militar concluiu que
ambos foram "vítimas". Para muita gente, porém, tinha sido um frustrado atentado de
extrema direita. Os dois morreram de acidente de trabalho...

A anistia veio em 1979. Mas não foi "ampla, geral e irrestrita". O pior é que os
torturadores também foram anistiados, sem jamais terem sentado no banco dos réus. De
qualquer modo, ela permitiu o retorno dos exilados e a libertação dos presos políticos. Os
reencontros no aeroporto e na saída da cadeia emocionaram uma geração que havia
sacrificado sua juventude por seu patriotismo.
Nova política partidária

O governo falava em abertura mas criava artifícios para manter o controle da


situação. Já dissemos que a ditadura militar tinha a participação ativa de muitos civis,
incluindo empresários, administradores e os políticos da Arena. Para dividir as oposições,
Figueiredo baixou a Nova Lei Orgânica dos Partidos (1979) que acabava com a divisão
Arena e MDB. Foi assim que nasceram cinco novos partidos políticos:

O PDS (Partido Democrático Social) era o novo nome da Arena. Representava os


políticos que apoiaram a ditadura. Portanto, tinha bem pouco de democrático e quase
nada de social. O líder era o senador José Sarney, do Maranhão.

O PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) herdava o antigo MDB.


Continuou sendo o grande partido da oposição, reunindo diversas correntes políticas,
incluindo conservadores moderados, liberais e até os comunistas (os PCs ainda estavam
proibidos de funcionar). O líder era o deputado Ulisses Guimarães, figura importante na
luta contra o regime militar.

O PDT (Partido Democrático Trabalhista) era chefiado por Leonel Brizola, que
tinha voltado do exílio. Naquela época, Brizola gozava de enorme prestígio como 0
homem contrário a tudo de ruim do regime militar. Ele quis refundar o antigo PTB mas
levou uma pernada da justiça. Propunha ser herdeiro do trabalhismo de Vargas e Jango,
misturado à social-democracia, que ele tinha aprendido a admirar na França, na
Alemanha e na Suécia (uma espécie de capitalismo reformado com medidas inspiradas
no socialismo).

O PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) não tinha nada a ver com o antigo PTB.
Pelo contrário, chegou a abrigar antigos udenistas e até algumas figuras da antiga Arena.
Ficou nas mãos da deputada Ivete Vargas e foi visto como uma criação ardilosa do
regime, uma espécie de filial camufla da do PDS.

O PT (Partido dos Trabalhadores) aparecia como o grande partido de esquerda


do Brasil. Na sua origem, o movimento operário organizado no ABC paulista, liderado por
Lula, mas também dirigentes sindicais de outras categorias operárias e até de setores
como o bancário, o de professores e de funcionários públicos. O PT também recebeu
apoio de setores da Igreja Católica (ligados à Teologia da Libertação), estudantes
universitários e intelectuais, reunindo desde marxistas a social-democratas.

Ainda houve um partido de existência efêmera, o PP (Partido Popular), que tinha


pouco de popular, já que sua liderança estava nas mãos de grandes banqueiros e
políticos tradicionais como Tancredo Neves. Mas como a lei eleitoral de 1982 obrigava a
votação de todos os candidatos (de vereador a governador) do mesmo partido, o PP
acabou se fundindo ao PMDB.

Em 1982, com as eleições diretas para governador restabelecidas, a oposição


obteve vitórias espetaculares: Franco Monturo (PMDB-SP), Leonel Brizola (PDT-RJ) e
Tancredo Neves (PMDB-MG), embora tenha perdido no Rio Grande do Sul.
As “Diretas-Já!”

O acontecimento final do governo do general Figueiredo foi a campanha pelas


Diretas Já, em 1984. Uma coisa maravilhosa, na qual praticamente o país inteiro tomou
parte, lutando pelo direito de votar para presidente. Nos últimos comícios, no Rio de
Janeiro e em São Paulo, reuniram-se milhões de pessoas. Foram as maiores
manifestações de massa da história do Brasil.

No dia em que a Emenda Dante de Oliveira, restabelecendo as diretas, foi votada


pela Câmara dos Deputados, Brasília ficou em estado de emergência. O general Newton
Cruz, a cavalo como um Napoleão desvairado, queria prender todo mundo vestido de
amarelo (símbolo da campanha) e chicoteava os carros que buzinavam a favor da
emenda. O pior aconteceu: apesar de os “sim” ganharem de 298 a 65, inclusive com
alguns votos do PDS, faltaram 22 votos para a vitória. Vários canalhas tinham votado
contra ou simplesmente não compareceram. Na verdade, uma batalha tinha sido perdida,
mas não a guerra. Ainda dava para botar o povo de novo na rua para protestar e exigir
uma nova votação. Mas a cúpula do PMDB já estava armando um acordo com políticos
descontentes do PDS. Praticamente só o PT, ainda pequeno, protestou contra a armação.
Pelas regras antigas que foram mantidas, o presidente seria eleito indiretamente pelo
Colégio Eleitoral. O Colégio Eleitoral, formado pelo Congresso e por deputados estaduais
(seis por cada Assembléia Estadual, do partido majoritário no respectivo estado), era uma
armação que sempre dava vitória ao governo. Acontece que o candidato oficial do PDS,
sr. Paulo Maluf, estava muito queimado. Sua ligação com a podridão do regime atraía o
ódio popular. Se ele fosse presidente seria uma decepção muito grande para o Brasil.

Muitos políticos do PDS perceberam que não dava para Maluf. Liderados pelo
senador José Sarney, eles formaram a Frente Liberal que, no Colégio Eleitoral, elegeu
Tancredo Neves presidente do Brasil (o vice era Sarney). Pouco depois, esse pessoal,
que saiu do PDS mas que mantinha as velhas idéias conservadoras, fundou o PFL
(Partido da Frente Liberal).

Tancredo Neves fez carreira no PSD junto das oligarquias mineiras. Foi ministro
da Justiça de Getúlio e esteve no MDB. Moderadíssimo, nunca tivera atritos graves com o
regime militar. Pois é, um político hábil, mas que nunca se ligou a nenhuma luta popular,
virou salvador da pátria. Talvez, porque tenha falecido antes de tomar posse. Assim, por
ironia da história, o presidente que poria fim ao regime militar seria o ex-líder do regime no
Senado: José Sarney, vice de Tancredo. A tragédia da história se repetia como farsa.

A “Nova” República

“O neoliberalismo reinterpreta o processo histórico de cada país: os vilões do


atraso econômico passam a ser os sindicatos, e junto com eles, as conquistas sociais...
Ao mesmo tempo, a direita, os conservadores, se reconvertem à modernidade na sua
versão neoliberal, via privatizações e um modelo de Estado mínimo.”

Emir Sader
“A doutrina neoliberal nunca foi implementada completamente por qualquer
governo.”

Perry Anderson

“Todo o político prático ou administrador que pensa que está agindo de acordo
com o senso comum, na verdade segue as idéias de algum economista maluco já
falecido.”

John Maynard KEYNES (1883-1946)

Para onde vamos?

“O Brasil está mudando” – esta frase foi muito ouvida na chamada “Nova
República”. De certo modo, expressava o que muitos brasileiros gostariam que
acontecesse. Mas será que o novo mais uma vez não vinha misturado com o velho?
Sarney e Collor se criaram no regime militar. Itamar e FHC vieram da oposição consentida
pela ditadura, nunca foram “opositores” de fato... Velho dilema brasileiro: mais se muda,
mais permanece a mesma coisa. Quando não piora muito, como tem acontecido nos
últimos desgovernos que temos tido...

Tancredo, Sarney, Indiana Collor, Itamar e FHC. Um novo Brasil com velhas
coisas. Inflação, miséria, violência, corrupção, desigualdade social, compadrio, práticas de
favor, políticos venais. Pouca coisa mudou de fato desde que as primeiras caravelas
lusitanas chegaram por aqui.

José Ribamar Sarney (1985 – 1990)

Ribamar Imortal

Da UDN para a Arena e depois para o PDS para, finalmente, virar (ó ironia da
história!) o presidente da Nova República. Sarney rabisca uns livros nas horas de folga, o
suficiente para que os puxa-sacos o fizessem imortal da Academia Brasileira de Letras. O
imortal que subsituiu o morto Tancredo. Nosso país, às vezes, é muito engraçado...

Último presidente da ditadura militar, já do período da “abertura”, acabou eleito


por uma tragédia (ou por uma farsa, ou por um “crime”, como querem alguns): os
micróbios do Hospital de Base de Brasília, que tiveram mais poder sobre os brasileiros
que o voto popular, levaram a vida do político conservador e confiável à ditadura
“Tancredo Neves” conduzindo à presidência da república ninguém menos que um
herdeiro do que o coronelismo nordestino mais tem de conservador, corrupto, fraco,
politicamente incompetente e, o que é pior, “continuísta”... Talvez este tenha sido o
principal motivo de ter feito um governo absolutamente desastroso!

O homem entrou na presidência “pela porta dos fundos”: era o vice de Tancredo.
Líder do PDS até a última hora, quando pulou para o PMDB, queria mostrar para o Brasil
que tinha se convertido à democracia. O problema é que seu governo era apoiado pelo
PMDB em aliança com um PFL cheio de gente que foi do PDS. Cada um deles exigindo
cargos. E Sarney usaria seu coração e o bolso do contribuinte para nomear todo mundo.

Com ele, tudo foi grande. Principalmente a incompetência administrativa. Foi


enorme também a inflação (que chegou perto dos 2.000% ao ano!), a dívida externa
subiu a mais de US$ 100 bilhões, os escândalos financeiros e as denúncias de corrupção
completam o quadro de suas realizações grandiosas, que acabaram granjeando-lhe uma
cadeira na Academia Brasileira de Letras.

No começo do governo, o imortal Sarney manteve a equipe do falecido Tancredo.


O ministro Francisco Dornelles (PFL) não fez muita coisa contra a inflação. Foi substituído
pelo político (PMDB) e empresário paulista Dílson Funaro. Estava criado o famoso Plano
Cruzado. Naquele fevereiro de 1986, o país foi assombrado com o cancelamento geral.
Nada podia aumentar, nem preços nem salários. Uma nova moeda, o cruzado, substituía
o desgastado cruzeiro. Pareciam ter descoberto a pólvora. No Brasil inteiro, uma onda de
histeria coletiva mobilizava donas de casa: com rolinhos na cabeça e listas de preços na
mão, elas eram as fiscais do Sarney. Um preço aumentado era suficiente para juntar uma
multidão na porta da loja até a chegada de policiais que levariam o vendedor sob a mira
de uma carabina 22.

A inflação, de repente, parecia não existir mais. Em todo o país, os cânticos de


louvor ao Plano Cruzado foram acompanhados de um dilúvio universal de votos a favor
do partido do casal Sarney-Funaro, o PMDB. Com exceção de Sergipe, todos os outros
21 estados elegeram governadores peemedebistas! Também nas eleições para o
Senado, das 49 cadeiras disputadas o PMDB conseguiu eleger 38, ou seja, perto de 78%.
Entre os senadores eleitos, Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas.

Graças ao Plano Cruzado, vitória eleitoral do PMDB. E sabe o que Sarney fez
logo após as eleições? Anunciou o Cruzado II, que descongelava os preços...

A população ficou boquiaberta. Boca aberta que não entrava comida, já que os
preços dispararam. Na verdade, o plano estava afundando havia algum tempo. Tinham-no
sustentado por causa das eleições. O governo não diminuíra os gastos públicos e
portanto precisava emitir para pagar as contas. Além disso, as grandes empresas de
comércio escondiam os produtos das prateleiras. Começou a faltar tudo. Bem, não era
exatamente uma falta. Bastava pagar o ágio (uma grana por fora, além do preço tabelado)
que a mercadoria aparecia atrás do balcão.

O resto você já sabe: liberando os preços, abriu a torneira, despejando uma


caudalosa inflação. Funaro pediu demissão. O novo ministro, Bresser Pereira, lançou o
Plano Bresser (abril de 87), que incluía um minicongelamento por três meses e
cancelamento de grandes obras públicas como a ferrovia Norte-Sul. Também manteve a
moratória da dívida externa, já anunciada por Funaro, isto é, o Brasil avisava aos credores
que só pagaria aos banqueiros quando pudesse. Mas esse negócio de congelamento só
botava a economia numa fria. As medidas tiveram pouco efeito: a inflação anual atingiu os
366%. Saiu Bresser, assumiu um novo ministro, Maílson da Nóbrega. O Plano Verão
(1989) propunha cortar os gastos públicos e segurar o consumo, para a inflação ficar
menor do que um biquíni. Mas o governo continuou gastando muito e emitindo papel-
moeda, ao mesmo tempo em que a queda de consumo provocava uma recessão violenta.
0 país mergulhava numa crise horrorosa, chegando a quase 1.800% ao ano! Era um
quadro de hiperinflação. Sempre minimizado pela propaganda governamental, mas
hiperinflação de fato.

Durante o governo Sarney, parecia que os tempos autoritários estavam


sendo deixados para trás. Os partidos comunistas (PCB e PC do B), por exemplo, foram
legalizados e elegeram alguns poucos deputados. Só uma minoria de ultradireitistas é que
teimou em protestar contra “o perigo vermelho”. Para os brasileiros, um direito eleitoral
justo e pronto. Na verdade, os votos de esquerda cada vez mais se dirigiam ao PT.

Eleições, imprensa gozando de razoável liberdade e uma Assembléia


Constituinte, reunida em 1987, nos faziam respirar o ar renovador da democracia. Mas
nem sempre as coisas foram tão certinhas.

A crise econômica levou a protestos de trabalhadores. Diante deles, Sarney


mostrou sua face de ex-UDN-Arena-PDS. Na greve de funcionários da hidrelétrica de
Itaipu (1987), a presidente mandou o Exército para reprimir. Alguns operários saíram
feridos, embora o governo alegasse que eles “agrediram os militares”. É, podia ser. Teve
peão em Itaipu com o pulmão perfurado com baioneta (aquele sabre do lado da boca do
fuzil). Talvez eles tivessem atacado os soldados dando golpes de pulmão nas baionetas.

O povo resistia. Estouravam greves e mais greves. Contra os aumentos de


passagens, vários ônibus foram incendiados nas ruas do Rio de Janeiro (1987). As
centrais sindicais, CUT e CGT convocaram uma greve geral que paralisou importantes
pontos do país, em 1987. Sarney respondeu com brutalidade. Metalúrgicos em Volta
Redonda (RJ), um dos maiores centros industriais do país, foram assassinados pelo
Exército, que recebeu ordens para invadir a usina siderúrgica (na época, era estatal),
numa autêntica operação de guerra, com direito a cara pintada de preto, granadas e
blindados (1988).

No campo, a reforma agrária continuava um sonho. A vida real era um pesadelo.


No Brasil, quem é dirigente de sindicato de trabalhadores rurais pode ir encomendando o
caixão. Mais cedo ou mais tarde um bandido contratado por latifundiário vai fazer o
serviço. Uma vergonha. Assim, o governo Sarney ganhou as manchetes de jornal do
mundo inteiro quando Chico Mendes foi assassinado (1988). Chico era conhecido
defensor do meio ambiente na Amazônia e, por causa disso, ganhou um prêmio especial
da ONU em 1987. Mas ele não morreu porque protegia as plantas e os bichos. Mataram
Chico Mendes porque defendia os homens, os seringueiros, os camponeses. Fundador
do PT do Acre e dirigente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Xapuri, ele atraiu o
ódio dos fazendeiros da região. Depois de muitas ameaças, foi metralhado no quintal de
casa. Os matadores chegaram a ser detidos. Mas fugiram da cela durante um jogo do
Brasil na televisão...

O governo Sarney também foi bombardeado por acusações de corrupção. Por


exemplo, em 1988, o senador Carlos Chiarelli (PFL-RS) fez um relatório denunciando
Sarney e vários ministros de usarem verbas (dinheiro público) para favorecer alguns
empresários. Em resposta, o ministro das comunicações, Antônio Carlos Magalhães,
chefe político da Bahia, dizia que Chiarelli também tinha usado dinheiro público para
favorecer parentes. Acusações verdadeiras ou calúnia política? Difícil dizer. O fato é que
os dois lados pareciam se conhecer muito bem.

Apesar de toda essa confusão, não é verdade que os tempos da ditadura militar
fossem melhores. Afinal, Sarney não era culpado sozinho. Ele pegou um país que já
estava com a situação econômica catastrófica. Situação causada pela ditadura. Não
devemos nos esquecer que em 1964, quando começou o regime autoritário, a inflação era
de 90% e a dívida externa de US$ 2,5 bilhões e que, em 1985, quando terminou a
ditadura, a inflação já ultrapassava a casa dos 200% ao ano e a dívida externa era
apenas 40 vezes maior. Imagine um sujeito que come feito um desesperado e depois,
passando mal, diz que bom era no tempo da comilança - como se a comilança não fosse
a causa da indigestão! É bom lembrarmos também que Sarney foi um homem do regime
militar, político da antiga Arena e do PDS que só passou para o PMDB para ser vice de
Tancredo. A vantagem do país é que agora as pessoas tinham o direito de criticar e de
apresentar propostas novas.

Na verdade, a burguesia conseguiu fazer uma transição controlada do


regime autoritário para o regime liberal-democrático. A nova situação política foi realizada
de cima para baixo, ou seja, sob a hegemonia (liderança, supremacia) da classe
dominante. Marca da política brasileira; como o jeitinho, o favor, o “quebra-galho”, o
compadrio, enfim, as transições sempre ocorreram no Brasil, historicamente “de cima
para baixo”.

Com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte e a eleição de José


Ribamar Sarney a Ditadura Militar vivia seus últimos momentos. Durou 25 anos no Brasil.

A Constituição de 1988

Nas eleições de 1986, os deputados federais e senadores, além de ir para o


Congresso, ficaram com a tarefa de elaborar a nova Constituição.

Por causa do Plano Cruzado, que congelou os preços, o PMDB recebeu uma
avalanche de votos. Assim, o presidente da Assembléia Nacional Constituinte foi o
deputado paulista (PMDB) Ulisses Guimarães.

Desde o início dos trabalhos, a Constituinte se dividiu em dois grupos de políticos.


De um lado, o bloco progressista, formado por parlamentares dos partidos de esquerda
(PT, PCB, PC do B), e de centro esquerda (PDT e um pessoal do PMDB que, na maioria,
depois fundaria um novo partido, o PSDB). Do outro lado, o bloco do centrão, formado por
políticos conservadores (no Brasil, a direita tem vergonha e gosta de se dizer “de centro”),
basicamente do PFL, PDS, PL, PTB e vários do PMDB.

O PFL (Partido da Frente Liberal) era formado por políticos ligados à burguesia,
muitos foram membros do regime militar e originários do PDS. No PFL estavam políticos
tradicionais, particularmente do Nordeste, como é o caso do baiano Antônio Carlos
Magalhães. O PL era uma espécie de minifilial do PFL, ou da UDN, ou da Arena, ou do
PDS. O PTB, já vimos, nada tinha a ver com o antigo PTB de Jango, Getúlio e Brizola.
Era só o nome para um partido agrupando gente próxima do PDS e do PFL. O PMDB,
como acabamos de falar, estava dividido entre uma ala mais conservadora e outra que
defendia reformas inspiradas nas idéias social-democratas (caso dos senadores
Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas que, mais tarde, fundariam o PSDB).

Não foi fácil elaborar a Constituição. Havia muitos interesses em disputa e os


lobbies (grupos que buscam apoio de alguns políticos para pressionar o Congresso para
fazer certas leis) de latifundiários, multinacionais, militares e até do presidente Sarney,
marcavam em cima dos constituintes.

Finalmente, a Constituição foi promulgada em 1988 e é a que está em vigor


atualmente. Tem seus problemas e muitas vezes dá a impressão de que foi feita de
improviso. Ela sempre parece nos lembrar de que no Brasil fazem muitas leis porque elas
nunca são cumpridas. De qualquer modo, é sem dúvida a mais democrática que nós já
tivemos.

São muitas as novidades e pontos importantes. Vamos destacar alguns:

• Garantia maior dos direitos humanos contra a arbitrariedade do Estado – Este é


um ponto que muitos brasileiros ignoram: o Estado tem obrigações para com o cidadão, e
também possui limites. Quem respeita a lei jamais poderá ser coagido pelo governo. O
Estado não pode fazer o que quiser com o cidadão. O Estado também é obrigado a seguir
a lei.

• A pena de morte e a tortura são proibidos pela Constituição – Se a polícia


pudesse prender, torturar e matar quem ela quisesse, para que serviriam juízes e
tribunais? Para que serviriam as faculdades de Direito? A questão é simples: a lei ou o
faroeste. Se você acha que a lei deve prevalecer sobre a selvageria do bangue-bangue,
então até a polícia tem de obedecê-la. E a lei é clara: todos têm direito á um julgamento,
ninguém pode ser torturado, ninguém pode ser executado. A defesa desses direitos
elementares para todo mundo, inclusive para os bandidos, é a garantia de que o Estado
está sob controle do cidadão. Se a polícia virar grupo de extermínio, ou seja, agir contra a
lei, como ela poderá defender a lei? Como a sociedade poderá confiar nela, já que a
polícia faz o que quer? Como evitar que ela passe a dominar a sociedade, impondo uma
espécie de ordem fascista? Quando a gente exige que os bandidos sejam tratados dentro
da lei (julgamento, sem tortura etc.) estamos garantindo que o cidadão comum também
será tratado legalmente. A defesa dos direitos humanos para todas as pessoas protege os
inocentes contra as arbitrariedades do Estado.

• Direitos do cidadão – Nos anos 90, uma das palavras da moda era cidadania.
Ela expressa a idéia de que todos os cidadãos têm direitos que devem ser respeitados
pelo Estado: o direito de liberdade individual, o direito de poder interferir no governo,
direito à segurança, à educação, à saúde, à habitação, ao emprego. Está tudo isso na
Constituição de 1988. Mas nos anos 90, a sociedade estava tomando consciência de que
não deveria ficar de braços cruzados, aguardando que as atitudes do governo caiam do
céu. Os cidadãos organizados (associações, sindicatos etc.) devem cobrar do Estado a
prestação desses serviços. Esta é a grande idéia democrática de nossos tempos: a
sociedade civil se organiza para lutar e conseguir o respeito a seus direitos de cidadania.
• Garantias constitucionais – A Constituição estabelece vários dispositivos que
defendem o cidadão quando seus direitos são negados. Os principais são:

a) Habeas-corpus. Se você foi preso ou vai ser preso injustamente (você não
desrespeitou a lei), seu advogado pode pedir ao juiz um habeas corpus para livra-lo da
polícia imediatamente. Repare que as ditaduras adoram suspender o direito de habeas
corpus, exatamente para fazer prisões ilegais à vontade.

b) Habeas-data. É o direito de todo o cidadão de saber o que está na sua ficha


em posse da polícia ou de um órgão de segurança do governo. Acabou esse negócio de o
governo te fichar sem você saber.

c) Mandado de Segurança. Protegem o cidadão quando seus direitos estão


prestes a ser desrespeitados por uma instituição. Agora, existe também o mandado de
segurança coletivo, isto é, impetrado por sindicatos e associações da sociedade civil.

d) Mandado de injunção. Assegura o exercício de um direito garantido pela


Constituição.

e) Ação popular. Qualquer cidadão brasileiro pode impetrar uma ação contra um
órgão público e também contra as pessoas que se beneficiarem de uma atitude
inconveniente do governo. A ação popular pode ser feita quando o cidadão considera que
a sociedade está sendo ameaçada por corrupção no governo, ou por desrespeito ao meio
ambiente ou ao patrimônio histórico e cultural, Ou seja, se você tiver provas contra algum
funcionário público ou político, ou se alguma empresa estiver poluindo sua cidade, por
exemplo, trate de entrar com uma ação popular contra eles. Vão ter de parar e podem ir
até para a cadeia. Um belo instrumento democrático, não é verdade? E em alguns casos
até já funcionou mesmo.

• Igualdade de direitos fundamentais entre homens e mulheres Agora, “chefe de


família” é o casal. Trabalhos iguais, salários iguais, sem discriminação Vitória contra o
machismo.

• Racismo é crime. Antes era apenas contravenção (crimezinho, tipo jogar no


bicho). Agora, dá cadeia. Ou seja, se você vir alguém cometendo alguma discriminação
(clube que não deixa negro entrar, jornal que diz tolices anti-semitas, grupos que atacam
orientais etc.) chame a polícia que o cara vai preso na hora. Sem direito a pagar fiança.

• Fim da censura. Acabou esse negócio de um idiota da polícia federal decidir o


que a gente pode ler, os filmes que a gente pode assistir ou as músicas que podemos
ouvir. Agora, todos têm direito de se manifestar livremente. Claro que isso não te dá
direito de mentir, de caluniar, Você pode defender as idéias, mas não o desrespeito à lei,
• Novos direitos trabalhistas. A jornada de trabalho semanal máxima passou a ser
de 44 horas (era de 48). Além disso, o pagamento da hora-extra é obrigatório e vale 50%
mais do que a hora comum de trabalho. Nas férias, o trabalhador recebe o salário normal,
acrescido de um terço. Se o trabalhador for despedido, ele recebe uma indenização de
40% do valor de seu FGTS. A mulher que vai um ter um filho ganhou o direito de ficar em
casa, recebendo salário do patrão. É a licença-gestante, que vale por 120 dias (antes,
eram só 89). 0 trabalhador rural passou a ter os mesmos direitos trabalhistas do
trabalhador urbano, incluindo carteira assinada, 13° salário, férias remuneradas e
aposentadoria.

• Novos direitos sindicais. Agora, o Estado está proibido de intervir nos sindicatos.
Mas continuou a unicidade sindical, ou seja, em cada região só pode existir um único
sindicato por categoria. Também foi mantido o imposto sindical, que ajuda a manter
sindicatos pelegos (foi criado no tempo de Vargas, lembra? Reveja a pág. 277). Agora, o
direito de greve é irrestrito, mas nos setores essenciais (hospitais, transportes, energia
elétrica etc.) é preciso avisar com antecedência e manter um funcionamento mínimo.

• Novos direitos políticos. Agora, pessoas com 16 anos para cima e analfabetos já
podem votar. Antes, eram excluídos. Para ser candidato, é preciso ter pelo menos 18 e
não ser analfabeto.

• Eleições em dois turnos. Para presidente, governador e prefeito de cidades com


mais de 200 mil eleitores, a eleição poderá ser em dois turnos. Caso nenhum candidato
tenha superado 50% do total de votos válidos (não contam os brancos e nulos), haverá
um segundo turno com a disputa de somente os dois mais votados no primeiro turno. O
voto, claro, é direto e secreto.

• Mandatos. Originalmente, o mandato do presidente era de 5 anos. Os


deputados, governadores e prefeitos são eleitos por um período de 4 anos. Os senadores,
de 8 em 8 anos.

• Ampliação dos poderes do Congresso Nacional. Agora, o Congresso tem várias


atribuições que não possuía no tempo do regime militar. Na verdade, o presidente da
República (chefe do Poder Executivo) tem de governar negociando com o Congresso. O
Congresso Nacional se dedica fundamentalmente a fazer leis. Mas ele também atua como
fiscal da sociedade. Por exemplo, por meio das CPIs (Comissões Parlamentares de
Inquérito) apanhou o esquema ilegal do presidente Collor com PC Farias. O Congresso
também ganhou o direito de aprovar ou vetar o Orçamento Geral da União. Ou seja, o
presidente da República apresenta um plano de gastos para o ano que vem e que deve
ser aprovado por deputados e senadores. O Congresso Nacional também pode reformar
a Constituição, mas para isso há necessidade de três quintos de votos do total de
deputados e senadores.

• Medida provisória. No tempo da ditadura, existia o decreto-lei. O general-


presidente decretava uma lei e ela passava a valer imediatamente. Se depois de um mês
o Congresso não se pronunciasse contra o decreto (poderia estar fechado, por exemplo),
o decreto passava automaticamente a valer como lei ordinária (comum). Isso acabou.
Agora, existe a medida provisória, que tem um prazo de 30 dias para ser examinada pelo
Congresso. Se depois de um mês o Congresso votar contra ou não votar nada, a medida
é imediatamente anulada.

• Reforma Agrária. Está prevista na Constituição, mas a lei oferece tantas


dificuldades, que os latifundiários comemoraram quando ela foi aprovada. Na verdade, só
se pode fazer reforma agrária em terra improdutiva. Mas a lei não é clara a respeito do
que é terra produtiva ou não. Em outras palavras, neste terreno, crucial para a conquista
da justiça social neste país, não se avançou um milímetro.

• Proteção ao índio. As comunidades indígenas terão suas terras demarcadas.


Isso trouxe um problema grave. Muitas dessas áreas são ricas em minerais, e cobiçadas
por empresas multinacionais. Os militares (com certa dose de razão) também temem que
os EUA, por exemplo, inventem que esses povos indígenas devem ficar “independentes
do Brasil” e enviem tropas para a região. Assim, o Brasil perderia territórios riquíssimos. A
preocupação é séria mesmo. Em vários programas de televisão na Europa e nos EUA,
aparecem filmes que escancaram que a Amazônia deveria pertencer ao mundo inteiro e
não ao Brasil. Em nome da defesa dos índios (realmente ameaçados pelos donos de
madeireiras e garimpeiros), cobram um pedaço do nosso país. Olho vivo! Além de os
norte-americanos seguirem de olho num pedação do nosso país, os índios continuam
desassistidos.

• Proteção ao meio ambiente. Ainda faltam muitas leis. Afinal de contas, o que
mais temos são grandes empresários lucrando fortunas com fábricas que poluem o ar e
as águas e que destróem as florestas. Depois, pegam o avião e vão respirar ar puro na
Suíça, enquanto nossos bebês de Cubatão (SP) nascem sem cérebro. Agora, a Floresta
Amazônica, a Serra do Mar, a Mata Atlântica e o Pantanal se tornaram patrimônio
nacional.

A Constituição tem ainda muitos defeitos e limitações mas é, no geral,


razoavelmente democrática. Existe a possibilidade de ela ser modificada com três quintos
dos votos de todos os deputados e senadores. Nos anos 90, se fala muito em fazer uma
reforma constitucional. Alguns pontos já foram alterados. Por exemplo, originalmente, a
Constituição assegurava certos privilégios para as empresas brasileiras. Agora, as
empresas multinacionais têm os mesmos direitos que as empresas nacionais. O mesmo
artifício vem sendo utilizado para questionar e minar direitos históricos que os
trabalhadores conquistaram através de lutas dificílimas neste país ao longo dos séculos.

Avanços? Só no papel...

A Constituição guarda em si a possibilidade de ser modificada. Inclusive para pior,


o que, infelizmente, tem acontecido neste mundo tristemente tendente à direitização e
fascistização internacional em nome de abstrações desumanas e inumanas como o
“neoliberalismo” e a “globalização”.

Foi com esta Constituição já promulgada que correram as eleições presidenciais


de 1989. Vejamos de perto aquela campanha.

Collor de Mello, o dragão da maldade, contra o ‘Santo Guerreiro’

Depois de quase trinta anos, finalmente os brasileiros puderam votar direto para
presidente da República. A ditadura militar durou 25 anos. De 1964 até 1989 o povo em
nada participou das decisões diretas do Executivo Nacional, por 25 anos completamente
subserviente aos quartéis. Na primeira eleição, claro, as chances de se eleger um cidadão
egresso do regime que vigorou e governou este país por tanto tempo era de fato concreta.
As chances, contudo, de finalmente vermos as coisas modificadas na direção popular
também eram concretas e, portanto, o entusiasmo popular era justificadamente
formidável, com quase todo mundo querendo se informar, debater e votar com
inteligência.

As primeiras pesquisas de 1989 apontavam a liderança das candidaturas de


Brizola (PDT) e de Lula (PT). Teria o Brasil um presidente de esquerda? Os grandes
empresários roíam as unhas: quem será nosso candidato?

Os jovens talvez tivessem a resposta. Pela primeira vez, o pessoal a partir de 16


anos poderia votar. Uma juventude que vinha sendo reprimida e moldada. Consumismo,
individualismo egoísta, futilidade, esses eram os valores que choviam sobre a cabeça da
moçada. Geração Coca-Cola. Nos anos 80, da Era Reagan, o herói era o pouco-cérebro-
muitos-músculos do cinema americano: Rambo (Silvester Stallone). O guerrilheiro tinha
deixado de ser ídolo. O pôster de Che Guevara foi para a lata de lixo. Agora, o ideal era o
yuppie, o rapaz que abandonou a contestação e que se realiza existencialmente
ganhando muito dinheiro na Bolsa de Valores e consumindo feito um mauricinho.
Academia de ginástica, shopping, computador, amar a si mesmo. A TV Globo se tornava
uma Bíblia. Como seriam então os anos 90? Muito diferentes?

Foi quando apareceu o Caçador de Marajás. Fernando Collor de Mello. Veio


quase como que do nada e, de repente, as pesquisas o apontavam como o favorito para
vencer as eleições presidenciais de 1989. Como será que ele conseguiu isso?

Collor nasceu em família tradicional de políticos. Seu avô, Lindolpho Collor, tinha
sido ministro de Getúlio: Seu pai, o senador Arnon Mello (UDN), ficou conhecido por ter
assassinado a tiros um colega durante uma sessão do Congresso. Deve ter sido assim
que o filho aprendeu a fazer política de impacto. Logo depois que se casou pela primeira
vez, com uma milionária, Fernandinho ganhou de presente dos militares a prefeitura da
cidade “estratégica” de Maceió. Isso mesmo, uma prefeitura de presente de casamento.
Claro que ele não tinha sido eleito. Era o tempo da ditadura e os prefeitos de capitais
eram escolhidos. Bastava ser homem de confiança do regime militar. E Collor foi de
confiança. No Colégio Eleitoral, mostrou ser um fiel deputado do PDS, votando em Paulo
Maluf contra Tancredo Neves. Aí os tempos mudaram. Sarney saiu do PDS e foi para o
PMDB. Tancredo foi para o beleléu e Sarney ganhou a presidência de graça. Collor
aproveitou para mostrar suas habilidades atléticas na modalidade esportiva “salto para
onde estiver bom”: foi para o PMDB, se derramou em elogios à Nova República e só
faltou dar um beijinho na boca de Sarney. Aproveitando o entusiasmo pelo Plano
Cruzado, Collor foi eleito governador de Alagoas. Naquela época começou a sonhar com
a presidência. Bolou um excelente esquema publicitário: perseguir funcionários públicos
com altos salários, os chamados marajás. Os jornais do país não poupavam elogios ao
jovem governador que “combatia a corrupção”. Nem todas as reportagens, porém,
mostravam que por trás daquele carnaval, Collor distribuía cargos públicos para parentes
de sua nova mulher (Rosane) e perdoava as dívidas dos usineiros de açúcar com o
governo do Estado.

A política eleitoral partidária é, via de regra, um completo absurdo. Collor foi mais
um exemplo. O homem que tinha sido malufista e do PDS arrebatou o país com a imagem
de que era novo na vida política nacional. Um esquema publicitário caríssimo tratava de
divulgar a idéia de que Collor era o único candidato que “não tinha rabo preso”. As
grandes redes de televisão adoraram seu discurso demagógico e passaram a dar cada
vez mais espaço. Grana, poder e cara-de-pau, eis a receita para o sucesso collorido. Seu
partido, o PRN (Partido de Reconstrução Nacional), arrebanhava antigas figuras do
regime militar, vindas do PDS e do PFL. Muitos deles notórios envolvidos em falcatruas e
maracutaias. Assim, o marajá, milionário dono de duas empresas de televisão,
conquistava o coração dos pobres dizendo-se o único político capaz de ajudá-los. De
sarneísta no tempo do Plano Cruzado, passou a atacar o Sarney quando percebeu que
este era um excelente caminho para a popularidade.

O vencedor disparado do primeiro turno das eleições presidenciais de 1989 foi


Fernando Collor. Ele representava a materialização dos novos valores: jovem,
empresário, moto, esportes, ascensão vertiginosa, beleza, televisão, consumo,
autoconfiança.

A emoção ficou por conta da disputa do segundo lugar, para ver quem iria brigar
com Collor no segundo turno - Lula ou Brizola? (Mário Covas, do PSDB, ficou em quarto
lugar.)

Leonel Brizola (PDT) teve resultados excepcionais no Rio Grande do Sul e no Rio
de Janeiro, estados onde tinha sido governador. Sua campanha era centrada nos
princípios nacionalistas e reformistas, ao estilo do velho PTB do começo dos anos 60, e
temperada com a social-democracia européia, na qual Brizola tinha vários amigos.
Atacava as multinacionais e os banqueiros estrangeiros, acusando-os de sugar a
economia brasileira, como se fossem um monstruoso pernilongo. Para Brizola, as “perdas
internacionais” seriam a origem de todos os problemas brasileiros. O problema é que
além do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, o PDT tinha poucos votos.
O PT, partido do LULA já estava organizado em quase todo o país. Em 1988, já
tinha mostrado sua força, elegendo prefeitos em diversas cidades importantes do país.
Sua grande força são os militantes do PT, geralmente estudantes e sindicalistas, que
trabalham de graça, só por idealismo. Isso não é propaganda, é um fato que os
adversários do PT reconhecem. O PT também contava com o apoio de católicos leigos e
de padres progressistas ligados à Teologia da Libertação, uma espécie de socialismo
cristão. Os petistas conseguiram muitos votos graças ao trabalho da Igreja nas CEBs
(Comunidades Eclesiais de Base). O socialismo não era mais visto como uma coisa do
diabo. Resultado: Lula venceu Brizola por uma leve vantagem.

No segundo turno, Brizola falou em “engolir o sapo barbudo” e apoiou Lula com
sinceridade, transferindo muitos votos para o candidato petista. Além do PSB e do PC do
B, Lula tinha agora o apoio do PCB de Roberto Freire e até dos tucanos do PSDB, apesar
de esses últimos terem ficado meio em cima do muro.

Então, o inesperado aconteceu. Lula começou a subir nas pesquisas e a encostar


em Collor. Veio o primeiro debate. (Collor, antidemocrático, ainda não tinha ido a
nenhum.) Para muitas pessoas, Collor, que fez faculdade, venceria facilmente Lula, o
torneiro mecânico. Mas o contrário aconteceu. Lula mostrou que valia a experiência de
anos de assembléias sindicais. Entre os peões, todo mundo igual, só prevalece a idéia de
quem tem cérebro e sabe argumentar. Foi nessa excelente escola que Lula tinha
aprendido a debater. Irônico, ágil nas respostas, mostrando conhecer mais dados
econômicos do que o adversário, surpreendeu o país no debate apresentado pelas tevês.
Collor foi trucidado. E, nas semanas seguintes, Lula empatava nas pesquisas. A esquerda
brasileira estava a um passo do poder.

A assessoria de Collor preparou o troco. No horário eleitoral, apresentava vídeos


com uma tecnologia caríssima, impossível nos programas do adversário. Até uma ex-
namorada de Lula foi convocada para falar mal dele. Espalhavam o boato de que a vitória
do PT significaria “a ignorância no poder”. Os erros de gramática de Lula, bem maiores do
que os de Collor, apavoravam a classe média. O apoio de tantos intelectuais a Lula era
visto como uma excentricidade da esquerda.

No segundo debate entre os candidatos, Collor foi bastante agressivo, valendo-se


de um candidato cansado (tinha feito vários comícios no mesmo dia) e talvez confiante
demais. Nesse enfrenta mento decisivo, Collor, homem rico, dizia que não tinha dinheiro
“para comprar uma aparelhagem de som igual à de Lula”. Ridículo, mas eficaz. Lula,
tolamente, perdeu-se em ficar criticando a má atuação de Collor como governador em
Alagoas: será que tinha confundido a eleição para a qual era candidato? Na mesma
época, alguns jornais deram a entender que militantes do PT faziam parte de quadrilhas
de seqüestradores. Apesar do conteúdo falso das insinuações, muita gente ficou
assustada. O velho anticomunismo troglodita foi acionado e espalhou-se o boato absurdo
de que Lula seria defensor dos regimes comunistas do Leste europeu e que, se ele
ganhasse as eleições, o país viraria um caos, com os empresários parando de investir e
fugindo para Miami. Bem, era difícil negar que uma vitória de Lula provocaria uma
comoção no meio empresarial. O próprio PT também não tinha sido muito claro a respeito
de seu programa de governo. No fundo, a população temia a instabilidade. E estaria
completamente equivocada em seus receios?

O vale-tudo para eleger Collor contava com a colaboração da poderosa Rede


Globo, ou melhor, a "Rede Gllobo". No Jornal Nacional, noticiário noturno, a TV Globo
manipulou as imagens do debate: só aparecia Collor dizendo coisas inteligentes e Lula
dizendo bobagens. Como se fosse o confronto entre o gênio e santo com o jumento
encapetado. Resultado: Collor venceu as eleições. Vitória apertada, mas que aliviou as
classes dominantes. As elites podiam comemorar, com champanhe e caviar, e o povo
mais humilde, com pão e água.

Collor de Mello e o neoliberalismo

Durante toda a campanha, Collor acusou Lula de querer confiscar o dinheiro das
cadernetas de poupança. Pois assim que assumiu a presidência, ordenou que o dinheiro
das poupanças fosse bloqueado. Ninguém poderia sacar além de uma certa quantia e o
governo só devolveria o dinheiro depois de um ano, em prestações.

A ministra Zélia Cardoso de Mello comandava as mudanças econômicas. Ela


acabou com o cruzado e fez a moeda voltar a ser o cruzeiro; os preços foram congelados,
embora os aluguéis, as mensalidades escolares e a tarifas elétricas continuassem sendo
reajustados; foram extintos o IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) e o IBC (Instituto
Brasileiro do Café), tidos como empresas estatais que só serviam para atrapalhar
agricultura.

O projeto econômico do governo Collor era apoiado no neoliberalismo. Segundo


Fernandinho e Zélia, este seria o caminho para o país ingressar no Primeiro Mundo.
Vamos entender como é que o neoliberalismo apareceu no mundo?

O capitalismo vivia uma profunda transformação desde a crise internacional de


1973. Em primeiro lugar, as empresas multinacionais passaram a ser responsáveis pela
maior parte do volume de produção e comércio do mundo. O que significa que os
investimentos no estrangeiro eram cada vez maiores e a economia se tornava
globalizada: um produto poderia ser feito com peças vindas, por exemplo, do México, Sri
Lanka, Japão e Itália, para ser vendido em todos esses países.

Em segundo lugar, o volume de capital gerado pelas empresas particulares


superou o que estava nas mãos do Estado, o que certamente revelava a inferioridade
econômica do governo diante dos grandes monopólios e incentivava a privatização de
empresas estatais.

Em terceiro lugar, a concorrência entre a Europa ocidental, os EUA e o Japão


exigiu um aumento de eficácia na produção e uma busca frenética por novos mercados.
Em resposta a essas exigências, aconteceu a afirmação dos setores de serviços de alta
tecnologia (informática, tele comunicações, robótica, engenharia genética, química fina) e
a reestruturação das empresas (técnicas administrativas de reengenharia cortando o
número de empregados, controle de qualidade, computadores e robôs substituindo mão-
de-obra, terceirização, isto é, empresas que encerram determinadas sessões e passam a
contratar outras empresas para fazer aquele serviço).

Desde a crise de 1929 que o Estado capitalista se intrometia fortemente sobre a


economia. Receitas do economista J. M. Keynes para estimular o crescimento e evitar os
desarranjos do mercado. Depois da Segunda Guerra, o keynesianismo levou ao Welfare
State, o Estado do bem-estar. Mas a crise de 1973 e as mudanças que nós relatamos
acima, deram voz a economistas como Milton Friedman e Friedrich Hayek, que atacavam
violentamente as idéias keynesianas. Assim, nos anos 80, Keynes saiu da moda e os
países desenvolvidos começaram a seguir o neoliberalismo. Os primeiros “heróis”
neoliberais foram o presidente Ronald Reagan (EUA) e a primeira-ministra Margareth
Thatcher (Inglaterra), verdadeira heroína de Collor (o que ela fazia o deixava muito
doidão). Quase todo o mundo desenvolvido seguiu suas receitas, menos o Japão.

A idéia básica do neoliberalismo é a de que, se os homens tiverem total liberdade


para investir e lucrar, chegarão a um desenvolvimento do mercado capitalista que
beneficiará a toda sociedade. Vamos ver como:

1. Os neoliberais acham que o Estado não deve se intrometer sobre a economia.


Por isso defendem a privatização, ou seja, as empresas e bancos estatais seriam todos
vendidos para as empresas particulares. Num segundo passo, seriam privatizados os
hospitais públicos, a assistência social (aposentadoria e planos médicos seriam feitos por
empresas privadas especializadas, que receberiam mensalidades das pessoas
interessadas) e as universidades do governo.
2. Os impostos cobrados sobre os ricos devem ser menores. Aumentariam as
diferenças sociais mas, em compensação, argumentam os neoliberais, sobraria mais
dinheiro para os ricos investirem na economia, resultando, a médio prazo, em mais
empregos e melhores salários.
3. As duas medidas anteriores se ligam ao corte nos gastos públicos. Nem
investimentos em empresas estatais nem gastos sociais.
4. Desregulamentação da economia. Facilidades absolutas para o vale-tudo
capitalista. Isso inclui abertura para as importações (baixas taxas alfandegárias) e o fim
do controle do governo sobre as operações financeiras. No mundo inteiro estão se
formando livres mercados, como o da União Européia, o Nafta (Canadá, EUA, México), o
Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai) e as ligações entre o Japão e os Tigres
Asiáticos (Coréia do Sul, Hong Kong, Formosa).
5. Facilidade para contratar e demitir mão-de-obra, tornando as empresas mais
ágeis. Isso significa abolir leis de proteção trabalhista. Os sindicatos podem protestar.
Neste caso, um dos objetivos do neoliberalismo é destruir o poder dos sindicatos
operários.
6. Estímulos para os investimentos de capital estrangeiro. A economia do planeta
está se tornando multinacional.

Os neoliberais defendem um regime político liberal, ou seja, com eleições


decentes, liberdade de imprensa, pluripartidarismo. Acontece que neoliberalismo
econômico não é a mesma coisa que liberdade política. Foi o caso do Chile, que já nos
anos 80 aplicava as receitas neoliberais, mas dentro de uma das piores ditaduras
militares que o continente já conheceu (a do general Pinochet).

Sem dúvida alguma, Collor foi o primeiro e é o principal responsável por “rolado a
bola” do neoliberalismo em nosso país. Foi ele quem combateu leis nacionalistas que
controlavam os negócios das empresas estrangeiras no Brasil e quem iniciou um
programa consistente de venda das empresas estatais. Ao se recusar a pagar
aposentadorias melhores, Collor também mostrava seu empenho em adotar a idéia
neoliberal de cortar brutalmente os gastos do governo com programas sociais. Tudo isso,
dizia ele, faria o Brasil entrar no Primeiro Mundo.

Enquanto o país esperava para entrar no Primeiro Mundo, Collor tratou ele
mesmo de ir para lá fazer umas comprinhas no seu estilo de consumidor yuppie: gravatas
Hermès, uísque Logan 12 anos, malas Louis Vuitton. O governo mandou liberar as
importações, abaixando as tarifas alfandegárias: foi a partir de Collor que o país foi
invadido pelos produtos estrangeiros, de eletrodomésticos a queijos franceses, de
quinquilharias coreanas a vinhos alemães. Os automóveis nacionais foram xingados de
“carroças” e esperava-se que a abertura para os importados criasse concorrência, o que
forçaria as multinacionais do Brasil a melhorar a qualidade de seus produtos. Havia um
fundo de verdade nisso tudo. Além do mais, puxa, graças a Collor, qualquer favelado já
tinha o direito de comprar automóveis Mercedes Benz, telefone celular e gel para passar
no cabelo.

O presidente era um Indiana Jones tupiniquim. Adorava a imagem de esportista,


de atleta que tudo pode. Parecia que todos os problemas seriam facilmente resolvidos
porque o homem do Planalto possuía a sutileza de um lutador de caratê e a inteligência
de um fanático por jet-ski. O segredo para disparar a economia era o mesmo usado para
acelerar uma moto Kawasaki 1000. Enquanto isso, o povo competindo na raia, na
modalidade “disputa por uma migalha de comida”.

Da cozinha para a cama

Quando Zélia pegou “emprestado” o dinheiro das poupanças, ela tinha em mente
duas coisas. Primeiramente, o governo estaria com dinheiro em caixa, não precisando
emitir papel-moeda para cobrir seus gastos. Depois, as pessoas, sem a grana da
poupança, deixariam de comprar. Como as vendas cairiam, a tendência seria a queda dos
preços. As duas coisas ajudariam a abaixar a inflação.

Acontece que deu tudo errado. Caindo as vendas, claro, os empresários trataram
de diminuir a produção. Com isso, as pessoas eram despedidas. Recessão e
desemprego. Então, valia o velho esquema brasileiro para lucrar, na base do aumento
frenético dos preços. O Brasil mergulhava em uma das piores crises econômicas de sua
história. A inflação ultrapassou os 20% mensais e a recessão (diminuição das atividades
econômicas) fez o país regredir. A Associação Brasileira de Supermercados constatou a
diminuição de 15% no consumo de arroz e feijão: trocando em miúdos, o povo comia
menos. Nas grandes cidades, milhares de maltrapilhos, vítimas do desemprego,
passaram a morar nas caladas. No Brasil de Collor, com o salário mínimo mais baixo do
que o do Paraguai, morar em barraco passou a ser sonho de consumo.

A inabilidade em negociar a dívida externa com os banqueiros internacionais


abalou o cargo da ministra da economia. A gota d’água foi o namoro de Zélia com o
ministro da Justiça, o sr. Bernardo Cabral. É óbvio que uma mulher tem o direito de
transar com quem ela tiver vontade. Zélia não era pior ministra porque se tornou amante
de um espertinho casado. Aliás, a vida íntima deles nunca foi de nossa conta. Mas a
imagem moralista do governo Collor ficou arranhada: foi ele que se incomodou com isso
tudo, não o povo, que apenas se divertia com as revelações picantes.

Zélia acabou sendo demitida. No seu lugar, assumiu o embaixador Marcílio


Marques Moreira. Diplomata de carreira, renegociou a dívida externa, ganhando elogio
dos americanos. É como a raposa que aplaude o bom comportamento das galinhas.
Enquanto isso, a economia brasileira ia caindo do poleiro.
O vilão

O empresário alagoano Paulo César Farias, o PC, começou a vida como homem
pobre. Esperto e bajulador, ligou-se a políticos importantes e foi ganhando fortuna.

Em 1984, PC Farias auxiliou um grupo que colhia fundos de empresários


nordestinos em apoio à eleição indireta de Paulo Maluf no Colégio Eleitoral. O candidato
do regime militar perdeu para Tancredo, mas PC tinha conquistado experiência e prestígio
nos bastidores mais sujos da política.

Dois anos depois, PC já era o principal responsável pela campanha de Fernando


Collor nas eleições para governador. Mostrou-se bastante eficiente, conseguindo o
patrocínio dos usineiros alagoanos.

“De acordo com os levantamentos feitos pela Receita Federal, a entrada de Collor
no governo de Alagoas representa o início da formação do império que seria construído
até maio deste ano (...) Antes de Collor assumir o governo de Alagoas, empresas de
propriedades de PC enfrentaram graves dificuldades financeiras.” (Xico Sá, Folha de S.
Paulo, 30/09/92).

Onde Collor ia, o PC ia atrás. Quanto mais poder Collor obtinha, maior era a
fortuna de PC Farias. Simples coincidência?

Briga entre irmãos detona crise

Os irmãos Collor de Mello não se falavam. Um acusava o outro de praticar a


modalidade esportiva "rasteira no irmão". Pedro ficou furioso quando descobriu que o
jornal de sua propriedade, a Gazeta de Alagoas, ganharia um novo concorrente. E quem
era o dono do novo jornal? PC Farias. Com um detalhe: PC era sócio de Collor. Pedro
não agüentou mais. Que irmão é esse que se junta a outro cara para ganhar dinheiro?
Botou a boca no mundo. Concedeu uma entrevista à Veja que foi mais venenosa do que
cocaína: revelava os podres do irmão, suas ligações safadas com PC e o suposto fato de
que ele se drogava. A acusação mais grave de Pedro era a denúncia de que Fernando
havia montado um esquema de corrupção com PC Farias. Os empresários que
quisessem favores do governo deveriam dar uma contribuição por fora. Dinheiro que ia
para o bolso do Collor via PC. Muito simples e atrevido. A dupla dinâmica morcegava o
país.

Pouco depois, o jornal O Globo publicou denúncia de empresários de transportes


queixando-se de que pagavam US$ 500 mil mensais ao “esquema PC” para que o
governo aumentasse as tarifas.

Os escândalos se sucediam. O país exigia uma investigação apurada. Assim,


instituiu-se uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito). Tratava-se de um grupo
escolhido de deputados e senadores que passou a investigar profundamente as ligações
Collor-PC. A cada dia que passava, apareciam mais indícios da vergonhosa associação.
Entretanto, faltava o principal: como provar as ligações entre os dois? Sem documentos,
as denúncias não levariam a nada.
Viva o povo brasileiro

No domingo, 27 de junho de 1992, a revista IstoÉ publicou uma entrevista


bombástica com Eriberto Freire, motorista da secretária do presidente Collor, Ana Acioli.
Eriberto revelava a chave do esquema: ele depositava a grana das propinas com cheques
fantasmas, isto é, contas abertas em nome de pessoas inexistentes, um truque usado
para despistar. Percebeu? O dinheiro da corrupção era depositado em contas fantasmas.
Assim, ninguém suspeitaria que estavam à disposição de PC e de Collor.

A CPI começou a rastrear as operações financeiras de PC. Descobriram que ele


pagava as contas de Cláudio Humberto, porta-voz da presidência da República, Cláudio
Vieira, secretário do presidente, e até as compras de calcinhas de Rosane Collor. PC
pagou a reforma dos jardins na casa da Dinda (residência de Collor em Brasília): uma
fábula, dinheiro suficiente para construir centenas de jardins iguais. Truque óbvio para
lavar dinheiro.

Tudo isso demonstra claramente a vantagem da democracia sobre um regime


autoritário. Muita gente acha que uma ditadura acabaria com os corruptos. Que bobagem!
Para começar, de onde veio Collor? Começou a carreira apoiando a ditadura militar: foi da
Arena, depois do PDS e votou em Maluf, o candidato do regime autoritário. Se Collor
fosse um ditador, o primeiro jornal que ousasse fazer uma criticazinha seria fechado. A
revista IstoÉ jamais teria permissão para publicar aquela entrevista demolidora. Numa
ditadura, o Congresso e o Poder Judiciário teriam de se calar diante dos desmandos do
Executivo. Foi justamente por vivermos num regime aberto que os esquemas não
puderam ser abafados. A imprensa livre, os deputados e senadores decentes, os juízes
independentes, tudo isso foi fundamental para dar um basta à bandalheira instalada no
governo.

Muitas pessoas se perguntaram: por que grandes empresários, como a família


Marinho, dona da Rede Globo, e outros, que tinham apoiado a eleição de Collor,
acabaram se voltando contra ele? Porque, normalmente, os empresários querem um
governo que os favoreça, e não um governo que arme tanto a ponto de prejudicar os
negócios. Qual é o empresário que gosta de saber que parte de sua grana vai para o
bolso de um político corrupto? A lógica do capitalismo é a do investimento, não a da
rapinagem, do roubo descarado.

Além disso, havia o clamor popular. Cada vez mais, as pessoas tomavam
consciência dos fatos e repudiavam aquela sem-vergonhice no Palácio do Planalto. No
Brasil inteiro as pessoas começavam a falar “o Brasil está mudando”. Até a Rede Globo
embarcava nessa nova mentalidade, exibindo uma série televisiva de Gilberto Braga,
Anos Rebeldes, que mostrava uma clara simpatia pelos estudantes revolucionários dos
anos 60 no Brasil. A tevê não cria nem reflete a realidade, ela é a realidade.

Collor quis dar uma de esperto. Convocou a população a desfilar com tarja preta
de luto contra os ataques ao presidente. Tiro pela culatra. Nas capitais de todo o país,
centenas de milhares de estudantes caras-pintadas foram para as ruas, vestidos de verde
e amarelo, para exigir a deposição do presidente corrupto.

Talvez você tenha ouvido alguém falar que os jovens foram manipulados. Não dê
ouvido a esse tipo de comentário cretino, feito por pessoas que acham que aqui no Brasil
a população sempre será cordeirinha, manipulada, enganada. Ora bolas, pense bem: os
jovens não sabiam o que estava acontecendo? A população não tinha consciência dos
fatos? Não precisavam de ninguém para sair na rua e exigir as mudanças no país! Por
trás da aparente crítica, essa idéia de que o povo foi joguete dos políticos e meios de
comunicação não passa de uma repetição sutil do velho desprezo que as elites sentem
pelo povo, a antiga crença safada de que o povo não passa de um gado incapaz de agir
por conta própria. Mentira! As pessoas que foram para a rua, dos meninos das escolas
aos aposentados, sabiam exatamente o que estavam fazendo, sabiam que aquilo era
uma excelente pressão sobre o Congresso.

Claro que tinha muito político que estava em cima do muro. Mas eles pensaram:
“Se eu votar a favor de Collor, o que será de mim nas próximas eleições?” Maravilhas da
democracia: a pressão do povo realmente pode mudar as coisas!

A luta da população não era um simples protesto moralista que afirma que a
corrupção é o grande mal. Era bem mais do que isso. Ela tinha uma idéia, que talvez
fosse difusa e pouco consciente, mas muito rica: a de que se deve construir uma nova
ética. Em vez da ética do golpe de caratê, do “cada um por si mesmo” e do “ao poder tudo
é permitido”, a ética construída pela vontade e pela consciência popular.

Queima de Arquivo ou Crime Passional? Mais um dos "mistééérios" da política


brasileira...

Parlamentarismo ou presidencialismo?

O Brasil deveria continuar presidencialista ou seguiria o parlamentarismo?


Deveria continuar a ser uma república ou voltaria a ser uma monarquia parlamentar? Os
brasileiros responderam através do plebiscito de abril de 1993. Dos 70% que se
interessaram em votar, cerca de 2/3 escolheram a república e 55% decidiram pelo
presidencialismo.

Cai o Pano

Em 29 de setembro de 1992, a esmagadora maioria dos deputados federais


concedeu licença para Collor ser julgado, pelo Senado, por crime de responsabilidade
(desobediência à Constituição). Imediatamente, ele foi afastado. Finalmente, em 22 de
dezembro, os senadores votaram o impeachment do presidente, isto é, Collor perdeu o
mandato presidencial. Ninguém mais poderia dizer que no Brasil quem é poderoso faz o
que quer!

Todo o mundo democrático aplaudiu o Brasil. Talvez, pela primeira vez na


América Latina, uma crise política foi contornada sem intervenção direta das Forças
Armadas. Sem dúvida, esperança de dias melhores.

Itamar Franco
Ele é o mineiro que nasceu no mar: Itamar Franco veio à luz num navio, quando
sua mãe viajava de Salvador para o Rio de Janeiro. Tal como o pai, formou-se em
engenharia. Mas na faculdade (Juiz de Fora, MG) já se envolvia com o movimento
estudantil. Nos anos 60 foi político do PTB, Durante o regime militar, esteve no MDB,
quando foi eleito prefeito de Juiz Fora e senador.

Itamar Franco era conhecido como político honesto. Por isso Collor o tinha
convidado para ser o vice da chapa do PRN. Pela segunda vez na vida, ele entrava de
gaiato no navio. Agora, com a saída de Collor, Itamar, o vice, assumia a presidência do
Brasil.

Itamar Franco tinha hábitos bem mais austeros do que Collor. Não aparecia
pilotando jet-ski ou motos japonesas de última geração. Os aviões supersônicos que ele
gostava de pilotar eram as belas meninas que, de vez em quando, apareciam nos
noticiários com o título de “a nova namorada do presidente”. (Itamar era descasado, e,
portanto, dono do próprio nariz, se é que vocês me entendem.)

No começo do governo, a inflação disparou. Temperamental, Itamar dava umas


broncas, xingava ministros na frente da imprensa e depois ficava quieto. Cismou que a
solução para a economia do país era trazer de volta o antigo fusquinha, o carro de
sucesso da Volkswagen que o Brasil não mais produzia por ser considerado antiquado.
Num entusiasmo de Carnaval, no Rio de Janeiro, a imprensa fotografou o presidente
abraçado com uma moça de memória fraca: a coitadinha usava vestido curto mas tinha
esquecido de botar a calcinha. O país riu da cena com a entusiasta da frente liberal. Mas
isso era problema pessoal do Itamar, ele não era pior governante por causa do episódio
pornô-humorístico. Na verdade, o presidente preferiu se dedicar às namoradas e deixou o
Brasil nas mãos do PSDB. O todo-poderoso ministro Fernando Henrique Cardoso
assumia as rédeas do governo.

Partidos...

PDS muda de nome


Era uma vez a UDN, que apoiou o golpe de 64 e mudou a sigla para Arena... e
depois mudou para PDS... e depois para PPR... até que em 1995, virou PPB.

Entre seus principais caciques, PauIo Maluf (SP) e Espiridião Amim (SC).

A bicada dos tucanos


Em 1988, muitos políticos saíram do PMDB para fundar o PSDB (Partido da
Social-Democracia Brasileira). O símbolo é aquela ave bicuda chamada tucano.

Social-democracia foi uma palavra que ficou pouco tempo na moda aqui no Brasil,
logo suplantada pelo neoliberalismo. Em princípio, os social-democratas do PSDB
defendem uma economia modernizada mas que dê atenção especial para as questões
sociais. Ou seja, o PSDB proclama-se um partido de centro esquerda. Na prática “evoluiu”
de um partido de indecisos, de gente “em cima do muro” para mais um partido de direita
que se recusa terminantemente a assumir-se como tal...
Justiça seja feita, na CPI contra Collor os tucanos, acompanhando os deputados
do PT deram bonitas bicadas bicadas no governo.

Mas o governo de Itamar Franco acabou sendo dominado pelo PSDB,


principalmente através do ministro Fernando Henrique Cardoso. Itamar não deu nenhum
pio contrário. O tucano FHC aproveitou para implantar o plano real, que o levou ao maior
dos vôos: a presidência.

O Plano Real

A inflação no país era uma coisa muito irritante. Os preços aumentavam


diariamente, mas você só recebia no final d.o mês. Ou seja, a cada dia, o dinheiro que
você tinha no bolso estava sendo desvalorizado. Para o pessoal da classe média, dava
para se defender um pouco jogando em fundos de aplicação financeira (FAFs), que
rendiam juros diários. Mas para o povão, sem conta em banco, era uma desgraça só.

As eleições presidenciais de 1994 começaram a esquentar. Lula, do PT, saiu


disparado nas pesquisas de opinião. O PT tinha feito algumas boas prefeituras e seus
deputados eram famosos pela dedicação ao trabalho parlamentar. Nas denúncias de
corrupção, apareceram políticos de quase todos os partidos, mas nenhum do PT. O PT
sempre teve muito prestígio entre intelectuais, sindicalistas e estudantes. A cada eleição
que passava, conquistava mais votos. Em todos os movimentos populares, tipo
camponeses sem-terra, associações de moradores, greves operárias, lá estavam os
militantes do PT. Um governo de Lula era a promessa de muita atenção aos problemas
sociais. Isso atraía grande parte do eleitorado.

Mas o PSDB tinha algumas cartas na manga. A principal era o fato de ter um
governo nas mãos: Fernando Henrique Cardoso (FHC) era o ministro no comando da
economia. O PSDB possui muitos intelectuais, o próprio FHC foi um dos mais importantes
sociólogos burgueses do Brasil, professor da USP e de diversas universidades
estrangeiras. O PSDB também tinha fama de políticos honestos e modernizadores, como
Mário Covas (SP), por exemplo. No Ceará, dois governadores tucanos (Tasso Jereissati e
Ciro Gomes) tinham realizado obras sociais elogiadas por alguns setores (principalmente,
os ligados ao PSDB...). No mínimo, eram bem diferentes dos velhos políticos oligárquicos.

Faltava o ovo de Colombo. O PSDB achou. No México e na Argentina, foram


instalados planos econômicos que reduziram drasticamente a inflação. Os economistas
do PSDB adaptaram essas idéias para o Brasil: nascia o Plano Real.

A principal medida do plano foi criar uma nova moeda, o real. Só que esse real
passava a valer um pouquinho mais do que o dólar americano! Coisa esquisita, o dinheiro
do Brasil valendo mais do que o dos EUA. Enfim, isso teve vários efeitos. O primeiro é
que as importações ficavam muito mais fáceis. Afinal, o Brasil comprava com uma moeda
valiosíssima. Facilitando as importações, as empresas puderam reduzir os custos da
compra de máquinas e matérias-primas. Além disso, os produtos importados passaram a
chegar bem baratos, provocando a queda dos preços dos similares nacionais. O principal,
porém, estava no fato de que o truque para segurar a inflação era encontrar um ponto em
comum. Como chegar a um acordo se cada empresário, cada sindicato, queria botar os
preços e salários num nível? O ponto de acordo foi encontrado: o dólar, que todos
reconhecem como uma moeda forte e estável. Pronto, o dólar seria a âncora, a referência
absoluta para todos os preços.

O resultado inicial foi empolgante: a inflação desceu de modo espetacular. Os


pobres descobriam que seu dinheiro não diminuía mais a cada dia. A propaganda
governamental enfatizava que, na prática, os trabalhadores “estavam ganhando mais”.
Podiam comprar a crédito porque as prestações eram as mesmas todos os meses. Todo
mundo comprando, economia reaquecida. De repente, o ministro FHC e sua equipe
pareciam ter realizado um milagre econômico. (Epa! Já ouvimos essa expressão antes...)

É bem verdade que a velha conhecida, a Rede Globo, voltava a dar força total
para o seu candidato, no caso, o tucano.

O PT não percebeu a importância da queda da inflação. Seus dirigentes


chegaram a declarar que a inflação nem era o maior problema do país. Pronto, foi mole
para a campanha do PSDB dizer que “se Lula for eleito, o Plano Real será extinto e a
inflação retornará ao Brasil”. De nada adiantou o PT dizer que no dia seguinte às eleições,
os preços voltariam a subir. Inclusive, porque isso não aconteceu realmente.

Para consolidar sua candidatura, FHC montou uma aliança com o maior partido
do país, o conservador PFL, herdeiro do velho PDS. Pronto, estava garantido o apoio do
Congresso ao Plano Real.

O PT ainda tentou apresentar a imagem de Lula como um político moderno,


estadista recebido por grandes líderes políticos europeus, que nada tinha para assustar a
classe média. Mas era bem difícil competir com a imagem do professor bem-sucedido, do
ministro que criou um plano que tinha "acabado com a inflação".

As eleições presidenciais de 1994 nem precisaram de segundo turno. FHC


venceu facilmente. Lula, em segundo lugar, veio bem depois. Nas eleições para
governador, o PSDB também arrebentou.

Para quem achava que a situação brasileira não poderia piorar...

FHC elege-se presidente da república

FHC assumiu a presidência da República apoiado por uma confortável maioria no


Congresso. Praticamente todos os grandes partidos o apoiavam, principalmente o PSDB,
claro, e o PFL. Na presidência do Congresso, nada mais nada menos do que o senador
José Sarney (PMDB). Isso mesmo, o ex-presidente continuava com força total. As
exceções críticas a FHC eram o PT e PDT. Claro que isso não significava que era fácil
governar. Na verdade, toda vez que o governo queria que um projeto fosse apoiado pelo
Congresso, tinha de oferecer alguma coisa em troca para seus aliados (geralmente
cargos públicos bem remunerados).

No fundo, as ligações de FHC com notórias figuras conservadoras revelavam que


o presidente estava distante das raras e tímidas idéias sociais ligeiramente progressistas,
mas sempre miseravelmente weberianas, defendidas no tempo em que era professor ou
mesmo durante seu mandato de senador do PMDB. O presidente argumentava que o
mundo tinha mudado e que era necessário ventilar as idéias.

FHC levou adiante e aprofundou a política neoliberal, globalizante e entreguista


iniciada por seu antecessor Collor de Mello: privatizou empresas estatais, liberou as
importações, fez cortes nos gastos sociais, aumentou tarifas públicas e congelou o salário
do funcionalismo público. O monopólio da Petrobrás foi anulado, ou seja, ela tinha
deixado de ser a única empresa no Brasil autorizada a explorar o petróleo. Agora, teria de
enfrentar a concorrência estrangeira. O mesmo aconteceu no setor de telecomunicações.

O Plano Real parecia ser bem-sucedido no combate à inflação. O problema é que


muitas vezes a economia se assemelha a um cobertor curto: quando você cobre esse
lado, deixa o outro no frio. Para começar, a taxa de câmbio supervalorizando a moeda
brasileira (o real) facilitava as importações e, por efeito inverso, encarecia as exportações.
A balança comercial externa se tornou negativa. O México passou pelo mesmo problema,
até que as reservas cambiais (moeda forte que o país dispunha para gastar) foram
torradas e o país se viu na beira da falência: era o efeito tequilla. Na Argentina, acontecia
algo parecido. Mas os economistas do real alegavam, com boa dose de razão, que a
economia do Brasil tinha uma indústria muito mais sólida do que a dos outros dois países.
Realmente, a balança, no início e com forte apelo da propaganda – paga com dinheiro
público, por sinal – acabou demonstrando-se menos negativa do que na realidade o era...

Acontece que o governo tinha de conter gastos públicos e parar de emitir papel-
moeda. Também queria conter o consumo, para que a demanda (procura) baixa
mantivesse os preços em baixo. Para isso, botou as taxas de juros lá em cima
(recolhendo para o Banco Central parte do dinheiro dos bancos tornava mais escassa a
moeda).

O resultado é que ficava difícil um empresário pegar dinheiro emprestado num


banco. Começou a recessão. Produção menor, falências, desemprego crescendo
assustadoramente. Os juros altos também aumentavam estupidamente a dívida interna
do governo, uma espécie de bomba relógio marcando hora para explodir.

Há muitos anos que a ciranda inflacionária enchia os bolsos dos banqueiros. Mas
a diminuição brusca da inflação pegou alguns bancos de surpresa. Ameaçados de
falência, receberam ajudas do governo federal que chegavam a bilhões de dólares. A
população então se perguntava: que governo é esse que gasta fortunas para salvar quem
já tem fortunas? A liquidação do Banco Econômico, por exemplo, envolveu muita gente
poderosa, inclusive o senador baiano Antônio Carlos Magalhães (PFLBA), uma das
figuras mais poderosas do governo.

As reformas econômicas neoliberais interessavam aos empresários, que


sonhavam com uma economia mais ágil e que dobrasse o movimento operário. Mas
essas reformas foram retardadas pelos políticos tradicionais, que temiam o fim das
estatais, cujos cargos de direção sempre foram cobrados. A esquerda também não
concordava com grande parte dessas reformas por considerá-las prejudiciais aos
trabalhadores.

A maldição tucana (ficar em cima do muro) parecia atingir em cheio o governo


FHC. Tragicamente simbólico foi o massacre dos camponeses do Movimento dos Sem-
Terra, em abril de 1996: a PM chegou de surpresa no acampamento e fuzilou inúmeras
pessoas.
Questões em aberto

O processo histórico de formação do Brasil leva-nos à inevitável conclusão de que


não passa de um tolo preconceito acreditar que “o povo brasileiro é o culpado pela
situação do país”. Afinal, o povo trabalhador tem sido antes de tudo uma vítima da
estrutura social injusta.

Não adianta ficarmos nas lamentações. E preciso pensar criticamente para


encontrar novos caminhos para o nosso país.

O Brasil do final do século XX e entrada do XXI apresenta muitos problemas cujas


raízes históricas nós estamos estudando. Vamos dar uma olhada nesses problemas?

A questão da terra. Desde a colonização, quase todas as terras estão nas mãos
de uma minoria de latifundiários. Latifúndio-monocultor e escravista, foi assim que
nascemos, lembra? A República Velha também era república dos latifundiários. Getúlio
Vargas, Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros jamais fizeram algo pela reforma agrária.
Assim, a história do Brasil também é a história da luta dos que trabalham na terra:
Cabanagem, Balaiada, quilombos, Canudos, Contestado, as Ligas Camponesas, a
guerrilha do Araguaia. Também é a história da reação: um dos principais motivos para o
golpe de 64 foi impedir a tentativa do presidente Jango de realizar a reforma agrária.

Hoje, existem milhões de famílias de sem-terra, isto é, gente que mora no campo
e que vive na miséria porque não possui nenhum pedacinho de chão para cultivar.
Sobrevivem como bóias-frias, ou seja, empregados temporariamente (na época da
semeadura e, meses depois, na época da colheita). O que eles querem? A reforma
agrária, isto é, que o governo tome as terras improdutivas (as partes que nunca são
utilizadas) dos latifundiários e as distribuam gratuitamente para os sem-terra. Desde
Sarney até FHC que os presidentes têm prometido reforma agrária mas pouco fizeram.

O Movimento dos Sem-Terra, organizado no Brasil inteiro (com apoio dos partidos
de esquerda), começou a utilizar uma tática de luta: invasão de terras. De modo bem
planejado, de repente centenas de famílias pulam a cerca e ocupam um pedaço de uma
fazenda, exigindo a reforma agrária imediata, ali mesmo. Algumas vezes, o governo até
desapropria terras e cede para os camponeses. Mas o grande objetivo das invasões é
chamar a atenção do país para o problema.

Os latifundiários reagem com brutalidade às invasões. Contratam capangas que


em várias ocasiões já perderam o controle e mandaram bala nos sem-terra, chegando a
provocar mortes. Os fazendeiros convocam a polícia militar e, infelizmente, já ocorreram
episódios sangrentos com os soldados atirando e matando famílias de camponeses.

Uma reforma agrária traria grandes benefícios para a população. O número de


miseráveis diminuiria. A oferta de ali mentos seria maior (os pequenos e médios
proprietários são os principais produtores de comida. O latifúndio está mais ligado à
exportação - soja, café, cacau, tabaco - ou aos cultivos industriais - laranja, algodão).
Com mais alimentos no mercado, haveria uma tendência à queda dos preços. As pessoas
comeriam mais e barato. Sobraria dinheiro para gastar com outras coisas. Ou seja, o
mercado interno seria maior. Deste modo, a reforma agrária acabaria dinamizando a
indústria, que teria mais compradores.

O problema todo é: como fazer a reforma agrária? O Congresso Nacional, cheio


de deputados e senadores ligados a latifundiários, mudaria as regras atuais? Será que o
Poder Executivo (o presidente) realmente está empenhado nas mudanças? Será que o
Movimento dos Sem-Terra terá força suficiente para conquistar seus direitos?

A péssima distribuição de renda. O Brasil há décadas é perpassado por cruéis


diferenças sociais do Brasil. O nosso Brasil é simplesmente o país mais injusto do mundo!
Isso mesmo que você leu. Nós temos a pior distribuição de renda do planeta, isto é, em
nenhum lugar os ricos têm tantos bens e renda e os pobres ganham tão pouco. Alguns
dos milionários brasileiros estão entre os mais ricos da Terra e muitos dos milhões de
pobres vivem numa situação bem parecida com a dos famintos dos países mais pobres e
desgraçados.

A origem disso está no tipo de colonização que tivemos (colônia de exploração...),


que impôs o latifúndio (uns com quase tudo, o grande resto com quase nada) e a
escravidão (a maioria sendo explorada pela minoria). Depois da abolição, os ex-escravos
não receberam nenhuma compensação, nenhum pedacinho de terra para plantar. O
Brasil se tornou um país capitalista, com a maioria dos trabalhadores recebendo salários.
Mas o capitalismo brasileiro foi construído de forma selvagem, com muito sacrifício e
pouco salário. As tentativas de mudar a situação foram cortadas com violência. Foi o
caso, por exemplo, das reformas de base interrompidas pelo golpe militar de 1964. Foi o
caso de tantas greves operárias reprimidas pelo governo e pelos patrões, das revoltas
anarquistas da Velha República às greves de metalúrgicos lideradas por Lula no ABC
paulista do fim dos anos 70.

Pois bem, e como diminuir essas escandalosas diferenças sociais? Como ficar
menos distante da igualdade social? Existem várias propostas. Os políticos de direita
alegam que só depois que a economia se modernizar e crescer é que poderá haver uma
divisão dos frutos. A esquerda acredita que a economia só poderá se modernizar se os
frutos atuais começarem a ser divididos agora mesmo. De qualquer modo, distribuir renda
significa tirar de quem tem e transferir para quem não tem, ou seja, tornar o rico menos
rico para que o pobre fique menos pobre. Mas será que os ricos aceitariam? Será que os
pobres estariam dispostos a lutar por isso?

A fome. Nas grandes cidades brasileiras, milhares de pessoas dormem embaixo


dos viadutos, nas calçadas sujas e frias, perto das valas de esgoto. Como é possível que
se passe fome no Brasil? Como é possível aceitar que umas pessoas desperdicem tantos
recursos enquanto que crianças tenham de procurar seu jantar nos restos das latas de
lixo da rua?

Vimos que a fome no Brasil tem razões históricas. Desde a colonização que a
agricultura estava dominada pelos latifundiários. O interesse deles era exportar o mais
que pudessem (açúcar, algodão, cacau, café etc.), sem dar atenção ao cultivo de
alimentos. Portugal, por exemplo, fez várias leis obrigando os senhores de engenho a
plantar mandioca porque volta e meia havia uma crise de abastecimento na colônia. Uma
das causas da Conjuração Baiana (1798) foi a melhora dos preços mundiais do açúcar,
que fez com que os latifundiários plantassem cana onde antes havia produção de
mandioca, feijão, milho e legumes. Na República Velha, os operários viviam reclamando
da carestia.

Os problemas são interligados: falta de reforma agrária, má distribuição de renda,


existência de governos que privilegiam os ricos. 0 que pode ser feito? Não adianta
ficarmos esperando a boa vontade do governo. Temos de nos mobilizar. Uma das formas
foi a famosa Campanha da Fome liderada pelo sociólogo Herbert de Souza (o Betinho),
que nos anos 90 mobilizou a solidariedade de milhões de brasileiros. Desta maneira, foi a
articulação da sociedade civil que contribuiu para melhorar a vida dos pobres. Mas é claro
que não basta. É preciso que a população pressione o governo para que as providências
sejam tomadas pelo Estado. Estamos apenas no começo. Desde Getúlio, passando pela
ditadura militar de 1964, que a sociedade civil brasileira estava sufocada pelo Estado. Só
agora estamos aprendendo a nos mobilizar.

Modernização e globalização da economia. O mundo de hoje é dinâmico, as


descobertas espetaculares da ciência e da tecnologia são imediatamente aplicadas na
economia. No Brasil, muitos setores ainda estão atrasados em relação ao Primeiro
Mundo. Usamos poucos computadores, existe uma porção de fábricas com máquinas
obsoletas e produtos ultrapassados, os institutos de pesquisa científica e tecnológica e
universidades têm poucas verbas (dinheiro do governo). O problema se agrava com a
globalização da economia: a economia do mundo está cada vez mais interligada, um país
influencia diretamente outro país. Como o Brasil pode sobreviver com uma economia
atrasada, que produz velharias com técnicas ancestrais? Qual será nosso futuro se quase
não criamos tecnologia própria, quase não temos cientistas?

A globalização da economia significa que o comércio entre os países se torna


cada vez mais importante do que o comércio entre as cidades e regiões do mesmo país.
Significa que as empresas multinacionais fazem investimentos colossais e geram uma
riqueza muito maior do que as empresas que atuam exclusivamente num único país. Pois
como o Brasil encara tudo isso? Nosso país é capaz de viver a globalização econômica
sem perder a autonomia, sem se subordinar aos países capitalistas mais ricos?

Nosso contato com a economia internacional sempre foi marcado pelas


contradições. Fomos “descobertos” e colonizados exatamente por causa da expansão
econômica européia pelo mundo. De certa forma, nós já nascemos globalizados. Grande
parte da economia brasileira, da Colônia à República, estava voltada para o mercado
internacional (era agroexportadora). Nossa economia sempre sofreu influências externas:
de Portugal, depois da Inglaterra e, no século XX, dos EUA. Poderíamos recordar
inúmeros episódios; o monopólio colonial lusitano, o Tratado de Methuen, o contrabando
inglês, a abertura dos portos, os tratados de 1810 (renovados em 1826), as pressões
inglesas contra o tráfico escravista, o Bill Aberdeen, as dificuldades de Mauá por causa da
concorrência externa, a influência das guerras sobre a nossa indústria (substituição de
importações), o nacionalismo de Vargas e de João Goulart ferindo os interesses norte-
americanos, a abertura da economia aos investimentos estrangeiros com JK, o regime
militar e Collor, a dívida externa que a ditadura contraiu com os banqueiros internacionais
e por aí vai. Enfim, nosso passado é triste e há muito ainda a fazer no futuro a partir do
momento em que haja vontade política para tanto, claro.
A Questão da Educação – Como o Brasil poderá ingressar no século XXI sendo
ainda um país com milhões de analfabetos? Desta forma, os operários são pouco
instruídos, boa parte não consegue aprender como manejar as máquinas sofisticadas de
última geração. Na verdade, faltam pessoas qualificadas em quase todas as profissões. A
modernização econômica é travada pelo atraso educacional.

No Brasil colonial a educação não era muito considerada. Afinal, escravos e


pobres livres não precisavam saber escrever para trabalhar para um latifundiário. Esta
situação durou mais ou menos até o século XX! No tempo do Império, os funcionários
públicos de alto nível eram formados em Direito. Tínhamos poucos engenheiros,
químicos, geólogos, agrônomos, cientistas. Os latifundiários que dominavam o país não
precisavam desses especialistas. A situação começou a mudar no século XX. Os
sindicatos operários começaram a exigir que o governo fizesse escolas públicas para as
crianças pobres. Os anarquistas e comunistas diziam que a instrução era uma arma de
luta dos trabalhadores e estimulavam a leitura e os debates. Com Getúlio, o governo
passa a se preocupar em fornecer instrução elementar para os operários; queria qualificar
e disciplinar a mão-de-obra. Mas parece que as elites brasileiras têm medo do povo
educado. Gente que estuda e reflete criticamente começa a pensar e a fazer coisas
diferentes...

Hoje, quando a criança pobre consegue entrar na escola pública (não há vagas
para todas), sofre com a falta de material, a ausência de professores e de estímulos. Na
maioria das vezes, ela é obrigada a largar logo os estudos porque precisa trabalhar na rua
para sobreviver.

Com baixíssimos salários, os professores não vão às aulas, ou então


empurram a matéria sem preocupação de ensinar. Que tragédia!

Como garantir o acesso de todas as crianças à escola? Como termos boas


escolas e universidades públicas? Como pagar bem os professores e equipar os
laboratórios e bibliotecas? Problemas cabeludos para a sociedade resolver, não é
mesmo?

Especialistas mostram que o conhecimento será a grande força econômica do


século XXl. Quem não quiser (ou não puder) estudar e aprender vai ficar para trás. Como
nós ficaremos?

Cidadania. Esta palavra pode significar muitas coisas. Em princípio, todos os


brasileiros deveriam ter o direito de exercer a plena cidadania. Como você sabe, a idéia
dos direitos do homem e do cidadão surgiu durante a Revolução Francesa de 1789,
baseada nos ideais democráticos iluministas. No Brasil, nós nunca tivemos nossa
revolução francesa completa. Por muito tempo, escravos, homens livres pobres e
mulheres eram não-cidadãos. No governo de Getúlio Vargas, cidadania era o direito de
ser reconhecido pelo Estado, ou seja, ter emprego fixo, carteira de trabalho assinada,
sindicato aprovado pelo governo.

A Constituição de 1988 estabeleceu vários direitos de cidadania. Infelizmente, a


maioria ainda não existe na prática. O direito de ser livre, não passar fome, de ter
emprego, habitação decente, médico e segurança, de não ser violentado pela polícia, de
não ser discriminado racialmente ou sexualmente tudo isso tem a ver com a cidadania.
Cidadão é o que participa ativamente da cidade, ou seja, aquele que influencia
nas decisões da comunidade. Portanto, os direitos do cidadão só podem ser garantidos
se as pessoas procurarem se interessar ativamente pela política, se elas se associarem
para defender seus direitos.

Reforma do Estado – No Brasil, o governo tem feito muito pouco pelo bem
público. A impressão é que o Estado sempre foi privatizado, ou seja, só existiu para
atender aos interesses particulares de alguns grupos privilegiados e não de toda a
população.

Historicamente, o governo brasileiro nasceu opressor. Ele foi instalado pela


metrópole portuguesa com algumas finalidades básicas: submeter os índios, garantir a
disciplina dos escravos, apoiar os grandes proprietários, assegurar a obediência a
Portugal. Quando nos tornamos independentes, o Estado nacional foi construído pelas
elites, e ele pouco tinha de democrático. D. Pedro I era um tirano, as revoltas regenciais
foram esmagadas a ferro e fogo, o parlamentarismo monárquico de D. Pedro II era
baseado no voto censitário e indireto. Na República Velha, a política era dominada pelos
coronéis e pelas oligarquias estaduais. Tempo do voto em aberto, do cabresto eleitoral,
da questão social encarada como um caso de polícia. Com Vargas, o Estado procurou
incorporar a sociedade civil. Por exemplo, a imprensa estava sob censura, os sindicatos
eram subordinados ao governo e até escola de samba precisava autorização para
desfilar. A mesma truculência foi repetida durante a ditadura militar (1964-1985): o
Estado reprimindo greves, invadindo sindicatos, proibindo que se criticasse o governo,
fechando jornais, prendendo opositores.

O primeiro passo para "desprivatizar" o Estado é garantir que ele seja


democrático. Felizmente, hoje possuímos mais liberdade do que em qualquer outra época
de nossa história: o presidente é eleito com voto direto e secreto, a imprensa é livre, todos
os partidos podem funcionar, os sindicatos têm autonomia, as pessoas podem ir para rua
protestar. Esses direitos não caíram do céu, é claro. Resultaram de anos e anos de luta
do povo contra as ditaduras. Mas isso não basta. Porque um grave problema ainda não
foi solucionado: como evitar que as pessoas elejam políticos que não têm nenhum
compromisso com a população? Como, através do jogo democrático, derrotar os políticos
mentirosos, oportunistas, enganadores do povo?

O Estado brasileiro precisa de reformas urgentes para que se torne mais ágil,
mais dinâmico, mais moderno, capaz de atender melhor as pessoas. Não tem cabimento
que hospitais públicos caiam aos pedaços, que escolas não tenham aulas, que os
aposentados recebam tão pouco, que um simples documento leve semanas para ser
expedido.

Um dos problemas mais graves (e isso acontece em quase todo o mundo) é o


déficit público, ou seja, o governo está gastando muito mais do que arrecada com
impostos. Como resolver esse problema? A sociedade precisa aprender a controlar os
atos do governo, estar sempre atenta ao que o presidente e o Congresso andam fazendo.
É desta maneira que combatemos a corrupção e o mal uso que o governo faz com o
dinheiro público.

Fiscalizar para evitar a corrupção, ficar de olho para que o governo faça gastos
realmente importantes para a população não é suficiente. Porque falta dinheiro mesmo. E
como conseguir? Os partidos de esquerda propõem o aumento de cobrança dos impostos
sobre os mais ricos. Os partidos neoliberais acham que há impostos demais e gente
pagando de menos, ou seja, as empresas estariam sufocadas e muito espertalhão estaria
sonegando. É possível que cada lado tenha um pouco de razão.

Muitas pessoas argumentam que o governo não tem dinheiro para investir em
energia elétrica, telefones, estradas, hidrelétricas, fabricação de aço. Por isso, o ideal é
privatizar as empresas estatais que se dedicam a tais atividades. Desde Collor até FHC o
governo vem seguindo a linha de privatizações. Fernando Henrique Cardoso chegou a
privatizar a maior empresa mineradora do mundo, a Cia. Vale do Rio Doce. Os neoliberais
acreditam que as novas empresas privatizadas vão pagar impostos bem maiores ao
mesmo tempo em que o governo já não precisa mais investir nelas. Portanto, sobraria
mais dinheiro para investir no bem estar social.

No Brasil, sempre foi corriqueiro o político arrumar empregos públicos para


seus eleitores. Uma povão de gente foi nomeada para se tornar aspone (assessor de
porcaria nenhuma) numa repartição qualquer. Recebem uma grana e nem comparecem.
Enquanto isso, os outros funcionários têm de se virar para atender as pessoas. O pior é
que esses cabides de empregos (onde ficam pendurados os aspones) não podem ser
mexidos por causa da estabilidade no emprego. Ou seja, depois de alguns anos, o
funcionário público jamais poderá ser demitido. Direito garantido por lei. Uma das
mudanças propostas seria criar leis que permitam o governo demitir os funcionários
públicos em excesso. Os neoliberais são favoráveis às demissões em massa para aliviar
as contas do governo. A esquerda é contra porque quer garantir o emprego. Mas como é
possível falar em empreguismo e ao mesmo tempo não aceitar nenhuma demissão? Até
mesmo os aspones devem continuar empregados? Até mesmo os funcionários de nível
de segundo grau que recebem 60 ou 100 salários mínimos por mês ou mais? Por outro
lado, como lembra um estudo do historiador, sociólogo, jornalista e professor da UFF,
Maurício da Silva Duarte, o fim da estabilidade no emprego público pode fazer do
funcionarismo um joguete nas mãos de chefes políticos, especialmente nas cidades
pequenas do interior. Mais uma vez vem à tona a grande questão: como garantir o
controle democrático da sociedade sobre o Estado? Como estimular as pessoas a se
interessar pelo que fazem os governantes e passar a cobrar deles?

A Derrota da Política - A Era da Traição


Dez anos de Plano Real

Sem contemplação ou raciocínio em torno do que se deve ou não fazer para


melhorar a situação existencial de nossa gente, era necessário deter a escalada
inflacionária sem modificar os grandes lucros capitalistas do tempo contemporâneo. Um
plano feito para manter sólidos os lucros do grande capital especulativo, para o fim a que
se destinou teve sucesso absoluto.

Abstraindo detalhes não considerados quando da elaboração do plano, detalhes


como trazer bem-estar ao povo, melhorar a distribuição de renda ou mesmo a produção
foi, desde sempre um projeto técnico voltado única e exclusivamente a trazer mais
segurança e firmeza ao capitalismo brasileiro.
Em 1994 a inflação chegava aos 40% ao mês e naquele ritmo, terminaria o ano
em 5.500%. O país não pagava integralmente sua dívida externa e estava fora do mapa
dos investimentos estrangeiros. Diante daquele quadro era necessário convencer
trabalhadores, empresários e investidores – todos eleitores, uma vez que era um ano,
1994, de eleições presidenciais – de que, após os fracassados Cruzado, Cruzado 2,
Bresser, Verão, Collor e Collor 2, um novo plano contra a inflação funcionaria.

Foi por acaso que o professor FHC, reputado até então como esquerdista e à
ocasião na chefia do Itamaraty, estudava uma candidatura a deputado no ano seguinte,
foi nomeado Ministro da Fazenda. Pouco versado nos temas da pasta, começou sua
gestão com a cantilena até hoje repetida por seus sucessores: não se afastaria do que os
economistas chamam de políticas ortodoxas, ou seja, combateria a inflação com as
recomendações da cartilha tradicional – juros altos e controle dos gastos públicos. O
mesmo que se implantou, à mesma época, na Argentina, no México e numa série de
outros países que já se afastaram deste encaminhamento externo danoso à vida nacional.

No caso brasileiro, o desempenho da ortodoxia nos dois anos anteriores


tampouco era animador. Afinal, “os manuais econômicos não foram feitos para um país
em que preços, salários e contratos eram quase todos atrelados a índices de correção
monetária”.

Ficou claro que somente apelando para a implementação no Brasil deste plano
tecnicamente engendrado nas vísceras do capitalismo estadunidense se poderiam
garantir os grandes lucros de especuladores nacionais e internacionais, mantendo
incólume o capitalismo brasileiro, desde que se abstraíssem as questões políticas. Esta
derrota da política é a principal característica do Consenso de Washington no Brasil:
dentro da mais rigorosa ortodoxia econômica, o presidente do Banco Central dita as
normas que serão seguidas até pela Presidência da República, invertendo a hierarquia
política nacional. Combate a todos os gastos públicos, ou seja, o BACEN se recusando a
alocar recursos para atividades políticas como investimentos em saúde, educação ou
segurança pública, sob um discurso absolutamente privativista. A grande conquista seria
a paridade da moeda nacional ao dólar estadunidense, o que se manteve no Brasil
artificialmente anos a fio. Completando o círculo de ferro, taxas de juros na estratosfera,
com vistas a garantir “investimentos” externos com a atratividade do lucro fácil sem a
necessidade de investimento em setores necessários ao social no Brasil. Toda a atividade
social ou cultural ficou relegada à rubrica “esmola” ou sujeita aos fluidos da iniciativa
privada, que o poder público, sem dinheiro para tanto que o capital brasileiro foi todo para
garantir o “bom nome” do Brasil lá fora, à revelia do bem-estar de nossa gente...

Era perdida, era maldita, era da traição – Pobre Brasil...

Tais foram os epítetos dados pelos estudiosos aos últimos anos e há um esboço
de como ficarão conhecidos os novos tempos. Com tais epítetos sabe-se que a nação
passa por um período dificílimo de crise aparentemente interminável até porque os
governantes, antes de buscar soluções, impuseram-se como gigantescos obstáculos.

O período final da ditadura militar e o governo Sarney ficaram conhecidos como


“Década Perdida”; o período FHC ficou conhecido como “Década Maldita” – foram 2 anos
como ministro de Itamar e 8 como Presidente da República. O século XXI começa sob o
signo da traição.
Na Europa, berço da social-democracia, os partidos políticos desta linha, após
convocar reuniões plenárias com suas bases, via de regra seguem o doutrinário neoliberal
debaixo do discurso de “humanizar o capitalismo”, com mais ou menos sucesso. Os
países escandinavos são um exemplo de sucesso neste tipo de encaminhamento.
Lugares em que há praticamente pleno emprego e os serviços sociais (fundamentalmente
em torno da saúde e da educação) são encargos exclusivos do poder público. Como
resultado a qualidade do atendimento médico, assim como da educação pública é
inquestionável.

O Brasil, como diz Roberto Schwartz, está sempre colocando e recolocando


idéias estrangeiras fora do lugar. Temos dois grandes partidos com ideário social-
democrata: o PT e o PSDB. O PSDB frustrou as expectativas da nação ao encaminhar de
maneira técnica o procedimento político. Primeiro houve a fé cega no Plano Real. Após
tantos anos de inflação ininterrupta era preciso agarrar-se a alguma coisa. Logo se
percebeu que o aquele plano fora engendrado no mesmo local em que o foram dezenas
de outros similares na América Latina e África: foi a aplicação prática, em nossas plagas,
do “Consenso de Washington”. Um exemplo bem próximo é a Argentina, onde Domingo
Cavallo, o FHC deles, implantou um plano econômico contemporâneo ao nosso real,
cujos parâmetros fundamentais eram os mesmos, ou seja: paridade entre a moeda
nacional e o dólar estadunidense, elevadíssima taxa de juros e controle rigoroso dos
gastos públicos – entendendo os investimentos em saúde e educação como gastos,
foram estes jugulados, quando não suprimidos, lá, aqui, no México e onde mais foi
aplicado – sempre com vistas a pagar vultosas quantias a título de “juros da dívida”, que
há anos ficou claro ser rigorosamente impossível pagar o principal.

O resultado disso, como não poderia deixar de ser, foi o desemprego, o


subemprego – o crescimento recorde das atividades econômicas informais – o aumento
do analfabetismo, da mortalidade, da criminalidade e do consumo de entorpecentes do
lado social e, do lado do capital, um enriquecimento surpreendente das empresas ligadas
ao crédito direto ao consumidor, assim como daquelas que vivem de especulação. Em
suma, dez anos de plano real trouxeram mais lucros e maior conforto a quem já estava no
topo da pirâmide social brasileira.

A cúpula do PT escolheu seguir para a direita, tal como o PSDB o fizera quando
no governo, sem qualquer consulta às bases eleitorais a este respeito, como acontece na
Europa. No caso petista, dada a tradição de ouvir as bases e ainda ter uma militância
aguerrida além de importantes lideranças comunistas, este fato tem sido gravíssimo e
provocado os maiores escândalos. Quem ainda tenta encaminhar o processo político de
maneira política é relegado a segundo plano ou mesmo expulso do partido, sob a
acusação infamante de “coerência”. No PT é proibido hoje ser coerente a seu passado
histórico. Se outrora se pregava a cessação do pagamento da dívida externa, o fim do
monetarismo no encaminhamento econômico, o fim da cobrança de juros altos e do
desemprego, a volta das considerações sociais ao centro das atenções, frustramo-nos
todos ao sermos traídos pela cúpula do partido que optou por agudizar o
encaminhamento monetarista dando autonomia ao Banco Central que, na prática, decide
como o dinheiro em circulação no Brasil deve ser “tecnicamente” empregado. Não há
mais decisão política a este respeito a não ser como um teatrinho voltado a engambelar o
povo.

Engambelação passou a ser outro problema. Enquanto o Brasil segue ladeira


abaixo numa escalada pavorosa de desemprego, subemprego, ausência de
considerações sociais, enfim, que não sejam na condição de esmolas – que inclusive são
negadas – a propaganda martela tanto e por tantas vezes coisas até verossímeis, se a
prática, se a vida concreta não as desmentisse, mal sejam pronunciadas, o que deixa a
militância inocente e pouco instruída, além de emocionalmente envolvida, num
engajamento enlouquecido, tentando provar que “não está tão ruim”, como se isso fosse o
suficiente para um governo que prometia mudanças e não cumpriu, que traiu a vontade
do eleitorado. Se o PT prometesse na campanha o que está fazendo na prática, ou seja,
aumentar o desemprego e o desespero, mantendo os tucanos como donos do Banco
Central do Brasil e agudizando a concentração de rendas ampliando o fosso entre ricos e
pobres neste país, sem dinheiro para nada a não ser o pagamento dos juros de uma
dívida que só faz crescer, tenho dúvidas se teria sido eleito.

Há a elaboração de cartilhas, com dinheiro público por sinal, o que está sendo
questionado, tentando provar que você e eu, leitor, assim como nove em cada dez
brasileiros estamos errados em nossa percepção da realidade. Que não é verdadeira a
nossa percepção de que há mais assaltos hoje do que há dez anos, que há mais
desemprego hoje do que há dez anos, que o governo Lula é uma continuação piorada do
governo FHC. Verdadeira é a cartilha do Duda Goebbels Mendonça que, por vias
tortuosas, “prova” que o contrário da realidade é que constitui a “verdade” governamental.

Até quando a militância petista, traída pela cúpula do partido, se deixará enganar
pela propaganda governamental? Quanto tempo ainda demorará até que perceba que
estamos vivendo a pior ditadura do mundo, a ditadura fria do Capital? Até quando aferirá
a prática dos homens públicos somente pelo discurso e não pela prática? Até quando
suportará ser tutelada pela cúpula partidária e aceitará candidamente ser tratada como
uma criança oligofrênica?

Esta ingenuidade da militância é extraordinária pois constitui o ponto fulcral ao


desabrochar do idealismo. Com o tempo desperta...

“Realizações” do governo petista

Seduzido pelo Poder, Lula se esquece de suas raízes e não governa.


Miseravelmente discursa. Sempre mentindo. Manipula estatísticas para desinformar no
sentido de que seu governo está realizando “o que nunca antes foi feito neste país” – e
quando fala isso não se refere à formação de quadrilha, que capitaneou ou testemunhou
de perto; tampouco acerca do suborno escancarado a parlamentares ou à queda de
ministros e líderes petistas outrora considerados íntegros por corrupção, abuso de poder,
peculato e crimes de responsabilidade.

Lula quer fazer acreditar que seu governo é um bem e não um mal, que de fato é,
para nosso país!

Nosso endividamento cresceu para mais de R$ 1.000.000.000.000,00 (UM


TRILHÃO DE REAIS!). Isso realmente nunca havia acontecido antes neste país.

Nossos impostos jamais haviam sido tão escorchantes. Pagamos ao governo Lula
40% - 2/5 dos infernos, o dobro do que o Visconde de Barbacena cobrava ao exigir o
“quinto” – e o dinheiro não é empregado nas necessidades básicas de nosso país, vai
para o enriquecimento de banqueiros, para o suborno de parlamentares, para cobrir suas
despesas pessoais e prestar sinecuras a amigos e parentes.
Collor de Mello seqüestrou a poupança dos Brasileiros. Lula seqüestrou a
Esperança transformando-a em agonia, desespero, desamparo e medo.

O estrago por ele promovido à própria noção de “esquerda” no mundo somente


poderá ser avaliado com o passar dos anos. Tínhamos Esperança e recebemos a maior
traição da história pátria!

Neste momento o Ministério Público indiciou os 40 ladrões. Só falta agora pegar


o Ali Babá...
Brasil controlado pelo crime organizado

A formação da quadrilha

Banqueiros, especuladores, jogadores da bolsa de valores e parasitas afins, após


auferir uma quantidade obscena de recursos se decidem a defender seus interesses e
ampliar sua lucratividade. Para isso, organizam-se.

A eles pouco importa se o regime é liberal, autoritário, social-democrata ou


mesmo alegadamente “socialista”. A única coisa que lhes importa é manter e ampliar sua
lucratividade às custas do trabalho alheio.

No caso brasileiro, após o fiasco monumental da ditadura militar – fiasco mais


financeiro que outra coisa qualquer; o militar tem forte tendência ao nacionalismo e a
pensar no próprio povo, apesar de todas as desgraças que causaram, o que de fato os
levou a serem apeados do poder foi o fato de não estarem facilitando as coisas para os
especuladores...

A partir daquele momento, chegou-se, com a conivência dos intelectuais venais


de hábito, à conclusão que o encaminhamento mais adequado à política brasileira, do
ponto de vista dos bancos, seria a via eleitoral que, evidentemente, nada tem a ver com
democracia embora a propaganda afirme hipnoticamente o contrário.

Assim, aquela escória supracitada passou a patrocinar as campanhas eleitorais


de seus potenciais aliados – muitos deles banqueiros ou proprietários de meios de
comunicação para a massa.

Eleitos, deputados e senadores votam leis em defesa da elite financeira que os


conduziu ao poder, leis contrárias em tudo e por tudo aos interesses do povo trabalhador
do Brasil – sempre, claro, tomando o cuidado de sempre afirmar o contrário diante dos
meios de comunicação que os entrevistam ou sempre que aparecem ou discursam em
público.

O presidente da república não passa de um marionete, um palhaço que faz


relações públicas afirmando em público o contrário do que foi decidido privadamente. É
um mero marionete a defender os interesses dos bancos e jogadores enquanto discursa
para a plebe mantendo-a sob controle com mentiras tão bem elaboradas que deixariam
Joseph Goebels vermelho de vergonha e com ganas de voltar ao maternal...

Aqui está uma expressão que virou moda, muito desagradável mas cabe
perfeitamente neste contexto: “nuncaantesnestepaíz” um dirigente obteve tamanha
popularidade governando para os banqueiros, contra o povo do Brasil e obteve tamanho
sucesso em fazer acreditar justamente no oposto. Aqueles que foram deixados em
situação de penúria PRECISAMENTE pelo tipo de governo que exerceu no primeiro
mandato, agora abrem mão de lutar por emprego, salário e dignidade. Consolam-se com
a bolsa-esmola que o governo concede aos desesperados com a aquiescência dos
bancos...

2. Organizando o crime

Frequentemente encontravam-se brechas na legislação brasileira que permitiam a


um raro juiz humanista interpreta-la a favor do oprimido, contra o opressor. Tornou-se
crucial não apenas modificar a legislação para evitar este tipo de ocorrência, como ainda
controlar o judiciário para que aprenda de uma vez por todas a favor de quem devem
julgar.

Obedecendo caninamente aos ditames dos banqueiros e jogadores, de toda esta


escória que comanda o crime organizado enfim, os menores detalhes na legislação
trabalhista que beneficiavam, mesmo remotamente, o trabalhador, sofreram “reformas”. A
própria expressão “reforma” que outrora significava uma mudança gradual do capitalismo
em direção a uma sociedade mais justa – delírio dos social-democratas – sofreu uma
flutuação e hoje, quando se fala em “reforma” todos sabem que mais desgraças cairão
sobre os trabalhadores.

A maior parte destas “reformas” que suprimem direitos trabalhistas e permitem


aos banqueiros e jogadores avançarem cada vez mais sobre os geradores da riqueza
desta Nação é engendrada pela facção que ocupa o Planalto, assinada pelo marionete
dos banqueiros que ocupa a cadeira presidencial e lançada aos parlamentares venais
que, a um bom preço, vendem suas consciências e assumem como suas estas iniciativas
antipáticas.

É ainda o marionete dos banqueiros que ocupa o Planalto aquele que nomeia os
juízes apontados como “confiáveis” pela escória que realmente domina a Nação.

Assim, tanto as leis quanto a sua interpretação está completamente sob controle
dos bancos e seus representantes, ou seja, mais lucros para os biliardários e mais perdas
para os geradores da riqueza, aqueles que trabalham e estão banidos da insignificante
proteção legal com que contavam.

Dizia meu falecido pai que quem paga diz como o assalariado deve proceder. O
aparelho judiciário brasileiro conta com uma fonte independente de arrecadação de
impostos? O legislativo a tem? Em que poder se concentra a arrecadação de impostos e
portanto é o único a ter recursos? O Executivo. O Executivo paga o Judiciário e o
Legislativo que, claro, segue suas ordens que, aliás, vêm das instâncias econômicas
superiores, aquelas que verdadeiramente governam estepaíz.

Assim organizado em torno de um único poder, o crime atinge o paroxismo da


sofisticação, ficando os outros relegados ao papel de coadjuvantes. Podem discursar – é
até útil à ilusão de democracia que haja discursos contrários ao poder verdadeiramente
dominante, contra as medidas do governo. Com a condição óbvia de, ao fim e ao cabo,
votar a favor, absolver e manter intocada a estrutura criada pelos líderes do crime
organizado.

3. Diferentes formas de crime


O crime organizado domina o Brasil, elabora leis e controla os juízes.

A facção criminosa conhecida como “Banco Central” constitui-se na Instância


Maior da República, aquela que efetivamente representa os interesses econômicos
maiores que nos dominam.

Aquela facção concentra toda a arrecadação de impostos e controla todas as


finanças pátrias mas, como os traficantes nas favelas, concedem migalhas aos miseráveis
para que lhes dêem suporte. Controlando os miseráveis através de esmolas e um
sofisticado programa de propaganda para que fiquem apáticos e deixem de lutar por seus
legítimos direitos à vida e ao trabalho honrado. Uma facção criminosa no poder corrompe
toda a nação...

À facção do BACEN cabe manter elevadas as taxas de juros e a lucratividade das


empresas que representa. Cabe ainda evitar o crescimento do país, pois isto traria um
fator de desestabilização que não estão dispostos a computar. Qualquer crescimento do
Brasil acima do preconizado pela facção seria potencialmente perigosa à lucratividade
astronômica da facção dos banqueiros e parasitas afins.

À facção do Planalto cabe discursar, “fazer relações públicas” na direção oposta à


prática econômica adotada pela facção do BACEN, sempre tomando a precaução de
apresentá-la, senão como “a única alternativa possível”, aquela que trará benefícios ao
trabalhador brasileiro no longo prazo.

Esta é a mesma versão, elaborada pela mesma pessoa, de “deixar crescer o bolo
para depois dividi-lo”. Era o discurso do Ministro do Planejamento do General Geisel e
hoje presidente do BNDE, Antônio Delfim Netto.

4. A distância entre o discurso e a prática

Em 1789 os brasileiros se revoltaram gravemente contra a cobrança de


extorsivos 20% em impostos que iam integralmente para a Coroa Portuguesa, em nada
beneficiando o povo desta nascente Nação. Vem desta época a expressão que ninguém
suportava mais pagar “os quintos dos infernos”.

O mundo muda, a propaganda se torna cada vez mais sofisticada e hoje, embora
paguemos mais de 40% (mais de dois “quintos dos infernos”) de tudo quanto produzimos
em impostos que em nada beneficiam os brasileiros não há revolta. Há concordância,
conformismo e a revolta, rara, quando ocorre, destina-se precisamente a quem denuncia
o mal, não quem o pratica! De vez em quando eu mesmo sou vítima desse tipo de
“revolta”...

Mas... E a enorme quantidade de impostos que pagamos, para onde vai, afinal?

A facção do BACEN controla a distribuição destas finanças que remete,


majoritariamente, à ciranda financeira, aos verdadeiros donos do poder.

Não é casual que todo o presidente do BACEN seja escolhido entre e pelos
representantes dos bancos e do grande capital especulativo. Ontem era o estafeta do
George Soros, Armínio Fraga. Hoje é o gângster Henrique Meirelles, funcionário de
carreira do Bank of Boston. Este mesmo, se chegar a ser substituído o será por outro
representante dos mesmos interesses. A pantomima de se propalar que o marionete que
ocupa o Planalto ser aquele quem “escolhe” ou “nomeia” o presidente do BACEN é mera
propaganda; não ultrapassa o nível do discurso.

A quantia é pavorosamente enorme, são 40% de toda a produção nacional.


Sobra alguma quantia, que o BACEN autoriza o governo a distribuir da seguinte maneira:

1) Para a propaganda governamental propalar estar fazendo precisamente o


oposto do que pratica e simplificar o desvio de recursos brasileiros a contas bancárias
privadas em bancos estrangeiros, como ficou claro no episódio envolvendo Luiz
Gushiken, Marcos Valério, Delúbio Soares e Duda Mendonça.

2) Recursos a fundo perdido em “cartões de crédito corporativos”. Quando foi


revelado ao público que a Primeira Dama, D. Mariza Letícia, gastava mais de R$ 2.000,00
(cerca de 14 bolsas-esmola destas pagas por mês ao lumpemproletariado) POR DIA isto
se tornou “Assunto de Segurança Nacional” e ninguém mais pode ficar sabendo o que a
facção do Planalto faz com um rio de dinheiro.

3) Recursos para subornar diretamente parlamentares através de mensalão ou


seja lá que nome passem a dar a esta prática, ainda muito comum. Esta prática, contudo,
é meramente coadjuvante da forma principal de suborno a parlamentares através de
nomeações a cargos públicos regiamente remunerados, como se diz no governo Lula,
“por dentro e por fora”, negociações de ministérios “de porteira fechada”, etc. O único
cargo não negociável, pois não pertence à facção do Planalto, mas à dos banqueiros é o
de presidente (ou “ministro-presidente”...) do BACEN.

Não se conhecem dados acerca das sobras de todos estes recursos expendidos
desta maneira excêntrica, somente se sabem que não se destinam – seja por proibição
taxativa da facção do BACEN, seja por incompetência pura e simples – à melhoria das
condições existenciais de nossa gente.

Nada é investido em escolas ou hospitais públicos, que se encontram em estado


de calamidade. É uma política claramente pensada e elaborada: ao invés de aprimorar as
escolas, desvia-se o recurso que lhes deveria ser destinado a uma coisa obscena
chamada “PROUNI”: o governo paga uma fortuna para que entidades privadas de ensino
de baixíssimo nível reservem vagas nos piores cursos a alguns miseráveis, estendendo a
distribuição de renda da quadrilha dos bancos e políticos, também aos donos de escolas.
Os hospitais públicos são abandonados para obrigar a todos os que podem a se submeter
aos extorsivos planos de saúde privada ampliando a gangue também a estes.

O mais incrível ainda é a situação dos policiais civis e militares em geral, com
salários congelados há mais de 15 anos – houve uma intensa propaganda de um
“aumento” de 1% que jamais aconteceu, só isso. Como defensores principais do status
quo implementado pelos bancos e toda a escória similar que nos governa de fato, resulta
inacreditável a situação em que se encontram. Quando saem fardados – o que vem se
tornando cada vez mais raro, uma vez o crime, a exemplo do que vem de cima, se
espalhar por toda a sociedade – utilizam vestes rotas e seu armamento é visivelmente
obsoleto. A redução do horário de trabalho dos militares em 50% para compensar as
perdas salariais sucessivas leva-os à economia informal e não é raro vermos colegas de
fardas com problemas diante da lei. A mesma que os jogou nesta situação, aliás...

5. O crime desorganizado
Quando faltam recursos para a educação do jovem, quando lhes são tiradas
quaisquer perspectivas de uma vida digna e honrada, estimula-se o crime desorganizado.
Já vivemos tempos em que ansiávamos para a futura geração uma vida melhor que a
nossa. Hoje, a única certeza que podemos dar a nossos filhos é que jamais terão o
mesmo padrão de vida que temos. Os de classe média caem cada vez mais de padrão
existencial e os pobres são arremessados nas mãos dos criminosos desorganizados.

Faço esta pequenina diferenciação pois os traficantes, seqüestradores e similares


não têm a Lei ou o Parlamento a seu lado – são levados à mesma condição de egoísmo e
desilusão que perpassa todo o mundo capitalista – ao contrário do crime organizado dos
bancos, do Planalto, do BACEN, do Parlamento e do Judiciário. O exemplo vem de cima e
eles tentam desesperadamente segui-lo, mas jamais disporão dos mesmos recursos que
os verdadeiros donos do poder jogam ao ralo da corrupção e compra de legisladores,
economistas e juristas no cotidiano.

Os recursos que deveriam destinar-se à educação são desviados da maneira


acima descrita; a isto se adiciona mais uma das atribuições da facção do BACEN: a
manutenção de elevados níveis de desemprego. Isto protege os poderosos de greves,
avilta salários e amplia seus lucros. O fato de o ser humano ser a maior vítima de toda
esta situação sequer é considerado relevante pelos donos do poder. Aqui encontramos
nova discrepância entre a realidade e o discurso. Fala-se em menos de 15% de
desempregados no país. Todo o discurso oficial se encaminha nesta direção. Contudo, as
pesquisas em que se baseiam o discurso oficial, não levam em conta pessoas que estão
desempregadas há mais de 1 mês, pessoas que procuram emprego pela primeira vez,
pessoas que recentemente demitidas, por um lado e, por outro, computam aqueles que
conseguem sobreviver trabalhando na chamada “economia informal”, ou seja, que não
pagam impostos e acabam sendo penalizadas por isso.

Pesquisas sérias que levassem tais dados em consideração concluiriam que


temos um “exército industrial de reserva” superior a 30% da mão-de-obra ativa. 30% de
desemprego é sinônimo de desespero.

Meninos mal formados – inclusive por insuficiência alimentar na primeira infância


– sem acesso à educação formal são vítimas óbvias do crime desorganizado que busca
imitar o maior e mais grave, o exemplo que vem de cima.

Hoje a rebeldia juvenil sequer se manifesta politicamente. Por um lado há a


propaganda hipnótica a desinformar que “os trabalhadores estão no poder”; por outro os
sindicatos se transformaram em míseros apêndices do governo que, mal e porcamente
organizam festas laudatórias ao marionete dos banqueiros em cerimônias vazias de
conteúdo. Naturalmente, todos os sindicatos e mesmo os partidos políticos que já
estiveram à esquerda seguem se dizendo “defensores dos trabalhadores” – se por
“trabalhadores” compreendermos donos de bancos e jogadores da bolsa de valores...

Cabe, novamente, enfatizar: aos donos do poder, pouco importa o discurso,


desde que sua lucratividade esteja garantida.

Neste sentido, vale a regra oposta àquela subseqüente ao mar de lama do


primeiro mandato de Lula da Silva. Se naquele momento tudo de ilícito era permitido fazer
e nada era permitido divulgar; no caso do controle bancário a regra é oposta: tudo se
pode dizer ou escrever, desde que nada se faça a respeito. Até mesmo autoridades
políticas governamentais, seja no Parlamento ou mesmo dentro da facção do Planalto
podem dizer o que bem entenderem acerca do encaminhamento político. A proibição
definitiva é uma só: não se pode mudar a política econômica ditada pelo crime
organizado.

6. Facções criminosas invertendo equações

A partir da lógica exposta, a facção criminosa do BACEN impede o crescimento


econômico do Brasil e pratica uma forma extraordinariamente excêntrica de “redistribuição
de renda”: dos trabalhadores para os parasitas.
À facção do Planalto, coadjuvada pela do Congresso Nacional, cabe dizer
precisamente o oposto da realidade – e tanto, e com tanta ênfase e repetição que a
esmagadora maioria acredita mais na propaganda que na deterioração de sua vida real.

“Estamos crescendo e distribuindo rendas como nuncaantesnestepaíz”. Quando o


marionete dos banqueiros se dirige a platéias de trabalhadores e desempregados
convence, persuade. Já não lhes importa lutar por honra, dignidade, trabalho honesto ou
salário justo. Basta-lhes saber que há “um deles no poder fazendo o melhor que pode”.
Seu limite de consciência possível não lhes permite perceber que esta ilusão não confere
com os fatos e, desde que haja a esmola miserável para o número crescente de
desempregados e desesperados, a que se aliam intelectuais e economistas venais, tudo
vai bem no melhor dos mundos...

Em síntese: o que o governo chama de “crime organizado”, com vozes estridentes


a repeti-lo hipnoticamente em programas e propagandas sensacionalistas refere-se a
jovens desesperados cometendo atrocidades terríveis por aí afora seguindo pequenos
tiranetes que tentam em vão imitar os grandes criminosos...

Estes pobres coitados têm todas as instâncias institucionais CONTRA eles. O


verdadeiro crime organizado reúne-se em salas confortáveis e decide que limitações lhes
devem ser impostas e em que crimes devem ser enquadrados. Não são tão “organizados”
quanto querem nos fazer crer...

O verdadeiro crime organizado no Brasil de hoje é este praticado pelos Bancos e


seus representantes, no Planalto, no Congresso e no Judiciário.

Enquanto o crime organizado estiver no poder não haverá esperança para a


nossa e, pior ainda, as futuras gerações.

Lázaro Curvêlo Chaves - 28/01/2007

Apontamentos para a história do Brasil (Primeira Parte)

Introdução

A Era Lula tem entre suas características mais marcantes a forma peculiarmente
excêntrica como lida com o dinheiro público e como trata os fatos.

A primeira prioridade do dinheiro arrecadado dos impostos brasileiros é a


manutenção dos lucros estratosféricos dos megaespeculadores internacionais. A seguir,
gastos com propaganda. Em terceiro lugar, suborno a parlamentares para que votem
medidas governamentais contrárias aos interesses dos brasileiros.

Sempre que há algo de elogiável acontecendo no país, por mais que nada tenha
a ver com o governo, a propaganda desinforma afirmando que “neste governo se fez...”
Por outro lado, quando é pilhada em ilícitos criminais, a cúpula palaciana lidera a
propaganda desinformando: “é algo que herdamos do governo passado...” Assim, a
quadrilha formada pelo PT para tomar o Estado Nacional e permanecer em postos de
comando indefinidamente “era coisa dos tucanos”; a paralisia provocada na economia
pelas altas taxas de juros e impostos extorsivos. Queda na produtividade e na circulação
econômica corresponde a queda no consumo de energia. Isto aparece na propaganda
como “chegada à plenitude energética...”, estradas em péssimo estado de conservação
são parte da herança maldita (meia verdade: são sim, mas o governo Lula nada fez para
reverter este quadro, agudizando-o cruelmente).

Para apresentar um contraponto a esta forma curiosamente peculiar de


apresentar os fatos e contribuir para que não nos esqueçamos dos fatos neste período,
começo a tomar notas sobre os acontecimentos dos últimos 3 anos e pouco.

Março de 2003

Nomeado o deputado federal Henrique Meirelles, eleito pelo PSDB de Goiás, para
a presidência do Banco Central sob aplauso de todos os especuladores internacionais e
protesto dos trabalhadores brasileiros.

Ficou claro que o PT se transformou em um partido de direita propondo a


privatização do Banco Central do Brasil, as mesmas reformas na previdência que o PSDB
desejava (taxação de inativos, aumento na idade para aposentadoria, etc.) e o Ministério
da Fazenda, subordinando-se ao Banco Central, encaminha a economia brasileira
segundo os interesses dos bancos privados internacionais e não segundo os interesses
do povo trabalhador do Brasil.

Rompo com o PT a 15 de março.

***

Março de 2003

A prioridade do governo na questão das reformas passa a ser desvincular o


Banco Central do Governo Federal. Ora, dar autonomia ao Banco Central é abrir mão
completamente do poder governamental de nortear a política econômica no país. Com um
Banco Central privatizado – essa é a expressão, estão alguns petistas pensando em
PRIVATIZAR o Banco Central! – só o “Mercado” governará a economia deste país,
esvaziando ainda mais os poderes do Executivo Federal, transferindo ainda mais
significativamente às hienas, chacais e abutres do “mercado” o controle sobre nossa
economia.

***
Março de 2003
Lula informava em sua campanha ser o único capaz de promover uma amplo
“pacto social” e levar a cabo “as reformas necessárias”. Ao início do governo encaminha
reformas econômicas à direita da Ditadura Militar, num governo mais mentiroso que o de
Collor de Mello e mais entreguista que o de Fernando Henrique, justamente porque, pela
sua trajetória política, ninguém em sã consciência, jamais imaginou que ele o fizesse.

***
Novembro de 2003

Idosos obrigados a provar que estão vivos

A Previdência Social no Brasil arrecada uma enormidade de recursos que são,


em sua maior parte, desviados para o pagamento dos juros da dívida (o tal do “superávit
primário”...), por isso aparece como deficitária. Pretensamente para combater o déficit da
previdência, na prática para ampliar a quantidade de recursos arrancados dos
trabalhadores, aposentados e pensionistas para desviar aos bancos, em novembro de
2003 o então ministro da Previdência Social, Ricardo Berzoíni, obrigou os aposentados e
pensionistas com mais de 90 anos a comparecer, portando suas identidades e CPF
(faltou pedir que fossem “acompanhados de seus avós”...) para explicar o que diabos
estavam fazendo ainda vivos.

Foram filas imensas, gente passando mal, um desrespeito com quem trabalhou
para construir este país. Um dos primeiros e mais rumorosos de uma série de escândalos
envolvendo malversação de recursos públicos, incúria administrativa, incompetência
política e corrupção dos mais diversos tipos.

***

Janeiro de 2004

Rifados ministérios para composição política

Cristovam Buarque, demitido do Ministério da Educação – por telefone! – informa


que segue em apoio a Lula que promovendo Tarso Genro a ministro da Educação
concede-lhe Foro Privilegiado para se defender das acusações de corrupção no processo
eleitoral no Rio Grande do Sul. Berzoini deixa de ser ministro da imprevidência e se torna
sinistro do trabalho mau remunerado e do desemprego. A previdência foi para o
peemedebista Amir Lando.

***

Maio de 2004

“A política econômica do governo interfere no combate à fome e à miséria.” e “O


governo parece mais preocupado em saldar compromissos externos a honrar seus
compromissos com o povo brasileiro”, D. Mauro Morelli, bispo de Duque de Caxias (RJ)
em março de 2004.

***

Junho de 2004
Desemprego zero para a companheirada

A MP 163/04, que reformula a Casa Civil ampliando poderes de José Dirceu


(Suspeito de corrupção no caso da propina de Waldomiro Diniz assim como de
envolvimento no assassinato do prefeito petista de Santo André) e criando cerca de 3.000
cargos de livre designação do executivo a valores aproximados de R$ 4.000,00 cada um.

***

***

Junho de 2004

Parlamentares petistas votam o menor salário em pauta e saem para festejar sua
vitória contra os trabalhadores brasileiros

No passado, parlamentares petistas estavam sempre entre os que defendiam os


maiores valores para o salário. No poder, a situação mudou completamente: ficam os
petistas do lado dos banqueiros, contra os trabalhadores.

Outra mudança significativa era a busca de emprego e renda. No poder, por um


lado o PT ampliou a quantidade de desempregados desinformando na propaganda que
“nunca antes neste país se gerou tantos empregos...” – por outro, ampliou-se a base do
clientelismo estatal...

A oposição de direita propôs reajuste para R$ 260,00 ao salário mínimo. O PT


atacou os trabalhadores com o menor salário proposto: R$ 245,00 que, aprovados,
passam a vigorar imediatamente. Para comemorar esta vitória sobre os trabalhadores,
parlamentares petistas, num restaurante elegante de Brasília, gastam em uma noitada o
equivalente a 2 anos do novo salário votado.

***
Julho de 2004

“Sem inflação, aumenta a renda dos brasileiros”

Registrados aumentos de até 10% nos impostos e 91% preços de remédios,


aluguéis, telefones, energia elétrica, gasolina, arroz, feijão, açúcar, carne, peixe, frango.
Salários federais congelados há mais de 10 anos. Salário Mínimo reajustado em menos
de 3%. A propaganda governamental segue desinformando: “aumenta o poder de compra
da população e a inflação segue contida”.

***

Dezembro de 2004

Separando o joio do trigo

Parlamentares do PT (Heloísa Helena, Luciana Genro, Babá e João Fontes)


votaram, no Congresso Nacional, contra a reforma da Previdência, proposta pelo governo
Lula, retirando direitos dos trabalhadores e favorecendo ainda mais o capital financeiro.
Por isso o Partido (dito) dos Trabalhadores decidiu-se a amputar seu braço esquerdo
expulsando aqueles parlamentares e provocando a desfiliação de muitos intelectuais e
simpatizantes de esquerda, que partiram para a fundação de um novo partido.

Ao se desligar dos ideológicos e autênticos e convocar ao governo


fisiológicos históricos como Waldemar da Costa Neto (PL), Roberto Jefferson (PTB), José
Janene e Severino Cavalcanti (PP), entre outros, Lula demonstra saber precisamente
separar o joio do trigo, fica com o joio e joga o trigo fora.

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Janeiro de 2005

Dívida brasileira atinge R$ 1.000.000.000.000,00!

Após aprovar medidas que taxam inativos e pensionistas, além de aumentar


exponencialmente os impostos brasileiros – que chegam a 40% de tudo quanto se produz
– o Brasil atinge o recorde de R$ 1.000.000.000.000,00 (um trilhão de reais) em dívidas
que seguem aumentando dadas as altas taxas de juros praticadas pelo governo federal.

Numa patriotada esquisita e para desviar a atenção deste entreguismo deslavado


começa-se a fichar estrangeiros que chegam ao Brasil como “reciprocidade diplomática”
ao que é feito a nossos cidadãos em viagens por aí afora. Naturalmente, esta medida não
atinge os multimilionários que viajam em seus transportes privados, mas somente àqueles
que se utilizam de serviço de transporte coletivo (aéreo e marítimo). Com uma vantagem
para os criminosos hoje encastelados no poder: a Polícia Federal, ocupada com esta
picuinha menor, diminui sua atividade preventiva e repressiva ao crime.

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Março de 2005

Brasil não precisa mais do FMI: já aprendeu a errar sozinho

Mais uma vez atraiçoando a confiança do povo e renegando todo o seu passado
histórico de lutas heróicas contra as ingerências estrangeiras nos nossos assuntos
internos, discursando numa direção e agindo em outra, o governo petista anuncia que não
renovará o acordo com o FMI, mas manterá a mesmíssima política econômica, ou seja,
seguirá com superávit primário acima daquele que o organismo internacional determina,
manterá elevadas taxas de juros e, consequentemente o arrocho tributário necessário a
desviar recursos da produção para remunerar o capital especulativo.

Qual o efeito prático para os brasileiros, da supressão do acordo com o FMI?


Absolutamente nenhuma e acrescentamos mais uma expressão para meu “Novíssimo
Dicionário da Novilíngua Petista”: Quando o governo diz “Não precisamos mais do FMI, o
Brasil já pode caminhar com as próprias pernas.” Entenda-se: “Vamos continuar
mantendo os juros mais elevados do mundo, cobrando altíssimos impostos e pagando
mais e melhor ao especulador do que ao produtor ou trabalhador. O FMI até nos elogia.
Aprendemos tudo sobre economia na escola de quebrar países do FMI e vamos continuar
arrochando os brasileiros como nunca antes neste país.”
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Novembro de 2005

Pegaram o PC Farias de Lula da Silva

Em entrevista à jornalista Renata Lo Prete, o então deputado Roberto Jefferson


revela que Delúbio Soares, através de Marcos Valério, pagava um “mensalão” para que
os parlamentares venais votassem a favor do governo. Lula, que até a véspera daria um
cheque em branco a Roberto Jefferson, declara que “não sabia de nada”.

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Novembro de 2005

Vivendo de sobras

Nem foi ato falho, foi transparência e sinceridade: o Ministro Antônio Palocci disse
com todas as letras que o ideal era ter um superávit primário menor (o dinheiro de nossos
impostos que é reservado para remeter à ciranda financeira que, com juros elevados,
promove o crescimento de nossa dívida) para que “sobrasse” mais dinheiro para infra-
estrutura, educação, saúde, segurança...

Em outras palavras e sem meias palavras: a equipe econômica de Lula informa


que primeiro atenderá aos banqueiros; com o que sobrar, se verá o que é possível fazer
em termos de administrar o Brasil.

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Dezembro de 2005

Faz-se um pouco de justiça

Por 293 votos a 192, em decisão histórica, o plenário da Câmara decidiu aprovar
a recomendação do Conselho de Ética, cassando o mandato de José Dirceu e lhe
retirando os direitos políticos por oito anos. O agora ex-deputado só poderá ser candidato
a cargo público na eleição de 2016, quando estiver com 70 anos de idade.

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Continua: queda de ministros, mensalão, vampiros, sanguessugas, operações


“abafa CPI”, etc.

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Lázaro Curvêlo Chaves – 21/09/2006

Apontamentos para a história do Brasil (Segunda Parte)

Fevereiro de 2005

Lula da Silva confessa publicamente crime de responsabilidade

Durante comício em Jaguaré (ES) declarou haver ouvido de um “alto


companheiro” que havia encontrado um órgão público em estado de penúria porque “a
corrupção durante o tempo em que os tucanos governaram foi muito grande”. Lula
informou haver ordenado a seu subalterno que “cale a boca” e que “você só tem o direito
de falar isso para mim (Lula). Aí para fora, você cale a boca e diga que está tudo bem.”

Após confessar publicamente sua prevaricação, Lula teve o dissabor de


desexplicar que não disse o que disse várias vezes até que a oposição de direita se
esquecesse do episódio e, também prevaricando, deixasse de abrir processo de
impedimento por crime de responsabilidade do Presidente da República. Por estas e
outras esta eleição é a primeira de nossa história a estar sub judice.

O crime de Prevaricação é assim previsto no Código Penal Brasileiro:

Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-


lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

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Instalada a CPMI dos Correios


Maio de 2005

Após exaustivas manobras do governo Lula para comprar parlamentares e evitar


a instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito voltada a investigar
irregularidades na gestão aparelhada dos Correios, a minoria conseguiu os votos e o
apoio necessários (houve um vídeo de um funcionário dos Correios recebendo propina e
a cachoeira de denúncias comprovadas de Roberto Jefferson). Sob protestos por parte
dos governistas de que seria “golpista” e que estaria tentando “antecipar o calendário
eleitoral” a CPMI foi instalada. Para evitar maiores dissabores o governo, pela primeira
vez na história das CPI’s no Congresso Nacional Brasileiro, impôs que a Presidência
ficasse com o senador petista Delcídio Amaral e a relatoria (que tradicionalmente ficava
com a oposição) foi dada ao deputado federal Osmar Serraglio, do PMDB governista.

CN RQN 3/2005 de 25/05/2005

Ementa: Requerem, nos termos do § 3º do art. 58 da Constituição Federal e na


forma do art. 21 do Regimento Interno do Congresso Nacional, a criação de Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito para investigar as causas e conseqüências de denúncias
de atos delituosos praticados por agentes públicos nos Correios - Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos.
Autor: SENADOR - José Agripino.

Ao término de 1 ano de trabalho durante o qual o governo Lula tentou de todas as


maneiras inviabilizá-la, o relator Osmar Serraglio, que ao término dos trabalhos já não
mais se comportava como um dócil parlamentar governista da base remunerada de apoio
ao governo Lula provou que:

1) O PT implantou o mais sofisticado esquema de corrupção da história deste


país;

2) Lula estava ciente de todas as falcatruas montadas por Dirceu, Genoíno,


Silvinho, Delúbio, Sereno et caterva;

3) O “mensalão” foi uma realidade. Se o suborno a parlamentares se dava em


termos mensais é irrelevante. A periodicidade coincide com as mais relevantes votações
propostas pelo Planalto contra o povo trabalhador deste país;

4) Ao contrário do que repetia ad nauseam o mantra de José Dirceu, ficou


provado em abril de 2006 que “O governo de Lula é um governo que rouba, deixa roubar
e protege quem rouba.”

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“Corrupção é prática usual no Brasil” – Lula da Silva

Julho de 2005

Num castelo em Paris, o novo rico Presidente Lula da Silva declara a uma
jornalista contratada especificamente para “entrevistá-lo” que, ao contrário de todas as
provas e evidências apresentadas, não houve a prática de suborno a parlamentares.
Confrontado aos rios de dinheiro em espécie circulando do PT para outros partidos como
fruto de uma lavagem de dinheiro oriundo do Palácio do Planalto mesmo Lula da Silva,
que se demonstrou exageradamente econômico no uso da verdade, para dizer pouco,
orientado pelo brilhante advogado criminalista Márcio Thomaz Bastos, declara que o que
houve foi a prática de “Caixa 2”. Um crime considerado “menor” e já prescrito. Em sintonia
com o chefe, Delúbio Soares, tesoureiro e homem de confiança de Lula da Silva, declara
que toda a movimentação de dinheiro do PT para parlamentares da base de sustentação
do governo no Congresso até o momento da instalação da CPI foi meramente fruto de
caixa 2 ou, como preferia declarar: “recursos não contabilizados”. O fato de rios de
dinheiro serem transferidos precisamente quando ocorriam votações relevantes para o
governo no Congresso foi, segundo Lula e Delúbio, “mera coincidência”.

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Fevereiro de 2006

Lista de Furnas – PT usa a tática do gambá

Um bando de petistas ou simpatizantes montou uma lista contendo nomes de


tucanos de várias plumagens, todos com valores em reais correspondentes, lista assinada
por uma importante autoridade de Furnas, apresentada em fotocópia com uma
autenticação “a ser confirmada” pelo perito Ricardo Molina que declarava meramente não
haver indícios de que a fotocópia apresentada tivesse indícios de haver sido, de alguma
forma, modificada. Mas que era necessária a apresentação do original para que se
pudesse autenticar a tal “lista” em si. Fosse por que motivo fosse, os elaboradores da
tramóia não apresentaram o original e várias outras, com nomes outros como o de Lula
da Silva e mesmo “Tio Patinhas” apareceram, com a mesma “autenticação” de Molina,
que silenciou sobre o assunto.

Diante de tamanha inconsistência a grande imprensa, mesmo entre a mais


tucanófoba, desprezou a tal lista como inautêntica e viciada na raiz. Parlamentares
governistas se movimentaram para fazer uma CPI e, embora contando com maioria no
Parlamento, não conseguiram, dadas estas inconsitências apresentadas.

Aparentemente, tudo não passou de mais uma tentativa governista de usar a


chamada “tática do gambá”, ou seja, sujar todo o mundo para distrair as pessoas de suas
sujeiras.

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Setembro de 2006

O caso do dossiê – o vale-tudo petista

Um bando de petistas, dentre os quais o coordenador da campanha de Aloízio


Mercadante, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, o segurança de Lula da Silva, Freud
Godoy, o churrasqueiro de Lula e um companheiro na direção do Banco do Brasil montam
uma operação envolvendo quase R$ 2 milhões para comprar um dossiê confeccionado
especialmente para prejudicar a candidatura de direita rival à sua.

A Polícia Federal prendeu os diretamente envolvidos e pesquisa a origem do


dinheiro. O Banco Central e o Ministério da Fazenda obstruem as investigações que, 15
dias após o episódio, não apresentam a origem do dinheiro dos petistas envolvidos em
mais este crime. No episódio da violação do sigilo bancário do caseiro que meramente
atestou em público haver visto o ex-ministro Antônio Palocci numa casa suspeita, de
lobbies e diversões com as meninas alegres de Jane Mary Córner, o Banco Central e o
Ministério da Fazenda levaram menos de 1 dia para revelar toda a sua transação bancária
determinando a queda do ministro. Um ministro que dependia do silêncio de um caseiro
para se manter no poder já não exercia poder algum, convenhamos... Palocci hoje
responde a uma série de inquéritos na justiça civil por corrupção em Ribeirão Preto e,
candidato dos banqueiros e da elite econômica, responde também na justiça eleitoral pelo
crime de abuso do poder econômico.

Lula da Silva, ecoando o desejo popular e os discursos da oposição, alega que


“tem interesse em saber a origem do dinheiro”. Fosse isto verdade, bastava a ele
convocar Mercadante, seu segurança, seu churrasqueiro ou o presidente do PT e
perguntar a eles onde conseguiram o dinheiro para mais esta falcatrua. Uma pesquisa
doméstica desta natureza só perde o sentido porque interessa a Lula não conhecer, como
ele alega, mas esconder a origem desta pequena fortuna.

Lázaro Curvêlo Chaves – 28/09/2006

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