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Seres humanos que se deslocaram para este continente, seja através da ponte de
gelo que existia entre a o estremo oriental do continente asiático e o estremo ocidental do
continente americano, ou seja, o Estreito de Bering, seja através de viagens sucessivas
em canoas através das ilhas Malaio-Polinésias, distanciam-se pelo menos quatrocentos
séculos da cultura européia. Quarenta mil anos de distanciamento cultural durante os
quais os povos destas terras não aprenderam a mentir, por exemplo. Quarenta mil anos
de superioridade moral. Quarenta mil anos de inferioridade bélica. Massacrados num
genocídio continental ao longo de meio milênio...
Imagine uma civilização tecnologicamente avançada que invadisse o planeta
Terra, mas ou menos como naquele filme “Independence Day”. Arrogantes, informariam
às autoridades de seu planeta natal que “descobriram” uma terra totalmente nova, a
nossa Terra! Felizes com a beleza de nossas mulheres, a abundância de nossas riquezas
naturais passam a sistematicamente escravizar e tomar concubinas entre nossas mães,
irmãs, namoradas, filhas, esposas.
Os invasores passariam a nos impor as suas crenças religiosas desprezando as
nossas como inferiores, nos obrigariam a desmatar a Floresta Amazônica para levar
nossa madeira ao seu planeta natal, esvaziariam nossas reservas hídricas para levar
água ao seu planeta árido e outras atrocidades.
Como se não bastasse eles trariam consigo doenças terríveis, que matariam os
terráqueos em pouquíssimo tempo entre dores atrozes. Doenças infecciosas para as
quais eles teriam fortes resistências mas nós não...
Aqueles que resistissem seriam mortos simplesmente com suas pistolas de raios
ou armas ainda mais sofisticadas. De toda a forma, todos concordam que o mais sensato
num quadro assim é mesmo a resistência ao invasor; para não ser saqueado, para não
ter sua companheira estuprada, suas terras ou empresas tomadas ou pior, para não ser
escravizado ou morto., na melhor das hipóteses, julgados em ritos sumaríssimos e
condenados à morte de maneiras atrozes.
Passam-se os anos. Nas escolas do conquistador ensina-se que há muito tempo
chegaram os civilizadores de um povo idólatra, que havia assassinado seu próprio deus
crucificado, que vivia em guerra por motivos banais, que pregava o valor da verdade mas
mentia sempre, que buscava a ética mas vivia imerso em corrupção, etc. Trouxeram a
civilização e a paz entre aqueles que guerreavam entre si. Não falavam que o preço da tal
paz havia sido o extermínio brutal da maioria, cultural ou fisicamente suprimidos.
Pindorama
De todo o modo, as questões “quem são?”, “de onde vieram”?, para onde vão?”
seguem sem resposta concreta cinco séculos depois do primeiro encontro. Os índios
brasileiros permanecem um mistério para o homem branco. Não se pode afirmar com
certeza de onde vieram, embora a teoria da migração via estreito de Bering continue
sendo a mais provável – mesmo tendo perdido a primazia e, principalmente, a
exclusividade. Quando teriam chegado à América também é assunto ainda polêmico: 12
mil, 18 mil ou 53 mil anis atrás? Ninguém sabe ao certo. Sabe-se apenas que aqui
estavam.
De qualquer forma, sua simples presença já era um enigma. Quem seriam
aqueles homens “nus, pardos, ele bons narizes e bons corpos”, que negros não eram,
nem mouros, nem hindus? Descenderiam de qual das doze tribos de Israel? Ou de qual
dos três filhos de Noé? Teriam alma? Em caso afirmativo, como poderiam ter vivido tanto
tempo à margem de Deus?
Cristóvão Colombo decidira chamá-los de índios – mas índios os portugueses
sabiam que não eram. O que seriam então esses “negros da terra”? Bons selvagens,
como sugeriu Pero Vaz de Caminha (e os filósofos Rousseau, Montaigne e Diderot
ecoaram), ou antropófagos bestiais, como quiseram outros cronistas? Defini-los de que
forma se alguns eram brutais e intratáveis, como os aimorés – que comiam carne humana
“por mantimento e não por vingança ou pela antiguidade de seus ódios” –, e outros tão
mansos e pacíficos, como os carijós, “o melhor gentio da costa”?
Passados pouco mais de 500 anos de convivência sempre conflituosa o índio
continua sendo pouco mais do que um mito brasileiro. Afinal, são defensores da ecologia,
como o caiapó Paulinho Paiakan, ou apenas selvagens “estupradores”... como Paulinho
Paiakan? São pessimistas incuráveis, que se suicidam por puro desespero, como os
guaranis-caiovás ou empresários bem sucedidos, como os caiapós? Podem ser três,
como os xetás, ou 23 mil como os ticunas. Para onde vão? A resposta não de pende
deles.
A história brasileira não registra um único herói indígena – nem aqueles que
ajudaram os portugueses a conquistar a terra, como Tibiriçá, que salvou São Paulo; -
Araribóia, que venceu os franceses, ou Felipe Camarão, que bateu os holandeses. Não
há um só atleta ou escritor nativo. Houve um político indígena, o cacique Mário Juruna,
mas ele foi abandonado em Brasília. Raoni é um herói, mas não no Brasil – é um herói de
Sting, o "pop-star" cheio de boas intenções e má consciência. Raoni se tornou só uma
imagem. Uma imagem tão incongruente quanto a do quadro “O Último Tamoio”... Nenhum
jesuíta jamais chorou a morre do ultimo tamoio, que eram aliados dos franceses e foram
traídos pelos padres. Haverá alguém para chorar pelo último ianomâmi?
A antropofagia entre os tupinambás
De todos os "costumes bárbaros" dos índios brasileiros quando da chegada dos
colonizadores ao Novo Mundo, nenhum se revelou mais espantoso aos olhares europeus
do que a antropofagia. Ainda que o canibalismo não fosse prerrogativa dos indígenas e já
houvesse, em plena Europa, o registro de casos ocorridos em épocas de crise, nada
conhecido até então se comparava aos requintes tétricos do banquete antropofágico tal
como realizado por quase todos os tupis e tapuias.
A morte ritualizada e a deglutição eucarística dos cativos representavam o ponto
culminante de uma cerimônia cujo sacramento maior, e o objetivo quase único, era a
vingança. O festim canibal foi minuciosamente descrito por cronistas coloniais, entre os
quais os padres franceses Jean de Léry, André Thevet e Claude d' Abbeville. A narrativa
mais impressionante, porém, foi feita pelo mercenário alemão Hans Staden, prisioneiro
dos tupinambás entre 1554 e 1557. Graças a eles é possível reconstituir, passo a passo,
as etapas do banquete.
A vítima era capturada no campo de batalha e pertencia àquele que primeiro a
houvesse tocado. Triunfalmente conduzido à aldeia do inimigo, era insultado e maltratado
por mulheres e crianças. Tinha de gritar: "Eu, vossa comida, cheguei". Após essas
agressões, porém, era bem tratado, recebia como companheira uma irmã ou filha de seu
captor e podia andar livremente – fugir era uma ignomínia impensável. O cativo passava a
usar uma corda presa ao pescoço: era o calendário que indicava o dia de sua execução, o
qual podia prolongar-se por muitas luas (e até por vários anos). Quando a data fatídica se
aproximava, os guerreiros preparavam ritualmente a clava com a qual a vítima seria
abatida. A seguir, começava o ritual, que se estendia por quase uma semana e do qual
participava toda a tribo, das mulheres aos guerreiros, dos mais velhos aos recém-
nascidos.
Na véspera da execução, ao amanhecer, o prisioneiro era banhado e
depilado. Depois, deixavam-no "fugir", apenas para recapturá-lo em seguida. Mais tarde,
o corpo da vítima era pintado de preto, untado de mel e recoberto por plumas e cascas de
ovos. Ao pôr-do-sol iniciava-se uma grande beberagem de cauim -um fermentado de
mandioca.
No dia seguinte, pela manhã, o carrasco avançava pelo pátio, dançando e
revirando os olhos. Parava em frente ao prisioneiro e perguntava: "Não pertences ã
nação... (tal ou qual), nossa inimiga? Não mataste e devoraste, tu mesmo, nossos
parentes?” Altiva, a vítima respondia: ”Sim, sou muito valente, matei e devorei muitos...”
Replicava então o executor:” Agora estás em nosso poder; logo serás morto por mim e
devorado por todos". Para a vítima, aquele era um momento glorioso, já que os índios
brasileiros consideravam o estômago do inimigo a sepultura ideal. O carrasco desferia
então um golpe de tacape na nuca da vítima. Velhas recolhiam, numa cuia, o sangue e os
miolos: o sangue devia ser bebido ainda quente. A seguir, o cadáver era assado e
escaldado, para permitir a raspagem da pele. Introduzia-se um bastão no ânus, para
impedir a excreção. Os membros eram esquartejados e, depois de feita uma incisão na
barriga do cadáver, as crianças eram convidadas a devorar os intestinos. A seguir,
retalhava-se o tronco, pelo dorso. Língua e miolos eram destinados aos jovens. Os
adultos ficavam com a pele do crânio e as mulheres com os órgãos sexuais. As mães
embebiam o bico dos seios em sangue e amamentavam os bebês. As crianças eram
encorajadas a besuntar as mãos no sangue vertente e celebrar a consumação da
vingança. Os ossos do morto eram preservados: o crânio, fincado numa estaca, ficava
exposto em frente da casa do vencedor; os dentes eram usados como colar e as tíbias
transformavam-se em flautas e apitos.
A População Nativa
Palavras de índios
Uma velha Wintu religiosa fala com tristeza da destruição brutal e desnecessária
de sua terra pelos brancos...
“O homem branco jamais se preocupou com a terra, nem com o veado, nem
com o urso. Quando nós, índios, matamos um animal, comemos ele todo. Quando
queremos arrancar uma raiz, fazemos pequenos buracos no chão. Quando construímos
casas, também fazemos pequenos buracos. Quando queimamos a erva contra os
gafanhotos, não arruinamos tudo. Recolhemos as bolotas e as pinhas. Não derrubamos
árvores. Usamos apenas madeira morta. Mas os brancos reviram a terra, arrancam as
árvores, matam tudo. A árvore diz “Não! Eu sou sensível. Não me fira”. Mas eles a
derrubam e a cortam em pedaços. O espírito da terra os odeia. Eles destroem as árvores
e as puxam pelas entranhas. Eles serram as árvores. Isto as fere. Os índios nunca ferem
nada, enquanto os brancos destroem tudo. Explodem rochas e as espalham pelo chão. A
pedra diz “Não! Você está me ferindo”. Mas o branco não presta atenção. Quando os
índios usam pedras, escolhem as menores e arredondadas que servem para a cozinha.
Como é que o espírito da terra pode gostar do homem branco? Onde o branco põe a mão
há sofrimento.”
“Vocês já perceberam que tudo o que um índio faz está dentro de um círculo, isto
porque o Poder do Mundo trabalha sempre em círculos e as coisas todas tentam ser
redondas. Nos velhos dias, quando ainda éramos um povo forte e feliz, o nosso poder
provinha do anel sagrado da nação, e enquanto este anel manteve-se intacto o povo
floresceu. A árvore florida era o centro vivo do anel e o círculo dos quatro quadrantes a
alimentava. O leste trazia a paz e a luz; o sul, o calor; o oeste, a chuva; e o norte, com
seu vento rijo e frio, trazia a força e a paciência. Este conhecimento foi a religião que nos
trouxe do mundo exterior. Tudo o que o Poder do Mundo faz é feito em círculo. O céu e
redondo e ouvi dizer que a terra é redonda como a bola, e as estrelas também. O vento,
no seu máximo poder, rodopia. Os pássaros constroem ninhos em círculos, pois a religião
deles é igual à nossa. O sol vem e vai num círculo, como a lua, e ambos são redondos.
Quero que todos saibam que não estou disposto a vender parte alguma de minha
terra, nem quero os brancos cortando nossas árvores ao longo dos rios, sobretudo o
carvalho. Tenho uma predileção especial pelos pequenos bosques de carvalhos. Gosto
de olhar para eles, porque suportam as tempestades de inverno e os calores do verão, e -
da mesma forma que nós - parecem florescer por causa disso.
Tatanka Yotanka, ou Touro Sentado, guerreiro Sioux.
Peço que acreditem, por mais que pareçamos miseráveis aos olhos de vocês que
nos julgamos muito mais felizes, porque nos contentamos com o pouco que temos. Vocês
se decepcionarão enormemente se pensam em nos convencer de que vosso país é
melhor do que o nosso. Se a França fosse um paraíso terrestre como estão dizendo, seria
sensato deixá-la? Por que abandonariam mulheres, filhos, parentes e amigos ? Por que
arriscariam a vida e as propriedades? E por que se entregariam, com todos esses
perigos, às tempestades e tormentas no mar, a fim de chegar a uma terra estranha e
bárbara que consideram a mais pobre e menos afortunada do mundo? Quanto á nós, que
estamos convencidos do contrário, dificilmente iríamos à França, pois temos boas razões
para acreditar que lá encontraríamos pouca satisfação, visto que os próprios franceses a
abandonam para vir enriquecer em nossas praias. Além disso acreditamos que vocês são
incomparavelmente mais pobres do que nós, e não passam de simples operários, criados,
servos e escravos, ainda que aparentem ser grandes senhores e capitães, pois vemos
que se glorificam em nossos velhos trapos, vestindo as miseráveis peles de castor que já
nem mais usamos, da mesma forma que vêm pescar conosco o bacalhau para encontrar
o sustento e o conforto à miséria e à pobreza que os oprime. Nós, em contrapartida,
encontramos todas as riquezas e comodidades entre nós mesmos, sem confusão, sem
expor nossas vidas aos perigos que enfrentam constantemente em suas longas viagens.
E se, de um lado, nos compadecemos de vocês na doçura de nosso repouso, de outro
ficamos espantados com as atribulações que passam, dia e noite, a fim de carregar seus
navios. Percebemos que vocês vivem, de um modo geral, apenas do bacalhau que
pescam. Eternamente bacalhau de manhã, ao meio-dia, à noite, sempre bacalhau. A tal
ponto que, se querem comer algo melhor, é às nossas custas. Pois vocês são obrigados a
recorrer aos índios, que tanto desprezam, e a acompanhá-los nas caçadas, das quais
tiram proveito. Agora digam-me apenas isto, se ainda possuem bom senso: qual dos dois
é o mais sábio e o mais feliz? O que trabalha sem cessar e só consegue, com muito
esforço, o bastante para sobreviver, ou aquele que descansa na tranqüilidade e tem tudo
o que precisa no prazer da caça e dá pesca?
É verdade que jamais fabricamos o pão e o vinho que a vossa França produz.
Antes, porém, da chegada dos franceses a está terra, não viviam os Gaspesian muito
mais do que agora? Se já não temos nenhum daqueles velhos de 130 a 140 anos é
porque vamos adotando aos poucos vossa maneira de viver. A experiência mostra que os
mais longevos dentre nós são aqueles que dispensam o pão, o vinho e a aguardente de
vocês, contentando-se com a alimentação natural de castor, veado, ave aquática e peixe,
conforme os costumes dos nossos ancestrais e de toda a nação Gaspesian. Saibam,
portanto, de uma vez por todas; quero abrir meu coração a vocês, irmãos: não há um
índio sequer que não se considere infinitamente mais feliz e mais saudável que os
franceses.
Adario, chefe Huron no século XVII, era também conhecido por Kondiaronk (seu
nome índio) e O Rato (como lhe chamavam os franceses) . Possui a grande reputação de
bravura e sagacidade, e teve participação destacada na Guerra do Frontenac (1689 -
1697) - uma série de conflitos entre franceses e ingleses, e entre os franceses com seus
aliados índios e os Iroqueses. Sua habilidade diplomática e em confederar as tribos fez
dele um aclamado pacificador. Morreu em Montreal durante uma importante conferência
de paz em 1701. Adario viajou muito:
“Não, vocês já são bastante miseráveis, não vejo como possam se tornar ainda
mais. Que espécie de homens são os europeus? Que espécie de valores cultivam? Os
europeus, forçados a fazer o Bem e não podendo evitar o Mal a não ser pelo medo da
Punição... Se lhe perguntasse o que é um homem, você me responderia: “É um francês”.
No entanto posso provar que seu Homem é muito mais um Castor. Porque o Homem não
merece este nome por saber andar sobre duas pernas, ou por saber ler e escrever, ou por
exibir mil outros sinais de sua inteligência, . .
Quem lhes deu as terras que agora habitam? Com que direito as possuem? Elas
sempre foram dos Algonkin. Na verdade, meu irmão, sinto pena de você do fundo de
minha alma. Ouça o meu conselho e torne-se um Huron. Pois vejo uma enorme diferença
entre sua condição e a minha. Eu sou senhor do meu próprio corpo, disponho absoluta-
mente de mim mesmo, faço o que eu quero, sou o conjunto da minha nação, não temo
nenhum homem e só dependo do Grande Espírito. Enquanto que o seu corpo, como a
sua alma, estão condenados à dependência dos seus superiores, às ordens do vice-rei.
Você não tem a liberdade de fazer o que pensa, tem medo de ladrões, assassinos, falsas
testemunhas, etc., e depende de uma. infinidade de pessoas que estão acima de você. E
verdade ou não é?
Chefe Curly, um índio Pawnee, relata um dos primeiros contatos entre seupovo e
os europeus, entre 1800 e 1820.
“Ouvi dizer que houve um tempo, há muito tempo, em que só havia índios nesta
terra. Depois se ouviu falar de homens que tinham a pele branca; haviam sido avistados a
leste. Antes de eu nascer, vieram à nossa terra e nos visitaram. O homem que veio era do
governo. Queria fazer um tratado conosco e nos trouxe presentes, cobertores,
espingardas, pederneiras, ferro e facas.
Nosso chefe disse a ele que não precisávamos de nenhuma daquelas coisas.
"Temos o búfalo e o milho, que o Soberano nos deu, e é tudo o que precisamos. Veja
esta roupa: ela me aquece no inverno. Não preciso de cobertor", ele falou.
O homem branco trazia consigo algumas reses e o chefe Pawnee disse: “Solte
um novilho aqui no campo!” Quando a rês foi solta, o chefe disparou uma flecha que a
atingiu no quarto dianteiro, matando-a. "Viu como a flecha mata?" disse o chefe.
"Não preciso de suas espingardas. " Em seguida pegou uma faca de pedra e esfolou o
animal, cortando um naco de carne gorda. Ao fazer isso, disse: "Por que usar suas facas?
O Soberano deu-me com que cortar" .
Tomando enfim as madeiras de acender fogo, fez uma fogueira para assar a
carne e, enquanto ela cozinhava, falou: "Você está vendo, meu irmão, que o Soberano
nos deu tudo o que precisamos para obter a carne ou cultivar a terra. Agora volte ao lugar
de onde veio. Não queremos seus presentes e também não o queremos aqui.”
“Nossa terra vale mais do que seu dinheiro. Ela irá durar para sempre. Nem
mesmo as chamas do fogo poderão destruí-la. Enquanto o sol brilhar e as águas
correrem, ela continuará aqui dando vida aos homens e aos animais. Não podemos
vender as vidas dos homens e dos animais; portanto, não podemos vender essa terra. Foi
o Grande Espírito que a destinou para nós e não podemos vendê-la porque não nos
pertence. Vocês podem contar seu dinheiro - e guardá-lo no chifre de um búfalo, mas só o
grande Espírito pode contar os grãos de areia e as folhas de grama desta planície. Nós
daremos de presente o que quiserem. Mas a terra, jamais.
A orgulhosa tribo dos Nez Percé (Nariz Furado) era chefiada por um homem
notável chamado Hin-mah-too yah-lat-kekht, ou Trovão-das-Alturas-Sublimes-da-
Montanha, ou apenas Chefe Joseph, referido anteriormente numa passagem em que
descreve a morte do pai. Seu amor pela terra natal era inesgotável, e Chefe Joseph
perseverava no esforço de permanecer nos vales e montanhas em que havia nascido.
Neste trecho ele deixa claro (como costumava fazer) seus sentimentos com relação à
propriedade da terra.
A terra foi criada com o auxílio do sol e deveria ser deixada como está... O campo
foi feito sem linhas de demarcação e não compete ao homem demarcá-lo... Vejo os
brancos por toda a parte buscando riquezas, e vejo que querem nos dar terras sem
valor... A terra e eu somos uma coisa só. A medida da terra e a medida de nossos corpos
é á mesma. Digam-nos, se puderem, que o Poder Criador os enviou para falar conosco.
Vocês talvez pensem que foram enviados para fazer de nós o que bem entenderem. Se
eu achasse que foi o Criador quem os mandou, consentiria que vocês têm direitos sobre
mim. Não interpretem mal meu sentimento de amor à terra. Eu nunca disse que a terra
era minha para fazer com ela o que eu quisesse. O único com direito a dispor da terra e
aquele que a criou. O que exijo é o direito de viver em minha terra e lhes concedo o
privilégio de viverem na de vocês.
O Chefe Joseph dos Nez Percé, adepto da sua “religião do sonhador” propunha e
preconizava um retorno às concepções nativas, particularmente as da Terra-Mãe benigna,
os sonhos sendo a única fonte de poder sobrenatural. O texto a seguir mostra alguns
aspectos da doutrina, que atraiu muitos adeptos, entre os jovens:
“Meus jovens não devem trabalhar. Os homens que trabalham não podem
sonhar, e a sabedoria nos vem através dos sonhos.
Vocês me pedem para lavrar a terra. Devo então pegar uma faca e enterrá-la no
peito de minha mãe? Assim, quando eu morrer, não poderei entrar em seu seio para
descansar.
Vocês me pedem para cavar à procura de pedras. Devo então rasgar-lhe a pele
para arrancar seus ossos? Assim, quando eu morrer, não poderei entrar em seu corpo
para nascer de novo.
Vocês me pedem para cortar o capim, fazer o feno, vendê-lo e ficar rico como o
homem branco. Mas como posso cortar os cabelos de minha mãe?”
Chefe Sioux Touro Sentado - Clique sobre a imagem para vê-la ampliada
"O grande chefe de Washington mandou dizer que quer comprar a nossa terra.
O grande chefe assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é gentil de
sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Nós vamos pensar na
sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e
tomará a nossa terra. O grande chefe de Washington pode acreditar no que o chefe
Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na
mudança das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas, elas não empalidecem.
Como pode-se comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia é estranha.
Nós não somos donos da pureza do ar ou do brilho da água. Como pode então comprá-
los de nós? Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo. Toda esta terra é
sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias de areia, cada véu de
neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas
tradições e na crença do meu povo.
Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele
um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba
da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de
exaurí-la ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a
terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua
ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas cidades são um
tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem
vermelho um selvagem que nada compreende.
Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se
possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos.
Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é terrível para os
meus ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do
corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo à noite? Um índio prefere o suave
sussurro do vento sobre o espelho d'água e o próprio cheiro do vento, purificado pela
chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho,
porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar, animais, árvores, homens. Não parece
que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo, ele é
insensível ao mau cheiro.
Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os
animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa
ser de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados pelo
homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não
compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso que um bisão,
que nós, peles vermelhas matamos apenas para sustentar a nossa própria vida. O que é
o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem os homens morreriam de
solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os
homens. Tudo quanto fere a terra, fere também os filhos da terra.
Os nossos filhos viram os pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros
sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio e
envenenam seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande
importância onde passaremos os nossos últimos dias. Eles não são muitos. Mais algumas
horas ou até mesmo alguns invernos e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram
nestas terras ou que tem vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para
chorar, sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança
como o nosso.
De uma coisa sabemos, que o homem branco talvez venha a um dia descobrir: o
nosso Deus é o mesmo Deus. Julga, talvez, que pode ser dono Dele da mesma maneira
como deseja possuir a nossa terra. Mas não pode. Ele é Deus de todos. E quer bem da
mesma maneira ao homem vermelho como ao branco. A terra é amada por Ele. Causar
dano à terra é demonstrar desprezo pelo Criador. O homem branco também vai
desaparecer, talvez mais depressa do que as outras raças. Continua sujando a sua
própria cama e há de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios dejetos. Depois de
abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas
misteriosas federem à gente, quando as colinas escarpadas se encherem de fios que
falam, onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora.
Restará dar adeus à andorinha da torre e à caça; o fim da vida e o começo pela luta pela
sobrevivência.
Talvez compreendêssemos com que sonha o homem branco se soubéssemos
quais as esperanças transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais visões do
futuro oferecem para que possam ser formados os desejos do dia de amanhã. Mas nós
somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E por serem
ocultos temos que escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos na venda é para
garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos viver os nossos últimos dias
como desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança
não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo
continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-
nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra, ama-a como
nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueça como era a terra
quando dela tomou posse. E com toda a sua força, o seu poder, e todo o seu coração,
conserva-a para os seus filhos, e ama-a como Deus nos ama a todos. Uma coisa
sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o
homem branco pode evitar o nosso destino comum."
O “Achamento”
A Carta de Pero Vaz de Caminha fala em “achamento” destas terras, não fala em
“descobrimento” ou “casualidade”. Tudo indica que, realmente, procuravam alguma terra,
e a acabaram “achando”... O relato abaixo permite-nos uma idéia de como aconteceu este
“achamento” segundo relatos de marujos da esquadra cabralina.
Era 22 de abril ale 1500. Depois de 44 dias de viagem, a frota de Pedro Álvares
Cabral vislumbrava terra – mais com alívio e prazer do que com surpresa ou espanto. Nos
nove dias seguintes, nas enseadas generosas rio sul da Bahia, os 13 navios da maior
amada já enviada às índias pela rota descoberta por Vasco da Gama permaneceriam
reconhecendo a nova terra e seus habitantes.
Ao longo dos dez dias que passou no Brasil, a armada de Cabral tomou
contato com cerca de 500 nativos.
Eram, se saberia depois, tupiniquins – uma das tribos do grupo tupi-guarani que,
no início do século 16, ocupava quase todo o litoral do Brasil. Os tupis-guaranis tinham
chegado à região numa série de migrações de fundo religioso (em busca da “Terra sem
Males”, no começo da Era Cristã. Os tupiniquins viriam no sul da Bahia e nas cercanias
de Santos e Bertioga, em São Paulo. Eram uns 85 mil. Por volta de 1530, uniram-se aos
portugueses na guerra contra os tupinambás-tamoios, aliados dos franceses. Foi uma
aliança inútil: em 1570 já estavam praticamente extintos, massacrados par Mem de Sá,
terceiro governador-geral do Brasil.
Primeiras Expedições
Segundo o seu modelo teórico típico, a colônia deveria ser um local de consumo
(mercado) para os produtos metropolitanos, de fornecimento de artigos para a metrópole
e de ocupação para os trabalhadores da metrópole. Em outras palavras, dentro da lógica
do “Sistema Colonial Mercantilista” tradicional, a colônia existia para desenvolver a
metrópole, principalmente através do acúmulo de riquezas, seja através do extrativismo
ou de práticas agrícolas mais ou menos sofisticadas. Uma Colônia de Exploração, como
foi o caso do Brasil para Portugal, tem basicamente três características, conhecidas pelo
termo técnico de “plantation”:
_ Mão-de-obra escrava: o negro africano era trazido sobre o mar entre cadeias e,
além de ser mercadoria cara, era uma mercadoria que gerava riqueza com o seu
trabalho...
Nessa época, a preocupação com a conquista do Norte fez com que o rei de
Portugal, D. Sebastião (1557 - 1578), dividisse, em 1572, o Brasil em dois governos. O
norte ficou com D. Luís de Brito e Almeida e o sul com Antônio Salema tendo como
capitais, respectivamente, a Bahia e o Rio de Janeiro
De acordo com Antonil – jesuíta do inicio do século XVIII –, havia dois tipos de
engenho: os engenhos reais, movidos á água, e os trapiches, que utilizavam tração
animal (cavalos e bois).
No segundo caso, as terras eram cedidas aos lavradores, que eram obrigados a
moer sua produção no engenho do proprietário. Eram as chamadas fazendas obrigadas,
nas quais o lavrador recebia apenas a metade da sua produção em açúcar e ainda
pagava o aluguel pela utilização da terra.
A solução para esse problema, que obstruía os interesses dos colonos, mas
também da burguesia comercial metropolitana, foi o tráfico negreiro, que articulou os
interesses de ambos.
Por outro lado, o próprio escravo era adquirido através do comércio entre
senhores de engenho e traficantes que pertenciam a burguesia metropolitana.
Anexação de Portugal. Desde 1556 a Espanha era governada por Filipe II (1556 -
1598), membro de uma das mais poderosas dinastias européias: os Habsburgos ou Casa
d'Áustria, que além da Espanha detinha o controle do Sacro-Império Romano Germânico,
sediado na Áustria, com influências também sobre a Alemanha e a Itália.
Nos tempos do reinado de Filipe II, a exploração das minas de prata da América
espanhola havia atingido o seu apogeu. Com a entrada da prata do México e do Peru, a
Espanha se transformara, durante o século XVI, na mais poderosa nação européia. Isso
levou os historiadores a classificarem o século XVI como o século da preponderância
espanhola. Tendo em mãos recursos abundantes, Filipe II aliou o poderio econômico a
uma agressiva política internacional, da qual resultou a anexação de Portugal (até então,
reino independente) e a independência da Holanda (até então, possessão espanhola).
Vejamos como Portugal passou ao domínio espanhol.
Em 1578, o rei de Portugal, D. Sebastião, morreu na batalha de Alcácer-Quibir, no
atual Marrocos, em luta contra os árabes. Com a morte do rei, que não tinha
descendentes, o trono de Portugal foi ocupado pelo seu tio-avô, o velho cardeal D.
Henrique, que, no entanto, faleceu em 1580, naturalmente sem deixar descendência...
Com a morte deste último, extinguia-se a dinastia de Avis, que se encontrava no trono
desde 1385, com a ascensão de D. João I, mestre de Avis.
Assim, de 1580 até 1640, o rei da Espanha passou a ser, ao mesmo tempo, rei
de Portugal, dando origem ao período conhecido como “União Ibérica”.
Portugal havia adotado até então uma política internacional muito prudente,
evitando, tanto quanto possível, atritos nessa área, ciente de sua própria fragilidade. Essa
situação foi alterada completamente com a sua anexação pela Espanha, já que Portugal
herdou, de imediato, todos os numerosos inimigos dos Habsburgos. Do ponto de vista
colonial, o mais temível inimigo era a Holanda.
Holandeses no Brasil
Essa situação se alterou profundamente com a ascensão de Filipe II, que herdou
do pai o trono espanhol e os Países Baixos. A razão da mudança explica-se por dois
motivos básicos: em primeiro lugar, o advento do protestantismo tinha polarizado o mundo
cristão no século XVI, provocando intermináveis conflitos entre católicos e protestantes.
Nos Países Baixos, em razão do predomínio burguês, difundiu-se rapidamente o
calvinismo, ao passo que a Espanha mantinha-se profundamente católica. E Filipe II era
considerado o mais poderoso e o mais devotado monarca católico. Em segundo lugar,
Filipe II era um rei absolutista. Assim, com a sua chegada ao trono terminou a fase de
benevolência em relação aos Países Baixos. O novo monarca pôs fim à tolerância
religiosa e substituiu os governantes nativos por administradores espanhóis de sua
confiança, subordinando os Países Baixos diretamente à Espanha.
A reação nos Países Baixos foi imediata, com a eclosão de revoltas por toda
parte. A fim de reprimi-las, Filipe II enviou tropas espanholas sob o comando do violento
duque de Alba. À repressão político-religiosa, somou se o confisco dos bens dos
revoltosos, conforme relatou o duque de Alba ao rei: “Atualmente detenho criminosos
riquíssimos e temíveis e os submeto a multas em dinheiro; logo me ocuparei das cidades
criminosas. Desse modo às arcas de Vossa Majestade fluirão somas consideráveis”.
Ilustração 1: Territórios da Casa de Habsburg ao tempo de Filipe
II
Em sua luta contra a Espanha, a Holanda foi apoiada ativamente pela Inglaterra.
Assim, devido à tenaz resistência holandesa e à ampliação do conflito, a Espanha aceitou
finalmente uma trégua - a trégua dos 12 anos: de 1609 a 1621 –, que foi, na prática, o
reconhecimento da independência da Holanda.
Ora, essa situação se alterou radicalmente com a Guerra dos Países Baixos. A
Espanha, que nesse tempo já havia incorporado o reino português, adotou, em represália
aos Países Baixos, medidas restritivas ao comércio com seus portos, incluindo Portugal.
O conde Johann Mauritius van Nassau talvez tenha sido o melhor administrador e
o político mais competente de toda a história do Brasil
Nos tempos de Nassau, Recife foi remodelada. Ele trouxe consigo vários artistas,
homens de ciência, escritores e até teólogos. Dentre eles, podemos citar os pintores
Frans Post e Albert Eckhout, que registraram a fauna e fios locais; o astrônomo
Marcgrave; o médico Willem Piso, que estudou as doenças tropicais. Apesar de não ter
vindo ao Brasil, merece menção Piet Post, que projetou a Cidade Maurícia, "cuja
localização corresponde ao cocção da moderna cidade de Recife", conforme observa o
historiador Charles Boxer.
Além disso, com o tempo, o Brasil holandês foi conhecendo uma crescente
polarização entre zona rural (luso-brasileiros) e zona urbana (holandeses). Essa
polarização era resultado da própria estrutura da colonização: a produção açucareira
estava a cargo dos luso-brasileiros e os holandeses detinham o capital mercantil. Repetia-
se, portanto, no Brasil holandês a mesma estrutura já conhecida no Brasil português,
polarizada entre os senhores de engenho e a burguesia mercantil metropolitana.
A partir daí a companhia resolveu diminuir seus efetivos m' 'tares a fim de conter
os gastos. O passo seguinte foi a demissão de Nassau e a supressão de seu oneroso
estilo administrativo. Nassau foi substituído em 1644 por um Conselho Supremo
constituído por três membros, aos quais Nassau recomendou tolerância no trato com os
luso-brasileiros. Esse conselho foi ignorado pela nova administração, que se tornou, ao
contrário, extremamente severa, particularmente em relação às dívidas dos senhores de
engenho luso-brasileiros e aos prazos para saldá-las. As propriedades dos luso-
brasileiros começaram a ser simplesmente confiscadas. Ao mesmo tempo, a tolerância
religiosa não era mais observada com o mesmo escrúpulo dos tempos de Nassau. As
tensões se acumularam e começaram a se manifestar na forma de rebeliões, que, em
seguida, se generalizaram.
O ponto mais sensível da Nova Holanda era Pernambuco. Aí foi desencadeado
um longo processo de rebelião conhecido como Insurreição Pernambucana, que teve
início em 1645 e terminou com a derrota dos holandeses em 1654. Reuniram se os
rebeldes pernambucanos em torno de lideres como André Vidal de Negreiros e João
Fernandes Vieira (ambos eram senhores de engenho), que até então estavam ligados aos
holandeses. Além desses, destacaram se o índio Filipe Camarão e o negro Henrique
Dias.
Domingos Calabar
Porém, mesmo o açúcar, cuja produção tinha sido monopólio do Brasil, começou
a sofrer forte concorrência holandesa, já que os holandeses haviam transferido para as
Antilhas toda a técnica de produção do açúcar que tinham aprendido no Brasil. Nascia,
dessa forma, o mais poderoso concorrente do açúcar brasileiro, que, agora, já não
contava com o bem-montado esquema holandês de distribuição do produto no mercado
europeu.
Ilustração 4: A derrota dos holandeses em Guararapes: momento importante da luta iniciada com a
Insurreição Pernambucana
Bastante debilitado, não restou a Portugal outra saída que não a de aplicar com
toda rigidez a política mercantilista, objetivando uma eficaz exploração colonial do Brasil.
Ora, a maior parte das Minas era ocupada pelos emboabas, e os paulistas
estavam concentrados no rio das Mortes, de onde os emboabas decidiram, então,
desalojá-los. Sendo minoritários, os paulistas se retiraram, mas um grupo deles, com
maioria de índios, foi cercado pelos emboabas, que exigiram a rendição, prometendo
poupar-lhe a vida caso depusesse as armas. Foi o que fizeram os paulistas. Mas, mesmo
assim, foram massacrados no local que ganhou o nome de Capão da Traição.
A Bahia possuía uma ligação com Minas muito anterior à descoberta do ouro. O
caminho foi aberto pelos bandeirantes paulistas no século XVII do sul para o norte. A
vantagem dessa via era a sua segurança e conforto. Não faltavam pastos para os
cavalos, nem alimento para os viajantes. As estradas eram mais largas e podiam ser
percorridas sem medo de ataques indígenas.
A Bahia estava apta a se integrar à economia mineira por várias razões: era um
centro antigo de colonização e, como tal, tinha uma economia mais bem preparada para
atender às demandas de Minas; a sua pecuária havia se expandido para o sertão e pelo
rio São Francisco dirigindo-se para as minas; além disso, era um grande centro
importador de produtos europeus e tinha a vantagem de estar mais próximo de Portugal
do que os portos sulinos.
Como aconteceu com outras regiões, grande contingente de baianos foi atraído
pelas minas. Até senhores de engenho abandonaram tudo e se mudaram para lá com
todos os seus bens e escravos.
De qualquer modo, para efeitos legais, o comércio muito intenso mantido pelos
mercadores baianos com as minas era considerado contrabando. E uma das maiores
figuras desse contrabando era, justamente, Manuel Nunes Viana, que teve um destacado
papel no episódio da Guerra dos Emboabas.
Com a sua abertura, a viagem do Rio para Minas poderia ser realizada em doze
ou dezessete dias, conforme o ritmo da marcha. A vantagem do “caminho novo” era óbvia
comparado com o de São Paulo a Minas, no qual se gastavam sessenta dias. E essa
vantagem teve importantes conseqüências, pois transformou o Rio no principal fornecedor
das minas e na principal rota de escoamento do ouro. São Paulo sofreu os efeitos da
nova situação, mas graças à descoberta de minas em Goiás e Mato Grosso as perdas
foram contrabalançadas.
O gado muar era essencial como meio de transporte. E o principal centro produtor
estava localizado na região platina, que, tradicionalmente, fornecia esse gado para as
minas peruanas. Com a decadência destas últimas, um novo estimulo para a sua criação
veio de Minas. Assim se intensificou a ocupação da região platina, que resultou, no final,
na incorporação do Rio Grande do Sul ao domínio português.
Porém, Portugal tinha um ponto fraco: â sua indústria manufatureira era muito
pouco desenvolvida, de modo que â maioria das mercadorias vendidas às minas era
importada da Inglaterra.
Apesar disso, não se deve concluir que â escravidão fosse menos rigorosa nas
minas. Tal como nos centros açucareiros, â desigualdade foi reproduzida com â mesma
intensidade e â pobreza contrastava com â opulência de uma minoria. Ao contrário do que
se acreditava, â mineração não foi mais democrática. E mais: as grandes fortunas não
tiveram origem na atividade minerados, mas no comércio.
A exploração das datas deveria iniciar-se num prazo de quarenta dias. Caso
contrário, o proprietário era obrigado a devolver o seu lote. Em caso de perda dos
escravos, a data poderia ser vendida.
A primeira a ser aplicada foi a capitação, que era, na prática, um imposto que
incidia sobre o número de escravas de cada minerador, esperando-se, com isso, que a
arrecadação correspondesse ao “quinto”. Mas essa medida gerou revoltas, pois os
mineradores ficavam sujeitos ao pagamento mesmo que seus escravos não
encontrassem ouro algum.
Tentou-se, por isso, adotar o sistema de fintas, que consistia no pagamento, pela
população minerados, de 30 arrobas anuais fixas, que, teoricamente, corresponderiam ao
quinto. Mas quem não concordou dessa vez foi o rei, que obrigou à volta ao regime de
capitação. Devido a novas revoltas, ele recuou e aceitou o sistema de fintas, cujo
pagamento foi garantido pelas Câmaras Municipais locais. Esse sistema foi adotado em
1718.
Dezesseis dias depois da eclosão da revolta, Assumar ocupou Vila Rica com
1500 soldados e pôs fim ao movimento. Filipe dos Santos foi sumariamente condenado e
executado e o seu corpo esquartejado.
Com isso, criou-se na Europa uma demanda intensa de produtos agrícolas para
alimentar a população em crescimento. Por outro lado, a Revolução Industrial, que se
iniciou no setor têxtil do algodão, ampliou consideravelmente a demanda por essa
matéria-prima. O fornecedor tradicional do algodão era a Índia, agora incapaz de suprir
satisfatoriamente a. crescente demanda. No século XVIII, as colônias sulistas dos atuais
EUA, importantes fornecedoras do algodão, paralisaram suas remessas em virtude de
seu rompimento com a Inglaterra e do início da Guerra de Independência (1776 - 1781).
As pressões das circunstâncias levaram a Inglaterra a se voltar para outros mercados,
favorecendo então o Brasil, que intensificou a produção algodoeira.
Reformas Pombalinas
Desde o fim da União Ibérica em 1640, o Brasil era a mais valiosa possessão
portuguesa. Com a descoberta e a exploração do ouro em Minas, o Brasil ocupou o lugar
indiscutível de retaguarda econômica da metrópole. Porém, no tempo de Pombal, a
mineração encontrava-se em franca decadência. A sua preocupação foi então a de
reorganizar a administração colonial, fortalecer os laços do exclusivo metropolitano, a fim
de garantir o máximo de transferência da riqueza brasileira para Portugal.
Mas a sua política não estava concentrada apenas em Minas. Ela abrangia
também a economia açucareis do nordeste e a exploração das "drogas do sertão" da
região amazônica.
Porém, as rebeliões coloniais até o início do século XVIII não chegaram a propor
claramente a emancipação política como solução. Elas só terão esse caráter com a
Inconfidência Mineira (1789) e a Conjuração Baiana ou dos Alfaiates (1798).
Ora, isso é perfeitamente compreensível, pois a metrópole não tem o que explorar
se a riqueza não for produzida. Uma vez produzida, a luta pela sua posse é
desencadeada.
Sua origem situa-se no início do século XVII, mas foi a partir de 1630, quando a
conquista holandesa desorganizou os engenhos, que a fuga maciça de escravos tornou
Palmares um quilombo de grandes proporções. Em 1675, a sua população foi avaliada
em 20 ou 30 mil habitantes.
A grande vitória dos recifenses ocorreu com a criação de sua Câmara Municipal
em 1709, que libertava, definitivamente, os comerciantes da autoridade política olindense.
Inconformados, os senhores de engenho de Olinda, utilizando vários pretextos (a
demarcação dos limites entre os dois municípios, por exemplo), resolveram fazer uso da
força para sabotar as pretensões dos recifenses. Depois de muita luta, que contou com a
intervenção das autoridades coloniais, finalmente em 1711 o fato se consumou: Recife foi
equiparada a Olinda. Assim terminou a Guerra dos Mascates.
Os tratados de limites – Nos fins do século XVIII, o atual território brasileiro estava
praticamente formado. Para isso contribuíram a pecuária, o bandeirismo, a mineração e
as missões jesuíticas no vale amazônico.
O primeiro tratado de limites ocorre com o Primeiro Tratado de Utrecht (1713). Por
esse tratado a França reconheceu o direito exclusivo de Portugal navegar no rio
Amazonas, em troca do reconhecimento português da posse da Guiana pelos franceses.
Pelo Segundo Tratado de Utrecht (1715), a Espanha reconheceu a possessão da Colônia
do Sacramento (fundada em 1680) por Portugal, mas não de forma definitiva. Outros
tratados foram assinados entre Portugal e Espanha para a fixação dos limites no extremo
sul.
Por essa razão, o ministro português, marquês de Pombal, decidiu anular essa
cláusula do Tratado de Madri e se negou a entregar a Colônia do Sacramento, levando os
países ibéricos a anularem o tratado anterior, o que se deu com o Tratado do Pardo
(1761).
Motivado por tais experiências, Portugal adotou sempre uma cautelosa política de
neutralidade e buscou apoio, quando necessário, na Inglaterra. Logo após a Restauração
(1640), Portugal foi obrigado a fazer concessões comerciais aos ingleses em troca de
apoio contra a Espanha e a Holanda. Os tratados de 1641, 1654 e 1661, com a Inglaterra,
foram produtos dessa concessão que, afinal, acabou resultando na crescente
dependência de Portugal. Através desses tratados foi aberto à burguesia inglesa o
mercado colonial português, na condição de nação mais favorecida.
O mais importante tratado, pelo seu caráter lesivo a Portugal, foi o de Methuen,
assinado em 1703, em pleno início da mineração no Brasil. O tratado possuía apenas dois
artigos:
Artigo 2º. - E estipulado que Sua Sagrada e Real Majestade Britânica, em Seu
Próprio Nome, e no de Seus Sucessores, será obrigada para sempre, de aqui em diante,
de admitir na Grã Bretanha os vinhos do produto de Portugal, de sorte que em tempo
algum (haja paz ou guerra entre os Reinos de Inglaterra e de França) não se poderá exigir
direitos de Alfândega nestes vinhos, ou debaixo de qualquer outro título direta ou indireta-
mente, ou sejam transportados para Inglaterra em pipas, tonéis ou qualquer outra vasilha
que seja, mais que o que se costuma pedir para igual quantidade ou medida de vinho de
França, diminuindo ou abatendo terça parte do direito de costume.
Em síntese: A extrema brutalidade dos tratados impostos pela Inglaterra não foi
obra do acaso. Ela se explica pela pesada pressão econômica que o bloqueio
napoleônico exerceu sobre a Inglaterra. De fato, as guerras napoleônicas, e suas
conseqüências para a economia inglesa, tornaram premente a necessidade de abrir no-
vos mercados, sob pena de a Inglaterra sucumbir às pressões da conjuntura. A quebra do
pacto colonial era vital, pois as mercadorias estavam se acumulando e precisavam ser
escoadas de algum modo, o que tornava a exclusão inglesa do mercado americano algo
impensável. Ora, a relativa facilidade com que a Inglaterra impôs seus interesses ao
Brasil permitiu a maciça exportação de seus produtos, inundando o nosso mercado. Mais
do que isso, a presença inglesa trouxe modificações radicais na posição do Brasil dentro
do mercado internacional: saímos da órbita do colonialismo mercantilista português para
ingressar na dependência do capitalismo industrial inglês.
Até a ruptura colonial, nosso comércio era, pelo menos, equilibrado, embora a
produção fosse prejudicada pelas excessivas taxas e restrições em favor da metrópole.
Em compensação, Portugal representava um mercado garantido para as exportações
brasileiras.
A “Abertura dos Portos às Nações Amigas – Embora a abertura dos portos tivesse
vindo ao encontro dos interesses dos proprietários rurais brasileiros, essa medida tinha
em vista apenas o interesse e a conveniência da Corte. É o que afirma, aliás, Hipólito
José da Costa, um jornalista brasileiro da época. Segundo suas palavras: "o governo
português, quando se mudou de Lisboa para o Rio de janeiro, deixou em poder dos
franceses, seus inimigos, os dois portos de Lisboa e Porto, os únicos com que o Brasil
comerciava na Europa; logo, não podendo obter dali o que precisava, necessariamente
havia de recorrer aos outros portos, sob pena de se reduzir à última penúria; porque,
forçosamente, havia de não ter que ir à Inglaterra para dali trazer os artigos de primeira
necessidade, para os pagar, era também preciso que para ali mandassem os artigos de
seu país que os ingleses necessitassem. Logo, a abertura ou franquia deste comercio,
sendo uma medida que o governo adotou porque sem ela pereceria, podemos dizer que o
fez porque assim lhe fazia conta, e não sei que povo fique obrigado a tão estranha
gratidão ao governo, por este adotar uma linha de conduta necessária para conservar a
sua existência como governo e indivíduos".
A exatidão dessas afirmações pode, aliás, ser verificada no próprio texto da Carta
Régia que declarava o caráter provisório da medida, “em razão das críticas e públicas
circunstâncias da Europa’’”.
A franquia dos portos teve importantes conseqüências, pois deu início a um duplo
processo: o da emancipação política do Brasil e o seu ingresso na órbita de influência
inglesa.
Além disso, essa camada dominante colonial contava com o apoio da burguesia
inglesa, a quem não interessava o fechamento do mercado brasileiro.
Dessa maneira, peça por peça, o Estado português renasceu no Brasil. Todavia,
a complexa rede burocrática implantou-se à revelia da colônia, e a ela se sobrepôs como
um corpo estranho, pois o Estado foi recriado para empregar a nobreza parasitária que
acompanhara o regente, ignorando os interesses do Brasil.
Apesar disso, esse transplante do Estado teve importantes conseqüências porque
o Brasil não era mais administrado "de fora". Com a transferência da Corte ocorreu a
interiorização do centro de decisão e a dispersão colonial foi atenuada com o surgimento
de um centro aglutinador representado pelo Estado português. Ocorreu, assim, a inversão
brasileira: os negócios do Brasil, antes a cargo do Ministério da Marinha e do Ultramar,
passaram a ser de competência do Ministério do Reino; no plano da justiça, o Tribunal de
Relação do Rio de janeiro foi convertido em Casa de Suplicação, tribunal supremo de
última instância*; o setor militar foi reforçado com a fundação da Academia Militar, da
Academia da Marinha, do hospital e do arquivo militar, da fábrica de pólvora, etc.
Assim, a abertura dos portos, que beneficiava tanto os senhores rurais como a
burguesia inglesa, foi declarada, desde o princípio, como medida provisória. E isso
significava que ela seria suprimida tão logo a Europa retornasse à normalidade. Porém,
mesmo provisória, ela feriu os interesses dos comerciantes portugueses. Para remediar
isso, através de inúmeros decretos procurou-se restringir o comércio estrangeiro e
favorecer a burguesia portuguesa, isentando de taxas os panos portugueses; por fim,
estendeu-se aos comerciantes portugueses o imposto de 15% ad valorem nas alfândegas
brasileiras, equiparando-os aos ingleses.
A imprensa, até então proibida no Brasil, foi difundida com o funcionamento dos
primeiros prelos. Fundou-se a Imprensa Régia, responsável pelas primeiras publicações
no Brasil. Sai o primeiro jornal do Brasil, A Gazeta do Rio de janeiro. Na Bahia foi
publicado o jornal A Idade de Ouro no Brasil. Todas essas publicações, que contavam
com a proteção das autoridades, eram superficiais e limitavam-se a louvar os poderosos,
noticiando frivolidades como o casamento de princesas, aniversários de membros
destacados da sociedade, etc.
Porém, começou a ser editado em 1808 o Correio Braziliense, que fugia à regra.
Era dirigido por Hipólito José da Costa, um liberal que fazia oposição a D. João. O jornal,
evidentemente, não era impresso no Brasil, mas em Londres, onde se encontrava o seu
editor e principal redator. Com uma periodicidade quase mensal, o jornal sustentou-se até
1822 com base exclusivamente em sua difusão no Brasil. O periódico expressava o ponto
de vista dos grandes proprietários numa linguagem liberal e elitista, tendo como alvo
principal o caráter absolutista de D. João.
Nova onda revolucionária – Com a abertura dos portos (1808) o Brasil conquistou
a almejada liberdade econômica e, com a sua elevação à categoria de Reino Unido,
deixava de ser, formalmente, uma colônia. Mas o que isso, de fato, representou para o
Brasil?
Para o homem comum - sem falar nos escravos - praticamente nada. Quanto aos
grandes proprietários escravistas, embora beneficiados pela abertura dos portos,
continuavam tão afastados das decisões políticas quanto antes. Mesmo no caso da
abertura dos portos, devemos considerar que esses mesmos grandes proprietários
continuavam dependentes dos comerciantes portugueses como sempre haviam sido.
Esses são alguns dos fatores que desencadearam em 1817, no nordeste, uma
revolução de caráter anticolonial e separatista.
Três anos depois, em 1820, outra revolução eclodiu em Portugal, por razões
inversas.
A Revolução de 1817
Esse quadro se agravou por volta de 1817, com uma crise econômica que teve a
sua origem na queda do preço internacional do açúcar e do algodão - principais produtos
de exportação do nordeste.
A elite atuante – Formou-se por esse tempo uma elite atuante, formada no
espírito do Areópago e disposta a colocar em prática as suas idéias. A fermentação
revolucionária, que vinha do início do século, deu origem, em 1817, a uma conspiração
inúmeras vezes denunciada. Dentre as figuras representativas destacavam-se o padre
João Ribeiro, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada - ouvidor-mor de Olinda e irmão de José
Bonifácio -, o erudito padre Miguelinho e o comerciante Domingos José Martins, que
tramavam abertamente contra a opressão colonial. Domingos José Martins, ex-
comerciante em Londres, homem de espírito prático, parece ter conhecido o célebre
revolucionário venezuelano Francisco de Miranda, de quem se diz ter recebido influências
decisivas. Participou ainda Frei Caneca, que se tornaria célebre ao liderar uma revolta
contra D. Pedro I - a Confederação do Equador (1823 - 1824).
Esse primeiro governo, formado pela elite colonial dominante, era secretariado
pelo padre Miguelinho e auxiliado por José Carlos Mayrink da Silva Ferrão. Foi criado um
Conselho de Estado, constituído pela elite intelectual pernambucana: Antônio de Morais e
Silva, José Pereira Caldas, Deão Reinaldo Luís Ferreira Portugal, Gervásio Pires Ferreira.
e Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. Instalou-se, assim, um governo republicano; adotou-
se uma bandeira; substituiu se o tratamento pessoal tradicional pelo de "patriota" e "vós",
numa consciente imitação da Revolução Francesa; elaborou-se, enfim, a Lei Orgânica.
Além do que ficou estabelecido na Lei Orgânica, várias outras medidas de caráter
popular foram tomadas, como, por exemplo, a abolição dos tributos que oneravam os
gêneros de primeira necessidade.
A revolução foi liderada por Manuel Fernandes Tomás, que, na cidade do Porto,
em 1818, criou uma associação liberal, inspirada no exemplo da Revolução Francesa.
Essa associação contava com a participação de treze membros e recebeu o nome de
Sinédrio. Em fins de 1820, além de elementos militares, reunia também membros da
clero. Em agosto do mesmo ano foi lançado um manifesto à nação, de autoria de
Fernandes Tomás.
O Brasil e as Cortes
Se essa era a diferença entre ambos, os dois partidos concordavam pelo menos
num ponto: nenhum dos dois colocava em questão a estrutura escravista da sociedade
colonial. Discordando de ambos sobre esse ponto e que surgiria uma outra corrente: a
dos liberais radicais. Esta era integrada pelas camadas urbanas, representadas pelos
profissionais liberais - médicos, professores, jornalistas, pequenos comerciantes, padres,
etc. Com essa tendência, identificavam-se certas facções da aristocracia rural,
particularmente da região nordestina, que havia muito tinham perdido a liderança para os
grandes proprietários da região sudeste - Rio de Janeiro e São Paulo.
Para o "partido brasileiro" o ideal era a criação de uma monarquia dual, para
preservar a autonomia administrativa e a liberdade de comércio. A intransigência das
Cortes fez, no entanto, esse partido inclinar-se pela emancipação, mas sem alterar a
ordem social e os seus privilégios.
Entretanto, essa decisão das Cortes gerou uma onda de inquietação muito
grande. Os funcionários públicos estavam ameaçados de perder seus empregos com o
fim das repartições em que trabalhavam. O "partido brasileiro" ficou alarmado com a
recolonização iminente, mas também com a possibilidade de uma explosão revolucionária
incontrolável.
Como se pode observar, José Bonifácio era contrário tanto à escravidão quanto
ao latifúndio. E nesse ponto chocou-se com os poderosos interesses dos grandes
proprietários e dos traficantes.
Independência ou Morte
Uma imagem 66 anos depois
O 7 de Setembro em documentos
“O príncipe mandou-me ler alto as cartas trazidas por Paulo Bregaro e Antônio
Cordeiro. (...) D. Pedro, tremendo de raiva, arrancou de minhas mãos os papéis e,
amarrotando-os, pisou-os e deixou-os na relva. Eu os apanhei e guardei. Depois,
abotoando-se e compondo a fardeta – pois vinha de quebrar o corpo à margem do riacho
do Ipiranga, agoniado por uma disenteria, com dores, que apanhara em Santos – virou-se
para mim e disse:
E eu respondi prontamente:
_ Se V.A. não se faz rei do Brasil, será prisioneiro das Cortes e talvez
deserdado por elas. Não há outro caminho, senão a independência e a separação.
_ Pelo meu sangue, pela minha honra, pelo meu Deus, juro fazer a liberdade
do Brasil.
(...) Firmou-se nos arreios, esporeou sua bela besta baia e galopou, seguido de
seu séquito, em direção a São Paulo, onde foi hospedado pelo brigadeiro Jordão, capitão
Antônio da Silva Prado e outros, que fizeram milagres para contentar o príncipe.
Mal apeara da besta, D. Pedro ordenou ao seu ajudante de ordens que fosse
às pressas ao ourives Lessa e mandasse fazer um dístico em ouro, com as palavras
“Independência ou Morte”, para ser colocado no braço, por um laço de fita verde e
amarela. E com ele apareceu no espetáculo, onde foi chamado o rei do Brasil, pelo meu
querido amigo alferes Aquino e pelo padre Ildefonso (...)”
D. Pedro e a Maçonaria
O fato existiu – temos a ata – e é digno de ser lembrado e comemorado por todos
os maçons, mesmo porque não era possível, no dia 9, os obreiros terem conhecimento
dos fatos do dia 7, dados os escassos recursos de comunicação da época. Mas não a
ponto de falsear a verdade histórica, quer por ufanismo, quer por desconhecimento.
A Independência hoje
A tarefa é monumental. Cumpre romper os grilhões que nos atam aos Estados
Unidos da América. O presidente Lula já mencionou, ao chamar o presidente de lá de
“companheiro Bush”, que considera aquele país “um parceiro imprescindível para o
Brasil”. Por seus atos e palavras percebemos sua falta de disposição – assim como de
toda a alta burguesia brasileira – no sentido de encaminhar a Independência de que
precisamos. Que a reflexão em torno dos atos heróicos de nossos ancestrais possa
inspirar nossos contemporâneos.
Lázaro Curvêlo Chaves - 7 de Setembro de 2004
O movimento das idéias – O século XIX foi, para a Europa e o Brasil, um século
de profundas transformações orientadas por um conjunto mais ou menos bem-definido de
idéias: liberalismo, democracia e, por fim, socialismo. Para se compreender a história do
Brasil no século XIX, é importante estudar com um pouco de atenção o significado dessas
idéias.
Outro instrumento liberal para diminuir o alcance do poder estatal foi a defesa da
descentralização - federalismo -, através da qual se transferia o poder às elites locais.
Esses limites impostos ao poder e ao seu raio de ação eram, por sua vez,
regulamentados por leis escritas - a Constituição.
A sociedade liberal burguesa era certamente mais livre que a do Antigo Regime,
uma vez que abriu espaço para a liberdade de pensamento e expressão e circunscreveu
a esfera do poder estatal. Mas limitou drasticamente a participação política porque o
direito de voto foi condicionado à renda do indivíduo, de tal modo elevada que apenas os
ricos votavam e eram eleitos para cargos políticos. Esse direito de voto condicionado à
renda é o que chamamos de voto censitário.
Assim, os que não alcançassem a renda exigida, não participariam das grandes
decisões nacionais e seriam, portanto, cidadãos de segunda classe para todos os efeitos.
O liberalismo consagrava dessa maneira as desigualdades entre os homens, o que
também se verificou entre nós, mesmo depois da Independência. As camadas populares
e os escravos, compreensivelmente, foram sistematicamente excluídos da vida política do
país.
A oposição entre liberalismo e democracia ganhou força a partir dos anos 1850 -
1860. E o centro da discórdia encontrava-se na questão do sufrágio universal. Os liberais
recusavam essa idéia porque existia por trás dela a principal aspiração dos democratas, a
saber, a idéia da igualdade. E isso significava que, para os democratas, a participação
política deveria ser imediatamente aberta a todos e não apenas a uma elite econômica ou
intelectual.
Era, portanto, necessário ir mais longe do que os liberais estavam dispostos a ir,
aprofundando as teses dos próprios liberais. Assim, para os democratas não era
suficiente a igualdade de todos perante a lei. Era preciso muito mais do que isso. A
igualdade jurídica deveria ser completada com a igualdade social.
Essas três tendências não irão aparecer em sua forma pura. Em geral, nos
diversos grupos políticos em luta, idéias e interesses andavam misturados, embora não
seja difícil reconhecer quais eram os princípios predominantes. De contornos menos
definidos e claros eram os agrupamentos que poderíamos chamar de liberais radicais, ou
simplesmente radicais, de tendência democratizante, representantes do item acima.
A queda dos Andradas assinalou uma grande mudança na vida pública do país.
Ela deu condições para a ascensão do "partido português", que permaneceria no poder
até a abdicação de D. Pedro I, em 1831.
A Assembléia Constituinte
Ele continha 272 artigos, inspirados parcialmente nos ensinamentos dos filósofos
iluministas, dos quais pode-se destacar o princípio da soberania nacional e o liberalismo
econômico. Coerentemente, descartou-se a democracia, que permitiria a participação
popular na vida política.
O anteprojeto tinha, além disso, um caráter marcadamente anticolonialista,
expresso na forma de xenofobismo (ódio ao estrangeiro), especialmente contra os
portugueses. A lusofobia (ódio aos portugueses) não era sem motivo: na Bahia, no Pará e
na Cisplatina, as ameaças da recolonização persistiam. O "partido português" continuava
ativo por toda parte. Nas ruas e nas praças, “brasileiros" e "portugueses" se enfrentavam.
Havia uma razão para essa forma peculiar de medir a renda: excluíam-se, ao
mesmo tempo, as camadas populares e os comerciantes portugueses. As primeiras
porque não apresentavam rendas suficientes e os segundos porque, por serem
comerciantes, tinham a renda expressa diretamente em dinheiro, e não em alqueires de
mandioca, como era necessário. De um só golpe, o "partido português" e os radicais
estavam afastados automaticamente da vida política.
O poder Legislativo era formado por um Senado vitalício e por uma Câmara dos
Deputados, com mandato de três anos. Os senadores eram escolhidos pelo imperador, a
partir de uma lista tríplice, apresentada pelas províncias. Sua função era propor, redigir e
aprovar as leis.
Com essas palavras, frei Caneca prenuncia a sua participação como principal
líder da rebelião de 1824 contra D. Pedro I.
Com a expulsão de Rego Barreto, foi eleito governador Gervásio Pires Ferreira,
ex-revolucionário de 1817, que permaneceria no poder em 1821 e 1822. Logo depois da
proclamação da independência em 7 de setembro de 1822, Gervásio Pires Ferreira foi
substituído por um grupo conservador que formou o "governo dos matutos" - assim
chamado em virtude da participação majoritária da aristocracia local, liderada por
Francisco Pais Barreto. O novo governo pernambucano estava plenamente sintonizado
com o poder central representado por D. Pedro.
A dissolução da Assembléia Constituinte, por ordem imperial, em 12 de novembro
de 1823, que encheu de descontentamento os liberais de Pernambuco, resultou
finalmente na queda do "governo dos matutos" em 13 de dezembro de 1823. Através de
uma nova eleição formou-se uma junta governativa chefiada por Manuel de Carvalho Pais
de Andrade, antigo revolucionário de 1817.
O reconhecimento por parte de Portugal abriu caminho para que outros países
fizessem o mesmo, mas ao custo da concessão de tarifas privilegiadas de 15% em
nossas alfândegas.
A crise atingiu o auge com a falência do Banco do Brasil, em 1829, cujos fundos
haviam sido saqueados por D. João VI em seu retorno a Portugal.
• A figura de maior destaque nesse período foi o padre Feijó, ministro da Justiça.
As duas fases do período regencial. De 1831 a 1837, ainda sob o efeito da vitória
contra a autocracia do imperador deposto, foram tomadas várias medidas liberais,
caracterizando-se essa fase como do “avanço liberal”.
O Avanço Liberal
A crise de julho de 1831. O clima de agitação que vinha desde abril culminou, nos
dias 12 e 13 de julho de 1831, com a sublevação, no Rio de Janeiro, do 26° batalhão de
infantaria, apoiado, em seguida, pelo Corpo de Polícia. Aderiram à revolta os grupos
populares ligados aos exaltados interessados numa reforma profunda da sociedade. Os
revoltosos apresentaram as suas exigências: reforma democrática da Constituição;
deportação de alguns senadores, militares e funcionários públicos nascidos em Portugal;
suspensão da emigração portuguesa por dez anos; e exoneração do ministro da Justiça.
O projeto foi enviado para o Senado, mas este adiou a discussão e aprovação
para o ano seguinte de 1832.
Apesar de ter sido facilmente sufocado, esse ataque ao governo fez com que
Feijó - que já era inimigo de longa data de José Bonifácio - declarasse abertamente a
luta contra os Andradas. Seu objetivo era destituir José Bonifácio da tutoria de D. Pedro
de Alcântara, futuro D. Pedro II. Para os moderados essa era uma questão vital, pois a
continuação de José Bonifácio na tutoria representava uma real ameaça de restauração.
Esse temor foi expresso por Honório Hermeto Carneiro Leão, nos seguintes termos: "Se
Pedro I tornar a governar o Brasil é de crer que erija cadafalsos e que trate de livrarse de
todos os que fizeram oposição à administração passada”.
Através desse novo código, o poder municipal concentrou-se nas mãos dos juízes
de paz, eleitos pela população local, que, além dos poderes judiciários, tinha ainda o
poder de polícia. Mas esses juízes foram facilmente controlados ou neutralizados pelos
grandes proprietários locais, que detinham os poderes de fato, com seus bandos
armados, e não eram punidos por seus crimes.
Esse novo reagrupamento dos setores dominantes foi motivado pela crescente
intranqüilidade trazida pelas agitações e rebeliões populares. Muitos dos moderados que
haviam defendido as medidas liberais, que afinal se concretizaram, tomaram consciência
do perigo que representava aos seus interesses o enfraquecimento do poder central em
época de crise como a que estavam vivendo. E o centralismo começou a ser visto com
simpatia por alguns moderados, pois a morte de D. Pedro I e o fim do movimento
restaurador haviam afastado definitivamente a ameaça de retorno do absolutismo.
Enquanto isso, as explosões populares estavam mostrando que o perigo real a ser
enfrentado era a possibilidade da revolução. O "regresso" conservador surgia assim como
uma posição claramente contrarevolucionária e começou a ganhar fona a partir de 1834.
Feijó venceu a eleição com 2 828 votos contra 2 251 dados a Holanda Cavalcanti.
A vitória de Feijó representou a vitória dos progressistas. Mas, nas eleições legislativas do
ano seguinte, venceram os regressistas.
Vasconcelos havia sido, nos últimos anos do Primeiro Reinado, um dos mais
respeitados chefes da oposição liberal a D. Pedro I. E foi esse o motivo por que foi
intensamente criticado ao aceitar e assumir o ministério como membro da equipe
regressista. Mas ele próprio se encarregou de defender-se das acusações, com palavras
exemplares e esclarecedoras: “Fui liberal; então a liberdade era nova no país, estava nas
aspirações de todos, mas não nas leis; o poder era tudo: fui liberal. Hoje, porém, é diverso
o aspecto da sociedade: os princípios democráticos tudo ganharam, e muito
comprometeram; a sociedade, que então corria risco pelo poder, corre risco pela
desorganização e pela anarquia. Como então quis, quero hoje serví-la, quero salvá-la; por
isso sou regressista. Não sou trânsfuga, não abandonei a causa que defendo, no dia de
seus perigos, de sua fraqueza; deixo-a no dia em que tão seguro é o seu triunfo que até o
excesso a compromete. Quem sabe se, como hoje defendo o país contra a
desorganização, depois de havê-lo defendido contra o despotismo e as comissões
militares, não terei algum dia de dar outra vez a minha voz ao apoio e à defesa da
liberdade?... Os perigos da sociedade variam; o vento das tempestades nem sempre é o
mesmo; como há de o político, cego e imutável, servir a seu país?”.
Em outro discurso, ele foi ainda mais claro: “(...) eu quis parar o carro
revolucionário, atirei-me diante dele; sofri, e tenho sofrido, porque quem se atira diante do
carro revolucionário de ordinário sempre sofre...”
Em 1838, nas eleições para a escolha do novo regente, foi eleito o próprio Araújo
Lima.
Cabanagem (1833-1836)
Antecedentes. Desde o período colonial o Pará era dominado por um poderoso
grupo de comerciantes portugueses, aliado aos altos funcionários civis e militares. Contra
esse núcleo que resistiu como pôde á independência do Brasil, foi desencadeado nessa
ocasião um movimento com ampla participação das camadas populares. A derreta desse
núcleo só aconteceu depois do envio de tropas pelo Rio de Janeiro, sob comando do
mercenário inglês Grenfell. Por esse motivo, no Para, a independência foi retardada por
quase um ano (agosto de 1823) em relação á sua proclamação oficial (setembro de
1822).
O governo regencial, cada vez mais temeroso com o rumo dos acontecimentos,
terminou por enviar um forte contingente militar ao Pará, sob o comando de Manuel Jorge
Rodrigues, que assumiu o poder em Belém, com a ajuda do próprio Francisco Vinagre,
traindo pela segunda vez os cabanos.
Em abril do ano seguinte, a regência enviou uma poderosa esquadra com o novo
presidente, o brigadeiro Francisco José de Sousa Soares de Andréia. Depois de enfrentar
alguma resistência, a fona repressiva desembarcou em Belém em 13 de maio. Os
cabanos recuaram novamente para o interior, já enfraquecidos. Sem poder oferecer
resistência a uma fona militar muito superior, os cabanos foram perdendo terreno e uma
violenta repressão foi desencadeada contra eles.
Por volta de 1626, os jesuítas espanhóis voltaram à região, mas desta vez para
se estabelecer no atual estado do Rio Grande do Sul e retomar a sua obra missionária.
Mas foram atacados pelos bandeirantes em 1640. Os jesuítas abandonaram novamente a
região, deixando para trás o seu rebanho de gado, que, devido à boa pastagem,
multiplicou-se rapidamente.
O interesse dos preadores que lutavam com armas em punho pela posse dos
rebanhos limitava-se normalmente à extração do couro para a exportação. Porém, a
carne não era aproveitada. Foi essa ação contínua e predatória que, ao diminuir o
rebanho, obrigou os preadores a se estabelecerem como pecuaristas (estancieiros),
passando a investir na criação do gado.
Vale rememorar que, em 1816, por iniciativa de D. João, o atual Uruguai foi
incorporado ao Brasil com o nome de Província Cisplatina. A partir disso, a nova província
passou também a fornecer gado para as charqueadas, ao mesmo tempo em que os
estancieiros riograndenses puderam se estabelecer na Cisplatina.
Em 1838, Bento Gonçalves, um líder dos estancieiros, expôs num manifesto todo
o ressentimento acumulado: "A carne, o couro, o sebo, a graxa, além de pagarem
nas Alfândegas do País o duplo dízimo de que se propuseram aliviar-nos, exigiam mais
quinze por cento em qualquer dos portos do Império. Imprudentes legisladores nos
puseram desde este momento na linha dos povos estrangeiros, desnacionalizaram a
nossa Província e de fato a separaram da Comunidade Brasileira (...) Tirou-nos o dízimo
do gado muar e cavalar e o substituiu pelos direitos de introdução às outras províncias.
Nós os pagávamos onerosos em Santa Vitória, escandalosos em Rio Negro,
insuportáveis em Sorocaba, pontos preciosos do trânsito dos nossos tropeiros aos
mercados de São Paulo, de Minas e da Corte".
Antecedentes. Malê era o nome pelo qual eram conhecidos os escravos africanos
adeptos da religião muçulmana ou maometana. Com esse mesmo nome foi designado o
levante escravo de 183 5, ocorrido na noite de 24 para 25 de janeiro, em Salvador. A
rebelião durou aproximadamente três horas e dela participaram mais de quinhentos
indivíduos, escravos e libertos, resultando na morte de setenta revoltosos. O movimento
poderia ter trazido graves conseqüências para a sociedade escravista baiana, se as
autoridades não tivessem tomado conhecimento antecipado, graças à delação por ex-
escravos fiéis aos seus antigos senhores. A rebelião foi planejada por participantes que
haviam tido experiências anteriores de combates na África.
Seu plano era audacioso: libertar Salvador e levar a rebelião para o Recôncavo.
Em seus cálculos, os rebeldes levaram em conta e tentaram explorar a seu favor as
divergências no seio da camada dominante senhorial e a insatisfação dos homens livres e
pobres. Embora fracassasse em algumas horas, o levante malê foi motivo de grande
inquietação para as camadas dominantes em todo o país.
Porém, essas rebeliões políticas, mesmo as mais radicais, não tiveram caráter
antiescravista. Na Bahia do início do século XIX não foi diferente. Como em várias partes
do Brasil, existia na Bahia uma longa tradição de rebelião escrava e o levante dos malês
inscreveu-se nessa tradição. É inegável que a instabilidade política do período favoreceu
a multiplicação de revoltas escravas: de 1807 a 1830, quase vinte rebeliões escravas
foram registradas na Bahia,
Já no sábado, dia 24, corriam rumares do levante do dia seguinte, mas apenas
entre escravos e libertos. Nesse mesmo dia, o liberta Domingos Fortunato, depois de
contar o que sabia á sua mulher, Guilhermina Rosa de Sousa, mandou um recado ao seu
antigo senhor, dando notícia do plano da rebelião. Ela não foi considerada. O mesmo fez
Guilhermina, que passou a mesma informação ao seu ex-senhor, Sousa Velho, e também
a um vizinho branco, que, enfim, encarregou-se de tudo comunicar ao juiz de paz.
Tomando conhecimento da plano da rebelião na noite de sábado, as autoridades
tomaram de imediato as medidas necessárias para a repressão do movimento.
Um desses grupos tentou tomar de assalto a cadeia para libertar Pacífico Licutan,
um líder malê, fracassou e foi dispersado pela ação dos soldados.
Portanto, não eram apenas os ricos que tinham escravos. Ao contrário, supõe-se
que a maioria dos escravos era propriedade de pequenos escravistas, com menos de dez
escravos, que deles dependiam para ganhar a vida ou simplesmente sobreviver. Ter
escravos, na maioria dos casos, não era propriamente um luxo.
Embora a escravidão fosse praticada até mesmo por ex-escravos, existia uma
linha muito nítida separando os brancos dos negros e mulatos, escravos ou não. .A
discriminação racial era uma realidade de norte a sul do pais. O que não significava que
não se fizessem algumas distinções entre a camada dos "homens de car”. Na linguagem
da época, o termo "preto" era utilizado sempre para designar o africano; para os negros
nascidos no Brasil, a palavra era "crioula", existindo ainda os "mulatos" e os "cabras".
Estes últimos eram indivíduos cuja car da pele os situava numa posição intermediária
entre o crioulo e o mulata.
Pois bem, o levante dos malês foi caracteristicamente africano e poucos foram os
crioulos e mulatos que dele participaram. Segundo estimativas do historiador João José
Reis3 existiam em Salvador cerca de 27 500 escravos, dos quais 17 325 eram africanos e
10175, não africanos.
No levante de 1835, quase 70% dos aprisionados eram nagôs. O historiador João
José Reis identificou sete lideres da rebelião, em seu estudo citado anteriormente: Ahuna,
Pacífico Licutan, Luís Sanim, Manuel Calafate, Elesbão do Carmo (Dandará), Nicobé e
Dassalu. O primeiro, Ahuna ou Aluna, parece ter sido o principal líder, mas de quem se
ignora quase tudo, pois conseguiu escapar e dele não se teve mais notícias. Os demais,
embora sendo africanos de origens diversas, tinham em comum o fato de serem
muçulmanos (malês), conhecedores do Alcorão e da escrita árabe e respeitados entre os
africanos.
Sabinada (1837-1838)
A rebelião. A Sabinada foi uma rebelião contra o poder central, ocorrida na Bahia.
Um de seus lideres foi Francisco Sabino Vieira, médico e jornalista, do qual decorreu o
nome de Sabinada. Da rebelião participaram as camadas médias da sociedade baiana;
oficiais militares, profissionais liberais, funcionários públicos, pequenos comerciantes e
artesãos. No decorrer do ano de 1837, difundiram-se boatos de levante e rebelião em
Salvador. O poder central do Rio de Janeiro foi informado de tal ameaça em maio, pelo
presidente da província, Sousa Paraíso. O Novo Diário da Bahia, publicado por Sabino,
pregava abertamente a revolução, e os "clubes" revolucionários atuavam sem restrições.
A presidência foi entregue ao vice, João Carneiro da Silva Rego; Sérgio José
Veloso assumiu o cargo de comandante das Armas e Sabino ficou como secretário de
governo.
Como se pode verificar, a crítica estava totalmente voltada contra o poder central.
E o jornal Novo Diário da Bahia, do próprio Sabino, sustentou em novembro de 1837 que
a rebelião era "uma segunda Revolução da Independência" . Os grandes proprietários da
Bahia não estavam em desacordo com essa opinião. Um deles, depois de oferecer
sessenta homens equipados para a tropa legalista, declarou sem rodeios: "Dou esta
gente não porque não adote a revolução, que acho boa, mas porque não quero ser
governado pelo Dr. Sabino" .
Nessa fala, onde se lê "Dr. Sabino", deve-se entender que o autor da frase refere-
se, na realidade, ao grupo social de extrato médio que liderou a rebelião, apoiando-se nos
contingentes populares de negros e mulatos que integravam o exército rebelde. Na
medida em que os rebeldes oscilavam entre o federalismo e o separatismo, a república e
a monarquia, mas assumindo o papel de governo sem decidir-se pela revolução, não
conseguiram empolgar as camadas populares. Contudo, pelas circunstâncias, estavam
suficientemente próximos destas últimas para despertarem a antipatia da camada
dominante. Tal oscilação revelava a fraqueza do movimento e a razão de sua derrota.
Ilmo. Sr. Capitão Manuel Alves d'Abreu, Vila da Manga, 15 de dezembro de 1838.
Como Acho nesta Vila com a Reunião do Povo e bem do socego publico coma consta do
Artº sig Te. (1°) Que seja sustentada a consconstituição e garantido dos cidadãos. (2°)
Que seja admetido o Presidente de Província e em Tregue o governo Vice-Prezidente.
(3°) Que seja abolidos os Prefeitos e Subs-Prefeitos, Comissarios ficando som.tes em
Vigorar Leis geraes e as Províncias que não forem de em contra a Constituição do
Império. (4°) Que sejão espulcados empregos portuguezes e Dispejarem A Província
dentro em 15 dias com exseção dos catados com famílias brasileiras e os de 60 anos
para sima.
Ampliação da revolta popular. Enquanto os dois grupos rivais lutavam entre si,
Raimundo Gomes levou a revolta para o interior do Maranhão. E em janeiro de 1839 já
contava com a participação de Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, chefe de um dos
grupos de rebeldes. Ele era fazedor de balaios, apelidado, por isso, de o Balaio, de onde
veio o nome do movimento.
Para pôr fim rapidamente à revolta, o novo presidente enviou uma força de
quatrocentos homens contra os balaios, a qual, no entanto, foi derrotada pela guerrilha
sertaneja.
A rigor, a Balaiada não foi um movimento unificado por uma única liderança. Ao
lado de Raimundo Gomes, Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, o Balaio, destacou-se o
negro Cosme Bento das Chagas, que liderava um grande contingente de escravos
fugitivos.
Em 13 de maio de 1841, Luís Alves de Lima e Silva fez o balanço de sua atuação
num relatório, onde dizia: "Não existe hoje um só grupo de rebeldes armados, todos os
chefes foram mortos, presos ou enviados para fora da província... Se calcularmos em mil
os seus mortos pela guerra, fome e peste, sendo o numero dos capturados e aprisionados
durante o meu governo passante de quatro mil, e para mais de três mil os que reduzidos á
fome e cercados foram obrigados a depor as armas depois da publicação do decreto de
anistia, temos pelo menos eito mil rebeldes; se a estes adicionarmos três mil negros
aquilombados sob a direção do infame Cosme, os quais só de rapina viviam, assolando e
despovoando as fazendas, temos onze mil bandidos que com as nossas tropas lutaram, e
dos quais houvemos completa vitória. Este cálculo é para menos e não para mais: toda
esta província o sabe".
Segundo Reinado
Essa manobra política que possibilitou o retorno dos liberais ao poder teve como
conseqüência a afirmação da aristocracia rural e o estabelecimento de sua dominação
sobre todo o país. Como a burguesia, que na Europa abandonara definitivamente o ideal
revolucionário, os grandes proprietários de terras e escravos que haviam lutado contra o
domínio colonial adotaram finalmente uma política conservadora e anti-revolucionária.
Nas eleições, os chefes políticos colocavam nas ruas bandos armados; o governo
coagia eleitores e fraudava os resultados das urnas. A eleição de 13 de outubro de 1840,
que deu início a esse estilo novo (e violento) de fazer política, ficou conhecida como
"eleição do cacete", e deu vitória aos liberais. Todas as outras eleições realizadas depois
disso não escaparam à regra: continuaram igualmente violentas.
Medidas Antiliberais
A unidade da aristocracia rural. Apesar das disputas políticas violentas, os
partidos Conservador e Liberal eram diferentes apenas no nome. Um e outro eram
integrados pelos grandes proprietários escravistas e defendiam os mesmos interesses:
estavam unidos contra a participação do povo nas decisões políticas. Liberal ou
Conservador - não importava -, a aristocracia rural era a favor de uma política
antidemocrática e antipopular.
Como segmento mais rico e próximo do poder central, os barões do café estavam
em condições de submeter à sua liderança a aristocracia rural das demais províncias.
Formando então um bloco cada vez mais poderoso, imprimiram uma direção precisa à
política nacional: o centralismo e a marginalização dos setores radicais e democráticos.
Política Protecionista
O débil desempenho da economia brasileira até por volta de 1840 foi tornando
cada dia mais precária a situação do Tesouro. A inexistência de uma produção nacional
que suprisse as necessidades internas de consumo fez do Brasil uma economia
inteiramente dependente do fornecimento externo. Os gêneros alimentícios e os produtos
de uso corriqueiro, como sabão, velas, tecidos, etc., eram trazidos de fora, e a sua
importação, naturalmente, tinha um custo monetário que deveria ser saldado com as
exportações de produtos nacionais.
Após 1822, a Inglaterra estabeleceu o fim do tráfico negreiro como uma das
exigências para o reconhecimento da emancipação do Brasil. Assim, o tratado de 3 de
novembro de 1826 fixou o prazo de três anos para a sua completa extinção. O tráfico
passou a ser considerado, a partir de então, ato de pirataria, sujeito às punições previstas
no tratado. Finalmente, a 7 de novembro de 1831 - com atraso de dois anos em relação
ao estipulado pelo tratado de 1826 -, uma lei formalizou esse compromisso.
A Inglaterra, por sua vez, esforçou-se para fazer cumprir os termos dos tratados,
de modo unilateral. E o fez em meio a dificuldades, pois os traficantes, cercados em alto
mar, atiravam os negros ao oceano, atados a uma pedra que os impedia de vir à tona.
Além disso, o tráfico, ao invés de se extinguir, continuou a crescer incessantemente.
Mas havia razões mais profundas para essa dissidência. A Inglaterra fazia
enormes pressões pela extinção do tráfico, cujo efeito imediato foi a crescente escassez
de escravos e a elevação de seu preço. Para as poderosas famílias ligadas aos Rego
Barros e Cavalcanti não havia problemas. O contrabando de escravos acobertado pelas
autoridades policiais era garantia de suprimento permanente e a baixo custo para aquelas
famílias. Quanto aos demais, eram obrigados a pagar o preço de mercado para obter os
escravos de que necessitavam. E isso também foi denunciado pelos praieiros.
Para fazer face aos gastos com funcionários públicos, policiamento e obras
públicas, Chichorro da Gama aumentou os impostos, o que veio a encarecer os
alimentos. A elevação dos preços deu origem a uma crescente insatisfação entre as
camadas populares, que, no entanto, puseram a culpa nos comerciantes portugueses. Em
1847 e 1848, eclodiram revoltas populares que resultaram na depredação dos
estabelecimentos de portugueses. Particularmente graves foram os distúrbios ocorridos
nos dias 26 e 27 de junho de 1848, em que vários portugueses foram mortos e dezenas
deles, feridos.
A Revolta
Praieiros contra gabirus. O conflito armado entre praieiros e gabirus teve início um
ano antes da ascensão de Manuel de Sousa Teixeira, em 1847. Nesse ano os praieiros
venceram a eleição para o Senado. Contrariando esse resultado, levantou-se o poderoso
senhor de engenho e coronel da Guarda Nacional, José Pedroso Veloso da Silveira.
Reunindo em seu engenho de Lages os principais chefes gabirus, Veloso da Silveira
comandou um movimento apoiado em armas contra os resultados eleitorais e disposto a
tudo para impedir a posse dos senadores praieiros. Pressionado por essa sedição ou
revolta, o Senado decidiu anular as eleições, pondo fim à revolta dos gabirus, mas dando
aos praieiros um forte pretexto para começar a sua rebelião.
Nesse manifesto, sem dúvida radical, ouvese o eco das revoluções de 1848,
particularmente no trecho em que se refere ao "trabalho como garantia de vida para o
cidadão brasileiro", que era uma reivindicação dos socialistas.
Até o final do ano de 1848, a rebelião praieira não passava de conflitos isolados,
sobretudo no interior, com ataques a vilas para intimidar os opositores ou então aos
engenhos inimigos para recolher alimentos, munições e animais de carga.
Esse temor de passar das rebeliões políticas para as revoluções sociais tinha
então o significado de saltar do liberalismo para a democracia. E era exatamente o que as
camadas dominantes brasileiras pretendiam a todo custo evitar.
Sob todos os pontos, a citação acima permanece atual, o que mostra a agudeza
com que Antônio Pedro de Figueiredo compreendeu o socialismo, ao mesmo tempo em
que negou, nas figuras de Malthus e de Say, o liberalismo. Figueiredo foi ainda autor de
notáveis observações, em tom profético e esperançoso. Referindo-se aos operários
socialistas de Paris, logo após a derrubada de Luís Filipe I e a formação do governo
provisório da Segunda República francesa, Antônio Pedro de Figueiredo escreveu: “Nem
se deve deduzir do que fica exposto (...) que os insurgentes de junho [referência aos
operários], e nós também, pretendemos revolver totalmente a sociedade para reorganizá-
la; bem sabemos que estas revoluções radicais são obra do tempo, e apenas meia dúzia
de exaltados podem conceber a esperança de realizá-las imediatamente; mas o que
pretendiam os revolucionários de junho, o que nós também pretendemos, é que o
governo, como representante da sociedade inteira, intervenha nos fenômenos de
produção, distribuição e consumo, para regulá-los e substituir pouco a pouco uma ordem
fraternal à desgraça do estado de guerra que ora reina nestas importantes manifestações
da atividade humana. Os nossos votos hão de ser realizados”.
A situação do Brasil, entretanto, era mais complicada e não tinha sentido falar em
"máximas mais justas e generosas" num país escravista. Certamente, a circulação de
idéias socialistas era um bom avanço, mas na longa noite da escravidão não passavam
de ideais abstratos e irrealizáveis, valendo apenas como esperança de que "hão de ser
realizados".
Como vimos, a estrutura econômica e social do Brasil não havia sido alterada
com a emancipação política e continuava, em essência, tão colonial e escravista quanto
fora durante o período colonial. Estruturada para a monocultura, a economia colonial e
escravista no Brasil prosperou quando produziu uma mercadoria de grande aceitação no
mercado europeu e, também, quando não era ameaçada pela concorrência. Assim
aconteceu com o açúcar no passado e agora com o café, em meados do século XIX.
Desenvolvendo-se principalmente no sudeste (Rio, Minas e São Paulo), a
cafeicultura forneceu uma sólida base econômica para o domínio dos grandes
proprietários daquela região e favoreceu, enfim, a definitiva consolidação do Estado
nacional.
A Modernização
Em sua relação com o exterior, a tarifa Alves Branco (1844) representou uma
mudança significativa, ao elevar os direitos alfandegários de 15% para 30%.
Internamente, para o Estado, isso representou melhoria da arrecadação. A abolição do
tráfico (1850), por sua vez, liberou capitais que foram redirecionados para a aplicação no
mercado interno.
Origens da Guerra
O Paraguai, considerado por Buenos Aires uma província argentina, tinha motivos
de sobra para temer por sua independência. Situado no interior do Prata, sem acesso
direto ao mar, encontrava-se à mercê de Buenos Aires, que controlava o estuário. É fácil
perceber que, para o Paraguai, o direito de navegar com segurança e a garantia de
manter aberta a sua comunicação com o exterior eram questões vitais.
Entende-se, assim, por que Francia optou por um modelo econômico voltado para
dentro, com ênfase ao mercado interno. Para enfrentar o desafio, Francia estimulou as
pequenas e médias propriedades dirigidas à produção de alimentos para o consumo local;
confiscou, depois de lutas, as propriedades dos grandes empresários rurais e
monopolizou o comércio exterior.
Lembremos apenas que a solução foi uma resposta à ameaça dos portenhos
(habitantes de Buenos Aires) contra a independência paraguaia, e não se deve concluir
que o modelo de desenvolvimento econômico foi livre opção de ditadores afeiçoados ao
povo. É inegável que o povo foi beneficiado, mas isso ocorreu como efeito indireto de uma
política apoiada na "razão de Estado”.
Os sucessores de Francia. Depois de ter governado por trinta anos, Francia foi
sucedido por Carlos Antonio López, que se preocupou em desenvolver a indústria. Em
vez de consumir divisas obtidas com as exportações de couro e erva-mate e com a
importação de manufaturas, o novo ditador tratou de equipar tecnicamente o país, visando
a produção interna. A criação da fundição de Ibicuí foi a mais famosa dessas iniciativas.
Ao lado disso, estudantes paraguaios eram mandados para o exterior e técnicos
estrangeiros eram contratados. Com Solano López chegou ao fim essa experiência
original. A guerra destruiu o país, que, embora não houvesse atingido um nível europeu
de desenvolvimento, tinha praticamente eliminado a miséria. Quando a guerra começou, o
analfabetismo era praticamente desconhecido no Paraguai.
O Confronto
Mas foi precisamente devido ao êxito dessa política que se alterou a correlação
de forças na região, favorecendo a aliança entre Brasil e Argentina, que esqueceram
momentaneamente suas diferenças a fim de impedir a emergência de uma terceira
potência no Prata. E isso interessava também a um outro país: a Inglaterra.
Vitória dos aliados. Foi no setor naval que o Brasil, mais bem preparado, ' infligiu,
logo no primeiro ano de guerra, uma pesada derrota aos paraguaios na batalha do
Riachuelo, sob o comando do almirante Barroso. No ano seguinte, 1866, as forças aliadas
procuraram invadir o território paraguaio, tentando desfazer o forte esquema defensivo
montado por Solano López na confluência dos rios Paraguai e Paraná. Ali os paraguaios
sofreram nova derrota na batalha de Tuiuti. Nesse mesmo ano de 1866, desentendi-
mentos entre Venâncio Flores (Uruguai) e Mitre (Argentina) fizeram ambos se retirarem
do combate, deixando o Brasil praticamente sozinho na guerra. No final de 1866, ainda
um outro evento importante aconteceu: o comando das tropas brasileiras foi entregue a
duque de Caxias, que organizou o exército, dando-lhe novo alento.
Conseqüências da guerra. Naturalmente, o país que mais sofreu com a guerra foi
o Paraguai, que teve seu território devastado e sua população dizimada, marcando
profundamente sua história a partir daí.
No século XVIII, século das luzes e das revoluções, vamos constatar um grande
movimento revolucionário que interliga duas nações : França e Estados Unidos. A
liberdade americana literalmente é um presente francês (não só a estátua que ornamenta
Nova York). No período de 1765-1776, o governo inglez estabeleceu impostos novos
sobre o papel selado, o vidro, e o chá. Os espíritos se exaltaram, em Bóston, sobretudo.
Os americanos reclamaram o direito de votar os impostos e deitaram ao mar
carregamentos de chá vindos da Inglaterra. Três anos mais tarde pricipitou-se a guerra
contra a metrópole. Washington dispunha só de 14000 soldados. Compreendendo o
perigo designou Benjamim Franklin para conseguir acordos junto ao soberano francês
Luiz XVI, obtendo deste , um tratado de aliança ofensivo e defensivo. Em 1781
Washington, Rochambeau,e La Fayette derrotaram o general inglez Cornwallis, em
Yorktow, propiciando para sempre a independência americana, agora, reconhecida pela
velha Albion. Mas esta vitória francesa, causou , posteriormente a destruição da sua
monarquia, pois debilitada economicamente pela guerra no teatro americano, fator este
que somou-se a outros enumerados pelos historiadores, tais como: a reforma,
reclamações da nação, doutrinas dos filósofos e literatos (Voltaire, Rosseau, os
enciclopedistas), impostos taxados sobre a burguesia, etc. Ora, desvendando-se o véu
das aparencias vamos constatar detalhes que passam desapercebidos sobre a ótica de
olhos comuns. Os historiadores, Manoel Rodrigues Ferreira e Tito Livio Ferreira, ambos
maçons, ao relatarem no seu livro, a Maçonaria na Independência Brasileira (Editora
Gráfica Biblos - 2 vol - pág. 108 á 118 ) identificam em Benjamim Franklin, um dos
patronos da independência americana, como maçon. E vão mais longe, identificam duas
maçonarias, uma azul e outra vermelha. A maçonaria azul seria a inglesa, anticatólica,
protestante, que teria erguido as quatro colunas ou o governo "oculto" da Grã-Bretanha,
que se exteriorizaria, conforme o preconizado por Guilherme de Orange , nas quatro
instituiçoes da nação inglesa, o Foreign Office, o Almirantado, o Banco da Inglaterra e o
Intelligence Service. Ora, ainda conforme estes autores, a maçonaria azul, vai criar na
França a maçonaria vermelha, visando desestabilizar a monarquia francesa, sua arqui-
inimiga. Assim é que são criadas lojas francesas dirigidas pelo duque d'Antin e pelo conde
de Clermont, dois teleguiados, no dizer dos autores. Em 1772 é fundado o Grande Oriente
da França, e lá estão escritos os nomes dos revolucionários franceses ou intelectuais da
mesma entre os conhecidos Rousseau, Montesquieu, Siéyés, Saint-Etienne. Assim
funciona a Loja das Nove Irmãs. Mas se a maçonaria francesa é criada como "longa
manus" da britânica, com finalidades escusas (atribuidas aos ingleses) ela adquire
através de sua práxis um destaque maior, através dos ideais maçonicos refletidos por
seus próceres , que aderem, a ideologia revolucionária e se traduzem no republicanismo
que sob a égide de Napoleão, vai alastrar-se pelo mundo, como doutrina subversiva do
status quo monárquico até então vigente. Com a morte de Luiz XVI, guilhotinado pela
revoluçao, as monarquias européias, estabeleceram coligaçoes contra a França
(intituladas de Santa Aliança): a Inglaterra, a Prussia e a Austria, posteriormente, Russia,
pois a revolução começava a exportar seu ideário através da implantação de pequenas
repúblicas,na Holanda, Suiça e Itália. Napoleão logo, depois da campanha vitoriosa na
Itália, empolga o poder e assume o controle do consulado. Em 1804 é coroado em
Amiens, Imperador, posteriormente, decreta o Grande Bloqueio Continental à Inglaterra,
não permitindo o acesso de suas mercadorias ao continente. Em 1807, Napoleão invade
a Espanha e Portugal com tropas sob o comando de Junot. D. João VI , aliado inglês, vai
fugir para o Brasil numa frota inglesa comandada pelo almirante Sidney Smith. Em 1812,
Napoleão, num prenúncio da grande débâcle que se segue, expande seu império até
Moscou que é incendiada pelos russos. Napoleão que foi a Russia com um exército de
600.000 homens volta com um destroço de somente 20.000 homens. Isolado em Elba e
posteriormente prisioneiro em Sta.Helena vê seu império destroçar-se. Mas o ideal
republicano francês é disseminado pelo mundo inteiro através da trilogia da liberdade,
igualdade, fraternidade. O império colonial espanhol destroça-se completamente. Simon
Bolivar, perante reunião da Sociedade Patriótica na noite de 13 de julho de 1811 clama,
segundo Indalécio Aguirre, no livro intitulado Bolivar: "Se discute em el Congresso
Nacional lo que debiera estar decidido. I que dicem ? Que debemos comenzar por una
Confederación. Como si todos no estuviéramos confederados contra la tirania extranjera !
Que nos importa que Espana venda a Bonaparte sus esclavos , o que los conserve, si
estamos resueltos a ser livres ? Trescientos anos de calma no bastam ? Se quieram otros
trescientos todavia ? ...Pongamos sin temor la piedra fundamental de la libertad
sudamericana." Assim, se inicia a saga americana em busca pela liberdade. Também ,
em 1811, a 11 de abril, no Quartel General de Mercedes, José Artigas, patrono da
independencia uruguaia, no proclama de Mercedes, conforme Oscar Bruschera, fls. 66,
brada: "A empresa , compatriotas ! que o triunfo é nosso:vencer ou morrer seja nosso
lema; e tremam, tremam estes tiranos por terem excitado vossa ira, sem advertir que os
americanos do sul estão dispostos a defender sua pátria e preferen morrer com honra que
viver com ignomínia em afrontoso cativeiro." É o mesmo Artigas que em 1819 escreve a
Simon Bolivar oferecendo um tratado de reciprocidade afirmando: Unidos intimamente
lutamos contra tiranos que intentam profanar nossos mais sagrados direitos. ( Oscar
Bruschera fls. 175). E é neste mesmo Artigas, que vamos identificar, no cerne do seu
pensamento a idéia da Pátria Grande do Prata, que nos dá condições de entender a
revolução farropilha em razão do contexto geo-político onde está inserido o Rio Grande
do Sul. Artigas sonhava com um pais que estendia-se pelos territórios do que são hoje,
Paraguai, as províncias argentinas de Corrientes, Entre-Rios e Missiones e as Missões
Brasileiras, desenhadas entre os rios Uruguai, Ibuicuí , Bacacai e Santamaria. Ora, se
com relação as ex-colonias espanholas a expansão napoleônica agiu como uma enzima
catalizadora do processo de libertação, pois provocou a desarticulação da metrópole e a
fragmentação dos Vices reinados que eram em número de quatro: o do México ou Nova
Espanha, o da Nova Granada, o do Perú e o de Bueno Aires ou La Plata, com relação ao
Brasil, houve exatamente o contrário, pois a corte portuguesa deslocando-se da
metrópole e transferindo-se para o Brasil, consolidou ainda mais o poder lusitano no
continente americano protelando sua guerra de libertação e independencia. Só em 1820,
com a revolução constitucionalista na cidade do Porto, revolução esta sob a égide dos
ideais republicanos franceses ali deixado pelos invasores é que o Rei portugues , Dom
João VI, retorna a Portugal em 1821, depois de ter jurado uma constituição sem ao menos
conhecer seu texto e ficando bem dizer, um títere das cortes preso como estava no
palácio de Queluz. Neste momento é que vamos ter iniciado o processo de independência
com resultados reais. Anteriormente já havíamos tido a Inconfidência, ideário maçonico,
como atesta o triangulo que orna o lema libertas quae sera tamem , coincidentemente no
mesmo ano de 1789, ano da revolução francesa e da proclamação do Bill of Rights
Americano. Manoel Ferreira, estabelece inclusive vínculos da maçonaria brasileira com a
americana neste respeito (fls 112) diz que o estudante, conforme autos da devassa da
Inconfidência , José Joaquim de Maia teria entrado em contato com o embaixador
americano em Paris, Thomás Jefferson, na faculdade de Montpellier. É ainda, o mesmo
autor, que identifica na maçonaria azul, monárquica, instalada no Senado da Câmara de
São Paulo, cujo representante maior é José Bonifácio de Andrada, que pretende a
independência brasileira sob um regime constitucional monárquico e por outro lado, a
maçonaria vermelha, instalada no Senado da Câmara do Rio de Janeiro, cujo prócer de
maior envergadura é Gonçalves Ledo, que pretende o Brasil independente como
república constitucional. São estas as visões que se digladiam sobre as aparências e os
movimentos dos personagens históricos coadjuvados pelos interesses ingleses, maior
potencia da época. A Inglaterra era o império onde o sol nunca se punha. Se perdera os
Estados Unidos, no entanto possuia Gilbraltar, as Guianas, a Africa , o Congo, a Austrália,
Nova Zelandia., a Grande Índia, Hong Kong, etc. E oBrasil, alinhava-se com a Inglaterra,
pois D. João VI, era aliado inglês, tanto é que abrira os portos as "nações amigas", leia-se
para a Inglaterra. Simon Bolívar identificou esta união pois dizia: (Opus citae fl 317): ...Me
han dicho, terminantemente, que yo debo ejercer el protectorado de la América, como
medio de salvarla de los males que la amenazan, muy particularmente por la actitud hostil
que ha tomado el Brasil contra Buenos Aires, ...Yo sé que emperador del Brasil está muy
orgulloso con la protección que le dispensa Inglaterra, y si usted ha visto las relaciones
que ha establecido sir Charles Stewart em Lisboa, conocerá que el emperador tiene
razón, no solamente para estar orgulloso, sino para esperar mucho de Inglaterra.
Además, no seria extraño que el emperador del Brasil esté destinado a ser el instrumento
de que se valga la Santa Alianza para destruir nuestras instituiciones liberales,
comenzando por Buenos Aires que es la parte mas débil." Não é só Bolívar que identifica
a ação dos interesses inglêses a afetar o hemisfério, o historiador León Pomer, ao
analisar no Livro a Guerra do Paraguai, afirma, citando textualmente o Imperador
brasileiro:
Mauá (Irineu Evangelista de Souza) é o berço mais poderoso do capitalismo
inglês nestas latitudes. Em 1862 produz-se uma grave tensão entre Saint James e o
governo do Imperador. Nessa oportunidade Mauá apressa-se a atuar como mediador. O
imperador afirma: "A título de que Mauá se metia nisso ? Como banqueiro e homem de
negócios com interesses e capitais intimamente ligados aos ingleses ? É mais do que
suspeito". Quem diz isto é o senhor Bragança. (fls 119 opus citae). É neste cenário que se
dá a luta de secessão do Rio Grande identificada com a maçonaria vermelha, isto é,
republicana. Os irmãos Ferreira, no Livro a maçonaria na Independência afirmam que os
farrapos, quando tinham uniformes, os usavam da cor vermelha. Na bandeira gaúcha,
também, como se pode verificar, estão todos os símbolos e as cores maçonicas. Assim
passamos a resumir a revolução gaúcha, conforme o descrito por Paulo Bonavides, em
sua história constitucional do Brasil (Ed. Paz e Terra - fls 175).
Essas defecções facilitaram a perda das grandes cidades e do litoral. Porto Alegre
sublevou-se e resistiu aos farroupilhas, recebendo do Império o título de "Mui leal e
valorosa". Em 1835, os farroupilhas dominavam a província. Em 1845, apenas as bordas
da fronteira.
Propõe-se caráter progressista ao movimento porque parte das suas tropas era
formada por peões, nativos e ex-cativos. Os gaúchos eram em geral descendentes de
nativos que haviam perdido as terras comunitárias para os criadores. Eles
acompanhavam os caudilhos nos combates como o faziam nas lides campeiras. O
gaúcho buscava na guerra churrasco, saque e soldo. A política era monopólio dos
proprietários.
Era antigo direito do homem livre substituir-se por, em geral, um liberto, quando
arrolado. Os libertos eram obrigados a combater nas tropas farroupilhas; preferiam a
guerra à escravidão; criam na promessa da liberdade. Os chefes farroupilhas reforçavam
as tropas com cativos comprados.
INTRODUÇÃO
Em 1840 com a morte de Francia, assume o poder Carlos Antonio Lopez, apoiado
em um discurso de “modernização” e “progresso”, Lopez manteve a centralização política
e aprofundou o isolamento do país frente ao capital internacional. Ferrovias e pequenas
industrias foram criadas com a contratação de especialistas estrangeiros e a educação
continuou a ser estimulada pelo governo. “Tudo o que o Paraguai consome, ele mesmo
produz”.
Porém essa autonomia é precária, apesar do desenvolvimento interno do país, a
pobreza ainda é muito grande ( menor do que no período colonial) porém todos tinham
trabalho e a alimentação básica. O enfraquecimento da Igreja em oposição ao
fortalecimento do Estado; a organização de uma estrutura militar e a elevação do nível de
vida, garantiam o apoio popular à ditadura. É importante lembrar ainda que a
criminalidade havia praticamente desaparecido.
Nessa sociedade, 80% da população era “Índia”, que passava a desfrutar dos
mesmos direitos civis que possuía a população branca.
Em 1842, o desrespeito à lei era tal que o dramaturgo Martins Pena incluiu em
uma de suas peças a fala: "Há por aí uma costa tão larga e autoridades tão
condescendentes..." Os escravos já não desembarcavam no Rio de Janeiro, nem iam
direto para a alfândega, nem, após a quarentena na ilha de Jesus, para os mercados da
rua do Valongo. Os novos portos da costa tão eram na ilha Grande, em
Sernampetiba e Marambaia. Os negros eram desembarcados na praia e trocados no ato
por sacas de café.
Abolição à Brasileira...
Num país que inventou a prerrogativa jurídica segundo a qual as leis "pegam" ou
"não pegam", não é de estranhar que as imposições contra o tráfico de escravos e contra
a própria escravidão tenham demorado tanto para "pegar". As pendengas judiciais, aos
tortuosos caminhos legais da Câmara e do Senado, aos entraves e recuos provocados
por infindáveis discussões partidárias; aos conflitos entre os liberais e conservadores que
antecediam a aprovação de qualquer nova lei contra a escravidão, deve-se acrescentar o
fato de que, depois de finalmente aprovadas, tais leis se tornavam, no ato e na prática,
letra morta. Esse processo sórdido explica por que a luta legal contra a escravidão se
prolongou por 80 anos no Brasil.
Leitura recomendada:
A lei sucinta e direta que a princesa Isabel assinou em 13 de maio de 1888 não
concedia indenização alguma aos senhores de escravos. De qualquer forma, ao longo
dos 17 anos que se estenderam da Lei do Ventre Livre à abolição efetiva, os
escravocratas tinham encontrado muitas fórmulas para ressarcir-se de supostas perdas,
entre elas o tráfico interprovincial de escravos, as fraudes ao fundo de emancipação e à
Lei do Ventre Livre. Mas se os escravocratas não atingiram um de seus objetivos, o
fracasso dos abolicionistas foi maior e mais amargo. Afinal, horas como Nabuco,
Patrocínio, Rebouças, Gama, Antônio Bento e Rui Barbosa - apesar de suas divergências
ideológicas - acreditavam que a abolição era a medida mais urgente de um programa que
só se cumpriria com a reforma agrária, a "democracia rural" (a expressão é de Rebouças)
e a entrada dos trabalhadores num sistema de oportunidade plena e concorrência. Para
eles, como expôs Alfredo Bosi, "o desafio social e ético que a sociedade brasileira teria de
enfrentar era o de redimir um passado de abjeção, fazer justiça aos negros, dar-lhes
liberdade a curto prazo e integrá-los numa democracia moderna".
Mas nada disso se concretizou. Os negros libertos - quase 800 mil-- foram
jogados na mais temível miséria. O Brasil imperial -- e, logo a seguir, o jovem Brasil
republicano - negou-lhes a posse de qualquer pedaço de terra para viver ou cultivar, de
escolas, de assistência social, de hospitais. Deu-lhes, só e sobejamente, discriminação e
repressão. Grande parte dos libertos, depois de perambular por estradas e baldios,
dirigiu-se às grandes cidades: Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Lá, ergueram os
chamados bairros africanos, origem das favelas modernas. Trocaram a senzala (acima, à
direita) pelos casebres (à esquerda). Apesar da impossibilidade de plantar, acharam ali
um meio social menos hostil, mesmo que ainda miserável.
Recomendada:
A questão central era naturalmente o escravismo. Em 1870, fazia vinte anos que
o tráfico havia sido extinto, mas a escravidão resistia. Desde o início do século XIX, a Grã-
Bretanha vinha pressionando o Brasil, e a opinião pública contra a escravidão havia
crescido no mundo inteiro. Os escravistas brasileiros e o governo, que afinal os
representava, haviam adotado a tática do silêncio para proteger os seus interesses. O
problema da escravidão, em suma, não era discutido publicamente em parte alguma do
Brasil. Muito menos no Parlamento. E isso era coerente, pois os próprios senhores de
escravos sabiam que sua posição era insustentável. Porém, não moviam uma palha Pará
encaminhar a solução. Fizeram de conta que o problema simplesmente inexistia.
Com certeza, essa política do avestruz adotada pelo governo era confortável para
os escravistas, mas o inconveniente da situação estava no fato de que o Brasil como um
todo não ficou parado. Na verdade, desde a extinção do tráfico em 1850, muitas coisas
foram mudando no Brasil. Em seu imobilismo, o governo preferiu ignorar as
transformações.
A lei do Ventre Livre (1871). Foi nesse ambiente que o ministério chefiado pelo
visconde do Rio Branco apresentou o projeto da lei do Ventre Livre em maio de 1871 para
a Câmara dos Deputados. Depois de modificada e adaptada aos interesses escravistas, a
lei que declarava livres os filhos de escravos foi finalmente aprovada em 1871, por 65
votos a favor e 45 contra. A maioria dos deputados de Minas, São Paulo e Rio de Janeiro
votou contra, acompanhados pelos deputados do Espírito Santo e do Rio Grande do Sul.
Os representantes das províncias do norte e nordeste votaram maciçamente a favor.
Essa lei que apenas jogava para o futuro a solução do problema foi, entretanto,
considerada pelo governo e pelos escravistas como solução definitiva. Não era essa a
opinião dos abolicionistas brasileiros. Em 1880, o debate retornou com maior vigor.
Assim, o fim do tráfico negreiro condenou a escravidão, que tinha contra ela a
militância de dois fatores, tornando sua abolição irreversível: no norte, o amadurecimento
da consciência abolicionista; no sul, o desenvolvimento da corrente imigratória européia,
com o objetivo de engajá-la no trabalho livre.
A lei de Terras (1850) e o colonato. Em 1850, no mesmo ano em que era abolido
o tráfico negreiro, foi estabelecida a lei de Terras, que regulava a forma de aquisição
fundiária. Durante o período colonial, essa aquisição se fazia mediante a concessão de
sesmarias, que foi suspensa com a independência. A nova lei estipulava que a terra
pública só poderia ser adquirida mediante a compra.
Com essa lei, os grandes proprietários procuraram dificultar o acesso a terra para
as pessoas de poucos recursos. O objetivo dessa lei, portanto, era clara: se a terra fosse
facilmente adquirida por qualquer pessoa, mesmo as de poucos recursos, os fazendeiros
ficariam sem mão-de-obra, pois, em seus cálculos, com a extinção do tráfico, o fim da
escravidão era uma questão de tempo. Com a lei de Terras, os fazendeiros garantiriam os
seus privilégios de proprietários.
A Industrialização no Brasil
Até 1870, a produção industrial era feita por pequenas oficinas artesanais
espalhadas por várias regiões. As primeiras indústrias tiveram o papel de substituir e
concentrar as produções artesanais. Mais tarde, já na República, um novo surto industrial
terá o papel de substituir os produtos importados.
O Movimento Republicano
• incremento da urbanização;
Pois bem, o que esse conjunto de transformações tem a ver com a proclamação
da República?
Em toda parte, a ascensão dos republicanos foi prejudicada, até 1878, pela falta
de identidade própria, devido ao seu estreito convívio com os liberais, que, apesar de
alguns pontos em comum com os republicanos, eram, no final das contas, monarquistas.
Somente depois de 1878 é que os republicanos começaram a atuar de modo
independente, ganhando assim uma identidade própria como movimento.
Isso se devia à prática política adotada pelo imperador, que utilizava como critério
para preencher os altos cargos administrativos um costume ditado pela tradição. Com
isso, para os cargos diretivos, nomeava rotineiramente os indivíduos pertencentes às
famílias de passado ilustre, perpetuando no poder os agrupamentos tradicionais.
Foi essa uma das fortes razões por que ganharam prestígio em São Paulo as
idéias federalistas, que se associaram intimamente aos princípios do republicanismo.
Contrastando com esse perfil, Antônio Silva Jardim, jovem advogado, apesar de
pertencer ao grupo positivista, foi, ao contrário da maioria, um adepto declarado da
revolução e um ativo propagandista da república. Entretanto, foi no Exército que a
influência do positivismo mostrou-se duradoura, mas numa versão menos inflexível,
graças à influência do general Benjamin Constant Botelho de Magalhães - que, por sinal,
desentendeu-se com Miguel Lemos, desligando-se já em 1881 do núcleo fanático e
ortodoxo do positivismo.
A Proclamação da República
• a questão militar.
Pois bem, através de uma bula, o papa condenou a maçonaria e interditou padres
e fiéis de pertencerem a seus quadros. Essas determinações, entretanto, não foram
aplicadas no Brasil, visto que era grande o número de católicos filiados à maçonaria.
Embora tenham sido anistiados mais tarde, em 1875, a prisão dos bispos foi uma
afronta à Igreja, ao mesmo tempo em que feriu a religiosidade popular. Como
conseqüência, a Igreja afastou-se do governo imperial.
A questão militar teve início com um incidente ocorrido em 1884. Nesse ano,
foram libertados no Ceará os últimos escravos, tornando-o a primeira província brasileira
a extinguir completamente a escravidão. O jangadeiro Francisco do Nascimento,
conhecido como Dragão do Mar, por ter liderado os jangadeiros a não transportar
escravos para o tráfico, foi considerado o símbolo da luta abolicionista cearense.
Glorificado pelos abolicionistas, recebeu o convite de entidades abolicionistas na Corte
que pretendiam homenageá-lo. Foi recebido como herói no Rio, onde visitou também a
Escola de Tiro, em Campo Grande, sendo bem recebido pelo seu comandante, tenente-
coronel Sena Madureis, um veterano da Guerra do Paraguai. Essa visita foi noticiada pela
imprensa.
Com esse episódio e outros incidentes que se seguiram, uma forte tensão
instalou-se no Exército, desencadeando a questão militar, que culminou num conflito
protagonizado pelo coronel Ernesto Augusto da Cunha Matos. Este, em inspeção à tropa
no Piauí, denunciou irregularidades praticadas pelo capitão Pedro José de Lima, oficial
pertencente aos quadros do Partido Conservador. Um deputado do Piauí, pertencente ao
mesmo partido, saiu em defesa do seu correligionário, fazendo um violento ataque ao
coronel Cunha Matos na tribuna da Câmara. O coronel respondeu ao ataque pela
imprensa e acabou punido pelo ministro da Guerra, com base no regulamento. Esse
incidente provocou uma intensa discussão na Câmara, e o próprio ministro da Guerra
compareceu ao Senado para discutir o assunto. Tendo sido citado nos debates, Sena
Madureis, que agora servia no Rio Grande do Sul, publicou no jornal A Federação um
artigo em defesa do coronel Cunha Matos e foi punido pelo ministro da Guerra.
A situação crítica da monarquia fez com que o governo imperial tentasse uma
solução para superar os problemas. A tentativa foi feita pelo visconde de Ouro Preto, que
assumiu a chefia do ministério em julho de 1889. O seu programa de governo era
amplamente reformista e tinha como objetivo neutralizar as críticas e atender a aspirações
insatisfeitas.
Medidas que o Visconde de Ouro Preto tentou tomar para evitar a derrocada do
Império. Tarde demais,,,
A Proclamação da República
Não houve um só tiro que pudesse revelar que se tratava de um golpe e não de
um desfile. Se ecoassem disparos (de fato, houve dois, mas ninguém os escutou), talvez
aqueles 600 soldados percebessem que não estavam ali para participar de uma manobra,
e sim para derrubar um regime. Na verdade, vários militares ali presentes sabiam que
estavam participando de uma quartelada. Mesmo os que pensavam assim achavam que
quem estava caindo era o primeiro-ministro, Ouro Preto Jamais o imperador D. Pedro II -
muito menos a monarquia que ele representava.
A cena foi bem estranha Montado em seu belo cavalo, o marechal Deodoro da
Fonseca desfilou longa lista de queixas, pessoais e corporativas, contra o governo -o
governo do ministro Ouro Preto, não o do imperador. O imperador – isso ele fez questão
de deixar claro – era seu amigo: "Devo-lhe favores". O Exército, porém, fora maltratado.
Por isso, derrubava-se o ministério. Difícil imaginar que Deodoro estivesse dando um
golpe, ainda mais golpe republicano – ele era monarquista. Ao seu lado estava o tenente-
coronel Benjamin Constant, militar que odiava andar fardado, não gostava de armas e
tiros e, até cinco anos antes, também falava mal da república. Ambos, Deodoro e
Constant contavam agora com o apoio de republicanos civis. Mas não havia sinal de
"paisanos" por perto -esses apenas tinham incentivado a aventura golpista dos dois
militares (por coincidência ou não, dois militares ressentidos).
O fato é que naquela mesma hora o ministro Ouro Preto foi preso e o gabinete
derrubado. Mas ninguém teve coragem de falar em república. Apenas à noite, quando
golpistas civis e militares se reuniram, foi que proclamaram - em silêncio e
provisoriamente - uma república federativa "Provisoriamente" porque se aguardaria "o
pronunciamento definitivo da nação, livremente expressado pelo sufrágio popular". E o
povo a todas essas? Bem, o povo assistiu a tudo "bestializado, atônito, surpreso, sem
conhecer o que significava", disse Aristides Lobo. Embora Lobo fosse republicano
convicto e membro do primeiro ministério, seu depoimento tem sido contestado por certos
historiadores (que citam as revoltas populares ocorridas naquela época). De qualquer
forma, o segundo reinado, que começara com um golpe branco, terminava agora com um
golpe esmaecido. A monarquia, no Brasil, não caiu com um estrondo, mas com um
suspiro. E o plebiscito para "referendar" a república foi convocado em 1993 - com 104
anos de atraso. O império já havia terminado.
A Proclamação da República
Não houve um só tiro que pudesse revelar que se tratava de um golpe e não de um
desfile. Se ecoassem disparos (de fato, houve dois, mas ninguém os escutou), talvez
aqueles 600 soldados percebessem que não estavam ali para participar de uma manobra,
e sim para derrubar um regime. Na verdade, vários militares ali presentes sabiam que
estavam participando de uma quartelada. Mesmo os que pensavam assim achavam que
quem estava caindo era o primeiro-ministro, Ouro Preto Jamais o imperador D. Pedro II -
muito menos a monarquia que ele representava.
Não é de estranhar a ignorância dos soldados do 1° e do 3° Regimento de
Cavalaria e do 9° Batalhão. Afinal, até poucas horas antes, o próprio líder do golpe se
mostrava indeciso. Mais: estava doente, de cama, e só chegou ao Campo de Santana
quando os canhões já apontavam para o quartel. Talvez ele não tenha dado o "Viva o
imperador" que alguns juraram tê-lo ouvido gritar. Mas com certeza impediu que pelo
menos um cadete berrasse o "Viva a república", que supostamente estava entalado em
muitas gargantas.
A cena foi bem estranha Montado em seu belo cavalo, o marechal Deodoro da
Fonseca desfilou longa lista de queixas, pessoais e corporativas, contra o governo -o
governo do ministro Ouro Preto, não o do imperador. O imperador – isso ele fez questão
de deixar claro – era seu amigo: "Devo-lhe favores". O Exército, porém, fora maltratado.
Por isso, derrubava-se o ministério. Difícil imaginar que Deodoro estivesse dando um
golpe, ainda mais golpe republicano – ele era monarquista. Ao seu lado estava o tenente-
coronel Benjamin Constant, militar que odiava andar fardado, não gostava de armas e
tiros e, até cinco anos antes, também falava mal da república. Ambos, Deodoro e
Constant contavam agora com o apoio de republicanos civis. Mas não havia sinal de
"paisanos" por perto -esses apenas tinham incentivado a aventura golpista dos dois
militares (por coincidência ou não, dois militares ressentidos).
O fato é que naquela mesma hora o ministro Ouro Preto foi preso e o gabinete
derrubado. Mas ninguém teve coragem de falar em república. Apenas à noite, quando
golpistas civis e militares se reuniram, foi que proclamaram - em silêncio e
provisoriamente - uma república federativa "Provisoriamente" porque se aguardaria "o
pronunciamento definitivo da nação, livremente expressado pelo sufrágio popular". E o
povo a todas essas? Bem, o povo assistiu a tudo "bestializado, atônito, surpreso, sem
conhecer o que significava", disse Aristides Lobo. Embora Lobo fosse republicano
convicto e membro do primeiro ministério, seu depoimento tem sido contestado por certos
historiadores (que citam as revoltas populares ocorridas naquela época). De qualquer
forma, o segundo reinado, que começara com um golpe branco, terminava agora com um
golpe esmaecido. A monarquia, no Brasil, não caiu com um estrondo, mas com um
suspiro. E o plebiscito para "referendar" a república foi convocado em 1993 - com 104
anos de atraso. O império já havia terminado.
República Velha (1889 – 1930)
Os treze presidentes. Ao longo da República Velha, que é a denominação
convencional para a história republicana que vai da proclamação (1889) até a ascensão
de Getúlio Vargas em 1930, o Brasil conheceu uma seqüência de treze presidentes. O
traço mais saliente dessa primeira fase republicana encontra-se no fato de que a política
esteve inteiramente dominada pela oligarquia cafeeira, em cujo nome e interesse o poder
foi exercido.
Desses treze presidentes, três foram vices que assumiram o poder: Floriano
Peixoto, em virtude da renúncia de Deodoro da Fonseca; Nilo Peçanha, pela morte de
Afonso Pena; e, finalmente, Delfim Moreira, pela morte de Rodrigues Alves, ocorrida logo
após a sua reeleição.
Guerra de Canudos
A maior expressão dos movimentos rústicos no Brasil está ligada ao nome de
Antônio Vicente Mendes Maciel - o célebre Antônio Conselheiro. De origem humilde,
apareceu no sertão nordestino como beato, por volta de 1870.
A figura do beato era comum no sertão nordestino. Sua origem se relaciona com as
atividades do padre José Maria Ibiapina, que, seguindo a orientação do catolicismo de
seu tempo, procurou melhor comunicação entre o clero e os fiéis.Ao padre Ibiapina
deveu-se a criação de inúmeras casas de caridade - mistura de orfanato e escola -, que
se multiplicaram a partir da segunda metade do século XIX.
Essas casas de caridade eram administradas por ordens leigas, não reconhecidas
pela Igreja, mas toleradas por ela. E foi por causa dessas casas que se multiplicaram as
ordens de beatos, expressão concreta da intensificação da religiosidade no sertão
nordestino.
Nesse quadro, o prestígio de Antônio Conselheiro começou a aumentar, e por isso
ele passou a ser perseguido sistematicamente pela Igreja. Já com inúmeros seguidores,
logo após a proclamação da República, Antônio Conselheiro se estabeleceu no sertão
baiano, na localidade denominada Arraial de Canudos, às margens do rio Vaza-Barris.
Formaram ali uma comunidade de beatos que, em virtude das crescentes pressões
religiosas e civis, decidiu romper com o mundo circundante, organizando-se como uma
comunidade consciente de suas particularidades. Essa população humilde que se
concentrava em Canudos esperava construir uma cidade santa, a que chamariam Belo
Monte.
A comunidade de Canudos tornou-se um núcleo relativamente próspero,
dedicando-se até ao comércio com as cidades vizinhas. Os grandes proprietários rurais
inquietaram-se com o crescimento de Canudos, iniciando articulações para a sua
dispersão, com o apoio da Igreja. Contra Canudos as denúncias oficiais se multiplicaram,
acusando o Conselheiro de conspirar contra a República em virtude de sua posição
monarquista - argumento, aliás, amplamente utilizado como pretexto às repressões que
então foram desencadeadas. Tudo isso para encobrir os verdadeiros motivos: impedir os
pobres de viver com autonomia, pois os grandes proprietários necessitavam de mão-de-
obra abundante e barata, enquanto a Igreja pretendia manter sob seu controle o rebanho
cristão.
A primeira campanha contra Canudos deuse em 1896, no governo de Prudente de
Morais. Contudo, a resistência de Canudos foi notável, obrigando as forças da ordem a
multiplicar os esforços para combatê-la.
Devido às seguidas derrotas que as forças oficiais sofreram, a Guerra de Canudos
começou a ocupar as páginas dos noticiários, tornando-a nacionalmente conhecida. No
ano de 1897, em abril, finalmente se organizou a quarta expedição, sob o comando do
general Artur de Andrada Guimarães, formada por 8 mil soldados equipados com as mais
modernas armas do tempo. Canudos resistiu até 5 de outubro desse ano, quando foi
arrasado e seus habitantes dizimados pelas tropas.
Contestado – A Guerra do Contestado ocorreu já no século XX, entre 1912 e 1916,
na região do Contestado, que recebeu esse nome por ter se tornado alvo de disputa entre
Santa Catarina e Paraná.
Desde o momento de seu povoamento, no século XVIII, o Contestado era uma
região violenta. Em primeiro lugar, devido à luta contra os índios; posteriormente, por
causa das lutas entre famílias pela disputa de terras. Além disso, o Contestado foi afetado
pela Guerra dos Farrapos e pela Revolução Federalista de 1893.
No final do século XIX, celebrizou-se o monge João Maria, que depois de sua
morte tornou-se figura lendária entre os sertanejos.
Por volta de 1912, ocupou o seu lugar José Maria, que se dizia seu irmão.
Rapidamente passou a liderar um grupo de fiéis que se reunia num bairro rural do
município de Curitibanos, em Santa Catarina. Porém, sob pressão do prefeito da cidade,
os fiéis foram obrigados a se transferir para a região do município de Palmas, onde
ocorreram as disputas entre catarinenses e paranaenses. Novamente os fiéis foram
dispersos pelas autoridades e, dessa vez, José Maria foi morto.
A lenda de seu próximo retorno, entretanto, propagou-se rapidamente. A força
dessa crença acentuou-se com as visões de uma menina, em Taquaruçu, em que José
Maria teria ordenado a reunificação dos fiéis. Os crentes começaram então a chegar a
Taquaruçu, mas a pronta ação das forças repressivas arrasou novamente o ajuntamento.
Os sobreviventes reuniram-se em Santa Maria, onde organizaram uma cidade santa que
resistiu valentemente às investidas do Exército. O grande número de soldados e armas
utilizados pelas forças repressivas determinou, enfim, a derrota dos crentes, em 1916.
Cangaço
Banditismo social – Ao lado de Canudos e do Contestado, outro fenômeno
característico da época foi o banditismo social. Em sua forma característica, ele surgiu no
nordeste brasileiro e ficou conhecido como cangaço. Suas primeiras manifestações
ocorreram por volta de 1870 e perduraram até 1940.
O banditismo social não foi um fenômeno exclusivamente brasileiro. Ele apareceu
em muitas regiões do mundo que tinham características semelhantes às do nordeste
brasileiro, como na Sicília (Itália), Ucrânia e na América espanhola. Em grande parte, o
banditismo social foi, como Canudos e o Contestado, uma reação do tradicionalismo rural
ao avanço do capitalismo.
O bandido social diferia do bandido comum por sua origem. Em geral, tornava-se
um "fora-da-lei" como resposta às injustiças e perseguições que sofria. Por isso, era
objeto de admiração pela comunidade, que, não raro, engrandecia seus feitos de coragem
e valentia. Apesar disso, diferentemente do revolucionário, o bandido social não era
necessariamente contra os dominantes, nem era portador de projetos de transformação
social. O seu prestígio vinha do fato de apresentar-se como porta-voz da resistência de
um mundo em dissolução.
Origem do cangaço – Desde o século XVIII, com o deslocamento do centro
dinâmico da economia para o sul do Brasil, as desigualdades sociais do nordeste se
agravaram. Entretanto, no sertão, onde predominava a pecuária, consolidou-se uma
forma peculiar de relação entre os grandes proprietários e seus vaqueiros. Entre eles,
estabeleceram-se laços de compadrio (tornavam-se compadres), cuja base era a relação
de fidelidade do vaqueiro ao fazendeiro, com este dando proteção em troca da
disponibilidade daquele em defender, de armas na mão, os interesses do seu patrão.
Os conflitos eram constantes, devido à imprecisão dos limites geográficos entre as
fazendas e às rivalidades políticas, transformadas em verdadeiras guerras entre
poderosas famílias. Cada uma destas fazia-se cercar de jagunços (capangas do senhor) e
de cabras (trabalhadores que ajudavam na defesa), formando verdadeiros exércitos
particulares.
Nos últimos anos do Império, depois da grande seca de 1877-1879, com o
agravamento da miséria e da violência, começaram a surgir os primeiros bandos armados
independentes do controle dos grandes fazendeiros. Essa é a origem do cangaço. Por
essa época ficaram famosos os bandos de Inocêncio Vermelho e de João Calangro.
Lampião, o rei do cangaço – Contudo, somente na República o cangaço ganhou a
forma conhecida, com Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, que aterrorizou o nordeste
de 1920 a 1938. Havia uma razão para esse fato. Com a proclamação da República em
1889, implantase no Brasil o regime federalista, que concedeu uma ampla autonomia às
províncias, fortalecendo as oligarquias regionais. O poder dessas oligarquias regionais de
coronéis se fortaleceu ainda mais com a política dos governadores iniciada por Campos
Sales (1899-1902). O poder de cada coronel era medido pelo número de aliados que tinha
e pelo tamanho de seu exército particular de jagunços.
Esse fenômeno era comum a todo o Brasil, mas nos estados mais pobres, como
Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, os coronéis não eram suficientemente ricos e
poderosos para impedir a formação de bandos armados independentes. Foi nesse
ambiente que nasceu e prosperou o bando de Lampião, por volta de 1920, coincidindo o
seu surgimento com a crise da República Velha. Depois da morte de Lampião, em 1938,
nenhum outro bando veio ocupar o seu lugar. Com o fim da República Velha em 1930,
encerrava-se também a era do cangaço.
História do Cangaço MARIA ISAURA PEREIRA DE QUEIROZ
O Processo de Industrialização
A origem e as condições da industrializacão – Até fins do século XIX, a economia
brasileira continuou essencialmente agrária e exportadora. Na região amazônica,
produzia-se e se exportava borracha. No norte e nordeste, açúcar, algodão, fumo e cacau
dominavam. No Rio de janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo, o café ocupava
o primeiro lugar. No Rio Grande do Sul produziam-se couro, pele, mate e se exportava
para outras regiões do Brasil o charque.
Porém, no final do século XIX, esse quadro dominado pela economia
agroexportadora começou a se transformar. Entre 1886 e 1894, a industrialização ganhou
impulso, embora a sua origem fosse anterior a 1880. Contudo, o surgimento e o
desenvolvimento das indústrias estiveram intimamente relacionados ao desempenho
daquela economia primário-exportadora. Isso até a crise de 1929, quando então a
economia agroexportadora foi superada pela industrialização, que passou a ocupar o
centro vital da economia.
A industrialização não ocorreu em todo o país simultaneamente e com a mesma
intensidade. O seu pólo dinâmico situava-se no sudeste, particularmente em São Paulo,
onde se localizava a mais poderosa economia exportadora: a cafeicultura.
A economia cafeeira paulista, desenvolvendo-se no contexto da transição do
trabalho escravo para o livre, e com ampla possibilidade de expansão nas terras férteis do
Oeste, converteu-se na mais próspera das economias agroexportadoras. E, por essa
razão, foi ali que a industrialização desenvolveu-se mais rapidamente.
De início, a industrialização fazia parte da economia cafeeira, ou melhor, do
"complexo cafeeiro", pois a produção e a exportação do café dependiam de uma
complexa organização de fatores. Além da esfera propriamente de sua produção, o
complexo incluía ainda o seu processamento, um sistema de transporte (ferrovias),
comércio de importação e exportação, bancos e, por fim, indústrias.
O processo de industrialização, por isso, acompanhou o ritmo do setor exportador -
não apenas cafeeiro. Em momentos de expansão, os investimentos industriais
aumentavam, e se contraíam em momentos de retração do mercado internacional. Até a
Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o Estado não adotou nenhuma política de estímulo
à industrialização. No entanto, ela era estimulada direta ou indiretamente quando o
governo aumentava as tarifas alfandegárias e, sem o pretender, acabava protegendo as
indústrias da concorrência estrangeira, ou quando desvalorizava a moeda nacional
desestimulando as importações, ou então quando adotava as duas medidas ao mesmo
tempo.
A indiferença do governo em relação à industrialização tinha a ver com o modelo
econômico agroexportador que o Brasil herdara da colônia. Segundo esse modelo, o
Brasil exportava produtos tropicais e, em troca, importava produtos manufaturados. Essa
tradição persistiu na economia cafeeira e, como vimos anteriormente, o fazendeiro,
através de seu comissário, realizava compras para si e para os escravos nas grandes
casas importadoras, que forneciam a quase totalidade dos produtos de consumo de
origem industrial. Portanto, segundo o modelo agroexportador não havia necessidade de
desenvolver a industrialização. Contudo, a produção em pequena escala de produtos
manufaturados estava disseminada pelo Brasil em pequenas oficinas artesanais.
O primeiro passo no sentido da industrialização foi dado com a substituição dessa
pequena produção por unidades industriais maiores. E isso começou a acontecer no final
da década de 1870, quando então a abolição da escravatura encontrava-se na ordem do
dia e a solução imigrantista começou a ser considerada como alternativa. No bojo desse
processo, alterou-se também a estrutura do mercado, com a gradual eliminação do
comissário como intermediário no comércio exportador/importador: os exportadores
(estrangeiros) foram direto aos produtores e os importadores espalharam representantes
pelo interior.
Com as poderosas casas importadoras controlando o mercado, agora em contato
direto com os consumidores, estava claro que o desenvolvimento industrial só seria viável
se contasse com uma rede de distribuição do mesmo tipo. Dessa situação, saíram duas
soluções: a primeira foi a dos próprios importadores montando indústrias, e a segunda, a
dos industriais criando a sua rede comercial, dando origem aos importadores-industriais e
industriais-comerciantes, respectivamente.
Na opinião de alguns estudiosos, os industriais saíram da fileira dos cafeicultores.
Estudos mais recentes, entretanto, mostraram que a burguesia industrial era constituída
principalmente, embora não exclusivamente, pelos imigrantes. É o caso de Francisco
Matarazzo, um de seus representantes típicos.
Os efeitos da Primeira Guerra – O processo de industrialização, que vinha, desde o
final do século XIX, crescendo de acordo com a expansão das exportações, ganhou uma
nova direção a partir da Primeira Guerra.
O primeiro efeito da guerra foi a drástica redução dos investimentos industriais. A
produção, todavia, se expandiu em 1915-1916 com a utilização plena da capacidade
instalada, mas começou a declinar em 1917 e o seu crescimento tornou-se negativo no
ano seguinte, pela falta de matérias-primas, máquinas e equipamentos importados.
O principal efeito da guerra sobre a indústria foi a mudança da atitude do governo.
Até então, não existia o que poderíamos chamar de política industrial. A guerra,
entretanto, evidenciou os limites e as inconveniências de um país destituído de um parque
industrial compatível. Por esse motivo, o governo começou a adotar consciente e
deliberadamente um incentivo para o desenvolvimento industrial, a fim de promover a sua
diversificação. E essa atitude do governo manteve-se ao longo dos anos 20.
A crise de 29 – No final dos anos 20, a economia capitalista internacional deparou
com uma profunda crise de depressão: a crise de 29. Conforme veremos mais adiante,
essa crise eclodiu nos Estados Unidos e teve importantes repercussões internacionais,
atingindo, inclusive, o Brasil, quando então a economia cafeeira se desorganizou.
Nos anos que se seguiram à crise, com o apoio governamental, a industrialização
se intensificou e obedeceu ao objetivo de substituir as importações. Porém, o processo de
industrialização só se completaria na década de 1950, com a implantação da indústria
pesada - o importante setor em que se concentram máquinas que fabricam máquinas
para outras indústrias.
Os anos 20 – A partir da abolição da escravatura em 1888, o desenvolvimento do
Brasil segue um padrão marcadamente capitalista, tanto no segmento agrícola (café)
quanto no urbano (industrialização). No plano internacional, o período que vai da Segunda
Revolução Industrial (final do século XIX) à crise de 29 representa a fase final de uma era
dominada pelo capitalismo liberal, caracterizado pela não-intervenção estatal na
economia e, portanto, na crença da auto-regulação da economia através do livre jogo do
mercado. Na década de vinte, esse capitalismo (liberal) entra em crise.
Sintomas agudos dessa crise que anunciam as mudanças futuras serão
representados, no Brasil, pela Semana de Arte Moderna e pelo Tenentismo, que
analisaremos em seguida.
O Tenentismo
Origens da crise dos anos 20 – Enquanto o modernismo trazia grandes
transformações no campo da arte, uma grave crise política eclodia no Brasil. A sua origem
situava-se na crescente insatisfação do Exército e das camadas médias urbanas, ao
mesmo tempo em que surgiam tensões no próprio seio da camada dominante.
Os militares que haviam se afastado da vida política depois do governo Floriano
reapareceram na campanha presidencial de 1909. Nessa campanha, a cúpula militar
aliou-se à oligarquia gaúcha.
Os primeiros abalos do "café com leite" – Embora o Exército tenha reaparecido no
cenário das disputas políticas em 1910, ele o fez subordinado às poderosas oligarquias
de Minas e Rio Grande do Sul. Apoiado por essas forças, o marechal Hermes da Fonseca
foi lançado como candidato à presidência. Rui Barbosa, seu opositor, era apoiado por São
Paulo e Bahia e baseou toda a sua campanha na idéia "civilista" , contra a ascensão
militar, identificando Hermes da Fonseca ao militarismo Rui Barbosa foi derrotado,
enquanto Hermes da Fonseca, depois de eleito, lançou-se à "política das salvações", que
consistia na intervenção federal nos estados onde as oligarquias eram contra o novo
presidente.
Apesar da eleição de Hermes da Fonseca e do papel de destaque exercido por
Pinheiro Machado, presidente do Senado e chefe da oligarquia gaúcha, após o seu
mandato a antiga política, que tinha Minas e São Paulo como eixo, foi novamente
retomada.
A Reação Republicana – A crise política reapareceu, entretanto, em 1922, nas
eleições para a sucessão de Epitácio Pessoa, quando Minas e São Paulo resolveram a
questão indicando Artur Bernardes (mineiro) para a presidência e já acertando a
candidatura de Washington Luís (paulista) como sucessor de Bernardes.
Contra esse arranjo político uniram-se os seguintes estados: Rio Grande do Sul,
Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro - nessa ordem em termos de importância eleitoral.
Formavase assim a Reação Republicana, que apresentou Nilo Peçanha como candidato
e opositor de Bernardes, o candidato do "café com leite" . Novamente, o Exército inclinou-
se para a oposição, contra a oligarquia dominante. As disputas acirradas criaram um
clima de grande tensão, agravada pela publicação, no jornal Correio da Manhã, de uma
carta, falsamente atribuída a Artur Bernardes, ofensiva aos militares.
Todavia, as eleições foram vencidas por Artur Bernardes. Finalmente, as
frustrações longamente acumuladas eclodiram: no dia 5 de julho de 1922, jovens oficiais
do forte de Copacabana se rebelaram, com apoio das guarnições do Distrito Federal, Rio
de Janeiro e Mato Grosso. O objetivo era impedir a posse de Artur Bernardes. Embora a
rebelião tenha fracassado, os jovens militares resolveram abandonar o forte e marchar
pela praia de Copacabana para enfrentar as forças legalistas, numa atitude suicida.
Desse episódio, conhecido como os 18 do Forte, sobreviveram apenas os tenentes
Siqueira Campos e Eduardo Gomes. Iniciou-se aí o longo episódio de rebelião a que se
chamou Tenentismo.
A Aliança Libertadora – A presidência de Artur Bernardes, desde o início, conheceu
a instabilidade política. No Rio Grande do Sul, estourou uma guerra civil. E a razão foi a
seguinte: o Partido Republicano Gaúcho indicara pela quinta vez o nome de Borges de
Medeiros para presidente do Estado. Como em 1922 ele se colocara contra a eleição de
Bernardes, a oligarquia dissidente gaúcha, agrupada na Aliança Libertadora, esperava o
apoio federal através de seu candidato, Assis Brasil. Entretanto, as eleições deram vitória
a Borges de Medeiros. Os ânimos então se exaltaram, culminando a disputa política numa
guerra civil que terminou com o pacto das Pedras Altas. Nele, o governo federal
reconheceu Borges de Medeiros como presidente do estado, mas o impediu de nova
reeleição.
As revoltas tenentistas – O descontentamento contra a oligarquia dominante atingiu
o auge com as revoltas tenentistas, que tiveram dois focos principais: o Rio Grande do Sul
(1923) e São Paulo (1924). No Rio Grande do Sul, a revolta tenentista teve o imediato
apoio da dissidência oligárquica da Aliança Libertadora e dirigiu-se para o norte: Santa
Catarina e Paraná. Em São Paulo, a revolta foi desencadeada sob a chefia do general
Isidoro Dias Lopes, que, não podendo suportar as pressões das tropas legalistas, dirigiu-
se para o sul, encontrando-se com as tropas gaúchas, lideradas por Luís Carlos Prestes e
Mário Fagundes Varela. A união das duas tropas rebeldes levou à organização da "guerra
de movimento". Os principais nomes desse movimento foram: Juarez Távora, Miguel
Costa, Siqueira Campos, Cordeiro de Farias e Luís Carlos Prestes. Este último, mais
tarde, desligou-se do movimento para ingressar no Partido Comunista do Brasil, tornando-
se o seu chefe principal.
Formou-se assim, em 1925, a célebre Coluna Prestes, que durante dois anos
percorreu cerca de 24 000 km, obtendo várias vitórias contra as forças legalistas.
Inutilmente procurou sublevar as populações do interior contra Bernardes e a oligarquia
dominante. Com o fim do mandato de Artur Bernardes, em 1926, a Coluna entrou na
Bolívia e, finalmente, se dissolveu.
O programa de ação dos tenentes – Nos inícios de 1925, quando os rebeldes do
sul chefiados por Luís Carlos Prestes juntaram-se em Iguaçu com as tropas paulistas de
Isidoro Dias Lopes e Miguel Costa, um ideário não muito consistente guiara o movimento.
Além da deposição do presidente Artur Bernardes, os tenentes reivindicavam o voto
secreto, eleições honestas, castigo para os políticos corruptos e liberdade para os oficiais
presos em 1922. Acreditavam que esse programa teria apoio da população do sertão.
O percurso da Coluna Prestes, originalmente chamada de Coluna Miguel Costa-
Prestes, durou 25 meses, enfrentando as tropas federais e os jagunços dos coronéis. A
população que os tenentes pensavam defender reagia ora com indiferença ora com
hostilidade.
Ideologicamente, os tenentes eram conservadores, não propunham mudanças
significativas para a estrutura social brasileira. Defendiam um reformismo social ingênuo
misturado com muita centralização política e nacionalismo.
A "herança" do tenentismo – Em que pese o caráter conservador do tenentismo, a
sua influência maior foi sobre as organizações da esquerda brasileira. Como em todo o
mundo, a vitoriosa Revolução Russa de 1917 influiu decisivamente na constituição do
Partido Comunista. Antes de seu nascimento, o cenário das lutas operárias no país era
dominado pelo anarquismo, cuja tática era o enfrentamento direto com os patrões. Isso foi
abandonado em favor de uma organização comunista hierarquizada e disciplinada, num
sentido muito próximo aos anseios tenentistas. Mas o tenentismo influiu também sobre o
conservadorismo militar, do qual o regime militar instituído em 1964 pode ser considerado
um produto tardio.
Ora, em 1929, sobreveio a grave crise do sistema capitalista, que, de certa forma,
relaciona-se à terceira fase, iniciada em 1930, com a revolução. Nessa fase, a
industrialização ganhou corpo e se firmou. Em primeiro lugar, pela falência do federalismo
da República Velha e pela implantação de um Estado fortemente centralizado,
culminando na instituição da ditadura de Vargas (Estado Novo). Em virtude disso, formou-
se um mercado verdadeiramente nacional para a indústria, em razão da quebra de
barreiras entre as distintas unidades da federação, que facilitou a livre circulação de
mercadorias, levando à fusão dos mercados isolados e locais. Além do mais, a
construção de portos, ferrovias e rodovias, nesse período, integrou fisicamente as regiões
dispersas. Porém e preciso acentuar que a industrialização assim empreendida não se
difundiu igualmente por todo o Brasil. Ao contrário, concentrou-se em São Paulo, que se
tornou o estado mais industrializado. Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, a
hegemonia industrial de São Paulo era um fato consumado.
Características industriais de 1950 – Nos inícios dos anos 50, a indústria brasileira
apresentava dois aspectos salientes: de um lado, empreendimentos centrados na
produção de bens perecíveis e semiduráveis, destacando-se particularmente as indústrias
têxtil, alimentar, gráfica, editorial, de vestuário, fumo, couro e peles; de outro, empresas
inteiramente nacionais, normalmente gerenciadas pelo núcleo familiar proprietário.
Quanto a estas últimas - segundo o economista Paul Singer –, embora algumas "tivessem
dado mostras da apreciável capacidade de expansão via auto-acumulação, chegando a
se constituir alguns ‘impérios industriais’ (como os de Francisco Matarazzo e Ermírio de
Moraes), estava claro que nenhuma tinha possibilidade de mobilizar os recursos
necessários para efetivamente iniciar a indústria pesada no país".
Definindo o Caminho
A partir de 1953, com o fim da Guerra da Coréia (1950-1953), teve início uma
conjuntura extremamente desfavorável ao Brasil, devido à queda dos preços dos produtos
primários no mercado internacional, motivada pelas manipulações dos Estados Unidos. A
dificuldade de obter divisas com as exportações provocou uma crise financeira, de modo
que o recurso de tomar empréstimos no exterior se tornou inevitável. A vinculação do
Brasil ao capital internacional, particularmente ao norte-americano, começou então a
delinear-se com clareza.
Pelo menos parecia para as classes dominantes, porque sempre foi conservador
e autoritário. Todos sabiam que ele não ameaçava com nenhum nacionalismo ou
esquerdismo. Além do mais, seria apoiado pela conservadora UDN.
Parecia a solução para a classe média udenista, porque Jânio falava português
com impecável gramática e isso mostrava que ele não se dirigia à “massa ignara”, mas às
“pessoas de bem, instruídas, de bom gasto, que sabem o que é melhor para o país”: Além
disso, vivia falando em moralidade pública, em instaurar auditorias e prender os corruptos,
"botar os vagabundos dos funcionários públicos para trabalhar", em se tornar um
administrador moderno e eficaz.
Jânio Quadros também parecia a solução para grande parte dos pobres.
Impressionava com ternos escuros cheios de caspa no ombro, enquanto que as pessoas,
fascinadas, apontavam: “Vejam, um homem do povo como nós, ele tem caspa no cabelo!”
Realmente, um candidato que tinha algo na cabeça: caspa. Outra técnica eleitoreira de
Jânio era, diante da multidão, abrir o paletó para tirar pão. Desses mesmos de padaria.
Começava a comer um sanduíche. Não de presunto, mas de humilde mortadela. Bela
imagem circense: “o homem sem vaidades, de hábitos espartanos como todos os
verdadeiramente honestos, comida apressada de quem trabalha muito pelo Brasil”. No
meio de um comício, Jânio desmaiava. “Oh! Que será que aconteceu? Coitado! Tanto
sacrifício para enfrentar os poderosos, que não resistiu!” Como poucos, ele sabia o amor
que o nosso povo devota aos políticos que aparecem como vítimas da injustiça. E então,
de repente, qual Fênix ressurgida das cinzas, ressuscitava, forte, denunciante, vitorioso,
na sua escalada invencível para o Palácio do Planalto!
Venceu fácil. Votação sensacional: 5,6 milhões de votos contra apenas 3,8
milhões de Lott (PSD + PTB). A UDN podia abrir mais garrafas de champanhe! Conseguiu
eleger dois importantes governadores: Lacerda, na Guanabara (ex-Distrito Federal,
depois que a capital foi transferida para Brasília), e Magalhães Pinto, em Minas Gerais.
Claro que essas medidas irritavam a esquerda. Mas isso não interessava a Jânio,
já que ele sempre as xingou mesmo. O problema, é que ele começou a tomar medidas
estranhas que acabaram irritando seus próprios aliados direitistas da UDN.
Na verdade, o sr. Quadros tinha uma personalidade muito instável. Alguns até
lançaram a hipótese de que seu governo teria sido movido a uísque. Afonso Arinos,
ministro do Exterior, jurista conceituado e ligado aos udenistas, diria mais tarde: “Jânio na
presidência era a UDN de porre.”
Jânio era contraditório. Mas sejamos imparciais. É preciso reconhecer que ele foi
o único presidente, em toda a nossa sofrida história, que teve a coragem, o peito, a
audácia, o ardor cívico e compromisso de patriota de tomar uma atitude que representava
séculos de sonhos, reivindicações e batalhas do povo brasileiro. Jânio Quadros teve a
honra, a glória nacional, de proibir terminantemente, em todo território nacional, doesse a
quem doesse, a briga de galos! E, a partir daí, o país ficou irremediavelmente dividido em
dois campos políticos inimigos opostos irreconciliáveis: os galistas e os antigalistas! A
galinhagem foi total. Pois é, acredite se quiser. Com tanto problema sério para o
presidente cuidar, ele perdia tempo com bilhetinhos proibindo brigas de galos. (Mais
tarde, Tancredo Neves, que apostava em galos de briga, desproibiu os combates. Êta
governantes sérios!) Proibiu também lama-perfume, uso de biquíni nas praias, corrida de
cavalos no meio da semana e daí por diante.
Qual a explicação para isso? Ele nunca deu. No máximo, acusava as “forças
terríveis”. Porém, se pensarmos um pouco, entenderemos. Na véspera do ato, Lacerda,
rompido com Quadros, deu uma entrevista na tevê acusando Jânio de estar preparando
um golpe para instalar uma ditadura. Lacerda estava acostumado a fazer denúncias sem
fundamento, mas parece que desta vez ele falava a verdade. O truque de Jânio era
simples. Anunciou a renúncia esperando que o povo, consternado, gritasse “Volta Jânio!”.
Além disso, repare a jogada, ele sabia que seu vice-presidente, João Goulart, era odiado
pelos setores conservadores do empresariado e dos militares. A renúncia era uma
verdadeira chantagem contra esses grupos poderosos: “Vocês querem que eu saia? Se
eu sair, olha só quem assume: o Jango!” Ora, diante disso, ele acreditava que militares,
burgueses e políticos correriam para ele implorando que ficasse no cargo. Então ele
responderia: "Fico, mas sob minhas condições." E quais seriam as condições? Uma
ditadura pessoal do sr. Jânio Quadros. O que Lacerda denunciava. O que JQ nunca quis
explicar, porque era vergonhoso para ele.
Só que fez a coisa sem nenhum preparo. Apanhou todo mundo de surpresa. Só
restou ao Congresso aceitar sua decisão. Assumia a presidência, provisoriamente, o
presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzili. Não obstante, a direita não queria
a posse de tango. Agora, o país vivia uma crise política terrível. Estava à beira da guerra
civil.
Como é que se explica que Jânio, apoiado pela UDN, tivesse um vice que era do
PTB, arquiinimigo dos udenistas? É que naquela época, além de votar para presidente,
você também votava para vice-presidente. Mais ainda: podia votar em candidatos de
chapas diferentes. As duas principais chapas eram Jânio e Milton Campos (um político da
UDN) contra Lott e Jango, ambos do PTB. Muita gente votou na dobradinha Jan-Jan:
Jânio e Jango.
Jango estava na China, em viagem diplomática. Percebeu que não dava para
voltar logo. Incendiaria o país. Prudente, aguardava os acontecimentos no Brasil.
Para substituir Tancredo, Jango indicou outro mineiro, San Tiago Dantas (1911 –
1964), da ala moderada do PTB, ex-ministro do Exterior (cuidava da relação do Brasil com
os outros países) de Tancredo. Mas na conferência da OEA (Organização dos Estados
Americanos, espécie de ONU das Américas), em Punta del Este, os EUA propuseram a
expulsão de Cuba. O diplomata brasileiro se absteve de votar, irritando a direita, que em
San Tiago nada via de santo. Resultado: o parlamento vetou seu nome.
O jeito foi Jango nomear outro cara, desta vez aceito. Um político quase
desconhecido do PSD gaúcho, que sonhava mesmo era em descansar na pedra:
Brochado da Rocha (1910 - 1962). Antes de sair (entrou em seu lugar, Hermes Lima) ele
propôs - e o Congresso aceitou - antecipar o plebiscito sobre o parlamentarismo para
1963. Ou seja, o povo é que iria decidir sobre os poderes de Jango.
Plebiscito é uma consulta popular. Uma eleição em que o povo não vota em
candidatos, mas a favor ou contra certa proposta. Em 1963, um plebiscito deu
esmagadora vitória ao presidencialismo (proporção de 10 por 1). Acabava-se o
parlamentarismo. João Goulart finalmente ganhava plenos poderes presidenciais. Mas
pouco pôde fazer. Meses depois seria derrubado pelo movimento militar de 1964.
As Reformas de Base
Preste atenção nessas palavras, porque elas eram muito comentadas no começo
dos anos 60: “reformas de base”. O Brasil inteiro falava delas. Jango, o PTB, os
estudantes da UNE, o PCB e os sindicatos eram a favor. A UDN, grande parte do PSD,
quase toda a imprensa, grandes empresários e militares conservadores eram contra. O
país ficaria dividido até que um dos lados impusesse sua opinião com tanques de guerra.
A primeira das reformas de base era a sonhada reforma agrária. Não era possível
que o Brasil, com extensões de terras gigantescas nas mãos de proprietários que nada
plantavam, permitisse que milhões de famílias moradoras do campo passassem fome
porque não possuíam nenhum pedacinho de terra para cultivar. Japão, França,
Alemanha, e até México e China, já tinham realizado reforma agrária. Por que o Brasil não
poderia fazer uma?
Para executar a reforma agrária, o governo confisca (toma) uma parte das
terras do latifundiário, ou seja, o desapropria. Essa terra é dividida entre os sem-terra, que
passam a ser pequenos fazendeiros. O problema era que a Constituição só admitia a
desapropriação de terras em caso de utilidade pública, se o governo indenizasse os
proprietários em dinheiro. Ora, simplesmente o Estado não tinha grana para indenizar
tantos latifundiários. (Eram milhões de camponeses precisando de terra!) A não ser que
indenizasse com títulos da dívida pública, ou seja, uma espécie de conta que o governo
assume pagar, muitos anos depois, com juros. Mas aí seria preciso mudar a Constituição.
E como mudá-la se o Congresso estava cheio de conservadores da UDN e do PSD? Um
projeto de expropriação sem indenização em dinheiro foi vetado em 1963. Talvez aí
estivesse um dos erros de Jango: ele avaliou que poderia deixar rolar os protestos
populares que o Congresso, acuado, faria as leis. Porém aconteceria o contrário: a classe
dominante, apavorada com os protestos, veria em Jango apenas um fraco incapaz de
controlá-los. Pediria a cabeça do presidente.
Outra das reformas de base era a reforma urbana, que controlaria o valor dos
aluguéis de imóveis e ajudaria os inquilinos a comprar a casa própria. A classe média alta,
dona de mais de um imóvel, ficaria apavorada com a "ameaça comunista de tomar o que
é dos outros".
A reforma da educação era outro ponto importante, e tinha apoio da UNE (União
Nacional dos Estudantes. Havia necessidade de mais escolas e universidades públicas de
bom ensino. Os estudos deveriam ser voltados para os problemas nacionais do Brasil. Eis
uma idéia que fez a cabeça de muita gente na época: no ensino, como em tudo, era
preciso parar de copiar modelos estrangeiros e passar a pensar de forma brasileira os
problemas nacionais. Quando a gente ouve gravações de shows da época, era muito
comum o artista falar coisas do tipo “temos orgulho de ser brasileiros”. Pensar o Brasil, eis
a meta. Mas, o que significava isso?
Os militares se apavoraram com a agitação sindical. Para eles, Jango era incapaz
de conter o avanço comunista.
A mobilização popular
Se você perguntar a uma pessoa que apoiou o golpe militar de 1964, ele
provavelmente o justificará assim; "Você não sabe como era aquela época, Um horror,
greve todos os dias. Nada funcionava. O país estava virando uma baderna, uma
desorganização completa. Os militares vieram para botar ordem no país, salvaram a
gente do caos."
Afinal, o Brasil estava ou não uma zona completa? Depende do ponto de vista.
Vamos supor que você fosse um rico latifundiário. Podia ser que você precisasse de um
favor do governo, tipo um financiamento camarada do Banco do Brasil. Como conseguir?
Uma das possibilidades era sua associação de proprietários rurais pressionar o governo
para obter ajuda. Que bom que sua organização podia te apoiar, não?
Se você fosse um humilde trabalhador rural, não teria tanta coisa assim. Até os
anos 60 não existia nenhum sindicato rural no Brasil. As leis trabalhistas também não
valiam no campo. Era um Brasil esquecido, abandonado, desprezado. Mas as coisas
começaram a mudar.
Você acha que os latifundiários concordaram? Claro que não! Para eles, Jango
era um terrível agitador, um desgraçado que esculhambava o país. Miguel Arraes,
governador de Pernambuco, pela primeira vez botou a polícia do lado dos camponeses,
do lado da lei. Por isso, era detestado pelos usineiros.
Acho que você entendeu o significado do golpe militar de 64. Dá para você
perceber um dos motivos para que a história tantas vezes seja interpretada de modos
diferentes, não é mesmo? Será que tantos pontos de vista significam mesmo que não é
possível encontrar a verdade histórica? (Reflita sobre isso. Estes tipos de reflexões
caracterizam uma História crítica.) Bem, para uma boa parte da classe trabalhadora,
intelectuais, políticos de esquerda e estudantes, o Brasil não era uma baderna. Estava é
ficando organizado como nunca esteve antes. As pessoas estavam descobrindo a
importância de se associar para lutar por seus direitos, Em vez de lamentar suas misérias,
erguiam-se e lutavam para acabar com elas.
E as greves? Elas eram muitas, como se dizia? Talvez essa pergunta não seja a
melhor. O que cabe indagar é: o movimento trabalhista conseguia algum benefício?
Realmente, apesar da inflação, os salários cresciam. As greves estavam se revelando
importantes instrumentos de luta. Em 1962, foi criado o CGT (Comando Geral dos
Trabalhadores), uma central sindical visando unificar as lutas do país inteiro. Para os
trabalhadores, essas vitórias eram o resultado da organização operária. Afinal, depois de
uma greve geral, foi aprovada a lei do décimo terceiro salário (1962). Para os
empresários, tudo isso não passava de uma baderna promovida por sindicalistas
irresponsáveis e fanáticos comunistas: "O Exército tem de acabar com esse abuso! O
país precisa de ordem para os negócios prosperarem!"
A UNE vivia uma virada sensacional. Seu presidente em 1960, o goiano Aldo
Arames, pertencia à AP (Ação Popular). O pessoal da AP vinha da JUC (Juventude
Universitária Católica) e, em princípio, não era marxista. Na prática, namoravam cada vez
mais o comunismo chinês. Até 1964, eles estariam na direção da UNE. Aliás, em 1963 o
presidente da UNE era o paulista José Serra, anos mais tarde ministro neoliberal de FHC:
o que as pessoas fazem com os ideais da juventude? Eles somem com o tempo, tal como
as espinhas?
Naquela época os estudantes levavam muito a sério a luta política. A geração dos
anos 60 e começo dos 70 acreditava que a luta política realmente mudaria o mundo
inteiro. Por isso a UNE era tão importante e tão perigosa para os poderosos.
O pessoal da UNE acreditava que o ensino não podia ser elitista nem "alienado",
como se dizia na época. A universidade precisava ser comprometida com as
necessidades nacionais, formar pessoas capazes de pensar os problemas brasileiros em
vez de ficar seguindo as instruções norte-americanas. Os conhecimentos não deveriam
ficar presos à sala de aula e ao laboratório, eles deviam ser levados ao povo.
O problema é que Brizola não se entendia com o irmão de sua esposa, ou seja, o
presidente da República do Brasil. Ele queria que Jango avançasse com mais ímpeto,
fazendo a reforma agrária na marra, nacionalizando de cara vários monopólios
estrangeiros. Para defender suas idéias, propunha que os militantes brizolistas se
juntassem nos Grupos dos Onze que, entre uma ou outra partidinha de futebol com time
completo, se fariam de sentinelas a favor das reformas de base. Sonhava em ser
presidente e, para isso, deu força para o slogan "Cunhado não é parente. Brizola para
presidente!". Na verdade, Brizola era considerado um "radical" por Jango e um
"inconseqüente" pelos comunistas, sem falar no ódio hidrofóbico que provocava nos
generais de extrema-direita. No fundo, Brizola não percebia que o confronto só
favoreceria o lado da reação.
Apesar da liberdade de atuação (Prestes era uma figura pública, dava entrevistas
e palestras), o PCB mantinha-se na ilegalidade. Para escapar da proibição da lei, os
comunistas elegeram diversos deputados e vereadores pela legenda do PTB.
É óbvio que as forças dominantes não dormiram de touca. A direita também tinha
suas armas, seus soldados e generais - e não estamos dando nenhuma indireta boboca.
A reação da direita
A classe média balança como um pêndulo, ora para um lado, ora para o outro.
Pequenos empresários, profissionais liberais e assalariados bem remunerados sabem
que não são os graúdões, os capitães da indústria, os banqueiros. Mas sua instrução
universitária, seus sonhos de consumo, os bairros onde moram, os afastam dos
trabalhadores. Existe coisa mais maluca do que ouvir que' "Neste país, a classe média é a
mais sacrificada?" Pois dizem isso com orgulho. Como se morar numa favela, pegar o
trem lotado às cinco e meia da manhã, se enfiar numa fábrica fedorenta por horas a fio
fosse um passeio em um carro zero...
Uma pesquisa de opinião do Ibope, feita na véspera do golpe de 64, mostrou que
a maioria dos brasileiros considerava bom o governo de Jango. Mas grande parte dessa
maioria era de gente que não moveria um dedo para defendê-lo, ou seja, milhões de
pessoas passivas, que ainda aceitavam o tratamento de carneiros.
Havia sinais de mudança da Igreja. O papa João XXIII nas encíclicas Mater et
Magistra (1961) e Pacem in Terris (1963) atacava o comunismo mas defendia a
necessidade de mudanças graduais na sociedade. O Concílio Vaticano II confirmou essas
idéias e o novo papa, Paulo VI, deu sinal verde para o engajamento dos católicos em
projetos de reformas não-socialistas. Alguns estudantes da JUC (Juventude Universitária
Católica) tinham certa simpatia pelas idéias marxistas. Formariam a AP, de onde vieram
os presidentes da UNE nos anos de 61 a 64. (Falamos disso há pouco, lembra?) A
maioria do clero, entretanto, continuaria muito reacionária. Havia até a extrema direita,
ligada a figuras tradicionalistas como Dom Castro Mayer e Dom Geraldo Sigaud, que
trocava figurinhas como uma organização católica fascistóide, a TFP (Tradição Família e
Propriedade). No Nordeste, os padres tentavam formar sindicatos rurais controlados pela
Igreja e contrários às ligas camponesas. Na véspera do golpe, padres e freiras
organizaram passeatas com milhares de pessoas apoiando uma intervenção militar.
Quem não estava gostando nem um pouquinho das travessuras de Goulart era o
Departamento de Estado dos EUA. As propostas nacionalistas de controlar a remessa de
lucros das multinacionais para o estrangeiro, de entregar à Petrobrás o refino de todo o
petróleo e de estatizar diversas companhias norte-americanas eram muito desagradáveis
para Tio Sam.
O grande fantasma da época foi a Revolução Cubana, liderada por Fidel Castro.
Socialismo, guerrilha, Che Guevara, marxismo, essas coisas estavam virando moda entre
os estudantes. E se na miséria nordestina surgissem focos guerrilheiros? Nos anos 60 e
70, no Brasil e em quase todos os nossos vizinhos latino-americanos foram dados golpes
militares. Por trás, o pavor da repetição de Cuba.
Os militares
Por que os militares deram o golpe? Para começar, por causa da própria
formação deles. Nas academias, tinham aprendido que as greves, os protestos sociais, as
manifestações populares eram uma "baderna" intolerável. Para eles, o que faltava ao país
era a "disciplina", a "ordem", Felizmente, o general e o almirante não ficam
desempregados, nem recebem o salário ridículo de um peão. Mas essa boa condição,
infelizmente, dificulta um pouco o entendimento pleno do drama dos trabalhadores
assalariados.
É bom lembrarmos que os oficiais tinham irmãos, primos, tios que geralmente
vinham da classe média. Foi dela que absorveram importantes valores. Portanto, muitos
foram educados numa família conservadora, que não tolera a "baderna do zé-povinho". E
aí tinham simpatia pela UDN e rejeitavam a aproximação populista de Jango com os
sindicatos.
O mais difícil de aceitar era a influência dos EUA sobre a capacitação de nossos
militares. Alguns dos melhores oficiais do Brasil fizeram cursos de aprimoramento com os
americanos, inclusive na Escola do Panamá, fundada em 1951. Voltavam de lá com a
lição de que "O que é bom para os EUA é bom para o Brasil; o que é ruim para os EUA é
ruim para o Brasil".
Aqui no Brasil, foi fundada em 1949 a ESG (Escola Superior de Guerra), Nela,
desenvolveu-se a famosa DSN (Doutrina de Segurança Nacional), que fez a cabeça de
muitos militares. Capacetes com idéias da Guerra Fria. Atenção: o golpe e a ditadura
militar procuravam seguir os princípios da Doutrina de Segurança Nacional, divulgados
pela ESG. Diga-se de passagem, na ESG estavam as cabeças militares mais preparadas
- daí o apelido de Sorbonne (nome da famosa universidade francesa). À sua testa, o
general Golbery do Couto e Silva (1911 - 1987), bruxo intelectual do regime pós-64.
Afinal, o que é a DSN? Apesar do nome nacional, teve origem nos EUA. Vamos
resumir suas idéias. Para começar, a DSN considerava que praticamente já tinha
começado a Terceira Guerra Mundial. Isso mesmo que você leu. Já dá para ver o quanto
ela tinha da paranóia da Guerra Fria. Pois bem, a tal guerra mundial era do Mundo Livre
contra o Comunismo Internacional. O lado do bem era o dos valores da civilização cristã
ocidental tais como a propriedade privada, o individualismo, o capitalismo, as liberdades,
a democracia. O inimigo era o mundo do mal, "do ateísmo, da imoralidade, da
socialização dos meios de produção, do Estado totalitário, da ditadura monstruosa dos
comunistas".
Acontece que "essa guerra não era como as outras", Porque o inimigo raramente
atacava de frente (como atacou na Guerra da Coréia, 1951-53, ou na Guerra do Vietnã,
nos anos 60). Ele preferia a guerra subversiva, ou seja, infiltrava-se na sociedade para ir
minando por baixo, sem ninguém perceber. Os terríveis agentes comunistas "penetravam,
camuflados, nos sindicatos, no Congresso, nas entidades estudantis, nos meios
intelectuais, na imprensa e até nos quartéis. Enfraqueciam a moral, destruíam a
estabilidade do país, tumultuavam de propósito. O caos servia aos desígnios dos
vermelhos. Porque o passo seguinte era a guerra revolucionária através de greves gerais,
guerrilha, formações de sovietes até a tomada do poder, quando o amado Brasil se
tornaria uma província escrava da Rússia".
Como você vê, uma simples greve operária, uma sessão de cinema seguida de
um debate com a platéia, a publicação de um livro, tudo isso era visto como resultado da
infiltração de agentes soviéticos, cubanos ou chineses. Achavam que até a maconha e as
revistinhas com mulher nua eram trazidas pelos malvados bolcheviques, dispostos a
destruir a moral e a saúde de nossos jovens. Alguém precisava salvar o Brasil! Esse
alguém, óbvio, eram os militares sempre alerta.
Acontece que a DSN não era apenas negativista, no sentido de querer negar,
destruir uma situação. Ela tinha um lado construtivo, ou seja, propunha criar um novo
país. Atenção para isso, porque era a mostra de que os militares pretendiam ficar muito
tempo no governo.
Pois só faltava a gotinha d'água para os militares agirem. Ela viria com a rebelião
dos marinheiros e o famoso Comício da Central do Brasil.
As lutas de classes chegaram ao ponto mais agudo. Valia tudo, até mesmo
calúnias e baixíssimo nível. Madames subiam às favelas para alertar que "com Jango, em
breve o comunismo vai mandar no Brasil. Aí, o Estado vai tomar tudo dos pobres,
inclusive os filhos, que serão enviados para Moscou e nunca mais voltarão". Panfletos
espalhavam que Jango baixaria um decreto ordenando que os moradores dividissem seus
apartamentos com os favelados. Os famintos desceriam o morro aos gritos de "isso aqui é
nosso!" para ocupar as casas das pessoas de bem. As solteironas se arrepiavam de
medo dos curradores bolcheviques, com aquelas barbas cubanas, charutos enormes com
a ponta em brasa, gritos selvagens de cossacos russos, exalando hálito de vodca e
terríveis olhares de anos de leitura leninista misturados com a cobra pela propriedade
alheia.
Brizola foi convidado a proferir uma palestra sobre “reforma agrária” em Minas
Gerais. Não conseguiu. Um coro de senhoras e senhoritas, rezando o temo, pedia a Deus
que livrasse o Brasil do comunismo e da reforma agrária. Como se Jesus fosse o paladino
da desigualdade social!
Jango resolveu apresentar sua última carta: as reformas de base teriam de passar
"por bem ou por mal", como se dizia. No dia 13 de mamo de 1964, apesar do feriado
decretado de surpresa pelo governador Lacerda, um oceano de centenas de milhares de
pessoas compareceram ao célebre Comício da Central do Brasil. Perto dali (estação de
trens da Central, no Rio de Janeiro), ficava o Ministério da Guerra, com a estátua de
Caxias olhando grave para aquelas faixas xingando Lacerda e os gorilas (generais
golpistas), exigindo a reforma agrária, ao lado das inconfundíveis bandeiras vermelhas
com foice e martelo. No comício, da bela e jovem esposa, João Goulart anunciou que
estava enviando ao Congresso as primeiras reformas de base: expropriação de latifúndios
improdutivos, nacionalização das refinarias de petróleo. A galera foi ao delírio de
felicidade, sem ter noção de que em duas semanas Jango seria derrubado.
Meia dúzia de dias depois, foi a vez de a classe média paulista dar o troco.
Associações de donas de casa, esposas de maridos com altos vencimentos mensais,
damas da alta sociedade - preocupadas com as unhas, os vestidos da Maison Chanel e o
comunismo -, pastores evangélicos, gigolôs, comerciantes, policiais, bicheiros, amantes
de esposas de maridos com altos vencimentos mensais, associações de solteironas
encalhadas, grupos de defesa dos cachorrinhos de pelúcia e demais organizações
representativas mobilizaram milhares de fanáticos nas Marchas da Família com Deus pela
Liberdade. Rezavam para que Deus preservasse os nossos valores; o latifúndio tão
eterno quanto o Espírito Santo, as contas bancárias dos devotos do capital, a virgindade
das mocinhas de família, a boca desdentada dos meninos favelados.
A esquerda parecia não ver as nuvens pesadas no ar. Prestes deu entrevista
dizendo que o PCB cortaria a cabeça dos gorilas (generais golpistas) caso tentassem
algo. Pois eles tentaram...
Jango voou de Brasília para Porto Alegre. De lá, percebeu que a resistência faria
correr o sangue dos brasileiros. Preferiu se exilar no Uruguai. Mas antes mesmo de
renunciar, o senador Auro de Moura Andrade já anunciava o novo presidente: Ranieri
Mazzilli, da Câmara dos Deputados.
É um grande erro achar que o governo autoritário implantado em 1964 foi uma
ditadura sobre toda a população, Ou que o poder político ficou todo na mão dos militares.
Na verdade, o regime militar foi uma ditadura militar e civil, Porque os civis foram
a maioria dos governadores e prefeitos de capitais, havia um partido político que apoiava
o regime (a Arena) e os ministros da área econômica (fundamental) eram todos civis. É
ridículo achar que todos os militares foram corruptos. Ao contrário, a maioria dos
generais, coronéis e almirantes não roubou dinheiro público. E se a gente pegar todo o
dinheiro ganho pelos oficiais, incluindo as eventuais roubalheiras, certamente não
chegará aos pés do que uma única multinacional lucrou no mesmo período.
Não podemos olhar a história de forma maniqueísta, achando que ela se reduz a
uma briga entre os mocinhos e os bandidos. Claro que isso não quer dizer que não exista
verdade, que qualquer interpretação da realidade seja válida ou que devamos aceitar tudo
o que aconteceu. Mas nos alerta contra as simplificações. O que queremos dizer com
isso? Que os militares não derrubaram Jango e implantaram uma ditadura porque
queriam fazer do país um campo de caça para o capitalismo selvagem. Sim, a ditadura
teve momentos de desrespeito aos direitos humanos e de exploração brutal do povo
trabalhador, Mas nem todos os militares sabiam disso, vários deles acreditaram que
estavam sendo patriotas, uns nem achavam que haveria uma ditadura, Pensaram que
estavam evitando uma ditadura comunista ou uma ditadura de Jango (temiam que ele e
Brizola fechassem o Congresso implantando algo parecido com o Estado Novo). Outros,
orientados pela DSN, acreditavam que o novo regime iria beneficiar o Brasil.
Karl Marx dizia que não se pode julgar uma pessoa a partir do que ela pensa
sobre si mesma. O que vale para os regimes políticos, O projeto militar modernizou a
economia mas favoreceu principalmente as elites. Foi isso que aconteceu, mesmo que
não houvesse essa intenção. Portanto, aconteceram muitos erros, O passo inicial já era
equivocado, Conhecer esses erros é uma arma de luta contra os que nos querem
condenar a repeti-los.
A geopolítica do Golpe de 64
Antecedentes
O 1º de Abril de 1964
Sem contar com o apoio popular esperado, menos ainda com qualquer tipo
de apoio dos auto-proclamados “representantes do povo”, Jango retira-se melancólico
para sua terra natal, São Borja, e aguarda os desdobramentos dos acontecimentos.
Presidindo a Câmara dos Deputados no dia 1º de Abril de 1964, Auro de Moura Andrade,
ecoando no Congresso Nacional a voz dos quartéis, declara vaga a Presidência da
República com o Presidente em território nacional. Sob vaias dos poucos representantes
genuínos do povo brasileiro e da democracia, Moura Andrade transfere a Presidência da
República para o Presidente efetivo da Câmara dos Deputados, Paschoal Ranieri Mazilli
que, tão logo os militares se instalam nos postos de comando da Nação, transfere a
Presidência ao general Castello Branco, que governará o Brasil até 1967, quando foi
substituído pelo também general Costa e Silva. O começo do golpe contou com o apoio
de todo o conservadorismo brasileiro e contou ainda com a apatia simpática de todos os
que estufavam o peito e se diziam “apolíticos”, como se essa expressão tivesse algum
significado no mundo humano – “O homem é um animal político”, zoon politikon, segundo
Aristóteles. Quem se proclama apolítico está assinando um atestado público de
ignorância e incompetência para o exercício da cidadania.
Aos poucos vai ficando claro que os militares não vieram para mudar
absolutamente nada e, inesperadamente, buscam perpetuar-se no poder ao contrário do
que imaginavam aqueles que lhes deram sustentação no início.
A Ditadura Militar
“Este é tempo de divisas, tempo de gente cortada... É tempo de meio silêncio, de
boca gelada e murmúrio, palavra indireta, aviso na esquina.”
“Dormia
A nossa Pátria mãe tão distraída Sem perceber que era subtraída Em tenebrosas
transações.”
Recife, 1964. Beira da praia, brisa da noite, mansões dos usineiros. As garrafas
de champanha são abertas. Festa. Pessoas bonitas, perfume, olhares de fêmeas, dentes
brancos de alegria. As risadas unem o gozo ao deboche. Vida longa para o novo governo!
Que nunca mais se falem em greves nem nessa maldita terra para os camponeses! Morte
aos inimigos da propriedade!
Por que tanto aparato? Por que tantos homens, tantas armas, tanta força bruta?
Por que o velhinho é tão perigoso?
Um dia, entrou em contato com aquela gente estranha. Falavam coisas que ele
nunca tinha ouvido mas que, extraordinariamente, parecia já saber. Alguns eram até
doutores, mas o tratavam como igual. Muitos dos estranhos eram como Gregório, como
Severino, como José, como tantos outros: mãos de calo, cara rasgada de sol, trabalho e
sofrimento.
Por isso, Gregório Bezerra tinha sido preso. Naquele momento, os grandes
senhores da terra comemoravam sua vitória. O reveillon de 1964 acontecia em 31 de
março.
Bem que Leonel Brizola propôs ao presidente Jango resistir ao golpe de 1964
com armas na mão, a partir do Rio Grande do Sul. Mas o presidente, muito deprimido,
não queria derramamento de sangue. Como milhares de brasileiros, os dois também se
exilaram no estrangeiro.
Mas nos subúrbios o medo substituía o chope. Ali, a revolução iria procurar os
"inimigos do Brasil". E quem seriam esses monstros? Pessoas simples, enrugadas pelo
trabalho duro, mas que tinham ousado não se curvar; operários, camponeses,
sindicalistas.
Os políticos que não concordaram com o golpe, geralmente do PTB, tiveram seus
mandatos cassados. Ou seja, perderam seus direitos políticos por dez anos. O primeiro
cassado, inimigo número um do regime, foi Luís Carlos Prestes. O segundo foi o ex-
presidente João Goulart. Depois, veio uma lista de milhares de pessoas que foram
demitidas de empregos públicos, presas, perseguidas, arruinadas em sua vida particular.
Juscelino e Jânio também perderam seus direitos, para que não tentassem nenhuma
aventura engraçadinha na política. Só a UDN não teve punidos: coincidência, não?
Para espionar a vida de todos os cidadãos, foi criado em 1964 o SNI (Serviço
Nacional de Informações). Havia agentes secretos do SNI em quase todos os cantos:
escolas, redações de jornais, sindicatos, universidades, estações de televisão.
Microfones, filmes, ouvidos aguçados. Bastava o agente do SNI apontar um suspeito para
ele ser preso. Imagine o clima numa sala de aula, por exemplo. Eu mesmo perguntei,
certa vez, a um professor de história, “o que ele achava” de algo que os militares haviam
decretado. Ele, apavorado, respondeu algo como: “Não acho nada! Eu tinha um amigo
que achava muito e hoje ninguém acha ele!” Eram muitos os “desaparecidos” naqueles
tempos... O professore correndo o risco de ser detido caso fizesse uma crítica ao
governo. Os alunos, falando baixinho, desconfiando de cada pessoa nova, apavorados
com os dedos-duros. A ditadura comprometia até as novas amizades! O pior é que o SNI
cresceu tanto que quase acabou tendo vida própria, independente do general-presidente,
a quem estava ligado. Seu criador, o general Golbery do Couto e Silva, no final da vida,
diria amargurado: “Criei um monstro.”
A Constituição de 1967
O pior de tudo é que o regime iria fechar mais ainda. O último ato do governo de
Castello foi a LSN (Lei de Segurança Nacional). Reprimir passava a ser sinônimo de
“defender a pátria”.
A lei de 1962, que controlava remessas de lucros para o estrangeiro, foi anulada.
As multinacionais foram ofertadas com todas as facilidades.
Um dos recursos para diminuir salários foi a extinção da estabilidade. Pela lei
antiga, depois de dez anos numa empresa, era quase impossível despedir um
empregado. Isso acabou. No lugar, foi criado o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço), em 1966, que ainda existe mas, com os ventos ainda mais conservadores que
andam soprando neste país, tem havido uma tendência a propor a suspensão até deste
direito para os trabalhadores. Funciona assim: a cada mês, o patrão deposita nos bancos
uma parte do salário do empregado, formando uma espécie de caderneta de poupança
(outra invenção do regime militar) chamada de FGTS, Acontece que o FGTS só pode ser
sacado em momentos especiais, como na compra de uma casa própria ou, caso mais
comum, quando o empregado é despedido. Essa lei facilitou a vida dos empresários.
Agora, despedir era tranqüilo. Os empregados, sabendo que podiam perder o emprego a
qualquer momento, eram obrigados a aceitar salários mixurucas.
Bem, e o PAEG deu certo? Para o que ele se propunha, sim, foi bem-sucedido. A
inflação caiu. O preço social disso é que representa problema. Os economistas
“iluminados” da época falavam pudicamente no “lado perverso” das medidas econômicas.
Quer dizer então que uma ditadura consegue estabilidade? Essa pergunta
necessita de outra: de que tipo de estabilidade estamos falando? Quando examinamos as
estatísticas econômicas percebemos que a estabilidade teve um preço: o aumento de
exploração da força de trabalho.
Costa e Silva era tido como um homem de hábitos simples. Em vez da companhia
dos livros, como gostava o pedante Castello Branco, preferia acompanhar as corridas de
cavalos. Pessoalmente, diziam que era “gente boa”. Mas se Costa e Silva queria
tranqüilidade, tinha escolhido mal o emprego. Melhor seria dar palpites no jockey.
Mas a UNE estava lá para lutar contra. Época gloriosa do movimento estudantil.
Coragem, sonhos libertários, utopia na alma. A juventude queria o poder no mundo! Os
estudantes iam para a rua contra um governo que esculhambava a universidade pública,
contra um regime militar. Apesar de proibidas, suas passeatas nas ruas atraíram cada vez
mais participantes, de operários e boys a donas de casa e profissionais liberais. A grande
imprensa chamava-os de “infantis”, “toxicômanos”, “desequilibrados”. A polícia atacava.
Cassetetes, gás lacrimogêneo, caminhões brucutu. Eles respondiam com pedras, bolas
de gude (contra a cavalaria da PM), coquetéis molotov e idealismo. Os principais líderes
estudantis estavam no Rio de Janeiro: Vladimir Palmeira e Luís Travassos.
Voltando no tempo...
Imagine que você, com sua idade atual, acaba de voltar no tempo. Estamos em
1968, no Rio de Janeiro. Em que é que você está pensando? O que é que você faz no
dia-a-dia?
Na faculdade, quem não é de esquerda está por fora. Claro que há uma povão de
gente alienada, que nem dá bola para o que acontece no país. Mas você e seus amigos
são conscientizados. O problema é que existe uma floresta de partidos e grupelhos de
esquerda: PC do B, AP, Polop, Dissidência na Guanabara e tantos outros (sigla era um
troço importante naquela época). Só não vale o PCB, que não é bem visto pela garotada,
que o chama de “Partidão”. Parece com um velho sábio que não dá mais no couro. Na
verdade, o fato de o PCB não aceitar a luta armada contra o regime tira o charme dele.
Afinal, todos temos pôster de Che Guevara e Ho Chi Minh na parede de casa e gostamos
de nos imaginar na selva entre os camponeses, com idéias na cabeça e um fuzil na mão.
Hoje tem passeata convocada pela UNE. Na faculdade, pintamos as faixas com
os dizeres manjados como “Abaixo a ditadura” e o provocativo “Povo armado derruba a
ditadura”. Vamos para a passeata? É um problema. Sua mãe tem medo, seu pai (na
época, é claro, lembre-se de que estamos em 68) apoiou o golpe. Melhor ir escondido. Se
você é mulher pior, porque tudo é proibido: freqüentar boate, beber, chegar em casa tarde
da noite, viajar com o namorado e, óbvio, ir à passeata. Portanto, mais uma que vai
escondida alegando que ia “ficar na biblioteca estudando”.
Lá está você com o pessoal, no centro da cidade. Gritando palavras de ordem
contra o regime. Dos edifícios, papel picado e aplausos. O apoio dos escritórios te enche
de autoconfiança e você realmente se sente fazendo algo de importante na história do
Brasil. Na cabeça, o grande hino da época, Pra não dizer que não falei das flores, de
Geraldo Vandré: “Vem, vamos embora / que esperar não é fazer / quem sabe faz a hora /
não espera acontecer”...
Não há graça nenhuma. Tem gente que sai com o rosto ensopado de sangue,
hematomas pelo corpo, dentes quebrados, Muitos são presos e empurrados para o carro
coração de mãe. Haja claustrofobia. Seguirão para a delegacia, para serem fichados,
humilhados e levar uns cascudos. Só no final do ano é que a polícia começa a atirar para
matar.
Se você não apanhou muito nem foi preso, dá para chegar num barzinho no
começo da noite, Depois de uns chopes, ou cuba-libre (rum com Coca-Cola), todo mundo
ficava animado para contar pela décima vez suas proezas, sempre um pouquinho
exageradas, é claro. Você pode estar interessado(a) numa pessoa, num cara ou numa
menina. (Mas não há duplo sentido: o homossexualismo não era tolerado nem pela
esquerda. Ser bicha era quase sinônimo de ser contra-revolucionário. Muitos guerrilheiros
machos se remoeriam de culpa pelos anônimos desejos inconfessáveis. Só no final dos
anos 70 as mentalidades começaram a mudar.) Pois bem, se você estivesse a fim de
alguém, logo trataria de falar alto para aparecer. Essas coisas não mudaram demais
desde então, não é mesmo? Um bom caminho era se mostrar intrépido no combate aos
policiais e, ao mesmo tempo, estar por dentro das últimas novidades culturais.
Claro que ninguém era um chato de ir a um bar e ficar conversando sobre coisas
intelectuais e políticas o tempo inteiro. Isso só existe em série da Globo. As pessoas
também dançavam, iam a festas, bebiam além da conta, namoravam, iam às compras,
estudavam para as provas.
Os militares estavam apavorados. Até onde aquilo tudo iria levar? Concluíram que
precisavam endurecer mais ainda o regime. E endureceram. As passeatas de estudantes
passaram a ser reprimidas pelas próprias Fonas Armadas e muitos estudantes foram
baleados. Agora, em vez do cassetete, vinha o fuzil automático. O congresso secreto da
UNE, em Ibiúna (SP) foi dissolvido, com 1240 estudantes presos.
Tem gente que chega a falar do “golpe dentro do golpe”. Se a ditadura já era ruim,
agora ela piorava.E muito!
O que significa viver sob uma ditadura militar? É exagerado achar que a toda hora
tem tanque na rua, soldados desfilando dentro das faculdades. Aparentemente não muda
muita coisa, porque você vai às compras, ao dentista, à praia e ao cinema, namora e
casa, vê televisão. A não ser o fato de que seu vizinho é oficial do Exército e você sabe
que por isso ele manda aqui no prédio (e isso pode ser até bom para a vizinhança), o
resto parece bem normal. Mas, se você tiver um pingo de consciência, desconfia que as
coisas não vão bem. Existe um cheirinho de esquisitice: as pessoas falam baixo, há uma
nuvem de mistério cobrindo o país, o estômago fica pesado demais.
Depois de 1964 ainda dava para fazer umas passeatazinhas e desafiar o regime.
Depois do AI-5 (dezembro de 1968) o regime tinha fechado de vez. Passeata era
dissolvida a tiros de fuzil. Em cada redação de jornal havia um imbecil da polícia federal
para fazer a censura, Não poderia sair nenhuma notícia que desagradasse ao governo.
Uma simples reportagem esportiva sobre o time do Internacional de Porto Alegre, com
sua camisa vermelha, poderia ser encarada como “propaganda da Internacional
Comunista”. Além da censura, o jornal não podia dizer que tinha sofrido a censura (isso,
claro, também era censurado). O jeito foi botar receitas de bolo nos vazios deixados pelas
partes retiradas pela polícia. As pessoas estavam lendo uma página sobre política
nacional e, de repente, vinha aquela absurda receita para fazer uma torta de abacaxi. Os
espertos sacavam logo que era um protesto. Os mais ingênuos (por conivência ou
conveniência, chegavam a mandar cartas para as redações dos jornais, pois as receitas,
por vezes, eram irracionais: “cinco quilos de açúcar, 100 g de farinha de trigo, dois quilos
de sal, vinte tabletes de fermento, uma colher de chá de suco de laranja...” Não há receita
que dê certo assim, hehehe. Claro que existem ainda hoje ingênuos ainda mais imbecis,
que declaram coisas como: “naquele tempo o governo era muito melhor do que hoje.
Bastava abrir os jornais, eles só tinham elogios para o governo. Aliás, também tinham
receitas de bolo muito boas.”
Ninguém podia falar mal do governo. Reclamação na fila do ônibus era uma linha
até à cadeia. Estudantes e professores que conversassem sobre política poderiam ser
expulsos da escola ou da faculdade, devido ao decreto-lei nº 477 (1969), Imagine o clima
dentro da sala de aula. Se o professor contasse aos alunos o que você está lendo neste
livro, corria o sério risco de não poder voltar mais à sala de aula. Ou mesmo para a sua
própria casa...
_ Eu não acho nada! Tinha um amigo que achava muito e hoje ninguém acha ele!
To fora!
Qualquer aluno novo que tentasse se enturmar era logo suspeito de pertencer ao
SNI. Veja que coisa, a ditadura tolheu até as novas amizades!
O político que fizesse oposição aguda seria logo cassado pelo AI-5. Foi o caso,
por exemplo, do deputado federal Francisco Pinto (MDB), punido em 1974 porque fez no
Congresso um discurso chamando de “ditador” o ditador chileno Pinochet em visita ao
Brasil, o deputado Lysâneas Maciel (MDB) solicitou a criação de uma CPI (Comissão
Parlamentar de Inquérito) para apurar denúncias de corrupção no regime. Não teve CPI
nenhuma e ele ainda foi cassado. É isso aí: numa ditadura, a sociedade não pode
fiscalizar o governo. Os cidadãos estão enjaulados, mas a corrupção está livre.
Falar em guerrilha nos anos 60 arrepiava muita gente. Ela parecia ser a grande
arma de libertação dos povos do Terceiro Mundo. Exemplos não faltavam. Em Cuba,
Fidel Castro e Che Guevara abriram o caminho: No Vietnã, os guerrilheiros de Ho Chi
(Minh derrotavam a maior máquina de guerra do planeta, a do imperialismo norte-
americano. Na Argélia, os guerrilheiros dobraram as tropas francesas e conquistaram a
independência do país. Na própria China, a revolução socialista foi vitoriosa depois de
anos de guerrilha camponesa comandada por Mao Tsetung. No Brasil não poderia ser
diferente: muitos estudantes, velhos militantes da esquerda e intelectuais começaram a
organizar grupos guerrilheiros. Para eles, depois do AI-5 não havia mais espaço para a
legalidade. Só a luta armada libertaria o Brasil.
Ao contrário do que você possa pensar, o PCB foi contra a luta armada. Os
comunistas acreditavam que a luta no momento não era nem socialismo nem reformas
básicas, mas pelo fim do regime autoritário. Sua estratégia era a de se unir a todos os
grupos democráticos contra o regime. Atuaria, clandestino, no MDB.
Um dos grandes gurus era o francês Regis Debray, que tinha sido companheiro
de guerrilha de Che Guevara. Foi ele que lançou a teoria foquista: meia dúzia de
combatentes criariam um foco guerrilheiro numa área rural. Primeira etapa, o treinamento
militar. Depois, contato com a população. Ganham a confiança através do trabalho, da
honestidade, de solidariedade. Imagine o efeito disso: o camponês jamais viu um médico
e, de repente, aquelas pessoas o tratam com cuidado, curam seus filhos. Nesse
processo, os guerrilheiros vão transmitindo suas idéias, mostrando que o latifúndio
deveria ser confiscado, que os camponeses precisam se unir e se armar. E quando
chegam os jagunços do fazendeiro, os guerrilheiros estão prontos para responder com
fogo de armas de guerra, Pronto, está deflagrada a luta. Agora, junto com os camponeses
que aderem ao movimento, eles se lançam para o mato. O Exército chega logo depois,
quase sempre truculento: tortura moradores, incendeia barracos, molesta as meninas. O
povo vê com clareza quem está do lado dele. Os guerrilheiros, por sua vez, nunca
enfrentam o Exército de frente. As táticas incluem emboscadas, ações rápidas e
fulminantes. Depois, a fuga veloz: sua mobilidade e ataques de surpresa são armas
letais. Conhecem a região, contam com o apoio logístico dos moradores. Quase
invencíveis. Mas este é um foco. A teoria foquista imaginava que surgiria outro foco ali, e
mais outro adiante, e outro, e outro. Até que um dia esses focos começariam a se unir
para compor um grande exército popular. Tal como ensinou Mao Tsetung, o campo
cercaria a cidade. E a revolução seria vitoriosa.
Simples, não? É, simples demais para dar certo: havia muitos sonhos e pouco pé
no chão. Como fazer guerrilha camponesa num país em que a maioria já vivia na cidade?
Bem que o sinal de alerta já havia sido dado: em 8 de outubro de 1967, Che Guevara foi
assassinado pela CIA, quando organizava um foco guerrilheiro na Bolívia. Não era um
aviso de mau agouro?
Desde 1968 já existiam ações guerrilheiras. Mas o grosso mesmo foi entre 1969 e
1973. Havia um cacho de grupos de luta armada, diferentes nos objetivos e nas
estratégias, embora no final todos visassem ao socialismo (já se disse que as esquerdas
só se encontram na cadeia...). Uns achavam que primeiro era preciso derrotar a ditadura,
outros achavam que já era possível lutar imediatamente pelo socialismo; uns achavam
que primeiro era preciso organizar os trabalhadores e depois se lançar na guerrilha,
outros achavam que através da luta guerrilheira os trabalhadores iriam se organizando;
uns achavam que a guerrilha urbana era a mais importante, outros, que era a rural.
Não vamos estudar as minúcias das organizações. Basta dar uma idéia geral de
como funcionavam as mais importantes: VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), o MR-
8 (Movimento Revolucionário Oito de Outubro), a ALN (Ação Libertadora Nacional), o
PCBR (PCB Revolucionário), o PC do B, a VAR-Palmares.
Quem eram esses guerrilheiros? Não eram muitos, apenas algumas centenas. Os
simpatizantes, que eventualmente podiam esconder alguém em casa ou contribuir com
dinheiro, não iam além de uns mil e poucos. Apesar de sonharem com a revolução
proletária, havia poucos operários ou camponeses. Os líderes geralmente eram antigos
comunistas, rompidos com o Partidão porque o PCB estava contra a luta armada. Ainda
tinha um grupo importante de militares desertores do Exército. Muitos guerrilheiros eram
como talvez você seja, amigo leitor, com 17 ou 18 anos de idade, estudantes
secundaristas ou acabando de entrar na faculdade.
A maioria dos guerrilheiros foi presa antes de começar a luta armada no campo.
Na verdade, a guerrilha ficou sendo urbana mesmo, sem repercussão maior. Houve
algumas tentativas de panfletar na porta de fábricas, e um grupo chegou a levar um
caminhão cheio de comida para distribuir na favela, anunciando aquela como “a primeira
das muitas expropriações revolucionárias que o povo fará daqui em diante”. Pura ilusão. A
repressão do governo agia com muita eficácia e rapidamente os grupos foram
desmantelados. No final, tinham de assaltar bancos para levantar fundos para a luta e
seqüestrar embaixadores em troca da libertação de presos políticos.
A única tentativa que teve alguma consistência foi a Guerrilha do Araguaia. Ela se
desenvolveu mais ou menos entre 1972 e 1974, organizada pelo PC do B. Lembremos
que, na época, ao contrário do PCB (que era de linha soviética e contra a luta armada) o
PC do B seguia o socialismo chinês (o maoísmo) e apoiava a guerrilha. Pois bem, no
começo dos anos 70, grandes empresas do Sudeste e multinacionais investiram em
pecuária extensiva na região do Tocantins-Araguaia. Quando chegaram lá, já havia
pequenas roças na mão de camponeses posseiros (não tinham documentos legais da
propriedade da terra, apesar de trabalharem nelas havia muitos anos). Nem quiseram
saber, passaram a fazer grilagem das terras (tomar ilegalmente). Quando o camponês
não queria abandonar a terra, os capangas da empresa iam lá, ateavam fogo no barraco,
destruíam a plantação, espancavam os moradores. Como você pode perceber, as lutas
de classes entre os grileiros e os posseiros eram muito fortes. O PC do B quis aproveitar
esse potencial de revolta e chegou na região para montar uma base de treinamento.
Foram descobertos pelo Exército, que deslocou para região milhares de soldados. Contra
uns 60 guerrilheiros. Numa região isolada do país, imprensa censurada, as pessoas só
sabiam alguma coisa através de boatos. Mas na região do Araguaia até hoje as pessoas
humildes se recordam do que aconteceu. Muitos militares abusaram do poder e
espancaram brutalmente a população para que revelasse os esconderijos dos
guerrilheiros. Os prisioneiros eram torturados de forma bárbara e muitos encontraram a
morte depois que o corpo virou uma massa de pedaços de carne e sangue. Os
guerrilheiros mortos foram enterrados em cemitérios clandestinos e até hoje as famílias
procuram seus corpos. Em 1974, a guerrilha do Araguaia estava destruída.
O que dizer sobre essa loucura toda? Foram rapazes e moças, muitos ainda
adolescentes, que tiveram a coragem de abandonar o conforto do lar, a segurança de
uma vida encaminhada, a tranqüilidade da vida de jovem de classe média, para combater
um regime opressor com armas na mão. Pessoas que dão a vida pelo ideal de libertação
de seu povo não podem ser consideradas criminosas. Mesmo que a gente não concorde
com os caminhos trilhados. Eles mataram? Certamente. Mas nunca torturaram. Nem
enterraram suas vítimas em cemitérios clandestinos. E se o tivessem feito, nada disso
justificaria a tortura e o assassinato executados pelo governo. Além disso, seria mesmo
inadmissível pegar em armas contra um regime antidemocrático que esmagava o povo
brasileiro? Que moral uma ditadura tem para definir como deve ser combatida?
Repressão e Tortura
“Ou então cada paisano e cada capataz Com sua burrice fará jorrar sangue
demais Nos pantanais, nas cidades, caatingas
E nos gerais”
CAETANO VELOSO
Imagine que você fosse um guerrilheiro naquela época. Documento falso, revólver
escondido na cintura, olhar assustado para qualquer pessoa da rua. Distante da família,
dos amigos, de qualquer conhecido. Clandestino. Codinome, ou seja, nome inventado,
nem os companheiros sabiam sua identidade. Se fossem presos, não poderiam te revelar.
Vocês se escondem num apartamento discreto no subúrbio. E mudam de residência
quase todo o mês. Esse esconderijo é chamado de “aparelho”. Um dia, você tem um
ponto, ou seja, um encontro marcado com outro guerrilheiro. Ele não aparece.
Provavelmente, caiu (foi preso). Em algumas horas, debaixo de paulada, pode ser que ele
abra. Os meganhas logo vão chegar. É preciso desativar o aparelho rápido. De repente,
chega a polícia. Tiroteio. Mortes. Se você escapar com vida, vai direto para o porão.
Agora sim, você vai sentir na pele a face mais negra do regime. A tortura.
Não houve guerrilheiro preso que não fosse barbaramente torturado. Ficar
pendurado no pau-de-arara (um cavalete em que o sujeito fica preso pela barra que passa
na dobra do joelho, com pés e mãos amarrados juntos) é um dos piores suplícios. Além
disso, pontapés, queimaduras de cigarros, choques elétricos, alicates arrancando os
mamilos, banhos de ácido, testículos amassados com alicate, arame em brasa introduzido
pela uretra, dente arrancado a pontapés, olhos vazados com socos. Mulheres estupradas
na frente dos filhos, homens castrados. A lista de atrocidades é infindável.
Os torturadores são animais sádicos. Mas além da maldade pura e simples, havia
a necessidade estratégica: a tortura extraía confissões em pouco tempo, dando
oportunidade de prender outras pessoas, que também seriam torturadas, revelando mais
coisas e assim por diante. Infelizmente, a tortura revelou-se bem eficaz.
Houve muita gente, entretanto, que nada falou. Veja bem, amigo leitor, bastava
contar tudo que a tortura acabaria. Essa era a diabólica proposta. Imagine-se no lugar do
preso, apanhando feito um cão, nu, sangrando, com a cabeça enfiada num balde cheio de
fezes e vômito dos outros. Algumas frases e você seria mandado para um hospital. No
entanto, muitos não falaram. Bravamente, recusaram-se a colaborar com a repressão.
Morto sob tortura tinha o caixão lacrado para ninguém ver o cadáver arrebentado.
O laudo oficial do IML, emitido por médicos venais comprometidos com a ditadura dizia
friamente que a morte tinha ocorrido “em tiroteio com a polícia”.
Uma geração que pagou um alto preço por seus sonhos: pagou com o próprio
sangue. Por isso, amigo leitor, se hoje eu posso escrever essas linhas, se hoje você pode
dizer o que pensa, saiba que entre os responsáveis por nossa liberdade estão aqueles
que deram sua vida para que um dia o país não estivesse mais sob o jugo das botas da
tirania.
Claro que a maioria dos militares não teve nenhum envolvimento com a tortura.
Muitos sequer sabiam que ela estava acontecendo. Mas é inegável que os torturadores
ocupavam importantes posições no aparelho repressivo do Estado: eram policiais civis,
PMs, agentes da polícia federal, delegados, oficiais e sargentos da Marinha, do Exército,
da Aeronáutica, médicos que avaliavam a saúde da vítima e autorizavam a continuação
da tortura.
Muito triste é saber que alguns desses monstros permanecem na polícia, nas
Forças Armadas e que foram anistiados pelo general Figueiredo em 1979. Neste país,
jamais um torturador sentou no banco dos réus.
A ditadura não se manteve só com violência física. Ela soube se valer de uma
propaganda ideológica massacrante. Numa época em que todas as críticas ao governo
eram censuradas, os jornais, a tevê, os rádios e revistas transmitiam a idéia de que o
Brasil tinha encontrado um caminho maravilhoso de desenvolvimento e progresso.
Reportagens sobre grandes obras do governo e o crescimento econômico do país
convenciam a população de que vivíamos numa época incrível. Nas ruas, as pessoas
cantavam: “Ninguém segura esse país.”
O futebol, como não poderia deixar de ser, foi utilizado como arma de propaganda
ideológica. Na época, a esquerda se perguntava: “O futebol aliena os trabalhadores, é o
ópio do povo?” E houve até quem torcesse para que o Brasil perdesse a Copa: como se o
trabalhador brasileiro precisasse de uma derrota no jogo de futebol para realmente se
sentir oprimido! Ou seja, quem estava supervalorizando o futebol: o povão ou a
esquerda? De qualquer modo, meu amigo, aquela seleção brasileira de 1970 foi
simplesmente o maior time de futebol que já existiu. Pelé, Tostão, Jairzinho, Gérson,
Rivelino, Clodoaldo, Carlos Alberto Torres, seus craques são inesquecíveis. O
tricampeonato conquistado na Copa do México encheu o país de euforia. Nas casas (pela
primeira vez a Copa foi transmitida ao vivo pela televisão) e ruas o povo explodia de
alegria e cantava: “Todos juntos, vamos / Pra frente Brasil..” Os homens do governo,
claro, trataram logo de aparecer em centenas de fotos ao lado dos craques. Queriam que
o país tivesse a impressão de que só tínhamos ganho a Copa graças à ditadura militar
(embora as vitórias de 1958 e 1962 tivessem sido no tempo da democracia, com JK e
Jango). O prefeito de São Paulo, Paulo (que não era São) Maluf, resolveu dar para cada
jogador um automóvel zero quilômetro de presente. O presidente Médici, vestido com a
camisa rubronegra do Flamengo, era aplaudido de pé por parte da torcida no Maracanã.
Triste país, o general chutava a bola, os torturadores chutavam os presos.
Claro que essa euforia toda no começo dos anos 70 não vinha só das vitórias
esportivas e da máquina de propaganda do governo. Em realidade, o país vivia a
excitação de um crescimento econômico espetacular. Era o tempo do “milagre
econômico”.
PRESIDENTE MÉDICI
Costa e Silva não teve muito tempo para se alegrar com os efeitos do AI-5. um
derrame o matou, em agosto de 1969. O povo não teve tempo de se alegrar; uma Junta
Militar, comandada pelo general Lyra Tavares, assumiu o governo até se nomear o novo
general-presidente. 0 vice de Costa e Silva, o civil Pedro Aleixo (ex-UDN), não tinha
apoiado totalmente o AI5 e por isso fora jogado para escanteio. No mesmo ano, ocorreu a
Emenda Constitucional nº 1, que alguns juristas consideram quase como uma nova
Constituição. Ela legalizou o arbítrio e os poderes totalitários da ditadura. Todas aquelas
medidas arbitrárias tipo AI-5 e 477 foram incorporadas à Constituição. Além disso, ela
estabeleceu que o presidente podia baixar medidas (decretos-leis) que valeriam
imediatamente. 0 Congresso disporia de 60 dias para examinar o decreto. O Congresso
tinha 60 dias para votar a aprovação. Se depois desse prazo não tivesse havido votação
(o Congresso poderia, por exemplo, estar fechado pelo AI-5, ou com número insuficiente
de membros comparecendo às sessões), ele seria automaticamente aprovado por
decurso de prazo.
Dias depois, era indicado o novo chefe supremo do país. O novo presidente era o
general Emílio Garrastazu Médici. Seu governo teve dois pontos de destaque: o
extermínio da guerrilha e o crescimento econômico espetacular (o “milagre”).
Nenhuma época do regime militar foi tão repressora e brutal, Nunca se torturou e
assassinou tanto. Nos porões do regime, as pessoas tinham suas vidas postas na marca
do pênalti. E assim os órgãos de re-pressão marcaram gols, liquidando guerrilheiros como
Marighella (4/11/69), Mário Alves (16/11/70) e Lamarca (17/09/71).
Os ricos foram ficando cada vez mais ricos e os pobres, cada vez mais pobres, A
ditadura foi uma espécie de Robin Hood às avessas.
Essa distribuição de renda ao contrário era facilitada pelo fato de que não havia
nenhuma greve, nem sindicato independente, nem a oposição no Congresso tinha
margem de manobra. Era uma ditadura que fazia uma coisa incrível: o país crescia como
poucos no mundo e quanto mais riquezas eram produzidas, mais difícil ficava a vida dos
trabalhadores.
Até nos países mais pobres da África, a mortalidade infantil diminuía. Nas
grandes cidades brasileiras ela crescia, Quanto mais a renda per capita do Brasil
aumentava, mais as crianças pobres morriam porque comiam pouco, não eram
vacinadas, não tinham médico, De repente, houve uma epidemia de meningite, Doença
que pode matar, É preciso que os pais estejam alerta. O que fez a ditadura? Proibiu que
os jornais divulgassem qualquer notícia a respeito. O povo tinha de ser enganado pela
imagem de que no Brasil a saúde pública estava sob controle, o que veio em seguida era
previsível: os pais, sem saber do surto da doença, não davam muita importância para
aquela febrezinha do filho, Achavam que era só uma gripe, Não levavam para o posto de
saúde, Até que a criança morria, A meningite mataria milhares de meninos e meninas no
Brasil, numa das mais terríveis epidemias do século, Só esse caso já mostra o quanto a
ditadura era absurda, não é mesmo?
O ministro Delfim Netto dizia que era para o povo ter paciência: “temos de esperar
o bolo crescer para depois distribuir os pedaços”. E até hoje o povão está esperando sua
fatia. Pois é, na cara-de-pau, o general-presidente Médici dizia: “A economia vai bem, só
o povo é que vai mal.” Viu? Uma coisinha à toa é que ia mal, um trocinho assim, sem
importância, uma poeirinha desprezível chamada povo...
Grande parte da classe média até que gostava daquilo tudo. Afinal, a ditadura,
além de modernizar a indústria de base, estimulou a de bens de consumo duráveis.
Maravilha das maravilhas: a família de classe média se realizava existencialmente
comprando tevê em cores (desde 1972), aparelhagens de som, automóveis,
eletrodomésticos. E até a classe operária foi arrastada nesse processo de crença na
ascensão social baseada na aquisição do radinho de pilha ou do tênis maneiro,
É claro que hoje em dia não se pode ter mais aquela visão de ódio total às
multinacionais. Afinal, com a internacionalização da economia, ou seja, a ligação
econômica direta entre quase todos os países e continentes, elas se tornaram peças
fundamentais da economia mundial. Inclusive, porque parecem realmente ser úteis
parceiras em alguns setores, já que nenhum país pode ter sozinho tecnologia e capital
para produzir tudo. Todavia, é sensato esclarecer alguns pontos: por que elas são as
responsáveis por grande parte da dívida externa brasileira? Será benéfico o governo pedir
dinheiro emprestado aos banqueiros internacionais para fazer obras gigantescas a favor
das multinacionais? Ou simplesmente para financiá-las? Será correto que elas mandem
para fora lucros de bilhões de dólares, em vez de aqui reinvestir? Será interessante o seu
poder de levar à falência as empresas nacionais, através de uma concorrência desleal?
Será que elas realmente nos transferem tecnologia ou só mandam pacotes prontos feitos
nos seus laboratórios? Será que elas não mandam dinheiro escondido "por debaixo do
pano"? Será que não interferem na nossa vida interna, combatendo governos que não
lhes interessam, mesmo se estes forem a favor do povo? Será saudável que produzam
aqui remédios e produtos químicos proibidos em seus países de origem? Por que será
que um operário da Volkswagen ou da Ford no Brasil faz o mesmo serviço, nos mesmos
ritmos e níveis de tecnologia, que operários dessas empresas na Alemanha ou nos EUA
e, no entanto, ganha tão menos? Tantas perguntas...
Aqui no Brasil, o governo botava a culpa nos outros. Dizia que a crise era
mundial. Certo. Mas por que aqui ela era tão devastadora? Porque a política econômica
da ditadura nos tornava indefesos. O petróleo não representava nem 25% das nossas
importações em 1975. Além disso, não só aumentou nossa produção interna, como seus
preços internacionais cairiam nos anos 80. No entanto, a crise foi aumentando, ano após
ano. Uma coisa tão braba que o nosso jovem leitor com certeza viveu a maior parte de
sua vida sob o signo da crise econômica brasileira.
O governo preferiu outro caminho. Para a economia não entrar em recessão, isto
é, para a economia não regredir, o Estado começou a tomar empréstimos externos para
financiar a produção. Supunham que a economia cresceria, que as exportaÇões se
tornariam espetaculares e que tudo isso daria condições de pagar a dívida externa. Só
que os banqueiros internacionais não são trouxas. Emprestaram dinheiro porque sabiam
que o Brasil teria de devolver muito mais em forma de juros. Se fizer mos as contas
direitinho no papel, vamos concluir que nos anos 70 e 80, o Brasil pagou, só de juros,
muito mais do que pediu emprestado! Ou seja, já pagamos tudo, continuamos pagando e
ficamos devendo mais ainda! A dívida externa funciona como uma bomba de sucção que
chupa os recursos da economia do Brasil. Aliás, o problema da dívida externa é comum
em todo o Terceiro Mundo. Segundo os dados insuspeitos do Banco Mundial, na década
de 80 foram drenados bilhões de dólares do Terceiro Mundo para o Primeiro. Ou seja, a
parte pobre, esfarrapada e faminta do planeta é que mandou dinheiro para a parte
milionária! Nos anos 90, é óbvio, esse esquema continua.
O mais triste é quando a gente constata que grande parte da dívida externa
brasileira foi contraída financiando a vinda de multinacionais, construindo obras
gigantescas só para favorecer empresas estrangeiras (estradas, hidrelétricas), sem falar
construções que o governo nunca terminou, deixando as máquinas e o material serem
destruídos pelo tempo.
Pois é, apertado, o governo precisava de mais dinheiro ainda. Para ele, é fácil. É
só fabricar, emitir papel-moeda. Aí, vem a inflação. Para evitar a inundação de dinheiro, o
governo criou mercados abertos (opens markets), vendendo títulos, ou seja, papéis
expedidos com a garantia do governo, que mais tarde poderiam ser resgatados (o
proprietário devolveria para o governo em troca de dinheiro) por um valor superior. A idéia
era "enxugar" o mercado, mas a medida deu a maior força para tudo quanto é tipo de
especulação financeira, quer dizer, os empresários manobravam para negociar esses
títulos com altos lucros. Eis aí um dos grandes problemas da economia brasileira a partir
dali: a especulação financeira. Ela é um ganho artificial, já que não envolve nenhum
investimento produtivo. No fundo, está transferindo riqueza da sociedade para o bolso de
alguns espertinhos.
No mesmo ano (1975), teve início o Projeto Pró-álcool. A idéia era substituir a
gasolina pelo álcool combustível. Os usineiros se alegraram. As plantações de cana-de-
açúcar foram ocupando tudo quanto é lugar, expulsando os camponeses moradores,
acabando com as plantações de alimentos (tornando a comida mais cara) e despejando o
poluente vinhoto nos rios. Nos anos 80, com a queda do preço mundial de petróleo, o
Brasil ficou com uma enorme frota de carros movidos a um combustível caríssimo. Já em
1990, querendo melhores preços, os usineiros '`sumiriam" com o álcool. Na verdade, o
álcool se revelou um combustível muito mais caro do que a gasolina (no posto, o álcool é
mais barato porque é subsidiado, ou seja, o governo paga uma parte da conta. Mas onde
arruma dinheiro para fazer essa caridade? Cobrando mais alto pela gasolina. Trocando
em miúdos: quem tem carro a gasolina está ajudando a encher o tanque de quem tem
carro a álcool). O que se viu nesses anos todos foi o governo emprestando milhões de
dólares aos usineiros do Nordeste, do Rio de Janeiro e de São Paulo e depois perdoando
as dívidas porque não suporta mais a choradeira dos produtores de álcool e açúcar.
Enquanto isso, os cortadores de cana continuam passando fome.
Ora, por que não estimularam o transporte ferroviário e o fluvial, bem mais
baratos, podendo, em alguns casos, usar energia elétrica? Não foi incompetência. Na
verdade, desde Juscelino que uma das espinhas dorsais de nossa indústria é fabricação
de automóveis e caminhões. As pressões das multinacionais desse setor forçaram o
governo a abandonar outras opões de transporte. As estradas de ferro, tão importantes
nos países desenvolvidos, foram relegadas a segundo plano pelo governo e as estatais
deste setor tiveram seus recursos cortados.
Os resultados dos problemas econômicos foi que nas eleições para deputado
federal e estadual e para o Senado, em 1974 e 1978, o MDB teve ótima votação. Um
aviso claro para o pessoal da ditadura se mancar. O povo estava dizendo não ao regime.
Claro que a esquerda não podia dar bobeira. A ditadura ainda existia. Um trágico
exemplo disso foi o massacre da Lapa, quando agentes do Exército invadiram uma casa
nesse bairro da capital paulista, em 1976, onde se realizava uma reunião secreta de
dirigentes do PC do B. As pessoas nem puderam esboçar reação: foram exterminadas ali
mesmo, covardemente.
Apesar disso, Geisel apostava na distensão lenta e gradual. Para isso, teve de
usar a habilidade para derrubar seus opositores de linha dura. A balança pendeu para o
seu lado quando ele, num gesto fulminante, exonerou o general Sílvio Frota (1977),
ministro do Exército, tido como de extrema direita e ligado à tortura.
Em 1978 foi decretado o fim do AI-5, o que mostrava alguma boa vontade de
Geisel com a distensão política, Mas antes de ele acabar com o ato arbitrário, usou o AI-5
para cassar diversos opositores. Mais ou menos como o pistoleiro que mata todo mundo e
que, depois de acabarem as balas, resolve se arrepender do que fez. A garantia disso.
tudo era a Lei de Segurança Nacional (LSN) que continuava sendo mantida.
Em 1975, foi criado o MFA (Movimento Feminino pela Anistia), para que os
presos políticos fossem soltos, os exilados pudessem voltar à pátria e os cassados
recebessem justiça. Em 1978, foi criado o CBA (Comitê Brasileiro pela Anistia). 0 Brasil
inteiro repudiava a tortura e a arbitrariedade. A saudosa Elis Regina emocionaria o país
cantando o hino da anistia; O Bêbado e o Equilibrista. Outros cantores populares, como
Chico Buarque e Milton Nascimento, compunham músicas com críticas sutis ao regime
militar.
Como você vê, a oposição estava articulada: jornalistas, MDB, estudantes, Igreja
Católica, intelectuais, movimento pela anistia. Mas as coisas não seriam tão fáceis assim.
A extrema direita respondeu com fogo. D. Adriano Hipólito, bispo de Nova Iguaçu
(Rio de Janeiro), foi seqüestrado e espancado. Bombas explodiram na ABI (Associação
Brasileira de Imprensa), e na Editora Civilização Brasileira. No mesmo ano (1976), o DOI-
CODI invadiu a tal casa na Lapa e massacrou os ocupantes, todos da direção do PC do
B, como já foi dito. Assim, as forças retrógradas deixavam claro que não aceitariam
qualquer avanço democrático.
Foi uma loucura. Todo mundo ficou perplexo. Desde o governo até a esquerda
tradicional, incapazes de aceitar que a classe trabalhadora pudesse, por conta própria,
resolver seus problemas.
Na liderança, uma nova cabeça no país, que não estava ligada a nenhum partido,
a nenhum grupelho de esquerda: Luís Inácio Lula da Silva, o Lula, presidente do Sindicato
dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Filho de miseráveis camponeses
nordestinos que emigraram para São Paulo, Lula trabalhava desde criança. Bom operário,
torneiro-mecânico, perdeu o dedo num acidente de trabalho tão comum no Brasil. Na
adolescência, não ligava muito para política nem para sindicato. Queria mesmo era jogar
bola e namorar. Amadureceu, começou a tomar consciência das coisas e entrou para o
sindicato, até ser eleito presidente. Assim, iria se tornar o mais influente líder sindical
operário de toda a história do Brasil.
O Brasil inteiro explodiu em greves. Todo mundo queria de volta o que a inflação
tinha levado para os patrões. Categorias que antes de 1964 jamais teriam organizado um
movimento (afinal, eram de "classe média"), como professores, médicos e engenheiros,
descobriram a necessidade de também participar do sindicalismo combativo.
A ditadura reprimia sem dó. O operário Santo Dias, ativista sindical, foi
assassinado pela PM na rua. Era preciso deixar claro que novas rebeldias não seriam
toleradas. A fábrica da Fiat (Minas Gerais) foi invadida pela PM com cães amestrados. Os
trabalhadores deviam se calar!
Pois não se intimidaram. Contra os abusos dos patrões, novas greves no ABC,
em 1980. A ditadura mostrava, mais uma vez, que estava sempre do lado da burguesia.
Uma operação de guerra foi montada. Guerra contra trabalhadores desarmados.
O comandante do II Exército planejou as ações bélicas. Mobilizaram-se homens, armas,
recursos. A polícia federal chefiada pelo dr. Romeu Tuma, o DOPS e o DOI-CODI
prenderam Lula e mais 15 dirigentes sindicais. Ficaram incomunicáveis.
Pois uma multidão de 120 mil pessoas desafiou o poder. Cabeças erguidas, fona
da verdade no coração. Massacrá-los seria dar início a uma guerra civil.
No dia seguinte, não havia mais soldados em São Bernardo. A luta da classe
operária havia derrotado a ditadura.
O regime deveria ser condecorado com uma ferradura. A inflação veio ã galope,
dando coices nos salários. O ministro Delfim Netto, o “gordinho sinistro” achava que
“primeiro o bolo deveria crescer, para depois ser dividido”. Pois aí está a grande
empulhação da ditadura: o Brasil teve um grande crescimento econômico e sua renda per
capita ficou bem maior. Mas o bolo foi comido pelos ricos.
Segundo o IBGE, em 1980 aos 5% mais ricos cabiam 37,9% do total da renda do
país, e aos 50% mais pobres sobravam 12,6%. Portanto, a fatia a ser partilhada pelos 5%
mais ricos era três vezes maior que a fatiazinha que ainda tinha de ser rachada entre a
multidão dos 50% mais famintos! Êta festazinha de aniversário safada: isso tinha de dar
bolo!
A dívida externa alcançou cifras absurdas: quase 100 bilhões de dólares. Ora, ela
fez com que o Brasil tivesse de pagar, todos os anos, vários bilhões de dólares aos
banqueiros internacionais que tinham financiado o país. O resultado é que pagamos os
tais 100 bilhões, mas continuamos devendo ã mesma quantia! E continuamos tendo de
pagar! Uma verdadeira bomba de sucção na economia.
Figueiredo gostava de dizer que “jurou fazer deste país uma democracia”.
(Engraçado, antes não era?) Mas sua abertura foi uma mistura de oportunismo com
recuo. É bem verdade que a censura abrandou, embora fosse mais fácil publicar revistas
pornôs do que jornaizinhos de esquerda. Realmente, Figueiredo era tolerante com as
manifestações democráticas. Não foi à toa que os generais linha-dura nunca o perdoaram
e até hoje o xingam de “traidor do regime”. Ponto favorável para ele no julgamento da
história. Mas não se deve esquecer o lado repressor do governo Figueiredo: reprimiu
greves; prendeu militantes do PCB e do PC do B; expulsou padres estrangeiros que
colaboravam com a luta camponesa pela reforma agrária; impôs novidades nas regras
eleitorais, para favorecer o governo; fez com que mudanças na Constituição só
ocorressem com aprovação de dois temos do Congresso; enquadrou estudantes na LSN.
A extrema direita, que nunca foi reprimida, continuou fazendo das suas: um
atentado terrorista à secretária da OAB (1980) . No ano seguinte, durante um show de
MPB comemorando o dia 1º de maio, várias bombas foram instaladas no Riocentro (Rio
de Janeiro). Se explodissem, podemos imaginar quantos morreriam. Só uma delas
estourou, no colo de um sargento do Exército que estava num carro estacionado por lá.
Ele ao lado de um capitão. O que faziam ali? O inquérito policial-militar concluiu que
ambos foram "vítimas". Para muita gente, porém, tinha sido um frustrado atentado de
extrema direita. Os dois morreram de acidente de trabalho...
A anistia veio em 1979. Mas não foi "ampla, geral e irrestrita". O pior é que os
torturadores também foram anistiados, sem jamais terem sentado no banco dos réus. De
qualquer modo, ela permitiu o retorno dos exilados e a libertação dos presos políticos. Os
reencontros no aeroporto e na saída da cadeia emocionaram uma geração que havia
sacrificado sua juventude por seu patriotismo.
Nova política partidária
O PDT (Partido Democrático Trabalhista) era chefiado por Leonel Brizola, que
tinha voltado do exílio. Naquela época, Brizola gozava de enorme prestígio como 0
homem contrário a tudo de ruim do regime militar. Ele quis refundar o antigo PTB mas
levou uma pernada da justiça. Propunha ser herdeiro do trabalhismo de Vargas e Jango,
misturado à social-democracia, que ele tinha aprendido a admirar na França, na
Alemanha e na Suécia (uma espécie de capitalismo reformado com medidas inspiradas
no socialismo).
O PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) não tinha nada a ver com o antigo PTB.
Pelo contrário, chegou a abrigar antigos udenistas e até algumas figuras da antiga Arena.
Ficou nas mãos da deputada Ivete Vargas e foi visto como uma criação ardilosa do
regime, uma espécie de filial camufla da do PDS.
Muitos políticos do PDS perceberam que não dava para Maluf. Liderados pelo
senador José Sarney, eles formaram a Frente Liberal que, no Colégio Eleitoral, elegeu
Tancredo Neves presidente do Brasil (o vice era Sarney). Pouco depois, esse pessoal,
que saiu do PDS mas que mantinha as velhas idéias conservadoras, fundou o PFL
(Partido da Frente Liberal).
Tancredo Neves fez carreira no PSD junto das oligarquias mineiras. Foi ministro
da Justiça de Getúlio e esteve no MDB. Moderadíssimo, nunca tivera atritos graves com o
regime militar. Pois é, um político hábil, mas que nunca se ligou a nenhuma luta popular,
virou salvador da pátria. Talvez, porque tenha falecido antes de tomar posse. Assim, por
ironia da história, o presidente que poria fim ao regime militar seria o ex-líder do regime no
Senado: José Sarney, vice de Tancredo. A tragédia da história se repetia como farsa.
A “Nova” República
Emir Sader
“A doutrina neoliberal nunca foi implementada completamente por qualquer
governo.”
Perry Anderson
“Todo o político prático ou administrador que pensa que está agindo de acordo
com o senso comum, na verdade segue as idéias de algum economista maluco já
falecido.”
“O Brasil está mudando” – esta frase foi muito ouvida na chamada “Nova
República”. De certo modo, expressava o que muitos brasileiros gostariam que
acontecesse. Mas será que o novo mais uma vez não vinha misturado com o velho?
Sarney e Collor se criaram no regime militar. Itamar e FHC vieram da oposição consentida
pela ditadura, nunca foram “opositores” de fato... Velho dilema brasileiro: mais se muda,
mais permanece a mesma coisa. Quando não piora muito, como tem acontecido nos
últimos desgovernos que temos tido...
Tancredo, Sarney, Indiana Collor, Itamar e FHC. Um novo Brasil com velhas
coisas. Inflação, miséria, violência, corrupção, desigualdade social, compadrio, práticas de
favor, políticos venais. Pouca coisa mudou de fato desde que as primeiras caravelas
lusitanas chegaram por aqui.
Ribamar Imortal
Da UDN para a Arena e depois para o PDS para, finalmente, virar (ó ironia da
história!) o presidente da Nova República. Sarney rabisca uns livros nas horas de folga, o
suficiente para que os puxa-sacos o fizessem imortal da Academia Brasileira de Letras. O
imortal que subsituiu o morto Tancredo. Nosso país, às vezes, é muito engraçado...
O homem entrou na presidência “pela porta dos fundos”: era o vice de Tancredo.
Líder do PDS até a última hora, quando pulou para o PMDB, queria mostrar para o Brasil
que tinha se convertido à democracia. O problema é que seu governo era apoiado pelo
PMDB em aliança com um PFL cheio de gente que foi do PDS. Cada um deles exigindo
cargos. E Sarney usaria seu coração e o bolso do contribuinte para nomear todo mundo.
Graças ao Plano Cruzado, vitória eleitoral do PMDB. E sabe o que Sarney fez
logo após as eleições? Anunciou o Cruzado II, que descongelava os preços...
A população ficou boquiaberta. Boca aberta que não entrava comida, já que os
preços dispararam. Na verdade, o plano estava afundando havia algum tempo. Tinham-no
sustentado por causa das eleições. O governo não diminuíra os gastos públicos e
portanto precisava emitir para pagar as contas. Além disso, as grandes empresas de
comércio escondiam os produtos das prateleiras. Começou a faltar tudo. Bem, não era
exatamente uma falta. Bastava pagar o ágio (uma grana por fora, além do preço tabelado)
que a mercadoria aparecia atrás do balcão.
Apesar de toda essa confusão, não é verdade que os tempos da ditadura militar
fossem melhores. Afinal, Sarney não era culpado sozinho. Ele pegou um país que já
estava com a situação econômica catastrófica. Situação causada pela ditadura. Não
devemos nos esquecer que em 1964, quando começou o regime autoritário, a inflação era
de 90% e a dívida externa de US$ 2,5 bilhões e que, em 1985, quando terminou a
ditadura, a inflação já ultrapassava a casa dos 200% ao ano e a dívida externa era
apenas 40 vezes maior. Imagine um sujeito que come feito um desesperado e depois,
passando mal, diz que bom era no tempo da comilança - como se a comilança não fosse
a causa da indigestão! É bom lembrarmos também que Sarney foi um homem do regime
militar, político da antiga Arena e do PDS que só passou para o PMDB para ser vice de
Tancredo. A vantagem do país é que agora as pessoas tinham o direito de criticar e de
apresentar propostas novas.
A Constituição de 1988
Por causa do Plano Cruzado, que congelou os preços, o PMDB recebeu uma
avalanche de votos. Assim, o presidente da Assembléia Nacional Constituinte foi o
deputado paulista (PMDB) Ulisses Guimarães.
O PFL (Partido da Frente Liberal) era formado por políticos ligados à burguesia,
muitos foram membros do regime militar e originários do PDS. No PFL estavam políticos
tradicionais, particularmente do Nordeste, como é o caso do baiano Antônio Carlos
Magalhães. O PL era uma espécie de minifilial do PFL, ou da UDN, ou da Arena, ou do
PDS. O PTB, já vimos, nada tinha a ver com o antigo PTB de Jango, Getúlio e Brizola.
Era só o nome para um partido agrupando gente próxima do PDS e do PFL. O PMDB,
como acabamos de falar, estava dividido entre uma ala mais conservadora e outra que
defendia reformas inspiradas nas idéias social-democratas (caso dos senadores
Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas que, mais tarde, fundariam o PSDB).
• Direitos do cidadão – Nos anos 90, uma das palavras da moda era cidadania.
Ela expressa a idéia de que todos os cidadãos têm direitos que devem ser respeitados
pelo Estado: o direito de liberdade individual, o direito de poder interferir no governo,
direito à segurança, à educação, à saúde, à habitação, ao emprego. Está tudo isso na
Constituição de 1988. Mas nos anos 90, a sociedade estava tomando consciência de que
não deveria ficar de braços cruzados, aguardando que as atitudes do governo caiam do
céu. Os cidadãos organizados (associações, sindicatos etc.) devem cobrar do Estado a
prestação desses serviços. Esta é a grande idéia democrática de nossos tempos: a
sociedade civil se organiza para lutar e conseguir o respeito a seus direitos de cidadania.
• Garantias constitucionais – A Constituição estabelece vários dispositivos que
defendem o cidadão quando seus direitos são negados. Os principais são:
a) Habeas-corpus. Se você foi preso ou vai ser preso injustamente (você não
desrespeitou a lei), seu advogado pode pedir ao juiz um habeas corpus para livra-lo da
polícia imediatamente. Repare que as ditaduras adoram suspender o direito de habeas
corpus, exatamente para fazer prisões ilegais à vontade.
e) Ação popular. Qualquer cidadão brasileiro pode impetrar uma ação contra um
órgão público e também contra as pessoas que se beneficiarem de uma atitude
inconveniente do governo. A ação popular pode ser feita quando o cidadão considera que
a sociedade está sendo ameaçada por corrupção no governo, ou por desrespeito ao meio
ambiente ou ao patrimônio histórico e cultural, Ou seja, se você tiver provas contra algum
funcionário público ou político, ou se alguma empresa estiver poluindo sua cidade, por
exemplo, trate de entrar com uma ação popular contra eles. Vão ter de parar e podem ir
até para a cadeia. Um belo instrumento democrático, não é verdade? E em alguns casos
até já funcionou mesmo.
• Novos direitos sindicais. Agora, o Estado está proibido de intervir nos sindicatos.
Mas continuou a unicidade sindical, ou seja, em cada região só pode existir um único
sindicato por categoria. Também foi mantido o imposto sindical, que ajuda a manter
sindicatos pelegos (foi criado no tempo de Vargas, lembra? Reveja a pág. 277). Agora, o
direito de greve é irrestrito, mas nos setores essenciais (hospitais, transportes, energia
elétrica etc.) é preciso avisar com antecedência e manter um funcionamento mínimo.
• Novos direitos políticos. Agora, pessoas com 16 anos para cima e analfabetos já
podem votar. Antes, eram excluídos. Para ser candidato, é preciso ter pelo menos 18 e
não ser analfabeto.
• Proteção ao meio ambiente. Ainda faltam muitas leis. Afinal de contas, o que
mais temos são grandes empresários lucrando fortunas com fábricas que poluem o ar e
as águas e que destróem as florestas. Depois, pegam o avião e vão respirar ar puro na
Suíça, enquanto nossos bebês de Cubatão (SP) nascem sem cérebro. Agora, a Floresta
Amazônica, a Serra do Mar, a Mata Atlântica e o Pantanal se tornaram patrimônio
nacional.
Avanços? Só no papel...
Depois de quase trinta anos, finalmente os brasileiros puderam votar direto para
presidente da República. A ditadura militar durou 25 anos. De 1964 até 1989 o povo em
nada participou das decisões diretas do Executivo Nacional, por 25 anos completamente
subserviente aos quartéis. Na primeira eleição, claro, as chances de se eleger um cidadão
egresso do regime que vigorou e governou este país por tanto tempo era de fato concreta.
As chances, contudo, de finalmente vermos as coisas modificadas na direção popular
também eram concretas e, portanto, o entusiasmo popular era justificadamente
formidável, com quase todo mundo querendo se informar, debater e votar com
inteligência.
Collor nasceu em família tradicional de políticos. Seu avô, Lindolpho Collor, tinha
sido ministro de Getúlio: Seu pai, o senador Arnon Mello (UDN), ficou conhecido por ter
assassinado a tiros um colega durante uma sessão do Congresso. Deve ter sido assim
que o filho aprendeu a fazer política de impacto. Logo depois que se casou pela primeira
vez, com uma milionária, Fernandinho ganhou de presente dos militares a prefeitura da
cidade “estratégica” de Maceió. Isso mesmo, uma prefeitura de presente de casamento.
Claro que ele não tinha sido eleito. Era o tempo da ditadura e os prefeitos de capitais
eram escolhidos. Bastava ser homem de confiança do regime militar. E Collor foi de
confiança. No Colégio Eleitoral, mostrou ser um fiel deputado do PDS, votando em Paulo
Maluf contra Tancredo Neves. Aí os tempos mudaram. Sarney saiu do PDS e foi para o
PMDB. Tancredo foi para o beleléu e Sarney ganhou a presidência de graça. Collor
aproveitou para mostrar suas habilidades atléticas na modalidade esportiva “salto para
onde estiver bom”: foi para o PMDB, se derramou em elogios à Nova República e só
faltou dar um beijinho na boca de Sarney. Aproveitando o entusiasmo pelo Plano
Cruzado, Collor foi eleito governador de Alagoas. Naquela época começou a sonhar com
a presidência. Bolou um excelente esquema publicitário: perseguir funcionários públicos
com altos salários, os chamados marajás. Os jornais do país não poupavam elogios ao
jovem governador que “combatia a corrupção”. Nem todas as reportagens, porém,
mostravam que por trás daquele carnaval, Collor distribuía cargos públicos para parentes
de sua nova mulher (Rosane) e perdoava as dívidas dos usineiros de açúcar com o
governo do Estado.
A política eleitoral partidária é, via de regra, um completo absurdo. Collor foi mais
um exemplo. O homem que tinha sido malufista e do PDS arrebatou o país com a imagem
de que era novo na vida política nacional. Um esquema publicitário caríssimo tratava de
divulgar a idéia de que Collor era o único candidato que “não tinha rabo preso”. As
grandes redes de televisão adoraram seu discurso demagógico e passaram a dar cada
vez mais espaço. Grana, poder e cara-de-pau, eis a receita para o sucesso collorido. Seu
partido, o PRN (Partido de Reconstrução Nacional), arrebanhava antigas figuras do
regime militar, vindas do PDS e do PFL. Muitos deles notórios envolvidos em falcatruas e
maracutaias. Assim, o marajá, milionário dono de duas empresas de televisão,
conquistava o coração dos pobres dizendo-se o único político capaz de ajudá-los. De
sarneísta no tempo do Plano Cruzado, passou a atacar o Sarney quando percebeu que
este era um excelente caminho para a popularidade.
A emoção ficou por conta da disputa do segundo lugar, para ver quem iria brigar
com Collor no segundo turno - Lula ou Brizola? (Mário Covas, do PSDB, ficou em quarto
lugar.)
Leonel Brizola (PDT) teve resultados excepcionais no Rio Grande do Sul e no Rio
de Janeiro, estados onde tinha sido governador. Sua campanha era centrada nos
princípios nacionalistas e reformistas, ao estilo do velho PTB do começo dos anos 60, e
temperada com a social-democracia européia, na qual Brizola tinha vários amigos.
Atacava as multinacionais e os banqueiros estrangeiros, acusando-os de sugar a
economia brasileira, como se fossem um monstruoso pernilongo. Para Brizola, as “perdas
internacionais” seriam a origem de todos os problemas brasileiros. O problema é que
além do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, o PDT tinha poucos votos.
O PT, partido do LULA já estava organizado em quase todo o país. Em 1988, já
tinha mostrado sua força, elegendo prefeitos em diversas cidades importantes do país.
Sua grande força são os militantes do PT, geralmente estudantes e sindicalistas, que
trabalham de graça, só por idealismo. Isso não é propaganda, é um fato que os
adversários do PT reconhecem. O PT também contava com o apoio de católicos leigos e
de padres progressistas ligados à Teologia da Libertação, uma espécie de socialismo
cristão. Os petistas conseguiram muitos votos graças ao trabalho da Igreja nas CEBs
(Comunidades Eclesiais de Base). O socialismo não era mais visto como uma coisa do
diabo. Resultado: Lula venceu Brizola por uma leve vantagem.
No segundo turno, Brizola falou em “engolir o sapo barbudo” e apoiou Lula com
sinceridade, transferindo muitos votos para o candidato petista. Além do PSB e do PC do
B, Lula tinha agora o apoio do PCB de Roberto Freire e até dos tucanos do PSDB, apesar
de esses últimos terem ficado meio em cima do muro.
Durante toda a campanha, Collor acusou Lula de querer confiscar o dinheiro das
cadernetas de poupança. Pois assim que assumiu a presidência, ordenou que o dinheiro
das poupanças fosse bloqueado. Ninguém poderia sacar além de uma certa quantia e o
governo só devolveria o dinheiro depois de um ano, em prestações.
Sem dúvida alguma, Collor foi o primeiro e é o principal responsável por “rolado a
bola” do neoliberalismo em nosso país. Foi ele quem combateu leis nacionalistas que
controlavam os negócios das empresas estrangeiras no Brasil e quem iniciou um
programa consistente de venda das empresas estatais. Ao se recusar a pagar
aposentadorias melhores, Collor também mostrava seu empenho em adotar a idéia
neoliberal de cortar brutalmente os gastos do governo com programas sociais. Tudo isso,
dizia ele, faria o Brasil entrar no Primeiro Mundo.
Enquanto o país esperava para entrar no Primeiro Mundo, Collor tratou ele
mesmo de ir para lá fazer umas comprinhas no seu estilo de consumidor yuppie: gravatas
Hermès, uísque Logan 12 anos, malas Louis Vuitton. O governo mandou liberar as
importações, abaixando as tarifas alfandegárias: foi a partir de Collor que o país foi
invadido pelos produtos estrangeiros, de eletrodomésticos a queijos franceses, de
quinquilharias coreanas a vinhos alemães. Os automóveis nacionais foram xingados de
“carroças” e esperava-se que a abertura para os importados criasse concorrência, o que
forçaria as multinacionais do Brasil a melhorar a qualidade de seus produtos. Havia um
fundo de verdade nisso tudo. Além do mais, puxa, graças a Collor, qualquer favelado já
tinha o direito de comprar automóveis Mercedes Benz, telefone celular e gel para passar
no cabelo.
Quando Zélia pegou “emprestado” o dinheiro das poupanças, ela tinha em mente
duas coisas. Primeiramente, o governo estaria com dinheiro em caixa, não precisando
emitir papel-moeda para cobrir seus gastos. Depois, as pessoas, sem a grana da
poupança, deixariam de comprar. Como as vendas cairiam, a tendência seria a queda dos
preços. As duas coisas ajudariam a abaixar a inflação.
Acontece que deu tudo errado. Caindo as vendas, claro, os empresários trataram
de diminuir a produção. Com isso, as pessoas eram despedidas. Recessão e
desemprego. Então, valia o velho esquema brasileiro para lucrar, na base do aumento
frenético dos preços. O Brasil mergulhava em uma das piores crises econômicas de sua
história. A inflação ultrapassou os 20% mensais e a recessão (diminuição das atividades
econômicas) fez o país regredir. A Associação Brasileira de Supermercados constatou a
diminuição de 15% no consumo de arroz e feijão: trocando em miúdos, o povo comia
menos. Nas grandes cidades, milhares de maltrapilhos, vítimas do desemprego,
passaram a morar nas caladas. No Brasil de Collor, com o salário mínimo mais baixo do
que o do Paraguai, morar em barraco passou a ser sonho de consumo.
O empresário alagoano Paulo César Farias, o PC, começou a vida como homem
pobre. Esperto e bajulador, ligou-se a políticos importantes e foi ganhando fortuna.
“De acordo com os levantamentos feitos pela Receita Federal, a entrada de Collor
no governo de Alagoas representa o início da formação do império que seria construído
até maio deste ano (...) Antes de Collor assumir o governo de Alagoas, empresas de
propriedades de PC enfrentaram graves dificuldades financeiras.” (Xico Sá, Folha de S.
Paulo, 30/09/92).
Onde Collor ia, o PC ia atrás. Quanto mais poder Collor obtinha, maior era a
fortuna de PC Farias. Simples coincidência?
Além disso, havia o clamor popular. Cada vez mais, as pessoas tomavam
consciência dos fatos e repudiavam aquela sem-vergonhice no Palácio do Planalto. No
Brasil inteiro as pessoas começavam a falar “o Brasil está mudando”. Até a Rede Globo
embarcava nessa nova mentalidade, exibindo uma série televisiva de Gilberto Braga,
Anos Rebeldes, que mostrava uma clara simpatia pelos estudantes revolucionários dos
anos 60 no Brasil. A tevê não cria nem reflete a realidade, ela é a realidade.
Collor quis dar uma de esperto. Convocou a população a desfilar com tarja preta
de luto contra os ataques ao presidente. Tiro pela culatra. Nas capitais de todo o país,
centenas de milhares de estudantes caras-pintadas foram para as ruas, vestidos de verde
e amarelo, para exigir a deposição do presidente corrupto.
Talvez você tenha ouvido alguém falar que os jovens foram manipulados. Não dê
ouvido a esse tipo de comentário cretino, feito por pessoas que acham que aqui no Brasil
a população sempre será cordeirinha, manipulada, enganada. Ora bolas, pense bem: os
jovens não sabiam o que estava acontecendo? A população não tinha consciência dos
fatos? Não precisavam de ninguém para sair na rua e exigir as mudanças no país! Por
trás da aparente crítica, essa idéia de que o povo foi joguete dos políticos e meios de
comunicação não passa de uma repetição sutil do velho desprezo que as elites sentem
pelo povo, a antiga crença safada de que o povo não passa de um gado incapaz de agir
por conta própria. Mentira! As pessoas que foram para a rua, dos meninos das escolas
aos aposentados, sabiam exatamente o que estavam fazendo, sabiam que aquilo era
uma excelente pressão sobre o Congresso.
Claro que tinha muito político que estava em cima do muro. Mas eles pensaram:
“Se eu votar a favor de Collor, o que será de mim nas próximas eleições?” Maravilhas da
democracia: a pressão do povo realmente pode mudar as coisas!
A luta da população não era um simples protesto moralista que afirma que a
corrupção é o grande mal. Era bem mais do que isso. Ela tinha uma idéia, que talvez
fosse difusa e pouco consciente, mas muito rica: a de que se deve construir uma nova
ética. Em vez da ética do golpe de caratê, do “cada um por si mesmo” e do “ao poder tudo
é permitido”, a ética construída pela vontade e pela consciência popular.
Parlamentarismo ou presidencialismo?
Cai o Pano
Itamar Franco
Ele é o mineiro que nasceu no mar: Itamar Franco veio à luz num navio, quando
sua mãe viajava de Salvador para o Rio de Janeiro. Tal como o pai, formou-se em
engenharia. Mas na faculdade (Juiz de Fora, MG) já se envolvia com o movimento
estudantil. Nos anos 60 foi político do PTB, Durante o regime militar, esteve no MDB,
quando foi eleito prefeito de Juiz Fora e senador.
Itamar Franco era conhecido como político honesto. Por isso Collor o tinha
convidado para ser o vice da chapa do PRN. Pela segunda vez na vida, ele entrava de
gaiato no navio. Agora, com a saída de Collor, Itamar, o vice, assumia a presidência do
Brasil.
Itamar Franco tinha hábitos bem mais austeros do que Collor. Não aparecia
pilotando jet-ski ou motos japonesas de última geração. Os aviões supersônicos que ele
gostava de pilotar eram as belas meninas que, de vez em quando, apareciam nos
noticiários com o título de “a nova namorada do presidente”. (Itamar era descasado, e,
portanto, dono do próprio nariz, se é que vocês me entendem.)
Partidos...
Entre seus principais caciques, PauIo Maluf (SP) e Espiridião Amim (SC).
Social-democracia foi uma palavra que ficou pouco tempo na moda aqui no Brasil,
logo suplantada pelo neoliberalismo. Em princípio, os social-democratas do PSDB
defendem uma economia modernizada mas que dê atenção especial para as questões
sociais. Ou seja, o PSDB proclama-se um partido de centro esquerda. Na prática “evoluiu”
de um partido de indecisos, de gente “em cima do muro” para mais um partido de direita
que se recusa terminantemente a assumir-se como tal...
Justiça seja feita, na CPI contra Collor os tucanos, acompanhando os deputados
do PT deram bonitas bicadas bicadas no governo.
O Plano Real
Mas o PSDB tinha algumas cartas na manga. A principal era o fato de ter um
governo nas mãos: Fernando Henrique Cardoso (FHC) era o ministro no comando da
economia. O PSDB possui muitos intelectuais, o próprio FHC foi um dos mais importantes
sociólogos burgueses do Brasil, professor da USP e de diversas universidades
estrangeiras. O PSDB também tinha fama de políticos honestos e modernizadores, como
Mário Covas (SP), por exemplo. No Ceará, dois governadores tucanos (Tasso Jereissati e
Ciro Gomes) tinham realizado obras sociais elogiadas por alguns setores (principalmente,
os ligados ao PSDB...). No mínimo, eram bem diferentes dos velhos políticos oligárquicos.
A principal medida do plano foi criar uma nova moeda, o real. Só que esse real
passava a valer um pouquinho mais do que o dólar americano! Coisa esquisita, o dinheiro
do Brasil valendo mais do que o dos EUA. Enfim, isso teve vários efeitos. O primeiro é
que as importações ficavam muito mais fáceis. Afinal, o Brasil comprava com uma moeda
valiosíssima. Facilitando as importações, as empresas puderam reduzir os custos da
compra de máquinas e matérias-primas. Além disso, os produtos importados passaram a
chegar bem baratos, provocando a queda dos preços dos similares nacionais. O principal,
porém, estava no fato de que o truque para segurar a inflação era encontrar um ponto em
comum. Como chegar a um acordo se cada empresário, cada sindicato, queria botar os
preços e salários num nível? O ponto de acordo foi encontrado: o dólar, que todos
reconhecem como uma moeda forte e estável. Pronto, o dólar seria a âncora, a referência
absoluta para todos os preços.
É bem verdade que a velha conhecida, a Rede Globo, voltava a dar força total
para o seu candidato, no caso, o tucano.
Para consolidar sua candidatura, FHC montou uma aliança com o maior partido
do país, o conservador PFL, herdeiro do velho PDS. Pronto, estava garantido o apoio do
Congresso ao Plano Real.
Acontece que o governo tinha de conter gastos públicos e parar de emitir papel-
moeda. Também queria conter o consumo, para que a demanda (procura) baixa
mantivesse os preços em baixo. Para isso, botou as taxas de juros lá em cima
(recolhendo para o Banco Central parte do dinheiro dos bancos tornava mais escassa a
moeda).
Há muitos anos que a ciranda inflacionária enchia os bolsos dos banqueiros. Mas
a diminuição brusca da inflação pegou alguns bancos de surpresa. Ameaçados de
falência, receberam ajudas do governo federal que chegavam a bilhões de dólares. A
população então se perguntava: que governo é esse que gasta fortunas para salvar quem
já tem fortunas? A liquidação do Banco Econômico, por exemplo, envolveu muita gente
poderosa, inclusive o senador baiano Antônio Carlos Magalhães (PFLBA), uma das
figuras mais poderosas do governo.
A questão da terra. Desde a colonização, quase todas as terras estão nas mãos
de uma minoria de latifundiários. Latifúndio-monocultor e escravista, foi assim que
nascemos, lembra? A República Velha também era república dos latifundiários. Getúlio
Vargas, Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros jamais fizeram algo pela reforma agrária.
Assim, a história do Brasil também é a história da luta dos que trabalham na terra:
Cabanagem, Balaiada, quilombos, Canudos, Contestado, as Ligas Camponesas, a
guerrilha do Araguaia. Também é a história da reação: um dos principais motivos para o
golpe de 64 foi impedir a tentativa do presidente Jango de realizar a reforma agrária.
Hoje, existem milhões de famílias de sem-terra, isto é, gente que mora no campo
e que vive na miséria porque não possui nenhum pedacinho de chão para cultivar.
Sobrevivem como bóias-frias, ou seja, empregados temporariamente (na época da
semeadura e, meses depois, na época da colheita). O que eles querem? A reforma
agrária, isto é, que o governo tome as terras improdutivas (as partes que nunca são
utilizadas) dos latifundiários e as distribuam gratuitamente para os sem-terra. Desde
Sarney até FHC que os presidentes têm prometido reforma agrária mas pouco fizeram.
O Movimento dos Sem-Terra, organizado no Brasil inteiro (com apoio dos partidos
de esquerda), começou a utilizar uma tática de luta: invasão de terras. De modo bem
planejado, de repente centenas de famílias pulam a cerca e ocupam um pedaço de uma
fazenda, exigindo a reforma agrária imediata, ali mesmo. Algumas vezes, o governo até
desapropria terras e cede para os camponeses. Mas o grande objetivo das invasões é
chamar a atenção do país para o problema.
Pois bem, e como diminuir essas escandalosas diferenças sociais? Como ficar
menos distante da igualdade social? Existem várias propostas. Os políticos de direita
alegam que só depois que a economia se modernizar e crescer é que poderá haver uma
divisão dos frutos. A esquerda acredita que a economia só poderá se modernizar se os
frutos atuais começarem a ser divididos agora mesmo. De qualquer modo, distribuir renda
significa tirar de quem tem e transferir para quem não tem, ou seja, tornar o rico menos
rico para que o pobre fique menos pobre. Mas será que os ricos aceitariam? Será que os
pobres estariam dispostos a lutar por isso?
Vimos que a fome no Brasil tem razões históricas. Desde a colonização que a
agricultura estava dominada pelos latifundiários. O interesse deles era exportar o mais
que pudessem (açúcar, algodão, cacau, café etc.), sem dar atenção ao cultivo de
alimentos. Portugal, por exemplo, fez várias leis obrigando os senhores de engenho a
plantar mandioca porque volta e meia havia uma crise de abastecimento na colônia. Uma
das causas da Conjuração Baiana (1798) foi a melhora dos preços mundiais do açúcar,
que fez com que os latifundiários plantassem cana onde antes havia produção de
mandioca, feijão, milho e legumes. Na República Velha, os operários viviam reclamando
da carestia.
Hoje, quando a criança pobre consegue entrar na escola pública (não há vagas
para todas), sofre com a falta de material, a ausência de professores e de estímulos. Na
maioria das vezes, ela é obrigada a largar logo os estudos porque precisa trabalhar na rua
para sobreviver.
Reforma do Estado – No Brasil, o governo tem feito muito pouco pelo bem
público. A impressão é que o Estado sempre foi privatizado, ou seja, só existiu para
atender aos interesses particulares de alguns grupos privilegiados e não de toda a
população.
O Estado brasileiro precisa de reformas urgentes para que se torne mais ágil,
mais dinâmico, mais moderno, capaz de atender melhor as pessoas. Não tem cabimento
que hospitais públicos caiam aos pedaços, que escolas não tenham aulas, que os
aposentados recebam tão pouco, que um simples documento leve semanas para ser
expedido.
Fiscalizar para evitar a corrupção, ficar de olho para que o governo faça gastos
realmente importantes para a população não é suficiente. Porque falta dinheiro mesmo. E
como conseguir? Os partidos de esquerda propõem o aumento de cobrança dos impostos
sobre os mais ricos. Os partidos neoliberais acham que há impostos demais e gente
pagando de menos, ou seja, as empresas estariam sufocadas e muito espertalhão estaria
sonegando. É possível que cada lado tenha um pouco de razão.
Muitas pessoas argumentam que o governo não tem dinheiro para investir em
energia elétrica, telefones, estradas, hidrelétricas, fabricação de aço. Por isso, o ideal é
privatizar as empresas estatais que se dedicam a tais atividades. Desde Collor até FHC o
governo vem seguindo a linha de privatizações. Fernando Henrique Cardoso chegou a
privatizar a maior empresa mineradora do mundo, a Cia. Vale do Rio Doce. Os neoliberais
acreditam que as novas empresas privatizadas vão pagar impostos bem maiores ao
mesmo tempo em que o governo já não precisa mais investir nelas. Portanto, sobraria
mais dinheiro para investir no bem estar social.
Foi por acaso que o professor FHC, reputado até então como esquerdista e à
ocasião na chefia do Itamaraty, estudava uma candidatura a deputado no ano seguinte,
foi nomeado Ministro da Fazenda. Pouco versado nos temas da pasta, começou sua
gestão com a cantilena até hoje repetida por seus sucessores: não se afastaria do que os
economistas chamam de políticas ortodoxas, ou seja, combateria a inflação com as
recomendações da cartilha tradicional – juros altos e controle dos gastos públicos. O
mesmo que se implantou, à mesma época, na Argentina, no México e numa série de
outros países que já se afastaram deste encaminhamento externo danoso à vida nacional.
Ficou claro que somente apelando para a implementação no Brasil deste plano
tecnicamente engendrado nas vísceras do capitalismo estadunidense se poderiam
garantir os grandes lucros de especuladores nacionais e internacionais, mantendo
incólume o capitalismo brasileiro, desde que se abstraíssem as questões políticas. Esta
derrota da política é a principal característica do Consenso de Washington no Brasil:
dentro da mais rigorosa ortodoxia econômica, o presidente do Banco Central dita as
normas que serão seguidas até pela Presidência da República, invertendo a hierarquia
política nacional. Combate a todos os gastos públicos, ou seja, o BACEN se recusando a
alocar recursos para atividades políticas como investimentos em saúde, educação ou
segurança pública, sob um discurso absolutamente privativista. A grande conquista seria
a paridade da moeda nacional ao dólar estadunidense, o que se manteve no Brasil
artificialmente anos a fio. Completando o círculo de ferro, taxas de juros na estratosfera,
com vistas a garantir “investimentos” externos com a atratividade do lucro fácil sem a
necessidade de investimento em setores necessários ao social no Brasil. Toda a atividade
social ou cultural ficou relegada à rubrica “esmola” ou sujeita aos fluidos da iniciativa
privada, que o poder público, sem dinheiro para tanto que o capital brasileiro foi todo para
garantir o “bom nome” do Brasil lá fora, à revelia do bem-estar de nossa gente...
Tais foram os epítetos dados pelos estudiosos aos últimos anos e há um esboço
de como ficarão conhecidos os novos tempos. Com tais epítetos sabe-se que a nação
passa por um período dificílimo de crise aparentemente interminável até porque os
governantes, antes de buscar soluções, impuseram-se como gigantescos obstáculos.
A cúpula do PT escolheu seguir para a direita, tal como o PSDB o fizera quando
no governo, sem qualquer consulta às bases eleitorais a este respeito, como acontece na
Europa. No caso petista, dada a tradição de ouvir as bases e ainda ter uma militância
aguerrida além de importantes lideranças comunistas, este fato tem sido gravíssimo e
provocado os maiores escândalos. Quem ainda tenta encaminhar o processo político de
maneira política é relegado a segundo plano ou mesmo expulso do partido, sob a
acusação infamante de “coerência”. No PT é proibido hoje ser coerente a seu passado
histórico. Se outrora se pregava a cessação do pagamento da dívida externa, o fim do
monetarismo no encaminhamento econômico, o fim da cobrança de juros altos e do
desemprego, a volta das considerações sociais ao centro das atenções, frustramo-nos
todos ao sermos traídos pela cúpula do partido que optou por agudizar o
encaminhamento monetarista dando autonomia ao Banco Central que, na prática, decide
como o dinheiro em circulação no Brasil deve ser “tecnicamente” empregado. Não há
mais decisão política a este respeito a não ser como um teatrinho voltado a engambelar o
povo.
Há a elaboração de cartilhas, com dinheiro público por sinal, o que está sendo
questionado, tentando provar que você e eu, leitor, assim como nove em cada dez
brasileiros estamos errados em nossa percepção da realidade. Que não é verdadeira a
nossa percepção de que há mais assaltos hoje do que há dez anos, que há mais
desemprego hoje do que há dez anos, que o governo Lula é uma continuação piorada do
governo FHC. Verdadeira é a cartilha do Duda Goebbels Mendonça que, por vias
tortuosas, “prova” que o contrário da realidade é que constitui a “verdade” governamental.
Até quando a militância petista, traída pela cúpula do partido, se deixará enganar
pela propaganda governamental? Quanto tempo ainda demorará até que perceba que
estamos vivendo a pior ditadura do mundo, a ditadura fria do Capital? Até quando aferirá
a prática dos homens públicos somente pelo discurso e não pela prática? Até quando
suportará ser tutelada pela cúpula partidária e aceitará candidamente ser tratada como
uma criança oligofrênica?
Lula quer fazer acreditar que seu governo é um bem e não um mal, que de fato é,
para nosso país!
Nossos impostos jamais haviam sido tão escorchantes. Pagamos ao governo Lula
40% - 2/5 dos infernos, o dobro do que o Visconde de Barbacena cobrava ao exigir o
“quinto” – e o dinheiro não é empregado nas necessidades básicas de nosso país, vai
para o enriquecimento de banqueiros, para o suborno de parlamentares, para cobrir suas
despesas pessoais e prestar sinecuras a amigos e parentes.
Collor de Mello seqüestrou a poupança dos Brasileiros. Lula seqüestrou a
Esperança transformando-a em agonia, desespero, desamparo e medo.
A formação da quadrilha
Aqui está uma expressão que virou moda, muito desagradável mas cabe
perfeitamente neste contexto: “nuncaantesnestepaíz” um dirigente obteve tamanha
popularidade governando para os banqueiros, contra o povo do Brasil e obteve tamanho
sucesso em fazer acreditar justamente no oposto. Aqueles que foram deixados em
situação de penúria PRECISAMENTE pelo tipo de governo que exerceu no primeiro
mandato, agora abrem mão de lutar por emprego, salário e dignidade. Consolam-se com
a bolsa-esmola que o governo concede aos desesperados com a aquiescência dos
bancos...
2. Organizando o crime
É ainda o marionete dos banqueiros que ocupa o Planalto aquele que nomeia os
juízes apontados como “confiáveis” pela escória que realmente domina a Nação.
Assim, tanto as leis quanto a sua interpretação está completamente sob controle
dos bancos e seus representantes, ou seja, mais lucros para os biliardários e mais perdas
para os geradores da riqueza, aqueles que trabalham e estão banidos da insignificante
proteção legal com que contavam.
Dizia meu falecido pai que quem paga diz como o assalariado deve proceder. O
aparelho judiciário brasileiro conta com uma fonte independente de arrecadação de
impostos? O legislativo a tem? Em que poder se concentra a arrecadação de impostos e
portanto é o único a ter recursos? O Executivo. O Executivo paga o Judiciário e o
Legislativo que, claro, segue suas ordens que, aliás, vêm das instâncias econômicas
superiores, aquelas que verdadeiramente governam estepaíz.
Esta é a mesma versão, elaborada pela mesma pessoa, de “deixar crescer o bolo
para depois dividi-lo”. Era o discurso do Ministro do Planejamento do General Geisel e
hoje presidente do BNDE, Antônio Delfim Netto.
O mundo muda, a propaganda se torna cada vez mais sofisticada e hoje, embora
paguemos mais de 40% (mais de dois “quintos dos infernos”) de tudo quanto produzimos
em impostos que em nada beneficiam os brasileiros não há revolta. Há concordância,
conformismo e a revolta, rara, quando ocorre, destina-se precisamente a quem denuncia
o mal, não quem o pratica! De vez em quando eu mesmo sou vítima desse tipo de
“revolta”...
Mas... E a enorme quantidade de impostos que pagamos, para onde vai, afinal?
Não é casual que todo o presidente do BACEN seja escolhido entre e pelos
representantes dos bancos e do grande capital especulativo. Ontem era o estafeta do
George Soros, Armínio Fraga. Hoje é o gângster Henrique Meirelles, funcionário de
carreira do Bank of Boston. Este mesmo, se chegar a ser substituído o será por outro
representante dos mesmos interesses. A pantomima de se propalar que o marionete que
ocupa o Planalto ser aquele quem “escolhe” ou “nomeia” o presidente do BACEN é mera
propaganda; não ultrapassa o nível do discurso.
Não se conhecem dados acerca das sobras de todos estes recursos expendidos
desta maneira excêntrica, somente se sabem que não se destinam – seja por proibição
taxativa da facção do BACEN, seja por incompetência pura e simples – à melhoria das
condições existenciais de nossa gente.
O mais incrível ainda é a situação dos policiais civis e militares em geral, com
salários congelados há mais de 15 anos – houve uma intensa propaganda de um
“aumento” de 1% que jamais aconteceu, só isso. Como defensores principais do status
quo implementado pelos bancos e toda a escória similar que nos governa de fato, resulta
inacreditável a situação em que se encontram. Quando saem fardados – o que vem se
tornando cada vez mais raro, uma vez o crime, a exemplo do que vem de cima, se
espalhar por toda a sociedade – utilizam vestes rotas e seu armamento é visivelmente
obsoleto. A redução do horário de trabalho dos militares em 50% para compensar as
perdas salariais sucessivas leva-os à economia informal e não é raro vermos colegas de
fardas com problemas diante da lei. A mesma que os jogou nesta situação, aliás...
5. O crime desorganizado
Quando faltam recursos para a educação do jovem, quando lhes são tiradas
quaisquer perspectivas de uma vida digna e honrada, estimula-se o crime desorganizado.
Já vivemos tempos em que ansiávamos para a futura geração uma vida melhor que a
nossa. Hoje, a única certeza que podemos dar a nossos filhos é que jamais terão o
mesmo padrão de vida que temos. Os de classe média caem cada vez mais de padrão
existencial e os pobres são arremessados nas mãos dos criminosos desorganizados.
Introdução
A Era Lula tem entre suas características mais marcantes a forma peculiarmente
excêntrica como lida com o dinheiro público e como trata os fatos.
Sempre que há algo de elogiável acontecendo no país, por mais que nada tenha
a ver com o governo, a propaganda desinforma afirmando que “neste governo se fez...”
Por outro lado, quando é pilhada em ilícitos criminais, a cúpula palaciana lidera a
propaganda desinformando: “é algo que herdamos do governo passado...” Assim, a
quadrilha formada pelo PT para tomar o Estado Nacional e permanecer em postos de
comando indefinidamente “era coisa dos tucanos”; a paralisia provocada na economia
pelas altas taxas de juros e impostos extorsivos. Queda na produtividade e na circulação
econômica corresponde a queda no consumo de energia. Isto aparece na propaganda
como “chegada à plenitude energética...”, estradas em péssimo estado de conservação
são parte da herança maldita (meia verdade: são sim, mas o governo Lula nada fez para
reverter este quadro, agudizando-o cruelmente).
Março de 2003
Nomeado o deputado federal Henrique Meirelles, eleito pelo PSDB de Goiás, para
a presidência do Banco Central sob aplauso de todos os especuladores internacionais e
protesto dos trabalhadores brasileiros.
***
Março de 2003
***
Março de 2003
Lula informava em sua campanha ser o único capaz de promover uma amplo
“pacto social” e levar a cabo “as reformas necessárias”. Ao início do governo encaminha
reformas econômicas à direita da Ditadura Militar, num governo mais mentiroso que o de
Collor de Mello e mais entreguista que o de Fernando Henrique, justamente porque, pela
sua trajetória política, ninguém em sã consciência, jamais imaginou que ele o fizesse.
***
Novembro de 2003
Foram filas imensas, gente passando mal, um desrespeito com quem trabalhou
para construir este país. Um dos primeiros e mais rumorosos de uma série de escândalos
envolvendo malversação de recursos públicos, incúria administrativa, incompetência
política e corrupção dos mais diversos tipos.
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Janeiro de 2004
***
Maio de 2004
***
Junho de 2004
Desemprego zero para a companheirada
***
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Junho de 2004
Parlamentares petistas votam o menor salário em pauta e saem para festejar sua
vitória contra os trabalhadores brasileiros
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Julho de 2004
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Dezembro de 2004
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Janeiro de 2005
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Março de 2005
Mais uma vez atraiçoando a confiança do povo e renegando todo o seu passado
histórico de lutas heróicas contra as ingerências estrangeiras nos nossos assuntos
internos, discursando numa direção e agindo em outra, o governo petista anuncia que não
renovará o acordo com o FMI, mas manterá a mesmíssima política econômica, ou seja,
seguirá com superávit primário acima daquele que o organismo internacional determina,
manterá elevadas taxas de juros e, consequentemente o arrocho tributário necessário a
desviar recursos da produção para remunerar o capital especulativo.
Novembro de 2005
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Novembro de 2005
Vivendo de sobras
Nem foi ato falho, foi transparência e sinceridade: o Ministro Antônio Palocci disse
com todas as letras que o ideal era ter um superávit primário menor (o dinheiro de nossos
impostos que é reservado para remeter à ciranda financeira que, com juros elevados,
promove o crescimento de nossa dívida) para que “sobrasse” mais dinheiro para infra-
estrutura, educação, saúde, segurança...
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Dezembro de 2005
Por 293 votos a 192, em decisão histórica, o plenário da Câmara decidiu aprovar
a recomendação do Conselho de Ética, cassando o mandato de José Dirceu e lhe
retirando os direitos políticos por oito anos. O agora ex-deputado só poderá ser candidato
a cargo público na eleição de 2016, quando estiver com 70 anos de idade.
***
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Lázaro Curvêlo Chaves – 21/09/2006
Fevereiro de 2005
***
***
Julho de 2005
Num castelo em Paris, o novo rico Presidente Lula da Silva declara a uma
jornalista contratada especificamente para “entrevistá-lo” que, ao contrário de todas as
provas e evidências apresentadas, não houve a prática de suborno a parlamentares.
Confrontado aos rios de dinheiro em espécie circulando do PT para outros partidos como
fruto de uma lavagem de dinheiro oriundo do Palácio do Planalto mesmo Lula da Silva,
que se demonstrou exageradamente econômico no uso da verdade, para dizer pouco,
orientado pelo brilhante advogado criminalista Márcio Thomaz Bastos, declara que o que
houve foi a prática de “Caixa 2”. Um crime considerado “menor” e já prescrito. Em sintonia
com o chefe, Delúbio Soares, tesoureiro e homem de confiança de Lula da Silva, declara
que toda a movimentação de dinheiro do PT para parlamentares da base de sustentação
do governo no Congresso até o momento da instalação da CPI foi meramente fruto de
caixa 2 ou, como preferia declarar: “recursos não contabilizados”. O fato de rios de
dinheiro serem transferidos precisamente quando ocorriam votações relevantes para o
governo no Congresso foi, segundo Lula e Delúbio, “mera coincidência”.
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Fevereiro de 2006
***
Setembro de 2006