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Belém
2008
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
NÚCLEO DE ALTOS ESTUDOS AMAZÔNICOS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃ LATO SENSU_ FIPAM XXII
CIDADES NA AMAZÔNIA: HISTÓRIA AMBIENTE E CULTURA
Belém
2008
2
Couto, Aiala Colares de Oliveira.
Aia
A Geografia do crime na metrópole: da economia do
narcotráfico à territorialização perversa em uma área de baixada la
de Belém / Aiala Colares de Oliveira Couto; orientador Durbens
Nascimento. – 2008. Col
110 f.: il; 30 cm. are
Inclui bibliografias s
de
Monografia (Especialização) – Universidade Federal do Pará,
Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Programa de Pós-Graduação O.
em Desenvolvimento de Áreas da Amazônia. Belém, 20008.
Co
3
A GEOGRAFIA DO CRIME NA METRÓPOLE:
da economia do narcotráfico à territorialização perversa em uma área de
baixada de Belém
Banca examinadora:
______________________________________
Prof.º Dr.º DURBENS NASCIMENTO
Orientador
_______________________________________
Prof.ª Dr.ª NÍRVIA RAVENA
1° examinador (interno)
_______________________________________
Prof.ª Dr. º CARLOS ALEXANDRE LEÃO BORDALO
2° examinador (externo)
Conceito: ______________________________
DEDICATÓRIA
4
Aos meus pais Dilma Colares Couto e
Raimundo de Oliveira Couto (in memoriam),
aos meus irmãos e à minha filha Ailana
Talissa.
5
AGRADECIMENTOS
Aos meus familiares e aos amigos que sempre estiveram presentes na minha
vida e nos momentos de reflexão.
Enfim, aos meus amigos Marcondes, Jorge França, Adilson, Odimar e Fernando
Moraes por todo o companheirismo nos momentos de dificuldades e claro a todas as
pessoas que contribuíram diretamente e indiretamente para que esta pesquisa se
concluísse.
6
EPÍGRAFE
7
RESUMO
8
ABSTRACT
The rapid urban growth has brought large Brazilian cities of social and economic
problems for the country. The urban question today is called as the problem related to
the city is one of the biggest challenges faced by current public policies of urban
planning. Therefore, to understand the urban question we must first of all identify what
in fact the city needs, because the advancement of the so-called "city illegal", ie the
occupation volunteers in areas of slums and suburbs of large cities today represent not
only a critical point of housing, but also the locus of reproduction of crime, including
drug trafficking. In this context, the city of Bethlehem in the eastern Amazon faces the
advancement indiscriminate trafficking of drugs that is manifested in their areas of
downloaded reproducing the violence and whether signing as a territorial configuration
that arises according to a disorganization of the city peripheral space. Thus, Bethlehem
coexists with a segregated area that is becoming increasingly controlled by crime,
because where the State acts so precarious, the crime is presented as an opportunity,
then understand why the neighborhood of Lands is now considered the most violent
and more controlled the trafficking of drugs, which in some ways is helped by the myths
built on the place by the media and the society itself that is no longer influenced by the
lack of knowledge of the true reality of the neighborhood. Thus the territoriality of
trafficking of drugs is required working in partnership with other crimes from those
areas of the district most precarious urban infrastructure or the areas most
discriminated against and thereby establishing laws and codes decifrados only by
social actors involved in the scheme of crime obtaining substantial profits and imposing
strategies of political domination on society.
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
10
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 12
1.1 ÁREA DE ESTUDO 14
2PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 16
REFERÊNCIAS 105
11
1INTRODUÇÃO
12
uma forma de garantir tanto o controle político–econômico quanto o simbólico–cultural
do território. Nesse caso, o poder e a violência estão presentes.
Neste contexto, para melhor compreender a referida problemática, a pesquisa
procurou responder às seguintes questões:
De que forma se caracteriza a territorialidade do tráfico de drogas no bairro da
Terra Firme?
Quem são os atores envolvidos na economia do narcotráfico no bairro da Terra
Firme?
Quais as estratégias desses atores para manter o controle dos territórios do
tráfico?
O objetivo principal da pesquisa foi relacionar os problemas urbanos da
metrópole de Belém com delimitação de territórios do narcotráfico no bairro da Terra
Firme, visualizando espacialização dessa atividade. Buscou-se também analisar a
dinâmica econômica do tráfico de drogas no bairro da Terra-Firme; Identificar os atores
envolvidos na economia do narcotráfico no bairro; Identificar as estratégias utilizadas
por estes atores para o controle político-econômico e simbólico-cultural do território,
propondo um mapeamento do tráfico de drogas no bairro para interpretar a distribuição
espacial que este fenômeno apresenta.
A escolha da área de estudo justifica-se pela atenção especial que a mídia
vem dando, nos últimos anos, à questão da violência urbana e do tráfico de drogas em
Belém, destacando o bairro da Terra Firme como principal nó de ligação da droga com
o resto da metrópole, daí a relevância da pesquisa para a academia, sobretudo pelo
fato de que o objeto desta ainda é pouco estudado e muitas vezes negligenciado por
cientistas sociais que estudam o urbano na região amazônica.
A contribuição apresentada pela pesquisa está no sentido da descoberta dos
principais fatores que contribuem para a espacialização da criminalidade no bairro e
para a expansão do tráfico de drogas. São apresentados aqui, elementos catalogados
nas entrevistas e nas observações sistemáticas realizados em campo e, portanto
buscou-se chegar às verdadeiras raízes da criminalidade violenta que vem dando
destaque para que a Terra Firme seja um bairro violento e dominado pelo tráfico.
13
Contudo, este trabalho está dividido em três partes, sendo que na primeira é
feita uma análise teórica acerca da dinâmica urbana brasileira, sempre se buscando
destacar as questões relacionadas à segregação socioespacial, pobreza urbana,
periferização e favelização, fazendo uma relação com a questão do tráfico de drogas
nas metrópoles. Num segundo momento é levantada uma construção histórica das
áreas de estudo, demonstrando os principais problemas que o bairro da Terra Firme
enfrenta que devem ser entendidos como características de um bairro que surge de
ocupações espontâneas, com tipologia favelada de bairro popular. E, finalmente, uma
reflexão sobre a dinâmica econômica do tráfico de drogas na Terra Firme, seus atores
sociais e sua territorialização perversa, sendo destacados alguns aspectos que
influenciam a criminalidade no bairro.
14
Mapa 1 – Localização geográfica do bairro da Terra Firme
Fonte: Couto\adaptado\SIGEP (2008).
15
2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Pesquisa bibliográfica
Análise documental
Trabalho de campo
16
Convite aos sujeitos que participaram da pesquisa
17
Esses procedimentos destacados foram importantes, pois a partir deles pude
ter uma dimensão maior do fenômeno do narcotráfico no bairro, assim como percebi
que até mesmo eu, como pesquisador e morador do bairro, estava sob a influência de
sua “territorialização perversa”. A escolha das pessoas entrevistadas está diretamente
relacionada com as estratégias de dominação do território dos grupos ligados ao
tráfico de drogas ou quadrilhas de assaltantes. Nesse sentido, foram entrevistadas 38
pessoas residentes do bairro entre as que já sofreram algum tipo de violência ou não e
as envolvidas no circuito da criminalidade, entretanto resolvi destacar apenas 12
entrevistas visto que as outras que não aparecem aqui se aproximam das que estão
em destaque na pesquisa.
Para tanto, achei melhor aproximar-me daquelas pessoas com as quais eu
mantinha mais contatos para passar, em primeiro lugar, mais confiança e segurança
tanto para mim, quanto para elas e a partir daí, apresentar o objetivo da pesquisa.
Como morador do bairro da Terra Firme, não tive tantas dificuldades em coletar
informações, por isso achei importante levar em consideração as falas das pessoas
que estão mais envolvidas na atividade criminosa e que reproduzem (ou reproduziram)
essa lógica da “territorialização perversa”.
A título de pesquisa científica e com a finalidade de chegar às conclusões
precisas que são levantadas pelas hipóteses, procurei cruzar as informações para
saber até que ponto as entrevistas apontavam para uma mesma resposta, de forma a
garantir que de fato eram verdadeiras e ajudavam a compreender melhor a
organização do narcotráfico na cidade e no bairro.
Para o sucesso da pesquisa, comprometi-me em não divulgar os nomes dos
entrevistados. Como se trata de uma atividade ilegal, a divulgação poderia levar a uma
investigação policial. Além disso, como pesquisador da temática, eu estou ciente dos
riscos que corro ao aprofundar o conhecimento acadêmico sobre a referida temática,
entretanto, também reconheço a importância de se pesquisar um assunto que já faz
parte da problemática urbana na qual a metrópole de Belém está inserida.
18
3 A DINÂMICA URBANA BRASILEIRA
Durante muito tempo, a economia brasileira estava centrada nas mãos das
oligarquias agrárias que detinham poder econômico e político do país e faziam de tudo
para retardar o avanço da indústria no Brasil. Nesse momento, assistíamos a uma
grande concentração de terras, espoliação do trabalhador rural, trabalho semi-escravo
e uma grande quantidade de trabalhadores rurais sem terra, além de uma economia
nacional pouco articulada, onde as regiões eram isoladas uma das outras, mantendo
mais ligações com o exterior do que entre si, controladas pelas elites locais.
A economia brasileira tinha como sustentáculo a produção cafeeira sob o
comando dos barões do café de São Paulo que nesse momento detinham de toda
infra-estrutura básica para a exportação desse produto que representava a base
econômica do país e por isso tinha toda a garantia do Estado, que incentivava sua
produção. Contudo, de outro lado tínhamos a burguesia urbano-industrial que há muito
tempo queria romper com o esse antigo modelo econômico e impulsionar, a qualquer
custo, o processo de industrialização brasileira.
Com a crise de 1929, que abalou a economia capitalista mundial (inclusive o
café), cria-se uma margem para que a elite urbano-industrial ganhasse força para o
avanço da indústria no país. Nesse sentido, Getulio Vargas rompe com o antigo
modelo econômico e passa a incentivar a indústria, baseada no modelo do nacional-
desenvolvimentismo.
As Cidades Brasileiras da década de 40 passaram a ser vistas como a
possibilidade de avanço econômico e da modernidade em relação ao campo, que
representava o Brasil arcaico e atrasado do antigo modelo econômico. Durante o
governo de Juscelino Kubtsheck, com a implantação do modelo tripé
desenvolvimentista, o Brasil tem a consolidação de sua economia nacional a partir da
integração regional ocorrida pela expansão da malha rodoviária. Porém, essas
rodovias e a consolidação do modelo urbano-industrial trouxeram grandes problemas
para as cidades brasileiras.
19
Nas palavras de Singer (1977, p.117), o crescimento acelerado das
metrópoles em países não desenvolvidos acentuou e tornou mais perceptível uma
série de desequilíbrios, principalmente entre procura e oferta de habitações e serviços
urbanos, que compõem uma problemática urbana específica.
E o resultado desse processo é o rápido crescimento da população
“marginalizada” nos grandes centros, que suscitou abundantes apreciações críticas da
urbanização nos países não desenvolvidos, onde boa parte das quais se voltam contra
o processo como tal, revelando-se, no fundo, como uma crítica anti-urbana (SINGER,
1977).
Contudo, a urbanização da sociedade brasileira tem constituído, sem dúvida,
um caminho para a modernização, mas, ao mesmo tempo, vem contrariando aqueles
que esperavam ver, nesse processo, a superação do Brasil arcaico, vinculado à
hegemonia da economia agroexportadora. O processo de urbanização recria o atraso
a partir de novas formas, como contraponto à dinâmica de modernização (MARICATO,
2000, p. 11).
De fato, a partir dos anos 90, a imagem das cidades brasileiras passa a ser
diretamente associada a vários problemas como: violência urbana, poluição,
congestionamento, prostituição, tráfico de drogas, economia informal, desigualdades
sociais e forte exclusão social. Não é verdade, pois, que a “marginalização” urbana é
um produto do desenvolvimento capitalista, pelo menos no sentido de que ela não
exista antes da economia colonial (SINGER, 1977).
A nossa industrialização acabou por incentivar um forte e acelerado processo de
urbanização que ocorreu principalmente em direção às principais metrópoles do país,
ou seja, com tendência a metropolização e com isso as metrópoles passaram a
enfrentar grandes problemas urbanos e a idéia de modernização ficou só no discurso,
pois a realidade foi totalmente diferente daquelas experimentadas pelos países
desenvolvidos. Ocorreu que, a evolução dos acontecimentos, mostrou um outro
caminho, pois ao lado do intenso crescimento econômico, surgiu um processo de
urbanização excludente com o crescimento das desigualdades sociais que resulta
numa gigantesca concentração espacial da pobreza urbana.
20
Não foi só o governo. A sociedade brasileira em peso embriagou-se, desde os
tempos da abolição e da república velha, com as idealizações sobre o
progresso e modernização. A salvação estava nas cidades, onde o futuro já
havia chegado. Então era vir para elas e desfrutar de fantasias como emprego
pleno, assistência social providenciada pelo Estado, lazer, novas
oportunidades para os filhos [...] Não aconteceu nada disso, é claro, e, ao
poucos, os sonhos viraram pesadelos (SANTOS, 1996, p.2).
21
social. Nessas décadas, conhecidas como “décadas perdidas”, a concentração da
pobreza é urbana.
A urbanização brasileira não foi acompanhada por melhores condições de
vida para a população urbana como um todo, na verdade, assistimos a uma
diferenciação do uso do solo cada vez mais acentuada, onde, de um lado, os
especuladores imobiliários e o Estado constroem a cidade do capitalismo, ou seja, a
cidade mercadoria e de outro as populações excluídas tentando inserir-se nesse
mercado imobiliário, no entanto, ocupando os morros, encostas e áreas afastadas do
centro.
Os contrastes sociais, econômicos e de poder político, característicos das
metrópoles latino-americanas, produzem uma estrutura espacial e uma dinâmica
socioespacial intra-urbana muito mais exacerbadas e, por isso, mais fáceis de serem
capitadas do que a metrópole desenvolvida (VILLAÇA, 2000, p. 47).
Nesse sentido, a cidade do capitalismo é formada por um espaço urbano
bastante heterogêneo e fragmentado em territórios urbanos, alguns ligados à cidade
mercadoria e outros ligados à síndrome do medo, da insegurança, da instabilidade, ou
seja, em razão da exclusão de grande parte da população do mercado imobiliário
formal, a “solução” para esse déficit habitacional tem sido a inclusão marginal na
cidade, prevalecendo uma lógica perversa que é produtora da maior parte dos
problemas urbanos. Quem não está inserido no mercado imobiliário formal, somente
tem acesso à moradia às margens da cidade.
A concentração da riqueza e da pobreza nas regiões metropolitanas
aprofunda conflitos e confrontos de classes, enquanto a desconcentração urbano-
industrial sobre cidades médias, e mesmo cidades pequenas vizinhas, os estende
potencialmente a toda rede urbana principal do país (MONTE-MÓR, 2000).
Trata-se de um gigantesco movimento de construção urbana necessário
para o assentamento residencial dessa população, bem como para a satisfação de
suas necessidades de trabalho, abastecimento, transporte, saúde, energia, água etc.
Ainda que o rumo tomado pelo crescimento urbano não tenha respondido
satisfatoriamente a todas essas necessidades, o território foi ocupado e foram geradas
condições para viver nesse espaço (MARICATO, 2002, p. 11).
22
Sendo assim, apenas uma parte da população é privilegiada e desfruta
simultaneamente, de maior nível de bem estar social e acumulação de riqueza, na
forma de um patrimônio de alto valor. Porém, ao mesmo tempo, uma grande parte da
população, formada por trabalhadores, é espoliada, não tendo reconhecidas suas
necessidades de consumo habitacional (moradias e serviços coletivos), essencial ao
modo de vida na cidade, onde o resultado tem sido uma urbanização excludente e
desigual ou uma urbanização sem urbanidades. Isso significa que grande parte da
população, inclusive parte daquela regularmente empregada, constrói suas próprias
casas em áreas irregulares ou simplesmente invadidas (MARICATO, 2002, p. 24).
Segundo Carlos (1994, p.34):
23
De acordo com Corrêa (1993, p.7);
24
Esses espaços representam a cidade ilegal e porque não também dizer,
cidade marginal com extrema concentração da pobreza e da marginalidade que nesse
contexto se apresenta como opção para os excluídos dos benefícios da cidade
moderna produzida pelo grande capital e assim as desigualdades surgidas no espaço
urbano de uma grande cidade, nada mais são do que expressões urbanas da
acumulação desigual da sociedade capitalista. Assim, novas formas e novos
conteúdos são formados a todo instante, onde espaços de segregação socioespacial
se apresentam na dinâmica do espaço urbano e referem-se à reprodução social do/no
espaço.
25
dos pais: essa é a formula das bombas socioecológicas. É impossível dissociar o
território das condições socioeconômicas e da violência.
A segregação socioespacial é uma das expressões mais visíveis da
exclusão social, pois dificulta o acesso com qualidade aos serviços urbanos de infra-
estrutura, já que a população segregada em grande parte utiliza um transporte urbano
precário, um serviço de saneamento básico deficiente, um precário abastecimento de
água, difícil de acesso aos serviços de educação, saúde, habitação e maior exposição
para enchentes e desmoronamentos.
Além disso, a população segregada em grande parte tem menores
oportunidades de emprego formal, de profissionalização, sofre maior exposição à
violência urbana, discriminação social ou racial. Portanto, esses elementos citados
dificultam o acesso à justiça social e cidadania plena. Em resumo, o acelerado
processo de urbanização brasileira criou em nosso espaço urbano uma forte exclusão
social característica de nossas metrópoles, exclusão social acompanhada por
desigualdades sociais.
Para Castells (1996, p.98):
26
A exclusão social é um processo, não uma condição. Desse modo, seus
limites mantêm-se sempre móveis, e os excluídos e incluídos podem se
revezar no processo ao longo do tempo, dependendo de seu grau de
escolaridade, características demográficas, preconceitos sociais, práticas
empresariais e políticas governamentais. Além disso, embora a falta de
trabalho regular como fonte de renda seja, em última análise, o principal
mecanismo em termos de exclusão social, as formas e os motivos pelos quais
indivíduos e grupos são expostos a dificuldades/impossibilidades estruturais
de prover o próprio sustento seguem trajetórias totalmente diversas, porém
todas elas correm em direção à indigência [...]. Ou ainda, simplesmente,
analfabetismo funcional, ilegalidade, falta de dinheiro para aluguel, o que
acaba transformando o indivíduo em um sem-teto, ou puro azar com um chefe
ou policial, desencadeando uma série de eventos que atira a pessoa (e,
muitas vezes, sua família) à margem da sociedade, habitada por farrapos
humanos.
27
e outros tipos de riscos. Nesses espaços, a população pobre que aí se reproduz tem
uma precária infra-estrutura de serviços urbanos e sofre com a pouca participação do
Estado, no que diz respeito à melhoria da qualidade de vida, através da resolução
desses problemas.
28
[...] é na produção das favelas, em terrenos públicos ou privados invadidos, que
os grupos sociais excluídos tornam-se efetivamente agentes modeladores,
produzindo seu próprio espaço, na maioria dos casos independente e a
despeito dos outros agentes. A produção deste espaço é, antes de mais nada,
uma forma de resistência e, ao mesmo tempo, uma estratégia de sobrevivência.
Resistência e sobrevivência às adversidades impostas aos grupos sociais
recém expulsos do campo ou provenientes de áreas urbanas submetidas às
operações de renovação, que lutam pelo direito à cidade. [...] (CORRÊA, 1983,
p. 30).
29
forma particular de apropriação e reprodução do espaço, de acordo com suas
necessidades e interesses.
O processo de expansão das favelas esteve sempre associado à questão
habitacional (a produção de moradias muito abaixo da demanda da população por este
bem) e, em geral, acusam-se os moradores das favelas de “incapacitados” a adaptar-
se à dinâmica do capitalismo. Entretanto, para o favelado, excluído do mercado formal
de trabalho há muito tempo, morar em favela representa não apenas uma questão
habitacional e sim uma alternativa de moradia dotada de característica altamente
vantajosa: está fora dos padrões institucionais e dentro das possibilidades concretas
de cada favelado (VALADARES, 1980, p. 31).
É mais comum associar a formação e expansão das favelas a fatores
socioeconômicos, porém esse processo também pode estar associado a fatores de
natureza intra-urbana. Num primeiro momento, a origem das favelas esteve associada
à desestabilização das condições de subsistência da classe trabalhadora, tanto na
cidade como no campo (NASCIMENTO; MATIAS, 2007), elementos como a
“expropriação dos pequenos proprietários rurais e da superexploração da força de
trabalho no campo, que conduz a sucessivas migrações rural-urbana e também
urbana-urbana, principalmente de pequenas e médias para as grandes cidades.”
(RODRIGUES, 1988).
O processo de empobrecimento de uma grande parte da população devido
ao modelo de acumulação adotado no Brasil, a estagnação dos salários que impede o
assalariado de morar em uma área central, onde o custo de vida é maior ou o aluguel
é mais caro, também de certa forma contribui e exerce influência direta para que as
favelas se formem e se reproduzam nas cidades.
A isso se podem somar ainda fatores mais gerais, como os efeitos recentes
das políticas ditas “neoliberais”, que desestabilizaram as relações de trabalho e
redirecionaram os gastos públicos, reduzindo os investimentos em políticas sociais
(SINGER, 1999). O efeito dessas condicionantes é uma queda generalizada na
capacidade do poder aquisitivo das famílias para adquirir ou mesmo alugar imóveis
(RODRIGUES, 1988).
30
Um outro fator de destaque para a emergência de áreas faveladas se refere
à luta pela apropriação da terra na cidade. A importância adquirida pela terra urbana
enquanto condição essencial para a realização de qualquer atividade, aliada às suas
propriedades intrínsecas (sobretudo amenidades físicas), confere a ela um
determinado preço a ser pago pelos indivíduos desprovidos do direito de propriedade
(CARLOS, 2001).
A terra urbana passa a ser palco de disputa de diversos grupos sociais para
dela fazer o melhor e/ou mais rentável uso possível. Contudo, segundo Singer (1982),
essa disputa é pautada “pelas regras do jogo capitalista, que se fundamenta na
propriedade privada do solo, a qual – por isso e só por isso – proporciona renda e, em
conseqüência, é assemelhada ao capital”.
Desse modo, algumas áreas podem ser adquiridas somente pelos grupos
sociais de maior poder aquisitivo, de modo que as pessoas que não podem pagar pela
posse da terra ou pelo aluguel de uma casa, resta uma única alternativa para a
construção de sua moradia: a “invasão” de áreas desocupadas, como é o caso das
favelas (CARLOS, 2001).
Como regra geral, as favelas são sempre construídas em áreas
desvalorizadas e rejeitadas pelo mercado imobiliário, sendo que a ocupação desses
locais para habitação acarreta vários transtornos aos moradores, comprometendo a
qualidade de vida da população que fica sujeita a contrair vários tipos de doenças em
razão das más condições sanitárias, bem como a problemas como enchentes e
escorregamento de encostas, os quais ameaçam a sua integridade física e levam a
uma precariedade da vida.
Como já mencionado, para muitas famílias pobres ocupar as favelas
significa uma possibilidade de sobrevivência e de acesso à terra urbana na cidade.
Portanto, a produção do espaço urbano nas metrópoles corresponde à forma de
apropriação e consumo da terra pelos diferentes agentes que fazem parte como diz
Soja, dessa dialética sócio-espacial. As áreas de ocupação espontâneas que
caracterizam as favelas no Brasil urbano sobrevivem em clima de instabilidade social,
dada às problemáticas relacionadas à infra-estrutura urbana e ao forte preconceito que
a sua população sofre em relação à violência urbana que se reproduz nestes espaços.
31
Reflexos de uma urbanização cheia de contradições na produção do espaço,
pois a população pobre, miserável e pouco inserida no circuito legal da economia
encontra em áreas inadequadas formas de construção de moradias para a habitação,
passando a (sobre) viver em verdadeiros amontoados de pessoas que resistem e
insistem em morar na cidade, mesmo que para isso seja preciso habitar numa área de
risco. Mas, contudo, são pessoas que sem opção no mercado imobiliário encontram
saída com essa estratégia de moradia.
É partir da formação desses aglomerados urbanos favelados que o tráfico de
drogas encontra uma área apropriada para sua territorialização, ou seja, a economia
do narcotráfico se apresenta como uma opção de inserção econômica. Configurando
sobre essa população, Haesbaert (1996) chamou de “territorialidade precária”.
Esses espaços são importantes para a expansão do crime e da violência
urbana, pois a precariedade das relações de trabalho existente perante a sociedade
permite que a população perceba uma possibilidade de lucros mais vantajosa com a
venda da droga e a reprodução dos efeitos desorganizadores da sociedade.
O tráfico de drogas cria um clima social e uma cultura que diminuem
enormemente a eficácia normativa necessária às práticas e às relações de
solidariedade, incidente especialmente nos jovens moradores dos bairros populares.
Aqueles que são recrutados e aproveitados pelos traficantes e que passam, em pouco
tempo, a adquirir massivos recursos, sejam eles armas, dinheiro ou droga para o
consumo. Nesses termos podemos falar que a pobreza urbana é benéfica para a
expansão do tráfico de drogas.
Então, a “territorialidade precária” do tráfico de drogas é um dos muitos
problemas que as metrópoles brasileiras enfrentam como contradições na produção do
espaço, pois na medida em que o indivíduo se sente excluído, ele tem grande chance
de abraçar o mundo do crime, já que ao se sentir desterritorializado, o crime apresenta
a ele uma oportunidade de se territorializar.
32
[...] no Rio de Janeiro não deve ser esquecida uma participação, ainda que
muito secundária, de conjuntos habitacionais e loteamento; já em São Paulo
os loteamentos clandestinos das áreas periféricas claramente dividem com as
favelas o papel de espaços segregados amiúde utilizados por traficantes de
drogas, sem contar os cortiços da área central obsolescente do comércio e
consumo de crack. [...]
[...] Além disso, [...] o destaque conferido pela mídia aos espaços segregados,
notadamente favelas, enquanto lócus do tráfico de varejo deixa na sombra os
varejistas não-baseados em favelas e outros espaços residenciais pobres;
usuários-revendedores e traficantes trabalhando com a distribuição de varejo
operam a partir dos mais diferentes pontos da “cidade legal”, como
restaurantes, boates, instituições de ensino, apartamentos de classe média.
No entanto, as favelas são, dentre todos os espaços segregados, os palcos
preferenciais da territorialização protagonizada por traficantes de varejo,
inexistente em bairros de classe média (SOUZA, 2005, p. 94-193).
33
Neste estudo, a categoria território é nosso foco de análise principal, pois
dentro do espaço intra-urbano das principais metrópoles brasileiras, temos a
configuração de vários territórios que são criados por diversos agentes que constituem
a cidade. E para tanto, é importante perceber as relações de poder que garantem
esses territórios principalmente ligados ao tráfico de drogas que constitui um fator de
grande complexidade, essencial para o entendimento da “questão urbana” em várias
cidades brasileiras.
Tem-se que o território foi amplamente discutido por diversos autores. Na
verdade, sua teorização na geografia política vem desde o final do século XIX na obra
de Friederich Ratzel. Este teórico relacionava sua análise de acordo com os interesses
do Estado, o que para Raffesttin (1993, p. 15) “isso se explica pelo próprio contexto
histórico de Ratzel. Na época, a Alemanha do século XIX estava atrelada ao contexto
Hegeliano, ou seja, Ratzel racionaliza o Estado dá ao Estado sua significação
espacial”, teoriza-o “geograficamente”. Para Machado (1992), as associações
estabelecidas entre os estudos realizados por ratzelianos e as políticas ideológicas
expansionistas, assim como a forte influência naturalista que predominava em seus
trabalhos, levaram a marginalização da temática territorial nas discussões acadêmicas
e limitaram-na à esfera das estratégias geopolíticas dos Estados maiores. Em virtude
das transformações históricas que se manifestaram, a partir dos anos 60, em que as
análises das relações de poder no espaço chamavam atenção, o conceito de território
reapareceu na geografia crítica e a partir daí surgiram análises diversas sobre o seu
conceito, não apenas ligados à ação do Estado.
Na abordagem feita por Raffestin (1993) o conceito de espaço é anterior ao de
território. Para este autor o espaço e o território não são termos equivalentes.
34
Para Raffestin (1993), o território seria um espaço construído pelo ator, que
comunica suas intenções e a realidade material por intermédio de um sistema
semântico. Destaca que do Estado ao indivíduo, passando por todas as organizações
pequenas ou grandes, encontram-se atores sintagmáticos que produzem o território. E
que toda prática espacial, mesmo embrionária, induzida por um sistema de ações ou
de comportamento, se traduz por uma “produção territorial” que em sistemas de
tessituras, de nós e de redes organizadas hierarquicamente, permite assegurar o
controle sobre aquilo que pode ser distribuído, alocado e/ou possuído, permitindo,
dessa maneira, realizar a integração e a coesão dos territórios.
No caso dos territórios urbanos construídos na cidade, a exemplo dos
territórios do tráfico de drogas, das prostitutas, do jogo do bicho etc., existem conflitos
entre facções que se rivalizam pelo propósito da ampliação do espaço de atuação, o
que leva a vários conflitos nas favelas, o que podemos chamar de “guerras urbanas”
envolvendo territórios urbanos que são configurados por agentes com interesses
convergentes ou divergentes de acordo com a possibilidade de lucro.
35
Haesbaert (1996) ao conceituar território cita que há duas tradições no
conceito, uma já ultrapassada, a que privilegia a dimensão natural/biológica, e outra,
que prioriza as relações de poder na condição política do território. Apresenta também
uma terceira vertente, que hoje é imprescindível trabalhar com o território numa
interação entre múltiplas dimensões sociais, pois, assim como Souza (1995) vê o
território como um “espaço definido e delimitado por e partir de relações de poder”.
Esclarece que a questão primordial em seu trabalho não é apresentar quais são as
características geoecológicas e os recursos naturais de certa área, o que se produz ou
quem produz em um dado espaço, ou ainda quais as ligações efetivas e de identidade
entre um grupo social e o seu espaço. Afirma que territórios existem e são construídos
(e desconstruídos) dentro de escalas temporais das mais diferentes e que podem ter
um caráter permanente, mas também podem ter uma existência periódica ou cíclica.
Segue sua análise sobre o território, recordando de que maneira o termo surge na
tradicional geografia política quando o mesmo sempre foi associado, no âmbito de um
discurso evidentemente ideológico (referencial político do Estado).
Expõe que a noção de território presente no discurso científico confundia-se
frequentemente e continua a confundir-se com uma percepção rígida. Mas dentre
várias disciplinas, a antropologia e particularmente a antropologia urbana e seus
territórios têm trazido importantes contribuições para a ampliação dos horizontes
conceituais e teóricos. Porém esta disciplina ainda tem dificuldades para alcançar uma
interpretação “estratégica” dos problemas de sociedades complexas. Aborda também
outras contribuições de autores como Guattari (1985).
Paralelamente ao enquadramento do território na perspectiva geográfica, faz
a análise da territorialidade ligada a essa perspectiva territorial da geografia. Assim,
explica que a territorialidade existente no passado estava ligada à escala do território
nacional, que era a territorialidade do Estado-Nação naturalizada.
Acrescenta-se que a outra forma de abordar a temática da territorialidade
pressupõe não propriamente um deslocamento entre as dimensões política e cultural
da sociedade, mas uma flexibilização da visão do que seja o território. Onde o território
representa um campo de força ou uma teia ou rede de relações sociais, que a par de
sua complexidade interna, define, ao mesmo tempo, um limite, uma alteridade.
36
Exemplos de territorialidades flexíveis existentes nas grandes metrópoles
modernas são os territórios da prostituição feminina ou masculina que se concentram
nas áreas de obsolescência ou “espaços deteriorados”. Demonstra o caráter cíclico
desse tipo de territorialização e cria uma identidade territorial apenas relativa, mais
funcional que efetiva, pois seus limites territoriais são instáveis (devido à mobilidade
existente).
Souza (1995) explica que não apenas o que existe, quase sempre é uma
superposição de diversos territórios com formas e limites não coincidente, como ainda
por cima, podem existir contradições entre as diversas territorialidades por conta dos
atritos e contradições existentes entre os respectivos poderes.
Souza (1995) concorda com Raffestin (1993) no sentido de que o espaço é
anterior ao território, mas critica o autor, uma vez que este “coisifica” o território, além
de que ele praticamente reduz o espaço ao espaço natural. Finaliza a primeira seção
com uma discussão sobre o significado da palavra territorialidade, que seria um tipo de
interação entre homem e espaço, a qual é, aliás, sempre uma interação entre seres
humanos mediatizada pelo espaço.
O referido autor concorda com a análise de Raffestin (1993, p.96) em que o
espaço é anterior ao território e acentua que é inconcebível que um espaço que tenha
sido alvo de valorização pelo trabalho possa deixar de estar territorializado por alguém,
assim como o poder é onipresente nas relações sociais. “O território está, outrossim,
presente em toda espacialidade social”.
Critica também o fato de ele não romper com a velha identificação do
território. Apesar de pretender desenvolver uma abordagem relacional por inteiro e
sintetiza afirmando que Raffestin “não discemiu que o território não é substrato, o
espaço social em si, mas sim um campo de forças” (SOUZA, 1995, p.97).
Souza (1995) finaliza a primeira seção com uma discussão sobre o
significado da palavra territorialidade, citando que vários autores a vêem como algo
parecido com o comportamento espaço-territorial de um grupo social, além de levar em
consideração as tendências mais recentes que apontam para um tipo de relação
material ou cognitiva homem/meio, natureza/sociedade, amplo conceito lefebreviano
37
de produção do espaço e também aquelas ligadas a noções como identidade regional
e regionalismo.
Expressa que a territorialidade seria como algo abstrato, no singular,
remeteria a algo abstrato: aquilo que faz de qualquer território um território e as
territorialidades no plural significam os tipos iguais em que podem ser classificados os
territórios conforme suas próprias dinâmicas. E conclui que ao falar de territorialidade,
refere-se a um certo tipo de interação entre homem e espaço, a qual é sempre uma
interação entre seres humanos mediatizada pelo espaço.
Já para Raffestin (1993) a “territorialidade reflete a multidimensionalidade do
vivido pelos membros de uma coletividade, pela sociedade em geral. Pode ser definida
como um conjunto de relações sociedade-espaço-tempo”. Diz que a análise da
territorialidade só é possível pela apreensão das relações reais recolocadas no seu
contexto sociohistórico e espaço-temporal.
“Entendidos como mediação entre a relação dos agentes e o espaço, os
territórios configurados no interior do espaço urbano registram ações que o controlam,
garantindo a espacialidade dos interesses de um ou vários agentes” (TRINDADE JR,
1998, p. 34). Segundo Souza (1998, p. 97):
Mais que espaços concretos, que são, na verdade substratos materiais das
territorialidades, os territórios são, antes, relações sociais projetadas no
espaço, configurando-se como espaços definidos e delimitados por relações
de poder, ou em outros termos, como relações de poder espacialmente
delimitadas que operam sobre um substrato referencial.
38
3.5 DA POBREZA PERIFÉRICA À “INTEGRAÇÃO PERVERSA” DO CRIME
A população pobre está em toda a parte nas grandes cidades. Habita cortiços
e casas de cômodos, apropria-se das zonas deterioradas e subsiste como
enclaves nos interstícios dos bairros mais ricos. Mas há um lugar onde se
concentra um espaço que lhe é próprio e onde se constitui a expressão mais
clara de seu modo de vida, é a chamada periferia. A chamada ‘periferia’ é
formada pelos bairros mais distantes, mais pobres, menos serviços por
transportes e serviços públicos (DURHAM, 1988, P. 178).
39
A noção de periferia refere-se a um lugar longe, afastado de algum ponto
central. Todavia, esse entendimento meramente geométrico não representa a
verdadeira relação entre o centro e a periferia das cidades. Neste caso, os
afastamentos não são quantificáveis apenas pelas distancias físicas que há
entre os dois, mas, sim revelados pelas condições sociais de vida que
evidenciam nítida desigualdade entre os moradores dessas regiões da cidade
(MOURA; ULTRAMARI, 1996 p. 10).
40
Portanto, as periferias e as favelas tornam-se funcionais para a atuação do
tráfico de drogas e outros tipos de criminalidade, onde se busca, de todas as formas, a
explicação para os fatores determinantes do aumento da violência urbana nas
metrópoles brasileiras. Por exemplo, da produção da droga à sua venda, os traficantes
precisam de um grande número de mão de obra para trabalhar.
Alem disso, é preciso garantir os pontos de venda da droga e lidar com os
grupos rivais devido à concorrência. Diante de um contexto social onde existe um
grande exército de reserva de desempregados ou subempregados, o tráfico age de
forma sutil e eficaz, mostrando-se como fuga para os problemas financeiros.
Velho (1996, p.18) destaca que:
41
regulação do poder público, deixando, em muitos casos, que a criminalidade
assumisse a função reguladora desses espaços, ou seja, um papel que deveria ser
assumido pelo Estado.
Além disso, essa população encontra dificuldade para se inserir no mercado
de trabalho e ascender socialmente. De acordo com IBGE (2000), a situação é ainda
pior referindo-se a população jovem, “onde a taxa de desemprego ‘de 16% na faixa
etária de 18 aos 24 anos’ chega quase ao dobro da média nacional que é de 8,9%”.
Para muitos desses jovens, a chance de sobrevivência surge na “economia do crime” o
que Castells (1996) chamou de ‘integração perversa’:
42
Portanto, valores culturais de padrões de consumo que a mídia reproduz na
sociedade são também elementos que podem ser analisados para o estudo da
violência urbana, pois os assaltos à mão armada não são realizados apenas para o
consumo de droga, mas também para poderem usufruir de bens de consumo. Não se
trata de afirmar que a pobreza leva ao mundo do crime e sim de que o crime aproveita-
se da pobreza urbana para sua atuação.
43
Entende-se por território:
44
por essa inércia, interferem nos processos sociais, realimentando aqueles que lhe
deram origem.
Em muitos estudos de geógrafos brasileiros, a dimensão territorial da
violência urbana tem sido negligenciada e, com isso, as medidas de combate a ela,
pois a violência se espacializa nas metrópoles ao mesmo tempo em que cria territórios
para sua atuação. São no território que a pobreza, a exclusão social, a omissão do
Estado, a violência e as carências tornam-se mais visíveis, mais presentes e escapam
das mascaras que as abordagens setoriais lhes imprimem e minimizam.
Os trabalhos que investigam as várias abordagens teóricas sobre os
determinantes da criminalidade mostram em quase todos os tipos de abordagem, a
presença das variáveis socioespaciais relacionadas ao processo de urbanização
(pobreza, desigualdade, concentração de renda, desemprego, entre outras) bem como
taxa de urbanização, adensamento demográfico, presença de vilas, favelas e bairros
pobres na periferia das cidades.
Trabalhos empíricos interessantes têm sido realizados por autores como
Cerqueira e Lobão (2003), Abranches (1994) e Zaluar (1999), a partir da teoria da
desorganização social. Alguns autores encontram uma correlação positiva entre os
fatores espaçais e sociais da urbanização brasileira como as favelas, a pobreza, o
desemprego e a desigualdade social etc. Abranches (1994) procura avaliar o
macroambiente social para de fato encontrar as condições que, de certa forma,
determinam e estimulam o crescimento da violência e da criminalidade associado à
tensão urbana e às condições sociais da convivência metropolitana acarretada pela
desorganização da ordem publica.
Outro fato de fundamental importância observado por Cerqueira e Lobão
(2003), é que exatamente nos períodos em que foi observada uma tendência
crescente da taxa de homicídios, houve uma deterioração dos indicadores sociais
naqueles lugares com aumento do número de pobres e indigentes.
45
Segundo Abranches (1994, p. 130):
47
Podemos então sintetizar, afirmando que o território é o produto de uma
relação desigual de forças, envolvendo o domínio ou o controle político-econômico do
espaço e sua apropriação simbólica, ora conjugados e mutuamente reforçados, ora
desconectados e contraditoriamente articulados (HAESBAERT, 2002).
É assim que se faz presente o território controlado pelo tráfico de drogas,
uma apropriação político-econômica, a partir das leis e do varejo que se estabelecem
nessas áreas que aqui eu chamo de “territorialização perversa” e simbólico-cultural, no
momento em que a violência estabelecida nelas se torna símbolo de repressão e
controle político sobre a população que as habita.
Estes fatos não permitem que se instale um processo de melhoria nas
condições sociais e materiais da vida urbana nas cidades, aprofundando um ciclo que
se repete de forma constante. Isso nos leva a questionar o enfrentamento da questão
da criminalidade e da violência sem uma articulação direta com as políticas urbanas,
territorial e regional.
Estamos diante de novas formas e novos conteúdos da violência e da
criminalidade modernas, devemos buscar hipóteses alternativas, ainda que mais
compreensivas, para entender e tentar explicar o que está ocorrendo no espaço
urbano atual. No cenário da violência urbana, surge um novo ator: o crime organizado.
Neste trabalho, consideram-se como crime organizado o tráfico de drogas e
de armas, contrabando e formação de quadrilhas. No quadro da violência urbana da
atualidade, homicídios, seqüestros, atentados, assaltos e roubos, estão principalmente
ligados a esse tipo de crime.
Trata-se da violência organizada, um novo processo que atua no espaço
urbano como um dos agentes da urbanização, valendo-se da informalidade e da
ilegalidade da ocupação, da especulação do mercado imobiliário, da fraca atuação do
poder público, da impunidade e da vulnerabilidade da população pobre.
O crime organizado tem como características: a ilegalidade, formação de
redes, a movimentação de grandes somas de dinheiro, a corrupção de policiais e
políticos e a cooptação de pessoas. É o “crime negócio” como coloca Zaluar (1999,
p.67) que considera como um novo tipo de crime relacionado ao contrabando de
armas e de drogas, redes de escambo entre mercadorias roubadas e o tráfego de
48
drogas e, baseado na lógica da acumulação capitalista. Recruta os jovens pobres para
trabalhar nesse negócio altamente lucrativo que é o tráfico de drogas, mundialmente
importante, em termos financeiros, pelas grandes somas de dinheiro que envolve.
Segundo a mesma autora “[...] o crime organizado não pode mais ser
desconsiderado como uma força importante, ao lado dos Estados nacionais, partidos
políticos, igrejas, empresas multinacionais etc.” (ZALUAR,1999, p. 69).
A organização espacial assim resultante desses processos é o da
urbanização perversa da cidade excludente, na qual está sendo recriada
permanentemente uma nova ordem espacial, no sentido de sua própria reprodução,
reafirmando uma violência urbana e uma criminalidade, pela “territorialização perversa”
comandadas pelo conjunto de fatores que se materializam e realizam nas grandes
metrópoles.
49
4 PERIFERIZAÇÃO DE BELÉM E A EVOLUÇÃO URBANA DA TERRA FIRME
Belém foi fundada no ano de 1616, no lugar onde hoje se situa o Forte do
Castelo, que representa o marco inicial do processo de ocupação urbana na região
amazônica. A partir desse momento, consolidou-se a primeira fase de ocupação da
região amazônica. A evolução urbana da cidade tem como referência o bairro da
Cidade Velha.
A cidade de Belém estendeu-se em direção à baia do Guajará e ao longo do
rio Guamá, surgindo os bairros do Reduto e Comércio; caracterizando-se uma
consolidação em termos periféricos, com pouca interiorização. Somente a partir da
metade do século começa a se observar um movimento de interiorização – com a
ocupação progressiva dos espigões de terra firme no continente -, que se estende até
o início do século XX.
Nesse período, o avanço da penetração ao sítio ganha uma nova dimensão,
impulsionada, sobretudo, pelo progresso econômico que a exploração da borracha
impõe à região, estabelecendo um processo de apropriação do espaço que se mantém
relativamente inalterado até os anos 40/50, quando alguns eventos importantes
modificam a estratégia até então vigente na produção do espaço nessa área. A cidade,
que vinha desenvolvendo-se ao longo dos espigões de terras altas, passa a atingir
uma considerável extensão na sua malha, que se estende até os limites da Primeira
Légua Patrimonial.
Com essa intensificação no ritmo de crescimento, a estruturação espacial de
Belém passa a apresentar como características:
a) o adensamento das áreas centrais mais consolidadas pela utilização dos
núcleos de quadra através da construção de vilas e passagens;
b) a incorporação das áreas de baixada à estrutura urbana da cidade;
50
c) a ultrapassagem do cinturão das áreas institucionais, notadamente pela
implantação de indústria, conjuntos habitacionais (década de 60), sítios e
chácaras;
d) o incipiente processo de verticalização, iniciado na porção mais central da
cidade, onde se localizam os principais estabelecimentos de comércio e
serviços.
A partir de 1970, são consolidadas essas tendências, e a mancha construída
da cidade espraia-se, sobremaneira, além do cinturão das áreas institucionais,
configurando o processo de conurbação entre Belém e Ananindeua, que, até 1943,
fazia parte do município de Belém; seu principal aglomerado urbano havia nos meados
do século XIX, em função da estrada de ferro de Bragança. A partir da década de
1960, seu crescimento foi consolidando-se, com a implantação da rodovia Belém-
Brasília e o surgimento de inúmeros conjuntos habitacionais e loteamentos ao longo
das rodovias BR-316, Augusto Montenegro e do Coqueiro.
Considerando o processo de evolução urbana de Belém paralelamente aos
ciclos de desenvolvimento econômico da região, pode-se destacar que o processo de
produção de seu espaço começou a ser acompanhado de forma consciente durante a
intendência de Antônio Lemos, no apogeu do ciclo da borracha. Nesse período,
implementou-se um plano urbanístico para a expansão da cidade. Também se criou o
Código de obras com vistas ao embelezamento urbano – na época, Belém foi
comparada a uma pequena Paris (DERENJI, 1987).
Com o declínio econômico, pouco se esperava da cidade, difundindo-se a
idéia de que ela não ultrapassaria os limites da área conhecida como Primeira Légua
Patrimonial, equivalente a uma légua de extensão outorgada pela Coroa para a
Câmara de Belém, no início do século XVII. Em função disso, as terras internas a esse
limite, consideradas impróprias para urbanização – e evitadas por Antônio Lemos -,
foram, com o tempo, doadas pelos intendentes para amigos que precisavam
comprovar a propriedade da terra para obterem títulos de nobreza na Europa.
Essas áreas, que nunca foram ocupadas pelos proprietários, na maioria dos
casos, eram sujeitas aos alagamentos – as chamadas baixadas. Até a metade do
século XX, elas abrigavam vacarias, pequenas fazendas produtoras de leite, e, a partir
51
de então, começaram a ser invadidas, gerando numerosas favelas, bairros populares
de hoje. O adensamento urbanístico e a dotação de infra-estrutura desses bairros
foram retardados, visto estarem localizados em áreas particulares e de difícil
recuperação.
Outro fator importante que estimulou a crença de que a cidade não cresceria
foi a doação das áreas adjacentes aos limites da Primeira Légua Patrimonial para
instituições, como as Forças Armadas e a Universidade Federal do Pará (UFPA) -,
para centros de pesquisa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e
conselho Nacional de Pesquisa Cientifica (CNPq) -, bem como para a concessionária
de abastecimento de água. Esse fato ocasionou o estrangulamento da expansão
urbana, transponível apenas ao longo do eixo da antiga ferrovia Belém – Bragança,
atual Almirante barroso.
Quando a cidade retomou seu crescimento, após o estabelecimento de
novas funções, a ocupação passou a ocorrer conforme a possibilidade econômica de
acesso do cidadão: os mais ricos desencadearam o processo de verticalização; os
mais pobres invadiram as baixadas e, em alguns casos, foram remanejados para os
conjuntos habitacionais construídos fora da Primeira Légua Patrimonial, após a criação
da Companhia de Habitação (Cohab), em 1965.
Com essas áreas antes impróprias para ocupação, mas próximas dos
centros geradores de empregos, foram liberadas para a classe média, por meio dos
procedimentos de drenagem (raros) e aterros sucessivos e descoordenados, que
transformaram áreas alagáveis em áreas alagadas, devido à obstrução que
provocaram. Os mais pobres, por sua vez, ocuparam os miolos de quadra, mediante a
criação de vilas. Essa ocupação causou impactos menores, mas contribuiu para a
diminuição das áreas verdes da cidade.
52
políticas de planejamento urbano durante muito tempo estiveram voltadas para atender
aos interesses das elites e do setor imobiliário que muito contribuiu para a afirmação
de um projeto segregador e excludente da sociedade mais abastarda.
A integração da Amazônia à economia nacional e internacional pós-50 pelos
governos militares deu-se de forma antidemocrática sem participação popular, o que
facilitava a atuação de grupos interessados em aventurar-se na floresta em busca de
volumosos lucros com a exploração dos recursos da região. Entretanto, muitos
imigrantes se direcionaram para a Amazônia em busca de emprego e terra, o que
completou o quadro dos problemas sociais.
Sendo assim, uma boa leva de imigrantes que não conseguiu se inserir no
ciclo econômico dos grandes projetos, se dispôs em habitar em tornos os projetos ou
as principais capitais da região, como Belém. Nesse sentido, a cidade de Belém passa
por um processo de crescimento urbano tanto vertical, ou seja, relacionado com o
aumento da taxa de natalidade, quanto horizontal, aquele ligado à imigração.
O crescimento horizontalizado de Belém vai se dar em direção às áreas
chamadas de baixadas que é facilitada por dois motivos: a disponibilidade de terras e a
valorização das áreas central que expulsa a população pobre as áreas mais afastadas
do centro, além é claro da política de planejamento urbano excludente e segregadora.
Os investimentos em infra-estrutura e serviços em Belém acabam por lidar o título de
metrópole e essa metropolização com a concentração dos serviços urbanos deixa
muitas cidades de porte inferior dependentes de sua estrutura urbana, este fato torna-
se indutor de uma atração populacional e permanência na cidade.
A consolidação do modelo urbano-industrial da economia brasileira
caracterizado por um acelerado processo de industrialização e um setor produtivo
diversificado apresentou altas taxas de crescimento econômico, onde esse
crescimento esteve associado ao capital estrangeiro e à classe dominante. Entretanto,
os resultados produzidos por esse crescimento foram contraditórios, pois provocaram
desequilíbrios regionais, concentração de renda, inflação acelerada, desemprego e
déficit habitacional, principalmente no período de recessão econômica estimulada pela
década perdida.
53
Essa crise reflete o sinal de esgotamento do padrão de acumulação
estipulado pelo modelo econômico brasileiro. Esses reflexos negativos chegaram até
Belém, que passou por grandes problemas por possuir nesse momento, uma base
econômica frágil, dotada de pouca autonomia e exposta diretamente às crises
estruturais da economia nacional. Há de se considerar que, naquela época, Belém foi
pouco beneficiada com a expansão capitalista ocorrida para a região amazônica, em
particular para o estado do Pará, com os grandes projetos minerais. O que se
desencadeou em Belém nesse contexto foram as taxas de crescimento do Produto
Interno Bruto (PIB) inferiores à taxa de crescimento demográfico, baixos níveis
salariais, elevados níveis de desemprego e subemprego, concentração de renda,
desassistência social e educativa e déficit urbano crônico de infra-estrutura e de
serviços.
Dessa forma, a estruturação urbana da cidade configura-se em um perfil no
qual se tem um centro urbano adensado ocupado pela população de classes média e
alta que contrasta com uma periferia dispersa ocupada pela população empobrecida.
“É a população pobre da cidade de Belém que mais luta com a falta de moradias, de
água encanada, de esgotos, de transportes e outros; que mais sente os efeitos
negativos do elevado preço da terra urbana por ser forçada a morar na periferia,
particularmente em áreas alagáveis e sem infra-estrutura” (FRANÇA, 1995, p. 3).
Esse quadro proporcionou a verticalização urbana acelerada e a segregação
sócio-esapacial com a concentração da pobreza em áreas não apropriadas para a
habitação humana, nesse caso as áreas de baixadas, com condições precárias de
serviços de infra-estrutura diante de um sistema que privilegia o transporte individual
via automóvel, com um processo de urbanização deficiente e com um crescimento da
especulação imobiliária que desloca o pobre para longe dos centros urbanos ou o joga
para a parte da cidade alagada, para sobreviverem em meio às palafitas e estivas.
A produção da cidade como espaço geográfico heterogêneo, diferenciado,
pela participação diversificada dos homens, pressupõe uma sociedade de classes
realizando essa produção espacial nunca acabada, sempre em contínuo processo de
constituição (CARLOS, 1992).
54
Nesse aspecto, a produção urbana do espaço belenense fundamenta-se na
contradição do uso do solo urbano através de conflitos de interesses divergentes entre
ao atores sociais que compõe a cidade. E nesse sentido, a periferização que ocorre
em Belém, estimulada por uma ocupação espontânea e não planejada pelo Estado
gera uma série de problemas sociais que envolvem o meio ambiente à sociedade.
As baixadas representam não somente a área de expansão da cidade, mas
também o espaço de resistência e sobrevivência daqueles que foram excluídos do
mercado formal imobiliário e providos de serviços urbanos de qualidade e com isso o
padrão de ocupação adensado com uma tipologia típica de favelas deixa bem evidente
o perfil socioeconômico que as habita. A Prefeitura Municipal de Belém considera
baixada toda área de cota topográfica de 4m e baixo de 4m, correspondente à planície
inundável (CODEM, 1986).
55
da mídia, pois algumas colocações geram mais preconceitos o que pode estimular a
reprodução da violência e facilitar a atuação don crime, principalmente o tráfico de
drogas que pode levar ao status de poder usufruir de bens e serviços pagos com o
dinheiro do tráfico.
As condições de moradia das áreas precárias do bairro as tornam a parte do
bairro desvalorizadas e desprovidas dos serviços, devido a dificuldade de acesso ou
devido o alto grau de periculosidade.
56
com isso um padrão compacto de organização espacial, acelerado pelo processo de
verticalização iniciado nas áreas mais altas (OLIVEIRA, 1992).
Nestes termos, percebe-se nas baixadas de Belém a existência de um
modelo de organização espacial que lembra as favelas do Rio de janeiro, pois há o
predomínio de casas semi construídas ou construídas com material de baixa qualidade
geralmente simbolizam um espaço de segregação sócio-espacial em locais
periferizados, alagados, fonte de uma mão de obra de baixo poder de compra.
Em contraponto, a periferização que se manifesta a partir da década de
oitenta é uma das principais expressões espaciais da dispersão já mencionada,
revelando conflitos e envolvendo agentes diferentes. “Esse processo de reestruturação
está vinculado à dinâmica de regionalização do espaço amazônico, mas tem
definições no âmbito local, a partir da correlação de forças que se coloca entre os
agentes produtores do espaço urbano” (TRINDADE JR, 2002 p. 125).
Os problemas urbanos comuns a Belém e à maioria das capitais brasileiras,
como o binômio centro/periferia, a verticalização, os vazios urbanos, e a exclusão
sócio-espacial fazem parte da lógica de reprodução social da cidade, em especial da
dominação no interior da metrópole: uma lógica de segregação na qual colocam em
posição oposta àqueles que se beneficiam com os investimentos estatais e com a
valorização imobiliária deles decorrente e de outro, os que vivem em situação de
degradação das condições de vida, com pouca opção de moradia e com precário
acesso aos serviços públicos e à infra-estrutura urbana.
De acordo com Rodrigues (1996, p.119),
57
Assim, á área central da cidade manteve o dinamismo econômico com o
comércio e os serviços além dos trabalhos mais significativos o que favorece a forte
verticalização e edificação que são utilizadas pela população de classe média. Nesse
sentido, foi para o centro que se deslocaram e concentraram a quase totalidade dos
investimentos públicos e privados de estruturação urbana (drenagem, limpeza urbana,
serviços de água potável e esgoto), onde as classes média-alta e rica beneficiaram-se
desses projetos de renovação urbana que excluía e fragmentava a cidade.
58
b) disponibilidade de terras nas áreas de baixadas, nesse caso o bairro da
Terra Firme com uma grande extensão de terras disponíveis que foram
utilizadas para a habitação permanente de uma massa das camadas mais
pobres;
c) a área onde se encontra o bairro da Terra Firme, pelo fato de ser
considerada uma baixada, não despertava o interesse dos agentes
imobiliários onde na medida em que o centro se modernizava as baixadas
adensavam sua ocupação urbana, pois o custo de vida era menor, longe do
centro e os imigrantes que chegavam do campo também procuravam
terrenos nas baixadas para a construção de casas.
Nesse momento de evolução urbana do bairro grande parte dos terrenos
pertencia às famílias tradicionais da cidade e essas terras foram sendo compradas e
incorporadas pelo governo federal para a expansão da cidade universitária que nasce
nesse momento em meio a uma contradição na produção do espaço urbano. Assim, o
bairro da Terra Firme teve o seu crescimento em direção às áreas que correspondiam
o cinturão institucional da cidade que pouco a pouco foi sendo ocupada pela habitação
humana através das invasões que eram realizadas pela população de baixa renda.
59
Para Penteado (1968), é muito provável que, com a construção da cidade
universitária do Pará, o bairro da Terra Firme venha a desaparecer ou pelo menos,
sofrer sérias limitações no seu crescimento; se assim for, poderá surgir o grave
problema de deslocamento de milhares de pessoas para outros bairros de Belém, fato
único na vida da capital paraense e de conseqüências imprevisíveis, pelo menos, no
momento atual.
O que ocorreu de fato foi que a característica do bairro de espaço provisório
pouco a pouco foi desaparecendo, pois a Terra Firme passou a ser uma das poucas
áreas para a sobrevivência da população carente dentro da primeira légua patrimonial
da cidade. Os anos oitenta e noventa foram décadas de intensa ocupação das áreas
localizadas ao longo do canal do Tucunduba e da Avenida Perimentral por pessoas
oriundas de outros bairros ou vindas do interior ou de estados próximos,
principalmente do Maranhão.
O bairro da Terra Firme:
é onde ocorre a maior presença de não naturais, com cerca de 30,0%, sendo
77,2% originados do interior do estado, destacando-se os municípios de
Igarapé Miri, Castanhal, Muaná etc., e 22,8% oriundos de outros estados,
basicamente, Maranhão. A presença dos não naturais se dá na ordem de
70% do total (RODRIGUES, 1996, p. 244).
60
sonhos dos forasteiros que chegaram aqui, que foram obrigados a se dirigir para áreas
de baixo valor do solo e enfrentar o desemprego ou inserindo-se na economia informal,
o que neste caso é muito comum no bairro da Terra Firme, pois grande parte da
população está diretamente inserida em atividades ligadas à economia informal, ou
então em atividades que exercem um esforço físico como pedreiros, carpinteiros,
estivadores etc.
Desde o dia 16 de Dezembro de 1975, o bairro da Terra Firme passou a ser
chamado oficialmente de bairro da Montese, uma homenagem dada pela Câmara
Municipal de Belém à Força Expedicionária Brasileira (FEB) pela participação na
segunda Guerra Mundial. Entretanto, o nome oficial do bairro ainda não é utilizado por
seus moradores e nem muito menos pelos órgãos públicos que lá atuam. Como
ressalta Rodrigues (1996, p. 240):
61
rentável e nesse sentido a mídia cria alguns estereótipos sobre o bairro o que flagiliza
a idéia de cidadania e para o sociólogo Martins (2002, p. 39):
[...] No limite, podem usar meios ilícitos para obter os recursos de que
necessitam para integrar-se: o tráfico, roubo, a violência, os meios
transgressivos de participação, a deterioração dos valores éticos que
deveriam permear as relações sociais, e que daí resulta, já produz seus
desastrosos efeitos na socialização anômica das novas gerações na vivência
cotidiana atravessada.
62
do bairro, onde algumas delas partem da economia do crime ligadas ao tráfico de
drogas.
A característica marcante do bairro da Terra Firme é a concentração de
populações de baixa renda em grande parte do bairro, segregadas socialmente, que
habitam ruas sem pavimentação, arborização ou áreas de lazer e convivem com a falta
de saneamento básico e coleta de lixo, insegurança pública, alagamentos, além da
precariedade dos transportes públicos que não atendem perfeitamente seus usuários.
Trata-se de benefícios realizados esporadicamente, proporcionando a transformação
da favela em bairro popular.
Nestes termos, o bairro torna-se adequado para a expansão de todos os
tipos de criminalidades que se reproduzem em meio a tantos problemas sociais, o que
causa uma impressão de constante instabilidade vivenciada por seus moradores
diante da violência urbana imposta pelos atores sociais do crime e com isso o bairro da
Terra Firme é também considerado um dos mais violentos de Belém com altas taxas
de criminalidade, principalmente a partir da década de 1990, e um dos fatores que
motiva essa problemática é o fato de que grupos se organizam nessas áreas de
exclusão e aproveitando-se da pobreza da população que aí residem e do
desemprego, trazem essas pessoas para seu campo de controle, principalmente para
o tráfico de drogas que se torna uma forma rápida de ganhar dinheiro.
Além disso, também é alto o número de assaltos à mão armada, brigas de
gangues e outros tipos de violência. Muitas vezes a própria população do bairro atribui
a violência às áreas de invasão que existem na Terra Firme e às ruas mais
periferizadas com pouca infra-estrutura ou de difícil acesso por serem em meio das
estivas e palafitas dificultando o próprio serviço público que conceituam essas áreas
como áreas de risco devido aos altos índices de criminalidade nelas presente deixando
até mesmo a própria polícia insegura de fazer o seu serviço nessas áreas.
63
4.5 AS PRÁTICAS DO CIRCUITO INFERIOR DA ECONOMIA NO BAIRRO
Segundo Santos (1976, p.95):
64
(SANTOS, 1971) e nesse sentido, enquadrá-lo na realidade socioeconômica dos
moradores do bairro da Terra Firme identificando os meios de sobrevivência da
população que habita esse lugar.
Nos últimos anos, o setor terciário tem crescido bastante no bairro, há uma
tendência à terceirização dos empregos. Surgiram na Terra Firme recentemente, lojas
de grande porte como a Esplanada, Paraibana, City Lar e Monólito que tem preço
popular e algumas pequenas lojas de produtos importados. No entanto, o setor
industrial, que corresponde ao secundário, não existe no bairro. Além disso, é
realizado na Terra Firme um movimentado comércio de materiais de construção como:
madeiras, tijolos, areia, barro etc. que estão localizados em sua maioria ao longo do
igarapé Tucunduba, mas popularmente chamadas estâncias. É bem comum nessa
atividade a presença do trabalho infantil, o que contribui para que crianças deixem de
freqüentar a escola por conta do interesse em trabalhar puxando carroças, que pode
ser por necessidade em querer ajudar a família ou por falta de incentivo à educação.
Vale ressaltar que são formas degradantes de trabalho em meio ao sol quente e sem
carteira assinada, muitas vezes tendo que enfrentar o trânsito caótico da principal
avenida do bairro, a Celso Malcher.
É justamente nessa avenida citada acima (Celso Malcher) que está uma das
mais movimentadas feiras do município de Belém, o Hortomercado Municipal da Terra
Firme, com dezenas de boxes para venda de peixes, carnes, verduras, frutas, farinha,
ervas, refeições e mercearias, sendo este mercado importante para a geração de
emprego e renda no bairro, o mercado ainda possui dois banheiros e um setor
administrativo.
O Hortomercado foi fundado em 1988. Naquele momento o bairro tinha uma
população relativamente menor que a de hoje, ou seja, o mercado era capaz de
abastecer o bairro. Na atualidade, as barracas de fora do mercado são inúmeras,
provocando sérios problemas à população como acidentes envolvendo pedestres,
ciclistas e motoristas e congestionamentos dificultando os fluxos na Avenida.
O número de ambulantes e feirantes que trabalham em barracas em frente o
Hortomercado (Ver fotografia 01) e as lojas que se deslocaram para lá é muito grande,
percebemos na própria paisagem do bairro a forte presença de camelôs, flanelinhas
65
(muitas vezes crianças), vendedoras ambulantes a pé ou de bicicleta vendendo
produtos importados (antenas de televisão, pilhas, limpadores de vidro etc.) ou lanches
(chamados popularmente como completão), além dos constantes roubos e assalto que
acontecem nas lojas e com as pessoas que se dirigem à feira para fazerem compras,
pois é comum a presença de ladrões que se infiltram no meio da multidão para
fazerem o chamado descuido que diz respeito ao roubo de carteiras ou outros bens.
Na Praça Olavo Bilac, em frente à Igreja são Domingos de Gusmão (ver
fotografia 02), a presença de vendedores ambulantes também é muito forte,
principalmente nos fins de semana, comercializam roupas usadas, produtos
importados ou produtos eletrônicos usados etc. a informalidade aqui chamada de
circuito inferior é um meios de sobrevivência da população pobre e desempregada e a
praça acaba sendo também um espaço de vendas de drogas feitas pelos aviões dos
traficantes que atuam no bairro, além do varejo de produtos que são furtados. Vale
ressaltar que a praça está localizada em frente à Seccional da Terra Firme.
66
Fotografia 02 - Comércio informal na Praça Olavo Bilac.
Fonte: Couto (2007).
68
favela para as margens do Tucunduba não respeitou os limites ambientais e hoje
várias partes do bairro sofrem constantes inundações durante o período de chuvas.
Vale ressaltar que durante as últimas décadas os canais e igarapés serviram, e ainda
servem como esgotos a céu aberto, onde são despejados resíduos e lixos. Este fato
pode ser relacionado com a deficiente política pública de saneamento básico que as
baixadas receberam (ver fotografias 03 e 04).
Outro problema gravíssimo vivido pelos moradores do bairro em questão dá-
se em relação à rede de abastecimento de água. Apenas uma pequena parte do bairro
é atendida pela Companhia de Saneamento Básico do Pará (COSANPA). E mesmo
assim, a água que flui pelos canos não possui pressão suficiente para atender a todas
as casas. Na Terra Firme, sobretudo nas proximidades do igarapé do Tucunduba, a
água chega um dia sim e outro não. Além disso, á água é de qualidade duvidosa,
sendo imprópria para o consumo, pois muitas vezes vem suja ou com “gosto de
ferrugem”.
É justamente nessas áreas mais precárias do bairro que a violência passa a
se manifestar, pois estas tornam-se alvo de disputa por grupos criminosos que
objetivam territorializar-se nesse espaço para daí articularem suas estratégias de
atuação, e claro, encontrando uma área estratégica para seleção de mão de obra para
o tráfico de drogas, impondo limites e regras à população. Os territórios controlados
pelo tráfico de drogas no bairro da Terra Firme se espacializam a partir dessas áreas
mais problemáticas, o que não significa dizer que o tráfico de drogas seja exclusivo
desses locais, podemos chamar de acordo com a idéia de Haesbaert (1996) que existe
uma “territorialidade precária” num primeiro momento, que é importante para o tráfico
de drogas.
69
Percebe-se que vários trechos da Terra Firme estão inseridos de acordo
com essa lógica perversa do crime, o que cria um estereótipo de que o bairro é o mais
violento de Belém, causando transtornos aos seus moradores que são obrigados a
conviver com o medo de todos os dias e o preconceito e sensacionalismo que a mídia
impõe sobre o bairro.
De fato, existe na Terra Firme áreas que são realmente muito problemáticas
no que diz respeito a criminalidade, onde as pessoas são assaltadas em qualquer
horário, principalmente se não forem do local e que o tráfico atua de maneira precária,
não impedindo a atuação de outros grupos criminosos, gerando um clima de
“instabilidade territorial” e nesse sentido os moradores se tornam reféns do crime.
70
Fotografia 04 - Passagem Bom Jesus.
Fonte: Couto (2007).
71
Vale ressaltar que um dos fatores que proporcionou esse aumento da
população do bairro da Terra Firme foi o processo de valorização do uso do solo na
área central, o que provocou um deslocamento de pessoas para áreas periféricas, e o
fato de que no bairro ainda tinham muitas terras a serem ocupadas, facilitando a sua
expansão e, conseqüentemente, um aumento populacional.
72
refletir numa organização espacial desordenada e precária, características das áreas
de baixadas.
Os espaços mais valorizados do bairro são aqueles que detem de maior
infra-estrutura e concentra os principais serviços de atendimento à população. Assim,
identificamos na Terra Firme duas zonas: uma mais valorizada e a outra menos
valorizada. Diferenciam-se, pela estrutura urbana planejada de cada uma e de como
essa estrutura influencia no aproveitamento do uso do solo.
A zona mais valorizada situa-se na Avenida Celso Malcher e a Rua São
domingos, que concentram o comércio varejista, as principais linhas de ônibus,
prestação de serviços, além das feiras e de escolas. Atualmente, o solo urbano vem
ganhando a atenção de comerciantes e donos de grandes lojas de Belém, o que
contribui para a expansão do setor terciário.
A concentração dos serviços e equipamentos urbanos da área apresentada
acima polariza as áreas adjacentes e isso pode ser um fator que explique a atenção
espacial que vem recebendo do setor terciário. Por exemplo, na zona mais valorizada,
encontramos algumas lojas de pequeno e grande porte, como as lojas Esplanada,
Rianil, City Lar, além de uma farmácia da rede Big Bem, escolas particulares,
supermercados, posto de saúde, escolas públicas e o hortomercado municipal, além
da delegacia e da Praça Olavo Bilac em frente à Igreja São Domingos de Gusmão.
Podemos dizer que seria a área “nobre” do bairro.
Todavia, identificamos na zona mais valorizada, a forte presença daquilo que
já foi discutido neste trabalho e que o geógrafo Santos (1971) chamou de “circuito
inferior da economia que é uma característica marcante das zonas valorizadas das
baixadas’”.
As zonas menos valorizadas representam a maior parte do bairro e
apresentam algumas particularidades como: carência de equipamentos urbanos, como
água encanada, esgoto e pavimentação, problemas crônicos de alagamentos,
principalmente durante o período de chuvas, predomínio de residências de madeiras
e uma forte presença de pequenas mercearias de base familiar, que são chamadas
popularmente de tabernas, e uma organização espacial problemática com Ruas
estreitas ou esburacadas dificultando os fluxos de pessoas e automóveis.
73
Na zona menos valorizada, a maioria das casas segue um padrão comum
de construção, pois são construídas com material de baixo valor, na sua maioria de
madeiras ou alvenarias inacabadas, algumas são construídas em palafitas e
dependem das estivas para se locomoverem e sofrem com o alagamento durante as
chuvas, já que a água invade as casas, temos também a presença de casas abrigando
mais de uma família em estilo de cortiço com o uso coletivo dos serviços (ver
fotografias 05,06 e 07).
Segundo Rodrigues (1996, p. 247):
No bairro da Terra Firme, cada domicílio tem, em média, 67,9 m, sendo que
65,31% foram construídos de forma precária, regra-geral em madeira branca
em forma de palafitas e 34,69% em alvenaria, porém, sem a mínima
observância de recursos arquitetônicos capazes de possibilitar maior conforto
ambiental através da iluminação natural e ventilação adequada. Quase as
totalidades das casas são cobertas por telhas de cimento amianto, material
que ao mesmo tempo absorve e permite a propagação para os ambientes
internos, das caloríficas produzidas pelos raios solares, tornando bastante
desagradável esse ambiente.
74
Fotografia 05 - Ocupação do braço do Tucunduba.
Fonte: Couto (2007).
75
Fotografia 07 - Passagem Lambaris.
Fonte: Couto (2007)
76
5 A “TERRITORIALIZAÇÃO PERVERSA” E A ECONOMIA DO TRÁFICO DE
DROGAS NO BAIRRO DA TERRA FIRME
Para tanto, parte-se da premissa que agentes extrabairro, ou seja, que não
residem no bairro da Terra Firme, atuam como distribuidores da droga que é
comercializada nas chamadas “bocas de fumo” e com isso tem um grande poder de
influência sobre as áreas onde o comércio da droga é realizado, contribuindo para a
espacialização do fenômeno.
Um outro ponto importante a ser destacado é que geralmente as áreas
escolhidas para a comercialização do tráfico são as mais periferizadas e problemáticas
nas áreas de infra-estrutura e serviços urbanos, o que deixa bem claro que
estrategicamente o tráfico se territorializa nessas áreas e a partir daí ampliam seu raio
de ação.
Percebe-se que o tráfico aproveita-se de alguns problemas sociais como o
desemprego, por exemplo, e é nesse sentido que a venda da droga se torna uma
77
estratégia de ganhos altamente lucrativos diante de uma possibilidade de inserção
econômica, pois o vendedor chamado de “boqueiro” ou popularmente conhecido como
traficante, chega a ganhar entre R$ 200,00 a R$ 300,00 por dia, dependendo da
procura pelo pó de cocaína, pois essa droga é fornecida pelo traficante distribuidor
pelo preço de R$ 200, 00 250g e é comercializada por R$ 15,00 a peteca, sendo que
250g dão para fazer até 200 petecas, o que pode gerar um lucro de até R$ 3.000,00
pela venda de toda a droga.
Além do comércio de pó de cocaína, tem-se a venda da pasta de cocaína
que é comercializada a um preço inferior ao do pó, pois a pasta de cocaína é fornecida
por R$ 150,00 250g e vendida a R$ 10,00 a peteca, gerando um capital no final de até
R$ 2.000,00 pela venda total do produto. É importante destacar que a venda da pasta
de cocaína movimenta o comércio da maconha, pois a pasta, para ser consumida
pelos viciados, deve ser misturada com maconha ou cigarro e neste caso, a maconha
acaba sendo vendida pelo preço de R$ 300,00 o cartucho, ou seja, é a droga mais
barata do sistema e fornecida a um preço de R$ 150,00 o kg sendo que até 90
cartuchos de maconha podem ser vendidos gerando no final da venda um, capital de
R$ 270,00.
Nesse sentido, o comércio ilegal da droga no bairro da Terra Firme gera um
grande excedente de capital para o vendedor da droga extrabairro (distribuidor) e para
o vendedor interno (boqueiro ou traficante), pois quanto mais a droga é vendida, mais
a cadeia se fortalece e maiores são lucros, principalmente do distribuidor que passará
a vender em quantidades maiores pela garantia do mercado.
Portanto, ao entrar no tráfico, dificilmente o indivíduo consegue sair desse
sistema, pois ele passa a ter uma relação de dependência econômica e política, já que
gera lucro e, ao mesmo tempo, fica nas mãos do distribuidor que representa o
traficante de maior do sistema que quer, a qualquer custo, garantir o retorno
econômico com o comércio da droga.
Além disso, existe o chamado “acerto” que é praticado por policiais e ex-
policiais corruptos que também ganham com o tráfico, dando cobertura e extorquindo
os traficantes, ou seja, nesse sistema, muitos ganham com o tráfico e a dimensão dos
ganhos chega a ser algo surpreendente e incalculável, pois traficantes distribuidores
78
compram casas, carros motos, recrutam os chamados “soldados” para fazerem sua
segurança e esbanjam dinheiro em festas de aparelhagem, além de formarem um
verdadeiro exército de bandidos que assaltam, matam e impõe limites à sociedade, ou
seja, reproduzem a cultura da violência urbana.
Facilmente as pessoas pobres são captadas pelo tráfico de drogas,
principalmente crianças e adolescentes que ao perceberem as possibilidades de
ganhos, ignoram as possibilidades de riscos ao entrarem no sistema. Além disso, uma
grande leva de pessoas que não concluíram os estudos e estão desempregadas
passam rapidamente para o tráfico ou como vendedores, consumidores ou soldados
dos traficantes. No caso de consumidores, eles partem para os assaltos à mão armada
e pequenos furtos, pois precisam de dinheiro para consumir a droga.
79
5.2 OS ATORES SOCIAS DO TRÁFICO DE DROGAS NA TERRA FIRME
80
e) Olheiro: essa gente tem o papel de alertar o avião ou o traficante (b) quando a
polícia chega ao local para fazer o acerto ou então para uma outra atividade
qualquer. Ele também observa os movimentos quotidianos dos moradores e
leva a informação para o traficante (A). Se algum morador está interferindo no
sistema, se isso acontecer, este morador devera ser punido, como represália;
f) Soldados: são as pessoas que sempre estão acompanhando o traficante (A) ou
o traficante (B), eles se encarregam de fazer a segurança e de também
promover os acertos de contas, assim chamado por eles, com os que têm
dívidas com o sistema e com grupos rivais ou até mesmo com qualquer pessoa
seja de bem ou de mal, basta que o traficante mande, que eles obedecem,
reprimindo as pessoas;
g) Viciados ou malucos: são os consumidores de todo e qualquer tipo de droga
comercializada no bairro. Eles promovem assaltos, pequenos furtos,
arrombamentos etc. Para conseguirem dinheiro para consumirem a droga, que
pode ser a maconha, a pasta de cocaína (popularmente chamada de nóia) ou o
pó de cocaína (chamado de ouro branco), cometem muitos assaltos no bairro
da Terra Firme. Hoje, muitos deles podem ser relacionados com o aumento do
consumo de pó de cocaína o que contribui para uma manifestação da
“criminalidade violenta” sobre os moradores e uma lógica de perversidade por
conta dos criminosos;
h) Bate pau: são policias desligados ou ainda com ligação com a polícia, que
atuam como corruptos e se beneficiam do tráfico de drogas recebendo dinheiro
para não desmontarem o sistema, o que de certa forma favorece o
fortalecimento do sistema, pois é necessário vender uma quantidade maior de
droga, o que requer um consumo maior e impulsiona uma maior atuação da
criminalidade em busca de dinheiro para o consumo. E se tratando do traficante
(B), ele tem que pagar a dívida com o traficante (A) e para isso, ele conduz
assaltos à mão armada através de aluguel de armas ou então ele planeja a
atuação de assaltantes e, desta forma, cobrem o prejuízo com o acerto.
81
A atuação desses diversos atores sociais abordados acima é importante não
apenas para o comércio ilícito da droga, como também para a dominação política do
território pelo tráfico de drogas. O território, neste caso, pode ser analisado em seu
sentido político-econômico e simbolico-cultural na perspectiva de Haesbaert (2002).
Então:
1
Funcionário público. Entrevista concedida à Aiala Couto. Belém, mar. 2008.
82
vida, estamos à mercê do crime e o pior que a polícia sabe, mas não faz nada”
(informação verbal)2.
“É um verdadeiro inferno morar na Terra Firme em algumas ruas, os
serviços do correio não chegam, os táxis não querem entrar, nem a polícia entra, pois
estamos nas mãos dos bandidos, tá parecendo o Rio de janeiro, os criminosos já
tomam de conta de muitas ruas e tá difícil reverter o quadro. No Tucunduba, por
exemplo, o tráfico de drogas impera e todo mundo sabe, mas ninguém pode fazer
nada, eles fazem à lei, mando e desmandam” (informação verbal)3.
A outra concepção de território analisada aqui de acordo com a proposta de
Haesbaert (2002, p. 121), é a relacionada com concepção de território simbólico –
cultural, “que prioriza a dimensão simbólica e mais subjetiva, em que o território é
visto, sobretudo, como o produto da apropriação/valorização simbólica de um grupo
em relação ao seu espaço vivido”.
Em alguns territórios controlados pelo tráfico de drogas no bairro da Terra
Firme, existe uma representação simbólica do crime que é utilizada como estratégia de
controle do território. Com os constantes assaltos, as pessoas que não residem no
local ou até mesmo o grupo têm certo respeito aos moradores da área, impedindo os
assaltos, prestando favores. Na verdade faz parte de uma estratégia, pois são
territórios consolidados ao longo do tempo por grupos que surgem e aí se reproduzem
e o conhecimento quotidiano do bairro e a relação com espaço vivido são importantes
para o sistema ilegal da droga, além do mais, nessas áreas podem surgir mais
soldados, mais aviões e mais olheiros que são importantes para a manutenção do
comércio da droga. Para Gomes (2002 p. 64):
2
Aposentado 52 anos. Entrevista concedida à Aiala Couto. Belém, mar. 2008.
3
Promotor de vendas 28 anos. Entrevista concedida à Aiala Couto. Belém, mar. 2008.
83
de conflito, seja em estadias do grupo original ou ainda pela organização de
roteiros iniciáticos.
84
conhecida em Belém como o “Shopping da droga”, pela facilidade de acesso e pela
quantidade de droga comercializada. É importante destacar que se trata de pontos de
articulação do distribuidor (traficante A) com pessoas que fazem o comércio da droga
em troca de salários, nesse caso, os “gerentes da boca”, também chamados de
traficantes, pelo fato de venderem a droga.
Outro ponto importante a destacar da Passagem Nossa senhora das graças
com a Passagem 24 de Dezembro, é que ela já foi área de disputa de traficantes que
tinham, ou ainda têm, interesse no comércio local da droga.
85
Nesse sentido, surge uma configuração espacial adensada e desorganizada
com uma grande massa de pessoas aglomeradas em uma favela que se localizava
sobre o canal, sujeitas às enchentes, desabamentos das casas construídas
precariamente, doenças, além de maior exposição ao crime, pois se trata de uma área
de exclusão social e segregação, ou seja, que não obedece aos padrões da cidade
legal e sim à margem dessa cidade, construída a partir de uma carência das políticas
urbanas, como ressalta Souza (2005, p.135):
86
Além disso, a grande quantidade de becos existente nessa área é utilizada
estrategicamente por bandidos para fugirem da polícia ou de assaltos cometidos por
perto, dificultando a atuação polícia e, conseqüentemente, favorecendo a atuação do
crime, pois onde a polícia não se faz presente o crime se apresenta como o “dono do
pedaço”, territorializando-se e atuando de forma eficaz tanto na dominação político-
econômica quanto na apropriação simbólico-cultural do território.
87
Fotografia 11: Ocupação da baixada do Canal da Mundurucus.
Fonte: Couto (2007).
Não foi tarefa fácil investigar as razões que levam um jovem no bairro da
Terra Firme a se envolver com o tráfico de drogas ou com quadrilhas de assaltantes,
pois nas entrevistas foram levados em consideração os pontos de vistas dos
entrevistados como forma de se chegar a uma justificativa que explicasse a entrada
desses jovens ao mundo do crime sem, contudo, deixar levar-se pelas armadilhas das
teorias existentes acerca da explicação das causas da criminalidade, não querendo
formular generalizações e sim buscar versões possíveis para a explicação do
fenômeno, se aproveitado das informações recolhidas em campo através das
entrevistas realizadas que foram importantes para se chegar a algumas conclusões.
Sendo assim, apresento algumas categorias que serão analisadas de acordo com a
fala dos entrevistados.
88
5.3.1 O desemprego
Como foi observado nas entrevistas, um dos fatores que levam os jovens a
entrarem no crime pode ser relacionado com a questão do desemprego, pois muito
desses jovens começaram a trabalhar muito cedo, o que, de certa forma, contribui para
que ele não concluísse os estudos e, portanto, não se qualificasse e, diante de um
mercado de trabalho onde o desemprego e crescente, as exigências são tamanhas, e
esses jovens não representam uma mão de obra qualificada e, portanto, têm
dificuldade de se inserirem no mercado formal.
A possibilidade de retorno à escola fica remota, pois eles alegam cansaço
físico e falta de incentivo à educação. A maioria tem pais analfabetos e semi-
analfabetos que não estimulam o retorno do filho para a escola e assim são levados ao
trabalho informal como uma forma de garantir recurso para ajudar a família e a si
próprio e nesse contexto pode ocorrer o contato com as drogas e outras formas de
criminalidade, podendo os transformar em viciados, aviões ou assaltantes.
89
“Eu não tinha emprego fixo, trabalhava com meu avô aí no mercado,
ganhava muito pouco, agora eu não ando por aí sem grana e ando bem arrumado,
então não tenho nada pra reclamar do tráfico, não tô roubado ninguém” (informação
verbal)4.
“Não tive oportunidade na vida, parei de estudar na 4º série, então não tinha
emprego pra mim e por isso prefiro vender bagulho aqui no setor, porque todo dia eu
tenho dinheiro e ainda dou uma forra lá em casa pra minha coroa, foda-se quem não
gostar” (informação verbal)5 .
“Não vou conseguir emprego porque parei na 3º série, então eu não posso
ficar aqui nessa vidinha bandida de andar liso, por isso eu meto bicho, velho. Tu sabe
que a situação não é fácil, por isso, te liga doido, aqui na TF ou tu é ladrão ou tu é
otário e eu não quero ser otário, ainda mais otário e liso (risos)” (informação verbal) 6.
“Parei de ser 157, prefiro ficar aqui na minha, vendendo o meu pó sem tirar
onda com ninguém. Tenho duas filhas pra criá e sou louco por elas. Se depender de
mim, elas não vão ter o mesmo destino que eu tive, sem estudo” (informação verbal)7.
O tráfico de drogas sustenta todo um sistema econômico no bairro da Terra
Firme que vai dos vendedores da droga até os consumidores, que muitas vezes são
grupos de quadrilhas de assaltantes que roubam também para consumir, fumar
maconha, cheira pó ou fumar pasta de cocaína e, sendo assim, o desemprego deixa
os jovens mais maleáveis, como ressaltou Castells (1996), para essa “integração
perversa” ligada à economia do crime.
4
Jovem 19 anos. Entrevista concedida à Aiala Couto. Belém, abr. 2008.
5
Jovem 23 anos. Entrevista concedida à Aiala Couto. Belém, abr. 2008.
6
Jovem 22 anos. Entrevista concedida à Aiala Couto. Belém, abr. 2008.
7
Jovem 25 anos. Entrevista concedida a Aiala Couto. Belém, abr, 2008.
90
roupas de marcas, mulheres e armas, o que estimula uma reprodução da cultura da
“criminalidade violenta no bairro”, o que o destaca como um bairro violento.
Na Terra Firme os jovens entram facilmente no mundo do crime, são
seduzidos pelos altos lucros com a venda da droga e ao mesmo tempo pelo prestígio
que eles passam a ter dentro bairro diante dos moradores, que passam a temê-los e
respeitá-los.
A possibilidade de um jovem passar a andar com dinheiro, mulheres bonitas
e com roupas de marcas aumenta com a sua entrada no tráfico de drogas, como avião
ou então em quadrilhas de assaltantes, onde, ao fazer parte desse círculo criminoso,
ganha certa “fama” no bairro, que vai despertar certo respeito diante dos outros
bandidos, o que não descarta a possibilidade de gerar um conflito por disputas de
pontos de venda de droga.
Vale destacar que o dinheiro não é o único fator de atração para a
criminalidade, mas o prestígio local principalmente perante os outros jovens e as
mulheres, o que serve para a reprodução dessa lógica da criminalidade, onde alguns
jovens pobres do bairro podem passar a se inspirar em bandidos. Além disso, o poder
que eles passam a ter ao portarem uma arma de fogo, sem serem autoridade, no
bairro, tudo isso pode ser destacado como fatores de reprodução da violência. Afinal,
para quem quotidianamente experimenta o desprezo e a discriminação, de fundo tanto
econômico quanto racista, da parte dos privilegiados da cidade, qualquer sensação de
poder é fonte de incremento de auto-estima (SOUZA, 2005, p. 67).
Os jovens entrevistados sabem do risco que correm ao fazerem parte da
economia do crime, porém, a maioria deles ressaltou que mais vale ter um tempo de
vida curto, mas aproveitar bastante do que ter uma vida dura e sofrida como a de seus
pais, como relataram os entrevistados abaixo:
“Eu sei, velho, que posso morrer a qualquer momento com um tiro na
cabeça de um rival ou de um policial, mas posso te dar o papo, velho, que já curti
muito nessa vida e com certeza, na moral, mais que meu pai que só trabalhou a vida
91
toda e nunca teve nada. Eu, pelo menos, ando com dinheiro e com mulher gostosa”
(informação verbal)8.
“A gente tá aqui nessa vida só de passagem, então todo mundo vai ter que
morrer um dia e eu não quero morrer de tanto trabalhar e não aproveitar nada da vida.
Por isso, eu vou curtir em tudo que é lugar, quando eu tô de cima. Meu pai morreu no
trabalho e o filho da puta do patrão dele ainda queria enrolar a indenização, aí eu fui lá
e assaltei a loja dele, foda-se. Ele teve largura de eu não ter matado ele porque ele
não fica lá, eu já tenho minha própria casa e no final de semana to com meu dinheiro”
(informação verbal)9.
Percebe-se que nos dois últimos comentários existe uma ânsia por querer
aproveitar a vida de forma intensa sem se preocupar com os riscos e neste aspecto o
tráfico de rogas ganha porque sabe onde recrutar pessoas e sabem também onde
vender a droga o que contribui para a expansão da criminalidade. O que temos então é
um bairro onde, para muitos, as necessidades básicas são satisfeitas com a
ilegalidade que está presente na Terra Firme. Nesse contexto de desorganização
social, aumenta o preconceito em relação aos moradores do bairro, que são vítimas da
violência marginal ou policial, do “abandono” e da discriminação.
8
Jovem 19 anos. Entrevista concedida a Aiala Couto. Belém, maio, 2008.
9
Jovem 17 anos. Entrevista concedida a Aiala Couto. Belém, abr, 2008.
92
miserável salário? Aí, meu irmão, quando passei a vendê pro cara, comecei a ganhar
até quatro vezes o que eu recebia antes, não sou viciado, só vendo, então dá pra ter
lucro sim” (informação verbal)10.
“Doido, eu até queria sair dessa onda, mas, porra cara, como vou dá o
melhor pra minha filha com um salário?” (informação verbal)11.
“Com a venda de bagulho eu comprei carro e moto e tô com a minha casa,
nunca ia ter isso se tivesse ter que trabalhar pra ganhar uma miséria, tô errado eu tô,
mas tô bem, graças a Deus” (informação verbal)12.
É relevante a questão do salário para a análise da entrada de pessoas no
tráfico de drogas, pois quando começam a ter contato com muito dinheiro, começam a
perceber que o tráfico de drogas pode levá-los ao consumo de mercadorias que jamais
iriam conseguir se estivessem trabalhando para ganhar um salário baixo, contudo
deve-se entender que se trata de áreas precárias e de uma população pobre que é
inserida no sistema do tráfico de drogas e com isso, o lucro do tráfico é um fator que
facilita a permanecia dessas pessoas no esquema. Alguns chegam a ter um lucro
muito maior quando são os donos da boca e convencem os outros a trabalharem como
aviões do tráfico em seu ponto de venda de drogas, daí um fator importante para a
organização dessa atividade.
Esse pode ser entendido como um dos fatores fundamentais para a entrada
dos jovens no esquema do tráfico de drogas, pois alguns entrevistado relataram o
drama que viveram quando crianças, sem apoio dos pais ou da família para os estudos
e para as suas necessidades básicas, sem perspectivas de melhoria de vida e tendo
que enfrentar problemas relacionados à exclusão e ao preconceito. Ficam às margens
da cidadania e são facilmente cooptados pelo tráfico ou então se tornam assaltantes
de alta periculosidade.
10
Adulto 31 anos. Entrevista concedida a Aiala Couto. Belém, jun, 2008.
11
Adulto 28 anos. Entrevista concedida a Aiala Couto. Belém, jun, 2008.
12
Adulto 31 anos. Entrevista concedida a Aiala Couto. Belém, ago, 2008.
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Em alguns casos, jovens ficam jogados à sorte, sem pai ou sem mãe,
morando com os avós. Alguns pais estão presos ou mortos e algumas mães são
solteiras e semi-analfabetas, não dando muita importância para os estudos dos filhos e
tendo que trabalhar como empregada doméstica. Não conseguem dar os recursos
necessários para os filhos.
Um grande número de jovens habitantes afronta as políticas neoliberais na
ilegalidade e na violência. É ao traficar que esperam conservar a liderança e a
responsabilidade de participar do mundo global. A profissão de traficante está em
constante mutação: a atividade exercida de maneira artesanal na esquina da rua está
se tornando um dos setores mais rentáveis da economia mundial. Ainda assim, é uma
profissão de sobrevivência, em que a ascensão social é muitas vezes interrompida
brutalmente (Bourgois, 1997).
É com o sentimento, vontade que essas crianças crescem e a todo o
momento alimentando um sonho de consumo que não pode ser realizado e ao
entrarem na criminalidade e tendo contato com os recursos, dificilmente um jovem
volta a ter uma vida normal. “Os jovens bandidos não se conformam com a vida pobre
em vigoroso contraste com o consumo e riqueza que vêem na televisão e na vida real
(VELHO, 1996, p. 21)”. Daí um dos maiores problemas enfrentados pela metrópole de
Belém, a entrada dos jovens em grupos ligados ao tráfico ou a quadrilhas de
assaltantes.
94
Segundo Gomes (2002, p.64):
95
Portanto, no território, no seu sentido político-econômico, o tráfico
estabelece leis e limites que devem ser seguidos e jamais desrespeitados pelos
outros, visto que para o grupo territorializado, o território também é visto como fonte de
recursos, já que representa um valor econômico, visto que é nele que o grupo
comercializa a droga, e nesse sentido também recebe um valor simbólico-cultural que
é importante para o reconhecimento do território pelos “outros”.
A “territorialização perversa” no bairro da Terra Firme está inserida nesse
contexto acima e, portanto, a violência urbana que a metrópole de Belém sofre faz
parte de uma lógica perversa de integração ao crime onde estratégias de grupos
ligados ao tráfico de drogas desafiam o poder do Estado, criam uma outra forma de
poder paralelo a ele e influenciam a expansão da criminalidade.
A Terra Firme é vista pela sociedade como um bairro violento, perigoso e
marginalizado, controlado pelo tráfico de drogas e pela violência, recebendo um
grande destaque da mídia que destaca os principais crimes ocorridos nele, como
mostram as figuras 2, 3 e 4 (abaixo).
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Figura 2 - Terra Firme é um dos mais violentos.
Fonte: O Liberal (2008).
97
Ambas as reportagens fazem alusão ao clima de insegurança com a
criminalidade que a população da Terra Firme sofre. E nesse sentido, evidenciam o
controle do bairro pelos traficantes e assaltantes que colocam a população sobre o
cerco da violência, destacando o controle do bairro por bandidos.
Para não parecer que o bairro inteiro é perigoso, destacaremos as áreas
mais perigosas que, de acordo com os registros da Polícia Civil, são consideradas
áreas de risco devido ao grande número de boletins de ocorrência e as áreas
controladas pelo tráfico de drogas. Os destaques são para as ruas: São Domingos,
próximo ao Tucunduba; Lauro Sodré, no limite com o bairro do Guamá e atrás da
Escola Brigadeiro Fontenelle; Passagem Ligação; Passagem Brasília, próximo à
Ligação, Passagem Comissário; área do campo da Terra Firme; Perimetral, entorno da
UFRA e do NPI; Passagem Nossa Senhora das Graças; Rua do Olaria, área da antiga
invasão da Malvina na descida do canal da Rua dos Mundurucus; Rua 24 de
Dezembro; São Pedro com a Passagem Maranhão; invasão do Curtume Santo Antônio
e principalmente a área de entorno da ponte do Tucunduba.
Essas áreas são os destaques no bairro, apontadas como as mais perigosas
e percebe-se que no caso do entorno do Tucunduba, por representar um local de
encontro entre dois bairros populosos o Guamá e a Terra Firme, tinha-se uma imensa
área de invasão que mesmo com o projeto de revitalização do Tucunduba
permaneceram becos e locais de habitação precária que ainda demonstram o retrato
da segregação e exclusão e além disso é apontada pela polícia como o principal ponto
de entrada da droga no bairro. “Em suma, a violência introduz mais uma desigualdade
social e territorial numa cidade que já possui muitas” (CANO, 1997, p.39).
Escrever sobre a violência urbana é compreender a tática dos pobres
exasperados pela espera, as estratégias permeadas por objetivos incertos e
motivações obscuras; “é conhecer o método que empregam para alimentar-se, quando
suas mesas estão vazias e não lhes és oferecido a oportunidade de se proletarizar”
(PEDRAZZINI, 2006, p. 14).
De certo, encontram-se na Terra Firme muitas áreas com bolsões de miséria
pobreza e são a partir delas que o tráfico e a violência crescem e se territorializam,
principalmente aquelas ruas cheias de becos que servem como fuga. Pode-se dizer
98
que se está diante de um processo de segregação residencial de um grupo social por
outro quando uma parcela da população é forçada ou induzida, em princípio, contra a
sua vontade, a viver em um local no qual, se pudesse escolher, não viveria – ou, pelo
menos, não viveria confinada àquele local, ou ainda melhor, àquele tipo de local.
(SOUZA, 2008, p. 56). O urbanismo desenfreado dos bairros pobres responde ao
urbanismo do medo, assim como a violência dos pobres responde à violência da
urbanização. Face à desordem que parece impor seu ritmo ao movimento das coisas
construídas, o decifrador dos “rituais do caos” (MONSIVÁ, 1995 apud PEDRAZZINI,
2006).
Portanto, para a organização do tráfico e expansão da violência urbana, faz-
se necessário uma desorganização espacial e uma massa de carentes e necessitados
urbanos que se tornam mão de obra farta e descartável para o tráfico. “A isso se
acrescenta que a organização espacial interna típica das favelas inclui uma estrutura
viária labiríntica de becos e vielas estreitos, o que dificulta as tentativas de invasão por
parte de quem não conheça bem o espaço” (SOUZA, 2008, p. 61).
Assim, é importante destacar a idéia de Arendt (1994, p.34) sobre o poder.
Ela afirma que o Poder advém da capacidade de agir em conjunto, ou seja, da
atividade de construir articulações. “É o apoio do povo que confere poder às
instituições de um país”.
Essa afirmação se enquadra na análise do tráfico de drogas. O que delega
poder a essa forma de organização é o apoio do povo, a submissão dos habitantes
vizinhos, não exatamente e apenas as armas e as formas de intimidação dos
traficantes e seus soldados. Ou seja, o narcotráfico não é poderoso por ser violento,
mas pela capacidade de articula-se de forma eficaz. Essa articulação ocorre tanto
junto a essas bases, através de solidariedades orgânicas, quanto junto aos governos e
às redes internacionais de tráfico de drogas, através de solidariedades organizacionais
de acordo com a idéia de Santos (1996).
Nesse sentido, o Estado não será poderoso, está se tornando violento como
vem ocorrendo no Rio de Janeiro, com a questão da militarização urbana e,
dificilmente, conseguirá vencer o narcotráfico sem desarticular a verdadeira base de
99
poder dessa forma de crime. “A cidade é uma fábrica social da violência, onde os
jovens dos bairros pobres são proletários sem descanso” (PEDRAZZINI, 2006, p. 97).
100
Fotografia 13 – Invasão da Lauro Sodré.
Fonte: Couto (2008).
101
Mapa 2 – Bairro da Terra Firme
Fonte: Couto (2008).
102
Assim, quando se observa processos de territorialização de grupos ligados
ao tráfico de drogas em áreas faveladas, têm-se enclaves territoriais em meio a uma
dialética envolvendo a abertura e o fechamento do território, ou seja, a organização em
rede articulada em cadeia com os fornecedores de armas e drogas e consumidores
que fazem parte de um sistema não isolado, mas articulada em redes de relações que
controlam território, desafiam o poder do Estado.
As fotografias 12 e 13 acima apresentam a principal porta de entrada da
droga no bairro da Terra Firme, o Tucunduba e uma invasão dominada pelo tráfico na
Rua Lauro Sodré, atrás da Escola Estadual Brigadeiro Fontenelle, e o mapa 02
demonstra a distribuição dos pontos de venda de droga e suas respectivas áreas de
influência.
103
7 C0NSIDERAÇÕES FINAIS
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Para tanto, os traficantes vão buscar aqueles pontos estratégicos do bairro onde
será mais fácil controlar o território e incorporar pessoas para o seu sistema. A falta de
oportunidades, a pouca participação do estado, a ausência de políticas sociais, a
ausência da família, a dificuldade de sobrevivência, os baixos salários e o desejo pelo
consumo, podem ser apontados como alguns fatores que levam à criminalidade do
tráfico de drogas.
Pode-se assim dizer que a violência impera na Terra Firme junto com tráfico de
drogas que controla grande parte do bairro e incentiva os jovens à criminalidade e
sendo assim, cabe ao estado impor limites à criminalidade e restabelecer a ordem,
caso contrário, o bairro se transformará em uma grande área controlada pelo crime
que envolverá toda a sua população.
Enquanto houver políticas urbanas de segregação e pouca presença do Estado
em áreas problemáticas na metrópole, o tráfico de drogas vai impor suas estratégias
de dominação político-econômico e apropriação simbólico-cultural. E nesta pesquisa,
procurou-se chamar a atenção para a dimensão que o problema relacionado ao tráfico
de drogas na Terra Firme alcançou nos últimos anos, destacando as formas de
organização do tráfico e os fatores determinantes para que a criminalidade violenta
continue a se expandir na cidade.
E como Belém é uma metrópole que cresceu de forma desestruturada em
direção às suas áreas de baixada, significa dizer que ainda existem outros pontos
críticos na cidade que devem ser levados em consideração para um possível projeto
de inserção social e de melhoria da qualidade de vida da população, como uma forma
de impedir a atuação do tráfico de drogas nas periferias.
Cabe ao poder publico atuar de maneira eficaz e precisa nas formulações
políticas públicas para a cidade, como forma de resgatar a cidadania e a segurança da
sociedade e esse é o maior desafio das atuais políticas urbanas, e a Terra Firme,
como um bairro popular, enquadra-se perfeitamente nas possibilidades de reprodução
da economia do narcotráfico em uma articulação que obedece à cadeia de produção e
distribuição da droga, na qual o pobre é a maior vítima da violência e a sociedade,
como um todo, refém do medo e da criminalidade.
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REFERÊNCIAS
CASTRO, Melina. Terra Firme pede socorro. Jornal Amazônia. Belém, 06 abr. 2008.
Cadernos polícia, p. 23.
106
DERENJI, J. Arquitetura eclética no Pará. In: FABBRIS. (Org.) Annateresa: ecletismo
na arquitetura brasileira. São Paulo: Nobel/Edusp, 1987.
107
MARTINS, J. A sociedade vista do abismo: novos estudos sobre exclusão, pobreza
e classes sociais. Petrópolis: Vozes, 2002.
108
SANTOS, Milton. A Natureza do espaço, técnica e tempo: razão e emoção. São
Paulo: Hucitec, 1996.
Terra Firme é um dos mais violentos. O Liberal. Belém, 27 abr. 2008. Atualidades, p.
15.
109
Terra Firme está sitiada. Jornal Amazônia. Belém, 15 ago. 2008. Cadernos polícia, p.
45.
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