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(ARTIGO) Ômega 3 e 6
(ARTIGO) Ômega 3 e 6
REVISÃO
Instituto de Nutrição Josué de Castro, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Resumo
O papel dos ácidos graxos poliinsaturados sobre o sistema imune vem sendo bastante estudado nos últimos anos com o
objetivo de elucidar a dinâmica dos eicosanóides derivados do ácido araquidônico na modulação das respostas inflamatórias e
na imunidade. Os interesses atuais giram em torno dos ácidos graxos n-3 que podem atuar inibindo a síntese dos mediadores
inflamatórios derivados do ácido araquidônico. Apesar do grande número de estudos nessa área, o assunto ainda é controverso.
Esta revisão tem como foco abordar o papel dos ácidos graxos poliinsaturados na síntese dos eicosanóides e sua importância
na inflamação e imunidade além de revisar questões sobre a suplementação dos ácidos graxos n-3, principalmente o óleo de
peixe e sua recomendação dietética.
Abstract
Interest in the effects of fatty acids upon the immune system has intensified with the elucidation of the roles of eico-
sanoids derived from araquidonic acid in modulating inflammation and immunity. The latter interest in this field are the
long chain n-3 polyunsaturated fatty acids that can inhibited the effect of mediators derived from araquidonic acid. Despite
a number of studies, the field remains a controversial one. This review will focus all the importance of polyunsaturated fatty
acids in the synthesis of eicosanoids and their importance in inflammation and immunity and will catch a glimpse by the
supplementation of fish oil and recommendation.
e alongamento diferem entre as séries, decrescendo na partir daí, principalmente se levarmos em consideração
ordem n-3 > n-6 > n-9 > n-7. A Δ6 dessaturase é con- a preferência do organismo em metabolizar os ácidos
siderada a etapa limitante desta conversão. Assim, um graxos n-3. Especula-se que a ingestão ideal seria na
grande excesso de ácidos graxos de uma série na dieta proporção de 5 moléculas de ácidos graxos n-6 para
pode inibir a dessaturação de quantidades menores de 1 molécula de n-3, mas há relatos de que a proporção
um ácido graxo de outra série [10]. possa variar desde 3:1 até 10:1 [15,16].
Quando o suprimento dietético dos ácidos graxos Atualmente, são relatados vários benefícios da
linoléico (LA) e α-linolênico (ALA) é inadequado, ini- ingestão de ácidos graxos poliinsaturados da série
cia-se um processo de substituição destes pelos ácidos n-3, sob a forma de alimentos fontes e até mesmo de
palmitoléico e oléico, que são dessaturados e alonga- óleo de peixe, que passou a ser consumido em maior
dos, para formar ácidos eicosatrienóicos. O aumento abundância, estando relacionado com a prevenção e
de um ácido trienóico, particularmente (C20:3n-9), tratamento de enfermidades cardiovasculares [17],
altera a importante relação trieno:tetraeno, que vem com as doenças inflamatórias do trato gastrintestinal
sendo utilizada com marcador de deficiência de ácidos [18], com infecções e ultimamente, prevenindo lesões
graxos essenciais [11]. e alterações imunológicas em atletas [18].
O perfil dos AGPI dos tecidos e células é com As funções biológicas dos AGPI são muitas e, em
certeza, o resultado líquido de inter-relações complexas sua maioria, não estão bem definidas ainda. As funções
de um grande número de fatores, entre eles: a compo- mais importantes segundo estudos descritos na literatura,
sição de ácidos graxos na dieta, a taxa de oxidação dos parecem ser as seguintes: manter a integridade das células
ácidos graxos antes de serem incorporados aos lipídios, endoteliais [19], prevenindo aterosclerose e alterações
às taxas de elongação e dessaturação, as taxas relativas cardiovasculares [17]; estimular a liberação de insulina
de incorporação em lipídios, a retroconversão dos [20]; inibir a vasoconstricção e a agregação plaquetária
membros mais insaturados e mais longos das famílias [21]; participar no desenvolvimento normal da placenta,
e, competições inter e intrafamílias pelas etapas de do crescimento fetal e do desenvolvimento neuronal [22]
elongação e dessaturação [7]. e participação nas funções imunomoduladoras [23].
O interesse pelo estudo sobre os ácidos graxos Os AGPI também afetam as propriedades fí-
poliinsaturados iniciou-se a partir da década de sessen- sicas das membranas, como fluidez, estabilidade e
ta, após ser observado a correlação entre a ingestão de suscetibilidade ao dano oxidativo, associados ou não
ácidos graxos saturados, com a ocorrência de algumas a outros fatores dietéticos. A deficiência de AGPI,
enfermidades, particularmente as cardiovasculares e nos fosfolipídios de membrana, diminui a sua fluidez
algumas formas de câncer [12]. e, deste modo, pode alterar as funções das enzimas
Simopoulos [5], em estudo recente, revisa as relacionadas às membranas [2].
evidências científicas no que se refere ao balanço da Recentemente, CLARKE [24] mostrou que os
ingestão de ácidos graxos n-3 e n-6 na dieta humana, AGPI não são apenas utilizados como fonte energética
focando nos aspectos evolutivos das dietas ao longo para o organismo e como componentes estruturais
dos tempos, sendo também revisado, o impacto nas celulares, eles também atuam com importantes me-
funções biológicas e metabólicas associando às im- diadores da expressão gênica.
plicações para a saúde quando ocorre um desbalanço
desses ácidos graxos na dieta. Após a revolução agrícola, AGPI e a síntese dos eicosanóides
os cereais passaram a contribuir enormemente para
a alimentação dos seres humanos e cerca de 90% da Muitos estudos evidenciam claramente que a dis-
ingestão alimentar se dá por espécies do reino vegetal tribuição dos ácidos graxos essenciais (AGE) no plasma
[13]. Aveia, milho e arroz correspondem juntos a cerca é modulada pela ingestão dietética e que manipulações
de 75% da produção mundial de grãos e as implicações alimentares influenciam diretamente propriedades de
desse alto consumo de grãos para a saúde humana é regulação importantes dos AGE como as funções de
enorme. Os cereais são boas fontes de carboidratos e primeiro e segundo mensageiro, formação de eicosa-
de ácidos graxos n-6, mas pobres em ácidos graxos nóides, liberação de citocinas, funções de receptores e
n-3 e antioxidantes. Assim, ocorreu um aumento composição da membrana celular [25-27].
expressivo no consumo de lipídeos de origem vegetal, Os eicosanoídes são metabólitos oxigenados
principalmente os óleos de milho, girassol e soja, ricos dos AGE. A família dos eicosanoídes é composta das
em ácidos graxos poliinsaturados n-6, em substituição prostaglandinas, leucotrienos, prostaciclinas, trom-
aos lipídios ricos em ácidos graxos saturados [14]. boxanos e derivados dos ácidos graxos hidroxilados.
Alguns problemas em relação à ingestão propor- Os substratos para a formação dos eicosanoídes são
cional de ácidos graxos n-3 e n-6 começam a surgir a o ácido dihomo-gamma-linolênico, o ácido araqui-
dônico e o ácido eicosapentaenóico. Para a síntese nico seja preferencialmente metabolizado pela via da
destas substâncias, o ácido graxo precursor é clivado ciclooxigenase, os ácidos graxos n-3, especialmente, os
dos fosfolipídios de membrana pela ação da fosfolipase eicosapentanóicos, inibem competitivamente a ativida-
A2 ou fosfolipase C, dependendo do subtipo fosfatidil de da ciclooxigenase [31,32]. Por exemplo, a ingestão
ao qual o AGE está ligado [28]. aumentada de óleo de peixe, rico em ácidos graxos
O ácido graxo resultante da ação da fosfolipase é n-3 poliinsaturados, resulta na diminuição plasmática
então metabolizado. Quando a via de metabolização é de ácido araquidônico [30]. Conseqüentemente, sua
a da ciclooxigenase, há a formação de endoperóxidos disponibilidade e turnover pela ciclooxigenase estão
lábeis como os prostanóides: prostaglandinas (PGs), diminuídos, resultando na menor formação de deri-
tromboxanos (TXs) e prostaciclinas (PCI). Os prosta- vados do ácido araquidônico, aumentando a formação
nóides são substâncias muito potentes mesmo estando de prostanóides derivados do ácido eicosapentaenóico,
em concentrações muito baixas (10-9g/g) e também como a PCI3. A grande importância deste fato se dá, não
possuem uma meia-vida muito curta (menor que 1 só pela alteração das concentrações de tais compostos,
minuto), sendo degradados rapidamente a metabólitos mas sim pela diferença em suas atividades biológicas.
com fraca ou nenhuma atividade [28]. A PGE3 e o TXA3 são menos potentes do que a PGE2
As prostaglandinas compreendem muitos subti- e o TXA2, onde a PCI3 e PCI2 não possuem diferenças
pos, os quais possuem diferentes funções. A prostaglan- importantes em suas ações.
dina E (PGE) tem sido amplamente investigada, em A PGE2 e o LTB4 são potentes eicosanoídes pró-
função do seu importante papel como imunomodu- inflamatórios oriundos da metabolização do ácido
ladora. Entre os tromboxanos, apenas o tromboxano araquidônico pelas enzimas ciclooxigenase e lipooxi-
A (TXA) é ativo, sendo o TXB inativo. Todos aqueles genase, respectivamente.
metabólitos formados a partir de ácido araquidônico O ácido eicosapentanóico (EPA) é preferencial-
(o precursor mais importante) recebem um sufixo mente degradado pela via da lipooxigenase, comparado
“2” (PGE2, TXA2, PCI2) e aqueles oriundos do ácido com o ácido araquidônico, levando a maior formação
eicosapentaenóico recebem o sufixo “3” (PGE3, TXA3, de LT5 e menores níveis de LT4 [33]. O EPA, também
PCI3). O ácido dihomo-gamma-linolênico origina com 20 carbonos, compete com o ácido araquidônico
prostaglandinas do tipo 1, das quais a PGE1 é a mais levando a menor produção de PGE2 e LTB4.
importante do grupo. Todos aqueles eicosanoídes oriundos tanto do
Uma outra via de formação de eicosanóides EPA quanto do dihomo-gamma-linolênico têm efeitos
é a via da lipooxigenase, a qual leva a síntese de fracos, menos potentes, sobre as células imunes. O
leucotrienos. Da mesma forma que a formação dos DHA não é um substrato para as enzimas ciclooxigena-
prostanóides, os AGE liberados dos fosfolipídeos pelas se e lipooxigenase, mas inibe a síntese de eicosanoídes
fosfolipases, são transformados em leucotrienos (LTs) n-6 por atuar inibindo a liberação de ácido araquidô-
pela enzima 5-lipoxigenase. Nesta via, há a formação nico da membrana. Assim, a redução da produção de
do ácido hidroperoxieicosanóico e do leucotrieno A, eicosanoídes inflamatórios a partir do DHA, EPA e
os quais sucedem a formação dos demais membros dihomo-gamma-linolênico é a justificativa do seu uso
ativos da família dos leucotrienos, a saber, LTB, LTC, em determinadas patologias inflamatórias onde seus
LTD e LTE. Os LTs derivados do ácido araquidônico mecanismos de ação seriam similares a de determina-
recebem um sufixo “4” e aqueles oriundos do ácido das drogas anti-inflamatórias [21].
eicosapentanóico recebem o sufixo “5”. Os LTs deri- Vale acrescentar que há uma regulação por
vados do ácido dihomo-gamma-linolênico recebem o feedback da formação de eicosanoídes. Tem sido de-
sufixo “3”, mas há pouca informação disponível sobre monstrado que a PGE1 inibe a formação de LTB4 [34]
sua relevância clínica e bioquímica (Figura 1). e diminui a relação TXA2/PCI2 [35]. Estes exemplos
demonstram que alterações no metabolismo dos
Controle e modulação da liberação dos eicosanoídes pela alteração na disponibilidade dos
eicosanoídes AGE precursores, permite o organismo desenvolver
mecanismos endógenos de controle para regular a
A liberação dos eicosanoídes é estimulada por liberação dos eicosanoídes.
várias substâncias como as citocinas, complexos antí-
geno-anticorpo, fatores de crescimento, radicais livres, Eicosanóides e resposta imune
colágeno e bradicinina [29]. A disponibilidade de AGE
é o mais importante regulador da formação de eicosano- Os eicosanóides em geral regulam a atividade
ídes, onde eles irão competir pelas vias da ciclooxigenase celular principalmente pela alteração dos níveis de
ou da lipooxigenase [30]. Embora o ácido araquidô- AMPc. Um aumento dos níveis de AMPc usualmente
em modelos animais, nos quais o EPA e o DHA pro- saturados n-3 apresentam grande potencial em afetar
veriam mais de 20% do total de ácidos graxos na dieta, a função da maioria das células imunes. A ingestão
sugerem que os ácidos graxos n-3 são antiinflamatórios alimentar deste tipo de ácido graxo desencadeia sua
e imunossupressores [59]. incorporação nas membranas celulares. Considerando
Recentemente, estudos têm evidenciado que que as células imunes estão envolvidas nos processos
baixas concentrações dietéticas de AGPI n-3 (EPA e/ou inflamatórios, esta situação é fundamental para a
DHA em torno de 4,4% do total de ácidos graxos ou síntese de mediadores inflamatórios. Os eicosanóides
1,7% do total energético da dieta) já seriam suficien- são formados a partir da liberação do ácido graxo dos
tes para desencadear alguns destes efeitos supressores fosfolípideos da membrana com conseqüente meta-
sobre a imunidade, onde o EPA, mas não o DHA, bolização enzimática pela ciclooxigenase ou lipooxige-
inibiria a atividade das células NK e ambos, inibiriam nase. Dependendo dos ácidos graxos poliinsaturados
a proliferação de linfócitos [62]. precursores, haverá formação de mediadores com
A suplementação na dieta de humanos com óleo características antagônicas e com diferentes atividades
de peixe varia de 1,2 a 14 g por dia o que já pode biológicas. Em quantidades suficientes, tanto o ácido
evidenciar diferenças entre os resultados descritos eicosapentaenóico quanto o ácido docosapentaenóico,
pelos pesquisadores. Mas, em geral, os relatos são de ácidos graxos da série n-3, são capazes de diminuir a
que ocorra uma diminuição da resposta proliferativa síntese de prostaglandinas da série 2 e leucotrienos da
de linfócitos, redução da quimiotaxia de monócitos série 4, potentes mediadores pró-inflamatórios. Nesse
e neutrófilos, diminuição da produção de IL1, IL2, sentido, o papel dos ácidos graxos n-3 com possível
IFN-γ, IL6 e TNF, além da diminuição na expressão do ação antiinflamatória vem sendo investigado. Além
complexo de histocompatibilidade principal (MHC) disso, os mecanismos pelos quais este efeito é desenca-
II e de algumas moléculas de adesão em monócitos. deado tem sido alvo de grande interesse. Pesquisas vêm
Nestas concentrações, o óleo de peixe não parece afetar sendo realizadas a fim de elucidar o efeito dos ácidos
a fagocitose em células humanas [59]. Já foi descrito graxos na expressão gênica, na composição da mem-
por Caughey et al. [58] uma relação inversa entre as brana celular e nas vias de sinalização. Contudo, em
concentrações de EPA nos lipídios de células mono- relação à suplementação, os dados são inconsistentes
nucleares e a produção de TNF e IL1. pois há divergências entre as faixas de recomendação
Tendo em vista de que um maior aporte dietético desses ácidos graxos para humanos e dos efeitos das
de ácidos graxos n-3 resultaria numa diminuição da doses suplementadas. Assim, mais pesquisas envolven-
concentração de ácido araquidônico na membrana do o uso e os possíveis benefícios dos ácidos graxos
de células envolvidas na inflamação e imunidade, a n-3 em toda a dinâmica imune e inflamatória ainda
suplementação com óleo de peixe, resultaria numa necessitam ser conduzidas.
diminuição da capacidade das células imunes em sin-
tetizar eicosanoídes a partir do ácido araquidônico. O Referências
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