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Nos últimos anos temos visto um aumento considerável da violência no ambiente

escolar e social. Casos trágicos e bárbaros são vistos e noticiados diariamente em todos
os lugares do mundo. A escola que deveria ser um ambiente saudável de formação
acadêmica e de propagação de valores sociais positivos está sendo transformada em um
verdadeiro campo de batalha, onde a tortura psicológica e física, se fazem presentes.
Infelizmente ou felizmente não podemos jogar a culpa exclusivamente nas escolas e nos
educadores, mas sim num conjunto de fatos e contextos que juntos estão culminando
nessa exteriorização da agressividade e violência.
Segundo a autora Ana Beatriz Barbosa Silva (2010), autora de diversos livros sobre a
personalidade humana, uma das características mais marcantes de nossos tempos é o
aumento das demandas do cotidiano, tanto em relação aos pais como em relação aos
filhos. Os pais estão cada vez mais absorvidos pelas atividades profissionais com o
nítido objetivo de gerar recursos materiais que possam financiar o conforto e os estudos
de seus filhos. Estes, por sua vez, vivem às voltas com as atividades escolares e outras
tantas, que visam complementar a sua formação acadêmica, para que possam enfrentar o
tão temido e competitivo mercado de trabalho.
Ou seja, as relações humanas, familiares e sociais estão sendo deixadas de lado em prol
do consumo e da compra de bens materiais e de status social.
Sinto certa nostalgia dos tempos antigos, onde não havia tanta preocupação com o
consumo e cobranças. Mesmo em tempos difíceis de inflação alta, onde a compra de
alguns bens era feita à prazo, onde havia a necessidade de economia e preservação de
alguns bens (que não eram descartáveis) e aos Domingos nada, nenhum comércio era
aberto, podíamos sentir que mesmo com todas as dificuldades da época as pessoas
tinham mais vida e tempo.
A tecnologia foi criada para facilitar a vida do homem, de forma que ele tivesse mais
tempo disponível para usufruir das coisas do mundo, pudesse ter mais tempo livre para
curtir a família e a vida. Porém, o que observamos é que tempo livre é algo raro e caro
atualmente. A tecnologia ao invés de nos dar mais tempo, nos gerou mais cobranças.
Raramente vemos pais que possam passar um período do dia inteiramente com seus
filhos, os ensinado as tarefas escolares ou educando-os para vida.
Silva (2010), ressalta que diante deste panorama atual, constatamos que as relações
familiares passam por profundas transformações, e o efeito mais evidente desse fato, é
um certo,distanciamento entre pais e filhos no dia a dia.
Por isso, ai vai à pergunta: Você sabe o que seu filho está fazendo quando você não está
em casa? Quem são seus amigos? O que ele pensa? Será que está sofrendo ou
praticando alguma agressão na escola?
Muitos pais não sabem, mas seu filho pode estar sendo vítima, agressor ou sendo
observador de casos de bullying na escola.
De acordo com a autora a palavra bullying ainda é pouco conhecida do grande público.
De origem inglesa e sem tradução ainda no Brasil, é utilizada para qualificar
comportamentos violentos no âmbito escolar, tanto de meninos quanto de meninas.
Dentre esses comportamentos podemos destacar as agressões, os assédios e as ações
desrespeitosas, todas realizadas de maneira recorrente e intencional por parte dos
agressores. O termo bullying escolar é um termo que abrange todos os atos de violência
(física ou não) que ocorrem de forma intencional e repetitiva contra um ou mais alunos,
impossibilitados de fazer frente às agressões sofridas.
Passamos a maior parte de nossas vidas, inseridos em instituições de ensino (escolas,
faculdades). É lá que damos início a nossa longa jornada rumo à vida adulta, nos
transformando em cidadãos produtivos e solidários. Em princípio é o que imaginamos,
porém o que vemos é que as escolas também podem ser formadoras de delinquentes e
de pessoas emocionalmente e psicologicamente comprometidas.
Temos que ter em mente que é na aurora de nossa vida que devemos aprender a não
tolerar qualquer tipo de violência, de preconceito e desrespeito ao próximo. O abuso de
poder, a intimidação e a prepotência são algumas das estratégias adotadas pelos
praticantes de bullying (os bullies) para impor e manter suas vítimas sob total domínio.
E tudo de certa forma, se inicia no contexto familiar, onde há o nascimento, criação e
formação da personalidade infantil. A atitude dos pais na criação dos filhos pode ter
uma forte parcela de culpa.
As consequências de alguns exageros e mimos podem facilmente ser vistos nos dias
atuais, ao observarmos que uma grande parcela de pais age de forma excessivamente
tolerante com seus filhos. Basta darmos uma saidinha, uma ida ao shopping ou ao
supermercado para encontrarmos casos de crianças mimadas e cheias de gosto, dando
seus pequenos espetáculos à vista de todos. São nessas ocasiões onde encontramos os
pais do “deixa para lá”, “o bichinho”, os que costumam passar a mão na cabeça de seus
rebentos, diante de comportamentos francamente transgressores. Tais pais costumam
fingir que nada ocorreu, adotam uma postura de falso entendimento ou, pior que isso
censura os filhos de maneira tão débil que suas reprimendas e orientações quase não são
obedecidas e executadas. A criança sempre acaba sendo a vencedora e conquistando o
que quer.
O resultado dessa maravilhosa educação (mais emocional do que racional) é que, desde
muito cedo, as crianças se habituam a fazer tudo o que querem e impõem-se, de forma
autoritária e tirana, perante os pais sobrecarregados e exaustos.
Alguns pais em virtude do sentimento de culpa que carregam por não acompanharem a
vida dos filhos como deveriam, cedem praticamente a todas as vontades e desejos da
criança, tolerando quase tudo, inclusive posturas intoleráveis. Isso é facilmente
observável em circunstâncias que envolvem comportamentos transgressores, o
desrespeito às regras e aos limites estabelecidos.
Os pais se esquecem que um embate crítico, um confronto respeitoso, um chamado às
regras, podem ser um dos maiores atos de amor oferecidos a um filho.
É justamente a omissão educacional dos pais em situações-chave que produz os
conflitos familiares. Alguns casos gerando, inclusive a separação conjugal, devido à
falta de firmeza e de uma postura de autoridade frente às crianças. Educar é confrontar
os filhos com as regras e os limites, além de fornecer-lhes condições para que possam
aprender a tolerar e enfrentar as frustrações do cotidiano.
Segundo Silva (2010), no contexto familiar, os bullies crescidos e mais experientes
podem ser identificados na figura de pais, cônjuges ou irmãos, manipuladores e
perversos, capazes de destruir a saúde física e mental, e a autoestima de seus alvos
prediletos. No território profissional, costumam ser chefes ou colegas tiranos,
“mascarados” e impiedosos. Sua atitudes agressoras (transgressoras) estão configuradas
na corrupção, na coação, no indevido uso do dinheiro público, na imprudência arbitrária
no trânsito, na negligência com os enfermos, no abuso de poder de lideranças, no
sarcasmo de quem se utiliza da “lei da esperteza”, no descaso das autoridades, no prazer
em ver o outro sofrer... Assim, o termo bullying pode ser adotado para explicar todo
tipo de comportamento agressivo, cruel, proposital e sistemático inerente às relações
interpessoais.
Infelizmente o que vemos na nossa sociedade atual é um reflexo da péssima e frágil
estrutura familiar, onde não há tempo para educar, transmitir valores e para o convívio
em família. Os jovens refletem no dia a dia a cultura na qual estão inseridos, a cultura
do egoísmo e do capitalismo. Eles exprimem um comportamento repleto de elementos
infantis, egocêntrico e desenfreado de compensações e gratificações imediatas.
Devido ao aumento considerável da violência em todos os âmbitos sociais, acreditamos
que em casa nossos filhos estarão mais seguros, porém estamos aniquilando o que há de
melhor na infância, que é o aprendizado através das brincadeiras ao ar livre, o convívio
social e a formação da inteligência emocional. Como não podem usufruir dos campos,
árvores e ambientes abertos, os entretenimentos de muitas crianças diariamente são os
vídeos games, computadores, televisão, etc.
Nossas crianças estão sendo formadas pela cultura dos sites de relacionamentos, da
internet e das programações televisivas, pois há falta de espaço e tempo para ler, correr
e brincar. Tornam-se a cada dia mais individualistas, consumistas e imediatistas.
Formarão a sociedade futura do “.com”, “enter” e “download concluído”.
Devemos lembrar que a personalidade resulta da interação do temperamento com a
grande variedade de situações que vivenciamos ao longo do tempo. O temperamento diz
respeito aos traços biológicos que herdamos (material genético) de nossos familiares. Já
a nossa história psicológica é formada por uma gama de comportamentos e sentimentos
que desenvolvemos como resposta às diversas circunstâncias da vida.
O que essas crianças e adolescentes estão vivenciando para estarem tão agressivos e
com uma tolerância tão baixa às frustrações?
Por que estamos presenciando a tantos casos de violência nas escolas brasileiras, alguns
chegando a homicídios e suicídios?
De acordo com Silva (2010), uma pessoa com predisposição genética a quadros de
psicoses e que esteja em estado de estresse constante (como bullying, por exemplo)
pode não ser capaz de suportar. Isto é, a partir dos assédios morais sofridos, uma doença
mental que ainda estava latente (adormecida) passa a gritar furiosamente, com
distorções dramáticas da realidade. Por isso, que em alguns casos de bullying a vítima
pode querer vingar-se dos seus agressores, podendo a chegar a casos extremos como
homicídios, por exemplo.
A palavra afeto vem de “afetar”, de modificar através das emoções e dos sentimentos.
Dessa forma, um trauma psicológico é capaz de deixar cicatrizes não só na “alma”, mas
também em nosso cérebro. Da mesma forma, situações positivas ou posturas
transcendentes perante as mazelas vitais podem “tatuar” nossos cérebros com força e
determinação, capazes de transformar as fragilidades de uma fase da vida em diferenças
vitoriosas no futuro. Por isso, a importância de uma estrutura familiar forte e atuante.
Lidar com as diferenças interpessoais constitui um dos maiores desafios que a nossa
espécie enfrenta desde que o mundo é mundo. As guerras talvez sejam o exemplo mais
fidedigno dessa dificuldade, segundo Silva (2010). Diariamente uma minoria absoluta
de indivíduos tenta fazer dessa situação a regra e não a exceção, nos mais diversos tipos
de relações. São os tiranos que tentam conquistar o poder a qualquer custo, não
importando as vidas e vítimas que encontrem pela frente. Esses tiranos estão espalhados
em diversos contextos sociais: nas chefias do mundo corporativo público ou privado,
nas lideranças políticas, nas ruas, nas diferentes esferas religiosas, nas escolas ou até
mesmo num aconchego de um lar.
É preciso considerar que comportamentos agressivos do tipo transgressor são muito
comuns e frequentes na adolescência, afinal é nesse período da vida que nos lançamos
no mundo em busca de nossa identidade. Porém, quando estes comportamentos nos
impedem de viver de forma harmoniosa e “normal”, faz-se de suma importância que a
família esteja atenta e aberta para buscar ajuda de profissionais qualificados e atuar de
forma mais incisiva frente a estes comportamentos, ajudando o filho a canalizar para o
bem esta agressividade.
Como comentamos anteriormente, para ser considerado bullying é necessário que o
comportamento agressivo apresente natureza repetitiva e ocorra em um contexto de
desequilíbrio de poder. As atitudes e ações são qualificadas como repetitivas quando os
ataques são deferidos contra a mesma vítima, pelo menos duas ou mais vezes ao longo
de um mesmo ano letivo.
Segundo Silva (2010) as pesquisas apontaram que as crianças e adolescentes autores de
bullying tendem de fato a adotar comportamentos antissociais nos primeiros anos de
vida escolar. A maioria deles se comporta assim por uma nítida falta de limites em seus
processos de educação. Muitos pais esperam que a escola faça milagres na educação dos
filhos, coisa que nem eles mesmos em casa conseguiram fazer.
O bullying pode sim acontecer em faixas etárias precoces, como por volta dos 3 aninhos
de idade, o que pode surpreender algumas famílias. Por isso, a importância de os pais
estarem sempre atentos para qualquer comportamento diferente de seus filhos, seja
isolamento, choro constante, medo de coisas imaginárias ou uma auto ou
heteroagressividade. É preciso acompanhar a criança em todo o seu processo de
desenvolvimento, dando-lhe o suporte necessário para sanar problemas ou para lidar
com comportamentos que necessitam ser trabalhados, como a falta de limites, por
exemplo.
Segundo Silva (2010), a luta antibullying deve ser iniciada desde muito cedo, já nos
primeiros anos de escolarização. A importância da precocidade das ações educacionais
se deve ao incalculável poder que as crianças possuem para propagar e difundir idéias.
Elas facilmente se transformam em agentes multiplicadores, capazes de educar, por vias
alternativas, seus familiares e funcionários domésticos, criando-se, assim um círculo
virtuoso no empenho pela paz.
Por isso ressaltamos a importância da escola e da família formarem uma forte parceria e
cumplicidade em prol de ensinar a criança a adequar-se da melhor forma às normas
sociais e ao relacionamento interpessoal saudável. O bullying resulta muitas
vezes da ausência de um modelo educativo que associe autorrealização pessoal com
atitudes socialmente produtivas e solidárias, podendo fazer com que os agressores se
sintam gratificados somente com atitudes egoístas e maldosas, que lhe conferem
notoriedade e autoridade sobre os demais alunos. Em outros casos os agressores podem
adotar comportamentos transgressores por estarem vivenciando dificuldades
circunstanciais em seus relacionamentos familiares (doenças, separação dos pais, morte
de um parente querido, etc.), o que é muito comum. Por fim, encontramos também uma
minoria de jovens que tem a transgressão pessoal e social como base estrutural de sua
personalidade. Esses agressores são desprovidos de consideração, de empatia e de
compaixão por seus colegas, irmãos, professores e até mesmo por seus pais. Suas
atitudes expressam uma maneira de sentir na qual o outro tem a única função de lhe
proporcionar diversão, status e poder.
Não há dúvidas de que o bullying é um fenômeno mundial que estimula a delinqüência
e induz a outras formas explícitas de violência, capazes de produzir, em níveis diversos,
cidadãos estressados, com baixa autoestima e reduzida capacidade de autoexpressão.
Além disso, podem levar as vítimas a estarem propensas a desenvolver doenças
psicossomáticas, transtornos mentais leves e moderados e até psicopatologias graves.
Conforme Silva (2010), ainda é preciso reiterar a interferência drástica que o bullying
produz no processo de ensino e aprendizagem e de socialização em nossas crianças e
jovens. Para algumas vítimas, mesmo após a interrupção do bullying, as consequências
advindas dessa violência tendem a se propagar por toda uma existência, em decorrência
das experiências traumáticas difíceis de serem removidas da memória.
Além de poder provocar uma associação errônea no cérebro de ensino e aprendizagem
como algo ruim, provocando inconscientemente no indivíduo uma aversão a tudo que
remete a escola. Em casos mais graves, quando a violência é intensa e contínua, a vítima
pode chegar a cometer suicídio ou praticar atos desesperados de heteroagressão e
autoagressão (homicídio seguido de suicídio).
O bullying é, antes de tudo, uma forma específica de violência. Sendo assim, deve ser
identificado, reconhecido e tratado como um problema social complexo e de
responsabilidade de todos nós, inclusive dos Estados e da União. É algo que deve ser
combatido e tratado, como também divulgado.
Em alguns países como a Inglaterra, por exemplo, há campanhas de âmbito nacional
divulgadas através da propaganda televisa, onde artistas (cantores, jogadores de futebol)
fazem relatos dos casos de bullying que sofreram e de que essa violência deve acabar.
A ação das escolas brasileiras perante o assunto ainda está em fase embrionária, de
acordo com Silva (2010). A maioria absoluta não está preparada para identificar e
enfrentar a violência entre seus alunos ou entre os alunos e corpo acadêmico. Essa
situação se deve a muito desconhecimento, muita omissão, muito comodismo e uma
dose considerável de negação da existência do fenômeno.
É preciso sair da inércia e do comodismo, deixando de lado o espírito empresarial e
capitalista, que atualmente as escolas adquiriram (principalmente as particulares), para
lembrarem-se do seu real papel frente às crianças e a sociedade que é a educação e
formação.
É preciso uma mudança rápida em todos os âmbitos, para começar a virar esse jogo.
Primeiramente uma mudança no contexto social e familiar. Em seguida, as escolas
precisam inicialmente, reconhecer a existência do bullying (em suas diversas formas) e
tomar consciência dos prejuízos que ele pode trazer para o desenvolvimento
socioeducacional e para a estruturação da personalidade de seus estudantes.
Nesse sentido, a escola pode e deve representar um papel mais forte na redução desse
fenômeno, por meio de programas preventivos e ações combativas nos casos já
instalados. Para isso, é necessário que as instituições de ensino atuem em parceria com
as famílias dos alunos e com todos os setores da sociedade que lutam pela redução da
violência em nosso dia a dia.
Além disso, faz-se de suma importância a capacitação de seus profissionais
(professores, zeladores, auxiliares de sala, psicólogos, funcionários em geral) para
identificação, o diagnóstico, a intervenção e o encaminhamento adequado de todos os
casos ocorridos em suas dependências.
Bullying é um fato e não dá mais para botarmos panos mornos nas evidências.
As nossas crianças e jovens de um modo geral necessitam de uma maior atenção e
respeito, pois são o futuro da humanidade. E o que será desta sociedade futura com este
aumento exacerbado da violência?
Fica ai a pergunta para reflexão.

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