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“MÃE, FIQUE COMIGO!

ANSIEDADE DE SEPARAÇÃO NA INFÂNCIA

Artigo publicado em: 21/09/2012

O medo da separação de figuras de forte vinculação afetiva é algo já previsto no


desenvolvimento infantil. Alguns exemplos são quando o bebê chora ao ser
retirado do colo da mãe ou a reação emocional de crianças pré-escolares no
primeiro dia de aula. A ansiedade, como se vê, se mostra presente desde a
infância. No entanto, quando a ansiedade atinge níveis elevados que perturbam a
rotina da criança ou de seus familiares devido ao afastamento dos mesmos,
fazendo-a evitar atividades diárias e apresentando sintomas físicos sem
constatação clínica, pode trazer prejuízos ao desenvolvimento infanto-juvenil
através do transtorno de ansiedade de separação.

Estudos em populações americanas indicaram que os transtornos de ansiedade


têm prevalência estimada entre 8 e 12% [1]. Por sua vez, no Brasil, um estudo
populacional encontrou índices de prevalência de 4,6% em crianças e 5,8% entre
os adolescentes. Apesar de suas primeiras descrições na literatura datarem do
início do século XIX, apenas no início do século seguinte foram descritos os
primeiros casos clínicos de ansiedade infantil. Sigmund Freud relatou um caso de
fobia em 1909, conhecido como Pequeno Hans. A partir da década de 40, com o
número de crianças órfãs em virtude da Segunda Guerra Mundial, cresceu o
interesse de pesquisadores da época em estudar a ansiedade na infância.

Até a década de 80, os manuais de classificação dos transtornos mentais


estabeleciam que as manifestações de ansiedade na infância eram transitórias. A
partir de então, as três categorias iniciais desse transtorno foram ampliadas,
existindo na versão mais atualizada do Manual Diagnóstico e Estatístico dos
Transtornos Mentais- DSM IV cerca de dez tipos, cujos critérios de diagnóstico
abrange crianças e adolescentes. Dentre eles, apenas o Transtorno de Ansiedade
de Separação é definido como exclusivo da infância e adolescência (APA, 2000).

Este transtorno é caracterizado pela vivência de ansiedade excessiva em função


do afastamento de casa ou de figuras de apego e vínculo. Cabe destacar que a
reação emocional exagerada diante do afastamento dos pais é esperada no
desenvolvimento de crianças pré-escolares, motivada pela insegurança gerada
pela ausência dos cuidadores. A ansiedade de separação e a ansiedade diante de
estranhos costumavam ser consideradas como marcos no desenvolvimento
emocional e cognitivo da segunda metade da primeira infância (período de 0 a 3
anos de idade), constituindo reflexos do apego à mãe.

Porém, no percurso do desenvolvimento, para que a ansiedade seja considerada


um transtorno, ela deve interferir no funcionamento da vida diária do indivíduo,
repercutindo negativamente também na rotina e bem-estar de cuidadores. Assim,
o DSM-IV estabelece uma série de critérios para o diagnóstico do Transtorno de
Ansiedade de Separação. Pelo menos três deles devem estar presentes em
relação ao afastamento de casa ou dos pais. Dentre os sintomas possíveis estão o
sofrimento excessivo e recorrente diante da ocorrência ou iminência de
afastamento; preocupações persistentes e excessivas acerca de perigos
envolvendo os pais ou a si mesmo; recusa ou resistência a ir desacompanhado
para a escola ou outros locais; temor em ficar sozinho em casa; preocupação
persistente e excessiva acerca de perder ou sobre possíveis perigos envolvendo
as figuras de apego; temor excessivo de que um evento indesejado ocasione à
separação das pessoas com quem se vincula (como perder-se ou ser
sequestrado); repetidas queixas de sintomas somáticos (sintomas sem
comprovação médica, como dores de cabeça e abdominais) quando a separação
de figuras importantes de vinculação ocorre ou é prevista; pesadelos repetidos
envolvendo a possibilidade de separação e relutância ou recusa persistente a ir
dormir sem a presença de uma figura de vinculação ou para pernoitar longe de
casa.

Outros critérios relevantes são o prejuízo funcional e significativo em áreas da vida


da criança (como o acadêmico e o social), a duração dos sintomas de pelo menos
quatro semanas e que ele não ocorra durante o curso de outros transtornos de
comportamento. O diagnóstico também requer que o quadro tenha início antes dos
18 anos de idade.

Diante da ocorrência ou previsão de afastamento dos pais ou das figuras de


vinculação, a criança e o adolescente com este transtorno tendem a apresentar um
medo irreal de que algo muito ruim aconteça com eles ou com seus pais que
impediria o reencontro com eles. Os medos mais frequentes são ferimentos
graves, morte e sequestro, que podem ocorrer até mesmo durante o sono,
perturbando-o. Ao passo disso, eles tendem a seguir e perseguir os pais dentro de
casa (ou fora dela, através de telefone, incessantemente), recusam-se a dormir
sozinhos ou a saírem de casa desacompanhados. Não raro, diante da separação
ou na antecipação do afastamento, sentem uma saudade sufocante que
ocasionam sintomas corporais como dores de cabeça, náuseas e dores
estomacais.

Este transtorno é mais comum em crianças com idade 7 a 9 anos, havendo


diferenças em como expressam os medos. Por exemplo, crianças com idade entre
5 e 8 anos costumam preocupar-se e terem pensamentos trágicos sobre os pais,
ao passo que protestos, acessos de raiva, apatia e desconcentração são mais
comuns em púberes de 9 a 12 anos. Por sua vez, sintomas psicossomáticos e
recursa escolar são manifestados em adolescentes. Cabe destacar que não há
distinção entre os sintomas de acordo com o sexo.

Cabe destacar que várias situações históricas podem influenciar o surgimento de


sintomas de ansiedade. Cada caso deve ser avaliado individualmente, mas alguns
fatores são relatados na literatura, como mudanças de escola ou domicílio, doença
de algum membro familiar ou separação conjugal. Não raro, com acesso a
reportagens que destacam a vulnerabilidade humana a eventos sociais aversivos,
como sequestros relâmpagos, assassinatos e assaltos a mão armada, eles sentem
o perigo mais próximo e, assim, temem que algo ruim aconteça a si mesmo ou
com seus familiares.

Com o medo de afastar-se dos familiares, crianças e adolescentes podem perder


oportunidades de contato social, como excursões, viagens e reuniões em casas de
amigos. Assim, pode prejudicar a socialização dos mesmos, uma vez que
preocupados consigo e com os outros, poderão não se envolver em atividades ou
serem alvos de fofocas ou chacotas sociais. Ademais, essa ansiedade também
pode perturbar a rotina laboral dos pais, que tenderão a receber inúmeros
telefonemas, checando onde estão e solicitando que estes vão resgatá-los.

Diante deste panorama, é necessária uma avaliação criteriosa. Os


comportamentos, por mais disfuncionais que pareçam, são mantidos pelas suas
consequências no ambiente. No caso da ansiedade, tendemos a fugir ou evitar o
contato com os estímulos que causam temor. Outra questão que comumente
acontece é que, emitindo verbalizações de medo de que algo ruim aconteça, os
ouvintes tendem a reassegurar que nada irá acontecer, protegendo e acalentando
a criança/adolescente. Além disso, se com isso evitam que os pais saiam de perto
delas, ou se esquivam de responsabilidades como a escola ou de se exporem a
situações sociais, tais consequências fortalecem o comportamento ansioso.

Algumas recomendações são válidas para prevenir este transtorno:

 Desde cedo, diante dos afastamentos dos pais, estes devem sinalizar para onde
irão e quando devem retornar, porém, com uma certa “margem de erro”. Por
exemplo, “volto quando o sol se pôr”, “venho para te colocar para dormir”. Se for
dar uma saída e for demorar, não adianta dizer que volta logo, ou estipular os
minutos (“volto em dez minutos”). Recomenda-se estabelecer as horas para mais,
para evitar os atrasos em virtude dos imprevistos. Não é recomendada a “saída à
francesa”.
 Recomenda-se que a despedida seja algo natural. Coloca-se em evidência as
questões satisfatórias que os filhos terão contato na escola (o melhor amigo, a
aula da disciplina que tem afinidade, os paqueras) e não o afastamento ou as
exigências (por exemplo, “não me ligue!”).
 Alguns pais, em momentos de irritação, podem ameaçar o abandono do lar diante
do comportamento inadequado da criança visando a diminuição da frequência
deste. Por exemplo, “se você fizer isso de novo, eu vou embora e não volto mais!”.
Em brigas conjugais, esta fala também é comum. Diante de crianças ansiosas,
então, não se recomenda este tipo de verbalização, pois ela provoca ansiedade e
deixa a criança alerta quanto à possibilidade deste perigo.
 Elimine estímulos ambientais que possam remeter aos perigos sociais: evite
assistir jornais diante dos filhos, supervisione o que estes estão vendo na internet
e também os assuntos das rodas de amigos. Tendo conhecimento dos perigos que
circundam a sociedade, o jovem pode ficar ansioso quanto à iminência de algo
aversivo quando este ou seus pais for sair de casa, mesmo quando há segurança.
 Trate de segurança, mas sem apavorar os filhos. Ao invés de “ligue a cerca
elétrica, pois bandidos não escolhem a hora de assaltar as casas”, diga um
simples “ligue a cerca elétrica”. Se você tem medo e se sente inseguro quando sai
de casa, tente não verbalizar suas fragilidades diante dos filhos. Procure ajuda,
mas com outras pessoas.
 Incentive o brincar, o contato com os colegas e o lazer. Quando estão em um
contexto com estímulos satisfatórios, estas situações concorrem com as
preocupações, fazendo com que o medo fique em segundo plano.
 Diante do medo da criança ou adolescente, jamais afirme a sua invulnerabilidade a
eventos como doença, morte ou mazelas sociais, apenas mude o foco, apontando
as evidências que não favorecem o perigo. Por exemplo, se o adolescente revelar
o medo de ficar sozinho em casa, lembre-o da segurança que possui no momento,
que reduz a probabilidade de que algo ruim aconteça, como o porteiro, a trava da
porta ou a cerca elétrica.

O risco é inerente à vida. O ser humano é vulnerável e a vida é finita. Mas tais
preocupações na infância e adolescência acaba reduzindo o brilho da vida que se
vê com mais clareza apenas nesta fase da vida. Assim, para evitar que esta
ansiedade prejudique a adaptação da criança no ambiente ou evolua para outro
transtorno de ansiedade (como transtorno de pânico ou de ansiedade
generalizada), procure um profissional de sua confiança.

[1] Viana, Campos e Landeira-Fernandez (2009). Transtornos de ansiedade na


infância e adolescência: uma revisão. Revista brasileira de terapia
cognitiva, v.5, n.1.

http://www.inpaonline.com.br/mae-fique-comigo-ansiedade-separacao-infancia/

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