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TISMOO.

ME EUA: 1 AUTISTA PARA 18 DE JUNHO:


A TODO VAPOR CADA 54 NASCIDOS DIA DO ORGULHO AUTISTA

ANO VI - Nº 09 - JUN/JUL/AGO 2020

Os impactos da
PANDEMIA
00009

GRATUITA
DISTRIBUIÇÃO
ISSN 2596 - 0539

053005
772596
9
EXPEDIENTE - Revista Autismo
Ano VI — número 9
Junho de 2020
EDITORIAL
ISSN: 2596-0539 Tempos difíceis. Mas nada como uma crise para nos reinventarmos.
Distribuição gratuita A crise financeira gerada pela pandemia de Covid-19 não poupou quase nin-
Periodicidade trimestral guém. E não foi diferente com esta Revista Autismo e todo o ecossistema da
Tiragem deste número: 5 mil exemplares causa. Primeiro nos sentimos chamados a fazer algo pelos eventos do Dia Mun-
Revista Autismo é uma publicação de circulação dial de Conscientização do Autismo (majoritariamente em março e abril) na
nacional fundada em 2010 com o objetivo de iminência de serem cancelados. Nos dias 12 e 13 de março, com o crescimento
levar informação de qualidade, isenta e imparcial.
A respeito de autismo, é a primeira revista periódica vertiginoso de mortes pelo novo coronavírus na Itália, vimos que seriam ine-
da América Latina, além de ser a primeira do mundo vitáveis os cancelamentos e adiamentos. Do dia pra noite, organizamos o 1º
em língua portuguesa.
Congresso Online pelo Dia Mundial de Conscientização do Autismo — que
Editor-chefe e jornalista responsável:
teve um público de mais de 40 mil pessoas, assistindo a 12 horas de conteúdo,
Francisco Paiva Junior - MTb: 33.245
editor@RevistaAutismo.com.br em 34 palestras de autistas, pais, especialistas e até Mauricio de Sousa e sua
Direção de arte e design: filha Marina. Tamanho foi o sucesso que já planejamos repeti-lo todo ano.
Alexandre Beraldo Num segundo momento, nos vimos sem patrocinadores e sem a menor pers-
xberaldo@gmail.com
pectiva de publicar esta edição de junho. Mas, é nessa hora que precisamos se-
Revisão e Traduções:
guir a velha expressão “do limão fazer a limonada”. Saímos em busca de novos
Márcia F. Lombo Machado
marciaflm@gmail.com patrocinadores, de apoio, de suporte, de doações até para manter a revista viva.
Consultores científicos: E foi aí que construímos uma edição maravilhosa, não só de conteúdo e design
Alysson R. Muotri e Diogo V. Lovato (modéstia à parte), mas também pela maneira como ela foi feita, com a ajuda
Colaboradores deste número: de muitos: além da compreensão e auxílio dos nossos parceiros e fornecedores,
Alysson Muotri, Ana Paula Innocenti, Bia Raposo, tivemos doações de inúmeros anônimos e o apoio de novos patrocinadores, novos
Bruna Innocenti, Camila Alli Chair, Carla Bertin,
Diego Lomac, Eduardo Ribeiro, Fátima de Kwant, amigos da causa, aos quais somos imensamente gratos — inclusive fizemos, a
Fausta Cristina Reis, Gerardo Wisosky, Gian Franco eles, uma página de agradecimento (veja nossa contracapa).
Rocchiccioli, Haydée Jacques Freire, Karine Koerich
Busch Lobe, Kamilla Brandão E. Baima, Kamila Saímos desta edição, que começou com nada mais que incertezas, aliviados
Castro Grokoski, Lucas Ksenhuk, Marcelo Vitoriano, por não interromper nosso ciclo de publicações trimestrais e, mais do que
Mauricio de Sousa, Meca Andrade, Nicolas Brito
Sales, Otávio Crosara, Paula Arabia, Priscilla Cabral,
isso, revigorados e muito mais esperançosos. Ainda que estejamos passando
Raquel Botelho, Rosa Magaly Morais, Tiago Abreu, por descomunal crise (estabelecendo um novo “normal” para todas as áreas,
Victor Mendonça, Wagner Yamuto.
quiçá, para a vida humana), sobrevivemos e estamos ainda mais confiantes em
Impressão: manter e expandir nossa missão de levar informação de qualidade a respeito
MaisType
de autismo Brasil afora, quem sabe mundo afora!
Patrocinadores:
Clínica Somar, Grupo Método, Intituto UniTEA,
Mais uma vez, nosso muito obrigado a todos que colaboraram para que esta
Pande, São João Alimentos. edição pudesse existir!
Ilustração da capa: Beatriz Raposo
Fundadores (2010):
Martim Fanucchi
Francisco Paiva Junior
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Editado por: PAIVA JUNIOR chulé e é exímia desenhista. envie mensagem para o mesmo email citado acima.
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São Paulo (SP), CEP 01415-000 Como citar artigos publicados nesta revista (padrão ABNT):
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Os artigos assinados não representam número da edição, páginas inicial-final, mês ano de publicação.
necessariamente a opinião da Exemplo: MUOTRI, A.. Minicérebros humanos, um novo modelo experimental para o estudo do
Revista Autismo e seus editores. TEA. Revista Autismo, São Paulo, ano V, n. 4, p. 44-46, mar. 2019.
INTROVERTENDO
ESTRESSE 18 DE JUNHO: DIA DO TRANSFORMA
PARENTAL ORGULHO AUTISTA AUDIO EM LIBRAS
pág.10 pág.14
pág. pág.46

NOVOS A REDE SOCIAL OS AVANÇOS CIENTÍFICOS


NÚMEROS DOS TISMOO.ME ESTÁ PARA O TRATAMENTO
EUA: 1 PARA 54 A TODO VAPOR DO AUTISMO
pág.32 pág.37 pág.40

LIVRO:
PROPÓSITO AZUL OS IMPACTOS
pág.48 DA PANDEMIA
DE COVID-19
SESSÕES NO UNIVERSO
andré e a turma da mônica pág.07
DO AUTISMO
o que é autismo? pág.08
aconTEAcimentos pág.33 reportagem de capa pág.16

COLUNAS

matraquinha pág.13
coluna da meca pág.29
autismo legal pág.31
tudo o que podemos ser pág.36 Leia este QR-code
com seu celular e
trabalho no espectro pág.38 acesse a versão online
autismo severo pág.44 desta edição com
liga dos autistas pág.50 conteúdo extra.
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estudante psicóloga paleontoartista neurocientista nutricionista jornalista

VICTOR KAKÁ KAMILLA MÁRCIA MAURÍCIO GERARDO


MENDONÇA LOBE BRANDÃO MACHADO DE SOUZA WISOSKY
jornalista advogada contabilista arquiteta desenhista empreendedor
As informações a seguir não
dispensam a consulta a um médico
O QUE É AUTISMO especialista para o diagnóstico

O QUE É AUTISMO?
Saiba a definição do Transtorno do Espectro do Autismo
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O autismo — nome técnico ofi- apenas uma suspeita clínica, ainda 2004, pela organização Aspies for Free-
cial: Transtorno do Espectro do Au- sem diagnóstico fechado —, pois dom (EUA).
tismo (TEA) — é uma condição de quanto mais cedo começarem as in-
saúde caracterizada por déficit na- tervenções, maiores serão as possi-
Consulta médica
Veja a seguir alguns sinais de autis-
comunicação social (socialização e bilidades de melhorar a qualidade
mo. Apenas três deles numa criança
comunicação verbal e não verbal) de vida da pessoa. O tratamento
de um ano e meio já justificam uma
e comportamento (interesse restri- psicológico com maior evidência de
consulta a um médico neuropediatra
to e movimentos repetitivos). Não eficácia, segundo a Associação Ame-
ou a um psiquiatra da infância e da
há só um, mas muitos subtipos do ricana de Psiquiatria, é a terapia de
juventude. Testes como o M-CHAT
transtorno. Tão abrangente que se intervenção comportamental. O trata-
(com versão em português) estão
usa o termo “espectro”, pelos vários mento para autismo é personalizado
disponíveis na internet para serem
níveis de comprometimento — há e interdisciplinar. Além da psicolo-
aplicados por profissionais.
desde pessoas com condições as- gia, pacientes podem se beneficiar
Referências, links e mais informações
sociadas (comorbidades), como de- com fonoaudiologia, terapia ocupa-
estão na versão online.
ficiência intelectual e epilepsia, até cional, entre outros, conforme a ne-
pessoas independentes, que levam cessidade de cada autista. Na escola,
uma vida comum. Algumas nem
sabem que são autistas, pois jamais
um mediador pode trazer grandes
benefícios no aprendizado e na inte-
Sinais
tiveram diagnóstico. ração social. de autismo:
Não manter contato visual por
As causas do autismo são majori- Alguns sintomas como irritabili-
mais de 2 segundos;
tariamente genéticas. Confirmando dade, agitação, autoagressividade,
estudos recentes anteriores, um tra- hiperatividade, impulsividade, de- Não atender quando chamado
pelo nome;
balho científico de 2019 demonstrou satenção, insônia e outros podem
que fatores genéticos são os mais ser tratados com medicamentos, Isolar-se ou não se interessar por
outras crianças;
importantes na determinação das que devem ser prescritos por um
causas (estimados entre 97% e 99%, médico. Dentre os medicamentos Alinhar objetos;
sendo 81% hereditário — e ligados indicados, a risperidona, que é da Ser muito preso a rotinas a ponto
a mais de 900 genes), além de fato- classe dos antipsicóticos atípicos, é o de entrar em crise;
res ambientais (de 1% a 3%) ainda mais comum. Não usar brinquedos de forma
controversos, que também podem Em 2007, a ONU declarou todo 2 de convencional;
estar associados como, por exemplo, abril como o Dia Mundial de Cons-
Fazer movimentos repetitivos
a idade paterna avançada ou o uso de cientização do Autismo, quando sem função aparente;
ácido valpróico na gravidez. Existem cartões-postais do mundo todo
atualmente 943 genes já mapeados se iluminam de azul (cor esco- Não falar ou não fazer gestos para
mostrar algo;
e implicados como fatores de risco lhida por haver, em média, 4 ho-
para o transtorno — sendo 102 genes mens para cada mulher com TEA). Repetir frases ou palavras em mo-
mentos inadequados, sem a devi-
os principais. O símbolo do autismo é o quebra- da função (ecolalia);
-cabeça, que denota sua diversidade
Tratamento e sinais e complexidade. Não compartilhar interesse.
Alguns sinais de autismo já podem O dia 18 de junho é o Dia do Orgu- Girar objetos sem uma função
aparecer a partir de um ano e meio lho Autista (simbolizado pelo infinito aparente;
de idade, e mesmo antes, em casos nas cores do espectro do arco-íris),
Apresentar interesse restrito
mais graves. Há uma grande im- considerando o autismo como iden- ou hiperfoco;
portância em iniciar o tratamento tidade, uma característica da pessoa
Não imitar;
o quanto antes — mesmo que seja — data celebrada originalmente em
Não brincar de faz-de-conta.
08 R EVI STA AUTI SMO
ROSA MAGALY MORAIS #RESPECTRO
é médica psiquiatra, especialista
em infância e adolescência.

@centro_psiquiátrico CONTEÚDO
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CENPI Centro Psiquiátrico Interdisciplinar
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ESTRESSE
PARENTAL E
TRANSTORNO
DO ESPECTRO
DO AUTISMO
O
transtorno do espectro do autismo (TEA) é a deficiência
oculta — sem características físicas reconhecíveis —
com o maior número de diagnóstico na última década.
O impacto do diagnóstico não é restrito ao indivíduo
identificado, mas permeia esferas distintas no macroam-
biente. Mais de 80% dos cuidadores (aqui incluo como
sinônimo de “pais” os familiares que moram, são afe-
tivamente próximos e ou responsáveis), relatam sentir
“estresse além do limite”.
Sabe-se que o estresse afeta parentalidade, manejo de
comportamentos desafiadores, relacionamento conjugal
e produtividade laboral. A descrença na capacidade de
cuidar do próprio filho é bem maior ao compararmos
pais de pessoas com TEA com responsáveis por indiví-
duos com outros transtornos mentais. Essas informações
ld o

são ratificadas por diferentes estudos e em culturas dis-


o: x b e ra

O suporte aos tintas. Entretanto, o suporte aos cuidadores como parte


de estratégias de tratamento é pouco priorizado. Ações
cuidadores é
Il u s tr a ç ã

simples e óbvias são negligenciadas, agravando o prog-


pouco priorizado. nóstico. Não há política de “cuidados aos cuidadores”.

10
R EVI STA AUTI SMO
Presume-se que a reação ao diagnóstico do TEA é pro-
porcional à gravidade dos sintomas. Mas a sensação
de confusão, negação, culpa e insegurança diante da
necessidade de tomada de decisões depende, sim, da respectivamente, 35% e 21%
rede de suporte envolvendo os pais. Mesmo referindo menor quando comparados a
apoio de familiares e de amigos, é frequente que res- outros provedores. Cumprir
ponsáveis recebam críticas pelo estilo parental. Há uma a carga horária do emprego é
cobrança implícita para indivíduos atípicos apresentarem um desafio, seja pelas intercor-
sempre postura convencionada como típica. Isso gera rências comportamentais e/ou
julgamentos incabíveis e sensação de fracasso nos que pela demanda de intervenções.
educam. Muitas vezes, há afastamento dos parentes A incerteza de acesso aos servi-
e isolamento de atividades sociais. Esse retraimento, ços de atendimento (públicos e
minoritariamente, é um desejo parental. A resposta privados) perpetua o sofrimento.
esperada, e mais saudável, seria a aceitação e a sensa- Além disso, múltipla jornada de
ção de pertencimento ao grupo. Porém, a sociedade trabalho e restrição no orçamen-
condiciona, seja por desconhecimento, seja por escassez to familiar triplicam a ocorrência
de mecanismo de acessibilidade em locais públicos, o de transtornos psiquiátricos e clí-
exílio. Interessante notar que, apesar de os pais relata- nicos nesses cuidadores.
rem perder amigos, especialmente as mães estabelecem Infelizmente, os cursos su-
novos ciclos de amizades – nos quais compartilham periores nas áreas da saúde e
experiências de ter um filho com TEA. educação não abordam adequa-
Os complexos desafios de cuidar cobram pedágio à saúde damente alterações no neurode-
dos pais. O desassossego tem início com a percepção de senvolvimento. Desse modo, a
“algo-diferente” no desenvolvimento do filho; peregri- reformulação na grade curricu-
nando por diversos profissionais; com recorrência da lar e campanhas de conscienti-
resposta sobre “preocupação de pais” e associação dos zação são vitais para reduzir o
comportamentos rígidos e estereotipados à “dificuldade intervalo entre a percepção dos
em colocar limites”. O receio é negligenciar a janela de
oportunidades para a melhora dos filhos. Impossibili-
dade de descansar; associada ao comprometimento da
qualidade de sono; dietas em decorrência de transtor-
nos alimentares nos filhos; necessidade de vigilância e
cuidados constantes; “efeito shopping” (impacto social
dos comportamentos inadequados e birras em locais
públicos); alta taxa de separação conjugal; desejo de
atenção aos outros filhos; recorrência de TEA na prole
ou em genitores, levam à exaustão.
Adicionalmente, com gastos até nove vezes maio-
res, mães e pais de crianças com TEA têm renda,

R EVI STA AUTI SMO 11


limitações, processo de enfrentamento e aceitação de cada
parente. É válido ainda ter ciência de que aquiescência
e planejamento familiar repercutem em estratégias fun-
cionais de adaptação e colaboram para melhor prognós-
tico. O plano terapêutico deve equilibrar prioridade do
indivíduo, desejo dos pais e alternativas de tratamento
disponíveis, de forma individualizada e constantemente
reavaliada. O foco não é a “normalização”, mas a indepen-
dência. Por outro lado, é necessário destacar, sempre que
possível, alterações positivas no fenótipo do transtorno
pais e o diagnóstico. A postu- do espectro autista. Essa percepção é um potente moti-
ra acolhedora dos profissionais, vador para resiliência em quem cuida. Quando há orien-
ao investigar a queixa técnica e tação adequada, os pais são capazes de fornecer suporte
eticamente, além de diminuir consistente e reforçador ao comportamento apropriado
o estresse parental, contribui e abordar efetivamente comportamentos negativos. Por
para o estabelecimento de in- isso, programas de intervenção para indivíduos com TEA
tervenções precoces. A equipe devem, obrigatoriamente, oferecer orientação sistemática
de atendimento deve oferecer para cuidadores.
informações apropriadas, basea- A comunicação intrafamiliar clara e contínua e a abor-
das em evidências e ajustadas às dagem coerente e unificada contribuem para redução
necessidades da família. Presta- do estresse, melhora da convivência e empoderamento
dores disponíveis, qualificados e parental diante de situações-problemas e demandas
capazes de entender às nuances cotidianas. Vários programas de educação para pais já
de cuidar de uma criança com foram utilizados com sucesso para avaliar melhora dos
TEA, constituem a base para pais sintomas de TEA. Em contrapartida, há poucos relatos
seguros e mais capazes de lidar de propostas específicas para abordagem do estresse
com o impacto do diagnóstico. À parental. Modelação de comportamento, seja por ví-
equipe técnica cabe apresentar e deos ou na presença de um mediador, participação em
orientar a melhor alternativa de grupo de orientação de pais; treinamento estruturado e
intervenção. Entretanto, exceto suporte social parental on-line são medidas eficazes na
em situações de risco à integri- mediação do estresse e, secundariamente, na melhora
dade física, a decisão concerne de ansiedade e depressão.
aos protetores legais. Ao pensarmos em grupos terapêuticos para cuidadores
É preciso empatia para entender é preciso considerarmos as particularidades culturais as-
sociadas ao gênero, à divisão de tarefas e ao sustento das
famílias. Além disso, características como a localização
dos encontros, a acessibilidade, o tempo de deslocamento
e a possibilidade que outros cuidem das crianças no mo-
mento de orientação interferem diretamente na adesão
de pais e cuidadores aos programas de apoio e devem,
portanto, fazer parte do planejamento da intervenção.

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Ilustração: Camila Alli Chair
APRAXIA

FALA
DA

Matraquinha

Wagner Yamuto
de sempre, abrimos a janela e o céu
é pai do Gabriel (que tem autismo)
e da Thata, casado com a Grazy de brigadeiro estava lá, implorando
Yamuto, fundador do Adoção Brasil, para ser curtido e apreciado em um
criador do app Matraquinha, belo parque.
autor e um grande sonhador. Levamos as bicicletas e notamos que
os pneus estavam murchos, mas para
matraquinhaoficial sorte nossa, dentro do parque havia
@matraquinhaoficial uma daquelas tendas que fazem repa-
matraquinha — Bom di ros simples nas bikes, como encher os
matraquinha.com.br — disse, assim pneus, regular os freios e, de quebra,
mesmo, sem o “a”. comprar aquela buzina que as crian-
— Bom di — ças adoram.
respondi. O senhor que nos atendeu foi super gentil
Aposentei meu despertador! E quando abri os e cobrou apenas o café. O Gabriel olhou para
Desde a chegada do Gabriel, minha esposa e olhos, era o Gabriel que aquele senhor que salvou o nosso passeio
eu não precisamos mais de despertador. Faça aos onze anos de idade, e que tinha aquela famosa “barriguinha
chuva ou faça sol, em domingos e feriados conseguiu desejar bom dia com palavras. de chopp” e não fez por menos, também
despertamos entre 6h e 6h30. A emoção que senti foi indescritível, minha resolveu agradecê-lo.
Normalmente sou acordado com alguém pu- esposa vibrou e ele, sem entender nada do que Deu um belo de um abraço, beijou sua
xando minha cabeça do travesseiro, e quando estava acontecendo, puxou minha cabeça do “barriguinha de chopp” e disse:
me dou conta, já estou sentado na cama. No travesseiro como faz todos os dias. — Neném.
começo era difícil, mas com o passar do tempo Mas acordar cedo tem seu lado bom, o dia Numa hora dessas, em que a apraxia da
acabei entendendo que este era o “Bom dia” rende mais, o clima da manhã é mais agra- fala deveria entrar em ação, não entrou.
do nosso filho, já que ele tem muita dificuldade em dável e além disso é um bom horário para ir Felizmente todos riram da situação,
pronunciar palavras por causa da apraxia da fala. ao parque. desejamos um bom dia e seguimos para
Recentemente acordei com alguém dizendo: Certo dia, o Gabriel nos acordou no horário nosso passeio de bike.

R EVI STA AUTI SMO 13


Ilustração: Alexandre Beraldo
VICTOR MENDONÇA @autista_mundo
Mundo Autista
é jornalista, escritor, apresentador e mestrando em mundoautista.selmaevictor/
comunicação social. Foi diagnosticado autista aos @mundo.autista
11 anos, em 2008. Mantém o site “O Mundo Autista” omundoautista.com.br
(omundoautista.com.br) no Portal UAI, é autor de seis
livros, incluindo “Outro Olhar” e “Neurodivergentes”.

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14 R EVI STA AUTI SMO


e, portanto, somente autistas
podem senti-lo. Para eles, o
Dia do Orgulho Autista não
foi criado como forma de im-
primir glamour à condição.
O objetivo é criar uma cultu-
ra de identidade autista, até
como forma de prevenir o
18 de junho: suicídio nessa parcela da po-
Dia do Orgulho pulação. Para esses ativistas,
Autista a narrativa negativa impres-
sa no autismo faz com que
muitas pessoas no espectro
sintam-se um peso para suas

N
famílias, o que pode levar a
consequências drásticas de
depressão e suicídio.
Por fim, o Dia do Orgulho
Autista foi criado para com-
bater todas as formas de pre-
conceito e ignorância. Afinal,
elas podem agravar os desafios
vivenciados pelas pessoas au-
tistas. Isso inclui as formas de
o dia 18 de junho, comemora-se o Dia do Orgu- intolerância relacionadas com
lho Autista. A data foi celebrada originalmente a cultura autista. Alguns exem-
em 2004 pela organização americana Aspies for plos são as ideias de que ser
Freedom. No Brasil, o primeiro tema abordado foi neurotípico é “melhor” do que
“aceitação, não cura”, em 2005, durante um evento ser autista e de que casos mais
em Brasília. Desde então, a data tem se populariza- leves e sutis não devem fazer
do a cada ano no país. O objetivo do Dia do Orgulho parte do espectro do autismo.
Autista é mudar a visão negativa tanto dos meios As campanhas, em datas
de comunicação quanto da sociedade em geral com como essa, mostram que a
relação ao autismo. Dessa forma, a condição passa criação de uma cultura de or-
a ser vista não como doença, mas como diferença. gulho da identidade autista
É importante destacar que a visão de autismo liberta muitas pessoas no es-
como “diferença” não é contraditória à visão da pectro de sentirem-se mal por
condição como deficiência. Assim, entende-se de- características inerentes à pró-
ficiência como característica da pessoa que, em pria condição. O Dia do Orgu-
interação com determinadas barreiras do ambiente, lho Autista busca jogar luz no
causa um prejuízo funcional na vida desse indi- lado positivo dessas particula-
víduo. Portanto, se o ambiente for favorável para ridades. Afinal, seguindo esse
que a pessoa autista desenvolva suas habilidades conceito, as pessoas autistas,
e competências, ela poderá desenvolver o máximo munidas das ferramentas ne-
do próprio potencial sem deixar de ser quem é. O cessárias, podem explorar o
Orgulho Autista, inspirado no movimento do Orgu- máximo do próprio potencial
lho LGBT, reconhece o potencial inato em todas as para ser feliz e contribuir po-
pessoas. O arco-íris no símbolo do infinito é usado sitivamente à sociedade. E é
para representar esse dia, o que simboliza a diver- isso que todos nós queremos,
sidade, com infinitas variações e possibilidades. não é mesmo?
Muitos pais de autistas são críticos no que se re-
fere a essa comemoração. Eles afirmam que têm
orgulho dos filhos, mas não do autismo. Os ativistas
do movimento pela neurodiversidade, por outro
lado, alegam se tratar de um orgulho “político”
R EVI STA AUTI SMO 15
Ilustração: Bia Raposo

Como o novo
coronavírus
impactou a vida
e o mundo no
universo do autismo
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R EVI STA AUTI SMO


FRANCISCO PAIVA JUNIOR

é editor chefe da Revista Autismo

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A
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pandemia de Covid-19, causada pelo novo corona- Uma certeza, porém, já tenho: nunca mais sere-
vírus, o Sars-CoV-2, vem produzindo repercussões mos os mesmos e temos a oportunidade de, como
não apenas de ordem biomédica e epidemiológi- humanos, sermos melhores. Será uma escolha de
ca em escala global, mas também repercussões e cada um, com ou sem uma ligação com o Transtorno
impactos sociais, econômicos, políticos, culturais do Espectro do Autismo (TEA).
e históricos sem precedentes na história recente
das epidemias. E não tem sido diferente em todo Rotinas quebradas, confinamento
o ecossistema do autismo. Pessoas com autismo, e o ‘novo normal’
famílias, profissionais, instituições, associações,
eventos, clínicas, todos, sem exceção, foram rele- O distanciamento social, obrigatório ou voluntá-
vantemente impactados. rio, trouxe importantes quebras em velhas rotinas
Tamanha é a complexidade e a abrangência desse de pessoas com autismo e suas famílias. Quem
impacto, que tento, nas próximas páginas, mostrar conhece o autismo, sabe o quão importantes são
os diferentes aspectos do que tem acontecido e do as rotinas para a maioria das pessoas, em todo o
quão diferente está o mundo para todos, especial- espectro, dos mais comprometidos aos mais leves.
mente aos direta ou indiretamente envolvidos com Interromper e impedir a continuidade dessas roti-
o universo do autismo. nas é, normalmente, um grande desafio a cada um.
Não espero responder a todas as questões, mas, Mas cada pessoa, cada família, é um caso especí-
em muitos casos, pelo menos provocar reflexão e fico, com seu contexto, suas possibilidades, seus
levantar pontos de vista para o debate. recursos e suas variáveis, não há uma regra geral.
As respostas são apenas algumas poucas, diante Salvia Belota, nutricionista que mora em Manaus
desse infindável mar de questionamentos. Espero (AM), tem um filho com autismo clássico, Gabriel,
aqui lhe dar uma pequena amostra deste cenário de 16 anos, não-verbal, e ambos estão confinados
histórico pelo qual todos estamos passando, como em casa desde 10 de março. “Nesse tempo todo,
uma fotografia que capta uma fração de segundo teve dois dias que o Gabriel acordou meio esquisi-
do momento. to, meio irritado. Fora isso, ele está reagindo bem.
Agora a mediadora e o personal trainner
começaram a vir fazer intervenções em
Álbum pessoal

casa, com toda uma preocupação em re-


lação a manter a distância, esterilizar os
equipamentos, todos de máscara”, narrou
ela, que tem asma e está no grupo de risco. Vale
destacar que Manaus foi uma das primeiras cida-
des do Brasil a ter seu sistema de saúde colapsado
pela pandemia.
Do outro lado do espectro, a webdesigner Joana
Scheer, autista leve de 33 anos, teve Covid-19, com
sintomas de muito cansaço e dificuldade para res-
pirar. No início do distanciamento social, ela come-
çou a ter mais crises, ficar apreensiva e com muita
ansiedade. “Não tive medo de pegar a doença, nada
Manaus (AM): Gabriel e
seu professor de educação
Rodrigo Lopes treinando
em casa, com máscara
e material esterilizado. R EVI STA AUTI SMO 17
disso, mas eu fiquei muito mal mais por um processo incrível de
pela mudança de rotina mesmo. Eu aproveitar os pequenos momen-
tenho muita dificuldade em manter o tos. As incertezas, apesar de já
foco e para mim é um prazer ficar em nos terem garantido muitas noi-
casa e não receber visita, não interagir. tes insones, também trouxeram
Então, para mim isso não é um pro- esta lição”, filosofou a estudante
blema, nunca foi. É um prazer. Minha de arquitetura.
dificuldade está justamente em sair, O médico psiquiatra da infân-
interagir, mas a mudança na rotina cia e adolescência Caio Abujadi,
me fez ter mais crises e ficar muito que atende no Rio de Janeiro
ansiosa e nervosa”, relembrou Joana, com isso, eu estou podendo ter (RJ), analisa o cenário atual
que mora em São Paulo (SP). mais liberdade para pensar e como único, em que o autismo
Joana foi orientada pela neurolo- conseguido ser criativa”, narrou é um componente a mais. “A
gista a evitar o noticiário, ficar longe a webdesigner. sociedade tem tido uma difi-
da TV e das redes sociais. Foi quan- “Eu sinto falta da minha rotina, culdade muito grande com re-
do, segundo ela, começou o melhor: por incrível que pareça, embora lação ao contexto psicológico e
“Quando começou toda essa his- reclamasse dela. Não da rotina, psiquiátrico. Não têm sido só
tória da quarentena, eu comecei a mas [reclamava] do excesso de as crianças com espectro do au-
ver notícias de menos poluição no socialização. Sinto falta de ver tismo, os pais, os familiares, os
planeta, os animais voltando a ca- gente, mas me estresso quando professores, os terapeutas, os
minhar pelas ruas, a camada de isso é em excesso”, relatou Aline médicos… o caos psicológico e
ozônio mostrando sinais de cura e Caneda, de Santa Maria (RS), au- psiquiátrico já está instalado de
comecei a ver a solidariedade das tista de 28 anos, fotógrafa e gra- todos os lados. Temos um pa-
pessoas, então isso me trouxe muita duanda em pedagogia. norama de medo, mesmo quem
alegria, me deu um alento muito Josiane Soares, psicóloga e au- não está com medo da Covid-19
grande. Em relação ao autismo, eu tista, de 23 anos, relatou: “Não teme a problemática econômica,
tenho dificuldade em criar e em me importo de ficar em casa e temos uma instabilidade polí-
manter o foco em algo. Sou muito me sinto bem por não ter visitas tica, é um momento de muita
boa em copiar, mas sou muito ruim imprevisíveis. A parte negativa dificuldade. E isso para o pa-
em criar. Porém, agora, sem tanta é que meus vizinhos estão em ciente com autismo é um pro-
pressão do mundo, das pessoas, do casa desorientados, ocasionan- blema muito grande e sério, por
planeta, eu comecei a ter ideias, do demasiados barulhos com ser uma pessoa extremamente
a criatividade foi aumentando, músicas, conversas etc.”, recla- sensível ao ambiente”, avaliou
então, no momento em que eu tive mou ela, que mora no interior ele, que tem majoritariamente
paz, tranquilidade, foi quando eu do estado do Mato Grosso. pacientes com TEA.
consegui ficar bem. Em resumo, “Como convivo com a fobia “Senti falta do trabalho — do
tirando o fato de eu ter pego a social há muito tempo, o iso- dinheiro também, óbvio! —, mas
Covid-19 e minha prima ter fa- lamento até agora não teve ne- sei que o momento de parar foi
lecido recentemente, eu tô muito nhum efeito direto sobre mim. preciso. Quanto ao isolamento,
bem, porque eu não sou obrigada A ordem sob a qual boa parte eu sempre fiquei em casa, só
a receber visita, não tem pressão do mundo atualmente vive — saindo quando extremamente ne-
familiar, nem pressão da socie- com saída apenas para ativida- cessário, então não mudou nada
dade para ganhar dinheiro e, des essenciais — é rotina em nesse aspecto. Estou na chácara
minha vida desde a infância”, com meus pais, porque minha
relembrou Fernanda Queiroz, irmã trabalha em hospital. Outra
autista, brasileira que mora em situação que faz falta é poder
Portugal. “O lado que considero comprar o que eu gosto e pre-
bom é o fato de minha família ciso, muita coisa está em falta”,
estar aqui. Não sei explicar, pois ponderou Érica Matos, 37 anos,
é uma sensação diferente, mas turismóloga, autista e moradora
todos aqui estamos passando de Brasília (DF).
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é imprescindível para todos; e para este público,
Autismo é grupo ainda mais.
de risco? No exterior e em alguns pontos do Brasil, houve
denúncias de pessoas com deficiência com Covid-19
Ter o diagnóstico de TEA faz a pessoa ser consi-
estarem tendo menos prioridade em UTIs lotadas,
derada no grupo de risco para Covid-19? E se tiver
no caso de necessidade de respiradores. Um absurdo
deficiência intelectual associada? E se tiver neces-
que parece ter sido sanado. “Os direitos humanos
sidades sensoriais que o faz sempre levar mãos e
universais, incluindo os direitos das pessoas com
objetos à boca?
deficiência, não devem ser violados no momento
Segundo o neuropediatra Paulo Liberalesso, todas
de uma pandemia. Os governos têm a responsabi-
as crianças com qualquer condição de saúde crônica
lidade de garantir que sua resposta inclua pessoas
devem ser consideradas dentro do grupo de risco
com autismo. Pessoas com autismo nunca devem
para Covid-19. “Crianças com insuficiência cardíaca
enfrentar discriminação ao procurar atendimento
ou renal, diabetes e com condições neurológicas
médico. Elas devem continuar a ter acesso aos siste-
também, particularmente as que têm saúde debilita-
mas de apoio necessários para permanecer em seus
da. As que têm alterações comportamentais, seja por
lares e comunidades em tempos de crise, em vez
transtorno do desenvolvimento intelectual, seja por
de enfrentar a perspectiva de institucionalização
TEA, também estão no grupo de risco. Uma parte
forçada”, disse António Guterres, Secretário-Geral
delas, por ter um comprometimento imunológico.
da ONU, no dia 2 de abril, em mensagem para o Dia
Sou capaz de explicar a uma criança de 6 a 7 anos
Mundial de Conscientização do Autismo.
de idade que ela não deve tocar nas coisas e pôr a
Orientações importantes, como por exemplo, de
mão na boca, que não deve tocar nas pessoas e pôr
como usar a máscara — que, segundo a Anvisa não
é obrigatória em crianças com menos de 2 anos e
em pessoas que não conseguem retirá-la sozinhas
—, foi um dos temas de cartilhas educativas lan-
Cuidado ao çadas, como a da Turma da Mônica e a da equipe
administrar do Laboratório de Terapia Ocupacional e Saúde
Mental (LaFollia) da Universidade Federal de São
qualquer
Carlos (UFSCar) — (links destes e de outros materiais
medicamento a
estão na versão online).
uma pessoa com
autismo para
tratar Covid-19 Terapias, online e offline
Há um consenso entre médicos e terapeutas: se
for possível, a terapia não deve parar. Mas o desafio
de fazer terapia presencial com todos os cuidados
a mão nos olhos. Agora, explicar isso a uma criança necessários ou online com todas as novidades do
da mesma idade com deficiência intelectual ou com método, para o autista, a família e o profissional
autismo pode ser uma recomendação muito mais são um esforço hercúleo na maioria dos casos.
complexa. Parte dessas crianças não vai entender A psicóloga Sabrina Helena B. Ribeiro, doutora
ou não vai ter o julgamento de risco devido”, ex- em psiquiatria e psicologia médica, relata que seus
plicou o médico neuropediatra e diretor-técnico do clientes têm apresentado uma diversidade enorme
Cerena (Centro de Reabilitação Neuropediátrica do de situações, contextos e consequências. “Algumas
Hospital Menino Deus), em Curitiba (PR). famílias foram resistentes a fazer terapia online no
Outro ponto importante é o cuidado ao adminis- início, mas tentaram e agora estão se saindo muito
trar qualquer tipo de medicamento a pessoas com bem, em alguns casos, até melhor do que no consul-
autismo, principalmente aos que têm comorbida- tório, com a participação das mães, e estamos pen-
des (outras doenças associadas), para um possível sando em manter assim, inclusive. Outras famílias,
tratamento de Covid-19, além da importância de nem quiseram tentar, infelizmente”, relatou ela. “Há
haver exame para qualquer suspeita. A testagem situações, porém, em que as mães não conseguem

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“Estamos
reinventando
nossa instituição”

assumir esse papel, por diversos motivos. Algumas


famílias apesar das tentativas, perdem o horário,
um dia faz terapia, no outro não, aí a criança não
adquire esse hábito. Está todo mundo aprendendo presenciais do TEAcolher, que
novos hábitos, de estudar online, fazer terapia on- agora estão acontecendo online.
line, conversar com as pessoas pelo computador. Os profissionais se dispuseram
Para nós também isso é novo, todos precisam de um a fazer atendimento online. E o
tempo para aprender”, esclareceu ela, que atende TEAtualizar vem com a novida-
em São Paulo (SP) e região. de de ter uma parceria com a
Sua sócia no consultório, a fonoaudióloga Aline Revista Autismo a partir deste
Fiori também narra que os casos são os mais di- ano e passa a entregar a revis-
versos possíveis, com inúmeros contextos e desen- ta na casa do associado, além
rolares. “Tenho um paciente bem grave, que fazia da distribuição de exemplares
atendimento quatro vezes por semana, e agora tem para a Secretaria Municipal de
uma acompanhante terapêutica (AT) que vai na Educação, para a informação
casa todos os dias e estamos trabalhando online. chegar à toda a rede municipal
Normalmente não treinamos a família ou acompa- de Caxias do Sul. Assim como
nhantes para casos de apraxia da fala, a gente que levaremos exemplares a clíni-
manipula mais a criança, só treino os pais quando cas e centros de apoio a pes-
realmente é com o caso já mais evoluído, em que a soas com deficiência. Estamos
criança já consegue verbalizar. Mas o Conselho de reinventando nossa instituição”,
Fonoaudiologia liberou os profissionais para fazer contou Raquel Ely, presidente
teleatendimentos para que as crianças e seus fami- do UniTEA e mãe de uma me-
liares não se exponham tanto”, descreveu Aline, que nina com autismo.
é doutora em distúrbio da comunicação humana. A AMA (Associação de Ami-
gos do Autista) de São Paulo,
por s eg u ra nça, su spe ndeu
Instituições
quase todos os atendimentos
O Instituto UniTEA, de Caxias do Sul (RS), que diretos, mantendo apenas as
está com funcionamento interno e atendimentos residências em funcionamento
apenas com hora marcada, para evitar aglomera- e, para isso, construiu um pro-
ções e exposição desnecessária das pessoas, pas- tocolo de cuidados para resi-
sou a ajudar famílias com a distribuição de cestas. dentes e profissionais, baseado
“Não são cestas básicas, são cestas customizadas nas diretrizes da OMS. “Para a
que estamos mandando na casa das famílias asso- AMA é uma ocasião para co-
ciadas que pedem. Também demos isenção de 60 meçar a procurar e planejar
a 90 dias no valor da mensalidade da associação, formas de ajudar os assistidos
que já era um valor simbólico. Tínhamos os grupos e as suas famílias à distância”,
frisou Franciny Mancini, coor-
denadora geral da instituição.
A neuropsicóloga Joana Por-
tolese, coordenadora do am-
bulatório Protea (Programa do
Transtorno do Espectro Au-
tista) do Instituto de Psiquia-
tria do Hospital das Clínicas e

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Faculdade de Medicina da USP horário livre, uma agenda com- joanaportolese@usp.br, não ne-
(IPq-HC-FMUSP), avisa que o binada e organizada. Sabemos cessitando ser de São Paulo.
ambulatório tem ficado aberto que muitos têm necessidade de
toda sexta-feira, mas foi feita sair, ao menos dar uma volta de Mais riscos de acidentes
uma triagem telefônica, e quem carro, certamente isso tem dado e violência domésticos
realmente precisar de um aten- um alívio a algumas crianças,
dimento presencial fica liberado adolescentes e adultos. E hoje Com a pessoa com autismo
para ser atendido. Ela percebe temos um espaço mais demo- sempre em casa, em muitas si-
que as famílias têm buscado crático de informação, com psi- tuações aumentou o risco de
muitas informações na internet. quiatras fazendo lives, como o acidentes domésticos. A psicólo-
“Veja que muitos têm assistido Guilherme Polanczyk e muitos ga Sabrina Ribeiro relatou que a
lives e vídeos de profissionais outros, com orientações inte- família de um garoto com autis-
da área, por exemplo, o Grupo ressantes. Isso tudo, porém, de- mo que ela atende teve de levar
Método tem um canal do You- pende de a família ter acesso a filha de dois anos ao hospital
Tube, em que a Meca Andrade à internet hoje”, declarou ela, por duas vezes para levar pon-
vem dando algumas orienta- que é pesquisadora associada tos na cabeça. O apartamento de
ções (link na nossa versão online). ao Autismo&Realidade do Ins- dois quartos para seis pessoas,
Claro que orientações, que in- tituto Pensi do Hospital Infantil neste momento o dia todo em
clusive a Revista Autismo vem Sabará. Joana ainda citou estar casa, sem dúvida potencializou
divulgando, são úteis, como es- organizando um grupo para esse risco.
tabelecer a rotina, ter um espaço treinamento parental (de pais) Há relatos também de casos
específico para as atividades da gratuito — quem quiser partici- de violência doméstica. Con-
escola, ter horário para brincar, par, basta enviar um email para tra mães — testemunhado por
filhos com autismo — e até mesmo con- do maior evento presencial de não tendo comportamentos dis-
tra autistas. As famílias não querem se autismo do Brasil anualmente, funcionais, mas é uma situação
identificar e, muitas vezes, nem prestam adiado este ano para 2021, no artificial. Por outro lado, aquilo
queixa na polícia. Não ter para onde Rio de Janeiro (RJ). que é mais esperado, há outro
ir e ser dependente financeiramente As consultas médicas à dis- grupo que, diante da alteração
deixa a situação da mulher ainda mais tância têm trazido benefícios de rotinas, apresenta aumento
complexa. Há os homens que não aban- não só a autistas, mas também da ansiedade pelo isolamen-
donaram as famílias por terem filhos aos médicos. Caio complementa to e convivência intensa com
com autismo, mas agem até pior. Será com sua experiência: “Com a te- a família, em pequenos espa-
difícil saber estatísticas a respeito deste lemedicina, agora vejo o pacien- ços. Isto significa maior quan-
assunto durante a pandemia. E julgar te no ambiente dele, brincando tidade de estímulos sensoriais,
não é o melhor caminho. dentro da casa, perto dos pais, com agudização dos sintomas já
e tenho aprendido muito com presentes antes da quarentena
Ansiedade, isso. Estou pensando inclusive — como agressividade e desor-
medicação, em incluir isso na minha prática ganização — ou sintomas novos
telemedicina clínica permanentemente. Tem — como sintomas mais ligados
sido muito rica essa experiên- à ansiedade, que são os rituais,
O aumento da ansiedade tem sido cia”, narrou ele. os tiques, alterações de sono... E
outro fator muito relevante na socie- O Conselho Regional de Me- o que mais me preocupa é a ali-
dade como um todo. Entre autistas, dicina (CRM) liberou excepcio- mentação, que muitas vezes vira
mais. Não só pelo medo de infectar-se nalmente a telemedicina “para uma forma de barganha e um
pelo novo coronavírus, mas pelo cená- orientação e o encaminhamento calmante; e essas pessoas ter-
rio imprevisível e a situação econômi- de pacientes em isolamento; su- minam ganhando muito peso.
ca. “Estamos tendo que fazer muitas pervisão ou orientação médicas Nós ganhamos peso, imagine
consultas gratuitas, reduzir bastante sobre parâmetros de saúde e/ eles com exercício físico dimi-
o preço de algumas consultas, aqueles ou doença e troca de informa- nuído, isolados em casa e com
que conseguem estão pagando, mas tem ções e opiniões entre médicos, a possibilidade da comida ser
muita gente com dificuldade econômi- para auxílio diagnóstico ou te- uma forma de controle compor-
ca. Tem sido muito difícil este momento. rapêutico”. Para pacientes que tamental!”, exclamou a médica
Muitas vezes, o paciente está em estado demandem exame físico ou al- do ProTEA do Instituto de Psi-
grave tendo agressividade, inflama- terações bruscas na medicação é quiatria do Hospital das Clíni-
do, deprimido, mas quando vou ver preciso atendimento presencial. cas da Faculdade de Medicina
os pais, estão tanto quanto ou até pior “Tenho feito orientação de pais da Universidade de São Paulo.
que o paciente e aí fica um caos. Então em relação aos novos desafios Para a médica neuropediatra e
nosso trabalho é organizar as famílias, e, para pacientes novos, eu faço geneticista Iara Brandão, todas
ajudá-las a estruturar um raciocínio, es- o contato com os pais e com a as crianças e adolescentes fica-
tabilizar o ciclo sono-vigília, estabilizar equipe online e a observação ram com comportamento muito
a medicação psiquiátrica para que eles e avaliação física presencial- difícil neste período. “Não só
fiquem mais calmos, para organizar a mente, uma vez por semana”, os que têm alguma condição
rotina de si mesmo e do filho e a reco- explicou a médica psiquiatra de saúde, especialmente os que
mendação mais importante é não parar da infância e adolescência Rosa têm autismo, mas as crianças de
as terapias, para quem puder”, expli- Magaly Morais. uma maneira geral estão muito
cou Caio, que coordena a organização “Se por um lado tem alguns diferentes neste período, com
pacientes que surpreenderam a convivência com a famílias
com a diminuição da demanda cerceada, os comportamentos
social, da demanda pedagógica ficam cheios de manias, de de-
e do número de intervenções sobediências, pois a criança tem
— o que os deixou numa zona manifestação diferente quando
de conforto, em que não são se sente acuada ou ameaçada,
contrariados, não há frustra- distinto do que os pais reconhe-
ção, não há um trabalho con- cem, e os pais nem conseguem
tínuo, um esforço para uma compreender aquele tipo de
melhora, então eles terminam comportamento”, exemplificou
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ela. “Não é hora de mexer grandemente em medica- 30 minutos. “As maiores demandas são
ção, a não ser de forma urgente, pois essa transição sobre casos de agitação, crise nervosa e
tem de ser bem conhecida pelo profissional, para não regulação do sono, damos orientações
cometer abuso com relação ao uso de medicamentos, sobre estratégias de manejo frente às di-
seja aumentando a dose, seja diminuir ou associar ficuldades específicas da criança”, expli-
medicação. E precisa ser bem conversado com a fa- cou ele, que relatou um grande número
mília e o terapeuta”, alertou Iara. de ligações de fora de Curitiba.
Milena Carneiro, mãe da Yasmin, menina de 14 “Também orientamos visitar o site da
anos, com autismo, conta que a filha tem ganhado prefeitura [de Curitiba] para ter acesso
peso e dormido muito, apesar de estar se comuni- a dois materiais que elaboramos: uma
cando mais. “Talvez seja a medicação”, desconfia cartilha sobre sugestões de atividades e
ela, que, no início das restrições sociais impostas, outra explicando a Covid-19 para pessoas
conseguiu seguir algumas orientações por vídeo, com autismo”, finalizou Eduardo (os links
enviadas pelo professor de educação física Jardel para ambas as cartilhas estão na versão online
Costa, do Movimento Especial, de São Paulo (SP). desta reportagem).
Dormir demais pode ser um sinal de depressão, “Aqui não precisou de lei, decreto etc.
principalmente em autistas não verbais, que não Partiu do envolvimento dos servidores
conseguem se expressar bem para relatar algo. O públicos. Curitiba já estava atendendo
mesmo conta Keli Melo, mãe do Idryss, ele tem au- em tele-health as demandas da Covid-19.
tismo severo, síndrome de Syngap1 e síndrome de Então, esse atendimento especializado foi
Ehlers-Danlos. “As primeiras duas semanas foram uma consequência”, relatou Elyse Matos,
bem difíceis. O hiperfoco dele são aviões, então mãe de um garoto com autismo e criadora
ele fica procurando no céu, mas o número de voos do Intituto Ico Project na cidade.
diminuiu muito. E ele não para de ir na janela ou
na varanda procurar aviões. Depois de Eventos e caminhadas,
muitas tentativas, o convenci de que os todos adiados
aviões foram para dentro do computador.
Mas ele prefere os de verdade. E ele tem Com os eventos a respeito do Trans-
dormido muito mais que o normal, penso torno do Espectro do Autismo (TEA),
que há possibilidade de ser algum nível inicialmente agendados para celebrar
de depressão”, contou ela. o Dia Mundial de Conscientização do
Autismo, 2 de abril, todos adiados ou
cancelados, a Revista Autismo criou, “da
TeleTEA, noite pro dia”, o 1º Congresso Online pelo
em Curitiba, Dia Mundial de Conscientização do Au-
dá suporte por telefone tismo, totalmente gratuito e via internet,
com 12 horas de conteúdo, em 34 pales-
A Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba (PR) tras. Mais de 40 mil pessoas assistiram
lançou, no último dia 16 de abril, o TeleTea, serviço de ao evento, com vídeos de 36 palestrantes,
teleatendimento para orientação e apoio de famílias e entre autistas, médicos, pais, terapeutas,
cuidadores de pessoas com TEA que estão em isolamen- além do desenhista Mauricio de Sousa e
to domiciliar neste período — serviço que poderia ser a filha Marina, falando sobre o André, o
copiado por muitos municípios (fica a dica!). A base do personagem autista da Turma da Mônica.
serviço está no Ambulatório Encantar, especializado em Após o sucesso, a organização planeja
crianças e adolescentes com autismo. “O momento atual realizar o congresso anualmente.
exige adaptações e isso gera dúvidas e dificuldades. O uso da tecnologia para suprir a de-
Este é mais um serviço que vem somar às estratégias manda dos autistas e suas famílias não
de combate à pandemia, mas sem deixar de prestar parou por aí. Além das inúmeras lives
atendimento a quem precisa”, disse Márcia Huçulak, que inundaram a internet — sobre todos
secretária municipal da Saúde de Curitiba. os assuntos, aliás, e até shows, tanto de
Segundo Eduardo Cassanho, coordenador do Encantar, anônimos quanto de artistas famosos —
a maior parte do atendimento tem sido a famílias com o Instituto Mauricio de Sousa, em par-
crianças de 4 a 7 anos, com duração de aproximadamente ceria com a Revista Autismo, publicou

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dicas diárias com orientações, ideias, sugestões
e atividades para serem feitas com crianças, so-
bretudo autistas.
O diretor executivo do Instituto, Amauri de Sousa,
elogiou a iniciativa: “Conteúdos por meio de uma
linguagem clara e lúdica estimulam o desenvol-
vimento humano, a inclusão social, o incentivo
à leitura, o respeito entre as diferenças, além da
formação de cidadãos conscientes e conhecedores
de seus deveres e direitos”.
Foram 34 dicas no total, como a
de criar um ambiente propício, um
cantinho mais silencioso reservado
para as atividades. As dicas, foram
dadas pela Neuro Days, um centro
de avaliações neuropsicológicas
que faz atendimentos por valores
sociais, de acordo com a situação
socioeconômica e personalizada
para cada família, com profissio-
nais que atuam em grandes univer-
sidades como a Unifesp e USP. Para
Deise Ruiz, neuropsicóloga fundadora da Neuro
Days, a ação é extremamente útil para as famílias
neste momento de isolamento social. “Pequenas
ideias e sugestões neste momento podem ser muito
valiosas para todos”, disse ela, que elaborou as dicas
junto com toda sua equipe.
Aliás, até o Cascão apareceu lavando as mãos
por conta do novo coronavírus. “Ele viu o que está
acontecendo, ele viu que tem gente doente, com
Covid-19. E a maneira de evitar que o vírus che-
gue na gente é bastante higienização...”, explicou
Maurício de Sousa, pai da turminha.
Ta m b é m p a r a d a r s u b s í d i o à s f a m í l i a s,

Até o Cascão
apareceu lavando
as mãos por
conta do novo
coronavírus
a Associação Caminho Azul, do Rio de Janeiro (RJ), irritada e brigando com meu
tem publicado vídeos com orientações, todas as marido por coisas que antes
quartas e domingos. “É a série ‘Esperança’, vídeos eu relevava. Estou sem terapia,
de 14 minutos de um estudo dirigido psiquiátrico e pois minha terapeuta quer fazer
psicológico, para que as pessoas consigam se movi- online e eu não sou muito fã,
mentar psicologicamente neste momento difícil. É o então não estou fazendo. Mas,
que podemos fazer agora: um serviço gratuito em de um modo geral, até agora
um canal do YouTube da instituição, que não vai só tem sido positivo para mim”,
ajudar a população em geral, desta vez, a enfrentar analisou ela, que tem 29 anos.
o momento, mas estamos pensando em voltar de- No entanto, em algumas si-
pois com uma série sobre neurodesenvolvimento, tuaçóes, o trabalho remoto não
que é o curso que ministro na UFF (Universidade funciona. Leonard Akira, au-
Federal Fluminense) sobre autismo, um curso de tista, youtuber e instrutor de
pós-graduação que estou tentando trazer para o parkour, de São Paulo (SP), está
público leigo”, explicou Caio Abujadi, presidente praticamente sem poder traba-
da Caminho Azul. lhar. “Perdi vários alunos e só
estou conseguindo pagar mi-
Educação e trabalho remotos nhas contas com ajuda. Não
te n ho proje ção de qua ndo
Há muitos relatos de pessoas que não estão conse- conseguirei voltar a trabalhar.
guindo manter o foco nos estudos com aulas online, Provavelmente minha empresa
de crianças a adultos. Porém, há um outro grupo de aulas de parkour será fecha-
— bem grande — que está preferindo o ensino na da”, relatou ele que teve Covid-
telinha do computador. Não fazer contato social 19 com sintomas de cansaço e
pode ser um estresse a menos para muitas pessoas muita dificuldade para respirar.
com autismo. Pa r a q u e m é d a á r e a d a
Fazer uma criança neurotípica (sem autismo) saúde e está na linha de fren-
prestar atenção em aulas via internet já não é sim- te do combate à pandemia, a
ples. Com autismo o desafio é imensamente maior, situação é ainda pior. Lucival-
seja em escola regular ou especializada, conside- do Nascimento, enfermeiro de
rando ainda que muitos também têm transtorno Macapá (AP), de 42 anos, pai
de déficit da atenção com hiperatividade (TDAH), de u m garoto aut ista de 18
Famílias e autistas têm sido muito exigidos neste anos, foi infectado pelo novo
“novo normal”. coronavírus e foi diagnostica-
E o que era opção em algumas poucas empresas, do com Covid-19 no último dia
virou regra nos serviços em que a presença não é 3 de maio, ficando 39 dias em
imprescindível: o home office. tratamento, isolado do filho e
A contabilista Kamila Brandão, autista, de São afastado do trabalho. “Feliz-
Luís (MA), está trabalhando de casa e conta que mente minha esposa e meus
tem sido positivo. “Não estou precisando socializar filhos não apresentaram sinto-
com muita gente. Agora, faço tudo por WhatsApp, mas, somente eu. Para as famí-
por mensagem ou por email, então, não preciso lias daqui de Macapá, o Centro
mais ir até uma pessoa para resolver algo. Antes, Raimundo Nonato enviou al-
eu não podia mandar uma mensagem para alguém gumas atividades para serem
que estava do meu lado, porque é feio fazer isso. executadas em casa, pois aqui
Então, está sendo positivo neste sentido, até para está tudo parado, o surto está
trabalhar com mais liberdade, do jeito que eu quero, muito grande. Estou pedindo a
com a roupa que quero, pés descalços, fazer pausas Deus que logo tudo isso passe,
durante o dia… O lado negativo é estar ficando es- para que volte ao normal”, de-
tressada por estar presa dentro de casa, tenho ficado sabafou ele.

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BPC e a ajuda emergencial que ninguém estranhasse se
uma pessoa acompanhada, ves-
Em 24 de março último, a renda mensal máxima tindo azul, estivesse nas ruas
para receber o benefício foi alterada, passou a ser “quebrando” o confinamento,
igual ou inferior a meio salário mínimo, R$ 522,50 com o tema “No les grites, no
hoje. Dez dias depois, contudo, essa lei foi suspen- los insultes” (não grite com
sa pelo Supremo Tribunal Federal, respondendo eles, nãos os insulte), confor-
ao pedido feito pela Advocacia Geral da União me informação do pai e em-
(AGU), voltando a renda per capita para um quarto preendedor social, o uruguaio
do salário mínimo. Ou seja, nada mudou (leia os Gerardo Wisosky.
detalhes na coluna “Autismo Legal” desta edição). Na Inglaterra, o governo con-
O governo, porém, com a pandemia, liberou uma sidera o autismo como parte de
ajuda emergencial de R$ 600,00 (que inicialmente um grupo chamado “pessoas
era de R$200, porém o Legislativo alterou para vulneráveis”. “Se o autista tiver
R$600) a pessoas de baixa renda, o que trouxe um qualquer dificuldade, poderá se
alento a muitas famílias de autistas. dirigir a autoridades locais, como
Auxiliadora Martins de Santana, dona a polícia, que estarão informados
de casa e mãe do João Vitor, 14 anos, meni- e treinados a atender as necessi-
no com autismo, recebe o BPC já há 9 anos, dades específicas de pessoas com
desde que teve o diagnóstico do filho. autismo”, contou Fausta Cristina
Agora que eles estão recebendo o auxílio Reis, mãe de uma menina com
emergencial, ela conta que isso ajudou muito a fa- autismo, que vive no Inglaterra
mília: “Eu não trabalho fora só cuido do meu filho, há alguns anos.
então isso foi ótimo, deu pra ter uma qualidade de No dia 2 de abril, na França,
vida melhor”, comemorou ela. o presidente Emmanuel Macron
Em muitos casos, é preciso ajudar as famílias de anunciou uma flexibilização
autistas com algo que vá além das terapias e infor- das medidas de isolamento para
mação. Muitas instituições estão fazendo isso, um pacientes com TEA e seus cui-
exemplo é a AMA de SP, que está recebendo doações dadores mediante cadastramen-
de cestas básicas para serem distribuídas às famílias to em um formulário específico.
de seus assistidos. “O lado bom [desta pandemia] Segundo a nutricionista Kamila
é que estamos isolados, mas não sozinhos, e agora Castro Grokoski, “a medida foi
em que a união é tão importante, gostaríamos de tomada junto a Instituições que
convidar todos a fazer-nos uma visita virtual em trabalham pelos direitos dos pa-
nosso site ama.org.br”, sugeriu Franciny Mancini. cientes com TEA, bem como pa-
cientes e famílias em situações
similares. Junto a essa flexibi-
Os impactos lização estavam recomendadas
em outros países inúmeras regras como manter o
distanciamento de outras pes-
E, além do Brasil, como estão as pessoas com soas e seguir todas as orienta-
autismo em outros países? Brasileiros ligados à ções sanitárias”, contou ela, que
causa, em diversas regiões do planeta, enviaram mora na França, e é pesquisa-
informações exclusivas à Revista Autismo expon- dora na área de autismo.
do os impactos da pandemia sobre todo o espectro Em terras holandesas, “a pior
em Portugal, na Holanda, França, Inglaterra, nos parte ficou por conta dos autis-
Estados Unidos e Uruguai. tas internados, que vivem em
Para os portugueses, pequenos passeios perto de moradias assistidas, durante o
casa eram autorizados a todos, não só a autistas. “Al- isolamento mais rígido, quan-
guns fizeram, outros os pais nem arriscaram”, contou do pessoas internadas em hos-
Eduardo Ribeiro, economista que há dez anos dirige pitais, ou casas de repouso, ou
associações ligadas ao autismo naquele país. moradias assistidas não podiam
No Uruguai, uma campanha das associações, receber visitas. Um período de
26 direcionada à sociedade em geral, alertou para dois meses que deixou muita
tristeza, mas a saúde dessas pessoas foi colocada
em primeiro lugar”, destacou Fátima de Kwant, jor-
nalista e mãe de um rapaz autista adulto, residente
na Holanda há 35 anos.
Nos Estados Unidos, a psicóloga Rachel Botelho,
colunista do blog “Mães Muito Afora” e mãe do
Pedro e da Laura, conta que “em Los Angeles, as
escolas passaram a ministrar as aulas pela internet.
O Pedro (com TEA moderado, não-verbal) estuda
numa escola especializada e está tendo aulas diá-
rias junto com o resto de sua turma (12 crianças). O
conteúdo é acessado com materiais digitais e físicos
(em papel) que recebemos por e-mail ou buscamos
na escola numa janela de horário pré-determina-
da”, descreve ela que mora no estado da Califórnia.

Novos valores

Em resumo, no mundo todo, a pandemia provo-


cada pelo novo coronavírus estabeleceu novos pa-
drões, conceitos foram reavaliados e quatro áreas
saem mais fortes desta situação, por nos mostrar
seu valor e o quanto a sociedade precisa delas neste AUTISMO —
momento: a tecnologia (que nos põe em contato com NÃO ESPERE,
pessoas e informações e mantém o mundo “funcio-
nando” mesmo à distância), a saúde (pessoal de A JA LOGO!
cada um, como serviço em cada país e como linha EDITORA M.BOOKS
de frente no combate à pandemia), o jornalismo (que
nos traz informação atualizada — às vezes saindo
às ruas, se arriscando) e a ciência (que nos mostra
o que fazer, o que funciona ou não e em que colocar M ais de
energia e dinheiro para solucionar o problema). 5 .0 0 0
O poeta, pai de autista e ativista da “velha guar- exemplares
da” do autismo, Nilton Salvador, de Curitiba (PR),
finaliza com excelência: “Em tempo de isolamento
vendidos
social, de ‘interautismo’, descubro que o apren-
dizado com o meu autista ainda vai longe. Isso é
natural desde que o autismo foi descrito em 1943 Um livro ideal
e ainda não disse a que veio. Sempre aconteceu. O para quem acabou
que não pode acontecer é que pais de autistas, no de receber
sentido duplo da palavra, passem a adquirir mágicas
o diagnóstico ou
inócuas para lidar com a condição dos seus filhos,
enquanto devem enfrentar os desafios reais, que está em dúvida
são seus, jogando fora o que de bom conseguiram sobre uma
até agora. Minha mulher, quando começo a recla- suspeita de autismo.
mar de alguma coisa, me faz lembrar que um dia já
estivemos pior. Pense nisso. A pandemia passa. O
autismo fica... enquanto tudo tem seu tempo” (texto autismo.paivajunior.com.br
“Interautismo” completo do poeta e os artigos sobre os
detalhes de cada um dos países citados estão no conteúdo
extra, na versão online desta reportagem).
C O L U N A

SOBRE O
Coluna
da Meca NOVO NORMAL
Antes de especular sobre como será o
novo “normal”, preciso admitir que
nunca fui fã de normal algum. Quem me
conhece, mesmo que pouco e em algum
momento da minha vida, sabe disso.
Como analista do comportamento, psi- “satisfação pessoal”, “prazer”, “con-
Meca Andrade cóloga comportamental, isso e aquilo, já forto” e outras tantas abstrações. Mas
ouvi tudo que é desaforo. Normalmente também, e principalmente, comida no
não dos meus clientes, amigos, famílias, prato, teto, saúde, higiene, educação,
é psicóloga, com mestrado etc. Nesse sentido, o “normal” é de-
em Análise Aplicada do alunos, etc. Já ouvi, inúmeras vezes,
Comportamento pela que queremos “normalizar” as pessoas terminado pelas práticas individuais e
Northeastern University (EUA), com autismo. Capacitar até. Então vou sociais que aumentam nossas chances
diretora do Grupo Método. de alcançar essas metas. Dessa forma,
esclarecendo: não, nunca pretendi nor-
malizar nada. sigo entendendo que as práticas normais
Meca Andrade “Mas Meca, se você muda comporta- são aquelas que aumentam as chances
mento, como diz que não se importa de garantir isso.
com o “normal”? Não há, portanto, práticas intrinseca-
Olha só, vou contar uma coisa difícil mente boas ou ruins. Normais ou não.
de ouvir: se você não muda compor- Mas, nos dias que estão por vir, após a
tamento, você não muda nada. Ou faz pandemia de Covid-19, teremos novas
pior, muda comportamento sem saber preocupações, e novas práticas vão ga-
ou assumir responsabilidade. nhar status de normal. Pensar nisso
A questão não é mudar. É mudar em hoje, em plena pandemia, não é ape-
que direção, em benefício de que e de nas uma forma de passar o tempo de
quem. Essa discussão nos leva a valores, isolamento, mas também uma medida
à ética. Para alinhar a discussão sem provavelmente útil para nos garantir
deixar muita margem para confusão, um futuro melhor.
vou assumir uma moralidade darwi- E você, autista, terá que avaliar como irá
nista e entender que a sobrevivência é se ajustar a essas novas preocupações.
o valor central. Ou “meta-valor”, como Que estratégias vai desenvolver e ado-
costumávamos dizer na faculdade, nas tar para se manter saudável, produtivo,
discussões teóricas sobre o behaviorismo. engajado em “o que quer que seja” que
Tudo que se atrela a esse meta-valor é, te traga felicidade. Aqui falo com você,
portanto, desejável. Aí entram coisas autista e leitor desta coluna, ou com
como “qualidade de vida”, “felicidade”, você, profissional que está coçando a
cabeça a essa altura, ou com você, pai,
mãe, irmão, amigo do autista que não lê
essa coluna. A questão é relevante para
todos, mas nos afeta de formas diferentes.

R EVI STA AUTI SMO 29


C O L U N A
QUAL A
RENDA PER
Autismo CAPITA PARA
Legal
O BPC/LOAS?
O BPC/LOAS (Benefício de Prestação valor por 6 (número de pessoas). Temos
Continuada da Lei Orgânica da Assis- o valor de R$ 200,00 que é menor do que
tência Social) é um benefício assisten- os R$ 261,25. Neste caso, o requerente
cial para pessoa com mais de 65 anos poderá receber o BPC/LOAS.
ou com deficiência, incapaz de prover a Despesas necessárias e não fornecidas
Carla Bertin própria manutenção, ou de tê-la provida pelo SUS podem ser abatidas da renda
pela família. per capita, como remédios, alimentação
além de mãe de um garoto autista, é
contabilista, advogada, pós-graduanda Desde 1993, quando o BPC foi criado, especial, terapias etc.
em intervenções precoces no autismo era considerada pessoa incapaz de pro-
e inclusão e direitos da pessoa com ver seu próprio sustento quem tivesse Como solicitar?
deficiência, blogueira, palestrante e
idealizou, juntamente com seu marido, renda mensal, por pessoa, igual ou O benefício pode ser solicitado pelo telefo-
José Carlos, o projeto Autismo Legal. inferior a um quarto do salário mínimo, ne 135, do INSS, e pelo site ou aplicativo
hoje, R$ 261,25. “Meu INSS”. O requerente precisa ser a
autismolegal Em 24.mar.2020, a Lei 13.981/2020 pessoa com deficiência (mesmo que seja
@autismolegal alterou a disposição anterior, e a renda uma criança) e o benefício solicitado deve
autismolegal mensal para efeito do benefício passou ser “Benefício Assistencial” (identificado
www.autismolegal.com.br a ser igual ou inferior a meio salário pelo símbolo de uma pessoa na cadeira de
mínimo, hoje, R$ 522,50. rodas). Não solicite aposentadoria!
Mal comemoramos e, em 03.abr.2020,
essa lei foi suspensa pelo Supremo Tri- Como juntar documentos
bunal Federal, respondendo ao pedido no “Meu INSS”?
feito pela Advocacia Geral da União Entre no aplicativo; clique em “Solici-
(AGU), voltando a renda per capita para tações/agendamento”; selecione “Meus
um quarto do salário mínimo. requerimentos”; clique em “Detalhar
atendimento à distância”; selecione “ane-
Como calcular a renda xar” e envie os documentos.
per capita?
Somamos o valor que toda a família recebe E se o pedido do benefício
(pai, mãe, companheiros, filhos, irmãos, for indeferido?
desde que vivam sob o mesmo teto) e di- Pode ser feito o recurso junto ao INSS
vidimos pela quantidade de pessoas. Por ou em juízo, através do Juizado Especial
exemplo: se em uma família com 4 pessoas Previdenciário. Destaco que a Defen-
só uma recebe R$ 1.200,00, pegamos esse soria Pública Federal atende gratuita-
valor e o dividimos por 4 (número de pes- mente. Em juízo, os valores de renda
soas). Obtemos o valor de R$ 300,00 que per capita podem ser desconsiderados,
é maior do que os R$ 261,25 previstos em desde que comprovada a miserabilidade
lei.. Netse caso, o requerente não poderá e hipossuficiência (quando o valor que
receber o BPC/LOAS. a família recebe não é suficiente para
Outra família, com 6 pessoas, em que só custear todas as despesas necessárias
uma recebe R$ 1.200,00, dividimos esse da pessoa com deficiência)

R EVI STA AUTI SMO


31
FRANCISCO PAIVA JUNIOR

1 PARA 54
CONTEÚDO
EXTRA ONLINE
Use o QR-code que
está no índice desta
edição para ir ao site.

Prevalência de autismo
nos EUA com números
quase idênticos entre
negros e brancos
mostra que algumas
etnias têm menos
acesso ao diagnóstico

A diferenças vistas anteriormente refle-


tiam um viés contra grupos não bran-
prevalência de TEA.

cos, ao invés de uma real diferença de Mais diagnósticos


prevalência entre eles. Contudo, nos Es- Parte do aumento dos números pode
tados Unidos, a prevalência em crianças ter relação com o progressivo movi-
cada 54 crianças que nas- de origem hispânica ainda fica abaixo mento de conscientização da sociedade
cem nos EUA, uma tem au- dos números de outros grupos étnicos. e dos profissionais de saúde sobre a
tismo. Os dados estatísticos “A diferença na prevalência de autismo necessidade de triagem e tratamento
de prevalência do Transtor- entre grupos humanos não é biológica, do TEA. Mas especialistas dos EUA
no do Espectro do Autismo mas social. Autismo não discrimina”, observam a maior inclusão de crianças
( T E A) f ora m pu bl ic ado s comentou Alysson Muotri, neurocientis- de diferentes grupos raciais e étnicos
dia 26.mar.2020 pelo CDC ta brasileiro e professor da faculdade de aos diagnósticos e tratamentos naquele
(Centers for Disease Control medicina da Universidade da Califór- país como outra importante razão para
and Prevention — o Centro nia em San Diego, Califórnia (Estados números crescentes.
de Controle de Doenças e Unidos), referindo-se aos diagnósticos A estatística, divulgada a cada dois
Prevenção do governo dos acontecerem em quem tem melhores anos pelo CDC, continua mostrando
EUA). O aumento é de 10% condições financeiras. a proporção de quatro meninos para
em relação ao número ante- O estudo sugere que o autismo está pre- cada men i na (4, 3 pa ra 1, pa ra ser
rior, divulgado em 2018, que sente em todos os grupos raciais, étnicos exato) e refere-se a crianças de 8 anos
era de 1 para 59. e socioeconômicos. Ou seja, esta condi- nos Estados Unidos, em 11 estados,
Pela primeira vez, os números ção de saúde impacta todas as classes, com informações coletadas em 2016
do CDC mostram uma pre- todavia, só tem o diagnóstico — e, por- — sempre de 4 anos atrás. Estas esti-
valência quase idêntica em tanto, tem ou busca um tratamento — mativas de prevalência são baseadas
crianças negras e brancas. quem tem acesso a melhores condições em registros educacionais e de saúde
Pesquisadores já sinaliza- sociais. Os demais continuam sem diag- coletados pela Rede de Monitoramento
vam uma suspeita de que as nóstico, sem constar nas estatísticas, de Autismo e Deficiências do Desen-
invisíveis. Um bom exemplo é o Brasil, volvimento do CDC.
praticamente ainda sem números (teve O est udo do CDC completo (em i n-
só uma pesquisa-piloto), e todo o conti- glês) está disponível na versão online
nente africano sem qualquer estudo de desta edição.
32
32
R EVI STA AUTI SMO
ACONTEA CIMENTOS

Na pandemia, André deu The Good Doctor completa


dicas diárias para autistas 3ª temporada no Brasil
publicadas diariamente nas Desde 8.maio.2020, os dez para os fãs é que já está con-
redes sociais, do fim de abril episódios que completam firmada uma quarta tempo-
ao início de junho, com orien- a terceira temporada da rada para a série.
tações e ideias para melhorar série The Good Doctor no Desde que estreou no Brasil,
a rotina em casa. Estreladas Brasil, exibida pela Glo- The Good Doctor já ganhou
por André, o personagem au- boplay, estão disponíveis. exibição em canais da TV
tista da Turma da Mônica, as Nos Estados Unidos, essa aberta (Globo) e fechada (no
orientações tiveram a consul- outra metade da terceira canal GNT), além de um es-
toria das neuropsicólogas do temporada estreou dia 13 pecial de divulgação dentro
Centro de Avaliação Neuro de janeiro de 2020, no canal do Tela Quente com os dois
Days, de São Paulo. ABC. Outra boa notícia primeiros episódios.
O diretor executivo do Ins-
tituto, Amauri de Sousa, elo-
giou a iniciativa: “Conteúdos
O Instituto Mauricio de por meio de uma linguagem
Sousa e a Revista Autis- clara e lúdica estimulam o
mo uniram-se para publi- desenvolvimento humano,
car dicas para famílias com a inclusão social, o incentivo
crianças, especialmente au- à leitura, o respeito entre as

Imagem ilustrativa
tistas, neste momento de diferenças, além da formação
distanciamento social por de cidadãos conscientes e co-
conta da pandemia do novo nhecedores de seus deveres
coronavírus. Foram 34 dicas, e direitos”.
ACONTEA CIMENTOS

Estudo que refuta tratamento com


células-tronco para autismo
O neurocientista dr. Alys- Tismoo, explicou que o es-
son Muotri esclareceu, na tudo foi um ensaio clínico
noite de 29.mai.2020, que fase 2, feito pela Duke Uni-
tratamento para o Transtor- versity e 100% financiado por
no do Espectro do Autismo filantropia. Ele ainda pediu
utilizando células-tronco de ajuda para denunciar clínicas
cordão umbilical — as cha- que cobram por esse tipo de
madas células mesenquimais tratamento que, antes do es-
— não é eficaz, segundo es- tudo publicado, já não tinha
tudo científico publicado evidência de que funciona-
recentemente no The Jour- ria. Agora, entretanto, está
nal of Pediatrics. A explica- cientificamente comprova-
ção aconteceu em uma live do que as células mesenqui-
(transmissão ao vivo via in- mais não funcionam e são
ternet) realizada no perfil do ineficazes para o tratamento
Instagram da Revista Autis- de autismo.
mo (@RevistaAutismo). O estudo completo pode
O brasileiro Muotri, que ser acessado na versão online
Imagem ilustrativa

é professor da faculdade de desta edição.


medicina da Universidade
da Califórnia em San Diego
(UCSD) e cofundador da

Produto à base de canabidiol Projeto abre


é aprovado no Brasil participação
A Agência Nacional de passou por todas as fases que para
Vigilância Sanitária (An- comprovem sua eficácia. autistas
visa) autorizou a comer- Desde 10.mar.2020 está em
O projeto “Me
cialização de um fármaco vigor uma resolução que
Dá Uma Mão”,
à base de canabidiol após cria uma nova categoria de
que iniciou com a
ter aprovado seu registro, produtos derivados de can-
comunhão do tra-
em resolução publicada no nabis. A partir de então, as
balho dos artistas
dia 22.abr.2020, no Diário empresas interessadas nessa
Beatriz Raposo e
Oficial. Trata-se de um comercialização já puderam
Alexandre Beraldo,
produto, e não um medi- solicitar o pedido de autori-
propôs, no início
camento, pois ainda não zação à Anvisa. imagens de mãos. Pode ser
de 2020, a expansão de seu
universo pictórico inserin- com desenhos, fotografias,
©Irina - stock.adobe.com

do a participação do público pinturas, bordados, colagem,


em suas produções. Com o vídeos ou qualquer outro
avanço da Covid-19 no Bra- meio. Para participar basta
sil, os encontros presenciais publicar sua criação no Insta-
foram cancelados, mas a pro- gram com a hashtag #Autis-
posta de intercâmbio com a moMeDaUmaMao e marcar o
comunidade se expandiu e @projeto.medaumamao.
chegou à Revista Autismo. Aliás, a capa desta edição,
34 Assim, convidamos todos ilustrada por Beatriz Raposo,
para participarem com é parte desse projeto.
R EVI STA AUTI SMO
ACONTEA CIMENTOS
#RESPECTRO

Crianças com autismo recebem medicação


não indicada e pouca terapia, aponta estudo
Um estudo publicado no maioria deles não indicado
mês de abril.2020, com mais para crianças com autismo
de 800 crianças com autis- ou para sua faixa etária. Ou
mo em idade pré-escolar nos seja, foi evidenciado o uso
Estados Unidos e Canadá, de medicamentos não regu-
apontou que a maioria delas lamentados para crianças
está recebendo, seis meses junto aos órgãos competen-
após seu diagnóstico, pouco tes, como o FDA, nos EUA, e,
mais de 5 horas de terapias portanto, sem essa informa-
semanais, e o recomenda- ção na bula.
do naqueles países é de 25 “Isso aponta para a neces-
horas por semana. Outro sidade de melhorar o aces-
fator mencionado é que so- so aos cuidados de todas as
mente um terço das crianças crianças com autismo e re-
iniciou intervenções com te- duzir algumas das barreiras
rapia comportamental, a que atuais que muitas famílias
tem maior eficácia comprova- enfrentam”, disse Daniela
da por evidência científica. Ziskind, médica do Hospi-

Imagem ilustrativa
Ainda mais preocupante, a tal Infantil da Filadélfia, na
pesquisa descobriu que 16% Pensilvânia (EUA), que lide-
tomam ao menos um me- rou o trabalho.
dicamento psicotrópico, a
C O L U N A
#RESPECTRO

Tudo que

Ilustração: Lucas Ksenhuk


podemos ser

Atualmente, todos nós estamos pas-


VAI PASSAR
como meu pai precisava ir buscar os re-
Nícolas Brito Sales sando por uma pandemia por conta desse médios dos meus avós, eu decidi sair pelo
Coronavírus. Muitas pessoas estão tendo menos um pouco e ficar dentro do carro
Nicolas tem 21 anos, é fotógrafo, que ficar em casa e isso, no geral, está para ver como estavam as ruas. Eu per-
palestrante e escritor. Desde 2011, estressando a muitos por conta dos tra- cebi que quase não tinha ninguém e boa
juntamente com sua mãe, Nicolas balhos, compras, passeios, visita aos fa- parte das pessoas estavam usando más-
percorre vários lugares para dar
miliares que não estão conseguindo fazer. caras. Eu, particularmente, fiquei feliz
palestras sobre como é ser autista
e estar inserido na sociedade. Além de tudo isso, também há muitas em ver que boa parte das pessoas estão
Em janeiro de 2016, Nicolas deu crianças com autismo que estão querendo levando esse caso a sério e eu espero que
início, como freelancer, em seus sair de casa e muitos pais estão ficando tudo isso acabe o mais breve possível. E
trabalhos de fotógrafo, profissão estressados por conta disso, porque elas quanto às outras crianças autistas e seus
que ele pretende seguir. Em 2014, não podem devido à pandemia, mas não pais, eu espero que eles fiquem bem e que
foi coautor do livro “TEA e
inclusão escolar – um sonho mais entendem. Mas também tem pessoas consigam boas “atividades distrativas”
que possível”. Em 2017, Nicolas (com ou sem autismo) que gostam de para os seus filhos.
lançou seu próprio livro, “Tudo o ficar em casa, assim como outras que não Meu recado a vocês é que não relaxem
que eu posso ser”, no qual conta gostam. E o que eu acho de tudo isso? pois esse vírus é coisa séria, mata e pode
suas experiências, o que pensa Eu acho realmente uma situação com- tirar da gente o que a gente mais ama, que
e como vive em sociedade.
plicada, mas realmente necessária para são nossos entes queridos e talvez nossa
proteger as pessoas de baixa imunidade própria vida. Cuide de quem você ama e
e com outras doenças, como diabetes, se cuide. Isso tudo vai passar.
problemas do coração, asma etc. Agora,
para as pessoas que realmente precisam
sair de casa para trabalhar, fazer compras
(uma vez ou outra), eu já acho realmente
muito legal essas pessoas arriscarem a
vida para fazer o melhor pela família,
só que não é para qualquer um. No meu
caso, eu fiquei 1 mês e 10 dias dentro de
casa e, apesar de eu ser caseiro, e não me
importar muito de ficar dentro de casa,
eu queria ver um pouco de como estava o
mundo lá fora. Vejam bem, até eu estava
ficando um pouco “pirado” depois de 1
mês sem sair para lugar nenhum. Então,

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28
R EVI STA AUTI SMO
FRANCISCO PAIVA JUNIOR

A TODO CONTEÚDO
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VAPOR
Desenvolvimento do estão na lista de espera (aliás,

divulgação / Tismoo.me
o cadastro para lista de espe-
aplicativo Tismoo.me, ra ainda está aberto em www.
que beneficiará toda a tismoo.me — corra lá!). Nessa
comunidade ligada ao fase, os primeiros usuários terão
direito a enviar um convite fe-
autismo no Brasil e EUA, chado para um número limitado
está em fase adiantada de amigos. E, finalmente, mais
algumas semanas depois, deve
iniciar-se a terceira e última fase,
abrindo a rede social exclusiva
para o autismo a todos os usuá-

A
rios interessados.
Para encerrar, vale aqui um
spoiler: alguns usuários que
produzem conteúdo de exce-
lência serão escolhidos como
“Top Voices” da rede, uma lista
que se atualizará anualmente.
A Tismoo.me, a primeira rede O aplicativo está ficando muito
bonito e funcional, utilizando o Telas do aplicativo em desenvolvimento
social do mundo dedicada
ao autismo, está com seu de- que há de mais moderno, como
senvolvimento a todo vapor, a tecnologia “High Touch”, uma
com previsão de chegar à ver- nova abordagem tecnológica to-
são beta no próximo dia 30 talmente centrada no indivíduo.
de junho. O aplicativo será Sem dúvida, fará a diferença na
compatível com smartphones vida de muitas pessoas ligadas à
Android e iOS. causa, sobretudo às pessoas com
Inicialmente com o acesso autismo. Valerá a espera!
apenas aos usuários de teste
(os beta testers), a rede deve
abrir para os primeiros ca-
dastrados (que se inscreve-
ram em 2019) até o fim de
julho, iniciando a primeira
fase de usuários.
Para a segunda fase, que deve
acontecer algumas semanas
depois, a Tismoo.me estará
aberta para os usuários que

R EVI STA AUTI SMO


37
C O L U N A

NEURODIVERSIDADE
Trabalho no
Espectro NAS EMPRESAS -
COM TALENTO E
COM O CORAÇÃO!
Marcelo Vitoriano
Nunca foi tão necessário falar sobre a
é psicólogo, especialista em importância de olharmos para popula-
terapia comportamental
ções mais vulneráveis quanto nesta fase
cognitiva em saúde mental,
mestre em psicologia da saúde. de Covid-19, com todos os seus impactos
Há 4 anos faz parte do grupo de na saúde, economia, educação e trabalho.
trabalho sobre Direitos Humanos Dentre os mais vulneráveis, seguramen-
nas Empresas da rede brasileira te, o risco para a população com autismo banco brasileiro e também um dos maiores
do Pacto Global da ONU e é é enorme. Falando em trabalho, o risco de contratadores de pessoas neurodiversas no
diretor geral da Specialisterne aumento significativo de desemprego pode Brasil. Mas por que e como esse banco come-
no Brasil, organização social atingir pessoas neurodiversas e medidas çou a contratar profissionais autistas? Qual
de origem dinamarquesa
presente em 20 países, que de proteção para a permanência no em- foi a motivação? Bem, aqui temos uma bela
atua na formação e inclusão prego devem ser fomentadas e discutidas história que começa com o coração. Como
de pessoas com autismo no com as empresas. Outra preocupação é a assim? O contato inicial para apresentar
mercado de trabalho. redução de oferta de vagas no mercado de o projeto para a instituição aconteceu por
trabalho para pessoas autistas e pessoas intermédio da mãe de uma criança autista,
com deficiência. Neste mês de abril, o se- Betina Breitschwerdt Raposo. Ao descobrir
cretário geral das Nações Unidas, António a iniciativa da Specialisterne, Betina pediu
Guterres, declarou que os direitos huma- ao seu marido, Ricardo Leite Raposo —
nos universais, incluindo os direitos das na ocasião, um colaborador do Itaú —,
pessoas com deficiência, não devem ser que fizesse contato com a organização
violados no momento de uma pandemia. para verificar possibilidades de parceria
Disse ainda que os governos têm a res- visando a criação de um projeto de neu-
ponsabilidade de garantir que sua resposta rodiversidade no banco.
inclua pessoas com autismo. Note-se que o beneficiário não seria sua
Nesse contexto de preocupações e im- própria família, pois seu filho era crian-
pactos da pandemia, esta coluna volta a ça, mas sim outras pessoas e famílias que
compartilhar as boas práticas de inclusão convivessem com a realidade do autismo.
profissional, com qualidade, relacionadas Por isso o projeto começou com o coração,
às pessoas autistas. Com muito orgulho, mas é claro que a cultura de valorização da
hoje falamos da experiência do Itaú, maior diversidade naquela empresa foi um campo
fértil para podermos iniciar o projeto. E
assim começamos esta história de inclusão
no Itaú, por onde já passaram mais de 30
profissionais com autismo, demonstrando

38

R EVI STA AUTI SMO


Trabalho no
Espectro

Betina e filhos

o potencial das pessoas neurodiversas.


“Eles (os profissionais com autismo)
trouxeram valor para a área, não só sob
a ótica do trabalho, no desempenho das
atividades, mas também em desenvolver
um lado humano da equipe, um ambiente Família Raposo
de inclusão e de diversidade. É um pro- a criação de empregos para as pessoas com
jeto muito bonito”, afirma Raposo, hoje autismo no Brasil. E nosso eterno agrade-
conselheiro da Specialisterne. cimento à querida Betina (em memória),
“Demos início, em 2017, à contratação de ao Raposo e seus filhos, responsáveis pelo
profissionais com Transtorno do Espectro início dessa trajetória que vem impactando
Autista (TEA), um projeto em parceria muitas vidas.
com a Specialisterne. Em pouco tempo,
observamos nos profissionais admitidos
por meio do programa a concentração, o
foco, a habilidade na revisão de conteúdo
e na otimização de processos. Eles atuam
principalmente em áreas que exigem ra-
ciocínio lógico e analítico, como modela-
gem financeira, e suas habilidades para
resolver problemas complexos têm trazido
resultados consistentes para o banco. Além
disso, os consultores com TEA estimulam
os colegas a adotar um olhar diferente para
as questões do dia a dia, contribuindo para
a inovação e o desenvolvimento individual
de todos”, diz Camila Udihara, Superin-
tendente de Diversidade do Itaú-Unibanco.
Registro meu agradecimento ao Itaú
por acreditar no projeto e contribuir com

Consultores e equipe Specialisterne

R EVI STA AUTI SMO 39


ALYSSON MUOTRI

é neurocientista, professor da faculdade de medicina da Universidade da Califórnia em San


Diego (EUA), diretor do Programa de Células-Tronco da mesma universidade e cofundador
startup de biotecnologia Tismoo e da nova rede social Tismoo.me.

/muotri muotri.ucsd.edu

AVANÇOS CIENTÍFICOS
PARA O TRATAMENTO
E POTENCIAL
REVERSÃO DO TEA
As 4 tecnologias ut i l i z ado c l i n ica me nte. I s s o reversão dos sintomas do TEA.
mais promissoras na porque ainda não sabemos, na
maioria dos casos, como altera-
Essa lista não é exaustiva, mas
reflete o porquê do entusiasmo
busca de soluções ções genômicas causam altera- dos pesquisadores nessa área. Fiz
para o autismo ções comportamentais. Esse “gap” questão de deixar, propositada-
entre a biologia molecular e o mente, alguns termos na língua

N
comportamento humano é difí- inglesa, com o objetivo de armar
cil de fechar, principalmente pela as famílias e profissionais de
falta de modelos experimentais saúde com os termos científi-
humanos relevantes. Felizmente, cos atuais.
modelos gerados a partir de célu- Vamos lá:
a s ú lt i m a s década s, t i- las-tronco têm demonstrado cada
vemos grandes avanços vez mais utilidades no teste de Terapias
científicos em relação às abordagens terapêuticas. Organoi- farmacológicas
causas do TEA. Descobri- des cerebrais humanos, também Essas são as formas terapêuti-
mos que o fator genético é conhecidos como mini-cérebros, cas mais convencionais, em que
predominante e, com o se- são as novas ferramentas que os se busca um remédio ou medi-
quenciamento do genoma, pesquisadores possuem para fe- camento (artificial ou natural)
continuamos a aumentar a char o “gap” de conhecimento que possa atuar no cérebro de
lista de mutações e varian- e testar se determinada terapia indivíduos com o TEA. Desafios
tes genéticas relacionadas funcionaria ou não no cérebro hu- nessa área incluem a busca por
ao TEA. A genética ajuda a mano. São o que chamamos de drogas que sejam específicas e
revelar os subtipos de au- ensaios pré-clínicos, um passo menos tóxicas. É desejável (mas
tismo e o porquê da varia- essencial para levar uma ideia não restrito) que a droga seja in-
bilidade do espectro. Cada terapêutica até a clínica. gerida oralmente, que seja estável
autista é único, fica claro do Mas quais são essas terapias no organismo e que tenha ótima
ponto de vista genético. que estão sendo testadas? Procuro penetrabilidade no cérebro. Dro-
Apesar dos avanços na resumir aqui as tecnologias mais gas específicas são aquelas que
genética do TEA, esse co- utilizadas atualmente na busca de atuam de maneira seletiva no pro-
nhecimento ainda é pouco melhores tratamentos, ou mesmo blema, por exemplo, moléculas

40
R EVI STA AUTI SMO
Farmacologia/drogas

que interagem com receptores por tipo celular ou estrutura mo- Terapias celulares
nas membranas ou nas sinapses lecular. Por isso são menos deseja- Incluem o transplante de
de certos neurônios. Elas podem das. Todos os remédios usados para células ou do cargo elimina-
também ser desenhadas para sintomas do TEA atualmente são do por células através de ve-
interferir em vias metabólicas inespecíficos. Diversos tratamentos sículas denominadas como
moleculares previamente deter- farmacológicos estão sendo testa- exossomos. Exossomos são
minadas. Drogas não-específicas dos para o TEA, a maioria requer pequenas vesículas libe-
são aquelas que atuam no cére- conhecimento prévio do subtipo ge- radas por um tipo celular
bro inteiro, sem discriminação nético do indivíduo a ser recrutado. que carregam material ou
cargo de uma célula à outra.
Cientistas preferem o uso
Terapia celular de exossomos pois essa es-
tratégia diminui riscos de
efeitos colaterais causados
pelo transplante celular.
Por exemplo, o transplante
de uma célula-tronco pode
levar à formação de um
tumor no cérebro. O maior
desafio dessa abordagem
está em entender como a
célula transplantada ou o
cargo identificado poderia
se alojar e atuar no cérebro
humano. Terapias com célu-
las-tronco e/ou exossomos
estão em ensaios clínicos
para o TEA em algumas
universidades, mas existem

R EVI STA AUTI SMO


41
muitas clínicas vendendo Complementação proteica
esse t ipo de t ratamento
como se fosse algo já apro-
vado clinicamente. Não é.

Complementação
proteica
Em casos monogenéticos
do TEA, em que apenas um
único gene sofra mutação, e
haja perda de uma proteína
específica, a complementa-
ção proteica pode ser uma
estratégia direcionada e
eficaz. Primeiramente, pro-
duz-se a proteína alvo em
larga escala. Muitas vezes
isso é feito em bactérias
de laboratório para redu-
zir custos. Essas proteínas mais chances de funcionar quando a viral como ferramenta de entrega do
são fusionadas com outras causa genética é única e bem conheci- gene correto.
proteínas que auxiliam na da, ou seja, um único gene está alte- Correção genética. Aqui, usam-se en-
penetração celular. Por fim, rado. Dentro dessa categoria, ressalto zimas de edição gênica para corrigir
as proteínas fusionadas são quatro estratégias: a mutação ou defeito genético, direta-
purificadas e injetadas di- Introdução do gene correto. A forma mente no genoma das células do indi-
retamente no paciente. O mais tradicional de terapia gênica, in- víduo. Esse tipo de estratégia é muito
maior desafio aqui é a pro- clui o delivery do gene correto dentro popular hoje em dia e ficou muito co-
dução em larga escala para das células que possuem a mutação nhecido por causa das enzimas CRIS-
tratamento clínico. Também genética. Em geral, usa-se um vetor PR. Essas são enzimas que podem
não sabemos se esta estraté-
gia funcionaria para todas
as proteínas, pois algumas Terapia gênica
têm localizações intra-ce-
lulares específicas, dificul-
tando seu direcionamento
preciso. Uma das vantagens
dessa estratégia é poder
dosar exatamente o nível
proteico desejado no corpo
do indivíduo.

Terapia genética
A terapia genética tem ga-
nhado importância nos úl-
timos anos, principalmente
por causa de casos bem-su-
cedidos com outras doenças ASOs
monogenéticas. Esse tipo
de terapia é o que mais se
aproxima de uma cura ou
reversão completa. Ela tem
42
R EVI STA AUTI SMO
corrigir o DNA ou RNA de O custo das estratégias
forma bem eficiente. Infe- de terapia gênica que uti-
lizmente, mesmo as CRISPR lizam vetores virais são
não são perfeitas e podem altíssimos, pois a produ-
causar “off-targets”, ou seja, ção desses vírus requer um
introduzir mutações indese- tipo de mão-de-obra e con-
jadas no genoma. Outra di- trole de qualidade muito
ficuldade é fazer as CRISPR e s p e c i a l i z ado s. Me smo
chegarem ao cérebro e atua- assim, quando comparadas
rem nos neurônios, células ao custo de tratamentos e
onde esse tipo de enzima terapias convencionais de
tem baixa funcionalidade. uma pessoa com TEA, é
Portanto, também depen- provável que seg u rado -
dem de um vetor (viral ou ras de planos de saúde as
não) para entrega das enzi- vejam como estratégia eco-
mas nas células cerebrais. nômica mais vantajosa.
Ressalto que qualquer
Modulação gênica u ma dessas tec nolog ias
Esta é uma variante híbrida poderá beneficiar primei-
das duas últimas táticas. A ramente adultos com TEA
ideia é usar as CRISPR para que tenham os resultados
dosar a atividade gênica. de seu sequenciamento ge-
Em alguns casos genéticos nético. Isso porque ensaios
de TEA, em que existe ha- clínicos tendem a preser-
ploinsuficiência, esse tipo var crianças inicialmente e
de abordagem pode ser mais dependem muito da infor-
eficiente e seguro do que as mação dos genes alterados
estratégias anteriores. para funcionar. Uma forma
das famílias se manterem
ASOs atualizadas sobre o anda-
O uso de ASOs, ou “oli- mento dessas pesquisas
gonucleotídeos antisense”, é através do site do FDA:
é uma ideia antiga e que re- clinicaltrials.gov. Nesse
centemente tem tido mais site, basta digitar “autism”
espaço devido a melhorias ou “ASD” (TEA em inglês),
na estabilidade das molé- ou mesmo o nome do gene
culas utilizadas nesse pro- alterado no campo de busca,
cesso (em geral, um RNA para que apareçam todos os
modificado). Esses ASOs ensaios clínicos em anda-
n ão de p e nde m de u m a mento. Além disso, as famí-
ferramenta viral para en- lias podem procurar saber
trar nas células cerebrais se existem iniciativas que
e podem se espalhar facil- estariam recrutando indiví-
mente pelo cérebro. Esses duos, e resultados parciais
ASOs regulam a atividade que estejam disponíveis
de genes de maneira espe- para consulta.
cífica, ou seja, podem ser
usadas tanto para aumentar
a expressão do gene correto
ou diminuir a atividade de
genes alterados.
C O L U N A

TEMPOS DE
QUARENTENA
Autismo Nestes tempos bicudos qualquer Sim, claro, há 29 anos, o autismo
Severo coisa vale para criar uma rotina sa- era um grande desconhecido. Mas,
tisfatória para meu filho autista. As mesmo assim, não consigo parar de
lições que a escola envia são de grande me repreender, muito provavelmente
valia. E vamos nós à caça de fotografias porque, mesmo então, eu sentia que
antigas, figuras de revistas, etc e tal. as coisas não tinham que ser daque-
Não gosto de velhas fotos, por isso le modo. Que eu, a mãe, sentia meu
a quarentena está sendo uma época filho e aquela não era a abordagem
duplamente difícil. Tenho pensado correta. No entanto, segui orienta-
Haydée Freire Jacques muito sobre o motivo desse meu des- ções, contra meu discernimento, que
contentamento. Em princípio acho levaram a muito sofrimento e nenhum
é casada e mãe de dois filhos, sendo o que o que passou é passado, o que era resultado positivo.
mais moço autista severo. Formou-se importante a gente guarda na lem- O tempo, mestre sábio quando apren-
em odontologia, exerceu a profissão
até 2006, quando decidiu dedicar-se brança. A certeza do nunca mais me demos a ouvi-lo, ensinou-me a re-
integralmente ao filho. incomoda. Fotos retratam tempos e beldia frente à autoridade. Sou uma
personagens que não mais existem, velhota rebelde, não aceito nada sem
circunstâncias, boas ou más, que antes passar pelo crivo dos meus sen-
não mais se repetirão. Não vejo mo- timentos e conhecimentos. Posso ser
tivo para remexer no que já acabou. muito permissiva, por que não? Sou
Em relação à minha história com o porque posso. No presente estou mais
autismo, a coisa é ainda mais com- em paz comigo e com meu filho. Mas
plicada, porque implica em um sen- o passado… Ah, o passado! Esse não
timento de falha, de erro. Remete a muda, não há o que fazer. De modo
uma época de solidão e perplexidade, que essa “culpazinha” fria, fininha,
de completa ignorância do que estava continua lá, firme e forte. Voltando
acontecendo. Um tempo em que as de- às fotos, para que recordar tempos di-
cisões eram cruciais ao mesmo tempo fíceis, em que me reconheço culpada
em que eu não tinha qualquer conhe- por omissão ou comissão? Aprendi o
cimento para tomá-las. Vejo fotos e que precisava desses tempos duros, e
sinto, outra vez, o medo e inseguran- está bom assim. Nada de fotos, hehehe.
ça, as ações e — quase sempre — as
consequências funestas. E me pergun-
to: como pude fazer isso? Como pude
dar crédito a tal profissional? Como
pude submeter meu filho a tal sofri-
mento? Posso garantir que a culpa é
enorme e muito sofrida.
Meu marido, muito mais lógico do
que eu nesse ponto, afirma que fizemos
o melhor, dadas as circunstâncias.
44

R EVI STA AUTI SMO


39
R EVI STA AUTI SMO
DA REDAÇÃO

INTROVERTENDO
TRANS- Primeiro podcast
brasileiro de

FORMA autistas sinaliza


para outros
públicos
ÁUDIO
EM LIBRAS
46
R EVI STA AUTI SMO
O
CONTEÚDO
EXTRA ONLINE
Use o QR-code que
está no índice desta
edição para ir ao site.

Introvertendo, primeiro podcast de autistas


do Brasil e o principal sobre autismo do
país, lançou uma ferramenta em Língua
Brasileira de Sinais (Libras) em seu site
por meio de uma parceria com a plataforma
Hand Talk. A partir do ícone “acessível em
Libras”, é iniciado um tradutor virtual que
converte textos para a Língua Brasileira
de Sinais.
De acordo com os integrantes do podcast,
a iniciativa surgiu após receberem relatos de
alguns fãs do Introvertendo, não-ouvintes,
e que consumiam o conteúdo a partir de le-
gendas automáticas, repletas de erros. Desde
o 85º episódio, lançado em janeiro, todos os
áudios contam com transcrição textual.
O responsável pelas transcrições é o fun-
dador e um dos apresentadores do podcast,
o jornalista Tiago Abreu. “Para a transcri-
ção automática, originalmente utilizamos
o Google Text-to-Speech. Depois disso, o
texto passa por uma revisão manual inten-
siva. Ideias repetidas e marcas da oralidade
são removidas para que o conteúdo fique o
mais compreensível. É um processo que leva
horas”, disse.
Para facilitar a transcrição, também foi
importante investir na qualidade do áudio
do podcast. Com a parceria da Superplayer
& Co, agora como produtora do Introver-
tendo, a edição e mixagem dos episódios
são feitas pelo engenheiro de som Glauco
Minossi, que já trabalhou com artistas e
bandas como Cidadão Quem, Tequila Baby,
Ultramen e Chimarruts.
Poucos podcasts no Brasil tiveram a ini-
ciativa de produzir conteúdo acessível para
pessoas surdas, apesar de este público, de
acordo com pesquisa de 2019 feita pelo Ins-
tituto Locomotiva e a Semana da Acessi-
Ilustração: Bruna Innocenti

bilidade Surda, corresponder, somente na


população brasileira, a mais de 10 milhões
de pessoas. Além das já conhecidas limita-
ções financeiras do segmento, a produção em
podcast ficou historicamente marcada pela
exclusividade do áudio.

R EVI STA AUTI SMO


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KAKÁ LOBE

é autora do site Autistólogos,


com grande presença nas redes sociais.

@autistologos_autismo
autistologos.com

FICÇÃO A
SERVIÇO Linguagem
DA CAUSA informal e
leitura leve

N
o dia 2 de abril, Dia Mun- não tem cura, por que vale a
dial da Conscientização do pena investir no tratamen-
Autismo, lançamos o livro to? Quais são os fatores para
Propósito Azul — dispo- o sucesso no tratamento e
nível na Amazon e diver- quais são as chances de su-
sas outras livrarias online cesso? Devo dar medica-
— uma obra de ficção que ção ao meu filho? Quantas
escrevi com meu marido, horas de intervenção são
baseada em muitos fatos necessárias? Meu filho pre-
reais vividos pelas famí- cisa de acompanhante tera-
lias que recebem o diag- pêutico na escola? O que o
nóstico de autismo. acompanhante terapêuti-
O prefácio é do mais cé- co deve fazer e o que não
lebre ativista da causa no deve fazer?”.
Brasil, Marcos Mion e 100% Além disso, apresentamos
da renda será revertida para uma série de dicas para os
a causa do autismo. pais colocarem o tratamento
Com o livro, meu princi- em prática em casa, escri-
pal objetivo foi esclarecer tas com o suporte da mestre
uma série de dúvidas e até Mayra Gaiato.
conceitos equivocados que É claro que ter profis-
eu tinha quando recebi o sionais que te orientem no
diagnóstico do meu filho tratamento é primordial,
Matheus, quando ele tinha mas a realidade é que para
1 ano e 9 meses, em 2014 e grande parte das famílias
que, após 2 anos de trata- não existe essa possibilida-
mento, “saiu” do espectro de. Foi por isso que criei o
do aut i smo, m a s i s s o é site www.autistologos.com
outra história. e o instagram @autistolo-
Abordamos alg u mas gos_autismo, onde procuro
questões como: “Será que é levar dicas da minha pró-
48 mesmo autismo? Se autismo pria experiência para essas
Kaká, o marido, André, e os fi lhos.
R EVI STA AUTI SMO
famílias, sempre baseadas mundo, o Miami Children’s
na literatura científica. Hospital, Dr. Carlos Gadia
A lé m d i s s o, mu it a s – outro brasileiro radicado
vezes, algumas famílias até nos Estados Unidos –, abor-
têm acompanhamento de da o diagnóstico.
profissionais, mas não na Sobre o impacto do diag-
intensidade necessária. E, nóstico nas famílias, nin-
de qualquer forma, os pais guém melhor do que Fátima
precisam saber como esti- de Kwant, que reúne os atri-
mular seus filhos quando butos de mãe, consultora e
estão com eles, precisam jornalista, que conta sua pró-
con hecer como funciona pria experiência de forma
seu filho para que o trata- emocionante e nos deixa uma
mento tenha sucesso. grande lição.
O livro foi escrito numa Carla Bertin do Autismo
linguagem bem informal, Legal faz um resumo sobre
uma leitura leve e praze- todos os direitos das pes- Marcos Mion escreveu o prefácio.
rosa que conta com a cola- soas com autismo, professor
boração técnica de grandes Lucelmo Lacerda dá dicas
especialistas da área, para brilhantes sobre inclusão
que você aprenda muito, escolar e muito mais!
gastando pouco tempo, di- Não foi nada fácil reu-
nheiro e energia. nir esse super-time. Vale
Mayra Gaiato, renomada a pena conferir!
terapeuta da área, classifi-
ca o livro como inovador.
“Propósito Azul conta com
as atualizações mais recen-
tes sobre autismo, escrito de
forma leve e até divertida,
mas com o cuidado de tra-
zer somente conteúdo pa-
drão-ouro de excelência e
baseado em dados cientí-
ficos, como deveriam ser
todas as informações refe-
rentes ao autismo”, afirma.
Destaque também para
a participação do neuro-
cientista brasileiro radicado
em San Diego, EUA, Alys-
son Muotri, que acabou de
enviar minicérebros (orga-
noides cerebrais humanos)
para o espaço através da
NASA e aborda, no livro,
as causas do Autismo.
Diretor de um dos maio-
res centros de autismo do
R EVI STA AUTI SMO 49
C O L U N A
#RESPECTRO

Liga
dos Autistas MUDANÇAS
IMPREVISÍVEIS
Esses tempos de isolamento social de idade, aprendi que a mudança não
forçado nos trazem uma importante é integralmente boa, nem ruim. No fim
lição: não temos o controle sobre nossas das contas, a vida é só o que a gente faz
Kamilla Brandão vidas! O autista está sempre se plane- com o que vai acontecendo com a gente.
E. Baima jando, criando rotinas, traçando cami- A essa altura do texto, você deve estar
nhos bem projetados para a vida, mas... pensando que só escrevo essas coisas
é membro da Liga dos Autistas, coisas acontecem! Sim, meus caros lei- porque não tenho problemas e a minha
trabalha há 10 anos na área de tores, as nossas listas são meros alentos maior frustração até hoje foi abrir o pote
finanças, é medalhista estadual de tiro à nossa mente ansiosa por padronização. de sorvete que estava no freezer e achar
esportivo, trader, pretensa escritora, Devemos ter a consciência disso e nos feijão! Mas acredite em mim, minha
aficcionada por qualquer coisa preparar para os imprevistos. Não digo vida dá um roteiro de novela mexicana,
aleatória que consiga prender sua para abandonarmos nossas listas e viver dessas que se reprisam às tardes na TV
atenção, diagnosticada com autismo enlouquecidamente o hoje, mas que a aberta. Eu descobri há pouco tempo que
aos 28 anos, após seu segundo burnout. gente consiga, de improviso, readaptar sou autista, e cresci acreditando em cada
nossas tarefas programadas. absurdo que falavam sobre mim. Desde
Que tal se a gente parasse um pouco então, eu venho tentando descobrir quem
e tentasse relacionar o que a mudança eu sou.
nos trouxe de bom? No meu caso, estou A única certeza que tenho até agora é
trabalhando de casa. Não tenho que pôr que tudo o que passei me fez ser quem
aquela roupa desconfortável, nem cal- eu sou neste exato momento escrevendo
çar sapatos (odeio sapatos!), e estou só, este texto. Os imprevistos vão continuar
trancada no escritório da minha casa, acontecendo e no fim, a felicidade é uma
autistando à vontade e dando um escolha que você refaz a cada minuto.
tempo de tanta socialização que às Eu poderia estar bufando com os meus
vezes me sobrecarrega. As reu- vizinhos que também estão em quaren-
niões agora viraram e-mails bem tena e não param de fazer barulho, mas
explicados, que eu posso reler escolhi colocar uma música que amo e
quantas vezes eu precisar para cantar junto, e isso me fez lembrar de
Ilustração: Lucas Dias @_.tangg._

entender, e quando tenho uma mais uma vantagem de trabalhar em


dúvida posso simplesmente en- casa, posso cantar alto mesmo sendo
viar uma mensagem a algum super desafinada!
colega. Vários pontos positivos!
Nesses quase trinta anos

@liga.dos.autistas
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R EVI STA AUTI SMO


Esta edição só foi possível porque
muita gente acreditou! Nosso mais
sincero muito obrigado a todos,
inclusive a muitos doadores anônimos.

APOIADORES

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